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O JORNAL COMO FONTE HISTÓRICA: A REPRESENTAÇÃO E O

IMAGINÁRIO SOBRE O “VAGABUNDO” NA IMPRENSA BRASILEIRA


(1989-1991)

GISLANIA CARLA P. KRENISKI*


MARIA DO CARMO PINTO AGUIAR*

[...]. As leis de imprensa no Estado


Nacional Brasileiro acompanharam a
própria evolução do jornalismo como um
todo e traduziram os diversos momentos
políticos pelos quais passou o país. [...].
(ALVES, 2004, p. 10).

O presente trabalho tem como objetivo discutir e analisar a relevância da


utilização da imprensa como fonte de estudo os jornais para construção e reconstrução
da história. Através dos periódicos podemos desvendar o social, o político, o econômico
e dentro de um período pré-determinando para estudo e os agentes participantes do
processo social, ainda é possível percebermos seu papel na construção dos imaginários e
memórias sobre a história. Elencando a possibilidade de utilização deste veículo de
comunicação para o enriquecimento do processo histórico, no presente texto ainda
apresentamos nossa análise das representações do personagem histórico chamado
“vagabundo”, marginalizado por sua condição social, na imprensa.
Dessa forma, devemos notar primeiramente que a mudança na forma de pensar e
perceber o discurso da imprensa como objeto para o estudo da história e a utilização
desta como fonte, só ocorreu a partir dos questionamentos veiculados pelo movimento
das Escola dos Annales ou posteriormente a chamada Nova História, quando ressurgiu o
interesse por novas fontes de pesquisa e principalmente quando o historiador deixou de
almejar a utópica imparcialidade em suas pesquisas.

*
Professora do Programa de Formação Continuada de Professores da Universidade Federal do Rio
Grande – FURG, bacharel em História pela Universidade Federal do Rio Grande,
gislaniacarla@hotmail.com
*
Professora da Rede de Educação Básica do Município de Rio Grande. Especialista em História pela
Universidade Federal do Rio Grande – FURG, mestranda em História pela Universidade Federal de
Pelotas – UFPEL, mp.ag@bol.com.br

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Porém, estas mudanças só foram possíveis com a evolução da sociedade e uma
busca por novos modelos de estudo para reconstrução do passado e sua relação com o
presente, quando o estudo de história deixou de ser realizado pelos filósofos e pela
igreja, dando lugar ao historiador. No princípio tínhamos uma história voltada somente
para o econômico, o religioso e político, levando em consideração como fonte para
pesquisa somente os documentos ditos oficiais. O historiador apenas ficava encarregado
de transcrever e narrar o fato pesquisado de uma forma tradicional, agindo de forma
imparcial. Dentro desse pensamento tinha a função de “resgatar” os feitos e eventos na
figura dos grandes heróis e a partir daí fazer a narrativa. Esta forma de fazer pesquisa
histórica esta estreitamente ligada ao pensamento positivista, deixando de lado a
interpretação do historiador sobre a sua fonte, tornando-o neutro com relação ao fato a
ser estudado.
A partir de debates levantados pela própria tradição historiográfica marxista, os
historiadores tiveram as obras abertas para novos estudos e novas fontes, quando
passaram a ter importância temas como as lutas de classe, os excluídos da história e as
relações entre produto e produtores. Neste contexto a utilização da imprensa escrita
como fonte de estudo através da divulgação e análise do seu discurso se tornou
essencial para a compreensão das representações do pensamento e dos imaginários de
determinadas épocas. Esta preocupação com as classes até então não estudadas pela
historiografia vai lançar um novo olhar sobre as fontes. O historiador foi em busca de
novas fontes que propiciem não o estudo de um fato isolado um feito, mas sim agora um
estudo de uma classe social suas ansiedades seus ideais. A melhor maneira de estudar o
comportamento de uma sociedade e suas mudanças é indo em busca de periódicos de
época onde estão representados todos os movimentos sociais. Dessa forma o historiador
jamais poderá ser imparcial uma vez que faz parte da sociedade a qual esta estudando.
Conforme o pensamento marxista, todo historiador está ligado a sua classe
social, portanto aí reside a impossibilidade da imparcialidade, pressuposto básico que
conduziu a pesquisa dos materiais históricos e dos Annales para compor a interpretação
e da análise e alterando desse modo o conceito de documento.
Sendo assim, o estudo da imprensa vem se constituindo num dos elementos
fundamentais para a reconstrução da história, que através do seu intermédio pode
aproximar-se das práticas políticas, econômicas, sociais e ideológicas dentro dos

