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COOPER, David E. Hegel’s theory of punishment. In: PELCZYNSKI, Z.A..

Hegel’s
political philosophy: problems and perspectives. Cambridge: Cambridge University
Press, 1971, pp. 151-167.

I.
A crítica de Hegel ao utilitarismo alcança a maioria das posições utilitaristas, mas não
todas. Essa crítica assume duas formas: conceitual; moral. – 151
O primeiro afirma que a discussão sobre os efeitos da punição na consciência tem
como pressuposto que a punição é inerentemente justa (Rph, §99). Isso quer dizer
que, antes de refletir sobre prevenção, é necessário estabelecer que a pessoa
cometeu o crime. O motivo para a punição é que alguém cometeu um crime de
determinada forma e não a necessidade de reforma do indivíduo, caso contrário não
faria sentido perquirir culpa. Logo, ressocialização e prevenção não são razões para a
punição. Isso não é novo, já estava em Kant, mas não afeta quem pensa utilidade
apenas como General Justifying Aim, pois ainda seria necessário justificar a
necessidade de punir alguém que cometeu um crime.
O argumento moral afirma que a visão utilitarista é imoral – 152 – em relação ao
criminoso e em relação a quem pode vir a cometer um crime. A primeira deriva da sua
ideia de que a punição é um direito do criminoso (Rph, §100). Uma leitura da
passagem seria que ao cometer um crime a pessoa estaria adotando o princípio de
que a violação de direitos é permissível, logo, como a punição é uma violação, ele
estaria sendo tratado sob o mesmo princípio. Por isso ele quereria sua própria
punição. Entretanto, o criminoso, em regra, não nega que a vítima tenha direitos ou
que o crime em geral seja permitido. O criminoso pode se ver como justificado, mas
não ver justificação na ação do Estado. Lendo de outra forma, Hegel estaria dizendo
que o agente racional, aquele que age de forma livre, quereria ser tipo como
responsável pelos resultados desejados de suas ações. Ele tem o direito de ver suas
ações desta forma. Caso contrário, o estaríamos tratando como um animal ou louco. –
153 – O utilitarista imporia a punição apenas como forma de condicionar o
comportamento futuro da pessoa ou de outras pessoas. Essa não é postura que se
tem em relação a um agente racional.
Hegel também está afirmando que é errado encorajar o criminoso a se ver como algo
que não uma pessoa que merece o resultado da sua ação como ser racional que é.
Isso, porém, continua sem afetar a utilidade como possível meta geral justificadora,
pois o utilitarista pode simplesmente concordar que isso é ruim – 154 -, mas isso não
implica que a utilidade ainda não possa ser a justificativa. Pensar a ação da punição
sobre o criminoso em termos utilitaristas não necessariamente significa tratá-lo como
menos que uma pessoa. O utilitarismo não impede que considerações não utilitaristas
entrem em jogo.
Mas Hegel também afirma que a punição é imoral em relação àqueles que poderiam
vir a cometer crime, à ideia de punição como prevenção negativa geral (Rph, §99Z).
Punição como ameaça seria uma forma de diminuir a liberdade das pessoas. Cooper
discorda, pois a redução da liberdade de ação acontece com a ameaça de punição ou
com a menção à punição. Outra forma de ler a passagem é como Hegel negando a
formulação “não cometa um crime, pois, se o fizer, será punido” em favor da
formulação “não cometa um crime, pois é errado, logo, se o fizer, será punido”. – 155 –
Os motivos para se seguir a leis devem ser os motivos certos. Medos e esperanças
egoístas não seriam.
O utilitarista responderia que os motivos certos devem vir primeiro, mas na falha deste
a ameaça pode prevenir e para a ameaça prevenir é necessário que a punição
aconteça. Ademais, se a punição nunca prevenisse o crime, não faria sentido punir,
pois sua eliminação diminuiria o sofrimento sem provocar nenhuma perda. – 156

