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Questão 1:
1. Antigos e fortes como podemos notar, os laços estão vincados, materializando-se na condução
da História, na formação cultural e na fisionomia viva das gentes que habitam esses dois lados do
Oceano Atlântico. Iniciadas sob a égide da violência, as relações entre o Brasil e os países africanos
moveram-se também por outras águas, cuja dinâmica requer atenção para que se compreenda
melhor também a complexidade dos canais identitários que nos ligam. E, para a compreensão mais
funda de toda essa situação, afirmamos que a leitura das Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa pode ser um caminho para se perceber que as rotas inauguradas pelo tráfico
instauraram vias de mão dupla, que foram revitalizadas pelos escritores africanos desde o século
passado. A partir de seus textos, pode-se depreender o que eles não hesitam em confirmar em
entrevistas e depoimentos: a força do Brasil como uma das matrizes da utopia que seria
fundamental na formação da consciência nacionalista que aqueceu as lutas de libertação nos
países de língua portuguesa.
CHAVES, Rita. Angola e Moçambique – Experiência colonial e territórios literários. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2005, p. 265/266
2. […] o papel exercido pela literatura brasileira no processo de formação dos sistemas literários
dos países africanos de língua portuguesa deve ser examinado de forma a ressaltar as tensões,
escolhas e projetos que recobrem questões como a do sistema de produção colonial, as relações ali
engendradas e a da literatura nacional.
[...]
Ocorre que sob o sistema colonial a tradição é fraturada, na medida em que na lógica colonial a
existência de um sistema literário autônomo, do colonizado, significaria não apenas uma maneira
própria de representação de si e do outro, a negação dos modelos tecno-formais da literatura da
metrópole mas, principalmente, a negação do domínio colonial. Nesse sentido, a formação dos
sistemas literários dos países africanos de língua portuguesa articular-se-á, necessariamente ao
projeto de nação [...]
(MACÊDO, Tania. A presença da literatura brasileira na formação dos sistemas literários dos países
africanos de língua portuguesa. São Paulo: Via Atlântica 13, 2009, pp. 123-152.
3. Data de muito tempo o diálogo poético estabelecido entre as literaturas africanas de língua
portuguesa e a literatura brasileira. No entanto, só a partir do final da década de 1940 que esse
diálogo adquire maior intensidade. E isso se dá em decorrência, sobretudo, dos anseios que
passam a nortear o fazer dos poetas africanos, os quais, naquele momento, encontravam-se
empenhados em preencher os vazios provocados pelo processo de desterritorialização
implementados pelo sistema colonizador, por meio do qual sua língua, suas matrizes míticas e
seus costumes foram rechaçados e substituídos impositivamente pelos da cultura alheia. Esta é a
razão pela qual eles de identificaram com as propostas dos modernistas brasileiros de reagirem,
de modo sistemático, aos paradigmas socioculturais vigentes, calcados no quadro de referências
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herdadas da cultura colonizadora. Como Oswald de Andrade, eles sentiram a necessidade urgente
de transformar o tabu em totem, ressacralizar o que fora dessacralizado e transformar, portanto, o
valor oposto em valor favorável.
Assim motivados, iniciaram um processo de reencontro com sua terra, com seu povo, enfim, com
eles próprios, criando, segundo, Manuel Ferreira, “sua razão de ser na expressão das raízes
profundas da realidade social nacional entendida dialeticamente”(Ferreira, s/d., p.33).
Valorizar, naquele momento, o local, o cotidiano, como o fizeram os modernistas brasileiros – e,
dentre eles, Manuel Bandeira -, foi para os poetas africanos uma forma de, por meio do registro da
singularidade, assinalar a sua diversidade no concerto das nações, sobretudo das nações de língua
portuguesa. Afinal, valorizar o cotidiano é pressuposto básico para a existência de qualquer
cultura.
(DANTAS, Elisalva. “África-Brasil – entrelaces poéticos” In: SECCO, SALGADO & JORGE (org). África,
escritas literárias; Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe. Rio de
Janeiro: Ed. UFRJ/UEA, 2010, p. 223
a. Canto de Farra
Quando li Jubiabá
Me cri António Balduíno.
Meu primo, que nunca o leu,
Ficou Zeca Camarão.
