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Ortner, Sherry B. 1984. “Theory in anthropology since the sixties”.

Comparative Studies in Society and


History 26 (1): 126-166.

Antropologia Simbólica e Ecologia Cultural


Antropologia simbólica é o nome usado para designar um conjunto de tendências diversas que nunca se
autointitularam desta forma. Seus dois principais representantes são: Clifford Geertz - focado na cultura
e influcnciado por Weber e Parsons - e Victor Turner - focado na sociedade e influenciado por
Durkheim.
Em Geertz, temos a noção de que a cultura não é um produto mental das pessoas que se restringe ao
campo da representação mental. A cultura está incorporada nos símbolos públicos que servem como
meio de comunicação entre pessoas, expressando, por exemplo, sua visão de mundo ou ethos, e entre
gerações. A ênfase não está em uma tipologia dos símbolos ou sua operacionalização, mas em como os
símbolos operam como veículos da cultura, em especial sua dimensão afetiva. Para que esta leitura
renda frutos, Geertz propõe, apesar de não expressamente, o estudo "do ponto de vista do ator", pois a
cultura não é um sistema abstrato de significados ocultos. Ela é/está na própria ação/organização das
pessoas. Schneider também enfatiza a questão da cultura ressaltando seu aspectos sistêmico, mais do
que Geerzt, separando-a mais fortemente da ação social.
Turner, por outro lado, parte de uma sociologia do conflito. O estado normal da sociedade não é de
harmonia e solidariedade. A questão é como estas surgem de um estado inicial de conflito e
contradição. Os símbolos, aqui, são vistos como operadores de processos sociais, produtores de
transformações - enquanto que Geertz os via como formas de comunicar ethos particulares. Sua
preocupação está na pragmática dos símbolos. Como são forças ativas nos processos sociais.
As principais críticas à antropologia simbólica são: falta de cientificidade e misticismo; subestimar o
sentido política da cultura; e falta de atenção à produção e manutenção dos sistemas simbólicos
A ecologia cultural varia entre a obra de Service e Sahlins - para quem haveria uma evolução bando-
tribo-chefes-Estado -, White - mecanismos evolutivos fortuitos - e Steward - evolução das culturas
enquanto processos de adaptação às condições ambientais específicas. A palavra mote - que na
antropologia simbólica era símbolo - é adaptação. O motor da transformação social são elementos
externos à cultura.
Harris e Rapport apresentam uma ecologia cultural diferente, fortemente influenciada pela teoria de
sistemas. Da evolução para a explicação de como partes específicas da cultura funcionam enquanto
formas de adaptação e manutenção dos sistema que compõem. As formas culturais como maneira de
preservar uma dada relação com o ambiente.
O embate entre antropologia simbólica e ecologia cultural era o embate entre idealismo e materialismo,
prevalência da cultura e prevalência da natureza, o que dominou a teoria antropológica durante boa
parte dos anos sessenta. O problema do debate foi a falta de capacidade autocrítica de ambas as partes
em reconhecer suas próprias limitações.

Estruturalismo
Criado principalmente por Lévi-Strauss, o estruturalismo parte do pressuposto de que é possível
entender os fenômenos sociais e culturais a partir de alguns poucos princípios fundamentais. Haveria
uma gramática universal da cultura - como unidades do discurso cultural e suas regras de
funcionamento - fundamentalmente binária e calcada em dicotomia a partir da qual a produções
culturais seriam erigidas. A cultura é um sistema de classificação e a prática antropológica consiste em
mostrar e apontar os contrastes fundamentais dos fenômenos culturais mais complexos, uma
decomposição, como na Mitológicas de Lévi-Strauss, onde vemos uma ordenação do mais amplo e do
mais específico. Seu maior mérito está em indicar que dentro da variedade mais complexa é possível
identificar uma unidade e sistematicidade básicas. As mudanças podem operar apenas no plano da
complexidade, mantendo os componentes básicos intactos, ou ser uma verdadeira revolução, alterando
a própria estrutura.
O estruturalismo de Lévi-Strauss se diferencia da antropologia simbólicas por três motivos: sentido em
termos puramente cognitivos, ao invés de valorativo; caráter arbitrário dos símbolos; locus abstrato das
estruturas, ao invés de localizar o símbolo no ator. Em Lévi-Strauss, mito e sociedade compartilham
uma estrutura comum subjacente, enquanto que o estruturalismo inglês o mito resolve no plano
simbólico oposições que são sociais.
O estruturalismo foi criticado por negar relevância ao sujeito e sua intenção nos processos sociais e
culturais e por negar o impacto da história sobre a estrutura.

