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FACULDADE FASUL EDUCACIONAL

CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA

EWERTON MENDES LOPES

OS PARADOXOS DA DEMOCRACIA: UMA ANÁLISE SOBRE A POLÍTICA NO


BRASIL (1889 – 1930)

São Lourenço - MG
2023
EWERTO MENDES LOPES

OS PARADOXOS DA DEMOCRACIA: UMA ANÁLISE SOBRE A POLÍTICA NO


BRASIL (1889 – 1930)

Trabalho final de Curso apresentado à Coordenação


do Curso como requisito parcial para a obtenção do
título de Licenciado em História.

Orientador(a): Plínio Fernandes Toledo

São Lourenço - MG
2023
RESUMO

O objetivo deste estudo é analisar a democracia nos anos iniciais da primeira república do
Brasil, no período que compreende 1889 até 1930, o processo pelo qual foi instaurada os ideais
democráticos em comparação com a democracia e o Bonapartismo, apontado por Losurdo. A
pesquisa se orienta pela investigação desde a origem do conceito de democracia, bem como as
mudanças e adaptações feitas para melhor se encaixar no contexto e época da qual eram
oriundas, como as variações e divergências entre pesadores acerca do conceito. Além da
comparação entre a democracia e monarquia desenvolvida por Hoppe, fazendo uma análise
comparativa com o cenário da primeira república no Brasil onde encontrava-se dominada pelas
oligarquias.

Palavras-chave: Democracia - Bonapartismo - Primeira República - Oligarquia

ABSTRACT

The aim of this study is to analyze democracy in the early years of the first republic of Brazil,
from 1889 to 1930, the process by which democratic ideals were established in comparison
with democracy and Bonapartism, pointed out by Losurdo. The research is guided by
investigation from the origin of the concept of democracy, its applicability in the most diverse
societies and the changes and adaptations made to better fit the context and time from which
they originated, such as the variations and divergences between weighers about the concepts ,
like Rousseau and Locke, going through the concept of Canfora in the judgment of Socrates
and his criticism of democracy that generates serious problems for society as it is a product of
a system manipulated by a small group, that is, the elites. In addition to the comparison between
democracy and monarchy developed by Hoppe, making a comparative analysis with the
scenario of the first republic in Brazil where it was dominated by oligarchies.

Keywords: Democracy - Bonapartism - First Republic - Oligarchy


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 04

2. CAPÍTULO I: Conceitos de Democracia ......................................................................... 05

3. CAPÍTULO II: Paradoxos da Democracia ...................................................................... 08

3.1. Domenico Losurdo: Bonapartismo .................................................................... 08

3.2. Darcy Azambuja: Poder Soberano do Estado ................................................... 10

3.3. Hans-Hermann Hoppe: o Zelador e o Rei ......................................................... 12

4. CAPÍTULO III: A Primeira República 1889-1930 .......................................................... 14

4.1. O Lamentável mal-entendido da Democracia no Brasil ................................... 14

4.2. Os Reflexos dos Problemas da Democracia na Nova República ..................... 15

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 17

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 19


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1 INTRODUÇÃO

O presente artigo buscou levantar algumas questões voltadas a democracia, desde os


vários conceitos e aplicações ao longo da história por diversas sociedades baseando-se na
contribuição de autores como Norberto Bobbio que demonstra por meio da interpretação de
pensadores relevantes e com enorme contribuição para o pensamento e as transformações do
entendimento de democracia em suas várias fazes, como por exemplo Platão, Aristóteles, Bodin,
Locke, Rousseau, Gaetano Mosca e Joseph Schumpeter.
Para contribuir com os estudos dos conceitos sobre democracia acrescentou-se ao artigo
as ideias de autores como Domenico Losurdo, relatado em seu livro Democracia ou
Bonapartismo que demonstra a maneira como as recém formadas republicas lidavam com o ideal
democrático e sua aplicação em suas respectivas sociedades.
Outro autor que também entende-se como necessário para o referencial teórico é Darcy
Azambuja, onde o mesmo demonstra a importância do Estado para elaboração de leis que possam
garantir a presença da democracia e contar com a participação da população dentro deste
processo, afim de garantir a igualdade a todos perante ao Estado e a participação de cada cidadão
no que diz respeito as escolhas políticas, contrapondo às ideias liberais de democracia.
Servindo como contraponto as ideias de Azambuja, temos no livro de Hans-Hermann
Hoppe, “Democracia, o Deus que Falhou”, argumentos que geram um interessante debate sobre
os pontos fracos da democracia e sua vulnerabilidade perante ao sistema em que vem se
desenvolvendo e se solidificando ao longo da história.
E para completar o aporte teórico, afim de buscar compreender como surge de fato a
democracia no Brasil, voltamos à primeira república, compreendida entre o período de 1889 a
1930, onde Boris Fausto, Sergio Buarque de Holanda e Victor Nunes Leal demonstram na pratica
como era exercida a democracia na recém formada republica brasileira, as várias complexidades
e mecanismos que faziam da democracia brasileira algo à parte dos demais países democráticos.
Tomando por base os conceitos dos autores anteriormente citados, somando aos
conceitos elaborados por Luciano Canfora em seu livro “Crítica a Retórica Democrática”, notou-
se que existem alguns paradoxos nos ideais democráticos, principalmente no período analisado
no capítulo 4 do presente artigo, pois é nesse início da república brasileira que se estabelecem os
parâmetros para a discussão da aplicabilidade no início do sistema democrático na política
brasileira.
Portanto, se entende relevante um aprofundamento no tema abordado, uma vez que o
cenário político, tanto brasileiro como mundial, atualmente encontra-se em constantes discussões
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e divisões exacerbadas que geram tensões e animosidades indesejáveis para o melhor convívio
em sociedade. Ideologias que se chocam transformando a discussão acadêmica em dogmas,
elevando ideias como sagradas e intocáveis, deixando assim de lado o princípio básico de toda
ciência, o questionamento. Como consequência do não entendimento do “todo”, focando
somente nas “partes” estamos atrasando a melhoria e o desenvolvimento do bem estar social,
deixando de lado a elevação do conhecimento, nos tornando reféns de um sistema oposto ao tema
abordado.