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diversos setores que compõem uma sociedade de forma dinâmica. Dessa maneira a
imprensa tornou-se uma fonte rica e diversificada de conhecimentos, não apenas para
construção de uma história da imprensa, mas abrindo a historiografia para outras
possibilidades de estudo fugindo assim da historiografia tradicional.
As pesquisas realizadas na história abrem-se para novas possibilidades, tendo
uma nova abordagem para os acontecimentos históricos, estamos tratando agora da
história de gênero, da criança, do operário das mulheres,não mais a história econômica e
política como centro de estudo para construção da história, é o partir do micro para o
macro. E são estas modificações nos temas a serem abordados que remetem o
historiador a novas fontes, a novos questionamentos e novas interpretações e reflexões
por parte dos historiadores que agora não precisam mais esconder a suas opiniões a
respeito dos temas trabalhados, ele não age mais de forma imparcial quando debruça-se
sobre a sua fonte.
A fonte histórica passou a ser a construção do historiador e de suas perspectivas,
sem deixar de lado a crítica documental, pois questionar o documento não era apenas
construir interpretações sobre ele , mas também conhecer na origem, sua ligação com a
sociedade que o produziu, entre outros (SILVA 2005:159). Aproximando-se da fonte a
ser trabalhada o historiador deve questioná-la, e ter em mente o que extrair da mesma
no primeiro contato, já que com a leitura mais reflexiva dela, cria-se cada vez mais
questionamentos a serem desvelados, residindo ai o papel do historiador desvendar
através de novas fontes o que antes dentro da historiografia não era contemplado.
Para Jobim, é evidente que se faz preciso especial disposição de espirito para ler
um artigo de jornal do passado e julgá-lo corretamente. Só um historiador impregnado
da atmosfera do tempo em que o artigo foi escrito, tendo presentes as circunstâncias
históricas em que se produziu, é que pode captar o eco das intensas vibrações sociais
que porventura tenha provocado (JOBIM, 1992:26).
Trabalhar com imprensa escrita reside no compromisso da interpretação dos fatos
apresentados por ela,aprender a desvendar sua escrita jornalística. Porém ao utilizar a
imprensa como fonte podemos de forma clara fazer a reconstrução dos acontecimentos
através do mais eficaz meio de comunicação na difusão das informações, uma vez que
durante todo o século XIX este veículo de comunicação foi o mais utilizado como
disseminador dos costumes,atitudes e desejos da sociedade. Conforme Alves e

