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A democracia possível hoje

A DEMOCRACIA POSSÍVEL HOJE

Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 67/2009 | p. 7 - 31 | Abr - Jun / 2009


DTR\2009\259

Carlos Bastide Horbach


Doutor em Direito do Estado pela USP. Mestre em Direito do Estado e Teoria do Direito pela UFRGS. Professor
dos cursos de Graduação e Mestrado em Direito do UniCEUB. Advogado.
 
Área do Direito: Constitucional

Resumo: O presente trabalho analisa o livro A democracia possível, de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, e sua
influência nas teorias democráticas atualmente discutidas no Direito Constitucional brasileiro.

 Palavras-chave:  Direito constitucional - Democracia - Reforma política

Abstract: This paper analyzes the book A democracia possível (The possible democracy), by Manoel
Gonçalves Ferreira Filho, and its influence in the present democratic theories in Brazilian Constitutional law.

 Keywords:  Constitutional law - Democracy - Political reform

Sumário:  
- 1. A democracia possível - 2. Desafios atuais à democracia - 3. Um projeto institucional para a democracia - 4.
Conclusão - Bibliografia
 

Introdução

A democracia é, reconhecidamente, um tema complexo. No Brasil do início dos anos 1970, além de complexo,
era um tema delicado. Tão delicado que poucos autores enfrentaram-no nesse período. Entretanto, enquanto
muitos publicistas preferiam assuntos mais amenos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho publicava, em 1972, a
primeira edição do seu A democracia possível, obra inovadora do pensamento jurídico-político brasileiro, que
lançava os referenciais básicos para um viável regime democrático no país.

Atualmente, passados mais de trinta e cinco anos, discute-se no Brasil uma reforma política, tendente a
aprimorar as instituições da democracia brasileira, adequando-as à realidade nacional e propiciando a superação
das inúmeras crises políticas e administrativas pelas quais tem passado o país nos últimos anos.

O observador mais atento, porém, percebe que as idéias democráticas hoje veiculadas no bojo da reforma não
são originais, não são novas, estando muitas delas expostas nas páginas de A democracia possível. Por outro
lado, os diagnósticos feitos por Manoel Gonçalves Ferreira Filho há mais de três décadas continuam atuais,
demandando dos constitucionalistas brasileiros análises criteriosas e da classe política respostas concretas.

Nesse quadro, impõe-se o resgate das principais linhas do exame feito pelo autor há trinta e cinco anos, bem
como das propostas por ele apresentadas para as instituições brasileiras. Tal resgate se impõe por uma razão de
justiça e por outra de ordem prática. Justiça com um constitucionalista cuja obra tem um viés notadamente
democrático 1 e que teve discernimento para identificar, em análise aprofundada, as mazelas da democracia
brasileira, dando-lhes respostas concretas e originais, cujo conhecimento poderá auxiliar em muito os debates de
hoje.
     
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A democracia possível hoje

Para tanto, será seguida a ordem de análise fixada por Manoel Gonçalves Ferreira Filho em sua obra, iniciando
com a própria noção da democracia possível, passando pelos desafios atuais da democracia, para que se possa
chegar a um projeto institucional para a democracia brasileira.

Antes, contudo, é necessária a delimitação clara do conceito de democracia - termo polissêmico, como
amplamente reconhecido - a ser utilizado ao longo deste estudo. Como esclarece Manoel Gonçalves Ferreira
Filho na introdução de seu trabalho, democracia pode ser um sistema de valores - onde ressaltam dois valores
fundamentais, a liberdade e a igualdade -, uma forma de governo - princípios que buscam realizar o governo
pelo povo, assegurando os valores antes mencionados - e por fim uma organização institucional, cujos arranjos
põem em prática, com maior ou menor sucesso, os princípios de governo:

"É preciso, porém, observar que o presente estudo tem seu âmbito circunscrito à Democracia como forma de
governo, embora dedique atenção a ela também como arranjo institucional e não ignore, como não poderia fazê-
lo, como sistema de valores. De fato, este breve ensaio versa sobre a Democracia e sua efetivação em condições
como a brasileira." 2

Essa preocupação com a efetivação de um regime democrático na realidade brasileira leva à constatação de que
"a democracia que é possível varia com as circunstâncias, as condições e o momento". 3 Ou seja, a democracia
possível varia no tempo e no espaço.

Tal conclusão torna ainda mais instigante o trabalho de resgate das idéias contidas na seminal obra de Manoel
Gonçalves Ferreira Filho, uma vez que se pode agora avaliar como a realidade evoluiu no tempo, ao longo
desses trinta e cinco anos, bem como se pode aferir se bem ou mal envelheceram - se é que envelheceram - as
propostas concretas por ele lançadas.

1. A democracia possível

Desde logo, deve ficar claro que o problema da democracia possível e da própria existência do regime
democrático deve considerar "o contraste entre teoria e realidade social, o conflito entre letra e vida
constitucional. Esses dois confrontos são necessários se se quiser examinar, em termos realistas, a Democracia
e, sobretudo, se se pretender modelar, em função das circunstâncias de cada país, uma fórmula para ela possível
de democracia". 4

Essa consideração está no cerne do problema democrático brasileiro e se apresenta hoje com a mesma força que
se impunha em 1972. Ainda que a realidade político-institucional seja radicalmente diversa, o confronto entre
teoria e realidade social, entre letra e vida constitucional ainda se põe.

Não faltam autores do Direito Constitucional brasileiro que reputam o texto de 1988 como um dos mais
avançados do mundo, como um dos que contêm maiores garantias democráticas, que assegura o maior número
de direitos realizadores da igualdade e da liberdade, os valores fundamentais da democracia, como
anteriormente anotado.

Entretanto, muitos desses mesmos autores lamentam, não raro, a falta de aplicação dos institutos previstos no
texto constitucional, a não-concretização dos direitos nele garantidos ou a gradual perda do coeficiente
democrático das instituições brasileiras.

Utilizando as palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho há trinta e cinco anos: a teoria constitucional para
esses juristas é maravilhosa, a vida constitucional, um desastre. O confronto de ontem permanece hoje.

A teoria constitucional não corresponde, pois, às necessidades da realidade brasileira. Existe um descompasso
entre as instituições e o substrato social no qual estão inseridas. As causas dessa situação são muitas 5 e não cabe
neste estudo sua investigação; o importante, aqui, é seu reconhecimento, é o claro diagnóstico que exsurge do
cotidiano institucional do país.

