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CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES

E DEMOCRACIA
Lições da experiência brasileira*

José Álvaro Moisés

Introdução e não brusca ou definitiva. Qual seria o grau de


adesão dos brasileiros ao regime democrático (a)
O objetivo deste artigo é descrever e analisar as como um ideal e (b) como um sistema prático? Em
orientações dos cidadãos brasileiros a respeito da que medida a sobrevivência de atitudes autoritá-
democracia e suas instituições, tendo por base sua rias compromete a aceitação do regime, e como a
experiência prática com esse regime nos últimos experiência dos cidadãos com as instituições de-
vinte anos. Comparando o Brasil com outros pa- mocráticas influi sobre suas atitudes políticas? A
íses latino-americanos, o trabalho examina como demanda pública por democracia seria compatível
os cidadãos brasileiros participaram do longo pro- com a oferta institucional do regime brasileiro? Es-
cesso de transformação do regime autoritário em sas são as indagações que nortearam este estudo.
democrático, resultado de uma mudança gradual, A análise testa a influência de dois tipos de
variáveis explicativas da adesão à democracia: de um
* Versão revista do texto apresentado no XX Congres-
lado, as relativas à abordagem da cultura política e,
so Mundial da Associação Internacional de Ciência
Política – IPSA, Fukuoka, 8-13/7 de 2006. Devo o de outro, as de avaliação do desempenho de insti-
cuidadoso trabalho de organização dos dados a Ga- tuições democráticas. No primeiro caso, o teste en-
briela de Oliveira Piquet e João Francisco Rezende. volveu a construção de uma tipologia de atitudes
Agradeço os seus comentários, assim como os de que, além de distinguir as orientações democrá-
dois pareceristas anônimos da RBCS. ticas das autoritárias, contrasta-as com a posição
Artigo recebido em setembro/2007 de ambivalência política dos indivíduos em face
Aprovado em fevereiro/2008 dos regimes democrático e autoritário; no segun-

RBCS Vol. 23 nº. 66 fevereiro/2008


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do caso, o tes­te foi realizado com variáveis usu- o aspecto mais importante das descobertas pre-
almente utilizadas pa­­ra medir tanto a satisfação liminares indica que a presença daqueles fatores
com a democracia vi­gente, como a confiança dos estimula a preferência de significativas parcelas de
cidadãos em suas instituições. Diferente, no en- cidadãos brasileiros por modelos de democracia
tanto, da tendência usual da literatura de contra- que descartam uma das características mais im-
por as duas abordagens, a premissa adotada é que portantes desse regime – em realidade, um dos
não só a tradição da cultura política mas também principais elementos que distinguem a democracia
aquela que valoriza o desenho e o desempenho de suas alternativas – isto é, as instituições de re-
das instituições públicas influem na relação dos presentação, por meio das quais, além do direito
cidadãos com o regime democrático (Rose, 2001; de escolher governantes, os eleitores podem fisca-
Lijphart, 1999). Assim, considera-se que a mescla lizar e exercer controle sobre a atuação deles.
entre orientações valorativas e orientações prag- O texto discute inicialmente os conceitos
máticas – derivadas do julgamento do desempe- de democratização e de qualidade da democra-
nho das instituições – cria o ambiente em que se cia. Em seguida, são tratadas as diferenças entre
definem as atitudes e as percepções intersubjetivas as abordagens culturalista e institucionalista e, em
dos indivíduos quanto ao regime político. Ainda ambos os casos, hipóteses empiricamente verificá-
sobre isso, outro pressuposto do estudo é que a veis são derivadas da teoria. A seção seguinte trata
qualidade da democracia, definida nos termos de das características singulares do caso brasileiro,
Diamond e Morlino (2004), influencia a experiên- referindo-se às suas implicações para a qualidade
cia, a avaliação e a percepção dos cidadãos sobre da democracia e situando-o no contexto das expe­
as instituições democráticas e, nesse sentido, pode riências internacionais de democratização. Por fim,
reforçar tendências da cultura política brasileira de são apresentados os dados analisados e as conclu-
desvalorizar, por exemplo, as instituições de repre- sões provisórias que eles sugerem. Entre as impli-
sentação política como partidos e parlamentos.1 cações mais importantes deste estudo estão as que
As variáveis utilizadas na análise derivam de se referem aos efeitos das atitudes de ambivalência
medidas em nível individual feitas por pesquisas quanto ao regime político e às avaliações negati-
de opinião da Corporação Latinobarômetro, entre vas das instituições derivadas da experiência po-
2002 e 2004, em 18 países latino-americanos, tota- lítica dos entrevistados. Ambos os fatores afetam
lizando mais de 48 mil entrevistas. Embora as pes- a escolha dos entrevistados quanto a modelos de
quisas do Latinobarômetro tenham sido objeto de democracia em sentido negativo; as implicações
crítica, em especial, quanto à representatividade teóricas e práticas deste fato são discutidas.
de suas amostras para alguns países, a utilização
de dados para os anos mencionados justifica-se
por se tratar, neste caso, de pesquisas que, dife-
rentemente de anos anteriores, atenderam – se- Democratização, democracias e
gundo seus responsáveis2 – às exigências de repre- qualidade da democracia
sentatividade para o conjunto da população dos
países incluídos. Além disso, em relação aos ob- Tal como ocorreu no Brasil, nas últimas
jetivos deste estudo, algumas dimensões adotadas três décadas a maioria dos Estados existentes no
pelas pesquisas do Latinobarômetro mostraram-se mundo tornou-se democrática. Quando argumen-
adequadas por utilizar variáveis relativas a valores tou, dezessete anos atrás, que uma terceira onda
e a instituições utilizadas em outras pesquisas in- de democratização tinha varrido o mundo entre
ternacionais, assegurando a possibilidade de com- 1974 e 1990, Samuel Huntington referiu-se a não
paração. mais que trinta países que tinham feito a transi-
Os resultados confirmam a hipótese central ção do autoritarismo para a democracia, o que
do trabalho, segundo a qual a variação dos índices fez dobrar o número de governos democráticos
de adesão à democracia e de confiança política no no mundo (Huntington, 1991). Mas isso foi antes
Brasil depende tanto da cultura política como do de se completarem as transformações provocadas
funcionamento das instituições democráticas; mas pela queda do muro de Berlim, em 1989, na Eu-
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ropa do Leste, e de desenvolvimentos similares na para a existência da democracia, como advogam


