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Capítulo I. Introduçã o
Seçã o I. Doutrinas bá sicas
Capítulo II. Exposiçã o da doutrina
Capítulo III. Deus tem um plano
Capítulo IV. A soberania de Deus
Capítulo V. A providência de Deus
Capítulo VI. A presciência de Deus
Capítulo VII. Esboço de sistemas
Capítulo VIII. As Escrituras sã o a autoridade final pela qual os
sistemas hã o de ser julgados
Capítulo IX. Advertência contra a especulaçã o indébita
Seçã o II. Os cinco pontos do calvinismo
Capítulo X. Incapacidade total
Capítulo XI. Eleiçã o incondicional
Capítulo XII. Expiaçã o limitada
Capítulo XIII. A graça eficaz
Capítulo XIV. A perseverança dos salvos
Seçã o III. Objeçõ es que comumente surgem contra a doutrina bíblica
da predestinaçã
Capítulo XV. Que a doutrina da predestinaçã o equivale a fatalismo
Capítulo XVI. Que a doutrina da predestinaçã o é inconsistente com o
livre-arbítrio e a responsabilidade moral do home
Capítulo XVII. Que a doutrina da predestinaçã o faz Deus o autor do
pecado
Capítulo XVIII. Que a doutrina da predestinaçã o apaga todos os
motivos para o esforço humano
Capítulo XIX. Que a doutrina da predestinaçã o apresenta deus como
alguém que faz acepçã o de pessoa
Capítulo XX. Que a doutrina da predestinaçã o é desfavorá vel à boa
moralidade
Capítulo XXI. Que a doutrina da predestinaçã o impossibilita a oferta
sincera do evangelho aos nã o eleito
Capítulo XXII. Que a doutrina da predestinaçã o contradiz as
passagens universalistas das Escrituras
Seçã o IV. Confrontos
Capítulo XXIII. Salvaçã o pela graça
Capítulo XXIV: A certeza pessoal de que alguém se encontra entre os
eleitos
Capítulo XXV. A predestinaçã o no mundo físico
Capítulo XXVI. Uma comparaçã o da doutrina cristã com a doutrina
islâ mica da predestinaçã
Seçã o V. A predestinaçã o e a vida cristã
Capítulo XXVII. A importâ ncia prá tica da doutrina
Seçã o VI. A influência do calvinismo
Capítulo XXVIII. Calvinismo na histó ria
A DOUTRINA REFORMADA DA PREDESTINAÇÃO
Loraine Boettner
Tradução
Valter Graciano Martins
CAPÍTULO XIX. QUE A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃ O APRESENTA DEUS COMO ALGUÉ M QUE FAZ
ACEPÇÃ O DE PESSOAS
CAPÍTULO XX. QUE A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃ O É DESFAVORÁ VEL À BOA MORALIDADE
CAPÍTULO XXI. QUE A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃ O IMPOSSIBILITA A OFERTA SINCERA DO
EVANGELHO AOS NÃ O ELEITOS
PREDESTINAÇÃ O
CAPÍTULO I. INTRODUÇÃO
O propó sito deste livro nã o é o de apresentar um novo sistema de
pensamento teoló gico, e sim o de reafirmar esse grande tema
conhecido como fé reformada ou calvinismo, e para mostrar que
este sistema é, além de toda dú vida, o ensino da Bíblia e da razã o.
A doutrina da predestinaçã o recebe, comparativamente, pouca
atençã o em nossos dias e é imperfeitamente compreendida mesmo
pelos que certamente a apoiam com grande lealdade. Nã o obstante,
ela é uma doutrina que se encontra incorporada nos credos da
maior parte das igrejas evangélicas e que exerce uma notá vel
influência na igreja e no Estado. Os padrõ es oficiais dos diversos
ramos das igrejas presbiterianas e reformadas da Europa e dos
Estados Unidos da América sã o meticulosamente calvinistas. As
igrejas batistas e congregacionais, muito embora nã o possuam
credos formais, em geral têm sido calvinistas, se nos é permitido
julgar pelos escritos e ensinos de seus teó logos representativos. A
grande Igreja Livre da Holanda e quase todas as igrejas da Escó cia
sã o calvinistas. A Igreja Estabelecida da Inglaterra e sua filha, a
Igreja Episcopal da América, possuem um credo em seus Trinta e
Nove Artigos. Os metodistas de Whitefield, em Gales, até hoje levam
o título de “metodistas calvinistas”.
Entre os defensores desta doutrina, no passado e na atualidade, é
possível encontrar alguns dos homens mais proeminentes e mais
sá bios do mundo. Nã o foi unicamente Calvino que a ensinou, mas
também Lutero, Zuínglio, Melancthon (muito embora mais tarde
este tenha aderido à posiçã o semipelagiana), Bullinger, Bucer, e
todos os líderes mais influentes da Reforma. Muito embora
houvesse diferenças em alguns outros pontos, todos concordaram
com esta doutrina e a ensinaram com muita ênfase. A obra
primordial de Lutero, The Bondage of the Will [A escravidã o da
vontade], mostra que ele investigou a doutrina com o mesmo fervor
de Calvino. Ele a asseverou com mais veemência e chegou a
extremos muito mais radicais em sua defesa do que Calvino. A Igreja
Luterana atual, ajuizando-se pela Fó rmula de Concó rdia, mantém a
doutrina da predestinaçã o de uma maneira modificada. Os puritanos
da Inglaterra e os que primeiramente se estabeleceram na América
do Norte, bem como os “convenanters” (defensores do pacto escocês
da reforma religiosa) na Escó cia e os huguenotes franceses eram
calvinistas consumados; e é lamentá vel que os historiadores em
geral tenham passado por alto este fato tã o significativo. Por algum
tempo, esta fé foi sustentada pela Igreja Cató lica Romana, e esta
igreja nunca a repudiou abertamente. A doutrina da predestinaçã o
ensinada por Agostinho suscitou contra ele todos os elementos
apá ticos na igreja, e o dispô s contra todo homem que menosprezava
a soberania de Deus. Ele prevaleceu contra eles, e a doutrina da
predestinaçã o passou a fazer parte do credo da igreja universal. A
grande maioria dos credos da cristandade histó rica promulgou as
doutrinas da eleiçã o, da predestinaçã o e da perseverança final dos
crentes, como o poderá ver todo aquele que fizer um estudo, mesmo
que superficial, desta matéria. Em contrapartida, o arminianismo
existiu por séculos apenas como uma heresia à margem da
verdadeira religiã o, e nã o foi endossado por uma igreja cristã
organizada, e de fato nã o chegou a ser incorporado no sistema
doutrinal da Igreja Metodista da Inglaterra até o ano de 1784. Os
grandes teó logos da histó ria, Agostinho, Wycliffe, Lutero, Calvino,
Zuínglio, Zanchi, Owen, Whitefield, Toplady, e mais recentemente
Charles, Dabney, Cunningham, Smith, Shedd, Warfield e Kuyper
sustentaram esta doutrina e a ensinaram com vigor. Que esses
homens foram as tochas e ornamentos do mais elevado tipo de
cristianismo será admitido praticamente por todos os protestantes.
Além do mais, as suas obras sobre este grande tema jamais foram
refutadas. Portanto, quando nos detemos a considerar que entre as
religiõ es nã o cristã s, o islamismo tem milhõ es de adeptos que creem
em algum tipo de predestinaçã o; que a doutrina do fatalismo tem
sido sustentada de uma ou de outra forma em vá rios países pagã os;
e que as filosofias mecanicistas e deterministas têm exercido grande
influência na Inglaterra, Alemanha e nos Estados Unidos da América,
vemos que esta doutrina no mínimo merece um cuidadoso estudo.
Desde os dias da Reforma, até cem anos atrá s, estas doutrinas foram
expostas com audá cia pela grande maioria dos ministros e mestres
nas igrejas protestantes; hoje, porém, nos deparamos com uma
maioria ainda maior que sustenta e ensina outros sistemas. É coisa
rara encontrar hoje pessoas que podem ser chamadas “calvinistas
sem reserva”. De maneira mui apropriada poderíamos aplicar à s
nossas igrejas as palavras que Toplady pronunciou com respeito à
igreja da Inglaterra: “Houve um tempo em que as doutrinas
calvinistas eram consideradas e defendidas como a vanguarda de
nossa igreja estabelecida, por seus bispos e clero, pelas
universidades e por todo o corpo laico. Durante o reinado de
Eduardo VI, o da Rainha Elizabeth I, o de Tiago I, e durante a maior
parte do reinado de Carlos I, era tã o difícil encontrar um clérigo que
nã o pregasse as doutrinas da Igreja da Inglaterra, bem como tã o
difícil é encontrar hoje alguém que o faça. Os princípios da Reforma
têm sido abandonados de maneira geral, e desde entã o Icabode , ou
‘a gló ria se foi’, tem sido escrito na maioria de nossos pú lpitos e nas
portas de nossas igrejas”. [1]
Em nosso tempo de conhecimentos mais profundos, a tendência é a
de considerar o calvinismo como um credo ultrapassado e já
obsoleto. No início de sua esplêndida série de artigos sobre “A fé
reformada no mundo moderno”, o Professor F. E. Hamilton afirma:
“Parece que um grande nú mero de pessoas na Igreja Presbiteriana
atual já deu por garantido que o calvinismo se resume em artigos
religiosos. De fato, a média da membresia da igreja, tanto quanto o
ministro do evangelho, tendem a olhar para os que se declaram
crentes na predestinaçã o com divertida tolerâ ncia. A esses parece
incrível que exista (numa era tã o eminente como a de hoje) uma
curiosidade intelectual como a de um verdadeiro calvinista. No
entanto, nunca lhes ocorre examinar seriamente os argumentos que
o calvinismo apresenta. Consideram-no tã o fora de moda como a
Inquisiçã o, ou como a ideia de um mundo criado, e o classificam
como uma daquelas ideias fantá sticas que os homens defendiam
antes da era científica moderna”. É por esta atitude para com o
calvinismo em nossos dias, e pela falta geral de informaçã o a
respeito destas doutrinas, que consideramos de suma importâ ncia o
tema deste livro.
Foi Calvino que elaborou este sistema teoló gico com clareza e com
ênfase tal que desde entã o ele tem portado o seu nome.
Naturalmente, nã o foi ele que lhe deu origem, mas simplesmente
expô s o que lhe pareceu brilhar com clareza nas pá ginas das
Sagradas Escrituras. Agostinho ensinou os pontos essenciais do
sistema mil anos antes que Calvino nascesse, e todos os líderes do
movimento reformador também o ensinaram. Mas foi dada a
Calvino, em razã o de seu profundo conhecimento das Escrituras e
seu agudo intelecto e gênio sistematizador, a fama de expoente e
defensor destas verdades de maneira mais clara e há bil do que se
havia feito até entã o.
A este sistema de doutrina chamamos “calvinismo”, e aceitamos o
termo “calvinista” como nosso distintivo de honra; todavia,
reconhecemos que os títulos sã o meras conveniências. No dizer de
Warburton, “poderíamos, com toda propriedade e com igual razã o,
denominar o sistema de gravitaçã o de ‘newtonismo’, porque foi o
grande filó sofo Newton que pela primeira vez demonstrou os
princípios da gravidade. Os homens já haviam se inteirado dos fatos
da gravidade muito tempo antes do nascimento de Newton; aliá s,
estes fatos foram visíveis desde os primeiros dias da criaçã o, já que
esta foi uma das leis que Deus estabeleceu para o governo do
universo. Mas os princípios da gravidade nã o foram plenamente
conhecidos e nem foram entendidos os vastos efeitos de seu poder e
influência até que fossem descobertos por Isaac Newton. Sucedeu o
mesmo com o que os homens chamam calvinismo. Seus princípios
inerentes existiram por longas eras antes de Calvino nascer; aliá s,
foram fatores visíveis e patentes na histó ria do mundo desde a
criaçã o do homem. Mas, uma vez que Calvino foi quem pela primeira
vez formulou tais princípios num sistema mais ou menos completo,
esse sistema ou credo, e igualmente esses princípios incorporados
nele, passaram a ser conhecidos por seu nome”. [2]
Além disso, podemos acrescentar que os títulos calvinista, luterano,
puritano, peregrino, metodista, batista, e inclusive o título cristã o,
originalmente eram apelidos; mas, pelo uso, ficou estabelecida sua
validade e seu significado é agora entendido.
A qualidade que deu tal força ao ensino de Calvino foi sua tenaz
adesã o à Bíblia como livro inspirado e autoritativo. Em sua época,
ele foi reconhecido como o teó logo bíblico por excelência. Aonde a
Bíblia guiasse, era para lá que ele ia; onde ela nã o lançasse luz, aí ele
se detinha. A recusa de ir além do que está escrito, unida a uma
espontâ nea aceitaçã o do que a Bíblia ensina, deram aos seus ensinos
um ar de finalidade e tal positividade que se fizeram ofensivas aos
seus críticos. Por seu perspicaz discernimento intelectual e seu
poder de desenvolvimento ló gico, ele chegou a ser considerado
muitas vezes meramente como um teó logo especulativo. Que ele
possuía um gênio especulativo de primeira ordem é inegá vel; e na
persuasã o de sua aná lise ló gica ele possuía uma arma que o tornava
terrível aos olhos de seus inimigos. Mas nã o foi destes dons que
primariamente ele dependeu quando formava e desenvolvia o seu
sistema teoló gico.
O seu ativo e poderoso intelecto o impeliu a perscrutar as
profundezas de todo tema que lhe vinha à mã o. Em suas
investigaçõ es acerca de Deus e do plano da redençã o, ele foi muito
longe, penetrando os mistérios sobre os quais o homem raramente
sequer sonha. Ele trouxe à luz um aspecto da Escritura que até entã o
permanecera na obscuridade, e enfatizou aquelas profundas
verdades que nos séculos que precederam à Reforma escaparam
comparativamente ao escrutínio da igreja. Ele trouxe à luz doutrinas
do apó stolo Paulo que foram esquecidas; e, dando-lhes seus
significados plenos e completos, atou-as a um grande ramo da igreja
cristã .
A doutrina da predestinaçã o tem sido falsificada e caricaturada mais
que qualquer outra; além disso, é prová vel que seja a que mais
gerou oposiçã o. “O só mencioná -la”, diz Warburton, “é como agitar a
proverbial capa vermelha diante dos olhos de um touro
embravecido. Ela desperta as paixõ es mais ferozes da natureza
humana, e produz uma torrente de abusos e calú nias. Mas, porque
os homens a têm combatido, ou porque a odeiam, ou talvez porque
nã o a entendem, isso nã o é causa plausível nem ló gica para que a
lancem para longe de si. A pergunta real, a pergunta que abrange
tudo, nã o deve ser: ‘Como os homens a recebem?’. E sim: ‘Ela é
real?’”. [3]
Uma razã o por que muitas pessoas, mesmo aquelas que se supõ em
possuir certa preparaçã o acadêmica, recusam tã o prontamente a
doutrina da predestinaçã o, é simplesmente sua ignorâ ncia quanto
ao que a doutrina é em si e o que a Bíblia ensina sobre ela mesma.
Que existe tal ignorâ ncia nã o deveria causar-nos surpresa, quando
se considera a imensa falta de preparaçã o bíblica em nossos dias.
Um estudo cuidadoso das Escrituras convenceria a muitos de que a
Bíblia é um livro muito diferente do que se poderia supor. A
profunda influência que esta doutrina tem exercido na histó ria da
Europa e da América do Norte deveria ao menos permitir-lhe o
direito de ser ouvida com atençã o. Além do mais, afirmamos que,
conforme as leis da razã o e da ló gica, uma pessoa nã o tem o direito
de negar a veracidade de uma doutrina sem antes haver estudado,
de forma imparcial, a evidência em prol e contra . Esta doutrina toca
algumas das mais profundas verdades reveladas nas Escrituras, e
um estudo minucioso dela seria amplamente compensador por
parte do povo cristã o. Se alguns se dispõ em a rejeitá -la sem antes
fazer um cuidadoso estudo de suas alegaçõ es, nã o se esqueçam que
esta doutrina tem cativado a só lida convicçã o de muitos dos homens
mais sá bios e piedosos que tem havido; e, portanto, deve haver
poderosas razõ es em favor de sua veracidade.
Talvez se deva assinalar aqui que, a despeito de a doutrina da
predestinaçã o ser uma grandiosa e bendita verdade bíblica e uma
doutrina fundamental de vá rias igrejas, jamais deve ser considerada
como se fosse a doutrina reformada em sua totalidade. No dizer do
Dr. Kuyper: “Constitui-se um equívoco pretender falar da doutrina
da predestinaçã o, ou mesmo da autoridade das Escrituras, como
sendo o cará ter específico do calvinismo. Para este, todas estas
doutrinas sã o consequências ló gicas, nã o o ponto de partida — a
expansã o evidenciando a profusã o de seu crescimento, porém nã o a
raiz da qual ela brotou”. Se a doutrina for separada de sua
associaçã o natural com outras verdades e for apresentada
isoladamente, o efeito é exagerado. Entã o, o sistema é distorcido e
mal representado. A formulaçã o de qualquer princípio, para que seja
verdadeiro, deve ser apresentado em harmonia com todos os
demais elementos do sistema do qual forma parte. A Confissão de fé
de Westminster é uma afirmaçã o equilibrada do sistema reformado
em sua totalidade e dá a devida importâ ncia à s demais doutrinas,
tais como a Trindade, a Deidade de Cristo, a personalidade do
Espírito Santo, a inspiraçã o das Escrituras, os milagres, a expiaçã o, a
ressurreiçã o, a volta pessoal de Cristo, entre tantas outras. Além do
mais, nã o negamos que os arminianos apoiam muitas verdades
importantes, mas sustentamos que uma exposiçã o plena e completa
do sistema cristã o só encontra plena expressã o no sistema
calvinista.
Na mente de muitas pessoas, a doutrina da predestinaçã o e o
calvinismo sã o termos praticamente sinô nimos. Nã o obstante, isto
nã o deveria ser assim; e identificar estes dois termos de um modo
tã o estreito tem levado muitos a se posicionarem contra o sistema
calvinista. Como já se viu previamente, constitui também um erro
identificar tã o estreitamente com o calvinismo os “cinco pontos”.
Muito embora a predestinaçã o e os “cinco pontos” sejam elementos
essenciais do calvinismo, de modo algum constituem sua totalidade.
A doutrina da predestinaçã o tem sido tema de discussã o quase
interminá vel, muitas das quais, deve-se admitir, tinham o propó sito
de amenizar seus traços distintivos ou de modificá -los. Diz
Cunningham:
Um sério exame desta grande doutrina nos conduzirá aos mais
profundos e inacessíveis temas que porventura ocupem a
mente dos homens — a natureza e os atributos, os propó sitos
e as operaçõ es do infinito e incompreensível Jeová —, vistos
especialmente em suas relaçõ es com o destino eterno de suas
criaturas inteligentes. A natureza peculiar do tema certamente
demanda, e com razã o, que sempre nos aproximemos dele e o
consideremos com a mais profunda humildade, prudência e
reverência, já que isto se trata, de um lado, de um tema tã o
terrível e constrangedor, como o da eterna miséria de uma
incalculá vel multidã o de nossos semelhantes. Muitos têm
discutido o tema neste espírito, mas há igualmente outros que
têm se dado a especulaçã o presunçosa e irreverente. Pode-se
presumir bem que nã o há outro tema que tenha chamado mais
a atençã o dos homens, em todos os tempos. Este tema tem
sido discutido exaustivamente em todas as suas relaçõ es,
sejam filosó ficas, teoló gicas e prá ticas; e se existe algum tema
de especulaçã o com relaçã o ao qual nos seja lícito dizer que se
tem esgotado, é este.
Pelo menos alguns dos temas inclusos sob este cabeçalho geral
têm sido discutidos por quase todo filó sofo eminente, tanto
nos tempos pretéritos quanto nos tempos atuais. Tudo o que a
mais elevada capacidade, engenhosidade e profundeza que se
tem alcançado, tem sido exercitada na discussã o deste tema; e
as dificuldades que o envolvem jamais foram resolvidas
completamente. Podemos garantir que isso jamais será
possível, a menos que Deus nos dê uma revelaçã o mais ampla,
ou que aumente de forma mais profunda as nossas
capacidades — ainda que, possivelmente, seja mais correto
dizer que, pela própria natureza do caso , um ser finito jamais
poderá compreender tal coisa, em sua plenitude, já que isto
implicaria que se poderia também compreender a plenitude da
mente infinita. [4]
No desenvolvimento deste livro, utilizou-se muito material de
outros livros a fim de que este possa conter a nata e quintessência
dos melhores autores sobre o tema. Consequentemente, muitos dos
argumentos encontrados aqui pertencem a homens que o autor
considera como sendo superiores a ele pró prio. Por certo que, ao
visualizar todo o conteú do, ele pode dizer com um célebre escritor
francês: “Eu colhi dos jardins dos homens um ramalhete de variadas
cores, e nada é propriamente meu senã o o cordã o que as ata.”
Entretanto, muito é original, especialmente o que diz respeito à
organizaçã o e arranjo dos materiais.
Ao longo deste livro, os termos “predestinaçã o” e “preordenaçã o”
sã o usados como sinô nimos exatos, sendo a escolha determinada
pela preferência do autor. Caso se queira fazer uma distinçã o, entã o
pode ser que a palavra “preordenaçã o” seja mais bem usada quando
o que se está fazendo referência é um evento na histó ria ou na
natureza; enquanto “predestinaçã o” pode referir-se mais
consistentemente ao destino final das pessoas. As citaçõ es bíblicas
foram feitas da American Standart Version da Bíblica, mais do que a
King James Version, posto que a primeira seja mais acurada.
O autor deseja agradecer particularmente a cooperaçã o do Dr.
Samuel G. Craig, editor da revista Christianity Today , do Dr. Frank H.
Stevenson, Presidente da Junta Diretora do Seminá rio Teoló gico
Westminster, do Dr. Cornelius Van Til, Professor de Apologética no
Seminá rio Teoló gico Princeton, do Dr. W. Hodge, Professor de
Teologia Sistemá tica no Seminá rio Teoló gico de Princeton, sob cuja
supervisã o este material, na forma mais concisa, foi originalmente
preparado, e do Rev. Henry Atherton, Secretá rio Geral da Sovereign
Grace Union, Londres, Inglaterra, por sua valiosa ajuda.
Voltamos a repetir, este livro tem como propó sito expor e defender
a fé reformada, comumente conhecida como calvinismo. Ele nã o se
dirige contra nenhuma denominaçã o em particular, senã o contra o
arminianismo em geral. O autor é presbiteriano, [5]
mas está
consciente do abandono radical do credo de sua igreja por parte da
grande maioria dos pró prios presbiterianos. O livro é oferecido ao
pú blico com a esperança de que aqueles que professam apoiar a
doutrina reformada cheguem a possuir um entendimento mais
amplo das grandes verdades discutidas aqui e ainda cheguem a ter
em maior estima sua herança; e que, aqueles que ainda nã o
conheceram este sistema, ou os que se oponham a ele, cheguem a se
convencer de sua veracidade e a amá -lo.
Portanto, a pergunta que devemos confrontar é a seguinte:
Porventura Deus preordenou desde a eternidade tudo o que
acontece? Se a resposta for sim, que evidência temos nó s disto? E:
Como este fato pode ser compatível com a livre agência das
criaturas racionais e com as perfeiçõ es divinas?
1. Exposição da doutrina
A doutrina da incapacidade total aparece na Confissão de
Westminster da seguinte maneira:
O homem, devido à sua queda a um estado de pecado, perdeu
completamente toda a capacidade para querer algum bem
espiritual que acompanhe a salvaçã o; assim é que, como
homem natural que está inteiramente oposto ao bem e morto
no pecado, ele nã o pode, por sua pró pria força, converter-se ou
preparar-se para isso. [30]
Paulo, Agostinho e Calvino tomam como ponto de partida o fato de
que toda a humanidade pecou em Adã o e que todos os homens sã o
“inescusá veis” (Rm 2.1). Paulo enfatiza repetidamente que estamos
mortos em delitos e pecados, longe de Deus e sem esperança. Ele
lembra aos crentes de É feso que antes de receberem o evangelho
eles se encontravam “sem Cristo, longe da cidadania de Israel e
alheios aos pactos da promessa, sem esperança e sem Deus no
mundo” (Ef 2.12). Podemos notar, neste versículo, a quíntupla
ênfase que o apó stolo faz, delineando frase apó s frase para acentuar
esta verdade.
2. O alcance e os efeitos do pecado original
A doutrina da incapacidade total, que declara que o homem está
morto em pecado nã o significa que todos os homens sã o igualmente
maus; nem que algum homem seja tã o mau quanto possível, nem
que exista alguma pessoa completamente destituída de virtude; nem
que a natureza humana seja em si mesma má ; nem que o espírito do
homem esteja inativo; nem muito menos que o corpo esteja morto. O
que na realidade significa é que o homem, desde a queda, se
encontra sob a maldiçã o do pecado; que é movido por princípios
pecaminosos; e que é incapaz de amar a Deus ou de fazer algo que
tenha de merecer a salvaçã o. Sua corrupçã o é extensiva, porém nã o
necessariamente intensiva.
É neste sentido que o homem, desde a queda, “se encontra
totalmente indisposto, incapacitado e oposto a todo bem e inclinado
a todo mal”. Sua vontade está inclinada contra Deus de forma
permanente, e de maneira instintiva e voluntá ria se volve para o
mal. Ele já nasce enfadado de Deus e peca por decisã o pró pria. Sua
incapacidade nã o consiste na incapacidade de exercer sua vontade
livremente, e sim na incapacidade de querer exercer voliçõ es santas.
Foi este fato que levou Lutero a afirmar que “o livre-arbítrio é um
termo vazio, cuja realidade se perdeu. E uma liberdade perdida, de
acordo com a minha gramá tica, nã o é liberdade”. [31] No que diz
respeito à sua salvaçã o, o homem nã o regenerado nã o possui a
liberdade de escolher entre o bem e o mal, mas somente entre um
mal maior e um menor, o que na realidade nã o é livre-arbítrio. O fato
de que o homem caído ainda tenha habilidade para fazer algumas
obras moralmente boas em si mesmas nã o prova que ele possa fazer
obras que mereçam a salvaçã o.
