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e
RAUL BRAND ÃO
I
MPRESSÕES
E PAIZAGENS
•
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CONTOS
PORTO
Typographia de A. J. da Silva Teixeira
Cancela Velha, 70
1sgo
Imprezzões ePaixagens
.11.•
d.
EM PREPARAÇÃ.0
Os descalços (romance).
NO PRELO
Imressões ePaizagens
Verdade e shiceridade.
••
PORTO
TSTORAPIIIA DE A. J. DA SILVA TEIXEIRA
1810
)) 175582
-
A MEU PAE
a
Á MANEIRA DE PREFACIO
Á MANEIRA DE PREFACIO
Meu amigo.
— Racho-te!...
E elle, bracejando, aos uivos:
—... que ei.a, de Barcellos eque não
devia nada aninguem!
Esteve lá quinze dias. Os rapazes per-
deram-no; ás tardes, piteireiro, dizia com
importancia suas opiniões a respeito de
pequenas — e depois, o olho esbrazeando,
recitava com pronuncia minhota o
Br,,znda.o.
A PIMPINELLA
1
Quando o abbade abriu de repente a ja-
nella, em fralda de camisa ainda, já a Anna
Ramalhuda, que costumava madrugar, vadiava
na frescura do quintal por entre as couves
murcianas e tronchudas, de folhas enrugadas
e grandes.
— Ólá !... disse ella.
E dentes ao léo, a cabeça erguida, pergun-
tou-lhe alegremente :
—Então ainda agora, seu mandrião? Com
um dia (restes! Ora não lia! não ha! ...
E elle respondeu desabrido :
—Eu já lá vou, mulher! ...
«Arre que não a podia aturar! Arré com
ella ! »
4 A PIMPINELLA
— Ó senhor abbade!
Faiscante de luz asala de jantar. Uma janel-
la aberta: fóra via-se um pedaço de céo azul,
as fructeiras do quintal, o feijoal que crescia
junto ao muro. Tremeu no ar urna risada.
—1 a pequena, explicou a D. Isabel.
Eregou de calda odôce que oabbade comia.
— Basta, minha rica senhora! intercedia
elle collocando a mão entre a colher e opires.
E explicava:
— Estou fartinho, minha rica senhora!
Então a excellente senhora, os olhos azues
luzindo cheios de bondade, as mãos pousadas
no regaço, foi contando commovida a historia
da mãe da Pimpinella, que estivera muitos an-
nos doente.
— Dez annos alli entrevadinha n'uma ca-
ma, veja lá ... Por fim o Senhor soccor-
reu-a com uma boa morte. Morreu como um
passarinho.
16 A PIMPINELLA
— Ora, filhinha...
E parava atarantada, olhando aporta de vi-
draças, um dedo espetado no ar.
— Mais uma pinguinha, ti' Anna! mais uma
pinguinhal... Olhe que é do bom!
A ti' Anna não quiz. Estendeu os beiços gu-
losa, escorropichou o resto que ficára na cane-
ca, e, pousando a mão sobre o peito, excla-
mou consolada:
—É do bom, éI...
Bichanavam agora.
— Ora se tu quizesse...
—Não, lá isso, ti' Anna! ... Lá isso !
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Viviam mal. Pouco e pouco, porém, aguei-
Ia herança para vir déra-lhes importancia. Be-
biam boa pinga que ella ia buscar n'uma cane-
ca á tenda, muito lambareira, debaixo do aven-
tal azul; tratavam-se bem; iam-se endividando
—e toda a gente lhes fiava com a mira no
ganho, mais tarde, quando a herança viesse.
Aquillo era certo para -
elles. O velho esticava
o pernil—e aquinta, os vinhaès, as terras fer-
teis, onde a agua das presas corria, era d'el-
les, só d'elles!
• Ás vezes passavam pela quinta, dando
uma volta grande, cheios de satisfação perante
a boa qualidade das ameixieiras, das hortali-
W, dos parreiraes sem fim. Ficavam espreitan-
48 A HERANÇA
mava...
UM MARINHEIRO
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Ai a gente que o doutor tinha n'aquelle dia
a jantar! ... Primeiro a fidalga de Arnozella",
gorda, cincoenta annos, côr de maçã camoeza,
largas risadas cantantes; depois o abbade — o
diabo do abbade! — comilão insaciavel, um
bucho que eu sei lá! — e que já lhe tinha
dito na vespera:
— Ora eu sempre quero vèr esse jan-
tar!...
E ainda, com a mãi, —a morgadinha dos
Trigaes, tão fresca, tão boa rapariga, tão ami-
ga d'elle!
Por isso o doutor dizia ácreada:
— Ai Gertrudinhas, eu quero isto como unt
brinco! Como um brinco, filha!
72 oS PECEGOS
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PRESENTE DE FRUCTA
8
— Olha que sucia de ladrões!
E o senhor Lima, sem attentar na frescura
d'aquella manhã tão limpida de verão, e nos
assobios vibrantes dos melros que brincavam
nos silvados, estendeu furioso o ptniho em di-
recção á eira, onde os pardaes, n'uma grande
gritaria, iam comendo o milho mais graúdo e
mais lourinho d'aquelle anno.
—Dão-me cabo do milho todo! Grande su-
cial...
Isto foi no principio das colheitas. No ar
fino e puro retiniam cantos de ceifeiras; as 'A-
ras, puxadas com vagar por bois arrastados e
velhos, gemiam monotonamente ao sol, e, nas
fructeiras do tempo ou nos beiraes dos telha-
410 QUE SUCIA!
A Alberto Bramo.