Ásia e na África, em anos seguintes, cujos efeitos as definições convencionais, tornou-se evidente
resultaram na multiplicação do número de regi- que elas não garantem per se a instauração de um
mes democráticos no mundo. A evolução posterior regime democrático capaz de assegurar princípios
dos acontecimentos mostrou que a interpretação como o primado da lei, o respeito aos direitos dos
segundo a qual a história tinha chegado ao seu cidadãos e o controle e a fiscalização dos gover-
fim estava errada, mas a democracia prevaleceu nos. Apesar de demonstrar que o antigo regime
sobre suas alternativas em quase todas as partes terminou e que, doravante, a escolha de governos
do mundo (Shin, 2005). está submetida ao princípio da soberania popu-
Apesar disso, numa perspectiva comparativa, lar, a vigência de eleições não impediu, em alguns
o resultado do processo de democratização das casos, que, mesmo evoluindo no sentido da am-
últimas décadas mostrou que os novos regimes pliação dos direitos civis e políticos, democracias
são bastante diferentes entre si e que não existe eleitorais não atendessem necessariamente a todos
uma única via para a institucionalização da de- os critérios segundo os quais um sistema político
mocracia. Por certo, a análise da democratização autoritário se transforma em democrático. No Les-
tem de levar isso em consideração. Embora a li- te Europeu, na Ásia e na América Latina, países
teratura especializada reconheça que se trata de que consolidaram processos eleitorais competiti-
um fenômeno complexo, relativo à transformação vos convivem com a existência de governos que
de regimes políticos de natureza totalitária ou au- violam os princípios de igualdade perante a lei,
toritária em outro definido por características das usam a corrupção e a malversação de fundos pú-
tradições republicana, liberal e democrática, o exa­ blicos para realizar seus objetivos e impedem ou
me de diferentes experiências mostrou que a de­ dificultam o funcionamento dos mecanismos de
mocratização diz respeito também ao processo de accountability vertical, social e horizontal. Nesses
transformação de uma democracia limitada, in- casos, o que está em questão não é se a democra-
completa ou híbrida em um regime democrático cia existe, mas a sua qualidade (Shin, 2005; Mor-
pleno – por mais difícil que seja defini-lo (Shin, lino, 2002; Diamond, 2002; Diamond e Morlino,
2005; Diamond, 2002; O’Donnell, 1994; Weffort, 2004; O’Donnell, Cullell e Iazetta, 2004; Schmitter,
1992; Reis, 1988; Sen, 1999; Vianna, 2002). 2005; Lipjhart, 1999).
A evolução das últimas décadas apontou nes- Não surpreende, portanto, que o debate re-
sa direção. Com efeito, pouco mais de trinta anos tome a definição da democracia. Apesar das con-
depois do início da terceira onda de democrati- trovérsias herdadas do século XIX, a literatura
zação, a democracia tornou-se o regime político que analisou experiências recentes de democrati-
preferido dos cidadãos na maior parte das regiões zação caracteriza-a como um fenômeno de natu-
do globo (Gallup International, 2005), aí incluído reza multidimensional. Isto resultou de diferentes
o Brasil, mas isso não impediu que a natureza des- desenvolvimentos do argumento. Por uma par-
se avanço fosse questionada. Assim, de um total te, acompanhando a abordagem minimalista de
de 192 nações pesquisadas em 2005, 119, ou seja, Schumpeter (1950) e procedimentalista de Dahl
62% foram classificadas como democracias eleito- (1971), vários autores definiram a democracia em
rais pela Freedom House (2005), uma vez que suas termos de competição, participação e contestação
mais recentes eleições para a escolha de governos pacífica do poder. Assim, o estabelecimento de
atenderam aos padrões internacionais, segundo os um regime democrático implicaria basicamente
quais elas devem ser justas, competitivas, regula- nas seguintes condições: 1) direito dos cidadãos
res e abertas à participação de todos os segmentos escolherem governos por meio de eleições com
da comunidade política, independentemente de a participação de todos os membros adultos da
sua ideologia e de suas raízes culturais, étnicas comunidade política; 2) eleições regulares, livres,
ou socioeconômicas. No entanto, em vários casos, competitivas e abertas; 3) liberdade de expressão,
limitações importantes foram diagnosticadas, exi- reunião e organização, em especial, de partidos
gindo a qualificação das transformações iniciadas políticos para competir pelo poder; e 4) acesso
anos antes. Embora eleições sejam indispensáveis a fontes alternativas de informação sobre a ação
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de governos e a política em geral. Essa definição são legal que envolve valores compartilhados pela
tem a vantagem de deixar claro que qualquer sis­ maioria dos membros da comunidade política.
tema político que não se baseie em processos Assim, em suas etapas iniciais, a democratização
competitivos de escolha de autoridades, capazes consolida instituições cujos objetivos asseguram a
de torná-las dependentes do voto da massa de ci- igualdade dos cidadãos perante a lei e seus direi-
dadãos – isto é, do mecanismo por excelência de tos de participação e representação. Mas alcança-
accountability vertical –, não pode ser definido das tais condições, a adoção de princípios de boa
como uma democracia. governança como a legalidade, a universalidade,
Mas a ênfase minimalista de Schumpeter a transpa­rência e a responsabilização dos gover-
é vulnerável ao que outros autores classificaram nantes emerge como objetivos complementares da
como “falácia eleitoralista”, isto é, a tendência de agenda da democratização.
se privilegiar as eleições sobre outras dimensões O desenvolvimento dessas diferentes etapas
da democracia (Karl, 2000). Com efeito, ao definir indica que o processo de democratização avança
a democracia essencialmente como um método gradualmente e não de forma linear. Após compa-
competitivo de escolha de governos dentre as eli- rar o efeito das diferenças seqüenciais da primeira
tes disponíveis, essa perspectiva desconsidera o e da terceira ondas de democratização do mundo,
fato de que mesmo países que adotam o meca- Rose e Shin (2001) constataram que vários casos do
nismo eleitoral podem conviver com a realização primeiro grupo consolidaram um sistema de elei-
de eleições que não são inteiramente livres, tor- ções livres antes de se completar a instauração de
nando discutíveis os seus resultados. Além disso, outras instituições do Estado democrático, relativas
a vertente minimalista dá pouca importância ao ao primado da lei, da participação da so­ciedade ci-
que acontece com as demais instituições durante vil e dos mecanismos de responsabiliza­ção de go-
a democratização. Instituições como o parlamen- vernos. Eles concluíram que a consolidação da de-
to, o judiciário ou a polícia podem funcionar de mocracia não é a única alternativa de mudança de
forma deficitária ou incompatível com a doutrina regimes políticos. Não sendo um processo teleoló-
da separação de poderes, mesmo convivendo com gico, em que cada etapa remete necessariamente a
um regime de regras eleitorais. Em vista dessas outra que seria sua continuação racional, e sendo
limitações, Dahl (1971) ampliou e completou a de- impossível garantir que democracias que nascem
finição da democracia com sua abordagem das po- incompletas irão necessariamente se aperfeiçoar,
liarquias, mostrando que para que o princípio de os autores sugerem que alguns sistemas políticos
contestação do poder esteja assegurado é também poderão persistir por tempo indeterminado como
indispensável que condições específicas assegu- broken-back democracies, ou seja, como sistemas
rem a participação dos cidadãos na escolha de go- institucionais deficientes, incapazes de assegurar
vernos, inclusive a possibilidade de eles próprios plenamente o governo da lei (e não dos homens),
serem escolhidos; ainda, como característica cen- a competição política e a responsabilização dos
tral da democracia, este autor apontou a exigência governos.
de contínua responsividade dos governos à pre- O que esta perspectiva coloca em questão
ferência dos cidadãos. Essas condições implicam não é simplesmente a contraposição democracia/
em garantias relativas às liberdades individuais e ditadura, mas a qualidade do regime democrático.
ao direito de organização e representação da so- O conceito, definido com base no funcionamento
ciedade civil, em especial, em partidos políticos, do mercado, refere-se à qualidade do produto ou
por intermédio dos quais a pluralidade de concep- serviço produzido segundo procedimentos, conte-
ções e interesses em disputa pode se expressar. údos e resultados específicos. A qualidade envolve
Mas elas implicam também na tradição do que se processos controlados por métodos e timing pre-
designou como constitucionalismo, isto é, a neces- cisos, capazes de atribuir características singulares
sidade de que princípios internalizados em insti- ao produto ou serviço, de modo a satisfazer as
tuições – como mecanismos de pesos e contrape- expectativas de seus consumidores potenciais. No
sos – sejam garantidos por uma constituição aceita caso da democracia, espera-se que esse re­gime
como legítima pela sociedade, isto é, pela dimen- seja capaz de satisfazer as expectativas dos cida-
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dãos quanto à missão que eles atribuem aos go- o primado da lei ou a obrigação dos governantes
vernos (qualidade de resultados); confia-se que ele prestarem contas aos eleitores de suas ações, algu-
assegurará aos cidadãos e às suas associações o mas democracias eleitorais convivem com déficits
gozo de amplas liberdades e de igualdade política de representação e com a existência de sistemas
capazes de assegurar que possam alcançar suas as- partidários incapazes de servir de referência para
pirações ou interesses (qualidade de con­teúdo); e as escolhas políticas dos eleitores. Elas também
conta-se que suas instituições permitirão, por meio operam muitas vezes com base em relações ambí-
de eleições e de mecanismos de checks and balan- guas entre os poderes Executivo, Legislativo e Judi-
ces, que os cidadãos avaliem e julguem o desem- ciário, os dois últimos nem sempre sendo capazes
penho de governos e de representantes (qualidade de assegurar de forma adequada a independência
de procedimentos). Instituições e procedimentos que deve existir entre eles, e não garan­tindo devi-
são vistos, portanto, como meios de realização de damente a representação e a participação da socie-
princípios e valores adotados pela sociedade como dade civil na avaliação das decisões que afetam a
parte do processo político. Sem elidir que a dispu- comunidade política. Nestes casos, o que está em
ta por interesses e preferências envolve conflitos, questão não é apenas o desempenho formal das
a idéia é que as instituições se constituem – com instituições, mas o fato de o seu modo de funcio-
base nos objetivos normativos que lhes são atribu- namento frustrar tanto a realização de valores que
ídos – na mediação mediante a qual os conflitos orientaram a escolha do desenho institucional pela
podem ser resolvidos pacificamente. sociedade, como os interesses dos cidadãos. Os
Com base nestes pressupostos, Diamond e efeitos disso para as relações entre os cidadãos e o
Morlino (2004) identificaram oito dimensões se- sistema político – expressos em insatisfação políti-
gundo as quais a qualidade da democracia pode ca e desconfiança de instituições – são freqüente-
variar. As cinco primeiras correspondem a regras mente críticos e, por essa razão, suas implicações
e práticas de procedimentos, sendo também rela- precisam ser examinadas.
tivas ao seu conteúdo: o primado da lei, a partici- Essa questão levou alguns autores a designar
pação e a competição políticas, e as modalidades as instituições da democracia representativa – e
de accountability (vertical, social e horizontal); as inclusive as eleições – como o seu hardware que,
duas seguintes são essencialmente substantivas: de considerando a dinâmica revelada pela experiên-
um lado, o respeito por liberdades civis e os di­ cia recente, para operar adequadamente necessi-
reitos políticos e, de outro, como conseqüência do taria de um software congruente com os objetivos
anterior, a progressiva implementação da igualda- e a missão atribuídos aos seus componentes (La-
de política e de seus correlatos, a igualdade so- mounier, 2005; Shin, 2005; Rose, 2001; Almond e
cial e econômica; por último, é mencionado um Verba, 1963; Eckstein, 1966). Ou seja, o funcio-
atributo que integra procedimentos a conteúdos, namento adequado das instituições democráticas
ou seja, a responsividade de governos e dos re- requer a presença de elementos de justificação de
presentantes, por meio do que os cidadãos podem sua função, os quais estão relacionados com con-
avaliar e julgar se as políticas públicas, assim como vicções dos cidadãos a respeito da sua missão e do
o funcionamento prático do regime (leis, institui- seu funcionamento. A idéia é que instituições não
ções, procedimentos e estrutura de gastos públi- são instrumentos neutros de realização de inte-
cos) correspondem aos seus interesses e às suas resses e de preferências, mas correspondem a es-
preferências. colhas normativas da sociedade sobre como pro-
Em diferentes casos de democratização, o cessar seus conflitos constitutivos (Moisés, 2005a).
que está faltando para que estas condições sejam Por isso, esses autores sustentam que, enquanto
alcançadas, segundo Rose e Shin (2001), são as não seja aceito tanto pelas elites políticas como
instituições básicas do Estado moderno: elas po- pela massa dos cidadãos como “the only game in
dem não ter se formado adequadamente nas eta- town” (Linz e Stepan, 1996), o regime democrático
pas iniciais do processo ou podem estar operando não conclui a sua implantação. Em um balanço crí-
com base em distorções de seus objetivos. Além de tico das experiências internacionais de democrati-
não respeitar de modo completo princípios como zação, Shin (2005) resumiu o argumento segundo
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o qual, para que o regime democrático funcione a Baquero, 2003). Algumas teorias culturalistas são
contento, o sistema político e as suas instituições holísticas, agregadas e deterministas, enquanto
fundamentais devem ser adotados de forma in- ou­tras são mais individualistas, micro-orientadas
condicional, não apenas pelas elites políticas, mas e probabilísticas, mas, independentemente dessas
pela maioria dos cidadãos como parte integrante diferenças, elas compartilham muitos aspectos co-
do seu pertencimento à comunidade política. O muns, a exemplo da relevância atribuída à noção
que os cidadãos pensam e sentem sobre as ins- que combina participação política e aceitação da
tituições democráticas, assim como suas atitudes autoridade pública como condição da democracia
a respeito delas, são componentes indispensáveis (Mishler e Rose, 2001; 2002).3
do software sem o qual o hardware democrático De outro lado, as teorias institucionais da de-
funciona mal. Por isso, a relação entre atitudes, mocracia oferecem a principal alternativa à abor-
comportamentos e o regime é uma dimensão in- dagem culturalista. Elas se propõem a avaliar a
dispensável do estudo da democratização e do institucionalização da democracia a partir de da-
grau de democraticidade alcançado em cada caso dos sobre eleições, competição entre partidos e
(O’Donnell, 2004; Cullell, 2004). o funcionamento dos sistemas presidencialista
e parlamentarista, utilizando-se de indicadores
agregados de instituições políticas, desempe­-
nho de governos ou a relação entre o Executivo
Cultura política, instituições e e o Legislativo. O que conta para essa perspec-
atitudes políticas tiva não são os valores políticos ou a orientação
normativa dos indivíduos, mas a eficácia das ins-
Para explicar a relação entre as atitudes dos tituições com relação a fins almejados pelos ato-
cidadãos e o processo de democratização, a lite- res políticos. Um importante pressuposto de dife-
ratura especializada recorreu a duas correntes teó­ rentes teorias institucionais é a noção segundo a
ricas supostamente contraditórias. De um lado, há qual comportamentos, decisões e o desenho das
a tradição de estudos de cultura política para a instituições são produtos da escolha racional de
qual conta a presença ou ausência de orientações atores relevantes, assim como de avaliações coleti-
democráticas dos indivíduos, formadas a partir de vas do sistema político. De modo geral, as teorias
processos de socialização que interagem com a institucionais supõem que o apoio dos cidadãos
experiência política, influindo sobre a estabilida- ao regime político depende da avaliação de curto
de ou a mudança do regime. A cultura política prazo, baseada no cálculo de custos/benefícios,
refere-se a uma variedade de atitudes, crenças e do desempenho institucional. Como conseqüên-
valores políticos – como orgulho nacional, respei- cia, atitudes de apoio ou de confiança política são
to pela lei, participação e interesse por política, concebidas como função do funcionamento das
tolerância, confiança interpessoal e institu­cio­­­­­nal instituições do regime, e pouco ou nada teriam a
– que afeta o envolvimento das pessoas com a ver com a cultura política (Coleman, 1990; North,
vida pública. A teoria postula que essas orienta- 1990; Hetherington. 1998; Norris, 1999; Braithwai-
ções têm longa duração no tempo e, assim, que te e Levi, 1998).
elas influenciam os cidadãos a aceitarem ou não As teorias de cultura política e, em particular,
o regime democrático como sua alternativa prefe- o modelo proposto por Almond e Verba (1963) fo-
rencial. Mas isso não quer dizer que mudanças de ram objeto de várias críticas, sendo uma das mais
orientação não possam ocorrer, neste caso, sob a importantes a que se refere ao seu suposto viés
pressão de efeitos de transformações geracionais determinista, isto é, à noção de que o surgimen-
e/ou de processos de modernização econômica e to e a consolidação dos regimes políticos, quais-
social sobre os valores políticos (Almond e Verba, quer que sejam eles, dependeriam da existência
1963; Eckstein et al., 1998; Inglehart, 2002; 2003). prévia de valores congruentes com as instituições
A importância das atitudes da massa de cidadãos correspondentes. Embora em textos mais recen-
também é enfatizada pelas teorias de congruência tes Almond (1980; 1990) tenha descartado essa
(Eckstein, 1998) e de capital social (Putnam, 1993; interpretação, o livro The civic culture foi critica-
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do por implicar em uma relação de dependência cruzada entre as duas dimensões, a estrutura ins-
entre cultura política e estabilidade democráti­- titucional seria causa e efeito da cultura política,
ca – foco central de preocupação dos formulado- e vice-versa (Lijphart, 1980; Street, 1994; Rennó,
res da abordagem com os países que começaram a 1998). É com esse sentido que o conceito de cultu-
se democratizar no segundo pós-guerra do século ra política é utilizado neste artigo.
XX. Se esse fosse o caso, contudo, seriam inviáveis Quanto à abordagem das teorias institucio-
as transições do autoritarismo para a democracia, nais, em que pese a sua relevante contribuição
particularmente em situações em que valores au- para a análise do funcionamento do sistema políti-
toritários estavam (ou estão), total ou parcialmen- co, um importante foco de crítica refere-se ao seu
te, enraizados na sociedade; ou seja, a noção de tratamento das instituições democráticas como algo
determinação é incompatível com a dinâmica em- exógeno ao processo de tomadas de decisão coleti-
pírica da democratização. Almond e Verba tam- vas, da mesma forma que acontece com as reações
bém foram criticados por propor uma modalidade do público ao seu funcionamento e desempenho.
de análise comparativa que, tomando o mode­- Com efeito, o institucionalismo sustenta que atores
lo de democracia liberal como referência, aponta- relevantes fazem escolhas em resposta a um am-
va os sistemas políticos norte-americano e britâni- biente de incentivos institucionais que, sendo in-
co como ideais. A cultura cívica corresponderia a determinados, tornam os cursos de ação não estri-
cidadãos que, relativamente ativos na vida política, tamente decorrentes de instituições específicas. Os
mostrariam propensão para combinar participação atores são vistos como fazendo escolhas de den-
com confiança interpessoal e deferência às autori- tro, ou a partir das instituições, o que justificaria a
dades. Mas diferentes experiências mostraram que utilização de um modelo explicativo causal que as
a democracia pode conviver com baixos níveis de trata como variáveis independentes e, assim, como
participação, atitudes de protesto e mesmo distan- pouco ou nada afetadas por fatores como a cultu-
ciamento das autoridades. A objeção mais impor- ra política. No entanto, a abordagem institucional
tante, contudo, diz respeito à relação entre cultura tem sido questionada com base na evidência de
política e estrutura política: a distinção analítica que os atores que supostamente tomam decisões
entre as duas categorias, segundo os críticos, teria a partir das instituições, também fazem escolhas
servido para Almond e Verba enfatizar a neces- a respeito das instituições com base em contextos
sidade de congruência entre elas, mas eles não sociais e culturais, os quais oferecem repertório e
teriam explicitado a natureza da relação, a sua di- contorno para essas escolhas. Exemplo disso se-
nâmica e o sentido de sua causalidade. Enquan- riam decisões sobre reformas institucionais toma-
to a maior parte dos críticos argumentou que a das sob o impacto das relações entre líderes polí-
cultura política é apenas um efeito da estrutura ticos e eleitores, cuja mútua influência pode afetar
política (Barry, 1970), que tenderia a se consolidar as respectivas escolhas; neste caso, em vez de tra-
com o passar do tempo, os seguidores de Almond tar as instituições apenas como variáveis indepen-
e Verba sustentaram, ao contrário, que o modelo dentes, elas deveriam ser consideradas, conforme
analítico proposto supõe uma ligação efetiva entre o contexto sob exame, variáveis sob a influência
as dimensões micro dos comportamentos indivi- de outras, como, por exemplo, valores e cultura
duais (captada por surveys sobre atitudes e opi- política (Munck, 2004; Moisés, 1995). O conceito
niões) e macro (relativa às estruturas do sistema), de instituições é utilizado aqui neste sentido.
permitindo explicar a dinâmica da relação cultu- Como as teorias culturalista e institucionalista
ra-estrutura. Em vez de determinação, Almond e divergem sobre a importância de categorias como
Verba teriam adotado o suposto segundo o qual a confiança política ou a adesão ao regime, pou­-
estrutura e cultura se influenciam mutuamente, ou co esforço de pesquisa foi feito, até o momento, no
seja, valores afetam a escolha de instituições (seu sentido de se examinar suas possíveis conexões
desenho e sua missão) e o funcionamento positi- [as poucas exceções são os trabalhos de Mishler
vo ou negativo destas moldam a cultura política, e Rose (2001; 2002) e Norris (1999)]. Este artigo
contribuindo para sua continuidade ou mudança. retoma, neste sentido, um ponto de contato entre
Nessa relação, caracterizada por uma causalidade as duas perspectivas formulado, décadas atrás, por
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David Easton (1965) ao tratar dos problemas en- tes de suas vidas sob a influência de concepções
volvidos na formação da legitimidade dos regimes autoritárias quanto às suas relações com as insti-
políticos e ao sugerir que o fenômeno de apoio tuições políticas, a primeira hipótese a ser consi-
político – difuso e específico – está associado à derada sustenta que a relação do público com a
experiência política dos cidadãos, isto é, à relação democracia distingue a adesão ao regime como
e ao uso que eles fazem das instituições públicas um ideal da sua expectativa de solução de proble-
em sua vida, e ao julgamento político que decorre mas da sociedade por meio das instituições. Ou
dessa experiência. O julgamento de instituições e seja, o fenômeno de apoio político desdobra-se
mesmo de governos dificilmente pode ser caracte- empiricamente em duas dimensões analíticas dis-
rizado fora dos marcos e do repertório oferecido tintas: a normativa e a prática. A primeira refere-se
por contextos sociais que incluem valores e cul- à adesão à democracia como princípio ou valor
tura política (Easton, 1965; Norris, 1999; Moisés, ideal, derivada da cultura política, e segunda diz
2006b). A idéia é que tanto a tradição da cultura respeito à satisfação com o regime e a confiança
política como a que valoriza o formato e o desem- em suas instituições, fatores associados com a ac-
penho das instituições influem sobre como os ci- countability social levada a efeito pelos cidadãos.
dadãos se relacionam com o regime democrático. Não se espera que a variância dessas atitudes te-
As orientações formadas durante processos origi- nha a mesma direção; com efeito, Shin (2005) e
nários de socialização, embora importantes para outros autores sustentaram, com base em diferen-
definir tendências atitudinais de longo prazo, in- tes casos de democratização, que existe um gap
teragem, mesclando-se de forma não linear com o entre essas duas dimensões porque, nas novas de-
julgamento político decorrente da experiência dos mocracias, além da duradoura influência de seu
cidadãos com as instituições. Em outras palavras, passado autoritário, os cidadãos têm experiência
a combinação de orientações derivadas de valores limitada de participação política, e a sua possibili-
com a avaliação propiciada pela experiência polí- dade de compreender e acompanhar o complexo
tica prática forma o terreno em que se definem as funcionamento de instituições voltadas a assegu-
atitudes e as reações dos cidadãos sobre o regime rar princípios como o primado da lei, a separação
democrático. A questão do apoio ao regime tem, de poderes e a obrigação dos governos de prestar
portanto, natureza complexa e multidimensional, contas, depende, por uma parte, de sua formação
envolvendo ao mesmo tempo a aceitação da de- política pregressa e de fatores que afetam a sua
mocracia como um ideal, a rejeição maior ou me- cognição política, como a escolaridade, e, por ou-
nor de suas alternativas, a insatisfação com seus tra, da sua avaliação das instituições democráticas,
resultados práticos e atitudes que confundem ou neste caso, muitas vezes sob influência da percep-
misturam essas escolhas. Ou seja, as escolhas do ção formada no contexto de distorções ou déficits
público a respeito do regime político não podem institucionais.
ser vistas em termos de tudo ou nada, isto é, de Assim, ao lado de sua visão ideal da demo-
adesão total ou rejeição total, mas, ao contrário, cracia, as orientações dos cidadãos referem-se tam-
elas se caracterizam por um processo gradual, cuja bém ao funcionamento prático das instituições.
dinâmica envolve atitudes de dúvida e de ambiva- O maior ou menor grau de adesão normativa à
lência política, assim como os seus efeitos (Dalton, democracia não implica necessariamente em satis-
1999; Klingemann, 1999; Shin, 1999; Shin e Park, fação com os resultados das instituições: isso de-
2006; Shin, 2005). corre de algo distinto, a saber, da avaliação dos ci-
dadãos sobre o quanto e como elas respondem às
suas expectativas (Klingemann, 1999; Norris, 1999;
Mishler e Rose, 2001; Shin, 2005; Durand Ponte,
Hipóteses gerais a serem testadas 2004). A hipótese implica, portanto, em que o re-
gime democrático, além de um valor ideal, mostra-
Em termos práticos, considerando que parce- se eficiente se suas instituições funcionarem como
las significativas de cidadãos no Brasil e em outros canais efetivos através dos quais os cidadãos sen-
países latino-americanos viveram lapsos importan- tem que podem fazer valer direitos e realizar in-
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 19

