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A justificação é o ato de poder por meio do qual Deus declara que o pecador
não é culpado, justificando-o, perdoando seus pecados e atribuindo a ele a justiça
de Cristo. A justificação está alicerçada na graça de Deus alcançada por meio da
morte expiatória de Cristo mediante a qual Deus, em sua justiça, proclama que a
penalidade pelo pecado foi paga e, portanto, o pecador não é culpado (Rm 3.25).
Em vista da exigência divina de retidão perfeita, a perfeita retidão de Jesus
Cristo, conquistada por sua obediência na vida e na morte, é atribuída ao
pecador. Esse ato declaratório não se baseia em qualquer bondade inerente ou
justiça pessoal alcançada pelos seres humanos decaídos (Rm 3.19-22) e não os
torna efetivamente justos; pelo contrário, a justiça de Jesus Cristo é apropriada
pela fé (Gl 2.15,16), e o pecador é justificado completamente, de tal modo que
jamais terá de enfrentar a condenação divina (Rm 8.1).
A adoção é a obra de poder por meio da qual Deus leva o pecador à sua
família e o acolhe como filho (Ef 1.5).
A união com Cristo é o ato de poder multifacetado do qual fazem parte os
crentes que estão em Cristo (Rm 6.1-11), ou que se identificam com sua morte,
ressurreição e ascensão; estando Cristo em seus seguidores (Gl 2.20); e sendo
todos os crentes um em Cristo (Jo 17.21-23).
Todos esses atos de poder de Deus — eleição, convicção do pecado, chamado
eficaz, regeneração, justificação, adoção e união com Cristo — se concretizam
no início da obra graciosa de salvação de Deus. A resposta humana a essa ação
multifacetada é a conversão, que implica ouvir e compreender a mensagem do
evangelho, arrependimento do pecado (dar-lhe as costas, renunciar a ele,
comprometendo-se a não viver mais em pecado; Lc 24.46,47; At 17.30) e fé
(crer que Cristo morreu pelos seus pecados, confiar em sua obra de salvação e
abandonar todo esforço humano, confiando em Cristo e em Cristo somente; Ef
2.8,9; Rm 10.9). Arrependimento e fé não são obras humanas, tampouco
respostas meramente humanas. Como virtudes evangélicas, estão atreladas ao
evangelho e são, portanto, inspiradas pela graça (At 18.27) e motivadas pelos
mensageiros do evangelho (1Co 3.5; 2Co 5.17-21). Contudo, constituem a
resposta humana adequada e necessária ao evangelho. De fato, sem
arrependimento e fé genuínos, não pode haver salvação.
A salvação, entretanto, é muito mais do que assunto individual, porque as
obras poderosas de Deus que resgatam o ser humano decaído também conduzem
os redimidos à igreja. O ato de poder específico nesse caso é o batismo com o
Espírito: Jesus batiza (Jo 1.33) os novos crentes com o Espírito Santo (Lc 3.15-
17), acolhendo-os em seu corpo, a igreja (1Co 12.13). O cristão está unido à
igreja universal e à igreja local.
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No decorrer da jornada do cristão pela vida, ele espera por vários outros atos
de poder de Deus tanto no plano pessoal quanto no cósmico. Pessoalmente, à
medida que envelhece, sofre, adoece e se aproxima inexoravelmente da morte,
ele antevê com alegria, e sem sucumbir ao medo, sua chegada ao lar. A chegada
ao lar é o ato de poder de Deus no final da vida pelo qual o cristão se desprende
do corpo e vai viver com o Senhor. Ele passa imediatamente desta vida terrena
para a presença de Deus, apesar de estar sem corpo (2Co 5.1-10).
Consequentemente, ele espera ansiosamente pelo próximo ato de poder de Deus,
sua glorificação, que é o término da sua salvação quando Cristo retornar (Fp
3.20,21). A glorificação se caracteriza pela ressurreição do corpo; o cristão sem
corpo recebe seu corpo glorificado — imperecível, glorioso, poderoso e
totalmente dominado pelo Espírito Santo (1Co 15.42-44).
Cosmicamente, a consumação da presente era começará com o retorno de
Jesus Cristo. Ao descer do céu, acompanhado de seu povo fiel, o Rei dos reis e
Senhor dos senhores esmagará seus inimigos e se manifestará como o
Governante supremo (Ap 19). Dependendo da sua escatologia (visão do futuro),
o cristão acredita que o Governante supremo reinará por mil anos — durante o
milênio (Ap 20.1-6) — na terra antes de inaugurar o novo céu e a nova terra, ou
que imediatamente depois do seu retorno triunfante ele estabelecerá o novo céu e
a nova terra. Na esteira desses eventos cósmicos virão outros atos de poder de
Deus: o juízo final (At 17.30,31), em que Deus avaliará as obras de todos (2Co
5.10) e manifestará sua justiça recompensadora, premiando as boas obras, ou sua
justiça retributiva, condenando as más obras, o que culminará com o castigo
eterno dos ímpios (Mt 25.46). O último ato de poder de Deus consistirá na
remoção do céu e da terra como hoje existem e de tudo o que eles contêm (2Pe
3.10), dando lugar a um novo céu e uma nova terra (Ap 21 e 22) em que não
haverá mais pecado, sofrimento, doenças e morte. Os seres humanos redimidos,
plenamente renovados à imagem de Deus, habitarão ali para sempre, adorando o
Senhor.
teologia católica] como catolicismo romano, isto é, uma religião que desfruta, ou
diz desfrutar, de amplitude e visão católicas, além de especificidade institucional
e histórica”.
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que “a unidade católica pode ser alcançada, deve ser alcançada e, no fim das
contas, será alcançada por obra do sistema” assume o controle e se torna o
objetivo do sistema, com a chave dessa unidade — a Igreja Católica — em seu
centro.
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A interdependência natureza-graça
De Chirico define dois conceitos principais da natureza e graça: “No vocabulário
cristão, a natureza é considerada o equivalente ao mundo criado em sua
totalidade, que é tanto resultado da atividade criadora de Deus quanto recipiente
de seus propósitos salvíficos. No que diz respeito a esse último, as interações de
Deus com o mundo (i. e., com a natureza) foram entendidas teologicamente sob
o aspecto da ‘graça’. Graça é o que Deus faz em relação ao mundo, tanto no que
se refere à providência quanto à redenção”. Em outras palavras, a natureza,
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Para dar um exemplo simples, a água (no reino da natureza) pode receber e se
tornar um canal de graça quando, consagrada pela Igreja Católica, é usada para o
sacramento do batismo, que confere graça aos que o recebem. De fato, George
Weigel afirma que “é por intermédio do material comum da vida — o material
dos sete sacramentos, tal como o pão, o vinho, o óleo e a água — que a graça
extraordinária de Deus entra na história, alimenta os amigos de Jesus e lhes dá
poder em seu discipulado missionário”. 31
termos, na queda de Adão e Eva, uma das consequências daquele trágico evento
foi o abalo dessa interdependência original natureza-graça. É importante
destacar, entretanto, que, embora desfigurada pelo pecado, a natureza maculada
ainda é capaz de receber e transmitir a graça e cooperar com ela. O sistema
teológico católico tem dois polos, natureza e graça, e situa o pecado (levado a
sério por esse sistema) na esfera da natureza, relativizando desse modo os efeitos
negativos do pecado sobre a natureza:
elementos proporcionam a revelação divina e sua interpretação oficial para a
igreja.
A Sagrada Escritura (artigo 3)
Com relação ao primeiro desses três elementos, a Escritura, o Catechism afirma
sua importância, sua inspiração divina e sua verdade; ele dá instruções para a
interpretação da Bíblia; discute seu cânon e incentiva sua leitura na igreja.
Com relação à importância da Escritura, o Catechism faz a íntima ligação da
Escritura com o corpo de Cristo, a Eucaristia, e requer igual veneração de ambos
para sua prática histórica. A Escritura é inspirada porque Deus é seu autor.
24
Avaliação evangélica
Revelação divina
A teologia evangélica está de acordo com alguns elementos da doutrina da
revelação do Catechism, a começar com sua afirmação da insuficiência da
revelação geral para estabelecer e desenvolver uma relação pessoal com Deus e a
consequente necessidade da revelação divina (revelação especial, no jargão
evangélico) para que haja tal relacionamento. Há outros acordos no que se refere
à liberdade de Deus de se revelar, ou não, e de comunicar seus caminhos ao ser
humano decaído por amor à sua salvação. A revelação especial é um dom da
graça divina e com uma implicação muito importante que a teologia evangélica
enfatizará no devido tempo: a posição da igreja no tocante à revelação divina
deve ser a de receptora, e não sua doadora ou determinadora. Além disso, a
teologia evangélica concorda em princípio com a afirmação do Catechism a
respeito de ações e obras divinas em operação conjunta para a revelação de Deus
e de seus caminhos. O episódio da travessia do mar Vermelho, por exemplo, foi
uma revelação do poder da fidelidade de Deus; o texto de Moisés narrando esse
acontecimento (Êx 14) também é revelação divina. Certamente, esse ato de
poder de Deus estava acessível a todos os que cruzaram em terra seca as
muralhas de água, bem como a outros a quem a história foi contada e recontada
oralmente; mais tarde, a narrativa foi escrita sob a forma de texto. É importante,
porém, que a igreja conheça esse ato de poder e se beneficie dele somente por
meio do texto escrito. Toda e qualquer narrativa oral que tenha sobrevivido sem
dúvida conteria inúmeras e sérias distorções e não daria nenhuma autoridade à
igreja hoje. De fato, a autoridade é conferida exclusivamente ao registro escrito
do Êxodo conforme narrado por Moisés em Êxodo 14, uma vez que essa é a
narrativa inspirada pelo Espírito Santo.
Além disso, há concordância sobre a questão da natureza progressiva da
revelação divina: Deus se revelou efetivamente a Adão e Eva antes da Queda
(e.g., Gn 2.15-17) e, depois que caíram, por meio de uma comunicação direta
(e.g., 3.8-13). Essa revelação prosseguiu por meio de uma fala divina mais direta
(e.g., 12.1-3), sonhos e visões (e.g., o sonho de Abimeleque, 20.1-7; os sonhos
de José, 37.1-11), acontecimentos históricos (e.g., o dilúvio; Gn 6—9), e a
Escritura em registro escrito (e.g., Dt 31.9). Essa comunicação incessante
também foi progressiva. Por exemplo, Deus ensinou seu povo a adorá-lo no
Tabernáculo (e.g., Êx 40); mais tarde, ele lhe deu instruções para adorá-lo no
Templo (e.g., 2Cr 5). Pode se ver também claramente essa revelação progressiva
na profusão de alianças que Deus estabeleceu com seus parceiros humanos: as
alianças com Adão, Noé, Abraão, Moisés (ou antiga aliança) e a que fez com
Davi estavam em operação antes da vinda de Jesus Cristo. Foi profetizada então
uma nova aliança (e.g., Jr 31.31-34; Ez 36.25-27) que, por fim, tornou-se a
relação estruturada entre Deus e os membros da igreja. Essa nova aliança
convergiria em direção ao ápice da revelação divina tanto em ações quanto em
palavras: Jesus Cristo. Suas obras miraculosas foram o apogeu de muitos atos
poderosos de Deus feitos anteriormente, e suas palavras marcaram o auge do
discurso divino — a realização de tudo o que fora ordenado e profetizado (e.g.,
Mt 5.17-19) e o fundamento de tudo o que seria exigido e praticado
posteriormente (e.g., 1Co 11.23). Conforme prometido, Jesus Cristo é a Palavra
final de Deus (Hb 1.1,2), portanto não se deve esperar ou acolher nenhuma nova
revelação até a sua segunda vinda.
A transmissão da revelação divina/Sola Scriptura
Com relação à transmissão da revelação divina, há um grande distanciamento
entre a teologia católica e a evangélica. Enquanto a teologia católica afirma um
duplo padrão de comunicação da revelação divina (tradição oral e o texto da
Escritura), a teologia evangélica segue o princípio fundacional (chamado
princípio formal) do protestantismo: a fonte por excelência da revelação divina é
a Palavra de Deus escrita (sola Scriptura), e não a Escritura mais a Tradição.
Há diversas razões importantes para a rejeição, por parte da teologia
evangélica, da Tradição como modo distinto de revelação divina, não importa
quanto o Catechism insista na “mesma fonte divina” de Tradição e Escritura, no
elo próximo e na mútua comunicação entre os dois — até mesmo sua
singularidade em essência e objetivo. Uma razão para isso é a ideia da Tradição
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como suplemento ao texto da Escritura, o que não conta com um bom respaldo
bíblico. A teologia católica busca esse apoio para sua Tradição nas palavras de
Jesus aos seus discípulos: “Ainda tenho muito que vos dizer; mas não podeis
suportá-lo agora” (Jo 16.12). Calvino contestou a (má) interpretação dessa
passagem:
Mas que afronta é essa? Admito que os discípulos ainda eram ignorantes e que era praticamente
impossível instruí-los quando ouviram isso do Senhor. No entanto, quando registraram por escrito
sua doutrina, será que estavam acossados por tal estupidez que precisavam, posteriormente,
completar com viva voz [Tradição] o que haviam omitido dos seus escritos em virtude do erro da
ignorância? Ora, se já haviam sido guiados a toda a verdade pelo Espírito da verdade [Jo 16.13, o
versículo imediatamente seguinte], o que os teria impedido de abraçar e de deixar registrado por
escrito o conhecimento perfeito e específico da doutrina evangélica?30
que teve origem com os apóstolos e que foi preservada por meio da sucessão de
líderes das igrejas apostólicas. Os hereges deram sua resposta: a tradição da
igreja estava errada porque teve origem nos líderes da igreja, nos apóstolos e, em
última análise, no próprio Jesus Cristo, todos eles inferiores em conhecimento e
verdade se comparados aos hereges, os únicos que detinham o mistério oculto e
não adulterado. Ireneu resumiu o problema com os hereges: “Esses homens não
toleram nem a Escritura nem a tradição”. Por conseguinte, para Ireneu, a
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Contudo, ele não propôs uma tradição eclesiástica que fosse a “viva voz”
contendo a verdade que não estava igualmente registrada na Escritura. Se essa
tivesse sido a tática, seu argumento seria o mesmo dos hereges, o que resultaria
num empate.
Essa tradição propriamente dita — a doutrina apostólica em conformidade
com a Escritura e que proporcionou a estrutura correta para a interpretação da
Escritura — foi expressa pelo próprio Ireneu:
A igreja, embora dispersa pelo mundo todo até os confins da terra, recebeu dos apóstolos e de seus
discípulos esta fé: ela crê em um único Deus, o Pai todo-poderoso, Criador do céu, da terra e do mar,
e de todas as coisas que neles há; e em Jesus Cristo, o Filho de Deus, que se encarnou para nos
salvar; e no Espírito Santo, que proclamou pelos profetas as dispensações de Deus, e os adventos, e o
nascimento de uma virgem, a paixão e a ressurreição dos mortos, e a ascensão ao céu na carne do
amado Jesus Cristo, nosso Senhor, e sua [futura] manifestação do céu na glória do Pai “[para]
convergir todas as coisas em um” [Ef 1.10] e levantar de novo toda carne da raça humana inteira,
para que diante de Jesus Cristo, nosso Senhor, Deus, Salvador e Rei, conforme a vontade do Pai
invisível, “se dobre todo joelho, das coisas no céu, e das coisas na terra, e debaixo da terra, e toda
língua o confesse” [Fp 2.10,11], e para que ele execute o justo juízo para com todos; para que mande
os “malvados espirituais” [Ef 6.12] e os anjos que transgrediram e apostataram, juntamente com os
ímpios, os que não praticam a justiça, os perversos e os profanos entre os homens para o fogo eterno;
mas possa, no exercício da sua graça, conferir imortalidade aos justos, aos santos, e aos que
guardaram seus mandamentos e perseveraram em seu amor, alguns desde o princípio [de sua
trajetória cristã], e outros desde o dia do seu arrependimento, cercando-os de eterna glória.35
“as palavras não escritas dos apóstolos e suas tradições não escritas que
pertenceriam ao cânon da Escritura se tivessem sido escritas”; 41
“tal é a dignidade das tradições apostólicas que não foram registradas nas
Escrituras, que a mesma veneração e a mesma fé fervente são devidas a elas
como as que foram registradas por escrito”; 42
“as verdades que procedem verbalmente dos apóstolos ou que se acham nos
escritos dos fiéis, muito embora não se encontrem nas Sagradas Escrituras e
não se possa inferi-las com certeza das Escrituras apenas”;43
Uma quarta razão para que a teologia evangélica rejeite a Tradição é que a
estrutura Escritura mais Tradição é inerentemente instável. Na prática, quando as
duas entram em conflito, a autoridade da Tradição sobrepuja a da Escritura.
Embora a Igreja Católica diga que as duas se acham em perfeita harmonia, a
história mostra que não é bem esse o caso, e, quando os dois aspectos realmente
entram em conflito, um dos dois se torna a autoridade suprema. A colisão de
ambos, resultando na elevação da autoridade da Tradição em detrimento da
Escritura, pode ser claramente observada na promoção da doutrina da imaculada
concepção de Maria pela igreja. A Escritura afirma sem sombra de dúvida o
estado de pecaminosidade do ser humano e não permite exceções. Todo ser
humano, como descendente de Adão, é concebido em pecado, tem uma natureza
pecadora e peca em palavras, ações, pensamentos, intenções etc. De acordo com
a Tradição católica, porém, há uma pessoa que foi concebida sem pecado, não
tinha natureza pecaminosa e jamais pecou em palavra, ações, pensamentos,
intenções ou de qualquer outro modo. Nesse caso evidente, a Escritura e a
Tradição se acham em posições diametralmente opostas. Também fica evidente
aqui que a igreja tomou o partido da Tradição em detrimento da Escritura e
afirmou a concepção imaculada de Maria. Conforme observa James Warwick
Montgomery, toda autoridade que bebe em duas fontes é inerentemente instável
porque, quando as duas entram em conflito, uma se ergue inevitavelmente sobre
a outra, submetendo a ela sua autoridade. A primeira se torna autoridade de
facto, apesar das alegações em contrário. Portanto, a instabilidade inerente da
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estrutura formada pela Escritura mais Tradição é motivo para que a teologia
evangélica rejeite a Tradição como modelo de revelação divina.
Por fim, a ideia da Tradição como revelação divina em acréscimo à Escritura
contradiz tanto a suficiência quanto a necessidade da Escritura, duas doutrinas
protestantes caras à teologia evangélica. A suficiência da Escritura significa que
tudo o que você precisa saber para ser salvo e para viver de um modo que agrade
plenamente a Deus está contido na Escritura. Faz parte da garantia bíblica desse
atributo da Escritura o testemunho de Davi de que “a lei do S ENHORé perfeita” (Sl
19.7) e a afirmação de Paulo de que a Escritura, como é inspirada por Deus, “é
proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça”, o
cristão tem “pleno preparo para realizar toda boa obra” (2Tm 3.16,17). A 48
Escritura e nada mais — e assim deve ela ser defendida e apresentada hoje. 56
Kreeft tem em mente quando diz que a Escritura ensina ou não ensina alguma
coisa. A Escritura, por exemplo, ensina a doutrina da Trindade articulando em
diversas palavras que Deus existe eternamente como Pai, Filho e Espírito Santo,
cada um dos quais é plenamente Deus. Contudo, existe apenas um Deus? A
Escritura não ensina claramente a doutrina da Trindade desse modo. Se for isso o
que Kreeft quer dizer, então a teologia evangélica concorda alegremente que a
“Escritura jamais ensina o sola Scriptura”. Contudo, Kreeft deverá concordar
que até mesmo a Igreja Católica crê em certas doutrinas — por exemplo, na
doutrina da Trindade — que a Escritura não ensina de modo semelhante à
doutrina descrita. Contudo, se for legítimo que a teologia católica abrace a
doutrina da Trindade pelo fato de que tal doutrina é um resumo adequado da
afirmação da Escritura sobre a natureza da Divindade, ou porque tal crença é
uma decorrência lógica de outras crenças, então, pelo menos em princípio, seria
legítimo para a teologia evangélica abraçar o sola Scriptura, uma vez que tal
crença resume adequadamente as afirmações da Escritura sobre sua natureza e
seus benefícios, ou porque tal crença é uma decorrência lógica de outras. Por
conseguinte, o argumento de que “a Escritura jamais ensina o sola Scriptura e,
portanto, a crença no sola Scriptura” é contraditória em si mesma não se
sustenta, porque tanto a teologia católica quanto a evangélica acreditam em
crenças que a Escritura não ensina, mas que são resumos ou decorrências da
Escritura e/ou de outras crenças.63
Para o cristão, hoje, essa exortação significa que a Escritura não precisa ser um
livro obscuro e distante dele. Na verdade, toda vez que ele se senta na beira da
cama com os filhos e recita uma história da Bíblia, quando consola os amigos
que sofrem citando uma passagem que tenha memorizado, quando ouve uma
passagem bíblica lida em seu iPod a caminho de suas atividades diárias, ou
quando discute um sermão baseado na Bíblia na reunião de grupo da
comunidade, a Palavra de Deus inteligível está presente — não “fora do [...]
alcance”, mas “muito perto”.