O homem tem vontade livre, porém nã o pode gerar o amor de Deus
em seu coraçã o. A vontade do homem é livre no sentido de que ela
nã o é controlada por nenhuma força fora do pró prio homem. Assim
como uma ave com uma asa quebrada é “livre” para voar, porém
incapaz de fazê-lo, da mesma maneira o homem natural é livre para
ir a Deus, porém incapaz de fazê-lo. Como se arrependerá de seu
pecado quando na verdade o ama? Quando se volverá para Deus se o
odeia? Essa é a incapacidade da vontade que caracteriza o homem
natural. Jesus disse: “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e
os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque suas obras
eram má s” (Jo 3.19). E em outro lugar, ele disse: “Contudo, nã o
quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.40). A ruína do homem se
deve principalmente à sua pró pria vontade perversa. Não pode ir a
Deus porque não quer . Suficiente auxílio lhe é provido se tã o
somente o aceitasse. Paulo nos diz: “Por isso, o pendor da carne é
inimizade contra Deus, pois nã o está sujeito à lei de Deus, nem
mesmo o pode estar” (Rm 8.7).
Supor-se que o homem tem a capacidade de amar e, portanto, tem a
capacidade de amar a Deus é tã o absurdo como supor que, já que a
á gua tem a capacidade de fluir, por isso tem a capacidade de fluir
para cima; ou arrazoar que, só porque uma pessoa tem poder para
lançar-se do alto de um precipício, por isso ela tem igual poder para
transportar-se de um abismo para cima.
O homem caído nada vê que seja desejá vel “naquele que é
totalmente amá vel, o mais distinguido entre dez mil”. Poderá talvez
admirar a Jesus como um homem, porém jamais o reconhecerá
como Deus, e resistirá com todas as suas forças as santas influências
externas do Espírito. O pecado, e nã o a justiça, converteu-se em seu
meio natural, de modo que nã o existe nele nenhum amplexo pela
salvaçã o.
A natureza decaída do homem dá lugar à mais obstinada cegueira,
insensibilidade e oposiçã o à s coisas de Deus. Sua vontade está sob o
controle de um entendimento entenebrecido, de modo que confunde
o doce com o amargo, e o amargo com o doce; o bem com o mal, e o
mal com o bem. No que diz respeito à s suas relaçõ es com Deus, ele
só deseja o mal, muito embora o deseje livremente. De fato, a
espontaneidade e a servidã o coexistem.
Em outras palavras, o homem caído está tã o moralmente cego, que
de maneira uniforme prefere e escolhe o mal em vez do bem, assim
como agem os anjos apó statas ou demô nios. No entanto, quando o
crente alcançar um estado de plena santificaçã o, entã o preferirá e
escolherá o bem de um modo uniforme, tal como fazem os santos
anjos. Ambos os estados sã o consistentes com a liberdade e a
responsabilidade dos agentes morais. No entanto, o homem caído,
muito embora aja de uma maneira uniforme, jamais é obrigado a
pecar, senã o que peca livremente e se deleita nisto. Sua disposiçã o e
seus desejos se acham inclinados para o mal, e ele peca consciente e
voluntariamente, sendo movido espontaneamente por seu pró prio
coraçã o. Esta inclinaçã o natural ou propensã o para o mal é tã o
característica da natureza decaída e corrupta do homem que, no
dizer de Jó , ele “bebe a iniquidade como á gua” (Jó 15.16).
Lemos que “o homem natural nã o aceita as coisas do Espírito de
Deus, porque lhe sã o loucura; e nã o pode entendê-las, porque elas se
discernem espiritualmente” (1Co 2.14). É -nos impossível
compreender como uma pessoa que, usando seu senso comum e
lendo as simples palavras desta passagem das Escrituras, ainda
pode defender a doutrina da capacidade humana. O homem, em seu
estado natural, nã o pode nem mesmo ver o reino de Deus, muito
menos entrar nele. Uma pessoa inculta pode ver uma bela obra de
arte como mero objeto da visã o, porém nã o pode apreciar a
excelência dessa obra. Igualmente pode ver os nú meros de uma
complexa equaçã o matemá tica, porém esta é destituída de
significado para ele. Uma tropa e o gado bovino podem ver o mesmo
pô r do sol, ou qualquer outro fenô meno da natureza que os homens
veem, porém estã o cegos para a beleza artística de tais fenô menos.
Assim também se dá com o homem nã o regenerado quando lhe é
apresentado o evangelho da cruz. Pode ser que este até obtenha
certo conhecimento intelectual das histó rias e doutrinas da Bíblia,
porém nã o tem discernimento espiritual de sua excelência, e jamais
se deleitará neles. Um mesmo Cristo é para uns sem atrativo nem
formosura para que o desejem; todavia, para outros, ele é o Príncipe
da vida e o Salvador do mundo, Deus manifestado na carne, ao qual é
impossível nã o adorar, amar e obedecer.
No entanto, a incapacidade total surge nã o meramente de uma
natureza moral pervertida, mas também em virtude da ignorâ ncia.
Paulo escreveu que os gentios vivem “na vaidade dos seus pró prios
pensamentos, obscurecidos de entendimento, alheios à vida de Deus
por causa da ignorâ ncia em que vivem, pela dureza do seu coraçã o”
(Ef 4.17, 18). E, reiterando, “certamente, a palavra da cruz é loucura
para os que se perdem, mas para nó s, que somos salvos, poder de
Deus” (1Co 1.18). Ao escrever que as coisas que “nem olhos viram,
nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coraçã o humano o
que Deus tem preparado para aqueles que o amam”, Paulo fazia
referência, nã o à s gló rias do estado celestial como comumente se
pensa, mas à s realidades espirituais nesta vida, as quais nã o podem
ser vistas pela mente nã o regenerada, como se demonstra
claramente pelas palavras do versículo seguinte: “Mas Deus no-lo
revelou pelo Espírito; porque o Espírito de Deus a todas as coisas
perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (1Co 2.9, 10). Em
certa ocasiã o, Jesus observou: “Ninguém conhece o Filho senã o o
Pai; e ninguém conhece o Pai senã o o Filho e aquele a quem o Filho o
quiser revelar” (Mt 11.27). Somos informados claramente que o
homem, em sua natureza nã o regenerada e entenebrecida, nã o
conhece a Deus como tal, e que o Filho é soberano em escolher os
que hã o de alcançar este conhecimento salvador de Deus.
O homem decaído nã o tem poder para discernir as coisas
espirituais. Seu coraçã o ou entendimento está cegado, e sua
inclinaçã o e sentimentos estã o pervertidos. E já que este estado
mental é inerente, como uma condiçã o da natureza do homem, está
além do poder de sua vontade mudá -la. Ao contrá rio, esse estado
controla suas afeiçõ es e voliçõ es. O efeito da regeneraçã o pode ser
visto com clareza na comissã o divina que Paulo recebeu em sua
conversã o, quando lemos que ele foi enviado aos gentios “para
abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e do poder de
Sataná s para Deus” (At 26.18).
Jesus ensinou a mesma verdade, usando uma figura diferente,
quando disse aos fariseus: “Qual a razã o por que nã o compreendeis
a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha
palavra. Vó s sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe
os desejos” (Jo 8.43, 44). Eles nã o podiam entender, nem mesmo
ouvir as suas palavras de maneira inteligível. Para eles, suas
palavras nã o passavam de necedade, de loucura; e o acusaram de
estar possesso de demô nios (v. 48, 52). Somente seus discípulos
podiam conhecer a verdade (v. 31, 32); os fariseus eram filhos do
diabo (v. 42, 44) e escravos do pecado (v. 34), muito embora
cressem que eram livres (v. 33).
Em outra ocasiã o, Jesus ensinou que uma á rvore boa nã o pode
produzir fruto ruim, nem uma á rvore ruim produzir fruto bom. E
visto que esta similitude de á rvores boas e ruins representa homens
bons e maus, o que significa senã o que uma classe de homens é
governada por um grupo de princípios bá sicos, enquanto outra
classe é governada por outro grupo de princípios bá sicos? Os frutos
destas duas á rvores sã o atos, palavras e pensamentos, os quais, se
sã o bons, procedem de uma natureza boa; e, se maus, procedem de
uma natureza má . É impossível que uma mesma raiz produza fruto
de classes distintas. Daí negarmos que exista no homem um poder
que lhe permita agir de ambas as maneiras sob a base ló gica de que
a virtude e o vício nã o podem originar-se de uma mesma condiçã o
moral. Afirmamos que as açõ es humanas relacionadas com Deus
procedem ou de uma condiçã o moral que necessariamente produza
boas açõ es ou de uma condiçã o moral que necessariamente produza
açõ es ruins.
Nas palavras de Warburton: “Na Epístola aos Efésios, Paulo afirma
que a alma de cada indivíduo, antes de ser vivificada pelo Espírito de
Deus, jaz morta em delitos e pecados. Ora, certamente se admitirá
que estar morto, e morto em pecado, é clara e positiva evidência de
que nã o há aptidã o nem poder para realizar alguma açã o espiritual.
Se o homem está morto, num sentido natural e físico, prontamente
se admitirá que nã o há nenhuma possibilidade de que ele seja capaz
de realizar quaisquer açõ es físicas. Um cadá ver nã o pode agir de
maneira alguma, e um homem que afirmasse o contrá rio seria tido
como tendo abandonado seus sentidos. Da mesma maneira, estar
morto em pecado é evidência clara e positiva de que nã o existe
aptidã o ou poder algum para realizar obras espirituais. Portanto, a
doutrina da incapacidade moral do homem repousa sobre evidência
bíblica só lida”. [32]
E Warfield: “Com base no princípio de que nenhuma coisa limpa
pode se originar do que é impuro (Jó 14.4), todos os nascidos de
mulher sã o considerados ‘abominá veis e vis’, os quais só se deixam
atrair pela iniquidade (Jó 15.14-16). Portanto, os homens nã o têm
que esperar até que chegue à idade de açã o responsá vel. Ao
contrá rio, sã o apó statas desde a madre; e tã o logo nascem já se
extraviam, falando mentiras (Sl 58.3); inclusive sã o formados na
iniquidade e concebidos em pecado (Sl 51.5). A inclinaçã o de seu
coraçã o é má desde a juventude (Gn 8.21); e é do coraçã o que emana
a vida (Pv 4.23; 20.11). As obras pecaminosas sã o, portanto, a
expressã o do coraçã o natural, o qual é enganoso mais que todas
coisas, e excessivamente corrupto (Jr 17.9)”. [33]
Ezequiel apresenta esta mesma verdade em linguagem grá fica, ao
nos fornecer o quadro do recém-nascido abandonado em seu sangue
e deixado para morrer, mas o qual o Senhor graciosamente
encontrou e cuidou (cap. 16).
A doutrina do pecado original pressupõ e que os homens caídos
possuem o mesmo tipo e o mesmo grau de liberdade para pecar sob
a influência de uma natureza corrupta que o diabo e seus demô nios
possuem; ou a que possuem os santos na gló ria e os santos anjos
para agir retamente sob a influência de uma natureza santa.
Equivale dizer, os homens e os anjos agem em conformidade com a
sua natureza. Assim como os santos e os anjos estã o confirmados em
santidade — isto é, controlados por uma natureza totalmente
inclinada à retidã o e oposta ao pecado —, da mesma sorte a
natureza dos homens caídos e dos demô nios é tal que nã o podem
realizar sequer uma só obra que proceda de motivos retos para com
Deus. Daí a necessidade de Deus, soberanamente, ter que mudar o
cará ter da pessoa através da regeneraçã o.
No Antigo Testamento, as cerimô nias da circuncisã o dos meninos e a
purificaçã o da mã e tinham como propó sito ensinar que o homem
vem ao mundo em pecado, e que desde a queda a natureza humana
está corrompida a partir de sua pró pria raiz. Paulo ensinou esta
verdade de maneira ainda mais enfá tica em 2 Coríntios 4.3, 4: “Mas,
se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem
que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o
entendimento dos incrédulos, para que nã o lhes resplandeça a luz
do evangelho da gló ria de Cristo, o qual é a imagem de Deus”.
Equivale dizer, os homens caídos, estando alienados das operaçõ es
do Espírito de Deus, se encontram sob o governo de Sataná s. Estã o
cativos à vontade deste (2Tm 2.26). Enquanto “o homem forte e
plenamente armado” nã o for derrotado pelo “mais forte que ele”,
consegue manter seu reino em paz e seus cativos fazem
espontaneamente a sua vontade. Mas o que é “mais forte que ele” já
o venceu, despojou-o de todas as suas armas e libertou uma parte de
seus cativos (Lc 11.21, 22). Agora Deus exerce o direito de deixar em
liberdade aos que ele bem quer; e o que nasceu de novo é um desses
pecadores resgatados daquele reino.
As Escrituras ensinam que o homem caído é cativo e escravo
voluntá rio do pecado e totalmente incapaz de escapar de sua
servidã o e corrupçã o. Ele é incapaz de entender e muito menos de
fazer as coisas de Deus. Há o que poderíamos denominar de “a
liberdade da servidã o” — um estado no qual o indivíduo é livre,
porém somente para fazer a vontade de seu senhor, que neste caso é
o pecado. Foi a isto que Jesus se referiu quando disse: “todo o que
comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34).
Por ser a corrupçã o do homem tã o profunda, está além de seu poder
purificar-se a si mesmo. Sua ú nica esperança de restauraçã o jaz,
portanto, numa transformaçã o do coraçã o, o que só pode ser
efetuado pelo poder soberano e re-criador do Espírito Santo,
operando quando e onde e como bem quer. Seria um absurdo menor
tentar tirar á gua de um barco furado sem antes reparar seus furos
do que reformar o homem nã o regenerado sem antes mudar o seu
coraçã o; ou, esperar que o etíope mude sua pele e o leopardo
remova suas manchas do que esperar que aquele que está habituado
à prá tica do mal mude o seu caminho. Denominamos de
“regeneraçã o” esta mudança de morte espiritual para a vida
espiritual. As Escrituras usam vá rios termos ao se referir a essa
mudança como, por exemplo, “regeneraçã o”, “retorno à vida”,
“chamado das trevas para a luz”, “vivificaçã o”, “renovaçã o”,
“remoçã o do coraçã o de pedra e a doaçã o de um coraçã o de carne”,
etc., e o apresentam como obra exclusiva do Espírito Santo. Como
resultado dessa mudança, o homem vê a verdade e a aceita
deleitosamente. Seus instintos e impulsos mais íntimos sã o
transferidos para a obediência à lei, obediência esta que é a
espontâ nea expressã o de sua nova natureza. A Bíblia nos informa
que a regeneraçã o é efetuada pelo mesmo poder sobrenatural que
Deus operou em Cristo quando o levantou dentre os mortos (Ef
1.18-20). O homem nã o possui o poder de regenerar a si pró prio; e,
até que se dê tal mudança interior, ele nã o poderá convencer-se da
veracidade do evangelho, mesmo diante de todos os testemunhos
externos que porventura lhe sejam apresentados. “Se nã o ouvem a
Moisés e aos profetas, tampouco se deixarã o persuadir, ainda que
alguém ressuscite dentre os mortos” (Lc 16.31).
4. A queda do homem
A queda da raça humana a um estado de pecado e miséria é a base e
fundamento do sistema de redençã o apresentado nas Escrituras,
bem como do sistema que ensinamos. Somente os calvinistas
parecem levar a sério a doutrina da queda. Todavia, a Bíblia declara,
do princípio ao fim, que o homem está perdido — totalmente
perdido —, e que se encontra em um estado de culpa e depravaçã o
do qual ele é totalmente incapaz de se livrar por si pró prio, no qual
Deus, com toda a justiça, poderia ter deixado perecer. No Antigo
Testamento, o relato concernente à queda se encontra no terceiro
capítulo de Gênesis; e no Novo Testamento podem-se encontrar
referências diretas a este fato em Romanos 5.12-21; 1 Coríntios
15.22; 2 Coríntios 11.3; 1 Timó teo 2.13, entre outras, ainda que o
Novo Testamento enfatize nã o o fato histó rico de que o homem
apostatou; mas, antes, o fato ético de que o homem é um ser decaído
[ou apostatado de Deus]. Os escritores do Novo Testamento
interpretaram literalmente este fato e basearam nele sua teologia.
Para Paulo, Adã o foi tã o real como Cristo o foi, e a queda tã o real
quanto a redençã o. É possível que alguns sustentem que os
apó stolos estavam equivocados, crendo em tal coisa; porém nã o
podem negar que eles criam justamente assim.
O Dr. A. A. Hodge, a quem tomaremos o privilégio de citar,
apresentou muito bem a doutrina da queda no seguinte pará grafo:
Uma vez que, na pró pria natureza do caso, nã o se podia dar
uma prova justa a cada novo membro da raça humana,
pessoalmente, já que ao nascer cada membro é uma criatura
nã o desenvolvida, Deus, como o guardiã o e para os melhores
interesses da raça, provou sob as mais favorá veis
circunstâ ncias a todos os seus membros na pessoa de Adã o,
constituindo a este o representante e substituto pessoal de
cada um de seus descendentes naturais. Deus estabeleceu com
ele um pacto de obras e de vida; isto é, lhe fez uma promessa
de vida eterna, a ele e à queles a quem ele representava, sob a
condição de obediência perfeita — isto é, por meio de obras. A
obediência exigida era uma prova específica durante um
período de tempo, a qual haveria de concluir necessariamente,
ou com a recompensa mediante obediência, ou com a morte
mediante desobediência. A “recompensa” prometida era a vida
eterna, uma graça que havia de incluir muito mais do que
originalmente fora conferido a Adã o, em sua criaçã o; uma
dá diva que haveria elevado a raça humana a uma condiçã o de
irrevogá vel santidade e felicidade para sempre. O “castigo”
com que foi ameaçado e ao qual logo a seguir foi submetido foi
a morte: “No dia em que dele comeres certamente morrerá s”.
A natureza dessa morte só pode ser determinada levando em
conta tudo o que fosse envolvido na maldiçã o a que ele foi
submetido. Sabemos que esta maldiçã o incluía o imediato
afastamento do favor divino e da comunhã o espiritual com
Deus da qual dependia a vida do homem, isto é, a alienaçã o e a
maldiçã o de Deus, o senso de culpa, a corrupçã o da natureza,
as consequentes transgressõ es atuais, os sofrimentos da vida,
a dissoluçã o do corpo, os sofrimentos do inferno. [36]
O termo morte , em seu sentido mais amplo, abarca todas as
consequências do pecado de Adã o. Paulo, em síntese, declara que “o
salá rio do pecado é a morte”. O significado pleno da morte com que
Adã o foi ameaçado pode ser apreciado levando em conta todas as
consequências má s que desde entã o sobrevieram ao homem. A
morte com que ele foi ameaçado era, em primeira instâ ncia, a morte
espiritual, ou a separaçã o eterna de Deus; e a morte física, ou morte
do corpo, nã o é mais que um dos primeiros frutos e das
consequências menos importantes, relativamente falando, desse
castigo maior. Adã o nã o morreu fisicamente até seus 930 anos
depois da queda, porém morreu espiritualmente no mesmo instante
em que caiu em pecado. Morreu tã o realmente como o peixe quando
tirado da á gua, ou como a planta quando é arrancada da terra.
Geralmente abrigamos uma ideia equivocada no tocante à
queda de Adã o. Ele nã o foi tentado por Sataná s de maneira
direta. Eva foi tentada e caiu, deixando-se enganar. Mas temos
evidência inspirada com que provamos que Adã o nã o foi
enganado (1Tm 2.14). Ele nã o foi apanhado nos engodos de
Sataná s. O que ele fez, o fez de maneira voluntá ria e
deliberada, decidindo seguir sua esposa em seu ato de
pecaminosa desobediência, em plena consciência do que
estava fazendo e com perfeita compreensã o das sérias
consequências envolvidas. Foi essa voluntariedade que
imprimiu tã o nefando cará ter ao pecado do homem. Tendo
sido Adã o atacado por Sataná s e forçado a sucumbir mediante
um poder irresistível, talvez nó s também teríamos buscado
justificativas para nossa queda. Mas quando, com olhos bem
abertos e com mente perfeitamente cô nscia e completamente
avisada da horrível natureza de seu ato, ele usou seu livre-
arbítrio para responder à s demandas da criatura em desafio
ao Criador; entã o nã o há justificativa para sua queda. Seu ato
foi o de rebeliã o voluntá ria e desafiante através da qual
transferiu abertamente sua lealdade de Deus para Sataná s. [37]
E porventura houve uma queda, uma terrível queda? Quanto mais
observamos a natureza humana como se manifesta ao nosso redor,
mais fá cil somos levados a crer nesta grande doutrina do pecado
original. Considere-se o mundo em sua totalidade, cheio como é de
homicídios, roubos, orgias, guerras, lares destruídos e crimes de
toda espécie. As milhares de formas engenhosas que o crime e o
vício têm assumido nas mã os de seus perpetradores constituem
vivos relatos desta horrenda realidade. Uma grande porçã o da raça
humana atual, bem como em todas as épocas pretéritas, vive e
morre nas trevas do paganismo, alienada de Deus e sem esperança.
O modernismo e a negaçã o de toda espécie permeiam a pró pria
igreja. Inclusive “a imprensa religiosa” manifesta marcantes traços
de incredulidade. Observe-se o desinteresse geral para com a
oraçã o, ou o estudo da Bíblia, ou para com as coisas espirituais.
Acaso o homem nã o está agora, como seu progenitor Adã o, fugindo
da presença de Deus, evitando a comunhã o com Deus, nutrindo em
seu coraçã o inimizade para com o seu Criador? Sem lugar a dú vida, a
natureza do homem é radicalmente viciosa. Os relatos dos
acontecimentos diá rios nos perió dicos e na mídia, inclusive em
terras denominadas de “cultas”, demonstram que o homem é
pecador, que está alienado de Deus e que é guiado por princípios
execrá veis. A ú nica explicaçã o adequada para tudo isso é que a
maldiçã o com que o homem foi ameaçado antes da queda repousa
agora sobre a raça humana.
Vivemos em um mundo perdido, um mundo que, ao se permitir
desenvolver por si mesmo, apodrece perenemente em sua
corrupçã o — um mundo em que se prolifera a iniquidade e a
blasfêmia. Os efeitos da queda sã o tais que a vontade do homem só
tende para baixo, para atos de pecado e estupidez. Todavia, Deus
nã o permite que a raça se mostre tã o corrupta quanto naturalmente
se mostraria, se lhe fosse permitido tomar seu curso natural. Ele
exerce influências restritivas, incitando os homens ao amor
recíproco, a amarem a honestidade e a filantropia; a buscarem o
bem-estar dos demais. Se Deus nã o exercesse essas influências, os
homens ímpios se tornariam cada vez mais perversos, mudando os
costumes estabelecidos e derribando as barreiras sociais até chegar
ao zênite da anarquia, convertendo a terra em um lugar de extrema
corrupçã o, a ponto de os eleitos já nã o poderem viver nela.
5. O princípio representativo
É -nos fá cil entender como uma pessoa age mediante representaçã o.
O povo de um Estado age em e através de seus representantes na
legislatura. Se um país tem um bom presidente ou rei, todas as
pessoas de tal país se beneficiam dos bons resultados; em troca, se o
presidente ou rei é mau, todos sofrem as consequências. Os pais sã o,
em um sentido mui real, os representantes de seus filhos e em
grande medida determinam o destino destes. Se os pais sã o sá bios,
virtuosos e bondosos, os filhos colhem as bênçã os; porém, se sã o
indolentes e imorais, os filhos sofrem. De infindas maneiras, o bem-
estar dos indivíduos está determinado pelos feitos de outros; o que
demonstra quã o entretecido em nossa vida está o princípio
representativo. A doutrina bíblica que ensina que Adã o foi a cabeça
federal e representativa de seus descendentes outra coisa nã o é
senã o a aplicaçã o de um princípio que vemos ao nosso redor.
O Dr. Charles Hodge tratou deste tema com muita habilidade no
seguinte pará grafo:
Este princípio representativo permeia toda a Escritura. A
imputaçã o do pecado de Adã o à sua posteridade nã o é um fato
isolado, mas apenas um exemplo de um princípio geral que
caracteriza as dispensaçõ es [administraçõ es ou economias] de
Deus desde o princípio do mundo. Deus se revelou a Moisés
como aquele que visita a maldade dos pais nos filhos e dos
filhos nos filhos, até a terceira e quarta geraçã o (Ê x 34.6, 7). A
maldiçã o pronunciada contra Canaã caiu sobre sua
posteridade. Ao vender Esaú a sua primogenitura, os seus
descendentes ficaram excluídos do pacto da promessa. Os
filhos de Moabe e Amom foram excluídos para sempre da
congregaçã o do Senhor por seus antepassados terem feito
oposiçã o aos israelitas, quando estes saíram do Egito. No caso
de Datã e Abirã o, como no de Acã , “suas esposas, seus filhos e
seus pequeninos” pereceram por causa dos pecados de seus
pais. Deus disse a Eli que a iniquidade de sua casa jamais
poderia ser apagada com sacrifício e oferta. A Davi foi dito: “A
espada jamais se apartará de tua casa, porquanto me
menosprezaste e tomaste a mulher de Urias, o heteu, para que
fosse tua mulher”. Quanto à desobediência de Geazi, foi-lhe
dito: “A lepra de Naamã se apegará a ti e à tua descendência
para sempre”. O pecado de Jeroboã o e dos homens de sua
época determinou para sempre o destino das dez tribos. A
imprecaçã o dos judeus, “seu sangue caia sobre nó s e nossos
filhos”, quando pediam que Cristo fosse crucificado, ainda pesa
sobre os israelitas errantes. Este princípio é percebido por
toda a Escritura. Quando Deus estabeleceu o pacto com
Abraã o, nã o foi feito somente com ele, mas também com a sua
posteridade, ficando esta ligada a todas as estipulaçõ es do
pacto. Todos os israelitas partilharam das promessas e das
ameaças do pacto, e em centenas de casos o castigo pela
desobediência veio sobre aqueles que nã o haviam incorrido
nas transgressõ es de maneira pessoal. As crianças sofreram
iguais juízos na mesma medida que os adultos, isto é, a fome, a
peste e a guerra. E os judeus até hoje sofrem o castigo pelos
pecados de seus pais quando rejeitaram aquele de quem
Moisés e os profetas falaram. Todo o plano da redençã o
repousa sobre este princípio. Cristo é o representante de seu
povo, e, com base neste fato, os pecados dos eleitos lhes sã o
imputados e sua justiça lhes é imputada. Nenhuma pessoa que
crê na Bíblia pode passar por alto o fato de que em todas as
suas partes se reconhece o cará ter representativo dos pais; e
que as dispensaçõ es de Deus, desde seu ponto de partida, se
basearam no princípio de que os filhos levam sobre si as
iniquidades dos pais. Esta é precisamente uma das razõ es
pelas quais os ímpios se negam a crer na origem divina das
Escrituras. Mas a incredulidade nã o resolve nada. A histó ria
contém tantos exemplos desta doutrina como também a Bíblia.
