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DI GIOVANNI, George. Introduction; Translator’s note. In: HEGEL, G. W. F.. The science of logic.

Cambridge: Cambridge University Press, 2010. 63p.

Introduction
Prologue
SL é um documento datado. – xi – Essa introdução visa mostrar porque Hegel embarcou nessa
empreitada, o que, necessariamente, envolve discutir algumas das interpretações conflitos do
texto – das clássicas interpretações, mais metafísicas, às recentes interpretações, mais
“hermenêuticas”. - xii

The Publication of the Logic


Apesar de não ter terminado uma revisão completa de toda a obra antes de sua morte, ficou
evidente que seu plano era SL ser a primeira etapa em um sistema de filosofia em três partes,
que continuaria com a filosofia da natureza e terminaria com a filosofia do espírito. Há uma
diferença importante, porém, de seus primeiros escritos sobre lógica para os últimos, pois
Hegel promoveu uma certa fusão entre lógica e metafísica que representou uma mudança na
sua concepção da própria lógica e do que seria um sistema de filosofia. Para entender isso,
devemos olhar os escritos sobre lógica do período de Jena. - xiv

The Genesis of the Logic


Resumidamente, temos que, em 1801-2, Hegel deu um seminário privado sobre “Lógica e
Metafísica”, além de uma “Introdução à Filosofia”. O primeiro apresentaria um sistema de
formas objetivas, uma teoria do entendimento objetivo, que seria então “destruído” para dar
lugar à metafísica, na qual a filosofia se faria presente. – xv – A “Introdução” parece que
seguiria a proposta da Fenomenologia, ou seja, a filosofia como introdução a si mesma, desde
que demonstrando que a própria filosofia é um produto da história, apesar de poder dar a
falsa impressão de ser absoluta. O objetivo da filosofia seria “bringing to light an absolute
content which is already at hand in historically conditioned materials, and which, once brought
to light, would stand on its own without the need of historical support.” Para Hegel, seguindo
Schelling, esse “absolut content” seria a vida do Absoluto – na época, para Schelling, isso
significava mostrar a ideia do Absoluta na cognição, permitindo o desenvolvimento de uma
filosofia da natureza, seguida de um sistema ético e, finalmente, uma religião que recapturaria
a simplicidade da ideia original, pois essa ideia já estaria presente no filósofo como intuição (“a
unarticulated immediate awareness”). A tarefa da filosofia seria reconstruir o processo da vida
da substância absoluta: Ideia (Lógica e Metafísica)  Natureza  Ética  Religião. – xvi – A
Lógica serviria para mostrar as formas de reflexão finita (ruim, “bad”) – como ela se limitaria a
um formalismo -, levando à metafísica e à possibilidade de se construir um princípio para toda
a filosofia.

Para o período de 1802-3, temos o Sistema de Ética completo, mas não publicado na época,
durante a qual Hegel estava mais ocupado com temas éticos. Foi nesse período que escreveu
NL. – xvii – O texto pode parecer obscuro para os olhos de hoje, mas, para os discípulos de
Schelling familiarizados com sua Filosofia da Identidade, não o seria. O texto começa falando
que o conhecimento da Ideia da ordem ética absoluta depende da adequação entre intuição e
conceito. Esses dois conceitos são importados de Kant por Schelling, mas com um sentido mais
técnico. Em Schelling, a intuição não é algo meramente sensorial, mas “the immediate feeling
of the totality of reality which is presumably at the origin of consciousness and which
conceptualization is then supposed to bring to reflective consciousness.” Isso pode implicar um
contraste com o conceito/conceitualização, daí a tarefa de reunificá-los. O texto Hegel busca
demostrar como essa tarefa é feita no contexto específico da vida ética: como um povo [ Volk]
pode chegar a leis e instituições adequadas ao seu sentimento natural de autoidentidade que
foi precisamente perdido ao tentar ser transformado em leis e instituições. O texto é confuso
sobre qual seria o resultado final, mas parece indicar que seria uma comunidade religiosa, o
que, porém, não consta expressamente do texto. - xviii