Tal postura explica as instruções subsequentes de Moisés em relação aos seus
escritos:
Moisés escreveu esta lei e a entregou aos sacerdotes, filhos de Levi, que levavam a arca da aliança do
SENHOR, e a todos os anciãos de Israel. Moisés deu-lhes esta ordem: Ao fim de cada sete anos, no ano
da remissão, na festa dos tabernáculos, quando todo o Israel comparecer perante o SENHOR, teu Deus,
no lugar que ele escolher, esta lei será lida diante de todo o Israel, para que todos a ouçam. Reuni o
povo, homens, mulheres e crianças, e os estrangeiros dentro das vossas cidades, para que ouçam,
aprendam e temam o SENHOR, vosso Deus, e tenham o cuidado de obedecer a todas as palavras desta
lei; e para que seus filhos que não conhecem esta lei ouçam e aprendam a temer o SENHOR, vosso Deus,
todos os dias que viverdes sobre a terra que ireis possuir quando atravessardes o Jordão (Dt 31.9-13).
nosso Deus, mas as reveladas pertencem a nós e a nossos filhos para sempre,
para que obedeçamos a todas as palavras desta lei” (Dt 29.29). Muita coisa sobre
Deus continua obscura e misteriosa para nós, mas o que ele, em sua soberania,
quis revelar a seu povo é suficientemente claro. Embora a Escritura não esgote a
categoria de coisas “reveladas”, ela certamente está aí contida. Isso significa que
a Escritura é acessível e inteligível para o povo de Deus — aí está a clareza da
Escritura.
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ninth Easter letter [Trigésima nona carta da Páscoa] (367 d.C.) apresenta uma
lista de livros do Novo e do Antigo Testamentos, deu prosseguimento a essa
tradição de se espelhar no cânon hebraico (embora tenha incluído a Carta de
Jeremias e Baruque em sua lista do Antigo Testamento). Além disso, Atanásio
rejeitou a “Sabedoria de Salomão, o Sirácida [Eclesiástico], Ester, Judite e
Tobias”, embora tenha ressaltado que esses livros, ainda que “não estejam
efetivamente incluídos no cânon”, haviam sido “indicados pelos Pais [líderes da
igreja primitiva] para leitura por aqueles que haviam se juntado há pouco a nós e
que desejam se instruir no mundo da santidade”. Cirilo de Jerusalém listou 22
72
tradição que havia sido traçada a partir de Melito e da qual faziam parte líderes
da igreja como Orígenes, Cirilo de Alexandria e Atanásio.77
ameaçados de condenação pela igreja por adotarem uma Bíblia sem os escritos
apócrifos. Essa condenação gerou outra diferença maior em relação à versão
oficial da Escritura canônica: com base na decisão do Concílio, a Vulgata Latina
passou a ser a Bíblia oficial da Igreja Católica. Embora a teologia protestante
não promovesse uma versão oficial, sua prática sempre consistiu em apelar à
Bíblia hebraica e ao Novo Testamento grego.
A oposição insistente do catolicismo a essa reformulação protestante do cânon
da Escritura (o Antigo Testamento, especificamente) com frequência parte do
princípio de que a Igreja Católica foi divinamente apontada para ser a
responsável pela determinação do cânon. Kreeft afirma: “A igreja (apóstolos e
santos) escreveu o Novo Testamento, e a igreja (bispos subsequentes) definiu seu
cânon”. Trata-se de uma perspectiva equivocada por pelo menos dois motivos:
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pode ser perdida: como a fé é um dom gratuito, o ser humano pode perdê-
la; para impedir que isso aconteça, portanto, a fé deve se alimentar da
Palavra de Deus; ela requer “trabalho por meio da caridade” tendo seu
alicerce na fé da igreja;
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não está nas proposições, mas nas realidades que elas expressam: porque a
revelação divina é a um só tempo proposicional (inclui tanto a Tradição
transmitida oralmente quanto o registro escrito da Escritura) e pessoal
(revelando Deus, com quem as pessoas podem se relacionar intimamente),
aquilo em que o cristão crê em última análise é a realidade de Deus dada a
conhecer por meio das doutrinas da fé. 101
“Cremos que a igreja é mãe do nosso novo nascimento; não cremos na igreja
como se fosse ela autora da nossa salvação”. É a Igreja Católica que, do
104
Avaliação evangélica
Essa ideia de fé guarda semelhanças com sua contraparte evangélica, mas
evidencia também várias diferenças. Com relação às semelhanças, a teologia
evangélica e a católica afirmam igualmente que a fé é adesão pessoal, uma
disposição de confiar, que é, de fato, um ato humano vinculado ao entendimento
(especialmente alicerçado na Palavra de Deus), que é livre (sem coerção) e
necessário à salvação. Além disso, o objeto da fé é Deus, conforme ele se
revelou, e seu caminho de salvação por meio do evangelho, que foi comunicado
ao ser humano decaído por intermédio da verdade proposicional expressa
mediante vários gêneros (narrativa, poesia, cartas, profecia etc.) na Escritura (e
não Escritura e Tradição). Essa revelação serve efetivamente para criar uma
relação pessoal entre o Deus da Revelação e da Redenção e os que têm fé nele.
Em relação às diferenças, a teologia evangélica enfatiza a influência dos dois
axiomas do sistema católico (a interdependência natureza-graça e a interconexão
Cristo-Igreja) na formulação da doutrina e da fé católica. Aliado a esse primeiro
axioma, a teologia católica ressalta que a natureza humana — intelecto e vontade
— é capaz de cooperar com a graça divina de tal modo que a fé é um ato
humano, mas também pode deixar de cooperar com a graça, de modo que perca
a fé. Além disso, a teologia católica salienta que a graça divina recebida pela fé é
infundida na natureza humana para elevar e aperfeiçoar essa natureza. Com base
no segundo axioma, a teologia católica destaca o fato de que a Igreja Católica,
como encarnação permanente de Cristo, faz a mediação entre a natureza e a
graça de tal maneira que a igreja é a primeira a crer e a conceder, efetivamente, a
fé (o reino da graça) ao ser humano (reino da natureza). A crítica evangélica
desses dois axiomas já foi feita, o que significa que os pontos do sistema católico
da doutrina da fé que estão baseados nesses axiomas não têm fundamento.
Com relação a críticas específicas, a teologia evangélica concorda que a fé é
um dom de Deus (e não uma disposição arraigada ou reação natural), mas nega o
conceito de que seja infundida por Deus. Em sua discussão sobre o tema, o
Catechism apela à confissão de Pedro sobre a identidade de Jesus, o Cristo, o
Filho do Deus vivo, bem como o subsequente comentário de Jesus de que “essa
revelação não veio de ‘carne e sangue’, mas do ‘meu Pai que está no céu’”. Ao 105
porém, Jesus não trata da fé de Pedro como um dom, mas respalda a revelação
divina que Pedro recebeu; a revelação da identidade de Jesus, e não a fé de
Pedro, era um dom divino. Portanto, é difícil ver quanto essa passagem se
relaciona com a fé como dom. Além disso, a teologia evangélica insiste que,
antes de alguém expressar sua fé, a graça dos atos poderosos de Deus de
convicção do pecado, vocação, justificação, regeneração, adoção e união com
Cristo possibilita que um povo endurecido e rebelde, que agora foi efetivamente
chamado, seja declarado inocente e justo e receba uma nova natureza espiritual
receptiva a Deus, seja acolhido na família de Deus e, unido com Cristo, responda
verdadeiramente com fé a essa obra divina da graça. De fato, Paulo diz: “Porque
pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus;
não vem das obras, para que ninguém se orgulhe” (Ef 2.8,9). Paulo diz que toda
essa realidade — salvação pela graça por meio da fé — é um dom de Deus, e
não apenas fé. Conforme discutiremos mais adiante, a graça não é uma coisa
infundida nas pessoas; tampouco a fé. Em vez disso, ela é a bondade de Deus
manifesta a todos os que merecem apenas a condenação. Essa bondade divina
suscita e permite uma resposta positiva ao evangelho e fé nele, resultando na
salvação.
Um segundo ponto importante de discordância diz respeito à fé salvadora: é
possível perdê-la? A teologia católica acredita que sim. Há uma corrente da
teologia evangélica que também pensa assim; outra corrente — à qual pertenço
— afirma que a fé genuína é permanente e não pode ser abandonada. O
Catechism dá o exemplo de “certas pessoas que naufragaram na fé” (1Tm
1.18,19) em apoio à possibilidade da perda da fé. Contudo, o exemplo de
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Himeneu, uma das pessoas citadas na passagem sobre o naufrágio na fé (v. 20),
não parece convincente, já que ele é um falso mestre, “dizendo que a
ressurreição já havia ocorrido”; de fato, a doutrina herética de Himeneu
“[perverteu] a fé em alguns” (2Tm 2.17,18). Em seu comentário apostólico sobre
a situação, Paulo explica: “Todavia, o firme fundamento de Deus permanece e
tem este selo: O Senhor conhece os seus, e: Aparte-se da injustiça todo aquele
que profere o nome do Senhor” (v. 19). Em outras palavras, Paulo estabelece um
contraste entre os que pertencem genuinamente a Cristo (e.g., aqueles cuja fé foi
abalada pelo falso ensino) e os que são cristãos nominais apenas e praticam a
iniquidade (e.g., Himeneu, que propagava falsos ensinamentos). Por
conseguinte, Himeneu não é um exemplo confiável de cristão que perdeu a fé.
Outros supostos exemplos de cristãos que perderam a fé poderiam ser usados
em defesa dessa posição: Ananias e Safira (At 5.1-11); os seguidores de Jesus
que profetizavam, expeliam demônios e realizavam milagres em nome de Jesus
(Mt 7.21-23); os crentes descritos na Carta aos Hebreus como “aqueles que uma
vez foram iluminados, experimentaram o dom celestial e se tornaram
participantes do Espírito Santo, e experimentaram a boa Palavra de Deus e os
poderes do mundo vindouro, e caíram, [esses não podem ser] outra vez
renovados para o arrependimento; visto que eles estão crucificando de novo o
Filho de Deus e expondo-o à vergonha pública” (Hb 6.4-6) e outros.
Mas será que essas passagens afirmam, de fato, que as pessoas ali descritas
perderam sua salvação? No caso de Ananias e Safira, Lucas não dá detalhes
suficientes para que possamos saber se eram crentes genuínos ou não. Por um
lado, eles eram crentes dedicados à prática de um pecado horrível que ameaçava
subverter a oferta sacrifical que produzia uma unidade notável na igreja
primitiva (conforme descrito em At 2.42-47; 4.32-37); assim, Deus os retirou
mediante uma intervenção severa para evitar que seu exemplo se espalhasse
como câncer na comunidade. Por outro lado, o casal havia se associado à igreja
108
Se são pessoas que estão em nosso meio (“dentre nós”) — isto é, se têm fé
salvadora —, então elas continuarão conosco; isto é, permanecerão de
maneira fiel na comunidade da igreja até o fim.
Sua fé é salvadora.
Portanto, você permanece fielmente conosco na igreja.
De forma negativa:
Se foram pessoas que saíram do nosso meio, não eram “dos nossos” — isto
é, não tinham a mesma fé salvadora.
Você não tem fé salvadora.
Portanto, sairá do nosso meio — você sairá da comunidade da igreja.
caindo. Isso porque sua fé não era fé salvadora, mas uma fé espúria; não é da
salvação que se afastam, mas da fé religiosa que um dia tiveram. Diferentemente
disso, os que têm fé salvadora no evangelho de Jesus Cristo serão cristãos até o
fim. É claro que tal perseverança não depende exclusivamente deles e de seus
melhores esforços de permanecerem fiéis. Na verdade, “sois protegidos pelo
poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para se revelar no
último tempo” (1Pe 1.5). O poder protetor de Deus operando por meio da fé
diária e consistente desses fiéis preserva-os em seu futuro, enquanto aguardam a
salvação.
Como a salvação não pode ser perdida depois de genuinamente obtida, a fé
salvadora não pode ser perdida. Esse é o ensinamento consistente da Escritura.
Cristo prometeu que não perderia nenhum de seus seguidores (Jo 10.27-29; 6.37-
40) e sua intercessão permanente por eles resulta em sua salvação final (Hb
7.25). O Espírito Santo selou os crentes verdadeiros, e sua marca serve de
garantia da obra divina de preservação da sua vida (2Co 1.22; 3.18; Ef 1.13,14;
4.30), e seu testemunho interno mostra que são verdadeiramente filhos de Deus
(Rm 8.16). Para aqueles que têm o Filho de Deus, sua Palavra promete vida
eterna, dando a eles a segurança de que tal é sua posse (1Jo 5.11-13); de fato,
não há nada que possa separar o cristão do amor de Deus em Jesus Cristo (Rm
8.31-39). Além disso, a fidelidade perseverante dos crentes genuínos é coerente
com sua fidelidade a Deus e está nela fundamentada (1Co 1.9; Fp 1.6). Foi Deus
quem os escolheu (Rm 8.32; Ef 1.4), justificou (Rm 3.21-31; 8.1), regenerou (Jo
3.1-8), adotou (Rm 8.14,15; Gl 4.5,6) e os uniu a Cristo (Rm 6.1-11), que
também os batizou com o Espírito Santo em seu corpo (1Co 12.13).
Um último contraste importante se dá entre a visão católica de que a fé vem
de outros, especialmente da Igreja Católica, e a visão evangélica de que a fé é
uma responsabilidade pessoal que, embora ajudada e alimentada pela igreja, não
provém dela. Conforme já observamos, a visão católica depende de pressupostos
em segundo plano vinculados à interconexão Cristo-Igreja. Além disso, uma
fragilidade do Catechism na discussão desse ponto é sua falta de respaldo
bíblico. Sua alegação de que a igreja é a mãe dos cristãos porque eles
“receberam a vida de fé através da igreja” — especificamente, por meio da
administração do batismo pela igreja — é certamente uma parte importante da
110
para a igreja — ela é a noiva de Cristo (2Co 11.1-4; Ef 5.25-33; Ap 19.7; 21.2,9;
22.17) —, ela não emprega a metáfora de mãe.
Ao mesmo tempo, a teologia evangélica não se furta necessariamente à
imagem da igreja-mãe, contanto que seja compreendida sob um aspecto
específico. Por exemplo, João Calvino citou o dictum de Cipriano ao defender
112
a necessidade da igreja, “em cujo seio Deus se alegra em reunir seus filhos, não
apenas para que sejam alimentados por sua ajuda e ministério enquanto forem
bebês e crianças, mas também para que sejam guiados por seu cuidado maternal
até que amadureçam e alcancem, por fim, o objetivo da fé”. Ele insistiu com os
113
crentes para que conheçam a igreja como sua mãe, “pois não há outra maneira de
entrar na vida, a não ser que essa mãe nos conceba em seu útero, nos alimente
em seu seio [...]. Nossa fraqueza não nos permite que abandonemos sua escola
até que sejamos alunos por toda a vida. Além disso, longe do seu seio não se
pode ter esperança de qualquer perdão de pecados ou de qualquer salvação [...].
Deixar a igreja é sempre desastroso”.114
comum dos três (conhecida como Trindade econômica). Além disso, Deus é
3
todo-poderoso, e ele criou o Universo e tudo o que nele há ex nihilo (do nada); o
4
alma é criada imediatamente por Deus, portanto não é transmitida dos pais para
os filhos; e (3) a imortalidade da alma, isto é, “ela não perece quando se separa
do corpo na morte”. 12
Os seres humanos foram criados por Deus com identidade de gênero, o que
significa que homem e mulher são “iguais em sua condição de pessoa”, feitos à
imagem de Deus, mas são também diferentes entre si para serem “‘auxiliares’
um do outro”. Juntos, portanto, homens e mulheres, como servos de Deus,
13
queda de uma parte dos anjos, que foram originalmente criados como seres bons.
Eles abusaram do livre-arbítrio que tinham para se rebelar, rejeitaram a Deus e
ao seu reino e assim cometeram um pecado imperdoável. Satanás e seus
asseclas, os demônios, ao mesmo tempo que levam a destruição à raça humana,
são providencialmente confinados por Deus e só podem agir em conformidade
com a vontade dele. Foi esse Satanás ou Diabo que levou a cabo uma “sedução
enganadora que induziu o homem a desobedecer a Deus”. 17
Em meio a essa tentação satânica, Adão e Eva lutavam com a ordem divina
que não lhes permitia comer da árvore do conhecimento do bem e do mal que,
“simbolicamente, evoca os limites intransponíveis que o homem, sendo uma
criatura, deve livremente reconhecer e, confiante, respeitar”. Eles não
18
obedeceram a Deus: “O homem, tentado pelo Diabo, deixou que sua confiança
no Criador morresse em seu coração e, abusando da liberdade que tinha,
desobedeceu à ordem de Deus. Esse foi o primeiro pecado do homem [...]. Ao
cometer esse pecado, o homem preferiu a si mesmo a Deus e, por esse ato,
zombou dele. Ele escolheu a si mesmo em detrimento de Deus, insurgindo-se
contra as exigências de sua condição de criatura e, portanto, contra seu próprio
bem”. Essa rebeldia teve consequências devastadoras. Em primeiro lugar, a
19
em Adão e, portanto, todos pecaram quando ele pecou. Essa explicação, porém,
tem igualmente um elemento de representação : “Adão havia recebido uma
santidade e uma justiça originais não apenas para si, mas para toda a natureza
humana”. A transmissão do pecado original ocorre por propagação; a natureza
22
Avaliação evangélica
A doutrina de Deus conforme afirmada pelo Catechism é totalmente bíblica,
consistente com a fé histórica da igreja ao longo de sua existência e defendida
por todos os católicos, protestantes e também pelos ortodoxos. A única diferença
se dá com a Trindade ontológica, especificamente com a eterna processão do
Espírito Santo. O Catechism, que representa a tradição da igreja ocidental —
católica e protestante/evangélica — afirma que “o Espírito Santo procede do Pai
e do Filho” e explica por que a adição da cláusula filioque (“e do Filho”) era
adequada. A tradição ortodoxa confessa a processão do Espírito Santo do Pai e
24
nega o filioque.
25
Há forte respaldo bíblico para essa dupla processão. Entre outras coisas: o
Espírito Santo é descrito (Rm 8.9) como Espírito Santo de Deus (i.e., do Pai) e
Espírito de Cristo (i.e., do Filho); tanto o Pai quanto o Filho enviam o Espírito
no dia de Pentecostes (Jo 14.16,26; 15.26; 16.7), dando a entender com isso que
ele procede de ambos; Cristo soprou seu Espírito nos discípulos, dando a
entender com isso que, juntamente com o Pai, o Filho comunica o Espírito Santo
(At 2.33). Além disso, a objeção ortodoxa (de que a teologia ocidental cria uma
situação em que há dois princípios ou fontes do Espírito Santo) foi bem
respondida por teólogos como Agostinho. Ele disse que o Espírito procede de
uma ação conjunta do Pai e do Filho. A teologia católica e a teologia evangélica
26
com cautela, se é que deve ser afirmada. De acordo com o livro de Daniel
(10.13,20; 12.1), parece que esses anjos em especial têm uma missão específica
nas nações da terra, e Jesus diz que as crianças têm a proteção de anjos especiais
(Mt 18.10). O respaldo mais convincente desse ponto de vista se encontra em
Atos (12.15), que narra a história um tanto cômica da libertação de Pedro do
cárcere e de como ele aparece na porta da igreja que havia se reunido para orar
pela sua soltura. Quando alguém disse que o apóstolo estava na porta da igreja
pedindo para entrar, os discípulos, chocados, disseram: “É o seu anjo!”.
Contudo, concluir dessas passagens que todos têm um anjo da guarda específico
é pura especulação. Além disso, essa perspectiva parece negligenciar a ênfase
bíblica de que Deus providencia um exército de anjos para defender e ajudar seu
povo (e.g., 2Rs 6.17; Lc 16.22). Nesse sentido, Calvino talvez tenha ido mais
direto ao ponto: “Há um fato que é preciso acatar, que o cuidado com cada um
de nós não é tarefa de um anjo apenas, senão de todos, que, unânimes, zelam por
nossa salvação”.29
posição está fora dos limites da fé cristã ortodoxa, uma vez que contradiz a
exposição bíblica do estado intermediário (2Co 5.1-9) e investe contra a posição
32
segundo a qual a alma é passada dos pais para os filhos. Há ainda outros
35
indecisos nessa questão ou que propõem uma explicação mais holística — por
exemplo, o dualismo emergente de William Hasker ou o personalismo emergente
—, que é provavelmente melhor. Em terceiro lugar, a teologia católica e a
36
evangélica concordam que a existência humana não termina na morte, mas que
continua eternidade afora.
