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Este livro é resultado de uma extensa pesquisa, cujo objetivo
primeiro é reconstruir a história da imprensa no Rio de Janeiro através de
uma ótica singular e peculiar: o olhar do leitor.
Esta primeira etapa inclui além dessa perspectiva, uma verdadeira
viagem em torno dos jornais diários do Rio de Janeiro, durante 40 anos. De
1880 a 1920, os cinco mais importantes jornais do Rio eram responsáveis
pela impressão de 150 mil exemplares, distribuídos pela cidade e apregoados
nos bordões dos pequenos jornaleiros.
Em função desse poder de difusão, esses diários passaram a ser
dotados de um poder real e simbólico, transformando seus proprietários
em verdadeiros DOI/os do Rio.
Os DOI/os do Rio, título desta obra, é, pois, uma metáfora para
designar tanto os dirigentes dessas publicações - tais como José Carlos
Rodrigues, Edmundo Bitencourt ou João Lage -, quanto os próprios
periódicos.
Erguendo prédios monumentais na principal artéria da cidade, a
Avenida Central, cunhavam, ao mesmo tempo, um discurso normatizador e
regulador para uma sociedade recém-saída da escravidão. Construíndo um
diálogo permanente com o leitor, aumentavam a cada dia sua ingerência na
vida da cidade. E é essa complexa articulação que este Iivro recupera.
Partimos do pressuposto de que é possível remontar a história
dos leitores e das leituras a partir de um diálogo permanente entre público
e meio impresso, considerando que o texto não é mudo em relação ao leitor
e que existe uma "invenção quotidiana" nas artes de leitura, empreendemos
um verdadeiro diagnóstico dos leitores dos jornais mais populares do Rio
durante 40 anos, ao mesmo tempo em que visualizamos a construção textual
dos próprios leitores.
O estudo se insere numa preocupação permanente e atual da
comunicação em considerar o circuito da comunicação, isto é, perceber
que para além de uma produção do emissor existe uma construção textual
permanente do público, com caráter autoral.
Nesse percurso, é fundamental considerar o processo que na fala
de Nestor Garcia Canclini (1997) é definido como "hibridação cultural", ou
seja, visualizar a questão cultural não como dicotômica, uma vez que este
tipo de visão não dá conta da complexidade resultante do desenvol vimento
do chamado mercado de bens simbólicos. É preciso estudar o popular na
sua interação com as diversas culturas da mesma sociedade, inclusive as
chamadas indústrias culturais. Nesse sentido, as produções culturais do
público leitor dos diários do Rio de Janeiro seriam constituídas por
Barbosa, Marialva.
Os Donos do Rio. Imprensa, Poder e Público.
Marialva Barbosa - Rio de Janeiro: Vício de
Leitura, 2000
257p.21cm
ISBN 85-87009-04-4
Inclui bibliografia
I. Imprensa - Brasi I - História.
2. Jornalistas - Brasil - Formação.
3. Poder e Público. I. Título
Fotos da capa
e abertura capítulos
MarcFerrez
Capítulo I -Imprensa na Belle Epoque Tropical
O polêmico Correio da Manhã
O popularíssimo Jornal do Brasil
O conservador Jornal do Commercio
A literária Gazeta de Notícias
O "amigo de todos os governos" O Paiz
..\;
matéria introdutória para a entrevista publicada no dia seguinte. "O Sr. Rui Barbosa
entrou neste momento na sala e a entrevista começou. Publicá-Ia-emos amanhã".
No dia seguinte na primeira página aparece a entrevista, transcrevendo-se
as perguntas e as respostas e reproduzindo, assim, a conversa do jornalista com o
conselheiro. Como fecho da repoliagem, mais uma vez as sensações do repórter são
reveladoras não só do seu ofício profissional, como também das suas aspirações
intelectuais.
"Anoitecia. Já quase não se percebiam as fómosas pinturas na parede interior da sala. E
saímos com a lzumilllClnte certeza da mesquinhez da nossa vidafóbril e efêlllera diante do
grandioso espetáculo de tanta inteligência, de tanto sabCl; de tão vasto e nobre trabci/ho"J2.
A entrevista dura, portanto, perto de quatro horas. Mas esta conclusão
não mostra apenas isso. Fica claro também o desejo do profissiõnal da imprensa em
ser reconhecido pelo seu valor intelectual, como ele se sente limitado em seus
conhecimentos diante do entrevistado e, finalmente, como classilj.GtrÔ seu trabalho
cotidiano: fabril e efêmero. Todos os dias ele realiza, cO~lifha fábrica, a mesma
tarefa, de redigir notas a serem publicadas, lidas e deiydas de lado a seguir.
, \ Dez anos depois do aparecimento de s uprimeiro número, o Correio da
Manhã muda quase que inteiramente. Nos . s de semana, o af1igo de fundo, crítico
e que destaca a campanha oposicionis do jornal no momento, ainda é assinado por
Gil Vidal, mas é por vezes substituído pelo Registro Literário, de Osário Duque
Estrada. A política domina outras colunas, ao lado de Pingos e Respingos, escrita
por Bastos Tigre, em substituição' a Antônio Sales, desde 1904. Na página dois, Pelo
Telégrafo ocupa agora quatro colunas e destaca as notícias de São Paulo ao lado de
outras do exterior. Na três, notas do cotidiano, a Crônica Policial, que substitui Pela
Polícia e nas Ruas e o Correio dos Teatros. Pelos Subúrbios se chama agora Correio
Suburbano, ao lado de Reclamacões, que não sofre alterações. Na página quatro, a
coluna Terra e Mar, com notícias do Exército, da Marinha, do Corpo de Bombeiros
e da Força Policial, divide o espaço com as notas das Associações e o Dia Social. Na
seguinte, o Comercio, Vida Mineira, Notícias de Portugal e Vida Acadêmica, que não
mudam muito. Na sexta, os Avisos, o Indicador, criado em 1903, e a Biblioteca do
Correio da Manhã, onde reproduz, sob a forma de livro, duas páginas a serem
recortadas de um romance/folhetim e que, ao final, se encadernadas, virariam urna,
brochura tradicional. As quatro seguintes são ocupadas pelos pequenos e grandes
anúncios. Invariavelmente, o jornal é editado com 10 páginas.
Aos domingos, com uma feição mais literária, é impresso em 14 páginas.
Na primeira, Carmem Dolores, o pseudônimo da jornalista Emília Moncorvo
Bandeira de Meio, que no início do século já fazia crítica literária em O Paiz, divide
o espaço com Traços da Semana, resenha política dos sete dias anteriores, assinada
por Costa Rego e com a crônica de Arthur Azevedo. Na página dois mais crônicas,
algumas destinadas ao público infantil, e poesias, além de transcrições de pequenas
peças teatrais. As seguintes reproduzem, com pequenas variações, as mesmas seções
dos dias de semana. Os anúncios ocupam as páginas 9, 10, 11, 12, 13 e 14. Tudo isso
quando interesses editoriais ou políticos não determinam mudanças na primeira
páginal) .
As fotos agora utilizam-se de novos recursos gráficos para ganhar ainda
mais destaque, como o recorte e a superposição. Na matéria principal mais de uma
fato é quase sempre editada ao lado do texto. Os acidentes, as rebeliões, os crimes,
mas também os times esportivos merecem o destaque da fotografia. As entrevistas
podem ser feitas com o sentido de esclarecer matérias publicadas anteriormente e
não envolvem apenas personagens de relevo da sociedade. E ainda do ponto de vista
gráfico o jornal assume definitivamente a edição das matérias em duas colunas,
introduzindo a manchete de página, seguida de subtítulos maiores.
Se as estratégias redacionais e editoriais introduzidas pelo mais novo
matutino carioca são inúmeras, não menos numerosos são os recursos administrativos
e empresariais utilizados para conquistar um pLlblico cada vez mais amplo e
heterogêneo. Afinal o novo periódico, desde o seu primeiro número, pretende ser
"uma folha livre que vai se consagrar com todo o ardor e independência à causa da
justiça, da lavoura e do comércio - isto é, a defesa dos direitos do povo, do seu bem
estar e das suas Iiberdades" 14 •
Na conquista desses leitores, deve ser um produto de venda fácil e intensa.
E o preço determina essa característica.
Assim, o jornal é um dos mais baratos da cidade, custando o exemplar
avulso 100 réis, e as assinaturas que inicialmente são de 30$000 a anual e 19$000 réis
a semestral, diminuem de preço em 1904, passando para 25$000 e 16$000.
Na concepção expressa inúmeras vezes pelo periódico a circulação
determina a sua própria prosperidade. "Desde que o jornal perde a circulação, perde
os anúncios. O negociante paga o seu anúncio para que ele seja lido", afirmam em
19021.1. A busca permanente de leitores leva a criação de outras seções de pequenos
anúncios, onde os oferecimentos e pedidos de emprego, ao lado dos aluguéis de casas
simples se sucedem. Mas não basta apenas criar esse espaço: é preciso torná-Io
acessível ao bolso de um público leitor mais amplo. Pedidos e Ofertas de Empregos
criada em junho de 1902 se transforma, dois anos depois, numa coluna mais
abrangente, incluindo aluguéis residenciais, cujos pequenos anúncios podem ser
negociados pelo dobro do preço da vencia do exemplar avulso: 200 réis.
A estratégia empresarial adotada com o intuito claro de conquistar leitores
é apresentada como mais uma benevolência e um serviço ao público prestado pelo
periódico:
"Atendendo à situaçâo difícil que aflmessa o país, trazendo afalta de colocaçâo, onde
honestamente se possa ganhar os lIIeios de subsistência, e desejando o Correio da Manilâ ir em
auxílio dos lIIais necessitados, proporcionando-liles ocasiâo dejácillllente adq/tirir elllpregos,
resoli'el/lOs estabelecer para os pequenos al/líncios IIII/atabela de preços que esteja ao alcance
dos lIIenos fal'Orecidos pelafortuna".
E continuam:
"Assim, os muíucios de letras, pediudo emprego ou empregados, custarão de agora em diante a
insignificante quantia de 200 réis. Tendo em vista ofato de ser o Correio da Mallhã ojomal
mais lido, éfácil compreender a extraordinária circularão do al1líncio podendo-se com aquela
quantia, em poucos dias, conseguir um/ugar para proporcion~rtféssririo à subsistêucia ".
A justificativa para cobrar igual quanti, para os anúncios de aluguéis é do
mesmo gênero: ajudar aqueles ue não uem nada além da intermediação que o
jornal pode oferecer. "O mesmo preço cobramos para os anúncios de casa, visto
desejarmos com o maior número de oferta proporcionar ao pobre um meio de escolher
a residência e não ter dificuldade em encontrá-Ia ao alcance de sua bolsa"'6.
À política da venda barata do periódico, ao lado dos anúncios a preços
reduzidos, somam-se os brindes oferecidos pelo jornal em datas especiais, como um
livro no final do ano, ou cupons que davam "ao portador o direito de comprar na
Farmácia N.S.GIÓria um sabonete por $500 e um vidro de Bromil por I$000", entre
outros do gênerol] .
Assim, o Correio da Manhã que naquele 15 de junho de 190 I tirou três
mil exemplares da sua primeira edição numa velha máquina impressora, orgulha-se,
já em 1903, de imprimir 30 mil exemplares, que são distribuídos pela cidade, pelo
estado e por outras unidades da federação e destacam, a partir de 1910, a impressão
em modernas máquinas rotativas Marinoni e em papéis da Casa Prioux & Cia, de
Paris.
O último dos grandes do Rio de Janeiro que participa, ainda que com
menos intensidade, dessa revolução no jornalismo carioca é o matutino O Paiz.
Instalado num casarão da Rua do Ouvidor, o jornal é vizinho ao Jornal do
Commercio, desde I de outubro de 1884. Nos seus primeiros anos é dirigido por
Quintino Bocayuva, seu mentor intelectual, com a ajuda financeira do proprietário,
o comerciante João José dos Reis JLlIlior, o Conde São Salvador de Matosinhos.
"junto ao pardieirooude se instala o 'jol'llal do Com macio 'fica o pardieiro de 'o' que é
como se chama, el1/âo, o 'O País', casarrio velho, sombrio, a pedil; COII/Oo seu companheiro de
lado, a esmola de I/ma boa picareta, a gmça de um desabamento, 01/ el/.trio, UlIlincêl/.dio
providencial. Em cill/a está a redaçrio. Em baixo, a loja da gerêl/.cia, com o seu longo balcrio,
as mesas da cOlltabilidade e unws quatro ou cil/.co portas abrindo pam a ma "52.
A descrição ficcional, percebida como invenção da narrativa, com o autor
colocando no texto a carga inventiva da ficção e simultaneamente o tempo da sua
vivência pessoal - contida nas memórias e relatos -, revela uma construção que em
nada se parece com o caráter monumental do novo prédio do jornal, na Av. Central.
A prosperidade do periódico, a partir do instante em que passa a ser propriedade do
polêmico João Lage, pode ser detectada não só por números extremamente reveladores,
mas pela própria suntuosidade da sua sede, de quatro andares na esquina de Rua Sete
de Setembro, com 20 metros de altura e 36 metros de frente, para onde se muda em
novembro de 19045).
Se a própria qualificação do velho prédio como pardieiro, deve-se em
pal1e a comparação do autor com os novos endereços para onde se mudam - O Paiz,
o Jornal do Commercio e o Jornal do Brasil constróem sedes monumentais na
Av. Central -, a descrição revela uma característica comum desses periódicos. O
isolamento e o destaque dado à redação, a partir do momento em que há uma nítida
divisão do trabalho no interior dessas empresas.
No primeiro andar, na redação, ficam o diretor, que pode ou não acumular
as funções de redator-chefe e o secretário - figura indispensável nos jornais a partir
desse instante, pois é quem faz a ligação da redação com as oficinas - e os redatores
e repórteres, responsáveis por colunas e coberturas fixas.
Enquanto que na parte administrativa, frontal à rua, facilitando o próprio
atendimento do público, o movimento maior é pela manhã e a tarde, no primeiro
andar o burburinho de pessoas se inicia invariavelmente a pal1ir das 18 horas. Os
repórteres e redatores, nos matutinos, trabalham à noite, premidos pelo tempo, já
que agora os jornais têm hora exata para serem distribuídos. As oficinas, em
contrapal1ida, ocupam quase sempre os fundos do andar térreo.
Começando a circular em I de outubro de 1884, o jornal tem como redator-
chefe, Quintino Bocayúva e é uma publicação modesta, de quatro páginas, ocupadas
por artigos de cunho opinativo.
Essa primeira fase, definida pelo próprio periódico como a de "primitiva
feição do jornal", vai até 1899, quando Quintino se afasta da redação, sendo substituído
no seu posto por Eduardo Salamonde. A partir daí "O Paiz pode fixar definitivamente
o seu feitio de imprensa neutra, sem sobrepor aos princípios e ao seu critério particular
a invariabilidade dos homens e dos p3l1idos"54. Em 21 de outubro de 1891 é constituída
a Sociedade Anônima O Paiz, com o capital social de 4.000:000$000. O maior
acionista é Pedro de Almeida Godinho.
Ainda em 1899, o Conde Matosinhos se retira da sociedade, passando o
jornal a ser propriedade de Francisco de Paula Mayrink, Rodolfo de Abreu, Belannino
Carneiro e Manoel Colta. Durante esse período, Antônio Leitão acumula o cargo de
diretor de redação e dos serviços anexos (composição, impressão, etc.). É nessa
segunda fase que entra para o jornal como gerente comercial João ele Souza Lage.
Em 1904, o controle elo jornal passa, numa transação escusa, para João ele
Souza Lage, elescrito pelos cronistas da época como "um amigo incondicional de
toeios os governos". Lage, que era gerente elo jornal, aproveita a iela elo principal
acionista para Portugal, para com a cUuelaexplícita elo Banco da República conseguir
um empréstimo para a compra das ações ele Goelinho, logo que este regressa ao
Brasil. O inimigo número um ele Edmundo Biltencourt, a quem chamava pelas páginas
do Correio da Manhã de "estelionatário" e "gatuno", chegando a mover contra ele
uma denúncia formal na Justiça, compra pela quantia de 500:777$961, em dinheiro
e títulos, o direito de ser o proprietário da Sociedade Anônima O Paiz.
Para isso, faz um empréstimo no valor de 375:000$000, ao Banco da
República, em 17 de fevereiro de 1905. No ano seguinte efetua um outro empréstimo,
no mesmo banco, nos meses de novembro e dezembro no valor de 279:000$000. "O
contrato de empréstimo, garantido pelas imaginárias debentures, feito sob a influência
e proteção do conselheiro Rodrigues Alves, não~i ha prazo fi~o: o seu vencimento
ficava ao arbítrio do Banco, mediante aviso prévi (doc. n.8)")).
Com a mudança de propriedade, ml ôa também a chefia de redação.
Quintino Bocayúva se afasta da Presidência da 9iretoria da Sociedade desde abril de
1902, passando a ter o cargo de Presidente \fIonorário de O Paiz. Nessa mesma
Assembléia, Eduardo Salamonde é mantido na chefia de redação. A Assembléia
Geral dos Acionistas em agosto de 1904 e ge nova diretoria - composta por João
Lage, Quintino Bocayúva e Rodolpho A eu - e ratifica a substituição de Eduardo
Salamonde da chefia de redação, em ra ao de seu estado de saúde, por Dunshee de
Abranches. No ano seguinte, Alcindo G anabara assume o cargo. Salamonde volta a
ser redator-chefe do periódico em 1910. essa época, o controle acionário da Sociedade
Anônima O Paiz é dividido entre João Lage e a família Sampaio, primeiro representada
pelo banqueiro Franklin Sampaio e, após a sua morte, por seu tio José Fen'eira
Sampaio.
Do ponto de vista redacional, O Paiz também separa a notícia do
comentário, criando a tradição da coluna no canto esquerdo da primeira página para
o artigo literário. Nela colabora por muito tempo Carlos de Laet, com a rubrica
Microcosmo, mantida anteriormente no Jornal do Commercio.
O Paiz desse início de século ainda lembra o periódico de 1884, quando
anunciam uma tiragem diária de 12 mil exemplares. Em 1900, ainda com as mesmas
quatro páginas impressas, escondem propositadamente esse número no slogan "O
Paiz é a folha de maior tiragem e de maior circulação da América do Sul".
O exagero é flagrante. A sua própria estrutura redacional, comparada com
a de outros diários, invalida essa afirmativa. Com parcos recursos gráficos, com
poucas ilustrações, também dão destaque à literatura. A crítica literária assinada por
Frota Pessoa ocupa o espaço nobre da primeira página. Ao lado, os Telegramas
reproduzem as notícias do exterior, dividindo a página com pequenas notas policiais.
Na dois, publicam o Memorial, Avisos Especiais, Declaracões e o Folhetim.
Eventualmente divulgam as críticas e anseios do público na coluna Oueixas e
Reclamações. Medeiros e Albuquerque, Aluísio de Azevedo, Gonzaga Duque, Júlia
Lopes de Almeida são os seus colaboradores mais ilustres.
Por outro lado os apelos freqüentes para que "os velhos assinantes e bons
amigos" renovem a assinatura mostra o quanto é exagerado o slogan em que se
atribuem a maior tiragem da América do Sul. "Esperamos por todo este mês, a visita
de nossos velhos assinantes e bons amigos, fazendo-nos em vales do Correio as suas
ordens de reforma de suas assinaturas( ... ). Havemos de corresponder a esse apoio".
Para conseguir essa renovação não só oferecem brindes aos seus assinantes
_o Almanaque de O Paiz é um exemplo, com 30 mil exemplares, dos quais há ainda
uma sobra vendida avulsamente no escritório, o que prova mais uma vez os números
falsos de sua tiragem -, como enumeram os avanços em termos editoriais.
"Do dia I dejaneiro elll diante, selll qnerelllos exporprogralllas espetaclllares, prollletelllos qlle
!lavelllos de dar na I'ista COIIInotáveis reforlllas. Alllllentará o nlílllero de páginas, o lUílllero de
seções, extraordinarialllente o nosso sen'iço de inforlllações do exterior e dos estados, elll
telegralllas e elll correspondências".