O castigo do crime envolve sua família em sua desgraça e
miséria. O homem perdulá rio e o beberrã o trazem pobreza e
miséria a todos os que se relacionam com eles. Nã o há naçã o
sobre a face da terra cuja prosperidade ou adversidade nã o
fossem em grande medida determinadas pelo cará ter e a
conduta de seus antepassados. As ofertas expiató rias do
Antigo Testamento e o grande sacrifício da nova dispensaçã o
repousam sobre a ideia da transferência da culpa ou o castigo
vicá rio. Levar os pecados equivale, na linguagem bíblica, levar
a pena pelo pecado. A vítima levava o pecado daquele que a
oferecia. As mã os eram postas sobre a cabeça do animal que se
destinava a ser sacrificado para expressar a transferência da
culpa. Esse animal tinha que estar isento de todo defeito ou
imperfeiçã o para que ficasse ainda mais evidente que o seu
sangue era derramado nã o pelos seus pró prios defeitos, e sim
pelo pecado de outro. Tudo isso era simbó lico e típico. E isto é
o que as Escrituras ensinam acerca da expiaçã o de Cristo. Ele
levou nossos pecados; ele foi feito maldiçã o em nosso lugar;
ele sofreu a sentença da lei em nosso lugar. Tudo isso procede
com base no fato de que os pecados de uma pessoa podem
justamente ser imputados a outro sempre e quando o motivo
for adequado. [38]
As Escrituras afirmam que “pela desobediência de um só homem
muitos foram constituídos pecadores” (Rm 5.19). “Por um só
homem, o pecado entrou no mundo, e pelo pecado a morte; e assim
a morte passou a todos os homens, porquanto todos pecaram” (Rm
5.12). “Pelas transgressõ es de um veio a condenaçã o a todos os
homens” (Rm 5.18). É como se Deus dissesse: Se o pecado tiver que
entrar, que entre por um só homem, para que a justiça entre
também por um só homem.
Adã o nã o só foi constituído pai, mas também representante de toda
a raça humana. Se entendêssemos bem quã o estreita é a relaçã o
entre Adã o e a raça humana, compreenderíamos plenamente a
justiça da transmissã o de seu pecado aos seus descendentes. O
pecado de Adã o é imputado aos seus descendentes da mesma
maneira que a justiça de Cristo é imputada à queles que creem nele.
Certamente os descendentes de Adã o nã o sã o pessoalmente mais
culpados do pecado deste do que os redimidos sã o pessoalmente
merecedores da justiça de Cristo.
O sofrimento e a morte sã o o resultado do pecado; e a razã o por que
todos morrem é que “todos pecaram”. Ora, sabemos que muitos
sofrem e morrem na infâ ncia, antes mesmo de haver cometido
pessoalmente algum pecado. Segue-se que, ou Deus é injusto em
castigar o inocente, ou que tais crianças sã o, de alguma maneira,
culpadas. E, se sã o culpadas, como pecaram? É impossível explicar
isso com base em qualquer outra suposiçã o, senã o que pecaram em
Adã o (1Co 15.22; Rm 5.12, 18); e nã o poderiam pecar nele senã o por
representaçã o.
Ainda que nã o sejamos pessoalmente culpados do pecado de Adã o,
nã o obstante estamos sujeitos ao castigo por esse pecado. Eis a
opiniã o do Dr. A. A. Hodge: “A culpa pelo pecado pú blico de Adã o é
acarretada por um ato judicial de Deus por conta de cada um de seus
descendentes desde o momento em que sua existência tem início, e
isso precede a qualquer ato pessoal. Portanto, os homens nascem
carentes de todas as influências do Espírito Santo das quais depende
a sua vida moral e espiritual... e com uma prevalecente tendência em
sua natureza para o pecado; essa tendência neles é por si só pecado,
e por isso é digna de castigo. A natureza humana, desde a queda,
retém as faculdades constitucionais da razã o, da consciência e da
livre agência; e, portanto, o homem continua sendo um agente moral
responsá vel. Contudo, o homem está espiritualmente morto, e é
totalmente incapaz de cumprir com os deveres que se originam de
sua relaçã o com Deus; e é absolutamente incapaz de mudar as suas
pró prias inclinaçõ es má s e tendências morais inerentes; ou decidir
em prol de tal mudança, ou cooperar com o Espírito Santo para
efetuar essa mudança”. [39]
E com o mesmo propó sito geral, o Dr. R. L. Dabney, eminente teó logo
da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos da América, diz:
“A explicaçã o apresentada pela doutrina da imputaçã o é exigida por
todos, com a exceçã o dos pelagianos e socinianos. A raça humana
está espiritualmente morta e sob condenaçã o (veja Efésios 2.1-5 na
íntegra). É ó bvio que o homem se encontra sob maldiçã o desde o
início de sua vida. Resta apenas observar a depravaçã o natural das
crianças, bem como a desgraça e morte das quais sã o herdeiras. Ora,
ou o homem foi provado e caiu em Adã o, ou foi condenado sem
provaçã o. Ou ele está sob maldiçã o (a qual repousa sobre ele desde
o exato início de sua existência) pela culpa de Adã o, ou entã o está
sem ser culpado. Julgue você mesmo qual rende a Deus maior honra:
uma doutrina que, muito embora seja um profundo mistério,
apresenta Deus como a submeter o homem a uma prova justa e
sumamente favorá vel mediante sua cabeça federal, ou aquela que
apresenta Deus condenando o homem sem havê-lo submetido a uma
prova, e inclusive antes mesmo de vir à existência”. [40]
7. Prova bíblica
1Co 2.14; Gn 2.17; Rm 5.12; 2Co 1.9; Ef 2.1-3; 2.12; Jr 13.23; Sl 51.5;
Jo 3.3; Rm 3.10-12; Jó 14.4; 1Co 1.18; At 13.48; Pv 30.12; Jo 5.21;
6.53; 8.19; Mt 11.25; 2Co 5.17; Jo 14.16, 17; 3.19.
1. Exposição da doutrina
A doutrina da eleiçã o tem de ser considerada somente como uma
aplicaçã o particular da doutrina geral da predestinaçã o ou
preordenaçã o enquanto se relaciona com a salvaçã o dos pecadores;
e como as Escrituras tratam principalmente da redençã o de
pecadores, esta parte da doutrina geral da predestinaçã o ocupa um
lugar proeminente. A doutrina da eleiçã o partilha de todos os
elementos da doutrina geral; e, por ser obra de uma Pessoa moral e
infinita, é apresentada como a determinaçã o eterna, absoluta,
imutá vel e eficaz de sua vontade com respeito aos objetos de suas
operaçõ es salvíficas. E nenhum aspecto dessa determinaçã o eletiva
é enfatizado mais do que o da soberania absoluta.
A fé reformada tem ensinado a existência de um decreto divino,
eterno, o qual, independente de qualquer diferença entre os homens
ou merecimento pessoal destes, separa a raça humana em dois
grupos, ordenando um para a vida eterna e o outro para a morte
eterna. No que respeita aos homens em geral, esse decreto outra
coisa nã o é senã o o conselho de Deus com respeito à queles que
tiveram uma oportunidade supremamente favorá vel em Adã o para
alcançar a salvaçã o, contudo a perderam. Devido à sua queda, sã o
culpados e estã o corrompidos; seus motivos sã o maus e nã o podem
alcançar por si só s a salvaçã o. Perderam todo o direito à
misericó rdia de Deus, e pode-se dizer com toda a justiça que
merecem sofrer a pena por sua desobediência, como se fez aos anjos
apó statas. Todavia, os eleitos sã o resgatados desse estado de culpa e
pecado, e sã o trazidos a um estado de bem-aventurança e santidade.
Os nã o eleitos sã o meramente deixados em seu estado de ruína e sã o
condenados por seus pecados. Este castigo nã o é imerecido, já que
Deus nã o os está tratando meramente como homens, mas sim como
homens pecadores.
A Confissão de Westminster apresenta a doutrina nos seguintes
termos:
Pelo decreto de Deus e para a manifestaçã o de sua gló ria,
alguns homens e alguns anjos sã o predestinados para a
vida eterna e outros preordenados para a morte eterna.
Esses homens e esses anjos, assim predestinados e
preordenados, sã o particular e imutavelmente
designados; seu nú mero é tã o certo e definido, que nã o
pode ser nem aumentado nem diminuído.
Segundo seu eterno e imutá vel propó sito, e segundo o
santo conselho e beneplá cito de sua vontade, antes que
fosse o mundo criado, Deus escolheu em Cristo, para a
gló ria eterna, os homens que sã o predestinados para a
vida; para o louvor de sua gloriosa graça, ele os escolheu
de sua mera e livre graça e amor, e nã o por previsã o de
fé, ou de boas obras e perseverança nelas, ou de
qualquer outra coisa na criatura que a isso o movesse,
como condiçã o ou causa.
Assim como Deus destinou os eleitos para a gló ria, assim
também, pelo eterno propó sito de sua vontade,
preordenou todos os meios conducentes a esse fim; os
que, portanto, sã o eleitos, achando-se caídos em Adã o,
sã o remidos por Cristo; sã o eficazmente chamados para
a fé em Cristo, pelo seu Espírito que opera no tempo
devido; sã o justificados, adotados, santificados e
guardados pelo seu poder, por meio da fé salvadora.
Além dos eleitos nã o há nenhum outro que seja remido
por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado,
santificado e salvo. [41]
É de suma importâ ncia que entendamos com clareza esta doutrina
da eleiçã o divina, já que o nosso conceito desta doutrina
determinará o nosso conceito de Deus, do homem, do mundo e da
redençã o. Calvino disse com razã o: “Jamais nos convenceremos
como deveríamos de que nossa salvaçã o procede e emana da fonte
da misericó rdia gratuita de Deus, enquanto nã o tivermos
compreendido sua eleiçã o eterna, pois ela, por comparaçã o, nos
ilustra a graça de Deus, enquanto nã o adota indiferentemente a
todos à esperança da salvaçã o, senã o que dá a uns o que nega dar a
outros. Ignorar este princípio detrai da gló ria divina e serve, além do
mais, como obstá culo à humildade genuína”. [42] Calvino admite que
a doutrina suscita indagaçõ es mui intrincadas na mente de certas
pessoas, já que disse: “nã o há nada que alguns consideram mais
irracional do que isto: que de toda a humanidade alguns sejam
predestinados para a salvaçã o e outros, para a perdiçã o”.
Os teó logos reformados aplicaram este princípio de maneira
consistente à experiência de fenô menos espirituais que eles
perceberam em si mesmos e viram em outras pessoas. Para esses
teó logos, somente o propó sito divino, ou a predestinaçã o, podia
explicar a distinçã o entre o bem e o mal, entre o crente e o pecador.
2. Prova bíblica
Entã o, a primeira pergunta que devemos formular é: Encontramos
esta doutrina ensinada nas Escrituras? Retornemos à Epístola de
Paulo aos Efésios. Lemos ali: “assim como nos escolheu, nele, antes
da fundaçã o do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoçã o de
filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplá cito de sua
vontade” (1.4-5). Em Romanos 8.29-30, lemos sobre a corrente de
ouro da redençã o que se estende desde a eternidade pretérita até a
eternidade futura: “Porquanto aos que de antemã o conheceu,
também os predestinou para serem conformes à imagem de seu
Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmã os. E aos
que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses
também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou”.
Conhecidos de antemã o, predestinados, chamados, justificados,
glorificados, sempre as mesmas pessoas inclusas em cada grupo; e,
onde um desses fatores está presente, todos os demais também
estã o presentes com ele em princípio.
Paulo usou o verbo no pretérito perfeito porque, para Deus, o
propó sito é concretizado, em princípio, no momento em que é
concebido; o que indica a absoluta certeza de seu cumprimento.
“Estes cinco elos de ouro”, diz o Dr. Warfield, “estã o unidos numa
corrente inquebrá vel, de tal maneira que todos aqueles a quem Deus
separa em seu amor sã o conduzidos por sua graça, passo a passo,
para a grande consumaçã o dessa glorificaçã o que culmina na
prometida conformidade à imagem do Filho de Deus. É a ‘eleiçã o’,
como podemos ver, que faz tudo isso, ‘porque aos que de antemã o
conheceu... a estes também glorificou’”. [43]
As Escrituras apresentam a eleiçã o como algo que ocorre no
passado, sem levar em conta os méritos pessoais, e é totalmente
soberana: “E ainda nã o eram os gêmeos nascidos, nem tinham
praticado o bem ou o mal (para que o propó sito de Deus, quanto à
eleiçã o, prevalecesse, nã o por obras, mas por aquele que chama), já
lhe foi dito: O mais velho será servo do mais moço. Como está
escrito: Amei a Jacó , porém me aborreci de Esaú ” (Rm 9.11, 12). Ora,
se a doutrina da eleiçã o nã o for verdadeira, entã o instamos que nos
seja dito o que significam estas palavras do apó stolo. “Esta
passagem nos ensina de modo ilustrativo a soberana aceitaçã o de
Isaque e a rejeiçã o de Ismael, assim como a eleiçã o de Jacó e nã o de
Esaú , antes mesmo do seu nascimento; e, portanto, antes mesmo
que soubessem fazer o bem ou o mal. Ela nos ensina explicitamente
que o assunto da salvaçã o nã o depende de quem quer, nem de quem
corre, mas de Deus em usar de misericó rdia; e a usa em quem ele
quer e a quem quer endurecer, endurece; de maneira direta, ele nos
apresenta Deus como o oleiro que faz os vasos que procedem de sua
mã o, cada um para o fim designado, de modo que ele age com cada
um segundo a sua vontade. A realidade é que dificilmente
encontraremos palavras mais explícitas que ensinem a
predestinaçã o”. [44]
Mesmo que nã o existissem outras palavras inspiradas além das que
citamos acima, procedentes do apó stolo Paulo, tã o claras e
inequívocas elas sã o, que deveríamos sentir-nos constrangidos a
admitir que a doutrina da eleiçã o é parte das Escrituras. Ao
examinarmos as referências bíblicas que aparecem na Confissão de
fé de Westminster , vemos que a doutrina está sustentada
abundantemente na Bíblia. Se porventura aceitamos a inspiraçã o
das Escrituras, e se aceitamos que os escritos dos profetas e dos
apó stolos foram inspirados pelo Espírito de Deus, e, portanto, sã o
infalíveis, entã o as palavras concernentes à doutrina deveriam ser
suficientes. Portanto, com base no testemunho irrefutá vel das
Escrituras, devemos admitir que a eleiçã o ou predestinaçã o é uma
verdade estabelecida, uma verdade que deve ser aceita, caso
queiramos conhecer todo o conselho de Deus. Todo crente deve crer
em algum tipo de eleiçã o, já que, embora as Escrituras deixem de
explicar muitas coisas sobre a doutrina, elas frisam de maneira clara
o fato de que houve uma eleiçã o.
Cristo disse explicitamente aos seus discípulos: “Nã o fostes vó s que
me escolhestes a mim; pelo contrá rio, eu vos escolhi a vó s outros e
vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça”
(Joã o 15.16); desse modo ensinando que a eleiçã o divina é primá ria
e a humana é secundá ria e depende da primeira. O arminiano,
contudo, ao fazer com que a salvaçã o dependa do bom uso ou do
abuso da graça oferecida por Deus, inverte a ordem e faz com que a
escolha do indivíduo seja a primeira e decisiva. Nas Escrituras,
porém, nã o há lugar para uma eleiçã o que dependa de obras
previstas da criatura. A vontade divina nunca depende da vontade
da criatura para chegar à s suas determinaçõ es.
Reiterando, a soberania desta eleiçã o divina é também ensinada por
Paulo quando nos informa que Deus exibiu seu amor para conosco; e
quando ainda pecadores , Cristo morreu por nó s (Rm 5.8); e entã o
afirma que Cristo morreu pelos ímpios (Rm 5.6). E assim vemos que
Deus nos oferece seu amor, nã o porque éramos bons, e sim a
despeito de sermos maus. É Deus quem escolhe a pessoa e a atrai a
si (Sl 65.4). O arminianismo tira das mã os de Deus esta eleiçã o e a
coloca nas mã os do homem. Qualquer sistema que troca a eleiçã o
divina pela eleiçã o humana fica muito aquém do que as Santas
Escrituras ensinam sobre este tema.
Nos dias mais trevosos da apostasia de Israel, como em todas as
demais épocas, foi o princípio da eleiçã o que estabeleceu uma
diferença entre a humanidade e permitiu a preservaçã o de um
remanescente. “Também conservei em Israel sete mil, todos os que
nã o se dobraram a Baal, e toda boca que nã o o beijou” (1Rs 19.18).
Estes sete mil nã o se mantiveram por sua pró pria força; somos
informados explicitamente que Deus os conservou para si a fim de
que eles lhe fossem um remanescente.
É por amor aos eleitos que Deus governa o curso de toda a histó ria
(Mc 13.20). Eles sã o “o sal da terra” e “a luz do mundo”; e ao longo
de toda a histó ria sã o os poucos por meio dos quais os muitos sã o
abençoados — Deus abençoou a casa de Potifar por causa de José; e
dez justos teriam salvado a cidade de Sodoma. Certamente sua
eleiçã o envolve a oportunidade de ouvir o evangelho e receber os
dons da graça, já que sem esses meios a grande finalidade da eleiçã o
nã o poderia prevalecer. De fato, eles sã o eleitos para tudo o que
inclui a ideia da vida eterna.
Além desta eleiçã o de indivíduos para a vida, há o que poderíamos
chamar de eleição nacional , ou uma predestinaçã o divina de naçõ es
e comunidades para o conhecimento da verdadeira religiã o e para o
desfruto dos privilégios externos do evangelho. É ó bvio que Deus
escolheu algumas naçõ es para que recebam maiores bênçã os
espirituais e temporais do que outras. Esta forma de eleiçã o tem
sido ilustrada na naçã o judaica, bem como em certas naçõ es e
comunidades europeias e em certas naçõ es da América. O contraste
é bem marcante quando comparamos essas naçõ es com outras, tais
como a China, o Japã o, a Índia, entre outras.
Por todo o Antigo Testamento se afirma reiteradamente que os
judeus eram um povo escolhido. “De todas as famílias da terra,
somente a vó s outros vos escolhi” (Am 3.2). “Nã o fez assim a
nenhuma outra naçã o; todas ignoram os seus preceitos” (Sl 147.20).
“Porque tu és povo santo ao SENHOR , teu Deus; o SENHOR , teu Deus,
te escolheu, para que lhe fosses o seu povo peculiar, de todos os
povos que há sobre a terra” (Dt 7.6). Além disso, somos informados
que essa eleiçã o nã o foi por mérito ou dignidade do povo judeu, que
o fizesse diferente das demais naçõ es. “Nã o vos teve o SENHOR
afeiçã o, nem vos escolheu porque fô sseis mais numerosos do que
qualquer povo, pois éreis o menor de todos os povos; mas porque o
SENHOR vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos
pais, o SENHOR vos tirou com mã o poderosa e vos resgatou da casa
da servidã o, do poder de Faraó , rei do Egito” (Dt 7.7, 8). E, outra vez:
“Tã o somente o SENHOR se afeiçoou a teus pais para os amar; a vó s
outros, descendentes deles, escolheu de todos os povos, como hoje
se vê” (Dt 10.15). Aqui somos informados que Deus honrou a Israel,
escolhendo a diferença de como agiu em relaçã o aos demais povos
da terra; que essa eleiçã o se baseou unicamente no amor imerecido
de Deus; e que nã o teve nenhum fundamento no pró prio Israel.
Quando o Espírito Santo proibiu a Paulo de pregar o evangelho na
província da Á sia, apresentando-lhe a visã o de um homem europeu
que lhe rogava, dizendo: “Passa à Macedô nia e ajuda-nos”, uma parte
do mundo foi excluída soberanamente dos privilégios do evangelho,
enquanto outra parte recebeu tais privilégios. Se esse chamado
divino viesse da parte litorâ nea da Índia, Europa e América, tais
naçõ es seriam hoje menos civilizadas que os nativos do Tibete. Foi a
soberana eleiçã o de Deus que levou o evangelho aos povos da
Europa e mais tarde à América, enquanto muitos do leste, do norte e
do sul foram deixados em trevas. Nã o podemos assinalar a razã o,
por exemplo, por que foi a semente de Abraã o, e nã o a dos egípcios
ou assírios, que Deus escolheu; ou por que a Grã Bretanha ou a
América do Norte, que no tempo em que Cristo se manifestou na
terra se encontravam em um estado de tã o completa ignorâ ncia,
possuindo hoje, em tã o elevado grau, grandes privilégios espirituais
e os divulgam a outros em tantos lugares. As diversidades que
existem no tocante aos privilégios espirituais nas diferentes naçõ es
têm contribuído e ainda vã o contribuir ú nica e absolutamente pela
boa vontade de Deus.
A terceira forma de eleiçã o que as Escrituras ensinam é a de
indivíduos para os meios externos da graça, a saber, para que se
ouça e se leia o evangelho; para que se forme associaçã o com o povo
de Deus e para a participaçã o dos benefícios da civilizaçã o que tem
surgido onde o evangelho tem penetrado. Nã o há pessoa que tenha
tido a oportunidade de dizer em que época particular da histó ria do
mundo; ou em que país; ou de que raça havia de nascer. Uma criança
nasce com saú de, riqueza e honra, numa terra favorecida, em um lar
cristã o e é criada no meio de todas as bênçã os que acompanham a
plena luz do evangelho. Outra, por sua vez, nasce em pobreza e
desonra; de pais maus e perdulá rios e destituídos de influências
cristã s. Todas essas coisas sã o determinadas por Deus de maneira
soberana. Certamente, ninguém insistiria que uma criança
favorecida possui mérito pessoal que poderia ser a causa dessa
diferença. Além do mais, nã o foi o pró prio Deus que determinou
criar-nos seres humanos, à sua imagem, quando poderia muito bem
criar-nos bois ou cavalos ou cã es? Quem admitiria que animais
irracionais proferissem injú rias contra Deus por considerar sua
condiçã o na vida como algo injusto? Todas essas distinçõ es se
devem à soberana providência de Deus e nã o à escolha humana. “Os
arminianos tentam conciliar tudo isso com as suas noçõ es
deficitá rias e equivocadas da soberania divina e com as suas
doutrinas anti-bíblicas da graça e da redençã o universais. Mas eles
mesmos nã o se sentem satisfeitos com as suas tentativas de explicar
estas coisas, e comumente continuam a admitir que há mistérios em
tais assuntos que nã o podem ser explicados, e que, portanto, devem
ser atribuídos à soberania de Deus e aos seus conselhos
inescrutá veis.” [45]
Talvez possamos mencionar ainda uma quarta classe de eleiçã o — a
de indivíduos para certas vocaçõ es, como, por exemplo, os talentos
especiais que capacitam a um para ser estadista, a outro para ser
médico, ou advogado, ou agricultor, ou mú sico, ou artesã o e os dons
da beleza pessoal, como inteligência, disposiçã o, etc. Estas quatro
classes de eleiçã o sã o essencialmente iguais. Os arminianos,
portanto, nada resolvem aceitando a segunda, a terceira e a quarta
classe, porém rejeitando a primeira. Em cada caso, Deus dá a uns o
que recusa a outros. As condiçõ es que observamos ao nosso redor e
nossas pró prias experiências na vida cotidiana nos demonstram que
as bênçã os outorgadas sã o soberanas e incondicionais, e
independem de quaisquer méritos ou açõ es prévias dos que as
recebem. Se somos grandemente favorecidos, resta-nos tã o somente
agradecer a Deus por suas bênçã os; se nã o o somos, nã o temos
motivo para queixar-nos. A razã o por que uns sã o colocados em
circunstâ ncias que os conduzem à fé salvadora, enquanto outros
nunca sã o colocados em tais circunstâ ncias, constitui um mistério.
Nã o podemos explicar as operaçõ es da providência divina; mas, se
sabemos que o Juiz de toda a terra agirá com justiça, sabemos que
quando alcançarmos o conhecimento perfeito veremos que Deus
tem suficientes razõ es para tudo o que ele tem feito.
Além do mais, pode-se dizer que em geral as condiçõ es externas que
cercam o indivíduo determinam o seu destino — ao menos até o
ponto em que os que nã o ouvem o evangelho nã o têm a
oportunidade de se salvar. Cunningham escreveu a respeito: “Há
uma relaçã o invariá vel estabelecida no governo de Deus no mundo
entre o desfruto de privilégios externos, ou os meios de graça, de um
lado, e a fé e a salvaçã o, do outro; de modo que a negaçã o do
primeiro implica na negaçã o do segundo. As Escrituras confirmam
essa verdade, já que onde Deus, em sua soberania, nã o concede aos
homens os meios de graça — ou seja, a oportunidade de conhecer a
ú nica vereda da salvaçã o —, ao mesmo tempo, nã o lhes concede a
oportunidade e o poder para que creiam e sejam salvos”. [46]
Os calvinistas sustentam que Deus lida nã o só com a humanidade
em sua totalidade, mas também com os indivíduos que realmente
sã o salvos, e que ele elegeu pessoas particulares para a vida eterna e
todos os meios conducentes para alcançarem essa vida. Admitem
que algumas passagens que mencionam a eleiçã o se referem
somente à escolha de naçõ es ou à escolha de privilégios externos;
porém sustentam que muitas outras passagens ensinam claramente
uma eleiçã o de indivíduos para a vida eterna.
