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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-

GRADUAÇÃO COORDENADORIA DE PESQUISA


CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES DE CAXIAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS

Relatório parcial

ESTUDOS ESTATÍSTICO-LITERÁRIOS EM LITERATURA


LUSÓFONA: JUNÇÃO DE ESFORÇOS ENTRE A LINGUATECA E O PORTAL
MARANHÃO
Projeto de Pesquisa

A ROUPA NA LITERATURA DE LÍNGUA


PORTUGUESA: UMA ANÁLISE DO CORPUS
LITERATECA
Plano de Trabalho

Equipe Executora: Jonas Vinicius Albuquerque da Silva Santos - Bolsista PIBIC / CNPq

Prof. Dr. EMANOEL CESAR PIRES DE ASSIS


Orientador

Caxias – MA
2022
ESTUDOS ESTATÍSTICO-LITERÁRIOS EM LITERATURA
LUSÓFONA: JUNÇÃO DE ESFORÇOS ENTRE A LINGUATECA E O PORTAL
MARANHÃO
Projeto de Pesquisa

A ROUPA NA LITERATURA DE LÍNGUA


PORTUGUESA: UMA ANÁLISE DO CORPUS LITERATECA
Plano de Trabalho

Jonas Vinicius Albuquerque da Silva Santos


Bolsista PIBIC / CNPq

Prof. Dr. Emanoel Cesar Pires de Assis – UEMA


Orientador
RESUMO:

A literatura é um fenômeno presente na sociedade desde seus primórdios, seja de forma oral
ou escrita. A criação literária é algo extremamente complexo, que pode ser vista como um
todo que possui suas inúmeras particularidades, podemos dizer, por exemplo, que quase toda
literatura produzida no ocidente recebeu influência dos textos homéricos, mas que cada um se
torna especial da sua forma. Para tanto, buscou-se formas de organizar a sexta arte, tornando-
a mais palpável e de maneira que pudesse ser ensinada de forma mais didática, assim surge
uma das formas mais conhecidas que é a organização a partir daquilo que ficou conhecido,
mesmo que com inúmeras controvérsias, de Escolas Literárias. Porém, essa não é a única
maneira de analisar a história da literatura, apesar de ser válida e merece destaque quando
estamos explorando qualquer obra ou conjunto. Com os adventos da tecnologia, a literatura
também encontra espaço no mundo virtual, Franco Moretti (2007) observa como os
computadores nos deram a possibilidade de analisar um conjunto de obras de maneira mais
fácil e rápida, e assim escreve seu livro Distant Reading. Em seus escritos, o italiano analisa a
maneira como os dados computacionais da literatura permitem que possamos explorar um
conjunto enorme de obras de maneira que buscamos nesse conjunto (corpus) apenas o que nos
interessa e assim podemos fazer uma leitura sem precisar ler manualmente todos os livros que
ali estão presentes. Essa maneira de análise abre portas para diversos vieses a serem
explorados, e tendo como base estudos da Universidade de Olso e textos de Santos (2021),
utilizamos a ferramenta AC/DC disponível no site linguateca.pt para analisarmos como os
autores do século XIX exploram a roupa em seus livros. Após a leitura de textos de
Monteleone (2019) e Monteiro e Ferreira (2005), conseguimos perceber aspectos sociais e
econômicos que existem em volta do vestuário desse período e assim analisarmos utilizando o
AC/DC e o corpus literateca, que possui apenas autores lusófonos em domínio público em sua
composição.

Palavras-chave: Literatura. Roupa. Lusofonia. Séc. XIX.


SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO: 5
2. OBJETIVOS: 8
Objetivo Geral: 8
Objetivos Específicos: 8
3. METODOLOGIA: 8
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES: 9
4.1 Moda, sua influência e história 14
4.2 O papel socioeconômico da roupa com a figura feminina no século XIX 18
4.3 Mucamas, escravas, crioulas e seus trajes 21
4.4 Divulgação e publicações 23
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: 25
REFERÊNCIAS 26
1. INTRODUÇÃO:

A língua é um dos componentes mais relevantes de uma sociedade, é através dela


que as pessoas se comunicam, seja através da oralidade ou da escrita. É também um fator
que está intrinsecamente conectado aos seus falantes, pois a língua, enquanto ser vivo,
desenvolve variações linguísticas que podem ser provenientes de moradores de uma região,
classe social, e outras esferas da sociedade. Ao observar a língua portuguesa, nota-se que
apesar de ser falada em diversos países e em três continentes diferentes, cada um dos
territórios possui variações. A criação de histórias também é uma parcela significativa da
língua, pois é a partir dela que, em alguns casos, há um reflexo da população, suas
variações e costumes.
Essa criação compõe a literatura, um fenômeno cultural que possui inúmeros
atributos e, entre eles, a construção de narrativas utilizando características de uma
determinada sociedade. Candido (2014, p. 13) aponta que: "O elemento social se torna um
dos muitos que interferem na economia do livro, ao lado dos psicológicos, religiosos,
linguísticos e outros." Destarte, percebemos que até mesmo utilizando uma mesma língua,
povos diferentes produzem histórias diferentes, pois apesar de o social ser apenas um dos
elementos, como apontado pelo autor, ainda possui sua carga de importância dentro da
narrativa e as realidades sociais são diversas, é possível observar também que, até mesmo
dentro de um único país, ainda existe diversidade na produção cultural.
Ilustrando quais seriam algumas dimensões sociais dentro de uma obra literária,
Candido (2014) destaca Senhora, de José de Alencar, um livro escrito no século XIX, da
seguinte forma: "Como todo livro desse tipo, ele possui certas dimensões sociais evidentes,
cuja indicação faz parte de qualquer estudo, histórico ou crítico: referências a lugares,
modas, usos; manifestações de atitudes de grupo ou de classe;" (CANDIDO, 2014, p. 13).
Como podemos observar, até dentro do social, ainda existem inúmeros vieses que podem
ser analisados, e aqui o autor destaca um que também é de nosso interesse: a moda.
A moda é considerada também como um fenômeno cultural, algo que inicialmente
foi feito para a sobrevivência, adotou aspectos artísticos por países de todo o globo até
chegar no status que conhecemos hoje. Ela é um aspecto da sociedade de suma
importância, que, assim como a literatura, é classificada como uma arte, além disso, como
objeto pragmático, mexeu e mexe com as construções sociais e econômicas. Brandini
(2009) diz que:
Embora o vestuário, como expressão de moda, seja um fenômeno iniciado no
século XII, na sociedade ocidental, e a complexidade da história da moda possa,
por si só, servir como ilustração da história social do Ocidente, como vemos nas
obras de historiadores como Christopher Breward e Anne Hollander, e de
pintores como Watteau e Van Gogh [...] (BRANDINI, 2009, p. 75).