2 CONCEITOS DE DEMOCRACIA

Para conceitualizar sobre as várias formas da democracia analisa-se aqui a abordagem


proposta por Luciano Canfora, onde este remonta o modelo de democracia que se desenvolveu
na Atenas de Platão, para o autor as decisões tomadas pela maioria podem não ser,
necessariamente a melhor decisão para a sociedade, ao citar o exemplo do julgamento de
Sócrates, onde quinhentos juízes o sentenciam a morte pelo crime de não acreditar nos deuses e
corromper a juventude. Segundo o autor o que motiva tal decisão se deve as peças de comédia
que atacavam incessantemente Sócrates, fazendo as vezes de mídia da época, formando assim a
opinião da “maioria”, vale mencionar também que aqueles participantes de fato do processo
democrático eram apenas 10 por cento de toda a população ateniense.
Outro autor que contribui para estruturação do conceito é Norberto Bobbio, em sua
análise da Republica, aponta que Platão considera como única forma boa de governo é a
aristocracia, entre a oligarquia, timocracia, tirania e, sendo a democracia a última, ou seja, se em
todos esses formatos de governo forem otimizadas todas as suas capacidades, seria a democracia
em que se sobressairia menos, porem se ao contrário, em todos os administradores dessas cinco
formas de governo forem completamente desorganizados, a democracia seria uma opção melhor
dentre as demais. E sobre o prisma da visão aristotélica, o autor ainda acrescenta que a
democracia é o governo da maioria, onde em grande parte, as sociedades são composta pelos
pobres, atribuindo assim ao governo democrático o nome de “Governo de vantagem para o
pobre”, o que implica em uma situação onde a lei fica abaixo e o maior volume da população se
sobressai, tornando-se soberanos, este então seria o terreno propicio à demagogia.
Remetendo-se aos conceitos da tradição aristotélica, Bobbio destaca três importantes
variações: a primeira se encontra em uma elaboração de Bodin, onde aponta para uma diferença
entre a forma de Governo e forma de Estado, ou seja, em uma monarquia compete ao rei exercer
o papel de soberano em sua magistratura governando de forma democrática, a citar como
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exemplo um momento na história romana onde houve uma aristocracia democrática. A segunda
é proposta por Hobbes apontando que não existe uma distinção entre governo bom e governo
mau, apenas existe o poder soberano absoluto. E por fim a terceira variação vem do Contrato
Social de Rousseau cujo poder da soberania deve ser oriundo do povo, dessa forma representada
por meio do poder legislativo e isso atribuindo o nome de república e não democracia, pois esta
seria a organização do poder executivo.
Bobbio também ressalta a tradição Romano-Medieval da soberania que aponta para a
importância dos costumes do povo, pois são nelas apoiadas a criação das leis, por meio do poder
legislativo que é em última análise, o poder do povo. E que também por meio do voto se outorga
um representante ao poder executivo, sendo a ele atribuído a forma na qual irá governar. E nesse
ponto existe aqui uma divergência entre os consagrados pais da democracia Locke e Rousseau,
para o primeiro o poder legislativo deve ficar incumbido à cargo de representantes ao passo que
para o segundo não há necessidade de representantes, o poder deve ser diretamente exercido pelo
povo. Cabe aqui uma pequena comparação entre as duas formas dentre os pensadores, pois no
caso de Locke em seu tempo era mais prático a utilização de representantes uma vez que tal
processo poderia agilizar as decisões que seriam tomadas em prol da sociedade, ao passo que
pelo método sugerido por Rousseau nos tempos atuais tende a ser possível, levando em conta o
advento da internet que em tese poderia possibilitar uma melhor interação da sociedade. Mesmo
assim o que se tem hoje em muitas democracias liberais é o método representativo, onde a cada
cidadão compete o direito de escolher seu político para elaboração das leis, isto por meio do
sufrágio universal que teve sua concepção de cidadão remodelada com o passar do tempo, até
atingir o modelo atual, onde homens e mulheres após atingirem um certo limite etário já podem
participar do processo de formação do corpo representativo da sociedade, segundo Bobbio, sendo
esse um elemento fundamental que caracteriza uma democracia liberal, a liberdade do indivíduo
na participação política.
Outro ponto abordado por Bobbio é na questão da democracia e socialismo, onde o
mesmo aponta que os ideais democráticos estão presentes na estrutura teórica de muitos
pensadores socialistas, uma vez que estes propõem o reforço da base popular no Estado para a
transformação da sociedade. E um dos caminhos para tal mudança seria a democracia direta,
onde uma acentuada participação popular nas decisões econômicas e sociais, como quando
ocorrido, ainda que em um breve momento, na Comuna de Paris, onde o órgão parlamentar se
transforma em trabalho, executivo e legislativo, tudo ao mesmo tempo e seus conselheiros são
revogáveis a qualquer instante, escolhidos por meio do sufrágio universal. Por fim esses
conselhos acusam as grandes empresas da democracia parlamentar na sociedade capitalista de
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serem as responsáveis por controlar o poder e, portanto, o cidadão não está apto para atuar de
fato na democracia. Sendo assim somente o cidadão trabalhador é quem pode assumir o papel de
exercer a democracia, por meio do conselho de fábrica que irá transformar o Estado na
comunidade dos trabalhadores para que estes tomem as decisões importantes começando do nível
local até atingir o nacional.