teresses e preferências. Do julgamento decorrente a votação da Constituição de 1988 foi fortemente


dessa experiência, sob influência de orientações influenciada tanto por manobras de um presidente
da cultura política, formam-se as atitudes de ade- egresso do autoritarismo, como por pressões dos
são democrática, satisfação com o regime e con- militares em torno de disputas sobre o tempo de
fiança em suas instituições. duração do mandato presidencial, o sistema de go-
Ao mesmo tempo, tendo em conta algo co- verno, as relações entre o Legislativo e o Executivo
mum à maior parte de casos de democratização e o papel do Estado na economia. O resultado
das últimas três décadas, isto é, as situações en- final suscitou interpretações controversas sobre a
volvendo incertezas derivadas de cenários de mu- natureza do novo sistema político, cujas implica-
danças e continuidades econômicas e políticas, ções têm relação com o tema deste artigo (Car-
sustenta-se também a hipótese segundo a qual os doso, 2006; Pereira et al., 2005; Lamounier, 2005;
cidadãos não estão inteiramente certos se é a de- Reis, 2003; Reis, 2007; Santos, 2006; Ames, 2001;
mocracia ou se são suas alternativas antidemocrá- Figueiredo e Limongi, 1999; Linz e Stepan, 1996;
ticas que oferecem a melhor possibilidade de so- Moisés, 1995; Mainwaring, 1995; Abranches, 1988;
lução para os problemas da sociedade. Pesquisas 2001; O’Donnell, Schmitter e Whitehead, 1986).
sobre processos de democratização no Leste Euro- Dentre as principais linhas de interpretação,
peu, na Ásia e na América Latina mostraram que, a mais usual sustentou até o início da década pas-
mesmo quando a mudança do autoritarismo para sada que, embora tenha assegurado importantes
a democracia foi ou é apoiada por movimentos avanços quanto aos direitos individuais e sociais, a
da sociedade civil, isso não é suficiente para que nova Constituição brasileira teria institucionaliza-
a maioria dos cidadãos abandone, no todo ou em do um sistema político tendente a colocar em risco
parte, as orientações autoritárias pregressas que, a sua governabilidade. Seu epicentro seria o cha-
por significativo lapso de tempo, influenciaram ou mado presidencialismo de coalizão (Abranches,
serviram de referência para suas escolhas políti- 1988; 2001) que, associando poderes presidenciais
cas. As incertezas, neste caso, podem dar origem a herdados do período autoritário a algumas carac-
atitudes de dúvida e de ambivalência política, e os terísticas consociativas, a uma legislação eleitoral
seus efeitos podem influenciar os níveis de adesão que combina a representação proporcional com
ao novo regime. Nos casos em que a democrati- lista aberta de candidatos e a um sistema multi-
zação não resolveu completamente questões insti- partidário frágil e fragmentado, se caracterizaria
tucionais herdadas do período autoritário ou não por um padrão de qualidade institucional de baixa
assegurou a qualidade do novo regime democrá- intensidade. Isso se deveria, entre outras razões, à
tico, isto é ainda mais importante (Rose, Mishler limitação da capacidade do Congresso para fisca-
e Haerpfer, 1998; Rose, Shin e Munro, 1999; Rose lizar e controlar plenamente as ações do Executi-
e Shin, 2001; Huneeus, 2003, Durand Ponte, 2004; vo5, à fragilização da relação entre representados
Aguero, 1992). e representantes (Mainwaring e Welna, 2005), com
o conseqüente estímulo à continuidade de rela­-
ções de patronagem e clientelismo, e às dificulda-
des de se assegurar de forma adequada os meios
Implicações do caso brasileiro de controle e de punição da corrupção e de cri­-
mes contra o patrimônio público (Ames, 2001).
A experiência democrática brasileira dos últi- Enquanto o foco central desse diagnóstico
mos vinte anos permite examinar algumas dessas confrontava os efeitos do presidencialismo de coa-
questões. Entre nós, a democratização resultou de lizão com a doutrina da separação de poderes,
iniciativas de liberalização de dirigentes do antigo a principal abordagem alternativa, consolidada a
regime seguidas de negociações com as lideranças partir de meados da década passada, tomou dire-
democráticas, mas o seu primeiro presidente civil ção oposta. Enfatizou precisamente a estabilidade
foi escolhido pelo Congresso Nacional segundo re- que as instituições democráticas teriam conquis­
gras estabelecidas pelos governos militares4. Essa tado depois de 1988 e, principalmente, a supera-
ambigüidade marcou a fase final da transição, e ção da paralisia decisória que caracterizou as rela-
20 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

ções entre o Executivo e o Legislativo no período ter ‘encarcerado’ da dinâmica do legislativo brasi-
pré-64. Argumentando contra a visão que apontava leiro” ao analisar as razões da baixa participação
as supostas deficiências do sistema político como dos congressistas na produção de leis do país. Os
resultado de uma patologia de difícil superação, os parlamentares reagiriam aos incentivos específicos
defensores dessa posição sustentam que o Brasil de sua carreira e à percepção dos limites de sua
institucionalizou um sistema político centrado no influência na produção de políticas públicas, redu-
Executivo e nas lideranças partidárias, mas que, a zindo seu tempo de permanência no parlamento,
exemplo do parlamentarismo e de outros sistemas empobrecendo a experiência e afetando a eficácia
presidencialistas (à exceção do caso norte-ameri- de sua função de representação (Amorim Neto e
cano), o presidencialismo brasileiro asseguraria a Santos, 2002). Outros mostraram que, além de es-
governabilidade do sistema mediante a delegação tar praticamente excluída a possibilidade de com-
de poder que recebe da maioria parlamentar in- partilhamento da agenda entre o Executivo e o
tegrante das coalizões governativas. Em virtude Legislativo, o processo de negociação entre o pre-
de prerrogativas constitucionais estabelecidas em sidente e a sua base parlamentar, por meio do qual
1988, o Executivo deteria o poder não apenas de são oferecidos cargos e vantagens adicionais aos
impor a agenda política e de ter a última palavra partidos, comprometeria o princípio de accoun-
nas alocações orçamentárias, mas de assegurar o tability horizontal (Santos, 1999). Com efeito, San-
apoio necessário ao desempenho de suas funções, tos caracterizou essa situação como “um processo
sendo nisto secundado pelo Colégio de Líderes par- de encarceramento ou travamento (locked-in pro-
tidários. Não haveria razão, nesta perspectiva, para
cess)”, concluindo existir “uma evidente contradi-
se falar de risco à governabilidade e da necessidade
ção no Brasil entre os elementos constitucionais
de as instituições serem aperfeiçoadas, pois as ta-
e procedimentais da configuração de sua polis”,
xas de sucesso e dominância do Executivo no par-
formada, segundo ele, na perspectiva de pesos e
lamento comprovariam a funcionalidade do sistema
contrapesos (2003, p. 214). Finalmente, pesqui-
(Figueiredo e Limongi, 1999; Limongi, 2006). Em-
sas recentes mostraram que o presidencialismo
bora implícito, o caráter normativo da abordagem
de coa­lizão, diferente do diagnóstico da nova in-
transparece no tratamento da questão da governa-
terpretação, implica em um padrão institucional
bilidade que é tomada, quase que exclusivamente,
“mais individualmente dirigido do que institucio-
como função da capacidade de os governos realiza-
rem os seus objetivos (Lamounier, 2005). nalmente constrito” (Rennó, 2006a), envolven­do
Essa abordagem deu origem a uma nova li- tanto a delegação da maioria aos presidentes co­-
nha de interpretação do sistema político brasileiro, mo a chamada ação unilateral (em que o Execu-
mas mesmo os seus principais autores reconhece- tivo recorre, por exemplo, às medidas provisórias
ram que esse diagnóstico implica em limitações para fazer frente às suas dificuldades políticas no
das funções próprias do parlamento: caracteri- parlamento ou na sociedade). Em outras palavras,
zado como um ator de natureza mais reativa do o poder de agenda do presidente seria usado como
que proativa, as políticas iniciadas pelo Congresso mecanismo de eficácia legislativa (acele­rando a
Nacional restringem-se a um número pequeno de tramitação de propostas de interesse comum do
áreas, como políticas distributivas, localistas ou re- Executivo e do Legislativo) e como forma de usur-
gionalistas, pouco afetando o status quo econô- pação do poder do Legislativo; mais do que efeito
mico e social do país. Segundo intérpretes dessa de uma estrutura institucional consolidada, a dele-
abordagem, tendo aceitado as circunstâncias que gação da maioria aos presidentes seria algo contin-
levaram a essa nova configuração institucional, gente e condicional, dependente da capacidade do
mesmo ao reagir contra o uso abusivo de medi- presidente para assegurar a sobrevivência da coa-
das provisórias pelos presidentes, “de certa forma, lizão governativa. Como demonstraram Pereira,
o Congresso atou as próprias mãos e, ao fazê-lo, Power e Rennó (2005), assim como Amorim Neto
contrariou interesses políticos da maioria” (Limon- et al. (2003), o governo FHC exemplificaria esse
gi e Figueiredo, 2003; p. 297). processo: durante seus dois mandatos, Cardoso
Por outro lado, mesmo autores parcialmente logrou montar uma coalizão majoritária relativa-
concordes com a nova abordagem falam “do cará- mente estável, mesmo envolvendo-se em negocia-
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 21