E numa atitude claramente política, defendendo o interesse dos grupos a
que estão vinculados, proclamam que o Estado do Rio vai merecer uma especial
atenção. Isso já é previsível em função do cargo ocupado por seu antigo redator-
chefe Quintivo Bocayúva. "O Estado do Rio vai merecer-nos uma particular atenção,
publicaremos tudo que, oficial e particularmente seja do seu direto interesse"'!>.
Adotando mudanças gráficas e editoriais com mais lentidão do que os seus
concorrentes, O Paiz, a partir de 1905, aumenta extraordinariamente o número de
suas páginas, em função dos anúncios, principalmente oficiais, que publicam
diariamente. Os Atos Oficiais da Prefeitura ocupam por vezes até 10 páginas do
periódico. Paralelamente à publicação desses editais, também não poupa elogios a
todos os governos. "Surpreende a quantos passam pela praia de Botafogo o andamento
das obras da Av. Beira Mar que está sendo construída com tanto carinho pela
Prefeitura como um embelezamento a mais com que ela vai dotar esta capital"') .
As mudanças editoriais se limitam à publicação das primeiras entrevistas
e de manchetes em quatro colunas, como na edição de 8 de outubro de 1905, quando
em duas páginas anunciam "As Grandes Manobras", enfocando os exercícios
simulados dos militares em Santa Cruz.
Só cinco anos depois começam a adotar, com mais intensidade, as
inovações do jornalismo de então. Em 1910, as ilustrações são freqüentes tanto no
interior, como na primeira página, bem como passam a publicar as primeiras
fotografias. Os atos oficiais da Prefeitura continuam merecendo destaque, sendo por
vezes divulgados até na primeira página, como, por exemplo, quando transcrevem o
Decreto 757 prorrogando o orçamento de 1909 para o exercício de 191O'x.
A polêmica entre o jornal e o Correio da Manhã é, sem dúvida, o grande
destaque do ano. Apoiando claramente a eleição do Marechal Hennes da Fonseca, O
Paiz se indispõe com o jornal de Edmundo Bittencourt que sustenta a candidatura de
Rui Barbosa. Poucas semanas antes das eleições, começa a transcrever artigos do
Correio, mostrando as contradições do periódico em notícias anteriores em que
elogia o Marechal Hermes e critica o Senador Rui. A indignação de Edmundo
Bittencourt manifesta-se pelas críticas ferozes que veicula nas páginas do Correio
contra João Lage. Em resposta, o diretor de O Paiz chama-o de epitélico, patife,
miserável e uma série de outros adjetivos de igual te r59•
Justificando e tentando desvendar os f tos que o levam de gerente à
proprietário do periódico, João Lage traça a su trajetória no jornal, cometendo,
entretanto, algumas inverdades. Afirmando que terreno da Av. Central, dado como
hipoteca a um empréstimo, de sua exclusiva p priedade e adquirido por 140 contos
de réis, o ex-gerente do jornal contradiz o qu está expresso no relatório da comissão
construtora da Av. Central, onde consta qu o terreno da esquina com 7 de setembro
foi comprado em 7 de maio de 1904 pel própria Sociedade Anônima O Paiz e por
40 contos de réis!>1i.
"Quando o DI: Alllleida Codinho entrou pé "(I o País, era eu proprietário da lIIetade das ações
da elllpresa, seu diretor-gereI/te e til/ha COlltOcOlllpal/heiros de diretoria o lIIel/ qllerido lIIestre e
afetuoso allligo Qllil/tino Bocayúva e o corol/e1 Rodollo de Abreu. IlIcolllpatibilizado COIIIo D,:
Codinho paguei-lhe 508 contos, se nrio lIIefalha a lIIelllória, illlportâl/cia total COIllque el/trou
para a elllpresa. Para realizar esse pagalllel/to fiz ullla operaçrio hipotecária COIIIo cOl/de de
Modesto Leal, 1/.0 valor de 230 cal/tos e obtive o restante, por adial/talllento feito pelo SI:
Visconde de Moraes, por cal/ta da hipoteca do prédio da Av. Cel/tral, cujo terreno já eu til/ha
adquirido porl40col/tos de réis, pagos elll boa espécie"ó1.
Dois dias depois, João Lage publica, ainda na primeira página do jornal,
três recibos de Almeida Godinho referentes à venda do jornal. E termina o artigo
vociferando mais do que nunca contra Edmundo Bittencourt.
"Meslllo COIIIas I'el/tas sangrando elll petição de lIliséria, não te largo o cOllgote, continuo a
esfregar-te ofocinho na tua prosa infecta, para que o público que te vel/deste, lIIiserável e por
isso te desdizes, e por isto viraste a casaca, e por isso arrellletes cOl/tra lIIilll elllfiíria de
epiléptico. A tua baba I/rio lIIe atinge, leproso. A transcriçrio aí está.
Lê, lIIiserável! lê... lê... lê"ó2.
Tendo sempre elogios para os governos de quem recebe claramente apoio
sob forma de publicidade, O Paiz atravessa toda a década de 10 envolvido em
escândalos, criticando os jornais concorrentes e sendo achincalhado por eles, Illas
sobretudo valendo-se de suas estreitas relações com o poder para continuar se
mantendo, apesar de ser cada vez maior a sua distância em lermos de crescimento
empresarial em relação aos concorrentes. Essa defasagem se reAete no número de
leitores.
Para conseguir aumentar sua circulação vale-se de inúmeros expedientes
como o de - inspirado "num conto do vigário", segundo sLlas próprias palavras -
oferecer, em troca da assinatura do jornal, uma mercadoria, a ser retirada nas casas
comerciais listadas, no valor do que fora gasto.
Para isso, apesar de anunciar com grande alarde "O Paiz grátis", na verdade,
aumentam a assinatura de três para seis mil réis por mês. Ao pagar, o assinante
recebe um "bond", "que será aceito pelo seu valor integral, como pagamento das
mercadorias que forem compradas nas casas cujas listas abaixo publicamos".
"Por umafeliz combinação com importantes casas comerciais dessa cidade conseguimos
resolver UlII problema do máximo interesse. O Paizpode ser lido diariamente, sem que a
assinatura custe um real( ...). Opreço da assinatura do Paizjica sendo de 6 mil réis por mês. A
assinatura pode ser tomada pelo tempo que quiserdes, desde um mês até 12 meses. Haverá
alguém que não deseje receber diariamente O Paiz, em sua casa, sem que isso lhe custe um real,
sequer?"ó3.
A mesma estratégia é estendida para os assinantes da capital paulista,
onde a assinatura mensal é mais cara: 9 mil réis. Essa assinatura, tal como no Rio, dá
direito a retirar mercadorias em farmácias, chapelarias, padarias, papelarias, fazer
gastos em hotéis e restaurantes e retirar cupons de ingresso em cinematógrafos.
A relativa prosperidade do jornal no início da década de 10 não impede a
sua "quase falência", já 1915. Começa aí uma longa crise, atribuída ao aumento do
preço do papel de imprensa e a diminuição geral da sua receita, e que culmina com o
incêndio na sede do jornal dois anos depois. O prejuÍzo expresso no balanço de 1915
é superior a 300:000$000. No ano seguinte, mais uma vez, amargam novos prejuízos.
Em 1917, o jornal deve mais de 590:000$00004 •
A comparação das fontes de renda mais tradicionais dos principais
periódicos da cidade - a venda de números avulsos, o preço da assinatura e o valor
dos pequenos anúncios - são indicações mais do que suficientes para mostrar que
esses não conseguem a sua prosperidade econômica com estas rendas. Na verdade, a
grande receita dos periódicos é resultado de ligações políticas com grupos dominantes.
Assim, enquanto o Correio da Manhã, segundo denúncias, recebe subvenções do
governo baiano e mineiro, o Jornal do Commercio fica com mais de 50% das
quantias pagas por Campos Sales à imprensa do Rio. Isso sem falar nos valores
recebidos pelo jornal de João Lage ou mesmo pela Gazeta de Notícias.
Por outro lado, ao manter por anos a fio o preço do seu exemplar avulso
em 100$, todos, com exceção do Jornal do Commercio, procuram aumentar o
número de leitores e incutir o hábito de consumo de jornais junto às camadas urbanas.
No que se refere ao preço da assinatura, os números são semelhantes em
todos os periódicos, excetuando-se, mais uma vez, o Jornal do Commercio. Para o
mais tradicional diário do Rio, com um público já conquistado entre pessoas de
maior poder aquisitivo e querendo permanecer como o jornal dos banqueiros, dos
grandes negociantes e dos grandes fazendeiros, não faz parte de sua estraté~ia aumentar
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o seu poder de difusão para um público mais vasto. Para ele, basta continuar seu
trânsito junto aos tradicionais leitores e, por conseqüência, junto ao poder.
Os outros, entretanto, precisam conquistar mercado. Se o público leitor
tradicional é aquinhoado pelo Jornal do Commercio, é preciso criar necessidades
num outro tipo de público, para quem o preço da enda avulsa e das assinaturas
pesam no orçamento doméstico. Assim, enquant que o Jornal do Commercio
mantém inalterada em 30 e 60$000 a assinatura, o Correio da Manhã, o Jornal do
Brasil, a Gazeta de Notícias e O Paiz a elam para inúmeras estratégias
administrativas de forma a diminuir o preço d', até então, mais tradicional fonte de
renda.
O valor irrisório dos pequenq anúncios é também uma estratégia
empresarial desses periódicos, que, asisim( demonstram publicamente o seu alcance
perante a opinião pública. Quanto mais equenos anúncios publicam, mas evidente
fica, para os leitores, para os grandes unciantes e para a sociedade pol ítica, o seu
poder junto a um público não alinhado, até então, entre os principais consumidores
desses impressos.
Apesar de ser de difícil apuração, pelas informações esparsas recolhidas
nos periódicos ou nas memórias de época, é possível identificar o Jornal do Brasil
como a maior tiragem e O Paiz como o de menor difusão num período de dez anos.
Enquanto que "o popularíssimo" atinge 60 mil exemplares, o Correio da Manhã, a
metade desse número, apesar de ser recente o seu aparecimento, o Jornal do
Commercio, 20 mil, O Paiz imprime apenas IS mil. Já a literária Gazeta de
Notícias divulga uma tiragem em torno de 40 mil exemplares('\ .
Como o jornal é geralmente lido em voz alta nas rodas noturnas familiares
e pelo menos quatro pessoas tomam conhecimento do conteúdo de um único número,
podemos perceber o poder de difusão desses impressos apesar dos altos índices de
analfabetismo da população.
Se o poder de difusão dos periódicos é inquestionável, ao mesmo tempo
em que é possível aferir a pouca impOI1ância das tradicionais fontes de renda para a
prosperidade econômica dessas publicações, caracterizando esses periódicos do
ponto de vista editorial, pode-se resumir as estratégias editoriais e redacionais
elaboradas para criar o hábito de consumo urbano junto a um públ ico mais vasto.
Nesse sentido, os jornais mais populares são aqueles que se valem, ao mesmo
tempo, do prestígio dos literatos e do diálogo permanente com o público leitor.
Assim, todos os jornais do período - com maior ou menor destaque - destinam uma
parte de seu espaço as "queixas do povo", que percebe nos periódicos uma via de
acesso possível junto às instâncias de poder.
As mudanças editoriais não se limitam, entretanto, a inclusão do leitor nas
suas páginas. Utilizando-se do prestígio e da linguagem dos literatos, acrescentam à
divulgação do folhetim outros tipos de textos literários, ao gosto do público. Crônicas,
poesias, contos, peças teatrais ganham destaque, notadamente nas edições dominicais.
O jornal passa a ser, do ponto de vista editorial, um meio informativo e, ao mesmo
tempo, de entretenimento.
Essa característica de mesclar a informação com as colunas leves ou literárias,
dilui mais e mais a opinião. Para criar o hábito de leitura entre um público de maioria
analfabeta é preciso também vestir os periódicos com a roupagem da ilustração.
Assim, mais uma vez com exceção do Jornal do Commercio, todos os diários
abusam das ilustrações, das caricaturas e das fotografias desde os primeiros anos do
século.
Mas essa verdadeira revolução na forma de fazer jornal não se limita às
mudanças de natureza editorial. Também do ponto de vista da técnica é fundamental
o desenvolvimento de novos artefatos que possibilitam maior rapidez no processo
de produção.
Às primeiras linotipos importadas, em 1897, e adotadas por todos os
periódicos (o Correio da Manhã é o último a se valer da novidade, em 1909), segue-
se a introdução de máquinas rotativas, capazes de imprimir até 20 mil exemplares de
por hora, em todos os diários.
Essas inovações, se por um lado significa uma maior rapidez no processo
de fazer jornal, por outro pel1l1ite a explosão de novas técnicas, como a introdução da
cor, adotada, já em 1907, pela Gazeta de Notícias. Mas, se o uso da cor fica restrito
ao jornal de Henrique Chaves e à Revista da Semana, então uma publicação do
Jornal do Brasil, os avanços na impressão possibilitam a edição de gravuras,
litografias e, finalmente, fotografias.
Criando uma série de estratégias empresariais, editoriais e redacionais, os
jornais procuram fundamentalmente atingir um público cada vez mais vasto. Além
disso a imagem do poder público está sempre presente nos textos impressos,
difundindo uma eficiência, pois fazer-se compreender era também fundamental para
os grupos dominantes. E, para isso, não basta a imposição de normas sociais nas
ruas, é preciso também a unificação do discurso. E a imprensa cumpre esse papel
através dos homens de letras.
Essa idealização do jornalista, o homem de letras, tem no Rio de Janeiro
um campo de atuação ímpar. Numa sociedade com significativos os índices de
analfabetismo, esses intelectuais são assimilados pela sociedade civil, que se utilizam
do seu potencial crítico e criativo.
o homem de letras, o jornalista, o repórter, que figura com destaque nas
listas de profissões, a partir de 1904, no Almanaque Laemmel1, vive muito mais da
sua própria representação e dela aferem proveito!>!>.
Crescendo emparelhado com o processo de mercantilização da cidade, o
jornalista invade territórios até então intocados e zelosamente defendidos. Passando
a ditar modas e novos hábitos, chegam mesmo a desafiar a própri;Jgreja na disputa
pelo controle das consciências. As cartas e consultas às zedaç es manifestam esse
claro poder que a profissão confere.
Impondo uma padronização à linguagem, emJ! gando os intelectuais nas
suas redações, os jornais contribuem para a banalização da linguagem literária. Num
momento em que o analfabetismo impede o deserfvolvimento de amplo mercado
editorial, há que se considerar igualmente-~u~esados impostos sobre o papel de
impressão dos livros, limitam essa ativiga1kedit;rial.
As grandes editoras importam seus livros da Europa e as tipografias
restrigem-se a realizar serviços de pequena monta. Apenas os jornais diários fogem
a esse padrão e, portanto, é nessas empresas que a modernização do selor traz as
maiores conseqüências.
Os intelectuais viam-se, assim, arrastados para o jornalismo, o
funcionalismo e a política. Os jornais, por outro lado, exercem de fato uma força e
uma ação. Aproveitando-se da atmosfera de modernização, de regeneração e de
mudança, promovem campanhas contra os velhos hábitos e pela introdução de
novos costumes, sempre sob a égide de um discurso pretensamente científico, de
fonna a implantar uma nova ordem.
É preciso criar um novo tempo e uma nova representação para o trabalho,
numa sociedade saída da escravidão, onde o que era desvalorizado precisava agora
ser aceito e valorizado. O tempo do lazer deve também ser controlado, diminuído e,
sobretudo, ordenado. Tudo precisa encontrar uma nova ordem. Inclusive os próprios
Jornais.
Porta-vozes dessa remodelação urbana, decifradores do discurso da ciência,
cunham inúmeras fórmulas redacionais para tornar a sua mensagem mais clara para
um número maior de leitores.
Utilizados pelos periódicos para promover essa decifração, muitos dos
jornalistas acreditam, de fato, nesses ideais e submetem-se a sua difusão como forma
de sobreviver como assalariados, de se tornar conhecidos do grande público ou de
subir o primeiro degrau para ingressar na burocracia oficial ou na política.
A imprensa, como o setor mais amplamente ocupado pelos literatos, vive
um período de enorme agitação intelectual. As transformações sociais, econômicas e
políticas influenciam também a prática jornalística.
No caso dos jornais diários, a ansiedade por uma orientação proveniente
das redações e o desejo dos intelectuais de exercer um domínio mais amplo sobre as
camadas letradas dão a esses veículos um poder de ação inusitado, muito distante do
que se pode pretender com a atividade literária. O poder simbólico daquele que sabe
verbalizar os sentimentos pode, através dos jornais, transformar-se em poder de
fato.
Ao lado disso, os longos comentários dos cronistas são restringidos pelo
novo tempo dessa sociedade, na qual também a fotografia e o cinema imponhem um
novo código para as palavras. A leitura deve acompanhar o ritmo do cotidiano, onde
o tempo passa a ser cada vez mais apropriado para o trabalho. Os jornais selecionam
e informam cada vez mais.
Sob a capa da neutralidade, entretanto, escondem-se inúmeras facetas: um
novo tempo mais programado e fielmente dividido; a manipulação das camadas
letradas e a unificação dos discursos da nova ordem.
Notas:
I LOBO, Cordeiro. Como se faz o Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: Oficinas Obras do Jornal do
Brasil, 1896.46 p.
2 Sobre as funções da capital cf. MORSE, Richard. "Las ciudadescomo personas'·. In: HARDOY,
Jorge E. e MORSE, Richard P.(Ed.). Nuevas perspectivas enlos estudios sobre historia latinoamcricana.
Buenos Aires: Grupo Editor Latino Americano S.R.L, 1989 (Colección Estudios Politicos y Sociales), p.
59-76. Ver também ARAÚJO, Rosa Maria Barboza de. Capital Cilies: Rio de Janeiro and Washington aI the
turn ofthe twelllieth centurv. Baltimore: The Johns Hopkins University, Latin American Scminar, 1986,
mimeo, p. 2-10. Idem. A reforma de Paris: o podercle urna capital. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui
Barbosa, Seminário Rio Republicano, oul. 1983, mimeo. Idem. A vocação do prazer: a cidade e a família no
Rio de Janeiro Republicano. Rio de Janeiro: Rocco, 1993, p. 25-40.
3 Sobre o terna cL Humberto Machado Fernandcs. Palavras e brados: a imprensa abolicionista no
Rio de Janeiro (1880-1888). São Paulo, 1991. Tese (doutorado) Institutro de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas - Universidade São Paulo.
4 SINGER. Paul. "0 Brasil no contexto do capitalismo internacional".ln: FAUSTO, Boris (org.).
História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel. 1977, p. 364. LOBO, Eulália Maria Lahymeyer.
História do Rio de Janeiro (do capital comercial ao capital industrial e financeiro). Rio de Janeiro: IBMEC,
1978, p. 156.
5 Lobo, p.448-453-
6 Segundo o crítico José Veríssimo, osjornais mais importantes da cidade possuíam uma tiragem
conjunta em torno de 100 mil exemplares. Cf. Veríssimo, A instrução e a imprensa. Rio de Janeiro: s.e, s.d"
JáOlavo Bilac, no Momento Literário, serefere a uma tiragcm global de 150 mil exemplares.
7ASSIS, Machado de. "O folhetinista". In: O espelho. Ecliçõescrítica de obras de. Rio de Janeiro:
MEC-Civilização Brasileira, 1975. Neste texto. extremamente rico. Machado, que fora colunista fixo da
Gazeta de Notícias até 1897, refere-se à importância do jornal para o folhelinista e à aproximação existente
entre este e o jornalista.