     
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Esse diagnóstico, por sua vez, leva a uma conclusão necessária: realidades sociais distintas exigem formas de
governo e arranjos institucionais democráticos igualmente distintos, para realizar os mesmo valores
democráticos. Ou seja, a democracia (sistema de valores) se projeta por meio de diferentes democracias (formas
de governo) e das mais variadas democracias (arranjos institucionais). Isso faz com que não exista um arranjo
institucional e uma forma de governo que garantam, universalmente, o sistema de valores democrático.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho percebe essa realidade, lembrando a lição de Rousseau no Capítulo VIII do
Livro III de O contrato social: "Que toda a forma de governo não é própria a qualquer país". 6

E todas essas possíveis formas democráticas de governo ressaltam uma outra circunstância evidente. Ainda que
a democracia seja comumente identificada pela famosa fórmula de Lincoln como sendo o governo do povo, pelo
povo e para o povo, uma análise realista demonstra que, na prática, existe sempre uma minoria governante, uma
elite democrática que atua em nome do povo. 7

Como registra Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "a democracia que é possível na realidade consiste no governo
de uma minoria democrática, ou seja, por uma elite formada conforme a tendência democrática, renovada de
acordo com o princípio democrático, imbuída do espírito democrático, voltada para o interesse popular: o bem
comum". 8

Essa "elite formada conforme a tendência democrática" não se confunde, por sua vez, com uma elite econômica,
com uma elite social hereditária ou com uma elite corporativa. Reconhecer que a democracia se realiza por meio
de uma elite democrática não significa, obviamente, aceitar a captura do Estado e dos valores democráticos por
um determinado grupo, em detrimento dos demais. Significa, sim, o reconhecimento de que em todas as classes,
em todos os segmentos sociais há os mais capacitados e os menos capacitados para as funções de direção, os
mais experientes e os menos experientes na vivência dos valores fundamentais da democracia.

Desse modo, a real existência de uma elite democrática passa pela verificação de dois fatores fundamentais: a
mobilidade social e a criação de uma mentalidade, de uma consciência democrática. "A elite é democrática,
assinale-se em primeiro lugar, quando há plena mobilidade social. Quando o acesso à preponderância não
depende do nascimento, mas do talento individual, do mérito de cada um (...) Mais. Numa democracia todos têm
de estar conscientes de seu dever para com o todo, por isso cada um tem de se sentir responsável para com
todos. (...) Isso realça especialmente a responsabilidade das elites. Por serem exatamente elites têm
responsabilidade mais alta para com a comunidade." 9

Esses dois fatores indicados em 1972 ainda hoje se apresentam como essenciais para a caracterização de uma
elite democrática e devem ser verificados na realidade brasileira, para fins de concretização da democracia
possível. Em primeiro lugar, a mobilidade social, ainda que necessitando de aprimoramentos, existe no Brasil da
atualidade como existia no momento em que Manoel Gonçalves Ferreira Filho escrevia A democracia possível.
10
A consciência democrática das elites, por sua vez, ainda permanece um problema a ser sanado na vida
institucional do país, como cotidianamente fazem relembrar as crises e escândalos da vez. Porém torna-se
comum, mais e mais, a criação de associações da sociedade civil voltadas para o desenvolvimento dos valores
democráticos. Não se tem como aferir o impacto, a longo ou médio prazo, dessas ações, mas a simples tendência
que elas indicam é um sinal do reforço da consciência democrática das elites.

Essas duas condições essenciais para a existência de uma verdadeira elite democrática de pronto afastam a idéia
de que seja ela excludente, voltada exatamente para afastar das decisões políticas relevantes o povo, por
considerá-lo incompetente e dele desconfiar. Ao contrário, reconhecer a existência de uma elite democrática é
afirmar que das mais variadas segmentações sociais, dos mais diferentes setores do povo, podem surgir
lideranças capazes de representar os valores democráticos com legitimidade e participar ativamente do regime
democrático como protagonistas. 11 Tal quadro rechaça, de forma incisiva, as pouco realistas crenças - ingênuas
até - de que a democracia não precisa de pressupostos especiais, bastando a existência de uma sociedade. A

     
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História prova, porém, o contrário.

A elite democrática, contudo, necessita ser escolhida de forma adequada e sua atuação mantida em
conformidade com os valores inspiradores do regime. Destarte, o voto como critério de seleção dos governantes
e as regras que pautam suas condutas se apresentam como questões por demais relevantes na democracia
possível.

No que diz com o sufrágio, Manoel Gonçalves Ferreira Filho defende que "o voto seja trazido à medida do
homem", que pode melhor escolher no âmbito de sua comunidade, sem as manipulações e deturpações das
técnicas de comunicação de massa, mas com base em uma opinião naturalmente formada. 12

"A integração dos indivíduos em círculos à medida do homem é o caminho que lhes permitirá escolher
conscientemente, racionalmente, representantes ou governantes, o que significa conhecer quem é escolhido,
para que é escolhido, quais os problemas a resolver e as soluções plausíveis." 13

O modelo de sufrágio proposto em 1972 incluía, também, os analfabetos, numa proposta que somente veio a ser
concretizada em 1985 pela EC 25 à CF (LGL\1988\3)/1967 e posteriormente mantida pela CF/1988 (LGL\
1988\3).

Rebatendo os argumentos contrários ao voto dos analfabetos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho indica que o fim
de sua exclusão política seria um elemento de estabilização do regime democrático e de incremento do
desenvolvimento econômico e social: "A massa dos caboclos analfabetos que vegetam no sertão brasileiro não
oferece atualmente maiores problemas políticos porque está atolada na miséria e, por isso, na fome e na doença.
O êxito da política de integração, que lhes trará melhores condições de vida, virá a semear, certamente, a revolta
nos campos. Para evitá-lo, urge romper a marginalização política em que estão relegados." 14

Evidente, portanto, que não se está diante de um modelo democrático que transforma seus objetivos em
pressupostos de sua existência. Em outras palavras, não se verifica na democracia possível aqui descrita o
"elitismo", por alguns denunciado, de previamente exigir-se a evolução cultural, social ou econômica do povo
para a aquisição de direitos políticos. Pelo contrário, a ampla participação política auxilia o desenvolvimento
dessas condições.

É importante destacar que em 1972 - assim como hoje - esse entendimento não era pacífico, nem mesmo
majoritário. Para comprovar isso basta consultar a obra de outro autor que analisou o tema da democracia sob o
regime de 1964, Goffredo da Silva Telles Junior. No seu A democracia e o Brasil: uma doutrina para a
Revolução de Março, o autor condena o voto dos analfabetos e defende a escolha dos candidatos à Presidência
da República por um Colégio Eleitoral - formado por "sábios", como professores universitários e
desembargadores - exatamente para afastar aventureiros que poderiam iludir "o povo das fábricas e dos campos
e os habitantes das vastidões incultas do território nacional". 15

Outra solução institucional proposta em A democracia possível, hoje amplamente debatida na reforma política,
foi - com visto - a de trazer o voto à medida do homem, por meio do sistema distrital, que ensejaria "um
conhecimento mais preciso do candidato por parte do eleitor, gerando entre este e o eleito um vínculo certo e
definido". 16

Trata-se do voto majoritário distrital, que - mais recentemente - foi uma vez mais apontado por Manoel
Gonçalves Ferreira Filho como sendo o que mais contribui para o desenvolvimento do regime democrático. É
verdade que o autor reconhece serem ambos os sistemas eleitorais - majoritário e proporcional - compatíveis
com a democracia. Entretanto, como o primeiro induz naturalmente ao bipartidarismo e este gera uma maior
estabilidade política e uma mais efetiva eficiência governamental, não se pode deixar de reconhecê-lo como o
mais adequado. 17

Essas conclusões se apresentam como especialmente interessantes no momento em que o Congresso Nacional
     
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discute várias proposições relacionadas com a adoção do voto distrital ou do voto distrital misto, as quais
integrarão os debates da reforma política.