Nas sociedades pós Revolução Francesa que adotam o sistema democrático como forma
de governo, como no caso de Sócrates, apontado anteriormente por Canfora, uma minoria que
tem o poder de manipular a opinião das massas por meio dos “comediantes” que neste caso se
aplicam aos meios de comunicação, jornais, revistas, rádio e televisão, formaram a opinião
conforme a vontade da minoria, a quem o autor atribui a uma elite dominante que poderá assim
por meio do lobby cooptar parlamentares e justificar leis que favoreçam suas vontades e sua
manutenção do poder. Outro problema apontado pelo autor diz respeito àqueles que utilizam o
sistema democrático transformando-o em demagogia afim de favorecer seus interesses. Para
Canfora, essa minoria capaz de manipular o sistema democrático são as elites capitalistas.

“A concepção e prática extraparlamentar do grande poder financeiro


supranacional: também os banqueiros-filósofos que determinam as escolhas
cruciais para o planeta jamais aceitariam submeter tais escolhas as maiorias
parlamentares aleatórias e muito menos a imprevisíveis sentenças
plebiscitárias.” (CANFORA, 2007, p.73)

Sob o olhar de Gaetano Mosca, Bobbio acrescenta que atribui-se ao que este chama de
“classe política” o verdadeiro papel de detentora do poder e não importa qual o tipo de regime
político, esta minoria sempre irá determinar os rumos da sociedade e assim se perpetuando no
poder, seja de maneira hereditária ou se aproveitando das camadas inferiores da sociedade. E
Joseph Schumpeter diz que pode haver disputa entre esses grupos que será decido por meio do
voto popular, onde aquele que for capaz de conquistar mais votos sairá vencedor.
Passando para a tradição republicana moderna, para Bobbio, o pensamento que mais se
destaca é de Rousseau se apoiando no ideal da “formação de uma vontade geral inalienável,
indivisível e infalível”, para que assim nesse esforço coletivo todos sejam aptos para a criação
das leis da sociedade, seguindo princípios de igualdade em contraposição à regimes monárquicos
e despóticos. Sendo assim Bobbio conclui que para Rousseau existe uma fusão entre os dois
termos, onde na prática a república seria a forma do Estado e democracia a forma de governo.
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“Ainda uma vez, se por Democracia se entende a forma aristotélica, a república


não é Democracia; mas no seu caráter peculiar de "Governo livre", de regime
antiautocrático, encerra um elemento fundamental da Democracia moderna na
medida em que por Democracia se entende toda a forma de Governo oposta a
toda a forma de despotismo.” (BOBBIO, 1983, p.323)

Para Bobbio alguns caminhos devem ser trilhados para se chegar o mais próximo de
uma sociedade totalmente democrática, ainda que subjetivo tal atribuição, mas que se nenhuma
dessas normas forem respeitadas é seguro afirmar que ali não há democracia. Para tanto o autor
indica que ao órgão político responsável pela formulação das leis, deve ser formado por meio de
votação popular aberta a todos os cidadãos que atingirem a maioridade, independente de sexo,
religião ou raça, e, sendo a eleição feita por meio de dois turnos. Portanto, todos devem ser livres
para escolherem os partidos políticos onde cada voto terá o mesmo valor, respeitando assim a
vontade da maioria que por sua vez não poderá suprimir os direitos da minoria.