Como afirmado pela autora, a moda é uma dimensão social tão rica que seria capaz
de contar todo o trajeto histórico ocidental da humanidade, o que levanta a questão: qual
diálogo poderia se estabelecer entre o retrato da sociedade através da escrita e a moda? Ao
passo que a literatura é um campo da arte tão abastado quanto a moda, e como apontado por
Candido (2014) traz dimensões de uma sociedade. Refinando mais a questão: como a
moda, um aspecto social, está sendo representada dentro da literatura?
Estudos relacionando esses campos da arte já foram feitos e nota-se que há uma
riqueza de possibilidades dentro dessa temática. Santos (2021) desenvolveu uma pesquisa
que aponta a forte menção da roupa nas obras literárias lusófonas e ressalta que:

É importante ressaltar aqui de novo que as categorias foram originalmente


pensadas para o vestuário do século XX em texto jornalístico, enquanto que a
maioria dos romances que analisamos neste artigo foram escritos no século XIX
ou nas duas primeiras décadas do século XX (SANTOS, 2021, p. 632).

A pesquisa da autora observa que em um período específico de tempo há uma forte


presença do vestuário, tendo em vista que apesar de pensar essa análise para o século XX,
Santos (2021) percebeu que esse aspecto é mais citado no século XIX, e nas primeiras
décadas do século XX. Nos levando a levantar a questão, o que de diferente aconteceu
nesse período dentro da moda para que tenha tamanho destaque dentro da produção
literária?
O século XIX, historicamente falando, foi um momento de grandes transformações
no curso da humanidade, nesse período ocorreu a Revolução Industrial, levando à ascensão
da burguesia na sociedade ocidental. Essa ascendência desencadeou inúmeros fatores na
vida privada dos indivíduos, como aponta Brandini (2009, p. 03):

A dissociação entre o domínio público e privado ocorrida com a ascensão do


capitalismo industrial do século XIX modificou o cotidiano e, consequentemente,
a figura do indivíduo, que passou a ser constituída com influência do
desenvolvimento tecnológico e da industrialização.
Também foi um século conturbado no Brasil, onde a conquista da independência e a
proclamação da república aconteceram em um curto período de tempo. Assim como houve
uma grande necessidade de modernização em nosso país, que contou com uma grande
influência francesa nas artes, incluindo literatura e moda. Como então podemos analisar
esse período e sua produção literária tendo em consideração o grande número de livros
publicados durante esse recorte temporal?
A Linguateca (www.linguateca.pt), plataforma que é usada na pesquisa de Santos
(2021), é um site fundado pela autora e que possibilita uma procura em corpora. Esses
corpora são um conjunto de textos que podem ser trabalhados de acordo com a necessidade
do pesquisador, sendo divididos por suas características. A Literateca, por exemplo, possui
obras apenas de países lusófonos. O site dá a possibilidade de pesquisa nesses materiais de
diversas formas, permitindo a separação dos resultados por países, campo semântico,
década, etc. Apesar disso, a pesquisa necessita de um treinamento, pois o site usa códigos
que aqui serão denominados como configurações.
Pautado nos preceitos de Franco Moretti (2007), o Distant Reading é uma nova
forma de análise literária nascida no século XXI com o crescimento das novas tecnologias.
Essa maneira de pesquisa não se baseia na leitura completa do texto, e sim numa busca por
determinados aspectos num conjunto de obras. Já que:

[...] um cânone de duzentos romances, por exemplo, parece muito grande


para a Grã-Bretanha do século XIX (e é muito maior do que o atual), mas
ainda é menos de um por cento dos romances que foram realmente
publicados: vinte mil, trinta, mais, ninguém sabe realmente – e a close
reading não vai ajudar aqui, ler um romance por dia, todos os dias do ano
levaria cerca de um século. E não é nem uma questão de tempo, mas de
método: um campo tão grande não pode ser entendido costurando pedaços
separados de conhecimento sobre casos individuais, porque não é uma
soma de casos individuais: é um sistema coletivo, que deve ser aprendido
como um todo [...] (MORETTI, 2007, p. 4, tradução nossa).1

Como podemos ver, o autor defende que não é possível ler totalmente os aspectos
de um determinado conjunto de livros através da leitura próxima (close reading), não
1
[...] a canon of two hundred novels, for instance, sounds very large for nineteenth-century Britain (and is
much larger than the current one), but is still less than one per cent of the novels that were actually
published: twenty thousand, thirty, more, no one really knows - and close reading won’t help here, a novel a
day every day of the year would take a century or so… And it's not even a matter of time but of method: a
field this large cannot be understood by stitching together separate bits of knowledge about individual
cases, because it isn't a sum of individual cases: it's a collective system, that should be grasped as such, as a
whole [...]
apenas pelo tempo, e sim porque essas obras funcionam como um todo que deve ser
analisado como um tal. O Distant Reading, apesar de ser inicialmente estudado por Moretti,
já existia antes da publicação de seus estudos, o que ele faz é analisar como essa nova
forma está se desenvolvendo e também a nomeia. É nesse conceito que pautamos esta
pesquisa, na leitura através de um todo, nesse caso, no Brasil e Portugal do século XIX.

2. OBJETIVOS:

Objetivo Geral:

● Analisar o campo semântico da roupa/vestuário num corpus literário de literaturas


de língua portuguesa.

Objetivos Específicos:

● Perceber os marcadores sociais associados à descrição da roupa na literatura de


língua portuguesa;
● Analisar se fatores como o clima e estratificação social atuam na descrição do
vestuário em obras das variantes brasileira e europeia do português;
● Fortalecer as iniciativas de cooperação internacional entre a UEMA e a
Universidade de Oslo.

