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Universidade de São Paulo

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


Departamento de História - História Moderna II - Pablo Mont Serrath
Aluno: Pedro Renato dos Santos Rodrigues - Vespertino - NºUSP: 11770949
Reflexão referente às aulas 13 e 14.

Tempo, Sociedade e Trabalho: Reflexões acerca da Revolução Industrial e seu impacto


na vida cotidiana.

Buscaremos, neste breve texto reflexivo, entender, a partir principalmente do capítulo


Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial, de Edward Thompson, parte das
transformações que se deram no âmbito da sociedade e vida cotidianas com a chegada da
Revolução Industrial, em especial após a sua segunda fase, e as alterações nos entendimentos
e percepções acerca de conceitos como tempo, necessidade e suas relações com o trabalho.
Para tal, faz-se necessário introduzir o contexto mais amplo de surgimento e consolidação do
que se chamará de Revolução Industrial, para que, tendo melhor compreensão (nos limites do
breve escopo a que pretende este trabalho) desse processo e conceito, possamos adentrar
realmente na discussão proposta e entender suas influências nos campos da vida cotidiana.
Dessa maneira, além do texto de Thompson, buscaremos apoio também em alguns capítulos
da obra Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo, de Eric Hobsbawm, e no texto
Existe uma Aceleração da História?, de Reinhart Koselleck.
Entendemos, como já foi dito, que para adentrar na discussão pretendida de maneira
satisfatória, necessitaremos antes, contextualizar e analisar, ainda que brevemente, o que foi a
Revolução Industrial e como ela se conecta aos temas que buscaremos tratar. Prestemos
atenção, então, nas palavras de Hobsbawm: “A Revolução Industrial não foi uma mera
aceleração de crescimento econômico, mas uma aceleração de crescimento em virtude da
transformação econômica e social - e através dela.”1 Teremos portanto, como ponto de
partida, a ideia de que mais do que simples crescimento econômico, a Revolução tem em seu
processo as transformações econômicas sociais e políticas como aspectos centrais, motores e
inseparáveis de tal crescimento. Com isso em mente, passemos a uma descrição mais ampla e
geral do processo: Em sua primeira fase, a Rev. Industrial teria como principal produto e
indústria o algodão, como escreverá Hobsbawm “Quem fala em Revolução Industrial fala do

1
HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2000, 5ª edição, cap. 2 A Origem da Revolução Industrial. Pg. 33.
algodão.”2 Para além disso, nesse momento, a Revolução não será de grande inovações
tecnológicas, mas de consolidação de práticas tecnológicas já antigas, que abriam espaço para
o desenvolvimento da industrialização. Nas palavras de Hobsbawm uma vez mais:

Os primórdios da Revolução Industrial foram um tanto primitivos, [...] Ela foi


simples, de modo geral, porque a aplicação de ideias e dispositivos simples, [...] era
capaz de produzir resultados espetaculares. [...] Tal situação foi das mais
convenientes, pois deu à primeira Revolução Industrial um impulso imenso, talvez
essencial para avançar. [...] Em outras palavras, aquela situação minimizou os
requisitos básicos de qualificação, capital, volume de negócios ou organização e
planejamento governamentais, sem os quais nenhuma industrialização pode ter
êxito.3

Dado o panorama descrito, surgem então, novos elementos e aspectos respectivos às novas
estruturas capitalistas de trabalho e emprego, como os “empregadores capitalistas e
trabalhadores que nada possuíam senão sua força de trabalho, que vendiam em troca de
salários”, somado à isso, há a “dominação de toda a economia – na verdade, de toda a vida –
pela procura e acumulação de lucro por parte dos capitalistas.4
Tais transformações nas bases e estruturas econômicas e de emprego, portanto,
deixarão impacto também nas outras esferas da sociedade, pois como devemos lembrar, a
Revolução Inglesa ocorre enquanto interlocução entre as transformações sociais, políticas e
econômicas. Dessa maneira, nos aproximamos da temática e discussão originalmente
propostas: Os processos de transformação e crescimento econômicos, as novas formas de
relação entre força de trabalho, empregador e as novas tecnologias, juntamente ao surgimento
de novas necessidades de capital e incessante busca por lucro desses, trará, dentro das
complexidades dessa dialética, inevitavelmente, novas percepções relativas ao tempo, a
produtividade, a necessidade do trabalho e uma forma inteiramente nova de cotidiano, essas
indissociáveis às reformadas e incessantes demandas do capitalismo crescente.Com tais
transformações em mente devemos, portanto, trazer à tona a pergunta que faz Thompson:

De que maneira, essa mudança no senso de tempo afetou a disciplina de trabalho, e


até que ponto influenciou a percepção interna de tempo dos trabalhadores? Se a
transição para a sociedade industrial madura acarretou uma reestruturação rigorosa
dos hábitos de trabalho — novas disciplinas, novos estímulos, e uma nova natureza
humana em que esses estímulos atuassem efetivamente —, até que ponto tudo isso
se relaciona com mudanças na notação interna do tempo?5