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Guarniere, “Seja uma perspectiva positivista, marxista ou dos Annales ou da Nova
História, sabe-se que a escolha das fontes depende não apenas do objeto e dos objetivos
da pesquisa, mas também da delimitação, problemática, entre outros, isto é, dos recortes
efetuados” (Alves e Guarniere,2007:39)
Dentro do nosso país, alguns historiadores começaram a utilizar-se da imprensa
escrita como fonte para reconstrução da história com a entrada da Nova História, que vê
na imprensa escrita um novo viés para a historiografia. Dessa forma percebe-se que a
imprensa tem um papel fundamental dentro da sociedade, uma vez que através das
páginas percebemos as mudanças ocorridas dentro desta. Pois é através dela que
podemos analisar os seus discursos moralistas, político e econômicos. Uma vez que na
imprensa são ditadas as modas, as regras de conduta dentro da sociedade e conselhos
para as moças que pretendem arranjar um bom casamento, ou até mesmo conhecermos
o momento político claro levando em consideração a tendência política seguida pelo
jornais.
Segundo Rivers, todos nós dependemos dos produtos da comunicação de massa
para grande maioria das informações e diversão que recebemos em nossa vida. É
particularmente evidente que o que nos sabemos sobre números e assuntos de interesse
público, depende enormemente do que dizem os veículos de comunicação. Somos
sempre influenciados pelo jornalismo e incapazes de evitar esse fenômeno. Pouco
podemos ver por nós mesmos. Os dias são muito curtos e o mundo é enorme e muito
complexo para podermos cientificar-nos de tudo o que se passa nos meandros dos
governos. O que pensamos saber , na realidade não sabemos no sentido de que saber
representa experiência e observação(Cf. RIVERS,1970:27).
Dessa forma, seria um erro desprezar a imprensa escrita como fonte documental
para a historiografia. Uma vez que para alguns autores chegam a chama-la de quarto
poder nos Estados. Já que dentro nosso país ela não apenas foi transmissora na
informação dos atos , mas ela foi além proporcionou a discussão sobre os fatos e o
posicionamento de opiniões. Segundo Alzira Abreu, superando certos preconceitos
iniciais que descartavam a imprensa como fonte histórica, tendo em vista sua natureza
tendenciosa, nas últimas décadas, uma quantidade cada vez mais crescente de trabalhos
históricos vem utilizando-se das informações e opiniões expressas nos periódicos para

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promover reconstruções históricas acerca dos mais variados setores da vida brasileira
(Cf. ABREU,1996:7-8)
Não podemos relegar a importância da imprensa para o estudo da história do
Brasil, uma vez que a própria utilização deste veículo de comunicação só foi utilizado
dentro do nosso país com vinda da família real para cá. Como é um dos meios de
comunicação mais eficaz para registrar e informar os acontecimentos, captando o
movimento das idéias e dos personagens que fazem parte de uma sociedade em um
determinado período nas páginas dos jornais,passou a haver a valorização do
jornalismo como instrumento de pesquisa, fazendo com que os historiadores
interessados em trabalhar com esta fonte soubessem transpor as limitações impostas por
este tipo de documento, como coleções incompletas de periódicos, conservação do
material e algumas carências de informações complementares
Para Francisco das Neves Alves, o estudo da imprensa vem se constituindo num
dos elementos fundamentais para o empreendimento da reconstrução histórica, que, por
seu intermédio, pode se aproximar das práticas políticas, econômicas, sociais e mesmo
das correntes ideológicas dos diversos setores de uma determinada sociedade, em
acompanhamento seqüencial e dinâmico. Em se tratando de pesquisas abordando a
história política, o papel da imprensa avulta em importância, tendo em vista o caráter
em geral lacônico que caracteriza muitos dos documentos oficiais no que tange às
disputas e aos confrontos de natureza dos documentos oficiais no que tange às disputas
e aos confrontos de natureza político-partidária. Nos jornais, ao contrário, esses
conflitos encontram seu espaço de propagação, chegando o jornalismo a servir como elo
de ligação ou agente de combate entre diferentes tendências politico-ideológicas.
(Alves, Francisco 2002:15-16)
Sendo assim, a análise da imprensa como fonte de pesquisa não pode ser
realizada de forma isolada do contexto social do qual esta inserida, mas, ela representa,
fundamentalmente um instrumento de manipulação e intervenção na vida da sociedade.
Nessa perspectiva, passaremos agora a nossa análise do imaginário e representação
sobre os excluídos sociais rotulados como “vagabundos” na imprensa, em meio ao
contexto de surgimento da República no Brasil.

