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G. Smith, On Segmentary Lineage Systems, in Journ the Roy. Anth. Institute, vol.

86,
2,
S. F. Nadel, The Foundations of Social Anthropology, 1951, p. 184 e p. 141.
P Clastres, Echange et pouou: philosophie de la cheft indiennes, in L'Homme, II, 1,
1962. 11 M.
1956.
W. C. MacLeod The Origin and History of Politics, 1931

DOMINIO DO POLITICO
A abordagem da política pela antropologia pode ser definida de uma forma simples:
explicar como os atores sociais compreendem e experimentam a política, isto é, como
significam os objetos e as práticas relacionadas ao mundo da política.
O interesse da antropologia pela política existe desde os primórdios da disciplina, uma
vez que o estudo de sociedades e relações sociais é estreitamente ligado à temática
das relações de poder. No contexto identificou-se a ambiguidade entre a antropologia
política e filosofia política.
Maximalistas e minimalistas
De acordo com informação etnográfica, há indicação de que as formas políticas
primitivas não eram homogéneas, quer se trate do domínio americano - desde os
bandos de Esquimós até ao Estado imperial dos Incas do Peru -ou do domínio
africano -desde os bandos de Pigmeus e de Negrilhos até aos Estados tradicionais,
alguns dos quais, como o Império Mossi e o reino Ganda, sobrevivem ainda. Se esta
variedade exige classificações e tipologias, impõe, antes de mais nada, à questão
prévia da referenciação da delimitação do campo político. A este respeito, distinguem-
se dois campos: maximalistas, por um ado, e minimalistas, por outro. O primeiro,
cujas referências são antigas e ainda veneradas, poderia ter como divisa a afirmação
de Bonald: não há sociedade sem governo. Já a Politica de Aristóteles considera o
homem um ser naturalmente politico e identifica o Estado com, o agrupamento social
que, abarcando todos os outros e ultrapassando os em capacidade, pode, ao fim e ao
cabo, existir por si próprio. Estę modo de interpretação, nas suas ultimas
consequências, leva a assimilar a unidade politica à sociedade global. Assim, S. F.
Nadel escreve no seu estudo sobre os funda mentos da antropologia social: «Quando
se considera uma sociedade, encontramos a unidade política. e quando se fala da
primeira, consideramos de facto esta última; de tal modo que as instituições políticas
são as que garantem a direcção e a manutenção «do mais extenso dos grupos em
corpo, isto é, a sociedade».
Por outro lado os minimalistas mostram-se negativos ou ambíguos acerca da
atribuição de um governo a todas 'as sociedades primitivas. Muitos historiadores e
sociólogos são minimalistas; salvo Max Weber, que coube recordar a anterioridade da
política relativamente ao Estado, o qual, longe de se confundir com ela, não passa de
uma das suas manifestações históricas. Antropólogos antigos e modernos situam-se
igualmente entre aqueles que contestam a universalidade dos fenómenos políticos.
Um dos fundadores»>, W. C. MacLeod, considera os povos que estuda -como os
Yurok da Califórnia - desprovidos de organização política e vivendo num estado de
anarquia (The Origin and History of Politics, 1931). B Malinowski admite que os grupos
políticos estão ausentes entre os Vedda e os aborígenes australianos R. Redfield
sublinha que as instituições políticas podem faltar por completo no caso das
sociedades mais primitivas».
Assim, M. G. Smith consagra um longo artigo às sociedades de linhagens, que encara
sob um triplo aspecto: enquanto sistema que apresenta características formais,
enquanto modo de relação distinto do parentesco, e sobretudo enquanto estrutura com
conteúdo político. E levado a considerar a vida politica como um aspecto de toda a
vida social, não como produto de unidades ou de estruturas especificas, e a recusar a
pertinência da distinção rígida estabelecida entre sociedades com Estados e
«sociedades sem Estado.
Confrontação dos métodos
Constatou-se que a ambiguidade encontra-se, igualmente, nos factos.. nas vias e no