Os Anos Setenta
Os anos setenta foram marcados pela crítica, começando pela denúncia dos elos entre a antropologia,
colonialismo e imperialismo. O pano de fundo é um resgate do legado marxista, que havia sido deixado
de lado na década de sessenta, e produz três principais movimentos: marxismo estrutural, economia
política e marxismo cultural.
O estruturalismo marxista criticava todos os aspectos do campo teórico antropológico, inclusive o
próprio estruturalismo, pretendendo propiciar uma reviravolta completa. Seu principal resultado foi
colocar o marxismo novamente dentro da discussão. As forças determinantes seriam certas estruturas
de relações sociais. Isto não excluía aspectos ecológicos ou tecnológicos, porém os subordinava ao
social e ao político. O centro da análise eram os modos de produção e a cultura não era relegada ao
segundo plano, mas convertida em ideologia. O estruturalismo marxista possibilitava uma ponte entre o
materialismo da ecologia cultural e idealismo da antropologia simbólica.
O principal problema estava em reduzir a cultura à ideologia e ler todo fenômeno cultural como
mistificação/mascaramento, tendo como resultado um viés funcionalista. Além disso, mantiveram a
ideia, já presente em Durkheim, de níveis distintos do fenômeno social, mesmo que tenham criticado
este mesmo ponto da sociologia.
A escola da economia política partiu da teoria do sistema-mundo e teorias do subdesenvolvimento da
sociologia política. Seu foco estava nos sistemas econômicos e políticos de grande escala, enquanto que
o estruturalismo marxista ainda se centrava nos objetos tradicionais da antropologia, analisando como
forças externas impactavam e transformavam as sociedades ao forçar sua adaptação. Seu outro mérito
está em enfatizar a importância da história na antropologia. Por outro lado, é excessivamente
economicista e materialista, mas muito pouco política. Seu principal problema, porém, está em ver tudo
e todos em termos de sistema capitalista. A história, com isso, entra, mas como algo externo sobre a
sociedade e não um produto na qual a própria sociedade participa.