Para 1803-4, temos alguns textos fragmentários, incluindo manuscritos para Lógica, Metafísica
e Filosofia da Natureza. Algumas diferenças são importante, ao discutir o Espírito, Hegel
começa pela consciência, e não pelo povo, como havia feito no Sistema de Ética. A consciência
serve de passagem da natureza orgânica para o espírito. O caráter social do espírito se revela
quando essa consciência dá origem à linguagem e, por conseguinte, a um povo. – xix – Outra
diferente importante é que, no Sistema, o espírito é tratado de forma especulativa, ou seja, do
ponto de vista de um observador objetivo e distante, enquanto nos manuscritos desse
período, com a introdução da consciência, o desenvolvimento do espírito é visto do ponto de
vista subjetivo do próprio espírito. Esse é o início de uma análise fenomenológica do espírito.

Nesse período, Lógica e Metafísica ainda estão separadas – a primeira introduzindo a segunda
-, mas a distinção começa a desaparecer. O movimento deixa de ser o resultado de uma
reflexão crítica externa e se torna um movimento interno do pensamento através do qual
formas cada vez mais complexas vão se desenvolvendo. Nesse sentido, a Lógica não é
puramente introdutória à Metafísica, mas estende-se para dentro dela. A Metafísica se torna
uma Lógica. – xx – Essa conexão entre pensamento formal e espírito é possível através do
conceito de “infinito”, que, ao invés de anular o “finito”, fornece um espaço conceitual no qual
o “finito” pode emergir nas mais variadas formas.

Para 1805-7, temos uma transição da natureza para o espírito ainda mais fluída. Hegel
acrescenta a ideia de que a natureza se torna consciente do fato de ser consciente – em outras
palavras, a natureza se torna um produto do espírito. Isso é possível através da arte, religião e
ciências, pois nessas a natureza se torna objeto para a atividade do espírito. Com isso, a Lógica
se torna uma ciência do conceito – xxi – e abandona completamente seu papel de introdução
ao sistema: “now the Logic defines the structure of an original conceptual space that makes
possible both spirit’s interpretation of nature as its prehistory and of itself as forging that same
nature into a meaning-generating community.” - xxii

(…)

Para Fichte, a liberdade não seria alcançável. Os objetos ganham densidade na medida em que
são tentativas falhas de alcançar a liberdade pura. Sua substancialidade estaria precisamente
nesse alvo não alcançado. Uma substancialidade negativa, mas substancialidade de qualquer
jeito. Hegel rejeita esse subjetivismo abstrato. Para Hegel, as representações filosóficas são
entidades históricas. Não há uma manifestação na experiência de uma liberdade “ideológica”
(“that is to say, by virtude of a commitment to it in faith”), pois a tarefa da filosofia se faz
historicamente ou na história. A liberdade não é uma entidade transcendental, mas “the
power that reason demonstrates over nature by transforming what would otherwise be just
something physical into an object, by humanizing it through labor, and ultimately by making it
re-exist”. – xxv – Ou seja, o espírito está presente desde o começo e desde sempre. O que se
acrescenta é o reconhecimento de que as estruturas sociais não são produtos da natureza,
mas produtos da razão. Com isso, a natureza é uma forma de pré-história do espírito, na
medida em que o próprio conteúdo do espírito “is itself determined by what that same nature
happens to be before it is thus implicated in the life of spirit. (...) the tale, while dictated by
spirit, must be shown also to map onto nature as what is given.”

