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TEXTOS

FINALISTAS
2 — PO E M A
TEXTOS
FINALISTAS
E
m sua 6 a edição, a Olimpíada de Língua
Portuguesa envolveu mais de 42 mil
escolas,
de quase 9 0 % dos mais de 5 mil
municípios
do Brasil. Participaram educadores,
estudantes
e instituições das 27 unidades da
Foram maisfederação.
de 85 mil professores inscritos. Os
números
falam por si só: mostram o tamanho da mobilização
que acontece até chegarmos aqui, nos 172
estudantes finalistas que têm suas produções
partilhadas nesta coletânea. Depois das etapas
Escolar, Municipal
e Estadual, esta publicação coroa a Etapa Semifinal e
traz uma saborosa amostra desse concurso, que
ainda tem sua etapa final – a Nacional. É muita
história para contar. Em prosa, em verso, em
palavra de opinião, de recordação e, agora também,
em imagem e som.
O percurso todo da Olimpíada é entremeado
por oficinas apoiadas pelos Cadernos do Professor
(disponíveis em www.escrevendoofuturo.org.br),
por recursos didáticos, cursos on-line, encontros,
atividades culturais, eventos formativos e ações de
reconhecimento. Essa série de iniciativas, voltadas
a
professores e alunos do 5 o ano do Ensino
Fundamental (EF) ao 3 o ano do Ensino Médio (EM),
sustém um propósito norteador: contribuir para a
melhoria do ensino e da aprendizagem da leitura e
escrita nas escolas públicas de todo país.
A Olimpíada integra as ações desenvolvidas pelo doutora em Letras e pesquisadora na área das
Programa Escrevendo o Futuro, criado em 2002 pelo literaturas africanas e afro-brasileira, ela cria sua obra
Itaú Social e pelo CENPEC – C entro de Estudos e com base
Pesquisas em Educação, C ultura e Ação C omunitária – , no que chama “escrevivência”, que define como escrita
tornando- que nasce do cotidiano, da experiência pessoal e das
-se política pública em 2008, por meio da parceria lembranças. Sua escrevivência, portanto, não poderia
com o Ministério da Educação. ser mais inspiradora aos participantes da Olimpíada,
Após um período de redesenho, a 6a edição que são instigados a partir do tema “O lugar onde vivo”.
chega com duas grandes novidades. Uma delas é o À medida que leva os alunos para perto de suas
gênero Documentário, que propõe a alunos de 1o e 2o comunidades, “O lugar onde vivo” estimula a sensação de
anos pertencimento, o desenvolvimento do olhar crítico e um
do E M criar uma produção audiovisual. Os conhecimento mais aprofundado da realidade local –
gêneros das edições anteriores se mantêm: Poema, além de ser matéria-prima inesgotável de criação!
para o 5 o ano do EF; Memórias literárias, para 6 o e 7o O convite para esquadrinhar seu próprio canto Brasil
anos do EF; Crônica para 8 o e 9 o anos do EF; e Artigo afora (e Brasil adentro) inspirou poemas, trouxe à tona
de opinião, para o 3 o ano do EM. memórias, formou opiniões, sublinhou cotidianos,
A outra novidade é que em cada edição será aguçou olhares e, agora, chega ao leitor que, página a
homenageado um autor brasileiro. Quem abre alas página, caminha pelos lugares onde vivem estes jovens
é a premiada escritora e também educadora escritores.
Boa
mineira Conceição Evaristo. Autora de sete livros, leitura!
mestre e
Poem 1
a 1
Memória
lsiterária 43
s
Crônic 12
a 3
Artigo
de 20
opinião 3
Documentári
o 247
Poem
a
A
s próximas páginas trazem poemas de estudantes de 5o e 6o anos
do
Ensino Fundamental sobre o lugar onde vivem. Após semanas de
expiração
e inspiração, durante as oficinas que compõem a sequência didática
Olimpíada de Língua Portuguesa, vieram os versos que, aqui se vê, podem brotar de
da
lugares grandes e ao mesmo tempo pequenos. E também de chão altaneiro. De
cidade que até no nome tem luz ou da simples ideia de escrever com rima sobre
Petrolina.
De uma aldeia de camarás ou de um exótico mutum lá de Utinga Leão. Da pintura de
um pedaço de pão ou mesmo de um pedacinho de nossa nação. De água de
cachoeira correndo pelas veias ou do balançar do tempo no vaivém da cadeira. Dos
quatro cantos de Sertãozinho ou da Cohab e as doze paradas da condução. De Belo
Horizonte vista da janela ou mesmo da linguiça, da santa missa e da novena na
capela. Da tribo dos Manaós ou até de um raio de esperança para todos nós.
Vale um passeio atento por esse verdadeiro jardim sensível, colorido,
poético e sonoro, com poemas de alunos-autores, orientados por dedicados
professores!
POEMA 22 QUAN DO O S 31 PRAIA SAHY,
Índice IPÊS VOLTARAM GO S TO DAQ UI
A FLORESCER... Samara de
Maria Eduarda Souza Melo
14 DE GALHO E M Azevedo da C unha
GALHO, E M U M 32 O C ON T O D O S
PORTO S E M M AR 24 N O S DEZ DE QUATRO C ANTO S
Débora Raquel GALOPE LÁ Emanuelly Araújo
de Sousa Reis N O ME U LUGAR de Oliveira
Davi Henrique Teófilo de
16 O RIO DA M I N H A Azevedo Lima 34 O ÔNIBUS
CIDADE FEITORIA C OHAB
Antony Novack 26 M I N H A CIDADE, Vitória Eduarda
Bertan M EN IN A FACEIRA Ferraz Frutuoso
Jefferson Kauãm
17 PRINCESA Lopes de S antana 36 DA JANELA
D O SERTÃO DE M I N A S
M aysa Evelyn 27 ENTRE A BELEZA Nicole Rodrigues
N ascimento D O M EU LUGAR Florentino
Araújo HÁ U M M UT U M
18 QUE BELEZA Nickolas Henrique 38 CIDADE
DE LUGAR! Gomes da Silva D O TESOURO
M arina Gujanski Yêda M aria Oliveira
Schmitd 28 PEDACINHO DA Aguiar
N O S S A N AÇ ÃO
19 TRILHOS D O TREM Mi guel Medina 40 O PO E M A
Heloisa Aparecida Soares DA C ACHOEIRA
Ribas Dawidysom Pereira
29 A TELA de Oliveira
20 M O R O E M M ayra Lourrana
U M A CIDADE... de Souza Silva 41 M I N H A M OR E N A E
Kalleo Klark Buenos AD ORADA M A N A US
Aires Carneiro 30 M E M ÓR I A S Heloisa Bernardo
DE GUARIROBA de M oura
Gustavo Gabriel
Domingues
DE GALHO EM GALHO, EM UM PORTO SEM
MAR

Débora Raquel de Sousa Reis

Na cidade de Teresina, Mas de galho em galho Da bonita goiabeira, Do caminho até em casa,
Te apresento meu Tento curtir a minha Vejo a casa da tia As cadeiras já na
lugar. infância. Prefiro subir nas C ássia. calçada,
No topo dos altos árvores Lá tem um salão de Como é grande o blá blá
morros, Perto do céu Do que me perder na beleza Onde ela faz a sua blá! A fofoca foi lançada:
alcançar, Abaixo dos ignorância De cair no mau mágica: O vaivém da “Você soube da
raios de sol: Um bairro caminho, Esquecer minha tesoura, Linda é a sua M aria?” E começam as
irá encontrar.
“Porto do C entro” é o seu importância.
Do alto do cajueiro, prática.
Finalmente, subo na risadas.
A noite já transbordou
nome. Não tem lago, rio ou Vejo em cada mangueira. Minha árvore Quando cruzo o meu
mar. esquina Passos para preferida! portão. A rotina é sempre a
Cais, só se for de a igreja. Fico perto das nuvens, mesma, Mas satisfaz meu
córregos, Que choram no C ada um com a sua Dos pássaros e suas cantigas. coração. Minha mãe já está
meu lugar. Sobre eles, sina, Que eu fico a C onverso até com Deus, em casa, Cansada do seu
falsas pontes Pra você observar N ão preciso ser contida. rojão.
atravessar.
Entre as ruas Comalto
Do meus olhos
do pé de de
tamarindo, Quando o sol vai se pondo, M ais um amanhecer
estreitas E os becos menina.
Vejo o entra e sai do Pro chão tenho que voltar. chega Nesse bairro
sem saída, mercado. A venda sempre E vejo o que de cima peculiar.
Encontramos árvores cheia, evito: O enorme escarcéu Sou feliz na simplicidade,
Que dão cor e vida As mães com seu do bar. “Homens! Vamos Com o dia a dia do meu lugar.
Ao meu chão batido, trocado. O choro pelo acordar?” Deixa-me ir de galho em
À minha gente pirulito, Viver é melhor que se galho Apreciar meu porto
sofrida. Os dizeres engraçados. embebedar. sem mar.

Professora Cristiane Raquel


Silvia Burlamaque Evangelista
E M Lindamir Lima, Teresina-PI

14 — PO E M A P O E M A — 15
O RIO DA MINHA PRINCESA DO
CIDADE SERTÃO
Antony Novack Maysa Evelyn Nascimento
Bertan Araújo

Do lado da minha casa Minha cidade é conhecida “Petrolina” foi o nome que Mas nem tudo é perfeito,
Passa um rio encantado Pela extração do carvão mineral ganhou, quando, em 1895, cidade essa terra é terra de povo
Quieto, manso e Porém, a fama se esconde, se tornou. guerreiro! Muitos direitos já foram
pequeno enegrecida Nas águas profundas do E pensar... Que de uma tomados de quem só queria
Onde navego meu canal. pedra sairia cidade tão bela. estudar!
barquinho
Lá no morro acalentado.
da TV C anal este que, em parte, foi M as é tão bela, tão bela, Lágrimas caíam do rosto do
Na cidade de escondido Para dar lugar às que uma câmera é incapaz de retratar. vaqueiro, de ver o “Velho Chico”
Criciúma O rio Linha construções Em tu corre o famoso “Velho C hico”, secar.
Terra seca, chão
Anta nasce Perderam-se o leito e o caminho Catedral bela que todos podem rachado, suor descendo
E desce as serras, uma Encontraram-se problemas e apreciar. do rosto. Ô, ô, ô, ô, ô
a asce
N uma. limpo, é água das inundações.
Meu pai é agricultor C ultura rica? Ha, ha, ha, essa não pode Pai!
chuvas Que a terra filtrou E precisa de água do rio para plantar faltar! Se é que posso te pedir de
C ria leitos, faz curvas Como dessas terras sou herdeiro Tem frevo, S ão João, capoeira novo... Abençoa esse humilde
Cumpre o que seu destino imperador, Esse rio terei que, para o meu e as comidas típicas pra povo!
E assim finalizo a minha rima,
mandou. futuro, Resguardar. completar! Tem cuscuz? Tem sim! com enorme e grande
Sua missão é encharcar a terra, E baião? Chegue logo, meu alegria.
Matar a sede do homem e da Linha Anta é o seu nome irmão! Venha logo, se avexe! De contar a história de uma pequena
plantação. Mas no caminho algo erra Passa por mim sempre Venha admirar as belezas que Petrolina vila, que, hoje, é conhecida como
É começo de poluição fiel merece e tem para lhe mostrar! Petrolina!
E no seu ensejo Passa por casas, passa por
encontro Lixo, esgoto e pontes Leva o meu barquinho de
carvão. papel.

Professora Maria do
Perpetuo Socorro Granja
Professora Joyciane Vidal Campos Vieceli E M Felix M anoel
Gonçalves dos S antos,
EM EF Jorge da Cunha Carneiro, Criciúma- Petrolina-PE
SC
16 — PO E M A PO E M A —
17
QUE BELEZA DE LUGAR! TRILHOS DO TREM

Marina Gujanski Heloisa Aparecida


Schmitd Ribas

Vizinhos distantes Seriema canta no alto do Este chão altaneiro M eus avôs
Cada um em seu terreno morro Quando o sol está Que tão bem eu Nesses trilhos trabalharam
S obe morro, desce brilhando Saracura canta no quero E na ferrovia se
morro brejo Teve seu passado aposentaram...
Lugar grande e, ao Inhambu, na noite que vai marcado Pela estrada de M as por algum motivo, o trem
mesmo tempo,
Terreno grandãopequeno. chegando.
No lugar onde ferro.
Estrada de ferro tão parou. E por aqui não mais passou...
Casinha pequenina vivo Tudo é comprida Por aqui o trem
Num lugar afastado verdadeiro passou Trouxe muitas A paisagem então
Pai, mãe e uma A verdura vem da histórias mudou...
menina. horta E a galinha do E várias vidas marcou. N a ferrovia
Girassóis amarelos terreiro.
Lugar de vida bem O trem trouxe o O mato cresceu...
Grilos e sapos vivida Paz e alegria trabalho Para o pobre E a estação virou
cantores Formigas e Onde tudo é bem operário... museu.
vaga-lumes tranquilo E cheio de O trem trouxe a E hoje quando eu vejo
Todos juntos são uns harmonia. devastação Para a rica A estrada de ferro
amores.
Os canários invadem a vegetação... esquecida Fico triste, pois
horta Também tem araçari O trem trouxe o soldado ela faz
N a jaqueira vem Para lutar no Parte da minha vida!
papagaio Nos coqueiros, C ontestado... Ah, se o trem voltasse...
bem-te-vi. O trem trouxe o C apitão Só para eu poder dizer
destemido Que por um jagunço também:
foi atingido — Menina, vem ver o trem!
E aqui então
Professora Valéria morreu... Em sua
Rodrigues dos Santos
Gonring homenagem Professora Luciana Aparecida
Santa
EMEIEFTeresa-ES
Visconde de Inhaúma, Seu nome a cidade Skibinski
C E Professora A na M aria de Paula, M atos C osta-
recebeu. O trem trouxe SC

18 — PO E M A agitação PO E M A — 19
Para a pequena estação!
MORO EM UMA CIDADE...

Kalleo Klark Buenos Aires


Carneiro

Moro em uma cidade Moro em uma cidade Moro em uma cidade Moro em uma cidade
Que até no nome tem De um povo Com um calçadão no mercado Onde xote, baião e forró
luz E é na época do trabalhador, Onde vendedores ambulantes Tradicionalmente embalam
Natal Onde a profissão mais Armam barracas pra todo lado. O vovô e a vovó.
Que a esse nome mais faz popular É a de pescador. Principalmente às sextas- No Centro dos Idosos,
jus. Cheia de luzes natalinas, Que ao lançar a rede, feiras, Das bancas sai a O baile da melhor
Luzilândia, como é chamada, Buscando o pão de cada mercadoria Que abastece a idade Desatrofia as
Parece uma constelação dia, Faz movimentar geladeira “juntas”
De tão iluminada! também Da casa da dona Maria. E ainda traz felicidade.
Moro em uma cidade A nossa
Moro emeconomia.
uma Moro em uma cidade Moro em uma cidade
C om um rio muito cidade Bonita por Que tem festa o ano C ujo hino tem um
importante. Ele mata a sede natureza. inteiro: Festejos de Santa refrão Que é um
e a fome São vários cartões-postais Luzia, São Francisco, São verdadeiro Canto de
De todos os habitantes. Que mostram essa Pedro. Fevereiro é exaltação!
Sendo assim, então, beleza: Monumento do carnaval, Encantado, canto a
Estou certo de que não Pescador E Igreja de Junho e julho, S ão canção Do lugar onde
há melhor lugar para Santa Luzia Representam João. Março é nasci: “Luzilândia, berço
morar.
Moro em uma cidade nossa cidade Em belas aniversário amado... Rainha do Piauí”.
Onde o braço do rio fotografias.
Moro em uma cidade De sua emancipação.
Parnaíba Abraça peixes que Onde a paisagem se
todo ano Vêm rio abaixo, rio transforma. Na estiagem,
arriba, Encontrar com bancos de areia No meio do rio
pescadores, Com seu João ganham forma.
e seu José, Com Antônios e E na margem, o Porto das
Franciscos, na barragem do Pedras, Antes coberto pela Professora Léia do Prado
igarapé. enchente,
“Eis-me Ressurge, como
aqui Teixeira
UE Tia Zuleide, Luzilândia-
novamente”.
dizendo: PI

20 — PO E M A PO E M A —
21
QUANDO OS IPÊS VOLTARAM A
FLORESCER...

Maria Eduarda Azevedo da Cunha

Goiânia, cidade tão bela Ruas, casas e parques a Ficou uma tristeza As estrelas a dançar
Pintada de verde, azul e embelezar Essa cidade de arrasar Que cobriu de cinza aquela Em um brilho de
amarela Essa cidade é uma Cidade grandiosa natureza E aquela cidade colorida arrasar Leide das
beleza De paisagem maravilhosa Se preencheu de muita cinza Neves subiu E seu
Ruas, casas e natureza olhar reluziu
O sol tão amarelo Tudo isso é um cenário Aquela linda radiação A tragédia acabou
Sol cor de Para o grande aniversário Falava para o Goiânia voltou
caramelo O azul do céu brilhante coração Você tem Voltaram as flores
Lindos pássaros a Um brilho impressionante que mexer Ou vai Todas de lindas cores
voar E paisagens de enlouquecer
arrasar
C omeço a me impressionar E com tudo sendo C ésio foi marcante, Os ipês começaram a
Sempre que estou a preparado Um desfile para então Em toda a florescer Ah! Como era lindo
pensar Pois quando fica ser realizado Todo mundo população Aquele azul de se ver De dia o sol a raiar
escuro ficou olhando Mas cadê brilhante De noite estrelinhas a brilhar
As estrelas fazem brilho aquele encanto? Que trouxe uma dor
puro
Era primavera N ão era um desfile legal dilacerante
Nossa cidade tão querida Trinta anos se passaram,
Enfeitando toda a terra N a verdade era um Que ficou sem muita vida então E foi ensinada uma
Na natureza especial funeral Depois de Aquele brilho não dava lição
Da cidadezinha sem abalada Goiânia foi sortes Mas, sim, muitas Um brilho que mostrava ter
igual cercada mortes riqueza Deu prejuízo à natureza
As flores espalhando no céu No desfile era levado Aquele brilho do mal E aquela cidade especial
Um perfume doce como Um caixão de chumbo Trouxe uma dor mortal Continuou sendo a mais
mel pesado Onde vinha Leide Aquele brilho legal Adorada pelas pessoas
A coisa que impressiona quem das Neves reluzente Matou Com seus parques, casas e
vê São os grandes e lindos ipês E acabaram as pessoas muita gente lagoas
alegres
Professora Lilian Sussuarana
22 — P O E M A Pereira PO E M A — 23
E M Frei Demétrio Zanqueta, Goiânia-G O
NOS DEZ DE GALOPE LÁ NO MEU LUGAR

Davi Henrique Teófilo de Azevedo Lima

Lá por detrás das árvores, vinha o Perto de Natal, capital do Estado A água corria por baixo da ponte
sol Iluminando a rua de minha casa, Se chama Bom Jesus. Oh, nome E uma brisa fria batia em meu
O astro esplêndido quente feito bonito! E por Frei Damião esse nome rosto De felicidade, fiquei inteiro
brasa, Levantava no céu feito um foi dito posto Que de alegria aquilo era
farol De um povo ordeiro e bastante fonte
E o belo cantar de um rouxinol educado Se fores prá lá ficarás Eu olhei atento para o horizonte
Que eu acordei pra só ele encantado Alegria nas rimas sempre Vi que o sol estava pronto pra se
escutar E por alegria, começou irei botar deitar E na água fria eu fui me banhar
a cantar E na nossa feira comecei a andar Olhei pro arrebol com
N a caveira de um boi fez ele o seu Falei com os feirantes com grande concentração Minha Bom Jesus é
ninho C omida trazia pra o seu harmonia E vou caminhando com muita a inspiração
filhotinho
Vendo o sol nascer botei uma Salegria
aindo da feira eu fui De eu fazer galope lá no meu
Nos dezE de
veste galope
tive lá no
a ideia demeu lugar.
escrever Essa que é a feira
lentamente lá do meu
E para lugar.
a igreja lugar.
com rima E muito prazer, eu sou agora estava indo Olhei para
Davi Lima ela alegre, sorrindo
Sou de Bom Jesus, aqui no meu Nordeste E os meus versos fluindo da alma, da
Também sou poeta, Antônio é meu mente Com muito cansaço sentei no chão
mestre O poeta que sempre faz-me quente Olhando a igreja comecei a orar
inspirar Pedindo pra Deus me abençoar
Com muita alegria eu vou retratar E sob o sol ardente segui minha jornada
O amor que tenho pelo meu Com Deus me guiando nessa
sertão caminhada É a fé que guia neste meu
E vou escrevendo com muita lugar.
emoção
Meu lugar que eu amo, e sempre Professor João Soares Lopes
vou amar. EE Natalia Fonseca Ens 1º Grau, Bom Jesus-
RN

24 — PO E M A PO E MA — 25
MINHA CIDADE, MENINA FACEIRA ENTRE A BELEZA DO MEU LUGAR HÁ UM MUTUM

Jefferson Kauãm Lopes de Nickolas Henrique Gomes da


Santana Silva

Todas as cidades têm sua De estradas estreitas e O lugar onde eu moro é maestral Ave exótica e diferente
história, A da minha guardo na ladeiras, Dos trens ao metrô Com uma paisagem que nenhum lugar tem N ão foi fácil de
memória. Minha terra de luz e de agora. igual Tranquilo e aconchegante encontrar
calor, Camaragibe que assim Minha cidade, menina faceira, É um lugar deslumbrante E a trouxeram com
começou. Daqui não vou mais embora. cuidado Pra enfeitar esse
De uma aldeia de camarás, Pois de histórias e contos que C ana entre floresta lugar
O lugar dessa ave é na
C om um rio correndo pro vivo, Misturei minha vida nesta Indústria com plantação natureza Vivendo livre e sem
mar. De um engenho de teia. C asas com gente tristeza
canaviais, Que nasceu este Deste meu lugar que é tão lindo simples Assim é Utinga E quem sabe um dia
meu lugar. E fez-se de uma pequena Leão Da janela da minha casa
De escravos e senzalas sombrias, aldeia. Eita, lugar bom pra Possa vê-la cantar com
De estradas de barro e carros de brincar! Pra correr e destreza
C om o homem respeitando o
boi, De uma fábrica e uma vilinha, caminhar bicho Eles se multiplicarão
Camaragibe do tempo que foi. Quer ver os animais? Aqui e no mundo inteiro
Vem pra cá, tem muito É o desejo do meu coração
De cantos e recantos tão mais
Dentre todos os animais, um é especial
belos, De uma rosa assim Tô falando do mutum, que por aqui veio viver Pois de Alagoas virou
pequenina Brincando livre No viveiro ambiental, tem um cantinho símbolo No cordel virou
pelos quintais, Nas mãos de especial beleza
alguma menina. Quem vem a Utinga Leão, sua história quer Agora tudo que
conhecer precisa É ser feliz na
natureza

Professora Maria Natália de


Araújo e Silva Cordeiro Professor Geraldo Ribeiro Bessa
E M Jardim Primavera, C amaragibe-PE Neto
EM EF Marieta Leão, Rio Largo-AL
26 — P O E M A PO E M A — 27
PEDACINHO DA NOSSA NAÇÃO A TELA

Miguel Medina Mayra Lourrana de Souza


Soares Silva

Em sua origem Tem belezas Pintei meu chão Sonho em pintar Vitória
há uma guerra, naturais na estrada Na folha do caderno, Com roças e pastos
famosa no Apaporé, Pintei a alegria do verão fartos. E pintar o rio de
Brasil. rios com suas águas cristalinas E a tristeza do inverno. histórias, Belezas, cultura
Patrimônios históricos, nos chamam Pintei um pedaço de e farturas, Porque não
um povo heroico para molhar os pés. pão quero pintar Uma roça de
como jamais se viu. É inegável seu valor cultural. Que não tenho em amarguras.
Resultado da miscigenação A mim resta dizer nestes versos minha minha
Pintei mão. casa, Ah! C omo quero
de brancos, que Bela Vista é de paz, calmaria e O pinto que pia pintar Uma vida de
índios guaranis, diversão. solitário. Pintei o gato céu azul Nas roças da
paraguaios, Um pedacinho da nossa nação grandão Que pinta no cidade De Vitória do
negros e cabe inteirinha no meu coração. telhado. Xingu.
que, juntos, E pintei um pedaço de pão Ah! C omo
enaltecem Que não pinta nem quero Pintar
nossa
Em nossanação!
cultura salgado.
Pintaria minha Vitória essa tela.
Essa quero pintar e ler
resplandece: sopa paraguaia, Com tom de alegria, No meu velho caderno,
chipa, N ão fosse a Pra ficar de tom
caburé necessidade Que pinta eterno,
, no dia a dia, Desde o Pra que a paz possa pintar
e, nascer do sol Até o N a terra e no teto o
claro, pintar da noite. prazer De ver a tela do
o nosso meu lugar.
aprecia
do
Professora
tereré! Patrícia
Lima Figueiredo Professor Edio Wilson Soares da
Ortelhado
EE Castelo Branco, Bela Vista- Silva Daniel Berg, Vitória do Xingu-
EMEIEF
MS PA

28 — PO E M A PO E M A — 29
MEMÓRIAS DE PRAIA SAHY, GOSTO
GUARIROBA DAQUI
Gustavo Gabriel Samara de Souza
Domingues Melo

No vaivém da cadeira Aqui há lembranças Onde eu moro


S into o tempo E uma capela mui bela se chama
balançando O retrato na Onde meus pais se S ahy,
parede Pensamento casaram E fui batizado gosto muito
esvoaçando nela daqui.
À sombra da guariroba Tem o caminho das Todas as
Clic! Todos sorrindo borboletas Por onde coisas
Gosto das águas da
Uma foto de família andamos a passear Ao lado dá para se que correm pelas
cachoeira
Vejo os anos de grandes amigos Um divertir.
veias.
sacudindo bosque para admirar Das pedras que a água
Terra do meu avô Por gerações engole.
C hegou ainda pequeno Este lugar irá nos marcar Das árvores que embaixo posso
No lugar em que nasci Agora tenho um irmão ficar. Do verde que se enrola nos
Aconchegante e Quantas histórias para contar postes
Das comocomo
plantas, se fossem
ouriçocobras.
do
ameno mar. Das praias que tenho pra
Dizem os vizinhos do sítio Fazenda Guariroba nadar, como se fossem
Que a casa era uma Lugar de imensa montanha russa. Da areia feito
escola E no tempo de beleza Morar nela, alfinete a espetar.
menino Trocavam o livro privilégio Das ondas como carro que não
pela bola Ah! Como é bela a consegue
Do descansar.
canto dos pássaros a brincar.
Mas com um puxão de natureza! Do dançar dos pássaros, que me faz viajar.
orelha Retomam o fio da Do céu, quando olho, parece o fundo do
história Nos traçados do mar. Dessa beleza ímpar!
caderno Ah...
Professora Vanda Valéria Morales
É que conseguiram vitória Como amo esse lugar! Professora Ionar de Oliveira
Fassina EM EB Professora Marli Aparecida
Borelli Bazetto, Valinhos-SP Pedro
E M Vale Do Rio Sahy, Mangaratiba-RJ
30 — PO E M A POEMA —
31
O CONTO DOS QUATRO CANTOS

Emanuelly Araújo de Oliveira

Diante do meu minúsculo As histórias por cá Transponho-me no tempo


quarto Por uma janela Aos quatro cantos se contam A um canto mais distante
pequenina Esquecer não sou capaz Que como teia
Avisto desenhos no céu Começou da pequena entrelaçada Une as
Com meu olhar de capela indústrias de hoje
menina
Nesse momento... E tem a grandeza dos Aos trabalhadores do
A rua está calma canaviais
Com seus braços abertos passado
Sertãozinho,
O balanço do vento Recebendo o sol Ao ouvir me parece
Nas folhas das árvores reluzente O olhar do pequena Ao olhar, imensa
Tranquiliza a Cristo Salvador Acolhe Mas algo me diz...
minh’alma toda essa gente O seu tamanho se
Um sentimento profundo De pés descalços pela terra compara Com o sonho
M e transporta, me faz No museu que guarda Desta poeta aprendiz.
viajar E nesse instante de tesouro
sonho Pela cidade vou Andejo sobre histórias do
passear passado E o nascimento do
verde-ouro

Professora Claudia da Silva


Gomes Sicchieri
EMEIF Prefeita M aria Neli M ussa Tonielo,
Sertãozinho-SP

32 — P O E M A PO E M A — 33
O ÔNIBUS FEITORIA Olho as garotas na rua A 12 é a última
C OHAB Estão passando batom parada Dela não
Vitória Eduarda Ferraz Cuidando o outro lado posso passar N a 11 já
Frutuoso Onde alguém liga o fico atenta
som É quase hora de saltar
De 15 em 15 minutos Escolho o banco pra Agora o postinho da As portas se abrem
Um ônibus passa aqui em sentar Quero perto da 4 Vacina, hoje, não! Pulo e saio na
frente O Feitoria Cohab janela Vejo minha antiga corrida Da parada
Levando e trazendo gente Pra ver a Cohab passar escola Amiga do 12 pra 1
Quer dizer, eu passar por coração A rua é muito
Ronca ronca o motor ela
Ronca ronca o motor Ronca ronca o motor comprida
Não posso me atrasar!
Brinquedo de Brinquedo de Brinquedo de Entre os blocos vou
carrossel Segue a carrossel Segue a carrossel Segue a voando Lá vem outro
rota da vida rota da vida rota da vida carrossel M eu Feitoria
Pra poder chegar no Desenrola o carretel E os rabiscos no papel chegando
céu
Desde o centro da Logo ali já vem a 2 Na curva da 5 pra 6 Ronca ronca o motor
cidade Percorre a E com ela um quebra- Sobe nela o Brinquedo de
avenida inteira Dobra no mola Grafite que salta pensamento carrossel Segue a
arroio Peão Meu lugar aos olhos No muro da Estou mais alta que as rota da vida...
da brincadeira minha escola casas No rosto me bate o Um dia não desço na
N a última rua ele entra E é tanto quebra-mola vento
N a 7 é calmaria 12!
À direita, prédios Sobe e desce, sobe e M as já vou me Um dia eu chego no
cinzentos É a primeira desce... Gangorra quebrada preparando Seguro firme céu!
parada na praça Imagem que me no banco
Dos blocos de entristece Porque a lomba vem
apartamentos
Avança e logo Sinto o cheiro no ar chegando
Iupiiiiii!
freia Chega na Do xis que não S into um frio na
Professora Cíntia Cristina
parada 1 comi É na terceira barriga 8, 9 e 10 Zanini E MEF Professora Dilza Flores
Eu corro por entre os parada Ah, já vai terminar a Albrecht, São Leopoldo-RS
blocos Subo veloz e zum! Lugar que nunca descida!
desci

34 — P O E M A PO E MA — 35
DA JANELA DE MINAS

Nicole Rodrigues
Florentino

Da janela de minha casa, Da janela de minha casa, Da janela de minha casa, Da janela de minha casa,
Vejo um belo horizonte. Vejo belos museus Vejo tanto desemprego, Vejo a realidade de nossa
Que lugar maravilhoso! ordenados, Com nosso Assombrando nossa gente, sociedade, Gente que não tem
Aqui é um lugar passado Que é honesta e decente. nada,
esplêndido De se viver, Muito bem guardado. M as ainda resta a fé.
curtir e divertir. Da janela de minha Da janela de minha Da janela de minha
Da janela de minha casa, casa, Vejo a casa, Vejo crianças sem casa, Vejo quase tudo...
Vejo turistas curiosos, criminalidade cama, Sem casa e sem Só aguardo a justiça,
C om um olhar Expandindo pela cidade. comida. A solidariedade e a
fascinante, Admirando Da janela de minha casa, Da janela de minha casa, honestidade
nossa Pampulha Vejo cintilantes cachoeiras, Vejo lágrimas tristes Serem feitas para vivermos em
exuberante. Onde nadamos e nos escorrendo Pelo rosto de igualdade. Essa é a mais pura verdade.
Da janela de minha casa, refrescamos. quem perdeu
Vejo um delicioso feijão- Um ente querido
tropeiro, Digno de um mineiro, Na barragem que se rompeu.
Tão bom quanto o seu cheiro.

Professora Terezinha Lima da


Silva
E M José Maria Alkmim, Belo Horizonte-
MG
36 — P O E M A PO E M A — 37
CIDADE DO TESOURO

Yêda Maria Oliveira


Aguiar

Toc toc quebra pedra Rios de águas puras Entre os símbolos de Temos comércios e praças
No garimpo de cristal Algumas frias, outras Pequizeiro Está a flor do pequi Escolas e casas
Pequizeiro então quentes Garrafa, Bananal e Temos também vários Cidade bonita
nasceu Minha cidade Barreira Refrescam a nossa coqueiros Por isso amamos Pequena e bela
natal. gente. viver aqui. Encanta a todos
Cidade do pequi Os ipês nas estradas de terra O povo bem-humorado Que moram
Cidade de Formam um arco-íris de Alegre, receptivo nela.
garimpo cores É envolvente essa Nosso tesouros são
As pedras guardam as Com cega-machado que compõe o cidade E muito são os tantos Além do pequi e
histórias Desse povo cerrado De sol escaldante brilhante na motivos. do cristal São grandes as
exclusivo.
Longuinho Vieira Junior serra As flores do pequizeiro riquezas Dessa linda
O artista dessa obra De noites tranquilas enfeitam nosso C errado cidade natal.
70 anos a punho E céu
No estrelado.
presente temos pioneiros Hoje bem menos
Tem nossa Que nos contam dos presente No cenário
história. progressos Nas rodas de desmatado.
Começou com um garimpo conversas E o brilho do cristal
Sendo que hoje não é Nas calçadas ou botecos. Reflete nossa
mais No museu temos Setembro em pleno céu história
pedaços De tudo que C ontemplando essa beleza que sempre registraremos
ficou pra trás. Do pequi da natureza Dentro da nossa
Na criação do garimpo No cerrado o pôr do sol. memória.
E no transporte dos cristais
Foram atraídas várias pessoas Professora Cleide Sônia Dutra
E para cá vieram mais. Souza
E M Ayrton Senna, Pequizeiro-TO

38 — PO E M A P O E M A — 39
O POEMA DA CACHOEIRA MINHA MORENA E ADORADA MANAUS

Dawidysom Pereira de Heloisa Bernardo de


Oliveira Moura

Vou recitar pra vocês Na capela a gente tem Terra morena de fortes Grata sou por em ti morar,
O poema da Novena e santa missa guerreiros, Cresci cabocla Levo na vida a arte do
C achoeira Tem sempre um nesses canteiros Com força teatrar. Tão belo,
Não é uma queda leiloeiro É dez contos a imponente e gloriosa, Tal como a esplêndido e único,
d’água linguiça. terra formosa. Teatro Amazonas, o vivenciar
É onde
Aqui se minha
faz defamília
tudo Agora eu já contei pra vocês De passado brilhante: a cênico.
Teus cheiros, cores e
campeia.
C ria gado, planta C omo é minha linda História, Do berço rico: a sabores, Tão ricos de
roça cachoeira Em questão de memória, diversos calores,
Planta milho pra pamonha beleza Forte foste para o mundo ver, Só posso aconselhar o açaí, o buriti e o
Planta abacaxi e Está sempre em primeira. Da seringa, o apogeu, a jaraqui, Pois provem, minha gente, e não
mandioca.
Da cultura eu não florescer.
Do presente constante a lutar, sairão
De daqui. bela e exuberante,
natureza
reclamo Pois é rica e Da terra querida, o sustentar, Tua fauna e flora, verdadeiro diamante,
sadia Tu vieste da tribo dos Floresta vasta, nosso particular paraíso,
Nesses versos eu M anaós, De mitos e encantados, do boto o
declamo Como é nossa Raio de esperança para todos sorriso.
folia.
Santos Reis nos acompanham nós.
N a minh’alma correm as tuas veias, O lugar onde vivo é terra de sonhos,
C om muita fé e devoção De água barrenta o Solimões vagueia, Gente que chega e fica feliz,
De casa em casa a gente Da cor dos meus olhos vem o suponho, Na esperança do novo dia,
leva Jesus Cristo na canção. marejar, o alvorecer, Aqui nasci, cresci e aqui
Como o misterioso rio Negro na luz quero morrer!
Na Cachoeira não se do luar.
vive Só de folia e de
seresta
Pra São Joaquim e Santa
Professora Maria
Ana Também fazemos festa. Izabel de Oliveira Professor Antonio de Souza
Cardoso Braga
E M Menino Jesus, E M S anta Etelvina, M anaus-A M
Jesúpolis-GO
40 — PO E M A PO E M A — 41
Memória
s
literárias
C
omo puxar os fios da memória e entrelaçá-los em uma história? Neste
capítulo,
estudantes de 6 o e 7o anos do Ensino Fundamental foram desafiados a
recorrer
a alguém mais velho da comunidade e transformar em texto literário
memórias de seu entrevistado. O Caderno do Professor, material de apoio da
as
Olimpíada, ao definir o gênero Memórias literárias precisamente o sintetiza: “São
textos produzidos por escritores que, ao rememorar o passado, integram ao vivido o
imaginado”.
As próximas páginas nos enovelam em um sem fim de fios de memória, nos
convidando a sentir o cheiro do capim pubo ou o doce da cana em contraste ao duro
trabalho de um avô no canavial. A rememorar tempos de fartura de pequi em Taipas
de Tocantins. A época em que Seu Santinho foi coveiro. A única TV que ficava na
praça da cidade. O massacre dos índios cinta-larga. O rio Guandu como protagonista
de algumas memórias, onde se lavavam panelas de polenta e se derramavam
lágrimas
O quedo
acordeão sópai
Deus
que,conhecia a razão. Aembalava
mesmo cansado, saga de imigrantes alemães em Tantas
o baile da imaginação. um fusca
74,tantas
e rumomemórias
ao Carnaval.
nos levam sobretudo a (re)lembrar que, como disse a entrevistada
Silvana Cristina Soares Peguim: “O lugar onde vivemos nunca se acaba dentro de
nós”.
MEMÓRIAS 62 ME U B O M DEUS, TU 82 BAÚ DE M E M Ó R I AS 102 “MULEQUE,
M E ABA N D O N AS TE? Meirielen Dias V E M PRA DENTRO”
LITERÁRIAS Isadora Herschaft Andrade Luiz Felipe Cândido
Índice Cardoso Pires
84 PARA LÁ DAQUELE 104 S OC OR R A
64 FILHO DA FERROVIA MATA-BURRO… MEU BURITI
46 QUASE U M C I N E M A Amanda Xavier Héwilli Gonçalves Bárbara M aria C arvalho de
A CÉU ABERTO da S ilva Ferraz Oliveira
Débora Kelly Costa
Bilhar 66 N O RITMO 86 BEBEDOURO C H O RA 106 C O M O N U M
DA M E M Ó R I A AS ÁGUAS C ONTO DE FADAS
48 LEM BR AN Ç AS Gabriel Henrique de M atheus Walisson da Emilly Ramos W endt
DE SANTA IZABEL Freitas Silva
Maria Lethícia 108 UMA PAC ATA
Jacomini de Almeida 68 LEMB R ANÇ AS DE 88 O DIA E M CIDADE C HAM ADA
U M A M O R PERDIDO QUE A ÉGUA “G AMA” Víthor
50 A S C ORES DE Gabriel Araújo da DE S EMB ESTOU Rodrigues
M IN H A VIDA Silva Emilly Juliana de Sousa
C arolina S achet 70 RIO AFORA, S antana S antos 110 LEMB R ANÇ AS DE
RIO ADENTRO … U M RIO C H A M A D O
52 O PEQUI N O S S O A VIDA SEGUE 90 MITOLOGIA RIO GUANDU
DE C AD A DIA Victor Augusto de C ONT ENDENSE W âny M arcelly
Luiz Eduardo Pereira da Alencar Menezes Luciely C osta S antana Tápias C outinho
Silva
72 LATA D’ÁGUA 92 DOCES MEMÓRIAS 112 LE MB RAN Ç AS
54 T EMPOS IDOS DE N A CABEÇA, Adrielle Vieira DOS MEUS TEMPOS
A M O R E ALEGRIA LÁ VOU, MARIA de Oliveira DE M E N I N O
Kaylane Vieira Evellyn Isabelle Andressa de Jesus
Pacheco Lima Vale 94 MEMÓRIAS DE UMA dos Santos
GATA BORRALHEIRA
56 U M PASSADO 74 D O C E S M E M Ó R I AS Matheus Fernandes 114 TRICOTANDO
DESENTERRADO Rayssa Damárys de Sousa LEM BR AN Ç AS
Emilly Tammy Fontes de Araújo Bruna Cristina Moretto
de Lima Galvão 96 ALMAS LAVADAS
76 U M DIA DE Beatriz Aparecida 116 ME NI N A DA B OC A
58 PARALELO 11: DO MUITA FESTA de Souza Silva ROXA DE A M O R A
C O C AR VERMELHO Gabriela Garcia Lavínia Soares Cardoso
AO PÉ DE JATOBÁ 98 O VERMELHO DA Bastos
Karoline Vitória 78 AC ENDE A PLANTAÇÃO
de Souza FOGUEIRA D O ME U Luan Mateus Dantas 118 NOS BRAÇOS
C OR AÇ ÃO Bezerra DO IPIXUNA
60 DAS TELAS Maria Emanuely dos David Lima
À VIDA REAL S antos Andrade 100 C APIM PUBO dos Santos
Vitória Lima M aria Alice Ferreira
Gonçalves 80 PLANTAÇÃO DE Simão 120 POR QUE N A S C E M
BOAS LEMBRA N Ç A S C R IAN Ç AS?
Ana Lígia Costa Ana Beatriz da S ilva
Peguim
QUASE UM CINEMA A CÉU ABERTO Na Praça dos Benjamins, onde a tecimento: as pessoas conseguiram suas mas minhas recordações por aquele tem-
peque- na miragem era colocada, havia próprias televisões, que já vieram com po e por aquele quase cinema a céu
Débora Kelly Costa várias ár- vores, os benjaminzeiros. O ce- nas coloridas e com a tela maior, aberto continuam as mesmas. O tempo
Bilhar concreto quase não se via. Todos iam deixan- do para trás as cenas divertidas. foi passan- do, a cidade cresceu e o
para se divertir, inclu- sive eu, que não A união foi desaparecendo e o progresso aprisio- nou aquele passado
No meu tempo de criança, aparelhos ficava de fora. A alegria de participar isolamento invadin- do aquele saudoso sem nenhuma chance de fugir. Mas
de TV eram difíceis de se encontrar daquele momento batia de porta em lugar que, aos poucos, já estava aquela TV ainda é capaz de me
neste meu pequeno pedaço de mundo. porta. Era um convite irrecusável. Ca- recebendo pouquíssimas pessoas para surpreender. É triste, mas ao mesmo
Era como o céu sem estrelas ou Romeu da programa, novela ou algo parecido que assistir, deixando no local em que vivi tempo é alegre recordar aqueles bons
sem Julieta. No li- mite dos limites, eram passava naquela tela era fantástico, era apenas boas lembranças, emoções contí- ins- tantes diante daquela telinha em
apenas duas televi- sões que faziam co- mo se estivéssemos em um cinema, nuas, mexendo com a cidade toda. preto e branco, que conseguia deixar a
parte do nosso cotidiano. M as uma de mas não muito grande. O nosso era a Houve também uma vez em que a nossa vida cada vez mais colorida, mais
que me lembro com muita ter- nura era céu aberto. Poltronas não existiam, TV pública foi roubada, mas comprada gratificante. Por esse motivo, me sinto
a TV pública de Vitória do Xingu, ci- apenas o chão molhado por aquele de no- vo; porém, o novo aparelho veio honrado por sa- ber que fiz parte da
dade que, naquela época, ainda fazia banho do sereno. Se chovesse, o sem as ce- nas em preto e branco. história da TV pública da nossa cidade,
parte de Altamira. C omo um aparelho pequeno cinema acabava; se não Meus olhos encharcados de angústia às margens do rio Xingu.
*
tão peque- no pode trazer várias chovesse, aqueles nossos pequenos sofrem ao saber que nem tudo é a mes-
lembranças que, mes- mo com as olhos continuavam fixos na telinha. ma coisa. Às vezes, penso que nossa Texto baseado na entrevista realizada com
José Santana Cardoso Abreu de Lima, de 57 anos
evoluções tecnológicas, não se apagaram Porém, havia alguns eventos políticos ou cida- de está sendo dominada pelas
e nem o tempo conseguirá apa- gar? festas que eram feitos na praça e novas tec- nologias que o mundo nos
Como e nem todos possuíam televisão, a interrompiam aquele tão esperado oferece. Ai, que saudade que eu tenho
prefeitura de Altamira doou uma para momento de audiência, cau- sando daqueles meus tem- pos de criança, em
que todos assistissem na praça, onde era inquietação nas pessoas, pois deixá- que eu ia à praça com meus amigos,
muito bom permanecer, era como se vamos de assistir para que eles quando a felicidade reina- va na Praça
estivéssemos no aconchego de nosso lar. ocorressem. Nós íamos para a praça dos Benjamins e em todas as nossas
A maioria das pessoas não tinha assistir a partir da tardezinha, no vidas. Aquele bom local foi transfor-
condição, por isso nin- guém pagava momento do pôr do sol, até quando o mado pela falta de espectadores, e em
nada. Daí, todos tinham res- peito por motor de luz era desligado por alguém seu lugar foi construído um palco maior,
aquele pequeno momento em que impiedoso, apagando as luzes que onde são exibidos shows e eventos Professor
Mirinaldo da Silva
dávamos audiência para os programas clareavam a cidade, deixando só as diversos co- mo o Fit Dance. Hoje em e Silva
co- mo novelas, filmes, jornais e até estre- las iluminando as poucas ruas e os dia, a praça não é mais a mesma, as E MEF Aliança Para o
desenhos. A TV era de graça, as únicas muitos cenas em preto e branco são hoje Progresso,
caminhos de volta para casa. coloridas, em HD, até mesmo em Vitória do Xingu-PA
coisas
46 — M Eque
M ÓR Igas- távamos eram a nossa
A S LITERÁRIAS M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 47
atenção, o silêncio e a nossa paixão por Chego a me arrepiar com uma triste miniaturas que cabem na palma da mão,
aquela telinha. lembrança daquela telinha, que foi
LEMBRANÇAS DE SANTA IZABEL

Maria Lethícia Jacomini de


Almeida

A manhã começava envolvendo o ar Os trabalhadores lembravam os tem- som das crianças brincando, sempre de
com aquele cheiro delicioso, contagian- plários, apenas os olhos descobertos, pu- xa-puxa na mão. Parece que em suas
te, inebriante do caldo adocicado da po- rém com a diferença de que sua pupilas cansadas o doce do açúcar se
cana sendo cozida. Conhecíamos missão não era reconhecida com total transformou em lembranças eternas de
aquele líqui- do escuro, verdadeiro vigor: cor- tar aquela cana era descobrir um tempo sofri- do, mas que era “bão
néctar que sensibi- lizava o paladar, o Graal que garantia o doce do café, demais da conta”…
como “garapa”. Era o re- sultado do dos bolos, dos pratos maravilhosos, *
cozimento lento das canas, que todas as enfim, da cozinha de cariocas,
manhãs eram devoradas pela cal- deira capixabas, paulistas e até gente de fora Texto baseado na entrevista realizada
com Antônio Batista da Silva, de 73
depois de moídas, que tanto aguça- va o do país… anos
paladar das crianças. Ainda cedo, na A usina era um cenário apaixonan-
véspera, deitavam nas suas camas de va- te para uns e extremamente penoso pa-
ras, ansiosas, já pensando no ra outros. Enquanto os adultos suavam
amanhecer para buscar o grande na produção açucareira, os terreiros ao
tesouro: o puxa-pu- xa, uma goma redor da usina se transformavam em
elástica de sabor estontean- te e um mun- do imaginário, onde as
incomparável! crianças pareciam adoçar ainda mais as
Contrastando com o doce do açúcar redondezas do gran- de engenho. Era o
e com as sensações maravilhosas do contraste com aquela gente de vida
ado- cicado amanhecer, chegava a amarga, conforme consta- tou o próprio
manhã tam- bém para o meu pobre Ferreira Gullar…
avô… Bem antes do sol, era ele quem O tempo passou e o açúcar não mais
nascia ao lado de outros empregados, adoçou a vida dos trabalhadores nem
para os canaviais que sumiam de vista das crianças. O fogo das usinas se
dentro das dependências da Usina Santa apagou e, na Santa Izabel, a maior Professor Nicanor Monteiro Neto
Izabel. A passos largos e firmes, a ca- lembrança dentro da- quele enorme C E Padre Mello, Bom Jesus do Itabapoana-
tana ia retirando do solo as longas varas terreiro não eram mais as ins- talações RJ
de — cana,
48 M E M ÓRpara serem transformadas em
I A S LITERÁRIAS imponentes; era o olhar fatigado do meu M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 49
açú- car, em goma, em puxa-puxa, em velho avô, que ainda via e ouvia o
dinheiro.
AS C ORES DE MINHA
VIDA

Carolina Sachet

É hora de mudar. É hora de dar lano, consegui ver o mundo se precisei partir. Um grande amor eu havia vas cores naquelas paredes fizeram eu
novas cores às paredes que me cercam. transformar de lagarta a borboleta, uma encontrado e, dessa união, dois filhos me reencontrar. Agora aquela não era
É hora de modernizar os móveis. É hora simples carta em um telefone, uma me trouxeram o rosa do carinho, mais a casa de meus pais. Agora era a
de abrir mão do aconchego de minha notícia de jornal em um televisor com aquecendo ainda mais meu coração. A minha casa. Até hoje reconheço nesse
infância, tri- lhar novos caminhos para canais assistidos por to- da minha felicidade logo me preencheu vendo lugar o meu lugar. Embora tenham
que outras histó- rias possam ser família reunida. minha família crescer. O tempo, no acontecido muitas mudanças, ainda me
contadas e, posteriormen- te, Nessa terra, acompanhei os passos entanto, passou muito de- pressa. As pego lembrando das histórias ao redor
relembradas. de minha família, que me trazia o visitas à minha família já não eram do fogão, do cheirinho de terra
N asci em uma data pela qual as branco da paz em seus ensinamentos e suficientes. As cores naquele lugar molhada, das brincadeiras com meus
crian- ças esperam muito, marcando o o vermelho do amor em seus calorosos pareciam estar mudando. Era hora de irmãos, da minha mãe cozinhando
vermelho do sangue e as lágrimas de braços. Pos- so ainda sentir o cheirinho voltar. Era hora de dar atenção a quem com amor, do colo de meu pai.
emoção. Doze de outubro, meu do sfregolà fei- to por minha mãe, cujo havia me dado a vi- da. Era hora de Foram muitas as cores que coloriram
aniversário, dia de Nossa Senhora gosto nunca aban- donou minhas cuidar dos maiores respon- sáveis pela minha vida. Cada uma representa um
Aparecida, por quem tenho uma grande memórias. minha história. A viagem de volta para mo- mento especial e único. Elas estão
devoção. A vila de Nova Milano, Nessa mesma comunidade havia uma casa, então, bateu em minha porta. As presen- tes em meu dia a dia, trazendo
considerada o “Berço da Imigração Italia- escola. Afinal, como minha mãe dizia, malas arrumei e para o passado voltei. com elas as lembranças de tudo o que
na”, localizada na cidade de “é preciso ter estudo nesta vida”. C omo Reen- contrar a minha família fez-me nesse lugar eu já vivi. Fazendo da
Farroupilha, município situado ao Sul do eu ad- mirava as professoras, na época voltar à mi- nha infância. M as esse pequena Nova Milano o meu grande
país, foi o des- tino escolhido pelo meu freiras, que ensinavam ali! Estudar estado de magia logo foi interrompido porto seguro! *
bisavô, um imi- grante italiano que, em sempre fora algo agradável para mim. por uma nuvem negra que se aproximou,
busca de uma vida melhor, aconchegou- Ler e desenhar eram minhas levando consigo meus exem- plos de Texto baseado na entrevista realizada
com Rosa Lucia Radaelli Zanonato, de 63
se aqui, fazendo des- se lugar o nosso especialidades. Lembro-me da pai- xão vida para o azul do céu. Minha ale- gria anos
lar. que sentia pelo verde do quadro que naquele momento fora cortada junto ao
Esse é o lugar onde nasci, cresci e nunca mais larguei, pois professora de meu ipê, que também de mim se
Professora Veridiana
tor- nei-me a mulher que hoje sou. Nele, Ar- tes me tornei. A s cores sempre despediu. Tudo isso contribuiu para que Brustolin Balestrin Corrêa
sem- pre fui
que enfeitava nossoacolhida pelo
jardim. Em calmo
Nova Mi- chamaram
a minha. a minha
E desse atenção.
lugar que Das mais
parecia cisão de mudar então me conquistou. eu en- E ME F S anta C ruz, Farroupilha-
barulho dos ventos. Todos os dias, o mágico, claras às mais escuras, todas me xergasse
No- que uma mudança precisava RS
amarelo
50 — MEMÓ do solLITERÁRIAS
R I AS me convidava a brincar ensinavam alguma lição. Amando minha acontecer. Minha casa havia envelhecido M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 51
próximo ao ipê família, um dia formei e suas cores já não me alegravam mais.
A de-
O PEQUI NOSSO DE CADA nudo e saboroso. A nossa riqueza! Como ro que acabávamos de garimpar.
DIA sinto saudades daquele tempo!” Sabíamos que nos próximos dias seria
Luiz Eduardo Pereira da A busca por ele era uma farra só, pequi no fei- jão, farofa de pequi, pequi
Silva não tinha tempo ruim. M amãe ia à no arroz... Mas de uma coisa tínhamos
frente, e nós a seguíamos com baldes, certeza: jamais iría- mos “repunar”.
Hoje pela manhã, ao contemplar o canela em pó para saborearmos com um sacos e bacias na esperança de C om a chegada da tecnologia, tudo
ho- rizonte da janela de minha humilde café quentinho cujo nostálgico sabor voltarmos para casa com todos os fi- cou mais fácil por aqui. Porém, algo
resi- dência, a nostalgia invadiu meus ainda trago na memória até hoje. Nós vasilhames cheios. No caminho, nós, as vem me deixando triste. Percebo que a
pensa- mentos. Senti saudade do que estávamos na sala quando ouvimos a voz crianças, íamos pulando, cantando e cada ano o pequi vem diminuindo.
vivi na in- fância e agora só carrego as dela: tagarelando naquela inocência, como se Apesar da prote- ção determinada por
lembranças aquecidas em meu peito. — “Passou a chuva, meninada, é a nossa única felicidade se resumisse em lei, o pequizeiro está sendo ameaçado.
Nasci e cresci nessa pequena cida- hora de catar pequi no cerrado”. colher pequi no cerrado. Tantas derrubadas, quei- madas. A
de, numa época em que não existiam es- Aquele chamado nos deixou ansio- Contemplávamos a beleza da exploração está sendo respon- sável
sas modernidades como água encanada sos e mal podíamos esperar o paisagem e os animais silvestres que, de pela sua extinção. Hoje ele é comer-
e energia elétrica. Televisão, nem em momento de embrenhar no cerrado e vez em quan- do, atravessavam nossa cializado, acabou a fartura daqueles idos.
sonho! As casas eram simples com molhar as ca- nelas com as gotas do frente. Mamãe, ven- do a nossa euforia, Eu, já cansada, não posso mais ir catá-lo
paredes de “in- chumento” e cobertas orvalho que fica- vam sobre o capim dizia: no pé, e quando quero saborear algum
de taipa (palmeira típica que deu nome verde da estrada logo após a chuva. — Meninos, olhem para o chão, caro- ço tenho que esperar o vendedor
ao lugar). Naquela época do ano, era tempo de cuida- do com as cobras! passar na minha porta: “Olha o pequi,
Bebíamos água do pote, mesmo pequi, e as famílias iam em busca dele, Andávamos alguns quilômetros e já dona Maria!”. Só me restaram
assim éramos felizes com a simplicidade pois era responsável por deixar os pra- avistávamos os pés carregados de frutos lembranças daquele tempo e é com
e o ca- lor humano daquele tempo. tos mais saborosos. Seu óleo era e, ao chegarmos debaixo, o chão estava pesar que lamento a extin-
Passei memoráveis momentos aqui extraído e servia de “meizinha” forra- do deles. Começávamos a catar e ção do nosso pequi
* de cada dia.
nesse pedacinho de chão, porém, há uma (unguento para di- versas moléstias, ali mes- mo descascávamos para poder
passagem da minha vida que trago viva como bronquites e quei- maduras). aproveitar o máximo de caroços. O Texto baseado na entrevista realizada
com Amália da Silva, de 76 anos
na memória e só esquecerei quando for Exalava um cheiro tão forte que invadia cheiro que vinha deles nos fazia não
para o meu leito derradeiro. Lembro-me as ruas da pequena cidade, e quan- do resistir e prová-los ain- da crus.
bem que era uma fresca tarde do mês alguém se aproximava, já sabia que ali, Ficávamos com os dentes amare- los, o
de outubro, havia acabado de cessar os mais tarde, sairia uma saborosa hálito bem forte e aquele “ranço” na
Professora Rosana Ribeiro dos
últimos pingos da chuva que caíra bem galinhada com pequi, o “manjar dos boca que, ao conversarmos de perto com
Santos
forte naquele
tradicional dia.de Mamãe
bolinho estava de
chuva salpicado na deuses”
qui da dia!
de cada cozi-A marelo
nha decomo
nossa região.
ouro! alguém,
mos já se
para casa podia sentir
satisfeitos o aroma
com aquele ou- Tocantins-TO
EE Joaquim Francisco de Azevedo, Taipas do
cozinha preparando o “Hum!
C ar- Aquele cheiro era de dar água na marcan- te do pequi.
52 — M E M ÓR I A S LITERÁRIAS boca”. “Ah! O nosso pe- Ao enchermos as vasilhas, M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 53
voltáva-
TEMPOS IDOS DE AMOR E
ALEGRIA