vocabulário técnico dos especialistas. A acentuação que incide num ou noutro
aspectos provoca definições diferentes do domínio político.
A Referenciação pelos modos de organização espaciall. As contribuições de Henry
Maine e Lewis Morgan atribuíram importância especial ao critério territorial. O domínio
político apreende-se em primeiro lugar enquanto sistema de organização que opera no
quadro de um território delimitado de uma unidade política ou espaço que suporta
comunidade política. Este critério aparece na maioria das definições de organizacão
política (em sentido amplo) Max Weber caracteriza actividade política, para além do
recurso legítimo a força, pelo facto de ela se desenrolar no seio território com
fronteiras definidas.
Apartir do estudo de caso -o da sociedade segmentária dos Nuer do Sudão.
Referenciação pelas funções- Para além desta determinação pelo territorio, sobre qual
se impõe, e que a organização político é frequentemente definido pelas funções que
desempenha sob sua forma mais geral, estas últimas são vistas como garantindo a
cooperação interna e a defesa da integridade da sociedade contra as ameaças
exteriores. Estas contribuem para a sobrevivência física daquela, segundo a fórmula
de Nadel, e permitem regulação dos conflitos. A estas funções de conservação juntam
se em geral as de decisão e de direcção dos negócios publicos, mesmo se,
manifestando o governo sob os seus aspectos formais, forem de natureza diferente. É
pela coerção-legitimamente utilizada - que tanto as funções comb as estruturas
políticas são mais frequentemente qualificadas! Contudo, ela é mais um conceito de
referenciação do que um conceito de definição; não esgota o campo do polí tico, tal
con o critério da moeda não cobre totalmente o campo do económico.
Referenciação pelas modalidades da acção politica. - Vários estudos recentes,
devidos a antropólogos da nova geração, deslocaram o ponto de aplicação da análise
das funções para os aspectos da acção política. M G. Smith, depois de ter observado
as confusões existentes no vocabulário técnico e as insuficiências da metodologia,
propõe uma formulação nova dos problemas. Para ele, a vida política é um aspecto da
vida social um sistema de acção, como o atesth a sua definição geral: Um sistema
político é simplesmente um sistema de acção política. Mas há que determinar o
conteúdo desta última, se não a fórmula reduz-se a uma pura tautologia. A acção
social é política quando procura controlar qu influenciar as decisões respeitantes aos
negócios públicos - a policy, no sentido dos autores anglo-saxónicos. O conteúdo
dessas decisões varia de acordo com os contextos culturais e as unidades sociais no
seio das quais são expressas, mas os processos de que são a conclusão situam-se
sempre exclusivamente no quadro da com petição entre os indivíduos e entre os
grupos. Todas as unidades sociais a que esta competição diz respeito possuem, por
esse facto. um carácter político.
Referenciação pelas características formais: uma das tentativas precedentes tenta
des rinçar os aspectos mais gerais do campo político, quer se trate das Fronteiras que
delimitam o espaço, quer das funções ou dos modos de acção que o manifestam.
Reconhece-se presentemente o método comparativo, justificativo da pesquisa
antropológica impõe que se recorra a unidades e processos abstractos, em que se
recorre a unidades e processos reapolític
Avaliação- Este inventário das vias é também o do obstáculos encontrados pelos
antropólogos que abordaram o domínio politico. Revela que as delimitações
permanecem imprecisas ou Contestáveis, que cada Escola tem a sua maneiras
própria de as traçar, utilizando muitas vezes os mesmos instrumentos. E nas
sociedades ditas de governo mínimo e de governo difuso (Lucy Mair) que a incerteza é
maior; nelas, os mesmos parceiros e os mesmos grupos podem ter funções múltiplas
incluindo funções políticas que variam segundo as situações, como numa peça de
teatro com um só actor.

