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01/12/2022 13:14 O que há de nazifascista no bolsonarismo | Nexo Jornal

EXPRESSO (/EXPRESSO/)

O que há de nazifascista no bolsonarismo


Marcelo Montanini 12 de nov de 2022 (atualizado 12/11/2022 às 23h05)

Elementos constitutivos de movimentos são observado na extrema direita do


presidente Jair Bolsonaro e, segundo especialistas, produziram um ‘letramento
fascista’ ao longo do governo

FOTO: REPRODUÇÃO/REPRODUÇÃO
TEMAS

POLÍTICA
(/TEMA/POLÍTICA)

SOCIEDADE
(/TEMA/SOCIEDADE)

BRASIL
(/TEMA/BRASIL)

 BOLSONARISTAS FAZEM GESTO ASSOCIADO AO NAZISMO


EM MANIFESTAÇÃO EM SÃO MIGUEL DO OESTE, EM SANTA
CATARINA

Após a derrota eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL) para


o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 30 de
outubro de 2022, bolsonaristas se manifestaram nas ruas,
rodovias ou nas redes sociais para, a partir de teorias
infundadas (/entrevista/2022/11/04/‘Há-grupos-
impermeáveis-a-sinais-externos-da-realidade’) de fraude
eleitoral, pedir a ruptura do processo democrático.

Gestos e referências ao nazifascismo apareceram em alguns


desses movimentos, não pela primeira vez. Segundo
especialistas em nazismo e fascismo, esses sinais vinham sendo
emanados de modo mais sutil e vêm se tornando mais
explícitos, evidenciando as semelhanças entre os movimentos
de extrema direita.

Neste texto, o Nexo mostra algumas manifestações de


apoiadores e de membros do governo Bolsonaro ligadas ao
nazifascismo, resume a ascensão do movimento fascista e do
regime nazista na Europa e conversa com especialistas que
pontuam elementos comuns ao bolsonarismo.

Manifestações pós-eleições

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/11/12/O-que-há-de-nazifascista-no-bolsonarismo 1/8
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Desde a eleição, têm surgido notícias de manifestações


bolsonaristas que incluem elementos associados ao
nazifascismo, sem qualquer condenação por parte de
lideranças do movimento de extrema direita brasileiro.

Em 2 de novembro, em São Miguel do Oeste, em Santa


Catarina, manifestantes cantaram o hino nacional com o braço
erguido, num gesto associado à saudação nazista
(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/11/bolsonaristas-
fazem-saudacao-nazista-em-sc-e-ministerio-publico-inicia-
investigacao.shtml) “Sieg Heil”, que significa algo como “salve
a vitória” e era usado nas décadas de 1930 e 1940 por
seguidores do ditador nazista Adolf Hitler (1889-1945).

O Ministério Público Estadual de Santa Catarina abriu uma


investigação após um vídeo do ato viralizar nas redes sociais.
Em uma apuração preliminar, considerou que não havia
apologia ao nazismo (/extra/2022/11/02/Ministério-Público-
não-vê-apologia-a-nazismo-em-ato-em-SC) , e afirmou que o
gesto foi feito após o locutor do evento, um empresário local,
pedir que os presentes estendessem o braço a fim de “emanar
energias positivas”.

Dias depois, oito alunos foram expulsos


(/extra/2022/11/04/Colégio-Porto-Seguro-desliga-8-alunos-
após-caso-de-racismo) do Colégio Visconde de Porto Seguro
em Valinhos, no interior de São Paulo, após um estudante
negro de 15 anos denunciar mensagens racistas, machistas e
xenofóbicas em um grupo de WhatsApp. Havia também
mensagens com referências aos ditadores nazista Hitler e
fascista Benito Mussolini. A Polícia Civil investiga o caso.
FOTO: REPRODUÇÃO EPTV

 POSTAGEM FEITA POR UM DOS ESTUDANTES EXPULSOS DO


COLÉGIO PORTO SEGURO

Em Brasília, alunos do ensino médio receberam mensagens


nazistas (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-
noticias/2022/11/05/grupo-colegas-escola-ameacas-de-morte-
mensagens-nazistas-df.htm) e homofóbicas, em defesa de
Bolsonaro, num grupo de Whatsapp. Escolas ao redor do país
têm registrado casos
(https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2022/11/nazismo-

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/11/12/O-que-há-de-nazifascista-no-bolsonarismo 2/8
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em-escolas-reflete-naturalizacao-de-praticas-autoritarias-
dizem-especialistas.shtml) de apologia ao nazismo nas últimas
semanas.