Kaylane Vieira Pacheco

A primeira lembrança que me vem à Até hoje eu guardo o cheiro da lenha Hoje, já casado, com meus filhos,
mente é a estrada, que ia longa, queimando. E guardo também o cheiro ten- to reviver com eles minha época de
comprida a perder de vista. A região em da terra molhada, quando a chuva infân- cia na fazenda. Conto as histórias
que ficava a fa- zenda onde a gente vivia resolvia nos abençoar. em vol- ta da fogueira nas noites de
no interior campis- ta era quente, o sol Na época das chuvas, eram inverno (nem sei se sou eu, ou o que
tinia o dia inteiro e cas- tigava o pasto e formadas grandes poças de água na ficou de meu avô em mim) e mostro as
as plantações. E a longa es- trada, de estrada, e nos- so divertimento no longas palmeiras que foram plantadas
terra batida, era uma poeirada só. A caminho de ida para o grupo escolar – em frente à sede pelo bi- savô deles e
gente se levantava cedo e ia para o assim se chamava a escola naquela que resistem ao tempo. São tempos
curral iniciar a ordenha. Meu avô conhe- época – era pisar e repisar naque- les idos, mas que estão vivos e preser-
cia todas as vacas pelos nomes e meu bolsões que se formavam no estradão. vados em minha memória e que
tra- balho era levar o bezerro até sua Tudo era motivo de brincadeira e alegria. perpetuo através das novas gerações.
mãe para mamar um pouquinho. “Isso Nosso sono era embalado pelo *
ajuda a soltar coaxar dos sapos e pelo bater dos bilros
o leite”, ele ensinava. de ma- deira na feitura da renda a que Texto baseado na entrevista realizada
com Vicente Madureira Campos, de 78
Minha mãe, junto com as outras minha mãe e minha avó teciam com anos
moças da fazenda, fazia o queijo, o paciência e amor à luz bruxuleante da
melaço e a rapa- dura, que eu comia lamparina.
escondido debaixo dos pés de goiaba Mas isso já faz tempo. O
junto com a molecada. M as o que eu progresso trouxe conforto, mas muita
gostava mesmo era quando chega- va a beleza e en- canto se perdeu. Tudo foi
noite. A gente fazia uma imensa foguei- pavimentado. Até o estradão. Não se
ra para espantar mosquito, e assava chamam mais as vacas pelos nomes e
batatas- nem a gente vê mais o carinho da mãe
-doces no braseiro e comia até não com a novilha. É tudo mecanizado. Até Professora Rosiara Campos
poder
po mais,
triste”, diziaenquanto
ele, “demeu avô contava
sofrimento e a gentedoficou
chego meio
olhar, semmeca- nizado. Agora Knupp
C M Dermeval Barbosa Moreira, Nova Friburgo-
suas histó- rias. Eram histórias de tempos
dor”. as histórias são contadas na televisão. É
“magia”. RJ
vividos
54 — M EnoM ÓRca- sarão da fazenda, em que o
I A S LITERÁRIAS bom, mas é frio, sem o acon- M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 55
trabalho escravo ainda era a mão de obra
no canavial. “Tem-
UM PASSADO DESENTERRADO

Emilly Tammy de Lima Galvão

Tudo que começa finda. Assim serei, uma sensação de paz. Hoje, vemos cons- ciais. Do lado de fora, as bancas de mais simbólico do que hoje. A evolução
assim seremos. Antes desse fim é truções, casas, edifícios, torres de ferro flores e grinaldas exalavam agradáveis do tempo mudou as atitudes das
preciso que alguém resgate as nossas es- tendidas por toda parte e muito aromas, mas não atraíam mais do que o pessoas, mas só não deve morrer essa
lembranças e dê asas de papel. barulho vindo dos automóveis e das cheiro da sopa de Dona C ecília, antiga tradição.
“Meu Santo” ou “Meu Santinho”, é publicidades. Com o surgimento da preparada com mo- cotó de boi e ervas *
as- sim que o Sr. Clóvis é conhecido na tecnologia, os cai- xões oferecem da terra. Essa... Hum! Só faltava
cidade de Santo A ntônio, Região do praticidade e os cortejos são levantar defunto! Texto baseado na entrevista realizada
com Clóvis Alves Diniz, de 78 anos
Agreste Poti- guar. Facilmente consegue formalizados pelas funerárias. As famílias se concentravam diante
arrancar boas gargalhadas de quem se O que mais vem à minha lembrança dos túmulos, e as crianças se distraíam
prende à sua for- ma engraçada de é o vaivém das pessoas quando iam enquan- to acendiam as velas. Outros
contar histórias. Foi nu- ma roda de deposi- tar flores e rezar por seus pouco se im- portavam com a fumaça e
conversa que ele enfatizou a seguinte familiares e ami- gos no Dia de Finados. permaneciam um tempinho a mais para
recordação: Nessa data, os nos- sos hábitos eram ouvir as histórias de assombração que eu
— Desenterro o tempo em que eu moderados, sem euforia e ruídos contava. A mais pedi- da? Ah! Lembro-
tra- balhei de coveiro no cemitério São musicais. Eu achava aquele mo- mento me da história da “menina enterrada
Judas Tadeu nessa cidade. Naquele muito harmonioso porque os mo- viva”. Eu caprichava na interpre- tação
tempo, quan- do morria alguém pobre radores daqui se reencontravam com os ao subir em um dos túmulos e fazia do
por aqui, as pes- soas improvisavam o seus parentes distantes. Havia palco um cenário real.
caixão com cortes de pau, apoiados em facilidade para identificar um Era comum a curiosidade dos jovens
uma rede de dormir e depois parentesco porque as ruas eram poucas para ler, ver fotos e admirar as lápides
transformados em uma espécie de e tinham apelidos: Rua do Motor, Rua das famílias tradicionais. Em meio a tan-
andor, causando sofrimento físico aos Grande, Rua do Cacimbão, Rua da tos questionamentos, lá estavam eles,
que conduziam. Assim, saíam pela rua Lama, Rua da Quixaba, entre ou- tras. de olhinhos espantados, às vezes
grande Atualmente, essas ruas estão com no- interrompi- dos pelos chamados dos
Professora Mércia
– enladeirada – onde a nossa visão mes oficializados. Mas há ainda quem as pais que já esta- vam de saída.
Fontoura
alcan-
zia um leveçava aromaasde flores
catacumbas, que
do campo e chame
las pelas antigas
que dividiam denominações.
o espaço Re-
com dois poli- flito Nessas andanças
que o respeito demortos
pelos temposeraatrás, SE anto
M Dr.A Helio
ntônio-RN
Barbosa de Oliveira,
pareciam umas capelinhas. A gente cordo-me do portão de entrada do miro
muito bem no espelho de minhas
contemplava
56 — M E M ÓR I A Sao longe aquela paisagem
LITERÁRIAS cemi- tério sendo alojado por memórias e re- M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 57
verdejante que nos tra- vendedores de ve-
PARALELO 11: DO C OCAR criança caiu vagarosamente ao lado da Hoje sei que essa história é
VERMELHO AO PÉ DE JATOBÁ ín- dia, que de forma paciente soltou o conhecida como o “Massacre do
peque- no e o olhou estirado sobre o Paralelo 11”, ocorri- do na década de
Karoline Vitória de chão. Foi cer- teiro o tiro. Meu pai sessenta, em uma manhã de pavor.
Souza deitou-se como se es- tivesse morto, Foram os garimpeiros os invaso- res da
com medo de ter o mesmo destino do aldeia, no início pelo ar, pois acha- vam
Reunidos, sentados sobre a terra, eu apenas os adultos participavam, as indiozinho, e ficou atento a ca- da passo que suas moscas grandes ao lançarem
e meus sete irmãos ouvíamos as crian- ças eram levadas às malocas para que a bela índia dava. Assim, de olhos açúcares envenenados e roupas com o
histórias de Pangunsukup, um velho dormir. Era uma festa regada a chicha. arregalados, viu dois homens bran- cos ví- rus da gripe iriam acabar com a
cinta-larga. Eram histórias que faziam Nessa história, meu pai dizia que já discutindo, mas não conseguia enten- minha gen- te. Não conseguiram.
nossos olhos brilha- rem, tão grande era quase dia quando os adultos der a língua deles. Nesse instante, fechou Invadiram pelo chão. Acharam que
era a criatividade de meu pai. Eu era começaram a seguir rumo às suas os olhos de tal forma que nem as acabando com nossos antepassados,
apenas uma criança e dormia sempre aldeias, porém, ainda sob efeito da chamas conseguiriam abri-los. Dizia tomariam conta de nossas terras e
com a imaginação povoada das ce- nas bebida, começaram um ritual de carregar na vi- são o cocar vermelho retirariam de lá todo o ouro e dia-
ouvidas. Anemã é meu nome, que, de agradecimento. caindo e um risco no chão: era um mante. Pensaram eles que teriam nossas
acordo com a minha origem, significa “o Eis então que o dia clareou e o que caminho feito pela moça ar- rastada até riquezas, mas nosso amigo Aripuanã
sonhador”. se via de clarão já eram labaredas nas um pé de jatobá. E foi ali mes- mo, nos salvou. Atualmente, meu povo
O lugar era incrível. Na floresta den- malo- cas. Nesse momento, alguns índios amarrada pelos pés em dois galhos da mora nu- ma reserva de nome
sa e fechada, o Aripuanã servia seu apavo- rados pularam rio adentro para se árvore, onde o golpe certeiro do facão fez Roosevelt, local que continua a juntar
povo com abundância de peixes e o salvarem, outros caíam desfalecidos em negra a visão do meu pai. Apenas um nossos vizinhos que ain- da realizam
refrescava nos banhos diários, além de sua margem por causa da bebida e, meu golpe. Em seguida, os dois homens celebrações para relembrar a
ser o princi- pal meio de transporte pai, rodeado pelo fogo, achou que vivia começaram a revirar os índios caídos e importância daquele rio para a história
para juntar as tri- bos próximas. Papai uma alucinação, pois em sua direção se partiram. do povo cinta-larga. Agora, adulto, sei
um dia me contou da Festa do Porcão, aproximava a mais linda índia da aldeia, Logo que percebeu o silêncio do que não eram histórias inventadas e a
que era realizada para ce- lebrar o sem vestes, apenas um cocar e, em seu lugar, meu pai levantou-se única coisa imaginária * que ainda restou
plantio do milho. Nossos vizinhos colo, uma criança em torno de seus 2 cuidadosamente e es- pantou-se com a daquele tempo
Suruís, Zorós e Apurinãs seguiam em ca- anos de idade. Seus cabelos ne- gros e quantidade de cinzas ao chão. Apenas éTexto
a linha quenacorta
baseado o lugar
entrevista onde eu
realizada

noas pelo rio, eram famílias inteiras, lisos batiam até sua cintura e, a cada cinzas e o cocar vermelho e, a pouca nasci. comanos
Anemã Irun Cinta-Larga, de 50

dos mais velhos aos bebês pendurados passo que ela dava, eram jogados para distância dele, a lâmina ensanguen-
nos “angujap”. Havia brincadeiras para trás devido aos incessantes tiros que iam tada. Acima dela, o corpo da índia. Professor Alan Francisco Gonçalves
todas as idades,
era a hora desde opelo
de agradecer cabo de guerra
plantio, ao seu
tava encontro.
de nenhuma Meu paiViu
alucinação. dizia que
quando Estava tudo muito Aconfuso…
nhuma alucinação. chicha osA resposta Souza
EEEF Jerris A driani Turatti, Espigão do Oeste-
até
mas a ca- çada mais ligeira do porcão. esfregava os olhos para ter a certeza de
a veio lo- go em seguida, quando ao olhar
salvou. RO
No—fim
58 M E do
M ÓRdia,
I A S LITERÁRIAS que não se tra- novamen- te para o rio, dois casais de M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 59
índios caminha- vam em sua direção.
Não se tratava de ne-
DAS TELAS À VIDA fascínio pelo cinema contagiou meus C omo toda inovação tem seu
REAL filhos e minha esposa. O primogênito se período de renovação e, se não houver,
Vitória Lima tornou operador de reprodução, o seus dias estão contados, os DVDs
Gonçalves caçula ocu- pou minha primeira função caíram em deca- dência. O cinema
no cinema e minha esposa mantinha o voltou a ser a procura da garotada, as
Cine Regente, aqui começa uma tes à função e por não possuir espaço limpo e organizado. salas agora modernas trazem filmes em
linda história de vida. N ascido e criado transporte, estendia-me até altas horas Um dia, sugeri ao Marcelo que cada 3D. Vejo meus netos ansiosos pelos
em uma cidade pequena, infelizmente, no cinema. noite poderia ser temática, revezando-se lançamentos para poderem assistir. Mal
sem empre- go, pus-me a indagar o O tempo foi passando e, graças à entre terror, romance, só para adultos, sabem o que era de fato a balbúrdia
que faria de mi- nha vida. A rrisquei-me, mi- nha facilidade de comunicação e co- média, ação, infantil e ficção daquela época e o que fazíamos para ir
assim como tantas outras pessoas o compro- metimento, meu chefe me científica. Para que o cine atraísse ao cinema: pulada de janela, dormida na
fazem, e me mudei para uma cidade convidou para ser operador de público constante, fize- mos panfletos e ca- sa da amiga, trabalhos escolares.
promissora, Rio Verde, no in- terior de reprodução, um dos car- gos mais distribuímos para toda a ci- dade. Todas as noites o que me resta é
Goiás. O tempo me mostrou que não importantes do cinema. A opor- Daquele dia em diante, nem as imagi- dei- tar em meu leito, que me espera
poderia ter feito escolha mais certei- ra, tunidade surgiu em virtude do nações mais desvairadas conseguiriam angustia- do por mais uma noite de
marcada por momentos inesquecíveis. desligamen- to de um colega meu, pois des- crever o que vivi naquelas noites fantasia temáti- ca. Retorno ao Cine
M al podia imaginar que seria o ponta- erros não eram permitidos, totalmente temáticas. Presenciei encontros vedados Regente e projeto um filme diferente,
pé para o meu futuro. C asei, deixei inaceitáveis duran- te a reprodução dos que ali se tor- navam factíveis sob a luz junto a uma plateia irre- quieta pelo
a cida- de pequena e parti. Por aqui, o filmes. do projetor, olha- res que ultrapassavam devaneio proporcionado, olho as
progresso engatinhava e, com orgulho, Os telespectadores sentados nas ca- as telas e percorriam a conjectura da pessoas e vejo as expressões ora de pa-
dele partici- pei. Foram três décadas de deiras de madeira, disputando o liberdade momentânea nu- ma época vor, ora de júbilo. Em sonho, continuo
uma jornada intensa e memorável. encosto com o vizinho, jamais poderiam abarrotada de repressão. em- pregado e revivendo o passado,
Ao chegar, já pude sentir o encanta- perceber minha presença ali. Eu era Lembro-me de que era uma terça- atividade noturna que
* me mantém vivo
mento da cidade, deparei-me com invisível. fei- ra: ao chegar em meu trabalho para por dentro.
gente acolhedora e de braços abertos. Era tudo muito rápido durante a mais uma noite de labor, no local onde Texto baseado na entrevista realizada
com Guimardel Lopes Gonçalves, de 52
Batendo de porta em porta, em busca proje- ção do filme, cada reprodução ouvia cumprimentos fervorosos, algo anos
de empre- go, conheci o M arcelo cinematográ- fica comportava cinco a deu lugar a um silêncio, olhos e bocas
Regente, proprietá- rio do único cinema seis rolos de filme, que separava emudecidos, e a expressão era de
da cidade, o lendário Cine Regente. cuidadosamente. Dois proje- tores se desgosto. Nossos clien- tes estavam em
Reafirmando a receptivida- de dos revezavam; quando um rolo termi- nava, busca de inovação, nosso cine já não Professora Viviane dos Santos
rioverdenses,
longa, devido àsMarcelo me confiou
responsabilidades a o outro projetor
transbordou e chegouentrava emcasa.
à minha ação,O até era tão atrativo
chegado comodos
ao conforto um apa- relho de Silva
EE Cunha Bastos, Rio Verde-
bilheteria.
ineren- Minha jornada de trabalho era que eu trocava o outro rolo e o deixava
meu última
lares. geração chamado DVD. A GO

60 — M E M Ó R I A S LITERÁRIAS pronto para ser projetado, e assim se reprodução era límpida e o cinema tinha M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 61
pas- saram dois anos, até que me tornei
gerente. O amor que construí pelo que
MEU BOM DEUS, bia, mas às sagradas missas de domingo, sos olhos conversaram. Lembro-me que quelas” estradas para o céu. Talvez seria
TU ME ABANDONASTE? em alemão, nos levavam com certeza. estava na cozinha com a cuia de a maneira mais rápida de me encontrar
Pa- ra não enlouquecer, tínhamos que ter chimar- rão na mão. Meu esposo, com a outra parte de mim.
Isadora Herschaft fé. O sofrimento, esse maldito, nunca se Aloysio, se di- rigiu à porta e, lá de Sentada à mesa, com a cabeça so-
Cardoso afastou de mim. Depois de algum tempo dentro, apenas ouvi pronunciarem seu bre meus braços, meu corpo foi mais for-
nessa ter- ra, minha vida clareou, assim nome. Estremeci. Cha- mei, bem te que meus pensamentos e me fez
Toda vez que alguém bate na minha como o dia com a chegada do sol. Ela e baixinho, por Deus: “Mein Gott, desli- gar. Adormeci e assim fiquei por
porta, lembro-me daquela gélida noite minha história foram presenteadas com beschütze uns” (“Meu Deus, nos um longo tempo, até que senti uma mão
em que perdi meu chão, meu norte e a um coração apai- xonado de um rapaz, proteja”). Avistava a porta e com as quentinha e pesada que repousou sobre
outra metade de mim. Sou de Aloysio, que se tor- nou meu marido e, mãos já livres e entrelaçadas em minha cabe- ça e uma doce voz que
descendência ale- mã e, junto com meus junto de mim, escreveu uma nova oração, rezava em pensa- mento, pois, chamou meu nome: “Catharina”. Jurava
pais, instalei-me na antiga Porto Novo história. Era um sinal claro de que Deus ali, eles não podiam me ouvir, enquanto que havia chegado ao céu, mas estava,
com meus pais no ano de 1928. Contava não tinha se esquecido de mim, essa desejava que a porta se fechas- se e felizmente, enganada. Era minha outra
com apenas 6 anos de idade. Lembro- pobre jovem. Quando pensei que eu meu esposo estivesse de volta, junto de metade, Aloysio, que voltou para junto
me de quando chegamos aqui nessa seria, finalmente, feliz, o sofrimento vol- mim. Aloysio, no entanto, não voltou. de mim. Levantei aos trancos, coração a
terra desvirginada por corajo- sos tou a nos rondar. Como éramos colonos Arrancaram a minha outra metade mil e olhos aos prantos a ponto de
loucos que se aventuraram em meio ao alemães, tornamo-nos alvos de uma de mim. Enquanto rezava, suplicava ao soluçar, abracei-o, ao mesmo tempo em
mato e aqui vieram semear o seu futu- per- seguição muito perversa por parte meu bom Deus que não deixasse nada que repetia “Mein guter Gott, du hast mi-
ro. Foi aqui que empobrecemos. do go- verno nacional que se aliou de mal acontecer ao meu Aloysio. O que ch nicht verlassen” (“Meu bom Deus,
M eu pai, músico, e minha mãe, contra o nazis- mo. Vivíamos muito fariam? Para onde o levaram? Por quê? você não me abandonou”). Hoje, tenho
partei- ra, não tinham noção alguma de longe e nem sabíamos sobre o que Malditos! Militares malditos! 97 anos e Ele ainda continua comigo.
agricultu- ra, mas mamãe sempre dizia conflitavam, contudo, fomos caçados, A noite custou a passar. A tortura *
para confiar- mos no Senhor que tudo aqui, na colônia Porto Novo, co- mo as não me deu trégua. M eu coração
ficava mais leve. Nesse rincão, as bruxas na época da Inquisição. Proi- sangrou. Mergulhada na tristeza, Texto baseado na entrevista realizada
com C atharina Regina Thiel, de 97
dificuldades só aumenta- vam, e tive biram até de nos comunicarmos em minha alma se afogava no infinito anos
quase a certeza de que até Deus tinha nossa língua, o alemão. sofrimento que, como a justiça, que
nos abandonado à própria sorte. Nossas celebrações de domingo pas- tarda mas não falha, ele tar- dou e não
Nesse pedaço de chão não tinha na- saram a ser vigiadas e o silêncio tornou- falhou. Voltava a me golpear. “Mein
da. As estradas foram abertas por se absoluto, pois não sabíamos falar o lieber Gott, wo bist du? ” (“Meu que-
mora- dores com suas enxadas, foices e por- tuguês e o nosso idioma estava rido Deus, onde você está?”). Meu corpo, Professor Jaime André
picare-
nho mais tas.
curtoMuitas
para o vezes
céu. Amatutei,
o céu nãoem proibido.
Bateu forte, três vezes. Olhamo-nos, nos- sem pensamentos
meus forças e quase sem vida,
e tomaram parecia
o rumo Klein
E M I Bela Vista, Itapiranga-
minha
sa- ca- beça, se elas, talvez, não Foi essa caça aos alemães que bateu uma
“da- vela em sua última dança antes da SC
seriam
62 — M Eum
M ÓRcami-
I A S LITERÁRIAS em nossa porta naquela noite de chama se apagar. Meu espírito se M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 63
inverno. abraçou com
FILHO DA para enviar recados via telégrafo, dou. Gostava de ver as pessoas,
FERROVIA comprar alguns dos produtos que as conversar, fazer amizades durante o
Amanda Xavier da crianças ven- diam e, finalmente, viajar. embarque e de- sembarque… Disso não
Silva Por conta de vivenciar por anos es- poderia mais des- frutar, o que tornou
sas cenas, ao sentir hoje o aroma dos meus dias, outrora tão coloridos e
Subo os degraus da estação Tenho lembranças de que durante pe- quis e araticuns, me vem à memória barulhentos, totalmente sem graça e
ferroviária e passo os dedos pela textura minha transferência houve marcas não só meus dias de labuta. Além disso, eu em preto e branco, como as fo- tos
das grades enferrujadas que tempos em meu coração, mas também nas vendia pas- sagens que enegrecidas e silenciadas pelo tempo.
atrás não esta- vam ali. Assim, começo minhas roupas, pelo fato de eu ter proporcionavam avanço ao país de Ouço a buzina que anuncia a
a recordar-me da época em que andado na se- gunda classe, nada forma tão simples. Penso que to- das chegada do trem de carga e a realidade
trabalhava ali e também da minha confortável, da Maria Fumaça que me essas pessoas, e até mesmo os fun- me arranca com todas as suas forças de
infância… E é exatamente nessa ho- ra chamuscou de fuligem. As faíscas cionários, como eu, não tinham noção de minhas lem- branças. Levanto-me
que as memórias teimam em apitar em emitidas juntamente com a fuma- ça que, ao comprar um simples bilhete daquele banquinho azul e observo o
meu coração, sento-me em um daquela locomotiva me atingiram e che- para trilhar em meio ao cerrado na abandono no qual a es- tação se
banquinho azul para poder relembrar de garam ao meu coração, aquecendo e en- Estrada de Ferro Goyaz, estariam encontra, vejo aquelas cores que
tudo que es- sa linha de ferro representa chendo de esperança minha viagem movimentando um país inteiro. encheram minha vida de alegria. Pego-
pra mim. pelos trilhos da vida. Recordo-me de que, na maioria das me agora melancólico pelo estado de
Nasci no ano de 1954, na cidade de Rememoro também, claramente, que vezes em que eu ia entregar algum esqueci- mento em que foi deixado
Pi- res do Rio, onde a movimentação só quando cheguei ao povoado me recado enviado da capital, ele era de aquele lugar que antes era o
não era tão forte quanto a luta de meus espantei. Na época, não havia energia morte. Quan- do chegava nas casas das protagonista da história desse povo.
pais para manter a mim e meus irmãos. elétrica, a es- trada era de chão batido, pessoas elas lo- go perguntavam quem M as podem ter certeza: enquanto
Sendo neto e filho de ferroviários, meu de carro de bois. O lugar era repleto de havia morrido, e o pior é que sempre essas memórias habitarem em mim, elas
destino já estava selado, o que só árvores nativas do Cerrado, belos era esse o recado. estarão vivas, pois* “irmão, eu tenho a
saberia mais tarde. No tempo da exemplares de pequizei- ros, Desses tempos, tenho também uma fer- rovia em meu sangue!”.
mocidade comecei a tra- balhar na linha gabirobeiras… M as a que predomina- va lembrança triste, de uma vez em que Texto baseado na entrevista realizada
com Mauro Garcia Coutinho, de 65
ferroviária de Brasília co- mo furador de e roubava a cena era a atrevida caraí- não pude parar uma composição por anos
dormentes. Aos 22 anos fui transferido ba, com suas flores incandescentes. carregar passageiros leprosos rumo a
para o Distrito de Caraíba, e foi lá que, Exce- to por isso, não achei o local uma colô- nia. Aqueles viajantes só
depois de tantos testes feitos, mais bonito, mas o povo era! “Afinal, é o povo respiravam pelas aberturas nos tetos Professora Mirelly Franciny
Melo Tavares de Oliveira
tarde iniciei meu cargo como chefe de quem faz a cida- de, não é?” Lembro-me dos vagões. Ouvi gri- tos de dor e E M Antonio De Souza Lobo Sobrinho,
naestação.
memória. N a verdade, meu sonho inicial da época
lá não em que
só para a “Senhora
conversar, como de Ferro”
também agonia que mancharam
deral Ferroviária a his- e tudo
foi privatizada tória da Vianópolis-GO
de ser maquinista não foi alcançado, mas reinava, a estação era um ponto minha
mu- estrada de ferro.
64 — M E M ÓR I A Sminha função deixou rastros
LITERÁRIAS turístico. As pessoas iam para Aos meus 42 anos de idade, a M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 65
inestimáveis Rede Fe-
NO RITMO DA MEMÓRIA mo minha pequena, outras crianças tam- leando até o fusca que nos aguardava
bém eram ninadas nos braços de es- tacionado ao lado do clube. Os
Gabriel Henrique de Morfeu. Ninguém se preocupava, todos menores eram recolhidos e cobertos
Freitas eram conhecidos e uns olhavam os filhos com um cueiro para protegê-los do
dos ou- tros. As crianças também não sereno. Minha peque- na ficava alheia a
Era um sábado de 1988, no Meio- se acotovelavam e se desculpavam com se impor- tavam, parecia até que tudo o que se passava ao seu redor.
Oeste catarinense. Todos da minha um menear de cabeça e um sorriso estavam no mais absoluto silêncio e M orfeu caprichara no embalo.
família já es- tavam de banho tomado, amarelo. Já as crianças saboreavam e se calmaria. Era como se a própria música Dizem que nossa mente, em
cabelo com bri- lhantina, roupa empantur- ravam com as cucas, criasse uma redoma de proteção autopre- servação, também capricha na
engomada, tudo “nos trin- ques”: dia de linguiças, pastéis e Laranjinha, que era invisível, criada a partir dos ri- sos e seleção de nossas lembranças tornando
baile. um refrigerante muito conhecido gracejos que voavam feito colibris as dores mais amenas e as recordações
A família empurrava-se e espremia- naquela época, tudo vendido na copa, pelo salão. felizes mais vi- vas. Não sei se isso se
se feito sardinha dentro do fusca 74, ao fundo do salão. Os rapazotes sol- Esses bailes de comunidade do inte- aplica a esses mo- mentos ou se meus
azul-ce- leste, de faróis dianteiros teiros ficavam ao redor da pista de dança rior eram os mais divertidos. No cabelos cor-de-neve estão a pregar-me
redondos, que podia chegar à trocando acanhados olhares com as entanto, quando a madrugada já ia alta, uma peça, mas com certeza se eu
extraordinária velocidade de 80 km por moças solteiras que os retribuíam, os peque- nos ainda dormiam em seus tivesse o poder de voltar àquela época
hora, o que era muita potên- cia para algumas de ma- neira recatada, outras berços – mui- tas vezes improvisados –, dos bailes do interior, ainda rodaria os
aquela época, e por isso era o xo- dó de nem tanto. os maiorzinhos cochilavam debruçados quatro cantos do salão, sentin- do a
meu marido, João. Não muito tempo depois, a banda e sobre as mesas e vários novos casais já essência da verdadeira felicidade. Por
C hegávamos ao baile e lá já toda a comunidade cantava a uma só haviam se formado. Alguns dos ora, tudo o que posso fazer é “valsear”
encontrá- vamos as comadres, os voz e a plenos pulmões “Zigge Zagge, solteirões que ficaram para se- gurar no ritmo de minhas *memórias.
compadres, suas crianças, nossos Hoi, Hoi, Hoi”, música folclórica dos vela naquela noite, por vezes, acha-
vizinhos e quase todos da comunidade. imigrantes ale- mães. Como Rubia já vam-se injustiçados quando o amigo Texto baseado na entrevista realizada
com Ivanira Dacal de Freitas, de 74
Era uma alegria vê-los reuni- dos e bem havia adormecido, eu a colocava dentro ficava de galanteios com a moça de anos
trajados para o baile da Linha Caçador, do moisés de vime, embalava no ritmo seus olhos. Aí, era aquela confusão,
comunidade do interior de minha cidade, da música e a empurra- va para debaixo também pudera: madrugada, sono,
Treze Tílias. da mesa. Entre sorrisos eu trocava bebida e rejeição, o re- sultado só
Cada um se ajeitava em uma das furtivos olhares com João, que en- poderia ser um: briga de bêba- dos. M as
muitas mesas espalhadas ao redor do tendia a mensagem. Hora de dançarmos. nada sério, no dia seguinte todos já
salão. Havia poucas cadeiras para O calor da multidão gerava uma seriam amigos novamente. Professora Andreia Lemes
acomodar
tocava a mim, meu
suas melhores marido eosnossos
marchinhas, eufo-
nos ria coletiva,
arredores da pistao de
coração
dança, palpitava
assim rem Jáparaera
pelohora
menosde voltarmos para
caminharem Donatti
E M Irmã Filomena Rabelo, Treze Tílias-
casais quatro filhos, além dos ami- gos e no ritmo da dança. De quando em
co- nossos
camba- lares. As crianças deviam ser SC
parentes
66 que
— M E M ÓR I A Slogo iriam juntar-se a nós. A
LITERÁRIAS quando olháva- mos para nossa mesa. acordadas. Os maiores eram sacudidos M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 67
noite ia animada, e enquanto a banda Ao correr os olhos até desperta-
LEMBRANÇAS DE UM AMOR
PERDIDO

Gabriel Araújo da Silva

De repente, o rádio começou a tocar mas nem sempre eram suficientes para te que se interessasse por mim. Até o nossa cidade, começo a relembrar a
uma moda de viola antiga e me perdi a semana toda. Tínhamos que filho de seu Messias, rapaz estudado na visita que tivemos hoje pela manhã:
nas lembranças de quando ainda estava economizar em tudo, até para nos cidade grande, por quem me apaixonei e eram jovens estudantes que vieram
na flor da idade. A melodia me fez banhar a água era pouca, então, tinha me per- dia em seus lindos olhos azuis, ansiosos por nossas histórias de vida,
perceber como os anos passaram que ser o famoso “ba- nho de gato”. não teve co- ragem enfrentar o tão que se misturavam com as de nossa
depressa e como aquele tempo era Oh, época sofrida! M as, graças a temido seu Antônio. cidade. Eles cantaram e con- versaram
difícil! Deus, conseguimos sobreviver. Dias, Meu coração palpitava sempre que bastante com a gente, e assim, fizeram
A labuta começava cedo, com o som meses, anos se passaram e a vida o via, parecia que meu peito ia explodir! com que nossas lembranças, tão bem
do galo cantando. O sol ainda não continuou do mes- mo jeito. A semana Mi - nhas pernas tremiam quando ele guardadas no fundo de um baú es-
havia surgido no horizonte e já passava num piscar de olhos. Isso me passava perto de nossa barraquinha, quecido no passado, fossem revividas em
estávamos a ca- minho do poço da deixava feliz, já que o dia mais com a descul- pa de querer comprar um novo tempo, trazendo com elas
comunidade, onde bus- cávamos água esperado por mim era o sábado. O dia algumas das delícias ali expostas. Eu aque- le gostinho de saudade que faz
para suprir nossas necessi- dades do dia era tão especial que já começava com o olhava, mas logo abaixava a cabeça para meu cora- ção apertar.
a dia. Ainda sinto o peso dos baldes cheiro do mungunzá pairando no ar e nos que meu pai não percebes- se o amor *
cheios e ouço minha mãe gritando: avisando que era hora de irmos à que transbordava em meu peito. Sofri
“Rápido, menina, deixe de moleza! Desse estação de trem. A maria-fumaça, já muito quando soube que ele se casou Texto baseado na entrevista realizada
com Leogevilda Rosa dos Santos, de 79
jeito não conseguimos encher nossos apitando, nos levava para a feirinha com a filha de um fazendeiro da re- anos
re- servatórios!” E lá ia eu, com o balde onde nossa barraqui- nha nos esperava gião. Com o coração em pedaços, segui
na ca- beça e a esperança no coração para receber as gulosei- mas feitas por minha vida sozinha, não acreditando
de que um dia tudo iria melhorar. mamãe. mais que o amor fosse possível para
No entanto, quando a vida começou Era uma festa! Artistas locais, mim. Mes- mo hoje, quando me lembro,
a entrar nos eixos, o sertão nos queren- do ganhar fama, embalavam os sinto meus
surpreendeu com uma seca que nunca fortuitos namoricos da época. O flerte olhos umedecidos de tristeza.
tínhamos visto antes. Passamos por acontecia apenas com troca de olhares, Anos se passaram e continuei
Professora Izabel Leite Aguiar
muito sufoco, já éra- mos pobres, e já que nossos pais estavam sempre de sozinha, vivendo a mesma vidinha de
Almeida
ainda
de água, essa seca para
a prefeitura aca- carros-
enviava bar com olhos atentos,
conseguia vi- giando
afugentar nossos
qualquer passos.
pretenden- sempre. Toda minha
paredes vazias de um família
quarto,se
nofoi, meus
asilo da Brumado-BA
E M Professora Clarice Morais Dos Santos,
nossa
pipa, plantação. Até nossa fonte havia M eu pai, por exem- plo, com sua pais foram mo- rar com Deus, meus
secado!
68 — M E MPara
Ó R I A Saliviar nossa escassez
LITERÁRIAS expressão de poucos amigos, irmãos se casaram e agora, com meus M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 69
79 anos, olhando para as
RIO AFORA, RIO frimento fez as águas do rio ficarem Essa fase foi como o encontro do rio
ADENTRO… A VIDA SEGUE repre- sadas. Fiquei muito tempo com o mar: fortes ventanias e águas
naquela situa- ção, impedida de agita- das. Ao mesmo tempo em que um
Victor Augusto de Alencar conviver com o mundo. rapaz dis- se que me amava, fez isso de
Menezes Ma s havia a esperança… E era o que tal modo que a família que me acolhera
me restava. Um dia, indo comprar pão, foi a mesma que me expulsou por pensar
A vida é como um rio, um fluxo havia um rio de onde tirávamos o alimen- por sorte, encontrei uma colega de mal de mim, pois, uma vez, saímos e
cons- tante que, às vezes, não consegue to e, também, que servia para nossa infância, a menina que retirou as pedras voltamos muito tarde. Is- so era muito
parar. diver- são. Ao redor, açaizeiros, do meu rio, fazendo a água fluir inapropriado para uma jovem e, naquela
Em alguns momentos da vida, o rio é sumaúmas e ma- çarandubas, árvores novamente. Ela me falou da família de época, a sociedade belenense era muito
largo e profundo; em outros, é estreito e típicas da Amazônia. Às vezes, eu saía um policial que queria contratar alguém conservadora e tradicional. Da mulher, era
ra- so. O importante é saber navegar: com meu pai para ca- para ajudar na casa de- les. Decidi exigido “um bom comportamento”. Ti-
aproveitar os momentos felizes e lidar çar, pois tinha medo de ele ir e não aceitar o novo emprego e pas- sei a ter vemos que nos casar e desse
com os tristes. voltar, o que acontecia com muitos uma vida mais aprazível. relacionamen- to vieram meus filhos,
Como disse, o rio não para. E caçadores. En- quanto isso, minha mãe Pude, então, ir ao cinema pela motivo de alegria e determinação para
seguin- do o fluxo do rio da minha vida, plantava hortaliças para nosso consumo, primeira vez… Ainda lembro os detalhes, fazer o melhor por eles. Rio que flui…
agora es- tou de mudança (minha neta o que não era garantia de comida na a expec- tativa, a melhor roupa… Enche… Seca… O meu marido ficou em
me ajuda com as caixas). Ao pegar uma mesa, principalmente quan- do meu pai Naquela época, ir ao cinema era um um determinado porto… Meus filhos
velha sacola em- poeirada, deparo-me nada trazia da floresta. Mesmo com o verdadeiro evento social: sessões sempre seguiram outros afluentes… Tantos
com uma foto da mi- nha infância, e problema da fome, e da preocupa- ção lotadas, filmes em preto e branco e, anos depois, veio o desejo de vol- tar
isso me faz rememorar um passado com meus pais, o rio da minha vida se- depois, a pipoca na praça. para onde o rio era largo e tranquilo, o
feliz, em que a vida se resumia a tão guia calmo, até surgir uma forte corrente- Contudo, há períodos de sol e chuva lugar da minha infância. Será que…
somente brincar. za que, aos 11 anos, me levou para tão peculiares da Região Amazônica… — Vovó, temos que ir!
Na década de 1950, o interior da longe. Percebi que não podia nadar contra a —Sim, é claro. É o momento de tu
Ama- zônia era diferente: palafitas bem Foi a primeira vez que conheci uma maré, ainda que não houvesse decidido sa- beres sobre o rio…*
simples (casas de madeira construídas ca- pital: ruas movimentadas, em qual porto fi- caria, então resolvi
sobre esta- cas) e brincadeiras nos automóveis, ca- sas grandes. Onde fui acompanhar essa família quando se Texto baseado na entrevista realizada
com Rosa Lucas Franco, de 73 anos
igarapés (riachos que nascem na mata e morar, havia até uma escada, e os mudou para Belém, a cidade das
desaguam no rio), o que é difícil de ser cômodos eram muito bem divi- didos. mangueiras. Fomos morar em uma vila de
encontrado hoje, até nas áreas Também foi quando o rio se estreitou casas, ambiente muito comum naquele Professor Paulo Reinaldo Almeida
ribeirinhas. Minha casa era pe- quena, até quase secar, pois não aconteceu o tem- po, normalmente formada por Barbosa
coberta com uma lona e mais pa- recia que eu esperava: a dona da casa – que núcleos fami- liares. Para mim, foi um Colégio Militar de Belém, Belém-PA
um— barracão.
70 Não havia divisão en- tre
M E M ÓR I A S LITERÁRIAS disse à minha mãe que me acolheria local novo, com pes- soas, inicialmente, M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 71
os cômodos: meu quarto era na cozi- para eu estu- dar – obrigou-me a cuidar estranhas, mas que de- pois passaram a
nha e ao mesmo tempo na sala. Ali de uma criança e realizar todas as representar decepções e alegrias que eu
LATA D’ÁGUA NA
CABEÇA, LÁ VOU, MARIA

Evellyn Isabelle Lima Vale

A felicidade pode não significar difi- nha que voltar ao rio e pegar água de Subo e desço “minha ladeira”, agora,
culdade, mas ela sempre esteve ao meu novo, de novo e de novo. A cada queda, feliz da vida. Realizada com a
la- do. Chamo-me Maria Santos da a cada buraco que eu pisava, a cada oportunida- de que Deus me deu de
Silva, te- nho 70 anos e sou do Mato dificuldade, eu levantava e enfrentava virar mais uma pá- gina da minha vida. E
Grosso. Por lá fiquei até minha tudo mais uma vez, assim como eu lá vou eu, M aria, sem a lata d’água na
adolescência. Eu era do Seringal, no enfrentava as humilha- ções sempre com cabeça.
Garimpo, e migrei para o Amazonas em a cabeça erguida. *
1960, onde moro até hoje. N ão tinha Oh! Ladeira cruel! Oh! Lata pesada!
pai, nem mãe, fui criada por um homem Quando subia a ladeira com a lata Texto baseado na entrevista realizada
com Maria Santos da Silva, de 70
e uma mulher que me faziam de d’água na cabeça, ia conversando com anos
escrava. Eu fazia tudo. M as o que mais minha ami- ga lata. Contando meus
me entristecia era a lata d’água e a sonhos, minhas esperanças. Queria
ladeira. Oh! Lata cruel! Oh! Ladeira estudar. Não podia! Era só uma menina
malvada! A lata era minha companheira escrava que trabalha- va para ter o que
de todos os dias! Che- gava a odiá-la e comer.
amá-la ao mesmo tempo. Era um misto Anos se passaram. C resci e saí de lá
de amor e ódio, porque eu não tinha li- vre. Com muito esforço vim pra
ninguém para conversar, a lata era M anaus. Ca- sei e consegui comprar
minha “amiga”. minha casa no bairro do Alvorada, onde
Eu tinha que pegar água todos os moro até hoje. Tenho meu marido, filhos
dias: de manhã, à tarde e à noite e irmãos ao meu lado.
porque na- quela época não havia água Hoje, toda a tristeza e humilhação
encanada. E o pior: para pegar tal água que passei viraram alegria. A lata
Professora Lucia Nery da
tinha que su- bir uma ladeira muito d’água, mi- nha companheira de Silva Nascimento
difícil, inclinada, uns quatrocentos infância, só existe agora nas minhas EE Professora Alda Barata, M anaus-
metros. Piorava quando cho- via: eu memórias. A ladeira, um lugar de AM
caía,
72 — Mescorregava e a lata d’água se ia
E M Ó R I A S LITERÁRIAS angústia, sofrimento, lágrimas, e M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 73
embora, assim como meus sonhos. Ti- quedas, transformou-se numa rua
asfalta- da, cheia do vaivém dos carros.
DOCES MEMÓRIAS Na fase de moedura da cana, lembro de semana, a festa era sagrada. Ao som
que cada trabalhador era chamado de uma radiola a pilha, as pessoas
Rayssa Damárys Fontes de confor- me a tarefa que exercia. Assim, dançavam até certas horas da
Araújo havia o cor- tador de cana, o cambiteiro, madrugada, em plena euforia.
o tombador de cana, o pé de engenho, o Hoje, já não existe mais o bom e
Na calçada de minha casa, sentado riacho, pertinho de casa. De cima dos ga- bagaceiro verde, o bagaceiro seco, o velho engenho do Seu Pedro Simplício,
na cadeira de balanço, vejo um carro lhos da oiticica, pulávamos nas águas… boca-de-fogo, o cal- deireiro, o mestre tão pro- dutivo, tão animado, tão
com um alto-falante anunciando a “Ti- bum!… Tibum!…” Era muito de rapadura e, por fim, o caixeador de visitado… Aliás, no lugar onde vivo,
venda de mel: “Olhe o mel de engenho divertido! rapadura. Na prática, como resultado quase não se vê mais um deles em
da Bahia! É o me- lhor doce para adoçar Os meus pais viviam da agricultura. desse processo, obtinha-se a ga- rapa, o atividade. Praticamente to- dos dormem
a sua vida! Venha con- ferir!…” Ouvir isso Meu pai trabalhava de sol a sol na roça, mel, a rapadura e a batida. Ah, ha- via entre as folhas secas e alguns resquícios
me fez voltar ao passado, à minha com meus irmãos mais velhos. A minha também o alfenim! Doce alfenim! Eu re- do passado.
infância. Ah, que saudades!… mãe e as minhas irmãs ficavam em lembro, inclusive, que as comadres Lamentavelmente, a seca no nosso
Nasci e cresci no sítio Pejuaba, mu- casa, cuidando das tarefas do lar. No faziam apostas para ver quem puxava o sertão tem contribuído, ao longo dos
nicípio de José da Penha. Eu morava tempo da colheita, toda a família alfenim maior. Era um lep-lep danado, anos, para o desaparecimento da cana-
com meus pais e meus dezessete irmãos ajudava. Meu pai sempre dizia: “Vamos jogando o doce pra lá e pra cá, nas de-açú- car em nossa região, levando
numa casa pequena, muito simples. trabalhar para não faltar comida na próprias mãos, até ficar no ponto. Ria-se consigo os antigos engenhos.
Quase não tinha mobília, apenas o nossa mesa”. E, realmen- te, não a valer! Atualmente, as recordações
essencial. Naque- la época, ainda não faltava. No período da moagem, papai sem- passeiam na minha mente como
existia luz elétrica. O sol iluminava o As frutas e as verduras consumidas pre servia o café da manhã, o almoço e passeia, de rua em rua, o carro do mel
dia; a noite ficava por con- ta do brilho lá em casa vinham do pomar, cultivadas o jantar para todo mundo. O mel era de engenho… Um mel que, hoje, serve
da lua e das estrelas, e, den- tro de sem nenhum tipo de agrotóxico, bem usado para adoçar o café, o leite, o apenas para reavivar as doces
casa, a gente se valia das lampari- nas a diferente dos dias de hoje. Quando suco e o bolo de milho, que nunca memórias do meu passado.
*
gás. Na verdade, lá em casa faltava alguém de nos- sa família adoecia, faltava. Já a rapadura, o alfenim e a
luxo, mas não faltava união entre a mamãe sempre tinha à mão uma erva batida eram as sobremesas mais Texto baseado na entrevista realizada
com Josival Simplício da Costa, de 57
gente. C omo todo garoto do meu tempo, para fazer um chá. Ainda sinto aquele apreciadas. Desse modo, posso dizer anos
brin- quei de pula-pula, balanço, de cheirinho de eucalipto que ela preparava que o mel adoçava a minha vida, bem
roda… Re- cordo bem os guisados, que quando eu estava com febre… Posso co- mo a de todos aqueles que lidavam
fazíamos debai- xo das mangueiras e das dizer que vivi tempos de fartura. no en- genho do meu pai naquela
Professora Margarete Maria
oiticicas, ouvindo o gorjeio das aves… O Eita, que fartura! Quando me vem à época. de Marilac Leite
canto
viii!…”. que maistambém,
Lembro-me, me alegrava era o do
dos banhos men-
genho do te meu
a época das moagens… Desse Na cidade,
tio ficava ainda não
maishavia ninguém
alegre. que
E nos finais EE Vicente de Fontes, José da Penha-
no bem-te-vi. Parece que es- tou ouvindo tempo
pai. eu trago comigo as mais doces não conhecesse o engenho do Senhor RN

74 — M E M Ó Ragora… “Bem-te-viii!… Bem-te-


I A S LITERÁRIAS lembranças… Tão doces quanto o mel Pe- dro Simplício. Modéstia à parte, era M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 75
produzido no en- o mais conhecido da região. Nesse
tempo, o sí-
UM DIA DE MUITA
FESTA

Gabriela Garcia

Ah!.. Taguaí querida!… Sentada aqui, memorar a vinda da modernidade. Eu minuto, olhava no relógio da torre da a iluminação ficávamos mais tempo na
no terraço de casa, do lado da praça, que- ria ajudar com os preparativos, igre- ja, mas ele parecia que estava rua brincando de pique-esconde,
lem- bro-me, como se fosse hoje, do dia mas minha mãe não deixou, alegando parado, tal- vez para registrar com queimada, barra-bol… Antes, tínhamos
em que foi inaugurada a energia que eu só tinha 12 anos, era apenas uma detalhes a novidade. Finalmente chegou que dormir ce- do. Jantávamos lá pelas
elétrica: 8 de fe- vereiro de 1958. criança e não teria muito em que ajudar. a hora tão espera- 6, 7 horas e já ía- mos para a cama. Eu
Naquela época, o lugar era apenas um Então, para passar o tempo mais da. Quando meu pai, maior autoridade e meus quinze irmãos nos divertíamos
distrito da vizinha cidade de Fartura, a depressa, fiquei dando voltas na calçada da cidade, apertou o botão… as pessoas até mais tarde, na rua, pois papai e
qual pertencia, e tinha como nome com meus irmãos. leva- ram um tremendo susto. A casinha mamãe ficavam na calçada conver-
Ribeirópolis. Só no ano seguinte o Estava chegando a hora, a praça es- de sapê, com os eletrodomésticos, se sando enquanto nós brincávamos.
então patrimônio foi elevado à condição tava deslumbrante, meu pai chamou até iluminou intei- ra. As pessoas gritavam, Hoje, com 72 anos, tenho certeza de
de cidade e passou a se chamar Taguaí. a escola de samba de Piraju para aplaudiam, vibra- vam, era algo muito que aquele fato foi o primeiro passo pa-
Naquela época, meu pai era prefeito abrilhantar tão grande acontecimento. diferente, muito estra- nho e ao mesmo ra transformar completamente a vida
de Fartura e, consequentemente, de De um lado da praça, onde hoje se tempo sensacional. Alguns falavam que dos moradores da pequena Taguaí.
Ribei- rópolis, onde morávamos. O localiza a prefeitura, mas que naquela aquilo era coisa de outro mun- do, outros Depois da- quele feito, muita coisa
doutor João Renor, engenheiro da ocasião era um espaço vazio, fizeram que tudo seria mais fácil dali pra frente. mudou. Enquanto eu viver, todas as
Companhia Luz e Força Santa Cruz duas casinhas de sapê. Uma, Para falar a verdade, eu concorda- va vezes que me sentar aqui e olhar para a
prometeu trazer a ener- gia elétrica se representando as casas antes da energia: com todos eles. A vida seria muito mais praça, me lembrarei daquele dia
meu pai colocasse os postes. Então, com lamparina, vela, fogão a lenha, fácil, as pessoas não precisariam mais es- inesquecível. *
papai organizou um mutirão com to- dos ferro a brasa… E a outra só com quentar água para tomar banho, não
os homens da cidade e em um único dia eletrodomésti- cos: geladeira, rádio, teriam que guardar carne em latas Texto baseado na entrevista realizada
com Creuza Seckler Gobbo, de 72
eles abriram o mato, fizeram os buracos lâmpada, ferro… Es- tava tudo contendo banha de porco, não iriam anos
e colocaram os postes do bairro de maravilhoso. Aquilo simbolizava a respirar a fumaça pre- ta das lamparinas
Taqua- ras, de onde vinha a energia, até diferença entre o antigo e a de querosene ou queimar suas roupas
Taguaí. modernidade. Com a proximidade da com faíscas do ferro a brasa… As
N o dia da inauguração, eu estava hora da inau- guração da energia pessoas se mostravam muito feli- zes, Professora Rosely Eleutério de
mui- to ansiosa
vam organizando umaa linda
ponto de para
festa quase elétrica,
praça mamãe
em volta do vestiu- nosdecom
coreto e, nossas
minuto mas sabiam
satisfeitas que
ficamos para
nós, ter todos
crianças, esses
pois Campos
Escola João Gobbo Sobrinho, Taguaí-
explodir
co- de tanta felicidade. Na praça, em melhores roupas e fomos orgulhosos recursos teriam que pagar pelo benefício.
com SP
meu
76 — Mpai,
E M Ó Rjun- to dos vereadores e dos
I AS LITERÁRIAS participar da festa. M as o tem- po Mesmo assim, estavam satisfeitas. E M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 77
moradores, esta- parecia não passar, eu ficava andando na mais
ACENDE A FOGUEIRA Vovó sempre fazia a “experiência
DO MEU CORAÇÃO da bacia com água”; ela a colocava em
fren- te a fogueira, e caso o reflexo do
Maria Emanuely dos Santos seu rosto não aparecesse, era porque
Andrade morreria logo. Era uma crendice daquele
tempo.
As lembranças de São João, na casa Tudo isso acontecia durante o mês de
de minha avó materna, visitam minha junho, inclusive eram homenageados não
cabe- ça. Foi um tempo de muita só São João, mas Santo Antônio, o
alegria… Sabo- res doces, aconchego na casamentei- ro, e São Pedro, o dono das
noite fria. Bandei- rinhas feitas de jornais chaves do céu, assim diziam os mais
velhos balançavam no alpendre. Meu avô velhos. O santo que ganhava a maior
saía para cortar a ma- deira que usava fogueira era São João, mas isso ninguém
para fazer a fogueira e, de- pois, a nunca me explicou o motivo.
colocava bem no meio do terreiro. Ela Era uma noite especial, porque
era grande e suas chamas quentes e parecia que, ali, as pessoas se aqueciam
vivas. mais ao re- partir seu amor umas com as
Minha avó fazia o bolo de milho outras. O meu coração se enchia de vida
tirado da roça, que ficava no fundo do quando ao deitar na rede recebia a
quintal, e assava no forno feito de barro. benção da vovó dizendo: “Deus te
Ainda lem- bro do cheiro do cravo e da abençoe!”. Ali adormecia aquecida pelo
canela que en- trava por entre as calor do seu amor e pelo afago daque-
narinas. Queríamos até comê-lo las mãos que ficaram* em minha memória,
quentinho, mas vovó sempre di- zia: “Dá como um retrato que o tempo não
bucho inchado”. apaga.
Texto baseado na entrevista realizada com
Maria Núbia Matias Vasconcelos, de 57 anos
Na mesa da cozinha, o jerimum e a
bata- ta-doce esperavam sua hora, eram
assados nas brasas daquela imponente
fogueira.Vovô guardava em sua bodega a
Professora Cícera Mônica da
caipirinha, bem caprichada, para oferecer Silva Santana Simplício
aosconsagravam
se compadres padrinhos
e comadres
e que fez EEF Maria Benvinda Quental Lucena, Brejo Santo-
durante toda sua vida. Ainda lembro que
madrinhas. CE
em— noite
78 MEMÓR de
I ASSão João, de mãos dadas
LITERÁRIAS M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 79
diante da fogueira, as pessoas
PLANTAÇÃO DE BOAS LEMBRANÇAS ge, um nevoeiro discreto e silencioso
acal- mava meu coração. Grilos e sapos
Ana Lígia Costa faziam um fundo musical repetitivo que
Peguim embalava meu sono. Amanhã a lida
continuaria, era hora de ir pra cama. As
A colheita sempre fez parte da festiva, e o meu mundo era enorme ca em época, a gente capinava, lamparinas da ca- sa se apagavam.
minha vida. C omo no passado, quando dentro de mim. M as se as raras despenca- va, rastelava, abanava ou Acendo a luz do meu antigo quarto
admirava as centenas de sacas de compras na cida- de também faziam ensacava o café. Ao final, sempre a compartilhado com minhas irmãs.
estopa com o ca- fé colhido, às vezes meus olhos brilharem, o apego e a expectativa por uma co- lheita melhor — Ah… Minha neta, como é bom
fico aqui, em silêncio, contemplando os felicidade dos meus pais pela vida na que a anterior, e o orgulho de alguém revi- sitar cada cantinho deste lugar!
balaios das várias safras dessas minhas roça faziam parecer não ser possí- vel por ser o acertador do número de sacas Pena que o cafezal não exista mais e
memórias … outra forma melhor de vida. daquele ano. tudo virou cana- de-açúcar. A casa da
O habitual cheirinho de café desper- “Barriga cheia, pé na areia”, e não O cansaço era sinal de que o dia ha- vovó lá na cidade po- de até ser mais
tava-me de meus sonhos. Levantar era só força de expressão não, eram via sido produtivo. O sol se punha, confortável, mas este sem- pre será meu
daque- le colchão feito de palha de quatro quilômetros de estrada de chão trazen- do alívio para o corpo e para a lar, onde, hoje, meus filhos e vocês,
milho era um alívio para meu corpo, batido até a escola. E para não chegar alma. As en- xadas eram guardadas, os meus netos, me enchem de alegria
aliás, dividi-lo com uma de minhas com os sapa- tos sujos, ou levávamos embornais, com alimento, lima e a nesses almoços de domingo. E se o
quatro irmãs não era nada confortável. um reserva, ou ía- mos descalços para lá garrafa de água, eram recolhidos. A cafezal não existe mais, e se lá na
M as não havia tempo para re- clamar, o lavar os pés e calçá- casa nos aguardava e tínha- mos pressa cidade as coi- sas mudaram muito, virou
galo lá fora já havia feito seu tra- balho, -los. Era uma escolinha rural no sítio de chegar. lugar de turista, quando estou aqui, sinto
pelas frestas da casa sem forro via- se Por- to Alegre. A h … Quanta saudade! Toda semana, uma das cinco filhas que o lugar onde vivemos nunca se
que o sol já ameaçava apontar. Pés des- As salas de aula divididas em diferentes era responsável pelo preparo da acaba dentro de nós. Car- rego coisas
calços no piso de vermelhão, eu seguia o séries, a sopa servida todos os dias, as refeição. Em minha semana, fazia que ninguém pode colhê-las co- mo eu: a
aroma delicioso. À beira do fogão a brincadei- ras de corda, amarelinha, minhas mãos dan- çarem sobre a minha plantação de lembranças.
*
lenha, via que a Mariquinha já estava ciranda… Que memória feliz! panela do fogão a lenha. Eu descobria
sem o bu- le, mamãe já nos aguardava. Depois de mais quatro quilômetros ali uma arte. Mesmo quase consumida Texto baseado na entrevista realizada
com Silvana Cristina Soares Peguim, de 52
Bolos, broas e biscoitos caseiros eram andados de volta, chegávamos cientes de pelo cansaço, o preparo da re- feição anos
postos na mesa com fartura. C omíamos nosso dever com a enxada. O café, era um momento sagrado em que
sem medo de en- gordar, o dia era perto do lápis, parecia chumbo para agradar o paladar de todos era o
longo e os afazeres mui- tos. minhas cos- tas, mas havia sempre alimento da minha alma. Professora Luciana Fátima de
Precisávamos de “sustância”. encantamento ao ver a florada do Depois da janta, gostava de sentar lá Souza
Era década de 70, zona rural de cafezal, o pé mais carre- gado, os grãos fora. Num banquinho de madeira, sob o Escola Anita Costa Dona, Olímpia-SP
Olím-
80 — M Epia,
M Ó R Ino interior de SP: plantações
AS LITERÁRIAS mudando de cor, o docinho do grão já céu estrelado, olhava a lua que parecia M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 81
de ca- fé, casas todas parecidas, gente vermelhinho na boca… De épo- suspirar comigo pelo final do dia. Ao
simples e lon-
BAÚ DE Os outros onze eram filhos de Inês. ras! Ah! Hoje elas foram esquecidas cambira para brincarmos. Bom, já é
MEMÓRIAS C alma! Era outra Inês. O velho gostava pelos pais que não ensinam aos filhos possí- vel imaginar o que aconteceu!
Meirielen Dias de Inês, tanto que teve duas mulheres as brin- cadeiras que aprenderam Acabei mer- gulhando no mar de
Andrade com o mesmo nome. E de filhos! quando eram crianças. Na verdade, espinhos! Minhas ir- mãs foram me
No retorno da escola, elas foram substi- tuídas. A tecnologia ajudar. Como não tinham força, me
Na varanda de minha simples machucávamos os pés no tapete de foi tomando espaço, os novos soltavam novamente sobre o mar
casinha, no aconchego de uma cadeira pedras que se esten- dia pela estrada, brinquedos chegaram. Naquele tempo, espinhoso. O sangue jorrava pelo corpo
de balanço, fico a cismar. E, numa visita pois nós sempre fomos aventureiros, e brincávamos de roda nos terrei- rões e um banho de açúcar foi o
ao álbum fo- tográfico, empoeirado, às vezes enfrentávamos aquele chão das casas, cantávamos versos do ti- po: recomendado para remédio.
muitas lembranças vem à tona. quente com os pés descal- ços. Se “Quebra, quebra, Guabiraba/ quero ver Essas são algumas das pequenas re-
Fotografias que, apesar de es- tarem doía? Sim. Mas a dor era esque- cida. quebrar/ quebra lá que eu quebro cá/ cordações que viajam na minha
amareladas pelo tempo e anuncian- do Gostávamos mesmo era de obser- var essa noite eu não dormi/ só pensando memória. Algumas não puderam ser
que o mesmo passou, trazem lembran- a paisagem da Caatinga. Nambu, ti- em ti/ vou deixar de te amar/ pra poder registradas pa- ra serem guardadas no
ças. Aliás, essas recordações foram as ziu, beija-flor, enfeitavam aquele espaço, dor- mir!”. Também inventávamos álbum fotográfico, pois elas
úni- cas coisas que não obedeceram ao enquanto joão-de- barro dava os muitos tran- çados de chapéu, que se aconteceram de forma inespera- da,
tem- po e permanecem vivas, guardadas últimos retoques na construção de sua transformavam em corda para balanço. natural. Hoje, com meus 63 anos de
no baú que eu costumo abrir vez ou casa. Nós, moleques traquinas, às vezes Só podíamos fazer isso quando o chapéu idade, guardo no baú grandes
outra para sa- borear o passado. levávamos um badogue escondido começava a descos- turar naturalmente. lembranças. Guardá-las, vez ou outra, é
Morávamos numa casinha para, no retorno da escola, voltarmos (…) Só de ouvir estes versos, meus fazer uma via- gem *ao passado.
afastada da correria diária da cidade atirando nas pobres criaturas. Hoje, é olhos brilham, minha mente viaja. Nas
grande. Pou- cas casas formavam nosso difícil encontrar alunos que vão à escola can- tigas de roda, foram muitos Texto baseado na entrevista realizada
com José Carlos de Andrade, de 63
querido Povoa- do Sítio da Conceição, como íamos antes. Ani- mais que amores! Mas, na minha doce mocidade, anos
hoje, território de Adustina, encontrávamos de forma abun- dante só tive Zefinha. Ah! Essa mulher eu
desmembrado de Paripiranga, onde estão sumindo. Não se ouve o gor- jeio posso dizer que real- mente é o amor
resido. Não éramos acordados pelo dos pássaros como ouvíamos antes, da minha vida. Naquele tempo tudo era
estrondoso canto do galo, e sim, pelo pois, com a chegada do progresso, eles diferente. Nada de namo- rar às
som da enxada sendo amolada por meu al- çaram voos. Sumiram entre os restos escondidas. O pai da moça ficava
pai. Ele acordava, diariamente, no de mata que sobraram. observando. Nosso namoro foi uma
mesmo horário para ir à labuta e A vida naquele tempo era dura! graça e rendeu um casamento
conquistar o pão de cada dia. Aquele Estu- dei apenas até a segunda-série. maravilhoso, ape- sar das dificuldades e Professor Marciel Cabral de
barulho anunciava que era ho- ra de Depois, fiz um tal de Mobral. Meu regras que eram co- locadas pelo pai da Andrade
acordar e ir à escola. Éramos em 22. interesse tal- vez não estivesse nos moça. E M C antinho da Paz, Paripiranga-BA
Onze
82 — M Eda
M Ó Rsegunda família do meu pai,
I A S LITERÁRIAS estudos, mas duma coisa eu sempre tive Dentre tantas peripécias, uma ainda M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 83
que era casado com Inês. apetite: as brincadei- dói. Fizemos uma ponte sobre pés de
ma-
PARA LÁ DAQUELE MATA- sa para a qual levava um pedacinho de ninha fazia-me cruzar o mata-burro e perado para ver a mocinha da qual
BURRO… car- ne era a da Maria, aquela mocinha ato- rar caminho só para vê-la passar gosta- va era a Festa do Divino. Os
Héwilli Gonçalves bonita e simpática. Além disso, para a pelo que- bra-corpo, suas curvas de faxinalenses eram de muita fé,
Ferraz carne não estragar, fritávamos e moça donzela requebravam, ia ela participavam das festas religiosas e
colocávamos em la- tas de banha. Tudo “quebrando o corpo” pela paisagem também gostavam de um bai- linho nos
Meus olhos ainda são daquele meni- se aproveitava: o touci- nho, o torresmo verde das araucárias. finais de semana.
no… Na simplicidade de minha (acompanhado sempre de um saboroso De tarde, era comum o som do “trec Quantas lembranças! Quantas
varanda, tomando um amargo virado, nosso café da manhã), o sangue, trec trec” do pilão: mamãe fazendo saudades! Hoje, o mate amargo é
chimarrão, não es- tou só, me as tripas e os miúdos, ah, e co- mo não canjica. Enquanto isso, meu pai também o gos-
acompanham as doces lem- branças, lembrar do sabor do chouriço. Esse era o trabalhava moendo erva no barbaquá, to do meu lamento porque vejo sumindo
memórias a nascer no auge de minha nosso banquete familiar. Com a ba- nha depois, secava e a moía novamente com meu Faxinal. Vejo vindo para cá e para
velhice. do porco mamãe também fazia broa, um rolete puxado por um cavalo, e lá daquele mata-burro o progresso,
Um menino a viver em um faxinal, hum! Aquele cheirinho de broa sendo as- pronto! Estava ali o chimarrão e o chá observo máquinas que vêm e vão, mas
uma forma coletiva de vida, tanto no cul- sada na fornalha de barro. Às vezes, nosso de cada dia, torrado no fogão a não são pu- xirões, vejo grandes
tivo de plantas quanto de animais… O boli- nhos fritos na banha, meus irmãos lenha. plantações particula- res, mas que não
ma- te amargo lembra-me a vida dura e eu já corríamos para a mesa, Lembranças me acompanham e, alimentam a alma. Qua- se não vejo
que le- vava, uma vivência simples e sabíamos que era hora da merenda, dessa varanda, vejo o sol sumindo. animais soltos, fecharam-se os
sofrida, mas os faxinalenses se tudo arrumadinho com tanto carinho em Sempre que es- curecia no meu antigo armazéns, quase não há festas religiosas
ajudavam com o pouco que tinham. cima daquela toalha co- lorida e de Faxinal, era hora de acender o lampião a e nem bailes, pouco resta das
Eu era um “piá” simples, morávamos retalhos feita pela mamãe. querosene e a lampari- na com água e araucárias, tem sobrado só a saudade.
meus pais e eu em uma casinha de Perto de casa havia um mata-burro, óleo. A luz não durava muito, íamos Da minha varanda, fico olhando para
madei- ra em Faxinal dos M armeleiros. meu passatempo era olhar para lá dormir cedo e, então, eu sonhava com lá daquele mata-burro, meus olhos
Em um pe- dacinho de chão brotava o daquele mata- aquela moreninha vindo bater em minha ainda são daquele menino, não vejo
nosso susten- to, tirávamos da terra -burro. Dia sim, dia não, M aria vinha ca- sa: — Vizinho, tem mio pra trocá por minha mo- rena donzela e não vejo meu
tudo o que precisá- vamos para daquela direção. Trazia sempre uma fejão? antigo faxi- nal. Para
* cá do mata-burro
sobreviver. cesta de taquara com algum alimento Mal sabia ela que eu trocaria tudo se vem chegan- do a saudade…
Animais eram criados soltos, viviam para trocar… conquistasse a sua mão. Texto baseado na entrevista realizada
com Loirdo Ribeiro Ferraz, de 74
todos juntos, porcos, cavalos, vacas e — Ô de casa, tem mio pra trocá Era comum nos faxinais o “puxirão” anos
ca- britos. Vez ou outra, matávamos um por fejão? (a troca de serviços na lavoura com os
por- quinho, eu era o encarregado de No faxinal eu cresci e tão ingênuo vizi- nhos), quando chegava a época de Professora Carla Micheli
levar umo pouco
plicação, pedaçoera de carne
muito. para os
A primeira amor
ah, encontrei
este passava apara lá daquele
galope… Aquela mata- arran-
chão com cargalhos
feijão, de
eu sapé.
me animava,
Outro diasabia
es- Carraro
CE Campo de Faxinal dos Marmeleiros, Rebouças-
vizinhos
ca- mais pró- ximos, havia ali o bur- ro, onde animais não passavam,
more- que en- contraria Maria, ela vinha PR
milagre
84 — M E Mbíblico da multi-
ÓR I A S LITERÁRIAS pois ele era feito de tábuas com um requebrando o corpo, trazendo a M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 85
pequeno es- paço entre elas. M as meu marmita, que seria o al- moço a ser
amor por M aria, esquentado num braseiro no
BEBEDOURO CHORA AS ÁGUAS