“Philosophy is its own introduction because reason, which is its subject matter, is self-
justifying. But, as an “empirical” (read: historical) product, philosophy is affected by a
subjective (read: contingent) element which can obscure its nature to its own eyes and which
therefore needs dissipating.”- xxvi

The Idea of the Logic


A interpretação mais típica da Lógica será apresentada na seção seguinte. Aqui, é proposta
uma forma de leitura que tenta mostrar onde estão as insuficiências na história da
interpretação do texto. É falsa a impressão de que o texto é um texto metafísico pré-crítico. -
xxvii

The context
“To make the point in Kant’s terms, Fichte had relativized the distinction, which for Kant was
absolute, between understanding and reason. He had extended to the whole realm of
experience the claim that for Kant applied unqualifiedly only to the moral realm, namely that
conceptualization is essentially a norm-setting function, and that it is therefore wrong to try to
validate its products by measuring them against any given state of affairs. Or again, Fichte was
taking seriously Kant’s own theoretical claim that nature is an idea, and that one must
approach experience with questions in hand, coercing it to yield already well-rehearsed
answers. The idea of construing objects of experience by applying categories to a presupposed
given content loses all meaning, except perhaps in some artificially restricted context. One
must rather interpret experience by making sense of its otherwise merely given content in
terms of a priori conceptual constructs which, though evoking actual situations, draw the only
possible content appropriate to them from their place in a system of such constructs, or from
experience itself as already idealized.” – xxxii – Com isso, a distinção entre interpretação e
experiência “de fato” se torna apenas pragmática. “In the end, the logic of Science naturally
gives way to rhetoric.”

Para Hegel, Kant e Fichte compartilham um problema: o “Eu” é demasiado abstrato; e o


conceito de experiência apenas é alcançável através de uma intuição, em última medida,
inexprimível e, portanto, irracional. – xxxiii – Para escapar da caída de Fichte rumo à retórica,
Hegel precisa um conceitualização que abarque a facticidade, a imediaticidade da experiência.
Para não retornar à Schelling e seu spinozismo pré-kantiano, Hegel busca compreender a
facticidade de forma discursiva, sem a intuição de Fichte. Esse é o desafio atacado no começo
da Lógica. - xxxiv

The beginning
O argumento inicial de Hegel sobre os conceitos de “ser” e “nada” se resolvendo no conceito
de “devir” (“becoming”) deve ser lido a partir do problema colocado pela Lógica
Transcendental de Kant: qual o mínimo que precisar dizer sobre um objeto [ Gegenstand] para
reconhecê-lo de forma suficiente. Para Hegel, Kant errou ao introduzir um esquema de
categorias pré-formatado e a priori (formalismo) e Fichte a introduzir a liberdade como causa
extraconceitual (subjetivismo). Para Hegel, a verdade de um objeto é encontrada dentro do
discurso original ao ser desenvolvido seguindo suas próprias regras internas. É nesse sentido
que devemos entender sua afirmativa de que o conteúdo do discurso é gerado pela sua forma.
– xxxiv
A Lógica é um discurso sobre o discurso. Enquanto Kant fazia o movimento do formal para o
real (através do conceito de “givenness”) e Fichte do teórico para o prático (através do
conceito de “facticity”), Hegel vai do abstrato para o concreto (através do conceito de
“immediacy”).

Imediaticidade é uma característica do discurso que nos diz que qualquer estágio particular do
discurso será marcado por limitações decorrente do conjunto de categorias que o define, ou
seja, há sempre um certo grau de indeterminação ou, em outras palavras, um resíduo de
indeterminação que o próximo estágio tentará absorver e reintroduzir como um momento na
nova forma discursiva. – xxxvi – Isso aparece na distinção que Hegel faz entre Gegenstand e
Objekt e, por conseguinte, entre Gegenständlichkeit e Objecktivität. Em linhas gerais, a
distinção entre os dois primeiros termos corresponderia à distinção escolástica entre objeto
material e objeto formal “or, in an ordinary epistemological contexto, between a ‘subject
matter’ as merely intended or merely representable and as actually made present in
representation.” No segundo caso, temos um assunto (“subject matter”) que se torna
inteligível – passa a existir para um intelecto. “In the language of Hegel’s Phenomenology, the
Objektivität of a Gegenstand is its truth, its intelligible content. In the Logic, the Gegenstand or
the subject matter is the Objektivität itself of any Gegenstand, or the possibility of intelligibility
in general.” - xxxvi

