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Resumo Abstract
Reconstituir e analisar o contexto em Reconstructing and analyzing the con-
que a profissão de jornalista se desenvol- text in which the journalistic profession
veu no Brasil e as influências que sofreu has developed in Brazil and the influ-
é o objetivo deste artigo que, por meio ences on it are the purposes of this arti-
do materialismo histórico dialético, pre- cle, which aims through the historical
tende explicar o processo pelo qual a si- and dialectical materialism, to explain
tuação contemporânea se configura co- the process by which the contemporary
mo síntese. Essa contextualização situation is configured. This context is
torna-se fundamental para a compreen- fundamental to understanding the con-
são dos conflitos de interesses políticos e flicts of political and economic interests
econômicos que determinaram a confi- that determined the historical setting of
guração histórica dessa profissão e do this profession and the control over
controle sobre a atuação do profissional professional practice. The results indi-
que a exerce. Revela ainda como as mu- cate how technological changes altered
danças técnicas alteraram a sua base ma- its material base of production and have
terial de produção e, necessariamente, generated new concepts, which have be-
geraram novos conceitos, que compuse- come parts of its superstructure in dif-
ram a sua superestrutura nos diferentes ferent social, economic, and political
períodos sociais, econômicos e políticos, periods.
tornando possível observar os objetivos Keywords: work; journalist; history of
relacionados a tais mudanças. the press.
Palavras-chave: trabalho; jornalista; his-
tória da imprensa.
* Universidade Estadual Paulista (Unesp). Campus de Tupã. Av. Domingos da Costa Lopes, 780, Jd.
Itaipu. 17602-496 Tupã – SP – Brasil. cristiane@tupa.unesp.br
** Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Cidade Universitária, s.n., Caixa Postal 549.
79070-900 Campo Grande – MS – Brasil. inarableao@hotmail.com
no século XIX. É nessa ordem que surge um novo tipo de discurso no jorna-
lismo: a notícia, presente ainda nos dias atuais. A notícia, ‘um produto à venda’
como define Medina,5 é fruto do sistema capitalista, e todas as suas transfor-
mações, portanto, acompanham as mudanças desse sistema.
Nesse sentido, pode-se constatar que com a industrialização, o crescente
êxodo rural e o consequente crescimento urbano, os jornais, primeiros repre-
sentantes da chamada comunicação de massa, tornam-se produtos altamente
comerciais e fazem surgir a atividade profissional do jornalista.
o jornalismo, que é o filho mais legítimo desse casamento entre o novo tecido
universal das relações sociais produzido pelo advento do capitalismo e os meios
industriais de difundir informações, isto é, o produto mais típico desse consórcio
histórico, não é reconhecido em sua relativa autonomia e indiscutível grandeza.
De um lado, ele é visto apenas como instrumento particular da dominação bur-
guesa, como linguagem do engodo, da manipulação e da consciência alienada.
Ou simplesmente como correia de transmissão dos aparelhos ideológicos de Esta-
do, como mediação servil e anódina do poder de uma classe, sem qualquer po-
tencial para uma autêntica apropriação simbólica da realidade. De outro lado,
estão as visões meramente descritivas ou mesmo apologéticas – tipicamente fun-
cionalistas – em geral suavemente coloridas com as tintas do liberalismo: a ativi-
dade jornalística como crítica responsável baseada na simples divulgação objetiva
dos fatos, uma função social voltada para o aperfeiçoamento das instituições de-
mocráticas. Na linguagem mais direta do mestre (Durkheim), “uma atividade
voltada para a denúncia e correção das patologias sociais”, portanto, para a coe-
são e a reprodução do estado normal da sociedade, ou seja, o capitalismo. (Genro
Filho, 1987, p.37. Grifos no original)
reprodução, uma vez que o conteúdo já vinha totalmente preparado por re-
presentantes das classes dominantes.
A grande inovação dos Avisis e das Zeitungen, dos séculos XIII e XIV, é
que eram direcionados a públicos abertos, ao contrário das Acta Diurna dos
romanos do século I a.C., considerados os predecessores dos jornais murais de
hoje e que, como tal, destinavam-se a pequenos públicos específicos. O con-
teúdo das Acta Diurna era basicamente governamental (do Senado ou do Cé-
sar), ao passo que os outros dois eram financiados por interesses privados.
Pode-se dizer que os dois mais recentes representam a primeira grande quebra
de monopólio dos interesses do Estado e da Igreja sobre os meios de
comunicação.