No entanto, há aqueles que negam completamente que exista tal
coisa como eleiçã o. A pró pria palavra os assusta como se fosse um
fantasma saído das sombras e ao qual jamais viram antes. Todavia,
só no Novo Testamento, as palavras ekletos , ekloga e eklego ( eleito ,
eleição , escolher ) aparecem umas quarenta e oito vezes (consulte-
se uma boa concordâ ncia para a lista completa). Outros aceitam o
termo, porém tentam explicá -lo à sua pró pria maneira. Professam
crer numa “eleiçã o incondicional”, baseada, como supõ em, na fé e
obediência previstas por Deus. Dita explicaçã o, como se poderá
notar, anula o verdadeiro sentido do termo e, além do mais, reduz a
eleiçã o a um mero reconhecimento ou profecia de que em algum
tempo futuro determinados indivíduos hã o de possuir tais
qualidades. Se na realidade a eleiçã o estivesse baseada na fé e
obediência, entã o, como cinicamente se tem dito, Deus é prudente
em escolher somente aqueles que de antemã o vê que escolherã o a si
mesmos. No sistema arminiano, a eleiçã o fica reduzida a um mero
termo ou nome, cujo uso só serve para obscurecer e complicar o
tema. Reconhecer de antemã o que tais qualidades existiram em
algum indivíduo, num tempo futuro, nã o pode, com justiça, ser
chamado eleiçã o. Alguns arminianos, ao ensinarem que a pessoa
pode ou nã o aceitar, e que depois de haver aceitado pode afastar-se
outra vez, identificam o tempo do decreto da eleiçã o com a morte do
crente, como se só entã o sua salvaçã o fosse assegurada.
A eleiçã o inclui nã o apenas seres humanos, mas também anjos, já
que estes sã o também parte da criaçã o de Deus e estã o sob seu
governo. Alguns destes sã o santos e felizes; outros sã o pecaminosos
e miserá veis. Cremos na predestinaçã o de anjos pelas mesmas
razõ es que cremos na predestinaçã o de seres humanos. As
Escrituras fazem referência a “anjos eleitos” (1Tm 5.21) e a “santos
anjos” (Mc 8.38), em contraste com anjos maus ou demô nios. As
Escrituras afirmam que “Deus nã o perdoou aos anjos que pecaram,
mas que os precipitou no inferno, entregando-os a abismos de
trevas, reservando-os para juízo” (2Pe 2.4). A Bíblia fala também do
“fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos” (Mt 25.41); e que
“a anjos, os que nã o guardaram seu estado original, mas
abandonaram seu pró prio domicílio, ele tem guardado sob trevas,
em algemas eternas, para o juízo do grande dia” (Jd 6); e “Miguel e
seus anjos pelejaram contra o dragã o” (Ap 12.7). Na visã o de
Dabney, estas passagens nos ensinam que “há duas classes de
espíritos: anjos santos e anjos pecadores; servos de Cristo e servos
de Sataná s. Todos os anjos foram criados num estado de santidade e
felicidade, e habitaram na regiã o chamada o céu (a santidade e
bondade de Deus sã o prova suficiente de que nunca os criou de
outra maneira); os anjos maus, ao pecarem, caíram voluntariamente
do seu estado original e foram excluídos do céu e da santidade para
todo o sempre; aqueles que foram eleitos por Deus mantiveram seu
estado de santidade e bem-aventurança no qual foram confirmados
para sempre”. [47]
Paulo nã o tenta explicar-nos como Deus pode ser justo ao exibir
misericó rdia para com quem quer e passar por alto a quem quer. Em
resposta a objeçõ es, “Por que, pois, ele culpa” à queles a quem nã o
estendeu misericó rdia, o apó stolo simplesmente põ e tudo na conta
da soberania de Deus, contestando: “Quem és tu, ó homem, para
discutires com Deus? Porventura, pode o objeto perguntar a quem o
fez: Por que me fizeste assim? Ou nã o tem o oleiro direito sobre a
massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outra para
desonra?” (Rm 9.20, 21). (Notemos bem que Paulo nã o diz que estes
fossem diferentes tipos de barro, e sim “da mesma massa”; que
Deus, como oleiro, faz um vaso para honra e outro para desonra.) O
apó stolo nã o tenta tirar Deus de seu trono para trazê-lo perante
nossa razã o humana a fim de ser questionado e examinado. Os
conselhos secretos de Deus, os quais até mesmo os anjos adoram
com temor e anelam contemplá -los, nã o sã o explicados
detalhadamente, mas somos informados que eles estã o em
conformidade com o beneplá cito divino. E ao declarar-nos essas
coisas, é como se Paulo estendesse sua mã o para impedir-nos de
tentarmos avançar mais. Se fosse certa a suposiçã o arminiana de
que a todos os seres humanos foi dada graça suficiente, e que cada
um é recompensado ou castigado conforme o uso ou abuso dessa
graça, entã o nã o teria havido nenhuma dificuldade para resolver.
PROVA BÍBLICA ADICIONAL
2Ts 2.13; Mt 24.24; 24.31; Mc 13.20; 1Ts 1.4; Rm 11.7; 1Tm 5.21;
Rm 8.33; 11.5; 2Tm 2.10; Tt 1.1; 1Pe 1.2; 2.9; 5.13; 1Ts 5.9; At 13.48;
Jo 17.9; 6.37; 6.65; 13.18; 15.16; Sl 105.6; Rm 9.23; (vejam-se
também as referências já citadas neste capítulo; Ef 1.4, 5, 11; Rm
9.11-13; 8.29, 30, etc.).
6. Infralapsarianismo e supralapsarianismo
Entre os calvinistas tem havido alguma diferença de opiniã o quanto
à ordem dos eventos no plano divino. A pergunta que tem surgido
aqui é: quando surgiram os decretos da eleiçã o e da reprovaçã o,
levavam-se em conta ou nã o os homens como já caídos? Estes foram
contemplados como os objetos desses decretos, como membros de
uma massa pecadora e corrupta, ou foram contemplados
meramente como homens, a quem Deus havia de criar? De acordo
com a posiçã o infralapsariana, a ordem dos eventos é como segue:
Deus se propô s (1) criar; (2) permitir a queda; (3) eleger uma
grande multidã o dentre essa massa de seres caídos para a vida e
felicidade eternas, e deixar o restante sofrer o justo castigo por seus
pecados, assim como deixou o diabo e os anjos apó statas; (4) dar
seu Filho, Jesus Cristo, para a redençã o dos eleitos; e (5) enviar o
Espírito Santo para aplicar aos eleitos a redençã o comprada por
Cristo. De acordo com a posiçã o supralapsariana, a ordem dos
eventos é: (1) eleger para a vida alguns seres humanos que estavam
ainda para ser criados e condenar o restante à destruiçã o; (2) criar;
(3) permitir a queda; (4) enviar Cristo para redimir os eleitos; e (5)
enviar o Espírito Santo para aplicar aos eleitos a redençã o de Cristo.
A pergunta é: o decreto da eleiçã o surge antes ou depois do decreto
da queda?
Um dos principais motivos do esquema supralapsariano é a ênfase
que ele põ e sobre a ideia de que Deus procede com base em certas
distinçõ es e entã o aplica a ideia a todos os procedimentos de Deus
para com os homens. No entanto, cremos que o supralapsarianismo
exagera a importâ ncia desta ideia. Além do mais, deve-se notar que
tal ideia nem sempre pode ser aplicada consistentemente; por
exemplo, na criaçã o e, especialmente, na queda. Os objetos do
decreto de criar nã o visavam meramente a alguns membros da raça
humana, mas a toda a humanidade, a qual, além do mais, possuía
uma só natureza. E nã o foram meramente algumas pessoas que ele
permitiu que caíssem, mas toda a raça. O supralapsarianismo se
coloca numa posiçã o tã o extrema, por um lado, como, por outro
lado, faz o universalismo. Somente o esquema infralapsariano é em
si mesmo consistente com os fatos.
Em relaçã o a esta diferença, o Dr. Warfield escreve: “O mero fato de
se formular uma pergunta, por si só parece conduzir à contestaçã o.
O trato de Deus com os homens, com ambos os grupos, os eleitos e
os nã o eleitos, tem por base o pecado; nã o se pode falar de salvaçã o
nem tampouco de reprovaçã o sem antes levar em conta o pecado.
Necessariamente, o pecado antecede no pensamento; nã o à ideia
abstrata de uma diferença que envolve o destino de uns para a
salvaçã o e de outros para o castigo. Nã o se pode falar de um decreto
que discrimina entre os homens com referência à salvaçã o e o
castigo; portanto, sem antes postular um decreto que contempla tais
homens como pecadores”. [66]
E, para o mesmo propó sito, o Dr. Charles Hodge disse: “É um
princípio bíblico claramente revelado que onde nã o há pecado nã o
pode haver condenaçã o. ... Deus tem misericó rdia de um e de outro,
nã o, segundo seu beneplá cito, já que todos sã o igualmente
destituídos de méritos e, portanto, culpados. ... Em todas as partes
(como em Rm 1.24, 26, 28) se assinala que a reprovaçã o é um ato
judicial, baseado na pecaminosidade do seu objeto. De outro modo,
nã o poderia ser uma manifestaçã o da justiça de Deus”. [67]
Que pessoas inocentes, que nã o sã o contempladas como pecadoras,
sejam preordenadas à miséria e morte eterna, nã o está em harmonia
com as ideias de Deus apresentadas nas Escrituras. Os decretos
concernentes aos salvos e aos perdidos nã o devem ser vistos como
que baseados meramente numa soberania abstrata. Ainda que seja
certo que Deus é soberano, contudo sua soberania nã o é exercida de
forma abstrata, e sim em harmonia com seus demais atributos,
especialmente com os da sua justiça, santidade e sabedoria. Deus
nã o pode cometer pecado; e neste sentido ele se acha limitado, ainda
que fosse mais correto falar de sua incapacidade de cometer pecado
como uma de suas perfeiçõ es. Prontamente se percebe mistério em
ambos os sistemas; mas o sistema supralapsariano parece ir além do
mistério e entrar em contradiçã o.
As Escrituras sã o praticamente infralapsarianas — estas afirmam
que os crentes foram eleitos do mundo (Jo 15.19); o oleiro tem
poder sobre o barro “para fazer da mesma massa um vaso para
honra e outro para desonra” (Rm 9.21); e tanto os eleitos quanto os
nã o eleitos sã o contemplados originalmente no mesmo estado de
miséria. Além do mais, o sofrimento e a morte sã o apresentados
como o salá rio do pecado. O esquema infralapsariano se harmoniza
com as nossas ideias de justiça e misericó rdia; ao menos, está isento
da objeçã o arminiana de que Deus simplesmente cria alguns seres
humanos para condená -los. Agostinho, e a grande maioria dos que
desde sua época têm sustentado a doutrina da eleiçã o, têm sido e
sã o infralapsarianos — isto é, creem que foi da massa de seres
humanos caídos que alguns foram eleitos para a vida eterna,
enquanto outros foram condenados à morte eterna em virtude dos
seus pecados. Nenhuma das confissõ es reformadas ensina a posiçã o
supralapsariana; por sua vez, muitas sustentam explicitamente a
posiçã o infralapsariana, a qual, portanto, surge como a forma típica
do calvinismo. No momento podemos dizer que nã o mais de um
calvinista em cem sustenta a posiçã o supralapsariana. Muito embora
sejamos tenazmente calvinistas, nã o somos “hiper-calvinistas”. Por
“hiper-calvinista” queremos dizer alguém que sustenta a posiçã o
supralapsariana.
É sem dú vida verdade que em ambos os sistemas a soberania de
Deus na eleiçã o é sustentada e a salvaçã o, em todo seu curso, é
afirmada como obra de Deus. Os oponentes, todavia, costumam
acentuar o sistema supralapsariano, já que este, sem explicaçã o
adequada, e com mais probabilidade, enfrenta os sentimentos e
impressõ es naturais do homem. É verdade também que há coisas
que nã o podem ser postas no molde do tempo — os eventos
relacionados com os decretos nã o estã o na mente divina como estã o
nas mentes humanas; isto é, como uma sucessã o de atos, um apó s
outro; senã o que, mediante um só ato divino, Deus ordenou todas
essas coisas. Na mente divina, o plano é uma unidade, e cada parte
está desenhada em relaçã o a uma série de fatos que Deus propô s
resultarem das outras partes. Todos os decretos sã o eternos. Todos
estã o relacionados de maneira ló gica muito embora nã o cronoló gica.
Nã o obstante, para se falar inteligentemente deles é necessá ria certa
sucessã o em nosso pensamento. Quando falamos ou pensamos, por
exemplo, no dom da santificaçã o ou da glorificaçã o, nó s os vemos
naturalmente como decretos posteriores aos da criaçã o e da queda.
Com respeito ao ensino da Confissão de Westminster sobre este
ponto, o Dr. Charles Hodge faz o seguinte comentá rio: “Twiss,
presidente desse venerá vel corpo (a Assembleia de Westminster),
era um inflexível supralapsariano; todavia, a grande maioria dos
membros da Assembleia era do outro grupo. Os símbolos daquela
Assembleia, ainda que claramente impliquem a posiçã o
infralapsariana, se portaram de tal maneira que nã o ofenderam aos
que adotavam a teoria supralapsariana. A Confissão de Westminster
reza que ‘Deus ordenou os eleitos para a vida eterna, e colocou o
resto da humanidade, segundo o conselho inescrutá vel da sua
vontade, a qual estende a sua misericó rdia ou deixa de fazê-lo como
lhe apraz, para a gló ria do seu soberano poder sobre as suas
criaturas, passá -los por alto, ordenando-os à desonra e à ira em
virtude do seu pecado, para o louvor da sua gloriosa justiça’. O que
aqui se ensina é que aqueles a quem Deus passa por alto constituem
o ‘resto da humanidade’; nã o o resto de homens ideais ou possíveis,
mas o resto daqueles seres humanos que constituem a raça humana.
Em segundo lugar, a passagem citada ensina que os nã o eleitos sã o
passados por alto e ordenados à ira ‘por causa dos seus pecados’.
Isto implica que eram contemplados como pecadores antes desta
preordenaçã o para juízo. A posiçã o infralapsariana pode ser vista de
maneira ainda mais clara na contestaçã o à s perguntas 19 e 20 do
Breve catecismo . Ali se ensina que toda a humanidade perdeu a
comunhã o com Deus pela queda e se encontra sob sua ira e
maldiçã o, e que Deus, com base em seu beneplá cito, elegeu alguns (
alguns daqueles que se encontravam sob a sua ira e maldiçã o) para a
vida eterna. Esta tem sido a doutrina da maioria dos agostinianos
desde a época de Agostinho até a atualidade’”. [68]
1. Exposiçã o da doutrina. 2. O valor infinito da expiaçã o feita por Cristo. 3. O
propó sito e a aplicaçã o da expiaçã o sã o limitados. 4. A obra de Cristo como o
perfeito cumprimento da lei. 5. Um resgate. 6. O propó sito divino no sacrifício
de Cristo. 7. A exclusã o dos nã o eleitos. 8. O argumento baseado na presciência
de Deus. 9. Certos benefícios que se estendem à humanidade em geral.
1. Exposição da doutrina
A pergunta que temos de discutir sob o tema “expiaçã o limitada” é:
Cristo ofereceu sua vida como sacrifício por toda a humanidade, por
cada indivíduo, sem distinçã o ou exceçã o, ou a ofereceu unicamente
pelos eleitos? Em outras palavras, o sacrifício de Cristo teve o
propó sito meramente de premiar a todos os homens com a
possibilidade de serem salvos, ou seu propó sito foi o de assegurar a
salvaçã o daqueles que lhe foram dados pelo Pai? Os arminianos
sustentam que Cristo morreu igualmente por todos; enquanto os
calvinistas sustentam que, segundo a intençã o e o plano de Deus,
Cristo morreu unicamente pelos eleitos ; e que sua morte só teve uma
relaçã o incidental com o resto dos homens à medida que estes
participam da graça comum. Talvez pudéssemos ver o significado
mais claramente usando a frase “redençã o limitada”, em vez de
“expiaçã o limitada”. Sem dú vida, a expiaçã o é estritamente uma
transaçã o infinita; teologicamente, a limitaçã o surge na aplicaçã o
dos benefícios da expiaçã o, isto é, na redençã o. Mas, visto que o uso
teoló gico da frase “expiaçã o limitada” está bem estabelecido, e o seu
significado é bem conhecido, continuaremos usando-a.
A Confissão de fé de Westminster reza a respeito desta doutrina:
“Assim como Deus destinou os eleitos para a gló ria, assim também,
pelo eterno propó sito da sua vontade, preordenou todos os meios
conducentes a esse fim; os que, portanto, sã o eleitos, achando-se
caídos em Adã o, sã o remidos por Cristo; sã o eficazmente chamados
para a fé em Cristo, pelo seu Espírito que opera no tempo devido;
sã o justificados, adotados, santificados e guardados pelo seu poder,
por meio da fé salvífica. Além dos eleitos nã o há nenhum outro que
seja remido por Cristo, eficazmente chamado, justificado, adotado,
santificado e salvo”. [81]
Como se poderá notar, esta doutrina se depreende necessariamente
da doutrina da eleiçã o. Se desde a eternidade Deus se propô s salvar
uma porçã o da humanidade e ao resto, nã o, seria contraditó rio
afirmar que a sua obra tem referência igual a ambas as porçõ es; ou,
que ele enviou o seu Filho para morrer pelos que havia predestinado
nã o salvar, no mesmo sentido em que o enviou para morrer pelos
que havia escolhido para a salvaçã o. Estas duas doutrinas se
mantêm ou caem juntas. Seria iló gico aceitar uma e rejeitar a outra.
Se Deus elegeu alguns para a vida eterna e a outros, nã o, entã o é
ó bvio que o propó sito primordial da obra de Cristo foi redimir os
eleitos.
5. Um resgate
As Escrituras afirmam que Cristo foi um resgate pelos seus
escolhidos — “O Filho do homem nã o veio para ser servido, mas
para servir e para dar a sua vida em resgate de muitos” (Mt 20.28).
Note que este versículo nã o diz que ele deu a sua vida por todos , e
sim por muitos . A natureza de um resgate é tal que, quando é pago e
aceito, automaticamente põ e em liberdade a pessoa a favor de quem
ele foi pago. De outro modo, nã o se poderia chamá -lo de resgate . A
justiça demanda que aqueles a favor de quem se paga o resgate
sejam eximidos de qualquer outra obrigaçã o adicional. Portanto, se
o sofrimento e a morte de Cristo foram um resgate a favor de todos
os homens, e nã o unicamente a favor dos eleitos, entã o os méritos
da sua obra deveriam ser comunicados a todos igualmente e a pena
do castigo eterno nã o poderia ser infligida a ninguém. Deus seria
injusto se infligisse duas vezes o terrível castigo, primeiro ao
substituto, e entã o aos pró prios homens. Concluímos, pois, que a
expiaçã o de Cristo nã o se estende a todos os homens, senã o que se
limita à queles a favor de quem ele agiu como Fiador; isto é, aos que
compõ em a sua verdadeira igreja.
2. A necessidade de mudança
Os méritos da obediência e do sofrimento de Cristo sã o suficientes,
adequados e oferecidos gratuitamente a todos os homens. Surge,
porém, a pergunta: Por que um é salvo e o outro continua perdido?
Qual a razã o de uns se arrependerem e crerem, enquanto outros,
com os mesmos privilégios externos, rejeitam o evangelho e
continuam impenitentes e na incredulidade? O calvinista afirma que
é Deus quem faz a diferença entre um e o outro; Deus persuade
eficazmente uns a irem a ele; o arminiano, por sua vez, atribui a
diferença aos pró prios homens.
Os calvinistas afirmam que a condiçã o dos homens, desde a queda, é
tal que sã o entregues a si mesmos para que continuem em seu
estado de rebeldia, rejeitando toda a oferta de salvaçã o. Nesse caso,
Cristo teria morrido em vã o; mas, como lhe foi prometido que ele
veria o fruto da afliçã o da sua alma e ficaria satisfeito, os resultados
do seu sacrifício nã o podem depender do capricho da vontade
mutá vel e pecaminosa do homem; antes, a obra de Deus na redençã o
veio a ser eficaz pela açã o do Espírito Santo, o qual opera nos eleitos
de tal modo que sã o conduzidos à fé e ao arrependimento e, assim,
se tornam herdeiros da vida eterna.
As Escrituras ensinam que o homem, em seu estado natural, está
totalmente corrompido e que nunca pode alcançar a santidade e a
felicidade por suas pró prias forças. Espiritualmente, o homem está
morto, e, para que seja salvo, terá que ser através de Cristo. A
pró pria razã o comum nos informa que, se uma pessoa se encontra
tã o alienada espiritualmente que se acha inimizada com Deus, como
o homem está em seu estado natural, ele necessita de ser libertado
de tal condiçã o antes que possa nutrir algum desejo de fazer a
vontade de Deus. Caso o pecador queira a salvaçã o através de Cristo,
ele tem primeiramente que receber uma nova disposiçã o; tem que
nascer de novo e do alto (Jo 3.3). No caso do diabo e dos demô nios,
por exemplo, é fá cil ver como as suas naturezas teriam que ser
mudadas soberanamente caso fossem alvos da salvaçã o; os
princípios pecaminosos inatos que movem o homem apostatado de
Deus sã o da mesma natureza, ainda que nã o tã o intensos como os
que movem os anjos apó statas. Se o homem está morto em pecado,
entã o nada menos que o poder sobrenatural e vivificador do
Espírito Santo poderia movê-lo a fazer aquilo que é espiritualmente
bom. Se o homem pudesse entrar no céu com a sua velha natureza, o
céu seria para ele o inferno, já que estaria em desarmonia com o seu
meio ambiente. O homem, em seu estado natural, detestaria
intensamente o ambiente celestial e se sentiria miserá vel na
presença de Deus. Portanto, a obra interna do Espírito Santo
constitui uma necessidade absoluta.
O primeiro movimento rumo à salvaçã o, por parte do homem nã o
regenerado, teria a mesma probabilidade de surgir como teria um
corpo morto de voltar à vida pelos seus pró prios esforços ou
iniciativa. A regeneraçã o é um dom soberano de Deus, concedido
gratuitamente aos eleitos; e somente Deus possui o poder de levar a
bom termo esta grande obra de re-criaçã o. O dom da regeneraçã o
nã o pode ser concedido aos homens por haver-se previsto neles
alguma coisa boa, já que em sua natureza nã o regenerada os homens
sã o incapazes de agir com motivos retos para com Deus; portanto,
nã o se prevê neles nenhuma boa obra. O homem nã o regenerado
nã o pode se dar conta adequadamente da sua condiçã o de
impotência total; ao contrá rio, ele imagina que pode reformar-se por
conta pró pria e voltar-se para Deus, caso o queira. Além disso, ele
imagina que pode frustrar os propó sitos da Sabedoria infinita e
derrotar a força da pró pria Onipotência. No dizer do Dr. Warfield: “O
pecador necessita nã o de incentivos nem de auxílios para salvar a si
pró prio, mas carece sim de salvaçã o; e Jesus Cristo veio nã o para
aconselhar, nem para estimular, nem para solicitar, nem para ajudar
o homem a salvar a si pró prio, e sim para salvá -lo”.
8. A graça comum
Além da graça especial que redunda na salvaçã o dos escolhidos, há
também o que poderíamos chamar de “graça comum”, ou as
influências gerais do Espírito Santo, nas quais participam, em maior
ou menor grau, todos os homens. Deus faz nascer seu sol sobre bons
e maus, e envia a chuva sobre justos e injustos. Também envia
tempos frutíferos e outorga muitas outras coisas que redundam na
felicidade geral da humanidade. Entre as bênçã os mais comuns que
procedem desta fonte poderíamos mencionar a saú de, a
prosperidade material, a inteligência, os talentos para a arte, a
mú sica, a orató ria, a literatura, a arquitetura, o comércio, as
invençõ es, etc. Muitas vezes os nã o eleitos recebem essas bênçã os
em maior abundâ ncia do que os eleitos; já que, com frequência,
vemos que os filhos deste século, para a sua pró pria geraçã o, sã o
mais sá bios do que os filhos da luz. A graça comum é a fonte de toda
ordem, refinamento, cultura, virtude comum, etc. que vemos no
mundo e através dela se intensifica o poder moral da verdade no
coraçã o e na consciência dos homens e as paixõ es vis sã o refreadas.
A graça comum nã o redunda na salvaçã o, mas impede que este
mundo seja um inferno. Impede a efetuaçã o completa do pecado
assim como a intuiçã o humana impede a fú ria dos animais
selvagens. Impede a manifestaçã o do pecado em toda a sua vileza, e
assim impede que as chamas vivas brotem do fogo fumegante. A
graça comum, assim como a pressã o atmosférica, é universal e
poderosa, mesmo quando nã o é sentida.
Todavia, a graça comum nã o extirpa a raiz do pecado no indivíduo, e
por isso nã o pode produzir uma conversã o genuína. Através da luz
da natureza, as operaçõ es da consciência e, especialmente, através
da apresentaçã o externa do evangelho se faz conhecido ao homem o
que ele deve fazer. Além disso, tais influências gerais do Espírito
Santo podem ser resistidas. As Escrituras ensinam que o evangelho
só é eficaz quando acompanhado pelo poder iluminador e especial
do Espírito, e à parte desse poder ele é pedra de tropeço para os
judeus e loucura para os gentios. Equivale dizer, o homem nã o
regenerado jamais poderá conhecer a Deus além de uma forma
externa; por essa razã o, as Escrituras rezam que a justiça externa
dos escribas e fariseus nã o é justiça alguma. Jesus disse aos seus
discípulos que o mundo nã o pode receber o Espírito da verdade,
“porque nã o o vê nem o conhece”; porém, acrescenta
imediatamente: “Vó s o conheceis, porque ele habita convosco e
estará em vó s” (Jo 14.17). A doutrina arminiana destró i a distinçã o
entre a graça eficaz e a graça comum; e quando muito faz da graça
eficaz uma corroboraçã o sem a qual a salvaçã o é impossível;
enquanto a doutrina calvinista considera a graça eficaz por cuja
assistência a salvaçã o é assegurada.