3. METODOLOGIA:

A Linguateca é um centro de recursos para processamentos computacionais da


língua portuguesa, que existe no intuito de servir a comunidade acadêmica. Dessa forma,
nela há uma variedade de recursos e interfaces, possibilitando a consulta de seus corpora
(conjuntos de textos divididos por suas características semelhantes) através de suas
ferramentas. Essa leitura pode ser feita digitando no campo de pesquisa configurações que
atendam às necessidades do pesquisador, além da seleção de como deseja que os resultados
sejam divididos pelo sistema.
Baseado nos conceitos de Distant Reading, dividimos o trabalho em fases, primeiro
há o levantamento de quais termos que estão ligados ao vestuário dentro do corpus
Literateca. Logo em seguida, dividimos os resultados por países, para termos uma ideia de
quais palavras relacionadas ao vestuário prevalecem em cada nação, e fizemos uma
pesquisa bibliográfica na área da moda e literatura. É importante ressaltar que a
interdisciplinaridade é inevitável, já que se trata da história da moda dentro da literatura.
A Linguateca funciona como uma mistura de pesquisa quantitativa com qualitativa,
pois a ferramenta de busca onde inserimos as configurações nos dá resultados de acordo
com as divisões do sistema, dando a possibilidade de encontrar o termo que buscamos em
seu contexto. Assim, da mesma forma que a Linguateca apresenta números, ela também
expõe frases literárias e seus contextos. Também pode aparecer somente o termo e a
quantidade que se repete dentro do corpus. É importante ressaltar que nesse corpus
trabalhamos com obras de domínio público, ou seja, obras cujos autores morreram há pelo
menos 70 anos, o que hoje é equivalente à metade do século XX.
Durante o processo, seguimos uma ordem em que a leitura de artigos e textos de
autores da área da moda e história era realizada inicialmente para que em seguida
pesquisarmos os termos apontados por eles dentro da literatura presente no corpus em
análise. A partir disso, conseguimos levantar a nomenclatura de roupas que esses
pesquisadores apontam como de maior relevância no período analisado, e assim geramos
hipóteses e questionamentos sobre o nosso objeto de estudo, e como podemos ver o reflexo
da sociedade em que foi produzida nos textos dos escritores literários do século XIX.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES:

Na página inicial da www.linguateca.pt podemos encontrar descrições de suas


inúmeras possibilidades de pesquisa, além de sua história, objetivo e equipe responsável
pela sua manutenção. Ao clicar em acesso a recursos, as interfaces de pesquisa disponíveis
no site são listadas, e em AC/DC (acesso a corpus/disponibilização de corpus), o sistema
apresenta todos os corpora disponíveis nesta interface. Por fim, a Literateca, onde estão as
obras brasileiras e portuguesas que precisamos, é acessada.
Três dos principais códigos devem ser colocados entre colchetes ([, ]) e seguidos de
um sinal de igual (=) para que possamos obter os resultados. O principal código é o sema,
que funciona como uma abreviação para semântico, ou seja, o campo semântico que
desejamos que esteja nos resultados. O segundo é o lema, esse código é usado para indicar
uma palavra juntamente com suas variantes, ou seja, suas variações, exemplo:
[lema=”casa”] resulta em casa, casas, casinhas, etc. E, por fim, o código word que é usado
para que o sistema nos dê apenas a palavra em específico, sem qualquer variante.

Figura 1: Página Inicial da Literateca. Fonte:


https://www.linguateca.pt/acesso/corpus.php?corpus=LITERATECA

Na barra de pesquisa, inserimos a configuração [sema="roupa"] e encontramos


64.904 ocorrências, ou seja, esse é o número de vezes que o vestuário está presente entre as
palavras das obras cadastradas na Literateca. A partir disso, precisa-se fazer as divisões
para que essas ocorrências estejam nos requisitos de objeto de pesquisa. A primeira divisão
feita é a por forma, foram encontradas 1.149 formas, sendo as cinco principais: vestido
(3.298 ocorrências), chapéu (2.956 ocorrências), roupa (1.927 ocorrências), seda (1.901
ocorrências), e coroa (1.878 ocorrências).
Em seguida foi feita a distribuição temporal, reparamos que as décadas de 1880 e
1870 são as que os termos ligados ao vestuário aparecem com mais frequência.
Especificando os vocábulos já citados, vestido, por exemplo, aparece mais na década de
1870, respeitando o recorte, porém a década 1900 apresenta-se em segundo lugar. Chapéu
está mais presente nas décadas de 1880 e 1870, roupa em 1900 e 1880, seda, nas de 1900 e
1870 e por último coroa que se apresenta com força em 1850 e 1840. Importante notar
como essas datas conversam com o estudo de Santos (2021) anteriormente citado. O que
levanta dúvidas do porquê essas datas se destacarem no quesito roupa: existiria algum
movimento artístico naquele período que se preocupava com a roupa como um
discriminador social? Ou estaria ligado aos ideais românticos e realistas que dominavam o
fim e a virada do século?
Prosseguindo, para obter um número relativo dos termos mais citados, distribui-se
os resultados das palavras mais frequentes ligados ao vestuário no corpus pela variante(PT
para Portugal e BR para Brasil), que é uma divisão entre as obras de literatura portuguesa e
brasileira. Por exemplo, a palavra com [sema=”roupa”] mais usada na literateca é vestido.
Destarte, pesquisa-se [lema=”vestido”] com distribuição por variante do português,
resultando em 2.229 casos dentro das obras portuguesas do corpus. Para obter o número
relativo, divide-se o resultado anterior por 26.473.113, que é o total de palavras em obras
escritas por autores portugueses da literateca, resultando em 11.876 que seria como: a cada
11.876 palavras, uma é vestido. E para obter os números de obras com origem brasileira
usa-se o mesmo cálculo só que dividido por 90.177.76, sendo esse o total de palavras em
textos de autores brasileiros. Segue a tabela dos resultados com os 5 termos mais utilizados
de forma geral:

