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Mauricio Gomes
(...)
Poesia inconformista,
diferente,
será revolucionária
como arte literária,
desprezando regras estabelecidas
ideias feitas, pieguices, transcendências...
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o paroxismo das queimadas,
o cantar das nossas aves,
rugir de feras, gritos de negros,
gritos de há muitos anos,
de escravos, de engenhos das roças,
no espaço, vibrando, vibrando...
(...)
- É poesia de Angola!
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Evocação do Recife
Manuel Bandeira
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois –
Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
Coelho sai!
Não sai!
De repente
nos longes da noite
um sino
Rua da União...
Como eram lindos os nomes das ruas da minha infância
Rua do Sol
(Tenho medo que hoje se chame do Dr. Fulano de Tal)
Atrás de casa ficava a Rua da Saudade...
...onde se ia fumar escondido
Do lado de lá era o cais da Rua da Aurora...
...onde se ia pescar escondido
Capiberibe
- Capibaribe
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Foi o meu primeiro alumbramento
Novenas
Cavalhadas
Eu me deitei no colo da menina e ela começou a passar a mão nos meus cabelos
Capiberibe
- Capibaribe
Recife...
Rua da União...
A casa de meu avô...
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife...
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro como a casa de meu avô.
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Rua da Maianga
Mário António
Rua da Maianga
que traz o nome de um qualquer missionário
mas para nós somente
a rua da Maianga
5
Estrela da Manhã
Manuel Bandeira
Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Depois comigo
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Carta para Manuel Bandeira
Jorge Barbosa
Bateria de manso
à porta dos teus apartamentos de poeta solitário
ali na Avenida Beira Mara do Rio de Janeiro.
Terias qualquer pressentimento
porque se fosses pôr a vitrola a funcionar
tocarias o disco,
se estivesses a escrever na máquina portátil
deixarias o poema no meio
Então
sem qualquer palavra
passar-te-ia a Estrela da Manha
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Você, Brasil
Jorge Barbosa
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ao passo que aqui nem chega a haver os que fogem
porque seria para se afogarem no mar...
9
Recado para o Arquipélago
Ribeiro Couto
Jorge Barbosa
Em Cabo Verde te imagino
Olhando o céu – triste menino
Da Ilha do Sal.
Jorge Barbosa:
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OLÁ! NEGRO
Jorge de Lima
Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos
e a quarta e a quinta gerações de teu sangue sofredor
tentarão apagar a tua cor!
E as gerações dessas gerações quando apagarem
a tua tatuagem execranda,
não apagarão de suas almas, a tua alma, negro!
Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi,
negro-fujão, negro cativo, negro rebelde,
negro cabinda, negro congo, negro ioruba,
negro que foste para o algodão de U.S.A.
para os canaviais do Brasil,
para o tronco, para o colar de ferro, para a canga
de todos os senhores do mundo;
eu melhor compreendo agora os teus blues
nesta hora triste da raça branca, negro!
Olá, Negro! Olá, Negro!
A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!
E és tu que a alegras ainda com os teus jazzes,
com os teus songs, com os teus lundus!
Os poetas, os libertadores, os que derramaram
babosas torrentes de falsa piedade
não compreendiam que tu ias rir!
E o teu riso, e a tua virgindade e os teus medos e a tua bondade
mudariam a alma branca cansada de todas as ferocidades!
Olá, Negro!
Olá, Negro!
Olá, Negro!
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para o chicote doer menos,
para o dia acabar e negro dormir!
Não basta iluminares hoje as noites dos brancos com teus jazzes,
com tuas danças, com tuas gargalhadas!
Olá, Negro! O dia está nascendo!
O dia está nascendo ou será a tua gargalhada que vem vindo?
Olá, Negro!
Olá, Negro!
LIMA, Jorge de. “Olá Negro”. In: Poesia Completa vol.1. Rio de Janeiro:
Ed. Nova Fronteira, 1980, 179-181.
MAMÃ NEGRA-
(Canto de esperança)
Viriato da Cruz
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mais são filhos da desgraça
a enxada é o seu brinquedo
trabalho escravo — folguedo...
mas vejo também que a luz roubada aos teus olhos, ora esplende
demoniacamente tentadora — como a Certeza...
cintilantemente firme — como a Esperança...
em nós outros teus filhos,
gerando, formando, anunciando
— o dia da humanidade
O DIA DA HUMANIDADE...
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