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Noémia de Sousa
Marta Rodrigues
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NOÉMIA DE SOUSA: A VIDA
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A Obra
A poesia de Noémia de Sousa insere-se na literatura moçambicana, na década de
1950, marcada pela consciencialização dos problemas africanos e foi influenciada,
sobretudo, pelo Neorrealismo. O neorrealismo é um movimento que denuncia as injustiças
sociais e na poesia de Noémia, é muitas vezes confundido com Negritude. Por sua vez, a
Negritude foi um movimento literário e cultural, nos anos 30 do século XX, e o termo
aparece pela primeira vez no poema “Cahier d’un retour au pays natal” de Aimé Césaire.
Tem como principal objetivo a exaltação da cultura negra e é descrita por Léopold Senghor
como “a valorização das culturas e do modo de estar no mundo do negro” e Césaire
acrescenta que é também “o posicionamento ideopolítico anticolonial e anti-imperialista”.
Embora a poetisa afirme que quando escreveu os seus poemas não tinha ainda
conhecimento deste conceito, inevitavelmente acabou por se associar e fazer parte da sua
obra e chamada de Negritude intuitiva. Desta forma, África, o negro, a cultura e valores
africanos são referências de destaque na poesia de Noémia de Sousa. Abordava também
temas como a escravidão, a miséria, a independência, o desejo de liberdade, a recusa de
superioridade de culturas europeias e, talvez por isso, considerem a poetisa como a voz do
povo moçambicano e que o “eu” nos seus poemas representava toda a nação.
Outra temática de grande importância e destaque na sua poesia, é a identidade da
mulher africana. A Negritude também levou a mulher a reflexionar o seu papel na
sociedade. Noémia de Sousa foi a primeira poetisa a dar voz a todas as mulheres
moçambicanas e a dar a conhecer a sua verdadeira realidade, essência e cultura. A mulher
negra era fortemente discriminada, vista frequentemente como um mero objeto sexual e
desprovida de qualquer valor. A poetisa defende a mulher africana e é constante relacionar
África e “Mãe”, enquanto mulher real, surgindo então o termo “Mãe África”, enaltecendo o
valor da Terra e da mulher moçambicana. Adiante, veremos isso em “Negra”.
Apesar de ter apenas um livro publicado, “Sangue Negro”, uma coletânea de
poemas editado pela primeira vez em 1990 e reeditado em 2011, Noémia deixou um legado
inquestionável em toda a literatura lusófona. Denunciou os diversos problemas vividos pelo
seu povo e deu voz a todos aqueles que não se podiam expressar, conseguindo ainda exaltar
o papel da mulher moçambicana.
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Poema “Negra”
Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
para elas só de mistérios profundos,
de delírios e feitiçarias...
Teus encantos profundos de Africa.
E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
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a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE
“Negra” é um poema constituído por vinte e seis versos livres e quatro estrofes. O
próprio título é um indicador claro do conteúdo do poema, este é destinado às mulheres
africanas. Dividi o poema em duas partes, a primeira constituída pelas duas primeiras
estrofes, onde a mulher moçambicana é retratada sob o ponto de vista do branco
colonizador e a segunda parte, as duas últimas estrofes, com a perspetiva do povo
moçambicano. Considero que este poema faz vigorosamente uma relação entre a mulher e
África, atribuindo à primeira, características da segunda e resultando assim, a meu ver,
numa espécie de demonstração de amor por parte da poetisa ao seu povo e à Terra.
O poema inicia com a denuncia de que “Gentes estranhas” retratam a mulher
africana e a sua Terra apenas de forma depreciativa, muito longe daquilo que é a realidade,
“ausentes de emoção e sinceridade”. O povo colonizador atribui-lhes características
negativas e estereotipadas, “E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual, / jarra
etrusca, exotismo tropical, / demência, atracção, crueldade, / animalidade, magia... / e não
sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.” É notável nestes versos a voz de
angústia da poetisa e o seu desagrado com tais injúrias.