Os registros históricos do jornalismo, pesquisados por Lage (2001),9 mos-
tram que os jornais mais antigos publicados de forma periódica surgiram na
Alemanha, em 1609. Seguem registros posteriores a essa data na Bélgica, com
a publicação do Nieuwe Tijdingen de 1616, na França em 1631, com a publi-
cação do Gazzete, e na Inglaterra, que em 1665 publicou o London Gazette.
As gazetas semanais começam a se espalhar pela Europa com a invenção
dos tipos móveis atribuída a Gutenberg. Esses periódicos publicavam notícias
da Europa e, eventualmente, incluíam algumas informações trazidas da Ásia
ou da América. Os temas recorrentes nos jornais franceses eram os escândalos
da família real inglesa, e os jornais ingleses, por sua vez, relatavam as derrotas
militares da França.
Os conteúdos dos jornais começaram a se voltar mais para assuntos coti-
dianos e locais a partir da segunda metade do século XVII, mas já sob os olha-
res da censura, e raramente podiam abordar temas que fossem considerados
perigosos para o governo ou que incitassem o povo a ações oposicionistas.
A burguesia fez uso dos jornais para difundir a ideia de livre comércio e
livre produção, e o Estado recorreu a eles para transmitir sua ideologia. Além
de instrumento da ideologia burguesa e de proteção dos interesses do Estado,
a defesa da livre expressão ganhou força em outro período histórico: “Dois
acontecimentos tornaram possível essa liberação, após mais de um século de
restrições e constrangimentos: a) a Revolução Industrial; e b) o papel particular
que a publicidade assumiria na vida dos jornais” (Lage, 2001, p.25).
A Revolução Industrial aumentou a dependência econômica a que a im-
prensa estava submetida, uma vez que também aumentou sua tiragem e seu
e econômico estava nas mãos dos beneficiados pela corte portuguesa, e estes
não tinham intenção de se indispor com os colonizadores.
O Correio Braziliense, cuja primeira publicação se deu em 1º de junho de
1808 – anterior portanto à Gazeta do Rio de Janeiro –, editado na Inglaterra
por Hipólito José da Costa, considerado hoje o patrono da imprensa brasileira,
desde as primeiras edições veiculou traduções do escritor alemão Johann Ben-
zenberg abordando a necessidade da liberdade de imprensa.
Pode-se, de fato, afirmar que a imprensa surge no Brasil já prevendo a
censura que iria encontrar pela frente. Mesmo editado em terras estrangeiras,
o Correio Braziliense introduziu no país o discurso sobre a necessidade de uma
imprensa livre, ideal que estava sendo amplamente discutido, nessa época, em
terras europeias e norte-americanas.
A Gazeta passou a se denominar Gazeta do Rio a partir de 29 de dezembro
de 1821, e com a Proclamação da Independência deixou de circular, surgindo
em seu lugar, com o mesmo objetivo, o Diário Fluminense, de propriedade do
governo de Pedro I, e posteriormente o Diário do Governo, de Pedro II, todos
como órgãos da imprensa oficial. Ainda no ano de 1821, a publicação de um
panfleto sem autoria – embora se soubesse que fora escrito pelo comendador
e coronel francês F. Caille de Geine, com ciência de d. João VI – argumentando
que a Família Real deveria ficar no Brasil, causou tanta polêmica que acabou
sendo recolhido. Entretanto, o episódio serviu como incentivo à publicação de
impressos com opiniões sobre a política do Brasil e a defesa de sua Indepen-
dência de Portugal.
O Folheto de Caille, como ficou conhecido, foi o inspirador de muitas
publicações posteriores desse gênero, todas com a mesma defesa. O fato de o
texto ter sido atribuído a um cidadão comum estimulou novas publicações e
foi entendido como indício da liberdade de expressão.
Pode-se fazer uma analogia entre o sentimento despertado na sociedade
da década de 1820, no que tange à liberdade de expressão, e o que ocorre hoje,
principalmente por meio do Jornalismo Cidadão ou do Jornalismo das Fontes.
O fim da exigência de diploma para o exercício profissional de jornalismo,
hoje, desperta na sociedade o mesmo tipo de sentimento com relação à liber-
dade de expressão que marcou a década já mencionada. Ou seja, qualquer ci-
dadão comum, como disse Lustosa (2000),12 pode vir a público emitir sua
opinião.
era estritamente de opinião. Sodré (1983) relata que os jornais publicados eram
um reflexo do debate político que se travou primeiro em torno da questão da
Independência e, em seguida, sobre a estrutura do Estado nacional a ser cons-
truído a partir da separação de Portugal.14
Os ideais republicanos conquistaram a imprensa. Jornais defendiam a
República e a libertação dos escravos. O movimento abolicionista era cada vez
mais forte. Essa época marca um jornalismo mais idealista, que se divide entre
os republicanos e os abolicionistas.