Com respeito à s reformas produzidas pela graça comum, diz o Dr.
Charles Hodge: “Com frequência ocorre que os homens que foram
imorais mudam toda a sua maneira de viver. Assumem uma conduta
externamente correta, e agem com moderaçã o, pureza, honestidade
e benevolência. Tal mudança é excelente, louvá vel e em grande
medida benéfica à pró pria pessoa e aos que a cercam. Algumas das
causas que produzem tal mudança sã o: o poder da consciência, uma
consideraçã o para com a autoridade de Deus e um temor pela sua
reprovaçã o; uma consideraçã o para com a boa opiniã o dos homens,
ou uma consideraçã o pelos seus interesses pessoais. Mas, seja qual
for a causa imediata de tais reformas, elas estã o muito longe da
santificaçã o. As duas coisas diferem em sua natureza, tanto quanto
um coraçã o limpo difere de roupas limpas. Tais reformas externas
nã o mudam o cará ter interno do homem aos olhos de Deus. Tal
pessoa segue nã o amando a Deus nem nutrindo fé em Cristo, e
carece de toda boa obra e de afetos santos”. [94] E o Dr. Hewlitt
afirma: “Acaso um cadá ver poderá despertar-se no tú mulo ao mais
suave som musical ou mesmo aos ruídos mais estrepitosos?
Evidentemente, nã o. E tampouco o pecador pode despertar-se,
estando o mesmo morto em delitos e pecados, nem pelo troar da lei
nem pela doce melodia do evangelho. ‘Pode, acaso, o etíope mudar a
sua pele ou o leopardo as suas manchas? Entã o, poderíeis fazer o
bem, estando acostumados a fazer o mal’ (Jr 13.23)”. [95]
O seguinte pará grafo do Dr. S. G. Craig expõ e de maneira clara as
limitaçõ es da graça comum: “O cristianismo sustenta que toda a
educaçã o e cultura que deixa Jesus Cristo fora de consideraçã o,
ainda que torne os homens astutos, cultos e brilhantes, carece do
poder necessá rio para transformar o seu cará ter. O má ximo que tais
influências conseguem é limpar a parte externa dos vasos; mas nã o
afetarã o a natureza do seu conteú do. Aqueles que confiam
unicamente na educaçã o, na cultura e em coisas afins, creem que
tudo o que é necessá rio para mudar a oliveira silvestre em boa é
podá -la, regá -la, cultivá -la, ou coisas afins, quando, na realidade, o
que se precisa fazer é enxertá -la num talo de oliveira boa. E até que
isso seja feito, tudo mais será vã o. Com isso, nã o desestimulamos o
valor da educaçã o e da cultura, mas é como se alguém presumisse
que pode purificar as á guas de um rio para melhorar a paisagem
ribeirinha; porém nã o se pode presumir que a educaçã o e a cultura
possam, por si só s, transformar o coraçã o dos filhos dos homens. Um
antigo provérbio reza assim: ‘Tome-se uma á rvore amarga e plante-
a no jardim do É den e regue-a com as á guas do jardim; e que o anjo
Gabriel seja o jardineiro; e mesmo assim a á rvore continuará
produzindo fruto amargo’”. [96]
1. Exposição da doutrina
A doutrina da perseverança dos salvos aparece na Confissão de
Westminster nos seguintes termos: “Os que Deus aceitou em seu
Bem-amado [Filho], eficazmente chamados e santificados pelo seu
Espírito, nã o podem cair do estado de graça, nem total nem
finalmente; mas com toda a certeza hã o de perseverar nesse estado
até o fim, e estarã o eternamente salvos”. [97]
Esta nã o é uma doutrina isolada, e sim parte necessá ria do sistema
de teologia calvinista. As doutrinas da eleiçã o e da graça eficaz
implicam logicamente na salvaçã o segura daqueles que recebem
estas bênçã os. Se Deus escolheu absoluta e incondicionalmente
determinadas pessoas para a vida eterna, e se o Espírito aplica
eficazmente a essas pessoas os benefícios da redençã o, entã o a
conclusã o iniludível é que tais pessoas serã o eternamente salvas.
Historicamente, esta doutrina tem sido sustentada por todos os
calvinistas e praticamente negada por todos os arminianos.
Os que buscam refú gio em Jesus têm um só lido fundamento sobre o
qual edificar. Ainda que torrentes de erros inundem a terra e
Sataná s levante contra eles todos os poderes do mundo e toda a
iniquidade do coraçã o, ainda assim jamais fracassarã o; senã o que,
perseverando até o fim, herdarã o as mansõ es preparadas para eles
desde a fundaçã o do mundo. Os santos celestiais sã o mais felizes do
que os crentes na terra, mas sua salvaçã o nã o é mais segura do que a
destes ú ltimos. Uma vez que a fé e o arrependimento sã o dádivas de
Deus, a concessã o dessas dá divas é prova de que o propó sito divino
é salvar aqueles a quem elas sã o conferidas. A concessã o dessas
dá divas evidencia que Deus predestinou os que recebem tais
dá divas para que sejam feitos conformes a imagem do seu Filho; isto
é, sejam como Cristo no cará ter, destino e gló ria; e que Deus
concretizará o seu propó sito infalivelmente. Ninguém pode
arrebatá -los das suas mã os. Os crentes genuínos conservam em seu
interior o princípio de vida eterna, isto é, o Espírito Santo; e uma vez
que o Espírito Santo vive em seu interior, potencialmente eles sã o
santos. E ainda que seja indubitá vel que sã o submetidos a diversas
provas, e inclusive nã o vejam o que haverã o de ser, eles devem
saber que o que foi começado neles atingirá a plena perfeiçã o até o
fim; e a mesma luta que há neles é um sinal de vida e promessa de
vitó ria.
Além do mais, que os nossos oponentes nos digam com respeito aos
que sã o crentes genuínos, mas que, segundo os arminianos, caem da
graça, por que é que Deus nã o os tira do mundo enquanto ainda
estã o em um estado de graça salvadora? Certamente ninguém
ousará dizer que é porque Deus nã o pode, ou porque ele nã o prevê a
sua apostasia futura. Entã o, por que ele permite que esses objetos
do seu amor voltem ao pecado e pereçam? Se na realidade tal fosse o
caso, entã o o seu dom da vida que continua em tais pessoas outra
coisa nã o seria senã o uma maldiçã o infinita. Mas, quem creria que o
Pai celestial nã o cuida perfeitamente bem dos seus filhos? Essa
doutrina equivocada dos arminianos ensina que uma pessoa pode
ser filha de Deus hoje e filha do diabo amanhã ; que pode mudar de
um estado a outro com tamanha rapidez como muda sua mente.
Esta estú pida heresia ensina que a pessoa pode ter nascido do
Espírito, ter sido justificada, e mesmo assim ser reprovada e perder-
se eternamente, sendo a sua vontade e conduta o fator
determinante. Certamente, um Deus amoroso e soberano nã o
permitiria que os seus filhos anulem o seu amor e apostatem.
Além disso, perguntamos a nó s mesmos: se Deus sabe que
determinado crente vai rebelar-se e perecer, é possível que ele o
amasse com profundo afeto mesmo antes de sua apostasia? Se
soubéssemos que alguém, que hoje é nosso amigo, amanhã se
converterá em nosso inimigo, e nos trairá , poderíamos recebê-lo
com intimidade e confiança com que naturalmente o recebemos? O
nosso conhecimento dos seus atos futuros destruiria, em grande
medida, o nosso amor para com tal pessoa.
Ninguém negará que os redimidos no céu serã o preservados em
santidade. Mas, se Deus preserva os santos no céu sem violar a sua
liberdade, nã o poderia ele de igual modo preservar em santidade os
crentes na terra sem violar a liberdade deles?
A natureza da mudança efetuada na regeneraçã o é suficiente
garantia de que a vida comunicada haverá de ser permanente. A
regeneraçã o é uma mudança radical e sobrenatural da natureza
interior, mediante a qual a alma é vivificada espiritualmente, e a
nova vida implantada é imortal. Uma vez que tal mudança ocorre na
natureza interior, isso ocorre numa esfera sobre a qual o homem
nã o tem controle. Nenhuma criatura tem a liberdade de mudar os
princípios fundamentais da sua natureza, já que isso é prerrogativa
de Deus como Criador. Daí, nada que nã o fosse outra obra
sobrenatural de Deus poderia revogar tal mudança e fazer com que
a nova vida desaparecesse. O crente nascido de novo nã o pode
deixar de ser filho do seu Pai celestial, como tampouco um filho aqui
na terra pode deixar de ser filho do seu pai natural. A crença
arminiana de que um crente pode apostatar e perecer surge de um
conceito errô neo do que é em si o princípio da vida espiritual
comunicada à alma na regeneraçã o.
2. A perseverança não depende das nossas boas obras, e sim da
graça de Deus
Paulo ensina que os crentes nã o estã o subordinados à lei , e sim à
graça ; e que, uma vez que nã o estã o subordinados à lei, entã o nã o
podem ser condenados por haverem violado a lei. “Porque o pecado
nã o terá domínio sobre vó s; pois nã o estais debaixo da lei, e sim da
graça” (Rm 6.14). O pecado já nã o pode ser a causa da perdiçã o dos
crentes, uma vez que estes estã o sujeitos à graça e já nã o sã o
tratados conforme as suas obras. “E, se é pela graça, já nã o é pelas
obras; do contrá rio, a graça já nã o é graça” (Rm 11.6). “... porque a
lei suscita a ira; mas onde nã o há lei, também nã o há transgressã o”
(Rm 4.15). “... porque, sem lei, está morto o pecado” (Rm 7.8). Isto é,
onde a lei foi abolida, a pessoa nã o pode ser submetida ao castigo
em decorrência do pecado. “Assim, meus irmã os, também vó s
morrestes relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo” (Rm
7.4). O que tenta ganhar, pelos seus pró prios esforços, mesmo que
seja a mínima parte da salvaçã o, “está obrigado a guardar toda a lei”
(Gl 5.3). Equivale dizer, render perfeita obediência à lei pelas suas
pró prias forças. Como se pode ver, trata-se de dois sistemas de
salvaçã o radicalmente distintos, diametralmente opostos um ao
outro.
O amor infinito, misterioso e eterno de Deus para com os crentes é
uma garantia de que jamais se perderã o. Este amor divino nã o está
sujeito a flutuaçõ es, mas é tã o imutá vel como o pró prio Ser de Deus.
Além disso, ele é gratuito, e tem-se apoderado de nó s mais
fortemente do que nó s a ele. Ele nã o tem por base o atrativo dos
seus objetos. “Nisto consiste o amor: nã o em que nó s tenhamos
amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como
propiciaçã o pelos nossos pecados” (1Jo 4.10). “Mas Deus prova o seu
pró prio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por nó s,
sendo nó s ainda pecadores. Logo, muito mais agora, sendo
justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque,
se nó s, quando inimigos, fomos reconciliados com Deus mediante a
morte do seu Filho, muito mais, estando já reconciliados, seremos
salvos pela sua vida” (Rm 5.8-10). Estes versículos enfatizam o fato
de que a nossa posiçã o para com Deus não se baseia em nossos
méritos pessoais . “Sendo inimigos”, Deus nos deu vida espiritual pela
sua graça soberana; portanto, se por nó s ele fez o má ximo, nã o fará
também o mínimo? O escritor da carta aos Hebreus, ao dizer que
Cristo é o “Autor e Consumador da nossa fé”, nos ensina ser
impossível que um dos escolhidos de Deus se perca. Esta passagem
nos ensina que todo o curso da nossa salvaçã o foi planejado e é
dirigido por Deus mesmo. Nem a graça de Deus, nem a contínua
operaçã o dessa graça no crente devem provir de méritos pessoais.
Portanto, se algum crente pudesse cair da graça, seria porque Deus
retirou dele essa graça, o que significaria que Deus mudou o seu
método de proceder, isto é, que ele colocou novamente a pessoa
debaixo do sistema da lei.
Robert L. Dabney expressou esta verdade com muita habilidade no
seguinte pará grafo: “O amor soberano e imerecido é a causa da
vocaçã o eficaz do crente (Jr 31.3; Rm 8.30). E, como a graça é
imutá vel, o efeito também o é. O efeito é a contínua comunicaçã o da
graça ao crente em quem Deus começou uma boa obra. Deus nã o foi
induzido a dar a sua graça ao pecador, em primeira instâ ncia, por ter
visto algo meritó rio ou atrativo no pecador que se arrepende;
portanto, a subsequente ausência de todo bem no pecador nã o pode
ser um motivo novo para que Deus retire dele a sua graça. Quando
Deus conferiu a sua graça ao pecador, ele sabia perfeitamente bem
que este era totalmente depravado e aversivo; portanto, nem a
ingratidã o, nem a infidelidade, por parte do pecador convertido,
podem ser motivos que induzam Deus a mudar o seu parecer ou
retirar dele a sua graça. Deus tinha ciência de toda essa ingratidã o
antes mesmo de conferir-lhe a sua graça. Deus castigará essa
ingratidã o e infidelidade retirando temporariamente o seu Espírito
Santo ou as suas mercês providenciais; mas se o seu propó sito desde
o princípio nã o fosse suportar ditos pecados, perdoando-os em
Cristo, ele nã o teria chamado o pecador, pela sua graça, em primeira
instâ ncia. Em outras palavras, as causas pelas quais Deus
determinou conferir o seu amor eletivo ao pecador se encontram
totalmente em Deus, e nã o no crente; portanto, nada no coraçã o ou
na conduta do crente pode finalmente alterar esse propó sito do
amor divino (Is 54.10; Rm 11.29; cf. Rm 5.8-10; 8.32 com toda a
passagem de Rm 28-39). Esta gloriosa passagem equivale a um
argumento que corrobora a nossa asseveraçã o: ‘Quem nos separará
do amor de Cristo?’”. [98]
O Dr. Charles Hodge escreveu: “Podemos comparar o amor de Deus,
neste aspecto, com o amor materno. Uma mã e nã o ama seu filho por
ser belo. Ao contrá rio, seu amor a conduz a fazer tudo o que é
possível para que o seu filho [ou filha] seja atraente e se mantenha
atraente. Assim também o amor de Deus, igualmente misterioso e
inexplicá vel em sua natureza, embeleza os seus filhos com as
virtudes do seu Espírito e os atavia com as belas vestes da santidade.
Somente a ideia equivocada de que Deus nos ama em razã o da nossa
pró pria bondade é que pode conduzir alguns a imaginar que o amor
divino depende de algum atrativo pessoal inerente a nó s mesmos”.
[99]
Com respeito à salvaçã o dos eleitos, Lutero diz que “o decreto divino
da predestinaçã o é imutá vel e seguro; e a sua execuçã o é igualmente
inalterá vel, e há de ser levado a bom termo com absoluta certeza. Se
ele dependesse de nó s mesmos, que somos tã o débeis, bem poucos,
ou, melhor, ninguém seria salvo; Sataná s venceria a todos nó s”.
Quanto mais meditamos sobre essas verdades, mais agradecidos
deveríamos sentir-nos ante o fato de que a nossa perseverança em
santidade, e a nossa segurança na salvaçã o, nã o dependem de nossa
débil natureza, e sim do contínuo poder sustentador de Deus. Com
Isaías podemos dizer: “Se o Senhor dos Exércitos nã o nos tivesse
deixado um remanescente, seríamos como Sodoma e semelhantes a
Gomorra”. O arminianismo nega a doutrina da perseverança em
razã o de ser um sistema nã o proveniente da pura graça, mas da
graça e das obras; e num sistema tal a pessoa tem de provar que é ao
menos parcialmente merecedora da graça.
7. Prova bíblica
A prova proveniente das Escrituras em prol desta doutrina é
abundante e clara. Consideraremos agora algumas destas passagens.
“Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulaçã o, ou angú stia,
ou perseguiçã o, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está
escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos
considerados como ovelhas para o matadouro. Em todas estas
coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que
nos amou. Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a
vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente,
nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade,
nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.35-39).
“Porque o pecado nã o terá domínio sobre vó s; pois nã o estais
debaixo da lei e sim da graça” (Rm 6.14). “Em verdade, em verdade
vos digo: quem crê em mim tem a vida eterna” (Jo 6.47). “Em
verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê
naquele que me enviou tem a vida eterna, nã o entra em juízo, mas
passou da morte para a vida” (Jo 5.24). No mesmo instante em que
alguém crê, a vida eterna é uma realidade, uma possessã o presente,
e nã o meramente uma dá diva futura e condicional. “Eu sou o pã o
vivo que desceu do céu; se alguém dele comer, viverá eternamente;
e o pã o que eu darei pela vida do mundo é a minha carne” (Jo 6.51).
Nã o diz que temos de comer muitas vezes, e sim que, se comermos,
viveremos eternamente. “Aquele, porém, que beber da á gua que eu
lhe der nunca mais terá sede; pelo contrá rio, a á gua que eu lhe der
será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna” (Jo 4.14).
“Estou plenamente certo de que aquele que começou boa obra em
vó s há de completá -la até o Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). “O que a
mim me concerne, o SENHOR levará a bom termo” (Sl 138.8). “Porque
os dons e a vocaçã o de Deus sã o irrevogá veis” (Rm 11.29). “E o
testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está
em seu Filho” (1Jo 5.11). “Estas coisas vos escrevi, a fim de saberdes
que tendes a vida eterna, a vó s outros que credes no nome do Filho
de Deus” (1Jo 5.13). “Porque, com uma ú nica oferta, aperfeiçoou
para sempre quantos estã o sendo santificados” (Hb 10.14). “O
Senhor me livrará também de toda obra maligna e me levará salvo
para o seu reino celestial. A ele, gló ria pelos séculos dos séculos.
Amém” (2Tm 4.18). “Porquanto aos que de antemã o conheceu,
também os predestinou. ... E aos que predestinou, a esses também
chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que
justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.29, 30). “... nos
predestinou para ele, para a adoçã o de filhos, por meio de Jesus
Cristo, segundo o beneplá cito da sua vontade” (Ef 1.5).
Jesus disse: “Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerã o, e ninguém
as arrebatará da minha mã o. Aquilo que o meu Pai me deu é maior
do que tudo; e da mã o do Pai ninguém pode arrebatar” (Jo 10.28,
29). Podemos notar aqui que a segurança e onipotência de Deus sã o
iguais, já que a primeira descansa na segunda. Deus é mais poderoso
do que o mundo inteiro, e nem homens e nem demô nios podem
roubar-lhe uma das suas joias preciosas. Seria mais fá cil arrancar
uma estrela dos céus do que arrebatar um crente da mã o do Pai. A
salvaçã o dos crentes repousa no poder invencível de Deus; e,
portanto, o crente está fora de todo perigo de destruiçã o. Temos a
promessa de Cristo de que as portas do inferno nã o prevalecerã o
contra sua igreja; se o diabo pudesse arrebatar um aqui e outro ali, e
grandes nú meros em algumas congregaçõ es, entã o a promessa de
Cristo nã o seria segura. Em outras palavras, se um só crente pudesse
perder-se, entã o seria possível, ao menos em princípio, que todos os
crentes possam perder-se, o que converteria em nulidade as
palavras de Cristo.
Quando somos informados que “surgirã o falsos cristos e falsos
profetas operando grandes sinais e prodígios para enganar, se
possível , os pró prios eleitos” (Mt 24.24), cremos que toda pessoa,
sem preconceitos, entenderá que esta é uma afirmaçã o de que é
impossível enganar os eleitos.
A uniã o mística entre Cristo e os crentes é uma garantia de que estes
perseverarã o. “... Porque eu vivo, vó s também vivereis” (Jo 14.19).
Através dessa uniã o, os crentes participam da vida de Cristo. Cristo
está em nó s (Rm 8.10). “... Logo, nã o sou eu quem vive, mas Cristo
vive em mim” (Gl 2.20). Cristo e os crentes possuem uma vida em
comum, como a que existe entre a videira e os ramos. O Espírito
Santo habita nos redimidos de tal maneira que cada crente possui
uma reserva inesgotá vel de força.
O apó stolo advertiu os efésios: “E nã o entristeçais o Espírito de
Deus, no qual fostes selados para o dia da redençã o” (Ef 4.30). Paulo
nã o temia a apostasia, já que pô de dizer com absoluta certeza:
“Graças, porém, a Deus, que, em Cristo, sempre nos conduz em
triunfo e, por meio de nó s, manifesta em todo lugar a fragrâ ncia do
seu conhecimento” (2Co 2.14). O Senhor, falando pelos lá bios do
profeta Jeremias, disse: “Com amor eterno eu te amei” (Jr 31.3) —
que é uma das melhores provas de que o amor de Deus nã o terá fim,
já que tampouco tem começo, porquanto ele é eterno. Na pará bola
dos dois fundamentos se enfatiza o ponto de que a casa que é
edificada sobre a rocha (Cristo) nã o cai quando as tormentas da vida
a fustigarem. Nã o obstante, o arminianismo elabora outro sistema
no qual alguns dos que edificam sobre a rocha ainda caem. No salmo
23, lemos: “... e habitarei na casa do SENHOR para todo o sempre ” (v.
6). O verdadeiro crente nã o é um viajante temporá rio, e sim um
habitante permanente na casa do Senhor. Como despojam este
salmo do seu mais profundo e rico significado aqueles que ensinam
que a graça de Deus é de cará ter temporá rio!
Cristo faz intercessã o pelo seu povo (Rm 8.34; Hb 7.25), e o Pai
sempre o ouve (Jo 11.42). Portanto, o arminiano que sustenta que os
crentes podem cair da graça se vê obrigado ou a negar as passagens
que ensinam que Cristo intercede pelo seu povo, ou a negar as
passagens que ensinam que as suas oraçõ es sã o sempre ouvidas. A
realidade, contudo, é que todo crente possui uma dupla segurança:
Cristo está à destra de Deus intercedendo por nó s; e, além disso, o
Espírito Santo intercede por nó s com gemidos inexprimíveis (Rm
8.26).
Na maravilhosa promessa de Jeremias 32.40, Deus disse que
preservará os crentes da apostasia: “Dar-lhes-ei um só coraçã o,
espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coraçã o de
pedra e lhes darei coraçã o de carne; para que andem nos meus
estatutos; eles serã o o meu povo, e eu serei o seu Deus” (Ez 11.19,
20). Aqui ele promete tirar deles o “coraçã o de pedra” e dar-lhes um
“coraçã o de carne”, para que andem em suas ordenanças e guardem
os seus decretos; e para que sejam o seu povo, e ele, por sua vez, seja
o seu Deus. Pedro declarou que os crentes nã o podem apostatar, já
que sã o “guardados pelo poder de Deus mediante a fé, a fim de que
alcancem a salvaçã o que está preparada para manifestar-se no
ú ltimo tempo” (1Pe 1.5). Paulo afirmou: “Deus pode fazer-vos
abundar em toda graça, a fim de que, tendo sempre, em tudo, ampla
suficiência, superabundeis em toda boa obra” (2Co 9.8). E em
Romanos ele afirma que o servo do Senhor “estará em pé, porque o
Senhor é poderoso para o suster” (Rm 14.4).
Além de todas essas promessas, os crentes têm a promessa adicional
de que “Nã o vos sobreveio tentaçã o que nã o fosse humana; mas
Deus é fiel e nã o permitirá que sejais tentados além das vossas
forças; pelo contrá rio, juntamente com a tentaçã o, vos proverá
livramento, de sorte que a possais suportar” (1Co 10.13). O
livramento de certas tentaçõ es que lhes seriam demasiadamente
fortes é uma dá diva absoluta e livre de Deus dada aos crentes, já que
depende da sua providência quais tentaçõ es eles haverã o de
encontrar no curso das suas vidas, e das quais hã o de ser livrados.
“Todavia, o Senhor é fiel; ele vos confirmará e guardará do Maligno”
(2Ts 3.3). E: “O anjo do SENHOR acampa-se ao redor dos que o temem
e os livra” (Sl 34.7). Em meio a todas as suas provaçõ es e lutas, Paulo
pô de dizer: “Em tudo somos atribulados, porém nã o angustiados;
perplexos, porém nã o desanimados; perseguidos, porém nã o
desamparados; abatidos, porém nã o destruídos... sabendo que
aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos ressuscitará com
Jesus e nos apresentará convosco” (2Co 4.8, 9, 14).
Enquanto neste mundo, os santos sã o comparados a á rvore que nã o
murcha (Sl 1.3); a cedros que crescem no Líbano (Sl 92.12); ao
monte Siã o, que nã o se move, mas permanece para sempre (Sl
125.1); e a uma casa edificada sobre a rocha (Mt 7.24). O Senhor está
com eles em sua velhice (Is 46.4), e os guia até mesmo na morte (Sl
48.14), de modo que nã o podem perder-se total e finalmente.
Cabe-nos notar outro argumento forte no tocante à segurança dos
crentes, a saber, aquele relacionado com o livro da vida do Cordeiro.
O Senhor disse aos discípulos que se regozijavam ante o fato de que
os demô nios se lhes sujeitavam, que lhes convinha regozijar-se
muito mais porque os seus nomes estavam registrados no livro da
vida do Cordeiro. Este livro é o registro dos eleitos, determinado
pelo inalterá vel conselho de Deus, e ao qual nada se pode
acrescentar nem tirar. Os nomes dos justos estã o escritos nele desde
a fundaçã o do mundo, mas os nomes dos que se perdem nunca
foram escritos nele. Deus nã o comete o erro de escrever no livro da
vida um nome que mais tarde terá que ser apagado. Isto implica que
nenhum dos eleitos jamais se perderá . Jesus disse aos seus
discípulos que se regozijassem porque os seus nomes estavam
registrados nos céus (Lc 10.20). Tais palavras seriam destituídas de
fundamento se fosse possível que os nomes escritos nos céus
pudessem ser apagados no dia seguinte. Paulo escreveu aos
filipenses: “Nossa cidadania está nos céus” (Fp 3.20); e a Timó teo: “O
Senhor conhece os que sã o seus” (2Tm 2.19). Quanto ao ensino
bíblico sobre o livro da vida, veja Lucas 10.20; Filipenses 4.3;
Apocalipse 3.5; 13.8; 17.8; 20.12-15; 21.27.