Matheus Walisson da Silva

Por alguns instantes não ouço das ao meio. A última dava de frente Quando os grilos começavam a esticar o tempo, só para aproveitar mais.
nenhum barulho. Só minha lembrança para a lagoa Mundaú, onde me trepava cantar, anunciavam que já era hora de ir Amanhecia o dia e as pessoas já
manhosa dá sinal de vida. Saio remando nela e via o sol mergulhando pouco a em bus- ca do sustento. Minha mãe espera- vam para comprar a corda de
para o ano de 1959. “Uma lagoa, um pouco nas águas, enchendo a noite de distribuía en- tre os filhos mais velhos o caranguejo, o camarão e o sururu de
manguezal, berço na- tural de peixes, magia e misté- rios. Ao longe, avistava a patrimônio da família: a “teteia” e o capote, que eram tirados da lagoa
camarões, caranguejos…”. Tinha pouco estação de trem, que quando dava o ar “puçá”, e eu levava o candeeiro feito de Mundaú na hora e vendi- dos em latas.
menos de 5 anos, uma meni- na com de sua graça, a ale- gria saltava do meu lata de óleo com um chumaço de Era um festival de crustáceos! O tempo
apenas uma muda de roupa n’água e no coração, igual ao as- sobio dele ainda algodão, que clareava o cami- nho. Ia passou… Nessa travessia pa-
corpo. Era a derradeira filha de sete ir- distante. Quanta emoção! Tempos bons sempre com os pés descalços den- tro ra o passado as palavras saem molhadas,
mãos. Nesse tempo minha mãe era uma aqueles, em que toda a vizinhança se d’água, sentindo cheiro da lama doce pois o bairro Bebedouro que me
jo- vem viúva. Por isso, trabalhava muito conhecia e se respeitava. Era só no nariz, vendo as canoas dos abrigou está em área de risco. Alguns
para nos manter. Ela lavava roupa de perguntar pela irmã Januária que logo pescadores ancoradas nas beiradas. moradores, pescadores e comerciantes
ganho, pes- cava, cuidava da casa e dos era dado todo o histórico da minha mãe. Nadava de tanta felicidade! Nesse já deixaram o local, outros estão sendo
filhos. Porém, a hora da refeição era Brincávamos na rua de esconde- tempo, tinha também as “baronesas”, convidados pe- la Defesa Civil a fazerem
sagrada. esconde, queimado, rouba-bandeira e planta aquática que abrigava os o mesmo. Mas a lagoa Mundaú continua
Sentávamos em tamboretes à mesa cozinhado. Essa última? Era minha camarões piciricas. Então, chegávamos remando, reman- do… C omo para nos
de madeira crua. Então, recebíamos os brincadeira favori- ta! C ada criança de mansinho com o puçá para capturá- lembrar que é neces- sário respeitá-la e
ensi- namentos e éramos servidos pela levava um item de comida de casa e lá los e comermos no outro dia. valorizá-la. Enquanto is- so, Bebedouro
chefe da família. O cardápio quase misturávamos tudo numa pa- nela, Nessa época, nosso Bebedouro chora as águas… *
sempre o mes- mo: cuscuz molhado colocávamos na fogueira improvisa- da oxige- nava a economia alagoana. Tudo
com caldo de sururu de capote. Que e cozinhávamos. Depois de pronto, era o que vo- cê imaginar, tinha ao alcance: Texto baseado na entrevista realizada com
Vera Lúcia Batista do Nascimento, de 60 anos
recordação! só dividir e comer, ali sentados no chão. feira livre, estação de trem, praças,
Tínhamos uma casa simples, de Sempre recebia elogios sobre o igrejas… Parecia uma cidadezinha do
pare- des nuas, sem luz elétrica, sem preparo. Era uma delícia! Enquanto isso, interior! Sem falar nos festejos de época,
água en- canada. O banheiro era do nossos pais conversavam e se ajudavam quando aconteciam as festas mais Professora Jacira Maria da
lado
portasdeda fora,
frente erodeado
do fundodeeram
palha de
parti- monoseque fossenossos
fossem preciso. Eles nos olhavam animadas de Maceió.
prestigiar aquele dia. Eu Era
tinhaum reduto
vontade de Silva
E M Doutor José Haroldo da Costa, Maceió-
coqueiro e, dentro, apenas um buraco como se fôsse- mos seus filhos e nós os
pais. festeiro! Recordo-me que muitos da AL
para
86 fazer
— M E M ÓR as
I A S necessi-
LITERÁRIAS dades, que eram respeitávamos co- adjacência vinham a pé, de trem, só para M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 87
despejadas na lagoa. As
O DIA EM QUE A ÉGUA é que ele me viu e pediu-me para levar a sa hora derrubei tudo: carteira de Meus amigos Gildázio e Giltinho disse-
DESEMBESTOU égua até a fazenda do meu pai. Foi aí cigarro, dinheiro… E a égua correndo… ram para eu descer, contudo me
Emilly Juliana Santana que minha saga começou e vários Q uando chegou numa baixa, perto recusei!!! Imagina só se depois de tanta
Santos outros per- sonagens entraram na de uma fábrica daqui, chamada emoção e aventura eu iria querer
história… Parmalat, um amigo de meu pai, acabar de vez com aquele sublime
Muitos foram os momentos felizes e Montei na égua, o vaqueiro ainda Givaldo C abeludo, ten- tou me ajudar momento?!!!
en- graçados que vivi na minha infância e me alertou para que eu fosse bem colocando sua moto na fren- te. No Foi aí que meu pai chegou
ado- lescência. Entretanto, houve um que devagar, já que ela era muito “braba”. entanto, a égua passou por cima de- la, montado em outro cavalo e me fez
marcou a minha vida e do qual jamais Até ouvi o que ele disse, porém, não dei derrubou-a e continuou em disparada e descer da égua (Deus que me livre de
esquecerei: o dia em que a égua muita importân- cia e saí no galope eu continuava no lombo dela. desobedecer uma ordem dele!). Ele
desembestou comigo. Era um dia comum devagar. Eu e minha amiga aventureira já nos pegou-a, montou nela e voltamos para
como qualquer ou- Ao chegar na frente do único encontrávamos um pouco distantes da nossa fazenda, só que agora eu já
tro na minha vida. Acordei, fiz as posto de gasolina que havia na cidade, fa- zenda do meu pai. Já estávamos em estava no cavalo manso. Quando che-
tarefas cotidianas e fui para a escola. conheci- do como “Posto de Luciano”, outra fazenda que hoje é conhecida gamos na cancela do nosso terreno, meu
Eu morava na zona rural da cidade de encontrei al- guns amigos que também como “Fa- zenda de Baixinho”, mas que pai quis entrar de vez e a égua
Monte Alegre de Sergipe. Aqui, até estavam monta- dos em cavalos e eles na época per- tencia ao senhor Antônio derrubou-o. Todos que estavam na hora
hoje chamamos a zo- na rural de me chamaram para pegar “pareia”. Ramos. Foi aí que outros amigos da começaram a rir, foi “mangação” geral.
“interior”. N esse dia inesquecí- vel, C omo sempre fui uma me- nina família também tentaram me socorrer: Como é que um dos melhores vaqueiros
meu pai, Adalberto Pitu – esse “Pitu” é aventureira, que não perdia um desa- Gildázio de A ntônio Ramos e Ednilson da região caiu de uma égua enquanto
o apelido pelo qual minha família é co- fio, aceitei na hora! de seu Edmilson. Eles pegaram uma sua filha, de uns 10 ou 12 anos na
nhecida na cidade, não sei exatamente Aticei a égua e coloquei-a no F100 de seu Edmilson, a colocaram na época, não caiu?!
de onde veio, mas acredito que seja galope. pista e ficaram com os chapéus e as ca- Foi aí que me senti a melhor cavalei-
desde o tempo do meu avô ou bisavô –, Ela saiu em disparada… misas sacudindo, que era para a égua en- ra ou amazona, como* queira, de toda
pediu para um vaqueiro, que trabalhava No caminho, havia um bueiro onde trar para o lado de um povoado re- gião sertaneja.
em nosso ter- reno, que lhe comprasse hoje fica o ferro-velho de Geilson chamado Tabuleiro e, assim, sairmos da Texto baseado na entrevista realizada
com Aclécia Santana Silva, de 42
uma carteira de cigarro na cidade, Correia. Nesse local, a égua pista. anos
montado em uma égua “braba” que desembestou de vez e eu comecei a Fecharam ainda o outro lado com
tínhamos. gritar: ou- tro carro para que assim o animal
E assim ele fez. Após ter comprado — S O C ORRO! S O C ORRO! ALGUÉM não ti- vesse escolha. Ao perceber que Professora Martha
Danielly do Nascimento
o cigarro, o vaqueiro passou na frente da M E AJUDA! estava en- curralada, ela correu para a Melo
mi-
ma coisa nhaparaescola
resolverenanaquele
cidade. Oexato
fato Todos
va aos os “SOCOOOORRO!!!”.
berros, meus amigos pensavam
Nes- estrada
meninosde ter- ra,
queriam mepulou
tirar quatro
de cimafios de
dela. Monte
EE JoséAlegre
Ináciode
deSergipe-SE
Farias,
momento eu estava de saída. Não sei o que eu estava brincando, e a égua arame e eu conti- nuava em cima dela…
que— se
88 M E passou na cabeça dele ou se ele
M ÓR I A S LITERÁRIAS correndo… Passamos pela frente da Alguns minutos depois, ela M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 89
tinha mais algu- cancela da fazen- da do meu pai, mas a parou. Os
égua não entrou pa- ra casa e
MITOLOGIA C ONTENDENSE

Luciely Costa Santana

Como esquecer aquelas noites mal assim, nos arrebanhou, e nos trouxe pa- do o sono de algumas pessoas na nossa abri-los e a espiar pelas frestas do teci-
dormidas onde o medo e a curiosidade, ra a sede do município. Graças a co- munidade. “É verdade, ‘cumade’, do fino que me cobria. Foi sob essa ten-
paradoxalmente, apavoravam a minha acolhida de alguns conhecidos, fomos Fulano de tal ouviu”, e outra completava: são que surgiram os primeiros sons de
pe- quenina cidade, Contendas do nos estabe- lecendo e, depois de algum “Ciclano de tal também escutou na rua um carro de boi, que se unia ao som de
Sincorá? tempo, já es- távamos totalmente dele”. Naquela hora, a brincadeira de cascos de cavalo. Prendi a respiração,
Tudo sucedia durante o período que familiarizadas com os hábitos dos “galinha gorda” dei- xou de ter graça paralisei. O alarido lá fora se misturava
marcava o início da quaresma. Tempo moradores daqui. E foi assim, durante para mim, fui sobressalta- da por um às vozes da mi- nha mãe, que agora
mar- cado pelos velhos mitos e lendas um desses costumes, que pela pri- meira medo que se intensificou com a chegada rezava alto, repetindo sempre as
que aflo- ravam a imaginação do nosso vez tomei conhecimento desse fato. Era da boca da noite. mesmas palavras.
povo, cujas narrativas dividiam opiniões, a tardezinha de uma sexta-feira, lembro Naquela noite, o punhado de comida Aos poucos, o som ia se distancian-
entre aque- les que juravam de pés como se fosse hoje, eu, minhas ir- mãs que me coube como jantar fora do, e o medo ia dando lugar à
juntos que o fato era real, e outros, e mais algumas crianças, nos banhá- refugado, e enquanto minhas irmãs curiosida- de: “Como seria esse
mais incrédulos, diziam ser invenção das vamos no rio Sincorá, enquanto mamãe disputavam o meu prato, mamãe olhou- cavalo?”, “Quem o conduzia?”, “Havia
mentes fantasiosas. E eu, com apenas e as vizinhas estavam prostradas sobre me por alguns instan- tes, baixando a algum cavaleiro?”. Es- sas respostas
12 anos, claro, me encaixava no as bacias de roupas e pratos, pois era lá cabeça e, logo em seguida, mantendo-se jamais tivemos, pois alguns corajosos de
primeiro grupo. que todas essas tarefas eram feitas. em silencio; ela compreende- ra minha plantão, atraídos pelos sons, seguiram
Eu ouvira nem uma, nem duas ve- Não ha- via pia, banheiro e, muito atitude. Lá fora, a lua bonita nos atrás, e quando questionados so- bre o
zes… Mas dezenas de vezes o estampido menos, água en- canada como nos dias convidava para as brincadeiras de roda e que viram, o consenso era geral: “Eu
do “carro de boi encantado”, seguido de hoje, as coisas tumba (esconde-esconde), para as ouvi, mas não vi nada”. E eu endosso:
do trote do “cavalo encantado”. M as eram muito difíceis naquela época. prosas dos adultos nos bancos de tam- bém ouvi, mas não vi nada, até
nenhuma delas me aterrorizou mais do O rio era, portanto, a extensão de madeira finca- dos na entrada das casas, porque não tive coragem
* de espiar.
que aquela primeira vez. Havíamos nos- sas casas, e apesar desse vaivém mas, lamentavel- mente, naquele dia
mudado recente- mente da zona rural entre a ca- sa e o rio, tudo era muito nada disso aconteceu. Fomos para cama Texto baseado na entrevista realizada com
Maria dos Anjos Vieira Menezes, de 78
denominada Caraibi- nha. Papai havia prazeroso. Aquele instante não fora mais cedo do que de costume, mamãe anos
falecido de repente, dei- xando a viúva diferente, e foi assim, em meio a não dormia sem antes re- zar seu terço e Professora Maria Solandia da Silva
com quatro filhas, sendo eu a mais algazarra das crianças e as batidas da outras ladainhas, que naque- le dia se Brito
velha. M amãe, mulher sofrida, mas de roupa na pedra, que tomei conhecimen- repetiram várias vezes. E eu lá, em- E M Santa Luzia, Contendas do Sincorá-BA
muita
90 — Mfé
EMÓeRcoragem, trocou seu luto pe-
I A S LITERÁRIAS to de que havia um carro de boi brulhada dos pés à cabeça, com os olhos M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 91
la luta de dias melhores para suas filhas encantado e os cascos de um cavalo fechados, uma vez ou outra me atrevia
e, encantado tiran- a
DOCES MEMÓRIAS “arrancar pica-pau do oco”. Enquanto is- Dezembro era pura magia! As chuvas
so, exalava dos casarões um cheirinho e nossas brincadeiras no lamaçal. Quanta
Adrielle Vieira de de macarronada com galinha caipira far- ra e criatividade! Os meninos
Oliveira que da- va água na boca. Só mesmo abandonavam os carrinhos de lobeira –
atraídos por esses aromas e pelo apito pequeno arbusto
Percorro em sonhos a cidadezinha do trem das on- ze, assinalando o – e eu, as minhas bonecas de
de minha infância. Um largo e horário do almoço, é que deixávamos a retalhos. C o- mo a rua era bem mais
caudaloso rio serpenteando até a várzea pracinha do chafariz. atrativa! Tudo ali se tornava fantástico.
fértil. A ponte de ferro da charqueada Quando o inverno chegava, minhas Construíamos castelos de barro e
já se encontrava lá toda imponente. A tris- tezas e alegrias contrastavam. imaginávamos uma fábrica de
luz elétrica, ali produzi- da, iluminava o Cortava-me o coração ver meu pai e chocolates. Ah, chocolate! Só na imagina-
centro da cidade. Poucos casarões de mais seis irmãos saírem debaixo de um ção mesmo, pois no empório da dona
pau a pique ao longo da paca- ta Rua frio congelante pa- ra irem trabalhar, Gilda, onde se vendia do urinol ao
Belo Horizonte, hoje, a movimenta- da arduamente, na lavoura. Eu ficava em chocolate, tu- do era caríssimo.
Avenida Abílio Machado. casa ajudando mamãe com os afazeres C omerciante boa era ela! C artão de
Impossível esquecer-me da igrejinha domésticos. crédito era a palavra do freguês.
do Rosário com sua torre norte sineira. Carregar pote de água na cabeça Inesquecíveis foram os saraus de fim
Às quinze horas, começava um não era nada divertido. Pelo caminho, de ano do Sr. Abner, ali a cultura, a arte
movimento pelas vielas. Lá se iam as sonhava mesmo era carregar minha e o romance se misturavam. Quantos
senhoras atraí- das pelo tocar do sino. car- tilha e ir para o Grupo Escolar. poemas ouvi, quanto me emocionei!
Hora do terço, mui- to me admirava a fé Como foi dolorido sair do 2o ano! M a s Muitos casa- mentos saíram dali. Hoje,
daquelas pessoas! Ma- mãe, com apenas já sabia ler e isso bastava para as recordo-me de tudo com lágrimas
um olhar, recomendava- me silêncio e famílias pobres. Para esvair minha dor, quentes descendo dos meus olhos e
puxava a turma de carolas com cantos só mesmo o can- to e os mexericos das salgando a boca.* Porém, o que
e orações. Rezávamos até pa- ra chover, lavadeiras na mi- na. Sábias, permanece em minha memória, ado-
se a seca ameaçasse a planta- ção. Mas ludibriavam bem quando eu estava por cica esta
Texto solitária
baseado na velhice.
entrevista realizada
com Lucy Ferreira Vieira, de 73 anos
o que mais me encantava nessa igreja, perto.
eram as missas das manhãs de do- Jamais envolviam crianças em
mingo. Depois de uma longa homilia, assun- tos de adultos. Já as alegrias,
Professora Juralice Rita da
saía- mos a apreciar os poucos carros vinham com as festas de São João.
Silva E M Centro de Atenção Integral à
tipo “Ford Bigode” que circulavam em Fogueira gigante, noite estrelada, em Criança, Formiga-MG
torno da pra- ça. Ora assentávamos nos que não poderia faltar aquelas broas de
banquinhos
92 — M E M ÓR I Apa- ra uma boa prosa. Havia
S LITERÁRIAS fubá com canela, de sa- bor jamais M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 93
umas prosas de degustado igual, como aquelas que só
vovó Conceição sabia fazer.
MEMÓRIAS DE UMA Ao cair da noite, o inebriante aroma das”, nada me remeteu ao açúcar ou ao volume do mundo se abaixou,
GATA de querosene, vindo das lamparinas, perfume. Foram seis longos anos de bruscamen- te, dentro de mim! Nossos
BORRALHEIRA emana- va pelo ar em nosso ranchinho tra- balho árduo, em troca – apenas – progressos se entrelaçaram…
Matheus Fernandes de beira chão. Descansávamos nosso corpo de um prato de comida para saciar Nossa rua foi pavimentada com para-
Sousa fatigado no colchão de palha, afagados minha fome. A fome de aprender a ler e lelepípedos, o largo central virou praça,
pela colcha de retalhos, a única a escrever? Es- sa não suportou e a energia elétrica chegou levando
“Ah, são tantas lembranças daquela decoração daquele rústi- co ambiente. sucumbiu já no primeiro dia! Em meio a embora a escuridão da noite e o ferro
época, meu querido!”, respondeu minha O cricrilar e coaxar da gran- diosa tanta peleja, consegui juntar algumas de passar a bra- sa. Reaprendi a ouvir
avó, ao ler em meus lábios a indagação orquestra de grilos e sapos embala- vam gorjetas e fugir daquele pensiona- to que lendo lábios e vi, de- vagarinho,
sobre sua infância. nosso sono. só me deixara lembranças sombrias. chegarem ali estradas, água en- canada,
Escondido no Cerrado goiano, próxi- Para papai, aprender a ler e a Papai, sabendo que seus dias se finda- fogão a gás, televisão… Também vi papai
mo ao povoado de Campo Limpo, escrever era algo supérfluo, um vam, vendeu nosso pedacinho de chão e, descer à sepultura levando com ele uma
então distrito de Iporá, nosso sítio foi o “incutimento sem pé nem cabeça”, mas na esperança de dias melhores, mudou- parte de mim!
cenário da minha infância. Fui a sétima para mim, o meu maior sonho. Ansiava se para o distrito que ganhara Hoje moro em Iporá. M eus olhos
filha de um total de doze irmãos. Papai por aprender a es- crever o meu nome. autonomia gra- ças ao então deputado trans- bordam ao trazer de volta
era boiadeiro, tocava a boiada pelo Não recebíamos ne- nhuma instrução Israel de Amorim: memórias de um passado que, apesar
estradão. Muito rígi- do com os filhos, dentro ou fora de casa. Amorinópolis. das dificuldades, nos fazia felizes o
nos repreendia apenas com o olhar. Ricardo, meu irmão primogênito, co- Que nostalgia lembrar do lugar onde quanto podia, pois tudo ti- nha o seu
Mamãe fabricava rapadura para nhecendo essa minha grande ambição, tive o refrigério de minh’alma! Ao valor.
incrementar a renda da família. ao ouvir de uma astuta senhora que anoite- cer, a cidade ainda se Permanecerão em minha memória e
Nossos brinquedos, presenteados procura- va uma menina-moça para lhe encontrava às escu- ras. A pobre em minha alma, sem o “coitadismo”
pela mãe natureza, eram bonecas de auxiliar nos serviços domésticos, em iluminação, oriunda de lam- piões a gás, enrai- zado, lembranças de uma vida
sabugo de milho, corda de cipó para troca de manti- mentos e estudo, não dava um ar fantasmagórico ao ambiente. que sem- pre foi e me exigiu a ser que
pular, cavalinho de pau e barro para pensou duas vezes, foi logo falando Na rua de chão batido, vislum- brava a nem rapadu- ra: doce * e dura.
moldar objetos. Aos 8 anos, estávamos sobre mim. O combinado foi feito e nuvem de poeira pairando pelo ar. A
fadados a ajudar na labuta diária da vida meus pais deram a permissão. O geladeira funcionava a querosene, che- Texto baseado na entrevista realizada
com Beronice Mendes dos Santos, de 66
na roça, pois, naquele tempo, o va- lor percurso de 30 léguas para Rio Ver- gava fogo embaixo para gelar em cima. anos
do suor era o que pesava. Novos “brin- de, que hoje leva 3 horas, demorava A GO-221, que facilitou o acesso ao
quedos” levavam embora nossos qua- se um dia para ser feito. Ali, aos Sudoes- te goiano, ainda não existia e
Professora Marília
devaneios: a pá, a enxada, o pilão e a meus 12 anos, embarquei rumo a uma Amorinópolis era rota obrigatória para Alves de Oliveira
enorme
ardente, colher
para mamãe de cabaça,
fazer usada para jornada
tornar-medea gata
sonhos e lá desembarquei
borralheira. Nessas “bo- muitas cidades.nossa cozinha e explodiu.
nado adentrou Magalhães
E M Valdivino Silva Ferreira, Iporá-
mexer o imponente ta- cho de cobre com
rapadura. em uma reali- dade de pesadelos! O Em julho, a tradicional festa da pa- GO
garapa
94 — M Esobre
M ÓR I A SaLITERÁRIAS
fornalha Meu mundo de ilusão me droeira local deixava a cidade M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 95
conduziu a alvoroçada. Em meio a uma delas, um
rojão desgover-
ALMAS LAVADAS A chegada em M arinópolis, interior Minha vida sempre foi muito sofrida. Meu marido morreu assassinado em
de São Paulo, foi muito doída. Faltava- Mesmo grávida tinha que trabalhar. seu trabalho. Duro golpe que levei.
Beatriz Aparecida de Souza nos um pedaço, mas, apesar da pobreza Acor- dava sempre cedo, preparava Aliás, as perdas não pararam… Tive
Silva e da feri- da ainda sangrando em nossos marmitas e ia com meus filhos maiores mais uma querida alma, saída do meu
corações, estávamos felizes pela nova para a roça. Os menores ficavam ventre, que fo- ra morar com Deus. M eu
Abro meus olhos e me deparo com oportunidade. Fomos morar num sítio, sozinhos em casa. Mui- tas vezes filho morreu afo- gado no São José dos
uma cena triste e, ao mesmo tempo, em um bairro rural chamado Areia deixava de comer para dar a eles. O Dourados, rio que banha a cidade.
acon- chegante. Minha filha e meu Branca, numa casinha nascimento de uma menina foi uma Fiquei despedaçada.
genro estão preparados para me dar de pau a pique muito simples. alegria. Era um sonho ter uma filha, já O tempo foi passando, a cidade evo-
banho. Hoje, com 88 anos, não consigo Trabalhávamos na colheita de café. que a primeira fora arrancada de mim luiu. As ruas foram asfaltadas, o
mais fazer nem is- so sozinha. Estou Éra- mos empregados e recebíamos do de for- ma tão prematura. Tinha em comércio cresceu, a igreja e a praça
enferma. Minhas pernas me proprie- tário das terras uma pequena meus braços agora a M aria. C uidei dela ficaram lindas. Pena que não posso mais
abandonaram. quantia sobre tudo o que produzíamos. com todo o meu amor, assim como fiz frequentá-las.
O frescor da água escorrendo em Atualmente, a ci- dade ainda se destaca com todos os outros. E assim como não Deixarei saudades… M as não
mi- nha face faz reviver lembranças de pela sua terra fértil. M esmo muito deixei-me abalar com os sofrimentos da precisam mais de mim. Minha missão
minha longa história. Jovem. Casada. pequenina, com pouco mais de dois mil vida, hoje ela também não se deixa aqui está cum- prida. No lugar da
Moradora do interior nordestino. e cem habitantes, é conheci- da no abalar com o sofrimento que benzedeira e da partei- ra estão os
Com três bocas inocentes para Brasil todo como grande produto- ra é cuidar de mim. médicos no posto de saúde. No lugar da
sustentar, eu e meu marido decidimos nos agrícola. Naquela época, minha aparência ex- mulher que lavava os mortos está o
mudar para um lugar onde a chuva não Aos domingos é que o gostinho da pressava o cansaço excessivo de minha serviço funerário. Sei que não será pos-
fosse mesquinha e tivéssemos terra boa e ro- ça prevalecia. Com muito carinho ro- tina. Nas horas vagas, me sível, mas quando eu morrer, gostaria que
fértil para plantar. prepa- rava a lenha para, com minhas chamavam pa- ra fazer partos, benzer alguém me lavasse*como eu fazia, pois
A busca por um lugar melhor fez panelas de barro, cozinhar um almoço crianças doentes e, muitas vezes, até eu não lavava apenas corpos… Lavava
com que sentíssemos o terrível gosto da simples, mas que ficará sempre em para dar banho nas pessoas que almas! Texto baseado na entrevista realizada
com Edite Ferreira da Silva, de 88
migra- ção. Foram quatorze dias a minha memória. Ain- da sinto o cheiro morriam, deixando os corpos prontos anos
bordo de um pau de arara, no qual daquelas delícias! para o enterro! Às vezes, por agra-
todos embarcaram, mas uma pessoa em Como o sítio não era nosso, tivemos decimento, as pessoas me davam
especial não sentiu o raiar do sol da que nos mudar para a cidade, que na alguma recompensa, mas eu nunca
nova terra. Minha filhinha, pobre alma, ver- dade, era uma vilinha com poucas esperava nada, fazia por amor! Todos me
faleceu em meus braços co- mo uma casas, duas vendas e uma igrejinha. conheciam. C om o passar do tempo, Professora Elaine
flor que fora
chuveiro. arrancada do pé ain- da em
Fecho-os M eu ficamos
lhia, marido novamente
teve que àir trabalhar em somente
almas com euminhas
realizava
rezastais
de “serviços” na Pomaro
Escola Antonio Marin Cruz, Marinópolis-
botão. Abro os olhos e minhas lá-
novamente. M ato Grosso para
deriva. aumentar nossa cidade. Quantas crianças ajudei trazer
benzedeira!!! SP
grimas
96 — MEM seÓRmisturam aos pingos quentes
I A S LITERÁRIAS renda. Mesmo com tanta terra boa, ao mundo… Quantos defun- tos lavei… M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 97
do onde tudo o que se plantava co- Na verdade, eu lavava as suas
O VERMELHO DA PLANTAÇÃO

Luan Mateus Dantas Bezerra

Há lembranças que marcam a minha muito forte. Os roncos dos trovões e os M inha mãe, com medo, abriu um semos dali por causa do perigo.
vida até hoje, meu neto! Quando era re- lâmpagos clareavam o céu. Meus pou- co a porta e deu pra ver, por uma Mesmo assim, continuamos, insistindo
pe- quena, morava com meus pais e irmãos, meus pais e eu estávamos em brecha, que o açude tinha acabado de para ficar brincando, escorregando e
meus ir- mãos no sítio Provedor, no casa e fica- mos apavorados, tremendo se romper, carregando tudo o que havia jogando lama na roupa uns dos outros.
município de Pi- cuí. N aquela época, de medo, to- dos juntos e encolhidos pela frente. Meu pai não deixou Até meu pai che- gar muito “brabo” e
não tínhamos o sol de rachar, a falta num cantinho, no chão da sala, onde só ninguém sair de casa naquele dia. nos tirar dali. Conti- nuamos a morar lá,
d’água e os caminhões-pipa não havia alguns tornos de madeira para No dia seguinte, todos nós saímos vivendo de outras plan- tações que
precisavam abastecer a cidade e a zo- armar as nossas redes de dormir. pa- ra ver o que tinha sobrado. Quando havia próximo ao açude. Saí- mos do
na rural como acontece hoje. A caatinga Quando chovia muito forte, as pes- soas che- gamos lá, a vazante do rio tinha se sítio quando ficamos adultos e fo- mos
valente que resiste à seca, me faz não tinham coragem de sair de casa. torna- do um caminho vermelho e a morar na cidade.
lembrar de que nem sempre foi assim. Muitas delas, com medo de que os plantação havia ido embora com o Hoje, já idosa, continuo morando na
A nossa casa era grande, mas tínha- açudes se rompessem com as chuvas açude. E o que era verde, virou um cidade. Toda vez que volto ao sítio, olho
mos poucos móveis. Havia uma grossas que caíam na nossa região. vermelho de lama. Al- guns peixes, que para o açude que não foi mais ajeitado
despensa, onde guardávamos a comida No final da tarde, os relâmpagos não foram levados pela enchente, e me recordo das brincadeiras no
que era colhi- da no nosso roçado, e con- tinuavam a clarear os céus, estavam ali, mortos! M eu cora- ção vermelho da plantação, marcado para
também um sótão, onde meu pai iluminando as nuvens pesadas e chorou de tristeza… Não acreditava no sempre na mi- nha memória.
armazenava a comida durante o inverno. sombrias. Os trovões, como bombas de que estava acontecendo. Meus pais fi- *
Nossa casa localizava-se em um morro canhões, tornavam nos- sos momentos caram muito tristes com aquela situação,
mais alto. De lá, avistávamos o açude e mais assustadores e pare- cia que o céu pois trabalharam bastante para manter Texto baseado na entrevista realizada
com Cícera Rosália Dantas Bezerra, de 61
também a vazante onde tinham as plan- ia desabar sobre nossas ca- beças. Ma s a plantação sempre verde. anos
tações de melancia, jerimum, coco, o pior ainda estava por vir. A sensação Mesmo assim, com toda a tragédia,
batata, feijão, fava, milho, melão, do perigo tomava conta de to- dos! Até sem entender muito bem a proporção
algodão, de tudo um pouco. Meu pai e hoje, só de lembrar, sinto um ar- repio do que havia acontecido, tivemos um
meus irmãos mais ve- lhos cuidavam da no coração... Foi quando, de repen- te, momen- to de meninice. M eus irmãos e
plantação. Eu e minhas ir- mãs escutamos um barulho “estrondante”! eu ficamos atolados na lama, achando Professora Geovana Pereira de
ajudávamos
de uma tardenossa em quemãe nos afazeres
começou uma de Meuverpai
do gritou
o que tinhaque não abríssemos a aquilo
meu paimuito divertido.
nos fez ameaçasSujamos
para quetoda
saís-a Oliveira
E ME F Severino Ramos da Nobrega, Picuí-
casa
chuvae a pastorar o gado no curral. por- ta, mas eu e mãe já estávamos lá,
acontecido. nossa roupa e PB

98 — M E MQuando eu tinha 15 anos,


ÓR I A S LITERÁRIAS queren- M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 99
lembro-me
CAPIM PUBO

Maria Alice Ferreira


Simão

C apim Pubo, esse era o nome do valer! Todos os dias tínhamos um passeio. de mergulhando naquelas águas mansas,
lugar onde passei toda a minha infância, Ir à escola inclusive era uma diversão revivendo os sonhos que semeei no
aqui per- tinho. Era um lugarejo pouco pois ela ficava do outro lado do rio. Era mundo imaginário de uma criança e
afastado das demais localidades. muito gos- toso navegar por entre as sinto o gosto- so cheiro do capim pubo.
Contava apenas com duas famílias: a árvores.
nossa e a do tio M anoel. M eu pai era quem ia no comando. *
Era um lugar tranquilo, longe da Eu, como o mais velho da turma,
estra- da central, por onde passavam observava aquela briga do remo com a Texto baseado na entrevista realizada
com Francisco Simão, de 61 anos
alguns car- ros, era um paraíso. água e a canoa que dançava conforme a
Nossas casas ficavam lá no alto de música do braço do meu pai até chegar
um morro, cercado da própria mãe ao nosso destino.
natureza. De um lado, palmeiras de Passava-se o inverno e as margens
babaçu e, do ou- tro, campos, lajeiros e do rio iam secando… aquele cheirinho
carnaubais, de onde nascia um braço do de ca- pim pubo aromatizava o ar, e a
rio M arathaoan, que é o rio que banha nova pasta- gem surgia para os animais
nossa cidade de Barras. que ali comiam. Era um novo tempo,
Nossas brincadeiras de criança eram voltávamos para nossas brincadeiras em
marcadas por duas estações do ano: terra firme: a bo- linha de meia rolava
inver- no e verão. No inverno, ficávamos solta, nossos cavali- nhos feitos do talo
ilhados, pois a água subia até a metade de carnaúba eram apos- tados nas
do morro onde minha mãe pescava de corridas, e a bicicleta que estava no
anzol. Ainda sinto, com a saudade, o canto voltava às suas atividades físicas!
cheirinho das pia- bas fritas no azeite de Hoje, o que ainda resta lá, é a bela na-
coco babaçu. tureza: o rio inesgotável, onde as mulhe-
Durante esse período de cheia, o res vão lavar roupas e os homens Maria das Graças Alves Pereira
nos- so transporte era uma canoa que pescar. E M Desembargador Arimateia Tito, Barras-
ficava an- corada debaixo de um Atualmente, moro a três quilômetros PI
sapotizeiro.
100 — M E M Ó R I AS LITERÁRIAS de Capim Pubo! Vivo de alma aberta, M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 101
Enquanto o nosso espaço estava de tão perto que vivemos. A distância
inun- dado, eu e meus primos nos não nos separou. De vez em quando
“MULEQUE, VEM PRA
DENTRO”

Luiz Felipe Cândido Pires

Nasci neste lugar. Tenho orgulho em C ostumava entrar noite adentro, até ta de madeira e palha. Eu carregava os terioso que aparecia para as pessoas às
dizer que os meus pais ajudaram a a minha mãe gritar: “muleque, vem pra ca- dernos em uma embalagem plástica margens do córrego. Era fácil
criar o bairro. No local havia apenas um den- tro”. Mesmo coberto de poeira, de ar- roz, era a única forma de encontrar alguém que jurava tê-lo visto
lixão. Os primeiros moradores foram teimava em dormir sem tomar banho. proteger o mate- rial escolar, pois e escapado por pouco. Por isso eu
chegando e, com a cara e a coragem, Havia um único aparelho de ninguém conhecia mochi- la nessa cruzava a velha pon- te de madeira em
foram cons- truindo suas casas nos televisão no vilarejo, funcionava a época. Ficou em minha lembran- ça a desabalada corrida e só parava em
arredores. N ão vou mentir, eu bateria, pertencia ao seu Tóta. Eu ia primeira professora, rígida com os es- frente da minha casa.
costumava procurar brinquedos e outras assistir aos programas na janela de sua tudos, porém amável. Estelita (era esse o Hoje sou adulto e não moro mais no
tranqueiras no meio do lixo, às ve- zes casa. Os desenhos anima- dos eram a seu nome) me ensinou as primeiras bairro, mas não perdi as boas
conseguia achar alguma coisa boa que minha programação preferida: “He- letras. C om sua régua “de metro”, lembranças que tenho. O lixão deu
prestava para usar. Man”, “Caverna do Dragão”, e outras costumava ba- ter na mesa e dizer: “Não lugar ao Jardim das flores, bairro de
C onforme o bairro foi se formando, aventuras da “TV Colosso”. se distraia, meni- no”. M eu caderno meus pais. Comecei co- mo engraxate e
os moradores foram pedindo para tirar o Não muito distante das nossas casas, brochura tinha uma capa simples, com o hoje tenho minha própria empresa, e
lixão. No início, havia apenas algumas acontecia o encontro dos córregos La- nome do prefeito. meus doze irmãos trabalham comigo.
casas de pau a pique cobertas com jeadinho e Macaco. As mulheres iam Certa vez, o prefeito da cidade deu Sinto falta do tempo em que não
palhas. Me recor- do bem da minha mãe la- var louças e roupas em suas águas e uma caixa de engraxate para as crianças precisávamos nos preocupar com drogas
dizendo que ia pintar a casa, o que nós, crianças, aproveitávamos para dar carentes do bairro. Foi a grande ou violência. Às vezes, em visita ao
consistia em pegar barro bran- co e aque- le “tchibum”. A água era tão oportuni- dade para conseguir um bair- ro, fico procurando minha infância
passar nas paredes, para que os insetos e limpa que da- va para ver a areia do dinheirinho. No período da tarde, em al- guma esquina.*
a água da chuva não entrassem. O barrea- fundo e os lambaris nadando. Podia-se depois de fazer as tare- fas, às vezes eu
do deixava as paredes brancas como beber sem medo aque- la água e meus amigos íamos pa- ra o centro da Texto baseado na entrevista realizada
com Marcelo de Jesus Souza, de 36
papel. As pequenas ruas não eram cristalina. Minha mãe levava lata d’água cidade à procura de bons fregueses. Era anos
asfalta- das, então, pode-se imaginar a na cabeça para o consumo diário. Não comum ultrapassar o horá- rio
poeira su- bindo. Brincávamos e havia lixo ou animais mortos jogados em combinado para a volta. Quando isso
rolávamos no chão sem medo da suas margens. A sombra das árvores acontecia, eu tinha que voltar para casa Professor Senio Alves de Faria
sujeira. M e recordo das brin- cadeiras deixava a água fresca e agradável. à noitinha e sozinho. E MEF Princesa Isabel, Rondonópolis-MT
de “bet” e “bandeirinha estoura- da”. A M e lembro bem da escola (era Passar pela ponte sozinho era um
102 — M molecada se reunia na rua. A tarde
E M Ó R I A S LITERÁRIAS peque- na, formada por duas salas e a de- safio quase impossível. Havia no M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 103
era pequena para tantas cozinha) fei- vilarejo a lenda do “Nego d’água”, um
brincadeiras. homem mis-
SOCORRA MEU BURITI jas, ali, limpavam suas panelas com areia seu amor por diferentes artes. Um outro
até ficarem brilhantes, além de exemplo feminino, que aqui viveu e
Bárbara Maria Carvalho de banharem seus corpos, muitas vezes mor- reu, foi a senhora Zezita C ruz
Oliveira sem veste algu- ma, esquecendo, assim, Sampaio, es- posa do almirante Gervásio
ainda que por um momento, seus Pires Sampaio. Mulher forte, sábia e
Eu nasci em 1944, no dia 1º de Para nos divertirmos tínhamos que pudores, experimentando um misto de bem resolvida, que marcou sua época
janeiro, na cidade de Buriti dos Lopes. A ser criativos, e uma das minhas prazer e liberdade. enquanto mulher ao se tornar a primeira
minha in- fância foi bem dinâmica, cheia brincadeiras preferidas era o drama, Com suas margens sempre bem cui- prefeita de Buriti dos Lo- pes, a primeira
de brinca- deiras, travessuras, muitas hoje, uma espé- cie de teatro, em que dadas, nossos brejos eram o habitat da no Estado do Piauí, e talvez a precursora
emoções e cria- tividades artísticas. fazíamos apresenta- ções cantadas para palmeira. Palma nativa, exuberante, que de uma figura feminina no ce- nário
Aventuras singelas, porém, um público convidado do qual se fez admirada por sua grandeza e político brasileiro. Terra de grandes
marcantes e deliciosas com cheiro de participavam crianças e adultos. pelo verde alucinante das suas palhas. A filhos ilustres que nos enchem de
um tempo de inocentes fantasias, cujas Buriti sempre foi privilegiada pela fartura dessa planta e o sabor de seus orgulho! Hoje, olho com muito pesar o
lembranças me remetem, quase que na- tureza por sua riqueza hídrica, e frutos moti- varam seu fundador, sofri- mento de nossos moribundos
diariamente, a uma afável saudade. Há tive em minha infância a oportunidade Francisco Lopes, um nobre português riachos, pés de buriti, e aqui, no peito
quem pense que seja coisa de velho de desfru- tar das delícias de seus que por aqui chegou e se apaixonou, a dilacerado, fica o meu grito de socorro
que não tem o que fazer. E talvez seja riachos que trans- bordavam em dar o nome de nossa querida cidade às autoridades e à população, que não
mesmo, coisas de uma idosa sem muitas períodos de chuva, trans- formando-se Buriti dos Lopes. O fruto dessa ma- aceitem a morte de
ocupações, que passa os dias a costurar em locais propícios à diver- são e à jestosa planta ainda encanta a todos nossas riquezas! Salvem * a nossa Buriti!!!
recordações de um tempo que felicidade de seus moradores de todas pe- la saborosa garapa doce, que
poderiam nem mais existir se minha bri- as idades. Para as crianças era lugar de conquista a quem se arrisca em Texto baseado na entrevista realizada com
Maria do Carmo dos Santos Carvalho, de 75 anos
lhante memória não as conservassem banho, com saltos mortais e diferentes degustar. Esses lugares também serviam
tão vivas e pertinentes a uma estranha peripécias pueris; para os jovens, lugar como ponto de encontro entre
realida- de chamada solidão… de namorar sob a proteção da natureza moradores e visitantes que ali para- vam
Embora tenha nascido em uma época com sua beleza e seus encantos; já as e formavam rodas de cantorias, levan-
de difícil situação por falta de dinheiro, o famílias aproveitavam para se reunir em do alegria para o povo da cidade.
que comer nunca nos faltou, meus pais piqueni- ques nos finais de semana. As mulheres da minha época eram
faziam de tudo pra nos amparar e nos Aqui, em certas épocas, até os olhos prendadas, dedicando-se à arte de fazer
ver felizes. Meu pai era carpinteiro, d’água afloravam borbulhando nos crochês e bordados a mão, sempre
minha mãe costureira, juntos batalhavam mais inusitados lugares, e se muito bem caprichados, que depois Professora Francimédices de Sousa
de
sa e,forma
graçasincansável pa- ra que não
a Deus, nunca transformavam
vavam suas enormes também emde
trouxas riachos
roupasque eram
nerosa, expor- tados para
que repassava outrasmulheres
a outras cidades Silva
UE Zezita Sampaio, Buriti dos Lopes-
faltasse
faltou. o sustento em nossa me- se
su-faziam úteis ao povo da cidade. Onde do país. Artes essas, trazidas por Lili PI

104 — M E M Ó R I A S LITERÁRIAS as donas de casa la- Escórcio, uma fina dama da sociedade M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 105
buritiense, mulher ge-
C OMO NUM C ONTO DE Para tomar o banho, contávamos com as lida dentro de casa era dividida entre eu O tempo passou, casei aos 23 anos,
FADAS bacias e, em dias quentes, podíamos e minhas irmãs; fazíamos comida e com o pretendente escolhido por meu
Emilly Ramos utili- zar o “chuveiro de campanha”, uma lavá- vamos as roupas na lagoa que pai e lá se foram 25 anos de matrimônio
Wendt espé- cie de balde de metal com uma havia per- to de casa. Os meninos e de uma vida triste e amargurada.
mangueira na ponta. Luz elétrica só cuidavam dos ani- mais e da lavoura. História es- sa que não me traz boas
Eu, sentada em minha cadeira de ba- existia na casa do engenho, que Acordávamos cedinho, todos recordações, mas que me trouxe duas
lanço, relembro minha história com os chamávamos de castelo, pe- la sua sentados à mesa, com aquele aroma do lindas filhas que fazem com que eu não
pou- cos retratos em preto e branco, beleza e encantamento. Minhas me- café da ma- nhã, acompanhado de um tenha arrependimentos.
dispostos em um álbum amarelado, com mórias nunca me deixaram esquecer pão caseiro. Há- bitos que N ão moro mais em Santa Vitória.
mais de cin- quenta anos de existência. desse lugar encantador. demonstravam a união da família e que, Dei- xei para trás parte da família e vim
Sabe aqueles contos fantásticos, em O nosso único meio de transporte nos dias de hoje, não são valorizados. para o centro da cidade, onde resido
que poucos acre- ditam, mas muitos se eram as caronas no trator que pertencia Passados alguns anos, já na adolescên- até hoje.
emocionam… A mi- nha história de vida ao senhor do engenho. Às vezes, cia, aos 14 anos de idade, encontrei o Minha história, ao folhear a última
é assim! Em cada pági- na, meus olhos precisá- vamos caminhar quilômetros a amor de minha vida. Foi em uma festa pá- gina do álbum de família, não
marejados relembram toda uma pé com o meu único par de Conga, de aniver- sário de meu bisavô. Lá estava termina as- sim… Tenho que atualizá-lo
trajetória! tênis daquela época, pisando em muito aquele meni- no franzino, chamado com a fase mais linda do meu viver!
Nasci e cresci no interior de Rio barro, nos cam- pos afora, para, assim, Doraci, com um olhar tão puro e doce Passados 61 anos, acabo de reencontrar
Pardo, numa localidade simples e chegar mais rápido ao centro da cidade, que me encantei. Nesse momento, eu, meu príncipe encan- tado! Eu e ele, no
humilde, cha- mada de Santa Vitória. onde íamos estudar na escola das muito desinibida, o chamei para mesmo castelo de meus sonhos e, ao pé
Ah, quanta sauda- de! Foi exatamente freiras, que, hoje em dia, re- cebe o conversar na rodinha em que estáva- da figueira, prometemos que juntos e
neste lugar que meu passado se nome de Escola Romana. Ao retor- nar, mos eu e meus irmãos. Foi um dia eterni- felizes ficaremos para
* sem- pre, como
reencontrou com o presente. lá estava eu, pronta para costurar os zado em meus pensamentos, porque a num conto de fadas!
A velha Santa Vitória possuía uma sacos de estopa que serviam para par- tir desse encontro, passamos a Texto baseado na entrevista realizada
com Ruth da Silveira Ramos, de 75
úni- ca rua, cheia de curvas, buracos, armaze- nar o arroz produzido pelo trocar car- tas que falavam de nosso anos
pedras e uma pequena ponte de pau a Engenho Santa Vitória. Ao final dessa amor. Nós está- vamos completamente
pique que servia de travessia sobre o tarefa, ainda tinha a lida doméstica em apaixonados e meu príncipe encantado
rio Jacuí. M e encantava com a grama casa. voltou à cidade, alguns meses depois,
coberta de flo- res do campo, naquela Meu sonho sempre foi estudar para para me visitar. Foi ao pé de uma
época chamadas de Cravos-de-amor, ser professora e, se bem me lembro, frondosa figueira, localizada em frente à
Professora Patrícia Ramos
hoje conhecidas co- mo M osquitinhos. tive que parar meus estudos muito casa que eu chamava de castelo, que ju-
Figueiró
Ainda lembro-me
os lampiões de mi- naquela
que existiam nha casa, que
época. cedo, oaos
mim, 12 anos
trabalho de idade,
irregular pois meus
no engenho. A ramos
sada com amor eterno.
um rapaz M as o destino,
de outra SEEEF
anta Professor
C ruz do Sul-RS
Affonso Pedro Rabuske,
era feita de taipa e madeira, com chão pais não ti- nham o suficiente para o naquele
família. momento, foi cruel, minha mãe o
de terra
106 — MEMbatida. As luzes eram
Ó R I A S LITERÁRIAS sustento da fa- mília; o que tornou uma mandou embora, dizendo que eu já era M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 107
obrigação para compromis-
UMA PACATA nhas ou só admirar a paisagem repleta com minha mãe, nos sustentava e garan-
CIDADE CHAMADA das mil maravilhas próprias do Cerrado. tia a manutenção da família. Minha
“GAMA” Naquela época, nossa vida e nossos mãe, como tantas outras mulheres
Víthor Rodrigues de costumes eram como aqueles da espalhadas pelo país, viu-se diante da
Sousa popula- ção de qualquer outra cidade necessidade de criar sozinha seus oito
do interior. Ao sentar na calçada de filhos.
Nasci e vivi em uma cidadezinha logo depois da primeira chuva de setem- casa, ficava pen- sando no que eu seria Foram tempos difíceis. Passamos por
cha- mada Gama, no Distrito Federal, bro. Assim como essa árvore, havia no futuro, depois dos meus estudos. privações, mas mesmo assim, hoje,
inaugura- da em 1960 no mesmo dia de diver- sas outras mangueiras espalhadas Ah! Quanta saudade daquele tempo! quan- do olho para trás, vejo que
Brasília. Dis- tante a 43 quilômetros da por Ga- ma, e quando as mangas Quanta saudade da vida em que sonhar vivíamos uni- dos, todos juntos, como
nova capital do país e concebida como estavam rosadas, suculentas e maduras meus sonhos de menina era o melhor uma família de- ve ser. Minha mãe
uma cidade operá- ria, local de moradia matavam um pouco da fome – que passatempo! conseguiu com que to- dos os filhos
para os pioneiros que trabalhavam na nunca se acabava comple- tamente – Anos se passaram e muita coisa estudassem e depois, com o tempo,
construção da barragem do lago daqueles que, como eu e mi- nha ficou realmente diferente. Não só na fomos também ajudando no sus- tento
Paranoá. família, tinham menos recursos. Ainda arquitetu- ra. Muita coisa mudou da casa. O mais importante para ela era
Nasci na casa de uma conhecida posso sentir o cheiro dos frutos que também na forma como as pessoas se que nós estudássemos, pois ela, anal-
par- teira da cidade, em 1978. Naquela adoci- cavam meus dias de criança. relacionavam e se co- municavam, pois fabeta que era, sabia melhor do que nin-
época, as parteiras eram o único Hoje em dia, a mangueira não existe o tal celular de que tanto falavam e, guém a falta que o ensino fazia. E
recurso para as mulheres darem a luz, mais, foi um sacrifício que fizemos cor- pelo qual os vizinhos tanto an- siavam, assim, crescemos unidos, minha mãe
no Gama, pois em nossa região tar aquela bela árvore para o estava prestes a ser comercializa- do em como meu grande exemplo de vida.
administrativa não havia hos- pitais, e a asfaltamen- to da rua e para a criação Gama, aquilo mudou a nossa vida Hoje, gostaria muito de estar com a
distância de Brasília tornava im- peditiva da calçada, co- mo exigia a completamente. A comunicação a minha filha e com o meu neto, contando
a viagem de carroça, nosso único meio administração local da cida- de. Afinal, distân- cia, aos poucos, desmanchou as para ele essa história. Mas mesmo
de transporte, para aquela ocasião. quando a cidade se constrói, a paisagem rodas de conversas nas calçadas, assim, posso ver e abençoar, aqui do
Sempre vivi nessa cidade, lugar que gos- se transforma. M as nem tudo foi ruim, substituídas pelas ligações, que ficavam alto do céu, a história
* da nossa família.
tava e ainda gosto muito. pouco tempo depois, a casa passou a a cada dia mais ba- ratas e tornavam
A moradia de nossa família era bem ser de alvenaria, proporcionando-nos mais frios os relaciona- mentos. Aos Texto baseado na entrevista realizada
com Mirlene Lima Rodrigues, de 40
simples. Vivíamos em uma casa de mais conforto e segurança. poucos, aquele aparelho que era tão anos
madei- ra nos fundos de um lote e nossa Naqueles tempos, antes de a cidade esperado, tornou-se um mal para nós,
maior ri- queza era uma bela e frondosa ganhar forma e começar a se sobrepor pois todos foram ficando mais distan- Professora Luciene
mangueira
gria de todosnanaporta da frente
primavera, pois de casa, à paisagem
sentar local
na calçada, e tudocom
conversar se astornar
vizi- tes,
perdimais
meu individualistas
pai, vítima de e
ummais reclusos
câncer. Ele, Pereira
CEF Polivalente, Brasília-
que dava muita sombra e ótimos frutos
frutificava diferente, com prédios e asfaltos, eu em suas próprias casas. DF
que—faziam
108 M E M Ó RaI Aale-
S LITERÁRIAS gostava de me No começo da minha M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 109
adolescência,
LEMBRANÇAS DE UM
RIO CHAMADO RIO
GUANDU