Em especial merece menção, entre essas proposições, a Proposta de EC 523/2006, que - como medida inicial -
pretende ver adotado o sistema misto nas eleições municipais em cidades com mais de 200.000 habitantes e está
pronta para inclusão na pauta de votação do Plenário da Câmara dos Deputados.

Como anteriormente sublinhado, além do problema da escolha dos governantes, que coloca em destaque o
sistema eleitoral, a atuação dos eleitos também é um aspecto relevante, devendo ser compatível com os valores
caros ao regime democrático. Assim, o Estado de Direito expressa a necessidade de se manter presente o
fundamento filosófico da democracia, que está nos valores de liberdade e igualdade, "síntese e suma dos direitos
fundamentais decorrentes para homem de sua própria natureza como pessoa". 18

Partindo das tradicionais bases da legalidade e do controle judiciário, Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma
que o Estado de Direito é um Estado de Justiça. Seja porque o Direito não pode ser apenas formal, não pode ser
aquilo que o poder quer sob a forma de lei, mas sim deve incorporar um conteúdo justo; seja porque se
concretiza igualmente por meio de um Poder Judiciário isento, imparcial, independente. 19

Tal Estado, baseado na justiça, teria como missão concreta, como objetivo, "garantir para todos o mínimo, em
alimentação, saúde, habitação, educação, vestuário, etc., compatível com a dignidade humana", 20 num rol de
garantias muito próximo do inscrito no art. 6.º do atual texto constitucional brasileiro.

A dignidade da pessoa humana, portanto, é o fundamento da democracia possível: "Esse respeito ao próximo
tem seu ponto mais alto no reconhecimento da eminente dignidade da pessoa humana. Esse reconhecimento é a
peça básica do espírito democrático. Desconhecê-lo, admitindo o desrespeito a essa dignidade, é mortalmente
ferir a Democracia. Esta, portanto, deve repelir, de modo radical e a qualquer preço, tudo aquilo que macule essa
dignidade, tudo aquilo que importe em denegar a um homem a sua qualidade de ser humano, fundamentalmente
igual a todos os demais homens". 21

Com essas palavras, Manoel Gonçalves Ferreira Filho antecipou-se 16 anos à Constituição de 1988, que
apontou como um dos fundamentos do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana no inc. III de seu art. 1.º,
e mais de duas décadas em relação à doutrina do Direito Constitucional brasileiro, que somente ao longo dos
anos 1990 aprofundou os estudos dessa noção. 22

Com a reunião de todos os elementos até aqui expostos, é possível afirmar que a democracia possível se realiza
por uma elite democrática, dentre a qual os governantes são escolhidos em círculos próximos aos eleitores, para
o desenvolvimento de atividades controladas pelas leis e pelas instituições judiciárias e que se voltam para a
realização da dignidade da pessoa humana.

Encerrando a exposição dos traços da democracia possível, é importante assentar a conclusão de que, ao
contrário do que afirmaram alguns, a democracia admite sim qualificativos, que alteram substancialmente seu
significado. A negativa dessa possibilidade de qualificação decorre da confusão entre os significados que pode
adquirir o termo "democracia" ou de uma falta de visão empírica do problema. Sim, porque basta comparar a
democracia qualificada como "popular" nos antigos países da cortina de ferro com a democracia liberal clássica;
ou, do ponto de vista teórico, a democracia "eco-socialista" de Boaventura de Souza Santos com a democracia
"reforçada" de Roberto Mangabeira Unger, para concluir que a inclusão de qualificativos altera radicalmente o
conteúdo democrático de um modelo. Acreditar que a democracia é um conceito unívoco e uma prática
institucional universalmente uniforme é uma idealização platônica que, não raro, está na causa do fracasso de
muitos modelos democráticos concretos:

"Trágico engano, que explica tantas experiências, bem intencionadas porém malfadadas, é supor que exista um
modelo imutável e universal de Democracia, possível em todos os tempos e em todos os lugares. Ao contrário,

     
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as circunstâncias e a conjuntura evidentemente condicionam o tipo e o grau de democracia que é possível a cada
momento, em cada lugar." 23

2. Desafios atuais à democracia

Em 1972, os três principais desafios para a democracia eram, na visão de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o
desenvolvimento econômico e social - que demanda estabilidade política ao mesmo tempo em que abala as
estruturas tradicionais de poder -os processos de formação e informação do cidadão e a guerra revolucionária,
que no início dos anos 1970 era um real problema para as instituições brasileiras. 24

Na atualidade, esses desafios permanecem, ainda que com novas roupagens. O desenvolvimento sócio-
econômico e a formação do cidadão são itens que não perderam importância nas agendas governamentais nos
últimos trinta e cinco anos, enquanto que, passada a guerra revolucionária, as democracias modernas se deparam
hoje com ameaça similar e igualmente preocupante, o terrorismo. 25

O estímulo ao desenvolvimento é desde logo apontado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho um dos objetivos
do Estado:

"É por isso plenamente compreensível que o desenvolvimento seja encarado, na maior parte do mundo, como
missão de Estado e até como a principal e a mais urgente de todas as missões do Estado, contemporaneamente.
Onde, por falta de condições, o desenvolvimento econômico mal deu alguns passos, ou não deu passo algum,
tem o Estado de procurar induzi-lo, estimulá-lo, acelerá-lo e sustentá-lo." 26

Essa missão é hoje um dos objetivos fundamentais do Estado, como fixado no inc. II do art. 3.º da CF/1988
(LGL\1988\3), sendo ainda uma das razões de ser do federalismo cooperativo brasileiro, como fixado no
parágrafo único do art. 23 do texto constitucional.