ções controversas com o Congresso e nem sempre Nacional e à sua continuidade no poder. As evi-
conseguindo aprovar algumas de suas principais dências recolhidas pela Comissão Parlamentar de
propostas políticas (Ames, 2001). Mas, em compa- Inquérito dos Correios7 sugerem que o esquema
ração com os presidentes anteriores, manteve um de corrupção utilizou-se de sobras financeiras de
padrão de relações entre Executivo e Legislativo campanhas eleitorais e de dinheiro “não contabili-
reconhecidamente equilibrado e não conflituoso. zado” para pagar gastos de partidos que formaram
As características mencionadas afetam a qua- a maioria governista no Congresso (Soares e Ren-
lidade da democracia, e estão associadas a outras nó, 2006). Ademais, após tentar impedir que as
limitações institucionais. O país convive com a denúncias surgidas em 2005 fossem investigadas
violação de direitos fundamentais de setores mais pelo poder Legislativo, o governo tolerou a viola-
pobres da população, entre os quais os mais atin- ção por órgãos do Estado de direitos individuais
gidos são os afro-descendentes. Amplas camadas de um empregado doméstico que acusou o minis-
da população não têm acesso a direitos civis, a exem- tro da Fazenda da época de estar envolvido com
plo do devido processo da lei ou do direito a um fatos relacionados com as denúncias. Os indícios
tratamento justo e equânime por parte dos tribu- mostram que negociações destinadas a assegurar
nais de justiça; elas também são vítimas de vio- a delegação da maioria ao Executivo, nesse perío-
lência policial e de organizações criminosas que do, envolveram o uso ilegal de recursos públicos
operam articuladas com alguns de seus agentes, o e privados para custear gastos de campanhas de
que levou alguns autores a classificar a democracia formadores da coalizão governante.8
brasileira como um “regime de exceção paralelo Os fatos apontam para dificuldades do siste-
à legalidade constitucional existente” (Pinheiro, ma político brasileiro de acionar mecanismos de
2003, p. 269). Mesmo analistas que reconhecem accountability horizontal.9 O quadro é agravado
os avanços do país no terreno da competição e por outras limitações institucionais que afetam a
da participação políticas classificam o Estado bra- relação dos cidadãos com o regime, a exemplo do
sileiro como incapaz de fazer cumprir plenamente fato de o sistema de representação proporcional
a lei e as exigências do regime constitucional vi- brasileiro não assegurar plenamente a igualdade
gente. O uso de tortura para obter confissões de de representação dos eleitores na Câmara dos De-
suspeitos de origem social subalterna e a morte putados. Com a fixação de tetos mínimos e má-
de centenas de civis sob a justificação de tratar- ximos de deputados por distritos eleitorais esta-
se de confrontos da polícia com criminosos são duais, independentemente do tamanho de suas
vistos como indicadores de deficiências graves ou populações, o princípio de igualdade dos cidadãos
mesmo de ausência do Estado de direito (Hago- quanto ao direito de escolher representantes está
pian, 2005, p. 128). comprometido, fazendo o voto de eleitores de al-
Também a continuidade de práticas de cor- gumas regiões valerem cinco ou seis vezes mais
rupção mostra que nem o impeachment de um que o de outras. Essa distorção, justificada no
presidente ou a punição de parlamentares por mo- período entre 1946 e 1964 em termos de exigên-
tivos semelhantes6 foi suficiente para que o país cias consociativas, foi agravada durante o regime
aperfeiçoasse os mecanismos institucionais e o militar pela criação de novos Estados e, depois,
marco jurídico responsáveis pelo controle dos efei- mantida na Constituição de 1988. Pesquisas recen-
tos sistêmicos de hábitos e comportamentos anti- tes relativizaram o seu impacto, mas ela ainda é
republicanos. Nesse sentido, a situação protagoni- responsável por “as regiões Sul e Sudeste do país
zada no primeiro mandato do presidente Lula por serem as mais prejudicadas, e as regiões Centro-
integrantes do governo e membros do PT – cuja Oeste, Norte e Nordeste as beneficiadas” (Bohn,
identidade política foi construída, em grande par- 2006, p.196). Os efeitos da desproporcionalidade
te, por meio da denúncia de tais práticas – indica estimulam o encolhimento de partidos – grandes
que as mesmas práticas foram usadas (segundo e pequenos – nos estados mais populosos, mesmo
processo aberto pelo Supremo Tribunal Federal, que a penetração partidária nas diferentes regiões
com base em denúncia do Ministério Público) para seja atualmente menos desequilibrada do que no
assegurar apoio às suas iniciativas no Congresso passado.
22 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

Outro fator de distanciamento entre repre- governo, da mesma forma que as resistências da
sentados e representantes resulta da norma legal Câmara de Deputados para punir parlamentares
que autoriza os partidos políticos a apresenta­- envolvidos no uso de recursos ilegais em troca
rem listas de candidatos nas eleições proporcio- de apoio ao governo,11 aprofundam o descrédito
nais igual a uma vez e meia o teto máximo de da opi­nião pública quanto aos partidos e o Con-
cada distrito eleitoral estadual (sendo que o núme- gresso Nacional;12 e podem reforçar a tradição
ro pode dobrar, no caso de coligações). Com efei- brasileira de personalização das relações políti-
to, a depender do número de partidos habilitados, cas, sobrepondo lideranças individuais às institui­-
a oferta total de candidatos pode chegar a cente- ções de representação. Em conseqüência, as hipó-
nas ou milhares, o que eleva os custos de informa-­ te­ses específicas deste estudo sustentam que os
ção do eleitor sob forte impacto de seus níveis fatores descritos influem negativamente sobre a
críticos de escolaridade. Isso pode tornar extrema- satisfação dos cidadãos com a democracia e com-
mente complexa a sua escolha eleitoral ao envolver prometem a sua confiança nas instituições. Supõe-
uma multiplicidade de candidatos de um mesmo se ainda que seus efeitos reforcem elementos tra-
partido. Para contrabalançar os efeitos negativos dicionais da cultura política, estimulando atitudes
da norma, como os incentivos à personalização da de ambivalência política e orientações negativas
escolha eleitoral em detrimento do voto em parti- quanto aos partidos e aos parlamentos. Além dis-
dos, ou a amnésia do eleitor que em pouco tempo so, supõe-se também que as atitudes de descon-
não sabe mais quem é o seu representante, alguns fiança política e de insatisfação com a democracia
analistas defenderam recentemente a limitação do afetem negativamente a preferência dos entrevis-
número de candidatos e/ou a adoção pura e sim- tados quanto a alternativas de organização da de-
ples do voto em legenda como forma de encurtar mocracia.
a distância entre representados e representantes
(Almeida, 2006; Rennó, 2006b).
Os problemas apontados relativizam as ima-
gens positivas a respeito do sistema político brasi- Testando as sobrevivências do
leiro, mas é inegável que o país é uma democracia autoritarismo
eleitoral nos termos definidos pela Freedom Hou-
se, já que, desde 1989, quando um presidente civil A democracia não tem longa tradição de du-
foi eleito pela primeira vez em quase três décadas, ração na América Latina e poucos são os países
cinco eleições nacionais para escolher governos e em que o regime não sofreu interrupções no sécu-
o Congresso Nacional foram realizadas. Coorde- lo passado (caso da Costa Rica). Na maior parte do
nadas por um tribunal de justiça independente, continente, os cidadãos conheceram, ao contrário,
as eleições são livres e asseguram a participação longos períodos de regimes autoritários (casos da
de cerca de 126 milhões de eleitores de uma po- Argentina, Brasil, Chile, Equador, Peru e Uruguai),
pulação total de 186 milhões, ou seja, aproxima- com ou sem tutela militar, que às vezes represen-
damente 70% da população.10 É pouco provável, tavam simples retorno a experiências autocráticas
neste cenário, que os déficits institucionais colo- anteriores ou a continuidade de regimes de dita-
quem em risco a sobrevivência da democracia no dura unipessoal ou de partido único (casos do Pa-
curto prazo. No entanto, ao afetar diferentes di- raguai e do México). Afora períodos de predomí-
mensões da qualidade da democracia, supõe-se nio do sistema oligárquico, vigente no século XIX
que eles afetam também a percepção dos cida- e nas primeiras décadas do século XX, em geral
dãos sobre o sistema democrático. Nesse sentido, os regimes autoritários duraram de 10 a 30 anos (e
a adoção pelo governo Lula de métodos que des- mais nos casos do Paraguai, México e Nicarágua).
qualificam a relação entre partidos, e deles com Por isso, tendo em conta o importante papel dos
o governo, mediante suposta compra de apoio processos de socialização na formação da cultura
político no Congresso, ou o incentivo para que política (Mishler e Rose, 2002), a generalização da
parlamentares abandonem os partidos pelos quais preferência pela democracia em décadas recentes
foram eleitos para aderir à base de sustentação do não pode ser pensada como implicando necessa-
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 23

riamente em apoio incondicional a todos os ele- alternativas relativas a um “governo autoritário em


mentos do novo regime (Dalton, 1999; Finifter e algumas circunstâncias” e “tanto faz um regime
Mickiewicz, 1992; Inglehart, 2003). A expectativa democrático ou autoritário”; também quem con-
é que os traços de sobrevivência de concepções cordou com a afirmação de que “a democracia é
autoritárias sobre a política, expressos em prefe- preferível a qualquer outra forma de governo”, na
rências autoritárias e em atitudes de ambivalência segunda questão, mas discordou de que “A demo-
política, ainda sejam fortes, influindo sobre as con- cracia pode ter problemas, mas é o melhor sistema
vicções a respeito do papel das lideranças políticas de governo”, na primeira questão, foi computado
e da relação dos cidadãos com governos, partidos como ambivalente. A expectativa era que os ti-
e parlamentos. pos atitudinais variassem da adesão majoritária à
Para testar essas hipóteses, este estudo pro- democracia à preferência minoritária pelo regime
cedeu, em primeiro lugar, à construção de uma autoritário, mas que expressassem também consi-
tipologia destinada a verificar as orientações dos derável volume de apoio a atitudes de ambivalên-
indivíduos quanto à democracia. Com base nas cia política.
suposições anteriores, a idéia era verificar em que O Gráfico 1 apresenta a distribuição dos ti-
medida atitudes que revelam a sobrevivência de pos pela população da América Latina (Brasil e
traços autoritários entre os cidadãos impactam as países de comparação). De modo geral, a distri-
tendências de adesão ao regime democrático. Por buição dos indivíduos mostra que a democracia
isso, para além das atitudes de simples adesão ou converteu-se na América Latina na mais impor-
de rejeição à democracia, a tipologia buscou ca- tante opção atitudinal dos cidadãos. No conjunto
racterizar o fenômeno de ambivalência política do continente, a média de democratas é de quase
na sociedade brasileira e seus efeitos para a legi- 53%, ou seja, é majoritária, contudo mais baixa do
timação da democracia. Os tipos políticos foram que a encontrada em outros países que também
construídos com base nos seguintes indicadores se democratizaram nas três últimas décadas.13 Me-
de adesão normativa a regimes: 1) “Você concorda rece destaque o fato de o Brasil estar entre os três
muito, concorda, discorda ou discorda muito da países que têm o mais baixo índice de democra-
seguinte afirmação: A democracia pode ter proble- tas da América Latina, ou seja, 40%, só superado
mas, mas é o melhor sistema de governo”; 2) “Com por Equador (36,1%) e Paraguai (38,6%), enquan-
qual das seguintes frases você concorda mais: A to Argentina (63,46%), Chile (55,83%), Costa Rica
democracia é preferível a qualquer outra forma de (72,04%), Uruguai (77,14) e Venezuela (63,3%)14
governo; Em algumas circunstâncias, um governo têm os índices mais altos. A média de indivídu-
autoritário pode ser preferível; A pessoas como eu, os explicitamente autoritários é, em geral, baixa
dá no mesmo um regime democrático ou um não- no continente (7,58%), com exceção do Paraguai
democrático”. (25,03%), Equador (15,54%) e Peru (10,86%). Mas o
Na construção dos tipos (ver Anexo 1), foram aspecto mais significativo é o fato de ser bastante
considerados democratas os entrevistados que con- alto o contingente de indivíduos ambivalentes, isto
cordaram com a afirmação de que “a democra- é, que embora não se oponham frontalmente à
cia é o melhor sistema de governo”, malgrado os democracia não estão seguros em escolhê-la como
seus problemas, e também que, na segunda ques- “the only game in town”: eles são quase 40% no
tão, escolheram a alternativa segundo a qual “a continente e, no Brasil, chegam perto de 54%, 14
democracia é preferível a qualquer outra forma pontos a mais do que a média de democratas no
de governo”; foram considerados autoritários os país. Além do Brasil, índices altos de ambivalen-
entrevistados que discordaram da afirmação de tes são encontrados também em outros países de
que “a democracia é o melhor sistema de gover- tradição democrática frágil e onde o funcionamen-
no” e que preferiram um “governo autoritário em to das instituições democráticas apresentou gra-
algumas circunstâncias”; e, finalmente, foram con- ves problemas em anos recentes (Baquero, 2003):
siderados ambivalentes os entrevistados que con- Equador (48,4%) e Peru (45,6%) – onde o índice
cordando que “a democracia é o melhor sistema de ambivalentes, a exemplo do Brasil, é superior
de governo”, preferiram, na segunda questão, as ao de democratas – e México (46,2%), Colômbia
24 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