8 Em 1921, o ex-reclatorchefecloJornal do Brasil, Assis Chateaubriand compraria O Jornal, dando
origem ao primeiro conglomerado da imprensa brasileira. Com o apoio de Epitácio Pessoa,Virgílio Meio
Franco e Arthur Bernardes, Chaleaubriand compra por 5.000 conlos de réis o diário de Renalo Toledo
Lopes. O jornal seria o primeiro veículo de uma série de outros ligados à Chateaubriand. Em 1924 funda
o Diário da Noite e qualro anos depois lança a revista O Cruzeiro, que atingira o seu apogeu em 1954, com
a edição nacional de 720 mil exemplares, seguida de uma edição imernacional em espanhol, lançada em abril
de 1957. Posleriormenle, adquire A Cigarra, a Revista do Brasil, funda a Agência Meridional, a Radio Tupi
do Rio e a de São Paulo, a Educadora (mais tarde Tamoio). Quando mOITytl em 1968, a rede de rádios
pel1encenles a Chateaubriand abrangia 25 eSlaçõese fazia parte do congl<)l1feradoa TV. Tupi, de São Paulo
(1950), e a do Rio. Em 1968, os Associados contavam com 18estações ételevisão inslaladas nos principais
eslados. CL TAVARES, José Nilo. "Gêneses do império 'associado' e Assis Chauleaubriand·'.ln: Revista
Comunicação e Sociedade. São Paulo: Cortez Editora, mar. 19. ,p. 144-169.
9Correio da Manhã, 15jun.190 I, p. I.
10 Eslamos compreendendo crônica como u a expressão alegórica, no senlido de Benjamin, ou
seja, em oposição à símbolo. A alegoria despe-sedo elemenlos edificantes e enigmálicos parasetransformar
numa escrila a sercompreendida.ldenlifieand ,como represenlação Iilerária do fragmenlário, do ambíguo
e do elcmero, Benjamin destaca igualmenle a utilização da maneira alegórica para apresenlar o presenle-
narrado já como passado- como ruína. BENJAM IN, Walier. Origem do drama barroco alemão. São Paulo:
Brasiliense, 1984. Sobre crônica ver também ARRIGUCCI JR., Davi. Enigma e coment,írio. Ensaios sobre
literalUra e experiência. São Paulo: Cia das Lelras, 1987.
11 Correio da Manhã, 18 e 22 jun. 190 I, p. 2. Em 1910, Pelos Subúrbios mudar,í de nome para
Correio Suburbano e, ainda no mesmo ano, passou a sechamar Subúrbios e arrabaldes. Para a análise do
jornal que se segue, pesquisamos as edições do Correio da Manhã de 9 jun. 190 I a :1 I dez. 1910.
12 Correio da Manhã, 19 e 20 novo 1905, p.l.
U CL por exemplo asedições dejaneiro e fevereiro de 1909em apoio acandidatura de Rui Barbosa
à Presidência da República, quando o jornal publica, em corpo 48 no título, o regresso do candidato e a
campanha dos estados, ocupando toda a primeira página.
14CorreiodaManhã,15jun.1901,p.1.
15 Correio da Manhã, 24mai. 1902, p. I.
16 Correio da Manhã, 16-17 jun. 1904, p. I.
17Correio da Manhã, 5 mar. 1910, p.l.
18 Cordeiro, p. 16.
19 Jornal do Brasil, 26 jan. 190I, p. 2.
20 Jornal do Brasil, 9 abr. 1891, p. I.
21COELHO, Adalberto. Coisas do Jornal do Brasil. Rio de Janeiro: Tip. Esperanlisla, 1940.
22Corcleiro, p. 18.
nCorreio da Manhã, 10 novo 1904, p.1.
24 Jornal do Brasil, 4jan. 1900, p. I.
25 Jornal do Brasil, 15nov. 1900, p. 2.
26 Jornal do Brasil, Ijan.1901,p.l.
27Jornal do Brasil, 7mar. 1900, p. I.
28 cr. "A infeliz Guilhermina, vílima do desastrede ontem na Rua Benedilinos (croquis tirado do
natural pelo nosso companheiro J. Arthur)". In: Jornal do Brasil, 17jan. 190 I, p. 2 e "O cadáver de Luiz
Carlos da Cunha, a panir de uma fotografia lirada na Casa de Detenção". In: Jornal do Brasil, 11 OUI. 1900,
p.1.
30 SENNA. Ernesto. Jornal do Commercio. Rio de Janeiro: Tip. do Jornal do Commercio, 1901,
16p. eJORNAL DO COMMERClO. Edição comemorativa do primeiro centenário do Jornal do Commercio.
Rio de Janeiro, 1928.
31 JORNAL DO COMMERCIO. Edição comemorativa do 18 aniversário da direção de José
Carlos Rodrigues. Rio de Janeiro: Tip. do Jornal do Commercio, 1908.
32 Carta de F. Picot a JoséCarlos Rodrigues, 4 ago. 1889.Correspondência passiva de JoséCarlos
Rodrigues. Seção de Manuscritos Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro.
33 JORNAL DO COMMERCIO. Palavras de José Carlos Rodrigues no lançamento da pedra
fundamental do novo edifício do Jornal do Commercio. Rio de Janeiro: Tip. do Jornal do Commercio, 14jun.
1906
34 Jornal do Commercio, 1I abr. 1892, p. I.
35 Jornal do Commercio, 7 maio 1907, p. 2.
36 Jornal do Commercio. 12jan. 1912. p.l
37 Jornal do Commercio. op. cit., 1928, p. 769-71.
38 Em maio de 1907 publicam, por exemplo, uma série de reportagens assinadas por Euclides da
Cunha sobre a Transacreana. Cr. Jornal doCommercio, maL 1907, p. I.
39 Veríssimo, op. cit.. p. 72.
40 Gazeta de Notícias. Prospecto. s.d.
41 Chama-se suelto o pequeno texto opinativo, mas com característica jocosa e humorística,
publicado pelos jornais brasileiros desde o início do século.
42 João do Rio trabalhou durante onze anos na Gazeta. chegando a ser seu redator-chefe em 1911
Em 191.) abandona ojornal, na época de propriedade de Oliveira Rocha, e vai para O Paiz.
43 EDM UNDO, Luiz. O Rio de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro: Ed. Conquista. 1957. vol.
5, p. 922.
44 Os fotógrafos fornecem por suaconta o material a ser usado no trabalho. As chapascustam cada
uma em torno de 10$000. Em 1913, são essesos fotógrafos que trabalham na imprensa diária: F.Garcia,
Arthur Carmo. Carlos Chaplam, Jayme Ramalho, Benjamin Vermont. J. Teixeira. Antenor Sabrosa, Luiz
Bueno. Daniel Ribeiro, A. Prine, Manoel Nunes, Augusto Malta, Mário Aleixo, Capdeville, G. Vieira,
Felippe Jorge, Luiz Almeida, Alfredo Couto e F. Sales. "A fundação da Associação dos fotógrafos de
imprensa". In: O Paiz, 29 OUI. 1913, p.l
45 Os tipógrafos, bem como os revisores ganham diárias: o primeiro de 6$000, e o segundo entre
5 e 8$000. em 1919. Na mesma época a diária de openírio da construção civil fica em torno de 8$000
(pedreiro). Cr. BRASIL. Recenseamento do Rio de Janeiro realizado em I de setembro de 1920. Rio de
Janeiro: Typ. da Estatística, 1927, Volume V - 2a parte - Salários. A Plebe, 28 mar. 1913 e BARBOSA,
Marialva. Operários do pensamento. Dissertação (mestrado). Instituto de Ciências Humans e Filosofia-
Universidade Federal Fluminense. Niterói, 1991, p. 131
46 Gazeta de Notícias, 7 jan. 1880, p. I.
47 Gazeta de Notícias, n abr. 1880. p. I.
48 "Folhetim da Gazeta de Notícias". In: Gazeta de Notícias. 2 ago. 1875, p. I.
49 Gazeta de Notícias, 10-11 jun. 1880. p. 2.
50 Edmundo, p. 955-956.
51 PUBLICAÇÕES. Códices45-4-35 e44-4-20. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
52 Edmundo, p. 929.
53 Em 7 de maio de 1904, a Sociedade Anonyma O Paiz, compra por40:000$000 (40 contos de
réis, como se dizia na época) o terreno 500 A, que 05l1P~O um quarteirão na esquina com Rua Sete de
Setembro. Cf. FERREZ, Marc. O ãlbum da Avenidátentral. Um documento fotogrãficoda construcãoda Av.
Rio Branco. Rio de Janeiro. 19ü:1-19~Ri6de Janeiro: João Fortes Engenharia/Editora Ex. Libris, 1983,
p. 170-171,224 ePlanta da Avel}iclcrCenlral e Obras Complemenlares (Anexa).
54 O P3IZ, I out.)91Ó, p. I.
55 Denúl~pÍ'esentada por Edmundo Bitleneourt a I' Vara Criminal, em 4 de abril de 1910, e
transcrita no CorreIO da Manhã, 4 abr. 1910, p. I.
56 a Paiz, 13 dez. 1900, p. I.
a
57 Paiz, 21 jan. 1905, p. I.
a
58 Paiz, 2 jan. 1910. p. I. As primeiras folos são publicadas na pãgina 6 da edição de I1 jan.
59 A polêmica seestendeu por todo o mês de março e final de abril, quando Edmundo viaja para
a Europa, e resultou em duas queixas crimes apresentadas najustiça. A primeira de Edmundo Bittencourt
conlra João Lage, a quejã nos referimos, ea segunda de João Lagecontra Edmundo Biuencoul1 pelo crime
de calúnia. Cf. O Paiz, I mar.1910a22abr. 1910.
60 Cf. relatório da comissão construtora da Av. Central. "Terrenos vendidos", In: O album da Av.
Central, p. 224.
a
61 "Paroxismosde epiléptico·' .•ln: Paiz, 13 mar. 1910, p. I.
a
62 Paiz, 15 mar. 1910. p. I.
63 a Paiz, 6jan. 1910, p. 12.
a
64 Ata da Assembléia Geral EXlraordinãria de 18 novo 1909, publicada em Paiz, 18dez. 1909,
a
p. 3; Balanço da Sociedade Anônima O Paiz de 1915, publicado em Paiz 16jan. 1916. Ata da Assembléia
Geral EXlraordinãria de 30 jun. 1907, publicada em O Paiz, 22 jul. 1917, p. 2.
65 Comenlando o processo de produção do Jornal do Brasil, Adalberto Coelho assim se referiu a
divulgação das tiragens dos jornais: "E no Rio como vai a tiragem? Heis um segredo indevassãvel. Não
hã dentro de qualquer jornal quem informe, com exatidão, sobre semelhante ponto". Coelho, p. 21.
66 Em 1904, o Almanaque inclui uma interessante relação de "Literatos, jornalistas e escritores
de ciência e política e, uma outra alinhando os "Repórteres". Ao lado do nome do jornalista, aparece o
periódico no qual trabalhava. Ao todo são relacionados 28 repórteres. Na relação figuram nomes de
tradicionais repórteres como Ernesto Senna, do Jornal do Commercio, Caslellar de Carvalho, de A Notícia,
a
Gustavo de Laccrda, de Paiz, Baldomero Carqueja, do Jornal do Commercio" e oulros inusitados nessa
classificação, como alavo Bilac e Rui Barbosa. Almanaque Laemmert. Rio de Janeiro: Tip. Universal de
LaemmeI1,1904.
"Sentado li mesa coletiva, no centro da redação, durante aqueles dois dias eu me
mantive quase sempre silencioso, observando cada um dos jornalistas que escreviam sem
par(lI; também em silêncio, na exeCllção de suas tarefas. De repente a campainha do telefone
tilintou.
- Crime na ma São José. gritou o I'elho Tibúrcio
Todos se entreolllGram como ({indagar quem correria para o local.
- Vá l'ocê 'fazer este crime '. Veja ofotógrafo. " I
por PeSfira Passos), antes de ser deputado federal, senador (1921) e Ministro de
~dÔ (1923-1926). Ao deixar o Ministério, torna-se proprietário do Jornal do
~ommercio, embora já sendo acionista desde 1916.
O redator-chefe do Jornal do Brasil a partir de 1894, advogado, formado
por São Paulo, em 1879, idealizador, fundador e professor da Faculdade Livre de
Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, Fernando Mendes de Almeida,
torna-se senador, em 1910, depois de sua passagem pelo mais popular periódico
da cidade. Dunshee de Abranches também diretor em O Paiz, em 1914, é eleito
deputado pela Assembléia Legislativa do Maranhão, em 1903, e dois mais tarde
será deputado federal, cargo que ocupa até 1917. Alves de Souza e João Maximiniano
de Figueiredo, ambos dirigentes de O Paiz, também se elegem deputados federais.
Tal como o advogado, o jornalista procura agir como árbitro das questões
políticas. Para isso, assume o papel de denunciador. A sua tribuna é o jornal e a
audiência o público leitor. O habilus do jornalista, ao contrário do advogado, não
evoca a neutralização do conflito, mas seu estímulo. Dessa forma, sua posição
como juiz entre as partes fica mais evidente.
Por outro lado, atribui-se o papel de defensor da verdade, da
imparcialidade, de porta-voz das causas nacionais. Ao habilus do advogado,
acrescente-se outro extremamente particular: o de fiscalizador das ações no domínio
do público, seja na sociedade política, seja na sociedade civill\ Essa posição repleta
de simbolismo, não apenas por ser dono de um saber, mas por ser capaz de
divulgar idéias e opiniões, disseminando conceitos e modos de pensar, deve ser
assumida por quem estiver preparado para desempenhar esse papel. E o capital
simbólico necessário é fornecido pelo saber acadêmico, notadamente no curso que
ocupa o topo da hierarquia entre os saberes de nível superior no início da República.
Embora também possuam uma condição de classe que os distinguem,
todos ocupam efetivamente a mesma posição de classe e é aí que residem suas
similitudes. lndependentemente dos laços de parentesco, das tradições e da situação
financeira das famílias, são igualados pela representatividade da profissão: do
aristocrata José Carlos Rodrigues, ao bacharel Edmundo BiUencourt e até mesmo
o português parcamente alfabetizado João de Souza Lage.
Como donos de jornais são poderosos. O jornal é capaz de derrubar
ministros, promover campanhas, influenciar as elites e disseminar conceitos e
formas de pensar entre o restante da população.
Se trabalhar num jornal fornece um slalus peculiar, ser dirigente produz
um poder inigualável.
"Veiga Filho acavolt de ler a /lotícia /Ia /I/eio da sala, cercado de redatores e repórteres.
Enqual/to ele lia cheio de paixão, esquecido de quefora ele mesmo o autor de trio lindos
elogios,jiquei também esquecido e cOIll'el/cido do seul/wlabarisl/w vocabulw; do sopro
heróico de sua palavra, da sua emdição e do seu saber Cessando, lembrei-me que amanhei
aquilo ia ser lido pelo Brasil boquiaberto de admiração(. ..). Naquela hora, presell.cial/do
tudo aquilo. eu Sei/ti que tinha travado conhecimelllo com um eIlgenhoso aparelho de
aparições, espécie complicada de tablado de mágico e espelho prestidigitadOl; provocando
ilusões,fal/tasmagorias, ressurgimentos, glorificações e apoteoses com pedacinhos de
chumbo, uma máquina Marinoni e a estupidez dos multidões. Era a Imprensa, a Onjpotente
Imprel/sa, o quarto poder/ora da Constituição "M.
O "engenhoso aparelho de aparições que provoca ilusões, glorificações e
apoteoses" é capaz de promover campanhas, arrebatar multidões, influenciar a
sociedade política e civil.
Ficção e realidade se misturam no início da República. Tanto num domínio,
como no outro, a evidência de que os jornalistas - dirigentes ou não - possuem um
capital simbólico suficientemente expressivo para participar do jogo de poder. O
jornalista como produtor de bens simbólicos encarna a pessoa do "criador",
produzindo uma originalidade que enfoca principalmentea vida social. Produtor de
mensagens para a "pessoa do leitor", transforma-se num verdadeiro formados de
conceitos, normas e padrões permitidos e cuja vulgarização é necessária.
91bidem, p. 203-313-
10MENDONÇA, Sônia Regina. Ruralismo: agricultura. poder e estado. São Paulo, 1990. Tese
(Doutorado) Instituto de Filosol'ia, Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo. p. 243-
245.
II HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raizes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993, p.
113-125.
12ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 95-107.
13Sobre o curso de Direito em São Paulo, cf. Adorno, especialmente capo 3, "O liberalismo
sobre as Arcadas: o confronto entre a academia formal e a academia rural". Sobre a eseola de Recife e I'.
SPENCER, Roque. A ilustração brasileira e a idéia de universidade. São Paulo: Convívio/Edusp,
1959, p. 154-158.
14A interessantíssima correspondência privada de José Carlos Rodrigues mostra esse papel
que o dirigente exercia, se tornando mesmo um verdadeiro poria-voz dos Governos Prudente de Morais,
Campos Sales e Rodrigues Alves. Sobre a vida de José Carlos Rodrigues, cf. Também CARDIM, Elmano.
Na minha seara. Rio de Janeiro: s. e., 1949, especialmente "José Carlos Rodrigues, sua vida e sua obra".
Conferência realizada em 5 set. 1944, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em seção solene
comemorativa ao centenário do jornalista.
15Sobre o conceito de habillls cf. Bourdieu. P. Bourdieu concebeu o conceito como uma recusa
um ceno mecanicismo e psicologismo comum às ciências sociais. Desejando por em evidência as
c, pacidadcs criadoras, ativas c inventivas do sujeito, o sociólogo chamou a atenção para a idéia de que
est~Doder gerador - o habillls - não é o de um espírito universal, de uma natureza ou de uma razão
hum1~a. Como mostra a palavra, habilll:i é um conhecimcnto adquirido e, diz literalmente Bourdieu,
"um h~ver, um capital de um sujeito transcendental". O habitus indica a disposição quase postural de
um agente em ação. Bourdieu, "Gênese do conceito de habitus e de campo". In: op. cit., 1989 e tamhém
"Onthe literary history". In: Poetics, vaI. 14, n. 3/4, ago. 1985, p. 199-207.
16Barreto, op. cit., 1984, p. 84. Vciga Filho é na verdade Leão Veloso Filho, redator chefe do
Correio da Manhã.
17 MENEZES, Raimundo de. A vida boêmia de Paula Nei. São Paulo: Marlins Ed., 1957, p. 39.
18 José Carlos de Carvalho, na época tenente de Armada Nacional e, posteriormente, deputado
federal; José Augusto Neiva, deputado federal pela Bahia; Manuel da Silva Pontes Jr., cônsul geral em
Buenos Aires; Manuel Ernesto Campos Pano, oficial da Secretaria do Senado Federal e Maximiano ,,'
Serzedelo, oficial da Diretoria dos Correios. Citado por Menezes, p. 66-67.
19 Netto. p. 5 I-52.
20 JORNAL DO COMMERCIO. Felix Pacheco. Rio de Janeiro: Tip. Jornal do Commercio,
1952, p. 69.
21 Discurso de Júlio Barbosa, por ocasião do seu cinqüentenário como jornalista, em 1944,
transcrito por GUASTINI. Mário. Tempos idos e vividos. São Paulo: Ed. Universitária. 1944. p. 41
22 Estudando 200 intelectuais que compunham a chamada Repúhlica das Letras, no período
1870-19.10, A. L. de Machado Neto contabilizou 52,5% com formação superior em Direito, 14,5% em
Medicina e 8,5% em Engenharia. Os oriundos das escolas militares ocupavam a quarlacolocação. Segundo
o sociólogo 86% dos intelectuais pesquisados tinham curso superior, completo ou não, 8,5% possuíam
formação secundária, .1.Wr nível primário e apenas 2% eram autodidatas. Machado Neto, A. L. de. Estruturà
social da República das Letras (Sociologia da vida inlelectual brasileira - 1870/1890). São Paulo:
Grijalbo-USP, 1979, p. 252.
2.1ROURE. Antenor de. ·'Recordações'·. In: Jornal do Commercio, 1928, p. 751-2.
24MAUL, Carlos. Grandezas e misérias de vida jornalística. Rio de Janeiro: Liv. São José,
1968, p. 50.
25 BILAC, Olavo. Ironia e piedade. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1916.
26 Bourdieu, 1987. p. 189-192 e 227-.112.
27JORNAL DO CüMMERCIO. Júlio Barbosa. Riode Janeiro: Tip. do Jornal do Commercio,
1950,75 p.
28 Jornal do Commercio, 1952, p. 26
29Barrelo. 1984, p. 2.1-
.10Menezes.op. cit.. p. .19.