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A República e os vagabundos

Com a abolição da escravatura no final do século XIX, os negros, agora livres,


se deslocavam para as cidades à procura de oportunidades para constituírem uma vida,
chegavam lá e não conseguiam ser absorvidos em atividades remuneradas. O número de
negros que partiam em busca dessa nova oportunidade era muito grande, dificultando
ainda mais essa busca.
O fim do período monárquico trouxe consigo a abolição dos escravos, homens
livres sem trabalho, em busca de alguma ocupação para garantir seu sustento e o de sua
família. Esses foram os trabalhadores livres, do final da Monarquia, que engrossaram a
contagem dos vagabundos na época do início da República.
Assim, é possível prever o que poderia vir a acontecer, levando-se em
consideração que, mesmo alforriados, esses ex-escravos não deixariam de ser negros.
Com base nessa teoria e na realidade que os cercavam, é possível entender o que
aconteceria ao negro ex-escravo, pois agora, esse negro, estaria sem lugar, sem trabalho
e sem profissão, conforme Emília Viotti cita Florestan Fernandes: [...] a abolição
libertou os brancos do fardo da escravidão e abandonou os negros à sua própria sorte.
(Viotti, 2007:366)1
Com base nas pesquisas de Emília Viotti, esse negro ex-escravo precisaria de se
sustentar e sustentar sua prole e como nem todo negro conseguia trabalho, na nova
sociedade republicana, surgiram assim os trabalhadores livres, que faziam qualquer tipo
de trabalho, com a intenção de levantarem algum recurso para o sustento de sua família.
Segue a análise de Emília Viotti:

[...] A maioria da população negra permaneceu numa posição subalterna sem


nenhuma chance de ascender na escala social. As possibilidades de
mobilidade social foram severamente limitadas aos negros e sempre que eles
competiram com os brancos foram discriminados. [...]. (VIOTTI, 2007:368).

As oportunidades dadas ao negro não eram as mesmas dadas ao branco. Apesar


de serem livres, isso não significava que o preconceito deixaria de existir. Ao contrário,
a discriminação não deixou de existir e agora disputava a concorrência do mercado de

1
Ver mais: Florestan Fernandes, A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo, 1964;
Idem, O negro no mundo dos brancos. São Paulo, 1972.

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trabalho com o branco. Porém, essa concorrência não era justa. Obviamente, nessa
corrida competitiva, o negro sairia perdendo, evidenciando mais uma vez a
discriminação.
Dessa forma, o que realmente se tinha de concreto eram trabalhadores livres,
brancos e negros, que estavam à margem da sociedade, que viviam dentro da lei e dos
bons costumes, da comunidade ao qual estavam inseridos, mas, porém, que não abriam
espaços para esses trabalhadores, que procuravam, a todo custo, exercer algum
trabalho, legal ou não, como foi o caso dos trabalhadores livres do início da República.
Vale ressaltar, segundo Emília Viotti, que no caso da discriminação, esta estava
diretamente ligada à figura do negro, pois, a tentativa que ocorreu, em meados do início
da República, foi o clareamento desse negro, porque para o Brasil daquele momento,
mais importante que o sangue era a aparência, então se a mistura do negro com o branco
proporcionasse ao indivíduo a pele clara esse seria branco, e não negro, independente do
sangue negro que esse indivíduo tivesse. Tudo era enxergado como válido para clarear o
Brasil e livrá-lo do estigma de racismo, discriminação e preconceito, observado por
outros países.
Visto que as oportunidades que os negros tinham, não eram as mesmas que as
dos brancos, as pesquisas então nos levam ao lado em que esses negros se inseriram na
vida errante, passando a surgir uma discriminação não só relacionada aos negros, mas
também aos negros vagabundos. É claro que nem todo negro seria um sujeito errante.
Porém, alguns deles, fosse pela falta de oportunidades ou mesmo por estarem
confortáveis com uma vida, digamos fácil, se inseriram na vagabundagem.
Acreditava-se que a tentativa de clareamento levaria o país a ascender na escala
social, pois, a elite branca é que se inseria nessa escala. Apesar de alguns mulatos terem
sido inseridos nessa elite, tiveram de pagar um preço, renegando sua própria origem,
vivendo de acordo e conforme ditavam os brancos. Mesmo com algumas oportunidades,
nem todos seriam inseridos no mercado de trabalho, aumentando o número de
desempregados, sendo assim, seria inevitável que alguma parte dessa população se
ligasse aos males da civilização.
Assim, para os negros, o que seria o grande momento de suas vidas não passou
de desilusão para a maioria. O negro, agora homem livre, teria que se inserir na
sociedade e no mercado de trabalho, que como podemos imaginar não seria uma das