(45,1%) e Bolívia (43,7%).15 Ao primeiro olhar, por- cráticos, mas os ambivalentes – a respeito dos
tanto, os países do continente dividem-se entre os quais não é possível conhecer previamente a sua
de maior tradição democrática e aqueles onde essa posição – vêm em seguida, indicando que as in-
tradição, sendo mais frágil, corresponde aos públi- certezas quanto à escolha por regimes políticos re-
cos cuja adesão à democracia é menor. Uma impli- forçam as atitudes que dificultam ou bloqueiam a
cação disso é a confirmação da hipótese de mútua aceitação da democracia. Nesse sentido, é notável
influência entre estrutura e cultura políticas. que o índice de ambivalentes cresça quando a al-
Com o objetivo de examinar melhor as im-
ternativa antidemocrática usada no teste se refere
plicações do fenômeno de ambivalência política
a dificuldades econômicas e políticas dos países;
foi adotado, em seguida, um procedimento com-
quando estimula a adoção de um regime pura-
plementar: o cruzamento dos tipos políticos com
mente antidemocrático ou se refere à opção de
indicadores de atitudes não-democráticas, que re-
velam a sobrevivência de valores autoritários.16 O apoio a um líder que descarte a democracia. Nes-
Gráfico 2 apresenta para o conjunto da América sas situações, comuns a vários países, um signifi-
Latina as taxas de entrevistados que concordam cativo contingente de indivíduos aceita – ao menos
com alternativas não-democráticas. A última ques- em tese - que os governos desrespeitem a lei para
tão refere-se à demanda dos cidadãos pela demo- enfrentar dias difíceis. Mesmo em volume menor,
cracia em geral. também há democratas identificados com valores
Como esperado, os indivíduos autoritários autoritários, mostrando que o fenômeno de ambi-
são os mais identificados com valores antidemo- valência política é mais complexo. Por último, os

Gráfico 1
Tipologia de Atitudes Políticas
(América Latina e Países Selecionados: 2002, 2004)

Fonte: Latinobarômetro (2002, 2003, 2004), em site www.latinobarometro.org.


CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 25

dados mostram que o percentual geral de latino- outros onze países. A Tabela 1 permite comparar,
americanos que considera insuficiente a oferta de para cada indicador de atitude não-democrática,
democracia atualmente existente é superior a dois os percentuais de cada tipo atitudinal por país
terços de todos os entrevistados, com os índices e observar esses percentuais em relação ao total
de autoritários e ambivalentes alcançando médias para a América Latina ou outros países. Na maior
superiores às do continente em conjunto. Ou seja, parte dos casos a associação entre as variáveis é
um grande número de cidadãos latino-americanos significante; em geral, como esperado, os demo-
considera que a democratização não está cumprin- cratas que preferem valores não-democráticos são
do a sua promessa, o que sugere, como previsto bem menos numerosos que a média de cada país,
pelas hipóteses, uma situação de incongruência com exceção de Brasil e México, onde as médias
entre a visão do regime democrático como ide- são iguais, e, em poucos casos, superiores à média
al e a sua realização prática (Shin, 2005). Como do continente. Como esperado, os índices de au-
observaram Baquero (2003) e Lopes (2004), isto toritários que preferem valores não-democráticos
afeta uma dimensão fundamental da democracia, são quase sempre superiores às médias nacionais
a participação. e, em poucos casos, inferiores à média latino-
O passo seguinte da análise consistiu no americana. Sobressaem, no entanto, os ambiva-
exame específico desse panorama para o Brasil e lentes, cujos índices para quase todos os países

Gráfico 2
Democratas, Ambivalentes e Autoritários por Atitudes Autoritárias
(América Latina: 2002, 2003, 2004)

*p < 0,01

Fonte: Latinobarômetro (2002, 2003, 2004), em site www.latinobarometro.org.


26 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

são bastante superiores às médias nacionais e à do Contudo, para se avançar mais na caracterização e
continente. No caso do Brasil, a opção não-demo- na compreensão do fenômeno, outro passo analíti-
crática dos ambivalentes supera a média nacional, co foi adotado: a construção de um modelo de re-
embora a síndrome se verifique também para Ar- gressão logit com objetivo de mapear os principais
gentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Venezuela. Os determinantes individuais dos tipos atitudinais na
ambivalentes, como previsto, preferem alternativas América Latina. O Modelo 1 mostra que a razão de
de solução de problemas econômicos ou situação probabilidade de ocorrência de indivíduos ambi-
semelhante com apelos à intervenção dos militares valentes (e também autoritários) é maior entre as
e alternativas claramente não-democráticas. Trata- mulheres, os indivíduos de menos de 39 anos de
se de uma confirmação da sobrevivência de tra- idade, com pouca escolaridade, pouco interessa-
ços autoritários no quadro das novas democracias dos pela política e que não consideram as eleições
latino-americanas. um mecanismo eficaz de escolha de alternativas
A descrição apresentada, baseada em análi- políticas. Como esperado, atitudes ambivalentes e
ses bivariadas, aponta para importantes tendên- autoritárias são determinadas tanto pela cultura
cias de associação entre as variáveis selecionadas. política como por percepções sobre o funciona-

Tabela 1
Democratas, Ambivalentes e Autoritários por Atitudes Antidemocráticas
(Brasil e países selecionados: 2002, 2003, 2004)

“Governo militar pode solucionar “Apóia governo militar em


Países mais problemas” (2004) caso de dificuldades” (2004)

Dem. Amb. Aut. Total N Dem. Amb. Aut. Total N


 
A. Latina 19,9 ** 39,1 ** 60,7 ** 30,2 15.432 20,3 ** 37,4 ** 59,4 ** 29,6 16.001
Argentina 11,4 ** 50,2 ** 89,8 ** 28,6 1.054 15,7 ** 54,4 ** 91,5 ** 32,9 1.079
Bolívia 21,9 ** 30,8 ** 45,9 ** 28,0 923 21,2 ** 31,7 ** 55,8 ** 28,9 960
Brasil 26,1 ** 50,3 ** 75,0 ** 41,6 849 19,0 ** 41,4 ** 76,8 ** 34,2 907
Chile 12,0 ** 44,2 ** 94,2 ** 27,8 987 12,6 ** 45,5 ** 98,6 ** 29,0 1.039
Colômbia 27,8 ** 48,2 ** 70,0 ** 38,3 950 28,9 ** 43,9 ** 54,8 ** 36,7 1.001
Costa Rica 4,4 ** 12,9 ** 18,8 ** 7,1 829 5,6 ** 10,7 ** 17,7 ** 7,3 860
Equador 20,9 ** 33,5 ** 29,0 ** 28,2 1.090 21,1 ** 32,8 ** 29,0 ** 28,0 1.094
México 20,7 24,1 29,0 22,7 906 23,9 23,4 26,7 23,7 895
Paraguai 22,5 ** 60,9 ** 82,4 ** 50,8 551 23,5 ** 66,8 ** 77,3 ** 52,1 555
Peru 36,1 ** 52,7 ** 71,7 ** 48,6 963 32,2 ** 48,9 ** 68,6 ** 44,9 1.030
Uruguai 9,2 ** 33,9 ** 69,6 ** 14,7 1.027 11,9 ** 41,1 ** 70,8 ** 18,2 1.068
Venezuela 18,9 ** 28,1 ** 48,7 ** 22,4 1.049 18,4 ** 29,2 ** 37,8 ** 21,8 1.075

“Apóia regime não-democrático para “Governo pode desrespeitar a lei para


Países resolver problemas econômicos” (2002-2004) resolver problema difícil” (2002)

Dem. Amb. Aut. Total N Dem. Amb. Aut. Total N


A. Latina 45,4 ** 66,9 ** 69,8 ** 55,8 47.721 32,9 ** 43,5 ** 45,4 ** 37,8 15.372
Argentina 28,9 ** 73,8 ** 91,1 ** 47,0 3.278 19,5 ** 39,7 ** 39,4 ** 27,9 1.072
Bolívia 52,9 ** 61,9 ** 63,0 ** 57,8 3.093 29,6 ** 44,0 ** 53,9 ** 37,7 1.027
Brasil 59,2 ** 71,4 ** 73,1 ** 66,6 2.643 49,8 52,9 50,0 51,5 723
Chile 26,8 ** 73,3 ** 90,9 ** 48,9 3.080 36,0 ** 51,0 ** 58,4 ** 43,6 1.006
Colômbia 52,3 ** 70,2 ** 63,2 ** 61,0 2.720 35,8 * 45,3 * 52,9 * 41,3 789
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 27

Costa Rica 33,3 ** 53,4 ** 69,0 ** 39,3 2.557 39,4 48,4 44,4 41,4 858
Equador 43,7 ** 57,9 ** 45,5 ** 50,9 3.325 42,8 ** 54,9 ** 54,3 ** 50,2 1.073
México 55,0 ** 66,2 ** 70,4 ** 61,0 3.385 23,3 * 31,8 * 34,3 * 27,4 1.142
Paraguai 51,1 ** 82,5 ** 93,5 ** 73,2 1.719 33,8 ** 43,7 ** 54,7 ** 41,9 573
Peru 48,4 ** 65,8 ** 70,8 ** 58,8 3.064 26,0 ** 34,5 ** 39,1 ** 30,6 962
Uruguai 21,5 ** 61,0 ** 85,9 ** 31,2 3.198 18,7 ** 41,4 ** 39,3 ** 24,0 1.049
Venezuela 43,1 ** 55,6 ** 57,1 ** 47,8 3.263 30,3   32,7   41,7   31,4 1.053

“Presidente não deve se limitar à lei “Daria cheque em branco para líder
Países em caso de dificuldades” (2002) alvador que resolvesse os problemas” (2003)

Dem. Amb. Aut. Total N Dem. Amb. Aut. Total N


A. Latina 38,4 ** 47,5 ** 47,5 ** 42,5 14.771 13,4 ** 18,7 ** 21,9 ** 16,4 15.772
Argentina 22,9 ** 41,3 ** 38,8 ** 30,3 1.051 11,0 ** 16,0 ** 34,3 ** 14,3 1.076
Bolívia 41,4 ** 51,6 ** 56,3 ** 47,0 988 16,3 19,4 23,3 18,6 1.085
Brasil 60,9 59,9 71,9 60,9 705 11,5 14,2 9,0 13,0 1.004
Chile 44,8 * 53,5 * 57,5 * 49,1 972 7,1 ** 13,0 ** 21,1 ** 10,7 998
Colômbia 50,9 * 58,4 * 62,5 * 55,2 758 17,0 ** 25,9 ** 25,4 ** 21,6 927
Costa Rica 46,7 49,1 41,2 47,1 818 5,2 6,4 4,2 5,5 858
Equador 50,6 ** 66,3 ** 65,8 ** 60,3 1.017 14,6 ** 26,4 ** 15,7 ** 20,1 1.140
México 31,1 32,7 43,8 32,9 1.101 6,4 9,3 10,3 8,1 1.136
Paraguai 24,5 29,6 25,2 26,6 560 7,9 ** 17,0 ** 35,6 ** 19,6 577
Peru 40,9 47,4 46,3 43,9 906 16,0 21,7 22,3 19,4 1.030
Uruguai 19,7 ** 34,6 ** 40,7 ** 23,4 1.019 11,8 ** 25,0 ** 22,6 ** 15,0 1.058
Venezuela 29,1   33,3   42,9   30,9 1.027 26,5   31,9   17,3   28,0 1.119

“Melhor líder que tenha todo o poder que a “País é democracia com grandes problemas ou
Países democracia” (2003) não é uma democracia” (2004)