.1lCarta de Paula Nei a Coelho Neto, citada por Menezes, op. cit., p. 97 .
.12Sobre José de Patrocínio, seu pensamento, suas contradições, sua trajetória de vida e o seu
papel nojornalismo abolicionista, ct'. Fernandes.op. cit., 1991.
.1.1Menezes, op. cit., p. 97 .
.14lbidem, p. 85 .
.15Sobre o papel do Estado como fornecedor da remuneração ao escritor e sobre a questão do
público leitor ct'. também CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. São Paulo: Cia Editora Nacional,
1967, p. 90-102 .
.16Menezes, op. cit., p. 97 .
.17Neto. Coelho. Fogo fátuo. Porto: Livraria Chardon, 1929, p. 27. Coelho Neto escreveu dois
romances em que Paula Nei é o personagem central: A conguista e Fogo fátuo .
.18Candido.op. cit.. p. 86-87 .
.19R10, João do. O momento literário. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1994, p.
11. e Sevcenko, op. cit.. p. 88-89.
40Rio, op. cit, 1994, p. 4-9.
41 Bourdieu, op. cit., 1979. Pierre Bourdieu nesta obra analisa, sobretudo, as ingerências do
capilal escolar até sobre elementos, em princípio, estranhos a este meio. como gostos, identidades, etc.
Para ele as ações de inculcação e imposição de valor da instituição escolar contribuem para constituir
a disposição geral de uma culiura legítima que tende a se aplicar para além dos limites escolares, tomando
a forma de uma propensão "desinteressada".
42Bilac, Crítica e fantasia. Lisboa: Liv. Clássica Editora, 1904, p. 224-225.
4.1CAMINHA, Adolfo. Cartas literárias. Rio de Janeiro: Tip. Aldino, 1895, p. 1.1-14.
44No início do século o Jornal do Commercio paga .10, 50 e até 60 mil réis pela colaboração
literária e o Correio da Manhã 50 mil réis. Em 1907, Olavo Bilac e Medeiros e Albuquerque têm ordenados
mensais pelas crônicas publicadas na Gazeta de Notícias e no Paiz. O mesmo acontece com Coelho Neto
no Correio da Manhã. Humberto de Campos recebe, em 1915, .100 mil réis e Alphonsus de Guimarães
400 mil réis em 1906. Já o Jornal do Commercio paga a Constâncio Alves 50 mil réis por uma crônica
s~manal por 30 anos a fio. Cr. Machado N~IO,op. cil., p. 81-83.
45Carta d~ Edmundo Bill~ncourt a Co~lho N~to, 20 lá 1904. Anais da Bibliot~ca Nacional,
vol. 78. Rio d~ Jan~iro: Biblioteca Nacional - Divisão d~ Publicaçõ~s, 1963, p. 98-9.
46Carta de Edmundo Bill~ncourt a Co~lho N~to, 9 dez. 1902. Ibid~m, 97-8.
47N~ed~ll, op. cil., p. 236-237.
48lbidem.
490T Á VIO, Rodrigo. Minha m~mória dos outros. Rio d~ Jan~iro: JoséOlímpio Ed., 1934, p.
50N~IO, A conquista. Porto: Livraria Chardron, 1913, p. 189. Aluísio d~ Az~vedo é, na ficção
de Co~lho N~to, personificado por Ruy Vaz, ~nquanto Paula N~i é Paula N~iva.
5 lidem, op. cil., 1929, p. 75-76.
52BROCA, Brito. A vida Iit~rária no Brasil - 1900. Rio d~ Jan~iro: Ministério da Educação
- Serviço de documentação, s. d., p. 44-49.
53Carla d~ Pardal Mallel, citada por M~n~zes, op. cil., p. 258.
54Broca, op. cil., p. 22-23. Também BastosTigr~ r~f~r~-s~ao fato d~a Cidad~ do Rio s~ro Q.G.
da literaturajornalística ou do jornalismo literário. ~mbora Patrocínio pagass~mal aos redatores ~ os
ord~anados viv~ss~m ~m p~rmanent~atraso. E acr~sc~nta:"Mas quando algum reclama, s~ele por falta
de numerário não Ih~ acerta as contas, consola, ~ntretanto o reclamanl~. - Quanto você ~stáganhando"
C~m mil réis. - Pois, d~sle mês em diant~, passa a ganhar cento e cinqlienta·'. Cr. TIGRE, Bastos.
Reminiscências. Brasília: Thesaurus, 1992, p. 24.
550 M~io, artigo d~ apr~s~ntação, 17ago. 1889,p. I, citado por Men~z~s,op. cil., p. 178-179.
56M~n~z~s, op. cil., p. 179-180.
57AMM IRATO, Giacomo. Hom~ns ~ jornais. Rio d~Jan~iro: Gráfica Ed. Aurora, 1963,p. 117-
58AMADO, Gilb~rto. Mocidad~ no Rio ~ primeira viag~m à Europa. Rio d~ Jan~iro: José
Olympio, 1956, p. 56.
59Bourdi~u, op. cil., 1982, ~sp~cialm~nle capo I, "A produção e a r~produção d~ uma língua
legítima", p. 23- 69.
60Estamos ~mpregandoo t~rmo intelectual orgânico, tal como o conc~b~uGramsci. Cf. op. cil.,
61Estigmatizado por suaorig~m pobr~ (s~u pai é tipógrafo da Impr~nsa Nacional) e por suacor,
Lima Barreto tenla v~ncer ~ssasmarcas, ingr~ssando na acad~mia, ao mesmo tempo que se inicia no
jornalismo como n:pórter. D~pois colaborar nagrande impr~nsa, ch~gando a s~r r~pórt~r do Correio da
Manhã, Lima Barreto trava forl~ polêmica com Edmundo Bill~ncourt, a qu~m critica rerozm~nt~ nas
Recordaçõ~s do Escrivão Isaías Caminha, e é alijado da grande impr~nsa, passando a escrev~r para
pequenas empresas. A b~bida, os ~sligmas de sua condição de c1ass~I~varam-no a uma decadência
precoce, ao isolam~nto, ao Hospital dos Alienados.
62Bourdieu, op. cil., 1987, p. 192-196. Entendemos qu~ essa dualidade é extremament~
abrangent~ ~ m~r~c~ria um ~studo mais aprofundado, o que, entr~tanto, fog~ ao tema mais amplo dessa
pesquisa.
63Fernandes, op. cil., 1991.O mesmo autor, com~nta ainda a não absorção de Patrocínio entre
os que exerceram um papel atuant~como intelectuais na R~pública, destacandoo fato de o abolicionista
t~r sido colocado em segundo plano, o que se reflete, mesmo, na decadência da Cidade do Rio. Pela
compl~xidade do lema e, fu ndamentalmente, por não ser objeto da nossaanálise, não nos delivemos na
questão.
64 PEDERNEIRAS, Raul. "A vida do estudante do Colégio Pedro 11em 1884·'.ln: MARINHO,
I. e INNECO, L. O colégio Pedro II cem anos depois. Rio de Janeiro: Villas Boas, 1938, p. 50 e MELO
E SOUSA, João Batista de. Estudantes do meu tempo. Rio de Janeiro: Colégio Pedro 11,1958, vol. I,
p. 280-4 e vol. 3, p. 25. Citados por NEEDELL. JelTrey D. Belle épogue tropical. São Paulo: Cia das
Letras, 1991
65lbidem, p. 78-79.
66Até 1851 os exames preparatórios são realizados nas escolas superiores nas quais os
estudantes desejavam ingressar, tendo validade de um ano, e na escola onde eram prestados. Desse ano
até 1871 os exames podem ser feitos também no Riode Janeiro peranteà Inspetoria de Instrução Primária
e Sccundária e. depois. no Colégio Pedro 11:são os chamados exames gerais preparatórios. A aprovação
garantc ao candidato matrícula em qualquer escola superior do Império. A partir de 1873, o exames
passam a ser realizados também nas capitais das províncias, onde não há escolas superiores, perante
delegados do inspetor de instrução e bancas constituídas segundo indicação dos presidentes dessas
províncias. CUNHA. Luiz Antônio. A universidade temporã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1980, p. 114-115.
67Até 1943,com a criação de um Curso de Jornalismo anexo à Faculdade Nacional de Filosofia,
pertcnccnte à antiga Universidade do Brasil. não há curso de jornalismo no Rio de Janeiro, sendo este
uma vertente do curso de Direito. Em São Paulo, o jornalista Cásper Libero, pouco antes da sua morte,
em 1943, rcgistrou em cartório o seu testamento criando a primeira escola dejornalismo do país. Após
a sua morte é celebrado um convênio com a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo,
possibilitando, assim. a implantação do Curso de Jornalismo, um ano antes da Universidade do Brasil,
em 1947. A primcira turma de jornalistas é diplomada, tanto no Rio. como em São Paulo, em 1950. A
primeira proposta para o funcionamento de uma escola dejornalismo foi feita no Congresso Brasileiro
de Jornalistas realizado pela ABI, no Rio de Janeiro, em 1918. Também o projeto pioneiro da
Universidadc do Distrito Federal. de Anísio Teixeira. prevê um curso de jornalismo de caráter reflexivo
e não profissionalizante. Meio, "Cásper Libero, pioneiro no ensino de jornalismo no Brasil". In:
Transformacões do jornalismo brasileiro ética e técnica. São Paulo: INTERCOM, 1994, p. 13-26. SÃ,
Vítor de. Um repórter na ABI. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1955 e "Primeira turma de jornalismo
analisa curso 44 anos depois". In: Jornal da ABI, nov-dez. 1994, p. 7.
68 Sobre os cursos jurídicos no Brasil cl'. BASTOS, Aurélio (org.). Os cursos jurídicos e as
elites políticas brasileiras. Brasília: Câmara dos Deputados. 1978; FACULDADE DE DIREITO DA
UNIVERSIDADE DO RIO DEJANEIRO. Livro do centenário dos cursos jurídicos (1827-1927), vol.
I e 11.Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928; Cunha. op. cit., 1980.
69 Decreto citado por Cunha, Ibidem, p. 110-111.
70 Em 1882, Fernando Mendcs de Almeida funda com um grupo de amigos essafaculdade, que
no entanto não passada ata. Só em 1891, com a reforma Beijamin Constant é que a iniciativa tem êxito.
O crcscimcnto do ensino superior no país seria expressiv~ após essa reforma. Em 1880, há escolas
superiores voltadas para reduzidas áreasdo saber -medicina e cOlTelatas,engenharia e correlatas, direito
e agronomia -localizadas em apenassetecidades e comum número de estudantesque chega a 2.300. Em
1915, há 1.30 I calouros em sete faculdades do país, não incluindo-se nesta cifra os estudantes novos
dc outras 37 faculdades c das duas universidades existentes. Segundo Luiz Antônio Cunha pode-se
estimar o número de estudantes do ensino superior em mais de 10 mil, chegando a 20 mil ao final da
Primcira República. Ibidem, p. 133-134.
71 Schwarcz, O espetáculo das raças. São Paulo: Cia. das Letras. 1993, p. 146-172.
72lbidem, p.148-150
n·íbidem, p. 177-178.
74 Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, n. 169, 1929, citada por Schwarcz. Ibidem,
p. 178.
75 Adorno, op. cit., 1988, p. 142-141
76 Holanda, op. cit., 1993, p. 102-116
77Com urna tiragem de mil exemplares, A Época é fundada pelo acadêmico Manoel Paes Oliveira,
que tal como outros dirigentes ocupam lugares de relevo na política e na burocracia oficial. Manoel
Oliveira é posteriormente Secretário de Fazenda no seu estado (MT); Teodoro Figueira de Almeida,
oficial de gabinete da Presidência da República e, posteriormente, deputado e Mário Newton de
Figueiredo, mais tarde funcionário do Tribunal de Contas da União. O Paiz, 1 nov. 1913, p. 5.
78Fonnado por São Paulo, em 1868, Leôncio Carvalho. proprietário do Correio Paulistano, é
um inlluente político liberal, deputado, ministro do Império, lente catedrático de Direito Constitucional.
Participa da elaboração da Constituição Republicana (1890-1) e colabora também na elaboração da
Constitllição de São Paulo. Calmon, op. cit., 1945, p. 145.
79 "Memória histórica de 1918 da Faculdade Livre de Direito da Capital Federa!"'. In: Ibidem.,
vezes criticada pelos próprios jornais. Em março de 1910, sob o título "O veneno
da imprensa", O Paiz publica uma excelente charge onde um "facínora" rellete:
"Por que não me fiz jornalista? A lei que condena o que esfaqueia o próximo,
protege a liberdade de quem sabe envenenar a reputação de famílias inteiras com a
tinta de imprimir". E conclui, novamente se perguntando: "Por que não me fiz
jornalista? Estaria hoje livre, opulento e temido!"('O
A polêmica, as denúncias das relações dessa imprensa com o poder
político, as intrigas e difamações não são exclusivas das colunas mais famosas. No
restante das páginas, em artigos de fundo e no noticiário, os exemplos dessas
relações e desses favorecimentos são encontrados aos milhares.
Referendando-se como um órgão de combate, o Correio da Manhã
denuncia, com minúcias, esses favorecimentos. Em 190 I, mais uma vez o alvo do
periódico de Edmundo Bittencoul1 é o Jornal do Commercio. Segundo o Correio
"milhares de contos de réis saíram do Banco da República para pagar a jornalistas,
amigos do governo, elogios ignóbeis que depois eram transcritos nos' A Pedidos'
do Jornal do Commercio". E acrescentam:
"A custa do Banco da República viviam. em arranjos e negócios. os adeptos do SI: Campos
Soles e do seu Ministro da Fazenda. Era preciso comprar na imlJl'ensa IlIn coro unânime de
aplausos para o goremo que tais alas praticam, era preciso, para iludir a miséria em que
viremos sem pão e sem calçado para os IlOSSOSfilhas. era preciso pedir a imprensa que
pintasse um quadro risonho e cor de rosa. Estas pinturas cuslamllluilo caro "I>' .
O que é denunciado como negociata e como notícias pagas pela imprensa
oposicionista é, em contrapartida, objeto de vivos agradecimentos por parte do 1\
Governo que reconhece no apoio o patriotismo e, sobretudo, a missão do próprio
jornal.
"Agradeço-lhe muito cordialmente o magistral artigo em que o lornal do Commercio, com
sua competência incoulestável e grande autoridade,jez a crítica do manifesto do DI: Manuel
Vitorino, reduzindo-o a suas mesquinhas proporções. Bem sei que, assim procedendo, o
lomal do Commercio, nesse como em outros assuntos, inspira-se no seu patriotism.o e
desempenha-se de sua elevada missâo, sendo exatamellte esse IIlOdode proceder que deu-lhe a
grallde alltoridade que exerce lia opilliâo".
Indo mais além, Prudente de Morais expressa claramente a sua "profunda
gratidão" ao jornal e ao seu redator-chefe que, com as opiniões saídas de sua pena,
o auxilia a sua tarefa. "Por isso mesmo tanto maior é o meu reconhecimento e mais
profunda a minha gratidão para com o grande órgão da nossa imprensa e seu digno
redator-chefe, pela justiça que fazem-me auxiliando-me eficazmente no desempenho
de minha tão difícil quanto patriótica tarefa"('}.
Essa missão, segundo os adversários, tem um preço. E aqueles que são
momentaneamente contrários a esses interesses sofrem duras críticas.
"Toda \'ez que o Governo compra a imprensa, é contar como certo aqueles que Ihes fazem
oposiçâo, para logo, sâo cobertos de insullos pelos badalos que entram para o aluguel. No
d/{f seguinte, úll'({rim,elmente, os mesmos insullos vem reproduzidos nas entrelinhas do
Jornal do Commercio, órgão dirigido pelo conhecido falsário e ladrão José Carlos
Rodrigues e por um mulatinho pernóstico, que foi copeiro do SI: Rui Barbosa e hoje é
conhecido pela alcunha de 'DI:' Tobias( ...). Também quando o S,: Campos Sales deixou a
presidência, soube-se que havia gasto 6 mil e tantos contos com a imprensa. E não escapou
de le\'C/rvaia "63.
Nenhuma das colunas do Jornal do Commercio tem maior força política"
do que as "Várias". Inúmeros são os pedidos, lembretes, ordens para que
determinada informação saia sob a forma de "vária". Segundo depoimentos, é uma
seção de tamanha repercussão que tal como o próprio diário passa a ser ela mesma
um substantivo. Assim como ninguém se refere ao Jornal do Commercio como
tal, bastando falar "Jornal", também ninguém diz Várias Notícias. "Você já viu a
Vária do Jornal de hoje? Dizia-se correntemente".
"O Jornal do Commercio ao tempo em que comecei a lê-Io (1900) era de longe o diário de
maior prestígio no Brasil. Havia outras como a Gazeta de Notícias, o Jornal do Brasil, A
Notícia, A Tribuna. Mas nenhum o igualava emforça e prestígio. Essaforça vinha desde o
Governo Campos Sales, sobretudo depois que Tobias Monteiro, tendo representado ojornal
na viagem do presidente eleito, tornou-se secretário de fato do presidente. As principais
várias, sobretudo a primeira delas, traduziam o pensamento do Governo"!>4.
Outros depoimentos atestam a importância da seção. Sua leitura significa
adquirir informação suficiente para sustentar conversas sobre os mais variados
assuntos da atualidade.
"Nas conversas dos maiores, uma coisa despertava enorme curiosidade: a importância por
todos atribuída a uma entidade, oUlnelhOl; a uma família de entidades que não foi fácil
identificaJ; em sua natureza, dir-se-ia quase que sobrenatural: as 'Várias '. Que seriam as
'Várias'? Algo de misterioso, misterioso e terrível. Vel; entendel; acompanhar as 'Várias' era
um dever de todo cidadão prestante. Quem não estivesse a par da 'Vária' do dia era um,
cOlno dizer? Hoje diríamos, talvez, um alienado, incapaz de participar de qualquer conversa
mais séria e mais profunda. Não leu a vária? Então não sabe de nada. Cresça (leia a vária)
e apareça. A Vária - sussurrava-se derruba \'C/ chefes políticos e ministérios".
No seu depoimento, Pedra Dantas ressalta ainda a força política da
seção mais poderosa do Jornal do Commercio.
"Ne/n mesmo quando foi possível identificá-Ias, encontrá-Ias na terceira página efazer
algum esforço para tomar conhecimento do que nelas se continha,foi s/ificiente esclarecido o
mecanismo de sua força. Derrubar ministérios, com Ulna conversa por escrito? Bem, vamos
deixar prá lá, coisas, esquisitices de gente grande. Efoi preciso crescer também para -~".
entenda Outros interesses, outras leituras, um mínimo de familiarização com os
mecanismos de formação do poder político, acabaram por elucidar cOlno poderia Ulna 'vária'
derrubar o gabinete "65 .
Usuário freqüente desse canal de comunicação, Prudente faz dele um
meio eficaz para desfazer as dificuldades políticas de seu governo.
A crise entre ele e Manoel Vitorino, em 1897, é um exemplo e está
retratada com tintas vivas na correspondência, a maioria das vezes identificada
como confidencial, entre Prudente e José Carlos Rodrigues. O presidente, que
chama o proprietário do Jornal do Commercio de "amigo e colega", é capaz de se
referir ao vice como "desgraçado", de se queixar da traição explícita de Manuel
Vitorino, entre inúmeras outras confidências. Como um conselheiro informal, José
Carlos Rodrigues, em função da força política do Jornal do Commercio, se torna
um dos mentores da República66.
Reveladora também dessas relações dos jorna~ com ()jJoder~blico éa
extensa correspondência entre o Barão do Rio Branco e José Carlos Rodrig~~
cobrindo o períodoI895~t902-.--Nas cartas, telegramas, I5iTfietese cartões Rio
Branco pede favores pessoais, solicita a intermediação de José Carlos junto ao
Presidente da República, instiga a publicação de artigos, seja para desfazer mal
entendidos, seja para divulgar fatos que considera relevantes, seja para a sua
promoção pessoal.