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tarefas mais fáceis para ele. Então, esse negro teve de enfrentar a realidade social, mais
que isso, a discriminação devido à sua origem, porque apesar de livre ele não deixou de
ser negro e ex-escravo. Dessa forma, com a abolição, tão esperada, se aproximava o fim
de um sistema político e o início de outro, que traria com ele expectativas e apreensão.
Nessa perspectiva, o que marcou esse período inicial da República foi o exemplo
europeu que nos cercava. Vários seriam os projetos para a instauração desse novo
sistema de governo, dentre eles estaria à mudança dos costumes urbanos, ou seja, os
males da civilização que deveriam ser combatidos. Citamos como exemplo: a
embriaguez, os jogos, a prostituição, desordens causadas pela vagabundagem entre
outros.
Observando a “grosso modo”, as pessoas que iriam engrossar a porcentagem dos
vagabundos vinham do final da República, ou seja, algumas delas eram ex-escravos que
não conseguiram se inserir na nova sociedade republicana dando início então aos
cortiços e favelas de época. A República teve seu período difícil, em seus primeiros
anos. As transformações foram grandiosas na economia, na política, na cultura e na
própria sociedade. As transformações nas alterações quantitativas foram inevitáveis. A
população da capital cresceu em número de habitantes, de composição étnica e de
estrutura ocupacional.
Engrossando o contingente de desempregados e subempregados, estava a mão-
de-obra escrava lançada ao mercado de trabalho, após a abolição. Como conseqüência
do crescimento populacional, houve o acúmulo de pessoas mal remuneradas ou sem
ocupação fixa. Desde antes da República, já se observava que a cidade estava crescendo
em números de malfeitores, gatunos e vagabundos de todas as espécies. Essa população
estava sendo comparada com as classes perigosas de que se falava no inicio do século
XIX. Dentre eles estavam ladrões, prostitutas, malandros, desertores das forças
armadas, ciganos, ambulantes, trapeiros, criados, funcionários de repartições públicas,
carroceiros, floristas, bicheiros, jogadores, pivetes2 e outros. Os capoeiras3 também
estavam inseridos neste contexto, porém, as referências desses sujeitos apareciam nas
estatísticas criminais referentes às contravenções do tipo de embriaguez, jogo e

2
Segundo José Murilo de Carvalho está palavra já existia na época.
3
Resultado da união entre tradições africanas e a experiência da escravidão urbana no Brasil.