(…)

“Hegel privileges “becoming” over “being.” It is not “becoming” which is the source of
irrationality, but the attempt rather to treat “being” by itself, in abstraction from “nothing”
and from the “becoming” which is the matrix of both. It is only inasmuch as “being” is
conceived as being whatever it is by becoming it that it retains identity, while at the same time
remaining open to a number of possible determinations which it nonetheless contains within
according to a rule internal to it. But this is the formula for rationality. And indeed, the best
instance of “becoming,” the one against which we in fact measure the internal adequacy of
other processes of becoming and from which all our language of becoming is drawn, is
precisely the discursiveness of our discourse.” - xxxviii

The development
Discurso, discursividade e dialética são sinônimos na Lógica. No “dever”, o ser é um “que”
seguido de diversos outros “ques”, nenhum deles constituindo algo definitivo. O problema
para a lógica é como fazer um discurso a partir deles, delinear a unidade que é possível através
do conceito de “devir”. Para isso, Hegel introduz os conceitos de “finitude”, “limitação” e
“infinito”. O conceito de infinito é o ser que, enquanto é um desses diversos “ques”
permenece “by itself, or is now definalbe, in Hegel’s terminology, as ‘being-for-itself’.” A
ênfase não é em “que” o ser é, mas na unidade que ele mantém através desses “ques” –
“abiding with itself” que pode significar “continuity” ou “discreteness”, o que permite uma
passagem de qualidade para quantidade. Ser quantificável significa que o ser pode ser tido
como contínuo ou discreto, nesse último caso não havendo um limite, em princípio, em
quantas partes podem ser geradas pela reflexão. Cada parte recebe o nome de quanta. O
quanta é o equivalente ao qualia, quando falávamos em qualidade, ou seja, aos “ques”. – xxxix

“the “quanta” that make up that being, inasmuch as they are taken as single terms subject to
external calculation, still have to be qualitatively determined in order to be individually picked
out for the calculation. That is to say, they must be immediately presupposed. As thus
presupposed, however, they are from the start already in principle relegated – to anticipate
now a category that comes into its own only as a result of the dialectic of “quantity” – to the
“unessential.” Only as implicated in a referential play of terms carried out according to a rule,
and deriving their magnitude from this play, do they denote the new unity of formal
determination that “being” has now acquired. Progress in the development of quantity is
measured precisely by the extent that the rules determining the play, rather than just
presupposing its terms globally and/or singly”.

“Hegel’s point, in brief, is this. In a ratio, the terms that enter into it are measured against each
other. As single terms, they do indeed still carry immediate qualitative determination – and to
this extent, therefore, they are still open as objects to external determination. But the
important point is that, whatever the qualitative determination of such single terms, their
stipulated measure persists, internally resistant to any external manipulation. Because of this
resistance, their objectivity (originatively defined as “being”) acquires yet another level of
formal self-containment, another “for-itselfness.”Hegel can say, accordingly, that with
“measure” there is a return to “quality.” But the return is with a crucial difference, for the net
result of the internal resistance – xl - posed by “measure” is that the qualitative differentiation
of the terms that enter into it – an immediate differentiation that belongs to “quality” in
general as a first immediate determination of “being” – becomes to it a matter of indifference.
In the form of “measure,” in other words, “quantity” has absorbed the indeterminateness that
was the determinateness of “being” as “quality,” and “being” itself, therefore, has acquired a
depth that it did not have before. “Quality,” as it now comes into play again, signifies this new
depth – this enhanced self-containment – that the logical object has achieved.”