O desenvolvimento, entretanto, pressupõe o planejamento, a realização de vultosos investimentos e o


incremento da atividade empreendedora, que, por sua vez, demandam eficiência da burocracia estatal:

"O planejamento, os grandes empreendimentos, a acumulação de capital que o Estado empenhado no


desenvolvimento econômico tem de realizar, impõem a modernização de sua máquina institucional e
administrativa. Tal modernização visa à eficiência que uma estrutura antiquada e uma burocracia despreparada
não podem assegurar a um desenvolvimento sem desperdícios. Reflete-se no recrutamento de técnicos e na
elevação do nível profissional do servidor público, o que significa gastos mais elevados em educação e gastos
que tardam sempre a dar frutos." 27

Muitos anos após essa análise de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o Plano Diretor de Reforma do Aparelho do
Estado, editado em 1995 pelo Governo Federal, indicava como um de seus objetivos "aumentar a governança do
Estado, ou seja, sua capacidade administrativa de governar com efetividade e eficiência". O mesmo documento,
no que toca aos servidores públicos, fixava as seguintes metas:

"Em paralelo, serão implementadas ações na área de recursos humanos, que permitam o aperfeiçoamento das
capacidades gerenciais e técnicas do setor público, através de recrutamento de pessoal estratégico, a partir de
concursos e processos seletivos públicos anuais para pequenos contingentes, caracterizando, dessa forma, um
processo permanente de atualização dos quadros do aparelho do Estado. Ainda nessa área, o papel a ser
desempenhado pelas escolas de governo será fundamental, através de programas de treinamento e
desenvolvimento de recursos humanos diretamente relacionados aos objetivos da reforma do aparelho do
Estado. O conjunto de ações na área de recursos humanos tem por objetivo a valorização do servidor público
eficiente, através do reconhecimento por parte do cidadão de seu trabalho e da consequente mudança de imagem
perante a sociedade, envolvendo maior grau de autonomia, iniciativa e responsabilização, diminuindo controles
formalistas e incentivando a adoção de uma política que seja conseqüente tanto com o bom desempenho quanto
com a insuficiência do mesmo."
     
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Esses projetos do Plano foram constitucionalizados em 1998 por meio da EC 19, que além de introduzir o
princípio da eficiência no caput do art. 37 da Carta da República, determinou a criação de escolas de governo
para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, como disposto no art. 39, § 2.º, do texto
constitucional; contribuindo, assim, para com o desenvolvimento brasileiro, na linha do defendido em 1972.

O segundo desafio à democracia, conforme sublinhado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, é o da formação e
da informação da população, para o incremento das virtudes democráticas. Desse modo, a democracia - como
regime - somente pode existir com o estímulo à consideração do interesse comum, em detrimento do pessoal, e
com a redistribuição de riqueza, cuja concentração estimula o egoísmo anti-social:

"Claro está que esse combate ao egoísmo [será] inócuo se a lei e a economia não puserem freio a outra das
expressões e fontes desse egoísmo, que são as grandes disparidades de fortuna. Para isso não é preciso abolir a
propriedade provada que é ainda garantia necessária da liberdade individual; basta forçar a circulação e a
redistribuição de riqueza." 28

O desenvolvimento das virtudes democráticas passa, também, pelos atos da vida escolar. O "Estado deve zelar
para que, no ensino, não seja sabotada a Democracia, pela desmoralização de suas instituições e de seu
princípio", sendo que "o ensino não deve visar a uma doutrinação", impedindo-se que a imaturidade dos alunos
seja aproveitada pelos mais variados proselitismos políticos. 29

Essa preocupação de trinta e cinco anos atrás, reflexo - para muitos - de uma realidade datada, projeta-se hoje
para o cotidiano das escolas brasileiras. Recentemente, teve ampla divulgação na imprensa a decisão do
Judiciário paulista, no primeiro semestre de 2007, reconhecendo a uma mãe o direito de indicar, em seus
protestos pela Internet, o nome da editora dos livros didáticos utilizados pela escola de sua filha, que continham
evidente doutrinação esquerdista e falseamento de verdades históricas. 30 Trata-se de exemplo atual da deletéria
influência que pode ter a infusão de valores antidemocráticos no ensino, em especial nos níveis mais básicos de
educação.

No quadro da educação e da difusão dos ideais políticos da democracia, Manoel Gonçalves Ferreira Filho
indicava, em 1972, a importância crescente dos meios de comunicação de massa: "É impossível ignorar o
impacto dos modernos meios de comunicação de massa, tanto na formação do homem democrático, quanto no
funcionamento das instituições da Democracia." 31

A preocupação com as conseqüências benéficas, ou não, desse impacto continua na pauta das discussões trinta e
cinco anos depois, ainda mais com o significativo desenvolvimento dos meios de difusão da informação, em
especial com a popularização da televisão e o surgimento da internet.

Constatando a importância evidente dos meios de comunicação na formação da mentalidade democrática dos
cidadãos e na solidificação dos regimes democráticos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho não poderia deixar de
examinar a delicada questão do controle governamental sobre tais meios, numa análise mais do que atual, em
tempos de discussão da Portaria 1.220, de 11.07.2007, do Ministério da Justiça, que regula a classificação
indicativa dos programas a serem veiculados na televisão.

Para o autor, ainda que o governo tenha o "dever de fixar padrões mínimos que, impedindo a deseducação,
forcem a elevação do nível cultural", não pode ele, por meio dessa atividade, abater os valores democráticos -
em especial a liberdade, em todas as suas formas de expressão - ou manipular a informação da população:
"Casos há em que a moral e os bons costumes de um povo podem ser visados como meio para o solapamento e a
destruição da Democracia. Nesta hipótese, as considerações anteriores obviamente não se aplicam (...).

A questão é, todavia, extremamente delicada. Se é inegável que o Estado deve proteger seu povo contra toda
forma de corrupção, não é menos verdade que entre o nitidamente moral e o nitidamente imoral, entre os
manifestamente bons e os manifestamente maus costumes, há uma zona cinzenta onde a discriminação é

     
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dificílima, se é que é possível. Disso fazem fé as tentativas de se caracterizar em matéria de arte o que é imoral,
o que é atentatório aos bons costumes, o que é pornográfico, em que se tem empenhado, desalentadoramente, a
Suprema Corte norte-americana." 32

Outra questão igualmente estudada em A democracia possível é a da censura à informação: "a Democracia
repele a censura da informação. Nem poderia ser de outra forma. De fato, a decisão popular, que é inerente à
Democracia, pressupõe a informação. Ninguém pode decidir racionalmente, sobre alguma coisa, sem estar
devida e suficientemente informado sobre todos os aspectos que envolvem esse problema". 33 Nesse sentido, a
atual regulamentação da classificação indicativa evoluiu em relação à Portaria 264, de 09.02.2007, também do
Ministério da Justiça, que submetia os programas jornalísticos a controle caso fosse constatada a "presença
reiterada de inadequações", de acordo com o órgão censor governamental, o Departamento de Justiça,
Classificação, Títulos e Qualificação. Tal pretensão autoritária do governo federal foi, porém amplamente
rechaçada pelos órgãos de imprensa e por entidades da sociedade civil, ensejando o recuo consubstanciado na
nova Portaria 1.220/2007.