3 PARADOXOS DA DEMOCRACIA

3.1 Domenico Losurdo: Bonapartismo

Logo após o fim da ditadura jacobina, Losurdo aponta que a burguesia se vê diante de
um regime representativo contrário ao absolutismo e ao feudalismo, ao mesmo tempo onde as
massas podem emergir e ganhar notável representação política, sendo por isso necessário adotar
medidas de excessiva restrição censitária, pois na logica desses grupos não poderia a sociedade
permitir aos que não possuíssem propriedades terem seus representantes políticos, já que
poderiam utilizar do poder político de maneira arbitraria, ou também, por não possuírem nada,
aproveitar desse sistema para melhorar sua condição de vida, e assim por adiante, tomando
decisões que de certa forma privilegiasse a condição social da pobreza.
Para Losurdo essa intensa disputa que surge na questão do sufrágio universal, revela o
interesse da burguesia e dos ideais de alguns pensadores liberais, o voto deveria ser restrito à
alguns membros da sociedade criando assim mecanismos que selecionasse quem poderia ou não
participar do processo de escolha dos representantes políticos, uma delas como visto
anteriormente era a restrição censitária, outros caminhos encontrados é o que Losurdo chama de
“des-emancipação”. `Para citar como exemplo, no ocorrido em 1850 na França em que se exigia
comprovação de residência fixa, tendo em vista que muitas pessoas das classes mais baixa da
sociedade viviam em constante movimentação, o que as tornavam necessariamente, como aponta
o autor, fora do processo democrático.
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Outro exemplo ocorre nos Estados Unidos onde os negros que após conquistarem sua
liberdade e o direito ao voto, corriam grandes riscos quanto a sua integridade, porque ao se
apresentarem para exercer seu direito, inevitavelmente sofreriam violência física. Também os
imigrantes são gradualmente retirados do processo de participação das eleições, a princípio o que
se via alguns anos após a guerra de secessão na América era um amplo espaço à participação ao
voto, mas com o passar do tempo, esses foram aos poucos sendo limitados até 1928, chegando
ao ponto onde ninguém que não fosse americano poderia votar. Outras medidas também foram
adotadas no que compete aos brancos pobres, como o imposto eleitoral chamado de “poll-tax”,
ou a “literacy test” para verificar o nível de alfabetização onde o indivíduo poderia ser submetido
a uma verificação sobre seus conhecimentos da constituição e em caso de reprovação sendo
impedido da votação.
O autor atribui alguns momentos da história que marcam o que começaria a indicar o
sufrágio universal, ainda que com algumas ressalvas, mas que são marcos importantes no
desenrolar da história que contribuem de forma significativa na participação de todos nas
escolhas dos representantes políticos, com destaque para revolução Russa que incorpora as
mulheres neste processo e que, segundo Losurdo, irá influenciar não só a Europa, mas também
os Estados Unidos, assim como os movimentos feministas de seus respectivos países. Portanto,
esses momentos em destaque, venceram a resistência de influências liberais e conservadoras que
por vezes impediam e eram radicalmente contra o sufrágio universal.
Neste ponto Losurdo aponta para o campanha de governo populista adotado por Luís
Napoleão III, onde o governante infla e manipula as massas em seus discursos que sempre atribui
poder ao povo ao mesmo tempo que ataca a constituição criticando o modo de eleição em lista,
pois para ele a melhor maneira do povo escolher o seu representante seria por meio do voto
uninominal, e, consequentemente isso lhe traria algumas vantagens como aponta Losurdo, uma
vez que à Napoleão III seriam atribuídos poderes semelhantes a de um imperador, concentrando
o poder em suas mãos e minando a influência dos partidos e seus deputados.
Portanto ao mesmo tempo em que Bonaparte era rígido aos movimentos sindicais,
dependendo do contexto chega até admitir algumas greves, porém impondo restrições à
organização de associações permanentes. Desta forma Napoleão III manipulava e controlava as
“vontades” das massas, pois para ele a multidão era como uma criança que deveria ser tutelada
sendo sua influência comparada a de um “grande gênio” ou a de uma “Divindade”, ou seja, para
ele em um governo democrático o poder está com o seu líder e este responde à Nação.
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“(...) estamos na presença de um novo modelo de controle político e social das


massas, no âmbito do qual o sufrágio universal é neutralizado pela posição
absolutamente eminente do Presidente da República ou do chefe do Executivo,
que, por um lado, busca as boas graças das classes consideradas perigosas
mediante algumas concessões limitadas (realização de obras públicas,
tabelamento dos aluguéis nas grandes cidades etc.), e, por outro, busca canalizar
e desviar o descontentamento para o exterior, erguendo o estandarte da missão
da França no mundo.” (LOSURDO, 2004, p.66)

Sendo assim como a multidão é como uma criança e o líder é o seu protetor, seria preciso
controlar para que a criança não siga outro caminho, a não ser aquele indicado pelo seu tutor que
deverá encantar o seu público dispensando conflitos políticos, principalmente entre os partidos e
a formação de sindicatos, pois segundo Losurdo esta seria a chave para se evitar que as massas
se organizem e tentem seguir outro caminho que não seja o estipulado pelo seu líder, no caso o
chefe de Estado.

“(...) um líder carismático dotado de impulso oratório e de uma disposição


natural para o público, que ele mais excita do que convence. Este líder não
comunica conhecimentos: ele se mostra seguro de que, se os outros soubessem
o que ele sabe, sentiriam como ele sente e acreditariam como ele acredita; e,
graças a isto, ele conquista e chega a dispor de um poder excepcional nas
relações humanas, baseado na fé, no entusiasmo, a confiança que ele sabe
transmitir.” (LOSURDO, 2004, p.69)

O culto aos heróis assim como o nacionalismo faz com que se ergam líderes forjados a
manipular as massas e assim retroalimentando o bonapartismo e como o próprio Losurdo aponta
que por meio do sufrágio universal é possível controlar a multidão induzindo as escolhas e
moldando as massas de acordo com o interesse do que o autor chama de “personalidades
excepcionais”.

3.2 Darcy Azambuja: Poder Soberano do Estado

Para ampliar a questão paradoxal geradas pelos diversos conceitos que surgem a partir
do entendimento de democracia, coloca-se na discussão Darcy Azambuja. Este autor questiona
quem estaria apto a decidir sobre aqueles que seriam os mais capazes, senão a maioria. Logo,
conclui que o estado é capaz de decidir o que é bom para todos, partindo do princípio que a
maioria escolhe seus representantes e estes, por sua vez, compõem o Estado, ou seja, esses
membros terão acesso ao poder maior. A partir da afirmação do autor propõe-se algumas
provocações, vejamos: se um grupo que detém a força não poderia usufrui-lo em benefício
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próprio? E se, ainda que sejam bem intencionados, como estes poderiam escolher o que é melhor
para todos sem desrespeitar as individualidades, tendo em vista que nenhuma sociedade é
totalmente homogênea? E por mais que a maioria possa ter essencialmente valores ou ideais que
se assemelhem, o que fazer então com as minorias que destoam da opinião geral?