Wâny Marcelly Tápias


Coutinho
Aqui do meu quintal, às margens do va os meus filhos todos os dias, o parque que desce por um leito antes ocupado
rio Guandu, na pequena Barra de Santa de diversões que os alegrava nas tardes por águas limpas, fundas e habitadas por
Rosa, no interior de Baixo Guandu-ES, de verão. A máquina de lavar roupas de diver- sas espécies, sinto uma pontada
aos 67 anos, revivo minhas lembranças. últi- ma geração, com versão sempre de triste- za e penso no futuro dos meus
Bus- co fundo em minhas memórias atualizada das senhoras ribeirinhas. Era a netos, bis- netos… Mas lembro-me que
tantos mo- mentos, mas numa tentativa pia onde se lavava os esmaltados, as sou uma mu- lher de fé e rogo a Deus
de focar ape- nas nos bons, pois, panelas de ferro da polenta e feijão uma prece pedin- do que Ele faça um
sempre que me pego nesta busca diários e também con- fessionário, onde milagre e que, um dia, o nosso rio
profunda, algumas lembran- ças lágrimas eram derrama- das por motivos Guandu volte a ser cenário de lindas
insistem em fazer as lágrimas rolarem. revelados somente a Deus. histórias como as que habitam mi- nha
Respiro fundo, sacudo a poeira e foco O tempo passou muito rápido e com memória.
nas minhas doces lembranças vividas na a velocidade trouxe muitas mudanças *
minha querida terra natal. na comunidade. As construções antes
Ainda sinto o cheiro dos tempos de madeira deram lugar à alvenaria; os Texto baseado na entrevista realizada com
Maria dos Anjos Queirós Pereira, de 67
da minha mocidade, vividos às oito, dez, doze filhos em cada família, anos
margens do rio Guandu, ao lado dos agora são dois, no máximo. A
meus cinco fi- lhos. Eram dias difíceis, tecnologia tomou con- ta dos diálogos e
comparados aos de hoje diante de causos presentes nos la- res. Ahh! Que
tantas facilidades, po- rém, eram puros, saudade das conversas noi- te adentro
encantadores, verdadei- ramente felizes. nas nossas casas.
C ontinuo buscando em minhas Volto ao personagem principal das
memó- rias os momentos mais alegres mi- nhas lembranças e percebo que as
que vivi, e o personagem que insiste em maio- res transformações foram sofridas Professora Luzia
Pereira do Rosario
ser protagonis- ta em todos é o meu por ele. E sentada aqui, a beira da minha Correia EMEIEF
querido
ras… Era rio Guandu.gigantesca
a banheira Rio que jáque
foi palco mano. Vendo apenas um filete de água hor- Baixo Guandu-ES
Presidente Kennedy,
banha- de tantas aventu- ta, no fundo do meu quintal,
110 — M E M Ó R I A S LITERÁRIAS observo aten- tamente e reflito sobre as M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 111
ações do ser hu-
LEMBRANÇAS DOS ca era comum que as crianças O nosso meio de transporte, ou só havia dois trabalhos – cair e levantar.
MEUS TEMPOS DE MENINO ajudassem a família. Então, todos os melhor, o jeguinho vivia reclamando do Essa rua foi crescendo e acolhendo, len-
dias de manhã, mal acabava de tomar trabalho pe- sado, pois estava magro, tamente, o progresso que tenta
Andressa de Jesus dos café, pegava a en- xada, colocava no velhinho e desca- deirado. Quando esconder e aprisionar as histórias da
Santos ombro e seguia a cami- nho da roça. A cansava, deitava-se com a carga no meio ladeira da Rua do Alto. Elas estão
enxada era muito grande e pesada para do caminho, era um “deus nos acuda” descansando embaixo do calçamento,
Quando criança, eu e minha família meu tamanho – eu era ape- nas um para levantá-lo e prosseguir via- gem. Às das casas. Basta um toque para
acordávamos cedo, com o primeiro co- garoto! M as, ia para a roça junto a meu vezes, quando chegávamos à cida- de, a ressurgirem.
coricó do galo, que era o nosso desper- pai e meus irmãos. Nossa rotina era feirinha estava quase terminando. Ain- Ao voltar no tempo, penso que
tador de todos os dias. Deitado, capinar e plantar, pois dali tirava-se o da assim, conseguíamos vender os nossos mesmo nas dificuldades minha vida
enrola- do num cobertor “dome bem” de sus- tento da família. E, ao retornar, produtos, comprávamos o quase nada sempre foi re- gada por momentos
cor cin- za, com duas listas nas barras, almoçava rápido, pegava minha cartilha, pa- ra passar a semana, colocávamos bons. Hoje, não sei o que sou ou o que
era um luxo para mim, pois aquecia meu cader- ninho, a tabuada, o lápis nos pa- nacuns e tocávamos para casa. fui, mas tenho certeza de que fui e sou
bem. Nesse canti- nho aconchegante, com borracha, os colocava dentro da Nesse mo- mento, o jegue saía trotando, feliz! Apesar das inúmeras di- ficuldades
eu ouvia o canto dos pássaros, ouvia capanga de tecido feita por mamãe e pé balançando o rabo de felicidade, e, de que enfrentei e ainda enfrento, pois,
que anunciava que o dia já vinha na estrada, rumo à escola. Lembro-me vez em quando, ensaiava uma hoje, vivo preso numa cadeira de ro-
raiando. Ainda sonolento espi- chava- da labuta para vender o que colhíamos carreirinha. Eu voltava enca- rapitado no das, nunca desanimei. Nos dias de hoje,
me sem querer levantar. O barulho do na lavoura e também para com- prar a animal, inebriado pela brisa que tocava o as coisas são bem mais fáceis, mesmo
colchão de capim era relaxante, mas ao feira semanal, pois naquela época, o meu rosto e o cheiro de mato ver- de. assim, as pessoas não* dão valor à vida.
mesmo tempo me arranhava, pois, na- transporte era escasso, só existia o pau Em poucas horas estávamos em casa.
quela época, colchão de espuma era lu- de arara e mesmo assim, em dias Aquele pequeno lugarejo foi crescen- Texto baseado na entrevista realizada
com André Bispo dos Santos, de 58
xo. O trincar do bule de esmalte na trem- determina- dos, aos sábados – dia de do. Foram construindo casinhas de anos
pe do fogão era o aviso de que mamãe maior movimen- to. A dificuldade era taipas, de palhas, de madeiras com chão
já estava de pé, e logo viria, tamanha que não pos- suíamos dinheiro de barro batido. As poucas ruas eram de
delicadamente, até o quarto nos nem mesmo para pagar a passagem, terra ver- melha e se chamavam Rua do
convidar para levantar. O aroma então, íamos a pé para a cidade, Alto, de Bai- xo e do Meio. Por elas
daquele pretinho que era torrado em colocávamos os arreios, ou seja, a andavam os pou- cos moradores e,
casa e moído no pilão, o café, também cangalha, num jegue rabugento, os também, os animais: ca- valos, jegues,
nos convidava a levantar. panacuns com a colheita dentro, eu ia na cachorros, galinhas. Quando a chuva caía
O tempo passou, mas as lembranças frente como se fos- se um guia, puxando e misturava-se com a terra for- mava um Professora Indaiá Carneiro Lima
dosinfância
nha meus temposfoi muitode difícil!
meninoN aquela
vividos na o jumento
nosso pedacinho pelo
de cabres-
chão: to e, meu pai, lamaçal, a rua
cia, ninguém separecia uma ca-
atrevia passar porchoeira
ali, Leal
E M Professora Ceres Libânio, Gandu-
zona rural não me saem da memória.
épo- vinha atrás tocando o animal com um
Gandu. de
poischocolate que descia ladeira abaixo. BA
Mi-
112 — M E M ÓR I A S LITERÁRIAS cipó enorme, até chegar ao nosso Quando esse fenômeno aconte- M E M Ó R I AS LITERÁRIAS — 113
destino final – a pequena cidade próxima
ao
TRICOTANDO LEMBRANÇAS Jeepão azul do meu pai, que cortava as na boca e convidavam os vizinhos. O pi- Ainda nessa rua, matamos saudades
es- tradas barrentas como taxista e na nhão sapecado no fogão a lenha enchia e, no vaivém do chimarrão, vejo
Bruna Cristina máqui- na Vigorelli, onde minha mãe a cozinha de prosa e pares animados ao espelhadas nos olhos marejados de
Moretto costurava os dias, Papai Noel não pôde som da gaita, violão, duas colheres e um meus pais, já velhi- nhos, muitas
me dar de pre- sente. Apesar das cabo de vassoura raspando na parede de recordações. E no silêncio às vezes sai:
Falar de mim é tricotar um caminho dificuldades de se criar sete filhos, madei- ra, improvisando o som da “Sossega o leão, piazada! Parem de ser
onde os fios da infância, adolescência e nunca nos faltou nada. Estudar era lei lá bateria. Que di- vertido! Hoje a vida jacu!”. As crianças só nas lembran- ças
ju- ventude se entrelaçam com o em casa. mudou muito. Nas fes- tas, a bebida da tranquila rua General Osório de Pi-
presente. Ne- les me vejo criança na rua Minha rua viu muitos finais de tarde, tomou conta! tanga. Foram-se para estudar fora, casar,
da minha infân- cia, na pequena cidade na área da singela casa de madeira, A ntigamente todos se visitavam. A trabalhar. Ela ficou e está lá, nos espera
de Pitanga, Paraná. Rua de terra onde meu pai, mesmo cansado, pegava te- levisão era novidade, poucos a nos Natais, Páscoas… Nela, dona
vermelha, de cheiro de poeira quando a a gaita (acordeon) e numa toada linda, tinham. No vizinho, víamos a novela Abegail agora costura memórias com seu
chuva chegava, nos encharcando de com notas tropeçadas, tocava as Irmãos Coragem. M ais tarde, Paulo, ta- xista, esperando seus filhos
alegria, convidando-nos a escorregar na músicas mais belas da minha infância. compramos uma TV C olorado, preto e com os netos, bisnetos e tataranetos.
lama e a nos sujar de encantos. Seus pés davam o rit- mo no assoalho e branco. Assistia Vila Sésamo, com o Hoje, aos 51 anos, vou tricotando
Naquele tempo a rua era parque de eu me vestia de sonhos e saía dançando Garibaldo, pássaro gigante e desengon- lem- branças na velha gaita que herdei
diversão, depois passarela onde no grande baile da imagina- ção. Queria çado. O Sítio do Pica-Pau Amarelo e, aos de meu pai, chorando notas na janela da
desfiláva- mos fantasias. Um resvalava muito tocar aquela gaita linda que sorria domingos, Sílvio Santos. Agora, quase minha ca- sa, na mesma rua que foi
rua abaixo Ho- mem da Caverna. A Gata para mim. Um dia, fui ao quarto de nin- guém se visita. berço de minha infância, adolescência e
Borralheira após o tombo, saía Bruxa. meus pais e peguei-a. Embora pesada, A vida seguiu freneticamente. juventude. *
Era um esparramo só! O Zorro descia no puxei o fole, tirei notas tímidas: Fooomm! Saímos dos anos 70 e abraçamos os
seu cavalo negro galo- pando Fuuiiimm! Festejei, consegui! Minha anos 80. Vie- ram várias primaveras, Texto baseado na entrevista realizada
com Mery Terezinha, de 51 anos
peripécias. Eu, bailarina dançando mãe apareceu. A barriga gelou! Vou verões… Não sei onde deixei a criança
sonhos de verão. A vergonha dava vez à apanhar! Que nada! Rindo, apenas que fui. A rua, par- que de diversão,
imaginação. O tempo? Sem pressa! disse para ter cuidado. Assim, a rua viu virou rua das paixões, das festinhas de
Não é como hoje que compra-se tudo nascer uma gai- teira na família. Eu garagens, de moças e rapa- zes com
pronto e não se inventa a vida. E tinha 8 anos. calças boca de sino. E os sonhos
quando a chu- va embarcava no fim da Nessa época, as festas tinham outro passaram a ser embalados nas vitrolas,
tarde, a janela da casa avisava: sabor. Nas fogueiras de São Pedro e nos discos de vinil nas vozes de Elvis
Professora Andréa Maria
“C riançada, hora do banho!”. Foi nessa São Paulo, a rua era um clarão de Presley, Bee Gees, Abba, Lobo, Roberto Ziegemann Portelinha
rua que
“Não aprendi
esqueça a andar
da minha na bicicleta
Caloi!”, colados do foguetes
quentão eebolinhos
bombinhas. O calor
da graxa davamdo água
fogo Carlos, Raul Seixas e muitos outros.
não seguramos. C E Dom Pedro I, Pitanga-
no primo Pedro. Eram tempos di- fíceis e nos abraçava e as faíscas brincavam no Ruim foi ver o que era rotina tornar-se PR

114 — M E Mmesmo com bilhetinhos no Natal,


Ó R I A S LITERÁRIAS céu pintado de prata pelas estrelas. O saudade doída. Tudo faz muita falta! M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 115
cheiro da pipoca, Foi-se no tempo que
MENINA DA BOCA ROXA DE me cobre!”. Ela pegava a coberta que Menina ainda, não entendia o fato não passam anel e não jogam bolinhas
AMORA ha- via tecido no tear e me protegia do de meu pai falar que mulher não de gude. Em que gaveta do passado
Lavínia Soares Cardoso frio. Ela era áspera, pinicava e me fazia precisava es- tudar, mas insisti e fui. ficaram guardadas tantas brincadeiras
Bastos coçar. Ho- je, sinto saudades, não da Ventania era uma cidade linda e inocentes? Atualmente viajo muito, mas
coberta, mas da ternura de minha mãe. tranquila, poucas casas e al- guns a viagem mais emocionante que faço é
Em momentos como este de vento Ela era pequenini- nha e ao mesmo casarões com muitas portas e jane- las. na infância. É só olhar para o céu
frio e de céu avermelhado, rodeado por tempo tão grande. Cercada por bananeiras e engastada iluminado, de fim de tarde, que minha
este conjunto de traços rosa, cinza e Nossa casa, um casarão antigo e entre montanhas, rodeada por três alma se enche do chei- ro do colo da
laranja, é só fechar os olhos que minha gran- de com um alpendre onde meu palmei- ras que eu dizia ser as guardiãs minha mãe e do casarão on- de nasci.
mente vai puxando esses fios coloridos pai dava ordens com seu vozeirão “Abre da cidade. Que lugarzinho lindo! Não Meus pais se foram e ele é ape- nas
e tecendo a maior de todas as saudades. a portei- ra para as vacas passarem!”. tinha luz elétri- ca e nem água nas uma fotografia na parede. Tenho uma
Vejo uma me- nina pequena e esperta “Os bezerros não!”. Eu aproveitava para casas, apenas três pon- tos de torneiras família maravilhosa: seis filhos, nove ne-
saltitando como um passarinho, balançar nela, mas meu pai gritava onde as mulheres faziam filas com suas tos e uma saudade imensa daquela
pulando de galho em ga- lho de uma “Desce da porteira, se não ela sai do latas. meni- ninha da boca roxa de amora
amoreira carregadinha com a boca toda prumo!” E eu nunca sabia o que era o tal Em 1969, iniciei minha vida de que, às ve- zes, vem saltitando de galho
roxa de amoras. Consigo sen- tir, hoje, do prumo. M as de braveza de pai profes- sora no grupo Damásio, que na em galho, pu- la dentro do meu peito e
a doçura da amora e a voz gros- sa do entendia. época era feito de latas. Hoje, quando bem no fundo de minha alma ouço a voz
pai que brincava: “Menina graciosa/ Da Nossos brinquedos eram bois de chove, ouço aquele barulho da chuva dela “Mãe, me co- bre! Conta uma
boca roxa de amora/ Vou contar pa- ra joás, bonecos de sabugos, restos de batendo, e aque- las carinhas história?”. Ela vem e, ao pé do meu
sua mãe/ Que você namora”. Mas, com tecidos e cacos de vidros bordados. Ai! apavoradas dos pequenos. Consigo ouvido, conta a mais bela de todas
ternura, a mãe da menina deixava as pa- C omo eram lindos! Fui alfabetizada por sentir aqueles abraços quentes de as histórias. *
nelas no fogão e ia comer amoras com minha irmã, que tinha apenas o terceiro braços pequenininhos, buscando pro-
ela, regadas de belas histórias e do ano primário, e ninguém mais me teção. Também me lembro do sabor da Texto baseado na entrevista realizada com
Helena de Oliveira Freire Rodrigues, de 74 anos
cheiro do frango refogado com banha segurou. Sumia com um livro nas mãos, sopa de osso, misturada com fubá. Trago
de porco no fogão a lenha. correndo entre o ca- pim-gordura. seu sabor na boca, na memória e no
N asci em C achoeira, município de Meus cabelos e suas flores roxas co- ração. Única refeição de muitas
Al- pinópolis, conhecida como Ventania. bailavam ao som e ao frescor do ven- to daquelas crianças.
Mi- nha infância foi simples, mas feliz. da Ventania. Chegava no Ribeirão, dei- Hoje nossa cidadezinha continua en-
A vi- da naquele tempo era difícil, mas tava nas pedras ouvindo o barulho da gastada entre as montanhas, porém,
tinha o amor e o carinho dos meus pais água e lendo as mais belas histórias: es- sas se transformaram em montes de Professora Rosa Maria Mendes de
e irmãos.
levando Até
para hoje, esinto
a cama a ternura
eu pedindo de
“Mãe, Joãoembriagada
mas e Ma- ria, pelas
A Bela Adormecida.
palavras dos Eu areia
se vê maisbranca, pelaruasambição
crianças nas pulando dos Lima
EE Dona Inda, Alpinópolis-
minha mãe me era a Princesa
livros. daquele bosque. forasteiros
maré, e de seus filhos. As três MG

116 — M E M ÓR I A S LITERÁRIAS Adormecia nas pedras, não por causa palmeiras morreram abaladas pelas M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 117
de uma maçã envenenada, bombas das pedreiras. Não
NOS BRAÇOS DO IPIXUNA tavam e era tão bom, mas tão bom, Lá não existia eletricidade, como te- Percebo que a falta de cuidado com o
estar com ele que não sentia nem fome, mos nos dias atuais, por isso, depois meu velho amigo deixou marcas que ele
David Lima dos só saía de lá quando ouvia os gritos de de uma jantarada simples, mas muito levará pelo resto da vida. Choro ao ver
Santos minha avó ou de meu pai me chamando capri- chada, íamos para beira do rio que seus braços parecem enrugados e
para casa. acompa- nhados pela luz da lua e com sem forças, mas, ainda sim, me sinto
O tempo passou, mas as lembranças A escola não me conheceu, tive que lamparinas que usávamos quando a abraçado por ele.
permanecem presentes em minha trabalhar desde muito novo com o meu “mãe da noite” re- solvia se esconder. *
alma, fazendo meu espírito sorrir, pai. Acordávamos com cheiro de Ao pé do rio, embala- dos pelos
chorar e sabo- rear tantos e tantos cuscuz de panela e do café amargoso sussurros das árvores e do ven- tinho Texto baseado na entrevista realizada
com Antonio Vieira Santos, de 57
momentos que já vivi. Nasci nas que minha avó fazia no nosso fogareiro frio, minha avó contava histórias dos anos
margens de um enorme rio chamado de a lenha. Ela era alegria em pessoa, de escravos negros que já haviam morado
Ipixuna, no povoado Piquizei- ro, em amargo em sua vida só o café mesmo. ali há muitos anos.
Lago Verde, onde vivi os melhores Depois que enchíamos a pança, Durante as horas de conversa, em
quatorze anos de minha vida. Nessa par- minha avó já estava com a boia pronta que o rio sentava para ouvir também,
te de minha história, posso dizer que que era ovo frito com farinha e uma tínhamos sobre nossas cabeças um
fui um pequenino peixe, pois vivia muito cabaça cheia de água. Assim, com toda campo negro com milhões de pontinhos
mais dentro do rio do que fora dele e essa bagagem, íamos para nossa roça. brilhantes que iluminavam até a nossa
sentia um aconchego que parecia colo Logo começávamos a trabalhar, na alma. Era impres- sionante como as
de mãe. Viver naquele lugar era pura tentativa de voltarmos cedo para casa. horas voavam, mais que passarinho
alegria, apesar de morar lá somente Eu e meu pai tirávamos as cami- sas e quando se soltava da gaiola.
minha vó, meu pai e eu. Passei grande ficávamos nus de cintura pra cima, já As histórias terminavam, e nós
parte desse tempo ba- nhando-me que o sol não era tão escaldante como rumá- vamos para casa e em cada
naquele rio, que parecia ter braços hoje. Em certo momento, ele olhava passada dada refletia como a
que, de forma carinhosa, me abra- pa- cumplicidade entre mim e o Ipixuna só
çavam e me protegiam, o que me ra o céu como se estivesse olhando crescia…
encora- java a nadar, desbravando para um relógio e dizia: “Rumbora Vejo hoje que tudo mudou. Aquele
aquelas águas barrentas. Quando comer essa boia, já é hora”. Comíamos, po- voado pouco habitado encheu-se de
mergulhava, meus olhos ficavam e não demo- rava nada para já ficarmos casas, pequenas veredas deram lugar a
vermelhos, mas aprendi com o ba- lanço empanzinados, mas também mais fortes uma es- trada bem larga. O grandioso
das águas a mantê-los bem abertos e para aguentar até mais tarde. Ipixuna en- velheceu, assim como eu Professora Kellyenne Costa
queatentos
o meuaos amormovimentos
e amizadedo riorio
pelo e de to- sobreCom o sol se
os bichos daderreando, começáva- que
do rioagora já te-
é visível nho meus
em algumas 57 anos
épocas do e Fontinele
UI Pequeno Príncipe, Lago Verde-MA
aumen- do verde que embelezava aquele mos o nosso regresso e aproveitávamos
mata. não
ano. sou mais aquele menino, mas o
lugarejo.
118 — M E M Ó ROs
I AS anos caminharam, bem me
LITERÁRIAS as poucas horas para tagarelarmos senhor Antonio. A mata que se via antes M E M Ó R I A S LITERÁRIAS — 119
lembro histórias quase desapareceu, o fundo
POR QUE NASCEM Naquela época, os paus de arara —Mamãe, como é que nascem as —M amãe, nascem crianças por quê?
CRIANÇAS? eram os transportes que levavam os crianças, hein? Minha mãe era superencabulada em as-
Ana Beatriz da moradores de nosso povoado para a feira Minha mãe fingiu procurar algo, suntos íntimos e mostrava-se
Silva livre de Limoei- ro. Vagarosos, retirou da cabeça o seu chapéu de palha, constrangida.
circulavam para lá e para cá. Andavam colocou no meu ouvido e num tom — M amãe, responde!
É só fechar os olhos e lembrar-me entupidos de gente. Costumavam pender baixinho disse: “De- pois, quando —Santina, repare só numa coisa: o
dos tempos de minha meninice que as nas estradas de barro vermelho. Era um estivermos sozinhas, eu explico”. ho- mem, quando se chega perto da
ima- gens confusas aos poucos vão se sacrifício! Andávamos cerca de 20 quilô- Imediatamente, ela virou para o mulher… cof, cof… quando se
tornan- do reais. Creio que, apesar das metros e quase sempre precisávamos grupo e falou: aproxima MUITO, M A S MUITO
dificulda- des, uma boa parte de minha descer da carroceria por causa do — Acho que vai chover. PERTO… acontece uma mági- ca que aí a
infância foi boa, não pelo que raramente atoleiro. Todo mundo, muito disfarçado, olhou mulher fica grávida. Entendeu? E saiu
possuíamos, mas por nossa maneira de Lembro-me que, certa vez, em uma para cima. Naquele momento fazia um disfarçando. Nem esperou a mi-
viver. des- sas longas viagens, eu via que todos sol de rachar. Alguns demonstravam nha resposta.
Sempre fui igual às demais conver- savam espontaneamente. Minha sinais de aceitação somente para Fiquei estática com a novidade.
meninas do meu tempo. Brincava de mãe se sen- tia à vontade, contando encobrir o meu ve- xame. Eu sempre Então era assim que nasciam as
roda, passa- histórias rotineiras para as pessoas que atrasada, também olhei pra cima e só vi crianças. Uma magia que acontecia
-anel, amarelinha. As minhas também seguiam via- gem. De repente, a azul e sol. Discordei: quando o homem chegava MUITO
bonecas da- vam gosto de se ver. Eu conversa acabou. Restou à minha mãe —C hover hoje? M as não dá pra ver PERTO M ES M O.
utilizava os restos de lãs de tricô que falar sobre o tempo e as paisa- gens. ne- nhuma nuvem… Eis que, para “salvar — A nda, S antina!
mamãe jogava fora para preencher o Procurava iniciar uma prosa, sem achar. a pá- tria”, alguém lá atrás falou: Daí em diante, qualquer homem que
que seria o corpo das minhas lindas Já impaciente com o silêncio e coberta de —Chuva de verão pode aparecer a se aproximasse me deixava
janotas. Tinha poucos recursos para dúvidas sobre aquele assunto que eu qualquer momento. É quando as tempes- completamen- te apavorada! E se eu
isso, mas achava o máximo! Eu era tão havia conversado com minhas colegas, eu tades são piores! ficasse grávida? Será que os homens
jo- vem e sabia que tudo o que berrei: E assim o pau de arara continuou o eram tão ignorantes para
precisava pa- ra viver estava bem ali, no — M amãe, por que o homem e a seu trajeto, movendo-se de um lado para desconhecerem tal* perigo? Dei para
S ítio Pindoba! mulher se casam e logo depois nascem o ou- tro. O “nhecnhec” das madeiras correr de tudo que era homem e até
Não sai da minha memória o tempo crianças? que ser- viam de assento era a prova hoje ainda não nacasei,
Texto baseado e, realizada
entrevista claro, não tive
com Santina Ana da C onceição, de 71
em que eu e minhas amigas nos reunía- Minha mãe ficou vermelha de vergo- viva de que a condição das estradas não filhos. anos
mos nos quintais de nossas casas nha. Uma mulher fingiu uma tosse e era boa.
duran- te as tardes de domingo para cutu- cou a criança que estava ao seu Ao chegarmos na feira livre, esperei o Professor José Augusto Pereira da
falar sobrede vários
um estado inocênciaassuntos proibidos. lado.daquela
diante Um senhor assobiou
situação, torneie aolhou para emmomento oportuno.
que ficamos Minha
sozinhas mãe
e voltei a parecia Silva Serafico Ricardo, Limoeiro-PE
Escola
Porém
total. o nosso problema principal era cima. Eu, pa- cientemente, esperava
perguntar: eva- dir-se, cochichava, sorrindo, com as
indagar:
saber
120 — Mpor qual
EMÓR ra- zão o homem e a
I A S LITERÁRIAS uma resposta que a princípio era outras senhoras. Eu, firme, esperei até o M E M ÓR I A S LITERÁRIAS — 121
mulher se casavam e lo- go depois impossível de ser respondida. Entretanto, momento
nasciam crianças. Vivíamos em estava curiosa, pensando que minha
Crônic
a

S
e existe um gênero marcado pela flexibilidade, é a Crônica. Seu tom pode
ser
poético, filosófico, jornalístico, cômico, despretensioso, pitoresco, ou de tudo
um pouco. Mas há algo comum às crônicas que precede essa
versatilidade:
será sempre um texto que emerge das entranhas, muitas vezes inesperadas,
do
cotidiano. É nele que o autor com olhar treinado investiga “o que vale uma crônica”
e encontra sua matéria-prima. Este capítulo traz a fértil produção de alunos-
escritores de 8 o e 9 o anos do Ensino Fundamental, que, entre tantos outros motes,
colocaram suas lupas sobre a vó benzedeira que de vez em quando gosta de dançar
um xote;
o senhorzinho que vai à feira em busca de um bom papo; a amizade entre um
menino vendedor ambulante e uma estátua de Manoel de Barros; a disputa de casas
funerárias por um morto que aparece no meio de um lago; um jogo de futebol
feminino em
que a amizade venceu a competitividade; um noivo que sumiu na festa de São João;
o mistério do relógio da cidade que teve seus ponteiros desaparecidos.
É como se as entrelinhas das páginas seguintes ecoassem o que Antonio Candido
escreveu sobre esse gênero literário em “A vida ao rés-do-chão”: “Em lugar de
oferecer um cenário excelso, numa revoada de adjetivos e períodos candentes, pega
o miúdo
e mostra nele uma grandeza, uma beleza ou uma singularidade
insuspeitadas”. São crônicas sendo crônicas: textos sem pompa, mas com
circunstância.
CRÔNICA 144 A DEVOÇ ÃO 164 A FESTA DE 184 EU VI M DE LÁ
Índice FAZ O LUGAR S ÃO JOÃO C hrystian da C osta
Mel Eduarda C amila Lopes Rodrigues
Guimarães S ilva de Aguiar
186 AH, MALDIT OS
126 O APANHADOR 146 O 166 HAJA TAMPA C I N C O MINUTO S !
DE AC ALANTO S TEMPERO DE DEDO! Ana M aria Pereira
Beatriz Pereira DA VIDA Adriely Stefany da Silva
Rodrigues Luiz Gustavo C arlos Ferreira de Lima
Morais 188 OPERAÇÃO
128 U M R AMI N H O 148 A MANTEIGA D O 168 A PORTA CINDERELA
DE ARRUDA E U M SEU ZÉ DE ZABÉ Francisco Edmar Allanis Stephani
R OSÁRIO N A M ÃO Plínio Meireles Rocha de Carvalho
Emeli Vichinieski de Almeida C astro
Wieczorkoski 170 À ESPERA DA 190
150 DEPÓSITO DE ÚLTIMA AULA SENTIMENTOS
130 FU QUÊ? N atália Borba Aytan Belmiro Melo AM AR E LOS
Letícia Prasser C ortes Gomes Bruna Vitória
152 CARTÃO-POSTAL 172 O GUARDIÃO D O da S ilva Andrade
132 M A N O E L E Paulo M anoel Bispo C ON H EC IME NT O 192 O DIA E M QUE
O VENDEDOR Fernandes Júlia Luana Schmitt A NOITE FICOU
DE BUGIGANGAS VERMELHA
Nicolas dos S antos S á 154 O TRIUNFO D O 174 LÁ NA MIN HA TERRA Kevem S antos
BICHO H O M E M Açucena M artilho de Araújo
134 D O TICO-TICO Thiago Moreira Diniz
AO C HUÁ, LÁ VEM de Abrantes 176 A PEQUENA 194 O GUERREIRO
A CHUVARADA GRAN D E GUERREIRA D O SERTÃO
Micael C orreia 156 D O “BUTECO Francisco Felipe Francisco Wagner
da Silva DA ANTÔNIA” da S ilva Izidro de Brito Viana
À D O N A MAR IA
136 ESTRANHA André Felipe da 178 HISTÓRIA 196 SEMPRE E M
N O NINHO S ilva Lima DE PESC ADOR BUSC A DE LUZ
Iasmim Luíze Isabelle de Araujo Ana Beatriz
Teófilo da 158 FIM D O M U N D O Rodrigues Paes
S ilva Jéssica Vitória 180 LÁGR IMAS
138 M EU M O R R O da Silva Rocha DE ESPERA N Ç A 198 ES C OLA FÁBRICA,
M aria Eduarda Kesia Cardoso FÁBRICA ES C OLA
de Moraes S ilva 160 D A M A DA RUA, Gonçalves dos Santos Jairo Bezerra da
DA M A DE OURO S ilva
140 A MOR TE DA M A I S Glaucia Beatriz 182 TRADIÇÃO 200 O D O N O
ANTIGA INQUILINA Monteiro M achado DE C ARIDADE D O PEDAÇ O
Isabelly dos S antos Emilie C aroline Kaike Ruan
162 O S O N O ROUBOU S tallbaum de Rossi Machado
142 BOC A DE BADALO O TEMPO do C armo
Geizy Taissa Júlia Iasmin Vieira
de Souza S antos dos Santos
O APANHADOR DE ACALANTOS um cliente; ora entrava em grupo de ternet para entrar em minhas redes
con- versas e falava sobre a política da sociais. Ali, fiquei horas, postei fotos,
Beatriz Pereira cidade, sobre suas dores, sobre os netos comentei com minha professora as
Rodrigues que já es- tavam grandes e não o impressões do passeio, ouvi minhas
visitavam mais; ora falava sobre o músicas… tudo na so- lidão do meu
O sol estava dando um bom dia tími- tempo… ah, o tempo… o que ele fez quarto.
do nas primeiras horas daquela manhã àquele senhor? Já era noite e, por mais que eu
de terça. Estávamos a caminho da feira Percebi que ali na feira, ele estava tentas- se, não tirava o velhinho da
da ci- dade. Meus colegas e minha em busca de algo, não para saciar sua minha cabe- ça. Fiquei imaginando ele
professora já discutiam os assuntos, fome, mas para acalentar seu coração levantando ce- do, tomando seu café,
sabores e cores que encontraríamos lá. solitário: atenção, carinho, risos, arrumando-se e es- colhendo seu
O ônibus mal parou e eles já sentimento de ain- da pertencer ao lugar chapéu de passeio para ir ao encontro
estavam na porta esperando e de ter com quem conversar. Fiquei do carinho das pessoas e, talvez,
ansiosamente para sair. A feira é tão-postal, parecia abençoar o nosso dia. imaginando o quanto as pessoas mais compensar a ausência dos filhos e netos.
pequena, típica do tamanho da cidade, Entre todas as pessoas, comecei a ob- velhas podem se sentir sozi- nhas no Então percebi que, assim como ele,
situada abaixo da prefeitura. A o seu servar um senhorzinho, bem mais velho, vazio de suas casas. Em muitas fa- mílias, também me encontro numa grande soli-
lado, fica a linha do trem, margea- da da- queles que usam o chapéu para sair os adultos saem para trabalhar, os jo- dão. Estamos o tempo todo
por quaresmeiras, uma ao lado da ou- de ca- sa, que ia de barraca em barraca, vens para estudar e os idosos ficam à conectados, sabemos tudo uns dos
tra, num abraço roxo e rosa sem fim, cis- parava em todos os grupos de conversa mercê de ver o tempo passar. Solitários, outros, em tem- po real (mesmo no
mando em querer dar boas-vindas ao para pu- xar assunto, observava as muitos já perderam seus contemporâneos isolamento de nossos quartos), mas
trem que passa carregando nossas frutas, mas nada comprava. Eu, ali, e não reco- nhecem mais o mundo vazio perdemos muito do “olho no olho”, do
riquezas mi- nerais, entre elas, o famoso fisgada por algum encan- tamento vindo em que vivem. Talvez por isso, aquele abraço, do toque, do sorriso ver-
nióbio. daquela figura magra e sim- pática, senhorzinho, dadeiro que emana felicidade. Aquele
A manhã estava fria. Via-se o vaivém passei a observá-lo mais de perto, tão velhinho, parecia tão feliz e tão ve- lhinho, perdido num mundo tão
das pessoas. A feira estava lotada e chegando a ouvir suas risadas e aco- lhido quando encontrava alguém diferente, e eu, perdida num mundo de
era difícil caminhar pelos estreitos conversas. para con- versar. Reparei que não era só indiferenças! Éramos cúmplices!
corredo- res formados pelas barracas e Às vezes, pegava uma laranja e cheirava: ele. Ali, ha- via muitos outros, também De uma certa forma, seu exemplo
pelo con- gestionamento dos passantes, — As de hoje não têm mais aquele mais velhos, sem sacolas nas mãos. me move a mudanças. Onde será que
cada qual com suas sacolas. Alguns perfume… “Sassinhora”! Que saudade! Na hora de ir embora, de longe, fiz encon- tro um chapéu?
colegas estavam tirando fotos, outros Parecia querer encontrar ali um um tchau para ele, que me respondeu Professora Vânia Rodrigues
degustando e desco- brindo sabores e cheiro que o transportasse à infância, à abanan- do o chapéu, com um largo Ribeiro
eu, observando as pes- soas. Ao longe, mocida- de, à felicidade! Dali a pouco, sorriso que me fez mais feliz. E M Nilda M argon Vaz, C atalão-GO
a igrejinha
126 — C RÔN ICA branca em ci- ma do ajudava al- gum feirante a colocar Ao chegar em casa, fui para o meu CR ÔNIC A —
Morrinho do São João, nosso car- frutas na sacola de quarto e, como de costume, acessei a 127
in-
UM RAMINHO DE dinho que esconde a “cetra” nas costas casa, batizando as crianças. É seu ritual, algumas usam plantas medici-
ARRUDA E UM ROSÁRIO e cascas de mimosa no bolso do considerado santo por aqui, tanto que a nais, outras água benta e algodão, ou
NA MÃO casaco. O marido, acendendo o cigarro água dos olhos d’água, presente no pe- neira, cera, costura com pano, linha
Emeli Vichinieski de palha, fi- ca na carroça ao longe só a caminho que ele per- correu, dizem ser e agu- lha. M as o que une todas essas
Wieczorkoski observar. Co- mo muitas pessoas, dona benta, usada para a reza das pessoas é a fé, representam sabedoria,
Júlia veio atrás de um benzimento ao benzedeiras e benzedores do Paraná. cultura, histó- ria, tradição e
O dia começa com a aura fria de filho, para curá-lo das bichas (vermes). Ao lado da chama acesa está o religiosidade. É algo de difícil
maio, vovó volta com a lenha no balaio Vovó é uma benze- deira conhecida por copo. Na água benta, vovó molha o compreensão para alguns, muitos
picada por ela antes de eu acordar. aqui, tem até certi- ficado e carteirinha raminho de arruda que já vinha com um criticam, duvidam, têm preconceito,
Fogo aceso, água fervendo na chaleira que regulamenta sua prática, sempre pouquinho de orvalho, há pouco colhido outros creem firmemente, acreditam
de ferro rodea- da de pinhão assado na procurada para tirar que- branto, susto, do quintal, de onde tira todas as suas nesse dom que, na verdade, acho ser
chapa. Agora, com a cuia na mão, está a ar no olho, ar no umbigo, peito aberto, ervas medicinais: a erva-cidreira, a fruto de muita fé, espiri- tualidade e
olhar as galinhas cis- cando o milho no machucadura, cobreiro, bu- greiro, hortelã, o capim-limão para vários chás, saber popular. É um ofício tradi- cional
terreiro coberto por um feixe de grama rendidura, garrafadas… São muitos os pomadas caseiras e até como parte de do interior do Paraná que precisa de
aqui e ali, decidindo qual delas seria o pedidos e as simpatias. suas simpatias. Um grande quintal do valorização e respeito. Vovó é uma
almoço a ser servido com po- lenta. É Seguindo seu ritual de curandeira, ela qual sou proibida de tirar ingre- dientes médica que usa o rosário no lugar do
assim que o dia começa aqui no interior acende o toco de vela em seu pequeno para brincar de benzedeira, na ten- estetoscópio! Já vi a chamarem de
do centro-sul do Paraná, em Faxi- nal e simples altar no velho guarda-louça de tativa de imitá-la por admiração. Além feiticeira, mas is-
dos M armeleiros, onde porcos, carnei- ma- deira com imagens de santos, como do raminho, ela tem em mãos um so não a abala, tem muita coragem,
ros e cavalos correm soltos em uma terra o coi- tado e desbotado Santo Antônio rosário fei- to de sementes com o qual muita sabedoria no olhar, que traz a
que ainda é cultivada coletivamente que teve as duas metades coladas depois realiza o ben- zimento com oração cultura e a fé de um povo humilde.
por alguns, mantendo a tradição dos de eu, aci- dentalmente, tê-lo derrubado própria, inúmeras ve- zes já repetida, Admiro-a em seu ofí- cio de ajudar o
faxinais. Tão sábia, leva os anos nas no chão. Ali está também Nossa Senhora tão rápida que quase não consigo próximo, um dom de fazer o bem que
costas e a juventude ao seu lado, Aparecida e o pequeno retrato em preto entender, reconheço um Pai Nos- so no passa de geração em geração. Quem
mesmo tendo tido uma vida dura e e branco do mon- ge São João Maria, final quando passa o rosário na ca- beça sabe eu não seria mais uma benze- deira
desgastante na roça, ain- da sente um andarilho e curan- deiro que passou da criança. de Faxinal dos Marmeleiros?
vontade de dançar um xote de pela região, de casa em O olhar de dona Júlia ao lado do fi-
vez em quando. lho é de fé no benzimento. Ao final, seu
Logo um barulho de carroça, um ba- tí- mido sorriso é de agradecimento,
Professora Carla Micheli
ter de palmas e um “ô de casa!” mas por educação logo pergunta
Carraro C E do Campo de Faxinal dos
indicam visita. Dona Júlia, mulher “Quanto é?”, vovó apagando com um Marmeleiros, Rebouças-PR
esguia de cabe- los longos presos em sopro a vela diz “Não é nada”. “Deus lhe
um —coque
128 amarelado
C R ÔN IC A e desajeitado, pague”, finaliza a visitante. Minha avó é C RÔNICA — 129
chega com o filho barrigu- benzedeira, curandeira.
Há muitas delas por aqui, cada uma
FU ignora toda aquela gente que também
atra- vessou a rua para segui-lo. No
Letícia Prasser entanto, co- mo uma surpresa, vira de
Cortes costas para a loja e seus espectadores
escolhidos e, de forma esguia e
Quinta-feira, primeiro dia de não fosse pela indumentária, poderia elegante, curva-se e roda as mãos três
Expoeste e eu ansiosa e toda produzida dizer com toda a convicção que Michael vezes reverenciando o público e fina-
de calça, bo- tina e chapéu. Aguardava Jack- son não havia morrido e tinha liza fazendo um coração com as mãos,
o dia passar para chegar a noite do mais vindo se es- conder nessas bandas do de- pois desce a avenida com rumo
esperado show, na- da mais nada menos Norte do Brasil. Aos poucos aquela ignorado. O público vai ao delírio!
do que Manutti. Mi- nha ansiedade aglomeração já ha- Ali estava eu, juntamente com aque-
crescia a cada minuto do anúncio do via virado uma multidão e não parava de le respeitável público, saindo de um
carro de som pelas ruas. chegar gente. Cada uma com um tipo de esta- do de êxtase e entrando no
C ai a noite, e eu mais cinco amigas reação, algumas ficavam estáticas, circular, mas confesso, meus caros,
se- guimos rumo à praça municipal para outras boquiabertas, alguns assobiavam perdi até a vontade de ir ao show do
espe- rarmos o circular que faz o trajeto e, por in- crível que pareça, todas sequer Manutti, pois imaginava que não seria
do cen- tro ao parque de exposição piscavam. Eis que de um salto majestoso mais animado do que aque- le
Laurindo Cha- péu de Couro. Ao do chão para o banco, ao som de espetáculo de graça na rua.
chegarmos logo ali na subida do morro assobios, gritos e aplau- sos, o Você pode até pensar que cidades
da Avenida 7 de Setem- bro, espetáculo toma uma proporção gi- pe- quenas são todas iguais, que têm
exatamente na faixa de pedestre em gantesca, e a empolgação do público faz M as não, foi somente o primeiro ato do apenas praça, loja, lanchonete e posto
frente ao Sorvetão, percebi algo com que aquele banco se torne a es- petáculo e para o espanto da plateia, de gasoli- na, que as pessoas só falam
chaman- do a minha atenção, pois miniatu- ra do palco da Broadway e, ali o ar- tista dá um salto mortal carpado mal da vida alheia e que sabem mais da
pessoas come- çavam a se aglomerar, e mesmo, sem aqueles sapatos brilhantes, triplo de costas e, de pés no chão, deixa nossa vida do que nós mesmos. Se você
eu, que não sou gato e só tenho uma mas de bermuda listrada, camisa floral o banquinho ao lado do busto da praça pensa assim, até certo ponto eu posso
vida, não quis morrer de curiosidade e abotoada até o pesco- ço e de gravata Nilo Paulo Balbi- not e atravessa a rua concordar, mas a mi- nha cidade é mais
fui lá. Nesse instante, foi imediata a laranja, o dançarino desliza de um lado virando estrelinhas. Foi esse o momento que isso, a minha tem o Fu, o dançarino
lembrança das aulas de Histó- ria e para o outro, joga os ombros pa- ra cima de maior agitação, pois os gritos e da praça.
viajei direto para o Antigo Egito, pois e para baixo, sobe e desce, rodopia, assobios parecem ter triplicado. Ao Professor Alan
Francisco Gonçalves
aquilo que eu vira ali era a cópia fiel dos segura com uma das mãos na cintura e chegar em frente à loja Varuna, o show Souza
braçose de
molejo uma dançarina
comecei a reparar egípcia,
melhor e,mas
se dá uma
bou? sarrada
Engano no ar, havia
seu. Também para epensado.
depois re- começa,
seus mas agora
espectadores: o próprioeartista
os manequins, assim Espigão do Oeste-RO
EEEF Jerris Adriani Turatti,
ao observar com mais atenção, percebi acena com as mãos. O público escolhe
que— essas
130 C RÔNIC dançarinas
A não tinham todo enlouquece e se eleva em gritos e C RÔNICA —
aquele assobios. Pensa que o show aca- 131
MANOEL E O VENDEDOR Continuei a transitar por ali, distraí- Eu continuei a fixá-los e me pessoas estão aproveitando para ganhar
DE BUGIGANGAS do com outros acontecimentos. M a s aproximei um pouco mais. Cheguei até a um dinheirinho, enquanto as obras não
en- tão fiquei com sede e decidi sombra da figueira centenária onde os ter- minam. C ada um tentando ganhar o
Nicolas dos Santos comprar al- go para beber. dois estavam. E ali era bastante fresco e pão de cada dia (se é certo ou não, legal
Sá Na volta, tornei a observar o moleque agradável. Descar- tei a embalagem do ou contra a lei o que o garoto faz, isto é
vendedor com o sorriso contrariado no meu suco no lixo pró- ximo a eles, e assunto pa- ra outra crônica).
Em busca de uma inspiração que me ros- to, o menino sentou-se, esperando a permaneci olhando-os sem que Passei então a observar o ir e vir das
levasse a escrever uma crônica, dirigi- próxima oportunidade para oferecer suas percebessem o meu interesse. pessoas e constatei como elas são
me ao centro da cidade de Campo bugigangas. Enquanto isso, eu também A minha família, que entrara em uma apres- sadas! Então, ouvi uma voz:
Grande. M eus olhos estavam famintos esperei, to- mando tranquilamente o loja, estava de volta e me apressaram — Vamos, Bernardo! Era minha mãe
de aconteci- mentos, tanto banais como meu suco, pois o dia estava quente e eu pa- ra sairmos dali. Melhor jeito que me chamando.
interessantes, desde que servissem para precisava me re- frescar. Eu nem achei, foi fazendo o contrário. Eu Enfim, era hora de ir embora. Estam-
a composição da minha crônica. Por percebi que passei a teste- munhar tudo diminuí os passos para dar tempo de pei um sorriso no meu rosto e fiquei
isso fiquei olhando através do vidro do o que ele fazia. O sinal abria e fechava, olhar tudo, estava en- cantado. E admi- rando a cidade. Depois pensei:
carro, tudo o que acon- tecia à minha abria e fechava, e ele sempre pensei: “Esse vai ser o tema da minha “Será que o vendedor de bugigangas
volta. Observei o cotidiano das pessoas pronto para trabalhar. crônica.” tem ideia de quem é Manoel de
que estavam por ali. Esse cen- tro, aliás, Voltando o meu olhar mais para Mais adiante, ainda aproveitei a dis- Barros?”
que está sendo revitalizado, pa- ra que além, e nas redondezas desses tração dos meus familiares com as Quando olhei para trás e vi o menino
fique melhor. M eu pai decidiu esta- acontecimentos, eu vi que o menino vitrines para ver o Manoel. Manoel dá carregando as bugigangas e se
cionar em uma vaga permitida, na Aveni- aguardava ao lado da estátua do importância às coisas desimportantes e sentando ao lado de Manoel de Barros
da Afonso Pena. Manoel da Barros. Agora sim, caro aos seres de- simportantes e preza eu tive cer- teza de uma coisa: eles
C aro leitor, eu estava em busca de leitor, eu me interessei de fato por tu- muito o menino ven- dedor de eram amigos, e is- so era o suficiente. É,
al- go diferente no cotidiano das do o que via e era muito inusitado e di- bugigangas. Que bom que o me- nino caro leitor! Há his- tórias tão
pessoas, e na breve caminhada junto ferente. A cena me intrigou. A estátua encontrou um parceiro. verdadeiras que às vezes parece que são
com a minha famí- lia, avistei um do M anoel e o moleque pareciam C onstatei, ainda, que o M anoel de inventadas.
garoto, e ele chamou a mi- nha atenção. “amigos”, o olhar do Manoel, a meu Bar- ros é poderoso e prestativo mesmo
Era um vendedor de bugigan- gas, e ele ver, cuidava dos pertences do garoto não es- tando mais entre nós. Poderoso
usava o semáforo fechado para tentar enquanto mais uma vez ele saía para para mim não é aquele que descobre
arduamente conquistar a atenção dos oferecer suas bugigangas. ouro, e sim aquele que descobre as
Professora Elaine Darnizot
motoristas. Quase todos se faziam de O Manoel sentado em seu sofá, com insignificâncias das pessoas. E M Imaculada Conceição, Campo
desentendidos. Confesso
a devida importância ao que eu também um sorriso cativante e em seus trajes
do minhaO cidade
garoto está
continuou a sua jornada,
sendo revitalizado e as Grande-MS
logo perdi o interesse pela cena, e não
fato. sim-
menino. ples, não se movia, mas parecia ten- tando vender suas coisas de pouco
dei
132 — C RÔN ICA ter vida e, de alguma forma, auxiliava valor. Como disse anteriormente, o C R ÔNIC A — 133
os trabalhos centro da
DO TICO-TICO AO gritar “caim, caim…”)! C uida, “homê” à C apuco, fato esse que espalhou-se por
CHUÁ, LÁ VEM A toa! M al terminou de dar as ordens to- da C ampo Formoso de tão famoso
CHUVARADA ao ma- que foi na nossa região. Bem, quem
Micael Correia da rido, já gritava aos filhos: mora por es- tas caatingas, Algodões,
Silva — Meninos, vêm me ajudar a Vila, Pauzinhos, Boa Vista e em Araras,
colocar as panelas nas goteiras, se não sabe que demora chover, mas quando
No verão passado, em uma quarta- vai ama- nhecer todo mundo nadando! chove… Aí a vaca vai pro brejo (Você
fei- ra à noite de muito calor, as Cuida, gu- rizada (e a mulher é me entende!), literalmen- te. Mas quem
muriçocas es- tavam todas alvoroçadas agoniada)! O diacho desse telhado liga? A gente mesmo é de chuva, é de
no nosso peque- no povoadinho de parece é uma peneira, mas é bom que achou de construir sua casa na beirada ver o sorriso de sertanejo, sen- tir o
Algodões. Já se aproxi- mava das 22 já junto água! de um córrego, mas avisado ele foi dos cheiro de terra molhada, os pássaros a
horas, quando de repente… Tudo Detalhe, a chuva ainda nem chegou, peri- gos daquela empreitada. Contudo, cantar demonstrando gratidão, tanque
mudou! As muriçocas sumiram! O mas toda nordestina que se preze tem achou que a razão estava apenas com cheio de água barrenta, sapo a fazer fes-
tempo se fechou, nuvens pesadas que fazer esse ritual, se vacilar até os ele, bom, talvez estivesse descrente, ta, as pessoas simples na janelinha de
começa- ram a se formar, ao longe pinicos vão para debaixo das goteiras! faltou-lhe a fé perante a tantos anos de casa agradecendo a Deus por tudo,
ouviam-se os tro- vões, viam-se os Pois é, o povo do Nordeste não pode ver seca. É, mas co- mo Deus escreve certo todos numa imensa alegria dando as
clarões iluminando o céu, o vento uivava uma gota d’água cair no chão que já se por linhas tortas, aí foi que o bicho boas-vindas a es- sas chuvas
igual cachorro desvairado. UH! UH! UH! põe em prontidão. pegou, pois a força da água era tamanha abençoadas que fazem o nos- so sertão
A caatinga cinzenta de tão se- ca chega M a s foi nesse momento que tudo que a coitada da casa foi in- vadida por florescer, sorrir, encantar e feste- jar. É
estremecia, um grande temporal se aconteceu, pois depois de uma sequência um mundaréu de água, lama, galhos, difícil explicar, mas uma coisa eu pos- so
aproximava. Os ventos tornaram-se ca- de muitos pingos o céu se derramou entrou tudo pelo fundo da casa e saiu lhe garantir, mesmo diante da teimosia,
da vez mais fortes, a caatinga deitava em água, “eita que foi água!”. Parecia o pela porta da frente, uma coisa de dar dificuldades e aperreações que o
com a força dos redemoinhos, é nesse dilú- vio da Arca de Noé. E assim foram dó! Levou tudo! E seu Antônio e sua sertane- jo enfrenta, nós somos
momen- to que dá um frio na barriga da se de- senrolando os acontecimentos espo- sa? Bom, conseguiram fugir a arretados (palavra de nordestino), pois
gente! Aos poucos começou a gotejar, desastrosos daquela noite, pois mais tempo numa carreira desenfreada. somos um povo luta- dor, em que a
pequenos, mé- dios, grandes pingos e já adiante existe um córrego desbravando “Quem espera tempo ruim é lajedo”, diz verdadeira felicidade do lu- gar onde
se podia ouvir o tico-tico das goteiras. uma caatinga mais seca do que vara de o dito popular da minha região, e assim, vivo é a simplicidade de um po- vo
Foi nesta hora que a dona Albertina, bater pecado, e foi por esse córrego pernas pra que te quero. sonhador e vencedor.
minha vó, meteu os pés da cama, que a água desceu des- vairada para o Todos lembram desse acontecimento
Professora Águida
levantou-se como uma doida e povoadinho mais abaixo, a Vila. Porém, (e também da teimosia de Seu Cristina do Nascimento
começou
não a gritar
para de latir (epela casa: do cachorro
o coitado no meio
na, desse percurso
mas teimoso havia
que só ele, poisa ocasinha Antônio),
tra objetos coisa dessa
levados pelaéchuva
difícilda
esquecer,
casa Silva
C M de Araras, Campo Formoso-
a — Homem de Deus, levanta que já do senhor A ntônio da M aria, po-
mesmo e me pare- ce que até hoje a vizinhaça
do BA
vem— Cchuva!
134 RÔNI CA Vai ajeitar a bica! O piaba, pularmente conhecido como Capuco, um ainda encon- C RÔNI CA — 135
tadinho, senhorzinho do meu lugarzinho, gente
fi-
ESTRANHA NO NINHO atenção, uma verdura que lembrava as cre. A novata vai ser A-TRO-PE-LA-DA,
cal- mas águas da baía de Angra e com todas as letras, pelas enciumadas
Iasmim Luíze Teófilo da Paraty. Es- sa novata chegou e fez “gereren- ses”. Coitada, ia apanhar como
Silva justiça ao título de Miss Simpatia, o que Judas em Sábado de Aleluia.
fez nascer um senti- mento de inveja, Ouve-se o apito. Começa o jogo. To-
A natureza humana é algo mesmo desconfiança e quem sa- be ódio. dos prontos para ver o massacre, a
im- pressionante. Porém, mais “Quem ela pensava que era pra chegar novata bela e fresca ver sua beleza ser
impressionan- te ainda é a capacidade e conquistar nossa Gererê assim?” destruída com chutes, empurrões e
do ser humano em entender aquilo A doce novata nem imaginava o que boladas. Quan- do, simplesmente, ela
como lhe convém. A cul- tura popular a aguardava. Ser bela e comunicativa tocou a bola e deu um show. Ninguém
diz que “coração humano é terra que foi o maior de seus pecados. C omo num esperava por aquilo. E não só deu um
ninguém pisa”, mas nada que se con- to de fadas do interior, nossa bela show, como se entrosou com o time.
compare à maldade produzida pelo novata seria vítima da tal inveja Pareciam velhas conhecidas,
medo do novo, do desconhecido. feminina, tão co- mum nos contos. praticamente irmãs.
Engenheiro Passos, ou só Gererê, Porém, a maçã envene- nada foi a Deram um baile no time adversário e
pa- ra os íntimos, é um desses recantos fofoca e o maldizer. saíram de campo abraçadas.
do in- terior. Fica no pé da Serra da Inventaram de um tudo: que ela veio Aqui no pé da Serra da Mantiqueira,
M antiqueira, na fronteira entre os fugida de Tremembé por ser menor onde Rio, São Paulo e Minas se
estados do Rio, São Paulo e Minas, e infra- tora, que sua mãe não deu conta encontram, num fim de mundo, que é o
talvez por isso, por não se saber ao do “fogo” e mandou pra cá pra se interior, do in- terior, do interior, um
certo onde começa ou termi- na cada esconder na casa da avó, ou ainda que joguinho de futebol feminino derrubou
estado, mas de se ter a certeza de que suas virtudes eram disfarce de uma boa todas as muralhas e neutralizou o
se está no interior, do interior do inte- bisca… veneno da inveja e acolheu a quem
rior, onde se está tão acostumado com Calúnia, difamação, confabulação. antes era só a estranha no ninho.
“o bom e o velho”, aquilo que é novo De tudo tentaram para disseminar má
costuma causar estranheza. fa- ma da doce novata. Se ela se sentiu
Certa vez, na escola estadual, que é rejeita- da? Talvez, mas não deixava
pequena, onde todos se conhecem, che- transparecer. E não há nada como um
gou uma aluna nova. Muito bela e dia após o outro. Era dia de jogo na
Professora Teresa
simpá- tica. C hegou de algum lugar do escola. Futebol Fe- minino era a Cristina Fonseca de
Estado
la. O tomdedeSão Paulo,
verde a cidade
de seus olhos não me modalidade.
Gererê. Aqui asque
Tudo indicava meninas são fera.
seria um Andrade
CE Engenheiro Passos, Resende-
recordo.
chamava aMas dizem que ela era bem Dignas de C opa do M undo. Quem sabe
massa- RJ
comunicativa,
136 — C RÔNI CA e be- até substituir a Marta? Enfim, todos C RÔN ICA —
aguardavam ansiosos pela especialidade 137
de
MEU MORRO