37
imagem divina não sustentam tal ideia; na verdade, elas não apresentam indício
algum de que alguma possível luta interior tenha sido vencida pela razão, que
teria passado a controlar as paixões do corpo. Pelo contrário, a Escritura
apresenta a criação divina do ser humano de maneira holística — “E Deus criou
o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”
(Gn 1.27) — seguida por uma ênfase na forma que esse ser humano criado
holisticamente deve operar: como administrador que procria e cuja vocação é
estabelecer e erigir uma civilização humana que prospere na terra (v. 28). Além
40
posição, e insistem que a natureza humana decaída, que produz a tendência para
pecar (concupiscência), é um aspecto do pecado original e, portanto, incorre na
ira de Deus (Ef 2.1-3). Em suma, para essas variedades da teologia evangélica,
dada à penetração do pecado original (que infecta todos os elementos da
natureza humana e nada deixa que não seja por ele afetado), e em razão de sua
perversidade (o pecado original torna o ser humano incapaz de fazer qualquer
coisa que possa agradar fundamentalmente a Deus), todos os seres humanos se
acham em uma situação extremamente difícil perante Deus e são merecedores do
juízo, da condenação e da ira.
A solução desse grave problema do pecado original, para a teologia católica, é
o batismo, sobretudo o batismo infantil. Por meio desse sacramento, o pecado
original é removido e a criança é regenerada, trazendo a salvação desse pesadelo
infernal. Como o tratamento pleno desse sacramento vem mais tarde no
Catechism, a avaliação evangélica do batismo será adiada.
Avaliação evangélica
A doutrina da pessoa de Cristo é plenamente acolhida pela teologia evangélica;
na verdade, essa teologia tradicional serve de fundamento histórico para o
desenvolvimento da cristologia evangélica.
respaldo bíblico para essa obra poderosa do Espírito Santo encontra-se em Lucas
1.34,35 (cf. Mt 1.18-25). Esse foi o lado divino da encarnação.
Com relação ao lado humano da encarnação, o Catechism afirma vários
pontos importantes em sua doutrina de Maria, a começar por sua predestinação:
Maria se tornaria a mãe de Jesus porque isso havia sido ordenado eternamente.
De fato, “desde toda a eternidade, Deus escolheu, para ser a mãe do seu Filho,
‘uma virgem que era noiva de um homem da casa de Davi, chamado José. O
nome da virgem era Maria’ [Lc 1.26,27]”. É importante notar que Deus “quis
44
que a aceitação, por parte da que ele predestinara para mãe, precedesse a
encarnação, para que, assim como uma mulher contribuiu para a morte [Eva],
também outra mulher contribuísse para a vida [Maria]”. 45
A participação de Maria na parte que lhe coube foi preparada por sua
concepção imaculada. Essa doutrina, que foi proclamada pelo papa Pio IX em
sua encíclica Ineffabilis Deus (8 de dezembro de 1854), diz: “Por uma graça e
favor singular de Deus onipotente e em previsão dos méritos de Jesus Cristo,
salvador do gênero humano, a bem-aventurada Virgem Maria foi preservada
intacta de toda a mancha do pecado original no primeiro instante da sua
concepção”. Além disso, Maria foi “remida de um modo mais sublime, em
46
atenção aos méritos de seu Filho” e foi abençoada por Deus mais do que
47
qualquer outro ser humano. Ademais, por meio dessa mesma graça divina,
“Maria manteve-se pura de todo o pecado pessoal ao longo de toda a vida”. 48
Graças a essa realidade singular, Maria estava bem preparada para se tornar a
mãe do Salvador, e as palavras do anjo Gabriel na anunciação ecoaram com
justiça: ele a saúda como “cheia de graça”. A resposta de Maria, um livre
assentimento ao anúncio angélico, foi a obediência de fé: “Aqui está a serva do
Senhor; cumpra-se em mim a tua palavra” (Lc 1.28-38). “Aceitando de todo o
coração, sem que nenhum pecado a retivesse, a vontade divina da salvação,
entregou-se totalmente à pessoa e à obra do seu Filho.” É forte o contraste entre
49
Espírito Santo, e não por meio de relações sexuais com José (ou com outro
homem qualquer); ela concebeu virgem. Além disso, Maria permaneceu virgem
durante o parto; sua integridade física não foi comprometida pelo processo de
nascimento. E mais, ela permaneceu virgem por toda a vida. Maria é chamada
53
do nascimento de Jesus, jamais teve relações sexuais com José (ou qualquer
outro homem). As aparentes referências bíblicas aos irmãos e irmãs de Jesus
(Mc 3.31-35; 6.3; 1Co 9.5; Gl 1.19; Mt 13.55; 28.1) dizem respeito a pessoas
que são parentes próximos, e não a membros de fato de sua família nuclear. Essa
integridade da virgindade perpétua é “sinal da sua fé, ‘sem a mais leve sombra
de dúvida’” e manifesta a ausência de pecado em Maria por toda a sua vida. Ela
55
desse tópico a revelação (ele revela Deus Pai), a redenção (incluindo sua
obediência passiva e ativa na vida e na morte) e a recapitulação (ele resumiu a
história humana, ao mesmo tempo que reverteu a desobediência de Adão),
realizando por seus atos a substituição do ser humano que veio salvar servindo
de modelo a ser seguido por seus discípulos. A união com ele torna as pessoas
participantes em seus mistérios. Os eventos específicos de sua vida são
detalhados no Catechism: a promessa da vinda de Cristo no Antigo Testamento;
a preparação para sua vinda por intermédio de João Batista; o nascimento de
Jesus; sua infância e o período desconhecido dos seus primeiros anos de vida (a
única luz aqui é o episódio em que Jesus fica para trás, no templo, quando tinha
doze anos de idade); seu batismo marcando o início do seu ministério público
seguido imediatamente de suas tentações no deserto; seu anúncio do reino de
Deus por meio da proclamação, sinais messiânicos (milagres e exorcismos) e a
convocação dos doze discípulos, a quem (com Pedro à frente) Jesus entregou as
chaves do reino; sua transfiguração, subida e entrada em Jerusalém.
Avaliação evangélica
A doutrina da encarnação de Jesus Cristo, a condenação feita pelo Catechism das
heresias cristológicas ao longo da história e sua ênfase na plena divindade e
plena humanidade de Cristo estão em total acordo com a teologia evangélica. Na
verdade, essas formulações e censuras tradicionais proporcionam a infraestrutura
histórica para a doutrina evangélica da encarnação. Além disso, a afirmação do
Catechism de que Jesus Cristo “foi concebido pelo poder do Espírito Santo”, no
sentido de que o Espírito cobriu milagrosamente Maria para que a jovem
acolhesse em seu ventre o Filho de Deus (o qual, no momento de sua concepção,
assumiu plenamente a natureza humana) também é uma afirmação aceita pelos
evangélicos. Esse lado divino da encarnação encontra respaldo inquestionável na
Escritura (Mt 1.18-25; Lc 1.34,35).
Há, entretanto, uma profunda divisão entre a teologia católica e a evangélica
no ponto seguinte, isto é, no que diz respeito ao lado humano da encarnação.
Praticamente todos os ensinos do Catechism sobre Maria são contestados e
rejeitados pelos evangélicos. Contudo, há três pontos em comum partilhados por
católicos e evangélicos. Em primeiro lugar, há o reconhecimento e a gratidão
pelo papel singular desempenhado por Maria na encarnação do Filho de Deus.
Especificamente, o reconhecimento de sua condição de theotokos (lit.,
“portadora de Deus” ), de acordo com a perspectiva histórica de que aquele a
58
quem Maria deu à luz era plenamente Deus, une católicos e evangélicos. Em
59 60
O colégio episcopal e seu chefe, o papa, têm origem na instituição dos Doze
por Cristo: “Ele os constituiu sob a forma de um colégio ou assembleia
permanente à frente do qual colocou Pedro, escolhido entre eles”. O 90
anteriormente, a autoridade dos bispos deve ser exercida em sintonia com o papa
e é controlada em última análise por ele. Ao mesmo tempo, a autoridade do
bispo é pessoal, ordinária e imediata porque é exercida em nome de Cristo, o
Bom Pastor, que é modelo do ofício pastoral do bispo.
O segundo segmento de fiéis consiste nos leigos da igreja; incorporados que
foram em Cristo pelo batismo, participam de seu triplo ministério ao executar a
missão da igreja. Os leigos diferem da hierarquia porque não foram ordenados
pelo sacramento da ordem, e diferem dos monges e freiras da vida religiosa
porque não fizeram os três votos evangélicos de castidade, pobreza e
obediência. Sua vocação os leva a participar de questões temporais —
104
“Maria ‘assistiu com suas orações aos começos da Igreja’ [...] implorando [...] o
dom [do] Espírito, que já na anunciação a cobrira com a sua sombra”. Por fim,
115
Maria foi unida a seu Filho em sua assunção. O dogma da assunção corporal de
Maria, promulgado pelo papa Pio XII, significa que “a Virgem Imaculada,
preservada imune de toda a mancha da culpa original, terminado o curso da vida
terrena, foi elevada ao céu em corpo e alma e exaltada pelo Senhor como rainha,
para assim se conformar mais plenamente com o seu Filho, Senhor dos senhores
e vencedor do pecado e da morte”. Consequentemente, Maria participou de
116
maneira singular da ressurreição do seu Filho, de tal forma que ela é a única
crente no céu que tem corpo. Além disso, sua assunção é “uma antecipação da
ressurreição dos demais cristãos”.117
“O papel de Maria na Igreja é inseparável de sua união com Cristo e decorre
diretamente dela.” De modo concreto, “a Virgem Maria é o modelo de fé e
118
sua obediência, fé, esperança e amor por meio dos quais ela cooperou com a
obra de salvação de Cristo, Maria é mãe da Igreja na ordem da graça. Sua graça
salvadora não cessou com sua ascensão física, mas continua desimpedidamente
mediante sua intercessão. “Por isso, a Virgem é invocada na Igreja com os títulos
de advogada, auxiliadora, socorro e medianeira.” O Catechism nega
120
Avaliação evangélica
A primeira parte (parágrafos 1-3) da longa discussão do Catechism a respeito da
doutrina da Igreja já foi avaliada; a segunda parte (parágrafos 4-6) será avaliada
agora. Conforme já foi observado, e se tornará ainda mais evidente, essa
doutrina separa significativamente a teologia católica da teologia evangélica.
Assim como anteriormente, as áreas de concordância serão apresentadas antes da
discussão das muitas áreas de conflito.
está em dívida com bispos romanos como Leão I e sua articulação da doutrina
ortodoxa de Cristo que abriu caminho para o Credo de Calcedônia. Contudo,
133 134
dogmas não contradizem a Escritura, o fato é que eles vão além dela e, portanto,
contradizem sua suficiência.
Leigos católicos
Em relação à exposição que a teologia católica faz da laicidade da Igreja, a
teologia evangélica aplaude várias de suas afirmações. Uma delas diz respeito à
posição elevada conferida aos leigos, resultado do estímulo encorajador posto
em prática pelo Vaticano II. A participação dos leigos na missão da igreja
encontra amplo respaldo na teologia evangélica, que, em suas muitas variedades,
conclama os leigos a executar o triplo ofício — sacerdotal, profético e real — de
Cristo. Consequentemente, todos os cristãos são chamados a pregar o evangelho
uns aos outros e a orar uns pelos outros, exercendo o sacerdócio de todos os
crentes. Além disso, eles são chamados para ser embaixadores de Cristo para
evangelizar os não crentes pela participação no ministério da reconciliação (2Co
5.14-21). Embora a teologia evangélica não veja na participação no ofício real de
Cristo um exercício de autodomínio — já criticamos a ideia da teologia católica
de que a razão/intelecto humano deve reinar sobre as paixões do corpo —, ela
certamente afirma que a função real requer de todos os cristãos
responsabilidades vocacionais. Esses cristãos, também, em caso de males
pessoais e sistêmicos, são chamados a se opor à injustiça e a defender a causa
dos marginalizados, dos pobres, órfãos e viúvas etc. Por fim, a exemplo de sua
congênere católica, a teologia evangélica incentiva a colaboração dos leigos com
o clero para o progresso da igreja.
Religiosos católicos
Com relação à estratégia da teologia católica para a vida de consagração dos que
entraram para as ordens religiosas, a teologia evangélica concorda em parte e
discorda também em parte. Em primeiro lugar, a concordância se justifica pelo
fato de que Cristo chama todos os seus fiéis para que vivam uma vida de total
devoção consciente a ele. Tudo o que separa o cristão de sua santidade ou
espiritualidade alija-o da discussão e da realidade. Não importa qual seja a
distinção (e os exemplos a seguir são encontrados no evangelicalismo): cristãos
batizados no Espírito e cristãos comuns (como se vê na teologia
pentecostal/carismática), cristãos espirituais e cristãos carnais (como na teologia
de Keswick), discípulos e crentes (conforme a Grace Evangelical Society), ou
um outro tipo de combinação, a perspectiva bíblica da santidade a repudia. 137
Marinho Lutero e, de modo especial, seu Treatise on good works [Tratado sobre
as boas obras], de 1520, a teologia evangélica se recusa a elevar a atividade
“religiosa” acima de outras obras humanas no que diz respeito ao que é mais
agradável a Deus e ao que contribui mais efetivamente para a santificação
pessoal. Em razão do chamado divino para a busca da santidade e a capacitação
para tal (e.g., 2Pe 1.3,4), essa busca se estende a todos os cristãos, não importa
sua vocação. Eles podem ser profissionais da religião — por exemplo, padres e
religiosos no caso da teologia católica, pastores/presbíteros e missionários no
caso da teologia evangélica —, mas isso não significa que estejam em posição
mais favorável diante de Deus, tampouco em posição mais vantajosa para
agradá-lo.
Tomando os conselhos evangélicos um por um, a teologia evangélica afirma
que o celibato é uma escolha que o crente poderá fazer contanto que receba de
Deus o dom para o celibato (1Co 7.7). Um sinal de que a pessoa tem esse dom é
a alegria por não ser casado e a capacidade dada por Deus de controlar o desejo
sexual de maneiras que honrem a Deus (v. 8,9,36-38). Além disso, a teologia
evangélica diz que o celibato temporário é concedido, porém não ordenado, aos
casados, nas seguintes condições: quando há um acordo temporário comum e
com um propósito espiritual que chega ao fim com a retomada das relações
sexuais (v. 5,6). Além disso, a teologia evangélica reconhece que o celibato
cristão fica livre de “dificuldades na vida terrena” e de ansiedades próprias da
vida conjugal e familiar, preocupando-se o indivíduo apenas com as “coisas do
Senhor” (v. 32-35). Consequentemente, o celibato e a vida de solteiro são um
dom maravilhoso para a igreja.
Contudo, a teologia evangélica discorda quando o celibato se torna um
requisito para determinado tipo de serviço na igreja. Embora seja
conceitualmente possível que o dom do celibato corresponda ao grupo de
homens e mulheres não casados em estado consagrado (poderíamos acrescentar
também o grupo de sacerdotes que recebeu o sacramento da ordem), a realidade
da imoralidade sexual, tanto no que diz respeito ao pecado heterossexual quanto
homossexual, entre os que fizeram o voto de celibato é evidência contrária a ele.
De fato, a teologia evangélica questiona se a compreensão errônea do celibato
não seria um fator que contribuiu para o fracasso nessa área. Afinal de contas,
quando Paulo diz que “quem não se casa faz melhor” (v. 38), ele está se
referindo aos que estão prontos para se casar, mas se abstêm de fazê-lo “por
causa da dificuldade do momento” (v. 26; provavelmente uma referência à
intensa perseguição da igreja) e porque são capazes de controlar seus desejos
sexuais (v. 36-38). Essa instrução não é um manifesto a favor do celibato para
todos em todas as épocas.
Com relação ao conselho evangélico da pobreza, a teologia evangélica
enfatiza a compaixão de Jesus pelos pobres e marginalizados da sociedade (e. g.,
Mc 14.7; Lc 4.18) e a missão da igreja em favor dos pobres (At 4.32-35; Gl 2.10;
1Tm 5.3-16; Tg 1.27; 2.15,16). A teologia evangélica não concorda, porém,
139
com a ideia de que a pobreza contribua para aumentar a santificação. São várias
as disciplinas espirituais bíblicas: oração, leitura e meditação na Escritura, jejum,
prestação de contas, tempo a sós com Deus etc. Até mesmo dar é uma disciplina
imposta a todos os cristãos (2Co 8 e 9). E, embora exemplos de grande
generosidade estejam presentes na Escritura (Zaqueu, e. g., prometeu dar metade
da sua riqueza aos pobres; Lc 19.1-10), eles se fixam em uma pessoa específica
(e.g., a recusa de um homem importante em se desfazer do seu dinheiro expôs
sua idolatria; Lc 18.18-30) ou em atos concretos de generosidade (e.g., os
cristãos que dispunham de meios financeiros e físicos na igreja de Jerusalém
contribuíam com espírito de sacrifício, At 2.44,45; 4.32-35; Barnabé vendeu um
campo, At 4.36,37). Contudo, o ato de dar na Escritura nunca é apresentado
como obrigação de se livrar de tudo o que se possui. Ananias e Safira, por
exemplo, pecaram não porque retiveram parte do lucro da venda de sua
propriedade, mas porque deram a entender que haviam dado tudo o que haviam
apurado com a venda (At 5.1-11). Dar é uma disciplina, mas a pobreza, não.
Além disso, o apóstolo Paulo encoraja os que são ricos a “que pratiquem o bem e
se enriqueçam com boas obras, sejam solidários e generosos” (1Tm 6.17-19). É
importante também observar que Paulo se dirige à situação financeira dos
presbíteros da igreja: “Os presbíteros que governam bem devem ser dignos de
honra em dobro [respeito e remuneração], principalmente os que trabalham na
pregação e no ensino. Porque a Escritura diz: Não amarres a boca do boi quando
ele estiver debulhando; e: O trabalhador é digno do seu salário” (5.17,18). Não
há recomendação para que os que servem na igreja sejam pobres.
O conselho evangélico da obediência encontra respaldo da teologia evangélica
no fato de que a submissão a Deus, a conformidade a todos os seus
mandamentos — e todas as proibições — da Escritura e o acolhimento de todas
as diretrizes boas e lícitas dos que detêm autoridade (autoridades do governo,
pais, empregadores, líderes de igreja) são adequadas ao cristão. Contudo, se a
obediência é o curso normal da vida cristã, como pode ser mais ainda do que é
para os que vivem a vida consagrada, a menos que signifique submissão a regras
e regulamentos que vão além da Escritura e que as autoridades legalmente
constituídas prescrevem de forma legítima? Neste último caso, a questão não é
de obediência, mas de adições não bíblicas e de autoridades ilegítimas ou de
prescrições ilegítimas de autoridades legítimas.
Portanto, a teologia evangélica tem sérias preocupações com os conselhos
evangélicos de castidade, pobreza e obediência adotados por homens e mulheres
que procuram viver a vida consagrada.
Uma última questão em que há acordos e discordâncias: a teologia evangélica
concorda com a vida comunitária, que é um tipo de vida religiosa na Igreja
Católica. Mas discorda de outro tipo de vida, a vida do eremita, que exige
solidão pelo distanciamento do mundo. Uma questão fundamental desse
desacordo é que essa retirada planejada contradiz a essência daquilo pelo que
Jesus orou ao Pai pensando em seus discípulos:
Eu lhes dei a tua palavra; o mundo os odiou, pois não são do mundo, assim como eu também não
sou. Não rogo que os tires do mundo, mas que os guardes do Maligno. Eles não são do mundo, assim
como eu também não sou. Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade. Assim como tu me
enviaste ao mundo, eu também os enviei ao mundo. E por eles me santifico, para que também eles
sejam santificados na verdade (Jo 17.14-19).
Retirar-se do mundo, que por meio de suas filosofias carnais e sistemas ímpios
se coloca contra a igreja e procura poluí-la e sabotá-la, não é uma opção para o
cristão, e também não foi para Jesus: assim como Jesus estava no mundo, mas
não pertencia a ele, a igreja deve estar no mundo, embora não pertença a ele. De
fato, assim como o Pai enviou o Filho ao mundo para concretizar a salvação,
assim também o Filho envia a igreja ao mundo para anunciar como essa salvação
conquistada deverá ser apropriada (cf. Jo 20.21). A consagração que Jesus faz de
si mesmo por amor à igreja, bem como a Palavra de Deus que ele traz, é
suficiente para que a igreja esteja no mundo e não seja do mundo, participando
de seus esforços missionais e sendo fiel e obediente a Deus.
observa que o Credo “associa a fé no perdão dos pecados não apenas com a fé no
Espírito Santo, mas também com a fé na Igreja e na comunhão dos santos”. O 2
Catechism aponta para Cristo, que concede o Espírito Santo, juntamente com
“divino poder para perdoar pecados”, por intermédio dos apóstolos, como base
bíblica para esse princípio de fé. No dia da ressurreição, Jesus disse a seus
discípulos: “Recebei o Espírito Santo. Se perdoardes os pecados de alguém,
serão perdoados; se os retiverdes, serão retidos” (Jo 20.22,23). Além disso,
3
batismo é um dos usos possíveis das chaves do reino conferidas por Cristo à sua
Igreja (Mt 16.13-20).