Os Anos Oitenta
Se por um lado a antropologia está se desintegrando nos anos oitenta, por outro dois conjuntos de
termos começam a ganhar mais atenção: prática-práxis-ação-interação e agente-ator-pessoa-sujeito.
Nesta linha, o livro de Bourdieu Oulines of a Theory of Practice teve importância fundamental. Esta
abordagem foi construída em oposição à dominante que, inspirada em Durkheim e Parsons, via o
mundo como ordenado por normas.
Um dos precursores desta nova abordagem é o chamado interacionismo simbólico coloca a organização
social e suas instituições como as condições sobre as quais a ação se desenvolve e não sua força
determinante única. Os novos teóricos compartilham a ideia de sistema, porém afirmam que este é sim
capaz de por vezes determinar a ação humana. Seu foco é entender como o sistema surge, se reproduz e
se transforma. Além disso, podemos identificar uma tendência marxista geral que ressalta as interações
entre atores assimétricos e relações de dominação. Uma das principais diferenças com a década de
sessenta é que Weber não é negado, em prol de Marx. Temos uma junção dos dois.
As questões que se colocam são: o que a abordagem de práticas é capaz de explicar; o que é uma
prática; como ela é motivada; e que tipo de relações analíticas são postuladas no modelo. Quanto à
primeira, o que se tenta fazer é explicar a relação entre ação humana e o sistema. Como um
atua/influencia o outro. Bourdieu, com seu habitus, e Sahlins, com seus dramas cosmológicos, são
exemplos disto e tomam o sistema dentro da tradição do estruturalismo francês (padrões de relações
entre categorias), porém esses conceitos possuem um marca estadunidense da conceito de cultura ao
combinar elementos que costumam ficar de fora das classificações francesas usuais, como ethos e
valores: "The point is that practice anthropologists assume that society and history are not simply sums
of ad hoc responses and adaptatiosn to particular stimuli, but are governed by organizational and
evaluative schemes. It is these (embodied, of course, withing institutional, symbolic, and material
forms) that constitute the system." (ORTNER, 1984, p. 148)
O sistema é visto como um todo e não é necessário decompô-lo em unidades menores. Todas as
relações que fazem parte da ação ou fenômeno social são vistas e analisadas como um todo -
harmônico ou não. "What a practice theory seeks to explain, then, is the genesis, reproduction, and
change of form and meaning of a given social/cultural whole, defined in - more or less - this sense."
(ORTNER, 1984, p. 149)
A respeito do conceito de prática, esta será toda ação com implicações políticas intencionais ou não
intencionais, ou seja, tudo. A diferença está no foco. No ângulo adotado pelo pesquisador que enfatiza
esta dimensão. Tradicionalmente a antropologia foca em atores individuais e não em coletivos. A ação
coletiva é reduzida à ação individual, no sentido de que a coletividade é tratada como sujeito singular.
A temporalidade da ação é vista dentro de um projeto maior e não um ponto separado dos demais, o
que ressalta a dimensão estrutural deste pensamento. Por último, quanto ao tipo de ação houve uma
importante crítica da visão de Parsons da ação como respeito à norma, porém se subvalorizou este
fenômeno em prol de uma visão romântica de liberdade total dos atores.
A teoria da motivação dominante na prática antropológica é a teoria dos interesses. "What actors do, it
is assumed, is rationally go after what they want, and what they want is what is materially and
politically useful for them within the context of their cultural and historical situation." (ORTNER,
1984, p. 151) Esta abordagem é extremamente limitada ao excluir toda a dimensão afetiva e há o
surgimento de uma antropologia psicológica que recupera esta dimensão. Outra possibilidade é a strain
theory, na qual não vemos os atores como sempre em busca de ganhos, como na teoria do interesse.
Naquela vemos o ator como "experiencing the complexities of their situations and attempting to solve
problems posed by those situations." (ORTNER, 1984, p. 141)
Na relação entre sistema e ação, partiu-se da posição de Geertz de que, em larga medida, a cultura
molda o comportamento. A diferença com a posição marxista é que não se trata de ideologia como
mentira e mistificação. Não há uma realidade a ser revelada escondida sob o manto das aparência. A
realidade é uma só e o ponto é como este sistema se constitui, se mantém e se transforma. Esta
construção de hegemonia não é total, pois a dominação cultural não é completa, o que nos leva à
questão de como a prática molda o sistema, seja reforçando-o ou alterando-o. No plano da reprodução,
a tradição que vem de Durkheim coloca nos rituais, práticas extraordinárias, seriam o modo de
incorporação das normas e valores do sistema. Posteriormente, se focou nas práticas da vida cotidiana
que permitiriam a circulação e reiteração dos princípios de organização social existentes. A pergunta
que surge é quais são, se existem, as práticas que não caem neste jogo. As práticas divergentes seriam
variações sobre o mesmo tema ou indicariam reais modos de ser alternativos?
O marxismo tradicional vai nos dizer que a divisão do trabalho e relações políticas assimétricas criam
contracultura dentro do sistema dominante e práticas que escapam da lógica de reprodução do sistema.
O problema é que este modelo é pensado sob a ideia de que as diferenças se encaixam. As diferenças de
classe, culturais e outras se sobreporiam de forma harmoniosa, o que não ocorre em muitos casos.
Sahlins propõe outro modelo: "Changes comes about when traditional strategies, which assume
traditional patterns of relations (..), are deployed in relation to novel phenomena (...) which do not
respond to those strategies in traditional ways" (ORTNER, 1984, p. 155) - a partir do interesse de cada
agente que tentará melhorar sua posição quando surgir a possibilidade.
Ortner aponta dois problemas/questões que surgem daí. Primeiro, a falta de consideração acerca de
padrões cooperativos em prol de uma visão de interesses em conflito. Segundo, que a mudança é vista
sempre como algo não pretendido. Um subproduto de uma ação cuja intencionalidade estava
direcionada para outro fim.

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