Poder político e necessidade

As noções de poder, de coação e de legitimidade impõem-se necessariamente, e de


uma forma solidaria, no decurso desta investigação. Em quê e porquê são elas
fundamentais? Segundo Hume, o poder não passa de uma categoria subjectiva, não
um dado, mas uma hipótese que tem de ser verificada. Não uma qualidade inerente
aos individuos, antes surge sob um aspecto essencialmente teleológico. a sua
capacidade produzir efeitos, por si próprio, sobre as pessoas e subre coisas. De resto,
é por meio dessa eficácia que é geralmente definido. M. G. Smith especifica que o
poder é a capacidade de actuar efectivamente sobre as pessoas e sobre as coisas,
recorrendo a uma gama de meios que vai da persuasão até à coação .
De facto, o poder sejam quais forem as formas que condicionam a sua utilização - é
reconhecido em todas a sociedades humanas, mesmo rudimentares. Se o poder
obedece a determinismos internos que o revelam enquanto necessidade a que toda a
sociedade se encontra submetida, nem por isso deixa de surgir como resultante de
uma necessidade externa. Cada sociedade global está em relação com o exterior; e
está, directamente ou à distância, em relação com outras sociedades, que considera
como estrangeiras ou hostis, perigosas para a sua segurança e para a sua soberania.
Certas circunstâncias mostram bem este duplo sistema de relações, este duplo
aspecto do poder, que é sempre orientado para o interior e para o exterior. Em muitas
sociedades de tipo clànico, em que o poder continua a ser uma espécie de energia
difusa, a ordem dos factos políticos apreende-se quer pelo exame das relações
externas, quer pelo estudo das relações internas. Pode encontrar-se um exemplo
deste caso entre os Nuer do Sudão Oriental.
A análise ficaria incompleta se não levássemos em conta uma terceira condição: o
poder por muito difuso que seja implica uma dissimetria no seio das relações sociais.
Se estas se instaurassem na base de uma perfeita reciprocidade, o equilíbrio social
seria automático e o poder estaria condenado al definhar. Não é assim; e uma
sociedade perfeitamente homogénea, em que as relações recíprocas entre os
indivíduos e os grupos eliminem toda a oposição e toda a clivagem, parece ser uma
sociedade impossível. O poder reforça-se com a acentuação das desigualdades, que
são condição da sua manifestação, tal como ele é condição da manutenção delas.
Assim, o exemplo das sociedades primitivas» que já foram qualificadas de igualitárias
revela, simultaneamente, a generalidade do facto e a sua forma mais atenuada.
Segundo o sexo, a idade, a situação genealógica, a especialização e as qualidades
pessoais, estabelecem-se nelas preeminências e subordinações.
A ambiguidade do poder não é menos manifesta. Este surge como uma necessidade
inerente toda vida em socie dade, exprime coacção exercida por esta sobre o é
coagente contém em si uma parcela sagrado. Logo, sua capacidade de coerção
grande, a ponto de ser considerada perigosa por aqueles que têm suportar, Certas
sociedades, por consequência, dispõem de um poder que todo momento, desarmado
das suas ameaças seus riscos. P. Clastres, ao expor «filosofia do chefado indiano»,
mostra este desarmamento pela análise
O poder é necessário, mas mantido dentro de limites definidos. Exige o consentimento
e uma certa reciprocidade. Esta contrapartida é um conjunto de responsabilidades
obrigações muito diversas segundo os regimes em causa: arbitragem, defesa do
costume e da lei, generosidade, prosperidade do país e dos homens, acordo dos
antepassados e dos deuses, etc.
A ambiguidade é, pois, um atributo fundamental do poder. Na medida em que se apoia
numa desigualdade social mais ou menos acentuada, na medida em que garante
privilégios aos seus detentores, está sempre sujeito à contestação, ainda que em
graus variáveis. E é, ao mesmo tempo, aceite (enquanto garante da ordem e da
segurança), venerado (por virtude das suas impli cações sagradas) e contestado
(porque justifica e mantém a desigualdade). Todos os regimes políticos manifestam
esta ambiguidade, quer se conformem à tradição ou à racionalidade burocrática.Nas
sociedades africanas sem centralização do poder por exemplo, a dos Fang dos povos
vizinhos no no Congo há mecanismos correctores, de acção. insidiosa, que ameaçam
de morte quem quer que abuse da sua autoridade ou da sua riqueza. Em alguns
Estados tradicionais. da Africa Negra, as tensões resultantes da desigualdade de
condições são libertadas em circunstâncias determinadas-e parece então que as,
relações sociais se acham, de repente e provisoriamente, invertidas.
Relações e formas políticas
Partindo da sua própria experiência de investigação – as Sociedades centralizadas da
África oriental recorrendo a um método analítico, J. Maquet distingue três ordens de
relações que se podem encontrar associadas no processo político, que possuem uma
característica formal comum, cuja importância' já foi salientada: são nitidamente
dissimétricas. Maquet constituídos por três ele os conteúdos específicos

PARENTESCO E PODER

Para numerosos autores a ordem do parentesco exclui teoricamente a do político. Já


segundo a fórmula de Morgan atrás referida uma rege estado de societas, e a outra o
de civitas, tal como, segundo à terminologia que durante algum tempo esteve em
moda, uma evoca as estruturas de reciprocidade e a outra as estruturas de
subordinação. Em ambos os. casos, a dicotomia é manifesta.
A antropologia política revelou os laços complexos que existem entre os dois sistemas
e fundamentou a análise e a elaboração teórica das suas relações por ocasião das
pesquisas de campo. As sociedades ditas linhagistas ou segmentárias, acéfalas ou
não estatais, em que as funções e as instituições políticas são pouco diferenciadas,
forneceram o primeiro campo de experiências.

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