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Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Bragança

Relações Lusófonas e Língua Portuguesa

Noémia de Sousa

Marta Rodrigues

Vizela, 30 de abril de 2020


Escola Superior de Educação – Instituto Politécnico de Bragança
Relações Lusófonas e Língua Portuguesa

Noémia de Sousa - “Mãe dos poetas moçambicanos”

Marta Rodrigues – A41635

Literaturas e Culturas Lusófonas II


Professora Helena Genésio

Vizela, 30 de abril de 2020


RESUMO
Noémia de Sousa, considerada a “Mãe dos poetas moçambicanos”, foi uma das
maiores poetisas do seu país e da literatura lusófona. Deu voz a todos aqueles que não se
conseguiam expressar e nunca deixou de exaltar os valores e culturas africanas. Denunciou
através da literatura os problemas vividos por aquele povo inferiorizado e lutou pela sua
independência. A sua poesia foi diversas vezes considerada como um grito de guerra, uma
poesia combatente. O presente trabalho é focado na autora, nas suas características mais
significativas e em exemplos nos seus poemas.

Palavras-chave: Noémia de Sousa; Mãe dos poetas moçambicanos; Literatura lusófona;


Culturas africanas; Poesia combatente.
ÍNDICE
• Introdução …………………………………………………………………… 5
• Noémia de Sousa: A Vida …………………………………………………… 6
• A obra …………………………………………………………………………7
• Poema “Negra” ……………………………………………………………. 8-9
• Poema “Lição” ……………………………………………………………10-11
• Conclusão ……………………………………………………………………12
• Bibliografia …………………………………………………………………. 13
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi realizado para a unidade curricular de Literaturas e Culturas
Lusófonas II, pertencente à licenciatura de Relações Lusófonas e Língua Portuguesa.
O trabalho está divido em duas partes: a primeira, com a apresentação e biografia da
poetisa, bem como as suas principais características literárias e a segunda, a análise de dois
poemas, “Negra” e “Lição”, que retratam problemas enfrentados pelo povo africano.
Procurei interpretá-los com base nos conhecimentos adquiridos à cerca da poetisa e atribuir
uma perspetiva pessoal.
A metodologia utilizada para a realização do trabalho foi sobretudo a pesquisa
online, com base em artigos científicos e teses de mestrado.

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NOÉMIA DE SOUSA: A VIDA

Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares, nasceu a 20 de setembro de 1926, em


Lourenço Marques, atual Maputo. Foi poetisa, tradutora, jornalista e militante política. Era
mestiça, o pai descendia de portugueses, goeses e macuas e a mãe, era filha de um alemão
branco e uma negra. Falava português e ronga, uma língua natural de Maputo. Aprendeu a
ler com o pai aos quatro anos, mas foi através da mãe que absorveu toda a cultura
moçambicana. Depois da morte do seu pai, Noémia começou a trabalhar, na altura com 16
anos, para ajudar a sustentar a família. Sincronicamente, prosseguia os estudos na Escola
Técnica, onde frequentava o curso noturno de Comércio e onde aprendeu também inglês e
francês.
Escreveu o seu primeiro poema aos 19 anos, “O Irmão Negro” e assinou o poema
com as inicias N.S. para que ninguém descobrisse que era da sua autoria, uma vez que era
conhecida por Carolina Abranches. Chegou também a adotar o pseudónimo Vera Micaia.
Em 1948, com 22 anos, foi publicado pela primeira vez um dos seus poemas, “Canção
Fraterna”, assinado também só com as suas iniciais, no jornal Mocidade Portuguesa,
dirigido pelo poeta Virgílio Lemos. A sua poesia causou sempre controvérsia, visto que
denunciava problemas como a escravidão e desejos como a emancipação humana.
Em 1951, mudou-se para Lisboa e colaborou com o Centro de Estudos Africanos,
onde conheceu Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Agostinho Neto e Francisco José
Tenreiro. Casou, mudou-se para França, mas acabou por voltar a Lisboa, onde faleceu a 4
de dezembro de 2002.