Ao mesmo tempo, “a graça do batismo não isenta ninguém de nenhuma das
enfermidades da natureza. Pelo contrário, resta-nos ainda combater os
movimentos da concupiscência, que não cessam de nos arrastar para o mal”. 5
Para vencer essa inclinação que seduz a pecar e que culmina com o pecado, o
fiel precisa de outro remédio além do batismo. Portanto, a Igreja recorre
novamente às chaves do reino e nelas encontra o sacramento da penitência, que
lhe dá poder para “perdoar as faltas a todos os penitentes”. A penitência,
6
Avaliação evangélica
Como a doutrina do perdão dos pecados se acha intimamente associada ao
batismo e à penitência, sua avaliação completa só ocorrerá no momento que o
Catechism fizer a exposição dos sacramentos. Contudo, conforme observamos
anteriormente, a associação íntima da teologia católica do perdão aos apóstolos
— e, portanto, aos seus sucessores, os bispos da Igreja Católica — é motivo de
dificuldades porque se acha baseada em dois axiomas do sistema católico: a
interdependência natureza-graça se manifesta na necessidade de graça a ser
conferida de uma maneira tangível; portanto, ela deve ser conferida
concretamente, primeiro pelos apóstolos e, depois de sua morte, pelos bispos da
Igreja Católica. A interconexão Cristo-Igreja se expressa por meio da exigência
de mediação entre os dois reinos, isto é, natureza e graça. Portanto, a Igreja
Católica deve comunicar graça à natureza. Esses dois axiomas já foram
analisados (cap. 1).
Pode-se fazer igualmente uma crítica específica desse ponto. Sem dúvida, a
teologia evangélica reconhece o dom e a comissão confiados por Cristo a seus
discípulos: “E havendo dito isso, soprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o
Espírito Santo. Se perdoardes os pecados de alguém, serão perdoados; se os
retiverdes, serão retidos” (Jo 20.22,23). A pergunta que se coloca é a seguinte:
como a Escritura apresenta a iniciativa apostólica para o cumprimento dessa
tarefa missional? Seguindo o Evangelho de João pela ordem canônica, o livro de
Atos narra o período de espera e de oração em antecipação à vinda do Espírito
Santo (At 1.12-14) e sua descida no dia de Pentecostes para dar início a seu novo
ministério de aliança e inaugurar a igreja (At 2). Os discípulos de Jesus — e não
apenas os Doze por ele instituídos (At 1.15-26), e sim 120 no total (v. 15) —
foram batizados, ou cheios do Espírito Santo, recebendo desse modo o dom do
Espírito prometido por Cristo (v. 4,5; 2.4). Tendo recebido poder do alto com o
recurso divino necessário (1.8), esses discípulos foram lançados em sua missão
evangélica, que é narrada em todo o livro de Atos. Os aspectos desse esforço
missionário consistiram no anúncio da obra de Jesus de Nazaré a favor dos seres
humanos decaídos; instrução de arrependimento do pecado e fé em Jesus Cristo;
promessa de perdão e o dom do Espírito; batismo; afiliação à igreja (2.22-47). A
participação na Grande Comissão não era restrita aos apóstolos; Estêvão (At 7),
Filipe (At 8) e os homens de Chipre e Cirene (At 11.19-26) são mencionados
especificamente como arautos não apostólicos do evangelho. Consequentemente,
o perdão de pecados não é uma prerrogativa de uma casta especial de homens,
tampouco algo que pertence exclusivamente ao seu ministério. Sejam quais
forem as realidades institucionais e hierárquicas introduzidas posteriormente na
história para que a remissão de pecados fosse restrita aos sacerdotes/bispos da
Igreja Católica, eles não podem alterar o que a Escritura ordena a todos os
seguidores de Cristo que receberam poder pelo Espírito de Deus. Quando uma
mãe cristã partilha o evangelho de Jesus Cristo e seu filho perdido se arrepende e
crê, a declaração dessa mãe — “Seus pecados estão perdoados” — expressa a
verdade de pecados já desligados no céu por causa do sacrifício de Cristo (Mt
16.19,21), e é motivo de “alegria perante os anjos de Deus” por causa do filho
pródigo que voltou ao lar e foi encontrado (Lc 15.10,11-32).
A conexão específica desse perdão de pecado com os sacramentos do batismo
e da penitência da Igreja Católica será analisada e avaliada posteriormente.
que encontra sua expressão mais clara e completa na associação que Jesus faz da
“fé na ressurreição à sua pessoa: ‘Eu sou a ressurreição e a vida’. É Jesus quem,
no dia final, levantará aqueles que creram nele, que comeram seu corpo e
beberam seu sangue”. Desde o início, a fé na ressurreição enfrentou forte
9
resistência: “Não há ponto em que a fé cristã encontre mais contradição do que o
da ressurreição da carne”.
10
céu com Cristo se dá em forma incorpórea (com exceção de Maria, cujo corpo
subiu ao céu no fim de sua vida). Quando Cristo voltar, todos os crentes
destituídos de corpo ressurgirão e receberão um corpo novo e glorioso; eles terão
novamente um corpo pelo poder de Cristo e do Espírito Santo (1Co 15.35-53; Fp
3.21; Rm 8.11).
Embora tal esperança seja futura, certo aperitivo da ressurreição é concedido
durante esta vida terrena. A participação no sacramento do corpo e do sangue de
Cristo significa que “nossos corpos, que participam da eucaristia, não são mais
corruptíveis, mas possuem a esperança da ressurreição”. A participação no
12
Avaliação evangélica
Com poucas exceções, a teologia católica e a teologia evangélica estão de acordo
em relação à doutrina da ressurreição. A esperança derradeira do cristão não é
morrer e ir para o céu em alma sem corpo; pelo contrário, a expectativa correta é
a que espera a ressurreição do corpo. Somente quando o crente for revestido
novamente de um corpo imperecível, glorioso, forte e espiritual (i.e., totalmente
controlado e dominado pelo Espírito Santo; veja 1Co 15.42-44,49) é que ele
experimentará a plenitude da salvação. Todos os que estão unidos a Cristo —
identificados com sua morte, sepultamento e ressurreição vividamente expressos
no batismo — têm essa esperança. A condição do cristão já é o de ressuscitado
com Cristo, e a realidade da sua cidadania celestial deve motivar e guiar sua
cidadania terrena (Fp 3.20; Cl 2.12; 3.1-4). Por fim, a ressurreição será obra
milagrosa do Espírito Santo (Rm 8.11), que reunirá a alma do crente ao seu novo
corpo glorificado.
O ponto fundamental de discordância diz respeito à fonte do antegozo do
corpo ressurreto durante a vida terrena do crente. A teologia evangélica não crê
que o sacramento da eucaristia confira incorruptibilidade ao corpo, o resultado
da transformação interior por meio da graça de Deus infundida no crente,
conforme afirma a teologia católica. Ouvem-se aí ecos da interdependência
15
A obra de Deus Filho é sua atividade “através dos sacramentos que ele
instituiu para comunicar sua graça”; pela ação de Cristo e pelo poder do Espírito
Santo, os sacramentos “realizam eficazmente a graça que significam”. Mais 11
Jesus Cristo morreu e ressurgiu dos mortos somente uma vez, há cerca de dois
mil anos; ele realizou a salvação dos seres humanos decaídos de uma vez por
todas. Contudo, sua obra na cruz e sua ressurreição não podem continuar
confinadas ao passado, fechadas no espaço e no tempo como os demais eventos
históricos. Pelo contrário, esse mistério pascal é presentificado, ou
reapresentado, em todas as épocas (conforme veremos, isso tem implicação
especial para a celebração do sacramento da eucaristia) porque esse evento
ocorrido uma vez e para sempre compartilha do atributo divino da eternidade, ou
atemporalidade (observe, uma vez mais, as linhas inferiores do diagrama
anterior). A existência de Deus não é temporal, com começo e fim, e uma
sucessão de eventos, e ele mesmo não é e não pode ser limitado pelo tempo;
antes, Deus existe fora do tempo e, por conseguinte, está presente por toda parte
e em todas as épocas. Como a obra de salvação de Cristo participa do seu
atributo divino, também ela não é e não pode ser limitada no tempo, existindo
fora dele e, portanto, é reapresentada, ou presentificada, nas celebrações
eucarísticas da igreja.
Essa reapresentação está associada à igreja: Cristo, pelo poder do Espírito
Santo, realiza esta obra de representificação por intermédio de seus apóstolos e
daqueles a quem os apóstolos, pelo poder do mesmo Espírito, transferiram seu
poder por meio da sucessão apostólica — os bispos da igreja. Portanto, Cristo
está presente na liturgia da igreja de dois modos concretos: no sacerdote e na
eucaristia. Cristo está presente “na pessoa do seu ministro, ‘o mesmo que agora
oferece, pelo ministério dos sacerdotes, que anteriormente ofereceu a si mesmo
na cruz’”. Cristo também está presente “sobretudo na espécie eucarística”, isto
13
é, nos dois elementos do pão e do vinho (misturado à água). É crucial para essa
14
realidade a convicção de que Cristo “associa sempre a igreja a ele mesmo nessa
grande obra em que Deus é perfeitamente glorificado, e o homem, santificado”. 15
Como aquele que instiga a fé, o Espírito vai ao encontro do fiel da igreja em
resposta à fé, estimula desse modo a cooperação sinergística e suscita a
colaboração entre o divino e o humano na liturgia da igreja. Além disso, o
Espírito Santo “prepara a igreja para seu encontro com o Senhor; ele traz a
lembrança de Cristo e o torna manifesto à fé da assembleia [...] ele torna o
mistério do Cristo presente aqui e agora [...] e une a igreja à vida e à missão de
Cristo”. A obra preparatória do Espírito é acompanhada da preparação do
17
próprio fiel e do trabalho dos ministros da igreja para o encontro dos crentes com
Cristo. A graça do Espírito Santo estimula a fé, a conversão e o
comprometimento com a vontade Deus, disposições que são precondições para o
acolhimento de outras graças acessíveis por meio da liturgia.18
Escritura diz respeito não apenas a partes dela que são lidas durante a liturgia e
sobre a qual a homília, ou sermão, se baseia. A Escritura, pelo contrário, está no
âmago dos cânticos, das orações, coletas (em suma, nas orações estruturadas),
bem como nas ações litúrgicas. Além disso, o Espírito ilumina a Palavra de
Deus, conferindo uma “compreensão espiritual” a seus ouvintes/leitores “de
acordo com a disposição do seu coração”. Além disso, a Palavra de Deus
21
Avaliação evangélica
A teologia evangélica praticamente não tem nada em comum com o conceito e a
prática da teologia católica no que se refere à economia sacramental, exceto pelo
mesmo objeto de adoração (o Deus trino), os mesmos participantes (os líderes da
liturgia e a congregação) e os mesmos ritos ou atividades externos de adoração
(e. g., oração, leitura e pregação da Palavra de Deus, cânticos, celebração da ceia
do Senhor). Além dessas semelhanças formais, porém, a economia sacramental
da teologia católica e a doutrina da adoração da teologia evangélica estão muito
longe uma da outra.
A teologia evangélica rejeita o ponto central da economia sacramental
segundo o qual a salvação em Jesus Cristo ocorreria continuamente, e que é
particularmente associada à Igreja Católica, à sua hierarquia e aos seus
sacramentos. Não há dúvida de que Jesus Cristo, como Sumo Sacerdote, morreu
uma vez na cruz, e somente uma vez. Na verdade, a teologia evangélica insiste
com seus membros para que não entendam mal a teologia católica nesse ponto: a
teologia católica não ensina que Cristo é sacrificado novamente todas as vezes
que o sacramento da eucaristia é celebrado. Hoje, na missa católica, Jesus não
está sendo morto pela milésima milionésima vez. Ele morreu uma única vez, e
tanto a teologia evangélica quanto a teologia católica ensinam essa verdade.
A diferença entre uma e outra diz respeito à ideia de representificação do
sacrifício feito uma única vez e para sempre toda vez que o sacramento da
eucaristia é ministrado. A ideia católica de que a obra de Cristo na cruz participa
do atributo divino da eternidade (i.e., que nunca deixa de existir), ou de sua
atemporalidade (sem limitação de tempo; observe novamente o diagrama supra),
não tem garantia alguma. Consequentemente, o sacrifício de Cristo há dois mil
anos, a exemplo dos demais eventos históricos, ocorreu uma única vez no
passado e não transcende os séculos de modo que continue ainda hoje (ou, a
propósito, em qualquer época depois que ocorreu). A ideia de atemporalidade
pode ser invocada na tentativa de explicar de que maneira o corpo e o sangue de
Cristo estão presentes na eucaristia, mas tudo isso se deve à interpretação
equivocada das palavras de Cristo quando se referiu ao pão na hora em que
instituiu a ceia do Senhor: “Isto é o meu corpo” (Mt 26.26). Assim como não era
seu corpo físico quando os discípulos comeram o pão na ceia — como poderia
sê-lo, uma vez que ele ainda não fora crucificado? —, tampouco se trata de seu
corpo físico agora, quando o fiel ingere a hóstia durante a celebração eucarística.
Além disso, a interpretação sacramental do discurso de Jesus, o “Pão da Vida”,
em João 6, do qual depende a teologia católica para seu conceito de economia
sacramental em geral, e da eucaristia em particular, não é muito plausível.
Trataremos desses pontos mais diante.
O ponto de vista da teologia católica da representificação de Cristo,
associando-a à igreja por meio de sua hierarquia, padece especialmente de sua
fundamentação na interconexão Cristo-Igreja, um axioma já analisado (cap. 1).
Cristo não está presente agora na igreja como cabeça e corpo. Ele não está aqui
na terra na plenitude de todo o seu ser; pelo contrário, em sua natureza humana,
o Senhor exaltado está sentado à mão direita do trono divino no céu. Dessa
implicação seguem-se duas verdades, que contradizem a teologia católica nesse
assunto: Cristo não está e não pode estar presente no sacerdote quando este
conduz a liturgia. E Cristo não está e não pode estar presente no pão e no cálice
do sacramento da eucaristia. Nesse ponto, a teologia evangélica não afirma que
Cristo está ausente da sua igreja, da sua adoração, da sua celebração da ceia do
Senhor etc. Pelo contrário, como Filho pleno de Deus, ele está onipresente —
presente em toda parte. Além disso, ele manifesta sua presença espiritual de
modos específicos e em épocas específicas — por exemplo, para revestir de
poder a mobilização missional da igreja (Mt 28.18-20), para dar respaldo ao
exercício de disciplina da igreja (Mt 18.15-20) e para abençoar a ministração
conveniente ou julgar a observação indigna da ceia do Senhor (1Co 10.14-22;
11.17-33). Consequentemente, ele não está ausente da sua igreja; pelo contrário,
está presente nela quando ela evangeliza, adora, ensina etc. Contudo, essa
presença espiritual é mediada pela ação do Espírito Santo, a quem Cristo enviou
na condição de “outro Auxiliador” (Jo 14.16) para tomar seu lugar na terra
durante sua ausência entre sua ascensão e seu retorno. Além disso, a presença
espiritual de Cristo é mediada pela instrumentalidade do registro escrito da
Escritura, a qual ele deu mediante o Espírito pelo ministério de autores humanos
para que fosse sua Palavra inspirada, verdadeira, revestida de autoridade,
suficiente, necessária, clara e cheia de poder. Não bastasse isso, ela é mediada
pelas ordenanças da nova aliança, do batismo e da ceia do Senhor, que Cristo
ordenou à igreja que ministrasse até seu retorno. Contudo, a presença da qual
esses elementos são intermediários não é a da plenitude do Cristo total,
incluindo-se sua natureza humana, corpo e sangue, mas tão somente sua
presença espiritual.
27
Dada sua qualidade indelével, esses três sacramentos jamais podem ser
repetidos.
Os sacramentos também são sacramentos de fé. Tomando como referência a
Grande Comissão (Mt 28.19), o Catechism explica: “A missão de batizar,
portanto a missão sacramental, está implicada na missão de evangelizar; porque
o sacramento é preparado pela Palavra de Deus e pela fé, que é assentimento à
dita Palavra”. De fato, o ministério da Palavra de Deus é necessário para a
35
ministração dos sacramentos porque estes encontram sua fonte na Palavra e dela
obtêm sustento. Por conseguinte, são sacramentos de fé num duplo sentido: eles
pressupõem a fé e também “a nutrem, fortalecem e a expressam”. Além disso,
36
ministra — isto é, do padre que batiza ou celebra a eucaristia — assim como não
depende de quem os recebe —, isto é, da criança que é batizada ou do fiel que
recebe a hóstia e toma do cálice (ou seja, a pessoa que comunga). Sua
legitimidade e seu benefício dependem unicamente do poder de Cristo e do seu
Espírito Santo que age por meio dos sacramentos “independentemente da
santidade pessoal do ministro. No entanto, os frutos dos sacramentos dependem
também das disposições de quem os recebe”. Como meio pelo qual a graça
40
sacramental é conferida por Cristo e por seu Espírito por meio da igreja, os
sacramentos são necessários para a salvação. Por fim, eles prefiguram a glória
futura, a vida eterna que ainda está por vir à igreja quando Cristo voltar.
Em suma, essa discussão geral dos sacramentos priorizou seus pontos em
comum da perspectiva da doutrina. A próxima discussão geral tratará dos pontos
em comum dos sacramentos no que diz respeito à sua celebração na igreja e pela
igreja. Antes de tratar da celebração litúrgica dos sacramentos, vale a pena fazer
uma avaliação da ideia geral da teologia católica dos sacramentos.
Avaliação evangélica
Como herdeira da Reforma protestante, a teologia evangélica discorda
amplamente da teologia católica dos sacramentos. Há quatro grandes
divergências: a terminologia usada para esses ritos, o número de sacramentos, os
sacramentos como meios de graça e a base de sua validade e eficácia.
Antes de lidar com a questão terminológica, é importante que se levem em
conta os antecedentes do termo “sacramento” e como ele veio a ser associado à
ministração desses ritos pela igreja. Conforme observamos anteriormente, o
Novo Testamento usa a palavra μυστήριον (mustērion = mistério) para se referir
a um segredo há tempos guardado e que agora foi revelado pela proclamação do
evangelho, bem como pela sã doutrina a que a igreja está obrigada. Ao longo da
história, o termo foi aplicado às celebrações do batismo e da ceia do Senhor pela
igreja primitiva no contesto das religiões de mistério, em que havia cerimônias
secretas que canalizavam bens espirituais e poder para seus participantes. O
entendimento que a igreja tem de “mistério” no contexto das religiões de
mistério produziu o seguinte resultado: o batismo e a ceia do Senhor revelam um
mistério da graça divina, conferindo bens espirituais e poder a quem os recebe.
Além disso, à medida que o grego, língua universal, cedia lugar à nova língua
internacional, o latim, o grego μυστήριον (mustērion) recebeu em latim a
tradução de sacramentum. Essa palavra podia se referir a um objeto ou rito
sagrado ou a um juramento de lealdade. O uso que a teologia católica fazia de
sacramentum dependia em grande medida de Agostinho, que definiu
“sacramento” como “sinal externo e visível de uma graça interna e invisível”;
além disso, trata-se de um sinal sagrado divinamente escolhido para indicar uma
realidade divina, o que inclui essa realidade em si mesma. Portanto, o batismo e
a ceia do Senhor, na condição de ritos sagrados, eram considerados sinais e
meios da graça divina.
Quando a Reforma protestante rompeu com a Igreja Católica, ela pôs em
movimento efeitos que se propagaram e que, por fim, resultaram em mudanças
em praticamente tudo o que estava associado à teologia e à prática católicas. Um
desses desafios foi a terminologia mais adequada aos ritos da liturgia. Ainda que
um largo segmento da teologia protestante continuasse a usar o termo
“sacramento” (embora com um entendimento diferente do seu significado), outro
grande segmento descartou o termo em virtude de sua vinculação com o
catolicismo e optou pelo termo “ordenança”. Esse termo foi escolhido porque
aponta para ritos que foram instituídos, ou ordenados, por Cristo e, por
conseguinte, impostos à observância da igreja.41
Essa questão dos ritos ordenados por Cristo introduz o assunto seguinte
referente ao número apropriado dos sacramentos. Enquanto a teologia católica
reconhece sete sacramentos — batismo, confirmação, eucaristia, penitência e
reconciliação, unção dos enfermos, ordem e matrimônio —, a teologia
evangélica reconhece apenas dois: batismo e ceia do Senhor. A razão para essa
redução no número de sacramentos de sete para dois se deve ao fato de que
somente o batismo e a ceia do Senhor foram ordenados por Cristo e vêm
acompanhados de sinais tangíveis. Como parte de sua Grande Comissão, Jesus
ordenou à igreja “[fazer] discípulos de todas as nações, batizando-os em nome
do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28.19). O batismo foi ordenado por
Cristo, e o sinal que o acompanha é a água; portanto, trata-se de um rito a ser
observado pela igreja. Além disso, na ceia do Senhor, a última que fez com seus
discípulos, Jesus instituiu sua observância: “Enquanto comiam, Jesus tomou o
pão e, abençoando-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai e comei;
isto é o meu corpo. E, tomando um cálice, rendeu graças e o deu a eles, dizendo:
Bebei dele todos; pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança derramado em
favor de muitos para perdão dos pecados. Mas digo-vos que desde agora não
mais beberei deste fruto da videira até aquele dia em que beberei o vinho novo
convosco, no reino de meu Pai” (Mt 26.26-29). A ceia do Senhor foi ordenada
por Cristo, e os sinais que a acompanham são o pão e o cálice com fruto da vinha
(vinho ou suco de uva); portanto, é um rito a ser observado pela igreja.