Por fim, o último dos desafios ao regime democrático apontados no ano 1972 em A democracia possível é o do
terrorismo. Ainda que hoje não se verifique no Brasil - pelo menos por ora - o mesmo tipo de terrorismo que se
praticava no início dos anos 1970, uma nova onda de terror, universalmente sentida, abala as democracias
ocidentais como um todo, guardando com aquelas manifestações do passado muitas relações.

O grande problema que na atualidade surge com o fenômeno do terrorismo é o da inadequação das tradicionais
formas de defesa do Estado e do regime democrático para enfrentá-lo. Essa realidade já era apontada por
Manoel Gonçalves Ferreira Filho: "O Estado de sítio era próprio para enfrentar a guerra insurrecional, pois esta
se travava numa região determinada, num prazo limitado, e assim podia ser combatida por uma concentração de
meios, por uma restrição de liberdades, temporária e espacialmente delimitada, nos moldes previstos e
prefixados pelo Estado de sítio. É ele, contudo, inadequado para a repressão à guerra revolucionária, salvo
quando esta atingiu seus últimos estágios e destarte se aproximou dos moldes clássicos da guerra insurrecional.
De fato, a luta contra grupos empenhados em guerra revolucionária tem de ser constante, travando-se num
campo indefinido territorialmente, ilimitado temporalmente." 34

Conclusões semelhantes são expostas por autores que analisam o terrorismo atual, como Bruce Ackerman e
Giuseppe de Vergottini. O primeiro desde logo assevera, em seu The emergency constitution, que os atos
terroristas não podem ser incluídos no tradicional conceito de guerra, nem, por outro lado, no conceito de crime
fornecido pelo Direito Penal. Isso porque a "guerra ao terrorismo" não tem previsão de encerramento - ao
contrário do que normalmente ocorre nas guerras comuns - e porque agrega - ao contrário dos crimes comuns -
um elemento político, de agressão às instituições, de desafio ao regime democrático. Neste quadro, os modelos
históricos de defesa da democracia são categoricamente inapropriados para lidar com as ameaças modernas. 35

Ackerman - tal como Ferreira Filho - sublinha que os sistemas de defesa das instituições democráticas foram
pensados para crises episódicas; ou, como expressamente afirma, para "sociedades com sorte, nas quais sérias
emergências surgem pouco freqüentemente". 36

Vergottini, por sua vez, anota que o conflito com o terrorismo assume um caráter de continuidade, tornando-se
endêmico e transformando a relação entre regra e exceção. Se o conflito é endêmico e contínuo, endêmicos e
contínuos serão os poderes excepcionais, os poderes de emergência. 37

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, já em 1972, enfrenta esse impasse do combate ao terrorismo, propondo um
regime de legalidade especial, em paralelo ao estado de sítio, dentro dos parâmetros rígidos do Estado de
Direito, a cujos princípios seria submetido o tratamento das situações anormais, como as que provoca a ação
terrorista. O regime especial em questão afastar-se-ia do sítio na medida em que, enquanto este permite medidas
de repressão contra aqueles que se encontram numa área conflagrada; naquele, tais medidas somente seriam

     
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permitidas contra aqueles que fossem fundada e razoavelmente suspeitos de terrorismo, onde quer que
estivessem. 38

Esse regime, segundo o autor, deve, necessariamente, "respeitar o primado do Judiciário", uma vez que "nada
escandaliza mais do que longas detenções, por simples suspeita, seguidas de libertação, sem processo sequer", e
exige, igualmente, eficiência do Poder Judiciário, porque "só assim se dará um mínimo de proteção aos direitos
individuais". 39 Impossível não considerar atuais essas considerações quando se analisa, por exemplo, a decisão
Hamdan v. Rumsfeld, de 2006, na qual a Suprema Corte norte-americana reconheceu direitos aos detidos na
base militar de Guantánamo.

3. Um projeto institucional para a democracia

Assim como hoje o Brasil assiste ao desenrolar de mais uma tentativa de reforma política, essa mesma
necessidade era sentida há trinta e cinco anos, dela se ocupando Manoel Gonçalves Ferreira Filho, para quem
"em face da realidade e do momento impõe-se a renovação das instituições democráticas. É preciso projetar sua
reforma". 40 Tarefa esta que deveria ser orientada pelo "senso do possível", atingindo os aspectos principais das
instituições democráticas, quais sejam, a participação popular, a divisão funcional dos poderes e a divisão
territorial do poder.

No que toca à participação popular, sua intensidade é apontada como sendo um referencial do coeficiente de
democracia de um regime, que deve propiciar a interpenetração do povo e do governo democrático,
"estabelecendo um governo do povo, pelo povo e para o povo, dentro das limitações humanas, dentro do
possível, numa palavra". 41

Para atingir esse objetivo, A democracia possível apresenta uma proposta de conformação institucional, de cujo
contexto podem ser extraídas as linhas mestras para a moderna reforma política, um verdadeiro guia das virtudes
democráticas que devem apresentar as instituições a serem reformadas. Essas linhas mestras podem ser assim
resumidas: a) o estabelecimento de uma cadeia de informação política, possibilitando nos diferentes níveis de
participação o conhecimento das questões prementes para os destinos do Estado; b) a orientação das escolhas no
sentido do interesse comum e não do interesse partidário; c) a definição dos quadros da propaganda e da
formação política; d) a garantia de que os governantes sejam personalidades que conciliem e somem os
governados, e não figuras que os dividam; e e) a dispensa da demagogia, "doença fatal à democracia". 42

Outro aspecto importante da institucionalização da democracia possível é o da divisão funcional do poder, em


relação à qual desde logo já é rejeitada a tradicional separação de poderes no modelo de Montesquieu: "a
'Separação de Poderes', como modelo de divisão funcional do poder, deve ser abandonada, porque não mais
atende às exigências da atuação do Estado na vida social". 43

Partindo desse diagnóstico, Manoel Gonçalves Ferreira Filho propõe em A democracia possível todo um novo
arranjo institucional voltado à realização de um governo democrático e igualmente eficiente, que responda às
demandas de intervenção na economia e na sociedade. "No modelo ora apresentado" - que se projeta numa série
de inovadores órgãos com específicas funções, tais como o Conselho de Ministros, o Conselho de Estado, o
Conselho Econômico etc. - "o povo decide sobre as diretrizes do Governo; o Governo as traduz em decisões
políticas; a Administração executa essas decisões; a Representação fiscaliza a formulação das decisões assim
como sua aplicação, coadjuvada pelo controle efetivado em seu campo próprio pelo Judiciário". 44

O exame da divisão funcional do poder, todavia, não apresenta somente um caráter teórico. As propostas
lançadas pelo autor são concretas, voltadas ao real funcionamento das instituições políticas, apontando
problemas que ainda hoje são sentidos pela democracia brasileira, tais como o aparelhamento partidário da
burocracia estatal: "Torna-se evidente que o êxito ou o insucesso de qualquer política, por brilhantemente
imaginada que seja esta, depende da capacidade e do empenho da máquina burocrática, pois é esta que vai
executá-la. É, por outro lado, patente, que ela só poderá desempenhar bem esse papel se for de alto nível e
     
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A democracia possível hoje

convenientemente remunerada. Por isso, o serviço civil não pode ser de modo algum contaminado pelas paixões
partidárias.