4>
Lembrava-se mal dos primeiros dias de hos-
pital. Confundia as allucinações terriveis da fe-
bre :carrancas, esgares medonhos, com area-
lidade triste: o senhor enfermeiro,-um brutal,
arrastando a perna, piteiro sempre, atraz da
maca.
—Ahi no vinte, rapazes! ...
Aos rasgões via a enfermaria, as camas ali-
nhadas, de cobertas de ramagens escuras; a
noite —lampeões luzindo tristemente, quando
redobram os gemidos, maldições, aquella gen-
te com medo de morrer longe dos seus — prin-
cipalmente uma criança chamando pela mãi,
n'uma ancia terrivel.
124 O HOMEM DO CANCRO
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... Viu-a n'uma manhã de verão cheia de
transparencia, adoravelmente azul. Era bem
feita, alta, bronzeada. No entanto tinha as fei-
ções grosseiras, a bocca grande, enormemente
vermelha. Encontrou-a segando na campina
verde: um lenço azul, um corpete de ceifeira,
destacava-se crúamente á luz intensa do sol.
Desejou-a — e ella entregou-se-lhe inteira, sem
resistencia, n'uma sem vergonha de cadella
sahida, soluçando de prazer sobre o ventre
nú da terra. Depois, durante overão, foi d'elle,
sempre que elle a procurou, levantando como
uma barregã a saia, apertando-o doidamente
n'uma ancia terrivel. Tinha uma maneira bru-
458 A CEIFEIRA
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A AMA
Quando aBenta, uma mulheraça gorducha,
alta echibante, se juntou com oabbade, as mur-
murações rebentaram na aldeia. A Felicia, ba-
tendo palmadas nas côxas, um nada piteira, ti-
nha exclamações vibrantes — regalada com
aquelle pagode, uma alegria esfusiando-lhe lá
por dentro, na alma: — Oh filhas! ricas fi-
lhas! Andava pelas casas das outraa malan-
dras contando, eia bebendo satisfeita asua pin-
ga, que cilas lhe davam pela novidade. Batia
com os nós dos dedos e chamava, esganiçando
a voz:
— Oh snr.a Antoninha!
11h?. — ouvia-se lá dentro, e apparecia
outra femea, a roca á cinta, fiando.
170 A AMA
(Artigo de fundo)
O Correio da Manhã de ha seis dias talvez,
trazia essa noticia fatal. Eu transcrevo textual-
mente —porque o caso é grave:
— Hein ?
— Oh! vem o senhor Vidal, vêm os velhos
poetas romanticos tão simples, tão boas pes-
soas... Ah tu vais vér!... Olha: só um com-
padre meu tem já o ninho mais adiantado I...
Eu não sei, mas parecia que sim. As fructei-
ras do meu quintal principiavam a nevar-se
de fiôr, na videira antiga a vida fremia — eo
diabo, a tonta, aminha amiga laranjeira, já se
cobria novamente de fiôres, prompta para o
noivado, cheia de presumpção ao pé da figuei-
ra sombria... Eu não sei —mas as hervas ver-
des, a herva do coradoiro, até as ortigas bravas
tinham uma verdura forte e nova que me pa-
receu de bom agouro! Eu não sei, não sei, não
sei que pense — mas até o marmeleiro tinha
já seis — contei-as uma a uma,— flôres tão mi-
mosas, tão nevadas! Emfun!
E estar tudo á espera, tudo prompto. Uns
acreditavam que ella viria vestida d'azul des-
botado, ingenua, atirando braçados de fiôres so-
bre os campos verdes; outros diziam que não!
que viria como uma aldeã rude, o avental
cheio de ftôres, saudavel e alegre — e o dr.
Aureliano Girne tinha propalado ábocca cheia,
que ella viria núa, bebeda de sande, pelo braço
*
180 A PRIMAVERA
.
Sentou-se á janella. Tinha uma vontade
grande de chorar sem saber bem porquè. Uma
angustia vaga, um pezar immenso tomára-a
pela garganta ao cahir da noite; sentia com
violencia a necessidade d'alguem que a acari-
ciasse honestamente: — um beijo paternal na
fronte. Ia a chorar ao lembrar-se do pai que
se lhe desenhou nitidamente — ia a chorar,
mas para afugentar as magoas, traçou aperna
e cantou:
Se vires a mulher perdida
Não a trates cum desdem...
— Gomo ia o menino?
E elle com tristeza, errante o olhar:
— O menino morreu...
«Perdera tudo, tudo... Estabelecera-se, mas
fóra cedo de mais. Foi cedo de mais. Uma as-
neira! acabou-se! ... Veio uma letra, não pa-
gou e o seu antigo patrão, que ficára sempre
com zanga por elle o deixar, protestou-llfa...
Pois porque se zangára o patrão? Pois um ho-
mem não pôde trabalhar, um homem que tem
uma fa.milia? Ainda se elle tivesse sabido para
se empregar em casa d'outro... .%s não se-
nhor !— fóra estabelecer-se. O seu antigo pa-
trão não tivera razão — não é verdade?...
Perdera tudo, tudo... Mas estava novo, havia
de se arranjar ».
— Eu estou ainda novo.
E parecia que tinha fome, muito pallido, os
olhos cheios de bondade brilhando dócemente.
492 A MARIA TROLHA
Pag.
Á maneira de prefacio ix
A Pimpinella 1
A herança 45
Um marinheiro 57
Os pecegos. 69
Uma historia singela 79
A Leonarda 89
Presente de fructa 105
Que sucial... 113
O homem do cancro 121
Boa pinga! 135
No mar 143
A ceifeira. 155
A ama 167
A primavera 175
A Maria Trolha 183
Nota 203
.1.
N
DO MESMO AUCTOR
EM PREPARAÇÃO
OS DESCALÇOS (romance).
NO PRELO
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