A publicação de extensos artigos, na Gazetilha, notas nas Várias, mapas
ilustrando as áreas litigiosas nas reportagens, informações tidas como confidenciais
nas colunas, tudo se torna explícito na correspondência entre o futuro Ministro
das Negócios Exteriores e o dono do Jornal do Commercio.
A ingerência de Rio Branco é de tal ordem que chega a reproduzir nessas
correspondências os tópicos frasais que deveriam ser repetidos na notícia. Quando
no Brasil, o Barão costuma pessoalmente redigiros aJ1igos sobre questões polêmicas
publicados ora no jornal de José Carlos Rodrigues, ora no Paiz, como por exemplo
durante a Questão do Acre.
Nas memórias dos jornalistas que reproduzem a redação do Jornal do
Commercio, a figura do Barão do Rio Branco sempre aparece descrição da cena.
"Sentava-se à grande mesa do centro e ali se demorava como se fosse um redator da
sala".
"A grande sala de redação do Jornal do Commercio com a azáfama do trabalho I/otumo, na
certeza de ter sempre com quem conversm; constituía para o Barão uma atra1eio constante,
de quase todas as noites( ...). NO/1m da noite, o Bareio ail/da ali estOl'o, sem sono a
cal/versar com o redator de plal/teio. Muitas vezes saíam jUl/tos e pelas mas desertas da
cidade, já madrugada, o Ministro e ojomalisto vagavomuma 01/ duas horas "~7.
Cada grupo social, segundo Gramsci, cria para si seus intelectuais
orgânicos, sendo necessário ver a função que estes exercem no conjunto do sistema
de relações sociais. Esses intelectuais se transformam em executores do grupo
dominante exercendo as funções subalternas da hegemonia social e do governo
político.
o pensador italiano chama ainda atenção para a verdadeira divisão de
trabalho existente dentro da categoria de intelectuais, havendo toda uma gradação
de qualificações, sendo que algumas não têm nenhuma atribuição diretiva e de
organização.
É este o papel do jornalista, especialmente os que ocupam o núcleo
dirigente, enquanto intelectual orgânico. Não exercendo nenhuma função explícita
junto ao Estado, não estando diretamente atrelado ao comando político e, portanto,
não participando como organizador, é claramente um executor do grupo dominante,
mediatizando suas ações, decodificando o seu simbolismo, divulgando-as e buscando,
principalmente, o consenso espontâneo da populaçãd'x.
A capacidade de tornar explícito, público, visível, oficial, aquilo que
poderia permanecer como experiência individual, representa um considerável poder,
constituindo dessa forma o senso comum, o consenso explícito do próprio grupo.
E na luta pela imposição de uma visão legítima do mundo social, os jornalistas
detém um poder proporcional ao seu capital, isto é, na razão direta ao
reconhecimento que recebem do próprio grupo.
"No dia 16 de novelllbro passado, pela lIIanhã,jui ao escritório da redação e à residêucia
do redator-chefe do Jornal do Couul/ercio e aí lIIanijestei o lIIeu profundo reconhecilllento e
sincera gratidrio para com o grande órgrio da illlprensa brasileira pelo I'alorosíssimo apoio
COIIIque, lIIuito eficazmente, auxiliou o li/eu atribl/lado govemo, especiallllente nas siruações
lIIais melindrosas e difíceis que teve de atravessar".
Na sua última carta como Presidente da RepClblica a José CarJos Rodrigues,
Prudente de Morais reconhece a importância da outorga que fora dada ao redator-
chefe do Jornal do Commercio como pOlia-voz, ou seja, aquele que ao falar do
grupo o institui, o que é inerente à própria nomeação.
Como um último ato na função que desempenhara durante todo o período,
José CarJos Rodrigues edita uma edição especial com o Retrospecto da Presidência
de Prudente de Morais, motivo de agradecimento "penhoradíssimo" do presidente.
"Agora, depois de concluída a leitura,jeita com atenção religiosa, do Retrospecto da
Presidência de Prudente de Morais, que ocupou dez páginas da edição especial do Jornal, de
19 de novelllbro, venho de /101'0 agradece/; e afaço do ílllilllo da alllla e penhoradíssimo, ao
meu tão distinto quanto generoso e dedicado amigo o grande benefício que feZ-li/e com a
publicaçcio desse trabalho, de extraordinário valor histórico, COIIIquefechou a sua obra de "~.
amparo ao mell gOl'enlO durante quatro longo anos "ÓY.
Na verdade, essa "obra de amparo ao seu governo" fora acertada
previamente com o próprio presidente. Em suas memórias Rodrigo Otávio, então
redator do Jornal do Commercio, rememora como foi feita a publicação.
Junto com Antônio Pereira Leitão e José Higino, redige as 10 páginas
que compõem o Retrospecto da administração Prudente de Morais. "Nós três nos
reunimos na sala de Rodrigues combinamos o plano e dividimos o trabalho. Coube-
me o capítulo inicia!. .. Prudente me forneceu todos os elementos, enviando-os em
calias que ainda conservo".
A seguir, reproduz uma dessas calias: "De acordo com o que combinamos
ontem, remeto-lhe: pareceres dos chefes republicanos sobre as bases; instruções;
cópia de telegramas; o caderno com retalhos de jornais de 1895-96. Se precisar de
quaisquer outros documentos, eu fornecerei logo que os indique"711.
As relações que se estabelecem entre os jor!1alistas e os detentores do
poder são também fundamentais para a sua inser ão em postos de comando junto
à burocracia oficia!. O próprio~odrigo Otávio se transforma em c e e a casa civil
de Prudente de Morais. Além dele, outro antigo redator do Jornal do Commercio
trabalha na Secretaria da Presidência como oficial de gabinete: Feliciano José Neves
Gonzaga. Nessa função exerce uma espécie de intennediação entre as informações
da Presidência da República e o jornal, municiando seu antigo patrão José Carlos
Rodrigues com informações que, aos olhos do Governo, deviam ser tornadas
públicas.
"Disse-lIle que no 1/10lllento crítico por que passa o país, e COIllas difiC/{ldades
que assoberballl o gOl'erno, I/ão pode ele prescil/dir do apoio do Jornal, que telll sido órgão
go\'emalllental, sustel/tado selllpre e anilllal/do o D,: Prudente ".
Além desse, dezenas de outros exemplos mostram não apenas a inclusão
de José Carlos Rodrigues no campo político, mas também a impoliância fundamental
que tem "o amparo do seu jornal" para o sucesso ou fracasso do governo.
Se as relações entre Prudente de Morais e .José Carlos Rodrigues tornam
o redator do Jornal do Commercio palia-voz informal da Presidência, no governo
seguinte não menos poderoso deixa de ser o ex-proprietário da Revista Novo
Mundo. O jornal continua sendo, durante o período Campos Sales, responsável
pela divulgação oficial dos atos da Presidência e diariamente a redação da Rua do
Ouvidor recebe tiras para publicação. "Campos Sales agradece cordialmente a
referência que a 'Vária' fez ao seu governo noticiando o empréstimo para as obras
do porto e envia os mais afetuosos comprimentos".
Cartões e bilhetes como esses são freqüentes . .José Carlos Rodrigues é
chamado de amigo e tratado com a maior intimidade possíve!.
Apresentando pessoas e agradecendo os bons serviços, são inúmeros os
exemplos referindo-se a favores pessoais do então presidente ao proprietário do
Jornal do Commercio. "Campos Sales apresenta o Sr. .Jesuíno de Meio ao seu
amigo DI'. José Carlos Rodrigues". Ou: "Campos Sales. De pleno acordo,
agradecendo desde já os bons serviços".
Essas relações são de tal ordem que as sugestões para que publique
notícias, elabore várias, divulgue ou esclareça atos oficiais se tornam diárias. "Acho
interessante e muito sensato o artigo do DI'. Pereira Barreto, publicado em editorial
do Correio Paulistano e que vai aqui em retalho. Não valerá a pena dar-lhe transcrição
em lugar de honra no Jornal?" 71
Se, além dessas relações explícitas, ainda considerarmos a língua não
apenas como código, mas como sistema simbólico, a inter-relação entre a produção
do discurso e a questão teórica do poder ainda é mais evidente. O poder da palavra
é o de quem detém essa palavra, ou seja, não só o discurso, mas também a
formalização da maneira de falar. Por outro lado, detê-Ia significa criar um sistema
de codificação, intencionalmente produzido, que possibilita a ordenação e a
manutenção da própria ordem simbólica.
Quando a isso se soma o fato de codi ficar na forma escrita, isto é,
tornando conceitos, idéias e a língua oficial visível, pública, conhecida de todos,
estabelece-se uma distinção entre a quem é delegado esse papel e todos os outros
que não possuem essa função.
O autor, no verdadeiro sentido, é quem torna público aquilo que parece
confuso. É alguém com a infinita capacidade de publicar o implícito e assim realizar
o verdadeiro trabalho de criação. A publicação é um ato de oficialização, por
excelência, que legaliza, pois implica divulgar e desvendar algo para o público e, ao
mesmo tempo, na sua homologação, através do consenso de todos para quem se
revelou.
Assim, os jornalistas se transformam em autores no sentido empregado
por essa palavra quando se estuda o processo de codificação. A eles cabem não só
divulgar, informar, mas sobretudo tornar público e revelado. As suas relações com
o poder vão, portanto, além dos limites das relações explícitas com o Estado e com
os grupos que detém o poder político num determinado momento72 •
O que os jornais pretendem é atuar no campo político - lugar onde se
geram problemas, programas, análises, comentários, conceitos e acontecimentos,
entre os quais os "consumidores" devem escolher - e conseguir uma mobilização
cada vez maior do público. Quanto maior a sua audiência, maior o seu poder de
divulgação e a lógica da conquista do próprio poder. . t•..
periódicos, ainda que ocupando o mesmo campo de atuação, a se colocarem muitas
vezes em lados opostos.
As disputas, rivalidades, lutas explícitas entre eles devem ser vistas
mais do que como desavenças momentâneas. 2-
ue ~tá em i2.go--i a .9~ltor(}a do
papel privilegiado de pQrta-voz dos grupos dQmLoantes...
É possível encontrar diariamente críticas a outros jornais, pelos mais
variados motivos. Mas, sem dúvida, a disputa mais ferrenha ocorre entre o Correio
da Manhã e O Paiz. Embora critique todos os principais diários, durante 15 anos
sem interrupção, Edmundo BittencolJlt move uma campanha sem trégua contra o
periódico de João Lage. Nas denúncias, explicita o funcionamento da máquina
administrativa das publicações e, principalmente, deixa claro os favores e
favorecimentos que faziam o dia-a-dia da imprensa.
Em 190 I, segundo o jornal de Edmundo Bittencourt, o principal
financiador dos periódicos é o Banco da República. Há, também, a "verba s eta"
da polícia que subvenci9na aimprensa. O Jornal do Commercio é, então, o
principal beneficiário. Os elogios fartos que aparecem nas suas páginas em favor
do Presidente e de seu Ministro da Fazenda são comprados e pagos mensalmente.
"COIII exceçrio de dois jornais, eles (COlllpOS Soles e 1. Murtinho) hal'ialll cOlllprado a
illlprensa inteira, a cOllleçar pelo lomol do COllllllercio, que só pela verba secreta da polícia
recebia 20 contos porlllês. COIII que filll cOlllpraralll eles a illlprensa? Para poderelll vender o
país, para se apropriarelll de nossos bens. parafazerel/lnegociatas e patotas a nossa C/lsta,
para nos cobrirelll de illlpostos e vergonlws"73.
Os favorecimentos não partem apenas do governo central.. Os overnos lr
Ir estaduais também financiam as publica ões. Em 1898, o Rio Grande do Sul paga ao
Jornal do CommercTo]90 mil réis pela publicação de um edital sobre o
prolongamento da Estrada de Ferro de POltO Alegre a Novo Hamburgo, conforme
nota encontrada nos arquivos de José Carlos Rodrigues.
Os contratos para publicação dos atos oficiais da Prefeitura, bem como
a possibilidade de fornecer serviços são disputados avidamente. Em 1890, o Jornal
do Commercio firma um contrato com a Prefeitura do Distrito Federal para a
publicação desses atos. Onze anos depois perde a exclusividade para a Gazeta de
Notícias, que, por sua vez, deixa de prestar o serviço seis anos mais tarde, quando
O Paiz firma um novo acordo com a Diretoria Geral do Interior e de Estatística e,
em função disso, acrescenta às oito páginas tradicionais do jornal mais duas.
O valor pago pela publicação dos editais explica, em parte, a luta travada
pela conquista da prerrogativa. Em 1909, enquanto que um pequeno anllllcio, de
três linhas, vale nos jornais 200$, a Prefeitura paga pela publicação de quatro
editais sobre a proibição de queima de fogos de 31tifícios nas ruas 380$000, cada
lIm.
Em 1909, O Paiz quase perde essa subvenção oficial, que custa aos
cofres da Prefeitura 150 réis a linha. Pelo contrato, o jornal divulgaria
"gratuitamente" o serviço de publicação avulsa e boletins, cobrando pela inserção
dos editais. A comissão encarregada de analisar as propostas acha por bem não
aceitar os argumentos de O Paiz, sendo favorável ao Jornal do Commercio,
acrescentando: "De resto, há a considerar a situação constrangida em que ficaria a
Prefeitura, tendo um dos seus serviços arrendado a uma empresa particular, a
título precário, sem a fiscalização rigorosa que é mister nesse serviço"74 .
Apesar do parecer contrário, em 31 de dezembro de 1909, O Paiz
consegue renová-Io, sem antes denunciar o concorrente de "correr em torno do
contrato, se servido das suas influências clandestinas na diretoria administrativa,
entre cujo pessoal cavou o vergonhoso parecer que estamos pulverizando".
Segundo O Paiz, aproveitando-se da doença do Prefeito, o Jornal do
Commercio consegue que "lhe seja dada a publicação da mensagem ao Conselho
Municipal" 75.
Em 4 de março de 1910, João Lage pede a ratificação do contrato, para
não obrigá-Io a publicar o anuário de estatística, denunciando ainda a má vontade
de um departamento da Prefeitura para com a sua empresa que, mesmo com a
decisão contrária ao parecer da comissão encarregada de analisar as propostas,
ganha o direito de publicar os atos oficiais. Mais uma vez Serzedelo Correia defere
o pedido em favor de O Paiz.
Valendo-se das mesmas armas que usam quando conseguiam os seus
objetivos - as letras impressas - os jornalistas utilizam a crítica, movendo campanhas
difamatórias, toda vez que vêem seus interesses contrariados.
A oposição do Jornal do Commercio aos atos do Prefeito Pereira
Passos tem muito desse componente. Em agosto de 1903, o jornal de José Carlos
Rodrigues não consegue fornecer os diplomas necessários às escolas primárias,
encomendados pela Prefeitura, sendo preterido por outra empresa que cobrara um
valor infinitamente inferior. Como resposta, as críticas diárias aos atos da Prefeitura
se sucedem no jornal.
Em defesa de interesses momentâneos, o Governo vale-se freqUentemente
do apoio da imprensa. Nas várias questões diplomáticas em que o Brasil se envolve
no período do Barão do Rio Branco, o Ministro quase que diariamente ia ao final
da tarde à redação do Jornal do Commercio para, com seu próprio punho, redigir
os artigos de fundo, as várias e outros textos defendendo suas idéias. Mas isso não
se restringe ao Jornal do Commercio. Também O Paiz, durante a questão do
Acre, apoia vivamente o interesse do Ministério, que é favorável a indenização em
dinheiro ao governo boliviano. A extensa polêmica se estende durante vários meses
nos principais periódicos. Segundo denúncias do Correio da Manhã, o Barão
precisa
"armnjarllmjornal qlle lhe pllblicasse, como coisa de redaçrio, IIns artigos sllstentando que
se del'e dar a Bolh·ia. para acabar com a qllestrio do Acre, 40 mil contos em dinheiro, /IIna
estmda de ferro e /.500 I'idas de soldados e, ainda. 11mlargo pedaço do nosso território.
Nrio hOlll'ejornalista brasileiro que se prestasse a semelhante papel, pago, aliás, CO/110era
natllral, a peso de Ollro tirado aos coJi'es da nação. Apareceram-lhe nesta emergência os 51'S.
Eduardo Salamonde e Jorio de Souza Lage, dois portllglleses renegados, IIln deles até
jacobino, que dirigem O Paiz. Fechou negócio com eles, pensando quefossem brasileiros,
com aUlOridade para convencel: ou antes, iludir os seus patl'Ícios em lima qllestão de puro
patriotismo ".
Enquanto isso, O Paiz reafirma o seu apoio irrestrito ao Barão do Rio
Branco:
"O Pai~ qlle há longo tempo estllda a qllestrio do Acre e qlle professa pela capacidade e pelo
patriotismo do Barrio do Rio do Bmnco lima admiração qllase cultllal,jlllgoll-se no dever de
dar ao público os motil'Os por qlle empossoll as bases anllnciadas do tratado, analisando-as
sob o ponto de l'ista constitllcional, político e econômico. Em resposta, o SI: Bittencollrt nos
denllncioll cOlno I'endidos ao gOI'erno, qllejá não pode obter na imprensa deste desgraçado
país que aplallda o S,; Barrio do Rio Branco senrio a cIIsta de saqlles clandestinos ao
Tesouro Nacional".
No extenso artigo em que tenta argumentar ser a defesa feita em nome de
interesses patrióticos e nacionalistas, João Lage insinua claramente que se para
elogiar a Sorocabana, o Ministério dos Negócios ~xteriores e Júlio de Castilho
recebem por isso, também o Correio da Manhã empresta a seu irrestrito apoio
ao governo da Bahia, a Pereira Passos e ao London Bank recebendo, em troca,
pagamento por esses "serviços" prestados.
Para Edmundo Bittencourt o fato de O Paiz defender veementemente os
interesses da Cia. Sorocabana e publicar matérias favoráveis a Júlio de Castilho é
uma prova cabal de que
"receberam dinheiro de Júlio de Castilho, com o SI: Campos Sriles fizeram a mesma coisa.
Apoiaram-no por dinheiro, por dinheiro o agrediram mais tarde. desesperadamCl1te (...).
Protestei ell, (kendo qlle O Paiz é /IInafolll({ mercenária. Disse, sllstento e rito umfato que
posso dar prol'({: - O Paiz alllgoll-se à Cia. Sorocabana, isto é, atacolI o governo do D,:
Campos Sales por conta do comendador Mãozinha. Recebeu 74 contos de réis pelos seus
serviços e passou recibos. Neglle sefor capaz.! "7~
O próprio João Lage admite, posteriormente, ter recebido da Sorocabana
74:000$000, embora' afirme que esta quantia foi paga não em uma única vez, mas
em múltiplas parcelas e justifica a subvenção como uma atividade própria do
jornalismo, que explorando a "indústria da publicidade" pode publicar matérias
pagas defendendo os interesses daquela empresa.
"Esse dinheiro foi legitimamente ganho por esta empresa que explora a induslria da
publicidade, pelo fato de, durante este longo período de acidentada luta, ter publicado os
artigos do SI: Comendador Casimiro Alberto da Costa e os trabalhosjurídicos e de
polêmica do advogado da companhia do ilustre DI: Ulysses Vianna, tudo em primeira
página, COIIlOeles desejavCIIIl.Naturalmente que eu na uúnha qualidade de administrador
comercial desta empresa, não publicaria trabalhos destinados à seção livre na primeira
página do jornal, sem que essa exceção fosse devidamente recompensada".
Em outra 0poI1unidade, ao receber um pedido do Secretário de Fazenda
de São Paulo, Cardoso de Almeida, para que O Paiz iniciasse uma campanha
contra as Docas de Santos, Lage assim responde, por escrito, ao jornalista
responsável pelo jornal, em São Paulo:
"Essa história das Docas que o Cardoso pediu como sefosse notícia de casamento ou de
batizado é coisa /lnúto complexa e ainda para ser discutida pelos Tribunais. Diga ao
Cardoso que vou pensar no caso, mas faça-lhe esta consideração: as Docas, na pior das
hipóteses, publicam seu relatório anual no Paiz e a Secretaria de Fazenda de São Paulo não
publica o seu" 77.