Vestido PT: 11.876

BR: 7.764

Chapéu PT: 14.728

BR: 6.624

Roupa PT: 24.759

BR: 9.962

Seda PT: 19.366

BR: 15.060

Coroa PT: 15.845

BR: 40.987

Tabela 1. Dados adquiridos em: www.linguateca.pt


É interessante notar que Coroa é a única palavra na qual PT prevalece, podendo
levantar inúmeras dúvidas sobre a relação da literatura portuguesa com a nobreza, as
figuras do rei e rainha, que estiveram presentes na sociedade colonizadora por muitos anos
e com bastante força. Porém pode-se observar que o BR é dominante em todos os outros
termos, por isso usamos a configuração [sema="roupa"], distribuindo por variante e
utilizando o mesmo cálculo anterior há: PT: 590 e BR: 423, podendo concluir que dentro do
Literateca, as obras brasileiras citam mais o vestuário do que as portuguesas.
Essas pesquisas, porém, possuem uma margem de erro tendo em vista que algumas
palavras podem não ser lidas pelo sistema com o sema que possuem. Para identificar alguns
erros, usa-se configurações como [sema!="roupa" & lema="casaco"], assim o sistema
entrega as vezes em que a palavra casaco não é lida como algo ligado ao vestuário, por
conta do ponto de exclamação. Ao pesquisar a configuração anteriormente colocada
aparecem 33 ocorrências, que podem ser somadas às 567 que estão lidas corretamente.
Vale ressaltar que apenas em casos com palavras homônimas pode-se ter certeza da
precisão da pesquisa, tendo em vista que elas possuem apenas um sentido. Para podermos
criar regras separamos os casos que o sistema nos apresenta e recortarmos uma parte da
frase para em seguida utilizarmos uma letra (como o “a”) e o sinal >> para que possamos
dizer ao sistema a qual sema atribuir a palavra destacada pela letra. Alguns exemplos de
regras criadas com a palavra luva:
par=JD-Uma_flor_de_entre_o_gelo-297: [word="de"] a:[lema="luva"] [word="branca"]
Estes elegantes de casaca, de cabelos >> a:[sema="roupa"]
frisados, de luva branca, que se
meneiam, que se torcem, que envergam,
e adejam, como importunos mosquitos,
em volta das nossas cadeiras, sibilando-
nos insulsas galantarias; que nos falam no
tempo ao ouvido, para se darem
aparências de intimidade; que nos fazem
o favor de uma risada da moda a cada
sensaboria que pronunciamos; 'ses leões
terríveis que, carregando o sobrolho,
imaginam ter fascinado uma mulher...;
ninguém lhes pode querer mal, coitados,
mas também quem os poderá tomar a
sério ?
par=AdoCam-O_Bom-Crioulo-28: Por fim [word="comandante"] [lema="abotoar"]
apareceu o comandante abotoando [word="a"] a:[lema="luva"] [word="branca" >>
a luva branca de camurça, teso na sua a:[sema="roupa"]
farda nova, o ar autoritário, solta a
espada num abandono elegante, as
dragonas tremulando sobre os ombros
em cachos de ouro, todo ele
comunicando respeito. 
Tabela 2. Fonte: www.linguateca.pt
Como podemos notar, em todos os casos apresentados a palavra está em seu uso
comum, se referindo à peça de roupa. Porém existem concordâncias em contexto que
divergem dos apresentados em que luva está sendo utilizada como uma metáfora como:

par=EQ-Uma_Campanha_Alegre_II-111: Um vestido [word="como"] [lema="uma"] a:


inteiro, branco ou negro, modelando o corpo como [lema="luva"] >> a:[sema="roupa"] 
uma luva, o pescoço livre, os cabelos em duas
tranças, ao comprido das costas. 
Tabela 3. Fonte. www.linguateca.pt
Em tais casos, optamos por não criar regras, pois a utilização da palavra não está
ligada à descrição de personagem, o que, de certa forma, é essencial para nosso projeto e
seu objetivo de analisar a roupa na literatura lusófona do século XIX. Outro caso de regras
feitas é da palavra sobrecasaco, destacamos essa palavra com as leituras feitas a partir do
tema sobre o vestuário e o clima, sendo uma das principais formas de se proteger do frio.
Para tanto criamos algumas regras como:

par=JD-Uma_Família_Inglesa-716: Enfiando a:[lema="sobrecasaco"] >> a:[sema="roup


o sobrecasaco e aceitando das mãos de Jenny o chapéu
e a bengala, continuou no mesmo tom :
par=MdOP-A_afilhada-1: Uma tarde, ainda palitando
os dentes, ia calçada acima, em demanda da Feira Nova,
com as mãos para trás segurando a bengala ao meio, o
rosto para o ar, o sobrecasaco desabotoado como para
receber no estômago a frescura vespertina, as costas das
mãos aderindo sobre o roliço das nádegas, indo para um
lado e para o outro as abas da vestimenta ao impulso das
passadas, quando, na esquina, quase abalroou no guapo
oficial sobrinho da sua mulher .
par=MdOP-A_afilhada-1: O infeliz João trajava camisa
de algodãozinho, muito suja, calça preta, muito puída e
enlameada, e um velho sobrecasaco .
Tabela 4. Fonte: www.linguateca.pt
Nota-se que criamos apenas uma regra para todos os casos encontrados, isso se deve
ao fato de que a palavra não estava sendo marcada como roupa, e apenas uma regra
adicionada ao sistema é o suficiente para somarmos a sobrecasaco ao sema. Ao enviarmos
as regras a responsável pelo linguateca, nos foi comunicado que a palavra ainda não estava
o léxico e que pudemos contribuir com essa adição ao sistema, o que mostra a importância
também da leitura dos textos, mesmo que não focados na literatura, não apenas em nosso
trabalho mas também nas pesquisas futuras.
Por esse motivo, ao criarmos as regras se tornou essencial a leitura e criação com
muita atenção, uma vez que a utilização errônea de qualquer correção poderia resultar em
perturbação na ordem do corpus. Porém, contamos com a ajuda da professora Diana Santos
da Universidade de Olso, que analisa cada uma das regras, minimizando as chances de
qualquer erro ser colocado na literateca.