Portanto, temos aqui umas simples e claras afirmaçõ es de que o
crente continuará na graça, em razã o de que o Senhor se propô s a si
mesmo preservá -los nesse estado. Em todas as promessas citadas
previamente, os eleitos têm uma dupla segurança. Por um lado, eles
têm a segurança de que Deus jamais se apartará deles; e, por outro,
a segurança de que Deus porá o seu temor em seus coraçõ es a fim de
que jamais se apartem dele. Certamente, nenhum crente iluminado
pelo Espírito poderá duvidar de que esta doutrina é realmente
bíblica. Seria ló gico pensarmos que o natural fosse que o homem, no
atual estado de pobreza, miséria e impotência espiritual, abrace
deleitosamente uma doutrina que lhe assegura a posse de uma vida
de eterna felicidade, a despeito de todos os ataques que vêm de fora
e todas as má s tendências que surgem de dentro. Mas nã o é assim.
Em vez disso, ele a rechaça e protesta contra ela. Nã o é difícil de
encontrar as razõ es. Em primeiro lugar, ele tem mais confiança em
si do que deveria ter. Segundo, este esquema é tã o contrá rio ao que
ele está acostumado a ver no mundo natural, que tenta convencer-se
de que este nã o pode ser correto. Terceiro, ele se dá conta de que, se
aceitar esta doutrina, terá que aceitar as demais doutrinas da livre
graça. Por isso ele tenta tergiversar e explicar a seu modo as
passagens bíblicas que a ensinam, e, assim, se aferra a outras
passagens que, superficialmente, aparentam favorecer as suas ideias
preconcebidas. Um sistema de salvaçã o somente pela graça é tã o
contrá rio ao que ele vê na vida diá ria, onde percebe que todos sã o
tratados conforme as suas obras e os seus méritos , que se lhe torna
difícil crer que tal coisa possa ser verídica. Por isso, ele anseia
conquistar a sua salvaçã o por esforços pró prios, ainda que, por
certo, espere uma recompensa mui elevada por um trabalho
demasiadamente deficiente .
7. Prova bíblica
Que esta é a doutrina da Escritura é abundantemente claro. A venda
de José ao Egito, por mã os humanas, foi um ato em extremo
pecaminoso; todavia, vemos que este foi controlado de modo que
redundasse nã o só a favor de José, mas também dos seus irmã os.
Quando remontamos este evento à sua fonte conseguimos ver que
Deus foi o seu autor e que ocupou o seu preciso lugar no plano
divino. Mais tarde, José disse aos seus irmã os: “Agora, pois, nã o vos
entristeçais, nem vos irriteis contra vó s mesmos, por me haverdes
vendido para aqui; porque, para conservaçã o da vida, Deus me
enviou adiante de vó s. Assim, nã o fostes vó s que me enviastes para
cá , e sim Deus” (Gn 45.5, 8; 50.20). A Bíblia afirma que Deus
endureceu o coraçã o de Faraó (Ê x 4.21; 9.12); e as palavras de Deus
a Faraó foram estas: “mas, deveras, para isso te hei mantido, a fim de
mostrar-te o meu poder, e para que seja o meu nome anunciado em
toda a terra” (Ê x 9.16). E disse Deus a Moisés: “Eis que endurecerei o
coraçã o dos egípcios, para que vos sigam e entrem nele [Mar
Vermelho]; serei glorificado em Faraó e em todo o seu exército, em
seus carros e em seus cavalarianos” (Ê x 14.17).
Simei amaldiçoou a Davi, porque o Senhor dissera: “pois, se o
SENHOR lhe disse: Amaldiçoa a Davi, quem diria: Por que assim
fizeste?” (2Sm 16.10, 11). Em outra ocasiã o, ao sofrer injusta
violência da parte dos seus inimigos, Davi reconheceu que “fora
Deus quem o fez”. Com respeito aos cananeus, foi dito: “Porquanto
do SENHOR vinha o endurecimento do seu coraçã o para saírem à
guerra contra Israel, a fim de que fossem totalmente destruídos e
nã o lograssem piedade alguma; antes, fossem de todo destruídos,
como o SENHOR tinha ordenado a Moisés” (Js 11.20). Ofni e Fineias,
filhos ímpios de Eli, “nã o ouviram a voz do seu pai, porque o SENHOR
os queria matar” (1Sm 2.25).
Inclusive Sataná s e os espíritos malignos sã o utilizados para dar
cumprimento ao propó sito divino. Entã o se ordenou a um espírito
maligno que fosse e enganasse os profetas do rei Acabe a fim de
servir como instrumento da vingança divina sobre os ímpios.
“Perguntou o SENHOR : Quem enganará a Acabe, para que suba e caia
em Ramote-Gileade? Um dizia desta maneira, e outro, de outra.
Entã o, saiu um espírito, e se apresentou diante do SENHOR , e disse:
Eu o enganarei. Perguntou-lhe o SENHOR : Com quê? Respondeu ele:
Sairei e serei espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas.
Disse o SENHOR : Tu o enganará s e ainda prevalecerá s; sai e faze-o
assim. Eis que o Senhor pô s o espírito mentiroso na boca de todos
estes profetas e o SENHOR falou o que é mau contra ti” (1Rs 22.20-
23). Lemos de Saul que “era atormentado por um espírito maligno
da parte do Senhor” (1Sm 16.14). “Suscitou Deus um espírito de
aversã o entre Abimeleque e os cidadã os de Siquém; e estes se
houveram aleivosamente contra Abimeleque” (Jz 9.23). Significa que
os espíritos malignos que atormentavam os pecadores procederam
do Senhor. E é da parte do Senhor que os maus impulsos que surgem
dos coraçõ es dos pecadores tomam uma ou outra forma específica
(2Sm 24.1).
Em uma parte, somos informados que Deus, a fim de castigar um
povo rebelde, incitou Davi a fazer o censo do povo (2Sm 24.1, 10);
porém, na outra parte, se faz alusã o a este mesmo fato, informando-
nos que Sataná s foi quem castigou o orgulho de Davi e o incitou a
que fizesse o censo de Israel (1Cr 21.1). Podemos ver aqui que
Sataná s foi tomado como a vara da ira de Deus, e que Deus verga os
coraçõ es de pecadores e de demô nios para onde bem o queira.
Apesar de toda relaçã o adú ltera e incestuosa ser abominaçã o a Deus,
à s vezes ele usa esses mesmos pecados para castigar outros
pecados, como sucedeu no caso de Absalã o para castigar o adultério
de Davi. Antes que Absalã o levasse a bom termo o seu pecado, foi
comunicado a Davi que esta havia de ser a forma de seu castigo ser-
lhe aplicado: “Eis que da tua pró pria casa suscitarei o mal sobre ti, e
tomarei as tuas mulheres à tua pró pria vista, e as darei ao teu
pró ximo, o qual se deitará com elas, em plena luz deste sol” (2Sm
12.11). Como podemos ver, esses fatos nã o foram, em todos os
sentidos, contrá rios à vontade de Deus.
Em 1 Crô nicas 10.4, lemos que “Saul tomou a espada e se lançou
sobre ela”. Este ato foi deliberado e pecaminoso. No entanto, tal ato
cumpriu, por sua vez, a justiça divina e o propó sito divino que fora
revelado anos antes acerca de Davi; já que um pouco mais adiante
lemos: “e também, porque interrogara e consultara uma
necromante, e nã o ao SENHOR , que, por isso, o matou e transferiu o
reino a Davi, filho de Jessé” (1Cr 10.13, 14). Em certo sentido, lemos
que é Deus quem faz o que permite ou impele as suas criaturas a
fazer.
O mal ameaçado contra Jerusalém em razã o da sua apostasia é
descrito como vindo diretamente de Deus (2Rs 22.20). O salmista
reconheceu que até mesmo o ó dio dos seus inimigos fora incitado
por Jeová a fim de castigar um povo rebelde (Sl 105.25). Isaías
reconheceu que até mesmo a apostasia e desobediência de Israel
estavam no plano divino: “Ó SENHOR , por que nos fazes desviar dos
teus caminhos? Por que endureces o nosso coraçã o, para que nã o te
temamos? Volta, por amor dos teus servos e das tribos da tua
herança” (Is 63.17). Em 1 Crô nicas 5.22, lemos: “Porque muitos
caíram feridos à espada, pois de Deus era a peleja”. O néscio
procedimento de Roboã o que resultou na captura do reino foi
“desígnio do Senhor” (1Rs 12.15). Temos tudo isso resumido na
passagem de Isaías, que disse: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço a
paz e crio o mal; eu, o SENHOR , faço todas estas coisas” (Is 45.7); e no
livro de Amó s, onde lemos: “Tocar-se-á a trombeta na cidade, sem
que o povo se estremeça? Sucederá algum mal à cidade, sem que o
SENHOR o tenha feito?” (Am 3.6).
Uma aná lise do Novo Testamento revela a mesma doutrina. Já
demonstramos que a crucifixã o de Cristo foi parte do plano divino.
Ainda que a sua morte fosse realizada por mã os de ímpios que
ignoravam a importâ ncia do evento que estavam realizando, nã o
obstante “Deus, assim, cumpriu o que dantes anunciara por boca de
todos os profetas: que o Cristo havia de padecer” (At 3.18). A
crucifixã o foi o cálice que o Pai lhe deu para beber (Jo 18.11). Estava
escrito: “Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho ficarã o dispersas”
(Mt 26.31). Quando Moisés e Elias apareceram a Jesus no monte da
transfiguraçã o, “falavam da sua partida, que ele estava para cumprir
em Jerusalém” (Lc 9.31). Com respeito à sua morte, Jesus afirmou:
“Porque o Filho do homem, na verdade, vai segundo o que está
determinado, mas ai daquele por intermédio de quem ele está sendo
traído!” (Lc 22.22); e novamente: “Nunca lestes nas Escrituras: A
pedra que os construtores rejeitaram, essa veio a ser a principal
pedra, angular; isto procede do Senhor e é maravilhoso aos nossos
olhos?” (Mt 21.42); e em nenhuma outra ocasiã o o Senhor ensinou
mais claramente que a cruz era parte do plano divino do que no
Jardim de Getsêmani, quando disse: “Adiantando-se um pouco,
prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se
possível, passa de mim este cá lice! Todavia, nã o seja como eu quero,
e sim como tu queres” (Mt 26.39). Jesus se entregou
deliberadamente para ser crucificado, quando poderia muito bem
ter chamado “mais de doze legiõ es de anjos”, caso o quisesse (Mt
26.53). Pilatos cria que tinha poder para crucificar ou para soltar o
Senhor; este, porém, lhe respondeu que, se isso nã o lhe fosse dado
de cima, nã o teria nenhum poder (Jo 19.10, 11).
Era parte do plano divino que Cristo viesse ao mundo, sofresse e
morresse morte violenta, a fim de expiar os pecados do seu povo.
Portanto, Deus simplesmente permitiu que homens pecadores
pusessem sobre ele essa vil carga, e guiou os atos deles para a sua
pró pria gló ria na redençã o do mundo. Os que crucificaram a Cristo
agiram em perfeita harmonia com a liberdade das suas naturezas
pecaminosas, e eles foram os ú nicos responsá veis pelo seu pecado.
Nessa ocasiã o, como em muitas outras, Deus fez com que a ira do
homem redundasse no seu louvor. Seria difícil expressar em
linguagem mais explícita a ideia de que o plano de Deus se estende a
todas as coisas que aquela utilizada aqui pelos escritores bíblicos. A
crucifixã o no Calvá rio, portanto, nã o foi uma derrota, e sim uma
vitó ria; e o grito “Está consumado!” manifesta o glorioso êxito da
obra redentora que o enalteceu como o Filho. O que “está escrito de
Jesus nas Escrituras do Antigo Testamento tem nele o seu infalível
cumprimento; e dele está suficientemente escrito ali para assegurar
aos seus seguidores que no curso da sua vida e até mesmo no
aparentemente estranho e inesperado fim ele nã o foi vítima da
casualidade ou do ó dio dos homens, em consequência do qual a sua
obra fosse malograda ou, talvez, inclusive a sua missã o ficasse
frustrada; senã o que seguiu passo a passo rumo à meta o caminho
marcado nos conselhos da eternidade, e o qual foi suficientemente
revelado desde os tempos antigos, nas Escrituras, a ponto de
permitir que todos os que nã o sã o ‘insensatos e tardos de coraçã o
para crer tudo o que os profetas disseram’ percebam que o Cristo
teve que viver precisamente a vida que viveu e cumprir
precisamente o destino que cumpriu”. [131]
Outros casos registrados no Novo Testamento também ensinam a
mesma liçã o. Quando Deus rejeitou os judeus como povo, nã o foi
sem propó sito nem meramente a fim de que “caíssem”; mas para
que, pela sua transgressã o, viesse a salvaçã o dos gentios, para
provocá -los a ciú me, a fim de que estes também abraçassem o
cristianismo (Rm 11.11). Lemos que a cegueira de um homem nã o
foi causada pelo seu pecado ou o dos seus pais, mas para dar a Jesus
oportunidade de manifestar o seu poder e gló ria restaurando-lhe a
vista; ou, como o expressa o escritor bíblico: “mas para que se
manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9.3). A afirmaçã o do Antigo
Testamento de que o propó sito de Deus em levantar Faraó foi o de
demonstrar o seu poder e proclamar o seu nome é reiterada em
Romanos 9.17. Este ensino geral atinge o seu ponto má ximo na
afirmaçã o de Paulo de que “todas as coisas cooperam para o bem
dos que amam a Deus , dos que são chamados segundo o seu
propósito ” (Rm 8.28).
Se, como afirmam as Escrituras, Deus preordenou a crucifixã o de
Cristo e os demais eventos que temos mencionado, entã o ninguém
pode negar que Deus preordenou o pecado. Que as obras
pecaminosas têm o seu lugar no plano divino é ensinado reiteradas
vezes. E se tal coisa ofende algumas pessoas, entã o, uma vez mais,
instamos com elas que considerem quantas vezes as Escrituras
declaram que os juízos de Deus sã o “insondá veis”. Daí, os que
afirmam que a nossa doutrina faz Deus o autor do pecado suscitam
esta objeçã o nã o só contra nó s, mas também contra Deus; já que a
nossa doutrina é claramente aquela que Deus ensina.
2. Resultados práticos
A genuína tendência dessas verdades nã o é fazer os homens
indolentes e displicentes, e sim de comunicar energia e estímulo aos
seus esforços. Com frequência, heró is e conquistadores, como César
e Napoleã o, se sentiram possuídos do senso de destino. Este senso
comunica serenidade, infunde novos brios e imprime a invencível
determinaçã o de levar a bom termo o esforço até o fim colimado.
Metas extensas e difíceis só podem ser alcançadas por pessoas que
têm confiança em si e que nã o permitem que os obstá culos que
porventura encontrem as desanimem. “Uma vez abraçada esta ideia
de destino”, disse Mozley, “por ser o efeito natural do senso de
poder, serve para aumentar grandemente tal senso. Tã o logo a
pessoa se considere predestinada para alcançar algum grande fim,
ela age com muito mais vigor e constâ ncia para alcançá -lo; ela nã o
se sente dividida por dú vidas ou debilitada por escrú pulos ou
temores; ela crê plenamente que se sairá triunfantemente, e esta
convicçã o é o maior auxílio para o êxito. Em grande medida, a ideia
de um destino conduz à sua pró pria concretizaçã o. Vale dizer que
isso diz respeito ao homem moral e espiritual, bem como ao homem
natural, e se aplica a metas e propó sitos religiosos tanto quanto a
metas e propó sitos que têm a ver com a gló ria humana”. [138]
Em seu pequeno, porém valioso livro, The Creed of the Presbyterians
[O credo dos presbiterianos], E. W. Smith escreve: “O mais
confortante e enobrecedor é também o mais vigoroso dos credos.
Que a sua sombria caricatura, a doutrina fatalista, haja inspirado nos
coraçõ es humanos uma energia ao mesmo tempo sublime e
espantosa é um acontecimento comum da histó ria. O impulso
avassalador do maometismo durante os seus primó rdios, mediante
o qual logrou estabelecer-se no oriente e mediante o qual quase
conquistou o ocidente, deveu-se à convicçã o dos seus seguidores de
que as suas conquistas nã o estavam em outra coisa senã o no
cumprimento dos decretos de Alá . O que sustentou Á tila, o uno, em
sua terrível e destrutiva marcha foi a sua convicçã o de que ele fora
destinado a ser o ‘azorrague de Deus’. A energia e audá cia que
permitiram a Napoleã o tentar e alcançar aparentes impossibilidades
foram alentadas pela convicçã o secreta de que ele era ‘o homem do
destino’. O fatalismo deu origem a uma raça de titã s, os quais
manifestaram uma energia sobre-humana, por se considerarem
instrumentos de um poder sobre-humano.
“Se a sombria caricatura desta doutrina [fatalismo] alentou tal
energia, a genuína doutrina da predestinaçã o deve inspirar uma
energia ainda mais sublime; já que todo o verdadeiramente
inspirador nela se manifesta com força ainda maior quando, em vez
de um destino cego ou de uma deidade fatalista, substituímos tudo
isso por um Deus sá bio que decretou todas as coisas. Ela me faz
sentir que em todo dever a cumprir, que em toda reforma
necessá ria, outra coisa nã o estou fazendo senã o cumprir o eterno
propó sito de Jeová ; ela me faz ouvir em todo o meu corpo, em toda
batalha a favor do bem, o som das Reservas Infinitas em marcha; e
serei soerguido para além de todo medo do homem ou da
possibilidade do fracasso final.” [139]
Em um perió dico britâ nico, The Daily Express , de 18 de abril de
1929, aparece um artigo sobre Earl Haig, que era Comandante em
Chefe dos exércitos britâ nicos durante a Primeira Guerra Mundial; e
que, além do mais, era escocês presbiteriano calvinista. “O aspecto
mais extraordiná rio da personalidade de Haig é que o reservado,
frio e formal militar tinha uma fé profunda; e nas mais severas crises
da guerra ele cria implicitamente que a sua ajuda viria do alto; e
considerava a si mesmo como o escolhido do Senhor, o ú nico
Cromwell que podia vencer o inimigo. O Sr. Haig estava
genuinamente convencido de que a posiçã o da qual havia sido
chamado era aquela que somente ele podia ocupar no exército
britâ nico. E nã o era orgulho. Nã o havia ninguém menos inclinado a
subestimar o seu pró prio valor ou capacidade; era a opiniã o baseada
no discernimento de todos os fatores. Ele chegou a considerar-se,
com uma fé quase calvinista, como o instrumento predestinado da
providência para alcançar a vitória a favor dos exércitos britânicos.
Sua pujante confiança em si mesmo foi reforçada pela concepção que
tinha de si mesmo como o filho do destino ”.
A tendência genuína dessas verdades é, como já dissemos
previamente, nã o a de tornar os homens indolentes e displicentes,
nem a de adormecê-los nas fraudas da presunçã o e da segurança
carnal, mas a de infundir-lhes vigor e inspirar neles genuína
confiança. Tanto a razã o quanto a experiência nos ensinam que,
quanto maior é a esperança de êxito, mais forte é o motivo para o
esforço. A pessoa que se sente segura no uso de meios apropriados
possui o maior dos incentivos ao esforço; de outro lado, onde há
pouca esperança haverá pouca disposiçã o para o esforço; e onde nã o
há esperança, também nã o há nenhum esforço. Portanto, o crente
que possui os mandamentos de Deus e a promessa de que o esforço
dos que obedecem e reverentemente fazem uso dos meios
apropriados serã o abençoados, possuem o maior dos incentivos à
diligência. Além disso, o crente é elevado e inspirado pela firme
convicçã o de que ele mesmo está destinado a uma coroa celestial.
Quem ensinou a doutrina da eleiçã o mais claramente ou em
linguagem mais convincente do que o apó stolo Paulo? E, no entanto,
quem foi mais zeloso e mais incansá vel em suas labutas do que ele?
O seu ensino o converteu em missioná rio e o impeliu a proclamar o
cristianismo como o credo final e triunfante. Quã o alentador foi para
ele, em Corinto, ouvir as palavras: “Nã o temas; pelo contrá rio, fala e
nã o te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te
mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (At 18.9, 10). E que maior
incentivo ao esforço lhe foi dado, de que a sua pregaçã o haveria de
ser o meio divinamente estabelecido para a conversã o de muitas
dessas pessoas? Note bem que Deus nã o lhe disse quantas pessoas
ele tinha naquela cidade, nem quem eram elas. O ministro do
evangelho pode seguir em frente confiante no êxito, sabendo que,
por este meio estabelecido por Deus, ele determinou salvar um
grande nú mero de pessoas em cada época. De fato, um dos maiores
incentivos à s missõ es é que o evangelismo deve satisfazer a vontade
de Deus para o mundo inteiro; e somente quando se reconhece a
soberania de Deus em todas as esferas da vida é que também se
sente a mais profunda paixã o pela gló ria divina.
A experiência da igreja em todas as épocas tem sido que esta
doutrina tem conduzido os homens nã o à negligência nem a uma
insensível indiferença nem a uma rebelde oposiçã o a Deus, e sim à
submissã o e a uma só lida confiança no poder divino. A promessa
feita a Jacó de que a sua posteridade haveria de ser uma grande
naçã o de modo algum o impediu de fazer uso de todos os meios
disponíveis para a sua proteçã o quando parecia que Esaú de fato o
mataria, a ele e a toda a sua família. Quando Daniel entendeu pelas
profecias de Jeremias que o tempo para a restauraçã o de Israel
estava para se cumprir, ele se dedicou a orar intensamente por isso
(Dn 9.3). Logo depois que se revelou a Davi que Deus estabeleceria a
sua casa, este orou intensamente em prol desse fato (2Sm 7.27-29).
Ainda que Cristo conhecesse o que fora estabelecido para o seu
povo, ele orou intensamente pela preservaçã o deste (Jo 17). E ainda
que a Paulo se revelasse que ele haveria de ir a Roma e ali dar
testemunho, isso de modo algum serviu para torná -lo displicente
quanto à sua vida. Ao contrá rio, tomou toda precauçã o para se
proteger de um juízo injusto da parte da turba de Jerusalém e contra
uma viagem importunante (At 23.11; 25.10, 11; 27.9, 10). O decreto
de Deus foi que todos os tripulantes do barco haveriam de se salvar,
porém esse decreto incluía o livre, corajoso eficaz esforço da parte
dos marinheiros. A liberdade e a responsabilidade dos marinheiros
nã o foram diminuídas sequer um mínimo. O efeito prá tico desta
doutrina tem sido, pois, o de conduzir os homens a frequente e
fervorosa oraçã o, sabendo eles que os seus tempos estã o nas mã os
de Deus e que cada evento das suas vidas é ordenado por Deus.
Além do mais, cabe-nos afirmar que, enquanto o pecador
permanecer ignorante da sua condiçã o perdida e sem esperança,
este continuará sendo negligente. Provavelmente nã o haja um
pecador descuidado no mundo que nã o creia em sua perfeita
capacidade de converter-se a Deus, quando bem lhe apraza; e por
razã o desta crença prorroga o seu arrependimento até o tempo mais
conveniente. Justamente à medida que aumenta a sua confiança em
sua pró pria capacidade, assim aumentará a sua negligência; e
permanece adormecido no pró prio ponto de partida da destruiçã o
eterna. Somente quando o pecador sente a sua total incapacidade e
dependência da graça soberana é que ele busca socorro unicamente
onde pode encontrá -lo.
CAPÍTULO XIX. QUE A DOUTRINA DA PREDESTINAÇÃO
APRESENTA DEUS COMO ALGUÉM QUE FAZ ACEPÇÃO DE
PESSOAS
1. Todos os sistemas enfrentam as mesmas dificuldades. 2. Deus nã o faz
acepçã o de pessoas. 3. Evidentemente, ele nã o trata a todos igualmente — ele
dá a uns o que retém de outros. 4. A parcialidade de Deus em parte é explicada
pelo fato de que ele é soberano e os seus dons sã o oriundos da graça.
1. Todos os sistemas enfrentam as mesmas dificuldades
Se todos os homens estã o mortos em pecado, e carecem de poder
para restaurar a si pró prios à vida espiritual, entã o surge a
pergunta: por que Deus exerce o seu poder para regenerar a uns
enquanto a outros ele deixa perecer? Alega-se que a justiça demanda
que todos tenham igual oportunidade; que todos tenham, seja por
natureza ou por graça, poder para alcançar a sua pró pria salvaçã o.
No entanto, cabe-nos dizer que objeçõ es como estas nã o sã o
dirigidas exclusivamente contra o sistema calvinista. Os ateus as
apresentam contra o teísmo em geral. As perguntas que geralmente
formulam sã o: se Deus é infinito em poder e santidade, por que ele
permite tanto pecado e miséria no mundo? E por que ele permite
que os ímpios prosperem por tanto tempo, enquanto os justos com
frequência sofrem pobreza e sofrimentos?