“O ideal é que só os capazes sejam titulares da soberania dizem os que atacam


as doutrinas em apreço. Mas que capacidade é essa e, principalmente, quem
apurará essa capacidade? Um homem, um grupo, uma classe? Com que direito?
O mais lógico, o mais justo é considerar a todos virtualmente titulares da
soberania e dar a todos o direito de decidir quais dentre eles são os realmente
capazes de exercê-la.” (AZAMBUJA, 1941, p.72)

Na questão do bem comum, mencionado por Azambuja, quem define o que é bem
comum? Se comum refere-se à maioria, o que acontece aos que não se encaixam na maioria? No
que se refere aos indivíduos que não concordam com esse “bem comum”, segundo a lógica do
autor, podem entender a soberania como um poder arbitrário, pois a determinação do Estado seria
exercida por meio da força, se necessário, caso algum indivíduo não cumpri-la, sendo assim esse
“bem comum” não os contemplariam, somente seriam violentados pelo Estado.

“(...) O poder do Estado, que deve ser soberano, tem por primeiro elemento
essencial a força. Sem a força, o Estado desaparece, é uma contradição consigo
mesmo. Se ele não dispõe da maior força material dentro da coletividade que
deve governar, suas decisões e atos não serão respeitados, ele não realizará o
bem público.” (AZAMBUJA, 1941, p.79)

Pois bem, segundo o mesmo autor, sem a soberania e o poder do Estado tudo cairia no
“caos” e na “anarquia”, pois as pessoas se lançariam umas contra as outras. Com isso pode-se
fazer a seguinte reflexão: Cada Estado é soberano dentro de um determinado território, mas
nenhum tem soberania sobre outro. Logo, onde não há soberania e nem a força Estatal, prevalece
dessa maneira a anarquia, conforme dito pelo próprio autor, ou seja, a relação de um Estado para
com o outro, ou pelo menos grande parte deles, é de anarquia. Sendo assim surge mais outro
questionamento: por que o mundo não vive em constantes guerras mundiais, por que os Estados
com maior poderio militar e bélico não estão tentando a todo momento assumir o controle e
soberania mundial? Ou melhor dizendo, utilizando uma expressão de Azambuja, por que o
mundo não está um caos?
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“Um poder arbitrário e despótico, por definição, não é obrigado a fazer isto ou
aquilo, mas faz tudo o que quer. Ora o poder soberano, por definição, é o que
somente emprega a sua força para realizar o bem comum. Logo, poder arbitrário
e despótico não é o poder soberano do Estado; é um poder qualquer, é a
violência, o crime, a loucura, não é a soberania.” (AZAMBUJA, 1941, p.81)

Naturalmente existem conflitos entre nações, culminando inclusive em guerras em


várias regiões do planeta, mas não são generalizados, aliás, a maior parte dos Estados estão em
paz, reconhecendo e respeitando a soberania uns dos outros. Contudo, conforme o autor
determina, não deveriam estar todas em conflito? Pois não há uma soberania para zelar pelo “bem
comum”. Sendo assim, se um Estado possuísse força capaz de subjugar os demais e assumisse a
soberania mundial e determinasse o que seria o “bem comum” para o mundo, isto não seria visto
como uma decisão arbitrária, tendo em vista que cada Estado possui suas particularidades? Se a
resposta for afirmativa, neste caso por que respeitar as particularidades de cada Estado e ignorar
os indivíduos?

3.3 Hans-Hermann Hoppe: o Zelador e o Rei

Outro autor que contribui sobre a discussão acerca da democracia é Hans-Hermann


Hoppe, o mesmo coloca em analise duas possíveis formas de governo, a monarquia e a
democracia. No primeiro, o sistema de governo é entendido como uma grande propriedade
privada onde um grupo familiar teria o controle sobre um território, no segundo o sistema de
governo seria o presidencialismo, onde a democracia seria o método pelo qual todos, em
princípio, poderiam estar em dado momento no cargo de zelador do governo e da propriedade
pública. Ao fazer esta comparação, percebe-se que na primeira situação a tendência é que o
governante proprietário ou monarca teria mais chances de enriquecer e evoluir economicamente
sua propriedade e consequentemente todos que lá estão, pois ao fazê-lo estaria fazendo em
primeira instância ao seu benefício próprio, mas ainda sim seria mais benéfico aos demais se
comparado com o segundo modelo analisado, nesse caso o presidencialismo, uma vez que o
detentor do poder momentâneo tem um período para ali permanecer e ao invés de pensar ao longo
prazo faria de tudo para seu enriquecimento próprio, uma vez estando no controle de um bem
público que jamais poderá ser vendido, já que se é público pertence a todos, ou seja, não é de
ninguém. Este zelador iria tentar elevar seu patrimônio particular em detrimento do público a
qualquer custo, seja desviando verbas, seja por meio de acordos que lhe favoreça ou qualquer
tipo de negócio que venha gerar lucro para si próprio.
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“Sob a democracia, não há privilégios pessoais ou indivíduos privilegiados.