Na verdade, pouco se tem insistido na necessidade para a Democracia de um corpo de funcionários, capazes e
neutros politicamente. Neutros no sentido de dispostos a cumprir lealmente suas tarefas, qualquer que seja a
orientação política provinda do Governo." 45

Nesse sentido, o já mencionado Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado e seu reflexo normativo, a EC
19/1998, forneceram ao Estado brasileiro as ferramentas necessárias para um tratamento profissional e
apartidário dos quadros de servidores públicos, valorizando os técnicos selecionados por meio de concurso
público e propiciando o aprimoramento de suas habilidades.

Entretanto, a realidade se mantém muito próxima da criticada em A democracia possível, como até mesmo se
pode verificar no julgamento, pelo STF, da ADIn 3.068, relator para acórdão Min. Eros Grau, DJ 23.09.2005, no
qual a Corte, revendo entendimento anterior, ampliou consideravelmente o espectro de aplicação do art. 37, IX
da CF/1988 (LGL\1988\3), relativo às contratações temporárias no serviço público.

No que toca à divisão territorial do poder, Manoel Gonçalves Ferreira Filho trouxe à tona, em 1972, tema que
ainda hoje é polêmico no federalismo brasileiro: a paridade entre os Estados.

Inicialmente sublinhando que um dos principais elementos benéficos do sistema federativo é a flexibilidade na
conjugação dos interesses nacionais com os locais, A democracia possível aponta que essa flexibilidade é no
Brasil embaraçada pelo princípio da paridade entre os Estados, segundo o qual "todos os Estados de uma
Federação são iguais entre si e que, portanto, devem todos gozar do mesmo grau de autonomia, contar com as
mesmas competências, perceber os mesmos tributos". 46

Essa paridade jurídica distorce a disparidade concreta, real, vivida no cotidiano político dos Estados e, também,
no dos Municípios, fazendo com que, não raro, fiquem os entes federados sem condições institucionais para a
solução de seus problemas:

"Não é exagero dizer que o princípio da paridade dos Estados-membros sufoca a virtude do federalismo - a
unidade na diversidade -, estabelecendo uma absurda e injusta identidade na diversidade. Esse absurdo é um dos
males que afligem a Federação brasileira, cuja estrutura territorial é ainda a das capitanias do Reino existentes
ao limiar da independência, cujas disparidades econômicas, sociais e políticas, para não se falar das climáticas e
populacionais, nem precisam ser mencionadas." 47

A atualidade dessa análise não poderia ser maior. Inicialmente, é importante lembrar que A democracia possível
foi escrito sob a égide da EC 1/1969, que determinava, em seu art. 200, a incorporação ao direito constitucional
legislado dos Estados de suas disposições constitucionais, gerando o que veio a ser denominado de princípio da
simetria. 48

Desse modo, a autonomia dos Estados na sua organização institucional e no modo de responder adequadamente
a seus problemas específicos estava por demais limitada, fazendo com que a federação brasileira vivesse, nesse
período, a sua fase de maior centralização.

A Constituição de 1988, por sua vez, pretendeu corrigir esse quadro, saindo da fórmula da incorporação
automática dos preceitos constitucionais federais pelos Estados para consagrar, em seu art. 25, uma mera
submissão do poder constituinte estadual aos princípios dela decorrentes. 49

Uma vinculação de princípios à Constituição Federal (LGL\1988\3) certamente deixaria os Estados mais livres
para a formulação de arranjos institucionais mais consentâneos com suas realidades particulares, promovendo a
superação da "absurda e injusta identidade na diversidade", para utilizar as exatas palavras de Manoel
Gonçalves Ferreira Filho.

     
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A democracia possível hoje

Entretanto, a jurisprudência do STF restringiu em muito o impacto dessa significativa alteração de padrões do
federalismo brasileiro promovida no texto da Constituição de 1988. Os julgados do STF, no dizer do Min.
Sepúlveda Pertence, interpretaram o novo texto constitucional com a nostalgia da Carta decaída, reproduzindo
um entendimento que transforma a federação brasileira em um Estado unitário de fato. 50

Assim, a Suprema Corte tem, nos últimos 20 anos, aplicado a Constituição no sentido da restrição dos poderes
dos Estados, num movimento que fica claro, por exemplo, no que toca às matérias que podem ser livremente
reguladas pelas Constituições estaduais.

Por um lado, criou-se a noção das "normas de observância obrigatória" ou de "reprodução obrigatória", que
necessariamente deveriam estar presentes e incorporadas às Constituições estaduais, ainda que o texto de 1988,
como visto, faça referência, somente, à necessidade de observância dos princípios constitucionais.

Em outra linha, o Supremo passou a entender que as Constituições estaduais não poderiam dispor sobre matérias
cuja iniciativa legislativa fosse do Governador do Estado, tendo em vista a aplicação, aos Estados, das regras de
processo legislativo constantes da Constituição Federal (LGL\1988\3).

Isso resultou em texto constitucionais estaduais que simplesmente reproduzem o texto federal e que, quando
inovam, são considerados inconstitucionais pelo STF, cuja jurisprudência flerta, ainda hoje, com o princípio da
simetria, como se pode verificar no julgamento da ADIn 1.281, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 02.03.2004; da
ADIn 3.647, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 16.05.2008; e também da ADIn 2.192, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJ 20.06.2008.

Essa breve - e um tanto quanto caricata - análise demonstra que os peculiares problemas jurídicos com os quais
se confronta o Estado federado são problemas cuja resolução passa, necessariamente, pela Constituição Federal
(LGL\1988\3), o que transforma a jurisdição constitucional exercida pelo STF em referencial extremamente
importante para o Governo dos Estados, diminuindo a relevância do Direito local e padronizando -
indevidamente - o funcionamento das instituições.

Assim, desde a promulgação da Constituição de 1988, é evidente o aumento de demandas das Fazendas Públicas
estaduais junto ao STF. São inúmeras questões envolvendo tributos, servidores, organização administrativa,
prestação de serviços públicos e tantas outras matérias que constituem o cotidiano da administração estadual.

Essas controvérsias chegam ao Supremo pela via difusa, por meio do recurso extraordinário, e também pela via
concentrada, por meio das ações diretas de inconstitucionalidade. Ainda que em números absolutos a via difusa
prevaleça, não há como negar que a via concentrada representa o principal meio de atuação dos Estados na
jurisdição constitucional.