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vadiagem. A partir de 1890, com a nova Constituição e o Código Penal, essas
contravenções foram responsáveis por prisões e reclusões às Casas de Detenção.
Bem, sabemos que nem só os escravos eram capoeiras. A capoeira era praticada
por guardas nacionais, Praças do Exército e da Armada, indivíduos de várias camadas
sociais e artesãos. O surgimento dessa capoeira se deu a partir das buscas nas tradições
negras, propiciando seu surgimento. Essa capoeira tinha uma atuação autônoma e, ao
mesmo tempo, coletiva, no espaço público, que no caso seriam as ruas. Essa atuação
gerou uma marca que foi o Partido Capoeira, que mantinha uma relação com os
partidos políticos formais e com a política institucional, unindo assim, o lúdico ao
político, a festa à violência.
O novo sistema político tinha por propósito a eliminação dos males da
civilização que tomaram conta do início do sistema político republicano. Para combater
esses males se fez necessária a criação de um policiamento eficiente capaz de controlar
a população desordenada. Esse policiamento estava respaldado no Código Penal
Brasileiro de 1890. Esse Código acreditava que todos os crimes poderiam ser evitados,
se combatidos, de forma eficiente, os elementos causadores das transgressões: a
vagabundagem.
Acredita-se que os capoeiras, os negros alforriados, os imigrantes e os pobres
eram apontados pelas autoridades como os principais responsáveis pelos roubos,
latrocínios e prostituição, marcados por um grande crescimento.
Para José Murilo de Carvalho, o maior enfoque era dado aos capoeiras, pois a
capoeira era considerada crime, porque representava uma ameaça à segurança física dos
cidadãos. Apesar de não serem os únicos contraventores da época, foram deportados por
Sampaio Ferraz4, para Fernando de Noronha. O objetivo de Sampaio Ferraz não era só
desaparecer com as maltas, mas sim desaparecer com o lugar onde as práticas
ganhavam sentido, as ruas. Essa foi uma das primeiras medidas tomadas pelo governo
republicano.
O objetivo com a ordem imposta aos contraventores estaria ligado ao processo
de modernização das cidades, pois se acreditava que a prisão dos vagabundos e
capoeiras fazia parte desse processo, dando o direito às autoridades, de levar à reclusão,

4
Chefe de Polícia, do início do período republicano.

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indivíduos que pudessem representar algum tipo de ameaça à ordem pública, mesmo
sem terem realizados ou terem sido acusados de qualquer crime.
A República passou a considerar que se fazia necessária uma medida de
repressão e correção sobre os indivíduos que não se adaptassem as normas
estabelecidas. Os pobres de modo geral, não eram levados à Casa de Detenção, só
seriam encaminhados para lá os pobres que não optassem pelo trabalho e pelos bons
costumes. Os indivíduos que vagavam pela cidade e não tinham meios de subsistência
eram levados à prisão.
Para que fosse possível estabelecer todas as mudanças necessárias para manter a
ordem, o segundo governo da República necessitou intervir de forma violenta, por parte
das autoridades. Os cortiços foram derrubados e, com esse acontecimento, já se podiam
esperar as medidas que viriam a seguir, caracterizando o autoritarismo do Presidente
Rodrigues Alves, com seu bota-abaixo.
Esse momento foi marcado por uma grande revolta, devido à obrigação da
vacinação da população, contra a febre amarela. Essa revolução popular foi muito
significativa e importante para a história. Utilizando a documentação da época foi
possível pesquisar, analisar e compreender melhor o indivíduo vagabundo nas fontes
disponíveis existentes no período. O jornal aparece então, como documento
fundamental para as pesquisas. Esse documento relata e retrata como aconteceu
realmente todo o processo inicial do sistema republicano com todo o seu aparato para a
instauração desse novo sistema governamental.
É no jornal que podemos nos amparar nas verdades que ocorreram naquele dado
momento, sem essa fonte a possibilidade de pesquisa poderia ser comprometida, já que,
esse era o único meio de se registrar e veicular a história dos vagabundos, que não
teriam senão o jornal para registrar esse passagem.