Entretanto, existem privilégios funcionais e funções privilegiadas. Na medida
em que atuam como funcionários públicos, os agentes do governo democrático
são regidos e protegidos pelo direito público e, assim, ocupam uma posição
privilegiada vis-à-vis os indivíduos que atuam no âmbito da mera autoridade do
direito privado (essencialmente, podendo sustentar as suas próprias atividades
através dos impostos impingidos sobre indivíduos submetidos ao direito
privado). Os privilégios, a discriminação e o protecionismo não desaparecem.
Pelo contrário: ao invés de ficarem restritos apenas aos príncipes e aos nobres,
os privilégios, a discriminação e o protecionismo podem ser exercidos por – e
concedidos a – todos.” (HOPPE, 2014, p.115)

Não só o zelador, como Hoppe chama o representante momentâneo da maioria, mas


também todos tem acesso ao governo uma vez que é democrático, permite que o grupo que terá
os privilégios funcionais seja ainda maior do que no sistema monárquico de governo, já que neste
se limita a nobreza e a família do rei, por isso Hoppe demonstra que em ambos os sistemas o
sustento dos governantes vem dos impostos pagos por meio da população, por tanto, um sistema
será mais pesado de carregar do que o outro, se aumentar o número de participantes do governo.
Além de outro problema que aponta Hoppe para o acúmulo de dívidas e empréstimos
adquiridos em nome da nação, pois se este é feito pelo governante monárquico, a dívida recaia
sobre a sua propriedade, ou seja, o seu bem se desvaloriza a medida em que ele recorre a venda
de títulos de dívidas. Para o governo democrático e seu administrador temporário isso não seria
um problema tão grave quanto para o sistema anterior, uma vez que a desvalorização não recai
sobre a sua propriedade particular em específico, já que estamos falando, novamente, de algo
público, sendo assim a dívida também é pública, ainda que este recorra ao aumento da oferta da
moeda, o que em primeira instância elevaria o poder de compra do governo, mas que futuramente
acarretaria na desvalorização da moeda, sendo esta dívida será repassada ao próximo governo.
Outra questão levantada pelo mesmo autor trata-se da propriedade privada, ainda que o
tema possa ser controverso baseado em qual prisma se olha para assim formular o conceito, para
Hoppe a propriedade privada é um direito ao indivíduo e portanto ao príncipe é possível que este
tome para si ou remova a titularidade de propriedade de um cidadão para outro, mas logicamente
isso seria de grande repúdio aos demais súditos e aos olhos de outros príncipes, uma vez que em
primeira instancia o seu reino é a sua propriedade privada. Sendo assim em tese, seria mais lógico
ao príncipe preservar essa ideia de respeito a propriedade. O que acontece, segundo Hoppe, de
forma contraria em um governo democrático:
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“Em última análise, toda propriedade é propriedade pública. Todo direito de


propriedade privada estabelecido é apenas provisoriamente válido e pode ser
alterado por meio de uma determinação unilateral do zelador baseada nas
exigências da “segurança pública” e do “bem comum”. (HOPPE, 2014, p.119)

Hoppe também aponta para a questão das escolhas dos representantes, uma vez que na
monarquia isso não é possível, pois ao príncipe é passado a sucessão do trono e este por sua vez
pode ou não ser um bom administrador, corre-se o risco deste se tornar um tirano perverso, assim
como um ótimo gestor que irá gerar o progresso de seu reino e consequentemente desta sociedade
em geral, a questão é que não há garantias nem para surgir um bom príncipe, tão pouco um mau
príncipe. Pois é nesta questão que Hoppe aponta para uma clara e evidente falha da democracia
uma vez que seu processo de escolha de representantes manifesta-se o pior de cada indivíduo
afim de assumir o papel de zelador desse poder provisório que será dado necessariamente, não
aquele mais capacitado, mas sim aquele com maior poder de persuasão, de carisma, aquele com
maior capacidade de prometer aquilo que as camadas mais pobres e que neste caso são a maioria
votante, necessita ouvir, ou seja, se este candidato for realmente bom em ser um completo
demagogo sua ascensão é praticamente certa.

“(...) a seleção dos governantes através de eleições populares faz com que seja
praticamente impossível que qualquer pessoa boa ou inofensiva possa ascender
ao topo. Os primeiros-ministros e os presidentes são selecionados graças à sua
comprovada eficiência como demagogos moralmente desinibidos. Assim, a
democracia praticamente assegura que somente indivíduos maus e perigosos
alcançarão o topo da hierarquia governamental.” (HOPPE, 2014, p.119)