Os outros cinco sacramentos católicos foram descartados um a um pelos
reformadores pelos seguintes motivos: a confirmação não aparece na Escritura e
não tem nenhum sinal tangível associado a ela. O sacramento da penitência e
reconciliação baseia-se em um equívoco da ordem de Jesus: “Arrependei-vos,
porque o reino de Deus está próximo” (Mt 4.17). Jesus não instituiu uma ação
sacramental que envolvesse a contrição, a confissão de pecados a um sacerdote,
a absolvição e o cumprimento de uma penitência que satisfizesse o malfeito.
Pelo contrário, ele fez um apelo de mudança de mente e de vida, de rompimento
com o pecado e com o eu, acompanhado da decisão de buscar a Deus. A unção
dos enfermos tem respaldo em Tiago 5.13-17 e é acompanhada de óleo, mas
Jesus não ordenou essa prática. A ordem, o rito pelo qual homens são
consagrados ao sacerdócio, não tem fundamento bíblico. O matrimônio, embora
tenha sido ordenado pela Escritura (Gn 1.28; 2.24) e endossado por Jesus (Mt
19.1-9), é uma ordenação da Criação, estabelecida por Deus no início da criação
da raça humana (Gn 1.28). Não se trata de rito tipicamente cristão, e Jesus
mesmo não o instituiu. Consequentemente, como esses cinco sacramentos
católicos não foram ordenados por Cristo e/ou lhes faltam os sinais que os
acompanham para sua observação, a teologia evangélica não os considera ritos
impostos à observância da igreja.
Os dois itens seguintes — sacramentos como meios de graça e as bases de sua
validade e eficácia — caminham juntos e serão discutidos juntamente. A
Reforma protestante rompeu não só com o número dos sacramentos católicos,
mas também com a teologia sacramental católica. A teologia católica afirma que
os sacramentos são meios de graça que, de fato, comunicam benefícios divinos
dos quais são sinais. Além disso, a graça comunicada mediante os sacramentos é
infundida nos que os recebem, transformando assim sua natureza e tornando-os
merecedores da vida eterna. Embora um grande segmento da teologia protestante
continuasse a acolher os sacramentos como meios de graça, outro grande
segmento optou por um entendimento que se distancia drasticamente de qualquer
ideia de meios de graça. A teologia evangélica, portanto, compreende essas duas
posições.
Em relação à primeira delas, Charles Hodge resumiu a teologia reformada dos
sacramentos dizendo se tratar de “meios reais de graça, isto é, meios indicados e
empregados por Cristo para comunicar os benefícios da sua redenção a seu
povo”. Diferentemente da teologia sacramental, essa perspectiva reformada os
considera meios, porém não exclusivos, de graça. E não os considera meios de
infusão da graça da salvação. Pelo contrário, quando os sacramentos são
ministrados, “faz-se uma promessa aos que, com razão, recebem os sacramentos
que eles, por meio dos sacramentos, e neles, se tornam participantes das bênçãos
das quais os sacramentos são sinais e selos por Deus indicados”. Em relação às
42
crianças que são batizadas, para a teologia reformada seu batismo é sinal de sua
inclusão na comunidade da nova aliança, a igreja, e de promessa de
arrependimento e fé no futuro. No caso da ceia do Senhor, a teologia reformada
vê nos elementos do pão e do vinho sinais do favor divino por meio da
participação no corpo e no sangue de Cristo (que está espiritualmente presente
na celebração da ceia) e também meios de sustento espiritual que mantêm e
aumentam a fé. Portanto, a água do batismo e o pão e o vinho da ceia do Senhor
são sinais, mas não são sinais vazios, uma vez que são meios de graça que
conferem a bênção e a misericórdia divinas aos que deles participam.
Essa teologia reformada dos sacramentos pode parecer semelhante à teologia
sacramental católica, mas não é. A grande distância entre as duas se explica pela
validade ou eficácia dos sacramentos. Para a teologia católica, os sacramentos
são meios de graça ex opere operato (lit., “pela obra operada”), ou simplesmente
por sua ministração. Sua validade está inteiramente associada ao seu sinal, que é
virtuoso ou poderoso em si mesmo e por si mesmo. Por exemplo, quando um
padre batiza uma criança de acordo com o rito católico do sacramento do
batismo, sua ação de ministrar a água da maneira cristã adequada cancela o
pecado original e a faz nascer de novo e ser incluída na Igreja Católica. A
eficácia do sacramento não depende de modo algum da situação do padre que
ministra o batismo (i. e., ele poderá ser um santo ou alguém em estado de pecado
mortal), e certamente não tem ligação alguma com a fé da criança ou com sua
disposição para o batismo. A teologia reformada dos sacramentos faz objeção à
sua validade ex opere operato. Diferentemente disso, ela sustenta que sua
eficácia depende unicamente de Deus que promete abençoar, da obra do Espírito
nos que recebem os sacramentos e da Palavra de Deus sobre a qual a instituição
dos sacramentos se baseia. Portanto, “há em todo sacramento uma relação
espiritual, ou união sacramental, entre o sinal e a coisa significada; de tal modo
que os nomes e efeitos de um são atribuídos a outro”. Nada disso nos permite
43
foram criados um para o outro. ‘Não é bom que o homem esteja só’ [Gn 2.18]”. 67
A mulher, que foi tirada do corpo do homem — “‘carne da sua carne’ [Gn 1.23],
isto é, sua congênere, sua igual, a que dele está mais próxima entre todas as
coisas” — “lhe é dada por Deus como ‘auxiliadora’; ela, portanto, representa
Deus, de onde vem nosso auxílio”. Os dois se tornam uma só carne (Gn 2.24),
68
sua mãe” ), Jesus transformou água em vinho nas bodas de Caná (Jo 2.1-11). A
74
Jesus veio “restaurar a ordem original arruinada pelo pecado”, dando “força e
graça para a vida conjugal na nova dimensão do reino de Deus [...]. Essa graça
do matrimônio cristão é fruto da cruz de Cristo, fonte de toda a vida cristã”, 77
são conferidos por Cristo por meio do sacramento do matrimônio, assim também
são concedidos em virgindade. Portanto, a igreja associa e aprecia enormemente
o casamento e a virgindade.
A celebração do sacramento do matrimônio ocorre durante a missa — evento
apropriado em razão de sua celebração da nova aliança, “em que Cristo se uniu
para sempre à igreja, sua noiva amada, por quem se deu a si mesmo. Por isso, é
conveniente que os esposos selem o seu consentimento à doação recíproca pela
oferenda da própria vida, unindo-a à oblação de Cristo pela sua igreja, tornada
presente no sacrifício eucarístico, e recebendo a eucaristia, para que,
comungando o mesmo corpo e o mesmo sangue de Cristo, ‘formem um só
corpo’ em Cristo”. O sacramento da penitência é uma preparação para o
80
caso, o casamento a ser selado por meio de aliança se dará entre um católico e
um não católico batizado (e.g., um cristão protestante). Essa situação “não
constitui obstáculo intransponível para o casamento”, mas certamente comporta
sérios desafios. Os casamentos mistos requerem a “permissão expressa da
autoridade eclesial”. No segundo caso, o casamento a ser selado por meio de
aliança se dará entre um católico e uma pessoa não batizada (e.g., um hindu).
Essa situação exige uma apreciação ainda mais cuidadosa, uma vez que as
dificuldades assinaladas acima ganham facilmente um peso maior aqui. Os
casamentos com disparidade de culto requerem “dispensação expressa de
impedimento” pela autoridade eclesial. Além disso, ambos os cônjuges devem
estar abertos aos “fins e propriedades essenciais do casamento”, e o cônjuge
católico é obrigado a assegurar que os filhos do casamento serão batizados na
Igreja Católica e educados na fé católica. 85
Além disso, esse amor conjugal tem algumas exigências. Primeiro, “exige
indissolubilidade e fidelidade em entrega mútua definitiva”. É evidente que
87
Avaliação evangélica
A teologia evangélica aplaude muitas áreas da doutrina do matrimônio da
teologia católica, sobretudo sua defesa dessa instituição e seu apoio irrestrito em
favor de uma cultura de vida contra uma cultura intrusa de morte — tipificada
pelo aborto, infanticídio, suicídio assistido, geronticídio etc. — especialmente no
mundo ocidental. São as seguintes as áreas de concordância: o casamento é uma
aliança que requer duas pessoas, um homem e uma mulher, que fazem votos
diante de Deus e de outras pessoas em busca de um compromisso exclusivo; por
desígnio divino, esse estado conjugal tem significado, propósito, origem e leis
que o governam. Dois desses requisitos são a indissolubilidade e a fidelidade,
excluindo desse modo a imoralidade, a poligamia e o divórcio. Embora a
separação, em face de circunstâncias difíceis, possa ser permitida, ela é sempre
posta em prática tendo por objetivo a reconciliação. As vantagens do casamento
são inúmeras, sendo a principal delas o bem do marido e da mulher, que não
foram feitos para ficarem sós, além da procriação e da educação — seja ela de
ordem espiritual, moral, social, civil ou vocacional — dos filhos assim gerados.
Entre os benefícios pessoais contam-se o auxílio para superar atitudes
pecaminosas e práticas como a do egoísmo e preocupação exclusiva com si
mesmo; isto é, o casamento é um meio de santificação para o marido e para a
esposa. Embora o Catechism não mencione explicitamente outros benefícios
(que são especialmente o bom fruto da relação sexual expressa no casamento), a
teologia evangélica acrescentaria a unidade do casal (ele se torna “uma carne”
mediante a relação sexual; Gn 2.24), consolo em meio à tragédia (e.g., 2Sm
12.24) e proteção contra a imoralidade sexual (1Co 7.5).
Há ainda outros pontos de concordância na excelente discussão do respaldo
bíblico ao casamento, a começar pela referência aos capítulos iniciais do
Gênesis. Depois de uma deliberação divina (“façamos o homem à nossa
imagem”; Gn 1.26), “Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus os
criou; homem e mulher os criou” (v. 27). A duplicidade de gênero na sociedade
humana reflete a pluralidade de pessoas na sociedade divina da Trindade. Além
disso, assim como o Pai, o Filho e o Espírito Santo se amam uns aos outros,
homens e mulheres refletem essa realidade em seu amor mútuo com a mais
elevada, embora não exclusiva, expressão desse amor conjugal. A vontade divina
de que o ser humano não fosse assexuado permite ao homem e à mulher
igualmente realizar o assim chamado “mandato cultural” (v. 28), que consiste na
procriação (“frutificai e multiplicai-vos e enchei a terra”) e vocação, ou
construção da civilização (“sujeitai-a; dominai”). A teologia católica sublinha
corretamente que o chamado ao casamento está gravado na natureza mesma dos
portadores da imagem de Deus, razão pela qual a imensa maioria das pessoas se
casa e muitas delas têm filhos.
Outra área de concordância diz respeito à ruptura do casamento como
consequência trágica do pecado. Essa desordem não é natural, não pela vontade
de Deus; ela é anormal, é resultado do pecado. A desobediência de Adão e Eva
resultou em sofrimento no momento do parto e em trabalho árduo. Muitos
proponentes da teologia evangélica acrescentariam que uma disrupção da relação
hierárquica divinamente planejada — em que o marido exerce autoridade gentil
e confirmadora e em que a esposa se submete alegremente e de livre vontade —
foi outro resultado desastroso de sua queda no pecado. Em alguns casos, o
impacto devastador dessa queda levou ao desastre conjugal. Quando, por
exemplo, ocorre o divórcio por motivos não bíblicos e há um novo casamento,
cria-se uma situação de adultério (Mc 10.11,12); a Igreja Católica,
consequentemente, barra os envolvidos do sacramento da eucaristia e os tira de
alguns ministérios eclesiais. Alguns proponentes da teologia evangélica
concordam com a aplicação da disciplina da igreja em casos de pecado desse
tipo. Como o pecado é insidioso, um marido cristão e uma esposa cristã
precisarão da graça de Deus para vencer seus pecados pessoais, o rompimento da
sua relação, os passos errados que deram na criação dos filhos e muito mais. De
fato, como o casamento em si mesmo tem tantas dificuldades internas, a teologia
católica e a teologia evangélica concordam que o ideal é que a união a ser
estabelecida o seja por dois cristãos (embora cada uma dessas teologias defina
essa realidade de forma diferente, conforme veremos).
Há aqui e ali nesse acordo generalizado pontos específicos de discordância.
Em primeiro lugar, o matrimônio não é sacramento para a teologia evangélica. A
razão principal para essa rejeição é que o casamento é um mandado da criação;
isto é, Deus ordenou o casamento àqueles que têm sua imagem desde o primeiro
momento da criação do ser humano (Gn 1.26-28; 2.18-25). Embora Jesus Cristo
tenha certamente ratificado o casamento e elucidado as bases para sua dissolução
pelo divórcio (Mt 19.3-9), tenha abençoado um casamento em especial com seu
primeiro milagre (Jo 2.1-11) e fortaleça o casamento por meio de sua obra
salvadora na vida de mulheres e homens cristãos, tais ações de Jesus não deram
origem a essa relação entre marido e mulher. O casamento não é exclusivamente
cristão; é, antes, uma instituição humana universal.
No que se refere à defesa do casamento apresentada pela teologia católica,
alguns adeptos da teologia evangélica propõem dois esclarecimentos. Primeiro,
quando se apela à avaliação divina da condição de Adão — “Não é bom que o
homem esteja só” (Gn 2.18) —, é preciso deixar claro que esse pronunciamento
se aplica a pessoas que Deus planejou que se casassem, e não aos solteiros.
Neste último caso, Deus os abençoou em seu estado de solteiros, de gente só que
vive sem um cônjuge. Portanto, esse estado de solteiro para essas pessoas é bom.
Segundo, a implicação que a teologia católica estabelece da formação de Eva, a
“auxiliadora” de Adão — “portanto ela representa Deus, a quem recorremos em
busca de ajuda” —, precisa de ressalvas. Sem dúvida, o termo hebraico ‘ezer é
usado para descrever Deus como auxiliador, mas serve também para descrever a
ação humana, a assistência dos anjos, suporte militar e até a intervenção de
falsos deuses. Consequentemente, é preciso cuidado na hora de transferir as
conotações do divino para usos particulares da palavra. De fato, como foi Deus
quem formou Adão do pó da terra, e como foi Deus que formou Eva do corpo de
Adão, é difícil ver como ela pode representar Deus nesse contexto. Na verdade, é
o contexto que nos dá uma explicação mais plausível de seu papel de auxiliadora
(Gn 1.28): Eva ajudaria Adão à medida que os dois juntos desempenhassem o
mandato cultural planejado por Deus de serem férteis (procriação) e exercerem
domínio (vocação).
A teologia evangélica também vê com suspeita o apelo de sua congênere
católica ao Filho de Deus encarnado unindo “a si mesmo, de certa forma, toda a
humanidade salva por ele, preparando desse modo a ‘festa das bodas do
Cordeiro’ [Ap 19.7,9]”. Seria essa uma nova forma de inclusivismo —
97
subsequente pode declarar desfeito o que já foi feito e como tal assim declarado.
A explicação da teologia católica — anulação não significa que o casamento
jamais ocorreu, e sim que o sacramento do matrimônio jamais se realizou —
significa que a anulação cabe à Igreja Católica, e que o sacramento do
matrimônio só pode ser realizado por seu clero. O interesse pelas anulações se dá
principalmente em decorrência dos casamentos católicos que acabam em
divórcio. Como a igreja não permite o divórcio, os católicos divorciados que
queiram se casar na igreja devem primeiramente conseguir a anulação do
casamento; caso contrário, não terão permissão para se casar. Muitos adeptos da
teologia evangélica discordam da proibição de novo casamento para divorciados
defendida pela teologia católica. O Novo Testamento apresenta dois motivos
para o divórcio: Jesus o permite em caso de adultério (Mt 19.9), e Paulo o
permite quando, num casamento misto, o cônjuge descrente procura o divórcio
(1Co 7.12-16). Consequentemente, a teologia evangélica e a teologia católica
discordam no tocante à anulação do casamento e ao divórcio.
A afirmação acima de que a teologia católica e a teologia evangélica
concordam que o casamento deve ser entre dois cristãos requer um pouco mais
de esclarecimento, uma vez que a afirmação geral mascara áreas específicas de
discordância. A teologia evangélica, de modo geral, insiste no casamento entre
dois cristãos definidos como um homem e uma mulher que acolheram o
evangelho, se arrependeram de seus pecados e confiaram em Cristo para
salvação. Uma vez que o evangelicalismo compreende um vasto espectro de
cristãos, um evangélico presbiteriano e um evangélico batista, ou um evangélico
episcopal e um evangélico metodista poderiam prontamente se casar. Embora
reconheçam que pode haver algumas dificuldades adiante em razão de diferenças
denominacionais, esses evangélicos de espectros variados poderiam se casar. A
teologia católica diz que o ideal é que dois católicos se casem entre si, mas ela
também dá espaço para duas outras categorias de casamento. Primeiro, os
casamentos mistos são aqueles que compreendem um católico e um não católico
batizado (e.g., um cristão protestante); segundo, os casamentos com disparidade
de culto são os que envolvem um católico e uma pessoa não batizada (e.g., um
hindu). Essas duas categorias requerem alguma ação eclesial especial para que
seu casamento seja permitido, e o cônjuge católico tem obrigações no que diz
respeito ao batismo e à educação dos filhos na fé católica. Nos casamentos
mistos, em que tanto o católico quanto o não católico são cristãos genuínos no
sentido definido acima, os proponentes da teologia evangélica discordariam da
conveniência do casamento: alguns não o permitiriam por duvidarem de que a fé
da parte católica seja genuína; outros não o permitiriam porque as dificuldades
seriam intransponíveis, especialmente as obrigações do cônjuge católico no
tocante aos filhos; outros permitiriam, mas advertiriam fortemente sobre os
desafios que inevitavelmente haveriam de surgir. No caso de um casamento com
disparidade de culto, como tal casamento supõe um cristão e um não cristão, e a
Escritura claramente requer o casamento entre dois cristãos (1Co 7.39), os
defensores da teologia evangélica, de modo geral, não o permitiriam.
A concordância em relação a alguns requisitos para o casamento —
especificamente sua indissolubilidade e fidelidade — já foi tratada aqui. Outro
requisito da teologia católica, como a abertura à fertilidade, é um ponto de
discordância. Essa diferença tem uma aplicação prática no que se refere à
proibição por parte da teologia católica do uso de contraceptivos e a permissão
de uso deles pela teologia evangélica (contanto que o método contraceptivo não
induza o aborto). No âmago dessa diferença se encontra a doutrina evangélica da
autoridade e suficiência da Escritura, e o uso pela teologia católica da lei natural,
bem como os ensinos oficiais da igreja que proporcionam uma maior orientação
sobre o assunto e adesão mais significativa a ele. Para a teologia evangélica, a
instrução suficiente e plena de autoridade sobre a procriação é expressa pelo
mandado “frutificai-vos e multiplicai-vos e enchei a terra” (Gn 1.28). Essa
ordem não diz quantos filhos o casal deve ter, tampouco diz que ele deve estar
aberto a procriar em todas as relações sexuais que tiver. Além disso, a Escritura
não proíbe o uso de meios contraceptivos (não abortivos). A teologia evangélica,
embora não rejeite de imediato a lei natural, faz uso cauteloso dela e questiona
se um de seus princípios seria a abertura à fertilidade. É importante frisar
também que a teologia evangélica rejeita quaisquer princípios fora da Escritura
como suposta fonte de autoridade e adesão. Isso inclui a instrução moral
adicional proporcionada pela Igreja Católica. 100
TERCEIRA PARTE:
A VIDA EM CRISTO
11
A VIDA EM CRISTO
(terceira parte, seção 1, capítulos 1—2)
A vocação humana: a vida no Espírito; a comunidade humana
satisfazer esse desejo divinamente implantado nele. Por fim, “as Bem-
Aventuranças revelam a meta da existência humana, o fim último dos atos
humanos: Deus nos chama à sua própria felicidade”. 10
razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto ou aquilo, praticando assim,
por si mesmo, ações deliberadas”. Quando dirigida a Deus, essa liberdade
14
morais, seja qual for a intenção — o segundo elemento — com a qual são
empreendidas. Para fins de ilustração, outro exemplo (que é negativo) consiste
em exagerar as capacidades e realizações de um colega no trabalho.
O segundo elemento, o fim em vista ou intenção, consiste no agente moral
humano que age, e não no ato propriamente dito. Esse elemento é o objetivo da
intenção, o propósito que se busca na ação. “A intenção é um movimento da
vontade em direção ao fim: diz respeito ao objetivo da atividade. Sua meta é o
bem que se antecipa à ação empreendida.” No primeiro exemplo, o objetivo ou
24
habilidades de um colega no trabalho (o ato) para que ele ganhe uma promoção
merecida (a intenção) não torna o ato bom, porque mentir é inerentemente mau.