Apesar da liberdade parcial do início do século XIX, os jornalistas eram
constantemente submetidos às mais variadas arbitrariedades. Ressalte-se ainda
que a irregularidade e a efemeridade eram características dos veículos de co-
municação daquela época: “Como estavam ligados às lutas do seu tempo, os
jornais seguiam a dinâmica dessas lutas. Os periódicos apareciam e desapare-
ciam, conforme os conflitos nos quais estavam envolvidos iam se configurando
ou reconfigurando”.15
O fim da Censura Prévia ofereceu oportunidade ao desenvolvimento de
outras publicações, e assim surgiram os chamados pasquins que marcaram o
estilo da imprensa brasileira na época, por representarem um jornal feito por
uma única pessoa, na maior parte das vezes de forma anônima. Estes perma-
neceram sendo publicados da Regência até o final da primeira metade do sé-
culo XIX. Embora fosse um tipo de jornalismo político, era composto de vozes
desconexas, sem uma causa a lhes unificar a ação.
Ao lado dessa imprensa considerada político-panfletária surgiram al-
guns pequenos jornais independentes, mas já organizados sob a lógica em-
presarial. Esses periódicos podiam ser liberais ou conservadores, contudo
objetivavam mostrar uma imparcialidade que parecia indiferença diante dos
acontecimentos.
Em 1831, a imprensa ajudou a preparar um momento favorável ao afas-
tamento do imperador. Exerceu, nessa época, uma função de agitadora nos
momentos mais tensos e decisivos. O período seguinte, por volta de 1840, foi
marcado por uma conciliação entre conservadores e liberais que se uniram em
torno da figura de d. Pedro II para apoiá-lo. Os reflexos na imprensa foram
visíveis: esta recuou em seu discurso político e aproximou-se do texto literário.
Muitos dos principais autores do Romantismo Brasileiro tornaram-se
Sínteses possíveis
NOTAS
1
A tese de Cristiane Hengler Corrêa Bernardo foi desenvolvida com bolsa do CNPq.
2
GENRO FILHO, Adelmo. O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalis-
mo. Porto Alegre: Tchê, 1987.
3
NEVEU, Érik. Sociologie du journalisme. Paris: La Découverte, 2001.
4
SERRANO, Estrela. Érik Neveu (2001). Sociologie du journalisme. Media & Jornalismo,
v.1, n.2, p.151-154, abr. 2003.
5
MEDINA, Cremilda de Araújo. Notícia: um produto à venda. Rio de Janeiro: Forense –
Universitária, 1978.
6
TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo: porque as notícias são como são. 2.ed. Florianó-
polis: Insular, 2005.
7
De acordo com a teoria do jornalismo corresponde à primeira parte da notícia e deve
responder às questões: quem, o quê, quando, como, onde e por quê.
8
Técnica em que os fatos mais interessantes são utilizados para abrir o texto jornalístico,
enquanto as de menor relevância aparecem na sequência.
9
LAGE, Nilson. Ideologia e técnica da notícia. Florianópolis: Insular, 2001.
10
MELO, J. Pensamento jornalístico: a moderna tradição brasileira. Intercom Revista
Brasileira de Ciências da Comunicação, América do Norte, 30, set. 2007. p.17, grifos no
original. Disponível em: http://200.144.189.84/revistas/index.php/revistaintercom/article/
view/97/90; Acesso em: 17 nov. 2008.
11
SODRÉ, Nelson Werneck. História da imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 1999.
12
LUSTOSA, Isabel. Insultos impressos: a guerra dos jornalistas na Independência (1821-
1823). São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
TARGINO, Maria das G.; CARVALHO, Cristiane P.; GOMES, Alisson D. Centro de
13
ção & Inovação: revista científica da USCS, São Caetano do Sul (SP), v.9, n.16, p.50-66,
2008.
14
SODRÉ, Muniz Cabral. A comunicação do grotesco: introdução à cultura de massa no
Brasil. Petrópolis (RJ): Vozes, 1983.
15
RIBEIRO, Ana Paula G. A imprensa da independência e do primeiro reinado: engaja-
mento e mercado. In:
CONGRESSO NACIONAL DE HISTÓRIA DA MÍDIA, 5. Intercom. São Paulo, 31 maio a
2 jun. 2007. p.2. Disponível em: www.intercom.org.br/papers/outros/hmidia2007/resu-
mos/R0199-1.pdf; Acesso em: 10 maio 2008.
16
MARSHALL, Leandro. O jornalismo na era da publicidade. São Paulo: Summus, 2003.