4 A PRIMEIRA REPÚBLICA 1889-1930

4.1 O lamentável mal-entendido da Democracia no Brasil

De acordo com Boris Fausto na transformação do Brasil em república cria-se uma nova
constituição inspirada no modelo norte-americano, onde para a população escolher seus
representantes estipulou-se que somente os cidadãos considerados eleitores seriam aqueles
maiores de 21 anos, não podendo ser analfabeto, mendigo e praça militar. Quanto as mulheres
consideraram-se que não poderiam votar, apesar de não estabelecido na constituição. Adotando
o presidencialismo como forma de governo e a divisão dos três poderes, executivo, legislativo e
judiciário independentes e harmônicos. Aos Estados, por exemplo, foram outorgadas autonomias
como o direito de realizar empréstimos no exterior ou de terem seus próprios exércitos o que
segundo o mesmo autor era interessante aos estados mais influentes, São Paulo e Minas Gerais,
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pois poderiam dessa forma capitalizar mais recursos afim de se investir em seus respectivos
exércitos. E para o governo federal, também denominada de União, cabia-lhe, dentre outras
atribuições, o direito aos impostos de importação, o monopólio da moeda, além é claro de poder
intervir nos Estados no caso de medida de proteção da ordem para manter a unidade federativa.
Sendo assim a figura do Imperador dá lugar ao Presidente que fará parte do executivo,
renovando-se no período de quatro anos. Ao legislativo há divisão entre a câmara dos deputados
que terão seus representantes por Estado proporcional ao número de habitantes, sendo escolhidos
a cada três anos. O senado terá três representantes para cada Estado, além do Distrito Federal e
renovados no período de nove anos. Conforme mostra Boris Fausto, tanto a Câmara como o
Senado poderiam promover projetos de leis que se aprovados em ambas as casas seguiria para
aprovação presidencial, mas mesmo se reprovado bastava dois terços dos votos a favor do projeto
para que este fosse sancionado.
Sergio Buarque de Holanda nos mostra que com todas essas mudanças ocorridas no
Brasil, a recém república se forma de uma maneira artificial, não orgânica, se visto pelo prisma
da democracia, pois tal mudança no sistema de governo não ocorre por vontade popular. A queda
da família real do poder surpreende a população, podendo citar aqui, inclusive, o episódio de
Canudos onde Antônio Conselheiro e seus companheiros repudiam declaradamente a nova
república formada no país, haja vista o desenrolar da história. Holanda ainda acrescenta:

“A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido. Uma


aristocracia rural e semifeudal importou-a e tratou de acomodá-la, onde fosse
possível, aos seus direitos ou privilégios, os mesmos privilégios que tinham
sido, no Velho Mundo, o alvo da luta da burguesia contra aristocracia. E assim
puderam incorporar à situação tradicional, ao menos como fachada ou
decoração externa, alguns lemas que pareciam os mais acertados para época e
eram exaltados nos livros e discursos.” (HOLANDA, 1936, p.160)

Sergio Buarque ainda afirma que o desenrolar dos fatos se deve às inspirações
intelectuais, principalmente de cunho positivistas que tentavam importar modelos do exterior
para se encaixar na realidade do Brasil, algo que gera a indagação do autor e o faz pensar se isso
não seria “um secreto horror à nossa realidade?”.

4.2 Os Reflexos dos Problemas da Democracia na Nova República

Um dos problemas que faz alusão aos apontados por Hoppe na questão do zelador
(termo que o autor atribui aquele que se torna o representante e responsável pela administração
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do dinheiro oriundo de impostos) reflete no que Boris Fausto demonstra na questão que ficou
conhecida como Encilhamento, este, ocorrido no período da primeira república brasileira.
Conforme visto no capítulo anterior, Hoppe mostra que o zelador por meio de seu poder pode
aumentar o número de papel moeda circulante. E foi exatamente isso que ocorreu na primeira
república, como podemos ver que uma das atitudes do então presidente, Marechal Deodoro foi
autorizar seu ministro da fazenda, na ocasião, Rui Barbosa, aumentar o número de papel moeda
circulante no pais, ou seja, os bancos do Rio de Janeiro e o Banco dos Estados Unidos do Brasil
ficaram com a incumbência de imprimir mais dinheiro para colocar no mercado, com o intuito
de gerar mais crédito para o incentivo de aberturas de novas empresas. O ocorrido em primeira
instância fez com que várias novas empresas fossem abertas, gerando crédito para muitas outras
e também a elevação do padrão de vida ficou evidente, porem o que se vê acontecer a longo prazo
é o colapso de várias dessas empresas em virtude dessa medida econômica, gerando uma grande
crise no país.

“Variam os discursos de diapasão e de conteúdo, mas têm sempre o mesmo


sentido e as mesmas secretas origens. Muitos dos que criticam o Brasil imperial
por ter difundido uma espécie de bovarismo nacional, grotesco e sensaborão,
esquecem-se de que o mal não diminui com o tempo; o que diminui, talvez, foi
apenas nossa sensibilidade aos seus efeitos.” (HOLANDA, 1936, p.166)

Como na citação anterior de Holanda, a república não surge como uma medida popular
de restauração ou melhoramento da vida do brasileiro comum ou até mesmo da nação, o que
ocorre é a troca de poder, de uma monarquia para uma democracia. Pode-se ter uma noção mais
clara da questão ao olhar para a política dos governadores, como nos explica Boris Fausto, havia
um conluio na classe política dominante, visando influenciar nas escolhas dos representantes que
mais se adequassem as ideias do grupo mais forte. Deste modo não havendo conflito de interesses
entre Estados e União, assim como entre Legislativo e Executivo, a União apoiaria os deputados
de seu interesse para que esses também apoiassem os representantes do Estado e da União, era
uma convergência de interesses mútuos afim de se evitar conflitos desnecessários. Além disso,
eles também empregavam mecanismos para se perpetuarem no poder, como fraudes nas eleições
ou invalidando o candidato que não pertencesse ao grupo dominante, se caso este conseguisse
receber mais votos, existia a comissão de verificação que determinava e reconhecia o diploma
que esse candidato receberia para tomar posse, sendo ela formada exatamente por aqueles
deputados que já faziam parte do esquema.
Atrelado a isso temos outro fenômeno que ficou conhecido como coronelismo e pelas
palavras de Victor Nunes Leal isso se deve a:
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“A superposição do regime representativo, em base ampla, a essa inadequada


estrutura econômica e social, havendo incorporado à cidadania ativa um
volumoso contingente de eleitores incapacitados para o consciente desempenho
de sua missão política, vinculou os detentores do poder público, em larga
medida, aos condutores daquele rebanho eleitoral. Eis aí a debilidade particular
do poder constituído, que o levou a compor-se com o remanescente poder
privado dos donos de terras no peculiar compromisso do “coronelismo”.
(LEAL, 2012, p.125)