Em Casca, pequena cidade do Rio Grande do Sul, com apenas


9.070 habitantes, um grupo de eleitores de Bolsonaro pediu
nas redes sociais e em grupos de WhatsApp que comerciantes
locais petistas colocassem adesivos com a estrela vermelha
(https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-
noticias/2022/11/08/bolsonaristas-tatica-nazista-intimidar-
eleitores-lula-rs.htm) do PT na frente de seus
estabelecimentos. O regime nazista obrigou comerciantes
judeus a colocar a estrela de Davi em suas lojas. Listas com
nomes de pequenos comerciantes e profissionais liberais para
boicote têm circulado
(https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/11/cidades-
vivem-clima-de-tensao-com-grupos-radicais-e-boicotes-a-
eleitores-de-lula.shtml) em várias cidades do país.

Os ‘apitos de cachorro’

O governo Bolsonaro foi marcado por gestos sutis transmitidos


em códigos por membros do governo ou pelo presidente,
conhecidos como dog whistle, ou apito de cachorro,
relacionados ao nazifascismo. Esses sinais são códigos de
comunicação política que carregam uma dubiedade e podem
ser justificados de outro modo.

Michel Gherman, professor de sociologia e coordenador do


Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro), explicou ao Nexo
que esses gestos são uma comunicação entre as dimensões
subterrânea e a superfície do bolsonarismo.

Segundo ele, ao fazer um gesto desse tipo a pessoa produz uma


comunicação direta com a base da extrema direita, mas quem é
simpática à pessoa criticada e ainda não é de extrema direita se
sente solidário com ela por não entender aquele gesto e avalia a
crítica como perseguição. Então, a pessoa vai pesquisar sobre o
gesto.

“Ele [o autor] ganha o vínculo com a base e quem não conhece


o gesto, e vê isso como exagero, vai buscar informações sobre
[o gesto] e dar-se o início do processo de letramento do
nazismo”, disse Gherman.

Em janeiro de 2020, o então secretário especial da Cultura,


Roberto Alvim, gravou um vídeo com elementos nazistas, da
estética ao discurso, que fazia referência a uma fala de Joseph
Goebbels
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/01/em-video-
alvim-cita-goebbels-e-provoca-onda-de-repudio-nas-redes-
sociais.shtml) , ministro da propaganda de Hitler. Alvim usou
como trilha sonora uma música de Richard Wagner,

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/11/12/O-que-há-de-nazifascista-no-bolsonarismo 3/8
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compositor preferido de Hitler e símbolo do governo. Ele foi


demitido após a repercussão ruim, e disse que se tratou de uma
“coincidência retórica
(https://oglobo.globo.com/cultura/roberto-alvim-diz-que-
frase-de-goebbels-foi-coincidencia-retorica-mas-perfeita-
24196159) ”.
FOTO: REPRODUÇÃO/TWITTER

 DISCURSO DE ALVIM TEM DIVERSAS SEMELHANÇAS COM


UM DISCURSO FEITO POR JOSEPH GOEBBELS EM 1933

Meses depois, Filipe Martins, assessor especial da Presidência,


foi flagrado fazendo um gesto supremacista
(https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/06/23/justica-
aceita-denuncia-e-torna-reu-assessor-da-presidencia-acusado-
de-gesto-racista.ghtml) durante sessão no Senado Federal, em
uma referência às letras WP (White Power, poder branco). A
Liga Antidifamação, organização dos Estados Unidos que
monitora crime e ódio, classifica o sinal “como uma sincera
expressão da supremacia branca
(https://www.adl.org/resources/hate-symbol/okay-hand-
gesture) ”. Martins, no entanto, disse que estava ajeitando a
lapela do paletó.