Uma análise simples dos julgados do STF em ações diretas de inconstitucionalidade demonstrará que a maioria
arrasadora dos feitos impugna atos normativos estaduais. Por outro lado, os Governadores são os legitimados
ativos mais freqüentes no ajuizamento de ações diretas: das 4.101 ações propostas até junho de 2008, 1.044
foram movidas por Governadores, o que corresponde a 25,5% do total, que somados às ações propostas pelas
Mesas das Assembléias Legislativas (43 ações - 1%) chegam a quase de 27% das ações diretas de
inconstitucionalidade formalizadas na Suprema Corte. 51

Isso gera, do ponto de vista do STF, um acúmulo de demandas de repercussão meramente local, desviando o
Tribunal de suas atribuições nacionais. As controvérsias estaduais mais comezinhas são submetidas ao STF, tais
como a criação do "Museu do Gaúcho", considerada inconstitucional no julgamento da ADIn 2.302, rel. Min.
Gilmar Mendes, DJ 24.03.2006; ou a unificação dos serviços de emergência do Estado no número telefônico
190, considerada inconstitucional no julgamento da ADIn 2.443, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 29.08.2003;
entre muitas outras.

Tais circunstâncias demonstram que, mesmo com a alteração significativa do texto da Constituição em relação à
     
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A democracia possível hoje

1969, a dinâmica constitucional permanece inalterada, fazendo com que a crítica de 1972 seja ainda contundente
e atual. As palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho em A democracia possível encontram eco na federação
brasileira da atualidade, mais de 35 anos depois:

"Embora seja remar contra a corrente, cumpre dizer que essa centralização não traz apenas benefícios. Ela
envolve desvantagens e riscos. Transforma a União num Leviatã cuja prepotência ameaça Estados e indivíduos.
Redunda numa excessiva centralização. Rompe o equilíbrio de poderes favorável à liberdade. Tende a
desconhecer as disparidades e conseqüentemente a diversidade de condições entre os vários Estados. Mas, além
desses malefícios por excesso, peca noutros pontos por timidez. Respeita uma divisão territorial anacrônica;
tolera uma identidade absurda entre Estados mui diversamente desenvolvidos." 52

4. Conclusão - Bibliografia

Da análise complexa desenvolvida em A democracia possível, Manoel Gonçalves Ferreira Filho apresenta em
sua conclusão - no capítulo intitulado "Democracia para o Brasil" - algumas sugestões práticas a serem
implantadas para o aprimoramento das instituições democráticas brasileiras, as quais podem ser resumidas nos
seguintes pontos: a) fortalecimento dos partidos políticos; b) adoção do voto distrital; c) incremento da ação
fiscalizadora dos parlamentos; e d) valorização das entidades regionais de desenvolvimento.

Como visto na análise pontual desenvolvida neste estudo, esses itens se fazem presentes em qualquer discussão
da reforma política que se desenvolve na atualidade, tangenciando também aspectos da reforma tributária ora
discutida na Câmara dos Deputados (Proposta de Emenda à Constituição 31-A, de 2007).

As idéias defendidas há mais de trinta e cinco anos em A democracia possível são, portanto, ainda atuais.
Servem elas perfeitamente como referenciais seguros para a discussão que se impõe no aprimoramento do
peculiar regime democrático brasileiro, na democracia adequada ao Brasil.

Para tanto, "cada nação" - e a brasileira não é diferente - "tem de encontrar o seu caminho, de acordo com suas
tradições, de acordo com o caráter de seu povo, segundo o nível deste, segundo as condições do momento. Não
resta dúvida, porém, que tudo recomenda a Democracia. Ela está no sentido da Evolução, como apontou
Teilhard de Chardin. Ela marcha lado a lado com o reconhecimento entre os povos de que todos os homens têm
igual natureza, que todos os homens são igualmente livres, que, assim, o poder há de repousar no consentimento
de todos, para ser legítimo". 53

Na constante busca desse caminho para a real legitimidade democrática, A democracia possível e o pensamento
constitucional de Manoel Gonçalves Ferreira Filho como um todo têm - e continuarão a ter - uma importância
destacada.

BIBLIOGRAFIA

ACKERMAN, Bruce. The emergency constitution. The Yale Law Journal 113/1029-1091, mar. 2004.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001.

______. A democracia possível. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1974.

LEONCY, Léo Ferreira. Controle de constitucionalidade estadual. São Paulo: Saraiva, 2007.

SOUZA, Nelson Oscar de. Manual de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

TELLES JUNIOR. Goffredo da Silva. A democracia e o Brasil. Uma doutrina para a Revolução de Março. SÃO
PAULO: ED. RT, 1965.

VERGOTTINI, Giuseppe de. La difficile convivenza fra libertà e sicurezza: la risposta delle democrazie al

     
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A democracia possível hoje

terrorismo. Associazione Italiana Costituzionalisti: Convegno annuale - 2003. Disponível em:


[HTTP://ASSOCIAZIONEDEICOSTITUZIONALISTI.IT].
   
1. Uma simples análise dos títulos das obras monográficas de Manoel Gonçalves Ferreira Filho indica essa
preocupação constante com o tema da democracia. Seus livros dedicam-se, por exemplo, a questões como a
defesa do Estado e das instituições democráticas ( O estado de sítio, 1964), os organismos partidários ( Os
partidos políticos nas Constituições Democráticas, 1966), o processo de elaboração das leis ( Do processo
legislativo, 1968) ou as condições de governo das democracias contemporâneas ( Constituição e
Governabilidade, 1995), sem mencionar as outras obras específicas sobre democracia ( Sete vezes democracia,
1977; A reconstrução da democracia, 1979; e A democracia no limiar do séc. XXI, 2001). Neste último livro,
que o autor considera um possível encerramento do ciclo iniciado com A democracia possível, faz ele um
comentário cuja reprodução se impõe neste artigo: "É, sem dúvida paradoxal (e para mim supinamente injusto)
que um pensamento nuclearmente democrático, preocupado com a análise do que favorece, ou desfavorece, a
sua concretização, tenha sido - como ainda é - apontado como antidemocrático, 'fascista' ou coisa parecida por
parte da intelligentsia brasileira. Talvez decorra isso de não ser ela muito inteligente e por isso incapaz de
compreender o que não se enquadra na vulgata que repete piamente. Mais provavelmente, isto resulta de seu
viés, ou, ao menos, marxisante. E nisto está outro paradoxo porque, como Marx não foi um democrata, nem em
seu pensamento há lugar do governo pelo povo, os anti-democratas são eles (...)."
 
2. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 4.
 
3. Idem, ibidem, p. 5.
 
4. Idem, ibidem, p. 7.
 
5. O método de "recorta e cola" de constituições estrangeiras adotado pelos constituintes e amplamente
divulgado pelo relator-adjunto da Comissão de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte pode, por
exemplo, ser uma dessas causas.
 
6. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 10.
 