Segue-se a estrofe, “Em seus formais cantos rendilhados / foste tudo, negra...
menos tu.” que, para mim, representa a essência do poema. Em somente três versos, a
poetisa consegue dizer-nos tudo. Nada daquilo que atribuem à mulher africana e a África
corresponde àquilo que ali é vivido e sentido. É a partir desta estrofe, que somos também
conduzidos para a segunda parte do poema. Entendo que com esta última estrofe, a poetisa
dá exclusividade ao povo africano de glorificar a sua Terra e a ideia de que somente eles
são capazes de sentir verdadeiramente a sua “MÃE”. A “Mãe África”, simbolizada também
como se fosse “mãe de sangue”, Mãe de todo o povo africano que lhe reconhece o
verdadeiro valor.
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Poema “Lição”
Ensinaram-lhe na missão,
quando era pequenino:
"Somos todos filhos de Deus; cada Homem
é irmão doutro Homem!"
Naturalmente,
ele não ficou sempre menino:
cresceu, aprendeu a contar e a ler
e começou a conhecer
melhor essa mulher vendida
- que é a vida
de todos os desgraçados.
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“Lição” é constituído por dezoito versos e quatro estrofes e, mais uma vez, o título
é claro. Lição significa ensinamento, talvez até experiência. Este poema revela um dos
maiores problemas de sempre vividos pelo povo africano, o racismo sofrido por parte dos
brancos e o sentimento de inferioridade. Preliminarmente, escolhi este poema porque
continua a representar uma realidade a que frequentemente assistimos e que a poetisa
conseguiu descrever de forma clara, direta, como se estivesse a contar uma história.
A missão a que se refere inicialmente o sujeito poético, penso ser uma missão religiosa,
uma espécie de catequese onde transmitiram ao menino valores imprescindíveis e nos quais
ele confiou. A terceira estrofe, diz-nos que “naturalmente” aquele menino cresceu e
descobriu que a vida pode não ser sempre aquilo que idealizou, principalmente para os
“desgraçados”, neste caso, os negros. A última estrofe, julgo que representa totalmente o
fim da inocência daquela criança, o primeiro contacto com o racismo e que certamente não
esquecerá. Daqui, nasceu uma lição.
Acredito que este poema, com a subtileza da inocência de uma criança, que não vê
diferenças e não distingue seres humanos pela sua cor, é capaz de ainda, nos dias de hoje,
agitar consciências e alertar para a gravidade do problema. Afinal, aquele menino era só
uma criança que acreditava na igualdade e que cresceu a acreditar nela. Num mundo
utópico, assim continuaria.
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Conclusão
Ao longo do trabalho, pretendeu-se dar a conhecer o mais relevante da obra de
Noémia de Sousa, consoante a informação disponível. Deparei-me com diversos conteúdos,
com informações muito distintas e procurei sempre seguir-me pelas que considerei mais
fiáveis.
Podemos concluir então, e citando Olímpia Santos, “Os poemas de Noémia de
Sousa têm o mérito de denunciar o tempo das injustiças praticadas contra o negro,
ocorridas dentro de um sistema que normatizava as arbitrariedades, incentivava as
opressões e os aviltamentos contra os códigos da humanidade”.
Noémia de Sousa, Mulher, Negra e para sempre um marco de luta na história do seu
país e na lusofonia.
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Bibliografia
Gorički, Petra. (2018). Tese de mestrado - A poesia de Noémia de Sousa e a Negritude.
Disponível em:
http://darhiv.ffzg.unizg.hr/id/eprint/10983/1/goricki.PDF
Dantas, Luciana. (2011). Identidade da Mulher moçambicana nas obras de Noémia de
Sousa e Paulina Chiziane. Disponível em:
https://docs.google.com/viewerng/viewer?url=http://tede.bc.uepb.edu.br/jspui/bitstream/ted
e/1759/1/Luciana+Neuma+Silva+Muniz+Meira+Dantas.pdf
Fotografia disponível em:
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/mae-dos-poetas-mocambicanos-noemia-de-sousa-se
gue-inedita-no-brasil-16751056
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