Os sistemas anti-calvinistas, contudo, nã o podem oferecer a essas
dificuldades soluçõ es verdadeiras. Se admitirmos que a regeneraçã o
é obra do pró prio pecador, e que cada pessoa possui suficiente
capacidade e conhecimento para adquirir a sua pró pria salvaçã o,
segue sendo procedente que no estado atual do mundo só
comparativamente poucos sã o salvos, e que Deus nã o intervém a fim
de impedir que a maioria das pessoas adultas pereça em seus
pecados. Os calvinistas nã o negam tais dificuldades; porém
sustentam que ditos problemas nã o pertencem exclusivamente ao
seu sistema, e ficam satisfeitos com a soluçã o parcial que as
Escrituras apresentam. Estas ensinam que o homem foi criado
santo; que deliberadamente desobedeceu à lei divina e caiu em
pecado; que, como resultado dessa queda, os descendentes de Adã o
entram no mundo em um estado de morte espiritual; que Deus
jamais os obriga a pecar, senã o que, ao contrá rio, exerce influências
que deveriam induzir as criaturas racionais a que se arrependam e
busquem esta graça a fim de serem salvas; e que pelo exercício do
seu infinito poder, vastas multidõ es, que de outro modo
continuariam em seu estado pecaminoso, sã o conduzidas à salvaçã o.
4. Considerações gerais
Nem o convite profético, “Ah! Todos vó s, os que tendes sede, vinde
à s á guas; e vó s, os que nã o tendes dinheiro, vinde, comprai e comei;
sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite” (Is
55.1), e outras referências do mesmo teor, contradizem esta
posiçã o; já que a maior parte da humanidade nã o está sedenta , e sim
morta — morta em pecado, escrava perdida e voluntá ria de Sataná s,
e incapaz de sentir fome ou sede de justiça. O convite gratuito de ir a
Cristo é recusado, nã o porque haja algo fora das pessoas que as
impeça de vir, mas porque até que nasçam de novo mediante a graça
e pela agência do Espírito Santo elas nã o têm nem vontade nem o
desejo de aceitar o convite. É Deus que comunica a vontade e gera o
desejo nos que foram predestinados para a vida (Rm 11.7, 8; 9.18).
Quem quiser pode vir; mas uma pessoa que está totalmente imersa
no paganismo, por exemplo, nã o tem a oportunidade de ouvir a
oferta de salvaçã o e, portanto, nã o pode vir. “A fé vem pelo ouvir”; e
onde nã o há fé nã o pode haver salvaçã o. Tampouco pode vir a
pessoa que ouve o evangelho, mas ainda é governada por princípios
e desejos que a fazem odiá -lo. Tal pessoa é escrava do pecado e age
de acordo com a sua natureza. Aquele que quiser pode escapar de
um edifício em chama, sempre e quando as escadas possam ser
utilizadas; mas aquele que está dormindo, ou aquele que nã o crê que
o incêndio é suficientemente perigoso que o faça fugir, nã o possui a
vontade, e, portanto, perece nas chamas. Clark afirma que “Os
arminianos nã o se cansam de citar a frase: ‘aquele que quiser, que
venha’, ou ‘aquele que crê’, dando a entender que a fé e a decisã o sã o
obras exclusivas dos homens, e, portanto, contradiz a eleiçã o
soberana. No entanto, cabe dizer que, mesmo quando as afirmaçõ es
bíblicas que os arminianos citam sejam corretas, estas nã o tocam o
ponto em questã o. O ponto vital é muito mais profundo; isto é, como
uma pessoa passa a querer? Se tal pessoa quer, certamente pode
escolher; mas a natureza pecaminosa oposta a Deus tem que ser
mudada pela palavra de Deus, pela graça de Deus, pelo Espírito de
Deus, ou pela soberana intervençã o a fim de que possa querer”. [153]
Estritamente falando, estas nã o sã o ofertas divinas feitas
indiscriminadamente a toda a humanidade, e sim dirigidas a pessoas
escolhidas e sã o ouvidas incidentalmente por outros.
Se as palavras de 2 Timó teo 2.4, as quais afirmam que Deus “quer
que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno
conhecimento da verdade”, fossem entendidas no sentido
arminiano, entã o teríamos que supor ou que Deus é frustrado em
seus desejos, ou que todos os homens, sem exceçã o, serã o salvos.
Todavia, a doutrina que atribui frustraçã o à Deidade contradiz
aquelas passagens que ensinam a soberania de Deus. A vontade de
Deus, neste aspecto, tem sido a mesma através dos séculos. Se ele
quisesse que os gentios fossem salvos, por que entã o limitou o
conhecimento do caminho da salvaçã o aos estreitos limites da
Judéia? Certamente, ninguém negará que teria sido muito fá cil fazer
chegar o evangelho tanto aos gentios quanto aos judeus. Onde ele
nã o fez provisã o de meios podemos estar certos de que nã o
determinou os fins. Vale a pena citar a resposta de Agostinho
à queles que apresentavam esta objeçã o em seus dias: “Quando o
Senhor lamenta que quis ajuntar os filhos de Jerusalém como a
galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das suas asas, porém nã o
quiseram, acaso temos de concluir que a vontade de Deus foi
vencida por um nú mero de homens débeis, de modo que o Deus
Onipotente nã o pô de realizar o que quis ou se propô s a fazer? Se
assim fosse, entã o que diríamos daquela onipotência mediante a
qual ele fez tudo o que quis no céu e na terra? Além disso, quem
seria tã o néscio que afirme que Deus nã o pode converter as
vontades perversas dos homens como deseja, quando deseja e o
quanto deseja? Ora, quando age assim, ele o faz em virtude da sua
misericórdia ; e quando nã o o faz, é movido pelo juízo que nã o o faz”.
A melhor interpretaçã o de um texto como 1 Timó teo 2.4 é a que o
interpreta como nã o se referindo a homens individualmente, mas
como a ensinar a verdade geral de que Deus é benevolente e que nã o
se deleita no sofrimento e na morte das suas criaturas. Além do
mais, podemos adicionar que, se fô ssemos interpretar as passagens
universalistas em um sentido evangélico e aplicá -las tã o
amplamente como fazem os arminianos, entã o ditas passagens
ensinariam a salvaçã o universal — um ensino que é contraditado
pelas Escrituras e que de fato nã o é mantido nem mesmo pelos
pró prios arminianos.
Como dissemos no capítulo sobre a expiaçã o limitada, há um sentido
em que Cristo morreu pela humanidade em geral. Nã o há qualquer
distinçã o de idade ou país, de cará ter ou condiçã o. A raça humana
caiu em Adã o e no sentido coletivo é redimida em Cristo. A obra de
Cristo impediu a execuçã o imediata do castigo pelo pecado em sua
relaçã o com toda a raça humana. Além do mais, a sua obra traz
muitas bênçã os temporais e físicas à humanidade em geral, e põ e o
fundamento para a oferta do evangelho a todos quantos o ouçam.
Esses resultados da sua obra se aplicam a toda a humanidade.
Todavia, isso nã o significa que ele morreu por todos igualmente e
com o mesmo propó sito.
É verdade que alguns textos, lidos isoladamente, parecem ensinar a
posiçã o arminiana. Mas, se esse fosse o caso, a Bíblia ficaria reduzida
a uma massa de contradiçõ es; porque há outros textos que ensinam
a predestinaçã o, a incapacidade, a eleiçã o, a perseverança, etc. E tais
textos de nenhuma maneira legítima podem ser interpretados em
harmonia com o arminianismo. A ú nica maneira de determinar o
significado do escritor sacro, nesses casos, é pela analogia da
Escritura. Dado que a Bíblia é a Palavra de Deus, ela é
intrinsecamente consistente. Portanto, se encontramos uma
passagem que isoladamente pode ser interpretada de duas
maneiras, uma das quais se harmoniza com o resto das Escrituras,
enquanto a outra nã o se harmoniza, somos obrigados a aceitar a
primeira. Este é um princípio reconhecido de interpretaçã o, a saber,
que as passagens mais obscuras devem ser interpretadas à luz de
passagens mais claras, e nã o vice-versa . Já demonstramos que a
evidência apresentada em defesa do arminianismo, a qual em
primeira instâ ncia aparenta possuir certa credibilidade, pode ser
interpretada legitimamente de maneira a harmonizar-se com o
calvinismo. Em vista das muitas passagens calvinistas e a ausência
de passagens genuinamente arminianas, afirmamos, sem vacilaçã o,
que o sistema calvinista é o verdadeiro.
Este é o verdadeiro universalismo das Escrituras — a cristianizaçã o
universal do mundo e a completa derrota das hostes espirituais da
maldade. Certamente isso nã o significa que cada indivíduo será
salvo, já que, sem lugar a dú vida, muitos se perdem. Assim como na
salvaçã o do indivíduo se perde muito do serviço a Cristo que seria
possível prestar, e se cometem muitos pecados, o mesmo sucede na
salvaçã o do mundo. Um nú mero considerá vel se perde; o processo
da salvaçã o, contudo, finalizará num grande triunfo, e os nossos
olhos contemplarã o “o glorioso espetá culo de um mundo salvo”. As
palavras do Dr. Warfield sã o bem apropriadas aqui: “É assim que a
raça humana atinge o objetivo para o qual foi criada, e o pecado nã o
a arrebata das mã os de Deus: o propó sito primá rio de Deus para
com a raça é cumprido; e por Cristo, a raça do homem, posto que
caída no pecado, é recuperada para Deus e cumpre o seu destino
original”. [154]
Assim que, enquanto o arminianismo nos oferece um universalismo
espú rio, o qual é, quando muito, um universalismo de oportunidade ,
o calvinismo nos oferece o verdadeiro universalismo na salvação da
raça humana . E tã o somente o calvinismo, com a sua ênfase nas
doutrinas da eleiçã o soberana e da graça eficaz, pode olhar
confiadamente para o futuro com a esperança de ver um mundo
redimido.
5. Observações adicionais
Na atual condiçã o da raça, todos os homens se encontram diante de
Deus, nã o como cidadã os de uma naçã o aos quais se deve tratar em
pé de igualdade e dar-lhes a mesma “oportunidade” de salvaçã o,
mas como criminosos culpados e condenados diante de um juiz
justo. Ninguém tem o direito à salvaçã o. A maravilha das maravilhas
nã o é que Deus nã o salve a todos, senã o que, sendo todos culpados,
ele perdoa a alguns; e a resposta à pergunta, por que Deus nã o salva
a todos?, tem de ser achada nã o na negaçã o arminiana da
onipotência da sua graça, e sim no fato de que, como afirma o Dr.
Warfield, “Deus, no seu amor, salva, da delinquente raça humana
tantos quantos lhe permite a aquiescência da sua natureza inteira”.
[158]
Por razõ es suficientes para si mesmo, Deus vê que o melhor nã o
é salvar a todos, e sim permitir a alguns que sigam os seus pró prios
caminhos e reservá -los para o castigo eterno a fim de mostrar quã o
vil é o pecado e a rebeliã o contra Deus.
As Escrituras ressaltam com frequência que a salvaçã o é pela graça,
como se antecipassem a dificuldade que os homens teriam em
entender que a salvaçã o nã o pode ser comprada pelas pró prias
obras. Também destroem a arraigada crença de que Deus é obrigado
a conferir a salvaçã o a alguém. “Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé; e isto nã o vem de vó s; é dom de Deus; nã o de obras,
para que ninguém se glorie” (Ef 2.8, 9). “E se é pela graça, já nã o é
pelas obras; do contrá rio, a graça já nã o é graça” (Rm 11.6). “Visto
que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razã o
de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado” (Rm 3.20).
“Ora, ao que trabalha, o salá rio nã o é considerado como favor, e sim
como dívida” (Rm 4.4). “Pois quem é que te faz sobressair? E que
tens tu que nã o tenhas recebido? E, se o recebestes, por que te
vanglorias, como se nã o o tiveras recebido?” (1Co 4.7). “Mas, pela
graça de Deus, sou o que sou; e a sua graça, que me foi concedida,
nã o se tornou vã ” (1Co 15.10). “Ou quem primeiro deu a ele para
que lhe venha a ser restituído?” (Rm 11.35). “Porque o salá rio do
pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em
Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 6.23).
A graça e as obras sã o conceitos que se excluem mutuamente. Seria
mais fá cil unir o pó lo norte com o pó lo sul do que conseguir a
coalizã o da graça e das obras na salvaçã o. Seria tã o absurdo falar de
um “dom comprado” quanto de uma “graça condicional” — porque,
quando a graça deixa de ser absoluta, ela também deixa de ser graça.
Portanto, quando as Escrituras afirmam que a salvaçã o é por graça,
devemos entender que, ao longo de todo o processo, a salvaçã o é
obra de Deus, e qualquer obra verdadeiramente meritó ria, feita por
algum ser humano, entra em cena meramente como resultado da
mudança operada por Deus no indivíduo.
O arminianismo destró i este cará ter puramente gratuito da
salvaçã o, e põ e no lugar dele um sistema de graça e obras. No
sistema arminiano, nã o importa quã o pequena é a parte que
desempenha as obras, sempre sã o necessá rias e consideradas como
a base da distinçã o entre os salvos e os perdidos, e por isso
propiciam que os salvos se gloriem sobre os perdidos, já que ambos,
certamente, tiveram a mesma oportunidade. Paulo, todavia, diz que
toda jactâ ncia fica excluída, e que ninguém pode se gloriar, senã o no
Senhor (Rm 3.27; 1Co 1.31). O redimido, que reconhece ter sido
salvo unicamente pela graça, traz em mente o lodaçal do qual foi
tirado, e a sua atitude para com os perdidos é de lá stima e
compaixã o, já que bem sabe que, se nã o fosse a graça de Deus, ele se
encontraria na mesma condiçã o dos que perecem. O canto do
redimido é “Nã o a nó s, ó Senhor, nã o a nó s, mas ao teu nome dá
gló ria pela tua misericó rdia e pela tua verdade”.
CAPÍTULO XXIV: A CERTEZA PESSOAL DE QUE ALGUÉM SE
ENCONTRA ENTRE OS ELEITOS
1. A base dessa certeza. 2. O ensino das Escrituras. 3. Conclusã o.
1. A base dessa certeza
Todos os cristã os genuínos podem e devem saber que estã o entre os
predestinados para a vida eterna. Como a fé em Cristo, que é um
dom de Deus, é o meio de salvaçã o e é conferida somente aos eleitos,
a pessoa que sabe que possui essa fé pode estar certa de que se
encontra entre os eleitos. A mera presença da fé, nã o importa quã o
débil seja ela, sempre e quando é uma fé genuína, é prova de
salvaçã o. “E creram todos os que haviam sido destinados para a vida
eterna” (At 13.48). A fé é um milagre da graça naqueles que já foram
salvos — uma garantia espiritual de que a sua salvaçã o já foi
“consumada” na cruz e confirmada na manhã da ressurreiçã o. Os
salvos sabem que o amor de Deus já foi derramado em seus
coraçõ es e que os seus pecados já foram perdoados. No Progresso do
Peregrino somos informados que, quando os pecados do cristã o
foram perdoados, uma pesada carga caiu dos seus ombros e ele
experimentou grande alívio. Toda pessoa convertida deve saber que
é um dos eleitos, já que o Espírito Santo renova somente aqueles que
sã o escolhidos pelo Pai e redimidos pelo Filho. “É néscio pensar que
alguém que ama sinceramente a Jesus Cristo e confia nele como o
seu Salvador e amorosamente lhe obedece como o seu Senhor ainda
careça da eleiçã o divina. Ao contrá rio, é por ser um dos eleitos de
Deus que tal pessoa pode exercer fé em Cristo para a salvaçã o da sua
alma e imitar a Cristo na conduta diá ria. É impossível que um crente
em Cristo nã o seja eleito de Deus, porque é tã o somente pela eleiçã o
divina que alguém crê em Cristo. Nã o necessitamos nem devemos
buscar em nenhum outro lugar uma prova da nossa eleiçã o. Se
cremos em Cristo e lhe obedecemos, entã o somos os seus filhos
eleitos.” [159]
Cada pessoa que ama a Deus e sente um genuíno anseio de salvaçã o
em Cristo está entre os eleitos, já que os nã o eleitos nunca
experimentam esse amor ou desejo. Os nã o eleitos, ao contrá rio,
amam o mal e aborrecem a justiça em harmonia com as suas
naturezas pecaminosas. “O indivíduo cumpre o seu dever para com
Deus e o seu semelhante? Ele é honesto, justo, caridoso e sincero? Se
a resposta é sim, e está ciente do poder para continuar nessas
virtudes, entã o pode estar certo de que foi predestinado para a
felicidade eterna.” [160]
“Nó s sabemos que já passamos da morte para a vida, porque
amamos os irmã os; aquele que nã o ama permanece na morte” (1Jo
3.14). “Todo aquele que é nascido de Deus nã o vive na prá tica de
pecado; pois o que permanece nele é a divina semente; ora, esse nã o
pode viver pecando, porque é nascido de Deus” (1Jo 3.9). Equivale
dizer, pecar vai de encontro aos princípios internos do crente.
Quando ele pondera profunda e sobriamente sobre o pecado, este
lhe soa como algo aversivo e o odeia. Do mesmo modo que um bom
cidadã o nada faz em detrimento de sua naçã o, assim o crente
verdadeiro nada faz que resulte em prejuízo do reino de Deus. Na
prá tica, ninguém neste mundo vive uma vida perfeitamente isenta
de pecado; nã o obstante, esta é a meta ideal que todo cristã o busca
alcançar.
O Dr. Warfield afirma que “em 2 Pedro 1.10, o apó stolo nos exorta a
que procuremos ‘confirmar nossa vocaçã o e eleiçã o, com diligência
cada vez maior’. Ele nã o diz que, por meio de boas obras, podemos
obter de Deus um decreto de eleiçã o em nosso favor. O que ele nos
ensina é que, cultivando o gérmen da vida espiritual implantado por
Deus, este chegue ao seu pleno florescimento — ocupando-nos de
nossa salvaçã o, nã o sem Cristo, e sim em Cristo — poderemos
alcançar a certeza da eleiçã o que professamos. As boas obras,
portanto, sã o sinal e prova da eleiçã o, e quando sã o tomadas no
sentido pleno em que Pedro as considera aqui, como o ú nico sinal e
prova da eleiçã o. Nunca poderemos saber se somos eleitos de Deus
para a vida eterna exceto por manifestar em nossas vidas os frutos
da eleiçã o — fé e virtude, conhecimento e domínio pró prio,
paciência e piedade, amor fraternal. É inú til buscar a certeza da
eleiçã o à parte de uma vida santa. Deus escolheu seu povo antes da
fundaçã o do mundo precisamente para que fossem santos. A
santidade, por ser o produto necessá rio, é, portanto, o sinal
inequívoco da eleiçã o”. [161]
No dizer de Toplady: “Uma pessoa que experimenta o poder da vida
espiritual sabe com toda certeza se sobre ela brilha o semblante de
Deus, ou se ainda anda em trevas como o viajante sabe se está
viajando sob um sol refulgente ou sob a chuva”.
Como posso saber se me encontro entre os eleitos? É como
perguntar: Como sei se sou ou nã o um cidadã o leal? Ou: Como posso
distinguir entre o preto e o branco, ou entre o doce e o amargo?
Todos nó s sabemos instintivamente qual é a nossa atitude para com
o nosso país; e as Escrituras e a consciência nos dã o evidência
igualmente clara se somos ou nã o eleitos de Deus. Todo filho ou filha
de Deus deve estar plenamente cô nscio desse fato. Paulo exortou os
coríntios: “Examinai-vos a vó s mesmos se estais na fé; provai-vos a
vó s mesmos” (2Co 13.5).
3. Conclusão
Por outro lado, nunca devemos declarar que alguém nã o é eleito,
nã o importa quã o pecador seja ele no momento, já que o Espírito
Santo ainda pode conduzir à fé e ao arrependimento até mesmo a
pessoa mais vil. A conversã o de muitos eleitos está ainda no futuro.
Por essa razã o, ninguém tem o direito de declarar positivamente a si
mesmo ou a outra pessoa definitivamente nã o eleita, já que ninguém
sabe como Deus haverá de agir para com ela ou para com outras
pessoas. Nã o obstante, podemos dizer que os que morrem
impenitentes certamente se perdem, já que as Escrituras sã o
explícitas a esse respeito.
Infelizmente, nem todo cristã o possui esta certeza de salvaçã o,
porque tal certeza provém do conhecimento dos nossos pró prios
recursos e forças morais, e o que subestima a si pró prio pode
carecer ingenuamente desta certeza. O cristã o costuma sentir-se
desanimado em razã o da sua fé ser muito frá gil, porém nem por isso
deve pensar que nã o é eleito. Quando a fé se fortalece e as noçõ es
equivocadas sobre a salvaçã o se aclaram, é privilégio e dever de
todo cristã o saber que é salvo e desvencilhar-se daquele medo da
apostasia que constantemente observa todo arminiano prá tico
enquanto continua nesta vida. Portanto, ainda que a certeza da
salvaçã o seja desejá vel e fá cil de obter por todo aquele que tenha
feito algum progresso na vida cristã , nem sempre pode utilizar esse
fato como prova para determinar se uma pessoa é ou nã o
verdadeiramente cristã .
Deus promete que todo aquele que vai a ele em Cristo nã o será
lançado fora (Jo 6.37), e que todo aquele que deseja pode beber da
á gua da vida, sem dinheiro e sem preço, e aquele que pede receberá .
A base da nossa certeza se encontra tanto dentro como fora de nó s.
Portanto, se algum cristã o genuíno nã o tem a certeza de que é
eternamente salvo, a culpa está nele, e nã o no plano de salvaçã o ou
nas Escrituras.
1. Antes da Reforma
É possível que cause algum assombro descobrir que a doutrina da
predestinaçã o nã o foi um tema especial de estudo até quase fins do
século quarto. Alguns dos pais mais antigos da igreja puseram mais
ênfase nas boas obras, tais como a fé, o arrependimento, as esmolas,
as oraçõ es, o batismo, entre outros temas, como base da salvaçã o.
Muito embora ensinassem que a salvaçã o é por intermédio de
Cristo, também sustentavam que o homem tinha poder pleno para
aceitar ou rejeitar o evangelho. Em alguns dos seus escritos, há
passagens em que se reconhece a soberania de Deus; mas, lado a
lado com estas, aparecem outras que falam da liberdade absoluta da
vontade humana. Dado que nã o pudessem conciliar estes dois
pontos, entã o se inclinaram a negar a doutrina da predestinaçã o e
possivelmente também a da presciência absoluta de Deus.
Ensinaram um tipo de sinergismo em que há uma cooperaçã o entre
a graça e o livre-arbítrio. Ao homem nã o foi fá cil abandonar a ideia
de que ele mesmo pode operar a sua pró pria salvaçã o. Ao fim,
porém, como resultado de um processo longo e lento, ele conseguiu
alcançar a grande verdade de que a salvaçã o é um soberano dom
concedido à parte de méritos pessoais, a qual foi decretada desde a
eternidade, e que Deus é o seu autor em todas as etapas. Esta
verdade cardinal do cristianismo foi vista com clareza, pela primeira
vez, por Agostinho, o grande teó logo do Ocidente. Em suas doutrinas
do pecado e da graça, Agostinho foi muito além do que conseguiram
os teó logos que o precederam, e ensinou que a eleiçã o é
incondicional e provém da mera graça, e restringiu os propó sitos da
redençã o ao círculo definido dos eleitos. Todo aquele que conhece a
histó ria eclesiá stica nã o tem como negar que Agostinho foi um
homem eminente, e que os seus labores e escritos contribuíram
mais para a promoçã o da sã doutrina e o avivamento da religiã o
genuína do que os de qualquer outro homem que tenha vivido no
período transcorrido entre Paulo e Lutero.
Antes da época de Agostinho, a igreja havia se ocupado
principalmente de corrigir as heresias que surgiam dentro da
pró pria igreja e de refutar os ataques do mundo pagã o ao seu redor.
Portanto, bem pouca atençã o se deu ao desenvolvimento
sistemá tico das doutrinas. E o fato de a doutrina da predestinaçã o
ter recebido tã o pouca atençã o durante essa época se deveu, em
grande medida, à tendência de confundi-la com a doutrina pagã do
fatalismo, que era tã o comum em quase todo o império romano. Mas
o século quarto foi um tempo de relativa tranquilidade, uma nova
era no estudo da teologia, e os teó logos lograram dar mais ênfase ao
conteú do doutrinal da sua mensagem. Agostinho foi levado a
desenvolver as suas doutrinas do pecado e da graça em parte devido
à sua experiência pessoal de conversã o, de uma vida mundana para
o cristianismo; e em parte devido à necessidade de refutar os
ensinos de Pelá gio, o qual ensinava que o homem, em seu estado
natural, tinha completa capacidade para operar a sua pró pria
salvaçã o; que a queda de Adã o nã o teve grande efeito na
humanidade, exceto para servir de mau exemplo à humanidade; que
a vida de Cristo tem valor para os homens primordialmente como
exemplo; que em sua morte Cristo foi mais ou menos como o
primeiro má rtir cristã o, e que nã o estamos sob nenhuma
providência especial de Deus. Por sua vez, Agostinho ensinou que
toda a raça humana caiu em Adã o; que todos os homens, por
natureza, sã o depravados e estã o mortos espiritualmente; que a
vontade é livre para pecar, porém nã o é livre para fazer o bem aos
olhos de Deus; que Cristo sofreu como substituto pelos eleitos; que
Deus elegeu aos que quis, sem levar em conta qualquer mérito da
parte da criatura; e que a graça salvífica é aplicada aos eleitos, pelo
Espírito Santo, de maneira eficaz. Desta maneira, Agostinho se
constituiu no primeiro e genuíno intérprete do apó stolo Paulo e fez
com que a sua doutrina fosse aceita pela Igreja.
Apó s a época de Agostinho, houve um retrocesso e se deteve o
progresso que estas doutrinas chegaram a desfrutar. Negras nuvens
da ignorâ ncia cegaram o povo. A igreja se tornou mais e mais
ritualística ao ponto de chegar a crer que a salvaçã o vinha através da
igreja externa. O sistema de méritos cresceu até chegar ao seu ponto
culminante nas “indulgências”. O papado chegou a exercer um poder
imenso, tanto na esfera política quanto na eclesiá stica, e por toda a
Europa cató lica a falta de moral chegou a ser quase intolerá vel.
Mesmo o sacerdó cio se corrompeu de maneira alarmante, e na lista
de pecados e vícios humanos nã o aparece nenhum mais imoral ou
mais ofensivo do que os que mancharam as vidas de alguns dos
papas, tais como Joã o XXIII e Alexandre VI.