7. Descartadas, por óbvio, as forma de democracia direta pura, como a defendida por Rousseau, inviáveis ante a
extensão dos modernos Estados nacionais. É verdade que autores modernos, como Crawfford B. MacPherson,
Peter Bachrach e Aryeh Botwinick, tentaram construir modelos de democracia participação conciliáveis com os
Estados da atualidade, sem, contudo, encontrar repercussão concreta para seus estudos. Sobre essas teorias, ver
Ferreira Filho, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do séc. XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 34.
 
8. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 27.
 
9. Idem, ibidem, p. 28.
 
10. Basta para confirmar essa afirmativa a constatação de que a primeira metade dos anos 1970 e a primeira
metade dos anos 2000 assistiram a conquista da Presidência da República por dois filhos de migrantes, Ernesto
Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva. O primeiro era filho de imigrantes alemães que se estabeleceram nas
colônias agrícolas do Rio Grande do Sul; o segundo, ele próprio um migrante oriundo do Nordeste brasileiro
estabelecido, com sua família, em São Paulo. Ambos obtiveram, entretanto, condições de ascensão social e
política no Brasil, um por meio do estamento militar, o outro por meio do estamento corporativo, sindical;
integrando, portanto, essas específicas elites nacionais.
 
     
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A democracia possível hoje

11. Novamente se pode tomar o atual exemplo brasileiro como reforço ao que se está a defender. O governo que
se inicia em 2003 não pode ser considerado dos trabalhadores e camponeses, mas sim de uma elite oriunda de
distintos segmentos sociais, inclusive, talvez, dos trabalhadores e camponeses. O Presidente, como
anteriormente afirmado, vindo de uma elite sindical, verdadeiro exemplar político do self made man - figura tão
cara ao imaginário capitalista -, congrega em torno de si a neta de um barão, o filho de um destacado general do
regime de 1964, netos de governadores de Estado, grandes empresários e produtores rurais, isso sem se fazer um
exame detalhado de sua base de sustentação no Congresso Nacional.
 
12. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 81.
 
13. Idem, ibidem, p. 86.
 
14. Idem, ibidem, p. 89.
 
15. Goffredo da Silva Telles Junior. A democracia e o Brasil. Uma doutrina para a Revolução de Março. São
Paulo: Ed. RT, 1965, p. 50. Na página 53, há um reforço dessa argumentação: "Fazer a lei não é para qualquer
um, como todos sabem. Mas não é para qualquer um, também, escolher os que hão de fazê-la."
 
16. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 124.
 
17. Idem, ibidem, p. 186.
 
18. Idem, ibidem, p. 31-32.
 
19. Idem, ibidem, p. 32-33.
 
20. Idem, ibidem, p. 33.
 
21. Idem, ibidem, p. 54.
 
22. Interessante destacar, como tem feito Cezar Saldanha Souza Junior em aulas e conferências, que nos últimos
dez anos a noção de dignidade da pessoa humana tomou, no Direito Constitucional brasileiro, a posição de
destaque de que gozou o conceito de cidadania nos primeiros dez anos de vigência da Constituição de 1988,
transformando-se em referencial necessário de qualquer análise jurídica.
 
23. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 35. Goffredo da Silva Telles Junior, fazendo
uma análise específica sobre os acontecimentos de 1964, em sua "doutrina para a Revolução de março",
demonstra uma relação entre a inadequação das instituições brasileiras e o movimento militar. Para ele, "a
necessidade de recorrer às armas para salvar o Brasil constitui a clara demonstração" de que o modelo
democrático até então vigente era incompatível com a realidade brasileira, destacando, igualmente, que "a
Revolução vitoriosa foi a sublevação do Brasil autêntico, em consonância com os mais profundos anseios da
Nação. Agora, no Brasil Novo, o que cumpre é não retornar às obsoletas, enganosas e nefastas fórmulas
constitucionais que iam levando o nosso País à desgraça" (cf. A democracia e o Brasil. Uma doutrina para a
Revolução de Março, nota preliminar). Independentemente de se concordar, ou não, com a análise do autor, o
que dela exsurge é a compreensão de que as instituições democráticas devem ser pensadas tendo como medida
as circunstâncias de seu funcionamento, sob pena de fracasso e conseqüente crise institucional.
 
24. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 37.
 

     
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25. Tanto é assim que no VII Congresso Mundial de Direito Constitucional, realizado em junho de 2007, na
cidade de Atenas, pela Associação Internacional de Direito Constitucional, o tema do terrorismo foi objeto de
análise em pelo menos duas das quatro sessões plenárias do evento, bem como ensejou os debates de um grupo
de trabalho.
 
26. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 40-41.
 
27. Idem, ibidem, p. 41.
 
28. Idem, ibidem, p. 53.
 
29. Idem, ibidem, p. 55.
 
30. Camila Antunes. Ensino que é bom... . Veja, ed. 2012, 13.06.2007, p. 78. Igualmente disponível em:
[http://veja.abril.com.br/130607/p_078.shtml]. Interessante é o acompanhamento das tentativas de doutrinação
nas salas de aula feito pelo site: [www.escolasempartido.org], o qual tem denunciado diversas dessas práticas
nocivas à democracia, recebendo garantias do Poder Judiciário quanto à liberdade de expressão.
 
31. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 57.
 
32. Idem, ibidem, p. 63.
 
33. Idem, ibidem, p. 65.
 
34. Idem, ibidem, p. 71.
 
35. Bruce Ackerman. The emergency constitution. The Yale Law Journal 113/1037. mar. 2004.
 
36. Idem, ibidem, p. 1042.
 
37. Giuseppe de Vergottini. La difficile convivenza fra libertà e sicurezza: la risposta delle democrazie al
terrorismo. Associazione Italiana Costituzionalisti: Convegno annuale - 2003. Disponível em:
http://associazionedeicostituzionalisti.it/materiali/convegni/aic200310/devergottini.html].
 
38. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 73.
 
39. Idem, ibidem, p. 73-74.
 
40. Idem, ibidem, p. 75.
 
41. Idem, ibidem, p. 79.
 
42. Idem, ibidem, p. 91-92.
 
43. Idem, ibidem, p. 96.
 
44. Idem, ibidem, p. 108.
 
45. Idem, ibidem, p. 104.

     
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46. Idem, ibidem, p. 111.
 
47. Idem, ibidem, p. 112.
 
48. "Art. 200. As disposições constantes desta Constituição ficam incorporadas, no que couber, ao direito
constitucional legislado dos Estados." Sobre o princípio da simetria, ver Nelson Oscar de Souza. Manual de
direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
 
49. "Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os
princípios desta Constituição."
 
50. Para uma interessante análise da jurisprudência do STF sobre a matéria, ver Léo Ferreira Leoncy. Controle
de constitucionalidade estadual. São Paulo: Saraiva, 2007.
 
51. Dados retirados da página do STF na internet, na qual constam as estatísticas do Tribunal.
[http://www.stf.gov.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=esta tistica&pagina=adiLegitimado].
 
52. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. A democracia possível, p. 115.
 
53. Idem, ibidem, p. 129.

     
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