Hegel faz duas adições na edição de 1832. A primeira delas parte da questão do infinito. Temos
infinitos concretos (“actual”): magnitudes que não conseguimos numericamente exaurir, mas
que são, ainda assim, conceito distintos e definíveis. – xli – Esse é um infinito verdadeiro, em
contraste com um infinito indefinito ou ruim. – xlii – “But they were then left in the
embarrassing situation, with which Hegel confronts them, of having to explain how accurate
results (and their calculations were indisputably exact) could be obtained on the basis of
avowed approximations, or, as some of them argued, how rigor of demonstration could be
maintained by the accidental balancing out of contrary errors.85 What they failed to see is
that when duly developed “quantum” transcends the limits of “quantity.” Calculus, according
to Hegel, was a clear instantiation of this overreaching of “quantity.”” - A segunda adição trata
das categorias de modalidade e é direcionada a Kant. – xliii

(...)

A essência explicita o que já está presente na medida. Define o “ser” como algo internamente
diferenciado: contém um princípio que permite sua intelecção “as what it is”; e contém
determinações acessórias a ele, mas que se tornam determinações ao serem referenciadas ao
que define o objeto em primeiro lugar. Essa é a distinção geral entre essencial e não-essencial.
A distinção é interna ao assunto do discurso, pois o essencial é aquilo que seria não-essencial
se visto por si só e o não-essencial é aquilo que se demonstra ser “a nothing in itself”. – xlv

A “contradição” é algo que apenas aparece ao longo do discurso sobre a “essência”. O “ser
essencial” é, ao mesmo tempo, feito materialmente de termos independentes; e de um todo
no qual cada termo é, em si, formalmente o todo. Nessa tensão, a contradição surge e o
assunto (“subject matter”) é sucessivamente definido com base nos termos de onde se parte.

A essência “is the movement of these determinations, and this movement is propelled forward
precisely by the occurrence of contradiction as caused by the assumption of determinations
independent of it.” – xlvi – Assim, as coisas da natureza não são mero fenômeno, mas lhes
falta interioridade, uma autorreflexividade completa. Essa apenas está presente nos produtos
da razão, nas entidades sociais.

As categorias da essência reproduzem “the labor that the concept performs in actual
experience by permeating its whole content discursively. (…) [they] define the logic of the
sciences of precisely this experiential process.” Ao mesmo tempo, o mundo completo da
natureza não pode ser reduzido a termos apenas naturais, caso contrário cairíamos no
monismo de Spinoza ou no desaparecimento das coisas de Fichte. Mesmo nas coisas da
natureza, Hegel ainda mantém uma possibilidade de distinção interna da medida. – xlvii

(...)

“With the categories of the “concept” one can say indeed that we have stepped into the mind
of God before the creation of the world – though by “world” we must now understand nothing
physical but a universe of meaning instead, and by “creation” the constitution of the
conceptual medium that will make any reality, such as already exists or might exist, re-exist as
intelligible. But of this universe it can also be said that it is a “realm of shadows,” for it is made
up of reflective abstractions only. Hegel speaks of the “impotence of subjective reason” just as
he speaks of the “impotence of nature” (die Ohnmacht der Natur).” – l

Issues of Interpretation
Focando nos aspectos mais propriamente lógico-metafísicos, podemos delinear duas linhas de
interpretação: a Lógica possui um compromisso ontológico e, para isso, avança um dogma; a
Lógica ainda permanece dentro do quadro geral estabelecido no idealismo de Kant e Fichte e,
por isso, - lv – não abandona o campo do pensamento discursivo. Um exemplo do primeiro
grupo é McTaggart, para que m SL é um trabalho em lógica. SL lida com categorias e seu
desenvolvimento dialético, mas esse “método” não seria, como Hegel alega, o único conteúdo
da “Idea of the Idea”, pois haveria um conteúdo acima das categorias que levaria a elas. Qual é
esse conteúdo, Taggart não explicita. Com isso, McTaggart apresenta uma “cosmologia” de
inspiração hegeliana, entendida como a aplicação, aos assuntos empiricamente conhecidos, de
conclusões a priori derivadas da investigação sobre a natureza do pensamento puro. Essas
conclusões teriam um papel explanatória a cumprir, ainda que, na prática, esse talvez não seja
possível. – lvi

[nota 110: Para McTaggart Hegel não tem delinear a racionalidade do universo em todos os
seus detalhes. “According to Hegel’s mature position, the notion that it is possible to
determine anything in nature absolutely makes no sense, for the simple reason that things of
nature do not perfectly control their own becoming and are therefore susceptible to a
potentially infinite number of external influences. Perfect determination is possible only in the
ideal realm of the concept. So far as nature is concerned, determination will always be relative
and reformable, according to limits which are to be determined by the physical sciences. This, I
take it, is what Hegel means by the Ohnmacht der Natur, “the impotence of nature,” in §250 of
the Encyclopedia”.]