Em relação ao terceiro elemento, as circunstâncias da ação trazem consigo
suas consequências e “contribuem para agravar ou atenuar a bondade ou malícia
moral dos atos humanos [...]. Podem também diminuir ou aumentar a
responsabilidade do agente”. Contudo, essas “circunstâncias não podem, por si
próprias, modificar a qualidade moral dos próprios atos”. No primeiro exemplo,
26
Paixões/sentimentos
apreensão pelo mal causa o ódio, a aversão e o receio do mal futuro; este
movimento termina na tristeza pelo mal presente ou na cólera que a ele se
opõe”. Consequentemente, as paixões “são más se o amor for mau, e boas se ele
31
for bom”. 32
Essa última afirmação significa que as paixões não são nem boas nem ruins
em si mesmas, mas recebem qualificação moral à medida que “dependem
efetivamente da razão e da vontade” e são por elas governadas. Quando a33
Romanos 2.14-16.
De modo concreto, essa lei do coração, ou da consciência, foi inscrita por
Deus e é o julgamento da razão humana (não das paixões ou dos apetites
físicos). Uma consciência reta opera das seguintes formas: ela reconhece os
princípios morais; percebe sua aplicação em determinadas circunstâncias; julga
ações concretas, aprovando as que são boas e condenando as que são más;
promove a participação no bem e a necessidade de evitar o mal; e reconhece a
verdade a respeito do bem moral, de modo que ele se torna objeto de ações. A
interioridade é necessária para que a consciência funcione adequadamente; isto
é, o ser humano deve ser “suficientemente presente para si mesmo para ouvir e
seguir a voz de sua consciência”. A dignidade humana “implica e requer a
38
que o ser humano deve ser livre para agir de acordo com a consciência e não
forçado a agir contrariamente a ela.
Embora implantada por Deus, a consciência deve ser formada por um
processo educativo ao longo da vida. Desse modo, ela se torna reta e verdadeira,
formulando seus juízos de acordo com o bem desejado por Deus. Tal formação
da consciência é indispensável à luz das influências e tentações negativas que
induzem ao pecado e que procuram prejudicar o ser humano. A Palavra de Deus,
os dons do Espírito Santo, o conselho alheio e os ensinos oficiais da igreja são
imprescindíveis à formação da consciência. São três os princípios da consciência
que se aplicam o tempo todo: “Nunca é permitido fazer o mal para que daí
resulte um bem; a Regra de Ouro é: ‘Portanto, tudo o que quereis que os homens
vos façam, fazei também a eles’ (Mt 7.12); e a caridade passa sempre pelo
respeito ao próximo e à sua consciência [1Co 8.12; Rm 14.21]”. 41
(“razão reta em ação”), justiça (dar a Deus e a outros o que lhes é devido),
46
amor (Gl 5.6). A fé deve se fazer acompanhar da esperança e do amor, e deve ser
professada. De fato, “a fé sem obras é morta” (Tg 2.26), no sentido de que a “fé
não une plenamente o crente a Cristo e não o torna membro de seu corpo”. 50
amor é o novo mandamento que Jesus dá (Jo 13.34), e o amor entre seus
discípulos imita o amor de Jesus por eles (15.9,12). Como fruto do Espírito e
plenitude da lei divina (Rm 13.8), o amor obedece aos mandamentos divinos (Jo
15.9,10). Assim como Jesus demonstrou seu amor pelos pecadores morrendo por
eles, seus discípulos devem amar os pecadores (Rm 5.10; Mt 5.44). O amor é
descrito principalmente no hino de Paulo à caridade (1Co 13.1-7), que o situa no
topo das outras virtudes teologais. Consequentemente, o amor anima, inspira,
liga, articula e ordena a fé e a esperança; ele é “a forma das virtudes”, sua
origem e seu destino. 54
Além das virtudes humanas e das virtudes teologais, os dons do Espírito Santo
sustentam a vida moral do fiel. Esses sete dons — sabedoria, entendimento,
conselho, fortaleza, conhecimento, piedade e temor do Senhor — torna o fiel
submisso às animações do Espírito e “completam e levam à perfeição as virtudes
de quem os recebe”. 55
O pecado (seção 1, capítulo 1, artigo 8)
À medida que sua discussão sobre a dignidade da pessoa humana se aproxima do
final, o Catechism se detém na realidade do pecado, que é o pano de fundo para
a necessidade da misericórdia divina e da graça eucarística que conduz à
salvação. Citando Agostinho, o Catechism afirma: “Deus, que nos criou sem
nós, não quis salvar-nos sem nós”. Em outras palavras, embora a criação fosse
56
Outros elementos do pecado são a ofensa contra Deus e seu amor pelo ser
humano (Sl 51.4); desobediência ou rebelião do ser humano contra a vontade de
Deus em busca de autonomia — autodeterminação (exemplificada no primeiro
pecado; Gn 3.5); amor-próprio a ponto de desprezar a Deus; autoexaltação
orgulhosa, em oposição à obediência a Cristo que realizou a salvação do ser
humano. Sobre esse último ponto, a paixão de Cristo revela “a violência e a sua
multiplicidade: incredulidade, ódio assassino, rejeição e escárnio por parte dos
líderes e do povo, covardia de Pilatos e crueldade dos soldados, traição de Judas
tão dura para Jesus, negação de Pedro e abandono dos discípulos”. Contudo,
60
cometido por meio da malícia, pela escolha deliberada do mal, é o mais grave de
todos”; de fato, Jesus mesmo falou da blasfêmia contra o Espírito Santo, que
66
penitência e reconciliação.
O pecado venial diz respeito a questões menos sérias do que o pecado mortal:
o padrão preconizado pela lei moral não é observado, ou a lei é desobedecida
“em questão grave, mas sem o pleno conhecimento ou sem o consentimento
completo”. Dois exemplos disso são “as conversas irrefletidas ou o riso
68
ferida imposta a ele, mas não sua destruição, como no caso do pecado mortal.
Manifestação de uma afeição desordenada por um bem inferior (i.e., criado), o
pecado venial também impede o progresso no exercício da virtude e da prática
do bem moral, que é um segundo resultado imediato. Em relação ao seu
resultado eterno, diferentemente do pecado mortal, o pecado venial não resulta
na perda da graça santificadora; a amizade da aliança com Deus, o amor e a
felicidade eterna permanecem. Contudo, o pecado venial implica também o
castigo temporal no purgatório. A solução para o pecado venial não é o
sacramento da penitência e reconciliação; pelo contrário, “ele é humanamente
reparável com a graça de Deus” por meio da confissão e do arrependimento. Há
70
Avaliação evangélica
Boa parte desta seção sobre “A vida em Cristo” trata de tópicos de antropologia
(a doutrina da humanidade) e de moralidade (ética) de uma perspectiva
filosófica. Consequentemente, uma avaliação desses tópicos deve ser mensurada
e seletiva, detendo-se naquelas áreas das quais a Escritura e a teologia
evangélica tratam diretamente. De modo geral, como o ensino da teologia
católica sobre esses tópicos não é explicitamente bíblico, tampouco
explicitamente não bíblico, pode-se saudá-lo como uma contribuição bem-vinda
da antropologia e da moralidade, sem, contudo, considerá-lo definitivo e
obrigatório. São áreas como a da liberdade humana, moralidade das paixões
76
É importante frisar que, no caso do pecado por ignorância, será preciso fazer um
sacrifício de expiação e, no caso do pecado consciente, o sacrifício permitirá
perdoá-lo. Contudo, essa distinção bíblica não tem paralelo nenhum com a ideia
da teologia católica de que o pecado venial não requer uma nova infusão de
graça santificadora para ser perdoado, ao passo que o pecado mortal requer
efetivamente o sacramento da penitência para que possa ser perdoado.
Além disso, a Escritura faz distinção entre graus de pecado, pelo menos no
que diz respeito às consequências que diferentes pecados produzem: “Alguns
pecados são piores do que outros no sentido de que têm consequências mais
danosas em nossa vida e na vida de outros, e, no que diz respeito à nossa relação
pessoal com Deus como Pai, eles suscitam uma maior dose de descontentamento
nele e induzem a um rompimento mais sério em nosso relacionamento com
ele”. A base bíblica para a distinção entre pecados maiores e pecados menores
84
propósitos para os quais ele foi criado — não acaba nele mesmo, mas em Deus.
Conforme disse Paulo em uma oração de glorificação a Deus: “Porque todas as
coisas são dele, por ele e para ele. A ele seja a glória eternamente! Amém” (Rm
11.36). Em outro lugar, o apóstolo assinalou que o propósito eterno de Deus
87
era, em certo sentido, a glorificação futura do seu povo; contudo, além dessa
exaltação do ser humano havia uma coisa mais: a preeminência do seu Filho.
“Pois os que conheceu por antecipação, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos irmãos” (8.29). Desde toda a eternidade, o plano divino (presciência,
predestinação) é que o ser humano seja resgatado pela graça divina para que se
conforme plenamente um dia à imagem do Filho; contudo, entre esses irmãos e
irmãs distintos e redimidos, a preeminência do Filho (“o primogênito” no tocante
à sua condição exaltada) se distinguirá. Portanto, a teologia evangélica enfatiza o
plano divino para a humanidade, e não a bem-aventurança humana, a felicidade,
a glorificação etc., por mais importante que seja tudo isso. Pelo contrário, o mais
importante na visão da teologia evangélica é a glória de Deus e a preeminência
de Cristo — o ser humano existe para a glória do seu Criador e Salvador.
Consequentemente, a teologia evangélica lamenta a ênfase mal colocada, por
parte da teologia católica, na bem-aventurança humana.
sistêmico — por exemplo, quando as pessoas são tratadas como meios para um
fim —, “é preciso, portanto, apelar à capacidade espiritual e moral da pessoa
humana e à necessidade permanente de sua conversão interior, para que haja
mudanças sociais que lhe sirvam de fato”. Na verdade, o evangelho é a única
89
17). “Por bem comum deve entender-se ‘o conjunto das condições sociais que
permitem, tanto aos grupos quanto a cada um dos seus membros, atingir a sua
perfeição, do modo mais completo e adequado’”. Esse bem comum consiste em
91
três elementos essenciais: respeito pelo ser humano e pelo seu desenvolvimento
como tal e por seus direitos fundamentais; prosperidade, ou o bem-estar e o
desenvolvimento da sociedade; e paz, ou a estabilidade e segurança da sociedade
por meio da manutenção e do desenvolvimento de uma ordem justa.
Evidentemente, o pressuposto que subjaz a essa discussão é a existência de um
bem comum universal, cuja busca é necessária para assegurar e promover a
dignidade do ser humano. Tal responsabilidade de promoção do bem comum é
primeiramente pessoal, depois institucional, sobretudo no que diz respeito ao
Estado e à família.
Avaliação evangélica
De modo geral, como o tratamento dispensado pela teologia católica a essas
questões é reflexo de uma teoria social e política que não é explicitamente
bíblica, tampouco não bíblica, pode-se acolhê-la como uma possível
contribuição para a discussão das dimensões coletivas da existência humana,
sem, contudo, considerá-la definitiva e obrigatória. A teologia evangélica está de
acordo em áreas como o plano divino para que o ser humano floresça em
comunidade, as duas instituições da família e do governo, conforme ordenadas
por Deus, os perigos inerentes às associações e instituições voluntárias em razão
do mal sistêmico, a necessidade de uma autoridade exercida de maneira
adequada, a promoção dos direitos humanos sancionados pela Bíblia, a bênção
da prosperidade e da paz (pela qual a igreja deve orar; 1Tm 2.1,2), a busca de
um bem comum universal, a igualdade de todos os seres humanos em
decorrência da criação à imagem de Deus e a solidariedade da raça humana.
Quando há disparidade, ela é encontrada em áreas como a do princípio da
subsidiariedade e da visão relativamente otimista que a teologia católica tem da
comunidade humana, do governo e de outras instituições.
Antes de concluir este capítulo, é preciso olhar com atenção uma área ainda
não avaliada. Em sua discussão da vida em Cristo, especialmente quando diz que
essa existência foi arruinada pela realidade do pecado, o Catechism cita
positivamente Agostinho: “Deus, que nos criou sem nós, não quis salvar-nos sem
nós”. Não avaliamos tal afirmação porque o próximo capítulo se concentrará na
96
redentora que Deus oferece em Cristo vem por meio da lei que guia o ser
humano e da graça que o sustenta, conforme assinalado em Filipenses 2.12,13.
A lei moral (seção 1, capítulo 3, artigo 1)
Em sua sabedoria, Deus deu a lei moral ao homem para sua salvação. “Ela
prescreve ao homem os caminhos, as regras de procedimento que o levam à
bem-aventurança prometida e lhe proíbe os caminhos do mal, que desviam de
Deus e do seu amor.” A lei tem quatro expressões inter-relacionadas: “lei eterna
3
— a fonte, em Deus, de toda a lei; lei natural; lei revelada, que compreende a lei
antiga e a nova lei, ou lei do evangelho; por fim, a lei civil e a eclesiástica”.
4
Ela é universal, foi inscrita na consciência humana por Deus, expressa nos Dez
Mandamentos, firmada pela razão, é supracultural (i.e., aplicável a todas as
pessoas em todos os tempos e lugares), imutável e permanente, fundacional para
a construção humana das regras morais para a edificação da comunidade humana
e base da lei civil. Dada a presente condição de pecaminosidade do homem, “os
preceitos da lei natural não são percebidos por todos de maneira clara e
imediata”. Pelo contrário, a humanidade pecaminosa “precisa da graça e da
6
remover o pecado humano, “continua a ser uma lei de escravidão”. De fato, seu
11
caminhos” — entrada pela porta estreita, e não pela porta larga; construção da
casa sobre a rocha, e não sobre a areia (Mt 7.13,14,21-27) — e requer obediência
a suas palavras conforme resumido pela Regra de Ouro (Mt 7.12; cf. Lc 6.31).
Além disso, a lei inteira está resumida no novo mandamento de Jesus: “amar uns
aos outros como ele nos amou” (Jo 15.12; 13.34).
Além do Sermão da Montanha, acrescenta-se “a catequese moral dos ensinos
apostólicos, tais como Romanos 12—15, 1Coríntios 12 e 13, Colossenses 3 e 4,
Efésios 4 e 5 etc”. Esses elementos a mais da nova lei se detêm sobretudo “nas
21
consciência do fiel à luz da sua relação com Cristo e com a igreja. Fazem parte
também da nova lei os conselhos evangélicos: castidade, pobreza e obediência.
Esses conselhos se referem aos preceitos da lei no tocante à caridade: “Os
preceitos destinam-se a afastar tudo o que é incompatível com a caridade. Os
conselhos têm por fim afastar o que, mesmo sem lhe ser contrário, pode
constituir impedimento à expansão da caridade”. Os três conselhos chamam a
23
atenção de modo concreto para “caminhos mais diretos, meios mais adequados”
de amar a Deus e ao próximo, e cabe ao fiel obedecer aos conselhos apropriados
à sua vocação, posição na vida, oportunidade, força etc.24
Por fim, essa nova lei atende por nomes diversos. É a lei do amor, porque a
obediência a ela não vem do temor, mas do amor do Espírito Santo que é
infundido no fiel. É chamada de lei da graça, porque confere graça para
obedecer, pela fé e pelos sacramentos. É conhecida como lei da liberdade,
porque liberta o fiel das “observâncias rituais e jurídicas da antiga lei”,
inclinando-o a agir de forma espontânea pelo amor, e, no lugar de uma relação
de senhor e servo, promove uma relação entre amigos com Cristo ao elevar o fiel
à condição de filho de Deus, e até mesmo coerdeiro com Cristo. 25
Por último, o quarto tipo de lei se refere à lei civil e à eclesiástica, contudo
essa categoria jurídica não é mais extensamente desenvolvida.
Graça e justificação; mérito (seção 1, capítulo 3, artigo 2)
Além da ajuda conferida pela lei de Deus, a obra da salvação que Deus
providencia para o ser humano pecador requer também graça e justificação.
Antes de definir esses dois termos, o Catechism afirma que a graça do Espírito
Santo opera com poder para justificar as pessoas. Essa obra divina está associada
com a purificação de pecados e a comunicação da “‘justiça de Deus pela fé em
Jesus Cristo’ [Rm 3.22] e pelo batismo”, conforme exposto pelo apóstolo Paulo
26
Além disso, a justificação “conforma-nos com a justiça de Deus, que nos torna
interiormente justos pelo poder da sua misericórdia”. O fundamento da
33
excelente do amor de Deus”. Ao recorrer uma vez mais ao apóstolo Paulo (Rm
37
definida como “favor, o socorro gratuito que Deus nos dá, a fim de
respondermos ao seu chamamento para nos tornarmos filhos de Deus, filhos
adotivos participantes da natureza divina e da vida eterna”. O fruto da graça é a
40
Além disso, essa iniciativa divina “exige a livre resposta do homem” para que
possa conhecer e amar a Deus; “só livremente [uma pessoa] entra na comunhão
de amor”. Graças sacramentais são aquelas cujos “dons são próprios aos
45
é a obra divina por meio da qual Deus sustenta e reveste de poder o fiel até o
fim, ocasião em que o recompensa “pelas boas obras realizadas com sua graça
em comunhão com Jesus”. 48
respeito de modo algum ao início da salvação, porque essa graça pertence tão
somente à iniciativa divina: “Ninguém pode merecer a graça primeira, que está
na origem da conversão, do perdão e da justificação”. Contudo, o mérito entra
55
em cena quando o fiel, sob a moção do Espírito Santo e do amor, alcança para si
e para outros, por merecimento, “as graças úteis para a santificação e para o
aumento da graça e da caridade, bem como para a obtenção da vida eterna”. 56
dessa lei de Deus e deve ensiná-la aos fiéis, que têm tanto o direito de ser
instruídos nela quanto o dever de obedecer-lhe. Embora a consciência do fiel
deva ser livre e não possa ser coagida, ela não é livre para seguir “considerações
individualistas em seus juízos morais dos atos da pessoa” e “não deve ser posta
em oposição à lei moral ou ao Magistério da Igreja”. Um católico, por exemplo,
59
não pode adotar uma posição favorável ao aborto; na verdade, até mesmo sua
afirmação de que está seguindo sua consciência ao defender o aborto mostra uma
consciência malformada e deve ser rejeitada.
Além de todos esses ensinamentos, a igreja oferece também seus preceitos aos
fiéis. Essas instruções “são situadas no contexto de uma vida moral vinculada à
vida litúrgica e por ela nutrida”. Há cinco preceitos, conforme se seguem: (1)
60
“ouvir missa inteira aos domingos e nos dias santos de guarda”; (2) “confessar
os pecados pelo menos uma vez por ano”; (3) “comungar ao menos pela Páscoa
da Ressurreição”; (4) “guardar os dias determinados pela Igreja”; (5) “guardar os
dias de jejum e abstinência conforme prescritos”. Há outro preceito segundo o
qual é dever do fiel contribuir com o sustento financeiro da igreja.
61
salvação para se referir a uma fonte única que opera a redenção; isto é, Deus é o
único agente que opera o resgate do ser humano decaído. Já o termo
“sinergismo” se refere a duas (ou mais) fontes que operam juntas na salvação;
64
isto é, Deus e o ser humano caído, juntos, operam o resgate deste último. A
teologia evangélica, seguindo os princípios fundamentais da Reforma
protestante, subscreve a salvação monergista, ao passo que a teologia católica
defende a salvação sinergista. Essa comparação e a crítica implícita ao
sinergismo não menosprezam a insistência da teologia católica de que a salvação
é obra da graça de Deus, tampouco discordam dela; o Catechism está repleto de
discussões sobre a graça divina como fundamento da salvação. Pelo contrário, a
crítica que se faz diz respeito à aplicação da salvação e à ideia de que Deus
planejou a salvação para que nela fosse incluída a participação do fiel, seu
revestimento de poder, para que merecesse a vida eterna. No âmago de tal
sinergismo se nota a presença da interdependência natureza-graça: a natureza —
nesse caso, o ser humano caído — tem uma capacidade para a graça, que opera
na natureza a fim de elevá-la e aperfeiçoá-la; ocorre então uma participação
colaborativa. A crítica a tal axioma já foi feita (cap. 1). Consequentemente, ao
iniciarmos aqui a crítica evangélica à perspectiva católica da salvação, é
importante frisar que os dois lados têm visões antagônicas a respeito desse
assunto.
Lei
Antes, porém, de nos aprofundarmos na discussão do monergismo e do
sinergismo, começaremos esta avaliação com o ponto de partida da teologia
católica, que é a apresentação da lei moral como meio ordenado por Deus pelo
qual ele proporciona auxílio para a redenção do ser humano caído. Sem entrar
nos detalhes dos quatro tipos de lei que constituem a lei moral, é o conceito de
lei como auxílio divinamente concedido para a salvação que é objeto de
contestação pela teologia evangélica. Sabendo que a teologia evangélica
compreende um amplo espectro de perspectivas acerca da lei, o resumo a seguir
pode ser considerado uma versão bastante típica (todos os pontos seguintes
dizem respeito, especialmente, à antiga lei da aliança, ou Lei de Moisés, que a
teologia católica também chama de antiga lei). 65
Oriunda de Deus, a lei é santa, justa e boa (Rm 7.12). Ela revela quem Deus é,
articula aquilo de que seu povo tem necessidade para ser justo diante dele e
promete bênçãos para quem obedece e ameaça com maldições os desobedientes.