Em maio de 2020, Bolsonaro realizou uma live ao lado do


então presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro
Guimarães, e do ex-secretário da Pesca, Jorge Seif, em que
todos beberam leite (https://blogs.oglobo.globo.com/sonar-a-
escuta-das-redes/post/entenda-por-que-o-copo-de-leite-na-
live-de-bolsonaro-provocou-controversia.html) . O gesto,
segundo especialistas, tem correlação com símbolos
supremacistas brancos. A justificativa foi uma homenagem aos
produtores de leite do país.

Em julho de 2021, Bolsonaro também se reuniu com a


deputada Beatrix von Storch
(https://www.bbc.com/portuguese/internacional-57978671) ,
do partido de extrema direita alemão AfD (Alternativa para a
Alemanha). Ela é neta de Ludwig Schwerin von Krosigk,
ministro das Finanças de Hitler. Eles posaram para foto no
Palácio do Planalto.

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/11/12/O-que-há-de-nazifascista-no-bolsonarismo 4/8
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“O fascismo é uma forma de ler o mundo e, para ler, precisa do


letramento fascista. Esse governo durante todo esse tempo
produziu o letramento fascista da população e é difícil desfazer
isso a médio prazo”, afirmou Gherman.

Ascensão nazifascista na Europa

Contextos de crise socioeconômicas são terrenos férteis para


experimentos políticos, sobretudo extremistas. A Primeira
Guerra Mundial (1914-1918) deixou cerca de 20 milhões de
mortos e a Europa destruída. Esse foi o período de ascensão de
grupos fascistas ao poder por vias legítimas, com amplo apoio
popular.

Em 1919, Benito Mussolini, ex-combatente, criou com outros


militares na Itália o movimento fascista
(https://www.bbc.com/portuguese/geral-62520995) , um
movimento político conservador com posições extremistas,
marcado pelo nacionalismo, pelo autoritarismo, pela
obediência, pelo desprezo à democracia e pela violência como
instrumento político.

Em 1921, o Partido Fascista foi convidado a integrar a coalizão


de governo e, no ano seguinte, em meio ao caos político,
econômico e social, Mussolini se apresentou como a solução
para restaurar a ordem. Ele chegou ao poder com apoio da
monarquia, de grandes empresários e do Vaticano. Aos poucos
desmontou todas as instituições democráticas e assumiu o
controle de todos os poderes do Estado.

O movimento fascista italiano inspirou Adolf Hitler a criar o


regime nazista alemão em 1933. Hitler foi um militar sem
destaque, porém carismático. Ele ganhou notoriedade com
discursos que culpavam comunistas, judeus e minorias
religiosas pelos problemas alemães, que à época passavam por
uma intensa crise.

Em 1921, ele fundou o Partido Nazista com bandeiras


nacionalistas (https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-
noticias/2022/05/14/o-que-e-nazismo-e-como-ideias-do-
regime-ainda-pairam-na-sociedade.htm) , antissemitas e
anticomunistas, além de se apoiar na eugenia
(/expresso/2022/09/30/O-mea-culpa-da-revista-Nature-por-
difundir-o-racismo-científico) – conceito de que há raças
humanas geneticamente superior a outras – e no culto a um
líder forte. Poucos mais de uma década depois, os nazistas se
tornaram o maior partido do Parlamento e Hitler, o chanceler
alemão. Grupos paramilitares foram incorporados ao regime.

A propaganda nazista prometia, entre outras coisas, tirar o país


da crise, restaurar os valores tradicionais alemães exaltando a
família, a religião e a pátria e canalizava as críticas nos judeus e
comunistas. Assim como Mussolini, Hitler desmontou as
instituições democráticas e se tornou ditador. Ambos se

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/11/12/O-que-há-de-nazifascista-no-bolsonarismo 5/8
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uniram e invadiram a Polônia, dando início a Segunda Guerra


Mundial (1939-1945), que deixou mais de 70 milhões de
mortos (http://necrometrics.com/20c5m.htm) , entre eles
cerca de 6 milhões judeus.

Os elementos do bolsonarismo

Alguns elementos do fascismo e do nazismo são similares aos


observados no movimento de extrema direita brasileiro, como
a militarização, o reiterado discurso de anticomunismo, o culto
ao líder, a violência como ferramenta política e o constante
apelo ao nacionalismo.

“O bolsonarismo tem um lado claro de movimento fascista – de


produção de violência, dimensão carismática do líder,
criminalização da política e enfrentamento do outro como
inimigo – e, do outro, tem uma gramática nazista, com a
produção de símbolos”, afirmou Gherman ao Nexo.