~_Qublicação de anúnçiQs é fundame'!\.&2ara a sobrevivência do eriódico_
- -
e determina o enfoque que a matéria toma. O jornal não pode ser contra uma
empresa que insere publicidade nas suas páginas, a não ser que a compensação
oferecida pelo opositor fosse mais rentável. Além disso, faz parte da sua receita a
publicação de matérias subvencionadas.
É também prática comum o recebimento de empréstimos especiais dos
organismos oficiais. Em 1903, 1904 e 1905 para se tornar o principal acionista de
O Paiz, João Lage obtém junto ao Banco da República empréstimos no valor total
de 1.250 contos, em parte para pagar 500:777$961 a Almeida Godinho pela compra
do jornal e outra para financiar a construção de uma nova sede na Avenida Rio
Branco. Em fins 1906, o jornal ainda deve 811 :000$000, mas após a reorganização
do Banco, Lage propôs para quitar o total da dívida pagar apenas 230 contos.
Para conseguir o empréstimo e saldar a dívida dessa forma, vale-se o
proprietário de O Paiz das suas relações com o Ministro da Fazenda, Leopoldo
Bulhões.
"Lage, com a lábia maneirosa que constitui o predicado dos delinqiientes dessa espécie,fez-
se amigo do governo Rodrigues Alves. Nem era para menos. Achava-se na pasta da Fazenda
o DI: Leopoldo de Bul/lões, cujo escrúpulo no manejo dos dinheiros públicos já é bastante
conhecido. Firmado nesse laço de amizade, Lage podia dizer que, estando nele, esta\'({
montado no cobre do Banco da República. E dito efeito. O genial escroc (Lagefaz questão
de que se o trate de gênio),joi ao Banco, arrotou essa amizade. mostrou as suas canelas de
aço de rija tempera e num ápice, viu que as portas dos cofres dessa casa de crédito se lhe
abriam com a mesmafacilidade com que o vento escancara umajanela sem trincos, nem
trancas "78.
Analisando-se as campanhas desenvolvidas, os destaques e elogios
explícitos ao período da Presidência Rodrigues Alves, parece claro que as denúncias
de Edmundo Bittencourt não são desprovidas de fundamento.
Nas suas memórias, o jornalista responsável pela edição das notícias
paulistas de O Paiz reproduz, em diversos trechos, cartas e bilhetes mostrando a
relação estreita entre Lage e o Presidente Rodrigues Alves.
"Certa vez, estava na presidência da República o conselheiro Rodrigues Alves. O Governo
carecia orientar a opinião pública acerca de determinado assunto. O Paiz erajornal de elite.
Seu corpo redacional e de colaboradores simplesmente notá\'el. Vm secretário do presidente
foi procurar Lage, dizendo-lhe que o chefe da nação necessitava explicar o caso através das
'Três entrelinhas'.
Em 14 de novembro de 1906, sob o título "A Presidência Rodrigues
Alves", O Paiz faz um balanço do período 1902-1906, reproduzindo o retrato de
todos os ministros e do prefeito Pereira Passos. A notícia ocupa três páginas e
meia do jornaF0 .
Em 1911, também o Jornal do Brasil consegue junto ao Banco do
Brasil um empréstimo de 1.773: 180$800, para saldar uma dívida com o Mosteiro
de S. Bento, dando como caução títulos no mesmo valor. Na época, o capital total
da Sociedade, divido em 12.500 ações ao portado~: é de 2.500:000$000 e suas
dívidas somam 1.500:000$000. Segundo denúncias, a intervenção do Ministro 1. 1.
Seabra foi providencial para a liberação do empréstimo.
"Mas cOlno conseguiu o Jornal do Brasil arrancar do Banco tão elevada verba? Afirmava-se
ontem quefoi o ministro da Viação quem amparou aquela negociara(. ..). Seja, porém, como
fr!!; o certo, o indiscutível é que o Jornal do Brasil, empresa falida, por meio de títulos que
nada representam, arrancou aos acionistas do banco a grossa soma, para poder pagar ao
Mosteiro de S. Bento o que Ihi;devia "SI!.
Acompanhando, ano após ano, durante uma década e meia essas denúncias,
o que sobressai é a extensa polêmica do Correio da Manhã primeiro com o
Jornal do Commercio e, posteriormente, e de forma mais acirrada ainda com O
Paiz. Enquanto de início envolvam invariavelmente instituições do Governo ou o
próprio Presidente da República, a partir dos anos 10, o leque de opções dos
jornais para venda do -seu apoio se alarga. As instituições financeiras e até mesmo
os governos estrangeiros - como ocorre com a Alemanha durante a Primeira Guerra
- passam a ser, cada vez mais, o outro sujeito envolvido no favorecimentdl _
No período que se estende de 1900 a 1915, chama a aten ão a pulverização
de denúnci~s nos cinco primeiros anos, evolvendo, sem exceção, todosõs principais
periódicos. Em 1901, o principal alvo de Edmundo Bittencourt é o jornal do
Commercio e, no ano seguinte, o jornal do Brasil é acrescentado a lista. Em
1903, O Paiz é cada vez mais atingido pelas duras campanhas. Ninguém escapa
das subvenções oficiais em 1904 e 1905, segundo o Correio da Manhã.
Na década seguinte, o denunciante é o periódico de João Lage. A Light,
as oligarquias paulistas e baianas e Afonso Pena são os principais financiadores do
Correio da Manhã, segundo O Paiz. A polêmica civilista e hermista se sobressai,
em 1910, e culmina com a abertura de processos na justiça.
De 1911 a 1915, mais uma vez, o destaque é a luta explícita entre o
periódico de João Lage e o de Edmundo Bittencourt. Situados em campos
aparentemente opostos, O Paiz denuncia as ligações de Bittencourt com o Dresden
Bank, enquanto que o Correio acusa João Lage de receber pelos elogios ao senador
Pinheiro Machado, por defender a idéia do arbitramento do litígio entre o Paraná e
Santa Catarina, por ser subvencionado pelo Estado do Rio e até pela Prefeitura de
Niterói. Em 1915, O Imparcial, diário ilustrado fundado por Eduardo Macedo
Soares, em 1912, divide com o Correio da Manhã as denúncias de Lage.
No período que antecede a eleição de Hermes da Fonseca, a luta explícita
do Correio e de O Paiz assume proporções inimagináveis. Edmundo BiUencoul1
chega a mover um processo contra João Lage por crime de estelionato. Em resposta,
João Lage processa-o por crime de calúnia.
Para materializar junto ao leitor que o apoio irrestrito do Correio ao
civilismo fora uma atitude de última hora, O Paiz passa a republicar, durante mais
de quatro meses, em sua primeira página, matérias anteriormente divulgadas pelo
jornal de Bitlencourt onde criticam abel1amente Rui Barbosa.
Desde 31 de maio de 1909, o jornal de João Lage assume publicamente
sua posição de apoio a Hermes da Fonseca e critica o fato de o seu principal
opositor ainda não ter tomado uma posição explícita.
Esse apoio é flagrante. Até o final de 1909 são incontáveis as vezes em
que o Marechal aparece com destaque nas primeiras páginas. Banquetes em
homenagem ao futuro presidente, ao seu vice, seu programa de governo, entrevistas,
visitas, tudo merece o aplauso e a notícia de O Paiz. Paralelamente, passam a
criticar duramente o Correio da Manhã por não ter tomado uma posição clara em
relação ao futuro governo.
Segundo, O Paiz a demora e, finalmente, a definição do periódico de
Edmundo Bittencourt é produto de um negócio explícito. Em troca do apoio à
candidatura Rui Barbosa, Bittencourt recebeu do Governo de São Paulo 10 mil
contos e do Governo da Bahia 3 mil. De acordo com a denúncia, o Governo de São
Paulo financia também o apoio da Gazeta de Notícias.
"Faltalldo-Ihe a coragem da Gazeta de Notícias, de mudar de atitude da noite para o dia, o
Correio faz esse barulho para que o seu diretor possa despercebidamente escafeder-se para a
Europa, deixando 110seu lugar o antigo cúmplice das suas tramóias, esse desclassificado Gil
Vidal, que lel'a sobre o parceiro a vantagem. do talento: igualando-o nafalta de escrúpulos e
lia lJe/fídia dos processos. Em torno do dillheiro de São Paulo agitam-se os comedores
projissiollais. até 1I1eSlllOos que já estavam//{{ reserva; o Lambe-Feras mifazer uma I'iagem
de recreio 110I'elho II/ulldo e o Lambe Fichas assume no Correio a direção da campanha
contra a candidatura do marechal".
Essa polêmica, que se estende durante três anos, não cessa sequer quando
O Paiz também deixa de apoiar Hermes da Fonseca, já em 1911. Segundo denúncias
do Correio, o rompimento deve-se a recusa do Governo em dar
"400 cOlltos, que era quanto o patife pedia pelo apoio de sua meiafolha de papel aos atos
da admillistl'Oção e da política do Marechal Hermes. Se esses 400 contos lil'essell/ saído dos
cofi'es do Tesouro para a caixa dojomal do Lage, então não hal'eria bombardeio capaz de
lel'Ol/tar a sua indignação. como ncio levmlfOl'Ol1l os morticínios na Ilha das Cobras e do
Satélite. que Lage não quis profligar"N!.
Assim, após um período de apoio ostensivo ao Governo e de apregoar
pelo jornal quase que diariamente a intimidade de seu diretor-proprietário com o
presidente da República, O Paiz começa a fazer sistemática campanha contra o
Marechal. E o Correio da Manhã não cessa de denunciar que por detrás dessa
tomada de posição está o fato de ver contrariado os seus interesses econômicos.
Em março de 1910, Edmundo B ittencourt entra na I a Vara Ci vi I com um
processo de estelionato contra João Lage, com o argumento de que este não podia
ter contraído um empréstimo em nome de O Paiz, em 1903, uma vez que ainda não
era proprietário da empresa. Para tal, teria apresentado documentos falsos junto
ao Banco da República. Em contrapartida, em abril do mesmo ano, João Lage
apresenta na 3a Vara Civil queixa contra Bittenéourt, por crime de calúnia, em
função deste ter dispensado a ele "os insultos mais baixos e grosseiros em suce sivos
artigos da sua autoria, sendo que entre ditos insultos figurava o epíteto de
estelionatário"xl.
Apesar disso, Edmundo Biuencourt embarca para a Europa. Em 23 de
junho, o promotor arquiva o processo contra Lage e, finalmente, em 14 de novembro
de 1910, a Corte de 'Apelação impronuncia o réu. Mais uma vez o Correio da
Manhã denuncia as ingerências do Presidente da República para que tal desfecho
se desse.
Tal como José Carlos Rodrigues no período anterior, agora é João Lage
quem recebe as visitas do Presidente da República, quem comparece aos banquetes
oferecidos no Palácio, quem recebe telegramas por ocasião de seu aniversário.
"Uma nota: o Sr. João Lage, esteve ontem no palácio do Catete onde foi agradecer
ao Sr. Presidente da Republica o telegrama que lhe dirigiu por motivo de seu
aniversário natalício".
Em todas as comemorações, festas e promoções impressiona o expressivo
número de integrantes dos mais altos cargos da República, seja do Executivo, do
Legislativo ou do Judiciário, presentes. O poder dos jornais materializa-se nas
suas relações explícitas com os grupos dominantes.
Em junho de 1911, quando João Lage embarca para um período de férias
na Europa, destaca-se nas fotos publicadas as figuras eminentes da República que
foram se despedir dele no cais Pharoux. Pinheiro Machado conversa a um canto
com o Presidente Hermes. Nas outras três fotos, deputados, senadores, diplomatas,
enfim, "todas as classes, todas as individualidades sociais estiveram representadas
no embarque do publicista vigoroso". E particularizam: "representantes dos poderes
públicos, personalidades em destaque na diplomacia, na política, nas indústrias,
nas letras, nas ciências, nas várias mobilidades da organização social"x~ .
Muitas vezes essas relações não são apenas tornadas públicas, mas
apregoadas, com o intuito claro de mostrar o apoio que os dirigentes recebem em
momentos de dificuldades. É o que acontece por ocasião do aniversário de João
Lage, em 1910. No instante em que há na Justiça um processo movido contra ele e
que o Correio da Manhã estampa diariamente amplas notícias sobre os
favorecimentos, negócios espúrios e negociatas em que estaria envolvido, é preciso
tornar público o quanto é respeitado não apenas pelos jornalistas, mas também
nas altas esferas do poder.
Em I" de setembro daquele ano "uma comissão de políticos e de altos
representantes do meio social" oferece ao diretor de O Paiz um banquete no
restaurante Assírius. Organizado por Pinheiro Machado, J. 1. Seabra, pelo já
deputado Alcindo Guanabara, pelo general Dantas Barreto, por Dunshee de
Abranches, entre outros, o banquete é presidido por Quinlino Bocaiúva, primeiro
redator-chefe e mentor intelectual do jornal. Além do prefeito e do chefe de polícia,
ministros, senadores e diplomatas lotam os salões. Todo o grand monde do poder
está presente e O Paiz faz questão de reproduzir o nome de todos os participantesXí .
Pela manhã, o apoio pal1ira dos próprios jornalistas. Um almoço na sala
da redação reúne não apenas os diretores do periódico - como o comendador
Ferreira Sampaio e João Maximiniano de Figueiredo - mas os principais redatores
de outros diários aliados naquele momento, como o Jornal do Commercio, a
Gazeta de Notícias, A Imprensa, O Século e o Jornal do Brasil, num total de 53
profissionais. Lá estão João Barbosa, Julião Machado, Oscar Guanabarino, Eduardo
Salamonde, Joaquim de Salles, Figueredo Pimentel, Castello Branco, Abner Mourão,
Paulo Vital, apenas para citar alguns.
Essas reuniões deixam claras as alianças que formam com os seus pares
e com outros integrantes do campo político e mostram também a importância de
tornar pública, explícita, visível a participação do periódico num lugar de destaque
entre os dom inantes.
Por outro lado, as lutas travadas entre eles - do qual o embate entre o
Correio da Manhã e O Paiz é apenas um exemplo, ainda que expressivo - tornam
evidentes que, mesmo ocupando uma posição dominante, esses grupos podem
estar envolvidos em lulas diversas o que não os colocam em campos diametralmente
opostos. Longe de serem antagonistas num espaço social multidimensional, ão
protagonistas de uma mesma peça onde o que está em jogo é a luta simbólica pelo
poder. E essa luta parece clara aos olhos dos próprios dirigentes.
"O S,: Bitlel/cOl/rtnâo explora só a pl/blicidade COIll intl/ilos lIlercantis: alélll da boa renda,
ele al/er al/toridade. a posiçâo evidente e dOlllinadora (grifo nosso), e pelo sen jomal é que a
há de obtel; lIlanejando para essefilll as paixões da tl/rba ql/e o onve, COIllOa I/lIllllestre"M.
Considerando que as relações de comunicação dependem
fundamentalmente do que foi acumulado material ou simbolicamente pelos agentes
envolvidos, é preciso ainda perceber que estão em jogo a participação efetiva no
campo político e o uso de uma categoria particular de sinais e, deste modo, da visão
e do sentido do mundo socialx7 .
Dessa forma, é possível ver no mesmo período uma dura crítica a um
periódico, colocado naquele momento como adversário e, no instante seguinte,
encontrar seus dirigentes entre os participantes de uma solenidade. Isso não quer
dizer que não houvesse luta ou que o embate fosse fingido. O que há, na verdade,
é um jogo que acomodações, onde nova aliança se forma, em função de interesses
momentâneos. .
Não se pode afinnar - mesmo nos momentos mais duros da luta explícita
entre eles - que o Correio da Manhã e a Gazeta de Notícias estão num campo
oposto ao Jornal do Commercio, Jornal do Brasil ou O Paiz ou que são
intrinsecamente seus adversários.
As críticas, desavenças e campanhas devem ser consideradas sob dois
aspectos: como legitimação de uma auto-identidade construída e corno efetiva
disputa' pelo papel pioimordial de divulgador, estruturador e centralizador das
visões dominantes. O embate entre os periódicos é, sem dúvida, urna luta de e pelo
poder.
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A polêmica como modo específico de prática intelectual se aproxima, em
sua estrutura, da política partidária e parlamentar e das lutas entre oligarquias.
Mas a luta se dá sempre entre iguais. O combate é travado entre indivíduos situados
em campos idênticos, onde se sobressai o exagero retórico e teatral das diferenças
e oposições. Com a polêmica cada um dos participantes daquele teatro se esforça
por afirmar o caráter pessoal e individual do seu ponto de vista para o restante da
sociedade. Os donos de jornais polemizam com os olhos voltados para as reações
do público e para a forma como o debate seria recebido. O locutor não se dirige
apenas ao adversário. O seu objetivo é atingir o leitor.
A República se estabilizara, em 1898, no governo Campos Sales. A
derrota política dos setores militaristas e jacobinos, junto com a de Canudos,
sedimenta o predomínio dos grupos civilistas, apoiados nas elites regionais. Como
divulgador das idéias desse grupo, o Correio da Manhã se sobressai na crítica aos
setores governistas. Apoiando as oligarquias agrárias, a lavoura, o comércio e os
bancos, o Jornal do Commercio, a Gazeta de Notícias e O Paiz situam-se junto
a outros grupo dominantes. Na mesma trincheira, mas com um discurso
extremamente peculiar, em função da sua própria função comunicativa, o Jornal
do Brasil alinha-se ora a um setor ora a outro, mas é nítida a sua tendência em
reafirmar os valores de novos grupos surgidos no cenário urbano, como os ligados
à prestação de serviços e à construção civil.
A restauração financeira, trazida com o empréstimo do .ftmding loan,
abre caminho para a restauração da capital: a regeneração como dizem os cronistas.
As reformas urbanas realizadas por Pereira Passos de 1903 a 1906 inserem a
cidade numa nova atmosfera.
r A reconstrução nacional, representada pela dissolução da cidade imperial,
se dá associada à criação de um espaço urbano com características modernas.
Transforma-se o espaço público e a mentalidade urbana. E nessa tarefa a imprensa,
mais uma vez, tem um papel preponderante. Condenando hábitos e costumes
) brasileiros e africanos, relacionados ao passado colonial e à sociedade tradicional,
empreende longas campanhas em favor dos novos costumes, dos novos hábitos e
da nova civilização. A missão dos literatos e dos jornalistas deixa paulatinamente
de ser crítica e contestadora para adquirir feições Iiterárias e informativas, vinculadas
a sua própria afirmação profissional.
~ Por outro lado, a medida em que a palavra escrita adquire valor de verdade
e autoridade em relação à oral idade, cresce a importância dos letrados e dos
/i especialistas, educados segundo princípios laicos e científicos. As regras e normas
se tornam explícitas e fixas, sob a forma de códigos e leis, de estruturas nonnativas
genéricas. A expansão, ainda que restrita, da escrita contribui não apenas para
fortalecer as instituições burocráticas e para distanciar o Estado da Jgreja, mas
também para dar ao jornalismo uma nova "missão", como eles mesmos com
freqüência apregoam. Ao jornalista cabe difundir idéias, visões de mundo e I(
representações da sociedade. A sua função comunicativa ganha força ao lado de
seu papel político.
Observa-se, por outro lado, uma verdadeira mudança no padrão
intelectual, principalmente nas primeiras décadas do século XX. Uma geração de
intelectuais partidários ou especializados, ligados a sua época e principalmente a
concepções irredutíveis umas às outras, substitui a dos pensadores universais. A
crise do liberalismo da Primeira República introduz definitivamente outro tipo de
divisão intelectual, até então irrelevante: o conflito entre ideologias e teoriasxx.
Se o bacharelismo jurídico fornece quadros para a burocracia oficial,
participando da formação do Estado nacional e formulando, por meio do
evolucionismo e do positivismo, as primeiras expressões da ideologia modernizante,
também cria mão-de-obra especializada para a imprensa difundir essas ideologias
e teorias.