Adaptado Tese de Mestrado – A Poesia de Noémia de Sousa e a Negritude

Disponível em: http://darhiv.ffzg.unizg.hr/id/eprint/10983/1/goricki.PDF

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A Obra
A poesia de Noémia de Sousa insere-se na literatura moçambicana, na década de
1950, marcada pela consciencialização dos problemas africanos e foi influenciada,
sobretudo, pelo Neorrealismo. O neorrealismo é um movimento que denuncia as injustiças
sociais e na poesia de Noémia, é muitas vezes confundido com Negritude. Por sua vez, a
Negritude foi um movimento literário e cultural, nos anos 30 do século XX, e o termo
aparece pela primeira vez no poema “Cahier d’un retour au pays natal” de Aimé Césaire.
Tem como principal objetivo a exaltação da cultura negra e é descrita por Léopold Senghor
como “a valorização das culturas e do modo de estar no mundo do negro” e Césaire
acrescenta que é também “o posicionamento ideopolítico anticolonial e anti-imperialista”.
Embora a poetisa afirme que quando escreveu os seus poemas não tinha ainda
conhecimento deste conceito, inevitavelmente acabou por se associar e fazer parte da sua
obra e chamada de Negritude intuitiva. Desta forma, África, o negro, a cultura e valores
africanos são referências de destaque na poesia de Noémia de Sousa. Abordava também
temas como a escravidão, a miséria, a independência, o desejo de liberdade, a recusa de
superioridade de culturas europeias e, talvez por isso, considerem a poetisa como a voz do
povo moçambicano e que o “eu” nos seus poemas representava toda a nação.
Outra temática de grande importância e destaque na sua poesia, é a identidade da
mulher africana. A Negritude também levou a mulher a reflexionar o seu papel na
sociedade. Noémia de Sousa foi a primeira poetisa a dar voz a todas as mulheres
moçambicanas e a dar a conhecer a sua verdadeira realidade, essência e cultura. A mulher
negra era fortemente discriminada, vista frequentemente como um mero objeto sexual e
desprovida de qualquer valor. A poetisa defende a mulher africana e é constante relacionar
África e “Mãe”, enquanto mulher real, surgindo então o termo “Mãe África”, enaltecendo o
valor da Terra e da mulher moçambicana. Adiante, veremos isso em “Negra”.
Apesar de ter apenas um livro publicado, “Sangue Negro”, uma coletânea de
poemas editado pela primeira vez em 1990 e reeditado em 2011, Noémia deixou um legado
inquestionável em toda a literatura lusófona. Denunciou os diversos problemas vividos pelo
seu povo e deu voz a todos aqueles que não se podiam expressar, conseguindo ainda exaltar
o papel da mulher moçambicana.

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Poema “Negra”
Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
para elas só de mistérios profundos,
de delírios e feitiçarias...
Teus encantos profundos de Africa.

Mas não puderam.


Em seus formais e rendilhados cantos,
ausentes de emoção e sinceridade,
quedas-te longínqua, inatingível,
virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,
jarra etrusca, exotismo tropical,
demência, atracção, crueldade,
animalidade, magia...
e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.

Em seus formais cantos rendilhados


foste tudo, negra...
menos tu.

E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,

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a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE

“Negra” é um poema constituído por vinte e seis versos livres e quatro estrofes. O
próprio título é um indicador claro do conteúdo do poema, este é destinado às mulheres
africanas. Dividi o poema em duas partes, a primeira constituída pelas duas primeiras
estrofes, onde a mulher moçambicana é retratada sob o ponto de vista do branco
colonizador e a segunda parte, as duas últimas estrofes, com a perspetiva do povo
moçambicano. Considero que este poema faz vigorosamente uma relação entre a mulher e
África, atribuindo à primeira, características da segunda e resultando assim, a meu ver,
numa espécie de demonstração de amor por parte da poetisa ao seu povo e à Terra.
O poema inicia com a denuncia de que “Gentes estranhas” retratam a mulher
africana e a sua Terra apenas de forma depreciativa, muito longe daquilo que é a realidade,
“ausentes de emoção e sinceridade”. O povo colonizador atribui-lhes características
negativas e estereotipadas, “E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual, / jarra
etrusca, exotismo tropical, / demência, atracção, crueldade, / animalidade, magia... / e não
sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.” É notável nestes versos a voz de
angústia da poetisa e o seu desagrado com tais injúrias.
Segue-se a estrofe, “Em seus formais cantos rendilhados / foste tudo, negra...
menos tu.” que, para mim, representa a essência do poema. Em somente três versos, a
poetisa consegue dizer-nos tudo. Nada daquilo que atribuem à mulher africana e a África
corresponde àquilo que ali é vivido e sentido. É a partir desta estrofe, que somos também
conduzidos para a segunda parte do poema. Entendo que com esta última estrofe, a poetisa
dá exclusividade ao povo africano de glorificar a sua Terra e a ideia de que somente eles
são capazes de sentir verdadeiramente a sua “MÃE”. A “Mãe África”, simbolizada também
como se fosse “mãe de sangue”, Mãe de todo o povo africano que lhe reconhece o
verdadeiro valor.