II.
Contra teorias retributivistas, duas objeções são feitas usualmente: favorece a
vingança; estabelece uma doutrina de absoluta equivalência entre crime e punição.
Hegel mostra como sua teoria não faz nenhuma das duas coisas. Primeiro, alguns
crimes simplesmente não se prestam a essa equivalência, como a traição ou tentativa
de suicídio. Mais importante, porém, é o erro da ideia de fundo de que haveria uma
escala natural para se medir o crime e a punição. Para Hegel, não é possível
estabelecer a punição apenas pelo pensamento. Para isso, precisamos distinguir o
crime e a punição enquanto fenômenos externos e enquanto conceitos, mais
precisamente entre “valor” e “igualdade específica”. A segunda é sua equivalência
externa, observável. Valor é a equivalência interna entre coisas que externamente são
diferentes. Apenas nesse último sentido é possível falar em correlação entre crime e
punição. – 157
Isso não permite definir qual a punição adequada para qual crime, mas permite aferir
que alguns crimes devem ser mais severamente punidos que outros de acordo com a
extensão da violação aos direitos. Hegel diferencia entre crimes que violam toda a
extensão do conceito (como assassinato, escravidão e observância religiosa forçada)
e outros que apenas alcançam parte ou uma de suas características (Rph, §96).
Em relação à acusação da punição como retribuição como forma vingança, Hegel
mostra que o que torna a vingança inadequada não torna a punição inadequada. A
vingança é o ato da vontade arbitrária (Rph, §102), enquanto a vontade de quem pune
é a vontade universal da lei (Rph, §102Z). A vingança é um ato da parte lesionada, ou
seja, de alguém sem autoridade legal. A punição é um ato de quem não sofreu lesão
praticado por alguém investido de autoridade pública. – 158 – A vingança é motivada
pelo sentimento provocado pelo dano. A punição é motivada pela “reconciliação
genuína do direito consigo mesmo” (Rph, §220). A vingança tende a ser vista como
um novo ilícito pelo seu alvo, dando origem a uma nova vingança (Rph, §102). Além
disso, a parte lesada, ao ser movida pelo sentimento, tende a levar sua vingança longe
de mais (Rph, §102Z), o que não acontece com a punição. – 159

III.
Além deste aspecto negativa da teoria de Hegel, negando parte do utilitarismo e
alegações de retributivismo, sua teoria tem um lado positivo: a noção de que a punição
anula o crime (Rph, §93, §99). A interpretação literal não faz sentido, pois algo que já
foi feito não pode ser desfeito. Há algumas formas de interpretar a passagem de
Hegel. Uma versão equivocada vê o crime como contraditório em si, pois é o ato de
um homem livre que ataca um homem livre. Ao ser contraditório em si, a crime precisa
ser sublimada pela punição para que seja mostrado seu caráter contraditório. Para
Cooper, isso significaria dizer que a justificativa da punição é a inconsistência inerente
ao crime, o que não faz sentido. – 160
Uma possível explicação da passagem de Hegel parte da seguinte ideia. Algumas
coisas existem independentemente de que alguém realizou uma ação governada por
regras. A árvore está simplesmente lá. Outras coisas dependem deste procedimento,
como a existência da promessa da pessoa X fazer algo. Existem regras convencionais
que estabelecem quando a conduta da pessoa fez existir essa coisa chamada
promessa. – 161 – Direitos são espécies como a promessa. Eles dependem de regras
e convenções. Porém, apenas as regras não são suficientes. Se nada acontece com a
pessoa que faz algo contra alguém que afirma ter um direito, tudo indicaria que esse
direito não existe. Ou seja: “attempting to apprehend and punish men is a form of
procedure necessary to establish that rights of a certain kind exist in any paradigmatic
manner. If a man is not liable to punishment for an action, that is strong reason for
supposing he committed no crime, that he infringed no rights.” Essa não é uma relação
empírica, mas uma relação lógica. – 162 – Com isso, a justificativa da punição se torna
a justificativa do direito que o crime violaria.
É possível entender a noção hegeliana de punição como anulação do crime nestes
termos. O crime é algo que afeta a vontade implícita (Rph, §99). – 163 – Isso quer
dizer que há uma negativa implícita dos direitos da vítima como agente racional.
Quando Hegel afirma que o dano à vontade é um nada, algo negativo (Rph, §99), ele
não está dizendo que o dano não ocorreu, mas que não houve dano à vontade
implícita. O crime era uma intenção de mostrar que a pessoa não tinha direitos, mas a
pessoa os tem, logo nunca houve a demonstração de que não tinha. O que estabelece
isso é a punição. Um paralelo é com a anulação de uma decisão judicial condenatória.
A anulação não faz com que a decisão nunca tenha existido, mas sim estabelece que
a pessoa nunca foi culpada. Da mesma forma, a punição estabelece que nunca houve
a ausência de direitos que o crime pretensamente estabelecera. – 164 – Direitos sem
punição não são direitos. – 165
Mas porque isso é uma justificativa da punição e não de outro tipo de resposta estatal,
como uma admoestação pública? Hegel não iguala punição e anulação, como poderia
parecer à primeira vista (Rph, §99), logo é possível anulação sem punição – 166 -,
como ele cita no caso dos cavaleiros errantes, mas a punição a forma de anulação a
ser adotada em sociedade, pois é a forma que estabelece a existência paradigmática
de direitos. Uma mera denúncia pública daria a impressão de que as autoridades não
levam aqueles direitos a sério.
“At the end of section I. I mentioned a nagging question the utilitarian is wont to ask —
a question it is very difficult to answer in the negative. Would not a society in which
punishment was quite ineffective in preserving rights be better off without it? Hegel
does not answer this question in the negative. He shows the question is faulty. To ask
that question is like asking 'Wouldn't it be better to get married without going through
any form of ceremony? ' Just as one cannot get married without going through a
ceremony, there cannot be rights, felicitous ones at least, unless we punish violators.
To justify rights is ipso facto to justify punishment, with the qualifications I have made.
What justifies rights, if anything, is another question.” - 167

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