A dinâmica cultural. que gira em torno do embate entre o moderno e o
retrógrado, entre a ciência valorizada no presente e a metafísica localizada no
passado, passa a ser percebida em concepções científicas diversas, vanguardas
literárias e partidos políticos opostos. Além da campanha em favor da modernização,
destaca-se nas discussões projetos divergentes quanto à reformulação do Estado e
da própria sociedade. A produção intelectual assume caráter nitidamente ideológico
e político, apesar de muitas vezes o intelectual-jornalista, partidário e/ou
especializado, apresentar a sua atividade como dotada de universalidade e
imparcialidade em relação aos paltidos e interesses.
Baseados na sua audiência e, sobretudo, nas suas relações com os grupos
dirigentes, os diários seguem vendendo as linhas e.scritas em favor de determinados
temas. As intermediações de negócios valem também vultosas quantias. Em 1913,
o Correio da Manhã denuncia que João Lage recebe comissão por defender a ação
do então ex-ministro da Fazenda Francisco Salles, que contratara ao governo alemão
a cunhagem de 60.000 contos, em moedas de prata, "sem concorrência e sem
qualquer formalidade legal". Em contrapartida, O Paiz acusa o Correio de estar
recebendo propina do Dresden Bank, de tal forma que, se o negócio fosse efetivado
com aquela instituiçãO financeira; pagar-se-ia a mais 2 mil libras.
Em artigos posteriores, denuncia o silêncio da imprensa a respeito do
assunto, o que revela uma certa solidariedade e, principalmente, o envolvimento
em negócios semelhantes. Com exce ãe-~ Imparcial e de A Noite, nenhum
outro diário do Rio de Janeiro se ocupa do assuntoX~ .
Aquele que é apresentando como inimigo e objeto das mais contundentes
descomposturas é, na verdade, o intermediário de um processo de comunicação
que envolve o interlocutor e o público, cuja adesão é disputada usando-se para isso
todas as armas.
Deste modo, procuram reduzir a distância do leitor, mas sobretudo criar
uma identidade própria para o periódico, que o identifique com aquele público.
Num mercado de bens culturais, ainda não plenamente constituído, é fundamental
montar uma nova versão de folhetim. Um folhetim que tem como tema a realidade.
Como nos folhetins publicados em capítulos, as campanhas contra outros
periódicos, denúncias e críticas são apresentadas em série, com um tema sucedendo
o outro e com cada novo aspecto no dia posterior adicionado à trama.
O leitQ.!:,_por outro lado, é promovido a posição de verdadeiro árbito,
onde, num campo a princípio neutro, recebe tanto o discurso do locutor quanto o
do seu adversário. A retórica empregada tem o intuito de persuadi-Io e de conquistá-
10. O polemista ora se dirige ao adversário, ora se dirige ao público, de modo a
apossar-se de sua simpatia, audiência, aprovação e fidelidade enquanto consumidor
daquela publicação.
As denúncias de recebimento em troca do apoio explícito não páram. O
Correio acusa João Lage de fazer um novo empréstimo fraudulento junto ao
Banco do Brasil, no valor de 250 contos, para custear uma viagem à Europa. Em
contrapartida, O Paiz afirma que Edmundo Bittencourt compra o seu apoio ao
Governo do Paraná na questão do Contentado. Em janeiro de 1914, O Paiz é
acusado de vender o seu apoio ao Governo do Estado do Rio de Janeiro e a
Prefeitura de Niterói, o que é desmentido, de maneira veemente, no artigo
"Chafurdando na lama".
Durante a I Guerra, as denúncias envolvem o apoio que a imprensa
estaria recebendo da Alemanha. Em 1916, O Paiz afirma que os jornais brasileiros
- deixando perceber nas entrelinhas que se refere ao Imparcial e ao Correio da
Manhã - receberam 150 milhões de contos do Reichstag para defender os interesses
alemães.
Apesar dos vultosos negócios, nem sempre conseguidos de maneira
idônea, os jornais enfrentam di ficuldades financeiras, algumas bastante graves.
Esse é o caso de O Paiz, que, após a crise do preço papel de imprensa ocorrida
durante a Primeira Guerra, não consegue se soerguer financeiramente. Fechando o
balanço de 1915 comum prejuízo de 326:485$474, no ano seguinte amargam novo
débito da ordem de 25:000$000, apesar de terem arrecadado 173:341 $375 com
publicidade, contra uma despesa de 138:551 $618~1I.
Para completar esse quadro, em agosto de 1917, a sua moderna sede na
Av. Rio Branco é destruída por um incêndio. Os prejuízos são em muito superiores
aos 470 contos, em que estão segurados o prédio, as máquinas, o mobiliário e o
papel de imprensa. Na época, deve 590:685$029 e vem amargando prejuízos em
seus balanços há dois anos consecutivos.
O principal credor do jornal é a família de Franklin Sampaio. Deve
também a E. Lambert, à Agência Havas, ao Lond & B. Bank, ao Banco Ultramarino,
ao Credit Foncier, ao Banco Francês e Italiano e a diversos outros fornecedores,
como por exemplo a Societé Anonime du Gaz. E o "amigo de todos os governos"
entra em franca decadência.
Após o incêndio, o Jornal do Brasil e o Jornal do Commercio oferecem
suas instalações para que o periódico não deixe de ser publicado. No primeiro é
feita a impressão e no segundo as composições. A redação passa a ocupar
provisoriamente as instalações da Mundial Seguradora na Av. Rio Branco, 133.
Além dessas alianças, o jornal recebe o apoio de inúmeros jornalistas e
dos proprietários dos principais periódicos. Nas visitas de solidariedade a João
Lage se sobressai o nome do Presidente da República, de inúmeros ministros, do
Governador do Estado do Rio, de senadores, deputados, do Prefeito do Distrito
Federal e de outras autoridades municipais.
Na trincheira oposta continuam o Corr'eio da Manhã, O Imparcial
acrescida da Gazeta de Notícias, embora esta no primeiro momento tenha
emprestado sua solidariedade ao jornal. Formando uma aliança momentânea, os
três empreendem, naquele final de 1917, uma dura campanha contra O Paiz,
afirmando nas entrelinhas de seguidas matérias que o incêndio fora incitado por
Lage, para, dessa forma, receber o seguro e assim tirar a empresa do abismo
financei ro.
João Lage, por sua vez, também duvida de o incêndio ser apenas um
acidente, ao mesmo tempo em que destaca a solidariedade recebida do Presidente
da República:
"Escrevo consciente/llente esta pal{/\'/"(/ - cri/lle - pois tenho a consciência da certeza de que o
incêndio do Paiz não foi causal, nws o resultado de n/lw intenção perversa, CO/110logo no
dia seguinte ao sinistro connmiquei e/ll reserva ao delegado D,: GO/lles de Maltas, e CO/110
expus a S. Ex. o Si: Prçsidente da Repnblica, no dia 7, quando fui ao Catete agradecer aS.
Ex. a delicada atellção que teve para CO/lIa uossafollw, /IIandando o seu secretário
apresentar os seus seuti/llentos de pesar"·/ .
A~~aleS' ex;Sle C~:;I:i'::~:::::;~-a-::-e~-:::~~::
corporativa entre aqueles que e 'cem o papel de dirigentes. Embora aparentemente
exprimam interesses conflitantes,~a solidariedade os c?locam definitivamente
na mesma trincheira, fazendo parte dêum grupo único. Unico e solidário muitas
vezes. Único e adversários outras tantas.
Participando efetivamente do poder, ainda que de forma indireta, os
elementos desse grupo - onde se inserem os dirigentes e os jornalistas de maneira
mais ampla - se colocam na função explícita de comandar diretamente os outros
membros da sociedade, não do ponto de vista econômico, mas politicamente. O
papel quase que natural do jornalista é orientar, educar, formar o público e recebem ~
essa tarefa por delegação dos grupos dominantes.
tive - propõe o tra~mento da memória como fenõmeno social. Na sua obra, ao partirde uma polêmica com
Bergson, que J.lplÍnha o espírito, lugar da memória, à matéria, lugar da percepção, Halbwachs afirma que
a memólj;l,( por natureza social. A memória individual estaria sempre em relação ao grupo do qual o
indivídUo faz parte, em relação ao meio social e em relação a todos que ocercam. A partir do exame dos
lugares sagrados do cristianismo na Palestina e particularmente em Jerusalém, Halbwachs também extrai
observações gerais sobre a importância do espaço - geognlfico ou construído - para fixar a lembrança.
49Pomian, p. 219-350. Há inúmeros autores que se preocupam com a questão da temporal idade.
Cr. entre outros THOMPSON, E. P. Tradición, revuelta y consciencia de clase. Barcelona: Editorial
Critica, 1979, especialmente "Tiempo, disciplina de trabajo y capitalismo industrial"; Le GolT,
"Calendário" e "Passado/presente". In: op. cil., 1984 e WHITEOW, G. J. O tempo na história. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.
50SALES, Campos. Da propaganda à presidência. In: Fonseca, 1941. Justificando-se com a
alegação de que na mornarquia, jornais e jornalistas também foram subvencionados e seguia precedente
aberto por Prudente de Morais, cujo ministro da Fazenda distribuía verbas a jornais e jornalistas da
confiança do Presidente, como a Gazeta de Notícias, cujas matérias de defesa oficial eram pagas ao preço
de I mil réis a linha, Campos Sales afirma ter subvencionado "somente à imprensa do Rio".
51 A Ibuquerque, 1981, p. 20.
52Correio da Manhã, 24 maio 1902, p. I.
53Carta de Campos Sales a José Carlos Rodrigues, 221'ev. 1899.ln: Correspondência passiva
de José Carlos Rodrigues. Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
54Carta de Campos Sales a José Carlos Rodrigues., Iljul. 1899. O Fernando Mendes a que a
carta se refere é Fernando Mendes de Almeida, redator-chefe e principal acionista do Jornal do Brasil,
no período.
55 Quem desenvolve esse idéia da imprensa atuando como "partido" e como um "estado maior"
do partido orgânico é Gramsci. Em MaQuiavel. a política e o Estado Moderno, o pensador italiano
destaca a freqüência com que esses veículos reafirmam a sua independência para serem reconhecidos
pelo público como força superior dirigente. No mesmo texto Gramsci afirma que um jornal (ou um grupo
de jornais) pode ser também "partidos", "frações de partido" ou "de um determinado partido". Gramsci,
1991, p. 22-21
56Carta de Campos Sales a José Carlos Rodrigues, I jun. 1899.
57Carta de Campos Sales a José Carlos Rodrigues, 15 fev. 1899.
58Carta de Prudente de Morais a José Carlos Rodrigues, 8 dez. 1898 e entrevista de Lopes
Sampaioa Manoel de Carvalho Nello. Nello, 1977, p. 111.
59Carta de Francisco Manuel da Cunha Júnior a José Carlos Rodrigues, I jan. 1895.
60"0 veneno da imprensa". In: O Paiz, 20 mar. 1910, p. I.
61"Um escândalo".ln: Correio da Manhã, 8 seI. 1901, p, I.
62Carta de Prudente de Morais a José Carlos Rodrigues, 9 mar. 1898.
63"Cômico e Indecente". In: Correio da Manhã, 18 novo 1903, p. I.
64GUDIN, Eugênio. "O Jornal do Commercio de Antanho". In: Jornal do Commercio. Edição
comemorativa dos 150 anos, 2 oul. 1977, p. 7.
65DANTAS, Pedro.ldem, p. 12.
66"Reslituo-lhe o ímerl'íell' - Nicosia- VilOrino - que dá uma idéia exata do que é o Vice-
Presidente desta infeliz República' A ameaça de publicar as poucas cartas que de mim recebeu esse
desgraçado - não me incomoda absolutameme - desde que exponha as próprias cartas para serem
examinadas. Saúde e felicidades desejei-lhe o colega e amigo Prudente de Morais". Carta de Prudente
de Morais a José Carlos Rodrigues, 20 fev. 1898.
67Cardim. "José Carlos Rodrigues, sua vida e sua obra. Conferência realizada em 5 sel. 1944
na sessão solene comemorativa do centenário de seu nascimento" . In: Jornal do Commercio, 1949,
p.196-7.
68Gramsci. 1989, p. 3-23-
69Carta de Prudente de Morais a José Carlos Rodrigues. 23 dez. 1898.
700távio, 1934, p. 143.
71 Carta de Feliciano José das Neves a José Carlos Rodrigues, 21 mar. 1896 e cartões de
Campos Sales a José Carlos Rodrigues, sido
72 Pierre Bourdieuloma como premissa básica na sua obra as relações de comunicação como
relaçõesde poder. A língua, considerada como um sistema simbólico, como instrumento de conhecimento
e de construção do mundo. seria por excelência suporte de poder absoluto na medida em que através dela
se pode também codificar o mundo social. CI". Bourdieu, 1982 e Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense,
1990.
7T'Murlinho & Cia. Chalaça'·.ln: Correio da Manhã., 17oul. 1901, p. I. Não é apenas contra
José Carlos Rodrigues que as denúncias de favorecimentos recaem. No mesmo período, segundo o
periódico, o Jornal do Brasillambém recebe recursos que financiam os elogios ao governo.
74Jornal do Commercio, 31 dez. 1909, p. I.
75"A concorrência da Prefeitura e a 'vexação' do Jorna!". In: O Paiz. 1jan. 1910, p. I.
76 Correio elaManhã, 16 novo 19m, p. I e O Paiz. 16 e 18 novo 19m, p. I. O apoio irrestrito
ao Barão eloRio Branco é veemente e1uranteloeloo ano ele1904e 1905. Em26 fevereiro 1905. em matéria
na primeira página, ilustrada a bico elepena, estampam em letras garrafais: "realiza-se hoje a granele
mani feslação brasileira da socieelade ao eminente estadista que. por felicidade de nossa Pátria, está
alualmenle a testa eloMinistério das Relações Exteriores". CI".também Correio elaManhã, 17 novo 19m,
p. I.
77 "Quem Comeu?" In: O Paiz, 18novo 1905, p. I e Carta eleJoão Lage a Mário Guastini. In:
Guastini, 1944, p. 15.
78CI". processo eleeSlelionato movido por Eelmunelo Bittencourt contra João Lage, citaelo por
Correio elaManhã, 4 e 5 abr. 1910, p. I. "Depoimento elePeelroeleAlmeiela Goelinho no processo contra
João Lage". In: Correio da Manhã. 8 mar. 1911, p. I. "Depoimento eleUbaldino do Amaral no processo
eleestelionato contra João Lage". In: Correio da Manhã, 2 mai. 1911, p. I. Num elos empréstimos, a
Sociedade Anônima O Paiz consegue a soma de 830:429$870. figurando neste total o desconto de uma
letra de 2S0eontos eleréis, elo Estado elo Pará. Essa lelra, e1epoiselereformaela uma vez, é paga. Assim,
em fins de 1906a díviela de O Paiz com o Banco elaRepública é de 680$429$670, que com juros de 8%,
à época em que Nilo Peçanha assume a presielência, a eleva a 811 :000$000.
79 Guastini, p. 26. "Três entrelinhas" era o nome elo principal artigo eleO Paiz na época.
Composto elealio a baixo em uma ou duas colunas na primeira página. aparecia em corpo sete e tratava
de um tema lido como o mais importante ou polêmico elomomento e "A Presidência Roelrigues Alves".
In: O Pai:, 14 novo 1906, p. 1,2 e 1
80''0 preço elosbonecos". In: Correio da Manhã. 27jan. 1911, p. I e 28 jan. 1911, p. I.
81 Para a análise que se segue utilizamos as eelições de Correio da Manhã, O Paiz, Jornal do
Commercio, elejan. 190I a e1ez.191S.
82"Co;1Io elo Vigário". In: O Paiz, 7 jun. 1909, p. I e "O Lage pela gola". In: Correio da
Manhã, 15 jun. 1912. p. 2.
8T'Queixa eleJoão Lage contra Edmundo Bittencourt", transcrita em "Crime de calúnia". In:
0P';"20'~':
/1 84 O Paiz, 2 set. 1910. p. 2 e 8jun. 1911, p. 2.
850 Paiz, I set. 1910, p. I, 2 e 3.
860 Paiz, 18 novo 1904, p. I. O anigo é assinado por João Lage.
87Bourdieu, 1989. p. 60-72.
88Ao estudar as polêmicas literárias no Brasil durante a Primeira República. Robeno VenlLira
aponta essadivisão, destacandoa importância que o bacharelismo adquiriu nesseprocesso. VENTURA,
Roberlo. Estilo tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil. 1870-1914. São Paulo: Cia.
das Lctras. 1991.
89"A roubalheira da prata". In: Correio da Manhã, ~Ojul. 191~, p. I e"A roubalheira da prata.
A reclamação diplonHítica". In: Correio da Manhã, 1ago. 191~, p. I.
90"lmprensa livre". In: O Paiz, I ~ OUI. 1916, p. I e "0 som do marco", 9 novo 1916, p.l. Com
o fechamento dos portos escandinavos, osjornais são obrigados a comprar o seu papel de imprensa do
mercado americano a um preço três vezes superior ao anterior à guerra e com fornecimento precário.
Também em cana a Coelho Neto, o proprietário de A Notícia, Oliveira Rocha, se refere às dificuldades
porque passa o jornal em função da escassez do papel de impressão: "A Notícia, forçada por
circunstâncias bem independentes de sua vontade, foi obrigada a fazer uma redução de despesasem
escala foníssima. Nós, um pouco como todos os jornais, estamos trabalhando para pagar o papel da
impressão". Cf. cana de M. de Oliveira Rocha a Coelho Neto, 7 out. 1916. In: op. cit., 196~, p. 294-5.
Ata da Assembléia Geral Extraordinária de ~O de jun. 1917. In: O Paiz, 22 jul. 1917, p. 2.
91"0 incêndio do Paiz. O Correio, a Gazeta e o Imparcial". In: O Paiz, 21 ago. 1917, p. I.
92Laet, Carlos de. "Microcosmo". In: O Paiz, I~ oul. 1915, p. I.
9~0 Paiz, 6 novo 1915, p. I.
94Cana de Olavo Bilac a Coelho Nelo, 6 ago. 1904. In: op. cit., p. 68.
95Carta de Edmundo Bittencourl a Coelho Neto, 5 abril 1915. Ibidem, p. 110-1.
96Cana de José do Patrocínio Filho a Coelho Neto. ~ I jul. 1913.lbidem, p. 164.
97Cana de João do Rio a Medciros e Albuquerque, 7 ago. 1911.Citado por Magalhães JÚnior.,
op. cil., 1978.
98 Cana de João do Rio a Mário Guastini. S. d. In: Guastini, p. 9 e Discurso pronunciado por
Júlio Barbosa em 18 seI. 1949. In: Jornal do Commercio, 19 seI. 1949, p. I.
99Barrelo, op. cil., p. 74.
"É corrente entre certos jamais illlstrados do Rio a exibição de horrores. Qllalqller crime ou
acidente serre de pretexto para gral'l/ras repelentes: crânios abertos, braços decepados, olhos
esgazeados e mãos crispadas pela dOI:Se é demasiado consagrar a notoriedade dos
criminosos pela dil'l/Igação do retrato - a não ser nos casos em qlle tal pllblicidade auxilie a
açeio policial -neio se compreende essa maneira de interessar os leitores. Que sadismo
barato esse qlle se pretende atribllir ao nosso público!"1
parte de seulllarido SI: Manuel Fanandes Pereira dizer-nos que a City IlIIprovelllents está
procedendo lIIuito incorretalllente na cobrança do alinhalllento das ruas. O SI: Pereira foi
obrigado a pagar 157$500 por exigência dos elllpregados dessa cOlllpanhia, os quais,
enquanto ele nâo pode satisfazer tal pagalllento, seqiiestraralll-Ihe os lIIateriais do seu
serl'iço de carpinteiro, a título de penhOl: Queixando-se o Si: Pereira ao engenheiro do
Mangue este respondeu 'que nâo queria discussões e que os elllpregados que tiveram
selllelhante procedilllento estm'alll dentro da lei "3ó.
O carpinteiro Manuel Pereira, por compartilhar do conteLldo e da
vinculação política do jornal, designa à mulher a tarefa de ir pessoalmente fazer a
queixa ou ela fora por uma motivação pessoal, mas escamoteada em razão do lugar
social que ocupa?