Maria Eduarda de Moraes


Silva

O morro acorda sempre apressado,


agitado. Num desce e sobe vielas e
esca- das, pessoas seguem suas vidas
ao mes- mo tempo em que portas e
janelas se es- cancaram e melodias,
risadas saltam sol- tas daqui e acolá.
Dona Josefa, com seu cigarro já
ace- so, está de pé à porta de seu Já é noite no Morro do Macaco. As tiros e um último grito seguido de um
barzinho, cur- tindo suas músicas luzes tomam seu lugar e, aos poucos, cho- ro sentido e doloroso…
sertanejas; e não se de- mora muito pra tu- do vai se aquietando… Bem aos — Meu filho nããããããoo!!! Mataram
ver a Brenda, dos salgadi- nhos, aos poucos. Não vejo mais a Brenda nem meu menino…
gritos com os filhos da Miche- le, que dona Maria que, pelo horário, já O silêncio reinou por alguns
insistem em jogar bola na frente da sua fecharam suas vendi- nhas. Dona Josefa instantes e, aos poucos, via-se a cena
barraca… Está declarada a confu- são. – agora sentada na sua cadeira de final: uma mãe e o corpo coberto de
M a s bom mesmo é passar pela do- na plástico vermelha – mantém o bar sangue de um mo- ço baleado.
M aria, a quitandeira – me delicio só de aberto até tarde da noite. No dia seguinte, o morro acorda
olhar todas aquelas frutas cheias de Continuo a subida e, lá pelo meio do sempre apressado, agitado. Num desce
chei- ros e sabores. caminho, um grito sai avisando: e sobe vielas e escadas, pessoas seguem
Os dias são quase todos assim: entre — Os “cara” tão subindo!!! suas vidas. En- quanto a noite ficou ali…
idas e vindas, “sobes e desces”, vou e C oooorre, coooorre!! Tão subiiindo!! Estendida no chão.
vol- to da escola. E nessa volta, loucura O susto paralisante foi logo desfeito
mesmo é passar pelo “C aminho das pe- lo apavoramento do povo. Quem
Índias” – é as- sim que chamam a pela rua estava, correu desesperado,
Cachoeirinha na hora do rush – Pensa assim como eu, pra se esconder em Professora Ana
Paula da Conceição
num lugar agitado, cheio de gentes, algum lugar. Os dispa- ros pareciam vir da Silva
gritos e buzinas?
sa, chego lá… Aff!! S alve-se quem de todos os
drontadas cantos
pelo caos do mor- Tiros,
armado. ro. Portas e Guarujá-SP
EE Domingos de Souza
puder! M as… C hego lá na minha ca- janelas
muitos agora fechadas, ame- Prefeito,

138 — C R ÔN IC A C R ÔNIC A — 139


A MORTE DA MAIS ANTIGA Catarina, e não conhecer ou não ouvir Recordo-me que, desde pequena, eu cidade cada vez que saíamos de casa e
INQUILINA falar da tal rua! já tinha aprendido a amá-la e fazê-la de percorríamos aquele trajeto.
Não era uma simples árvore, dona mi- nha amiga. Minha confidente de Hoje o que reparo, com olhar
Isabelly dos de um imenso tronco largo, raízes todas as vezes que por ela passava para demora- do e minucioso, é que tivemos
Santos profundas, centenária, era obra perfeita chegar ao meu destino. Parecia que uma perda. Nossa majestosa não se faz
que a natu- reza nos proporcionou. A apesar de não fa- lar e não parecer ser mais presente, muitos sentem sua falta,
Sábado de manhã, abri a janela e o imponente plan- ta era a mais antiga sensível, ela me trans- mitia a sua e em minha ter- ra os murmúrios
canto dos pássaros chamou-me a inquilina, testemunhou grandes compaixão e sua compreensão. Eu a continuam sobre o triste episódio. M as
atenção. Observei atentamente as acontecimentos e espetáculos nesse entendia, chegava a ficar triste ao vê- a rotina diária, o nosso coti- diano,
espécies de aves que moravam em uma palco que é a minha cidade. Viu o -la perder as folhas no perverso continua! Nada preencheu o espaço
árvore que margea- va o muro de minha progresso chegar com edifícios e a outono, e quando se torcia fraca pelo vazio que a magnífica planta deixou.
casa. arqui- tetura moldando o lugar, sopro do ven- to em dias de C rian- ças correm pela calçada, carros
Notei que na copa dessa árvore invadindo seu es- paço até a formação tempestade. vão e vêm num movimento frenético e
frutí- fera tinha um ninho de passarinho do bairro que era co- nhecido pela sua Os anos se passavam e ela sempre os cidadãos ainda usam aquele
que com certeza deveria abrigar uma presença. Notou as feiras e os es- tava lá, até que o pitoresco e irrisório percurso para chegar ao seu destino. Eu
vida ali! Fiquei contente em poder imigrantes se instalarem, o vaivém de acon- teceu; um impiedoso caminhão ainda estou aqui, presa em meus
contemplar um pedaço da natureza no carros e pessoas. A cada balançar de perdera o seu freio e a destruiu em devaneios. Admirada, agora ob- servo
pátio de casa. A h… Quan- tas cores me seus galhos, era como se ela torcesse pedaços de dife- rentes tamanhos! O da janela da minha casa aquele ce-
envolveram e aguçaram os sentidos por cada conquista do povo que por que restou foi apenas um pedaço de seu nário novo, sem a majestosa, sentindo
através daquele episódio. anos acompa- nhara. Imagina só! tronco próximo à raiz. fal- ta de ver a minha velha amiga que
Tudo isso me faz lembrar da rainha e Quantos pássaros cons- truíram nela Perdeu-se ali o símbolo e um peda- costu- mava contemplar, da árvore que
majestosa árvore, localizada no meio seus ninhos, copularam e au- mentaram ço da nossa história. A rua não é mais intitulou o meu bairro, que embelezava,
de uma rua conhecidíssima em minha a espécie. Quantos encontros a mesma, morreu aquela que lhe deu o purificava o ar e guardava a história do
cida- de. Devido a isso, a estrada que aconteceram debaixo da sombra nome. Ícone desse lugar, frondosa lugar onde vivo.
contava com sua participação não era sedutora que convidava quem por ali árvo- re de Sassafrás, presente até em
conhecida por seu real nome e sim por passasse a des- cansar, sentir o vento e nossa bandeira. Ali jaz a mais antiga
“Rua da Á rvo- re” ou “Rua do Pau no o aroma num clima benevolente habitante. O meu coração chora essa
Meio”. singular. saudade! Res- ta agora a esperança de
Inclusive esse fato inusitado, a ima- C ontudo, essa majestosa árvore, que ela cresça, e quem sabe os meus
Professora Daniela Thibes dos
gem da árvore no meio da rua, era um qua- se um personagem vivo de minha bisnetos possam ter encontros
Santos
dos pontos
dadezinha em no
situada destaque do Santa
interior de lugar cidade, foi apagada
de conhecê-la ano passado. Minha
e contemplá-la. marcados com ocom
contros marcados renascer daquela
a protagonista Rio
EEB do Sul-SC João Custodio da Luz,
Deputado
onde vivo, praticamente um ponto vizinha, moradora do meu bairro, se foi. árvore,
da onde ficara no caminho de uma
turístico.
140 Não
— C R ÔNIC A há como conhecer Rio Agora a frondosa Sassafrás só fica na rua principal, que conduzia todos até o C RÔN ICA — 141
do Sul, ci- lembrança dos riosulenses, dos que centro da cidade. Nós tínhamos en-
tiveram a chance
BOCA DE BADALO

Geizy Taissa de Souza


Santos

Nem só alguns dias, nem só algumas que tudo acontecia. Às vezes, eu quadro exposto ao sol, à chuva e ao ven-
horas, mas sempre. Às vezes um pouco chegava a pensar que ela poderia ter to. Sem significado, sem história, sem
de mim ou um pouco de você. Assim, também visão no- turna, mas não. Sua vi- da, sem nada…
sempre me pondo a pensar no que ela habilidade era mesmo a curiosidade. Então, enchi-me de coragem e ao
faz ou dei- xa de fazer para observar, Várias vezes tentei me apro- ximar dela pas- sarmos diante da casa dela,
cautelosamen- te, tudo que se passa para poder descobrir qual seria o seu aproveitando a oportunidade ímpar de
diante de sua cale- jada janela em segredo, já que das outras pessoas da sua ausência, gri- tei bem alto:
madeira e com marcas his- tóricas de rua ela sabia bem. Mas sempre se — Fica, dona M aria!
seus cotovelos. Nunca deixando passar mantinha firme e com um certo ar de
despercebida uma boa oportunida- de misteriosa.
para atualizar seus queridos e desinfor- Na semana passada, a esposa de seu
mados vizinhos. M anoel, aspirante ao posto de boca de
Como se tivesse sido crucificada na- ba- dalo, veio perguntar pra minha mãe
quele lugar estratégico, de onde podia se es- tava sabendo que dona Maria iria
ver da primeira à última casa de nossa se mu- dar da rua para o bairro do
rua, mantinha-se por horas imóvel, só Batata. Surpre- so com a notícia,
observan- do para poder depois percebi um frágil sorriso com ar de
descrever com rique- za de detalhes tudo liberdade brotando dos lábios das duas
que se passava naque- la pacata rua de amigas. Diante disso, comecei a me
Breu Branco. Bons hábitos, sei que todos perguntar se haveria na rua, no bair- ro
temos, mas dona M aria boca de badalo ou mesmo na cidade alguém com tanta
(era assim que todos a chama- vam, sem presteza para nos atualizar, mesmo
ela saber, é claro) era especialista em se quan- do não queríamos.
manter imóvel em sua janela. C heguei à conclusão de que dona
Professor Valdimiro da Rocha
Se um cachorro ladrava durante a M a- ria, apesar de seus dotes
Neto
noi-
clusivetecitar
ou horas,
mesmo um vizinho
minutos voltasse
e segundos descritivos,
sem sua figurajá central
ha- vianão
se passaria
tornado de
parte
um Breu
EM EFBranco-PA
Antonio Oliveira Santana,
tarde
em pa- ra sua casa, ela sabia de tudo. não só da rua, mas também da minha
Podendo
142 in-CA
— C RÔNI vida e da dos demais mo- radores da rua, C RÔN ICA — 143
e que aquela janela antiga
A DEVOÇÃO FAZ O LUGAR

Mel Eduarda Guimarães


Silva

Cá estou eu, em Aparecida, pernas, ora apressadas, ora lentas e timo ônibus, são desmanchadas as últimas
cidadezinha do interior paulista, com ruas duvi- dosas, ora ajoelhadas que se barracas de vendas, a sujeira entra em
estreitas, mas com construções arrastam por preces ouvidas. Em meio a cena. Já não há muitas vozes, apenas
gigantescas como o San- tuário Nacional isso, grita o ca- pitalismo na cidade: o barulho das vassouras dos garis ou do
– famosa Basílica –, o cora- ção de nossa — Água, suco, refrigerante…! ca- minhão-pipa que vem lavar o que
cidade e que acolhe a todos, seja — Olha o sorvete, Itu geladinho!!! sobrou
peregrino, seja morador, seja imigrante. — Um maço de fitinha, só dois reais! do furdunço.
Aparecida é assim… Uma cidade pa- Se o peregrino sentir fome, os agen- Cá estou eu, vendo tudo terminar
cata, mas ao mesmo tempo, não. Nos ciadores de restaurantes gritam mais que pa- ra começar na semana seguinte.
dias de semana, é calma, silenciosa, um cigarra em noite de verão: Assim é a rotina da “Capital Mariana
lugar onde você consegue andar de —Olha o almoço, almoço! É barati- da Fé”, e o mais maravilhoso é pensar
carro a 20 quilômetros por hora. Mas nho e gostosinho! que todo esse tumulto é por devoção,
isso não dura muito. Logo na sexta- — C omida caseira, quentinha, na seja ao capitalismo, seja à religião.
feira, os feirantes já se preparam para hora!
receber romeiros de to- do o Brasil, —Vamo comê, gente, aqui criança
gaúchos, cariocas, baianos, pa- não paga, quem paga é o pai ou a mãe!
ranaenses… Até pessoas de outros M as os visitantes não deixam por
países. me- nos, sempre tem aquele que diz
E tem ônibus em todo lugar da “Moço, me dá um descontinho? Eu vim
cidade! de longe!” Frases ditas durante todo o
Antes do amanhecer do sábado, os fim de semana. A fé leva o romeiro
vendedores de fitinhas coloridas de Nos- pela cidade, de bondinho, de charrete
sa Senhora Aparecida já estão a postos ou no trenzinho, ou- ve-se de tudo, gente
e, sem demora, o furdunço começa. Dá que agradece e gente
Professora Daniela de Gouvêa
pa- ra ouvir o barulho dos ônibus, mais que pede ao santo ou ao vendedor…
Moura
altotornaque
se algo britadeira, misturado
impossível, são milharesaos
de Ao fim do
adormecem dia,
com os mais Quando
a cidade. animados
saipro-
o A
EMparecida-SP
EF Professora Maria Conceição Pires do
comentá- rios animados dos peregrinos, curam algum barzinho para festejar,
úl- Rio,
que—dão
144 vi-ICAda à cidade.
C RÔN outros C RÔN ICA — 145
Caminhar tranquilamente pelas
ruas
O TEMPERO DA VIDA

Luiz Gustavo Carlos


Morais

Sexta-feira de manhã, num calor de várias escolas públicas, particulares, uni- As horas passam, já é quase meio-
infartar, tumtumtumtum tum! M eu versidades, empresas e outras dia. As pessoas voltam para as suas
whats- app anuncia: minha turma já me instituições. Trajando preto, cartazes em casas, não tão satisfeitas, mas com
aguarda- va na Avenida C entenário, riste, apitos e buzinas expressando sensação de dever cumprido. Minha
próximo à C es- ta do Povo, para um nossa revolta. A ave- nida agora era só barriga ronca, é momen- to de ir
protesto em prol dos nossos direitos. nossa. Como o tempo não favorecia, foi embora. Passo pelas mesmas ruas, meu
Lá vou eu, cabeça erguida, peito necessário milhares de garrafas de coração quer rever aquele senhor.
estufa- do, um cidadão consciente. No água, geladinhos e picolés. Os Meus pés se apressam, mas meus olhos
meu trajeto, percebo que a cidade é um vendedores ambulantes enchiam os bol- não alcançam mais a sua barraca. Ele já
verdadeiro for- migueiro. Pessoas sos. Os carros e as motos buzinando, se foi! Provavelmente vendeu tudo. Uma
chegavam de vários bair- ros, povoados não sei se era para ajudar ou pedir mis- tura de sentimentos invadiu meu
ou até municípios vizinhos com seus licença! Eu, motivado pelos gritos dos ser. Torci para que os temperos, que
produtos para comercializar. To- do dia meus com- panheiros, também gritava: são o seu sus- tento, dessem muitos
de feira é assim! Agora, leitor, avistei “Invistam na educação!”, “Melhorias sabores à sua vida.
um senhor que virou minha cabeça e dila- para a saúde”, “Em- pregos, já!”,
cerou meu coração. Sentado num “C uidem dos idosos!”. Nesse momento,
banqui- nho, barbas envelhecidas pelo me deu um calafrio, lembrei da- quele
tempo, grita- va com voz frágil, senhor que ficou lá atrás, esqueci- do
chamando seus fregueses: por nós.
— Olha o tem-pe-ro verde! Olha o Da Avenida Centenário fomos para a
tem-pe-ro verde! praça Capitão Francisco de Souza
Os meus olhos pretos encontraram Meira, mais conhecida como Praça da
os olhos azuis daquele homem judiado Matriz. O cartão-postal da cidade.
pelo trabalho do campo e pelas ações Imponente, viva há mais de 150 anos, a Professora
Rosangela dos
dos anos. Talvez tivesse uns 50 anos, Igreja Matriz rei- na. Nesse lugar, a Santos Marques E M
maspasseata,
da aparenta-já va
namais de 70.
avenida, me juntei às emoçãoque
sertão aumenta, os dis- cursos dos Brumado-BA
Oscarlina Oliveira Silva,
A gritaria dos estudantes me protestantes ganham força, nos enchem
resiste.
146 —lembrou
C R ÔNIC A de esperança. É a fé do povo do C RÔNIC A —
147
A MANTEIGA DO SEU ZÉ DE
ZABÉ

Plínio Meireles de Almeida

Num domingo pela manhã, fazia versando, sobre futebol, escola e passadas lentas que só ele tinha. Pedi to-
bas- tante sol no Povoado Pedra, garotas, pois ninguém é de ferro! do eufórico minha manteiga, e
município de Ribeira do Pombal, E no decorrer da conversa, até enquanto ele ia se afastando
interior da Bahia; ao sentar à mesa para esqueci o que iria fazer, mas logo lentamente para bus- car, voltei aos
o café da manhã, per- cebi que a lembrei. Se fosse outra coisa, já tinha meus pensamentos, de co- mo
manteiga havia acabado. M as não esquecido mesmo, teria que retornar ocorreram mudanças em nossa comu-
pense você que é uma manteiga qual- para casa para minha mãe re- frescar nidade e nas pessoas, trazendo
quer, essa é da Bodega do Zé de Zabé! minha memória ou até anotar. M as caracterís- ticas diferentes. Ma s o meu
A venda ficava no centro do povoa- como era minha manteiga de garrafa, alívio era sa- ber o que não havia
do, então tive que atravessar todo ele essa eu jamais poderia esquecer, feita mudado, era a mantei- ga que
pa- ra comprar, para eu poder comer artesanal- mente, tão saborosa ao ser continuava sendo a melhor e tradi-
com meu delicioso pão. No trajeto, colocada, chega a derreter. Só em falar cional, trazendo um sabor diferenciado
passei a obser- var que, mesmo sendo me dá água na boca. C ontinuei a na mesa de cada família.
um fim de sema- na, pela primeira vez, caminhada e, ainda obser- vando,
a rua estava deser- ta. E então, pude encontrei um grupo de amigos, mas
enxergar como havia mu- danças no dessa vez não era conversando, e sim
lugar em que moro, casas re- formadas, todos plugados e vidrados na tela do
com cores vibrantes, deixando um celular, cada um em seu mundo. Que
bonito colorido à comunidade, havia mundo é esse? Do jogo viciante “Free
uma construção da praça já em Fire”, tão diferente dos antigos rolês que
andamen- to – ela servira para reunir fazíamos. O que fazemos agora?
ainda mais as pessoas daquele lugar, Ficamos presos nas tecnologias di-
um ponto de en- contro –, também gitais, e cada vez mais distantes,
várias lojas foram cons- truídas, desde querendo
Professora Gleyce Jane Bastos
consertos de aparelhos ele- trônicos a muitas vezes nem sair de casa.
Silva
pequenas mercearias
encontrando e lancho-
meus amigos netes.
e ficamos Finalmente
do, seu cheguei
Zé de Zabé, comaosuameu destino,
paciência e Ribeira
E M Anado
dePombal-BA
Deus Conceição,
Então pensei: “minha comunidade tá
con- à bodega, e por incrível que pareça,
crescendo!”.
148 — C RÔNI CAE continuei a caminhar, fui não havia ninguém na minha frente, C R ÔNIC A — 149
ufa! Lo- go surge de uma dispensa, bem
lá no fun-
DEPÓSITO DE QUÊ?

Natália Borba
Gomes

Hoje mais cedo, fui com minha


mãe preencher os dados para minha
matrícula em uma das escolas estaduais
de ensino médio na nossa cidade sede,
Espumoso. Quando terminei tudo, a
diretora da esco- la me questionou
sobre o nome do lugar onde eu moro: encontrava o seu pai, que além de sem- Eu respondi que era no Depósito, en-
—Desculpe a curiosidade, mas o no- pre ter morado ali, já foi prefeito da cida- tão ela me questionou:
me do local onde você vive se chama de de Espumoso. Ele me explicou que — Depósito, depósito de quê?
mes- mo Depósito? anti- gamente esse lugar se chamava E assim acontece quase sempre
Eu respondi que sim, então ela me “Terceiro” e que passou a ser chamado quan- do alguém não sabe do meu
questionou uma segunda vez dizendo: de “Depósito” por causa de um depósito endereço.
—M ais uma vez peço perdão pela de armas escon- dido pelas redondezas, Depósito, um lugar que no passado
inde- licadeza, mas, do que seria esse tal durante a “Revolu- ção de Trinta”. guardava armas e munições, hoje, um
depósito? Eu respondi que, dessa vez, Prestei muita atenção nas palavras luga- rejo, pequeno ainda, mas repleto de
quem te- de- le, conforme ele ia narrando os fatos, pessoas batalhadoras, esperançosas, que
ria que se desculpar era eu, pois não eu ia encaixando as cenas na minha cuidam das crianças, da natureza e que
fazia a menor ideia da resposta naquele cabeça como se fosse um cinema mudo. têm orgulho de sua morada. Aqui
momento. “Depósito”? sem dúvidas é Saí de lá comple- tamente abismada com ninguém luta com arma- mento de
um no- aquelas informações e extremamente guerra, aqui todos lutam por dias
me curioso a se dar a um lugar, fiquei curiosa para saber qual se- ria a reação melhores, com trabalho e amor!
com aquilo na cabeça por uma boa da diretora da minha nova esco- la,
parte do dia, até que resolvi pedir para quando eu contasse tudo aquilo para ela.
minha mãe onde eu poderia encontrar E então, ao voltarmos para casa de ôni-
aquelas infor- mações, ela então me bus, uma senhora que se sentava numa Professora Suzana Maria
sugeriu
casa, ele uma conver- a uma
nos conduziu sa sala
com um
onde — Mocinha, onde você pol- Cabral
E MEF Imaculada Conceição, Espumoso-
professor de história que mo- rava ali
se trona ao lado perguntou:
mora? RS
por —perto.
150 AoA chegarmos em sua
C R ÔNIC C RÔNICA — 151
CARTÃO-POSTAL

Paulo Manoel Bispo


Fernandes

Era sexta-feira, final de tarde, quando Perdido em meus pensamentos e en- lago? Eu procurava respostas para na fúnebre. Nesses momentos, apesar da
retornava para casa depois de mais um cantado com tamanha beleza, não tamanha tragédia, quando, de repente, tragédia, muitos sorriram, parece que
dia de aula. Da janela do ônibus me dei conta do que estava levei um sus- to. N ão pense você que até o defunto, se pudesse, também teria
admirava a pai- sagem da praça do acontecendo lo- go mais à frente, não foi com o defunto. Se pensou tens razão, sorri- do da situação.
Rebentão, que tem ao fundo a lagoa antes de o motoris- ta frear é claro, mas me as- sustei com o que eu Olhei mais uma vez para o lago, meu
Tanque Grande. Sempre faço esse bruscamente. De repente, me de- paro presenciava. Em meio ao alvoroço de cartão-postal, e mergulhei em meus
percurso tanto para ir como para voltar com uma multidão às margens do la- go, uma multidão que, prefi- ro acreditar, pen- samentos, convicto de que
da escola. C onfesso que adoro pois é, um verdadeiro formigueiro humano. Eu tentava entender o motivo de uma estamos imer- sos numa sociedade de
sem sombra de dúvidas, a parte mais não estava entendendo nada, creio que pessoa ter se afogado, e ao desespero consumo, que não poupa nem a morte,
bela da ci- dade, um verdadeiro cartão- vo- cê também não, acho que está se da família que chorava a morte de um e que a mesma, por mais triste que seja,
postal da minha querida Ibiassucê, coçando de tanta curiosidade, aguente en- te querido, duas empresas funerárias também revela surpre- sas, algumas
conhecida por morado- res e visitantes só um pouco que já lhe conto o que rou- baram a cena, pois se nada agradáveis.
como “C apital da Amizade”. Do outro estava acontecendo. Tão logo o engalfinhavam para ver qual delas faria
lado, acima do lago, tem um mor- ro motorista parou o ônibus, desci, assim a cerimônia funerária.
com várias casas, essas formam uma bela como todos os outros alunos que ali Diante da confusão o que mais cha-
imagem ao refletir nas águas cristalinas estavam, o mais rápido possível. Fui me mou-me a atenção foi quando um dos ho-
do lago, parecem verdadeiras bailarinas a embrenhando no meio da multidão e lá mens, funcionário de uma das
dan- çar um ballet ao som do vento estava um corpo estendido no chão, ele funerárias, disse que o serviço de sua
rodopiando com movimentos de graça e tinha sido retirado sem vida, por popula- empresa era completo, o melhor da
leveza ao subir e descer da maré. No res, das águas da lagoa. Grande parte região, pois incluía tudo o de melhor que
verde capim às mar- gens do lago, das pessoas portando seus celulares de havia no mercado, até lembrancinhas
alguns burricos a pastar divi- dem o últi- ma geração, tentavam o melhor para os “convidados”, podendo a família
espaço com enormes pedras brancas ângulo pa- ra fotografar o pobre defunto optar pelos tradicionais santinhos, por
como nuvens, que parecem flutuar, ou ainda fa- zer um vídeo para, quem flores e até por um doce ba- tizado de
tornan- do a paisagem ainda mais sabe, postar nas redes sociais e ganhar “bem-velado”. Acredite, amigo leitor, Professora Ana Maria Cardoso da
encantadora,
sam passar oueu diria poética. Pelo visto, o maiorsua
beleza a ponto de “entregar” número de
vida ao eles criaram
caixinha umadeversão
em forma fúnebre de
uma miniatura do Silva
C E Ibiassucê, Ibiassucê-BA
amigo
habitar.leitor, esse lago tem o poder de curtidas possível. bem-casado,
ur- e arrancando do bolso uma
encantar
152 — C RÔNnão
ICA só a mim, mas tudo e todos Teria ele se encantado com amostra expôs o doce que vem em C RÔNI CA — 153
que em suas margens ou- tamanha uma
O TRIUNFO DO BICHO HOMEM

Thiago Moreira de Abrantes

Por que a galera daqui do sertão


nor- destino gosta tanto de vaquejada?
Eis a inquietude de minha alma! Desde
ainda muito pequeno, vejo as pessoas,
princi- palmente as moças, se
emperiquitando da cabeça aos pés para
participar do evento. Sei que tem forró, guei mais perto do local, agora com mais — Valeu Boi! ção para ganhar uma merreca de
tem boi e vaqueiro, mas nunca, cuidado para não pisar nos resíduos Eu torcia pra que no final ele dinheiro e para agradar aos olhos de
nunquinha mesmo, eu tinha ido a uma. alimen- tícios excretados pelos bovinos. gritasse: quem assiste… Não, não entendo. Se é
Até que semana passada, pela pri- Meu pai, que mais adiante estava, — Zero Boi! cultura, tradição, lucro e ajuda na
meira vez, meu pai me levou para assisti- gritava: O que significa que o boi ficou em pé economia local, não sei… Sei que
la. Eu tinha uma certa ideia de como — Limpa logo essa merda, menino! e pleno na faixa. Um sobressalto de estava torcendo pelo boi, que es- tava
acontecia esse tipo de esporte, se é que Por trás da cerca, minha visão cor- alegria, entusiasmo e prazer sombreia sendo um protagonista, no final der-
podemos chamá-lo assim! Todavia, eu ria por todo o cenário e, aos poucos, mi- nos rostos de todos que ali estavam a rotado pelo “bicho homem”.
não sabia que a arena era montada em nha curiosidade se desfazia em espreitar tal ce- na. Uma pontada de No fim de tudo, ainda rolou um
con- dições favoráveis ao homem para decepção e tristeza: abrem-se as aflição fincava meu coração! A galera forro- zinho, como uma espécie de
mostrar sua covardia disfarçada de porteiras, corre o boi; atrás dele, dois aplaudia, vibrava, e eu contido com celebração pela vitória do “bicho”. Ah,
força e cora- homens montados nos seus cavalos, cujo meus pensamentos, sem en- tender e o sol, será que dormiu tranquilo? Na
gem para derrubar o boi. objetivo é pegar no rabo do boi e aquelas vozes conjuntas e alegres com a certa, amanhe- ceu com olheiras no dia
Era bem à tardinha, o sol ainda abra- derrubá-lo dentro do espaço mar- cado queda do boi. seguinte, já que teve vergonha de
çava o dia. Já estava tudo armado a cal entre uma linha e outra. Assim, Não pensem, caros leitores, se acaso testemunhar, mesmo a anos-luz, aquele
quando cheguei na festa. Eu pressentia cumpre-se o objetivo: o pobrezinho do estiverem lendo esta crônica, que sou horror.
que ia feder, pois assim que desci da boi cai, rola duas ou três vezes no chão ve- getariano, não sou, até gosto de
moto, já pisei logo em algo flácido e em e os ca- valeiros dão a volta em toda carne. E aí alguém querer me julgar por
formato de pudim, de odor nada arena, orgu- lhosos do serviço bem isso é um tanto injusto, caso esteja me Professor Carlos Alves
agradável,
daço de pau, aliás,
queoencontrei
ambientenoto-chão.
do fedia.
Che- feito,
e gritaostentando
no momentoo datroféu
quedanas
do mãos: o julgando. Eu acredito
tural do ecossistema. que
M as aí,cada caso é
aquela Vieira
EE 26 de M arço Ensino de 1º e 2º Graus, Paraná-
“Ai que raiva!”. Respirei demorada- rabo do boi.
animal: um caso. Acre- dito na lei da natureza e
judia- RN
mente…
154 Tentei
— C R ÔN IC A limpar o tênis com um pe- Ao longe, em uma torre, o locutor no equilíbrio na- C RÔN ICA — 155
vibra
DO “BUTECO DA ANTÔNIA” foi gradeado “graças” ao furto de doces Depois desse dia, observei melhor dar mais atenção ao nosso linguajar. E
À DONA MARIA da parte de pequenos invasores. co- mo as pessoas chegavam à Bodega ain- da lá, descobri que conforme a
O janelão fica ao lado da porta de e per- cebi que na verdade, ao pessoa e o que ela vai fazer ali, o
André Felipe da Silva en- trada da casa e foi recoberto por chegarem, elas chamam pelo nome da apressado vira “ave- xado”; o bêbado
Lima um toldo com o fim específico de minha avó. Os pri- meiros clientes, vira “pinguço” ou “pé in- chado”; se
acolher os clientes diante do sol, que sonolentos, atrás do pão matinal, gritam alguém está com vergonha, es- se
Minha avó mora há mais de três dé- parece ter maior apego ao Nordeste. quase em silêncio: “Don- tonha”. E, recebe o apelido de “acanhado”; se quer
cadas numa pequena vila ao lado da Por esse janelão, é possível ver estantes, assim, seguem as variações de Dona ir embora, devido ao sono, é porque está
mi- nha cidade. Como a religiosidade cujos produtores vivem ape- nas em Antônia, que são iguais, conforme os “mole” ou, ironicamente, “bêbado de so-
micae- lense sempre esteve encravada relíquias como aquelas. Vê-se, ain- da, grupos e seus horários na venda, mas no”, e por aí vai. Eu prenderia você
em nos- sa sociedade, a vila leva o um balcão arranhado e vários produ- dis- tintas no vilarejo. aqui, leitor, por horas a fio revelando o
nome de Nossa Senhora de Guadalupe. tos que vão da limpeza aos mantimentos Minha curiosidade aguça na expec- que des- cobri, se meu importuno
Mais de cem fa- mílias formam esse e também a famosa cachacinha. Um tativa de mais variações e abro cotidiano não me batesse à porta.
vilarejo, que tem as necessidades olhar mais apurado avista uma balança sorrisos quando as crianças soltam Quanto ao Buteco da A ntônia ter
básicas, como mantimen- tos, inconse- quente que gosta mesmo é dos um tímido: “Dantonha”. As donas de vira- do bodega, assim como as coisas
abastecidas por apenas quatro pe- clientes, porque vive pendendo para casa, apressadas para dar conta do da vida se perdem no cotidiano, perdi
quenas vendas. eles. almoço, soltam um: “Ô, Tônha”; os esse deta- lhe embelezado com as
Mesmo morando na cidade, nunca Para nós, de casa, ali é a bodega, adolescentes eufóricos, dão um grito de: variações linguís- ticas na bodega da
gos- tei da agitação e correria diárias no- me esquisito que acredito vir desde “Dona Tônia”, por sinal, fato que irrita minha avó. Mas refle- ti que a essência
que mui- tas vezes são a inspiração para a pri- meira “bodega” que está lá levemente a minha avó. E, por últi- mo, do lugar em que vivemos está
as crônicas. Incrivelmente, achei minha dentro. A “bo- dega” da minha avó aqueles que, talvez por estarem toma- entranhada nos detalhes corriqueiros
inspiração num cenário diferente. resiste há mais de 30 anos e como dos pelo álcool, os famosos bêbados, es- que resolvi captar.
Aproveitei o breve recesso escolar desperta-me curiosidade aquele quecem seus próprios nomes e o da Aqui despeço-me e, noutro
pa- ra driblar o meu cotidiano e rumei cotidiano singular. minha avó, mas não esquecem a direção momento, prometo pagar a dívida
ao acon- chegante refúgio na casa de No alvará que encontrei da ven- dinha e soltam um: “Ô Dona contraída no início desta crônica.
minha avó. So- bre as raras vendas que subitamente em meio a teias de aranha Maria”, mui- tas vezes pausando a
citei acima, uma é dela. E como o caro e poeira, por ocasião de uma faxina, sagrada hora do al- moço de minha avó,
leitor já deve ter presu- mido diante de fiquei perplexo ao descobrir que em que a essa altura, já quase não sei mais
alguns fatos expostos, essa venda não sua origem, a bodega tem o nome de como se chama. Acho que ela mesma
Professora Núbia
tem caixa registradora, carrinho que “Buteco da A ntônia”. S im, antes que confunde-se na identidade. Quem diria Cristina Pessoa de
conduz mercadoria,
ras ocorrem entrada
através do imensode acesso
janelão, você
em pense que errei, está es- crito micaelenses. Foique a bodega
a partir empassei
daí que que mi-
a Queiroz
E ME F Elisiario Dias, São Miguel-
ao
quecliente. Todas as transações corriquei- assim mesmo. Essa descoberta me
“Bodega”. nha avó “despacha” clientes há RN

156 — C RÔNI CA levou a uma reflexão sobre como o “Bu- quase uma vida inteira, pudesse me C RÔN ICA — 157
teco de Dona Antônia” se transformou revelar facetas
FIM DO MUNDO

Jéssica Vitória da Silva


Rocha

Tempestade forte, desespero total, Sem o consolo do colo do meu pai, o porque minha mãe me arrancou de
angústia, eram esses os meus único jeito era ir para baixo da cama, debaixo dela, já brava com tanto choro
sentimentos naquele momento. Tava nem sei o porquê, pois quando o e também preocupada com a demora do
acontecendo, meu Deus, tava mundo aca- basse, com certeza não meu pai.
acontecendo! 12/12/2012!!! Seria o fim de seria a cama que me salvaria. Então a chuva foi acalmando e
tudo. A chuva torrencial havia sido Meu Deus, por favor, ainda sou tão demo- rou para ela parar por completo.
anunciada! Eu já tinha ouvido falar nas novinha, não vivi nada, como assim, Meu pai chegou em seguida, ensopado,
his- tórias bíblicas, até aí tudo bem, meu Deus? Não dá pra adiar, não? Não mas che- gou, havia demorado porque
minha mãe sempre as lia para mim, mas é por- que anunciou na rádio que tem estava na fa- zenda esperando a chuva
na rádio São José do Rio C laro… Seria mesmo que acontecer. Tantas vezes, a acalmar.
possível? É, tava tudo acabado, era São José FM noticiou coisas que eram Não entendi muito bem porque Deus
mesmo o dilúvio!! Eram três da tarde só pra ganhar Ibope, e que só tinha “de mudou de ideia, talvez fosse o meu
quando se ouviu os primeiros ruídos dos verdade” a versão de quem contou apelo debaixo da cama que o tenha
grossos pingos caindo no telha- do, a mesmo! Coopera aí, vai!! Nada!! O Pai sensibilizado. É deve ter sido, porque
tragédia anunciada estava acontecen- do. estava, pelo jeito, decidi- do!! Parecia minha mãe diz que se a gente pedir com
Minha mãe seria a testemunha do fim que estava sendo despejado fé as coisas aconte- cem. Ela tinha
dos meus sonhos. Nem seria possível a de balde, como dizia minha avó. razão. M as por via das dúvi- das, é
des- pedida do meu pai, pois ele ainda “C adê a arca? Ela seria muito útil melhor não ouvir mais a rádio!
não havia voltado da fazenda onde ago- ra”, pensava. Da primeira vez
trabalhava. todos tiveram a chance, mas e agora? O
A cada minuto o medo e o pavor que fizemos para nem sequer termos a
toma- vam conta de mim, pois o barulho chance de salvar um de cada espécie? O
se torna- ra agora um estrondo. Lá fora, medo era tão grande, e eu angustiada e
árvores en- tornadas, vento forte, tudo sentindo a injustiça divi- na, que nem
branco, não de- morou nada, a casa já percebi que a chuva foi paran- do, claro. Professora Cinthia Angélica da Silva
estava
que alagada
mais pareciam junto com riscando
foguetes a terra, osim, Em ver
fícil cima da cama
ou ouvir algumae coisa
debaixo das
direito; Alves
EE Santana d’Água Limpa, São José do Rio Claro-
porque o que havia de gra-
céu. ma, a cobertas que camuflam o barulho fica di-
sim, MT
tempestade
158 — C R ÔN IC Atratou de carregar. Vol- ta e C RÔNI CA — 159
meia o céu clareava com relâmpagos
DAMA DA RUA, —Aqui, meu patrão! Farinha torradi- do céu e o cumprimento vindo de um M as, como gente aglomerada
DAMA DE nha, da boa! Pode provar! sorri- so ou de um olhar? A esses, ela precisa de organização e as ruas de
OURO — Aqui, freguesa! Peixe fresquinho! observava com tristeza e, ao vê-los urbanização, o poder público fez
Glaucia Beatriz Curimatã, pescada e tamuatá! tropeçar nos pró- prios pés, se fosse algumas mudanças na Rua Claudomiro
Monteiro Observava as pessoas provando fa- má, praguejaria: de Moraes.
Machado rinhas de mandioca e de tapioca, pegan- — Toma-te! Bem feito! Eu acho é A desobstrução das calçadas e um
do punhados com as pontas dos dedos bom! M as ela era uma gentil senhora, novo plano de arborização foram
Muitos por ela passavam sem se dar e atirando-os em direção à boca, sem boa e generosa – uma verdadeira dama. algumas das ações realizadas em prol
conta. Seguiam sem notá-la, cegos pela cair um grãozinho sequer! Que pontaria! Embora tivesse recebido muitas do bem-es- tar e da segurança de
pressa, ou pela rotina, que aos poucos Uma importante habilidade para quem pedradas pela vi- todos.
nos rouba a beleza das coisas simples e procu- ra por aqui farinha de qualidade: da, não se prestaria a atirar pragas. À tarde, por volta das treze horas,
tira de nosso olhar a sensibilidade. Mas, baguda, torrada e gostosa. Numa cidade onde só se tem verão e como de costume, muitos procuraram por
todos os dias, lá estava ela – acomodada Gostava da barulheira dos meninos, in- verno, aprendeu com a vida a ser ela. En- contraram uma nova parada de
bem na es- quina, testemunhando o que ganhavam um dinheirinho outono e primavera, a ter suas próprias ônibus – um moderno abrigo de
vaivém de uma das ruas de M acapá, a carregando com- pras ou guardando estações. Sim, a não guardar rancor ou estrutura metálica com teto de acrílico
C laudomiro de Moraes. carros. Quando menos se esperava, ressentimentos, mas a florir e frutificar, azul. O sol, como sempre, estava
Já tinha se acostumado com as con- começavam uma pira-pega: fizesse chuva ou sol. A tarde chegava e escaldante e o calor era insuportável. A
versas dos alunos que, de manhã, —Ana-bu-bu-bu quem sai é tu pelo trazia o calor que somente nós, os que poucos metros dali, à espera de
caminha- vam para a escola. Apesar de ra- bo do tatu, na minha terra tem pi-ra- moramos sobre a Li- nha do Equador, translado para o aterro, estavam os
ter idade para ser a avó deles, não ru-cu… temos o privilégio de des- frutar. M as, restos mortais de uma frondosa
estranhava o dialeto: – um dava a deixa para a brincadeira. ironias à parte, era nesse horá- rio, das sibipiruna ou “da- ma de ouro”. Rente
— Ih, moleque, M atemática, hoje. — A mãe é tu! – outro gritava. treze horas, com o sol de rachar, o ao solo, seu toco. S im, era dela, da
— Caramba! É mermo! Saíam desembestados, feito doidos. momento que ela mais gostava. nossa acolhedora senhora, a “dama da
— Tá firmeza, mano? Eram crianças sendo crianças. Nessa hora, ela era vista e notada rua”, cujo pecado fora viver flo- rindo e
— M as quando já! Vou me lascar! Escondiam- se atrás dela, colocando-a por todos: os apressados, os distraídos frutificando – a árvore que, infeliz-
—Tu jura?! Tu não comeu caroço na brincadeira. Ah, aqueles meninos e os que esperavam ônibus, táxi ou mente, muitos só notaram quando senti-
de pupunha! eram tudo de bom! mototáxi. ram a falta de sua sombra fria.
Essa conversa juvenil, num Como muitos seguiam sem notá-la, Ficava cercada de estudantes. Devia
macapanês com as pitadas de gírias, passou a valorizar a companhia de se sentir vaidosa na companhia de tantos Professora Josefa Maria
Taborda do Nascimento
para ela fazia to- do o sentido. Ela era quem se achegasse. S em julgar, ouvia o ado- lescentes, casais de namorados e
Silva EE Professor Irineu da
da terragritadas
ofertas e tinha entre
feito desse chão a sua desaba- fo
entretidos no dos bêbados,
celular, os esquemas
sem notar a beleza de fican- ates.
dizemos, Ali pintava
ninguém ela o clima perfeito Macapá-AP
Gama Paes,
casa.
palmas: dos amantes ou as mentiras dos que para
julgava. encon- trar o crush e para as
160 — C RNos
ÔN IC Adias de Feira do Produtor, iludiam. paqueras. Alguns ma- tavam aula para C RÔN ICA —
ouvia as Agora, o que dizer dos que ficar na companhia dessa agradável 161
seguiam senhora. Que ficassem. C omo já
O SONO ROUBOU O que receberia milhares de curtidas e braços e, como aquelas atrizes
TEMPO visua- lizações. E o fotógrafo, coitado, dramáticas, fingiu um desmaio. O
Júlia Iasmin Vieira dos com a câ- mera em uma das mãos e a prefeito, em tom de discurso político,
Santos outra na ca- beça, sem acreditar no que chamou a polícia para re- solver o caso.
estava vendo. Os três tiveram o mesmo Gritava verbos imperativos para que as
Os pontos turísticos do lugar onde pensamen- autoridades achassem logo o culpado.
vi- vo são como o sol, todos moradores to: sem ponteiro, sem vídeo, sem Batia no peito dizendo que aqui- lo
sa- bem de sua existência, mas não divulga- ção e até sem festival. Que cheirava a coisa da oposição, logo ago-
cuidam e nem valorizam. vergonha para a cidade, um dos seus ra que o festival iria começar.
Às vésperas do maior festival mais belos pontos turísticos, roubado! Depois que todos levantaram hipóte-
multicul- tural da A mérica Latina – o Alguma coisa tinha que ser feita: a ses sobre quem era o possível ladrão,
Festival de In- verno de Garanhuns – in- fluencer pegou seu celular e es- cutou-se a voz de um homem com
que atrai gente do país inteiro, começou a gravar o ocorrido postando cara de noite mal dormida dizendo:
aconteceu um fato inusitado. Uma das em suas redes sociais, a empresária “Com licença, pessoal. O que está
mais famosas digital influencers locais ligou para a impren- sa e acionou a acontecendo? C om li- cença. Muito
foi convidada para fazer a última di- secretária de Turismo. E o fotógrafo, obrigado!”. Era um dos res- ponsáveis
vulgação do evento. O lugar escolhido coitado, parado com a câmera em uma pelo manutenção do Relógio, ele
pa- ra a produção do vídeo não poderia das mãos e a outra agora no bolso. Não carregava os ponteiros pintados em um
ser ou- tro: o Relógio das Flores, cartão- demorou muito e o carro da impren- sa carrinho de mão. Para a alegria de to-
postal da cidade, o único relógio do parou e logo foi saindo o repórter ainda dos, ele tinha terminado os reparos tarde
Norte e Nor- deste, lugar muito visitado sonolento com o microfone na mão. A ci- da madrugada e acabou perdendo a
pelos turistas que fazem questão de dade acordou desesperada com a hora.
parar, apreciar e ti- rar aquela foto. notícia, todos queriam conferir se não
Tudo preparado. A equipe saiu cedi- era fake ne- ws o que a internet dizia.
nho, enquanto os moradores dormiam, Nunca se viu tan- ta gente preocupada
pa- ra que as gravações não fossem com o Relógio e a ci- dade. Ouviu-se até
interrom- pidas. C hegando na Praça gente lamentando, por- que passavam
Tavares C orreia, todos tiveram um por lá todos os dias e nunca tiraram foto
grande susto: o Relógio estava mais com o relógio, nenhuma pos- tagem nas Professor Arnaldo
Gomes da Silva Filho
florido do que nunca, porém, sem os redes sociais! E, agora, o Reló- gio E M Professor Mário Matos,
ponteiros.
sária Foi uma loucura
ficou desesperada porquesó!
era Ao in- estava
da semfaltava
cidade ponteiros.
uma parte, levantou os Garanhuns-PE
fluencer começou a passar mal, sua
vídeo A secretária de Turismo quando viu
empre-
162 — C RÔN ICA que do mais importante ponto C RÔN ICA — 163
turístico
A FESTA DE SÃO
JOÃO

Camila Lopes de
Aguiar
Segunda-feira, noite estrelada, a lua Tudo seguia conforme a tradição, Enfurecendo a bela moça que já — A energia já voltou?
cheia se esconde por entre as montanhas mas no meio da noite, algo inesperado esta- va angustiada. Mas, para não E sai em disparada rumo ao local
de Reduto, cidade do interior de Minas acon- tece: a energia acaba em toda a parecer in- delicado, o senhor retrata- da festa.
Gerais. O sino da M atriz anuncia, através cidade. A única luz que se vê é a da se: Com o seu retorno, os olhos se vol-
das bada- ladas, que a missa está por fogueira. Todos se apavoram, a dúvida é —Estava apenas brincando. Descul- tam para ele. A noiva se alegra, tia Maria
começar. Todos se agitam, é noite do uníssona: pe-me! No entanto, a moça, emburrada, se aquieta, o sanfoneiro o primeiro
padroeiro São João. — Como se dará a o ignora. acorde da sanfona toca e o baile
O céu está colorido por diversos quadrilha? E as opiniões são Tia M aria se movimentava para começa.
fogos de artifício e balões. As ruas estão mútuas: desco- brir o que acontecera ao moço Redutense, cidadão caloroso, com a
cheias, o pátio da igreja decorado com —Tem que haver quadrilha! A festa desapareci- do e, inquieta, incumbe a festa continua. Após a dança, todos
bandeiro- las e organizado para receber não será a mesma sem dança, “uai” – todos: pulam a fogueira em sinal de união e em
os festeiros. O cheiro que vem da dis- se tia M aria, que é tia de todos e —Dividam-se em equipes. Um grupo homena- gem ao padroeiro.
barraca de caldos invade a cidade de uma das organizadoras do evento. vai para a esquerda passando pelo Ao final da festa, todos retornam aos
apenas um bairro. Caldos quentes saem Dona Lena indicando “não” com a “pré- dio redondo” e balaústres até o seus lares fazendo planos para o “São
a todo instante. Após a homi- lia do ca- beça, opina: viaduto. O outro, pela direita passando João” do próximo ano. Tia Maria, como
padre, é para lá que todos se dirigem. — Sem luz, não tem “arraiá”! pela “bí- blia” e Biblioteca Pública até a sempre, é a mais animada.
No palco, sanfoneiros e violeiros em Foram minutos de incerteza e, logo, faculdade. Encontrem-no!
harmonia, com apresentações variadas ao a luz retorna. E com ela, a alegria e o Todos, engajados, saem para
tí- pico som mineiro. À frente do palco, agito da festança. O sanfoneiro ajeitava encontrá-
casais veteranos se posicionam para a sanfo- na para o início da quadrilha, -lo. E procuram por diversas partes da
puxar o forró. quando um novo rebuliço começa. pe- quena cidade, mas sem sucesso.
O amor também está no ar. Na Desta vez, o noivo da festa desaparece. Uma criança que passava pela
barraca de recadinhos do coração, A notícia se espalha e a tensão toma pracinha, perto do ponto de táxi, avista
solteiros român- ticos fazem declarações conta do ambiente: um moço dei- tado no canteiro, chapéu Professora Aline
Cristina Robadel Nobre
às suas amadas. —Sem o noivo, eu não danço! – gri- cobrindo o rosto, tirando um belo de um EE Carlos Nogueira da Gama,
Asa crianças
ra faz alegria danão ficam fora, sempre ta a noiva
muito feia.desesperada. Um senhor muito cochilo.
chapéu eE com
o aborda:
os olhos esbugalhados, Reduto -MG
es- tão tentando acertar a boca do
criançada. sarcástico se aproxima e dispara: —Seu moço, seu moço! A quadrilha
indaga:
palhaço
164 ouICA a pescaria que é a mais
— C RÔN — O noivo desistiu porque a noiva é já vai começar. C R ÔNIC A — 165
procurada – apesar de os peixes serem O noivo levanta-se num susto, ajeita o
de plástico, a brincadei-
HAJA TAMPA DE DEDO!