Para McTaggart, “[i]t is reason that makes nature contingent. It transpires, in other words, that
despite all protestations that the Logic must be read as logic, McTaggart has in fact invested it
from the beginning with pre-Kantian Spinozist overtones. While taking the Logic to lay out the
blueprint of a universe of meaning that makes the discovery of an actual cosmos possible, he
assumes that it thereby also lays out the blueprint of that cosmos. It is from the start an
exercise in cosmogony. This is the source of the ambiguity that pervades his position
throughout, as well as the tradition that he represents.” – lvii

(…)

A segunda linha de interpretação é mais recente e mais difusa. Pode ser resumida como a
noção de que chegamos a verdade ao contar uma história/estória, mas não é que a verdade já
está lá e a história/estória apenas aponta, mas que a verdade é, em parte, criada pela tentativa
de articulá-la. Todo o resíduo de não-estória corresponde a esse parcialmente e deve ser
reabsorvido na estória seguinte, pois, para Hegel, nunca podemos sair das fronteiras
estabelecidas pelo discurso. Essa interpretação, porém, perde de vista que “it is nature which
in the abstract medium of logical discourse attains the self-comprehension, and the efficacy,
which we attribute to spirit. Nature is for Hegel, just as it was for Schelling, the ‘pre-self’ of the
‘self,’ not just the ‘other-than-self’ of Fichte.”

“In other words, it is only from the detached standpoint of a badly abstractive reflection that
the distinction between story-telling and history gets blurred. To the one caught up
existentially in the event that the story-teller might romance about, the difference between
story and history is undoubted. It is precisely – lix - the function of logical discourse to produce
clarity about it, the very clarity which has traditionally gone under the name of wisdom.” – lx

Translator’s note
The History of Translation
(…)

Issues of Translation
an (in) sich, an (in) sich selbst, an (in) ihm (ihr), an (in) ihm (ihr) selbst, für
sich, für sich selbst, für ihm (ihr) selbst
Há duas importantes distinções sintáticas aqui.

A primeira é entre a forma do objeto indireto (ihm, ihr) e a forma reflexiva ou subjetiva (sich).
Logo, a diferença entre an (in) sich e an (in) ihm (ihr) e entre für sich selbst e für ihm (ihr) selbst
é de origem sintática (sich se refere ao sujeito da frase, enquanto ihm (ihr) ao um terceiro
termo). Entretanto, Hegel usa primeiro distinção também com uma diferença conceitual. Uma
determinação está presente em um conceito na ihm quando assim deriva em razão de um
contexto interno. Isso não exclui a possibilidade daquela determinação estar implícita à lógica
interna do conceito, mas a determinação não é “dita” pelo próprio conceito, o conceito não é
expressou, por isso ainda é externa a ele. Quando um conceito expressa explicitamente uma
determinação, significa que a determinação está presente für ihm ou que o conceito a possui
für sich.