Dem. Amb. Aut. Total N Dem. Amb. Aut. Total N


A. Latina 23,4 ** 43,0 ** 60,3 ** 34,9 15.782 65,3 ** 78,4 ** 85,9 ** 71,7 16.036
Argentina 11,4 ** 34,5 ** 65,3 ** 21,4 1.072 71,0 ** 81,2 ** 91,1 ** 75,4 1.098
Bolívia 38,5 ** 51,8 ** 56,2 ** 46,7 1.090 81,5 ** 88,2 ** 94,3 ** 85,6 949
Brasil 26,1 ** 34,1 ** 49,2 ** 32,3 984 61,4 ** 76,6 ** 84,1 ** 70,3 856
Chile 8,7 ** 30,5 ** 61,1 ** 21,5 997 42,0 ** 71,7 ** 87,1 ** 54,3 1.042
Colômbia 15,1 ** 32,8 ** 35,6 ** 24,1 925 69,4 ** 77,8 ** 77,8 ** 73,4 950
Costa Rica 18,2 ** 32,3 ** 56,5 ** 22,9 863 46,8 ** 59,4 ** 75,0 ** 51,1 840
Equador 23,5 ** 45,3 ** 68,6 ** 43,3 1.139 78,3 ** 79,6 ** 88,2 ** 80,6 1.064
México 31,8 ** 44,8 ** 63,8 ** 40,1 1.121 72,3 ** 81,7 ** 97,6 ** 78,1 1.099
Paraguai 30,9 ** 45,3 ** 73,6 ** 49,1 581 70,0 ** 85,4 ** 90,3 ** 80,3 549
Peru 26,3 ** 43,0 ** 52,8 ** 37,1 1.056 87,4 89,9 88,5 88,8 1.022
Uruguai 9,4 ** 34,7 ** 50,0 ** 15,8 1.065 45,0 55,4 56,0 47,1 1.088
Venezuela 30,3 ** 46,4 ** 57,5 ** 38,3 1.108 64,7   57,5   40,5   62,0 1.102

** p < 0,01 * p<0,05


Fonte: Latinobarômetro (2002, 2003, 2004), em site www.latinobarometro.org.
28 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

mento das instituições democráticas, mesmo em em comparação com todos os demais países no
países em que a democratização foi apoiada por período entre 2003 e 2004.
mobilização da sociedade civil, como são os casos Os achados anteriores, com base em dados
da Argentina, Brasil e Chile. Por sua vez, a razão das pesquisas do Latinobarômetro, posicionam o
de probabilidade de ocorrência de democratas au- Brasil em uma trajetória distinta dos demais paí-
tênticos mostrou-se maior entre os homens, indi- ses latino-americanos no que se refere ao processo
víduos de mais de 39 anos de idade, com alta es- de adesão do público de massa à democracia. Era
colaridade e que percebem mecanismos como as necessário, por isso, explorar melhor o seu signi-
eleições de modo positivo. O modelo indica que ficado. Para tanto foi construído um novo modelo
todos os países da América Latina são afetados por de regressão logit e, como mostram os resultados,
estas características, com exceção dos autoritários do total de oito indicadores de autoritarismo, para
na Bolívia e os democratas no Peru, e confirma cinco deles a relação entre as variáveis é signi-
que o Brasil é o país em que a razão de probabili- ficante: como esperado, nesses casos, as razões
dade de ocorrência de tipos ambivalentes é maior de probabilidade de que os brasileiros autoritá-
Modelo 1 de Regressão Logit
Determinantes Individuais dos Tipos Ambivalentes, Autoritários e Democratas
(América Latina: 2003, 2004)

  Ambivalentes Autoritários Democratas


  Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z
Indivíduos < 39 anos 1.230 ** 1.249 ** 0.732 **
Homens 0.926 ** 0.892 ** 1.144 **
Baixa escolaridade 1.312 ** 1.418 ** 0.648 **
Média escolaridade 1.244 ** 1.358 ** 0.697 **
Pouco interesse pela política 1.202 ** 1.465 ** 0.700 **
Eleições não cumprem sua função 1.177 * 2.194 ** 0.563 **
Argentina 0.344 ** 0.786 ** 2.949 **
Bolívia 0.736 ** 1.008 1.355 **
Colômbia 0.664 ** 0.939 ** 1.550 **
Costa Rica 0.387 ** 0.360 ** 3.669 **
Chile 0.469 ** 1.083 ** 1.930 **
Equador 0.698 ** 1.919 ** 0.879 **
El Salvador 0.635 ** 0.948 ** 1.607 **
Guatemala 0.761 ** 1.153 ** 1.191 **
Honduras 0.713 ** 0.787 ** 1.592 **
Mexico 0.931 ** 0.715 ** 1.280 **
Nicarágua 0.735 ** 0.884 ** 1.453 **
Panamá 0.644 ** 0.758 ** 1.760 **
Paraguai 0.491 ** 2.903 ** 0.879 **
Peru 0.747 ** 1.556 ** 1.013
Uruguai 0.296 ** 0.291 ** 4.643 **
Venezuela 0.503 ** 0.569 ** 2.460 **
República Dominicana 0.496 ** 0.371 ** 2.826 **
Log pseudo-likelihood = -19662.039 -12979.358 -20686.561
N 32027 32027 32027

* p<0,05;**p<0,001.
Fonte: Latinobarômetro (2003, 2004), em site www.latinobarometro.org.
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 29

rios prefiram valores não-democráticos é sempre é, provavelmente ainda sob influência da tradição
bastante maior que a com os democratas. Mas o autoritária, os que apóiam estas alternativas. O
Modelo 2 revela também que a massa dos ambi- modelo também mostra que os brasileiros de bai-
valentes – cujo contingente é superior a 50% no xa escolaridade são os que preferem alternativas
Brasil – também prefere as alternativas autoritá- antidemocráticas.
rias, indicando a relevância das sobrevivências de
traços da cultura política antidemocrática: em re- Insatisfação política e desconfiança
lação aos democratas eles são mais de 2 vezes e da democracia
meia mais propensos a voltar-se para os militares
em caso de problemas ou dificuldades ou, ainda,
para um líder que descarte a democracia e, é no- As análises anteriores referem-se à adesão à
tável, são os coortes geracionais mais velhos, isto democracia como um ideal, mas, como previsto
pela discussão teórica, uma segunda dimensão de

Modelo 2 de Regressão Logit


Determinantes de Atitudes Autoritárias
(Brasil: 2002, 2004)
“Governo militar “Apoiaria governo “Apoiaria governo “Concorda com
soluciona mais os militar em caso de militar que resolvesse governo desrespeitar
problemas” dificuldades” problemas econômicos” leis em dificuldades”
Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z
Ambivalentes 2.584 ** 2.961 ** 1.720 ** 1.090
Autoritários 7.549 ** 9.214 ** 1.534 ** 0.966
Homens 1.233 1.446 * 0.885 0.908
Indivíduos com até
0.628 ** 0.513 ** 0.971 1.066
39 anos
Baixa escolaridade 1.840 ** 1.442 1.619 ** 1.657 *
Média escolaridade 1.229 1.082 1.232 1.310
Log likelihood = -530.0543 -511.9882 -1650.7232 -497.6101
N 849 907 2643 723

“Daria um cheque
“Concorda com “Considera que a
em branco a um “Prefere líder que
presidente não se democracia tem
líder salvador tenha todo o poder à
limitar às leis em caso grandes problemas/
que resolvesse os democracia”
de dificuldades” não é democracia”
problemas”
Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z
Ambivalentes 0.956 1.198 1.389 * 1.907 **
Autoritários 1.117 0.751 2.161 ** 4.113 **
Homens 0.882 1.035 0.911 0.846
Indivíduos com até
1.031 1.170 1.256 1.036
39 anos
Baixa escolaridade 0.994 2.893 ** 0.727 0.609 *
Média escolaridade 0.955 1.889 .766 .745113
Log likelihood = -471.3816 -379.4477 -608.3337 -499.4370
N 705 1004 984 856

*p<0,05; **p<0,001.
Fonte: Latinobarômetro (2003, 2004), em site www.latinobarometro.org.
30 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

apoio político relativa à experiência prática dos as únicas exceções sendo relativas aos argentinos
cidadãos com o regime envolve o seu julgamen- e aos mexicanos quanto à desconfiança das insti-
to sobre a qualidade de seus resultados. Diferen- tuições, cujas médias de democratas são iguais às
tes pesquisas empíricas sobre a democratização dos dois países como um todo. É importante ob-
utilizam a variável satisfação com a democracia servar também que, além dos brasileiros, os per-
para medir essa dimensão de accountability social centuais de argentinos, chilenos, costarriquenhos
(O’Donnell, 2004). Mas, além do desempenho de e uruguaios insatisfeitos com a democracia são su-
governos e dos seus resultados, as instituições e periores às médias nacionais, o que sugere duas
seu modo de funcionamento também são relevan- interpretações possíveis: a) em países dotados de
tes para moldar a relação entre cidadãos e regime tradição democrática mais antiga e mais consisten-
político. As instituições asseguram a qualidade dos te, o grau de exigência dos cidadãos com o funcio-
procedimentos democráticos e envolvem a percep- namento do regime é maior, aproximando-os da
ção sobre se o sistema político funciona de acor- situação que nos países de democracia originária
do com sua justificativa normativa. Alguns autores foi chamada de cidadãos críticos (Norris, 1999).
sustentam, nesse sentido, que elas não são neu- Em vários desses países, diferentemente do Brasil,
tras e que, quando capazes de justificar-se por sua o sistema partidário é mais consistente, incluindo
ação e sua retórica discursiva, sinalizam o grau de partidos originados em fins do século XIX ou iní-
efetividade dos direitos previstos em constituições; cio do XX; b) a baixa intensidade da qualidade da
constituem, portanto, o ponto de contato entre o democracia expressa pelo funcionamento deficitá-
princípio de igualdade perante a lei e a estrutura rio de suas instituições afeta em sentido negativo
da cidadania (Offe, 1999). Para mensurar essa di- a relação dos cidadãos com o regime, como tam-
mensão, a literatura especializada utiliza a variável bém Baquero (2003) constatou em suas pesqui-
confiança em instituições, que se baseia no jul- sas sobre países como Peru e Equador. Ao mesmo
gamento dos cidadãos sobre o funcionamento de tempo, outras pesquisas partindo de pressupostos
parlamentos, partidos políticos, cortes de justiça, distintos concluíram que uma mudança da situa-
policia etc. (Moisés, 2006b). ção envolve a adoção de reformas institucionais
Os dados da Tabela 2 dão conta da análise no sentido de reaproximar os cidadãos do sistema
bivariada entre essas dimensões e variáveis polí- político (Avritzer e Anastásia, 2006).
ticas selecionadas para a América Latina, Brasil e
países de comparação17. Eles confirmam a supo-
sição da literatura de que os sentimentos de in-
satisfação com o regime e de desconfiança das Preferência por modelos
instituições estão associados, não com a opção
democrática, e sim com atitudes autoritárias ou
antidemocráticos
ambivalentes. Mesmo não comprovando a causa-
lidade da relação, as associações apontam para a Com o objetivo de aprofundar o conheci-
influência das dimensões de accountability so­- mento sobre as implicações desse quadro, a aná-
cial – cujos coeficientes de associação entre si tam- lise voltou-se em seguida para os padrões de as-
bém são significantes – sobre os tipos atitudinais, sociação das variáveis anteriores com indicadores
em especial, autoritários e ambivalentes. No Brasil, de preferência dos indivíduos sobre modelos al-
como mostrado pelo Gráfico 4, os indivíduos clas- ternativos de democracia almejados para seus pa-
sificados por esses tipos são de fato os mais insa- íses.18 A idéia era examinar os efeitos dos sistemas
tisfeitos com a democracia e os mais desconfiados democráticos deficitários (nos termos definidos
de suas instituições. Os dados ainda mostram que, antes) sobre as atitudes políticas dos cidadãos. Os
controlados por indicadores de insatisfação com o dados dos Gráficos 3 e 4 confirmam as tendências
regime democrático ou desconfiança de suas insti- mencionadas antes: no conjunto da América Lati-
tuições, os índices de autoritários e ambivalentes na e, especialmente, no Brasil, ao serem consulta-
crescem em quase todos os países da América La- dos sobre a democracia que desejam para os seus
tina, enquanto aqueles de democratas diminuem, países, para além dos autoritários, os indivíduos
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 31

Tabela 2
Democratas, Ambivalentes e Autoritários por Insatisfação com a Democracia e Desconfiança de
Instituições Democráticas
(América Latina e Países Selecionados: 2002, 2003 e 2004)

Insatisfação com a democracia Desconfiança de Instituições Democráticas


Países
Dem. Amb. Aut. Total N Dem. Amb. Aut. Total N

A. Latina 59,0 ** 75,8 ** 84,3 ** 67,6 48.054 44,3 ** 50,7 ** 56,8 ** 47,8 46.722
Argentina 66,6 ** 83,0 ** 92,7 ** 73,5 3.319 60,8 ** 58,5 ** 66,2 ** 60,7 3.201
Bolívia 71,9 ** 81,6 ** 77,8 ** 76,7 3.120 60,6 60,1 64,2 60,7 3.027
Brasil 63,1 ** 78,4 ** 92,9 ** 73,2 2.650 33,2 ** 37,2 ** 48,2 ** 36,3 2.634
Chile 43,3 ** 77,0 ** 89,8 ** 59,3 3.136 25,9 ** 33,1 ** 34,9 ** 29,2 3.066
Colômbia 66,7 ** 80,7 ** 73,4 ** 73,3 2.738 34,6 ** 42,2 ** 44,3 ** 38,6 2.671
Costa Rica 32,9 ** 54,8 ** 72,4 ** 39,4 2.611 32,8 * 38,7 * 36,2 * 34,4 2.528
Equador 74,9 ** 83,6 ** 83,8 ** 80,5 3.350 68,0 68,3 71,2 68,6 3.295
México 80,3 ** 83,4 ** 92,2 ** 82,4 3.404 61,7 60,0 58,0 60,7 3.345
Paraguai 84,7 ** 90,5 ** 98,9 ** 90,4 1.723 51,7 ** 57,1 ** 67,7 ** 57,6 1.659
Peru 82,5 ** 91,6 ** 92,8 ** 87,7 3.099 51,6 ** 58,8 ** 63,3 ** 56,2 3.029
Uruguai 48,7 ** 60,9 ** 79,3 ** 51,9 3.276 28,4 * 33,9 * 33,7 * 29,6 3.098
Venezuela 56,3 ** 63,6 ** 61,5 ** 58,9 3.288 44,0   45,8   46,5   44,7 3.158