Adriely Stefany
Ferreira de Lima

Final de tarde e o sol já vai se pondo rulho que até atrapalha os cultos nas sem dinheiro, mas cabe a esse buscar o
atrás do morro, deixando o céu com igre- jas evangélicas. Fim de jogo, briga re- frigerante. Por fim, todos bebem. E
uma cor linda, então o povoado porque a bola passou por cima do tijolo, ficam ali na praça por muito tempo, até
começa a se movimentar. Uns sentam briga por- que um escondeu o chinelo do escure- cer. As mães entram levando as
na calçada, ou- tros trazem cadeiras e outro, briga porque o juiz é primo de um cadeiras e o café, afinal, não podem
uma garrafa de café para deixar a prosa jogador que fez gol. C omo diz o ditado, perder a novela. É aí que mora o
mais confortável. “entre os mor- tos e feridos, todos se perigo. A meninada não é boba! Assim
Tudo em Deuslândia é tranquilo e salvaram”. que as mães entram começam a
paca- to, até o momento em que a Cada um pega sua bicicleta, quem organizar os encontros com aquela
criançada surge com uma bola e uns tem carrega quem não tem, e vão para a paquerinha. Sempre rolam uns bei-
pedaços de tijolos para fazer os gols. pracinha no “centro” do povoado. É jinhos atrás da igreja, na casinha abando-
Tudo fiscalizado pelos olhares atentos das neces- sária uma comemoração! Um dá nada e no “S”. Se você nunca
mães, que conseguem prosear, tomar dez cen- tavos, outro dá um real, tem frequentou esses lugares, não pode ser
café e ainda olhar a molecada. Sur- gem sempre um considerado
meninos de todos os lados e de todas as um deuslandense.
idades, nessa hora ninguém é melhor que Espero criar meus filhos aqui! Quero
ninguém, todos são iguais perante a ser dessas mães que sentam na porta
bola. para tomar café! Quero que meus filhos
Primeiramente, decide-se quem é de percam as “tampas dos dedos” nas ruas
qual time, tira-se par ou ímpar para de Deus- lândia. Quero fingir que não
deci- dir quem fica com a bola. Então, sei dos encon- trinhos amorosos. Que
começa o clássico, os sem camisa meus filhos apro- veitem a simplicidade
jogando contra os de camisa. Um do povoado…
clássico! Professora Cristiane Silva
Todos
da pode descalços,
atrapalhar pisando Éem
o clássico. pedra,
tanto Ferreira
EE Vila Nova, Brazabrantes-
terra, lixo, sem frescura. Um perde a
ba- GO
“tam-
166 pa”ICA
— C RÔN do dedo, o sangue jorra, as C R ÔN IC A —
mães fi- cam aflitas, gritam, mas tudo 167
em vão. N a-
A PORTA Quando chegamos à loja, não conse- era apenas uma travessa calçamentada, de ouvir meu pai anunciando sua chega-
gui esconder a felicidade. Lembro-me de casas simples e baixas, comum nos da. Mas somente ouvi um choro
Francisco Edmar da decoração natalina e da música in- teriores. M a s naquele momento me abafado. Era a minha mãe no interior da
Rocha de Castro ambiente sonorizando o tradicional pa- receu um túnel desesperador. Não casa.
Jingle Bells que me enchia de emoção; havia ninguém ali. Apenas o vento frio Meu coração disparou e um vento
chegara o momen- to! Apreciei os a tocar as copas das árvores, gelado me cortou a espinha, quando
Uma porta não é somente a entrada brinquedos ali; logo, me en- cantei por sussurrando-me pa- lavras de consolo recebi a tris- te notícia: meu pai havia
ou a saída de um local, é um portal uma belezura de pentágonos numa linguagem não compreendida partido para jun- to do Criador.
para a pas- sagem de sentimentos bons vermelhos. Olhei para o meu pai e disse: pelo meu coração de ga- roto solitário. No momento não quis entender,
ou ruins. Sem- pre que passar por uma — É essa! Olhei as pedras do calça- mento, prefe- ria não ter entendido. A partida
porta, pense nas histórias vividas ali. Eu Fomos ao caixa e pagamos. pareciam rostos tristonhos e cala- dos, de futebol estava marcada, meu pai
consegui perceber isto quando a vida Sorriden- te, eu ansiava por jogar, mas sob aquela parda iluminação dos an- nunca descum- prira uma promessa.
decidiu soprar furiosa- mente sobre mim meu pai me dissera que somente tigos postes da cidade. Havia um Permaneci lá. Próxi- mo àquela porta
o seu vendaval da desilu- são. jogaríamos no dia se- guinte. Meu velho silêncio gritante de melancolia, como estava uma criança espe- rançosa e
Aconteceu próximo à porta de entra- da tinha trabalho acumula- do. Quase não se naque- le momento as pedras contrariada. Meus sentimentos de
da minha casa, foi lá que o meu mundo me contive, tamanho o de- sejo de partilhassem a mi- nha solidão. menino foram traídos. Não pelo meu
explodiu em mim. inaugurar a bola. Retornei à minha casa, novamente pai, ele fora sincero ao me prometer vol-
Era um sábado e o Natal se A tarde passou; à noite, meu pai fa- adormeci no mesmo local de espera. tar; mas pela vida, que se interpôs
aproxima- va, isso me despertava lou-me que precisaria ir a outra cidade Acor- dei com um barulho. Levantei-me, entre nós, roubando-me a alegria de
emoção. O dia es- tava ensolarado. O ad- quirir umas peças para o seu ofício. afastei o sono esfregando os olhos e viver a di- versão tão esperada. Não
barulho das dobradiças antigas da porta Deu- me um beijo, como sempre fazia, abri avidamen- te a porta. M eu pai consegui inau- gurar a minha bola com
me acordou. Levantei-me sonolento. e saiu em sua moto. Passei a noite junto voltara, pensei. Pisquei algumas vezes e o meu herói. Não houve a partida de
Levemente, passei os polegares nos à por- ta, esperando o seu retorno. Cada percebi que não era ele. Era um futebol, e sim, a parti- da de meu pai.
olhos e olhei para a porta. Por ela, vi vez que olhava o olho mágico, conhecido da família. O que queria Naquela noite em que tan- to o esperei,
meu pai entrando, cabisbaixo e cansado, imaginava-nos chu- tando, fazendo gols àquela hora? Reparei as suas feições, naquela véspera de N atal, ele não
pois passara a noite trabalhando. Ele me e defesas extraordi- nárias. As partidas havia tristeza no olhar. voltou para casa. Nunca mais voltou.
olhou e a alegria irradiou em mim. de futebol que fanta- siei superavam os O homem perguntou-me por minha
C orren- do, abracei-o. Minha mãe campeonatos de Copa do Mundo. M eu mãe, falei-lhe que ela estava acordada.
acordou logo de- pois, preparou-nos o pai era superior ao Pelé e ao Neymar. Apenas descansava, enquanto o meu Professor Raimundo
Nonato Vieira da Costa
café. Era uma convi- dativa manhã para Ele era o meu herói. M as a noi- te he- rói não chegava. Ele interrompeu E MEF Pedro de Queiroz
o meu
mais sonho meu
especial: se realizar.
pai iria Ganharia o passava e elecasa
da de minha não echegava, cochilei
olhei o final ali
da rua; brusca- menteOlhava
ali, estagnado. nossa conversa
a rua, na e entrou Desembargador, Beberibe-
presente
comigo. de Natal! O dia perfei- to para mesmo na porta. em nosso lar, caminhando até minha
esperança CE
comprar
168 a minha
— C R ÔN ICA primeira bola. E o Acordei minutos depois. Fui à mãe. Eu fiquei C RÔNICA — 169
calça-
À ESPERA DA ÚLTIMA de café cercados por uma tela e um Ah! Como espero por essa última
AULA peque- no galinheiro para observar. au- la… Porém, não posso dizer que não
Aytan Belmiro Confesso que já me diverti algumas quero nem ao menos lembrar-me desta
Melo vezes, quando a pro- fessora fazia uma garagem. Inesquecíveis lições tenho
pergunta e as primeiras a responder aprendido aqui: vendo o esforço de
Enquanto um dos grandes cronistas ração se empolga só de pensar. A última eram as galinhas, cacarejan- do em alto meus professores para compensar o
que li e que me inspirou a escrever, aula na garagem! Você não imagina e bom som. E não são só as ga- linhas: tempo perdido entre as cor- ridas de
ansia- va pelo inusitado ou pitoresco como esperamos por isso. há dias que a trilha sonora que nos uma garagem a outra, com os co- legas
que daria luz a sua “última crônica”, o A escola onde estudava, começou a embala é o animado sertanejo da vizinha, que ignoram o espaço em que esta- mos
inusitado aqui é o maior desejo deste desmoronar. Foi interditada. Os alunos em outros, o que nos abala é a “makita” e se dedicam aos estudos, com aque- les
pequeno aprendiz, a razão e a emoção fo- ram “provisoriamente” (há seis anos) dos pedreiros na construção ao lado, tão que sabem colorir, com alegria e leveza,
de meu texto: que a úl- tima aula co- locados no salão paroquial. Não foi irritan- te que consegue desestabilizar o nosso dia a dia. E, sobretudo, com a
chegue logo. sufi- ciente. Arrumaram-nos umas até mesmo a firme professora de mi- nha comunidade que nos deixa uma
N ão me interprete mal, querido garagens… Isso mesmo: garagens! Geografia. belís- sima lição, mostrando-nos que
leitor. Não sou desses, como alguns Sabemos que de garagens saem boas Mas, finalmente e felizmente, essa diante das adversidades, não precisamos
dos meus mais divertidos colegas, que bandas, tem lojinhas que funcionam em construção, assim como a da nossa esco- fazer as ma- las e mudar de cidade ou
chegam à pri- meira aula esperando garagens, costureiras e doceiras usam la, está na reta final. Nunca estivemos de escola, mas sim, lutar para
ansiosamente pela última. Muito pelo muito bem suas garagens. Mas, sala de tão perto da última aula na garagem. transformar a realidade. Li- ções tão
contrário, quando eles resolvem aula, para uma turma intei- ra?! É C onfesso que uma emoção diferente me importantes que ultrapassam as linhas
prolongar um feriado, aqui estou eu, terrível… invade ao pensar numa escola com de minha crônica, as paredes des- ta
sentadinho em minha cadeira. Sinto- E apesar de terrível, aqui estou escre- quadra, refeitó- rio, sala de informática, garagem e os limites de nossa cidade.
-me bem na escola. Todas as vendo minha crônica numa delas. biblioteca… Meu Deus! Eu vou estudar
manhãs, quando a mão quentinha de Arrepian- do-me com o frio que nos numa escola de ver- dade! Uma escola
minha mãe me avisa que já são seis abraça nas ma- nhãs de inverno, que não começou de graça, sem grito,
horas e tenho que me arrumar, não observando as colegas que se distraem nem choro. Foi na briga mesmo.
lamento. Sei da importân- cia dos com os gatinhos e os cães da rua que Naquele dia em que o povo da- qui
estudos para o meu futuro. Talvez por vira e mexe nos visitam e ouvindo o entrou na onda de “acordar o gigante”.
isso, anseio tanto por essa última aula. gargarejo das galinhas – nossas vizinhas Pais, alunos e professores, vestiram uma
Acredito que essa última aula seja do fundo. Afinal, nossa “garagem de aula” camisa de luto, tomaram a BR 116 que Professora Silvania
Paulina Gomes Teixeira
aguardada por todos na cidade. Pois, fica na última casa de uma rua estreita e cor- ta a cidade e gritaram: EE Monsenhor Rocha, Santa
se apesar da demora, ela está tão sem saída. Quando os colegas querem — Garagem não é sala, igreja Bárbara
próxima, devemos isso aos valentes tirar os olhos do quadro e viajar pela também não! Senhor Governador, olha a do Leste-MG

170santa-barbaren-
— ses… Quando esse dia paisagem atrás de nós, têm apenas situação… E só então, com as fotos e C RÔN ICA —
chegar
C R ÔN IC A haverá fes- ta, haverá choro, alguns pezinhos vídeos nos 171
haverá foguete! Meu co- jornais, começamos a ser
O GUARDIÃO DO C ONHECIMENTO

Júlia Luana Schmitt

Sou velho, muito velho, mas ao con- descobri. Peças antigas começaram a
trário do que muitos pensam, minha che- gar e prateleiras com livros foram
velhi- ce tem me deixado mais ocupan- do os meus espaços. Aos
conhecido. Todos vêm até a mim para poucos, as histó- rias, tanto antigas
adquirir o conhecimen- to, tanto do como novas, foram po- voando o meu
passado quanto do presente ou do interior. Então recebi o no- me de
futuro. Às vezes, só de me observa- rem, Biblioteca Municipal de Horizontina.
as pessoas já sentem certo “orgulho”, Agora, as pessoas entram e saem to-
aquele sentimento de que podem contar dos os dias. Escolas vêm visitar minhas
comigo. Mas ao contrário do que você exposições e o meu museu, que
po- de estar pensando, neste exato guardam as memórias deste povo
momento, não sou uma pessoa. Sou hospitaleiro, que acolheu o imigrante
apenas um antigo prédio, majestoso, que aqui chegou e fez
cercado pelo movimen- to da cidade que essas terras produzirem.
cresce a cada dia. Sempre tenho visitas, recebo a todos
A ntigamente, eu tinha uma com carinho, os rangidos das portas e
importan- te função. Sem a minha das escadas de metal fazem parte do
presença as pes- soas não tinham o que um dia eu fui. Guardo em meu
sustento matinal. Eu era um moinho. As interior mui- to conhecimento. Se
pessoas vinham até a mim somente outrora eu alimentei esta cidade, com o
para ter o essencial para garan- tir o pão material, hoje, ali- mento este povo
alimento, ou seja, o pão de cada dia, com o pão intelectual. Por isso, eu sou o
fruto do trabalho dos pioneiros desta guardião do conhecimento!
terra tão fértil. Fortalecendo o povo
desta cida- de para, assim, construir a Professora Luciane Bolzan
nossa história. A modernidade, porém, Cantarelli
começou a chegar e eu comecei a não E ME F Espírito Santo, Horizontina-RS
172 — ser tão neces- sário no dia a dia das C RÔN ICA —
pessoas. “O que eu faria agora?” –
C RÔN ICA 173
pensei. Pouco tempo depois
LÁ NA MINHA TERRA

Açucena Martilho
Diniz

Dizem que o bom filho a casa — É para marcar!


torna… E eu, depois de estudar e viver — Marcar para quem?
alguns anos longe, também voltei para a — Marcar para a Maria!
minha terra natal. E foi a partir dessa — Qual M aria?
minha volta que me dei conta de uma — É a Maria do João Riso.
particularidade des- sa cidadezinha: que Agora estava explicado para quem
ninguém é livre, todo mundo é de era a pendura.
alguém. Pode parecer estra- nho, eu sei, Na volta para casa, passo pela Praça
mas vou explicar. São Pedro que, como de costume,
Aconteceu que, nos primeiros instan- reúne muitos senhores a distraírem-se
tes de minha volta, ao desembarcar na com jogos de baralho. Não se No cair da tarde, o sino da Igreja cial é que nesse lugar ninguém está sozi-
rodoviária da cidade, olhos curiosos preocupam com o tem- po e nem com a Ma- triz toca, é para anunciar o nho, todo mundo é de alguém. Se quer
me acompanhavam. Eu, com duas prosa entre eles, que é pa- ra quem falecimento de um ente querido que ali ser conhecido por aqui tenha sempre
malas e al- guns anos adquiridos fora quiser ouvir: morava. Todos saem para fora de suas alguém a quem pertencer, conselho de
dali, despertei o interesse de quem por —Ficou sabendo do que aconteceu casas para ouvir direito de quem se amigo, fica mais fácil. M as e eu? A
ali passava. com o Neco do João leiteiro? trata, e a notícia vem: quem eu pertenço? Quem pertence a
—Quem será este que está chegan- — Não, o que foi? —Faleceu hoje José Nascimento mim? Ahhh, eu sou filho de Riversul, e
do? – perguntavam as comadres. —Deu praga na roça dele, perdeu dos Santos. vou logo tratar de arranjar alguém pra
— Parece com o Marquinho. tu- do o que tinha plantado. Quem é? Ninguém sabe! E é por isso chamar de meu.
— Marquinho? —Coitado! Será que deu também na que o comunicado vem completo:
— É, aquele, do João do bar. plantação do Tonho, do Dito Saracura? —Faleceu hoje José N ascimento dos
—Nada, tá mais para o Pedrinho, do É vizinho dele lá no sítio. S antos, o “Zé da Lurde”. A gora sim,
Zé do posto. — Ah, esse eu não sei… todos sabem de quem foi o infeliz dia.
E assim as tentativas de E eu vou passando e, além de saber E assim chego a uma conclusão
Professora Fernanda
adivinhações prosseguiram, e eu segui das novidades, percebo mais uma vez sobre essa cidadezinha: ela tem um Aparecida Mendes de Freitas
adiante.
diante do caixa, uma criança que por
dizer aquié, não
de quem adianta
senão falar
ninguém vai só o povo lindas
boa, muitopaisagens
bom everdes…
hospitaleiro,
E o uma EE Lázaro Soares Professor, Riversul-SP
Mais tarde, precisando comprar al-
dizia: nome, tem que
saber. terra vermelha da
diferen-
gumas
174 — coisas, fui a venda do Português CR ÔN IC A —
e,RÔN ICA
C 175
A PEQUENA GRANDE GUERREIRA

Francisco Felipe da Silva Izidro

Já estava amanhecendo o dia, e Quando ele finalmente consegue le- tes no chão. Tento ajudá-los. Que má
como é rotina aqui no meu lugar, ele vantar o galho e voar, decido segui-lo ideia, essa! A mãe fica enfurecida com a
amanhe- ce lindo, o sol aparece para ver até onde ele consegue sustentar minha presença, não aceita ajuda.
brilhante no pé da serra, feito segundo aquela bagagem. Muito comovido com a Entendo tudo, sou desconhecido para
despertador de serta- nejo, já que o cena, en- tro em uma mata fechada e ela, provável amea- ça, mãe é assim
primeiro é o cantar do galo, muitas nem percebo. mesmo. Só ela sabe cuidar. Logo me
vezes já acompanhado pelo coral dos Vendo o animal pequeno no afasto, e reflito sobre a ne- cessidade
pássaros que me convida a ser feliz. tamanho e gigante na coragem do respeito aos animais. Vol- to para a
Da janela do meu quarto, contemplo carregando aquele galho, cambaleando cisterna, pego a água e sigo pa- ra
toda esta beleza. Aquele mar de no ar, penso comigo mesmo: estaria ele minha casa, mamãe me espera. Antes
plantas diversas que embelezam o meu construindo seu ninho? E mesmo com de entrar, da porta aberta já observo mi-
sítio Jan- gada, e abrigam tantos essa interrogação na minha cabeça, nha mãe naquela cadeira de madeira,
pássaros que co- migo dividem esse continuo seguindo o pássaro, que com com olhar aflito, preocupada com a
pedacinho de Jucuru- tu, no Rio Grande certeza, nem percebe, pois está muito minha de- mora, com certeza. Você
do Norte. concentrado na tarefa que realiza. sabe como é, mãe protege os filhos. E
Como todo menino de sítio, o ama- Depois de muito segui-lo, o pássaro assim, penso ain- da mais na mãe dos
nhecer é hora de trabalhar, de ajudar aos pa- ra em uma árvore, e de longe passarinhos. Amor pu-
pais, e assim, logo coloco o boné na observo que ele constrói seu ninho, ro e verdadeiro.
cabe- ça, e como todos os dias, vou até arruma o galho direi- tinho, acho que Minha mãe e a mãe dos passarinhos,
a minha cisterna pegar a água do está na fase de acabamen- to, os tão parecidas no amor, no cuidado, na
consumo diário. Quando ali, na portinha retoques finais, pois ali já havia mora- luta diária neste lugar de sol quente e de
estreita do reser- vatório, avisto um dores; um barulhinho suave e insistente, paisa- gem que encanta. Mãe é tudo
passarinho com cores chamativas e um cantar baixinho denunciava isso. É o igual.
ofuscantes, que mesmo pe- quenino chiado dos filhotes! Isso mesmo, toda
Professora Isabel Francisca de
tentava carregar em seu bico um galho aquela força era de uma mãe dedicada,
Souza
de mato bem
despertada por maior
tudo, edotambém
que ele,
souacho pequena
gido; e meguer- reira, zelando
aproximando, vejo osos filhos.
dois Jucurutu-RN
EE Professora Maria das Graças Silva
que era o dobro do seu tamanho. Fico
assim. M e emociono com tanta sabedoria que
filho- Germano,
ad- — mirado. S abe como é menino,
176 vinha daquele amor ma- terno. Um ninho CRÔNIC A —
curiosidade
C R ÔN IC A pequeno, parecia desprote- 177
HISTÓRIA DE proporcionava, trazia alegria em seu pei- tes relatos do povo ribeirinho. Um rio an-
PESCADOR to, um sentimento percebido por tes cheio de cardumes, de mistérios, de
Isabelle de aqueles que amam a profissão que maravilhas da natureza, hoje leva
Araujo exercem: o or- gulho de ser pescador. A consigo só as lembranças de bons
lama barrenta tin- giu de tristeza a vida momentos. É co- mo se tivessem
Enquanto atravessava a ponte em tristeza. Um verdadeiro pesar. Ao in- do simples e, ao mes- mo tempo, nobre lançado, sem filtro, o vene- no do poder
sobre o rio Doce, que corta a minha vés da corriqueira festa com a profissional, que fazia do rio seu palco e da ganância que brota de al- guma
cidade em duas metades – o lado de cá chegada das águas, um velório coletivo. de conquistas. parte, localizada no interior dos ho-
e o de lá, de- parei-me com uma cena Os volumo- sos remansos e as típicas Restam poucas esperanças. Todos, mens que se dizem autoridades. Ele está
intrigante. Olhan- do para baixo da correntezas do grande rio, inspiradores po- rém, torcem para que o rio volte a lá, contudo, vai morrendo lentamente,
construção e mirando as poucas águas de credibilidade e abundância no respirar. O que antes era um sonho de dá pior forma possível: agonizando.
que ainda restam do enor- me rio, que passado, cederam lugar às águas vida, atualmen- te se configura como Há, mesmo assim, pescadores
já chegou a ser navegável, ob- servei barrentas e, também, contami- nadas pesadelo. A tormenta tornou-se invencí- veis. Reproduzem os heróis,
um pequeno barco que parecia mais pelos rejeitos de minério. Q uem po- responsável por despertar o pes- cador buscando lu- tar até o fim. Aquele que
estar encalhado do que flutuando. Imagi- deria imaginar? Quem poderá calcular os no meio da noite, imaginando o que será visualizei perto do banco de areia,
nei a dificuldade de fisgar algo danos surgidos após o desastre dele e de sua família, antes totalmente enquanto passava pela ponte, propôs-
comestí- vel e, consequentemente, a ambiental conhecido como “o desastre dependentes do “Doce”. O rio, hoje, me uma reflexão. Se hou- ve ou não
frustração da missão atrapalhada pelos de M ariana”? Talvez o pescador. Foi ele chora. O pescador chora. Ouve-se, na peixe, naquele dia, não impor- ta.
bancos de areia. A cena, o profissio- verdade, um choro coletivo. Saudades? Dedico a ele minha crônica que, como
definitivamente, inspirou-me. Es- ta nal que acompanhou mais de perto a Sim. M uitas lem- branças sobre o que uma fotografia, deixa registrada a
crônica tem origem naquele momento, feri- da formar-se. Os rejeitos esse gigante represen- tou no passado, imagem de sua persistência. Uma
naquele olhar. Antes de pensar na agonia anunciavam, com a chegada lenta, mas dos momentos em que as redes eram verdadeira e tris- te história de
do rio morrendo a olhos vistos, na densa e constante, a quase despedida lançadas logo de manhãzinha, enquanto pescador.
escas- sez de seres vivos nas águas do da maioria das espé- cies. As vidas a cidade ainda dormia, voltando
“Doce”, foi a imagem do pescador que presentes no rio nunca mais seriam as preenchidas. O rio foi, por muito tempo,
me sensibili- zou. Já ouvi dizer sobre a mesmas. A rotina que delineou por o sinônimo perfeito para o progresso da
responsabilidade do rio, cujo histórico tanto tempo o dia do profissional das “Prin- cesa do Norte”. Era o seu amuleto
revela os valores do povo presente em águas precisou, compulsoriamente, da sorte.
suas margens. Quanto mais bem sofrer alterações. Enquanto o peixe não Também não há como se esquecer
cuidado, maior a educação dos vinha à linha, era com o manancial que do “bê-a-bá” sobre a arte da pescaria que Professora Cinthia Mara Cecato da
moradores da cidade
da pelas correntes fluviaisque desfrutam
transformou- conversa- va Além
cesso de seu dia. sobre doseus planos
sustento que e atra- vessouamargo,
documento gerações, ensinadade
preenchido detris-
pai Silva
E ME F Maria da Luz Gotti, Colatina-
dele.
se Houve, porém, uma tragédia que sonhos.
lhe O rio era o seu ombro-amigo, para fi- lhos, de avô para netos e para ES
mudou
178 o seu
— CRÔNIC A destino. Nela, a alegria seu diário de anotações. As fisgadas, o bisnetos. O testamento que descreve a C RÔNI CA —
constante trazi- troféu que celebrava o su- herança dei- xada pelos entes queridos 179
tornou-se um
LÁGRIMAS DE ESPERANÇA nós tem o poder de construir uma escola
melhor, uma rua melhor, uma praça, uma
Kesia Cardoso Gonçalves dos ci- dade, um mundo melhor. Aquela
Santos aula, nessa praça, me mostrou isso.
Eu sou uma dessas pessoas que
Estou em frente ao futuro, em frente gem novamente: é meu último ano na es- lutam e hoje sei que não luto sozinha.
à esperança, em frente à escola. Daqui cola do meu bairro; ano que vem, Estou ar- mada com meus livros, minha
de fora, sua estrutura é como a de uma frequen- tarei outros bairros de munição é o meu conhecimento. Este
pri- são, mas nela está todo o Cariacica ou até de outro município da lugar, no alto do morro, me dá uma
conhecimento, a dedicação e a cultura Grande Vitória. E o que levarei daqui? visão estratégica. Vejo onde estou, aqui
de que preciso pa- ra ser livre. Escolho levar a doçura das lembranças, é a favela, aqui é permiti- do ter casa
É meu último ano nessa escola, estou das brincadeiras e andan- ças. Levarei sem acabamento, lixo nas ruas, banco
observando cada detalhe, detalhes que a menina que corria por es- tas ruas, de praça quebrado, mato no lugar de
deixei passar por anos. O portão sem medo. Levarei todo o apren- dizado jardins, traficantes em vez de universi-
rabiscado, a mercearia aberta do outro construído dentro e fora da escola. Um tários, boca de fumo no lugar de
lado da rua, o ponto de ônibus e a dia, aqui nessa praça, uma amiga – parques. Daqui, posso ver também onde
esquina onde ficamos conversando após muito mais que uma professora – fez com quero che- gar. Minhas lágrimas são de
as aulas. Do portão pa- ra dentro, o sinal que eu enxergasse a beleza, onde antes esperança e elas encherão um rio que
grita nos chamando pa- ra estudar, falta eu só via a degradação. Suas palavras de nos conduzirá a um país em que estar
uma quadra para as aulas de educação poeti- sa penetraram em mim como nesse morro não se- ja sinônimo de
física, há a correria dos que chegam sementes pe- netram na terra e fizeram insegurança, de medo, de dor, mas, sim,
apressados e enchem de vida es- te brotar um novo olhar, mais esperançoso sinônimo de alegria, por es- tar mais
lugar. Vidas que aqui se juntam no único e confiante. Se an- tes eu só enxergava o perto do céu e suas estrelas.
propósito de aprender. Sim, alunos, vazio, os problemas e o descaso, naquele M eus ídolos estão aí para me
profes- sores, funcionários, todos são momento eu apren- di que só há mostrar que minha esperança é válida:
aprendizes. abandono quando eu também resolvo sou Nel- son Mandela, lutando com
Saindo da escola, caminho em abandonar, que a violência e a dor minhas pala- vras; sou Conceição
direção à praça abandonada que perdeu ocupam o lugar que o medo deixa vazio. Evaristo, crescendo na favela,
seu en- canto, sinto o assombro da falta Eu passei a ver que as riquezas estão estudando para ter um futuro melhor,
de segu- rança em todo canto, vejo a justa- mente nas pessoas, nas suas cruzando abismos para ter uma vi- da Professora Ana Claudia Araújo de
falta de cui- dado e de atenção para histórias e lu- tas diárias, para não se mais digna e inspirar outros como eu, Lima
aquilo que é de todos e inevitavelmente entregarem e ven- cerem as dificuldades. como nós. É meu último ano na escola EEEFM Mariano Firme de Souza, Cariacica-ES
me —entristeço.
180 C R ÔN ICA A nostalgia e a saudade Quando entendemos isso, entendemos do meu bairro, mas minha luta por esse C RÔNI CA — 181
antecipadas me sur- também que cada um de lugar só está começando.
TRADIÇÃO DE cabeça persistente. Ao meu lado, uma Há um tempo notei essas feridas no usual. Ma s o médico fica ainda mais sur-
CARIDADE mãe com um bebê espera benzê-lo de braço, que pioraram cada vez mais. O preso quando vê que meu braço está
Emilie Caroline Stallbaum de quebran- te. Há um adolescente vidrado mé- dico falou que não havia cura, a lim- po. Limpo? Com casquinhas e
Rossi no celular. Ele diz ter amarelão. carne apo- dreceu e o braço seria cicatrizes, mas… Limpo! M as como?
Algumas pessoas saem parecendo amputado. Minha avó, muito religiosa, Maria Pingue- la, a benzedeira! Ela, com
“O que eu benzo? É carne rasgada, bem satisfeitas. Mesmo não estando sabendo sobre mi- nha situação, disse: sua humildade, sua fé enorme e seu
os- so quebrado e nervo tendido!” Assim nem um pouco a fim, penso que mal não “Puro cobreiro! Vai na Pinguela”. Nunca coração puro teve o dom de me curar.
fala Maria Pinguela, que cura tudo: vai me fazer e entro. A situação é fui muito chegada nisso, mas esse é Agora penso em como o benzimento é
quebrante, sapinho, amarelão… Não há precária. A gela- deira aberta mostra meu último recurso. uma crença bonita. Uma cultura de
o que a ben- zedeira não cure com a uma fartura de nadas. Então, uma A benzedeira começa uma oração e muito tempo, que já foi chama- da de
sabedoria antiga. Pelo menos, foi o que mulher alta, morena, gorda e sorridente todos rezam junto. Depois, me senta feitiçaria, substituiu médicos, curou
ouvi dizer. aparece e começa a benzedu- ra pelo em uma cadeira e passa arruda no meu casos que ninguém diria que seriam
Para chegar até sua casa, o caminho adolescente do amarelão. Ela faz o sinal bra- ço. “O que eu corto?”, grita. Eles sara- dos e resistiu ao tempo e à
é longo e sinuoso, fica perto do Rio da cruz e reza: “A marelão, te corto!”. respon- dem: “C obreiro brabo!” – modernidade com muita fé. A natureza
Uru- guai. Vejo laranjeiras carregadas de Eu arregalo os olhos. A benzedeira repetem isso inú- meras vezes, entre é realmente mui- to sábia ao nos
frutas gordas e salientes. O mundo conclui e chama a senhora e o neto. Há Pai-Nossos e Ave-Ma- rias. Eu proporcionar acesso às er- vas
silencia pa- ra a natureza cantar. Tico- rosários e estatuetas de Nossa Senhora, permaneço quieta, meio arrepen- dida medicinais. Mesmo assim, muitos jo-
ticos e Joões-de- além de an- jos e santos nas paredes e de ter ido. Ela passa mais ramos nas vens se recusam a aprender esta arte.
-barro cantam e as árvores dançam. no altar. Com uma vela, ela descobre feridas e elas doem. Ela ri e me dá um Sou abençoada por ter tido a graça de
Que bela paisagem. que o menino se assustou com um galo. chá de cor verde-gosma. Devo tomá-lo melho- rar através do benzimento. N ão
Chegando mais perto, ouço vozes e Pinguela chama o agricultor italiano. Ela três ve- zes ao dia. sei quanto aos outros, mas meu braço
vejo algumas pessoas. A cuia de começa a orar com um copo de água e, —E reze Salve Rainha toda vez que foi curado por Maria Pinguela e por essa
chimar- rão passa na roda. Respiro de repente, a água co- meça a soltar to- mar – fala, dando-me um tapa nas tradição de ca- ridade que permeia
fundo. Sento e começo a analisar a casa. muitas bolinhas, como água com gás. costas. minha região.
Simples, de ma- deira, pequena, a tinta Estranho. Ela dá a ele um chá de ervas —Nem duas semanas teu braço tá
verde descascando, grandes janelas e aponta para mim: bom! Vai, retchuda! Pode vim o nenê!
antigas, telhas cobertas de musgo e a — Tu não tem fé! Todos têm de re- Ao tomar o chá, descubro que, na
fumaça do fogão a lenha saindo pela zá junto, sem fé não dá certo, ainda verdade, ele é bem gostoso. O vidro não
chaminé. As pessoas são bem distin- tas mais nessa altura do campeonato. durou nem cinco dias, exagerei um
umas das outras. Uma senhora grisalha C rendeuspai, como tu deixou o braço pou- co nas doses. A dor no meu braço Professora Helena Boff
quer benzer seu neto de “susto”. Ele assim, guria? Só por Dio! acal- ma, mas ainda persiste. Afinal, ele Zorzetto
brinca com um gato de pelo ralo, muito Fico espantada. C omo ela sabe da está se decompondo. É normal doer. E ME B Imigrantes, Concórdia-SC
misterio-
182 — C RÔNso.
ICA Um agricultor alto, sotaque mi- nha dor? Vou para úl- tima consulta antes de C RÔN ICA — 183
italiano e mãos encardidas quer benzer amputar. Quando desenfaixo, estranho
uma dor de não sentir o cheiro
EU VIM DE O ápice do ano, na Baixa da Carnaú- Fiquei ainda mais surpreso com a
LÁ ba, é o festejo de Nossa Senhora da rea- ção do padre ao falar
Chrystian da Costa Con- ceição, que ocorre em dezembro, pacientemente em sotaque alemão
Rodrigues o qual é tão aguardado pelos moradores tentando acalmar o povo:
quanto ao de São Francisco, no — C alma! É só um “ladron”!
M eu lugar… C omo posso descrevê- C anindé. Uma atmos- fera diferente Sei que a intenção foi boa, porém
lo? N ão há lojas, grandes comércios ou parece envolver toda comu- nidade suas palavras surtiram um efeito bem
bares. Um lugar calmo até demais. Há durante esse período. contrário ao que desejava. O povo se
somente pessoas pacatas que Uma estranha tensão toma conta de desesperou e era gente para tudo
compartilham entre si das dores e seus habitantes que se preocupam em quanto era lado. Ima- gine, caro leitor, o
alegrias de pertencerem a ele. O lado fa- zer um festejo “mais bonito” que o tamanho da confusão que se deu em
bom é que ainda se pode sen- tar nas do ano anterior. Para mim esse já é o um lugar tão pequeno! Foi tudo muito
portas para uma conversa nos fins de primeiro mi- lagre: a cotidiana rápido: gritos histéricos, corre- ria,
tarde. Não é uma cidade, está mais para monotonia das noites dá lugar a desespero, um caos!
povoado. A lguns chamam de interior, inúmeras histórias de fé, de- voção e Lamentei profundamente que uma
mas não acho que seja merecedor desse até situações engraçadas! Ja- mais festa tão bonita fosse interrompida
título. Na verdade, pertence à zona rural esquecerei o dia quando num final de daque- la forma, porém, confesso que
de Par- naíba, localidade Baixa da festejo, todo povo reunido já se pre- algo dentro de mim divertiu-me, como
Carnaúba. parava para sair em procissão da igreja; se houvesse sa- ciado minha sede de
Dizem que carnaúba significa “árvore velas acesas nas mãos, o som dos emoções.
da vida” pelas suas inúmeras utilidades sinos e suaves cantos tocando os E assim, em meio a essa e tantas ou-
e, principalmente, por sua resistência e corações dos fiéis, flores, tras histórias curiosas, engraçadas e até
ca- pacidade de adaptação a climas bandeirinhas… A coisa mais linda que um pouco vergonhosas, que eu cresci.
adversos. Penso que este se encaixa se pode ver em um “interior”. Quase Apesar da Baixa da Carnaúba ser para
perfeitamente ao lugar e às pessoas ninguém além de mim reparou em um muitos um lugar quase desconhecido,
que ali vivem, por que morar na Baixa menino que passou correndo com um também possui um povo trabalhador que
Carnaúba é resistir às dificuldades de balão em suas mãos e, por descuido, en- nunca perde a fé, o bom humor e a
pertencer a uma realida- de rural e, ao costou em uma das velas carregada esperança em dias melhores.
mesmo tempo, não resistir à imensa pie- dosamente por um fiel também Professora Michele
Alecsandra
beleza das manhãs que invadem nossas distraído. O balão, claro, estourou. Para
Nascimento UE Edson da
janelas
não, quase interioranas. E se al- guém
sabe? minha sur-
ginando presa,um
que fosse uma
tiro.confusão geral Parnaíba-PI
Paz Cunha,
por acaso me perguntar se gosto de quebra subita- mente a sacralidade do
morar
184 — Clá,
RÔNInão
CA diria nem que sim e nem momento. Todo povo correu em C RÔN ICA — 185
que diferentes direções ima-
AH, MALDITOS CINCO MINUTOS! A lembrança do poema ainda me O homem, de repente, ergueu a nhas correram até a carroça. — Olha,
azu- crinava, quando observei, do outro cabeça e, num movimento brusco, pai, olha pai!
Ana Maria Pereira da lado da rua, uma carroça daquelas feitas levantou-se. Nas suas mãos, pousavam — Pronto, agora vai ficar embroman-
Silva de fundo de geladeira. Estava quase três caixas de leite pas- teurizado Lebom. do com essa porqueira ao invés de
lotada de pa- pelão velho. De uma das embalagens, jorravam alguns trabaiar. Vumbora!
Foi numa segunda-feira pela manhã, Nossa, que alívio! Não buscavam co- pingos de leite, que desciam retos pela Ainda fiquei alguns segundos ali,
era o dia do carro de lixo passar na mida. Catavam materiais recicláveis. calça jeans que o vestia. Se sentia o para- da, acompanhando a caminhada
nossa rua. Ele sempre passa nos dias Faz diferença? Minha natureza me diz líquido escorrer pelas vestes, não dava dos dois, subindo a rua enladeirada. O
pares. Só uma vez passou num dia que sim. C atar recicláveis é, na minha sinais. pai, resmun- gão, empurrando a
ímpar. Eu estava indo para o colégio. visão adoles- cente, algo digno. Buscar Nesse instante, seus olhos miraram carroça, e o menino atrás, com seu
Sempre saía atrasada ou em cima da comida no lixo despe o homem de sua os meus. Ele não se mostrou brinquedo recém-encontra- do. Não dava
hora, mas naquele dia, por milagre, dignidade. M a s voltemos à cena. constrangido como achei que ficaria. para ver, mas, certamente, de- veria
tinha uns minutinhos de sobra. Os dois, homem e criança, compene- Muito educado e com um leve e tímido estar com um belo sorriso estampado no
Levava uns dez minutos para chegar trados na busca por algo que lhes sorriso, me desejou bom dia, ao que eu, rosto. Nem aí para os resmungos do pai.
à escola, estavam me sobrando cinco, rendesse uns míseros trocados, caras pronta e calorosamen- te, respondi, Enquanto aquele pequeno seguia na lida
naque- la segunda. Talvez, por isso, tenha quase enfiadas dentro dos sacos de lixo, embora bastante embaraça- da, claro! com o pai, feliz com o seu boneco do
consegui- do pousar meus olhos atentos ignoravam a mi- nha presença ali. E eu, Em seguida, ele atravessou a rua, até a Super-
na cena que se passava na calçada da não querendo atra- palhar os dois, carroça, onde depositou o seu acha- do. -Homem, eu rumei para a escola, um
casa ao lado da minha. Um homem, mentalmente, implorava aos céus que O menino continuava a tarefa. Parte do rede- moinho de sentimentos a atazanar-
acompanhado de seu filho, eles não me percebessem ali. Não sei rosto quase enfiada no saco. me a ca- beça! Tudo culpa daquele
um garotinho de uns 6 anos, quem sentiria mais constrangimento, se —Simbora, Dorival! – gritou o sádico poema de sétimo ano e, também,
acocorados, vasculhavam o lixo da minha presença fosse notada: eles ou eu. genitor para o menino, que ainda daqueles cinco mi- nutos de sobra. Ah,
vizinha. “Meu Deus, será que procuram M as uma coisa era certa, precisava cutucava o mes- mo saco de lixo. malditos cinco minutos!
comida?” – pensei. che- gar à escola, não poderia —Espera, pai! Deixa ver se eu acho
Lembrei, imediatamente, do permanecer ali, plantada feito estátua. a perna – gritou, ansiosa, a criaturinha.
poema “O bicho” de Manuel Bandeira, Sim! Era assim que me sentia: como uma Foi aí que vi em uma de suas mãos, a
que tan- to me encantou e emocionou, verdadeira estátua. Aliás, estátua perdia mesma que segurava o saco, enquanto a
na voz da minha professora de Língua para a minha petrificação na- quele lugar, ou- tra rebuscava os restos, um boneco
Portuguesa, quando eu fazia o sétimo diante da cena que vislumbrava. Até a do Su- per Homem, faltando uma das
Professora Edvana dos Santos
ano. Até hoje, culpo aquele malvado respiração era cuidadosa para não fazer o pernas.
Vieira
poema por despir-
tem dessas mínimo
ra eu erabarulho
pedra, que
por atrapalhasse
dentro, um o traba- —Deixa
fantil, cheia dede contentamento.
ser abestado, táAsno lixo
perni- C ampina
EEEF Grande-PB
M aria Emilia O . de Almeida,
-me, um pouco, da inocência em
maldades! lhador homem e o trabalhador mirim. Por
redemoinho. porque tá sem perna. Simbora, avia! –
enxergar
186 misérias
— C R ÔNIC A ao meu derredor. É, a fo- re- clamou o homem. C R ÔNIC A — 187
literatura — Achei, pai! Achei! – gritou a voz
in-
OPERAÇÃO CINDERELA todos engomadinhos, suando igual nou se o sapato servisse! Eu fui uma
cus- cuz em panela tampada), diversos delas, quieta estava e quieta
Allanis Stephani alunos passeavam pelas barracas no permaneci…
Carvalho retorno para suas casas, quando uma As especulações foram muitas e
aluna decidiu dar uma paradinha em pare- cia que todo mundo ficava
Todo setembro, Arraias parece um uma barraca de sapa- tos. Até aí tudo olhando para os nossos pés para tentar
formigueiro pegando fogo. Embaixo de normal, pois como já falei, é tanta identificar o obje- to roubado… Acho
um sol escaldante, em meio a tantas bar- oferta para pouco dinheiro e todo que quem tinha sapato novo nem quis
racas, é gente subindo e descendo mundo fica animado para renovar o usar mais na escola e até a brincadeira
ladei- ra, crianças dando birra por guar- da-roupa e “curiar” as novidades “que sapato bonito, é novo?!” já
brinquedos, cachorros latindo, no sho- pping. A garota pediu para provocava olhares curiosos e acusado-
ambulantes tentando convencer as experimentar um par e, assim que o res. A resposta era imediata: “minha mãe
pessoas a comprarem seus produtos… É barraqueiro se vi- rou, a aluna deu no comprou em Campos Belos!”
um shopping center popular nas ruas pé… Levando os novos e deixando para Só sei que muito se perguntou, se es-
apertadas da minha pacata cida- de trás os que estava usando, pois os peculou… M as até hoje, ninguém tem
que, nesses dias, mais parece capital. O mesmos já estavam um pouco des- cer- teza do nome da Cinderela às
evento é esperado por muitos e odiado gastados de tanto subir e descer ladeira. avessas… E eu fico aqui pensando o que
por outros, principalmente por aqueles No outro dia, houve uma reclamação levou uma me- nina a se arriscar tanto:
que fi- cam impedidos de sair, e nem para o diretor da escola (não é que a foi necessidade ou malandragem
conseguem guardar um carro devido à ben- dita usava o uniforme da escola e mesmo? Também sei que, depois desse
porta de casa ficar bloqueada pelos conse- guiram identificar onde episódio, em barraca de cal- çados só
mascates. estudava?). O bar- raqueiro procurou a entro acompanhada de meus pais.
Esses gostos e desgostos já são direção da escola e in- formou que uma
anti- gos e não mais é possível imaginar de suas alunas havia fur- tado um par
A rraias sem desfile de 7 de setembro, de sapatos dele.
sem a mis- sa da Padroeira Nossa A operação para encontrar a dona
Senhora dos Remé- dios no dia 08 ou as do furto foi chamada de “Operação
famosas barraquinhas, que aguçam Cindere- la”, pois a garota havia
nossas vontades e levam nos- sos deixado para trás os sapatos que estava
Professora Alessandra
trocados. usando. A diferen- ça é que, além de Barbosa Silva Resende
Porém,
go após em meio
o desfile a essa
(aquele diversidade
em que nãoigual
to, ser de
na cristal
história(pelo contrário,Já
da Cinderela. estava EE Jacy Alves de Barros, Arraias-
de acontecimentos, algo inusitado me
ficamos bem “acabadinho”), nessa
imagi- operação TO
cha-— Cmou
188 a atenção e me intriga até
R ÔN IC A nenhuma das “princesas” da es- cola se C RÔN ICA — 189
hoje. Lo- ofereceu para experimentar o sapa-
SENTIMENTOS AMARELOS tação arbustiva já não escondia mais motorista, os mesmos colegas, a mesma A minha história não terminou. Só o
seus galhos secos e retorcidos. As sala, tudo igual, mas a minha opinião tempo dirá quando continuarei a
Bruna Vitória da Silva flores! Essas já não davam mais sinais so- bre aquela cena tão imperceptível escrever sobre minhas concepções,
Andrade de vida. por cau- sa da rotina, ganhou um novo acerca das ce- nas do cotidiano. Só sei
Durante o itinerário, a cena era a significado, não era mais a mesma. que ainda tenho muita coisa pra
A presença da claridade nas brechas mes- ma de sempre. Até aí, tudo Em uma das aulas de Língua contar…
das janelas envelhecidas pelo tempo e o normal! Será mesmo? Já não tenho Portugue- sa fui desafiada a escrever
cocoricó dos galos anunciavam que o tanta certeza! Por um instante minha um poema. Re- truquei… Retruquei…
sol desanoiteceu. A minha casa ainda percepção visual foi ar- rebatada pelo Retruquei… Enfim, os mais profundos
dormia, não se ouvia nenhum barulho encanto de um enorme ipê salpicado de sentimentos tomaram forma em meu
dos morado- res nas vias empoeiradas buquês amarelos erguido em meio aos coração. Assim, escrevi:
do Povoado Ale- gria – uma região escombros daquela sequidão. Co- mo
bastante rústica da nossa “Cidade minha visão não alcançava o local de C ontemplação
Verde”. Somente nos quintais das casas, fixação daquele ipê, imaginei seu tronco
os animais já denunciavam que es- adornado por um tapete de flores amare- Diante do ônibus que
tavam famintos. O céu totalmente las desidratadas pela sucessão das anda Parada estou
desanu- viado previa mais um dia horas. Parada a contemplar Ipês
escaldante de se- tembro, o primeiro — Que lindo! Que perfeição! Como Árvores regando o
mês do B-R-O-B-R-Ó, como é conhecido faço para tocá-las? – falei tão alto que amanhecer
este tempo por essas bandas to- dos no ônibus olharam para mim. O dia chega
nordestinas. Naquela hora do dia, o vento já
Os sinos da igreja local tocavam sopra- va uma brisa morna que Com sol e vento de bem-
dan- do provas que eram seis horas da levantava poeira seca e que ardia nos querer Manda à terra
matina, hora de levantar, me arrumar, olhos da gente, mas essas intempéries Seu Ipê-amarelo florescer
quebrar o je- jum noturno, caminhar até não impediam que mi- nha visão se
a parada, pegar o ônibus e ir para a amarelasse de beleza e pra- zer. Prazer Abro a janela
escola. É a vida seguin- do o seu de ver, prazer de tocar, prazer de A cantiga do vento
percurso habitual. Conseguem cheirar… Eu pensei em leveza, perfume, M e leva, como de costume
imaginar assim? Pois é, como de cor, alegria. Quase pedi ao motorista A o jardim secreto do
Professora Edna Maria
costume entrei no ônibus, sentei no para parar o carro enquanto eu tirava coração Que é amarelo Alves Teixeira de Oliveira
banco próxi- mo a uma das janelas do uma fo- to daquela floração exuberante, Como um tapete estendido E M Joca Vieira, Teresina-PI
lado esquerdo do transporte e fiquei mas co- mo não podia realizar esse no chão.
observando
190 — C RÔNICA aque- la paisagem intento, tratei de preservar na memória C RÔNICA —
acinzentada e castigada pe- los ventos aquela imagem. O trajeto continuou 191
impiedosos da estação. A vege- normalmente, o mesmo ônibus de todos
O DIA EM QUE A Foi então que percebi os olhares e As ruas estavam movimentadas. E o Os dias que se estenderam se mos-
NOITE FICOU semblantes dos meus familiares e céu? Nem se fala… helicópteros e traram tímidos; os pássaros não canta-
VERMELHA amigos; eles não compartilhavam dos aviões transitavam a todo instante vam com a mesma alegria, os rios
Kevem Santos de mesmos sen- timentos que eu. A tristeza transportan- do brigadistas de toda a emana- vam a morte, e a floresta, que
Araújo era nítida em seus olhos, parecia que Bahia. Um belo helicóptero branco antigamente possuía todo tipo de
alguém muito im- portante havia sobrevoou a minha ca- sa trazendo barulho, estava tris- temente calada. As
Já era noite. Abro a porta e vou em morrido… e morreu. Um pe- daço de consigo um barulho extrema- mente nuvens se mostravam escuras,
direção à rua; faço isso com um único nós foi perdido. alto. Seu objetivo era armazenar água, expressavam o “descontentamen- to de
ob- jetivo: contemplar a linda noite da — M eu Deus! – alguns falavam. tal água que provinha do lago artifi- cial Deus”, sua bela floresta havia sido
Chapa- da Diamantina. — Vamos ver de perto! – outros aqui construído nos tempos do garim- queimada, totalmente destruída.
Lá fora vejo algo que nunca diziam. po – que outrora era a base econômica “O homem destrói e Deus contrói”.
esquece- rei: “Ah, aquele dia… Nunca No outro dia, vários carros de C ampos de São João. O gigante Es- sa frase nunca fez tanto sentido para
me esquecerei daquele dia!”. Que dia? percorriam as ruas; helicópteros branco ia e vinha, provocando um efeito mim, como agora. Intensas chuvas que
Vocês devem es- tar se perguntando. “O sobrevoavam o céu; to- dos com um de deslum- bramento em todas as chega- ram à Chapada expressavam o
dia em que a noite ficou vermelha”. único intuito: combater o fogo! Minha crianças, que repe- tiam a mesma frase: seguinte sentimento: “Deixa que eu
Aquela noite tudo havia mudado, a mãe, que trabalhava na Pousa- — M e leva, avião! M e leva, cuido de tudo. Sua simples função será
noite não estava sendo iluminada pela da Pai Inácio – localizada ao pé do avião! preservar o que eu construo”.
lua, ou pelas estrelas; ela estava Morro do Pai Inácio, viu tudo de perto. Queremos ir! E como num passe de mágica, a flo-
brilhantemen- te iluminada, porém, seu Seus olhos refletiam as chamas que Não se importavam em falar errado, resta renascera.
brilho provinha do fogo. É, do fogo! consumiam o ví- vido cerrado. contanto que gritassem o mais alto
Milhares de árvores estavam a pegar Desesperadamente gritava: possí- vel. Comecei a me perguntar:
fogo, nos propiciando um grande — C orre! C orre! Vamos apagar o “Será que o piloto ouvia os gritos
espetáculo. Parecia que o céu se fogo! Com suas colegas de trabalho, daquelas crianças?” – cada vez que
tornava uma imensa tela de arte. E mulhe- retornava parecia estar mais próximos
aquelas cores? Lindas pinceladas de res corajosas, fortes, trabalhadoras e delas… Parecia que todos do po- vado
Deus… des- temidas, sem hesitar, empunharam tinham o mesmo pensamento: ser um
Meus olhos viram aquilo de manei- suas armas contra o fogo: abafadores. brigadista honorário; aventurar-se na
ra diferente. Será que fui egoísta? As co- Irrespon- sáveis? Sim. Corajosas? Com serra.
res vermelhas pareciam lutar contra o certeza. Na- quele dia, verdadeiras Meio perigoso, não? Esses jovens
Professora Isa Naira de
ver- de da serra, uma verdadeira obra heroínas foram en- contradas. Heróis não se preocupavam com os perigos que
Oliveira E M de 1º Grau de C ampos
de arte! Bem à frente de meus olhos. sem fardas foram desco- bertos. Homens pode- riam enfrentar, todavia, ser um de São João, Palmeiras-BA
De repente, quase todo o povoado e mulheres saíam de suas casas vestidos herói apa- gava todos os medos e
fo- —raCver
192 R ÔN o
IC Aacontecido. com suas armaduras: botas, luvas, receios. C RÔNI CA — 193
capacetes e roupas à prova de fogo. Com grandes esforços do povo e dos
Uma grande luta ali foi travada, e brigadistas, o fogo foi apagado. Os
O GUERREIRO DO SERTÃO

Francisco Wagner de Brito


Viana

Já é final de tarde, o sol e a lua se


en- treolham nos horizontes, em um
romance astral que transforma o céu de
Cocal dos Alves em uma obra de arte,
mas que ne- nhum artista no mundo
conseguiria repro- duzir com tamanha
perfeição. Os grandes morros que
rodeiam a cidade contemplam o
espetáculo com fascínio, enquanto são
atingidos pelos amarelados últimos raios
do astro rei.
Ao longe, em uma longa estrada de
terra, entre os últimos tons do pontiagudos galhos secos da caatinga. tre a mata e se misturando com a vege- reia o límpido céu de Cocal dos Alves.
crepúscu- lo, avisto algo vindo em minha Seu facão na cintura é uma espada, com tação morta, em uma harmonia Pa- ra muitos, poderia ser apenas um
direção, pa- rece estar montado em um a qual parece ter enfrentado diversas perfeita, quebrando o ensurdecedor simples vaqueiro, mas para mim é uma
cavalo, e suas roupas vermelhas batalhas, e o suor em sua testa silêncio e dan- do vida novamente a pessoa es- pecial, que simboliza o povo
contrastam com a luz do sol, em um queimada de sol indica que o dia foi de essa triste caatinga. Ao sair da mata, ele cocalalvense, que enfrenta as
espetáculo de cores que mais se árduo trabalho. Sua ima- gem torna-se para, amarra seu cavalo, senta em uma adversidades com o peito estufado,
assemelham a uma labareda de fogo. única para mim, e enfim pos- so dizer: é pedra e, olhando pa- ra aquele lindo céu, sempre com fé de que os pró- ximos
Aquela figura torna-se a atração princi- um vaqueiro. tira do bolso de seu gi- bão o que me dias serão melhores. Eis o guerrei- ro do
pal deste cenário, a que tenho o privilé- Mostrando sua astúcia e coragem, parece ser a fonte de sua for- ça: um sertão.
gio de momentaneamente pertencer. ele aciona seu cavalo, que com uma terço. O vaqueiro com suas mãos
Algo me chama a atenção naquele ser velocida- de impressionante levanta a calejadas o segura levemente. Rezando
alumiado. Caminhando a passos lentos poeira da es- trada e desaparece em baixo, agradece por mais um dia de
em sua direção, aproximo-me daquela meio ao mato se- co, sem temer os traba- lho duro, se benze e abre um Professora Gillane Fontenele
que,incógnita.
como umaOarmadura,
vermelho protege-o
tocante que
doso perigos
lado paraque o rodeiam.
o outro, Posso en-
cortando caminho ver largoe sorriso,
sol, um sorriso
tão brilhante quantotão puroque
a lua quanto
cla- Cardoso
CETI Augustinho Brandão, Cocal dos Alves-
cobre se reve- la um chapéu e um apenas seu vulto, que vai de um aquele pôr do PI

194 — C R ÔNIC A grande gibão de couro C RÔNI CA — 195


SEMPRE EM BUSCA DE va ainda mais com o vestidinho cor-de- chamo assim porque ela ama girassóis e
LUZ rosa que usava. Ela havia notado que eu fala que eu tenho que ser como um
Ana Beatriz Rodrigues e a mi- nha mãe estávamos em pé e giras- sol, “sempre em busca da luz”.
Paes tratou logo de se sentar no colo de sua Imediatamente meu olhar foi atraído
mãe para liberar um assento. Minha para a janela, uma luz sem fim num
Era uma tarde quente e ensolarada, mãe já cansada com todo aquele trajeto espa- ço grandioso, “enoorme”.
al- go comum na cidade de Palmas, que se sentou e seguimos viagem. A menina, Estávamos pas- sando pela Praça dos
tem o calor como sua marca registrada; que também aparentava cansaço, Girassóis, “point” es- portivo da cidade.
naquela tarde minha mãe me comunicou sussurrou algo no ouvido de sua mãe, Entreolhamo-nos com pupilas sorri-
que preci- saríamos ir a Taquaralto, que no mesmo instante retirou de sua dentes em um diálogo sem palavras, ri-
bairro que é mui- to conhecido pela sua bolsa um pacote de biscoitos de mos, Sol olhava encantada a praça que
grande aglomeração de comércios de chocola- te. A garotinha abriu um também é dela, cheia de sol e girassóis.
rua. Ele é bem distante de onde moro, e sorriso radiante ao ver o que sua mãe Nesse instante, até me lembrei de
como não temos carro, nossa única segurava, sem pen- sar duas vezes ela que brincava no parquinho correndo por
opção era recorrer ao nosso “GOL”, abriu a embalagem e di- recionou aquele toda aquela praça, mas que nunca tinha
trocadilho que eu e minha mãe usamos olhar cativante para mim. visto as famosas flores do sol.
pa- ra Grande Ônibus Lotado! Foi aí que pude escutar sua voz. Distraída pelo trajeto me perco no
Enfrentar um ônibus cheio por mais — Você quer um biscoito? tempo, volto à tona com o chamado de
de 30 minutos com um sol de rachar Surpresa com a atitude da pequena, minha mãe.
justifica bem o slogan da cidade: respondi: — C hegamos!
Palmas, cidade do calor humano. —Não, muito obrigada! Acabei de M e despedi da minha graciosa
Saímos de casa após o almoço, em almoçar. – S em esperar muito, lhe fiz amigui- nha e descemos. Prometi a mim
ho- rário de pico, isso só tornaria tudo ou- tra pergunta: mesma que nunca me esqueceria
mais cansativo. Pegamos o ônibus e, — Qual é o seu nome? daquela pequena, a menina iluminada
como era de se esperar, “lotaaado” e Ela com brilho nos olhos me que sorri com o olhar.
sem nenhum lu- gar para sentar. De respondeu: Nunca mais a vi, mas todas as vezes
repente, algo me cha- mou atenção, ou — Sol! que passo na Praça dos Girassóis a vejo
melhor, alguém. — Como assim? Por que Sol? refletida.
O olhar de uma garotinha me levou a Reparei pela sua cara de confusa Professora Marilda
Belisário da Silva Ribeiro
uma viagem sem sair do lugar. A que ela não havia entendido minha E M Beatriz Rodrigues da S ilva,
criança
sua aparentava
pele cor ter que
de chocolate por se
volta de 7
destaca- pergunta,
— Ah, logo
sim! complementei:
A mamãe disse que me Palmas-TO
anos, seus ca- belos encaracolados —Acredito que para você ter esse
escorriam
196 — C RÔNpor
ICA toda a no- me, tenha um motivo, não tem? C R ÔNIC A — 197
ESC OLA
FÁBRICA,
FÁBRICA ESC OLA

