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O
s jornais impressos são instrumentos relevantes para a construção da história da
comunicação. Eles possuem textos que abordam o cotidiano de uma sociedade
e deixam pistas sobre as suas relações com as instâncias de poder. A partir das
letras impressas é possível visualizar traços significativos dos discursos traçados e irradiados
no cotidiano de uma sociedade.
Todavia, os estudos de cunho histórico com jornais e outros meios de comunicação
no Brasil são caracterizados, segundo Marialva Barbosa (2013), pelo uso das transformações
ocorridas na Europa como modelo para produzir uma história da comunicação nacional. Para
a autora, “estudamos história da comunicação a partir de mundos absolutamente estrangei-
ros. Os processos da Europa Ocidental são transpostos para o território brasileiro, como se
ITINERÁRIO METODOLÓGICO
Não se pode esquecer, entretanto, que a imprensa marcada pela “literatice” também
operava, ao seu modo e limite, como um mecanismo de ação na vida cultural, mesmo
que tal ação estivesse voltada à manutenção de uma pequena camada com acesso à
produção simbólica ou que fosse caracterizada por um debate para poucos. Atuar por
aquela perspectiva, portanto, pode ser entendido como um modo de instruir as relações
do setor cultural da época (GADINI, 2009, p.140).
Dessa forma, o jornalismo seria o responsável por formar, ainda que para uma pe-
quena parcela da sociedade, o mercado de bens simbólicos através da visibilidade e status que
conferia à classe cultural, bem como, por promover e pautar os debates sociais em torno das
produções artístico-culturais.
continua...
04 01 26 05 04 05 04 15 64
1840-1849 01
1850-1859 06
1860-1869 06
1870-1879 07
1880-1889 02
1890-1899 04
Fonte: Elaboração própria.
A tentativa de buscar uma história de como a cultura passou a adquirir mais rele-
vância e, assim, também conquistar um status de notícia nos semanários literários do Mara-
nhão, não pode ignorar a atuação destes impressos. Logo, destacamos a seguir alguns aspectos
dos 10 títulos selecionados para esta pesquisa.
Intitulado de A Revista, este impresso surgiu em São Luís em 1842 e circulou até
1850. Ele era produzido, segundo Martins (2010), por Francisco Sotero dos Reis, um dos
jornalistas mais importantes para a consolidação da opinião pública e difusão da atividade
letrada e do gosto pela leitura na província do Maranhão durante o século XIX. A Revista era
um periódico composto por quatro páginas e trazia célebres artigos de crítica literária, além
de notícias do Rio de Janeiro, e de outros países, como Portugal e França.
A Estrella da Tarde circulou em São Luís no ano de 1857, composto por quatro pá-
ginas marcadas, predominantemente, pela presença de crônicas, poesias e charadas. Também
fundado em São Luís, A Estrella Maranhese surge em 1859 no território maranhense. Era um
jornal de quatro páginas, cuja proposta era publicar informações sobre religião, moral, histó-
ria, poesia e outros ramos da literatura.
Em 1862 é criado no munícipio de Caxias, ao leste do Maranhão, O Álbum Caxien-
se, periódico literário, comercial e recreativo, composto por quatro páginas. Na mesma déca-
da, em 1867, é fundado por Joaquim Serra em São Luís o Semanário Maranhense. Este jornal
surgiu, conforme Martins (2010), com o objetivo de suprir uma lacuna na imprensa mara-
nhense desse tipo de publicação, tendo como inspiração os periódicos literários publicados no
Maranhão, como o Jornal de Instrução e Recreio, O Arquivo e a Revista Universal Maranhense.
Assim, com uma linha editorial acentuadamente voltada para o cultivo das belas letras
e da cultura locais, sem descuidar do patriotismo, mas sempre com um pé fincado no
orgulho das “tradições” provinciais, o Semanário Maranhense pôs à disposição de seus
leitores um conjunto de artigos e peças literárias bastante diversificado, entre contos,
novelas, artigos de interesse historiográfico e econômico, poemas, crônicas, crítica lite-
rária, preleções, cursos, entre outros (MARTINS, 2010, p.125).
Ainda em São Luís, surge em 1872, dirigido por Ribeiro dos Santos, o periódico
A Brisa. O jornal era composto por quatro páginas e dedicado à literatura em geral, com des-
taque para a literatura folhetinesca. No ano de 1877 é fundado por Paulo Ribeiro da Concei-
ção o jornal Commercio de Caxias. O impresso, cujo caráter era noticioso, contava com quatro
páginas e tem existência documentada até 1895.
Na cidade de Viana é fundado em 1880 o jornal A Reforma. A folha era propriedade
de Tancredo Ulysses de Mattos, possuía quatro páginas e se dizia independete, com o objetivo
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de “no campo do raciocínio os vícios e os maus costumes e tudo quanto causa prejuízo da
nossa santa religião, moral, educação da mocidade e a preciosa reputação dos homens sem
mácula” (NASCIMENTO, 2007, p.53).
Convém destacar que, assim como no impresso A Reforma, vários semanários ma-
ranhenses deste período expressavam em suas páginas um entendimento de cultura baseado
no aprimoramento dos conhecimentos, de modo a conduzir a população a um estado de
progresso, de civilidade.