De modo concreto, à medida que estabelece as exigências divinas, ela demanda
perfeição, conforme disse Moisés insistentemente ao povo: “Ouve e guarda
todas estas palavras que te ordeno, para que vivas bem para sempre, tu e teus
filhos depois de ti, por fazer o que é bom e correto aos olhos do S , teu Deus” ENHOR
(Dt 12.28, grifo do autor). Essa exigência de perfeição está em sintonia com a
santidade perfeita do Deus que deu a lei (“Sede santos, porque eu sou santo”; Lv
11.44; 1Pe 1.16) e se reflete em toda a extensão da lei, que regulava toda a vida
do povo de Deus. É importante frisar que a lei “exige obediência, mas falta a ela
o poder para produzir essa obediência, embora jamais fosse seu propósito ser a
fonte de tal obediência”; antes, “pela lei vem o conhecimento do pecado” (Rm
66
3.20). Além disso, “a lei veio para que a transgressão se ressaltasse” (5.20). O
impacto concreto da lei foi tornar o povo de Israel pior do que era; por exemplo,
imediatamente depois de receber os Dez Mandamentos, ele forjou o bezerro de
ouro e mergulhou numa horrenda idolatria (Êx 32). Como a lei mostrou o que
era de fato o pecado — portanto, ninguém pode fingir ignorância —, a lei traz
consigo a ira divina (Rm 4.15) e a morte (7.24), o exato oposto da bênção e da
vida. Consequentemente, a lei — e as obras a ela associadas — não pode
promover a justificação, conforme assinala Paulo:
Porque ninguém será justificado diante dele pelas obras da lei; pois pela lei vem o pleno
conhecimento do pecado. Mas agora a justiça de Deus se manifestou, sem a lei, atestada pela Lei e
pelos Profetas; isto é, a justiça de Deus por meio da fé em Jesus Cristo para todos os que creem; pois
não há distinção (Rm 3.20-22).
Sabemos, contudo, que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo.
Nós também temos crido em Cristo Jesus, para sermos justificados pela fé em Cristo, e não pelas
obras da lei, pois ninguém será justificado pelas obras da lei (Gl 2.16).
Consequentemente, “Paulo não condena ninguém por ter em alta conta a lei; ele
condena as pessoas por tentarem usar a lei para alicerçar sua justiça própria”. 67
para a raça humana, e sim uma lei direcionada especificamente ao povo de Israel
(e.g., Dt 4.8). Em segundo lugar, “a comunicação da lei é um ato de graça
conferido a Israel porque se acha inserido no contexto de redenção do Egito e
funciona como uma resposta da parte de Israel à sua relação de aliança com
Deus”. Em outros termos, a lei da antiga aliança não criou uma relação entre
69
Deus e seu povo; essa aliança já havia sido firmada com Abraão e as promessas
de Deus feitas a ele (e.g., Gn 15). “A lei, portanto, não foi dada como uma forma
de encontrar Deus; ela foi dada depois que Deus proveu um meio para que Israel
saísse da escravidão do Egito e se tornasse seu povo.” 70
quem for, ser justificado porque guarda a lei, quer seja a Lei de Moisés, quer
outro código qualquer.
Portanto, se é impossível firmar a justiça com base na lei, sobre que base
poderá ela ser firmada? A Escritura aponta para Jesus Cristo, o Justo, e para a fé
nele, fundamento e meio de apropriação da justiça divina. Em sua forma
seminal, esse direcionamento começa com Abraão, que “creu no S ; e o S ENHOR ENHOR
Muito antes de ser dada a lei, Abraão creu em Deus e em sua promessa de uma
prole incontável no futuro. Se a justiça pudesse provir da lei — o que não é
possível, porque a lei suscita a ira —, disso se segue que os beneficiários de uma
relação com Deus estariam limitados ao povo de Israel, que recebeu a lei.
Contudo, a justiça não vem desse modo; pelo contrário, como ela repousa sobre
o fundamento da graça divina, a justiça se dá a todos os que, como Abraão, têm
fé.
Essa provisão de graça foi profetizada no Antigo Testamento (Rm 3.21).
Pouco antes de encerrada a redação do Pentateuco, Moisés previu a falha abjeta
de Israel incapaz de obedecer à Lei. Ele ofereceu então a seguinte esperança: “O
S , teu Deus, circuncidará o teu coração, e o coração da tua descendência, a
ENHOR
fim de que ames o S , teu Deus, de todo o teu coração e com toda a alma, para
ENHOR
que vivas” (Dt 30.6). Com essa profecia, “Moisés evidencia o fato de que não se
trata apenas de um problema da lei, mas de um problema do coração. A lei
apresenta os padrões de justiça de Deus e mostra o que é preciso para se chegar à
justiça, mas o problema é que a lei não proporciona aquilo que é necessário para
guardá-la — um novo coração”. Essa esperança de transformação repercutiu na
72
profecia de Jeremias sobre uma nova aliança em que a lei seria escrita no
coração das pessoas e Deus perdoaria completamente seus pecados (Jr 31.31-
34), e na profecia de Ezequiel segundo a qual Deus purificaria seus pecados,
daria a eles um novo coração e colocaria neles seu Espírito (Ez 36.25-27).
A esperança do Antigo Testamento apontava para Jesus Cristo e sua obra de
salvação como fundamento da justiça, que seria apropriada pela fé. Depois da
sua profecia sobre a circuncisão do coração (Dt 30.6), Moisés volta à
apresentação da lei dizendo que “não é difícil demais, nem está fora do teu
alcance [...]. A palavra está muito perto de ti, na tua boca e no teu coração, para
que a cumpras” (Dt 30.11,14). De acordo com Paulo, a palavra de Moisés é o
evangelho, “a palavra de fé” que é proclamada e que proporciona não “a justiça
proveniente da lei”, mas “a justiça que vem da fé [...]. Porque, se com a tua boca
confessares Jesus como Senhor, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou
dentre os mortos, serás salvo” (Rm 10.5-9). Portanto, pode-se dizer que a lei
apontava para Jesus Cristo, e para a fé nele, para obtenção da justiça perante
Deus.
A maior parte do povo judeu, tragicamente, errou o alvo, e Paulo lamenta a
sorte deles: “Pois, não reconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer
a sua própria, não se sujeitaram à justiça de Deus. Pois Cristo é o fim da lei para
a justificação de todo aquele que crê” (Rm 10.3,4). Acabou-se, portanto, a época
da lei. Como a antiga aliança se tornou obsoleta e foi substituída por uma nova
aliança — a forma pela qual Deus agora se relaciona com seu povo, a igreja —,
assim também a lei da antiga aliança chegou naturalmente ao seu fim. “A lei não
é da fé”, explica Paulo; é, antes, uma maldição sobre todo aquele que não guarda
a lei em todas as suas partes. Contudo, prossegue Paulo: “Cristo nos resgatou da
maldição da lei, tornando-se maldição em nosso favor, pois está escrito: ‘Maldito
todo aquele que for pendurado em um madeiro’” (Gl 3.13). Com sua morte na
cruz, Jesus resgata as pessoas das exigências da lei e do desespero da antiga e
fracassada aliança. A era anterior chegou ao fim; Cristo ocupa seu lugar: “Mas,
antes que viesse a fé, éramos mantidos debaixo da lei, nela confinados para a fé
que haveria de ser revelada. Desse modo, a lei se tornou nosso guia para nos
conduzir a Cristo, a fim de que pela fé fôssemos justificados. Mas, tendo
chegado a fé, já não estamos sujeitos a esse guia. Pois todos sois filhos de Deus
pela fé em Cristo Jesus” (v. 23-26). A fé em Cristo e a justiça de Deus que é
apropriada pela fé, sempre foi o objetivo da lei. Agora que veio a fé em Cristo, a
lei que era como um guardião não tem mais papel algum a desempenhar. A fé é
essencial à igreja, o que ecoa alegremente a afirmação de Paulo: “Pois, pela lei,
eu morri para a lei, a fim de viver para Deus. Já estou crucificado com Cristo.
Portanto, não sou mais eu quem vive, mas é Cristo quem vive em mim. E essa
vida que vivo agora no corpo, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se
entregou por mim” (2.19,20). É a vida da fé, e não a vida da lei, que a igreja vive
agora.
Com esse arcabouço de uma teologia evangélica da lei, podemos expor aqui
os principais pontos de discórdia em relação à teologia católica e sua
apresentação da salvação. Em primeiro lugar, a ideia de lei como ajuda divina
que conduz à bem-aventurança prometida está equivocada. Nada na discussão
acima nem sequer se aproxima dessa ideia. Isso se aplica, primeiramente, à lei
natural, cujo desenvolvimento pela teologia católica vai muito além da menção
limitada que a Escritura faz a seu respeito. Ainda que, numa concessão nossa,
aceitemos, por amor à argumentação, essa ideia elevada de lei natural, é limitada
demais a proposição da teologia católica de que a pecaminosidade do homem
cria um problema para a percepção clara e imediata dos princípios da lei natural
— com a consequência de que a humanidade pecadora necessita da graça e da
revelação para vencer sua miopia. O problema da humanidade pecadora não é
apenas de ordem epistemológica. Trata-se, antes, de um drama moral — e que
resulta na avaliação de Paulo de que “todos os que sem lei pecaram, sem lei
também perecerão” (Rm 2.12). Os que não têm a Lei de Moisés ainda têm a lei
“escrita em seu coração” — a lei natural, ou “consciência” (v. 14,15) —, mas são
incapazes de guardá-la e, portanto, perecerão. Consequentemente, a lei natural
não proporciona um fundamento para a lei revelada e para a graça; antes, a
desobediência pecaminosa da humanidade aos preceitos da lei natural cria a
necessidade da revelação divina e da graça.
Em segundo lugar, é errônea a ideia da antiga lei como ajuda divina que leva à
bem-aventurança prometida de toda a humanidade. Nunca foi intenção da lei
atender um público geral; pelo contrário, ela foi dada como presente da graça
divina às pessoas a quem Deus havia tirado da escravidão no Egito, e seu
propósito era distinguir Israel do restante das nações (Dt 4.8). Além disso, sua
função de tutora não era apenas a de mostrar “o que deveria ser feito”, como se
73
esse fosse um papel positivo que ela tivesse de desempenhar. Pelo contrário,
como guardiã, a antiga lei, que operava “antes da vinda da fé”, mantinha as
pessoas cativas, “nela confinadas para a fé que haveria de ser revelada” em Jesus
Cristo e por meio dele, que satisfaria seu povo por meio da fé (Gl 3.23-26). Com
a fé em seu lugar, o guardião fica desalojado; ele deixa de ter função para a
igreja. Na verdade, a teologia católica destaca alguns pontos muito bons em
relação a essa lei: ela é santa e boa em si e por si mesma, ainda que imperfeita;
ela não proporciona em si mesma os recursos necessários para seu cumprimento.
Não retira o pecado humano; antes, ela o expõe. Contudo, quando a teologia
católica faz da lei “o primeiro passo em direção ao reino”, uma preparação para a
conversão e a fé, fica faltando a base bíblica. São os seguintes os principais
74
nenhuma das leis que ele e os apóstolos ab-rogaram (e.g., as leis sacrificais e as
leis alimentares; Mc 7.19; 1Tm 4.3,4; Hb 8—10). Certamente, ela incluiria
também as leis reveladas no Novo Testamento, das quais fazem parte o Sermão
da Montanha e os ensinos apostólicos. Como os conselhos evangélicos de
castidade e de pobreza contradizem a Escritura (conforme discutimos
anteriormente), esses não estão incluídos na nova lei. Essa estratégia baseada em
princípios para determinar o conteúdo da nova lei, embora tenha seus problemas,
consegue estabelecer um equilíbrio entre a continuidade absoluta entre o Antigo
e o Novo Testamentos e a descontinuidade absoluta entre ambos.
A teologia evangélica faz uma correção final, ou melhor, requer uma ênfase
maior no que diz respeito à relação do Espírito Santo com a lei. A teologia
católica afirma que a nova lei se torna a lei interna do amor por obra do Espírito,
que também comunica fé e amor, dos quais fluem as virtudes exigidas pela nova
lei. A teologia evangélica, porém, quer ver mais enfatizado o papel do Espírito
em relação à lei, tanto a antiga quanto a nova. O apóstolo Paulo destaca esse
ponto: “Portanto, agora já não há condenação alguma para os que estão em
Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do
pecado e da morte. Pois o que para a lei era impossível, uma vez que se achava
fraca por causa da carne, Deus o fez na carne, condenando o pecado e enviando
o seu próprio Filho em semelhança da carne do pecado e como sacrifício pelo
pecado, para que a justa exigência da lei se cumprisse em nós, que não andamos
segundo a carne, mas segundo o Espírito” (Rm 8.1-4). Paulo expõe o fracasso da
lei — a Lei de Moisés dada ao povo debilitado por sua natureza pecadora —
para libertá-lo da morte e do pecado. Tal salvação, embora impossível para a lei,
foi o que Deus realizou pela morte do seu Filho, o que nos leva ao veredito de
não condenação para todos aqueles unidos a Cristo. Outro componente
importante daquilo que Cristo fez consiste na obediência de seus seguidores à
lei, uma realidade que é concretizada na vida no Espírito. À medida que o fiel
caminha com o Espírito, ele realiza “a justa exigência da lei”, que, de acordo
com a Escritura, se resume aos dois grandes mandamentos sobre amar a Deus e
amar ao próximo. É importante frisar que a obediência não vem da lei, nem da
78
forense, ou legal, de Deus em que ele não declara inocente o ser humano
pecador, mas justo. Ele o faz ao atribuir, ou creditar, a justiça perfeita de Jesus
Cristo na sua conta, de tal modo que, embora não seja efetivamente justo, Deus o
vê assim por causa da justiça de Cristo. Por intermédio da sua obediência em
vida e na morte, Cristo cumpriu todas as exigências da lei, e pelo poderoso ato
divino da justificação o homem pecador é creditado com sua justiça e posição
perante Deus como aquele que “vive à altura da vontade divina em sua
plenitude”.81
Contudo, conforme diz Vickers, essa definição não é muito correta, porque
“graça em sua conexão com a salvação não é apenas favor imerecido, mas
também favor em que há desmerecimento”. O respaldo bíblico para essa
83
está usando uma linguagem legal aqui? “No Novo Testamento, a mesma palavra
traduzida por ‘feito’ em [Romanos] 5.19 é muito comumente usada para designar
o lugar e/ou a posição que uma coisa ou pessoa tem ou para que uma coisa ou
pessoa é designada. Mais raramente a palavra tem o sentido de tornar-se, causar
ser ou fazer, e se refere a algum estado do ser”. Um motivo fundamental para
86
“justo” não seja usado com frequência para se referir ao “comportamento e/ou
caráter pessoal”. “Quando Paulo, porém, a coloca ao lado de feito, que se refere
88
a ser designado ou colocado em uma posição, justo então não diz respeito ao
comportamento ou ao caráter, mas à nossa posição em relação a Deus. Fomos
feitos para manter a posição daqueles cujos atos e comportamentos são justos
tomando por base a obediência de Cristo.” Consequentemente, Deus declara
89
Cristo, e com base na obra de Deus em Cristo, o ser humano pecador “se coloca
diante dele sem culpa e como se tivesse feito tudo o que a obediência exige”. 94
Contudo, tal justiça não deve ser considerada como se fosse algum tipo de
substância ou commodity infundida na pessoa; pelo contrário, “a justiça em
questão é encarnada, e a imputação consiste em partilhar do Cristo que é nossa
justiça”.
95
disso, não havia nada de errado com a fé de Abraão — pela fé, Abraão foi
considerado justo perante Deus! —, porém tal fé salvadora resultou em boas
obras.
A segunda ilustração de Tiago da fé salvadora é Raabe: “De igual modo, a
prostituta Raabe não foi também justificada pelas obras, quando acolheu os
espias e os fez sair por outro caminho?” (Tg 2.25). Como podemos saber se a fé
dessa prostituta não passava de um último esforço desesperado para salvar sua
própria vida, um exemplo da falsa fé que Tiago está combatendo nessa
passagem? A fé fictícia não teria resultado em ato tão corajoso, mas, porque ela
resgatou os espias israelitas, sua boa obra nos permite distinguir em sua fé uma
fé salvadora. Como destaca a Carta aos Hebreus, em seu capítulo sobre a fé:
“Pela fé, a prostituta Raabe não morreu com os desobedientes, pois acolheu em
paz os espias” (Hb 11.31). A conclusão que Tiago tira dessa ilustração é que “a
fé sem obras é morta” (Tg 2.26). A fé de Raabe não era do tipo fictício ou morto;
pelo contrário, era uma fé genuína — uma fé salvadora — que assim se mostrou
ser por suas obras.
O próprio Paulo, em vez de se opor à exposição de Tiago, concorda
completamente com ela e usa até a mesma ilustração de Abraão em apoio a ela.
Conforme discutimos acima, o apóstolo cita Gênesis 15.6 em sua Carta aos
Romanos, destacando que Abraão não foi justificado pelas obras, mas pela fé
(Rm 4.1-5). Vale a pena notar que no final de sua discussão sobre a justificação
pela fé, e não pelas obras (no final de Rm 4), Paulo cita novamente a vida do
patriarca e faz referência outra vez a Gênesis 15.6. Embora esteja plenamente a
par das muitas falhas reais de Abraão, Paulo o descreve da seguinte forma:
Abraão, ao contrário do que se podia esperar, creu com esperança, para que se tornasse pai de muitas
nações, conforme o que lhe havia sido dito: “Assim será a tua descendência”. E, sem enfraquecer na
fé, considerou que o seu corpo já não tinha vitalidade (pois já contava cem anos), e o ventre de Sara
já não tinha vida. Contudo, diante da promessa de Deus, não vacilou em incredulidade; pelo
contrário, foi fortalecido na fé, dando glória a Deus, plenamente certo de que ele era poderoso para
realizar o que havia prometido (Rm 4.18-21).
Paulo cita então Gênesis 15.6 pela segunda vez — “Por essa razão, isso ‘lhe foi
atribuído como justiça’” (Rm 4.22) — confirmando duas coisas: “(1) A vida de
fé de Abraão era evidência de sua justificação; (2) o que Deus declarou na
Escritura sobre Abraão era verdade”. Esses pontos correspondem aos que Tiago
97
que foi discutida. A respeito do outro tipo, “a segunda espécie de justiça é nossa
própria justiça não porque somente nós a trabalhamos, mas porque trabalhamos
com aquela primeira justiça externa. Esse é aquele tipo de vida gasta com
proveito em boas obras”. Importante para Lutero, o primeiro tipo “é
99
Consequentemente, os que foram justificados pela fé, tendo por isso a justiça de
Jesus Cristo imputada a eles, se dedicam a obras reais de justiça. Lutero
claramente uniu a fé (em uma justiça externa) e obras (a justiça do indivíduo que
decorre de sua justiça externa).
A relação desses dois tipos de justiça é paradoxal, de acordo com Lutero, que
estabeleceu duas proposições referentes à liberdade e à escravidão do espírito
humano: “O cristão é um senhor de tudo perfeitamente livre, que não se submete
a ninguém. O cristão é um servo perfeitamente obediente de todos, sujeito a
todos. Essas duas teses parecem contradizer uma à outra”. Sobre a primeira
101
tese, Lutero afirmou que a justificação pela graça por meio da fé somente, e não
pelas obras, liberta completamente o cristão, especialmente da lei divina. Além
disso, “se buscamos as obras como meio de justiça [...] e se elas são feitas sob a
falsa impressão de que por seu intermédio a pessoa é justificada, tornam-se
necessárias, destruindo desse modo a fé e a liberdade. Essa adição a elas faz com
que deixem de ser boas, tornando-se verdadeiramente condenáveis”. Em 102
relação à sua segunda tese, Lutero disse que a justificação estabelece o serviço
cristão e o dever de participar das boas obras pelo bem de outros: “Essa é a
verdadeira vida cristã. Aqui, a fé é verdadeiramente ativa por meio do amor [Gl
5.6], isto é, ela encontra expressão nas obras do serviço mais livre, feito com
alegria e amor, com o qual o homem serve ao outro sem esperar recompensa”. 103
justifica resulta em boas obras, mas não está associada a elas. Portanto, não há
“uma dupla base de justificação, isto é, constituída de fé e obras. Contudo, a fé, o
único fundamento para a justificação, opera”. Isso significa que o veredito da
108
justificação não espera por evidências para lhe dar respaldo, sendo declarada
antes de apresentada a evidência. Voltando à ilustração de Abraão, “a fé de
Abraão foi considerada justiça antes da evidência manifestada em sua vida, e
não com base nela”. A base da justificação é a obra de Cristo em favor dos
109
esses dois outros atos divinos. Pelo contrário, embora afirme que a justificação
se acha associada com a regeneração e a santificação, a teologia evangélica faz
distinção entre essas três coisas, assim como o faz a Escritura (e.g., 1Co 6.11).
Infelizmente, fundir a justificação, a regeneração e a santificação resulta na falsa
ideia de justificação da teologia católica.
Igualmente importante, é errônea a ideia na teologia católica da justiça como
“retidão do divino amor” que é infundido nas pessoas, especialmente por meio
dos sacramentos. Pode-se perceber essa ênfase na infusão na lista do fruto da
111
não é necessário para a salvação, mas isso não significa que não o consideremos
importante, embora ele rompa o elo católico entre a fé e o sacramento do
batismo para justificação. A teologia católica cria o elo entre fé e batismo por
causa da interdependência natureza-graça, o axioma segundo o qual a graça deve
ser concretamente transmitida por meios tangíveis — nesse caso, água. Outra
razão para essa ligação é a interpretação católica da afirmação de Jesus de que
“se alguém não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus”
(Jo 3.5), mas, conforme já expusemos, essa é uma interpretação equivocada das
palavras de Jesus.