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Poema “Lição”
Ensinaram-lhe na missão,
quando era pequenino:
"Somos todos filhos de Deus; cada Homem
é irmão doutro Homem!"

Disseram-lhe isto na missão,


quando era pequenino.

Naturalmente,
ele não ficou sempre menino:
cresceu, aprendeu a contar e a ler
e começou a conhecer
melhor essa mulher vendida
- que é a vida
de todos os desgraçados.

E então, uma vez, inocentemente,


olhou para um Homem e disse "Irmão..."
Mas o Homem pálido fulminou-o duramente
com seus olhos cheios de ódio
e respondeu-lhe: "Negro".

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“Lição” é constituído por dezoito versos e quatro estrofes e, mais uma vez, o título
é claro. Lição significa ensinamento, talvez até experiência. Este poema revela um dos
maiores problemas de sempre vividos pelo povo africano, o racismo sofrido por parte dos
brancos e o sentimento de inferioridade. Preliminarmente, escolhi este poema porque
continua a representar uma realidade a que frequentemente assistimos e que a poetisa
conseguiu descrever de forma clara, direta, como se estivesse a contar uma história.
A missão a que se refere inicialmente o sujeito poético, penso ser uma missão religiosa,
uma espécie de catequese onde transmitiram ao menino valores imprescindíveis e nos quais
ele confiou. A terceira estrofe, diz-nos que “naturalmente” aquele menino cresceu e
descobriu que a vida pode não ser sempre aquilo que idealizou, principalmente para os
“desgraçados”, neste caso, os negros. A última estrofe, julgo que representa totalmente o
fim da inocência daquela criança, o primeiro contacto com o racismo e que certamente não
esquecerá. Daqui, nasceu uma lição.
Acredito que este poema, com a subtileza da inocência de uma criança, que não vê
diferenças e não distingue seres humanos pela sua cor, é capaz de ainda, nos dias de hoje,
agitar consciências e alertar para a gravidade do problema. Afinal, aquele menino era só
uma criança que acreditava na igualdade e que cresceu a acreditar nela. Num mundo
utópico, assim continuaria.

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Conclusão
Ao longo do trabalho, pretendeu-se dar a conhecer o mais relevante da obra de
Noémia de Sousa, consoante a informação disponível. Deparei-me com diversos conteúdos,
com informações muito distintas e procurei sempre seguir-me pelas que considerei mais
fiáveis.
Podemos concluir então, e citando Olímpia Santos, “Os poemas de Noémia de
Sousa têm o mérito de denunciar o tempo das injustiças praticadas contra o negro,
ocorridas dentro de um sistema que normatizava as arbitrariedades, incentivava as
opressões e os aviltamentos contra os códigos da humanidade”.
Noémia de Sousa, Mulher, Negra e para sempre um marco de luta na história do seu
país e na lusofonia.

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Bibliografia
Gorički, Petra. (2018). Tese de mestrado - A poesia de Noémia de Sousa e a Negritude.
Disponível em:
http://darhiv.ffzg.unizg.hr/id/eprint/10983/1/goricki.PDF
Dantas, Luciana. (2011). Identidade da Mulher moçambicana nas obras de Noémia de
Sousa e Paulina Chiziane. Disponível em:
https://docs.google.com/viewerng/viewer?url=http://tede.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/ted
e/1759/1/Luciana+Neuma+Silva+Muniz+Meira+Dantas.pdf
Fotografia disponível em:
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/mae-dos-poetas-mocambicanos-noemia-de-sousa-se
gue-inedita-no-brasil-16751056

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