** p < 0,01; * p<0,05

Fonte: Latinobarômetro (2002, 2003, 2004), em site www.latinobarometro.org.

ambivalentes são os que mais preferem um tipo completos ou deficientes de democracia, os quais
de regime democrático incompleto ou incapaz de excluem características que distinguem esse regi-
atender a princípios fundamentais de participação me de suas alternativas, como a existência do par-
e representação. Assim, acompanhando as taxas lamento e dos partidos políticos. Modelos desse
de crescimento da insatisfação com a democracia tipo, por definição, colocam em questão os proce-
e da desconfiança de suas instituições, as linhas dimentos, os resultados e o conteúdo da democra-
que revelam as opções por uma “democracia sem cia, e, portanto, comprometem a sua qualidade. O
Congresso” e por uma “democracia sem partidos que leva os cidadãos a escolher essa alternativa?
políticos” também aumentam. No caso do Brasil, Como discutido nas secções anteriores, duas
essa tendência é mais acentuada, em comparação ofertas teóricas procuram explicar esta síndrome:
com os outros países, e mais intensa para a pre- uma é de natureza instrumental, a outra, de natu-
ferência por uma “democracia sem Congresso Na- reza normativa. O modelo instrumental baseia-se
cional”. Com relação a um sistema político em que na influência das teorias econômicas clássicas e
o parlamento apresenta sérias dificuldades para neoclássicas na análise política, e adota a visão
desempenhar suas funções de accountability ho- do regime político como meio ou instrumento
rizontal (Figueiredo, 2004), os resultados mostram para realizar fins definidos a partir da exclusiva
que os entrevistados tendem a descartar as insti- suposição de uma escolha racional dos atores. Em
tuições às quais essas funções estão entregues. contraste com esta perspectiva, o modelo intrín-
Em termos gerais, os resultados apresentados seco sustenta que as pessoas escolhem ou não a
nas seções anteriores confirmam as principais hi- democracia como um objetivo orientado normati-
póteses deste estudo. Mas era necessário explicar vamente. A premissa é que normas e valores são
ainda por que os latino-americanos, e em especial, adquiridos por meio do processo de socialização
os brasileiros associam a adesão ao regime demo- e do aprendizado envolvido na sua experiência
crático como um ideal à escolha de modelos in- política ao longo de sua vida adulta. Este estudo,
32 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

Gráfico 3
Democratas, Ambivalentes e Autoritários por Insatisfação com a Democracia, Desconfiança de
Instituições, Democracia sem Partidos e Democracia sem Congresso
(América Latina: 2002, 2003, 2004)

* p < 0,01.
Fonte: Latinobarômetro (2002, 2003, 2004), em site www.latinobarometro.org.

contudo, considera que as duas abordagens não que expressam o julgamento dos cidadãos sobre a
são incompatíveis e enfatiza a possibilidade de democracia e as suas instituições (insatisfação com
que o julgamento crítico dos indivíduos quanto à a democracia e desconfiança das instituições), in-
ação de governos e ao funcionamento das institui- dicadores de avaliação do desempenho econômi-
ções – seja em função de seus resultados práticos, co e político do regime, percepções sobre a cor-
seja considerando seus objetivos normativos – não rupção e experiências com as eleições, confiança
exclui a influência da cultura política e pode con- interpessoal e outras orientações culturais – todas
jugar-se a ela. controladas, de um lado, por variáveis sociodemo-
Com isso em vista, o passo final do estudo gráficas e, de outro, por parâmetros de comparação
consistiu em pesquisar quais são os determinantes entre os brasileiros e os cidadãos de outros países.19
da escolha por modelos democráticos que prescin- O objetivo era testar, além das hipóteses deste tra-
dem do parlamento e dos partidos políticos. Com balho, as hipóteses de abordagens alternativas que
base na literatura especializada, os modelos de re- competem com suas premissas.
gressão logit construídos para analisar os determi- Os resultados do Modelo 3 de regressão para
nantes individuais dessa preferência incluem, ago- os dados de 2002 confirmam e aprofundam os
ra, além de variáveis que refletem a sobrevivência achados anteriores. Em primeiro lugar, eles defi-
do autoritarismo (autoritários e ambivalentes) ou nem as características individuais de todos latino-
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 33

Gráfico 4:
DEMOCRATAS, AMBIVALENTES E AUTORITÁRIOS por Insatisfação com a Democracia,
Desconfiança de Instituições, Democracia sem Partidos e Democracia sem Congresso - Brasil:
2002, 2003 e 2004

* p < 0,01
Fonte: Latinobarômetro (2002, 2003, 2004), em site www.latinobarometro.org.

americanos (aí incluídos os brasileiros) que prefe- a influência de variáveis instrumentais de apoio
rem os modelos de “democracia sem congresso” político, mas os indicadores de desempenho eco-
e “sem partidos políticos”: eles são relativamente nômico de governos e do sistema político não se
jovens, têm menos de 39 anos de idade, são auto- mostraram significantes;20 tampouco a fé religio-
ritários, ambivalentes, insatisfeitos com o regime sa dos entrevistados, diferentemente do que tem
democrático, desconfiados de suas instituições e sustentado Inglehart (2002), afeta as escolhas por
não acreditam que o mecanismo eleitoral cumpre democracias incompletas, mas a desconfiança in-
a sua missão. No caso da opção por uma “demo- terpessoal, no caso da opção por uma “democra-
cracia sem Congresso Nacional”, os indivíduos cia sem congresso”, e a ausência de orgulho pela
convencidos de que a corrupção aumentou nos nacionalidade, para a escolha por uma “democra-
últimos anos tem razão de probabilidade igual a cia sem partidos”, contam para o resultado final,
1,3 vezes em comparação com os que descartam confirmando previsões da teoria do capital social
essa escolha, confirmando a hipótese de que a fa- e de outras teorias culturalistas. Quanto às variá-
lência ou a inexistência de mecanismos efetivos veis sociodemográficas, apontadas muitas vezes
de accountability horizontal, ao comprometer a como determinantes de níveis de sofisticação polí-
qualidade da democracia, afeta a relação dos ci- tica, apenas a baixa escolaridade dos entrevistados
dadãos com o regime. O modelo também testou influencia a escolha do modelo de “democracia
34 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

sem partidos”, indicando que a razão de probabili- lanos têm maior razão de probabilidade de op-
dade dessa escolha é maior para os indivíduos de tar pelo modelo de “democracia sem congresso”,
alta escolaridade, algo relativamente surpreenden- enquanto a escolha por uma “democracia sem
te por mostrar que um maior grau de informação e partidos” é maior entre bolivianos, colombianos,
de cognição sobre o funcionamento do sistema po- equatorianos, guatemaltecos, panamenhos e para-
lítico pode estar associado, ao contrário das supo- guaios. Nos demais países, os indivíduos são to-
sições usuais da literatura, a uma visão hostil ao dos menos propensos que os brasileiros a fazer
papel dos partidos no regime democrático. Porém, essas escolhas. E, com exceção da Venezuela –
esse resultado pode indicar que esses segmentos, que, devido ao processo que levou ao “pacto del
similares ao que Norris (1999) e outros chamaram punto fijo” (Karl, 1986), logrou manter o sistema
de cidadãos críticos, desvalorizam os partidos democrático funcionando ininterruptamente des-
porque avaliam negativamente o papel que eles de 1958 até as recentes ameaças à vigência das
estão efetivamente desempenhando. Nesse caso, liberdades democráticas –, são todos casos cujo
essa visão crítica, antes de solapar a legitimidade do padrão de institucionalização do sistema democrá-
sistema democrático, representa uma demanda de tico são mais críticos do que o brasileiro. O caso
seu aperfeiçoamento. do Brasil, contudo, para ser bem compreendido
Por fim, ao permitir comparar a atitude dos remete outra vez ao Modelo 1 de regressão, que
brasileiros com a das populações dos demais paí- indica que os brasileiros têm maior probabilidade
ses, o modelo revelou que apenas colombianos, de se definirem como ambivalentes do que em
equatorianos, panamenhos, paraguaios e venezue- qualquer outro país da América Latina. Em compa-
Modelo 3 de Regressão Logit
Determinantes Individuais da Preferência por Democracia sem Partidos e Democracia sem
Congresso Nacional
(América Latina: 2002)
Democracia sem Democracia sem
Congresso Partidos

Odds Ratio P>z Odds Ratio P>z


Ambivalentes 1.518 ** 1.542 **
Autoritários 2.240 ** 2.125 **
Insatisfeitos 1.217 ** 1.172 *
Desconfiados 1.098 * 1.094 *
Corrupção aumentou 1.296 ** 1.134
1.267 ** 1.296 **
Não há igualdade perante as leis 1.021 0.981
Situação econômica do país é ruim 0.940 0.955
Situação econômica pessoal é ruim 1.075 0.989
Renda familiar não é suficiente 1.049 1.077
Católicos 0.968 1.006
Religiosos 0.932 0.931
Não confiam nas pessoas 1.177 * 1.084
Não têm orgulho da nacionalidade 1.169 1.213 *
Homens 0.973 0.990
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 35

Indivíduos com até 39 anos 1.064 1.131 **


Baixa escolaridade 0.902 0.861 *
Média escolaridade 1.009 1.029

Argentina 0.989 1.021


Bolivia 0.918 * 1.080
Colombia 3.061 ** 2.438 **
Costa 0.869 ** 0.540 **
Chile 0.758 ** 0.940 *
Equador 3.824 ** 2.903 **
Salvador 0.759 ** 0.758 **
Guatemala 1.189 ** 1.046
Honduras 0.897 * 0.954
México 0.918 ** 1.013
Nicarágua 0.982 0.956
Panamá 1.421 ** 1.232 **
Paraguai 1.117 * 1.437 **
Peru 0.539 ** 0.572 **
Uruguai 0.504 ** 0.418 **
Venezuela 1.224 ** 0.949
Log pseudo-likelihood = -7442.0605 -7733.8566
N 12037 12271

*p<0,05; **p<0,001.
Fonte: Latinobarômetro (2002), em site www.latinobarometro.org.

ração com os demais países, no Brasil há mais ris- em geral – com o processo de democratização,
co de que seus cidadãos escolham alternativas de em anos recentes, permite qualificar as seguintes
regimes que excluem o parlamento e os partidos questões discutidas pela teoria democrática con-
políticos e onde, como revelou o Modelo 2 de re- temporânea:
gressão, autoritários e ambivalentes têm, respecti-
vamente, 4 e 2 vezes respectivamente mais chance (1) A análise dos dados empíricos confirma a
de considerar que a democracia não responde às existência de um gap entre as dimensões normati-
expectativas criadas durante o longo processo de va e prática de apoio ao regime democrático, como
democratização. argumentaram Rose e Shin (2001), mas mostra que
contextos marcados pela sobrevivência de traços
autoritários da cultura política e, ao mesmo tempo,
Breves considerações finais por distorções do funcionamento das instituições
democráticas, com repercussões sobre a qualida-
O exame da relação dos cidadãos brasilei- de do regime democrático, afetam de diferentes
ros – em comparação com os latino-americanos modos a experiência dos indivíduos e influem so-
36 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

bre suas orientações políticas. Assim, a preferência (3) Quanto à qualidade da democracia, a si-
por soluções à margem da lei e das normas de- tuação brasileira aponta para existência de déficits
mocráticas (podendo envolver o retorno de mili- institucionais que afetam princípios básicos como,
tares ou o apoio a lideranças carismáticas) com o por exemplo, o primado da lei ou a responsabi-
objetivo de resolver problemas da sociedade está lização de governos, comprometendo a capacida-
associada com o desprezo ou o descrédito de com- de do sistema político de responder às expectati-
ponentes fundamentais da democracia representa- vas dos cidadãos. A insatisfação com a democra-
tiva, como o parlamento e os partidos políticos. cia e a desconfiança de suas instituições indicam
Os testes empíricos confirmam a hipótese de que que eles não sentem que seus direitos de partici-
tanto a cultura política como a avaliação das ins- pação e representação – de que dependem a igual-
tituições contam para este resultado e reforçam a dade política e seus corolários, como a igualdade
suposição de parte da literatura de que fatores po- social e econômica – sejam canais efetivos para
líticos importam mais do que os econômicos na enfrentar problemas como a corrupção ou as di-
determinação das atitudes dos cidadãos (Newton, ficuldades econômicas. Nesse contexto, a análise
1999). dos dados aponta para a existência de conexão
(2) O contraste entre a adesão normativa entre a ambivalência a respeito de valores políti-
majoritária ao regime e o severo julgamento dos cos, a insatisfação com a democracia e a descon-
cidadãos sobre a democracy-in-action indica que fiança de instituições, como partidos e Congresso
o grau de incongruência existente entre a oferta Nacional. Não deveria surpreender, nessa situação,
institucional de democracia e a demanda cultu- que o país seja um campeão de baixos índices de
ral dos cidadãos pelo sistema não está sendo su- identificação partidária, de avaliação negativa do
perado com o passar do tempo. Nem o desempe- Congresso Nacional e de incapacidade dos eleito-
nho dos governos, nem o das instituições parece res de lembrar-se dos políticos em quem votaram
capaz de assegurar aos cidadãos que suas expecta- nas últimas eleições. A experiência de práticas de
tivas quanto ao regime são realizáveis. Isso sugere corrupção envolvendo governos, partidos políticos
que as elites políticas têm dificuldades para perce- e membros do Congresso Nacional, sem que os
ber a gravidade da situação ou não se sentem enco- meios institucionais de controle sejam considera-
rajadas a enfrentar os problemas que precisam ser dos efetivos, ajuda a explicar a escolha que tantos
resolvidos para que a oferta democrática satisfaça cidadãos fazem de modelos de democracia “sem
a demanda da cidadania. Diversamente de certo partidos” e “sem Congresso Nacional”. Resta saber
consenso que parece ter se estabelecido na ciência se esse processo de progressiva deslegitimação das
política, no caso brasileiro a questão remete para a instituições básicas da democracia representativa
atualidade da reforma política (Moisés, 1995; Ren- poderá ser usado, a médio ou longo prazos, para
nó e Soares, 2006; Avritzer e Anastásia, 2006). alimentar alternativas antidemocráticas.
Anexo 1
Construção da Tipologia de Atitudes Políticas
“A Democracia pode ter problemas, mas é o
melhor sistema de governo”