Jairo Bezerra da
Silva
6h – despertador toca, sono, frio, eu preenchem, os gráficos estão cheios, é nha mãe prepara o jantar; anúncios, pro-
me acordo, meu pai se acorda. Banho, tu- do igual. O professor fala, escreve, pagandas, nos movem para um novo
es- covar os dentes, colocar o uniforme, ensi- na o que nós não vamos aprender, dia, estudo para ter um futuro, um
eu e meu pai. Trânsito, asfalto, apenas fingir saber. O gerente passa e futuro de compras, tudo igual. A noite
semáforos, tu- do de um cinza idêntico, os funcio- nários sorriem, satisfeitos em desce, como a noite anterior,
nunca notei a di- versidade de tons sem fingir satis- fação e manter seu emprego “AMANHÃ TEM AULA, VAI
vida que existem na cidade. Só e sua digni- dade (dinheiro). As DORMIR!!!”, é tudo igual. Eu vou para a
diferimos no lugar, eu vou para escola e mercadorias são revis- tadas, as sem escola fábrica e meu pai para a fábrica
meu pai para a indústria, mas no fim é defeitos passam adiante e as demais escola. A única diferença entre a fábrica
tudo igual. Eu entro na escola e meu pai retornam; a criatividade é tama- nha que e a escola é o ambiente escuro, quente e
bate o ponto na fábrica, eu vou para não mudaram nem o nome “série de mal iluminado da primeira, talvez a
meu assento e meu pai para sua produção”; os alunos também têm seus escola não seja assim para que os
máqui- na. O professor fala, as números de série, uma lista de chamada, alunos sobrevivam até chegar na
máquinas rugem, lápis, papeis, óleo, são números, é tudo igual. Os sinos fábrica.
engrenagens, é tudo igual. Os tocam, não são das igrejas, hora da
funcionários não sorriem, querem seus refeição, fila no refeitório, hora do
salários; os professores estão exaus- tos, intervalo, celulares em mão, eu estou
querem seus salários, para gastar com on-line e desconectado do mundo, meu
as mesmas coisas mês após mês. As pai está on-line e desco- nectado do
mer- cadorias não pensam, não falam, mundo, sirenes tocam, hora de voltar, é
são mo- deladas; os alunos não pensam, tudo igual. Acabou, guardar mate- riais,
repetem, não criam, reproduzem o que pressa para finalizar um dia sem pen-
lhe é pas- sado, SILÊNCIO!!! Não sar que o próximo será igual. Carros, bu-
podem falar. Nú- meros e letras sem zinas, placas, motos, uma gigante Professor Walber Barreto
cores,
os nos computado-
cadernos se escrevem,res
as eplanilhas
nos livros,
se massa na
mundo inerte
rede;de pessoas
meu pai na apressadas,
televisão; é Pinheiro
C M Álvaro Lins, C aruaru-PE
nas planilhas e nos cader- nos, é tudo tudo igual. Chego em casa, wi-fi, me
mi-
igual.
198 — Os quadros
C RÔN ICA se enchem, desconecto do C RÔN ICA — 199
O DONO DO PEDAÇO No começo era estranho tê-lo na espera o toque das 10h15 da manhã, e dele é marcante, já é parte da
igre- ja e muitos queriam mandá-lo das 15h30 para ganhar o seu lanchinho. comunida- de, nunca houve algo
Kaike Ruan sair, mas a insistência dele os venceu, Estudar? Acho que não é o que parecido por aqui. Se tem maratona do
Machado do Carmo afinal, não inco- moda ninguém, na procu- ra. Até já foi convidado a entrar grupo de corrida da cida- de, lá está o
maior parte do tempo dorme, mas sabe na sala de aula, mas apenas deu um olá Jacó, como um bon vivant – folgazão –
exatamente a hora que a missa termina. a todos e pi- rulitou-se dali. Não! Não é parado na linha de chegada, só
O sol bate na janela do meu quarto C om o passar do tempo, os fiéis foram isso, não! Uns dias atrás queria, porque esperando as câmeras. Correr que é
e, dando-me bom dia, deixa tudo se apegando a ele. Fiel frequen- tador da queria, conhecer a biblioteca. Com bom, nada! Sempre imprevisível! C hega
dourado. O cheiro sapeca do café me casa paroquial, principalmente na hora jeitinho convencemos a Celina, e já vai ocupando seu espaço. Até no
convida para a cozinha. Lá fora, a do almoço, recebeu o nome de Ja- có, bibliotecária, a deixá-lo entrar. Nos- sa, Hospital São Vicente de Paulo, no hall de
pequena e tranquila cidade de Pitanga, dado pelo Padre Tiago. Se a celebra- que felicidade do nosso companheiro! entrada, ele dá o ar de sua graça.
no interior do Paraná, já acordou ção começa e ele não aparece, todos já Será que ele sabe ler? – pensamos. Que Apesar de não sabermos de onde ele
também. Na rua pego carona com os fi- cam perguntando: “onde anda o nada! Logo aconchegou-se num veio e nem para aonde vai, esperamos
amigos e deitamos o cabelo para a Jacó? Vo- cê viu o Jacó?”. cantinho e lá, talvez, fez a leitura que tê-
escola, apressados para não chegarmos Muitas indagações passam pela mi- achou melhor. O único problema do -lo por muitos anos entre nós, para
atrasados… E como num passe de nha cabeça: de onde veio? Será que já nosso amigo, é quando desaparece nas poder- mos um dia falar dele com
mágica lá vem ele, contente, indo ao teve uma casa? É livre… Sabe os lugares farras e baladas dos companheiros de saudade, revi- ver bons momentos,
encontro de um, de outro… Seus olhos onde será bem recebido, diante de rua. Chega no ou- tro dia, acabado e o contar para os netos, que aqui na cidade
felizes nos di- zem bom dia e nos tantos que andam pelas ruas da nossa pior: sujo e machuca- do. Logo de Pitanga, na escola, na igreja, tivemos
acompanham com mui- ta alegria. No pacata cidade. É engraçado, ele escolhe percebemos que voltou, pois seu cheiro um mascote chamado “Jacó”. O dono
meio de todos parece um passarinho sempre os lugares onde têm muitas atropela todos pelo caminho… Por onde do pedaço! Um cachorro especial para
que encontrou seu ninho. pessoas. Não gosta de solidão. Onde você andou, vivente?! Dormiu com os dias especiais!
Ele é mesmo um sarro! Frequenta chega, com seu jeito pidão, conquista urubus? Aí o recurso é mandá-lo para o
mui- tos lugares: Planalto, Pitanguinha, todos e se torna o dono do pedaço. No banho e cuidar de seus ferimentos. Ah,
Parque São Basílio e até Alto da Colina. C olégio Dom Pedro, o Jacó faz parte da danado! Fazer o quê? Ele é livre, sai e
Quando menos se espera, chega de nossa rotina. No dia que não o vemos na vol-
fininho, como se conhecesse todas as entrada, parece que está faltando ta a hora que quer.
pessoas. C omeçou na Igreja Matriz. Eu o alguma coisa. Quando chegamos, lá vai Jacó é bem social, não perde
conheci lá. É só as pessoas começarem nosso amigo a passear pelo saguão. eventos aqui na cidade. Se tem festa da
a entrar para a missa que logo ele vem Depois, fica sentado observando tu- Padroeira Sant’A na, na Igreja M atriz, Professora Luci Noeli
também,
da e de lá eobserva
embora quie- to, tímido, Vai parado, acomo
portasedafosse umdoguarda.
frente colégioToca
e lá não
muito perde uma
bem!”. novena.
Todos riram,S ai faceiro
pois a em Schroeder
C E Dom Pedro I, Pitanga-
chama
tudo. atenção. Com cuidado vai até a o si- nal, obediente, sabe direitinho o todas
presençaas fotos. On- tem mesmo, o padre PR
parte
200 — de trás
C RÔN ICAdo altar, se acomo- seu lugar. Gilson comentou no final da missa: C RÔN ICA —
“Jacó, hoje se comportou 201
Artigo
de
opinião
E
m tempos de Twitter, WhatsApp, Instagram, trabalhar um gênero que exige
fôlego,
como Artigo de opinião, pode ser um contraponto importante para
estudantes
de 3 o ano do Ensino Médio, às voltas com vestibular, consolidação de
identidade,
conquista de autonomia e outras tantas travessias rumo à fase adulta. Para
escrever um artigo de opinião relativo ao lugar onde vivem, os jovens autores
deste capítulo percorreram uma maratona, daquelas que, se não preparam para
vida,boas
dão é certo queTudo começa com a identificação de um tema polêmico, passa pela
pistas.
busca de fontes consistentes, a coleta e o confronto de informações e a escolha de um
posicionamento. Por fim, vem a composição do texto em si, que deve trazer
argumentos contundentes o suficiente para, no mínimo, provocar no leitor a reflexão
e, no máximo, contribuir para formação de opinião em um amplo debate democrático.
As páginas seguintes trazem questões de gênero; liberdade de expressão nas
escolas; uso indiscriminado de agrotóxicos; poluição nos rios e atividade
mineradora; respeito a refugiados, indígenas e quilombolas; monocultura e impacto
ambiental; gestão e gastos públicos; violência contra os animais; e intolerância
religiosa.
O que não falta é polêmica e opinião – e muito pano para manga, caro leitor!
ARTIGO 216 O S FINS N Ã O 232 AMANHECEU,
P O D E M JUSTIFICAR POR QUE AINDA
DE O S ME IO S ESTÁ ESC URO?
OPINIÃO Vitória Vieira Pereira de Tailane da Rocha
Índice Jesus Sousa

206 FEMINICÍDIO: 218 RENASC IMENTO 234 VERDE, AMAR ELO,


QUAN DO A LUXUOSO AZUL E PRETO
POSSESSIVIDADE José Gabriel M arques Eduardo Patrick
FALA M AI S ALTO Barbosa Penante Ferreira
QUE O A M O R
Laura Helena Amorim 220 E M BRIGA DE 236 RETROCESSO
Pinheiro M ARI D O E MULHER, CULTURAL:
METE-SE A POLÍCIA! TUDO C O M E Ç A
208 MUITO BARULHO Antonia Edlane Souza C O M “UM
POR N ADA Lins PASSINHO”?
Ryan Victor S antana Rayana do
Silva 222 “VALEU BOI? ” N ascimento C ruz
Arysnágilo Waldoniêr
210 (DES) Pinheiro Vieira 238
INTERIORIZAÇ ÃO APRENDIMENTOS
D O ENSINO 224 A POLUIÇÃO D O S ATERRADOS
SUPERIOR: RIOS N O M IM OS O : À BEIRA-M A R
REDUÇÃO DE TUDO VALE A PENA Rúbia Ellen C ampelo
GASTOS OU EM NOME DO Costa
AMPLIAÇ ÃO DA PROGRESSO? 240 DE “JOIA D O VALE”
DESIGUALDADE? Ioneide Ferreira de A “DESERTO
Gilberto Gonçalves Souza VERDE”
Gomes Filho Tainan Lopes da Silva
226 M I N H A TERRA 242 A BUS C A
212 AS FARDAS T EM BELEZAS , D O “SONHO
EN C OBREM M A S EMPREGO BRASILEIRO”
O MEDO? JÁ N ÃO HÁ! DIVIDE OPINIÕES
Pedro Henrique Ana Paula C omuni Luiza Bortoluzzi
Ferraz Araújo Casali
228 O PÃO
214 ME U LUGAR N O S S O DE 244 ES C OLA S E M
É U M “PULMÃO C AD A DIA PARTIDO: AVA N Ç O
VERDE” N O MEIO PODE ESTAR OU RETROCESSO
DA IMENSIDÃO ENVENENADO DA EDUCAÇÃO
ACINZENTADA Fernanda de Souza LOURENCIANA?
Rafael C axàpêj Fagundes Laiana Miritz
Krahô 230 “CHUTA QUE Vasconcelos
É
M A C U M BA”
N aira Danyelle de
Souza Santos
FEMINICÍDIO: QUANDO A sividade é que mata, não o amor, Embora o aumento das medidas
POSSESSIVIDADE FALA portanto, é crucial tratar esse fenômeno proteti- vas possa ser visto como uma
MAIS ALTO QUE O AMOR pelo o que ele realmente é: um crime notícia positi- va, é essencial não se dar
de ódio. por satisfeito com apenas esse passo,
Laura Helena Amorim Em uma sociedade com suas raízes mas cortar o mal pela raiz, reconhecendo
Pinheiro enterradas sob concepções machistas e o feminicídio não como um crime
patriarcais, onde há algumas décadas a gravíssimo, mas como fenômeno
Junho de 2019, e na tela de LED da longe das águas, a história se mostra um violência doméstica e o feminicídio sociocultural, proveniente de costumes
sala uma notícia preocupante. Piracica- exemplo claro da romantização que eram tidos como atos disciplinares, ma- chistas cultivados ao longo do
ba, que há apenas uma semana era circula esse tópico, fato que dificulta esse com- portamento fatal pode ser tempo.
palco de mais um feminicídio, agora, uma discus- são mais assertiva sobre o justificado como de natureza masculina, Para isso, é crucial que sejam
estrelava a reportagem da noite problema em questão, bem como afinal, segundo tais concepções, um tomadas medidas de curto e longo
carregada de dados que alarmam a contribui para a per- manência ou até homem tem de defender sua honra, sua prazo. As primei- ras, focadas em
população: em apenas cin- co meses, a mesmo o aumento da vio- lação dos masculinidade. C ontudo, é inconcebível aprimorar os serviços já existentes de
cidade registrou um aumento de 43% no direitos das mulheres. É impres- cindível que esse comportamento ain- da se apoio à mulher, ou seja, in- vestir
número de mulheres vítimas de tomar conhecimento de que o fe- reproduza nos dias atuais. principalmente na preparação des- tes
violência, buscando proteção, minicídio já deixou vítimas o suficiente, e Além de ser problema crescente na serviços, para que quando em situação
desprovidas de seus direitos de que algo precisa ser feito com re- gião, o feminicídio e a violência de perigo, as mesmas sejam
fundamentais. urgência. A princípio, é de suma doméstica são fenômenos devidamente acolhidas; outrossim,
A nos antes de essa problemática vir importância ressaltar que o feminicídio assustadoramente demo- cráticos: não órgãos públicos, co- mo o Ministério
à tona, o município, conhecido pelo e a violência contra a mulher são escolhem cor, classe social ou idade, Público, têm o papel de fis- calizar o
extenso rio que o corta ao meio, já questões de seguran- ça pública, que não há mulher imune à violên- cia. efetivo cumprimento das leis que as
contava com his- tórias que retratavam dizem respeito à nossa so- ciedade Existe, entretanto, um perfil mais vul- protegem, para que não saiam impunes
essa realidade. Conta uma antiga lenda como um todo, não somente ao nerável a esses abusos, que se manifesta aqueles que ousem cercear seus direitos.
que o rio Piracicaba, com suas águas até agressor e à vítima em debate. Portanto, em mulheres de classe baixa, jovens e Para as metas de longo prazo, é
então serenas, enfureceu- noções populares como a de que “em ne- gras. É nesse perfil que se encaixa a impor- tante que se estabeleçam
-se ao notar que sua deusa havia se bri- ga de marido e mulher não se mete víti- ma do mais recente caso de medidas de pre- venção, promovendo a
apai- xonado pelo moço mais bonito da a co- lher” devem ser combatidas, pois feminicídio em Piracicaba: com apenas conscientização em escolas e nas ruas,
cidade. Possesso, o mesmo se armou de são elas que omitem a real gravidade 16 anos, a adoles- cente teve sua vida de forma que o papel da mulher como
abundan- tes correntezas ao desafiar o desses casos e permitem que essa tirada pelo ex-namora- do dentro da propriedade
Professora Nilda sejaMeireles
desconstruí-
da do,
jovem à luta, e impiedosamente atrocidade ainda seja vista como um própria casa. O autor do cri- me, onze evitando
Silva assim que esses abusos conti-
encarcerou a mulher em águas crime excepcional, em que a paixão do anos mais velho, tinha um filho de 2 nuem
EE assombrando
Dr. Alfredo as mulheres da
C ardoso, Piracicaba-SP
profundas,
206 matando
— ARTIGO ambos.
DE OPINIÃO agressor passou dos limites – “matou anos com a vítima, e fugiu do local an- região. ARTIGO DE OPINIÃO — 207
Embora seja uma mera lenda, popu- porque amava demais”. A posses- tes que as autoridades chegassem, em
larizada com intuito de manter um ato de covardia.
MUITO BARULHO POR Certamente, a postagem não poderia sob a crença de que o mais sensato sem-
NADA ser uma propaganda enganosa, pois pre é obedecer. Essa obediência à
Ryan Victor Santana seu conteúdo é absurdo e exagerado. hierar- quia pode provocar
Silva Quem acreditaria em paredões entre os consequências futuras que terão reflexo
interva- los das aulas? E o show, o na sociedade.
A cidade onde vivo, Nossa mento e criou uma propaganda smartphone, tu- do por três reais? Pense Esse aluno censurado de hoje será o
Senhora da Glória, em Sergipe, tem enganosa que pode comprometer a bem, se fosse real- mente uma adulto passivo de amanhã. E ele foi sim
grande impor- tância na região, por isso imagem da uni- dade de ensino. Alguns propaganda enganosa, o que levaria censurado. De certo modo, essa
foi contemplada com uma escola de professores e alu- nos acharam a medida tantos outros alunos a repostarem? suspen- são, por mais banal que seja
Ensino Médio de perío- do integral que punitiva despropor- cional, pois se Será que todos queriam difamar o agora, aca- bará coagindo o aluno a ser
atende a jovens de vários municípios. tratava apenas de uma brin- cadeira. C olégio? um cidadão que, por medo de sofrer
Estudo nessa escola e nossa rotina não Tenho plena convicção de que o castigo Além disso, não é de hoje que retaliações, opta por não expressar sua
é fácil: enfrentamos nove au- las diárias, foi exagerado. lutamos por liberdade de expressão em opinião. É um medo que não fica apenas
provas semanais, e isso é mui- to Interpretar exige uma série de conhe- nosso país. Será que devemos abrir mão na esfera escolar, per- passa e reflete na
cansativo. Porém há um aluno que, com cimentos, para que possamos dessa con- quista e aceitar ter que pedir sociedade. Isso é tudo o que um
sua página de humor no Instagram, tem compreen- der sentidos subentendidos, autorização para nos expressarmos? governo autoritário quer.
a capacidade de converter esse cansaço é o que diz o educador Paulo Freire. O Não culpo a gestão por não ter A gestão fez muito barulho para
em algo divertido. No mês de junho, ele meme já é con- siderado por muitos inter- pretado corretamente, culpo-a solu- cionar um problema simples, e
criou um meme sobre uma possível estudiosos um gênero textual da era por não querer entender. Diversas isso pode afetar o futuro do jovem. O
Festa Juni- na que aconteceria no digital e, por isso, exige no- vos vezes, esse alu- no tentou explicar o correto seria ter resolvido o conflito por
C olégio. Nele divul- gava um show com saberes, para que haja plena compreen- intuito de sua criação, e, mesmo assim, meio do diálo- go e procurado soluções
o cantor Pepe Moreno, um bingo de um são. Aqueles que possuem essa bagagem seus argumentos não fo- ram que não o cen- surassem. A escola
carneiro, paredões nos in- tervalos e o conseguiram decodificar o humor por considerados. deveria estimular essa habilidade do
sorteio de um smartphone ca- ríssimo, trás da criação desse aluno. Inclusive, O poder censura. No ambiente esco- aluno, adaptando-se a esse novo gênero
tudo por apenas três reais. A pos- estudan- tes de outra escola da cidade, lar existe uma hierarquia. A base de e utilizando-o para a aprendi- zagem.
tagem bem-humorada viralizou, muitos a habituados com essa linguagem, tudo são os alunos, que sustentam os Assim, nossa geração não seria tão
compartilharam, inclusive eu. Após sua também entenderam a brincadeira e funcio- nários, os professores e o passiva diante das péssimas decisões
re- percussão, seu criador foi punido criaram um meme parecido, só que diretor. Entre- tanto, quando se trata de polí- ticas que nosso país vem tomando.
pela es- cola e suspenso por um dia. utilizando o nome da escola deles. uma relação de poder, essa sequência Professor Jorge
Henrique Vieira Santos
O fato gerou polêmica e dividiu opi- Embora os motivos apresentados pe- muda. Apesar de sustentarmos todas C E M anoel Messias Feitosa,
niões. O diretor acredita que a punição la equipe gestora para a suspensão as outras posições, somos a categoria Nossa Senhora da Glória-SE
foi adequada, pois alega que o sejam pertinentes, o castigo foi mais frágil, e a corda sempre arrebenta
estudan-
208 te DE
— ARTIGO usou o nome da escola sem
OPINIÃO inadequado, pois eles não conseguiram desse lado. Somos obri- gados a aceitar ARTIGO DE OPINIÃO — 209
consenti- compreender a in- tenção do meme. tudo o que nos é impos- to e essa
aceitação acaba nos silenciando
(DES)INTERIORIZAÇÃO DO ENSINO cursos, bolsas para pesquisa, verbas pa- tância para toda a região. Dessa forma, é
SUPERIOR: REDUÇÃO DE GASTOS ra projetos e a demissão de indiscutível que, sem a universidade, o
OU AMPLIAÇÃO DA funcionários. so- nho de muitos jovens seria extinto,
DESIGUALDADE? Endossando a postura da reitoria, assim como propõe a Comissão de
Gilberto Gonçalves Gomes par- te da população goianesiense afirma Redesenho da Universidade.
Filho que a crescente oferta de bolsas pelas Ademais, o papel exercido pela UEG
universida- des particulares do município na formação de professores é notório.
“Soletrando”. A priori, o significado de Ensino Superior do município. Sua torna a per- manência da UEG irrelevante. Egressos dos cursos de Pedagogia,
do gerúndio parece óbvio, e, segundo o for- mação relaciona-se ao Processo de Em contrapar- tida, outra parcela defende História e Letras atuam na educação
“Di- cionário Aurélio”, significa “ler, Inte- riorização no Ensino Superior em sua continuida- de, visando aos goianesiense, fortalecendo-a, o que é
pronun- ciando separadamente as letras Goiás, que buscou, durante a década benefícios que ela promove. Desse modo, comprovado pe- los bons resultados no
e juntan- do estas em sílabas”. No lugar de 1980, facilitar o acesso à instaurou-se a polêmica. Índice de Desen- volvimento da
onde vivo, contudo, essa palavra é universidade daqueles cuja rotina estava Particularmente, creio que a busca Educação Básica (Ideb), que chegam até
carregada de me- mórias e constitui fora do ciclo das gran- des cidades. pe- lo fortalecimento da UEG a partir da 8,6, segundo dados de 2017 do Instituto
motivo de orgulho pa- ra a população, Paradoxalmente, penso que houve rees- truturação de cursos e da Nacional de Estudos e Pesquisas
pois o primeiro campeão do Concurso uma inversão desse pensamento, pois a otimização dos custos relativos à Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Soletrando, da Rede Globo de conjun- tura atual propõe novamente a manutenção são atitudes necessárias à Dessa maneira, acredito que o
Televisão, foi Aurélio. Não o escritor do concentra- ção do saber ao determinar a sobrevivência da instituição. Porém, o C ampus Goianésia deve ser mantido em
dicionário, mas o aluno, igualmente apai- extinção de quinze campi. seu fechamento não é a decisão mais detrimen- to de qualquer fator externo.
xonado pela gramática, natural da Para o reitor Dr. Ivano A. Devilla, a viável, pois suas consequências se- Assim, como pontua a diretora da
peque- na Goianésia, localizada no ne- cessidade do fechamento decorre riam desastrosas. instituição, Profa. M a. M aria das Graças
norte goiano e marcada pelos traços do es- gotamento orçamentário e Outrossim, vale destacar que, segun- B. Silva: “Fechar um cam- pus é eliminar
típicos do interior. Histórias como a de financeiro des- tinado à manutenção do do dados do Campus Goianésia, cerca a oportunidade de acesso à educação
Aurélio mostram o poder revolucionário campus, que ex- pandiu-se de 620 alunos estão atualmente para o jovem do interior”. Desse modo,
da educação e inspi- ram os jovens exageradamente, a ponto de não ingressos. O perfil desses estudantes, clamo para a continuidade da ins-
goianesienses. Todavia, uma notícia conseguir manter-se em bom funcio- quase em sua to- talidade, mostra que tituição em nossa cidade, para que
recente disseminou desesperança namento. Assim, as medidas propostas são de escola pública e possuem tantos outros “Aurélios” escondidos
àqueles que veem na educação a pe- la equipe gestora, constatadas no situação socioeconômica des- sejam reco- nhecidos por nós e pelo
possibi- lidade de transformação social. RELA- TÓRIO N o 1 / 2019 COLEGIADOS favorecida. C om o possível fechamento mundo.
Professora Patrícia
Foi anun- ciado o fechamento da – 16136, da instituição, qual opção restará à Nara da Fonsêca
deUniversidade
1999, a UEGEsta- dualinstituição
é a única de Goiás (UEG) publicado
ações incluem aem 2 de maio
progressiva de 2019,
extinção de média
dez dos estudantes
municípios, de Goianésia
o que mostra que,
sua impor- Carvalho
C E Jalles Machado, Goianésia-
– C ampus Goianésia. C riada pela Lei n o
pública devem ser postas em prática assim, como eu, não têm condição de GO
13.456, de 16 de abril
210 — ARTIGO DE OPINIÃO urgentemente. Tais deslocar-se para outra cidade a fim de ARTIGO DE OPINIÃO — 211
concluir o Ensino Su- perior? Além disso,
a UEG atende a outros
AS FARDAS ENCOBREM O militares. Bons índices nacionais são rea- não militares. Assim como em outros
MEDO? lidades nessas instituições, mas por paí- ses, como C oreia do Sul e
Pedro Henrique Ferraz quais métodos? Sabemos que há um Finlândia, acre- ditam em uma
Araújo processo seletivo de aprovação dos metodologia que estimula a criatividade
alunos, sendo admitidos aqueles com e o interesse próprio de cada estudante,
Os registros de casos de violência e de forma compartilhada com a direção maiores notas em seu histórico escolar e ao usarem técnicas pedagógi- cas com
vandalismo em escolas têm se tornado es- colar. Assim, aumentaria a filhos de militares. Diante da questão, menos testes e tarefas de casa e mais
cada vez mais comuns na minha segurança e di- minuiria a violência. Tal não podemos ne- clubes de estudos e projetos diversi-
cidade, Taguatinga, no Distrito Federal processo de inter- venção militar nas gar que a segurança e confiança são al- ficados. A gestão pedagógica almeja for-
(DF). Mais um caso aconteceu: durante escolas já está em prá- tica desde o tamente aplicadas em redes militares. mar cidadãos pensantes e autônomos,
o intervalo, um rapaz de 15 anos foi começo do ano letivo de 2019. As Há diversas avaliações positivas a e não alienados que apenas reproduzem
esfaqueado. Devi- do a diversos casos escolas foram selecionadas após uma respeito desse quesito. Além disso, um padrão estabelecido.
como o citado, o Go- verno propõe a avaliação da violência nas proximida- inúmeros estu- dantes afirmam se sentir Acredito que a proposta de uma ges-
militarização em algumas escolas des. E devem agora se adaptar aos mol- verdadeiramente protegidos com a tão compartilhada mostrou-se invasiva
públicas com o objetivo de trazer des estabelecidos pela Polícia Militar – gestão militar. A ordem propagada e ineficiente, pois agora os alunos não
segurança aos estudantes. ro- tina disciplinar rígida, com horários, nessas instituições cria um am- biente te- mem o que há do lado de fora, e sim
Há uma linha tênue que separa o com hasteamento da bandeira e com estável onde todo o foco pode ser o que há do lado de dentro. Um
con- ceito de respeito do conceito de uniformes obrigatórios. Tais ações se direcionado à educação. ambiente onde as fardas podem causar
medo. O respeito é conquistado, já o sustentam na ideia de ordem e respeito. Ainda assim, a repressão à diversida- medo não é próprio para a educação.
medo é im- posto. Visto que a escola Por meio de me- didas que se baseiam de se mostra de fato um dos maiores Ordem e respeito sur- girão a partir de
tem como obje- tivo ser um ambiente na repressão e no te- er- ros dessa experiência. Por exemplo, uma gestão pedagógica qualificada.
acolhedor e incenti- vador a todos, uma mor, a violência de fato é reduzida. casos de racismo em uma escola militar Como o consultor em gestão e liderança
proposta que consiste na militarização Entretanto, os contrários à proposta da cida- de, onde foi imposto a uma Alfredo M artini Jr. expressou: “O
da gestão escolar, que por sua vez faz acreditam que junto com ela se reduz estudante cor- tar ou alisar o cabelo, o respeito é conquistado, não imposto”.
uso de métodos mais rigorosos, causa tam- bém a individualidade de cada um, que acabou sendo reconhecido como
polêmica. Afinal, a polícia dentro da ao esta- belecer padrões de estética, por um ato de discrimina- ção: obrigar
escola é um caminho viável para se exemplo: cortes de cabelo igualitários, alguém a se enquadrar em um padrão
chegar à ordem e à educação? uniformes im- postos e padrões estético. Não devemos aceitar que
Em primeiro lugar, os favoráveis ao preestabelecidos. anulem nossa liberdade de expressão.
Professora Gabriela
projeto de intervenção militar nas redes Vale ressaltar que a militarização não De- vemos ser autônomos e assim Maria de Oliveira
de ensino acreditam
rir aspectos queea Polícia Militar
disciplinares é novidade,
por conta de já existe
suas no Goiás.
melhores O estado
escolas preservar
Estado do as diferenças
Ceará possui entre
ótimoscada um.
colégios Gonçalves
C E D 05 de Taguatinga, Brasília-
e o C orpo de Bombeiros do DF possam
administrativos, pos- sui 46 escolas militarizadas e é
serem Segundo pesquisas do Ideb (Índice DF
ge-
212 — ARTIGO DE OPINIÃO comumente citado como uma referência de Desenvolvimento da Educação ARTIGO DE OPINIÃO — 213
em qualidade, Básica), o
MEU LUGAR É UM “PULMÃO gundo anciões, a chuva não chega Entristece-me quando em minha pu-
VERDE” NO MEIO DA mansa e tranquila, vem em forma de pila reflete um céu acinzentado, mas
IMENSIDÃO ACINZENTADA tempestade e violenta, em resposta à me alegro em saber que o homem mais
ação devastado- ra do homem branco. inteli- gente é aquele que preserva o seu
Rafael Caxàpêj Ademais, o homem branco (fazendei- habitat e esses são os mehin (índios
Krahô ros que são vizinhos da Reserva Krahô), krahôs).
le- va sua vida marcada pelo ato da O futuro do nosso lugar não está só
No lugar onde vivo, na aldeia Krahô, corrompidos, demonstrando uma impor- destrui- ção dos recursos naturais mais nas mãos do mehin. Será que um dia
o verde das matas e da floresta tância apreciativa aos meros importan- tes para a vida, através do não vamos ter mais uma bela natureza
preservada encanta e propicia a vida fenômenos que ocorrem na natureza. desmatamento, do uso de pesticida nas para contemplar? Diante dessas
aos indígenas, que desfrutam dos Pois, para nosso povo, é de suma lavouras e da mais nova “moda” de perguntas, é necessário que formemos
alimentos e de todas as riquezas que a impor- tância aquilo que o meio acabar com os matos das pastagens uma corrente entre mehin e cupen para
floresta oferece, man- tendo uma ambiente fornece e, como forma de pulverizando veneno, que eu de- nomino proteger a na- tureza. Por outro lado, o
relação integrada e harmônica entre o agradecimento aos bens naturais, como “o matador invisível” de tudo que o Governo deve re- fletir e vetar a
homem mehin (krahô) e a natureza que realizamos comemorações, exal- tando cerca. Isso tudo vem afetando a be- leza liberação dos agrotóxicos e pesticidas.
o cerca. Porém, essa relação está sen- desde o nascer de uma fruta até o cair do nosso lugar. E devemos criar ONGs para proteger o
do prejudicada devido às políticas de uma chuva, mostrando, então, que Outro fator preocupante é a política meio ambiente. Somente com essas
externas do Governo e à ação do por mais que a natureza não precise da do Governo Federal em relação à atitudes o nosso “pulmão verde” não vai
homem branco no contexto de in- tervenção do homem em seu meio, liberação de agrotóxicos e pesticidas, mudar de cor.
preservação do meio ambien- te nos contu- do o homem necessita de tudo algo que contribui- rá ainda mais para a
arredores da Reserva Krahô. aquilo que ela tem a oferecer. Por isso devastação da nossa mãe natureza e
Primeiramente, é de suma é tão essencial saber respeitar seus para a poluição do ar que respiramos.
importância para os indígenas krahô a limites. Com tudo isso, me deparo a pensar:
preservação do meio ambiente, A paz e a tranquilidade do lugar não será que o homem vai ser predador de si
consagrando suas tradições em local estão sendo respeitados devido os próprio? Até quando vamos sobreviver
tranquilo e comemorando o fenô- meno cupen (homens brancos) estarem cercados por tamanha devastação?
natural da frutificação do cerrado e das destruindo to- das as florestas nos Em consequência disso, os rios que
matas. Entre elas, a chegada do cajuí, da arredores da Reserva Krahô. A mente percorrem a Reserva Krahô estão sofren-
bacaba, do buriti – tudo isso é ambiciosa e a ação desses homens do, as águas já não estão cristalinas e
comemorado com rituais da coleta dos brancos têm substituído os verdes das vo- lumosas como antes, o cerrado e as Professora Deuzanira Lima
mesmos. que seus valores culturais
permitiu florestas
já não sãoportão plantios de soja, pasta-
frias e aconchegantes. matas
no meio apresentam-se “desbotados”,
da devastação: a Reserva a Pinheiro
Escola Indígena 19 de Abril, Goiatins-
Além disso, vale ressaltar que, mes-
fossem Sgens
e- e queimadas. fauna pro- cura abrigo em apenas um
Krahô. TO
mo —osARTIGO
214 povos krahô deparando-se com
DE OPINIÃO C omo consequência, as nossas “pulmão verde” ARTIGO DE OPINIÃO — 215
uma demasiada evolução tecnológica, noites
isso não
OS FINS NÃO PODEM vez que os agroquímicos contribuem até o mercado, fazendo com que muitos
JUSTIFICAR OS para o aumento da produção, consumidores adquiram produtos com
MEIOS potencializando a economia e al- ta toxidade. A própria Agência
Vitória Vieira Pereira de promovendo o desenvolvi- mento da Nacional de Vigilância Sanitária, através
Jesus cidade. Ainda reconheço que a do seu ex-di- retor, Luiz Claudio
liberação proporcionará maior Meireles, afirma que o último relatório
Vivo em Cândido Mota, uma peque- União Europeia devido à alta toxidade. concorrên- cia no mercado, sobre riscos de contami- nação dos
na cidade localizada no interior de São Assim sendo, tal medida é totalmente oportunizando melhores preços, assim alimentos foi publicado apenas em
de Paulo, com cerca de 30 mil desnecessá- ria, uma vez que o Brasil é sendo, diminuindo os cus- tos de 2016. Dessa forma, não posso concor-
habitantes. Economicamente, a cidade referência mun- dial em produção produção e, consequentemente, au- dar com essa cilada que beneficia alguns
depende mui- to da agricultura, e se agrícola em grande esca- la com os mentando o lucro dos agricultores. e prejudica muitos.
destaca na região do Vale do agrotóxicos já utilizados. Devemos levar Mesmo diante das vantagens elenca- Portanto, antes de liberar novos
Paranapanema por possuir ter- ras roxas em consideração também os danos à das acima, sou totalmente contra a agro- tóxicos é necessário que o Poder
e solo fértil. S egundo a Secreta- ria de saúde que tais produtos causam, sobretu- libe- ração de mais agrotóxicos, pois Público cumpra com o seu papel de
Agricultura de Cândido Mota, cer- ca do quando aplicados indevidamente, o tenho a certeza que trarão prejuízos garantir e ze- lar pelo meio ambiente e
de 75% da área territorial do município é que é muito comum em Cândido M ota, irreparáveis ao meio ambiente, como a pela saúde de sua população, proibindo
destinada às lavouras, as quais, costu- pela fal- ta de orientação e fiscalização. contaminação do solo, do lençol agrotóxicos com al- ta toxidade e
meiramente, produzem bem, garantindo Ademais, segundo o Greenpeace, os freático, entre outros; e também à fiscalizando a aplicação dos existentes.
a sobrevivência, direta ou indireta, de novos produtos contêm glifosato, saúde dos seres humanos, os quais Ainda, cabe ao Governo inves- tir em
todas as famílias que vivem por aqui. substân- cia potencialmente cancerígena podem sofrer com intoxicações ou até pesquisas e alternativas sustentá- veis
Dessa for- ma, é evidente que a de acordo com a Agência Internacional mesmo com doenças mais graves, co- para o controle de pragas na agricultu-
agricultura é respon- sável pelo de Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em mo o câncer. ra, tal como áreas de refúgio, que
desenvolvimento do município; inglês). Essa infor- mação, sem dúvida, Minha opinião poderia ser outra se quando utilizadas podem diminuir a
entretanto, a notícia da liberação de tira o sono da popula- ção da minha eu tivesse a garantia de que os aplicação de agrotóxicos. Assim, minha
novos agrotóxicos tem preocupado a cidade, afinal, teremos mais produtos agricultores fossem utilizar os novos querida Cândi- do Mota continuará se
população que teme pelo meio altamente tóxicos disponíveis no agroquímicos de forma adequada ou desenvolvendo sem precisar destruir o
ambiente e pela saúde dos munícipes. mercado que poderão ser utilizados pelos que ao menos o Go- verno fosse meio ambiente e vitimar sua população.
Primeiramente, é importante agricultores; e poderão contribuir para o garantir a qualidade dos ali- mentos
contextua- lizar de onde surge a au- mento de doenças, sobretudo o que chegam à mesa do consumi- dor;
Professor Alexandre
preocupação dos cân- dido-motenses. câncer, que vitima muitas pessoas em contudo, nada disso é certo. Aos agri-
Marroni
Em
delespouco
já forammais de seis
proibidos me- anos
há quinze ses, o Cândido benefícios
grandes M ota. aos agricultores, uma cultores faltam
cos presentes nosinformações técnicas
alimentos que chegame C ândido
ETEC M oLuiz
Prof. ta-SP
Pires Barbosa,
Governo
pela Federal anunciou a liberação de Por outro lado, devo reconhecer que ao Governo mais seriedade. É
239 —novos
216 agrotóxicos,
ARTIGO DE OPINIÃO sendo que alguns a liberação dos novos agrotóxicos inadmissível a negligência do Estado, ARTIGO DE OPINIÃO — 217
trará que não fiscali- za periodicamente as
taxas de agrotóxi-
RENASCIMENTO LUXUOSO