4.1 Moda, sua influência e história

Um estudo da moda desenvolvido por Brandini (2012) aponta que durante o século
XIX houve inúmeras transformações provenientes das revoluções industriais que estavam
acontecendo na Europa, o que influenciou diretamente a vida privada e consequentemente a
moda e a literatura. Como ressaltado pela autora:

Vemos que o século XIX apresentou uma revolução nas estruturas da vida social
e no âmbito privado no Ocidente graças ao desenvolvimento industrial, a
ascensão do capitalismo e a redefinição de valores e códigos morais da vida
urbana, elementos formadores da condição que concebemos como
‘modernidade’. A noção de progresso constituiu a base das transformações
materiais e sociais ocorridas na época. O poder da tradição sucumbiu em face do
poder descentralizado da inovação e a sedução do novo estilizou a vida urbana e
as relações humanas, gerando novos padrões de feminilidade e apresentação da
imagem pública (BRANDINI, p.2, 2012).

Uma sociedade que anteriormente era dominada pela aristocracia agora se vê em


uma nova fase em que a vida privada vai ser principalmente influenciada pela burguesia.
No meio dessas mudanças, a moda começa a ser padronizada assim como acontecia com os
produtos feitos nas fábricas, já não havia o desejo pela diferença no vestuário. Aqueles que
se diferenciavam eram as pessoas da burguesia que estava em ascensão e reafirmava seu
status através das aparências. Porém é aqui que há a produção em massa do vestuário que
antes era feito especialmente para a pessoa que a encomendava.
Importante ressaltar que a moda masculina que anteriormente era valorizada pelos
aristocratas começa a se tornar fria e sem muita importância, devido à criminalização da
homossexualidade na Inglaterra. As pessoas começaram a ligar essa preocupação masculina
com a roupa às relações homoafetivas que estavam presentes no país por conta dos
aristocratas que se vestiam de forma afeminada e se relacionavam com homens e mulheres.
Assim, as figuras masculinas começaram a se vestir sem extravagâncias e prezando pelo
vestuário que ligassem sua imagem ao homem de negócios.
Toda essa mudança também surgiu devido à era napoleônica que prezava pelo luxo,
enquanto a Inglaterra via isso com maus olhos. Como discorrido por Bradini (2012):

A extravagância no traje tornou-se seara feminina e o mundo masculino passou a


explorar outras formas de representação do status: se até o século XVIII a
espetacularidade no traje masculino constituía uma forma aristocrática de
representação de poder, novas convenções sociais, entre elas, a banalização do
luxo ostentatório entre a aristocracia, a projeção do corpo humano como extensão
do trabalho e a condenação do homossexualismo em países como a Inglaterra, a
partir do século XVIII, reduziram a espetacularização no traje do homem,
tornando-o escuro e sóbrio. Não que a exposição dos excessos tenha deixado de
representar posse e diferenciação, mas o poder monetário e social masculino
passou a estar representado na ostentação das vestes de esposas, mães e filhas
(BRANDINI, p. 3, 2012).

Analisando as obras, percebe-se que as palavras mais citadas também estão


fortemente ligadas ao vestuário feminino, em que vestido, peça de roupa feminina, é o
termo mais apontado na Literateca. Como dito pela autora, o vestuário só era usado para
mostrar poder aquisitivo através das mulheres e filhas dos homens, que abdicaram da
extravagância. Observando os dados, é possível notar que a peça de roupa mais ligada ao
masculino é camisa com 1770 casos. Uma análise rápida dos resultados distribuídos por
concordância mostra que quase nunca a palavra é citada com atenção especial ou
acompanhada de adjetivos, e não é vista como um fator determinante da personalidade do
personagem, como demonstra alguns exemplos:

par=CCB-Cancioneiro_Alegre_I-821: Suor quente lhe escorre da camisa


par=CCB-A_Vingança-936: Estes tremós, estes sofas, estas alcatifas, essa camisa
que vestes, tudo isto é meu, António José!
par=AG-Romanceiro_(AG)-88: Mangas da minha camisa
par=EQ-As_Minas_de_Salomão-590: Quando uma pessoa não tem senão uma
camisa e um par de botas! ...
par=EQ-Uma_Campanha_Alegre_II-170: Para isso, com efeito, basta uma camisa .

Tabela 5. Dados adquiridos em: www.linguateca.pt


Tal fenômeno pode ser visto como uma forma dos autores seguirem os ideais que
estavam se espalhando pela Europa, e que ganharam espaço por todo o globo, incluindo as
terras brasileiras. Pois enquanto camisa recebia pouca ou quase nenhuma atenção, vestido
acompanhava muitos adjetivos, como indica os seguintes exemplos:

par=EQ-O_Crime_do_Padre_Amaro-1335: A Sra. D. Maria da Assunção aparecia


sempre com o seu belo vestido de seda preta: e como era rica e tinha parentela fidalga,
davam-lhe com deferência o melhor lugar ao pé da mesa -- que ela ia ocupar, meneando
pretensiosamente os quadris, com ruge-ruges de seda .
par=EQ-Fradique_Mendes-300: No primeiro povoado em que pararmos, V. vê, sobre um
outeiro, um altar de pedra coberto de musgo fresco: em cima brilha palidamente um fogo
lento: e em torno perpassam homens, vestidos de linho, com os longos cabelos presos por
um aro de ouro fino.
par=RB-Memórias_III-401: -- D. Alda Guedes Pinto Machado, lindo vestido de veludo
«fraise» com rendas pretas e jóias magníficas .
par=EQ-A_Tragédia_da_Rua_das_Flores-3512: E diante dele, com um magnífico
vestido vermelho e preto, mostrava-se, abrindo um pouco os braços, a cabeça estendida
para ele, numa atitude de provocação e de humildade lasciva .
Tabela 6. Dados adquiridos em: www.linguateca.pt

Pode-se notar a partir das frases retiradas dos resultados distribuídos por
concordância como os autores eram influenciados pelos ideais da moda que estavam sendo
repassados pela Europa. Estariam esses autores usando as influências literárias para mostrar
para o público como os novos princípios exportados da Inglaterra deveriam fazer parte dos
costumes das sociedades brasileira e portuguesa?
Também é digno de ressalva que o Brasil, durante as primeiras décadas do século
XIX ainda era colônia portuguesa, e Portugal foi um país sob a proteção britânica, já que a
família imperial veio se refugiar em terras brasileiras devido aos ataques franceses
liderados por Napoleão. Mesmo que isso represente apenas o começo daquele período,
podemos considerar que impactou o resto do século como pode ser visto nas obras literárias
analisadas em que o vestuário é um dos principais aspectos descritos da sociedade
brasileira.
Já na literatura brasileira, esse período foi predominantemente dominado pelo
romantismo, movimento literário que veio após o arcadismo, e deu um salto para a
construção da identidade cultural brasileira. Sobre o romantismo brasileiro e seus
escritores, Bosi (2015) aponta:

Nesse esquema, do qual afasto qualquer traço de determinismo cego, ressalte- se


o caráter seletivo da educação no Brasil-Império e, o que mais importa, a
absorção pelos melhores talentos de padrões culturais europeus refletidos na
Corte e nas capitais provincianas. Assim, apesar das diferenças de situação
material, pode-se dizer que se formaram em nossos homens de letras
configurações mentais paralelas às respostas que a inteligência europeia dava a
seus conflitos ideológicos (BOSI, 2015, p.113).