Fabio Gentile, professor de ciência política da UFC


(Universidade Federal do Ceará) e especialista em fascismo,
destacou ainda “a demonização do inimigo político e a
apropriação dos conceitos de nação, com um nacionalismo
exagerado, e de pátria”. Um exemplo é o lema fascista “Deus,
Pátria e Família
(https://noticias.uol.com.br/eleicoes/2022/08/29/deus-
patria-familia-lema-de-bolsonaro-tem-origem-fascista-
entenda.htm) ”, repetido como um mantra.

Esse lema é uma versão do slogan do movimento fascista Ação


Integralista Brasileira, criado em 1932. O integralismo foi um
partido e movimento político de extrema direita
(https://www.bbc.com/portuguese/geral-58205709) fundado
por Plínio Salgado, inspirado em ideais e práticas fascistas que
se desenvolveram na Europa. Era um movimento nacionalista,
autoritário e fundado em preceitos religiosos.
FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS

 JAIR BOLSONARO FALA COM JORNALISTAS EM BRASÍLIA


SOBRE INSERÇÕES DE RÁDIO DA CAMPANHA

Gentile destacou que o Brasil tem uma tradição autoritária, da


qual o integralismo é um exemplo, e uma tradição nazista, no
sul do país, devido à colonização. Ambos ajudaram na ascensão
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/11/12/O-que-há-de-nazifascista-no-bolsonarismo 6/8
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das franjas mais radicais do bolsonarismo. Aliado a isso, o


movimento se articula na ambiguidade, disse o professor. “Se
apresenta como antissistema e elogia a ditadura, mas disputa
as eleições e mina a democracia por dentro.”

O presidente Jair Bolsonaro reiteradas vezes fez piadas racistas


com nordestinos (/expresso/2022/10/06/Como-a-xenofobia-
contra-nordestinos-se-fortalece-em-eleições) e negros, atitudes
reverberadas por seus apoiadores, que ao mesmo tempo dizem
não ser xenófobos ou racistas. O uso de referências nazistas
também acontece em paralelo a uma associação com Israel, por
meio da bandeira do país ou símbolos judaicos, como a estrela
de Davi.

Gherman, que também é assessor acadêmico do Instituto


Brasil-Israel, avalia que Bolsonaro percebe uma Israel
imaginária – branca, militarizada, capitalista e cristã – e o
judeu que não se adequa a essa forma é visto como alguém de
fora, inimigo. O professor publicou em setembro de 2022 o
livro “O não judeu judeu
(https://www.fosforoeditora.com.br/catalogo/nao-judeu-
judeu/) : a tentativa de colonização do judaísmo pelo
bolsonarismo”.

O professor da UFC acrescenta que Bolsonaro vê Israel como


um Estado forte, autoritário e armado, que lida com vigor com
a Palestina e outros países árabes da região.

“O bolsonarismo é violento, conspiracionista e vê a sociedade


com uma perspectiva (/entrevista/2022/11/04/‘Há-grupos-
impermeáveis-a-sinais-externos-da-realidade’) bem própria”,
disse Gherman. “Há a estética da violência, da necessidade de
ameaçar, a liderança que não pode ser questionada e a
comunicação específica dos seguidores por código.”

Gherman destacou que os casos de gestos nazistas pós-eleição


ocorrem pela falta de mediação entre a superfície, que seria a
liderança, e o subterrâneo, as franjas mais radicais do
bolsonarismo. “Sem mediação, o nazismo passa a ocupar o
espaço de modo explícito”, disse.

VEJA TAMBÉM
ENTREVISTA (/ENTREVISTA/) ‘Há
grupos impermeáveis a sinais externos
da realidade’
(/entrevista/2022/11/04/‘Há-grupos-
impermeáveis-a-sinais-externos-da-
realidade’)

(https://thetrustproject.org/) SAIBA MAIS

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/11/12/O-que-há-de-nazifascista-no-bolsonarismo 7/8
01/12/2022 13:14 O que há de nazifascista no bolsonarismo | Nexo Jornal

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/11/12/O-que-há-de-nazifascista-no-bolsonarismo 8/8

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