José Gabriel Marques


Barbosa

Os dogmas religiosos sempre acom- denominada “A Matriz dos Anjos”, logo uma das formas de arrecadação de Embora o novo e o belo sempre
panharam o compasso da dinâmica após sua reforma completa. recur- sos, tem sido prejudicial às nos instiguem a experimentar o que há
evo- lutiva da sociedade, marcando No entanto, a beleza não é o único pessoas que a utilizam como meio de de me- lhor em nosso tempo, toda
presença em todas as culturas ponto de vista a ser analisado: milhares sustento, o que de fato se confirma, mudança não precisa ser radical, mas
humanas. A cultura brasileira não fica de reais da comunidade católica local pois com essa cam- panha, vários consciente das consequências, sejam
de fora desse cenário: com dezenas de têm si- do incansavelmente arrecadados catadores de lixo perderam seu ganha- elas sociais, físi- cas ou econômicas,
milhões de devotos, a re- ligião católica e investi- dos na referida obra, que pão diário. que possam vir à to- na. Não podemos
tornou-se predominante no país, inicialmente era uma simples ampliação, Por outro lado, há algumas pessoas ficar parados e deixar parte de nossa
especialmente nas regiões interiora- na qual se preser- variam algumas das que defendem que a estrutura arquitetô- história se perder para es- sas
nas, onde a devoção pelos santos e anjos características históri- cas e tradicionais nica moderna deve prevalecer, transformações. Acredito que há a ne-
é marcante. À medida que o número do templo cristão. justificando a reforma como uma cessidade de preservar a essência
de seguidores aumenta, espaços De fato, a reforma era necessária, maneira de a Igreja local se adaptar religiosa no município, assim como em
maiores são necessários para reunir a para comportar maior quantidade também às novas tendên- cias. Com qualquer ou- tro lugar do mundo,
essas comunidades religiosas. Todavia, de devotos na Matriz. Ma s não em isso, a instituição estaria apenas todavia, defendo que é dispensável um
mais extensas ainda são as despesas grandes proporções, pois, além de procurando chamar, com sua renascimento tão luxuo- so que
financeiras para custear a construção envolver um desembolso monetário imponência, cada vez mais a atenção contradiz até o eterno valor cristão de
ou as reformas de suntuosos templos de significativo de seus fiéis, a dos jovens da re- gião, pois muitos humildade.
oração. reconstrução tem incluído em seu deles têm se desinteres- sado e se
Uma questão relacionada a esse fato projeto uma modernização radical da desviado do caminho de Cris- to. Nessa
tem dividido opiniões no pequeno arquitetura, realizando modificações perspectiva, uma das líderes re- ligiosas
torrão onde moro. Até pouco tempo com base em um projeto moderno, algo da comunidade católica, a também
conhecida como a “cidade do feijão” contra- ditório para os padrões de estilo educadora Samilly Martins, afirma que é
(pela larga pro- dução do grão, há e de valor histórico da antiga e querida preciso degustar de novas visões, pois
algumas décadas), Ta- vares, um Paróquia de São Miguel Arcanjo. Na a reforma não apenas é uma maneira de
lugarzinho apegado aos santos, com opinião do edu- cador Sebastião Alves, au- mentar a quantidade de devotos e Professora Jaciara Pedro dos
população
ja mais belaem torno de
da região, que14 mil habi-
passará a ser cidadão
a campanhatavaren- se, a ampliação
de reciclagem, utilizada era de
esse turis-
pequeno tas na cidade,
município já que
interiorano. Santos
EE Tomé Francisco da Silva, Quixaba-
tantes, no sertão paraibano, poderá, necessária,
como mas não nessa amplitude. representa também a tentativa de PE
ago-— ARTIGO
218 ra, serDEreconhecida
OPINIÃO como o lugar A demais, ele afirma que embelezar e de modernizar o lugar, ARTIGO DE OPINIÃO — 219
da igre- trazendo notoriedade e avanço para
EM BRIGA DE MARIDO E Os casos de violência extrema a mu- la Braga, do Escritório de Advocacia Bra-
MULHER, METE-SE A POLÍCIA! lheres acontecem em tempos, espaços sil: “Quando o feminicídio vai a
e situações diversas. A exemplo da julgamento, normalmente é tratado
Antonia Edlane Souza passa- gem bíblica, que narra a história como crime passio- nal”, o que é uma
Lins da “mu- lher adúltera”, quase lástima. Cobremos, pois, dos órgãos
apedrejada pelo fato de ser acusada de públicos, punições mais severas aos que
A constante batalha da mulher pelos mo que socialmente velada, o que levou uma prática que entre os homens é mais praticam esses crimes. Faz-se ne-
seus direitos e pela notoriedade social à desqualificação da honra feminina e permissível. É uma vio- lência enraizada, cessária uma atitude de basta à
não é recente. Há anos, o movimento ao julgamento de depreciação social regada com o machismo e colhida com impunidade. O Brasil possui uma taxa
feminis- ta busca atenuar o estigma de por serem quem são, resultando, a misoginia, que chega aos mais de feminicí- dios que é a quinta maior
sexo frágil e inferior, evidenciando várias muitas das vezes, em adjetivações, tal singelos recantos, como é o caso da do mundo, de acordo com a ONU. Esse
conquistas ao longo da história, como o como profa- nas. Esse argumento minha pequena M arcelino Vieira (RN), dado é tão assus- tador que precisa ser
voto, a entra- da no mercado reforça e testifica as justificativas que nos últimos dois anos presenciou a debatido e, priorita- riamente,
profissional e o direito de estudar. O daqueles que adotam prá- ticas de morte de duas mulheres, com requintes combatido. Deve-se, portanto, começar
problema é que, além de lutar pela maus-tratos, abusos e até mes- mo de cruel- dade. Assassinadas pelo com a denúncia, seja por parte da
equidade de gênero, a mulher preci- sa crimes. simples fato de, como mulheres, lhes vítima, seja por qualquer cidadão,
conviver com o medo de ser agredida e Decerto, a misoginia e o machismo serem privadas as chances de defesa, desmi- tificando a ideia de que “em
morta, consequência da misoginia que são dois agravantes e causadores de al- pois, além das armas de calibre ou de briga de ma- rido e mulher, não se mete
afeta a integridade física e psicológica to percentual de agressões. Os dados punho, usaram também a mais potente, a colher”; em seguida com a
das vítimas, o que contribui para a do A nuário do Fórum Brasileiro de a covardia. Chocando, assim, todos os implantação de mais unida- des de
persistên- cia dos casos de violência Segurança Pública são alarmantes. munícipes. atendimento às mulheres, que ofe-
doméstica e do crescente aumento do Uma mulher morre a cada duas Diante disso, podemos nos questionar reçam todo apoio emocional, capaz de
feminicídio. horas; e cerca de 500 são violentadas sobre a eficácia dos mecanismos ou- vi-las e protegê-las; além do
No século XIX, época do movimento por hora, em sua maioria, negras e jurídicos quanto à integridade física da aumento de delegacias especializadas
romântico, havia toda uma idealização pobres. Hoje são elas, amanhã poderá mulher. Será que não existem leis que as que sejam aces- síveis 24 horas.
da figura feminina: damas vistas como ser eu, nós, quem mais? Tudo isso é protejam? Ou existem, mas não são bem Inegavelmente, é hora de dar voz a
puras e recatadas, fiéis ao lar e aos revoltante. Primeiro, por mostrar o aplicadas? São duas leis específicas de essas mulheres, aplicar a devi- da
maridos. Essa personificação de estereótipo da mulher periféri- ca. proteção à mulher: a Lei Maria da Penha medida jurídica e garantir o respeito e
perfeição sempre mascarou a Segundo, por apresentar as dificulda- (Lei nº 11.340/2006) e a Lei do a segurança, que lhes cabem por
Professor José Jilsemar da
desvalorização de mulheres por seus des de sobrevivência numa sociedade ex- Feminicídio (Lei nº 13.104/2015), que direito.
Silva
esposos e pela
de é que sempre houvesociedade
a opressão,que tremamente dos
intensificação patriarcal e machista. Por
atos agressivos. parecem
nência da não intimidar
prática o agressor.
do crime. Para Ana Na M
EEarcelino Vieira-RNLicurgo Nunes,
Desembargador
moldavam
mes- uma forma de fim, por conviver com o racismo que verdade,
Pau- as leis existem, no entanto, ao
comportamento
220 que nunca atendeu à
— ARTIGO DE OPINIÃO leva a uma meu ver, falta efetivação para puni-lo na ARTIGO DE OPINIÃO — 221
realidade. A verda- imi-
“VALEU nador de desafios! Todavia, não me sinto Diante do exposto, mesmo na
BOI?” representado, de forma alguma, por presen- ça de qualquer regulamentação
Arysnágilo Waldoniêr Pinheiro uma prática cultural que oportuniza ou alter- nativa de proteção aos
Vieira inúmeras situações de maus tratos, animais, o que não vejo nos populares
causando sérias lesões em bois e parques, os atos impe- tuosos
Quem já leu “Vidas S ecas”, de grita “Valeu Boi!”, validando o ato, o cavalos, podendo levá-los até mesmo à continuam inerentes à vaquejada. Em
Graci- liano Ramos, conhece o públi- co vibra e aplaude a destreza na morte. razão disso, considero que há a neces-
vaqueiro Fabia- no, integrante de uma domina- ção do animal, o qual, ainda Sob esse viés, os contrários a essa sidade de desenvolvimento e valorização
família de retiran- tes nordestinos que caído, sofre com a dor causada pelo prá- tica, assim como eu, defendem, de outros festivais – como as
sai em busca de me- lhores condições impacto e sente na pele o poder da categori- camente, os direitos e a cavalgadas, por exemplo –, que
de vida. Nessa célebre obra, ao retratar crueldade humana. Tal fei- to ignora proteção dos ani- mais acima de representem os costu- mes do povo
o homem em condições sub-humanas, direitos e justifica atitudes impie- dosas qualquer movimento econô- mico ou nordestino sem agredir a fau- na,
traduzidas pelo caráter ani- malesco, o em nome da cultura, contrapondo-se ao sociocultural. Logo, objetivando a preservando os valores da nossa terra.
autor me faz refletir acerca de uma que está posto na Constituição Federal. proibição de tais eventos, buscam Assim, poderemos fechar as
polêmica presente no lugar onde vivo. C ontudo, há quem considere a vaque- eviden- ciar as práticas danosas às quais porteiras do retrocesso cultural, abrir o
Anualmente, José da Penha, municí- jada um esporte de farta expressão esses se- res são submetidos. Nessa caminho em direção à garantia dos
pio pertencente ao Alto Oeste cultural do Nordeste. Empresários, dimensão, para Vânia Nunes, veterinária direitos desses ani- mais, criando
Potiguar, torna-se palco de um evento organizadores e donos de parques e diretora do Fó- rum Nacional de distância da animalização narrada em
que atrai cen- tenas de pessoas, a afirmam que essa his- tórica tradição Defesa e Proteção Ani- mal, a “Vidas Secas”. É preciso, pois, que o
vaquejada. Em razão de situações traz mínimos e esporádicos problemas à perseguição e a consequente que- da grito de “Valeu Boi!” possa ecoar
nocivas à saúde dos cavalos e bois saúde do animal envolvido. Ademais, podem causar ferimentos, dor, fraturas dentro e fora dos currais de José da
utilizados, a também conhecida “festa do destacam que, além de represen- tar um e perturbação mental. Penha, desvelando a fiel representação
vaqueiro” vem sendo discutida, ultima- povo, gera renda, empregos e ou- tras Dessa forma, a necessidade de da identi- dade nordestina.
mente, e nos leva a indagar: “O que está oportunidades lucrativas à população. crimi- nalizar a vaquejada torna-se cada
em jogo é o pleno exercício das Essa é uma visão também comungada vez mais notória em nossa sociedade e
manifes- tações culturais ou a pe- los proprietários de pelo menos no lugar on- de moro. C omo disse o
preservação dos di- reitos dos cinco par- ques de vaquejada no entorno Ministro do Supre- mo Tribunal Federal,
animais?”. de meu mu- nicípio, o que é contrário à M arco Aurélio Mello, a prática possui
Considerada uma fiel representação minha opinião. C omo disse Euclides da “crueldade intrínseca” e o dever de
do cotidiano e ofício do vaqueiro, a C unha em seu livro “Os sertões”: “O proteção ao meio ambiente, pre- visto Professor Jocenilton Cesário da
tradi- ção consiste
so, no mesmo momentoem puxar
em quea ocalda do
locutor sertanejo
de terras é, antes
áridas, povode tudo, um
guerreiro e forte”. no
em Artigo
relação 225
à da C onstituição, sobre- Costa
EE Vicente de Fontes, José da Penha-
boi, de- sequilibrá-lo e provocar sua De fato. Sou nordestino e me orgulho
colecio- põe-se
natureza.aos valores culturais. Nesse RN
queda
222 entre DE
— ARTIGO asOPINIÃO
faixas demarcadas pela de ter nascido em um lugar senti- do, apoiar, difundir e legitimar tal ARTIGO DE OPINIÃO — 223
cal. Em virtude dis- “esporte” revela a face negligente e
cruel do homem
A POLUIÇÃO DOS RIOS NO zidas pelo raciocínio de que os fins justifi- atingida está em perigo. Só pessoas que
MIMOSO: TUDO VALE A PENA EM cam os meios, mas, acredito eu, não colocam o lucro e o capital à frente do
NOME DO PROGRESSO? justi- ficam. Isso porque não há capital ser humano e do meio ambiente não
capaz de devolver a vida aos animais e conse- guem enxergar isso. Afinal, ao
Ioneide Ferreira de os recursos hídricos necessários à permitir que a natureza seja danificada,
Souza sobrevivência das pessoas. Sem contar estamos afe- tando o lugar onde
que destruir o meio ambiente é destruir vivemos, ou seja, a nós mesmos, a nossa
Kalunga do Mimoso é uma das tantes e do consequente aquecimento a todos nós. Como al- guém pode não história, a nossa origem, a nossa
comu- nidades quilombolas que fazem do comércio local e da construção civil. compreender isso? tradição. É preciso que entenda- mos
parte dos vestígios históricos que A ex- pectativa inicial, todavia, foi Penso que a ingenuidade possa ser que todas as vidas valem a pena. O
compõem a iden- tidade cultural do apagada pela decepção e pela sensação uma resposta a essa pergunta. Ela levou poder público e a sociedade arraiana
lugar onde eu vivo: Ar- raias. Os(as) de indignação perante inúmeras muitos a acreditarem que a empresa, preci- sam olhar a situação como o
quilombolas desse agrupa- mento devastações ambientais que se pela idoneidade apresentada, cumpriria problema que de fato é, não como
social, formado por 270 famílias, sucederam. A extração de fosfato e o as pro- messas feitas inicialmente. Essas consequências inevi- táveis dos avanços
somando 1.300 pessoas, são descenden- depósito de metais pesados no rio cau- pessoas queriam lucrar com a instalação que se quer alcançar.
tes de homens e mulheres negras que, saram a morte de peixes. Além disso, a da indús- tria, mas agora contabilizam Assim sendo, a empresa só fez bem
em meados do século XVIII, fugiram da co- loração escura das águas levantou a prejuízos. O que resultou foi o para aqueles que de alguma forma
explo- ração escravagista em busca de sus- peita de que o consumo e o uso do transtorno, a devastação do meio recebe- ram benefícios para fechar os
espaços de sobrevivência, liberdade e recurso na atividade agrícola podem ambiente, o calote no comércio. No que olhos diante dos impactos causados por
resistência. O lugar encontrado por eles causar sérios riscos à saúde. concerne ao compromisso com a ela. É o lucro e a defesa do progresso
é atravessa- do pelos rios Bezerra e Acontece que a Itafós, como a geração de emprego, pouquíssimos colocando a vida no Mimoso em
Paranã, o que lhes possibilitou garantir maioria das empresas que visam lucro, mora- dores da região foram segundo plano. E isso é de uma
o sustento por meio da agricultura de ancora seus pensamentos na relação contemplados, pois a maioria dos crueldade imensa. A necessidade de
subsistência. Fonte de so- brevivência, custo-benefício. C omo se sabe, as cargos foram ocupados por pessoas de empregos e de avanços econômicos não
esse recurso hídrico, no entan- to, está multinacionais, principal- mente as outros lugares. Fazendo uso das pode ser maior que a
sob risco de ser perdido em decor- mineradoras, potenciais gerado- ras de palavras de Dinomar Miranda, jorna- imprescindibilidade de proteger a
rência dos impactos ambientais causados impactos ambientais, optam, muitas lista local, “[...] prometeram emprego natureza e de garantir que a população
pela atuação da mineradora Itafós. vezes, por colocar os ganhos em para as comunidades e estão do Mimoso, símbolo da resis- tência
A empresa de mineração foi implan- detrimen- to da proteção da natureza e entregando uma devastação [...]. O rio arraiana, não precise pagar com a
tada mediante a justificativa de contri- da vida huma- na. Poluem rios, matam acabou”. saúde ou com
Professora a própria
Elaine vidadepor isso.
Cardoso
buiremprego,
de para a modernização da cidade
aumento do número de e peixes
a Itafósefez
ainda
aqui.ten- tam
Essas ocultarsão
decisões o crime A da
fauna, ingenuidade, porém,
flora e do povo não é um
da comunidade Sousa
C E Professora Joana Batista Cordeiro, Arraias-
pa- ra a melhoria da economia com
habi- mandando enterrá-los na areia, como os
condu- argu- mento válido para aqueles que TO
geração
224 — ARTIGO DE OPINIÃO moradores afirmam que têm se ca- lado frente aos desastres ARTIGO DE OPINIÃO — 225
ambientais cau- sados pela atuação da
empresa. A vida da
MINHA TERRA TEM dos já foram realizados acerca do turismo é outra forma de gerar renda.
BELEZAS, MAS EMPREGO JÁ assunto e, através desses, foi possível C om certeza, o campo industrial
NÃO HÁ! concluir que o Bairro Mococa se mostra também repre- senta um caminho
Ana Paula um local pro- missor para o viável, contudo, esta opção trará
Comuni desenvolvimento da ativida- de benefícios se, primeiramente, respeitar e
industrial. O bairro, por estar afastado agir de forma sustentável com o meio
Fazendo limite com o Estado de São prego, ocasionado pela hipertrofia do se- do centro da cidade, apresenta terrenos ambiente e assegurar empregos aos
Paulo, encontra-se Monte Sião, cidade tor produtivo, já que há excesso de apropriados para construir; ademais, cidadãos monte-sionenses. Acredito que
in- teriorana com uma população mão de obra disponível e produção de um número significativo de habitantes nossa querida Monte S ião possa se
estimada em 23 mil habitantes. Foi aos peças de roupas em larga escala, que lá moram se deslocam todos os dias desen- volver e se modernizar sem
pés da Serra da Mantiqueira que o aumentando a concorrência nas vendas para tra- balharem longe de suas casas agredir os re- cursos naturais,
aconchegante muni- cípio se de peças de tricô. Além disso, a ou estão de- sempregados. Nesse garantindo assim, às gera- ções
desenvolveu e construiu seu lega- do desvalorização do po- contexto, indústrias no bairro presentes e às futuras o privilégio de
histórico e cultural, constituído de boa der de compra, devido à crise alojada favoreceriam moradores que tra- respirar ar puro e desfrutar desse imenso
culinária e também de construções e em âmbito nacional, tem prejudicado os balhariam perto de suas casas e trariam mar verde. Assim, em meio a tantas
mo- numentos que valorizam a fé e os ven- dedores. Conforme informações da emprego a quem não tem. rique- zas naturais, poderíamos dizer,
costu- mes dos imigrantes europeus revis- ta “Exame”, nos últimos cinco Em minha opinião, é indiscutível que parodian- do Gonçalves Dias: “Minha
que fazem parte da história monte- anos a ren- da dos trabalhadores a cidade precisa de novos nichos terra tem be- lezas e emprego também
sionense. Devido a isso, turistas de chegou a cair 16%; desse modo, custos econômi- cos e maiores investimentos há!”.
várias regiões do Brasil são atraídos adicionais são corta- dos, cada vez para seu pro- gresso, pois emprego já
para a cidade. mais, da lista de despesas dos não há, advindo das malharias como
Além dos atrativos turísticos, o brasileiros. era antes. Uma boa alternativa seria o
princi- pal fator que traz pessoas à Diante da questão, surge um conflito turismo rural, a fim de usufruir e
cidade é o co- mércio de roupas, pois a de opiniões sobre as possíveis valorizar as belas paisagens da cidade.
base econômi- ca do município está, soluções, pois há quem defenda a Por meio de trilhas, passeios e es-
em sua grande par- te, na confecção e necessidade de instalar indústrias – de portes de entretenimento, assim como é
venda da moda tricô, a qual é base ou de bens de consumo – na feito em várias fazendas e sítios do
fomentada por mais de mil malha- rias, cidade. Entretanto, outros acreditam municí- pio vizinho, Águas de Lindóia,
responsáveis por gerar empregos para a que tal medida pode causar da- nos ao onde muitos turistas que vêm a Monte
Professora Carolina Nassar
maioria da população. Tal fato concedeu meio ambiente, já que a cidade pos- sui Sião se hospe- dam, em razão das
Gouvêa
a
dãosMonte Sião,
têm sido em 1973, pelo
prejudicados o título
desem-de uma vasta
feito área José
da cidade, verdePocai
e muitas nascen-
Júnior, estu- variadas
zona ruralopções
tambémdeserá
la- zer oferecidaspois
beneficiada, por Monte Sião-MG
EE Provedor Theofilo Tavares Paes,
“Capital Nacional do Tricô”. tes. Então, estaria Monte Sião preparada lá.
o Dessa forma, além de atrair turistas,
No entanto,
226 — ARTIGO nos últimos anos, os
DE OPINIÃO para receber indústrias? Segundo o que terão mais uma opção de lazer em ARTIGO DE OPINIÃO — 227
cida- pre- nossa cidade, a população da
O PÃO NOSSO DE CADA DIA até por um leigo no assunto, com uma fato de, nos últimos anos, os índices de
PODE ESTAR ENVENENADO sim- ples observação da paisagem. pessoas com câncer, em nossa região,
Sob outro ponto de vista, o produtor te- rem aumentando
Fernanda de Souza Gerson Rugiski defende que os consideravelmente. Este ano, na cidade
Fagundes agrotóxicos são eficientes no combate a confrontante a Rebouças, instaurou-se
fungos, doen- ças e pragas que atacam um hospital para tratamento exclusivo
A história de minha querida Em meio a uma discussão nacional as plantas, e é to- talmente contrário ao de doenças oncológicas, devido à
Rebouças conta-me que, no passado, so- bre o assunto, em que se impôs um cultivo de produtos or- gânicos, que, grande incidência de casos, o que me faz
os tropeiros passavam por aqui para novo marco regulatório para a avaliação segundo ele, produzem pouco e têm um defender que o preço pago para a
descansar da lon- ga viagem que os de risco de alguns agrotóxicos, bem aspecto não muito atrativo ao con- produ- ção de alimentos em grande
levava até Minas Gerais e São Paulo, ao como a libera- ção de outros, sumidor; alega também que para o desen- escala está sendo alto demais. Afinal,
conduzir o gado, e habitua- ram-se a reacendeu-se uma antiga polêmica volvimento de um agroquímico exigem- qual a coerência em preocupar-se tanto
fazer paradas para beber água. Assim, entre os moradores. Os grandes se anos de estudo para se chegar a uma com a quantidade da produção se ela
quando nasceu a comunidade, ela já latifundiários defendem que esses produ- fórmu- la, que seja imune à saúde dos pode estar contami- nada? É o bem
possuía um nome “Poço Bonito”, home- tos são essenciais à prosperidade de seres vivos. comum que está sendo priorizado?
nageando o reduto de água extremamen- suas lavouras, enquanto outros Concordo que a produção de alimen- Infelizmente, julgo que não.
te límpida. Ma s o tempo impassível habitantes preo- cupam-se com a tos é essencial ao país. O Paraná Se os tropeiros precisassem voltar a
trou- xe consigo outra realidade, qualidade de vida que po- de estar destaca-se por ser um grande exportador beber água em minha comunidade,
evidenciada na placa afixada, este ano, sendo deteriorada. de alimentos, atividade responsável por certa- mente não mais avistariam o
na entrada da ci- dade: “Região em O principal argumento dos parte significativa do PIB do Estado. poço boni- to, mas talvez enxergassem
perigo! C ada pessoa es- tá consumindo defensores dos agrotóxicos é que seu Preocupo-me, entretan- to, com a alguma poesia no velho pinheiro
o equivalente a 14 litros de agrotóxicos uso aumenta a produtividade por hectare quantidade de agrotóxico presen- te em sobrevivente, em meio a uma lavoura
todo ano”. e, consequente- mente, possibilita cada produto e defendo a criação de que parece infinita, com seus galhos
Em pesquisa realizada em nossa reduzir as áreas desmata- das para políticas públicas que valorizem o homem erguidos aos céus, como em prece, para
região, no mês de junho, divulgada pelo plantio. Porém, vejo, com tristeza, que do campo que produz alimentos livres que os homens percebam, a tempo, a
jornal “Fo- lha de Irati”, foi constatado nossas matas nativas, inclusive as arau- de veneno. Questiono-me se todo lucro importância de cultivar a terra com res-
um elevado ní- vel de pesticidas na cárias, estão sendo substituídas por visa- do pela minoria de produtores ponsabilidade, a fim de garantir a
água que chega às casas localizadas no grandes plantações, o que evidencia que detentores de muita terra e por susten- tabilidade do planeta.
quadro urbano. Além disso, na área os órgãos de fiscalização, Ibama e IAP, empresas que são pri- vilegiadas pela Professora Maria
Silmara Saqueto
rural, onde nossos pais rela- tam que, não estão con- seguindo conter o fluxo venda de agroquímicos não afetará a
Hilgemberg EEEFM
outrora,
o uso de podiam, tranquilamente, beber
agrotóxicos. acelerado
tanto, de des-
extintos, fato matamento,
facilmente destoca e longo (ou em
cia do uso nem tão longo)
demasia prazo a o
dos agrotóxicos Rebouças-PR
Faxinal dos Francos,
água pura dos “olhos d’água”, perce- bo queimadas, e que as
comprovado punições se sustentabilidade do lugar onde vivo e a
que—seARTIGO
228 torna DE
cada vez mais exacerbado
OPINIÃO mostram ineficazes. Lamentá- vel! Os vida de todos seus habitantes. ARTIGO DE OPINIÃO — 229
recursos naturais estão sendo, por- Particularmente penso ser
consequên-
“CHUTA QUE É os termos utilizados de forma pejorativa tos, o que acarreta na volta da ocultação
MAC UMBA” são usados para a diversão entre amigos da sua cultura.
Naira Danyelle de Souza e não são motivos para ofensa. Há “Junqueiro, terra da paixão”, terra do
Santos também um percentual que se coloca povo “apaixonado”, que deve se posicio-
como neu- tros e não discute sobre o nar contra o que afeta a essência de
“Junqueiro, terra da paixão”, paixão escritor Carlos Bernardo Gónzales assunto. Entre- tanto, não é vista seu slogan, posicionamento esse, do
de Cristo, paixão do povo. Paixão é um eviden- cia um dos malefícios sociais neutralidade ou diversão quando, Gover- no local e da população. O
senti- mento intenso e profundo que, de adjuntos da intolerância. Apesar do fato durante os cultos nos terreiros, a Governo deve posicionar-se através do
alguma forma, está relacionado com o supracitado, a sociedade a qual eu população se incomoda e critica, investimento em oficinas e eventos que
acolhimen- to. Sendo assim, o slogan da pertenço – Junquei- ro, cidade pacata rompen- do com o que está escrito no preguem a liberda- de de expressão e a
cidade é atra- tivo, mas a realidade do interior de Alagoas – venda os olhos inciso VI do Art. 5 o da Constituição união das religiões e promover a maior
distancia-se do que está escrito nas para a problemática e isso é explicável, Federal, que as- segura liberdade de visibilidade dessa popu- lação, que por
placas das entradas da ci- dade. A terra pois o conjunto social apre- senta raízes crença aos cidadãos. Ademais, segundo sua vez, deve posicionar- se através da
não é da paixão quando es- tamos a preconceituosas. Outrossim, dados do Ministé- disseminação da igualdade e do
discutir sobre as religiões de ma- trizes historicamente os indivíduos têm tendên- rio dos Direitos Humanos (MDH), no Bra- respeito, buscando o abandono de suas
africanas. Ainda, frases como “chuta cia a seguir o que conhecem e a criticar sil a cada quinze horas é realizada uma raízes preconceituosas. Assim, será
que é macumba”, “oferenda de o que supõe conhecer e isso aplica-se à de- núncia referente a intolerância possível que todas as religiões alcancem
Iemanjá” e demais frases inclusas no re- ligião. A nossa história é altamente religiosa, e 39% dos casos estão a igualda- de e a mesma visibilidade
dicionário ofen- sivo de grande parcela marca- da por episódios nos quais os relacionados com as religiões de perante a socie- dade, e as religiões de
da população de- monstram que a negros foram obrigados a ocultar sua matrizes africanas. Apesar disso, é matrizes africanas se- jam vistas como
comunidade “apaixonada” utiliza de própria religião. Além disso, nota-se provável que municípios como o meu algo comum e inofensivo, como sempre
forma pejorativa e preconceituo- sa que denominações cristãs, em massa o não possuam alto índice de denún- foram.
termos que para um grupo religioso re- catolicismo, preocu- param-se em cias, pois além da falta de informação, a
presenta sua história. Além disso, o mes- disseminar histórias, não ve- rídicas, que maioria das ofensas são generalizadas e
mo percentual populacional que se transformaram as religiões de matrizes às vezes não explícitas, como as
pres- ta ao papel de “julgadores sociais” africanas, como a umbanda, em algo festividades que ocorrem na cidade nas
relata que não existe preconceito em que se deve temer e motivo de vergo- quais são con- vidados padres e
suas falas e que o desconforto causado nha para os que a praticam. pastores e não os sacer- dotes da
pelos comen- tários não passam de A posteriori, de acordo com uma umbanda ou do candomblé. Ou como
“mimimi”. Esse fato evidencia que o par- cela populacional “não existe os investimentos em shows católicos e Professor Ismaeli Galdino de
preconceito [...]”,
compreensão estáesseenraiza- do
trecho da frase intolerân- aqui”,
acontecem cia religiosa no acredita
outra parte município; protestantes
de e a falta
e são vítimas deles em festivida-
de julgamentos incorre- Oliveira
EE Padre Aurélio Góis, Junqueiro-
culturalmente.
do aliás, trata-se de um local pequeno, e
que des dos terreiros. Diante dos fatos AL
“A DEintolerância
230 — ARTIGO OPINIÃO fecha os coisas assim não citados, nota-se que os seguidores de ARTIGO DE OPINIÃO — 231
caminhos da religiões de matrizes africanas não
possuem visibilida-
AMANHECEU, POR QUE entre as crianças, conforme explicou a tentes. É importante também um
AINDA ESTÁ ESCURO? pró- pria Secretaria. M uitos moradores trabalho de conscientização de todos os
culpam a fumaça por essas doenças que envolvidos para que a saúde e a vida
Tailane da Rocha aparecem nessa época e chegam a sejam priorida- des e não apenas um
Sousa afirmar que a pa- lha queimada, em suposto lucro. Ou- tra alternativa seria
virtude do uso exces- sivo de a busca de parcerias entre associações
Vivo em uma fazenda simples, se utiliza somente a palha como combus- agrotóxicos nas lavouras de ca- fé, de produtores e outros órgãos, como
peque- na e de povo humilde, no tível. Além disso, não estava sendo também estaria contaminada. Tal afir- Prefeitura, Idaf, Incaper, Câmara de
interior de Go- vernador Lindenberg. respei- tada a distância mínima das mação carece de um estudo Vereadores, para a instalação de mais
Apesar de possuir várias atividades rodovias”. Em consequência, uma aprofundado para comprovar ou não a secadores, de forma a atender a alta
agrícolas, a economia es- tá baseada no grande quantidade de fumaça polui o ar. sua veracidade. De qualquer forma não produção sem a necessidade da se-
café, cuja colheita garante o sustento Na alvorada, nesse período de inver- deixa de ser um fa- to preocupante. cagem noturna, o que contribuiria
das famílias. Entretanto, no pe- ríodo da no, a fumaça não se dissipa, Os que defendem o uso da palha, para a redução da excessiva fumaça
safra – entre abril a julho – uma misturando- se à neblina. O veludo prin- cipalmente os donos de produzi- da à noite. Assim, quem sabe
fumaça encobre todo o ambiente causa- negro envolve toda a região, secadores, afir- mam que a prática é nas manhãs frias poderíamos respirar a
da pela queima indiscriminada da palha dificultando a visibilidade, prin- necessária porque re- duz custos, uma natureza que nos cerca e o único cheiro
do café nos secadores. cipalmente a dos motoristas que vez que o preço do café está muito seria o do ca- fé quentinho aquecendo o
Sabe-se que a determinação legal trafegam nas rodovias e estradas abaixo das condições mínimas para a nosso dia e tra- zendo o bem-estar que
permite a queima da palha do café, secundárias que cortam o município, produção. A “casca” do café é um tanto almejamos.
como combustível nos secadores, colocando em risco a sua vida e a dos subproduto da própria produção, por ser
apenas duran- te o dia. Mas, ao que que transportam. É um verdadeiro caos. um resíduo extraído no processo de
tudo indica e é fla- grante, aqui no Há dias em que fica im- possível a bene- ficiamento dos grãos, não sendo
município, há queima da palha também locomoção. Os que trabalham em necessá- rias despesas adicionais.
durante a noite, causando muitos outras localidades reclamam dos atra- Segundo eles, se- car apenas com a
transtornos à população; prática com a sos constantes a que são submetidos. lenha elevaria custos que afetariam
qual não concordo. Outra situação preocupante é em re- diretamente o produtor. Penso que
Os indícios são de que alguns seca- lação à saúde da população que todas nunca a questão econômica deve es- tar
dores funcionam de forma irregular. De as manhãs respira a fumaça. Ainda que acima da saúde e da vida das pessoas.
acordo com o engenheiro agrônomo a Se- cretaria M unicipal de Saúde não Em suma, é preciso compreender e Professora Fernanda
Ferreira Moronari
Alis- son Rodrigues do Idaf (Instituto de disponha de dados sobre as cumprir a instrução normativa publicada Leonardelli
Defesa Agropecuária
do feito à noite, e Florestal
o que é proibido quandodo consequências
doenças crônicas dorespiratórias,
ex- cesso de fumaça,
sobretudo, pelo Idaf,
lização maisque impede
rigorosa dosque os secadores
órgãos compe- Lindenberg-ES
EEEFM Irineu Morello, Governador
Espírito San- to): “O processo de é certo que no período há um aumento fa- çam o uso da palha em horários
secagem
232 estava
— ARTIGO sen-
DE OPINIÃO significativo dos casos de inadequa- dos. Para isso é ARTIGO DE OPINIÃO — 233
imprescindível uma fisca-
VERDE, AMARELO, AZUL E é justificado por ser a atividade petrolífe- mentação dos indígenas e do povo ama-
PRETO ra uma das que oferecem graves riscos paense como um todo.
Eduardo Patrick Penante de acidentes ambientais que estão além Acredito que deva ser revisada e
Ferreira das normas regulamentadoras, veta- da a decisão de exploração do
conforme es- clarece Francisco Ponte solo ama- paense para realização de
Estando localizado no extremo norte sa apresentada pela empresa Total, Júnior, em artigo científico publicado estudos sobre gás e petróleo, já que as
do Brasil, o Amapá possui um dos vence- dora do leilão. A pesar disso, na revista “Tecnolo- gia”, em 2008. O pesquisas apre- sentadas se mostraram
maiores parques ecológicos do mundo. continuam-se ações que querem pesquisador exemplifi- ca isso insuficientes, con- forme afirmou o
Segundo o site “Logic Ambiental”, o manchar com óleo nos- sa Amazônia, o referindo-se a acidentes que ocor- Ibama. Ao que tudo indi- ca, há um
Estado possui 62% do seu território que acendeu uma polêmica na reram com plataformas da Petrobras, na interesse capital na exploração da
preservado por um regime de proteção sociedade amapaense: uns acreditam baía da Guanabara e em Araucária, Amazônia e não se consideram os ris-
especial, cujas características naturais que esses estudos sinalizem progresso e além do naufrágio da Plataforma P-36, cos ambientais, em um dos estados mais
incluem, além da presença litorâ- nea do prosperidade; outros, no entanto, também da estatal. preservados do Brasil. Apesar dos
maior rio de água doce do mundo, o temem um grave prejuízo ambiental. Ilustra, assim, o quão perigoso são diversos benefícios que poderiam advir,
Amazonas, vasta e diversificada fauna e De um lado, apoiadores como os problemas ambientais no mundo. não paga- riam os custos e as
flora, riqueza em minérios diversos e a Tarcísio de Freitas, ministro da Conse- quentemente soma-se a isso o consequências negati- vas que, com
pre- sença de combustíveis fósseis, como Infraestrutura, ar- gumentam citando a surgimento de doenças e o aumento da certeza, viriam se for explo- rado o
petró- leo e gás natural. geração de emprego e renda para mortalidade, o que é rebatido por petróleo na região Amazônica. De-
A especulação sobre esse potencial famílias amapaenses, inves- timento em apoiadores que apos- tam na segurança vemos prezar por nossa cultura, pelos in-
energético fez com que a Agência infraestrutura e consequente e confiança da empresa francesa Total. dígenas e pela nossa Amazônia, a fim
Nacio- nal de Petróleo leiloasse catorze desenvolvimento do Estado. Os Segundo o professor de Geografia de que se possa haver um futuro mais
blocos do território amapaense, que defensores desse pensamento afirmam Amapaense, Rodrigo Bandeira, a explora- sau- dável e limpo para as próximas
compreende a costa do Estado do que tal recur- so deve ser explorado ção desses recursos, mesmo a uma gerações. Ainda podemos nos
Amapá e municípios como Amapá, antes que o seu va- lor diminua perante distân- cia considerável da costa mobilizar e, juntos, evitar os impactos
Oiapoque e C alçoene. O ob- jetivo o mercado mundial e que a não fluviomarítima, podem causar ambientais da ganân- cia capitalista.
desse leilão é que essas áreas sejam utilização dele condenaria o Es- tado ao problemas, como a amea- ça de perda
perfuradas para identificar e avaliar a subdesenvolvimento. ou extinção dos recifes de co- rais
exis- tência de reservas de gás e Por outro lado, de acordo com o pro- descobertos recentemente na Costa
petróleo, por meio de estudos fessor Jackson Santos, da tribo Karipu- Atlântica do Estado do Amapá; afetação
ambientais, para que se possa explorar na, em reportagem do portal “G1 da zona de mangues, provocando a Professora Maria Cely Silva
tão valioso
conhecer bem. Entretan-
fundamento to,na
científico o último A mapá”, venha
exploração tribos aindígenas
acontecer.das
Esseetnias mor- etea ocorrência
rados; de peixes de
e problemas
outras espécies
na Santiago
EE Sebastiana Lenir de Almeida, Macapá-
estudo feito sobre o assunto
pesqui- foi Uaçá, Galibi e
temor Jaminã temem a animais que podem vir a se intoxicar
ali- AP
rejeitado
234 peloDEIbama,
— ARTIGO OPINIÃOque afirma não re- contaminação por óleo, oriunda de pelos fluídos libe- ARTIGO DE OPINIÃO — 235
possíveis vazamentos, caso a
RETROCESSO CULTURAL: TUDO masculinos com base nos seus desejos de resistência, o grupo Nossa Cultura
COMEÇA COM “UM PASSINHO”? car- nais, tratando a mulher como Tem Som foi criado para homenagear as
objeto, co- mo no trecho: “Arrastei ela mes- tras Lia da Ciranda, Anjinha e
Rayana do Nascimento pro meu carro, dei um trato e um Totinha do Coco e também resgatar
Cruz amasso”, dos cantores Shevchenko e esse valor cultu- ral que ao longo dos
Elloco. Essa cultura de tra- tar a mulher anos vem perdendo espaço para os
Um estado que se orgulha por de Para Ricardo Silva, integrante de um como propriedade masculi- na produtos da globalização. É perceptível
suas veias correr um sangue cultural dos grupos de passinho da Ilha, o impor- enfraquece o movimento feminista que que as ideias fixas só crescem quando
extrema- mente rico que eclode na voz tante mesmo é ser reconhecido, pois em Itamaracá ainda é muito pequeno se fala em ruptura de tra- dição, mas
da preta ci- randeira Lia de Itamaracá, junto com o brega funk, esse novo ritmo devi- do a pensamentos patriarcais e quando são cheias de histórias, é difícil
nas rodas do co- co, na xilogravura de J. tem ti- rado muita gente do tráfico. O machistas. Felizmente já há grupos que ficar ao lado de uma cultura que tem
Borges, na arte ar- morial do mestre jovem ainda acrescenta que poderia ser relutam para que suas músicas fujam pontos negativos, ofensivos para quem
Suassuna, no fervor do frevo e na mais um na Pe- nitenciária Barreto das características negativas, mas está fora do movimento e muitas vezes
apoteose do maracatu, atual- mente Campelo, mas preferiu o lado da arte e continuam sendo vítimas de críticas, age por discriminação. Acredito que o
tem sido invadido por uma nova febre se deu uma nova chance. Sem dúvida, talvez por pertencerem a um passi- nho não seja um retrocesso
popular – o passinho – que tomou um movimento artístico como esse muda movimento de periferia ou pela frequen- propriamente dito, pois é fato que está
conta do cenário artístico pernambuca- a vida de um ser humano, pois inde- te presença de crianças nas disputas ajudando a vida dos jovens nas
no, nos fazendo refletir: – É um pendente de gênero, classe social, etnia que, para muitos ilhéus, demonstra a comunidades de Itamaracá. Mas para ser
retroces- so cultural? ou orientação sexual, a arte sempre substitui- ção da antiga dança das reconhecido como mobiliza- ção, precisa
Na ilha de Itamaracá há as “batalhas transforma. Assim, como arte vinda dos cadeiras infantil pela “novidade” do de uma “reforma” sem deixar vestígios
do passinho” que reúnem grupos para menos favoreci- dos, o passinho também brega funk e a igualda- de da ciranda de preconceito, machismo e con- teúdos
dis- putas de coreografias. Esse é uma mobilização social. É preciso que pela rivalidade das batalhas. É mesmo eróticos que infelizmente são forte-
movimento vi- rou um símbolo de seja reconhecido, pois veio despir o um retrocesso? mente consumidos pela indústria.
resistência da periferia e um grito de preconceito da cultura perifé- rica que A Ilha de Itamaracá é a terra da
identidade na vida dos jovens que fazem desde sempre é excluída da socie- dade, ciran- da e durante anos vem sofrendo
parte dessa cultura de massa, pois para como o rap, o grafite e outras culturas uma des- valorização cultural e o
muitos torna-se um muro de con- tenção que fazem parte das comunidades. passinho, de certo modo, chega a
contra a violência e as drogas, já que Por outro lado, muitas letras de ameaçar a cultura itamara- caense, pois
muitas vezes os integrantes dos grupos músi- cas não são nenhuma composição grande parte da população jo- vem não
Professora Tatiana Cipriano de
ficam horas ensaiando, criando coreogra- da Bia Ferreira ou do Caetano Veloso e dá mais voz e espaço às belas tra-
Oliveira
fias e assim ficam
infelizmente, longe do contato
nas comunidades da com contri-
são sexistas,buem com a oscultura
pois abordam do
interesses dições
rompidada porIlha
faltaque estão Caomo
de verba. cada dia Ilha
E REMdeAlberto
Itamaracá-PE
Augusto de Morais Pradines,
a
Ilha. hostilidade e a perversidade que machismo que es- tá enraizada na sendo
símbolo esquecidas. C omo exemplo
existem,
236 — ARTIGO DE OPINIÃO sociedade. E, é claro que temos a “sam- bada de coco” que ARTIGO DE OPINIÃO — 237
ocorria na praia da co- lônia de
pescadores e acabou sendo inter-
APRENDIMENTOS ATERRADOS fessor de Ecologia da Universidade Esta- tos, prejudicando a saúde e o bem-estar
À BEIRA-MAR dual do Ceará, causará desequilíbrios da população.
na temperatura e bolsões de calor na Concordo, portanto, com a douto-
Rúbia Ellen Campelo região. ra em Ciências Marinhas, Liana Queiroz,
Costa A prefeitura de Fortaleza quando ela afirma que “é imensurável a
caracterizou o projeto como de real magnitude do impacto [causado
Com verdes mares e águas mornas, de saúde precários e escolas com “utilidade pública”, pois, de acordo com pelo aterro] em toda biodiversidade
Fortaleza, a Terra da Luz, tem péssima infraestrutura. O temor da o órgão, além de promover um aumento [...]”, uma vez que essas consequências
belezas muito apreciadas em todo o população cres- ce ao relembrar casos no turismo da cidade, tam- bém irá negativas são certas e as atitudes para
país, sendo elas retratadas, por como o do Aquário do C eará, que prover à praia local uma reestrutu- revertê-las nem sempre se concretizam.
exemplo, na canção de mesmo nome – nasceu a partir da alegação de que iria ração da faixa de areia que vem Além das implica- ções ecológicas,
“Fortaleza” –, compos- ta pelo cantor incrementar o turismo cearen- se, sofrendo, ao longo dos anos, um acresça-se que a nature- za tem muito a
cearense Fagner. Porém, al- gumas entretanto as obras foram paralisadas estreitamento cau- sado pelo processo nos ensinar, como afirma o poeta
belezas se encontram comprometi- das por falta de verba e, hoje, nem Governo de erosão. Os defenso- res da obra Manoel de Barros, em seu poema
devido a projetos recentes, como a re- nem iniciativa privada querem mais assu- afirmam também que a requali- ficação “Aprendimentos”, ao dizer que “não tinha
qualificação de um dos principais pontos mir a finalização da obra, restando à po- trará urbanização e modernização as certezas científicas, mas que
turísticos da cidade: a Avenida Beira- pulação apenas frustração e indignação. necessárias à área, aumentando até mes- aprende- ra coisas di-menor com a
Mar. Esse fato está preocupando a Em acréscimo, constata-se que o mo o comércio da região, pois irá natureza”, coisas estas que não dizem
comunidade pelo gasto exorbitante da ater- ramento do mar preocupa organi- zá-lo e restabelecê-lo, respeito a interesses econômicos, mas à
obra e os male- fícios que sofrerão a também am- bientalistas e contribuindo para a economia da teia da vida.
fauna e a flora locais. Visando aumentar pesquisadores, como o pro- fessor do cidade. Para um litoral bonito, antes de tudo,
o turismo da região, o projeto de Instituto de Ciências do Mar, da Em contrapartida, acredito que tal deve-se preservá-lo, pois, talvez assim,
requalificação da avenida mais turística Universidade Federal do Ceará, avanço na urbanização de um setor os verdes mares do Mucuripe e a
da cidade, proposto pela prefei- tura, Marce- lo Soares, que afirma que os belo por si desfoca a prefeitura de Aveni- da Beira-Mar possam encher os
consiste em aumentar 80 metros a faixa impactos de grande magnitude podem problemas mais pertinentes que afetam olhos dos habitantes e turistas de
de areia (mar adentro) do aterro. Ele causar o soter- ramento dos recifes de a população, exer- cendo, assim, uma Fortaleza pela be- leza natural, e não
está orçado inicialmente em 68 milhões, corais, além de tra- zer prejuízos ao política apelidada co- mo “pra turista artificial, de suas praias.
o que causa revolta em uma grande habitat do boto cinza e da tartaruga ver”. Enquanto isso, áreas periféricas
parce- la da população por ver tanto verde, espécies que se alimen- tam na da cidade sofrem pelo desca- so em
dinheiro pú- blico empregado em uma região. Somando-se ao prejuízo da vários espaços públicos, como es- colas Professora Suziane Brasil
pulação sãoobranegligenciadas,
que pode trazer, inclusive,
como postos fauna,
o também
que, de acordoocorrerão
com Orieldanos à flora
Herrera, pro- e postoscom
convive de asaúde, além
poluição da ausên-
e esgotos cia
expos- Coelho
E E M Governador Adauto Bezerra, Fortaleza-
prejuízos ambientais, en- quanto outras e, indiretamente, à população, já que o de saneamento básico na maioria das CE

238 — ARTIGO DE necessidades


OPINIÃO básicas da po- pro- jeto retirará quarenta árvores do comunidades que se encontram mais dis- ARTIGO DE OPINIÃO — 239
calçadão, tantes da região considerada “nobre”,
co- mo, por exemplo, o bairro
DE “JOIA DO VALE” Nica (CAV), de Turmalina, demonstram o
A “DESERTO contrário. Esses estudos apontam que
VERDE” as nascentes da região foram muito
Tainan Lopes da prejudica- das pelo desmatamento da
Silva vegetação na- tiva para o cultivo de
eucalipto, haja vis- ta que ele apresenta
Carinhosamente conhecida como a que o eucalipto gera emprego, renda e crescimento rápido e grande demanda
“Joia do Vale”, Turmalina está localizada ri- queza para nossa região, mas grande de água, o que afeta os lençóis
no Alto Vale do Jequitinhonha, interior par- te da população, sobretudo a rural, freáticos, assim como o solo.
do Estado de Minas Gerais, em uma criti- ca bastante suas ações, pois Por isso, comungo da opinião de que
região que apresenta muitas grotas, considera ne- gativos os resultados os órgãos ambientais devem intensificar
cercada por áreas de nascentes, sociais e ambientais desse plantio. a fiscalização para que haja a redução
córregos e rios, os quais vêm secando De acordo com um estudo realizado do cul- tivo de eucalipto e, até mesmo, a
há algum tempo. Esse problema tem por Walter Viana, responsável pela proibição de plantios contínuos em
afetado bastante a popula- ção Fisca- lização Ambiental na grandes exten- sões de terra. Vale
turmalinense, pois, como é caracterís- Superintendência de M eio Ambiente e ressaltar a importância de grupos de
tico de lugares pequenos, muitas famílias Desenvolvimento Susten- tável (Supram) resistência que se formaram, nos últimos
precisam utilizar a água desses do Norte de Minas e autor de tese sobre anos, contra esse sistema pre- datório
córregos para a agricultura familiar. as consequências da mono- cultura de que as empresas de reflorestamen- to
Embora haja di- vergências, estudos eucalipto na região, os impactos têm aplicado em nossa região.
apontam ser a mono- cultura do ambientais são desastrosos, uma vez que Embora pareça ser um problema difí-
eucalipto a principal causa des- se os eucaliptos estão desertificando o solo cil de ser resolvido, visto que essas
problema ambiental. e di- minuindo a biodiversidade. Além empre- sas também geram empregos
Um recente estudo realizado pelo disso, há um questionamento sobre o para a popu- lação, o aumento
tur- malinense Clebson Souza de elevado índice de doenças respiratórias e significativo da plantação de eucalipto
Almeida, que se transformou em oncológicas, que podem estar sendo não pode ser ignorado, sob pe- na de
dissertação de mestra- do, denuncia a causadas pelo uso exa- gerado de Turmalina, a “Joia do Vale”, se trans-
situação de caos ambien- tal que vive agrotóxicos nas monoculturas. formar, literalmente, no “Deserto
nosso município, haja vista que essa Como argumento, as empresas Verde”.
Professora Paloma
região abriga uma das maiores flores- tas alegam que agem com responsabilidade Carlean de Figueiredo
plantadasMinas,
Floresta de eucalipto do mundo. Em-
entre outras, social ede Agricultura
Centro atuam de Alternativa
forma a garantir
Vicente Souza
EE Professora Edite Gomes, Turmalina-
presas reflorestadoras que vieram pra
argumentam proteção am- biental, porém pesquisas MG
cá, — como
240 ARTIGO a Acesita, Aperam, Projeto
DE OPINIÃO realizadas pelo ARTIGO DE OPINIÃO — 241
Carvalho,
A BUSCA DO “SONHO BRASILEIRO” muitos imigrantes possuam diplomas de grantes europeus, e carrega
DIVIDE OPINIÕES graduação, eles não são reconhecidos preconceitos enraizados na cultura
no Brasil, o que, aliado à dificuldade em brasileira. Ainda este ano, o site de
Luiza Bortoluzzi co- municar-se em português, os notícias “Portal Folha Regio- nal” relatou
Casali impede de atuar na área em que se o episódio em que um haitia- no, que
especializaram no Haiti. Por isso, lhes precisava abrir uma conta bancá- ria, foi
A questão migratória no Brasil tem no Haiti. Em contrapartida, grande parte resta ocupar vagas de trabalho que não impedido de entrar em uma agên- cia
sido destaque nos últimos anos em das mulheres enfrenta o desemprego. A exigem qualificação pro- fissional, do Banco do Brasil, mesmo após retirar
virtude do grande fluxo de imigrantes indústria caçadorense, que oferece recebendo, consequentemente, baixos os sapatos com biqueira de aço. O episó-
refugiados que entram no território gran- de número de vagas, prioriza a salários. dio de humilhação e constrangimento
nacional, entre eles, haitianos, em mão de obra masculina. Essa é uma Somado a isso, há ainda pessoas que ge- rou polêmica, principalmente, por
virtude do terremoto que atingiu o país das razões, sem falar no preconceito acreditam que os imigrantes trazem parte de pessoas que foram contra as
caribenho em 2010. Se- gundo a O N U, étnico-racial, pelas quais são limitadas pro- blemas, como a ocupação de atitudes dos seguranças do banco.
até o fim de 2016, foram re- gistradas as oportunida- des para mulheres vagas de emprego de moradores locais Diante do exposto, destaco que os
67 mil autorizações de residência no haitianas no mercado de trabalho. e o aumen- to da violência urbana. Em imigrantes haitianos podem, sim, contri-
Brasil, e Caçador (SC) é uma das mui- Uma coisa é certa: todos enfrentam relação ao pri- meiro caso, há buir para a sociedade, desde que
tas cidades brasileiras que recebem dificuldades para adaptar-se à cidade. justamente um movimen- to inverso, sejam devidamente acolhidos e tenham
gran- de número de haitianos. O fator A mais evidente diz respeito à pois, conforme demonstrou a seus di- reitos fundamentais garantidos.
atrativo é a presença de uma série de comunicação. Os idiomas oficiais do seu historiadora Lená M e nezes (artigo “Os A migra- ção é um fenômeno mundial e
indústrias que ofertam vagas de país de origem são o francês e o crioulo ou- tros somos nós”), a imigração, não pode- mos negar aos estrangeiros
trabalho na cadeia pro- dutiva sem haitiano que, ape- sar de ser uma língua desde o final do século XIX, impulsionou o direito de buscar uma vida melhor.
necessidade de qualificação originada do latim, assim como o o crescimento econômico no Brasil. Já Basta exercitar a empatia, porque
profissional. A vinda dos imigrantes, con- português, é muito distinta. Logo, o em relação ao se- gundo caso, não há poderia ser qualquer um de nós nessa
tudo, divide opiniões entre os aprendizado da língua por si só é difícil. evidências empíricas que demonstram situação. Além disso, não po- demos
moradores de C açador no que diz Para ajudar a superar essa barreira, o índices de violência pro- vocados pelos esquecer que o sul do país faz par- te
respeito ao seu im- pacto na cidade. IFSC – Campus Caçador disponibiliza, estrangeiros. desse processo migratório desde o iní-
Algumas considerações devem ser semestralmente, um curso de Português C omo vimos, essas são ideias que cio de nossa história. Para mim, já não é
fei- tas a fim de compreender a para estrangeiros que este ano têm base no medo do desconhecido. O uma questão de opinião, é uma questão
situação em que se encontram os contou com cerca de 80 participantes, simples fato de perceber a presença de de ação e de respeito aos direitos
haitianos que vie- ram para Caçador. A dividi- dos em duas turmas. É um pessoas que conversam em um idioma humanos.
Professor Ricardo de
maioria dos para
te da renda homens costuma
a família que trabalhar número
da maior.gran-
Outrode, mas percebe-se
problema que a
é que, embora que não é ébranca,
çadorense o descendente
português decausaimi- Campos
IFSC – C ampus C açador, C açador-
no ramo industrial, re- cebendo baixos
permanece demanda é ain- estranhamento. Além dis- so, SC
salários
242 e enviando
— ARTIGO par-
DE OPINIÃO infelizmente, existe a questão do racis- ARTIGO DE OPINIÃO — 243
mo velado. Grande parte da população
ca-
ESC OLA SEM PARTIDO:
AVANÇO OU RETROCESSO DA
EDUCAÇÃO LOURENCIANA?

Laiana Miritz Vasconcelos

O município de São Lourenço do Sul, possam discutir sobre situações de senso aprendizagem e do pluralismo de ideias Em vez disso, a escola deveria se
conhecido como “Pérola da Lagoa”, es- crítico que merecem debates e no ambiente acadêmico como prática preocu- par com o nível de desempenho
tá localizado no sudeste gaúcho e con- exposição em sala de aula. de doutrinação política e ideológica, é dos alu- nos. Ajudar, principalmente, a
ta com pouco mais de 44 mil Devemos levar em consideração que de grande relevância salientar que não pensar por si e formar suas próprias
habitantes. Infelizmente, assim como projetos como esse, por se tratar de exis- te um ensino neutro. A escola é opiniões é a única maneira de evitar a
outras cida- des, teve a opinião pública edu- cação, sempre chamam a atenção um lugar onde se deve defender a doutrinação.
envolvida no polêmico projeto de lei da po- pulação. Segundo defendem pluralidade e o debate de ideias, caso
“Programa Esco- la sem Partido”. alguns, é de grande importância que as contrário, segun- do o professor C lovis
Em 2004, preocupado “com o grau crianças e os adolescentes não sejam Gruner: “Não forma- rá indivíduos mais
de contaminação político-ideológica das influenciados mo- ral, religiosa e capazes de lidar com o mundo, que é
es- colas brasileiras”, o procurador do politicamente pela escola, pois isso é complexo. As contradi- ções devem
Estado de São Paulo, Dr. Miguel Nagib, dever da família. aparecer para formar cida- dãos mais
criou o “Movimento Escola sem Partido”, Porém, devemos lidar com a tolerantes”.
afirman- do que escola é lugar de realidade, pois diversas pesquisas Outro ponto relevante que deve ser
aprender, não de fazer política. afirmam que ape- nas 12% dos pais se discutido, é o papel do professor na
Assim, um grupo de vereadores de comprometem com a educação dos for- mação desse cidadão. Sendo ele
São Lourenço do Sul, simpatizantes filhos, o que comprova que a um educador e não um mero
das ideias do movimento, implementou comunidade escolar tem sim, grande res- transmissor de conteúdos, é
o pro- jeto de lei “Escola sem Partido” ponsabilidade na educação dos inadmissível que não possa participar
no municí- pio. Segundo justificativa da indivíduos. Ademais, apenas a educação da formação crítica do aluno, pois,
proposta: “É necessário e urgente de casa não prepara a criança para segundo o filósofo Immanuel Kant: “O
adotar medidas efi- cazes para prevenir conviver com o di- ferente, ela precisa ser humano é aquilo que a educação
a prática da doutrina- ção política e da escola para mostrar a real situação faz dele”. Professora Regina Neutzling
ideológica nas
impedindo, escolas
dessa [...]”,
forma, que educadores política,
trata econômica
a liberdade e social
de crença em que
religiosa, de Portanto,nadosala
ser debatido meu
aulaponto
é um de vista, Tessmann
E EEM Cruzeiro do Sul, São Lourenço do Sul-
vivemos. uma lei para limitar o que pode ou não
retrocesso. RS

244 — ARTIGO DE OPINIÃO Tendo em vista que o projeto pode ARTIGO DE OPINIÃO — 245
de lei
Documentári
o

G
rande novidade desta edição da Olimpíada de Língua Portuguesa, o
gênero
Documentário instigou estudantes de 1o e 2o anos do Ensino Médio a compor
narrativas audiovisuais sobre o lugar onde vivem. C om isso, as
linguagens que já atravessam o cotidiano dessa geração chamada de “nativos
múltiplas
digitais” passam a fazer parte do processo de ensino e aprendizagem de leitura e
escrita.
O que já acontece no mundo afora, agora entra, com claquete, para dentro da
escola.
As sinopses das produções apresentam-se neste capítulo, revelando o que
cada grupo de jovens documentaristas, com o celular na mão e muitas ideias na
cabeça, optou por registrar em vídeos de até 5 minutos sobre os cantos, recantos
e nem sempre encantos de seu lugar. Da Lavagem de Irará à reciclagem de lixo,
em Juína, pode-se desviar para Amarante e conhecer Dona Militana, a maior
romanceira
do Brasil. Dá para desembocar em Rosário, bairro que roga para seu estigma
mudar, e ainda viajar um bocado: tem gravado como cada entrevistado de Aracati
fez para “se contar”; rap novo com imagens antigas; a história dos “soldados da
borracha”;
a luta por uma escola nova; o testemunho de moradores de rua; a importância
das abelhas e até a construção de uma fantasia que busca fugir da monotonia de
um lugar.
DOCUMENTÁRIO 252 ALÔ? SINAL 255 FLORES D O 258 GURIA, ESSE
Índice TELEFÔN IC O M EU BAIRRO LUGAR É TEU
DE PARAJU Iana Daise Alves Andreza C astro
Gustavo de Oliveira da S ilva M arinho Duarte
Christ João Vitor de M o ura Giovana Hister
250 PELO S TRILHOS
Gustavo de Oliveira Vasconcelos Cardoso
DA FERRUGEM
da Conceição Kauany Vitória Batista Luísa de Vargas
C ristovão Oliveira
João Leno Jastrow da Silva Fellin
Bello
Simmer 258 U M REINO
M aria Eduarda da
255 M EU LUGAR, A M E U S OLHO S
Silva Martins
253 O QUE SE UBARANAS Gabrielle C arrijo
Ruan M arcos da S ilva
APRENDE QUAND O Bruna S antos Vitalino Barbosa
Pereira
A ES C OLA CAI... Almeida Mell Ribeiro Souza
Jamile Aparecida Francisco André Silva Tarick Gabriel
250 NORDESTINOS
Santos Dornelas de Moura Almeida de Morais
N O ACRE
Pedro Lucas Modesto Lucas C auã de Lima
Eloís Eduardo dos
Sabrina Heloísa dos da Silva 259 U M MINUTO
S antos M artins
Santos PARA ACONTECER
Raele Brito da C osta 256 SEPARA PRA NÓS: O Heloisa Della Justina
Thomaz Oliveira 253 POR TRÁS DAS RUAS TEMPO VALE OURO Vitória M aria Schwan
Bezerra de Menezes Antônio José E O LIXO T AMB É M Bonfim
da Paixão Emily Ferreira Horing
251 ENQUANTO Evellyn Vitória Novais João Guilherme 259 “O N O S S O PAS SA D O
HOUVER FLORES da Silva Morais C lemente da É QUE FEZ N O S S O
A manda Guimarães Vitória Bernardo Costa PRESENTE E ESTÁ
João Vitor da Silva Thauany Gabriella PREPARANDO O
C arneiro Karla M artins N O S S O FUTURO...”
Aragão 254 CARACARAÍ: Barbosa Ana M aria de Brito
251 U M A COLHER DE M I N H A HISTÓRIA/ 257 AL ÉM DAS S EC AS Sousa
MEL, U M A VIDA N O S S A HISTÓRIA Lethícia Alencar M aia Jannine Ferreira
INTEIRA Andrae Nogueira Barros Tavares
DE TRABALHO dos Santos S abrina Soares Ludimila C arvalho
Camila Sand Vinicyus Gabriel Bezerra dos Santos
Estefano Rius Andrade S ilva Yasmin Felipe Rocha
Inaê Kogler Klein W erverton Rosa Santiago
da C osta
252 A FELICIDADE 257 LAVAGEM DE IRARÁ
M O R A AQUI! 254 O LUGAR ON DE – FÉ, PURIFICAÇ ÃO
André Felipe VIVO TEM DONA E TRADIÇÃO
Tolentino da MILITANA Fabrícia dos Reis
S ilva João Vyctor de Paula Cerqueira
Davison Alves Rocha de Lima M arcelly Damasceno
S teffane C atherine N athália Rocha dos Santos
Alves S antos Campos Rayane Gonçalves
Raphael Dias de Sousa
C âmara
PELOS TRILHOS DA NORDESTINOS NO ACRE ENQUANTO HOUVER FLORES UMA C OLHER DE MEL, UMA
FERRUGEM VIDA INTEIRA DE TRABALHO
Cristovão Oliveira Bello Eloís Eduardo dos Santos Amanda
Maria Eduarda da Silva Martins Raele Brito da Costa Guimarães João Camila Sand
Martins Ruan Marcos da Thomaz Oliveira Bezerra de Vitor Carneiro Estefano Rius
Silva Pereira Menezes Karla Aragão Inaê Kogler
Klein
O documentário “Pelos trilhos da fer- Como o Acre foi povoado? O que le- O documentário retrata as
rugem” é um alerta sobre a falta de vou os nordestinos a migrarem para o diferenças sociais encontradas em O documentário “Uma colher de mel,
cuida- do com a história e a cultura da Acre? Esse documentário busca retratar cidades do inte- rior, causadas pelo uma vida inteira de trabalho” aborda o
cidade de M airinque. A partir de um pouco da história dos “Soldados da preconceito, pela in- tolerância e te- ma “abelhas”. Mostra a importância
imagens antigas, em oposição a atuais, e ‘borracha’”. Muitos perderam a vida principalmente pela política. des- ses insetos voadores, conhecidos
de um rap que reflete o pensamento ser- vindo o Brasil em meio à Segunda Para elaborar nossos argumentos, pelo seu importante papel para o meio
dos autores, nasce a críti- ca à Guerra Mundial. Nós acreanos ana- lisamos as principais causas das ambiente e para toda a humanidade,
despreocupação com a cultura local. herdamos muitos costumes nordestinos, divisões sociais no município e com isso pois todos deve- ríamos saber que sem
Antigamente, o município atraía mui- desde o modo de falar até a culinária. construí- mos uma crítica com o intuito polinização, sem vi- das. “Uma colher de
tas pessoas por conta da estação Você verá depoimen- tos de pessoas da de conscien- tizar a população. mel, uma vida inteira de trabalho”
ferroviá- ria moderna, de suas festas e época que dão vida à memória desses também apresenta a conver- sa com
de sua his- tória. Hoje já não recebe guerreiros brasileiros. uma especialista no assunto, falan- do
reconhecimento nem dos próprios sobre a importância das abelhas e o ris-
moradores. É necessá- rio que os co que estão correndo, devido à sua ex-
habitantes conheçam a história do lugar tinção, além de algumas curiosidades. As
para, quem sabe assim, M airinque gravações mostram as tarefas diárias
possa reviver seus dias de glória, pois a rea- lizadas pelas abelhas, no apiário do
his- tória e a cultura fazem o povo ser o IFRS Campus Ibirubá.
que é.

Professora Edna Régio Professora Ynaiara Professora Professora


de Castro França Moura da Silva Joceane Lopes Fernanda
EE Professor José Pinto do EE Humberto Soares da Costa, Araujo Schneider
Amaral, Rio Branco-AC C E Pedro Falconeri IFRS – C ampus Ibirubá,
Mairinque-SP Rios, Ibirubá-RS
Pé de Serra-BA
250 — D OC U M EN TÁRIO DO C U ME N TÁRIO — 251
A FELICIDADE MORA ALÔ? SINAL TELEFÔNICO DE O QUE SE APRENDE POR TRÁS DAS
AQUI! PARAJU QUANDO A ESCOLA CAI... RUAS
André Felipe Tolentino da Gustavo de Oliveira Christ Antônio José da Paixão
Silva Davison Alves Rocha Gustavo de Oliveira da Jamile Aparecida Santos Evellyn Vitória Novais da Silva
Steffane Catherine Alves Conceição João Leno Jastrow Dornelas Pedro Lucas Modesto Vitória Bernardo da Silva
Santos Simmer Sabrina Heloísa dos Santos

Passagem das Canoas é a mais Na pequena vila de Paraju, o sinal te- Mendigo, mendicante, pedinte, in-
afasta- da comunidade pertencente ao lefônico causa muitos problemas para a O documentário se passa na peque- digente, esmoleiro, esmoler, morador
município de Espinosa (MG). Fica população, gerando certas consequên- na Santa Bárbara do Leste, cidade do de rua, sem-teto ou “sem-abrigo” é o
localizada aproxi- madamente a 100 cias negativas na região. Com isso, inte- rior de Minas Gerais, cenário de indi- víduo que vive em extrema
quilômetros da cidade. Essa pequena foram exploradas as características conscien- tização e luta, onde alunos, carência ma- terial, não conseguindo
porção de terra apresenta grandes locais, os motivos do sinal telefônico com o apoio da comunidade, se obter, por meios próprios, as condições
desafios aos seus moradores, co- mo ser tão ruim, a solução proposta para mobilizaram em busca de uma nova mínimas de sobre- vivência com
insalubridade, escassez de água, difi- contornar esse problema e os estrutura para a EE Monse- nhor Rocha, dignidade. O documentá- rio tem no
culdade de assistência médica. Além dos benefícios que traria para a localidade. contra o descaso dos gover- nantes. A testemunho oral dos morado- res de rua
infortúnios da natureza, lida com a falta instituição que atendia cerca de da região central da cidade de São
de recursos materiais, de oitocentos estudantes funcionava precaria- Paulo sua principal fonte de pesqui- sa,
oportunidades, onde a população vive mente em garagens e no salão procurando mostrar aspectos do coti-
em condições pre- cárias e com grande paroquial, desde que o antigo prédio diano deles, suas vivências na rua, sua
incidência de casos da doença de começou a des- moronar e não havia, or- ganização, sua alimentação, seus
chagas. O documentário “A felicidade por parte do governo, previsão para a medos e suas esperanças. O
mora aqui!” mostra a realidade dos nova escola começar a ser construída. A documentário revela o sofrimento
sertanejos para tentar sobreviver dian- te participação da comunidade nesse dessas pessoas, que vivem sem o apoio
das dificuldades encontradas e que, ain- importante momento na história da de suas famílias e cercados por
da assim, se identificam com a terra e cidade foi essencial para que a nova pessoas que consideram a sua exis-
são felizes naquele lugar. escola se tornasse realidade. Hoje, os tência um transtorno. Além do
responsáveis por essa luta podem se testemunho oral dos moradores de rua,
Professora Shantynett Professora Carina orgulhar com o que se aprende quando a ouvimos uma pessoa que convive
Souza Ferreira Magalhães Luzia Borghardt
Alves EEEFM Gisela Salloker escola cai:Simone
Professora uma verda-
de Araújodeira lição de
Valente diariamente com eles.
Professor Abel José Mendes
EE Betania Tolentino Silveira, Fayet, cidadania
Ferreira e luta por direitos. ETEC Prefeito Braz Paschoalin, Jandira-SP
Espinosa-MG Domingos M artins-ES EE Monsenhor Rocha, Santa Bárbara do Leste-MG
252 — D OC U M EN TÁRIO D OC U ME NTÁRIO — 253
CARACARAÍ: MINHA HISTÓRIA/ O LUGAR ONDE VIVO FLORES DO MEU MEU LUGAR, UBARANAS
NOSSA HISTÓRIA TEM DONA MILITANA BAIRRO
Iana Daise Alves da Silva Bruna Santos Vitalino Almeida
Andrae Nogueira dos Santos João Vyctor de Paula de Marinho João Vitor de Moura Francisco André Silva de
Vinicyus Gabriel Andrade Lima Nathália Rocha Vasconcelos Kauany Vitória Moura Lucas Cauã de Lima
Silva Werverton Rosa da Campos Raphael Dias Batista da Silva da Silva
Costa Câmara
“Flores do meu bairro” é um O lugar onde as pessoas vivem conta
“Augustinho” é um personagem fic- Esse documentário retrata a biogra- documen- tário que percorre uma região muito sobre elas, ou seriam elas, as
tício, ele assistiu a todos os fatos impor- fia de Dona Militana como personagem carente, da cidade de Aliança (PE), para pes- soas, que contam muito sobre seu
tantes que contribuíram para a de destaque no município de S ão desmistificar o estigma de “lugar de lugar?
fundação de C aracaraí e para a criação Gonçalo do Amarante, Estado do Rio gente ruim”. O fil- me adentra na Para mostrar sua comunidade, o
de seu perfil cultural. Tais fatos Grande do Norte. Mostra um pouco da comunidade do Rosário pa- ra fazer-nos estu- dante André conta das pessoas, ou
ocorreram a partir do ano de 1904 no sua trajetória de vida como a maior refletir sobre o preconceito e a melhor, permite que elas mesmas “se
Norte do país, no atual Estado de romanceira do Brasil, sua im- portância discriminação que tanto afetam a vida contem”.
Roraima. como mulher e como guardiã do das pessoas do lugar. O fio condutor Assim, um pouco da história dessa
Caracaraí, também conhecida como patrimônio imaterial local. está cen- trado nos depoimentos de co- munidade cearense, remanescente
Cidade Porto, foi por anos usada moradores e de quem trabalha naquela quilom- bola, revela-se para nós em suas
como por- to de desembarque de localidade. Estes, contestam os boatos nuances mais particulares. Nos pequenos
gados, pois era o trajeto mais viável maldosos e discrimi- natórios das detalhes, nos conflitos pela terra e pela
para se seguir. Essas atividades fluviais pessoas que lá não residem. vida, na bus- ca pela identidade, na luta
foram cruciais para o desenvolvimento pela preservação da memória. Uma
da cidade. No desenro- lar da trama, memória que tanto pode estar escrita à
“Augustinho” se depara com os mão, nos cadernos de Dona M adalena,
acontecimentos que, hoje, fazem parte na rotina inalterada do Seu Pelé ou nas
dos documentos históricos do município grossas paredes da centenária Igreja de
de Caracaraí. São José. C om a missão de falar do seu
lugar, André faz um mergulho naquilo que
Professora Clébia Maria Professora é, aos seus olhos, mais contundente no
Farias de Moraes Ferreira Luciana de Professor Francisco
EE José Vieira de Sales Guerra, França Lopes Professora Itânia Flávia da lu- gar onde
Márcio vive.
Pereira da Silva
Caracaraí-RR São
CEEPGonçalo
Dr. Ruydo A marante-RN
Pereira Silva
ERE M Joaquina Lira, Aliança- E E M Barão de Aracati, Aracati-
dos Santos, PE CE

254 — DO C U ME N TÁRIO DO C U M EN TÁRIO — 255


SEPARA PRA NÓS: O TEMPO ALÉM DAS LAVAGEM DE IRARÁ –
VALE OURO E O LIXO TAMBÉM SECAS FÉ, PURIFICAÇÃO E
Lethícia Alencar Maia Barros TRADIÇÃO
Emily Ferreira Horing Sabrina Soares Bezerra Fabrícia dos Reis Cerqueira
João Guilherme Morais Yasmin Felipe Rocha Marcelly Damasceno dos
Clemente da Costa Santiago Santos Rayane Gonçalves de
Thauany Gabriella Martins Sousa
Barbosa O documentário trata da escassez de
água no Ceará, problema que se tornou Fé, água, purificação, tradição. É as-
Vive-se atualmente em uma é formada majoritariamente por pessoas uma dura realidade do lugar. Com sim que a “Lavagem de Irará” é
sociedade capitalista, na qual o com histórico de pouco contato com filma- gens feitas em diferentes conheci- da por todos que têm o
consumo é a energia que impulsiona o cons- cientização ou educação. Através localidades do estado, o objetivo é privilégio de par- ticipar dessa linda
gigantesco motor a con- tinuar seguindo de suas ações, a associação leva mostrar a visão do po- vo cearense que, festa. É com o coração cheio de
seu ciclo: comprar, usar e transformar o conhecimento e promove ajuda durante muitos anos, foi intensamente emoção que temos o prazer de falar da
produto em lixo. Este sécu- lo é o que econômica, por se tratar de um trabalho castigado pelas longas estia- gens, Lavagem de Irará.
presencia em maior quantidade pilhas e remunerado. Mostrar esse tra- balho é testemunhando suas dores, dificulda- des A comemoração está diretamente li-
pilhas de lixos com odor fétido e um ato de conscientização neces- sário e esperanças por um amanhã diferente. gada à música popular iraraense. Um
nocividade ao ser humano e ao meio am- e de exposição da realidade. dos festejos mais esperados não só
biente. Devido à acumulação para os conterrâneos, mas também
desenfreada de lixo, estimulado pelo para os visi- tantes que vêm junto
consumo, a con- cepção de reciclagem conosco desfrutar desses festejos.
nasceu: voltar pro- dutos para sua
matéria-prima, como plásti- co, metal,
papelão, vidro etc. Desse modo,
trabalhando diariamente na separação
dos tipos de resíduos sólidos gerados
pelos ha- bitantes e na prensagem
através do traba- lho manual e de
maquinário precário, os in- tegrantes da
Professora Lisdafne
Associação Nova C onquista, de Juína, Júnia de Araújo Professora Gláucia Maria Bastos Professora Ana de Jesus
interior
tal de Mato
associação Grosso, enviam
de reciclagem, pois a esses Nascimento
IFMT – C ampus Juína, Juína- Marques
C M F – C olégio Militar de Fortaleza, Fortaleza- Lima
C E Joaquim Inácio de Carvalho, Irará-
resíduos para empresas que queiram
cidade MT CE BA
comprar.
256 — D OC UÉMEN
de suma importância que
TÁRIO DO C U ME N TÁRIO — 257
haja
GURIA, ESSE LUGAR É UM REINO A MEUS UM MINUTO PARA “O NOSSO PASSADO É QUE
TEU OLHOS AC ONTECER FEZ NOSSO PRESENTE E
Andreza Castro Gabrielle Carrijo Heloisa Della Justina ESTÁ
Duarte Giovana Hister Barbosa Mell Ribeiro Vitória Maria Schwan PREPARANDO O NOSSO
Cardoso Luísa de Souza Bonfim FUTURO...”
Ana Maria de Brito Sousa
Vargas Fellin Tarick Gabriel Almeida Jannine Ferreira Tavares
de Morais Diariamente, 1.388 mulheres são Ludimila Carvalho dos
“Guria, esse lugar é teu” aborda Com positividade e um pouquinho estu- pradas no Brasil. Quase uma por Santos
uma visão crítica sobre a influência do de imaginação, três adolescentes minuto. Para o agressor são até trinta
estereó- tipo de gênero na área represen- tam, de maneira lúdica, por anos de ca- deia, mas, para a vítima, Vivemos em todos os lugares que
profissional duran- te a escolha do curso meio desse poético documentário, a uma vida intei- ra de prisão! Parece pos- suem capacidade para a vida, mas
técnico integrado ao Ensino Médio, forma peculiar de como, a partir de sua uma matéria digna de âmbito nacional, como manda a nossa natureza,
além de apresentar o im- pacto da perspectiva, eles enxergam o mundo, não é? Uma que conta o horror vivido precisamos ter um ponto de partida, de
decisão após o ingresso na ins- tituição ou melhor, o lugar onde vivem. pelas paulistanas e cariocas? Só que não chegada, um lu- gar para chamar de
de ensino. O filme traz relatos da C ansados de se deparar com é uma agressão exclusiva de ci- dade meu. Com esse pen- samento,
perspectiva das meninas no Instituto projetos satíricos, eles resolveram sair grande, o abuso sexual acontece em apresentamos o nosso lugar, a
Fede- ral do Rio Grande do Sul – do tradicio- nal, e ao invés de mostrar a todo lugar, pode ser na sua cidadezinha, encantadora cidade de Muricilândia, mu-
C ampus Restin- ga sobre as vivências de monótona rea- lidade daquela terra, assim como ocorre na nossa. Conheça nicípio localizado ao norte do Estado
desigualdade de gênero e fizeram uma criati- va releitura a cidade que soma mais casos de abuso do Tocantins, com aproximadamente 4
representatividade nos cursos. O expressando fantasiosamente os se- xual da região do vale: Braço do mil ha- bitantes que se destaca pela
documentário busca dar visibilidade e detalhes que singularizam aquele lugar, Norte, no Estado de Santa Catarina. forte tradição cultural preservada
problematizar as experiências e a discre- inspirando-se em David Hume que dizia: principalmente pela Comunidade
pância de quantidade de meninas “A beleza das coisas está no espírito de Quilombola Dona Juscelina.
matricu- ladas/formadas nos cursos de quem as contempla”.
Eletrônica, Informática e Lazer da
instituição.

Professora Juliana Professora Thaís da Silva Professora Giseli Fuchter Professora Fabiana Martins Ferreira
Battisti
IFRS – C ampus Restinga, Porto Alegre- Macedo
CE Alfredo Nasser, Santa Rita do Araguaia- Fuchs
EEB São Ludgero, São Ludgero-SC Braga
EE Marechal Costa e Silva, Muricilândia-
RS GO TO

258 — DO C U M EN TÁRIO DO C U ME N TÁRIO — 259


INICIATIVA

Itaú Social
Superintendente: Angela Dannemann
Gerente de Programas: Tatiana Bello
Djrdjrjan Coordenadora de Programas:
Dianne Melo
Gestora do Programa Escrevendo o Futuro: Karina Garcia
Coordenador de Comunicação: Alan Albuquerque
Analista de Comunicação: Raquel Ornellas

COORDENAÇÃO TÉCNICA

CENPEC – Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária


Diretora Executiva: Anna Helena Altenfelder
Diretora de Tecnologias Educacionais: Maria Amabile Mansutti
Gerente de Tecnologias Educacionais em Ação: W agner Antonio dos S antos
Coordenadora de Difusão de Conteúdos: Marcia Coutinho Ramos Jimenez
Coordenadora do Programa Escrevendo o Futuro: Maria Aparecida Laginestra

CRÉDITOS DA PUBLICAÇÃO

Coordenação Editorial: Esdras Soares e C amila Prado


Projeto Gráfico: Estúdio
Voador Diagramação: Jussara
Fino Ilustrações: Elisa
C arareto
Revisão: C arina C astro e Rosania
M azzuchelli Impressão: Leograf Gráfica e
Editora Tiragem: 1.000 exemplares

CONTATO

Rua Minas Gerais, 228 – S ão Paulo –


SP CEP: 01244-010
Telefone: 0800 771 9310
e-mail: escrevendofuturo@cenpec.or
g.br www.escrevendoofuturo.org.br

A reprodução dos textos na presente publicação foi autorizada pelos autores.


Cada texto expressa a opinião de seu autor e não traduz a opinião dos
realizadores da Olimpíada de Língua Portuguesa.
PARCERIA C O ORDENAÇ ÃO INICIATIVA
TÉCNICA

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