Eh, Zeca!
Zé Camarão a levou:
E eu para aqui a secar
E eu para aqui a secar.
o comboio malandro
passa
tem outro
igual como este dos bois
leva gente,
muita gente como eu
cheio de poeira
gente triste como os bois
gente que vai no contrato.
c) Metamorfose
Ao Poeta José Craveirinha
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tu viste-lhe o escorbuto e cantaste a madrugada
das mambas cuspideiras nos trilhos do mato
falemos dos casacos e do medo
tamborilando o som e a fala sobre as planícies verdes
e as espigas de bronze
PATRAQUIM, Luís Carlos. In: Antologia Poética. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2011, pp.
18-19
MAIMONA, João. “Poema para Carlos Drummond de Andrade”. In: Quando se ouvir os
sinos da semente, 1993
Questão 2:
1. A identidade negro-brasileira mira também o amanhã, por conta de ser animada por um
ímpeto renovador. Ela opera para deixar de ser o que foi forçada a ser para tornar-se uma
dimensão liberada, um território conquistado no campo da cultura e do imaginário
nacional, em que as premissas racistas sofrerão contínuos ataques poéticos visando à
reversão de suas mentiras impostas como verdades desqualificadoras dos atributos físicos
e culturais da população negro-brasileira (CUTI. Literatura negro-brasileira. São Paulo:
Selo Negro, 2010, p. 103).
3. Quanto a nós brasileiros, será produtivo repensarmo-nos, hoje, pela imagem que, de
nós, a nós retorna do outro lado do Atlântico, do outro nicho de transformações culturais
nas quais as nossas transformações culturais vieram a se implicitar.
Por outro lado, em vez de enfatizarmos a simples contiguidade dos fenômenos culturais –
mais especificamente os literários, e da poesia – parece fecundo concentrarmo-nos nas
variações que certos protótipos de nossa comum ancestralidade viriam gerar. (SANTILLI,
Maria Aparecida. Paralelas e Tangentes – entre literaturas de língua portuguesa. São Paulo:
Arte & Ciência, 2003, p. 138.
Poemas
a. Genegro
(intertextualidade intencional com o poema de Solano Trindade “Quem tá gemendo”)
Gemido de negro
Não é poema
é revolta
é xingamento
É abismar-se
Gemido de negro
é pedrada na fronte de quem espia e ri
É pau de guatambu no lombo de quem mandou dar
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Gemido de negro
é acampamento de sem-terra no cerrado
É o punho que se fecha em black power
Gemido de negro
é insulto
é palavrão ecoado na senzala
É o motim a morte do capitão
Gemido de negro
é a (re)volta da nau par ao Nilo
Gemido de negro....
Quem tá gemendo?
ALVES, Miriam. “Genegro” In: Cadernos Negros 25, 2002, p. 124.
b) Quem tá gemendo?
Quem tá gemendo
Negro ou carro de boi?
Carro de boi geme quando quer.
Negro, não.
Negro geme porque apanha.
Apanha pra não gemer...
Geme na minh’alma,
A alma do Congo,
Do Níger da Guiné,
De toda África enfim...
A alma da América...
A alma Universal...
Quem tá gemendo?
Negro ou carro de boi?
c) Terra Minha
“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá”
Gonçalves Dias
Quando eu te reconheci,
havia um rio entre nós,
desde então sigo cantando
no leito da tua voz.
Quando eu te reencontrei,
já era marcado a ferro,
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sem ao menos perceber
o poder do próprio berro.
MARANHÃO, Salgado. “Terra minha” In: A cor da palavra. Rio de Janeiro: Imago e
Fundação Biblioteca Nacional, 2009, p. 180.
d) Cravos vitais
escrevo a palavra
escravo
e cravo sem medo
o termo escravizado
em parte do meu passado
CUTI. “Cravos vitais” In: Negroesia. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2007, p. 38.
e) Luanda
PEREIRA, Edimilson de Almeida. “Luanda” In: CHAVES, Rita, SECCO, Carmen & MACÊDO,
Tania (org). Brasil África – como se o mar fosse mentira. São Paulo: Ed. Unesp, Luanda:
Edições Chá de Caxinde, 2006, p. 430.