2
Ibid. Pg. 53.
3
Ibid. Pg. 57.
4
Ibid. Pg. 63.
5
THOMPSON, Edward P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Idem. Costumes em
comum. São Paulo: Cia das Letras, 1998. p. 269
Partindo disso, o autor nos mostrará como, em sociedades por fora desse processo de
Revolução Industrial, (seja por estarem culturalmente distantes ou apenas datando de antes do
processo), as relações com o tempo se dão de maneira muito diferente, seja através da relação
natural com o tempo (nascer do sol, sol à pino, etc.) seja através da relação natural com o
trabalho ( o tempo de colheita, o tempo de uma oração, etc.) Já na Inglaterra da Revolução
Industrial, nos mostrará Thompson, a marcação precisa do tempo se mostra cada vez mais
valorizada, como se exemplifica através da crescente importância simbólica, social e de
prestígio atribuída ao relógio, que passa a ser item essencial nas casas da elite e classe média
inglesas. Com isso, surgirá, em necessidade a se opor a esse” tempo das tarefas”, que para os
empregadores capitalistas e o tempo das máquinas industriais é muito esparso e pouco
rigoroso, o tempo de mercado, esse já altamente ‘disciplinado’ e controlado: é a “paisagem
familiar do capitalismo industrial disciplinado, com a folha de controle do tempo, o
controlador do tempo, os delatores e as multas.”6 No entanto, como nos alertará o próprio
autor,

É demasiado fácil ver esse problema apenas como uma questão de disciplina na
fábrica ou na oficina, e podemos examinar rapidamente a tentativa de se impor o
‘uso-econômico-do-tempo’ nos distritos manufatureiros domésticos, bem como o
choque dessas medidas com a vida social e doméstica.7

Devemos nos atentar, portanto, ao fato de que não se tratará de uma simples
disciplinarização ou da “pregação da diligência”, mas de uma nova estrutura empregatícia, de
produção e também de exploração, que utilizará as novas tecnologias, sua aumentada
produtividade e as novas relações entre tempo e trabalho, para levar ao limite os abusos entre
empregadores e empregados, em um sistema de trabalho radicalmente distinto de qualquer
anterior.
Reinhart Koselleck nos trará uma reflexão semelhante em Existe uma Aceleração da
História?, ao tratar da desnaturalização do tempo a partir da Revolução Industrial, fazendo à
primeira vista, um caminho argumentativo muito semelhante ao de Thompson, passando pelo
advento do relógio e pelas análises etnográficas, mostrando as divergências entre o tempo do
trabalho e o tempo mecanizado, as transformações do tempo natural, com suas flutuações
referentes às estações e a natureza e o tempo das máquinas, perfeitamente igual estrito. O

6
Ibid. Pg. 291
7
Ibid. Pg. 291
autor ressaltará, no entanto, a ideia de que esse tempo da Revolução Industrial, mais do que o
tempo do relógio, das horas iguais e da divisão ordenada, seria o tempo da aceleração:

A metáfora da máquina, especialmente a do mecanismo horológico - que, a partir do


século XVII, abarcava o cosmo, a sociedade e o homem -, era ainda uma metáfora
pré-progressiva: ela visava à regularidade, à ordem de Deus (que, depois de criada,
decorria com constância) e à ordem da natureza e do homem, mas não à sua
aceleração. O relógio era capaz de medir a aceleração, mas não de simbolizá-la.8

Dessa maneira poderíamos entender que, para Koselleck, a ideia da aceleração e essas
diferentes relações com o tempo, já progressivamente aconteciam e se transformavam, se
deparando, no entanto, com as limitações técnicas que as permitiriam. Dessa maneira a
Revolução Industrial se tornaria o polo ideal para tais transformações, unindo a inovação
técnica e tecnológica às transformações culturais. Como nos apresentará o autor:

A aceleração das interações humanas só pôde ser continuada quando as invenções


técnicas correspondentes permitiram a transposição das barreiras naturais. A
máxima da aceleração começa a se tornar uma máxima geral da experiência a partir
das revoluções Francesa e Industrial.9

Concluímos, então, a partir do que tentamos extrair dos três autores, Hobsbawm, Thompson e
Koselleck, de que maneira as transformações ocorridas no âmbito da sociedade economia,
política e cultura com o crescimento industrial e as novas relações de trabalho advindas da
Revolução Industrial impulsionaram, a partir das necessidades que surgem com o
estabelecimento do capitalismo, uma nova concepção de tempo metronômicamente ajustada
ao ritmo da máquina e do trabalho, alimentando assim, a uma superexploração da nova classe
de trabalhadores que necessitava, dentro das relações do novo sistema econômico, vender sua
força de trabalho para a sobrevivência.

8
KOSELLECK, Reinhart. Existe uma aceleração da história? In: Idem. Estratos do tempo: estudos sobre
história. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. Pg. 145-146.
9
Ibid. Pg. 148.
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Bibliografia.
ARRUDA, José Jobson de Andrade. A Grande Revolução Inglesa, 1640-1780. Revolução
Inglesa e Revolução Industrial na Construção da Sociedade Moderna. São Paulo:
HUCITEC, 1996, cap. 3, A Revolução Inglesa e as pré-condições da industrialização.

HOBSBAWM, Eric J. Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 2000, 5ª edição, cap. 2 A Origem da Revolução Industrial.

KOSELLECK, Reinhart. Existe uma aceleração da história?. In: Idem. Estratos do tempo:
estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014.

THOMPSON, Edward P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Idem.


Costumes em comum. São Paulo: Cia das Letras, 1998.
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