O autor ainda ressalta que devido a ampliação do sufrágio incorporado pela República,
principalmente em um cenário rural do interior brasileiro, onde os trabalhadores sofriam grande
influência dos então chamados coronéis, o voto se tornava uma moeda de troca com o seu
respectivo Estado, em uma relação onde os coronéis ganhavam favores do poder público e
aliciavam os seus subordinados com sua ampla influência para direcionar o voto, seja de forma
limpa nas eleições, ou por meio de fraudes.
Boris Fausto acrescenta que como o voto não era secreto, o eleitor estava a mercê dos
coronéis e a manipulação se dava de acordo com os interesses locais podendo variar de Estado
para Estado, indo desde os poderosos coronéis do interior do nordeste que chegavam a exercer
forte influência e as vezes bater de frente com o Estado, como na Bahia, por exemplo. Até os
chamados “coronéis burocratas” do Rio Grande do Sul que em sua maioria eram proprietários
rurais e seguiam as diretrizes estabelecidas pelo partido político dominante daquele Estado, o
PRR.
Portanto pode-se observar que essas oligarquias que atuavam influenciando a
democracia cada uma em seu Estado e por vezes se aliando para estabelecer um caminho mais
favorável ao que diz respeito a União, no sentido de evitar conflitos políticos desnecessários entre
partidos, alinhando desta forma seus interesses afim de se manterem no poder, ou seja, remetendo
exatamente ao que foi observado por Canfora, onde as minorias manipulam as massas e se
perpetuam no poder. Evidente que os meandros da política brasileira da primeira republica são
muito mais profundos e complexo do que retratado neste capitulo, porem o que se busca mostrar
são as paridades com o que alertavam alguns pensadores sobre os pontos fracos da democracia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após os questionamentos levantados pelo presente trabalho, a partir do aporte dos


pensadores anteriormente citados, foi possível perceber que no processo pelo qual se desenvolveu
a democracia existiram avanços e conquistas da sociedade como um todo, graças a capacidade
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gerada pelos princípios democráticos, no entanto, é preciso ressaltar que a democracia gera uma
enorme brecha para que pequenos grupos dotados de poder econômico, ou da capacidade de
influenciar e formar a opinião pública, se aproveitarem do sistema democrático colocando seus
valores transvestidos de interesses da sociedade, tomando para si a o ideal de “bem comum”.
Vimos que a democracia gera paradoxos proporcionados, segundo nos mostrou Canfora,
por pequenos grupos pertencentes a elite que detém o controle da sociedade a qual se encontra e
que líderes são forjados afim de tomarem o poder para si em prol da salvação de todos, como
dito por Losurdo, a “multidão criança” que não sabe ainda escolher o que é melhor para ela,
necessita então da tutela de um líder forte e capaz de resolver todos os problemas gerados por
um inimigo imaginário, seja ele externo ou interno. E para isso manipulam-se o sufrágio
universal, transformando as leis e contorcendo as regras do sistema eleitoral, afim de se
manterem no poder.
Ao observar o período da primeira república do Brasil, vimos o fortalecimento de uma
democracia que se assemelha ao modelo Bonapartista denunciado por Losurdo, como ocorrido
na França de Napoleão III, um sistema em que surgiam líderes para salvar o povo das mazelas
do reinado anterior, o grande problema do Brasil, o Império. Então sai o imperador e entra o
presidente, porem como nos mostrou Sergio Buarque de Holanda, os problemas não diminuíram,
mas sim a capacidade do povo de perceber os problemas foi quem se estagnou, como se todos
tivessem se acostumado aos problemas, pois como visto as oligarquias assumiram o vaco de
poder deixado pelo Império, com a ajuda dos Coronéis peculiar a cada Estado, foram se
perpetuando e se revezando no poder, não muito diferente do que temos nas ultimas décadas no
Brasil.
É importante ressaltar que o intuito deste artigo não é acusar a democracia pelos
problemas presentes no Brasil ou em países que adotam seu sistema, mas apontar para os pontos
fracos que tal sistema acaba por gerar, como a manipulação das massas, o fortalecimento do
poder de elites, a utilização da máquina pública em benefício de particulares, a distinção ou o
banimento de pequenos grupos que não possuem força política, sendo todos esses pontos citados
por Hoppe. Com isso podemos perceber que tais falhas vão de encontro aos princípios da
democracia, pois o que deveria englobar e ser bom a todos, acaba por segregar ao transmutar-se
em demagogia.
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REFERÊNCIAS

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 28 ed. São Paulo: Globo, 1990.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 11 ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília,


1998.

CANFORA, Luciano. Crítica da Retórica Democrática. São Paulo: Estação Liberdade, 2007.

CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da Republica no Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

Fausto, Boris. História do Brasil. 12 ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. 26 ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.

HOPPE, Hans-Hermann. Democracia – O Deus que Falhou: a Economia e a Política da


Monarquia, da Democracia e da Ordem Natural. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises
Brasil, 2004.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O Município e o Regime Representativo


no Brasil. 7 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

LOSURDO, Domenico. Democracia ou Bonapartismo: Triunfo e Decadência do Sufrágio


Universal. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2004.

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