Seja de uma ou de outra forma, o fato é que tanto para Manuel Pereira
como para Adelina, o periódico é possibilidade não de reverter uma arbitrariedade,
mas de divulgar - e assim talvez minimizar - a yiolência de que são vítimas. Ao ver
reproduzida a sua realidade nas páginas da publicação, viam-se também como
parte integrante daquele mundo, até então distante.
Essa relação dos leitores com os jornais mostra o caráter significativo
das mensagens que veiculam. Em princípio, um texto escrito é dirigido a um leitor
desconhecido e universal. Mas a obra cria o seu público, alargando o seu círculo de
atuação e iniciando novos modos de comunicação. Ao estabelecer esse contato, o
leitor deixa claro que um auditório está sendo formado.
O texto abre-se a um número indefinido de leitores e, por conseguinte, de
interpretações, que dependem em grande parte da forma como é apreendido.
Enquanto o texto impresso atinge o leitor no ambiente solitário, longe da sociabilidade
peculiar que a leitura em voz alta permite, o transmitido pela voz indica a presença
próxima de um outrem que influencia na compreensão daquela mensagem.
O que é lido, é, muitas vezes, oralmente, transmitido a outros. E, mais
uma vez, indiretamente, alarga-se os leitores, através da oral idade. O texto
transmitido pelos jornais é, assim, também um discurso falado, cuja força de
locução e de compreensão depende não apenas dos aspectos articulados do
discurso, mas da mímica, dos gestos, de elementos não articulados, aquilo que
alguns autores chamam prosódia\).
Embora mais eventuais, vez por outra aparecem referências esporádicas
aos jovens como leitores. E o conteúdo dessas publicações procura despertar
também o interesse desse leitor do futuro.
O Paiz cria, em 1907, uma seção denominada "O Paiz das Crianças", na
qual além de diversos jogos de entretenimento, promove concursos, dando como
prêmio "cycle e bonecas". Um ano antes, abre espaço aos domingos "para a
publicação de artigos, contos, poesias, fantasias que os seus jovens leitores lhe
enviassem". No carnaval, promove outro concurso, dando prêmios às crianças
melhores fantasiadas, o que obtém ampla repercussão.
"Recebemos cartas pedindo informações, somos wllm'elmente interrompidos no nosso
trabalho por senhores idosos qlle entram se desclllpando: - Os senhores me perdoem. Mas os
meninos lá de casa anda há dias a me importllnw: Qllerem saber do cOllcurso. E começam a
desenrolar questiúllclllas qlle gentilmente esclarecemos".!".
Mas como estas crianças, esses jovens e adolescentes lêem? Como tomam
conhecimento dessas mensagens, como essas informações são transmitidas em
sinais impressos?
Seja através da informação recebida pela leitura em voz alta, em torno da
família, seja através de trechos que recolhem, aqui e ali, ainda que eventuais, essas
leituras também são realizadas.
Como Rubem Braga, os mais ou menos jovens podem se interessar por
ler, eventualmente, trechos dos folhetins, tiras de entretenimento, que vez por
outra aparecem nas publicações.
"As colunas do Paizforam a minha primeira cartilha de ABC, quando menino. as primeiras
si/abas que soletrei foram o p-a pa, I· is - O Paiz. É pois COlltoo sentimenlO de quem
guarda essa doce recordação, que envio 11111 apertado abraço a seus ilustmdos redatores,
participando da dor que os aflige, desejando sinceramente que o valoroso baluarte de
República no gOl'el'llo Floriano Peixoto ressl/lja das cinzas ainda mais pujante, para
prosseguir impavidamente e/li sua marcha I'itoriosa e gloriosa ".!V.
Mais reveladora ainda não só do leitor, como também da leitura, é a
crônica "Jornais de crianças" escrita, em 1917, por João do Rio.
Depois de descrever o silêncio momentâneo da redação, o cronista relata
o objetivo da visita de um "rapazola de treze para quatorze anos": tirando de um
embrulho uma pequena folha impressa, oferece, em seu nome e de seus colegas, o
primeiro número de um jornal que classi fica como modesto e pede, ao mesmo
tempo, "o incentivo de sua opinião", isto é, a publicação da notícia do aparecimento
da folha. A atitude do menino, jornalista por imitação, por idealização de uma
profissão que segundo o escritor não vale a pena, deixa João do Rio comovido.
"Aquela criauça jomalista, quaudo deI 'ia audar remando ou jogando a péla - era um mundo
de coisas melancólicas. Estria, decididamente, temos a moda de meninos e meninas afingir
dejornalislas? Distintos cOlifrades por simples diversrio neste inverso, resolveram por em
/oco, comloul'Ores, IIInma/ da uossa educaçrio:jornaisinllOs em que escrevenl crianças.
Faralmente a noticia exasperaria o sentimento exibicionista de meninos, dos respectivos
Iwis( ... ). É de I/.OVOa moda? Mas, por que?"
O jovem, inicialmente leitor de jornais, arvora-se à condição de jornalista
precoce, o que também causa temor, pena e melancolia no articulista.
"Pobre petiz que sobe a UUIjornalmel/tindo, sem saber o que faz, implorando reclame como
os deputados que querem ser reeleitos, os autores de lil'ros medíocres e os secretários de
empresas teatrais? Que pellSara ele? Eu recordal'{/ oUlrosjomais idênticos e os resultados
dos precoces artificiais I'istos uo meu tempo de colégio e 110.1 meus primeiros tempos de
jomal( ...). Os pequenos nrio tem outro desejo senrio fingir-se de homem,fazer constar o seu
profllndo conhecimenlo da I'ida. Os sonhadores .Iriapoeras,fa/ando mal da vida com ares de
Mal!fÍ"edo. Os práticos redigiam jornais, mimando atitlldes dos pais. Por isso, por todas
coisas que depois de IlOlnon obsel"l'ei, uma grande pena e uma atroz melancolia eIlchem-me a
alma quando encontro uln jornal de crianças. Encontro, leio, enchem-me os olhos de água, e
guardo para comparar depois, srio todos iguais. Podialll ser assinados pelo conselheiro
Acácio; srio assinados por meninos que ainda nrio têm quinze anos! /-lá certo de I'ez em
quando talento. Mas para que fingir de homem antes de o ser?";()
Comparando a atitude desses jovens que, por um processo imitativo,
produzem eles mesmos os seus jornais, com a daqueles que através dos periódicos
desejam se promover, João do Rio no seu discurso literário reproduz uma situação
real e, ao mesmo tempo, cria uma narrativa fictícia.
Na sua complexa teorização, Paul Ricouer afirma que a escrita é a plena
manifestação do discurso. Entendendo discurso como evento ou proposição, onde
a função predicativa e de identificação convivem numa mesma frase, Ricouer insere
na sua discussão a idéia de abstração, inerente mesmo à noção de discurso, e,
portanto, dependente da unidade dialética de evento e significação. Para ele, se
todo discurso se atualiza como evento, todo o discurso é compreendido como
significação.
É porque esta dialética do evento e da significação se torna óbvia e
explícita na escrita que esta se transforma na plena manifestação do discurso. O
que escrevemos, diz Ricouer, não é o evento enquanto evento, mas a significação
do evento lingüístico. Assim como no discurso falado, a significação é diretamente
dependente da mímica, dos gestos e de outros aspectos não articulados do discurso,
na escrita a significação está diretamente vinculada ao receptor da mensagem. A
forma é também fundamental para esta significação~1 .
Ao narrar o seu texto sob a forma de crônica, João do Rio torna possível
a ele mesmo, enquanto construtor de mensagens, apresentar a situação vivenciada
como real, ao mesmo tempo em que externa opiniões, juízos de valor sobre o
acontecimento que se antepôs a sua narrativa.
Mas, certamente para o leitor de hoje, essa crônica possui significações
peculiares geradas pela distância temporal entre o escritor e o receptor da mensagem.
A não existência de situações comuns; as ausências das marcas externas da voz, da
face, do corpo do cronista como construtora daquele tempo e daquele lugar - a
redação do jornal; e a própria autonomia semântica do texto, que o separa do
escritor e o coloca no âmbito de leitores inteiramente desconhecidos do futuro -
como os que relêem esse texto já de segunda ordem, transcrito por um outro
narrador -tudo isso altera a significação do texto.
Recuperando-se o tempo e o espaço da descrição contidos na narrativa é
possível inserir uma marca distintiva, apreendendo a sua referência ostensiva,
inseri ndo o leitor na trama, como se parti Ihasse dela, graças a procedi mentos de
uma identificação singular. A plural idade de significações, construída na rede espacial
e temporal, faz com esse possa pertencer ao escritor e ao leitor de ontem ou ao de
hoje. A escrita liberta o texto do próprio autor, recolocando-o no lugar de sua
significação. O que importa agora não é mais o que o autor tentou dizer, mas a
significação explícita contida no seu dizer~' .
Assim, pode-se entender ainda hoje que produzindo textos - discurso
escrito e trabalhado - os jovens leitores passam de uma categoria a outra: de
leitores a produtores de mensagens. E isso só ocorre porque a leitura evoca
sobretudo uma produção: a leitura é condutora do desejo de escrever. Ao passar
para o lado do discurso escrito, também se inserem numa realidade que não é sua,
pelo menos aos olhos do cronista João do Rio, na significação que o texto readquire
a pani r de uma nova leitura.
Para aqueles jovens a leitura é a possibilidade de produzir algo escrito,
tornando-se, ainda que por imitação, jornalistas e tendo, embora limitada, toda a
notoriedade que envolve a profissão. A leitura não é a inserção em mundo real, mas
a possibilidade de transpor e criar uma nova realidade: igualmente de sonho.
Se a dificuldade em recuperar essa leitura e esses leitores é, ao mesmo
tempo, grandiosa e desafiadora, quando se refere aos grupos marginalizados na
sociedade torna-se ainda mais evidente. Os "excluídos da história" são também
leitores.
Recuperar sua leitura é quase impossível, não porque não tenham
história, mas por que a memória criada e fOljada desse tempo não contempla a voz
dos mais anônimos. Acrescente-se a isso o fato de fazerem, a maioria das vezes,
uma leitura de segunda mão, que é descrita, evidentemente, por aqueles que
efetivamente a realizam.
Em torno dos ambientes de trabalho, nas horas vagas do dia, leitores
anônimos lêem, em voz alta "a fúria informativa" dos periódicos. Recostados em
um canto, podem também ler si lenciosamente este mesmo jornal.
"Era costllme do carregador Domingos Paranhos Lorenzo, espanhol de 28 anos, solteiro,
residente a ma Visconde de Rio Branco, n. 13, ir ler ojomal, montado no tablado, enqllanto
0.1' operários trabalhm'amlá em cima. Cerca de II horas da manhã, tendo-se ele munido do
6 "Ontem, hoje e amanhã". In: Gazeta de Notícias, 4 jul. 1907, p. 3 e S jul. 1907, p. I.
7Jornal do Brasil, 3 abr. 1900, p. I.
8Gazeta de Notícias, 2 ago. 1907, p. 2.
9"A quadrilha da morte, um júri de sensação. O julgamento de Rocca e Leopoldina. O grandc
sucesso da Gazeta. Três edições". In: Gazeta de Notícias, 6 dez. 1912, p. I.
10"0 Jornal do Brasil atual". In: Jornal do Brasil, I jan. 190I, p. I.
110 Paiz, 16mai. 1914, p. 2.
12 "Os processos do jornalismo". In: O Paiz, 26 jun. 1914, p. I.
Il'O Paiz nos subúrbios". In: O Paiz, 20, 21 e 28 mar. 1906, p. 1
140 Paiz, 11 fev. 1906, p. S.
ISGazeta de Notícias, I se!. 1907. "Cinematógrafo", p. I. Citado por Magalhães JÚnior., op.
ci!., 1978, p. n
16 Netlo, op. ci!., 1977, p. 21,67 e 70. Chama-se "retrancar" a identificação nccessária à
paginação que é indicada em cada texto: a página que irá ocupar, o tipo de ilustração que receberá, a
rubrica onde ficarei localizada, entre outras.
17Carta de Hidelbrando Mello Pedra a Coelho Neto, s.d., op. ci!., 19.)8, p. 346-7. Fizemos
questão de manter a graria com todos os erros ortogrMicos encontrados no original.
18Barthes, O rumor da língua. Lisboa: Edições Setenta, 1987, p. 27-29.
19Darnton, "História da leitura". In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história - novas
perspectivas. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1992, p. 218.
20"0 popularíssimo·'. In: Jornal do Brasil, 15 novo 1900, p. 2.
21 Baneto. Vida e morte eleGonzaga eleSá, Rio eleJaneiro: Ediouro, S.eI.,p. 34.
22Rio, João do. "OS trabalhadores de cstiva". In: A alma encantadora das ruas. Rio de Janciro:
Secretaria Municipal de Cultura. 1987, p. 107.
23Netlo, op. ci!., p. 11.
24Neto, Coelho. Palestras elaTarde. Rio de Janeiro: Garnier, 1911, p. 67.
25Cardim, op. ci!., 1978, p. 121.
26Carta do deputado Rodolfo Paixão. In: O Paiz. 22 ou!. 1904, p. I.
270 Paiz, I jun. 1914, p. 2.
28Netto, op. ci!.. p. 51.
29lbidem. p. 10-11.
30 Gazeta de Notícias, 5 fev. 1907, p. 2 e 27 ou!. 1907, p. 4.
31"Concurso especial para moças". In: O Paiz. 3 abr. 1906, p, 2 e 4.
32BRAGA, Rubem. "Porque sempre simpatizei com o Jornal do Commercio". In:Jornal do
Commercio,op, ci!., 1977, p, 8.
33"Queixas do Povo", In: Jornal do Brasil, 15 nov, 1900, p. 2.
34 Rio, "As mulheres mendigas". In: op. ci!.. 1987, p. 127.
35 O Paiz, 22 e 23 jul. 1914, p, 2.
36Jornal do Brasil, 9 novo 1903, p. 2.
37Ricoeur, Paul. Teoria da interpretação. Lishoa: Edições 70, s.d., p. 38-39.
38 O Paiz.janeiro de 1907. Cf.também "Página franca", nas edições de domingo, a partir
de 3 abr. 1906 e O Paiz, 26 fev. 1906, p. 2.
39Carta de um primeiro tenenle professor da Escola Militar, por ocasião do incêndio, In: O
Paiz, 9 ago. 1917, p, 2.
40"Jornais de crianças", In: O Paiz, 29 se!. 1917, p. I.
41 Ricoeur. op, ci!., passim. Para Ricoeur os gêneros literários nada mais são do que expedientes
generalivos para produzir o discurso, Antes de serem classificatórios, são para o discurso regras técnicas
que presidem a sua produção e o estilo de uma obra. O que distingue o pensamento de Ricoeur de outras
análises semio-linguísticas, é o fato de que para ele toda a explicação se enraíza numa compreensão
prévia ou experiência de mundo, onde rica visível a familiaridade com a prática lingüística da poesia ou
da narração. Cf.também A metáfora viva. Porto: Editora Rés, 1981
42 É mais uma vez Paul Ricoeur que trabalha com essa noção de "autonomia semântica". A
inscrição do texto num código torna-se, segundo ele, sinônimo de autonomia semântica, resultando
numa desconexão da intenção mental do autor em relação ao significado verbal, ou seja, do que o aulor
quis dizer ao que o tcxto significa, A significação, no momento de apreensão do texto, interessa mais do
que o que o autor quis dizer quando o escreveu.
H'Morreu lendo o jornal", In: Gazeta de Notícias, 5 jan, 1907. p.l
44Correio da Manhã, 14 ou!. 1902, p. 2.
45Em 8 de abril de 1906, O Paiz lançaria o seu "Concurso da moda". distribuindo 250$000
em prêmios semanais, a quem fosse sorteado entre os que enviassem a resposta em um cupom impresso
no próprio jornal. Em I de janeiro do ano seguinte, realizou o sorteio do Prêmio de Ano Bom: um
automóvel. A assinatura da folha daria direito ao "recebime'nto diário, ao sorteio de Natal, em que serão
distribuídos 400 relógios de algibeira e ao Automóvel". O Paiz, 8 abr. 1906, p. I e I ou!. 1906, p, 1
460 Paiz, 19 abr. 1906. p. I e 1 No mês seguinte, pagam o segundo seguro ao irmão de
Lourenço Bento Cardoso, vítima de um desastreem Santa Cruz. O leitor é "um pobre operário que vivia
de seu honrado trabalho num estado de pobreza de que dá idéia perfeita a casa em que morava". A foto,
onde a viúva, uma preta velha, estáà porta de uma casade pauà pique, dá a dimensão exata do que ojornal
diz. O Paiz, 19 mai.1906, p. I e 1
47Barreto, Lima. Diário do hospício. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, 1993,
48Rio,op.ci!.,1987,p.161-162.
49Jornal do Brasil, 6 novo 1900, p. 1
50BRASIL. Ministério da Agricultura e Indüstria. Diretoria Geral de Estatística.
Recenseamento do Brasil realizado em I seI. 1920; introdução, resumo histórico dos inquéritos
censitários realizados no Brasil. Rio de Janeiro, 1922, vol. I.
51 Freadman e Miller. op. cil., 1994, p. 250-272. Paul Ricoeur, por exemplo, tenta construir
uma teoria da literalllra apoiando-se na fenomenologia do ato de ler e na estética da recepção, pensando
a efetivação do texto e a leitura como condições indispensáveis para revelar as possibilidades semânticas
e para que o trabalho de refiguração da experiência se realize. Compreender a apropriação do texto, para
Ricoeur, é uma mediação necessária à constituição do próprio texto e à compreensão de si mesmo.
52WHITE, Hayden. Tropics 01' discourse: essays in cultural criticism. Baltimore: The Johns
Hopkins University Press, 1978, p. 99-110.
53Também o nümero de funcionários püblieos e empregados nas indüstrias dobra no período
passando de 17.989 para 334.921, no primeiro caso, e de 54.520 para 101550 no segundo. Os empregados
no comércio também apresentam um pequeno acréscimo: passam de 48.048, em 1890, para 62.062, em
1906. Mas o maior crescimento relativo fica com os profissionais liberais, que de 1589 passam a ser
12.050, em 1906.
540 Decreto 434 de I jun. 1903 divide o território do Rio de Janeiro em duas zonas (urbana
e suburbana). A urbana é constituída de 18 distritos e a suburbana por sete. BRASIL. Recenseamento
realizado em 20 seI. 1906. Rio de Janeiro: Or. de Estatística, 1907, p. 21 citado por Lobo, op. cil., Vol.
11, 1978, p. 828.
55Em 1906, 619.648 pessoas estão concentradas nos distritos urbanos, enquanto 185.687
nos rurais. Em relação aos primeiros, a área central, composta dos distritos da Candelcíria, São José,
Santa Rita, Sacramento, Santana, Santo Antonio, possui 241.197 habitantes. Já nos distritos suhurbanos
de Engenho Novo, São Cristóvão, Engenho Velho, Andarai, Tijuca e Méier moram 258.607 pessoas.
Nos distritos rurais, o maior contingente populacional encontra-se em Inhaüma - 68.557 -, que no caso
da quantificação realizada, considerou-se como subürbio. Lobo, op. cil., p. 828.
56Eduardo Silva estudou especificamente em relação ao Jornal do Brasil a coluna Oueixas do
Povo. Com objetivo fundamentalmente diverso - apreender o nível de cidadania da população, a partir
de valores e comportamentos expressos nessa coluna - o autor analisa durame o mês de abril dos anos
1900, 1905 e 1910 essas queixas, do ponto de vista do seu emissor (categoria sócio-profissional,
origem da queixa), temática envolvida, natureza (se individual ou em grupo). op. cil., 1988.
570 Paiz, 24 abr. 1914, p. 2.
58 Barbosa, op. cil., 1991, p. 177-181.
59Correio da Manhã, 8 mai 1910, p. 8.
60Gazeta de Notícias, 2jan. 1907, p.1 Através da campanha "O Natal das Crianças", que se
inicia em novembro pedem aos leitores doações de brinquedos a serem sOt1eados, como em 1907, quando
anunciam o "sorteio de mais de 200 brinquedos".
6l"Formigas formam panelas em plena rua. Reclamação justa". In: Gazeta de Notícias, lago.