Para uma crítica final da doutrina da justificação da perspectiva católica,
retomamos aqui uma discussão anterior. A teologia católica afirma que a
justificação estabelece uma relação de cooperação entre a graça divina e a
liberdade humana. Essa fórmula se traduz naquilo a que nos referimos
anteriormente como sinergismo : dois agentes, Deus e o seres humanos,
trabalham juntos para operar o resgate desse grupo. Da parte de Deus, os muitos
tipos de graça operam de maneira poderosa para produzir a justificação do fiel,
cabendo a este “assentir com fé à Palavra de Deus”, responder com a conversão
e obedecer “ao impulso do Espírito Santo que se lhe adianta e o guarda”. 114
entra em cena quando o fiel, impelido pelo Espírito Santo e pelo amor, alcança
para si e para os outros a graça da santificação permanente, o aumento da graça e
do amor e alcança a vida eterna.
Embora respeite essa diferenciação entre graça inicial, que não pode ser
merecida, e graça permanente, que se pode alcançar por mérito, a teologia
evangélica nega qualquer possibilidade de se conquistar a graça de qualquer tipo
— inicial, permanente ou final — e considera supérfluo o esforço humano em
direção à conquista da vida eterna. É evidente que a ideia de mérito se baseia no
axioma da interdependência natureza-graça. A natureza — nesse caso, a natureza
humana decaída — é capaz de receber a graça divina e, tendo obtido tal graça
por meio dos sacramentos, torna-se livre e pode, portanto, se tornar merecedora
da vida eterna. Como já foi demonstrado, a interdependência natureza-graça é
um equívoco, portanto a ideia de mérito que repousa sobre esse axioma é
igualmente errônea. Além disso, a doutrina correta da justificação defendida pela
teologia evangélica ressalta o erro do mérito: como o ser humano decaído não é
declarado “inocente!”, mas “justificado!”, não se alcança a vida eterna por meio
desse ato gratuito de Deus somado ao esforço humano (mesmo que seja um
esforço sustentado pela graça divina), e sim exclusivamente pela declaração de
Deus recebida pela fé e nada mais. Considerado plenamente justo por causa da
justiça de Cristo que lhe foi imputada pela fé, o cristão nada precisa agregar a
essa salvação. Como se não bastassem o perdão e o resgate do pecado, ele
também é recompensado por suas boas obras que decorrem da sua união com
Cristo, da nova natureza dada a ele por meio da regeneração pelo Espírito Santo
e pelo derramamento de um coração cheio de gratidão por sua salvação.
A teologia evangélica enfatiza que essas recompensas, porém, nada dizem
respeito à doutrina do mérito da teologia católica. Conforme ressaltou João
Calvino, o exemplo de Abraão elucida a diferença entre recompensa e mérito.
Antes de Isaque nascer, Abraão recebeu pela fé a promessa de que sua
descendência seria tão numerosa quanto as estrelas do céu (Gn 15.5); isto é, ele
se tornaria pai de muitas nações (Gn 17.4-6). Anos mais tarde, o patriarca
levantou obediente a faca sobre a cabeça do seu filho Isaque, provando que
temia a Deus (22.12). Tendo agido em obediência a Deus, Abraão recebeu a
seguinte promessa: “Por mim mesmo jurei, diz o S , porque fizeste isso e não
ENHOR
me negaste teu filho, teu único filho, que com certeza te abençoarei e
multiplicarei grandemente a tua descendência, como as estrelas do céu e como a
areia na praia do mar; e a tua descendência dominará a cidade dos seus inimigos;
e todas as nações da terra serão abençoadas por meio da tua descendência, pois
obedeceste à minha voz” (22.16-18).
Conforme explicou Calvino, “o que foi que ouvimos? Abraão, por sua
obediência, mereceu a bênção cuja promessa lhe fora feita antes da ordem [de
matar seu filho]? Aqui, certamente, mostramos sem ambiguidade que o Senhor
recompensa as obras dos crentes com os mesmos benefícios que ele lhes havia
concedido antes que contemplassem quaisquer obras, já que ele não tem razão
alguma para beneficiá-los, exceto sua própria misericórdia”. Abraão não
117
mereceu — na verdade nem sequer podia merecer — por suas boas obras, algo
que já lhe havia sido prometido e recebido pela fé. Deus prometera, Abraão creu
pela fé, foi declarado justo, obedeceu e foi recompensado — mas não de modo
que fosse salvo pela graça e por mérito. Conforme dissemos: “Deus planeja
manter sua Palavra com um tipo específico de povo — aqueles que o seguem em
obediência” praticando boas obras. Sua justificação é firme e incondicional.
118
Sua realidade não depende de suas boas obras, sendo simultânea ou sincronizada
com elas. Em outras palavras, a fé salvadora que justifica resulta em boas obras,
mas não depende da cooperação do fiel com a graça divina para que o fiel
mereça a vida eterna por meio de graça e obras. É verdade que o cristão é
recompensado por Deus, conforme acentua com frequência a Escritura (e.g., Mt
16.27; Lc 6.23; 1Co 3.8,15; 2Co 5.10). Que tal prática de boas obras faz o fiel
merecer a vida eterna e seja necessária para a obtenção da salvação consiste em
erro.
A igreja, mãe e educadora
O Catechism conclui sua discussão da doutrina da salvação situando na doutrina
da igreja essa obra divina de resgate do ser humano (decaído) do pecado, que é
então conduzido à bem-aventurança eterna. Dois temas já tratados são
retomados: a igreja é mãe e educadora. Ambos os tópicos são sustentados pelo
axioma da interconexão Cristo-Igreja: como a igreja é extensão da encarnação
do Cristo total (tanto a cabeça quanto o corpo), então a Igreja Católica, e
somente ela, é mediadora da salvação. Conforme esse axioma já foi criticado,
basta ressaltar que o fundamento da ideia católica de igreja mãe e educadora é
incorreto.
Em relação à crítica específica da metáfora materna da igreja, a teologia
evangélica enfatiza que a Escritura emprega uma imagem feminina vívida para a
igreja — ela é a noiva de Cristo (2Co 11.1-4; Ef 5.25-33; Ap 19.7; 21.2,9,17) —
ela não emprega a metáfora de mãe. Além disso, a teologia evangélica critica a
ligação que a teologia católica faz entre a igreja mãe e Maria, mãe da igreja. Ao
mesmo tempo, e entendido de maneira diferente, a igreja mãe dos cristãos, que
serve como ministra ungida pelo Espírito da graça de Deus pela pregação do
evangelho e pela celebração das ordenanças, faz sentido dentro de uma estrutura
teológica evangélica. Com relação a críticas específicas da igreja educadora, um
aspecto dessa ideia, a doutrina da infalibilidade papal, é veementemente rejeitada
pela teologia evangélica, pelas seguintes razões: ela se baseia em uma
interpretação equivocada da promessa de Cristo segundo a qual “as portas do
inferno não prevalecerão contra ela [a igreja]” (Mt 16.18); ela erra por não
reconhecer a efetiva falibilidade dos papas; o dogma foi promulgado muito
posteriormente (1870) e em circunstâncias questionáveis; a elaboração de
ensinos oficiais mediante esse dogma viola a suficiência da Escritura.119
incômoda dessas leis a mais que a Igreja Católica prescreve aos fiéis e os obriga
a obedecer. Ela questiona: em que momento chegam ao fim essas exigências
para a salvação? Ao ligar esse ponto ao primeiro tópico deste capítulo, a teologia
evangélica chama a atenção (e rejeita) a ênfase exagerada sobre a lei como
componente essencial da teologia católica da doutrina da salvação. Nem a lei
nem as boas obras cooperam com a graça para merecer a vida eterna, mas o
evangelho “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê; primeiro
do judeu e também do grego. Pois a justiça de Deus se revela no evangelho, de
fé em fé, como está escrito: ‘O justo viverá pela fé’”(Rm 1.16,17).
Conclusão
“A vida em Cristo”, terceira parte do Catechism, tratou até o momento da
vocação humana da vida no Espírito (seção 1), analisando a dignidade da pessoa
humana (capítulo 1) e da comunidade humana (capítulo 2), e a salvação divina
especialmente no que diz respeito à lei, à justificação e à graça, ao mérito e à
igreja, mãe e educadora (capítulo 3). Embora apresente outra seção em que
discorre sobre os Dez Mandamentos (seção 2), não daremos a perspectiva
evangélica do assunto. Há três razões importantes para isso. Em primeiro lugar, a
apresentação da teologia católica dos Dez Mandamentos repousa sobre sua
ênfase na lei como componente essencial da salvação. Conforme salientou o
Concílio Vaticano II, “todo homem pode obter a salvação pela fé, pelo batismo e
pela observância dos [Dez] Mandamentos”. Como já criticamos a ênfase na lei,
124
outras críticas dirigidas à explicação detalhada que a teologia católica faz dessa
lei, conforme exposta nos Dez Mandamentos, parece supérflua. Em segundo
lugar, o tratamento do Catechism dessa seção apresenta uma grande
interpretação bíblica das passagens de Êxodo 20.2-17 e Deuteronômio 5.6-21.
Como este livro foi planejado para ser uma avaliação teológica da doutrina e
prática católicas, uma avaliação da interpretação bíblica do catolicismo levaria
este livro demasiadamente além. Em terceiro lugar, mesmo quando a
interpretação bíblica dessas passagens entra na reflexão teológica e na discussão
doutrinária, as questões teológicas apresentadas repetem os tópicos já cobertos
nas seções precedentes do Catechism, o que dispensa quaisquer outros
comentários.
De igual modo, a parte 4, “A oração cristã”, não será analisada aqui. A seção 1
trata da oração na vida cristã. Parte dessa discussão repercutirá junto aos
evangélicos, e deve mesmo repercutir, ao passo que outras partes devem ser
criticadas, da mesma forma e pelos mesmos motivos que essa avaliação
evangélica tem criticado a teologia e prática católicas nas seções precedentes do
Catechism. A seção 2 consiste na exposição detalhada dos sete pedidos do Pai-
Nosso (Mt 6.9-13). Como uma avaliação dessa interpretação bíblica nos
desviaria muito dos nossos propósitos, não a faremos aqui.
1
Edição em português: Catecismo da Igreja Católica (São Paulo: Loyola, 1999).
2
CCC 1949.
3
CCC 1950.
4
CCC 1952.
5
CCC 1954.
6
CCC 1960.
7
Ibidem; citação do papa Pio XII, Humani generis (12 de agosto de 1950), 3, disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/pius_xii/encyclicals/documents/hf_p-xii_enc_12081950_humani-
generis_en.html.
8
CCC 1961.
9
CCC 1962.
10
CCC 1963.
11
Ibidem.
12
Ibidem (grifo removido).
13
CCC 1963.
14
CCC 1964 (grifo removido).
15
CCC 1965.
16
Ibidem.
17
CCC 1966 (grifo removido).
18
Ibidem. “Esse sermão apresenta [...] todos os preceitos necessários para modelar a vida das pessoas”
(CCC 1966, citando Augustine [Agostinho], The Sermon on the Mount 1.1 [NPNF1 6:2]).
19
CCC 1968.
20
CCC 1969 (grifo removido).
21
CCC 1971 (grifo removido).
22
CCC 1971.
23
CCC 1973.
24
CCC 1974.
25
CCC 1972. Essa seção toma como base bíblica João 15.15; Tiago 1.25; 2.12; Gálatas 4.1-7,21-23;
Romanos 8.15.
26
CCC 1987.
27
CCC 1989 (grifo removido). Cf. 1990: “A justificação continua a iniciativa da misericórdia de Deus,
que oferece o perdão”.
28
CCC 1989.
29
Ibidem; citação dos Cânones e Decretos do Concílio de Trento, 6.ª sessão (13 de janeiro de 1547),
Decreto sobre a Justificação 7 (Schaff, 2:94).
30
CCC 1991 (grifo do autor).
31
CCC 1990 (grifo removido).
32
CCC 1991.
33
CCC 1992.
34
Ibidem.
35
CCC 1993.
36
Ibidem; citação dos Cânones e Decretos do Concílio de Trento, 6.ª sessão (13 de janeiro de 1547),
Decreto sobre a justificação 5 (Schaff, 92).
37
CCC 1994 (grifo removido).
38
CCC 1995 (grifo removido).
39
CCC 1996.
40
Ibidem (grifo removido). Essa seção toma como base bíblica João 1.12-18; 17.3; Romanos 8.14-17;
2Pedro 1.3,4.
41
CCC 1999.
42
CCC 2000.
43
Ibidem.
44
CCC 2001. O Catechism discute esse tipo de graça como “preparação do homem para o recebimento
da graça” (grifo removido). Do latim praevenire (ir antes), a graça preveniente tem base bíblica, segundo
Agostinho, por causa de Salmos 59.10 (tradução latina): “Lemos na Sagrada Escritura [...] que a
misericórdia de Deus ‘me encontrará’ [praevenient] [...]. Ela vai adiante do que reluta para demovê-lo de
sua relutância” (Augustine, Enchiridion on faith, hope, and love 32 [NPNF1 3:248]). Para uma discussão
mais ampla, veja Augustine, On nature and grace 35[31] (NPNF1 5:133); Treatise against two letters of the
pelagians 2.21 (NPNF1 5:401).
45
CCC 2002 (grifo removido).
46
CCC 2003.
47
Ibidem.
48
CCC 2016.
49
CCC 2005 (grifo removido).
50
CCC 2005.
51
CCC 2006 (Introdução); citação do Missal Romano, prefácio 1 de Sanctis, da declaração de Agostinho
em Exposition on the Psalms 102.7; cf. Letter 194.
52
CCC 2006 (grifo removido).
53
CCC 2008 (grifo removido).
54
CCC 2008.
55
CCC 2010 (grifo removido).
56
CCC 2010.
57
CCC 2035.
58
CCC 2036 (grifo removido).
59
CCC 2039.
60
CCC 2041.
61
CCC 2042-2043.
62
CCC 1847; citação de Augustine, Sermon 169, in: John E. Rotelle, org., The works of Saint Augustine:
a translation for the 21st Century, tradução para o inglês de Edmund Hill (Hyde Park: New City, 1992),
vol. 5, p. 231.
63
“Monergismo” é um termo derivado de duas palavras gregas: μόνος (monos = somente, somente um) e
ἔργον (ergon = trabalho).
64
“Sinergismo” é um termo derivado de duas palavras gregas: σύν (syn = com, junto) e ἔργον (ergon =
trabalho).
65
Boa parte do que vem a seguir reflete a discussão em Brian Vickers, Justification by grace through
faith: finding freedom from legalism, lawlessness, pride, and despair, in: Robert A. Peterson, org.,
Explorations in Biblical Theology (Phillipsburg: P&R, 2013).
66
Ibidem, p. 99; cf. p. 133, 155, 175.
67
Ibidem, p. 99. Vale a pena enfatizar que o apóstolo distingue entre a antiga lei, pela qual ninguém pode
ser justificado, e o Antigo Testamento, ao qual a expressão “a Lei e os Profetas” se referem. O Antigo
Testamento dá testemunho da manifestação da justiça de Deus independentemente das obras da antiga lei.
68
Ibidem, p. 100.
69
Ibidem, p. 100-1.
70
Ibidem, p. 106.
71
Ibidem, p. 33. De igual modo, Vickers emprega o fracasso de Adão para tratar da sina dos demais
seres humanos, observando que, “afinal de contas, se Adão não obedeceu em sua inocência, o que
acontecerá às pessoas que vivem sob sua maldição quando receberem ordens de Deus?” (ibidem, p. 28-9).
72
Ibidem, p. 114.
73
CCC 1963.
74
Ibidem.
75
Embora Lutero tenha feito dessa distinção um princípio fundamental a ser observado na interpretação
da Bíblia, sua aplicação pode ser ampliada.
76
A questão do quarto mandamento, sobre o sábado, suscita a única indagação significativa a seu
respeito, isto é, se continua intacto ou se foi modificado.
77
“Cumpridos” no sentido de que Jesus oferece sua interpretação definitiva dessas leis do Antigo
Testamento. Embora algumas vertentes da teologia evangélica concordem com a teologia católica que a
linguagem contrastante usada por Jesus — “ouvistes o que foi dito [...] eu, porém, vos digo” — significa
que suas novas leis liberam o potencial oculto das antigas leis e trazem novas demandas internas que brotam
de dentro delas, muitas vertentes discordariam disso.
78
Vickers, Justification by grace through faith, p. 159-60.
79
Conforme disse Martinho Lutero: “Se perdermos a doutrina da justificação, perderemos a doutrina
cristã por inteiro” (Martin Luther, Lectures on Galatians: chapters 1–4 [LW 26:9]). João Calvino
subscreveu a convicção de Lutero chamando a justificação de “eixo principal sobre o qual se movimenta a
religião” e instou com a igreja para que “[dedicasse] a maior atenção e cuidados possíveis a ela” (Calvin,
Institutes 3.11.1 [LCC 20:726] [edições em português: João Calvino, As institutas, tradução de Waldyr
Carvalho Luz (São Paulo: Cultura Cristã, 2006), 4 vols.; e A instituição da religião cristã, tradução de
Carlos Eduardo Oliveira; José Carlos Estêvão (São Paulo: Ed. Unesp, 2008)]).
80
Por causa de sua novidade, para não falar dos inúmeros desafios suscitados por ela, a chamada “nova
perspectiva sobre Paulo” não será discutida aqui.
81
Vickers, Justification by grace through faith, p. 2; cf. p. 31. Na página 48, Vickers cita John Piper:
“Em Cristo, somos considerados como tendo feito toda a justiça que Deus exige” (ibidem, p. 48, n. 30);
citação de John Piper, The future of justification: a response to N. T. Wright (Wheaton: Crossway, 2007), p.
171.
82
CCC 1996 (grifo removido).
83
Vickers, Justification by grace through faith, p. 27.
84
Ibidem.
85
Ibidem, p. 47.
86
Para “feito” como designação de condição ou posição, ele lista Mateus 25.21,23; Lucas 12.14; Atos
6.3; Tito 1.5; Hebreus 5.1 (ibidem, p. 47, n. 28). Para “feito” como designação de um estado do ser, ele lista
Tiago 4.4; 2Pedro 1.8 (ibidem, p. 48, n. 29). Em outro lugar ele ilustra essa ideia com Fineias (Sl
106.30,31), que foi tido como justo em virtude de sua justa ação de matar um israelita e uma moabita com
ele, uma relação idólatra que havia sido rigorosamente proibida por Moisés. De acordo com o salmista, a
atitude de Fineias “lhe foi atribuída como justiça” (ibidem, p. 59).
87
Ibidem, p. 48.
88
Vickers cita José (Mt 1.19), Simeão (Lc 2.25), José de Arimateia (Lc 23.50) e Cornélio (At 10.22); ele
chama a atenção ainda para o uso que Paulo emprega nesse sentido (Rm 3.10; Cl 4.1; Tt 1.8; 2Tm 4.8)
(ibidem, p. 49).
89
Ibidem, p. 49.
90
Ibidem (grifo do original).
91
Ibidem, p. 60.
92
Ibidem, p. 135-6.
93
Ibidem, p. 76 (grifo do original).
94
Ibidem, p. 74.
95
Ibidem.
96
Ibidem, p. 153.
97
Ibidem, p. 90.
98
Martin Luther, Two kinds of righteousness (LW 31:297).
99
Ibidem (LW 31:299).
100
Ibidem (LW 31:298).
101
Luther, The freedom of a Christian (LW 31:344).
102
Ibidem (LW 31:349–350).
103
Ibidem (LW 31:365).
104
Ibidem (LW 31:363).
105
Luther, Treatise on good works 3.
106
Vickers, Justification by grace through faith, p. 152.
107
Ibidem.
108
Ibidem, p. 153.
109
Ibidem, p. 90.
110
CCC 1989; a citação é dos Cânones e Decretos do Concílio de Trento, 6.ª sessão (13 de janeiro de
1547), Decreto sobre a justificação 7 (Schaff: 2:94).
111
CCC 1991.
112
CCC 1992.
113
Allison, SS, p. 358.
114
CCC 1993.
115
CCC 2008 (grifo removido).
116
CCC 2010 (grifo removido).
117
Calvin, Institutes 3.18.2 (LCC 21:822-823).
118
Vickers, Justification by grace through faith, p. 152.
119
Veja críticas anteriores no capítulo 2.
120
CCC 2035.
121
CCC 2036 (grifo removido).
122
CCC 2041-2042.
123
CCC 2043.
124
CCC 2068; a citação é do Concílio Vaticano II, Lumen gentium 24.
CONCLUSÃO
MINISTÉRIO EVANGÉLICO COM
CATÓLICOS
O presente livro, Teologia e prática da Igreja Católica Romana, deteve-se na
análise evangélica da teologia e prática católicas conforme expostas no
Catechism of the Catholic Church. Ele foi concebido exclusivamente com o
1203