A outra distinção é entre sich enquanto pronome reflexivo ou subjetivo e selbst (“self”)
utilizado de forma demonstrativa. Esse segundo é usado para reforçar sich e ihm (ihr), por
exemplo em an (in) sich selbst. – lxv – O inglês, porém, não diferencia entre pronomes
subjetivos e objetivos, apenas acrescenta “-self” ou entre a forma reflexiva/subjetiva e a forma
usada de forma demonstrativa, como no caso “He did it to himself” e “He did it himself”. Ou
seja, uma tradução literal do alemão levaria a fórmulas como “in it itself”, “in itself itself”, “for
it itself” e “for itself itself”. O desafio é como usar o “self” do inglês e não perder de vista que o
selbst do alemão é sempre demonstrativo, como em an ihm selbst e na sich selbst. A tradução
optou por simplesmente descartar o selbst, ou seja, usar “in it”, “in itself”, “for it” e “for itself”,
rejeitando a tradução mais corrente atualmente de “in its own self”. Primeiro, é a expressão é
mais uma glosa do que uma tradução – o alemão correspondente seria an seinem eigenen
Selbst e, nem o alemão, nem o inglês, usa tais expressões cotidianamente. Além disso, o uso
de “self” traz uma subjetividade que não está presente no alemão.

O “in it” para an ihm selbst é mais problemático, daí o uso ocasional de “within it”, “within” ou,
até mesmo, “internally”, como forma de manter o contraste com “out, “without” ou “external
other”. – lxvi – Para an sich, a tradução optou por “within itself” ao invés de “in itself”, já que
an sich e für sich corresponderiam a diferença entre “implicity” e “explicity”. Não parece haver
uma boa forma de distinguir an de in e, mesmo em alemão, essa distinção não é cristalina.

Por último, in sich (selbst) foi traduzido por imanente (por exemplo Reflexion-in-sich-selbst
seria a reflexão imanente) e mit sich (selbst) por “self-“, como em “self-equality”. – lxvii

Ansichsein
A tradução usual de “being-in-itself” foi complementada, quando mais pertinente, pelas
tradução “the in-itself” e “the in-itselfness”, já que a primeira opção é mais pertinente quando
há um contraste entre Ansichsein e Fürsichsein

aufheben, Aufhebung
As traduções usuais são “to sublate” e “sublation” (sublimar/negar/suspender e
sublimação/negação/suspensão). São termos cunhados por Stirling para possibilitar a
tradução, mas que já fazem parte da língua inglesa. Outras traduções chegaram o utilizar “to
suspend” e “suspension”. Esse significado duplo do alemão aufheben é de difícil tradução.
Talvez a expressão “to take up” pudesse ser usada, já que pode significar “to take away” ou “to
appropriate it”, mas seu uso corrente e polissêmico afastaria a conotação técnica que Hegel
quer dar ao tema.

Begriff
A tradução optou por “concept” ao invés do mais tradicional “notion”, pois a segunda possui
uma conotação de representação subjetiva. – lxvii

Beziehung, Verhältnis, sich beziehen, sich verhälten


Beziehung tem relação com os termos que ingressam externamente ou reflexivamente no
discurso. Verhältnis os afeta substancialmente. A tradução por “relation” e “relationship”,
respectivamente, não é errada, mas parece mais adequada o uso de “connecting reference” e
“relation”, respectivamente. Assim, na passagem da imediaticidade das categorias do “ser”
para a reflexividade das categorias da “essência”, a “connection” pura e simples passa a ser
uma “reference” reflexiva ou uma “connection reference”. Velhältnis está relacionada a
“concept” e “idea”. Pode querer dizer comportamento. No caso das passagens sobre
matemática, Verhältnis é traduzida por proporção (“ratio”).

Dasein, Existenz
A tradução mais usual para Dasein é “determinate being”. Porém, apesar de todos Dasein ser
“determinate being”, a inversa não é verdadeira. Ademais, restringir o uso para Dasein
dificulta a tradução de outros termos derivados, como seiend, Seiendes e Daseiendes. Já se
usou os termos “thereness” ou “there-being”. – lxix
Einzeln, Individum
Einzeln geralmente é traduzido por “individual”, mas a tradução optou por “singular”,
deixando “individual” para a tradução de Individum, que é uma espécie especial de
individualidade, aquela que é melhor realizada na pessoa, mas que já aparece em qualquer
objeto internamente organizado.