Qual astro surge sob felices suspicios o jornal – REFORMA – e podemos assim dizer
sem vaidade porque, ele só vem, e certo estamos que não morrerá no nascedouro para
pugnar pelo bem esta amada Pátria e pelo engrandecimento, procurando todos os
meios de fazê-la hombrear com as nações mais cultas e progressistas; e assim também
para combater no campo do raciocínio e bons termos, os vícios e maus costumes e tudo
quanto causa prejuízo a nossa santa religião, moral, educação de mocidade e a preciosa
reputação dos homens sem mácula (REFORMA, julho de 1880, nº 01, p.01)
Outro periódico de Viana que surge neste mesmo ano é O Domingo. O jornal pos-
suía quatro páginas e publicava diversos gêneros literários, como contos e poesias. Nos anos
de 1890, mais precisamente em 1899 circula na cidade de Picos (hoje Colinas), localizada ao
leste do Maranhão, O Juvenil. Este jornal, formado por quatro páginas, era considerado críti-
co, literário e noticioso, tendo como gerente Odorico Barros. O número dois deste impresso
foi dedicado integralmente a uma homenagem a Francisco Dias Carneiro3.
No que se refere aos principais formatos culturais o que mais predominava nos títu-
los analisados eram aqueles ligados diretamente a literatura, como a poesia, poemas e sonetos.
Este tipo de formato abordava frequentemente relações amorosas, desilusões e, inclusive,
sentimentos nacionalistas, como é o caso do soneto publicado no jornal “Estrella da Mara-
nhense”, que relatava o surgimento de um novo tempo no Brasil graças à sua independência.
Partidas
No dia 9 partio desta para a cidade de Codó, depois de ser demorado aqui alguns mezes
entre nós, o nosso distinto amigo Dr. Cosme Eurico Dias Carneiro, Promotor Público
d’aquella Comarca. Que tenha feito uma boa viagem são nossos ardentes desejos (O
JUVENIL, fevereiro de 1899, nº 03, p.03).
É uma época, cujo panorama cultural é favorecido pelo enriquecimento particular e re-
finamento social e costumes europeus, em que homens doutores e bacharéis de Coimbra
destacam‐se também como poetas e prosadores. É o caso de Gonçalves Dias, purista
da língua, etnógrafo e dramaturgo, o ‘Cantor do Timbiras’, que definiu as primeiras
características do Romantismo na poética indígena; e Sousândrade (que não teve for-
mação em Coimbra, mas em Sorbonne, onde estudou engenharia de minas e letras), o
mais remoto precursor do modernismo atual, autor de O Guesa. Destacam‐se, ainda, o
já citado João Lisboa, historiador e publicista, discípulo de Sotero dos Reis que, como
aquele, não possuía títulos universitários. Este período abrange o ciclo econômico do
algodão, que vai de 1832 a 1868 (CASTRO; FAGUNDES, 2012, p. 234).
Este trecho do jornal O Álbum de Caxiense nos faz perceber que o Maranhão, mes-
mo sendo um dos principais produtores de algodão neste período, não atendia a demanda do
comércio local, pois toda sua produção, inclusive a lógica de preços, era pensada para atender
a outros países.
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Ainda que nosso foco de investigação sejam os formatos culturais, vale destacar
a publicação de anúncios de venda e desaparecimento de escravos nos jornais A Revista e
Commercio de Caxias. A presença deste tipo de publicidade demonstra que a cultura naquele
momento era pensada e consumida, sobretudo, pela nobreza urbana (“os senhores de escra-
vos”).
No entanto, com a passagem do século XIX – que registra transformações como a
abolição da escravidão e a proclamação da República – o espaço dos anúncios de escravos é
substituído por aqueles destinados a produtos culturais e de cunho comercial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Abstract: this article presents a mapping of the main cultural formats expressed in liter-
ary publications maranhenses of the nineteenth century. Thus, a survey was done based on
newspapers catalog Library Benedito Leite, of literary or artistic publications of state. Then
we selected 10 weekly titles for the identification and classification of formats from content
analysis parameters. The result of research shows the use of poetry / poems / sonnets; charades /
anecdotes; tale; serials; letters and news/notes through which the vehicles represent in its pages
the transformations in urban areas and the flowering of ideas and cultural habits.
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Keywords: Culture. History. Literature. Newspapers. Maranhão.
Notas
1 Trata-se de uma variável da “hipótese da espiral do silenciamento”, desenvolvida por Elisabeth Noelle-
Neuman, que defende que os indivíduos aderem ao modo de pensar apresentado pela mídia pela simples
possibilidade de se sentirem isolados em seus comportamentos, opções ou atitudes.
2 Munícipio localizado no Norte do Maranhão, com uma população estimada de 49.496 habitantes, segundo
IBGE. A localidade foi a segunda do estado a fundar seu primeiro jornal, Alavanca, de 1876.
3 Destacou-se no Maranhão por sua liderança no partido conservador, homem das letras, proprietário rural e
um dos precursores da indústria têxtil no país.
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