Concordam Discordam
“A Democracia é preferível a qualquer outra forma
Democratas Ambivalentes
de governo”

“Em algumas circunstâncias, um governo autoritário


Ambivalentes Autoritários
pode ser melhor”

“Para mim tanto faz um regime democrático ou


Ambivalentes Ambivalentes
autoritário”
CULTURA POLÍTICA, INSTITUIÇÕES E DEMOCRACIA 37

Notas 9 Embora sustente uma visão positiva do sistema


político, Figueiredo (2004) fala claramente das di-
1 Moisés (1995) e Baquero (2001; 2003) relatam re- ficuldades do parlamento brasileiro para desem-
sultados de pesquisa neste sentido para diferentes penhar as suas funções no quadro do presiden-
períodos. cialismo de coalizão.

2 Ver explicações sobre as amostras no site www. 10 A universalização do sufrágio é uma caracterís-
latinobarometro.org. tica importante do processo de democratização
do Brasil. Em 1930, sob um sistema oligárquico,
3 Um balanço crítico e abrangente das teorias da votaram na escolha de presidente da República
cultura política pode ser encontrado em Rennó 2 milhões de cidadãos, correspondendo a 5% da
(1998). Em sentido semelhante a questões propos- população; em 1945, na democratização brasileira
tas neste trabalho, o autor chama a atenção para do após-guerra, votaram 16% da população; e, em
o problema da relação entre estrutura política e 2002, 66,6% que, considerada apenas a população
cultura política, algo também tratado por Moisés de 18 anos ou mais, representava 94%. O voto é
(1995). Para uma abordagem distinta, no estudo obrigatório e facultativo para pessoas de 16 a 18
de países latino-americanos, que combina a aná- anos ou de 70 anos ou mais. Na última eleição
lise histórica com o uso de dados quantitativos, presidencial, foram contados 76% de votos váli-
consultar Gómez (2004). dos, isto é, excluídos os votos em branco, nulos e
o não-comparecimento (Lamounier, 2005; Kinzo,
4 Tancredo Neves, líder de uma coalizão de forças
2004).
formada por dissidentes do antigo regime e líderes
da resistência democrática, foi eleito presidente se- 11 A CPI dos Correios concluiu que 16 parlamentares
gundo a constituição dos governos militares, mas receberam recursos ilegais ou se envolveram em
morreu antes de tomar posse. O vice-presidente, delitos semelhantes em troca de apoio ao governo,
José Sarney, um dissidente do regime militar que mas apenas três foram punidos pela Câmara dos
até poucos meses antes presidira o partido de sua Deputados, mostrando o peso do corporativismo
sustentação, tornou-se o primeiro presidente civil. em decisões destinadas a corrigir distorções que
afetam o desempenho do parlamento.
5 O artigo 62 da Constituição de 1988 autoriza o
presidente, em casos de “urgência e relevância”, 12 Pesquisa do Instituto Datafolha mostrou que a
a decretar “medidas provisórias com força de lei”. avaliação do Congresso Nacional chegou ao nível
A prerrogativa tem sido amplamente utilizada por mais baixo dos últimos anos após as denúncias
todos os presidentes desde 1988 e, embora obje- de corrupção no governo Lula: 47% consideram
to de controvérsia entre os principais analistas, é o seu desempenho “ruim ou péssimo”, 34%, “re-
considerada “uma forma poderosa de autoridade gular” e apenas 13%, “ótimo ou bom”. Baquero
legislativa porque permite que os chefes do Exe- (2003) também encontrou índices críticos, em re-
cutivo controlem o conjunto da produção legisla- lação ao Congresso Nacional e aos partidos polí-
tiva, inclusive de políticas, em conformidade com ticos, na região metropolitana de Porto Alegre em
o seu desejo” (Amorim Neto, 2006). Ver também 2002: 89% e 91%, respectivamente, de pouca ou
Figueiredo (2004). nenhuma confiança.

6 Em 1992, o primeiro presidente civil eleito depois 13 A Costa Rica é a democracia mais longeva da
da democratização sofreu um processo de impe- América Latina. Argentina, Chile e Uruguai, ape-
achment sob acusação de corrupção; em 1993, sar de interrupções do regime democrático, con-
membros da Comissão de Orçamento do Con- tam – diferentemente do caso brasileiro – com
gresso Nacional foram destituídos e punidos por uma tradição de partidos surgidos entre o final
acusações semelhantes. do século XIX e início do XX que seguem tendo
papel importante até hoje.
7 Ver Relatório Final da CPI dos Correios (2006).
14 Em anos recentes, o Equador enfrentou várias
8 Em entrevista à imprensa, o deputado Roberto crises institucionais que terminaram com a depo-
Jefferson, presidente do PTB, partido integrante sição de um presidente e, mais recentemente, du-
da base aliada do governo, declarou que o PT rante os trabalhos da assembléia constituinte, com
transferira recursos para aquele partido pagar o afastamento de deputados que se opuseram ao
gastos da campanha eleitoral de 2002. A decla- presidente; o México só na última eleição presi-
ração foi confirmada em depoimento à CPI dos dencial introduziu um efetivo sistema de alternân-
Correios (2006). cia no poder; o Peru sob o governo de Fujimori
38 revista brasileira de ciências sociais - vol. 23 nº. 66

sofreu um autogolpe em 1992 e, na Colômbia, a qual frase está mais próxima da sua maneira de
legitimidade do Estado vem sendo permanente- pensar?”. A variável foi dicotomizada e utilizada a
mente ameaçada por causa da ação da guerrilha e alternativa negativa no teste.
do narcotráfico.
19 As perguntas referiam-se à avaliação da situação
15 As médias de preferência pela democracia, em econômica do país, da situação econômica do en-
anos recentes, são de 59% nos países do leste trevistado, da renda familiar, da igualdade dian-
da Ásia, 51% no leste da Europa e 63% na África te da lei, do orgulho quanto à nacionalidade, da
(Shin, 2005); na Espanha, em Portugal e na Gré- percepção sobre a intensidade da corrupção, da
cia, em meados dos anos de 1980, eram respecti- efetividade das eleições e da religiosidade, além
vamente de 71%, 61% e 87% (Moisés, 1995). de indicadores sociodemográficos.
16 Para a análise, foram consideradas as seguintes 20 O resultado é diferente daquele obtido por Lopes
afirmações: 1) “No seu país, um governo militar (2004) no que se refere ao papel da avaliação da
pode solucionar mais ou menos coisas do que economia para a confiança institucional, indicando
um governo democrático?”; 2) “Um governo mi-
que esta é uma área que demanda mais pesquisa.
litar pode substituir um governo democrático se
as coisas se tornarem muito difíceis”; 3) “Não im-
porta que um governo não-democrático chegue
ao poder se puder resolver os problemas econô- BIBLIOGRAFIA
micos”; 4) “Quando há uma situação difícil, não
importa que o governo passe por cima das leis,
do parlamento e das instituições com o objetivo Abranches, S. H. H. (1988), “Presidencialismo
de resolver os problemas”; 5) “Se o país passa por de coalizão: o dilema institucional brasi-
sérias dificuldades, o presidente não precisa se leiro”, Dados, 31 (1): 5-34.
limitar ao que dizem as leis”; 6) “Eu daria um che-
que em branco a um líder salvador que resolvesse Abranches, S. H. H. (2001), “A democracia bra-
os problemas do país”; 7) “Prefiro a democracia a sileira vai bem, mas requer cuidados”, in
um líder que tenha todo o poder sem o controle J. P. Reis Velloso (org.), Como vão a de-
das leis”; 8) “Como é a democracia no seu país: mocracia e o desenvolvimento no Brasil,
uma democracia plena, uma democracia com pe- Rio de Janeiro, José Olympio, pp. 251-
quenos problemas, uma democracia com grandes 277.
problemas ou não é uma democracia?”.
Aguero, F. (1992), “The military and the limits
17 A satisfação com a democracia foi medida pela
seguinte pergunta: “Em geral, você diria que está to democratization in South America”, in
muito satisfeito, satisfeito, não muito satisfeito ou S. Mainwaring, G. O’Donnell e S. Valen-
nada satisfeito com o funcionamento da democra- zuela (orgs.), Democratic consolidation:
cia no país?”. Neste estudo, adotou-se a versão di- the new South American democracies in
cotômica, isto é, satisfeito ou insatisfeito. Quanto comparative perspectives, Indiana, Uni-
à confiança política, a questão utilizada foi: “Por versity of Notre Dame Press.
favor, veja este cartão e diga, para cada instituição
listada, quanta confiança você tem em cada uma Almeida, A. (2006), “Amnésia eleitoral: em quem
delas: muita, alguma, pouca ou nenhuma confian- você votou para deputado em 2002? E
ça”. As instituições consideradas nas análises fo- em 1998?”, in G. A. D. Soares e L. R.
ram: o Congresso Nacional, os partidos políticos, Rennó, Reforma política: lições da histó-
o Judiciário e a polícia. ria recente. Rio de Janeiro, Editora da
18 Em vista da tradição latino-americana e, em espe- FGV.
cial, da brasileira de desvalorizar o parlamento e
os partidos políticos, foram escolhidas as seguin- Almond, G. (1980), “The intellectual history of
tes questões para teste: “Algumas pessoas dizem civic culture”, in G. Almond e S. Verba,
que sem partidos políticos não pode haver demo- The civic culture revisited, Boston, Little,
cracia, enquanto outras dizem que a democracia Brown and Company, pp. 1-137.
pode funcionar sem partidos” e “Algumas pessoas
dizem que sem o Congresso Nacional não pode _________. 1990), A discipline divided: schools
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CULTURA POLÍTICA, INSTITUI- POLITICAL CULTURE, INSTITU- CULTURe POLiTIque, INSTITU-


ÇÕES E DEMOCRACIA: Lições TIONS, AND DEMOCRACY: LES- tions Et DÉMOCRAtIe : Leçons
da experiência brasileira SONS FROM THE BRAZILIAN EX- de l’expÉrience brÉsilienne
PERIENCE

José Álvaro Moisés José Álvaro Moisés José Álvaro Moisés

Palavras-chave: Democracia, Cul- Keywords: Democracy; Political Mots-clés: Démocratie; Culture Po-
tura política, Confiança política, Ci- culture; Citizenship; Political partici- litique; Confiance politique; Citoyen-
dadania, Participação política. pation neté; Participation politique

O objetivo deste artigo é descrever e The objective of this article is to L’objectif de cet article est de décri-
analisar as orientações dos cidadãos describe and analyze the orientation re et d’analyser les tendances des ci-
brasileiros a respeito da democracia of Brazilian citizens concerning de- toyens brésiliens en ce qui concerne
e suas instituições, tendo por base mocracy and its institutions, consi- la démocratie et ses institutions. Il
sua experiência prática com esse re- dering the Brazilian practical expe- se fonde, pour cela, sur l’expérience
gime nos últimos vinte anos. Com- rience with the regime in the past pratique de ce régime au cours des
parando o Brasil com outros países twenty years. Comparing Brazil to vingt dernières années. En compa-
latino-americanos, o trabalho exa- other Latin-American countries, the rant le Brésil à d’autres pays latino-
mina como os cidadãos brasileiros paper examines how Brazilian ci- améri-cains, l’article examine de
participaram do longo processo de tizens have taken part in the long quelle façon les citoyens brésiliens
transformação do regime autoritário transforming process from and au- ont participé du long processus de
em democrático, resultado de uma thoritarian regime towards a demo- transformation du régime autoritai-
mudança gradual, e não brusca ou cratic one, being it the result of a re en démocratique, résultat d’un
definitiva. gradual change, neither abrupt nor changement graduel, et non brus-
definitive. que et définitif.

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