Os vagabundos na imprensa

Conforme podemos perceber, a imprensa desencadeou um papel importante na


vida das sociedades. Com o objetivo principal de informar, esse veículo de
comunicação, foi e tem sido, principalmente para os historiadores, uma importante fonte
histórica e documental. Trabalharemos agora com a representação do vagabundo

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veiculado na imprensa do contexto do surgimento da República brasileira, informando e
registrando a presença desse indivíduo nas sociedades e na história.
Tomaremos o jornal como veículo de informação, com o intuito de mostrar
como era representado e imaginado esse sujeito vagabundo, estudando os métodos
coercitivos, usados para manter a ordem, de certa forma, com o objetivo de reabilitação
e reinserção desse indivíduo, na vida social.
Nosso veículo de informação nesse estudo será o Jornal do Commercio, que foi
criado pelo francês Pierre Plancher em 1o de outubro de 1827, circulou em inúmeras
regiões do país e adotou uma postura conservadora frente aos problemas nacionais.
Como era típico na época, os jornais assumiam posições, e com o Jornal do Commercio
não foi diferente, adotando a defesa do governo e das oligarquias. Defendeu todos os
atos de coerção que o governo teve frente aos seus opositores.
Francisco Alves trabalhou em seu livro, “Por uma imprensa livre”, com os
pontos relevantes pelo qual a imprensa passou, desde o fim da Monarquia, até os
primórdios da República. Vejamos a citação a seguir: “Durante o processo de transição
da Monarquia à República, a imprensa brasileira passou por um acelerado avanço.
Acompanhando um novo recrudescimento dos embates partidários e políticos, renascia
o debate e o espírito crítico-opinativo no jornalismo. [...]”(ALVES, 2004:14).
Francisco Alves discorre sobre os momentos ocorridos durante o processo de
transição e evolução, passado pelo jornalismo no início do período republicano, dos
quais, a imprensa atravessou junto ao país as mais diferentes fases. No caso da imprensa
escrita, os jornais, estes não deixaram de cumprir o papel de informar o público de
maneira ágil, de acordo com os recursos tecnológicos disponíveis na época.
Os destaques a seguir, nos permitiram visualizar como foram veiculados na
imprensa a representação dos vagabundos, nos noticiários pré e pós República.
Perceberemos a conduta, bem como as punições que circundavam esses indivíduos.
Na perspectiva do texto que foi escrito até o momento, usarei as notícias
veiculadas no Jornal do Commercio do último trimestre de 1889 e primeiro trimestre de
1890. Todavia, observaremos, que apesar de o Jornal do Commercio ser um veículo de
imprensa jornalística que circulava diariamente, as notícias relacionadas à
vagabundagem não apareciam diariamente, o que nos leva a entender que as aparições

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estavam relacionadas à coerção aplicadas a eles, só sendo veiculadas no momento em
que as autoridades cumpriam o papel coercitivo, destinados a esses indivíduos.
Vale ressaltar que além das notas publicadas no jornal, a outra forma de registro
desses indivíduos errantes foram os B.Os., ou seja, os boletins de ocorrências,
registrados mediante os delitos ocorridos na cidade. Não se conhece outra forma de
registro de época que estes.
Sobre o jornal, sabemos que esse era impresso e continha um número de seis
páginas por publicação. Tinha como destaque, publicações com os seguintes títulos:
Telegramas, Gazetilha, Assembléia Legislativa Provincial, Avisos, Publicações a
Pedidos, Tribunaes e Juízo, Exterior, Interior, Indicações Uteis, Editaes, Declarações e
Classificados da época. Na última página apareciam ainda, Quadro de Títulos de Renda
e Acções de Companhias e Commercio ( mercado monetário, mercado do café).
Na perspectiva dos registros feitos pelo jornal, observemos as notas a seguir:

Vadios: A polícia pôs ontem em custódia Benedicto Hermogenes Mendes dos


Reis, Pedro Pereira Neto, vulgo Cadete Netto, Maria Antônia da Conceição e
Silva e Isabel Antônio Netto, por serem vadios e vagabundos. (Jornal do
Commercio. Rio de Janeiro, 1º/Outubro/1889, p. 1).

A coluna do jornal, em que a nota acima foi publicada, tem como título:
“Vadios”. Dessa forma, podemos perceber de maneira clara a representação dada pelo
jornal aos indivíduos atrelados a algum delito.