O que se pode ver é que apesar da independência brasileira, a educação de nossos


autores ainda era muito centrada na Europa, onde muitos iam estudar, ou tinham aulas nas
grandes capitais com profissionais que estudaram em terras europeias. Assim, é possível
ver que a influência dos colonizadores no nosso país não estava enfraquecida durante esse
recorte temporal. Inclusive o autor cita que as respostas dos conflitos ideológicos da Europa
tiveram influência, pois esses estudiosos viram nos problemas brasileiros algo semelhante,
sem contar que muitos desses autores eram leitores de autores europeus, o que influencia
diretamente em sua maneira de escrever e pensar.
Com isso percebe-se a influência da Europa diretamente no nosso país, o que leva a
considerar os aspectos citados por Brandini (2012) como algo que impactou também o
Brasil. Além disso, apesar dos fatores históricos apontados pela autora não citarem as terras
portuguesas, sabe-se que o continente europeu como um todo é bem unificado, além dos
acontecimentos históricos envolvendo Portugal e a era napoleônica, o que fortaleceu os
laços entre as terras britânicas e portuguesas.
Mesmo com essas considerações, ainda há a dúvida: por que o século XIX dentre
todos é o que mais cita roupa dentro da literatura lusófona? Como já discutido, o contexto
histórico que levou essas produções é de extrema importância, pois como aponta Cândido
(2009, p.14): "o externo – no caso, o social – importa, não como causa, nem como
significado, mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da
estrutura, tornando-se, portanto, interno". Tomando o viés da crítica literária em que o
social é influente na literatura, pode-se considerar que a roupa se torna uma parte de um
conjunto de ideias que estava sendo repassado dentro daquele contexto do séc. XIX.

4.2 O papel socioeconômico da roupa com a figura feminina no século XIX


A roupa também teve o seu papel na desenvoltura de papéis entre as mulheres
trabalhadoras, pois, apesar de ser um ramo também dominado ou comandado por homens,
muitas famílias abastadas possuíam mulheres apenas para cuidar das roupas, sejam escravas
ou empregadas brancas. Essa função existia principalmente pela necessidade que essas
famílias tinham de manter as aparências, além disso, cuidar das roupas era uma tarefa
extremamente complexa durante esse período em que existia a necessidade de exportar
sabão do exterior, além de anil para branqueamento de roupas claras.
Podemos ver, por exemplo, nas palavras da autora Júlia Lopes de Almeida, em um
livro para jovens senhoras, como a atividade de cuidar das peças era extremamente
complexa e necessitava de atenção: “Para se limpar roupa preta escove-a e limpe
completamente, estenda sobre a mesa a parte desejada para cima, passe uma esponja
molhada com café quente coado num pedaço de musselina, quando estiver meio enxuta,
passe a ferro” (ALMEIDA, 1929, p. 47). Além da atenção, era exigido um domínio sobre
produtos naturais, uma vez que, como dito, o sabão necessitava ser importado e algumas
famílias não podiam arcar com esses custos, então o uso de recursos naturais poderia
significar uma economia e até mesmo atingir melhores resultados, a depender do tipo de
peça que está sendo cuidada.
Após a abolição da escravatura, esses papéis femininos continuaram a existir, as
famílias possuíam empregadas para lavar, passar e até mesmo costurar as roupas das
senhoras, além disso, algumas também eram responsáveis por escolher as peças que seriam
utilizadas por suas patroas. Tais fatores levaram a desenvoltura de um ofício feminino, ou
seja, esse trabalho se profissionalizou, em que as mulheres que já possuíam domínio sobre
como cuidar do vestuário vendiam sua mão de obra a troco de dinheiro. Podemos ver que a
roupa não se limita apenas às pessoas ricas e aparências, mas também foi um fator que
mexeu com as esferas socioeconômicas.
Ao analisarmos os dados da literateca buscamos por “sabão” e encontramos apenas
161 casos, o que aponta um uso escasso da palavra. Ao distribuirmos por variante do
português, encontramos 90 casos em BR e apenas 71 em PT. Ao fazermos os cálculos para
descobrirmos a frequência em cada variante do português encontramos 299.686,211 para BR
e 155.566,38 para PT, devido a esse resultado podemos considerar que “sabão” recebe mais
atenção por autores oe português europeu. Tal dado pode levantar inúmeras questões, mas
podemos considerar a hipótese de que por ser um produto mais comum dentro da Europa do
que no Brasil – que, como dito, as vezes recorre aos produtos naturais para a limpeza –, os
autores portugueses dão mais atenção àquele produto, vale lembrar também que a palavra
não está totalmente ligada à roupa, então necessita de análise mais aprofundada dos casos
apresentados com uma leitura aproximada.
Outra palavra que merece destaque é "lavadeiras", palavra utilizada para denominar
as mulheres que lavavam as roupas. Para essas mulheres realizarem a tarefa, existiam até
mesmo espaços públicos destinados à sua profissão, além de lavar as roupas, também era um
local social em que haviam cantigas, trocas de informações sobre a vida dos patrões e
técnicas sobre como lavar a roupa, também em alguns casos existia conflito entre as
profissionais que ali estavam.
Ao pesquisarmos na literateca encontramos 106 ocorrências, um número até mesmo
pequeno, o que pode nos levar à hipótese de que se deve ao fato de os autores preferirem
focar na vida luxuosa das pessoas, ou seja, na burguesia. Ao dividirmos os casos por
variante do português, encontramos 65 casos em BR e 41 casos em PT, fazendo a divisão
por frequência, encontramos que em BR a cada 169.926,354 palavras uma é "lavadeiras"
enquanto para PT a cada 657.847,78 palavras, uma é a que destacamos. Podemos observar
então uma frequência muito maior no Brasil, levantando a pergunta do porquê os autores
brasileiros destacarem tanto esse papel em nosso cenário.
Além desses papéis ocupados por mulheres durante o fim do século XIX e começo
do XX, destaca-se também as vendedoras. Essas vendiam principalmente roupas, uma vez
que o ramo estava fortemente dominado pela figura feminina pois acreditava-se que o
cuidado pelo vestuário estava ligado à feminilidade. Essas vendedoras eram em sua maioria
donas de boutiques, muitas imigrantes de países europeus, que vendiam diversos objetos do
universo feminino, e entre eles, tecidos, chapéus e outros artigos ligados à roupa. O fato de
serem imigrantes lhe garantiam um status dentro da clientela, pois utilizar peças importadas
estava ligada à posição social elevada e importância social, então essas imigrantes eram
extremamente solicitadas.
Na busca por essas figuras na literatura destacamos duas palavras “Madame” e
“alfaiate”, para a primeira encontramos 307 casos, um número até interessante, apesar de
não estar totalmente ligado às vendedoras, já para a segunda encontramos 294 casos. Além
disso, conseguimos encontrar uma variação de Madame que seria Madama, com 132
ocorrências, é interessante notar como o estrangeirismo é constante nas pesquisas e tal fator
pode ser explicado com a seguinte afirmação de Monteleone (2019): “As casas que
abasteciam o mercado carioca sabiam desse poder social e jogavam com estrangeirismos e
objetos importados. Se a costureira ou o alfaiate fosse estrangeiro, melhor para os negócios.”
Então muitas mulheres eram tratadas por Madame ou Madama para que sua descendência
europeia estivesse em evidência e assim conseguissem manter o poder social que o
estrangeiro lhes garantia.