erkennen, wissen, Erkenntis, Wissen


A diferença, no alemão, é idiomática. Ambos pode ser transitivo ou intransitivos, a depender
do contexto. Podemos pensar erkennen como uma forma de cognição e wissen mais próximo
de “saber”. Traduzir ambos por “to know” perderia a nuança entre as palavras no alemão.
Wissen dá a ideia de “being aware of”, enquanto erkennen de “being acquainted with”. Nesse
sentido, Erkenntnis é tem um sentido especializado no conhecimento via raciocínio, enquanto
Wissen dá a ideia de uma apreensão mais direta – o produto ou origem do conhecimento, ao
invés do processo, da razão. A tradução optou por “cognize” and “cognition” para erkennen e
Erkenntis.

Gegenstand, Objekt
Em inglês, falamos em “the subject mattter of a science”. Em alemão, “the object
[Gegenstand] of a science”. Algo mais próximo de “material object”. A tradução reservou o
termo “object” para a tradução de Objekt. Em alguns casos, Gegenstand foi traduzido por
“intended object”, quando o contexto é claramente fenomenológico, – lxx – e até “object”,
quando se tratava de entidade matemáticas.

das Ideelle
Miller traduz por “the ideal”, mas o termo confunde, pois Ideell não tem relação com das Ideal,
exceto no sentido derivativo. Ideelles é um objeto “which, in being in itself and even for itself,
at the same time refers to an other that transcends it – an ‘other’ with respect to which it is
both identical yet differentiated.” O principal exemplo que Hegel dá é “the finite” – “a reality
whose whole truth lies in the ‘infinite’ that transcends it – a transcendent ‘infinite’ which is
nevertheless present in it, inherent in its very structure as “finite.” However, that such is the
truth of anything finite is made explicit only in the conceptual medium of spirit’s reflection.” A
tradução optou por “idealization”, pois dá mais a ideia de algo alcançado do que de um estado
do ser e por manter a conotação de representação que Hegel tinha em mente, além de manter
o possível uso pejorativo de “mere idealization”, que Hegel faz uso de.

Sache
No contexto mais técnico de SL, “fact” parece a melhor tradução, pois Sache denota uma coisa
ou situação que entendemos conter implicitamente todos os fatores necessários para uma
explicação da sua existência. – lxxi

Schein
“Schein is generated by reflection inasmuch as the movement of the latter, in arriving at a
would-be term, immediately turns back from it (kehrt züruck), annuls it as its end-term, and
thereby returns to that from which it had begun – only, however, in order to perform there the
same move of turning back and returning. (…) it is movement simply as movement, self-
referring as referring to an other. (…) Schein can be, however, the source of delusions, notably
of the mistake of thinking that there must be for it some stabilizing factor outside it. Hegel’s
subsequent logical moves consist precisely in demonstrating that any stabilizing determination
must be sought within the very movement of reflection of which Schein is the immediate
presentation.”

Tradução possíveis seriam “shine” e “semblance”. A tradução optou por “shine”, como
substantivo e como verbo, mantendo a metáfora da luz por trás de escolha de palavras de
Hegel. – lxxii

selbstständig
Tradução optou por “self-subsistent” e, em contextos matemáticos, “independent”.

Unterschied, Verschiedenheit
Em inglês, há três termos possíveis - “difference”, “distinction” e “diversity” – e não há uma
correlação. O mais usual seria traduzir Unterschied por “difference” e Verschiedenheit por
“diversidade”. Em alguns contextos, porém, Unterschied pode ser “distinction” e
Verschiedenheit “difference”, quando mais distante da ideia de pluralidade ou variedade de
coisas.

Vorstellung
A tradução usual é “representation”, mas, por vezes, Hegel usa no sentido de “imagination”
em oposição a “concept”. Nesse último caso, uma tradução possível é “ordinary
representation”.

zu Grunde gehen
Em alemão, é uma expressão que significa “to perish”, mas Hegel às vezes faz um jogo de
palavras com Grund, daí a tradução por “to founder”.

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