Polícia: Pelo subdelegado do 1º distrito de Sant’Anna foram ontem remetidos


para a casa de detenção, por serem vagabundos, os seguintes indivíduos.
Polucena Maria da Conceição. Maria Gonçalves, Sebastiana Maria da
Conceição e Rosalina Maria Borges. (Jornal do Commercio. Rio de Janeiro,
4/Outubro/1889, p. 1).

A nota citada acima traz o título: “Polícia”, observamos que isso se dá devido à
maneira em que a nota foi publicada, utilizando informações relacionadas às
autoridades. Conforme outro extrato do jornal, “ Foi multado o dono do carrinho de
mão nº 2.190, Antônio Alves, por não ter a devida licença” (Jornal do Commercio. Rio
de Janeiro, 4/Outubro/1889, p. 1).
Nesse caso, não houve contravenção que levasse o indivíduo à detenção, pois o
mesmo não se tratava de um vagabundo. Porém, a coerção foi aplicada por meio de

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multa, para que o indivíduo não tivesse possibilidade de sofrer a tentação de viver no
erro, e se transformar em mais um errante na cidade, como apresentado no extrato:
“Polícia: O preto Lourença, que vagava pelas ruas do 1º distrito de Sant’Anna, foi
apresentado ao senhor conselheiro chefe de polícia, para ter destino mais conveniente”
(Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 5/Outubro/1889, p. 1). Aqui percebemos a
presença de um negro, nos levando a refletir se esse indivíduo seria um ex-escravo, que
não conseguiu ser inserido, e ajustado, na vida da sociedade, ou apenas um errante
comum.

Polícia: Forão hontem recolhidos a Casa de Detenção, por ordem do


subdelegado do districto de São José, os seguintes vagabundos e desordeiros:
Jorge Joson, Augusto Mó, Fausta Maria da Conceição, Helena Joaquina,
Manoel Ignácio Botelho e Rosalina Maria de Menezes. (Jornal do
Commercio. Rio de Janeiro, 6/Outubro/1889, p. 1).

Ao analisarmos esta nota, observamos a presença feminina. Nota-se que apesar


de o jornal se remeter a esses indivíduos como vagabundos e desordeiros, ele não faz
menção a que tipo de vagabundo eles seriam. No caso das mulheres, podemos pensar
em errantes ou prostitutas. O jornal ainda apresenta: “ Foi hontem preso na 15º estação
policial José Xavier de Lima, que se entregava a exercício da capoeiragem” (Jornal do
Commercio. Rio de Janeiro, 6/Outubro/1889, p. 1). A capoeira era uma contravenção
tida como mais perigosa, portanto, ela se distingue na escrita devido ao seu caráter
particular.
As citações acima, além de notas, são as fontes documentais necessárias para o
desenvolvimento das pesquisas desse indivíduo que constituiu uma passagem pela
história, produzindo e deixando para nós a sua história, que só nos é palpável graças a
nossa fonte. Devido a essa fonte de singular importância para nós, a pesquisa se torna
possível e provocante.

Fontes:
Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 1o de Outubro de 1889.
Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 4 de Outubro de 1889.
Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 5 de Outubro de 1889.
Jornal do Commercio. Rio de Janeiro, 6 de Outubro de 1889.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (DE 24 DE
FEVEREIRO DE 1891).

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CÓDIGO PENAL DE 1890.
CÓDIGO DE POSTURAS MUNICIPAIS DE 1890.

Referências Bibliográficas:
ABREU;Alzira Alves de et al. A imprensa em transição: o jornalismo brasileiro nos 50. Rio de
Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1996.
ALBERT.P;TERROU.F. História da imprensa. São Paulo: Martins Fontes.1990.
ALVES,Fábio Lopes;GUARNIERE, Ivanor Luiz. A utilização da imprensa escrita para a escrita
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Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 14

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