4.3 Mucamas, escravas, crioulas e seus trajes

Apesar disso, as imigrantes provenientes da Europa não são as únicas que possuíam
identidade visual e merecem destaque. Durante o século XIX e até hoje, excluímos muitas
vezes as pessoas que foram forçadas a vir ao Brasil como escravas, o seu impacto na cultura
brasileira pode ser visto até hoje, seja na comida, língua e também na roupa. Porém, para os
africanos e seus descendentes, muitos elementos da sua cultura se misturaram com fatores
europeus para conseguirem continuar a existir, essa mistura pode ser vista no que hoje
chamamos de afro-brasilidade.
Segundo Monteiro e Ferreira (2005):

Do ponto de vista estético e formal, a roupa que se originou de tal conjuntura é o que
ficou conhecido como traje de crioula, formado basicamente por uma saia rodada, o
camisu, com bordado conhecido como richelieu ou com renda renascença, o torço ou
turbante, branco ou colorido, e o pano-da-costa, podendo em diferentes ocasiões ser
acrescido das jóias, como correntões e balangandãs e da bata sobre o camisu [...]
(MONTEIRO; FERREIRA, p. 390, 2005).

Quando pesquisamos os trajes que as autoras destacam – saia rodada, camisu,


richelieu, turbante e pano-da-costa – apenas encontramos alguns casos para saia rodada (6
casos) e turbante (182 casos). Tais dados levantam questionamentos sobre o que mais do traje
de crioula podemos explorar, pois sabemos da importância da cultura africana para a
formação do Brasil, porém também é de nosso conhecimento que os movimentos naturalista e
romântico que predominavam no século XIX davam enfoque à burguesia, pois era para esse
grupo social que muitos romances eram escritos. Além disso, há a possibilidade de tais
nomenclaturas utilizadas pelas autoras do texto serem principalmente usadas em estudos com
enfoque na área, sendo algo distante do vocabulário dos autores que exploramos no literateca.
Outro fator que merece destaque nas roupas de escravos é o fato de que muitas vezes
eram feitas de algodão destinadas a serem "roupas simples e folgadas para o dia-a-dia"
(MONTEIRO; FERREIRA, 2005), enquanto os trajes dos senhores foram descritos por
Figueredo (2013) como "roupa com peso e com tamanho desmedidos mostrava a quem
quisesse ver, através do visível desconforto, que aquele que a trajava estava de fato afastado
de qualquer forma de trabalho produtivo". Essa dicotomia também pode justificar a forma
como os trajes utilizados pelos negros são deixados de lado nas descrições, uma vez que sua
simplicidade não saltava aos olhos da mesma forma que os burgueses. Além disso, reforça a
roupa como um fator de diferenciação social.
O turbante é até hoje reconhecido como uma forma de representar fortemente o
movimento negro, pois se trata de uma peça de roupa ligada à África e de uso quase exclusivo
de mulheres negras. Segundo Monteiro e Ferreira (2005), o turbante é "reconhecidamente de
influência mulçumana, que chegou ao Brasil provavelmente através dos escravos
islamizados". Também podemos considerar que é o de maior evidência para os autores da
época analisada, uma vez que é o elemento levantado por nós que tem maior destaque dentre
os que pesquisamos tendo como base o artigo das autoras citadas. Essas vestimentas eram
comumente usadas por escravas de ganho, que eram mulheres com habilidade para produzir
produtos que poderiam ser vendidos, esse tipo de serviço era muito comum e para poderem
frequentar lugares públicos, seus donos lhe garantiam trajes mais adequados e apropriados aos
valores predominantes na época.
Além dos trajes de escravas comuns, também havia casos em que as servas possuíam
vestimentas mais sofisticadas, por diversos motivos. Num dos casos mais famosos da
literatura brasileira temos A Escrava Isaura, em que seus trajes acompanhavam a posição
concebida a protagonista, ao se tornar favorita de seu dono. Além desses casos mais raros,
como do romance de Bernardo Guimarães, também havia aquelas que ganhavam trajes mais
refinados para que suas donas pudessem mostrar o seu nível de poder aquisitivo. Numa
sociedade capitalista e de aparências, até os seres vivos podem ser usados como uma forma de
demonstração de luxo. Ademais, é claro, existiam as mucamas, empregadas de dentro de casa,
como pessoas de estimação e por isso eram vestidas de forma melhor que as que trabalhavam
no campo, uma vez que seu serviço muitas vezes não exigia tanto esforço físico quanto das
demais, aqui podemos também observar como a roupa é um fator de diferenciação social até
mesmo entre os escravos.
Ao pesquisarmos alguns termos utilizados para descrever as servas encontramos para
escrava 7 (sete) casos, crioula 1 (um) caso e mucama 1 (um) caso em que essas personagens
possuem o adjetivo “vestida” em sua descrição. Então podemos observar que dificilmente os
autores vão dar atenção às essas mulheres, pois, como sabemos a roupa é uma forma de
expressão, e os escravos não possuíam o direito de se expressar, quando temos descrição de
suas vestimentas, estão primordialmente ligadas aos caprichos dos donos ou a saia e
turbante, peças essenciais dentro do contexto afro-brasileiro dessa época, chegando a
encontrar espaço dentro dos romances dos grandes autores.
Quando estávamos pesquisando sobre essas mulheres, encontramos uma outra forma
usada pelos autores para descreverem a figura feminina negra, “baiana”, com 46 casos no
corpus do literateca. Essa palavra pode ter surgido do fato de Salvador, cidade da Bahia, ter
sido um dos maiores portos que recebiam escravos do mundo, então essas mulheres negras
eram descritas como baianas sem necessariamente serem do estado. Podemos ver no caso
encontrado a seguir:

par=JLdA-A_viúva_Simões-1: E o fervilhamento de crioulas na rua, de vestido de riscado e


manga curta, mais a quantidade de formosas baianas, muito limpas, como seu belo traje
flamante, a camisa de renda, o turbante airoso, o pescoço e os braços cheios de contas de
vidro e de corais, a manta riscada, a tiracolo, a sala muito franzida rebolando aos
movimentos dos sólidos quadris carnudos, e as chinelinhas tac- que-tac nas calçadas ?
Tabela 7. Fonte. www.linguateca.pt

Esse trecho mostra como a descrição das roupas usadas por escravas também estava
presente na literatura, uma vez que a camisa de renda e o turbante são destacados nos textos
lidos como uma das principais roupas dessas mulheres da época. Também podemos observar
que o autor opta por descrever o traje, mostrando como a vestimenta também é um fator
importante para a caracterização das baianas.

4.4 Divulgação e publicações:

Durante os 6 primeiros meses do projeto participamos do XX Simpósio de Letras e


apresentamos o trabalho intitulado MODA, LITERATURA E HISTÓRIA: A INFLUÊNCIA
DO CLIMA NO VESTUÁRIO DA LITERATURA LUSÓFONA, esse trabalho é um recorte
do que foi desenvolvido, em que há um enfoque apenas no clima e todo o contexto histórico-
cultural por trás das peças de roupa destinadas ao frio. Por conta da apresentação, também
houve uma publicação no caderno de resumos do evento, que já está disponível. Além disso,
iniciamos a escrita do artigo desse trabalho, até agora ainda estamos nas primeiras páginas,
em que recortamos o que já estava escrito em um documento separado, para ser desenvolvido
as informações complementares de como obtemos os dados e realizamos a pesquisa, além de
aprofundarmos o assunto com mais referências.
5. CONSIDERAÇÕES PARCIAIS

Os dados obtidos e analisados nos levaram a diversas considerações, muitas que


ainda devem ser analisadas de forma mais aprofundada, como será feito com o passar dos
próximos meses do projeto. Uma das considerações que podemos exemplificar é que a
maneira de organizar a literatura através das escolas literárias limita, até certo ponto, como
podemos observar essa arte e sua importância dentro da sociedade.
Além disso, podemos observar como por mais que a literatura, muitas vezes, seja
considerada um reflexo da sociedade, ao nos aprofundarmos sobre questões sociais e
econômicas que saem do padrão burguês e masculino, conseguimos ver como muitos vieses
presentes na época são deixados de lado. A exclusão ou pouca representação da figura
negra e seus trajes é um exemplo disso, porém também acreditamos que a pesquisa mais
aprofundada dessas questões pode resultar em mais conclusões e em pesquisas
interessantes.
Ademais, as leituras feitas por conta do tema nos mostraram a diversidade presente
dos trajes e a maneira que até mesmo a pluralidade cultural brasileira está fortemente
representada dentro da moda, e como, apesar das dificuldades, podemos encontrar um
pouco disso dentro da literatura produzida na época. Ressaltamos também que, como dito, o
domínio do campo literário estava muito centrado nos autores brancos e homens, o que leva
a escassez de alguns fatores, mas poder observar que, mesmo de forma tímida, podemos
encontrá-los é essencial para a pesquisa.

REFERÊNCIAS:
BRANDINI, Valéria. (2012). Moda, comunicação e modernidade no século XIX: a
fabricação sociocultural da imagem pública pela moda na era da industrialização. Revista
Interin, 6(2).

CÂNDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. 13 ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul,
2014. MORETTI, Franco. Graphs, maps, trees. 2. Ed. New York: Verso, 2007.

SANTOS, Diana. Explorando o vestuário na literatura em português. TradTerm, São


Paulo, v. 37, n. 2, p. 622-643, jan./2021.

BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura brasileira. 50 ed. São Paulo: Cultrix, 2015.
MORETTI, Franco. Distant reading. Londres; Nova York: Verso, 2013.

ALMEIDA, Julia Lopes de. O livro das noivas. Rio de Janeiro: Castorino Mendes, 1929.

MONTELEONE, Joana de Moraes. “Costureiras, mucamas, lavadeiras e vendedoras: O


trabalho feminino no século XIX e o cuidado com as roupas (Rio de Janeiro, 1850-1920)
”. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 27, n. 1, e48913, 2019.

MONTEIRO, Juliana; FERREIRA, Luzia Gomes. AS ROUPAS DE CRIOULA NO


SÉCULO XIX E O TRAJE DE BECA NA CONTEMPORANEIDADE: SÍMBOLOS
DE IDENTIDADE E MEMÓRIA. Mneme: Revista de Humanidades, Seridó, V. 07. N. 18,
out./nov. de 2005.

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