Desde os dias de Agostinho até a época da Reforma, nã o se pensou
muito na doutrina da predestinaçã o. Mencionaremos apenas dois
nomes destacados desse período: Gottschalk, que foi encarcerado e
condenado por ensinar a predestinaçã o; e Wycliffe, “o luzeiro da
alvorada da Reforma”, que viveu na Inglaterra. Este foi um
reformador do tipo calvinista, que proclamava a soberania de Deus e
a predestinaçã o de todas as coisas. O seu sistema de fé era muito
parecido com o que mais tarde Lutero e Calvino ensinaram. Os
valdenses, igualmente, podem ser mencionados, já que em certo
sentido eram “calvinistas” antes da Reforma, sendo a predestinaçã o
uma das suas doutrinas.
2. A Reforma
Em essência, a Reforma foi um ressurgimento do agostinianismo, e
através dela o cristianismo evangélico logrou uma vez mais um
lugar de honra. É preciso ter em mente que Lutero, o primeiro líder
da Reforma, era um monge agostiniano e que foi de sua rigorosa
teologia agostiniana que formulou o seu grande princípio de
justificação pela fé somente . Lutero, Calvino, Zuínglio e todos os
demais reformadores que se destacaram nesse período eram firmes
crentes na predestinaçã o. Em sua obra, The Bondage of the Will [A
servidã o da vontade], Lutero apresentou a doutrina tã o
enfaticamente como qualquer outro dos teó logos reformados.
Melanchton, em seus primeiros escritos, considerou a predestinaçã o
como sendo o princípio fundamental do cristianismo , ainda que mais
tarde modificasse esta posiçã o e elaborou um tipo de “sinergismo”
em que Deus e o homem têm que cooperar no processo da salvaçã o.
A posiçã o que a Igreja Luterana adotou em seus primó rdios no que
tange à predestinaçã o foi se modificando de modo gradual até que
fosse descartada completamente, rejeitando a sua forma calvinista e
passou a sustentar em seu lugar uma doutrina de graça e expiaçã o
universais, a qual sustenta até hoje. O lugar que Lutero ocupa na
Igreja Luterana no que tange a esta doutrina parece-se com a que
Agostinho ocupa na Igreja Cató lica Romana — isto é, ele é
considerado como um herege de tã o irrecusá vel autoridade, que é
mais admirado do que censurado.
Em grande medida, Calvino edificou sobre o fundamento de Lutero.
A sua compreensã o dos princípios bá sicos da Reforma foi mais clara,
o que lhe permitiu desenvolvê-los de maneira mais completa e
aplicá -los mais amplamente. Poderíamos dizer que Lutero enfatizou
a salvaçã o pela fé e o seu princípio fundamental foi mais ou menos
subjetivo e antropoló gico, enquanto Calvino enfatizou o princípio da
soberania de Deus e desenvolveu um princípio mais objetivo e
teoló gico. O luteranismo era, antes, uma religiã o de um homem que,
depois de uma longa e dolorosa busca, encontrou a salvaçã o e ficou
satisfeito em desfrutar a luz da presença de Deus; enquanto o
calvinismo, nã o satisfeito com isso, prosseguiu indagando como e
por que Deus salvou o homem.
Na opiniã o de Froude, “as congregaçõ es luteranas se viram
libertadas da superstiçã o, mas somente pela metade, e nã o tiveram
â nimo para continuar a luta até o seu ponto culminante. E medidas
pela metade significavam indiferença e convicçõ es pela metade e
uma miscelâ nea de verdade e erro. Medidas pela metade nã o
podiam extinguir as fogueiras que Felipe da Espanha acendeu nem
levantar homens na França ou na Escó cia para fazer-lhes frente aos
príncipes da casa de Lorena. Era uma premente necessidade para os
reformadores se colocarem numa posiçã o mais definida e acharem
um líder de convicçõ es inflexíveis. Joã o Calvino veio a ser esse líder.
Em tempos difíceis, fazem falta homens de cará ter firme, cujos
intelectos possam penetrar as pró prias raízes de onde a verdade
pode ser distinguida das mentiras. Fica mal aos defensores da
religiã o quando ‘o aná tema’ se encontra em seu pró prio
acampamento. E isto se pode dizer de Calvino, que até onde permitia
o estado do conhecimento, nenhum olho pô de detectar de um modo
mais agudo as partes defeituosas do credo da igreja, nem houve um
reformador na Europa tã o resoluto em pô r à prova, extirpar e
destruir o que com clareza se manifestava como falso, e fazer a
verdade a regra da vida prá tica até a sua ú ltima fibra”. [187]
Este é o testemunho do famoso historiador da Universidade de
Oxford. Os escritos de Froude revelam claramente que ele nã o
amava o calvinismo; e, de fato, muitas vezes era chamado um crítico
do calvinismo. As suas palavras, portanto, simplesmente expressam
as conclusõ es imparciais de um grande erudito que observa o
sistema e o homem cujo nome leva dito sistema desde a posiçã o
imparcial da investigaçã o erudita.
Em outra conexã o, Froude afirma: “Os calvinistas têm levado a
alcunha de intolerantes. Mas intolerâ ncia para com um inimigo que
busca matá -lo me parece ser uma atitude justificá vel. Os cató licos
decidiram adicionar ao seu já incrível credo um novo artigo, a saber,
que tinham o direito de enforcar e queimar a todos os que nã o
estivessem de acordo com eles; e nesta luta os calvinistas, com a
Bíblia em mã os, apelaram para o Deus das batalhas. Entã o se
fizeram cada vez mais severos, ferozes — ou, talvez, se poderia dizer
— mais faná ticos. E era muito natural que fosse assim. Eles
meditavam muito, como homens piedosos em geral se inclinam a
fazer em tempo de sofrimento e dor, no poder providencial do que
tudo dispõ em. Desse modo, a sua carga se fez mais leve ao
considerarem que Deus havia determinado que a suportassem. Mas,
a despeito de tudo isso, eles atraíram para as suas fileiras quase
todos os da Europa Ocidental que ‘aborreciam a mentira’. Ainda que
derribados, conseguiram pô r-se novamente em pé. Ainda que
fracionados, nenhuma força conseguiu subjugá -los. Detestaram,
mais que qualquer outro grupo de homens, toda mentira, toda
impureza, todo mal moral até onde pudessem reconhecê-lo como
tal. Todo o temor de praticar o mal que porventura exista na
Inglaterra e Escó cia, neste momento, é vestígio das convicçõ es
gravadas no coraçã o dos povos pelos calvinistas. E ainda que isso
nã o chegasse a destruir o romanismo, que ainda perdura e ainda
pode perdurar por muito tempo, nã o obstante conseguiram
arrancar-lhe os seus dentes; forçaram-no a abandonar esse
detestá vel princípio pelo qual arrogava para si o direito de matar
aqueles que dissentiam dele. Além disso, pode-se dizer que, por
haver envergonhado o romanismo até que abandonasse a sua
corrupçã o prá tica, os calvinistas tornaram possível que o
romanismo revivesse”. [188]
Durante a Reforma, a Igreja Luterana nã o se separou tã o
completamente da Igreja Romana como fez a Igreja Reformada. De
fato, alguns luteranos assinalaram com orgulho que o luteranismo
foi uma “reforma moderada”. Muito embora os protestantes
apelassem para a Bíblia como a autoridade final, a tendência no
luteranismo foi a de preservar todo o antigo sistema que nã o tinha
necessariamente de ser descartado, enquanto a tendência na Igreja
Reformada foi a de descartar tudo quanto nã o tinha que ser
preservado. De igual modo, no que diz respeito à relaçã o entre a
igreja e o Estado, os luteranos permitiram que os príncipes nã o só
exercessem grande influência na igreja, mas também determinaram
a religiã o em seus domínios — uma tendência que conduz ao
estabelecimento de uma igreja do Estado — enquanto os
reformados prontamente exigiram a separaçã o total da Igreja e o
Estado.
Como foi dito anteriormente, a Reforma foi na essência um
ressurgimento do agostinianismo. No ponto de partida, as igrejas
luteranas e as reformadas mantiveram a mesma posiçã o no tocante
ao pecado original, à eleiçã o, à graça eficaz, à perseverança, etc.
Estas doutrinas, portanto, constituíram o verdadeiro
protestantismo. No dizer de Hastie, “o princípio da predestinaçã o
absoluta foi nem mais nem menos que o poder hercú leo da Reforma,
em seus primó rdios, através do qual ela conseguiu estrangular as
serpentes da superstiçã o e da idolatria tanto na Alemanha como em
outros lugares; e quando perdeu a sua força no seu primeiro lar, ela
continuou sendo a medula e a coluna dorsal da fé na Igreja
Reformada, e o poder que a conduziu triunfante por todas as lutas e
provas”. [189] No dizer de Rice, “um fato que fala muito em prol do
calvinismo é que a mais gloriosa revoluçã o na histó ria da igreja no
mundo desde os dias dos apó stolos foi efetuada pelas bênçã os de
Deus sobre as suas doutrinas”. [190] E vale dizer que o arminianismo
como sistema era desconhecido nos dias da Reforma. Nã o foi até
1784, quase três séculos depois, que esse sistema foi defendido por
uma igreja organizada. Assim como no quinto século houve dois
sistemas contrá rios, conhecidos como o agostinianismo e o
pelagianismo, mais tarde surgindo o sistema de abrandamento
conhecido como o semi-pelagianismo, da mesma maneira na
Reforma houve dois sistemas, o protestantismo e o romanismo,
aparecendo mais tarde o arminianismo, ou que se poderia chamar o
semi-protestantismo. Em cada caso houve dois sistemas fortemente
opostos entre si, com o subsequente surgimento de um sistema
conciliató rio.
3. O calvinismo na Inglaterra
A histó ria da Inglaterra demonstra que foi o calvinismo que
permitiu que o protestantismo triunfasse ali. Muitos dos
protestantes mais influentes que foram a Genebra durante o reinado
da rainha Maria, mais tarde alcançaram elevadas posiçõ es na igreja
sob o reinado de Elizabete. Entre estes se encontravam os
tradutores da versã o da Bíblia denominada de Genebra, a qual, que
se diga de passagem, deve muito a Calvino e a Beza, e a qual
continuou sendo a versã o inglesa mais popular até meados do
século dezessete, quando foi substituída pela versã o do rei James
[ou Tiago]. A influência de Calvino pode ser vista nos Trinta e Nove
Artigos da Igreja da Inglaterra, particularmente no artigo XVII, o
qual confessa a doutrina da predestinaçã o. Cunningham mostra que
todos os grandes teó logos da igreja estabelecida durante os reinados
de Henrique VIII, Eduardo VI e Elizabete I eram adeptos da
predestinaçã o, e que o arminianismo de Laud e seus sucessores
nasceu de um desvio desta posiçã o original.
Se fô ssemos buscar os verdadeiros heró is da Inglaterra, encontrar-
lhes-íamos naquele nobre grupo de calvinistas cuja insistência numa
forma de adoraçã o e de vida mais pura ganhou para eles o apelido
“puritanos” e aos quais Macaulay se refere como “possivelmente o
mais extraordiná rio conjunto de homens que o mundo já produziu”.
Como disse Brancroft, “o fato de os ingleses terem abraçado o
protestantismo se deve aos puritanos”. E Smith afirma: “A
importâ ncia deste fato é imensa. O protestantismo inglês, com a sua
Bíblia aberta e a liberdade religiosa e intelectual, era o vislumbre
nã o só do protestantismo das colô nias norte-americanas, mas
também o dessa raça viril e crente que por três séculos tem sido
disseminada a linguagem, a religiã o e as instituiçõ es pelo mundo
inteiro”. [191]
Cromwell, o grande líder calvinista e membro do Parlamento inglês,
se alicerçou sobre a só lida rocha do calvinismo e fez seguir ao seu
lado soldados que, por sua vez, se alicerçaram sobre a mesma rocha.
O resultado foi um exército que em pureza e heroísmo sobrepujou a
todos os que o mundo havia conhecido até entã o. Esse exército, na
opiniã o de Macaulay, “jamais encontrou inimigo, nas Ilhas Britâ nicas
ou no continente, que chegasse a resistir o seu combate. Os
guerreiros puritanos da Inglaterra, Escó cia, Irlanda e Flandes, ainda
que muitas vezes se vissem rodeados por dificuldades e tivessem
que lutar, em vá rias ocasiõ es, contra forças até três vezes mais
numerosas, nã o só conseguiram vencer em todas as suas batalhas,
mas também conseguiram destruir toda força opositora. Com o
passar do tempo, chegaram a considerar os exércitos mais
renomados da Europa com desdenhosa confiança. Mesmo os
desterrados “Cavaliers” (partidá rios de Carlos I da Inglaterra)
sentiram certo orgulho nacional ao ver uma brigada dos seus
compatriotas, superada em nú mero por inimigos e abandonada
pelos seus amigos, conseguir nã o só que a infantaria espanhola de
maior excelência retrocedesse em fuga desordenada, mas também
abrisse passagem pela borda de uma trincheira que fora declarada
inconquistá vel pelo mais há bil dos marechais da França”. E adiciona:
“O que principalmente distinguiu o exército de Cromwell de outros
exércitos foi a austera moralidade e o temor de Deus que saturava as
tropas. Os mais entusiastas Realistas admitem ainda que nesse
acampamento excepcional jamais se ouviu qualquer blasfêmia, nem
se percebeu qualquer embriaguez ou jogo de azar, e que durante o
longo domínio militar a propriedade dos cidadã os pacíficos e a
honra das mulheres foram mantidas como sagradas. Nenhuma
criada se queixou do galanteio descortês dos soldados ingleses. E
nem sequer uma peça de metal foi tirada de uma ourivesaria”. [192]
O Professor John Fiske, que figura entre os mais eminentes
historiadores norte-americanos, disse: “Nã o é exagero dizer que no
século dezessete o futuro político da humanidade dependia das
questõ es que se debatiam na Inglaterra. Se nã o fosse pelos
puritanos, a liberdade política provavelmente teria desaparecido do
mundo. Se alguma vez houve homens que sacrificaram a sua vida
pela humanidade, foram aqueles homens inflexíveis da ‘Cavalaria de
Cromwell’, cujos lemas eram textos das Sagradas Escrituras e cujos
gritos de guerra eram hinos de louvor”. [193]
Quando os má rtires protestantes morriam nos vales do Piamont, e o
autocrata papal sentava em seu trono com toda pompa, recolhendo
as suas ensanguentadas vestes, foi Cromwell, o puritano, respaldado
por um concílio e uma naçã o de iguais convicçõ es, que exigiu que
essas perseguiçõ es cessassem.
Em três diferentes ocasiõ es se ofereceu a Cromwell e se tentou que
ele aceitasse a coroa da Inglaterra, mas cada vez ele o recusou. No
tocante à doutrina, descobrimos que os puritanos foram genuínos
descendentes de Joã o Calvino. Eles, e tã o somente eles, mantiveram
acesa a preciosa chama da liberdade inglesa. Em vista desses fatos,
ninguém pode negar a imparcialidade da conclusã o de Fiske, de que
“seria difícil superestimar o que a humanidade deve a Joã o Calvino”.
McFetridge, em seu pequeno e esplêndido livro, Calvinism in
History , disse: “Se perguntá ssemos outra vez, quem operou a
liberdade inglesa, a histó ria nos forçaria a responder: O ilustre
calvinista, Guilherme, Príncipe de Orange, que, como disse Macaulay,
descobriu na só lida e aguda ló gica da escola de Genebra algo que
satisfazia o intelecto e o seu cará ter; cuja religiã o tinha como pedra
angular a doutrina da predestinaçã o; e que, pela sua penetrante
visã o ló gica, afirmou que abandonar a doutrina da predestinaçã o
equivaleria abandonar também a sua crença na providência divina,
o que, necessariamente, o conduziria a converter-se em um mero
epicurista. E ele tinha razã o em afirmar tal coisa, porque a
predestinaçã o e a providência de Deus sã o doutrinas gêmeas. Se
aceitarmos uma, somos obrigados a aceitar a outra, caso queiramos
ser consistentes”. [194]
4. O calvinismo na Escócia
O melhor caminho para descobrir os frutos prá ticos de um sistema
religioso é examinando as pessoas ou o país onde ao longo de
geraçõ es dito sistema exerceu domínio indisputá vel. Ao avaliar o
catolicismo romano, por exemplo, teríamos que fixar-nos em um
país como Espanha, ou Itá lia, ou Colô mbia, ou México. Em cada um
desses países, podemos ver os efeitos de tal sistema, seja na esfera
religiosa, seja na política. De igual modo, se fô ssemos aplicar a prova
ao calvinismo, teríamos que fixar-nos em um país onde este foi por
muito tempo a religiã o preponderante. A Escó cia é esse país.
McFetridge nos afirma que, antes que o calvinismo chegasse ali,
“densas trevas cobriam a terra e penetravam a mente do povo como
um pesadelo eterno”. [195] No dizer de Smith, “quando o calvinismo
alcançou os escoceses, estes eram vassalos da Igreja de Roma,
dominados pelos clérigos ignorantes, miserá veis, conspurcados no
corpo, na mente e na moral. Buckle os descreve como ‘asquerosos
em sua aparência e no lar’, ‘míseros desditosos’, ‘excessivamente
ignorantes e supersticiosos’ — ‘com a superstiçã o arraigada
profundamente em seu cará ter’. No entanto, maravilhosa foi a
transformaçã o quando as grandes doutrinas, aprendidas na Bíblia
por Knox, na Escó cia, e logo depois mais profundamente em
Genebra, aos pés de Calvino, resplandeceram em sua mente. Foi
como se o sol despontasse no horizonte à meia-noite. Knox fez do
calvinismo a religiã o da Escó cia, e o calvinismo fez da Escó cia o
modelo de moralidade do mundo inteiro. Sem lugar à dú vida, é um
fato significativo que no país onde o calvinismo prevalece mais, o
crime tem o menor nível; que de todas as naçõ es do mundo atual, a
que é reconhecida como a mais moral, seja também a que é mais
calvinista; que naquela terra, onde o calvinismo exerceu maior
influência, a moralidade, tanto individual quanto nacional, tem
alcançado seu nível mais elevado”. [196] Na opiniã o de Carlyle, “o que
Knox fez pela sua naçã o podemos chamar uma ressurreiçã o dentre
os mortos”. Na opiniã o de Froude, “John Knox foi o homem sem o
qual a Escó cia, como o mundo moderno entã o conhecido, nã o teria
chegado nem mesmo a existir”.
Em um sentido muito real, a Igreja Presbiteriana da Escó cia é filha
da Igreja Reformada de Genebra. A Reforma escocesa, ainda que
surgisse mais tarde, foi muito mais consistente e radical do que foi
na Inglaterra, e resultou no estabelecimento de um presbiterianismo
calvinista no qual somente Cristo era reconhecido como a cabeça da
igreja.
Naturalmente, é fá cil de selecionar o homem que nas mã os da
providência divina foi o principal instrumento na Reforma escocesa
— este foi John Knox. Foi ele quem semeou a semente da liberdade
civil e religiosa e quem transformou a sociedade. É a ele que os
escoceses devem a sua existência nacional. Na opiniã o de Philip
Schaff, “Knox foi o homem mais ilustre da Escó cia, assim como
Lutero o foi entre os alemã es”.
Schaff escreve ainda: “O heró i da Reforma escocesa, ainda que fosse
quatro anos mais velho que Calvino, sentou-se humildemente a seus
pés e chegou a ser mais calvinista que o pró prio Calvino. John Knox
passou os cinco anos do seu exílio (1554-1559), durante o reinado
de Maria a Sanguiná ria, principalmente em Genebra, e encontrou ali
‘a mais perfeita escola de Cristo que já houve desde os dias dos
apó stolos’. E foi conforme esse modelo que dirigiu os escoceses com
intrépido valor e energia de um semi-barbarismo medieval à luz da
civilizaçã o moderna e o seu nome chegou a ser, depois de Lutero,
Zuínglio e Calvino, o mais ilustre na histó ria da Reforma
Protestante”. [197]
Na opiniã o de Froude, “nã o há personagem mais eminente em toda a
histó ria da Reforma nesta ilha do que John Knox. É tempo da
histó ria da Inglaterra render honra à quele sem o qual a Reforma
teria fracassado entre nó s; porque o contagioso fervor de Knox
salvou a Escó cia; e se a Escó cia tivesse retrocedido para o
catolicismo, nem a sabedoria dos ministros de Elizabete, nem os
ensinamentos dos seus bispos, nem mesmo as suas pró prias
artimanhas teriam evitado que a revoluçã o eclodisse na Inglaterra.
Knox foi a voz que informou os campesinos de Lothians que eram
homens tã o livres e iguais aos olhos de Deus como qualquer um dos
orgulhosos nobres ou prelados que haviam pisoteado os seus
antepassados. Knox foi o antagonista que Maria Stuart jamais pô de
calar nem Maitland enganar; foi ele que fez dos pobres plebeus do
seu país homens inflexíveis,; e, embora severos, intolerantes,
supersticiosos e faná ticos, contudo foram homens que nem rei, nem
nobre, nem sacerdote puderam obrigar a se submeter novamente à
tirania. E a recompensa deste grande homem foi a ingratidã o
daqueles que mais deveriam ter rendido honra à sua memó ria”. [198]
A teologia reformada escocesa, em seus primó rdios, se baseou no
princípio da predestinaçã o. Knox recebera a sua teologia
diretamente de Calvino em Genebra, e a sua principal obra teoló gica
foi o seu tratado sobre a predestinaçã o — uma polêmica aguda,
convincente e firme contra crenças vagas que estavam se
propagando pela Inglaterra e por outros lugares. Durante os séculos
dezessete e dezoito, temas como a predestinaçã o, a eleiçã o, a
reprovaçã o, a extensã o e o valor da expiaçã o e a perseverança dos
cristã os foram os que cativaram o interesse do campesino escocês.
Desde a Escó cia, estas doutrinas se espalharam rumo ao sul, por
toda a Inglaterra e Irlanda, e através do Atlâ ntico em direçã o ao
Ocidente. Em certo sentido, pode-se chamar a Escó cia “a pá tria mã e
do presbiterianismo moderno”.
5. O calvinismo na França
De igual modo, a França, durante esta época, ardeu também com o
espírito livre, radiante e enérgico do calvinismo. “A França traz à
memó ria os calvinistas huguenotes. E o mundo conhece o seu
cará ter. Seja porque fossem perseguidos na sua pá tria mã e ou
porque estivessem no exílio, a sua pureza moral e o seu heroísmo
foram motivo de grande admiraçã o quer por parte dos seus amigos,
quer por parte dos seus inimigos.” [199] Lemos na Enciclopédia
Britâ nica: “A sua histó ria é uma maravilha permanente que exibe o
poder contínuo de convicçõ es religiosas bem arraigadas. O relato do
sofrimento dos huguenotes constitui um dos mais extraordiná rios e
heroicos episó dios da histó ria religiosa”. Estes compunham a
industriosa classe artesã da França e ser “honesto como um
huguenote” se converteu em um provérbio que demonstrava o mais
elevado grau de integridade.
No dia de Sã o Bartolomeu, domingo, 24 de agosto de 1572, um
grande nú mero de protestantes foi assassinado traiçoeiramente em
Paris, e muitos dias depois seguiram repetindo as espantosas cenas
em distintas partes da França. O nú mero total dos que perderam a
vida no massacre do dia de Sã o Bartolomeu tem sido estimado entre
10.000 a 50.000, ainda que a estima de Schaff seja de 30.000. Essas
violentas perseguiçõ es induziram milhares de protestantes
franceses a fugir para a Holanda, Alemanha, Inglaterra e América do
Norte. A perda para a França foi irrepará vel. Macaulay, historiador
inglês, disse daqueles que se estabeleceram na Inglaterra: “Os
refugiados mais humildes estavam intelectual e moralmente acima
das pessoas comuns de qualquer reino da Europa”. O grande
historiador Lecky, ainda que fosse um impassível racionalista,
escreveu: “O massacre dos huguenotes, ao ser revogado pelo Edito
de Nantes, foi o massacre dos mais íntegros, dos mais modestos, dos
mais virtuosos, e, em termos gerais, o elemento mais instrutivo da
naçã o francesa, e abriu caminho para a inevitá vel degradaçã o do
cará ter nacional, e eliminou o ú ltimo e importante baluarte que
poderia ter detido a força da torrente do ceticismo e vício que um
século mais tarde derrocaria merecidamente tanto o altar quanto o
trono”. [200]
Na opiniã o de Warburton, “aquele que tenha lido a histó ria destes
bem sabe quã o cruéis e injustas foram as perseguiçõ es instigadas
contra eles. O sangue mais nobre da França inundou os campos de
batalha; permitiu-se ao mais brilhante dos gênios da França jazer
abandonado e perecendo de fome na prisã o; e os indivíduos mais
nobres que a França já possuiu foram caçados e mortos tã o
brutalmente como animais selvagens”. E anexa: “Em todo sentido,
foram imensamente superiores ao resto dos seus compatriotas. A
estrita sobriedade da sua vida, a pureza dos seus atos, os seus
há bitos diligentes e a sua completa separaçã o da grosseira
sensualidade que corrompia toda a vida nacional da França, neste
período, foram sempre meios eficazes para revelar os princípios que
sustentavam, e ainda assim o consideraram os seus inimigos”. [201]
A libertinagem dos reis havia se infiltrado da aristocracia até a
plebe; a religiã o havia se convertido numa lava imunda, só
consistente com a sua crueldade; os monastérios haviam se
convertido em antros de iniquidade; o celibato chegou a ser uma
fonte pestilenta de incontinência e impureza; a imoralidade, o
desenfreio, o despotismo e a extorsã o no Estado e na igreja eram
indescritíveis; o perdã o dos pecados podia ser comprado com
dinheiro e um vergonhoso trá fico de indulgências era executado sob
a sançã o do papa; alguns dos papas eram monstruosos em sua
iniquidade; a ignorâ ncia que existia era horripilante; a educaçã o
estava confinada ao clero e aos nobres; no entanto, muitos dos
sacerdotes nã o sabiam nem ler nem escrever; e a sociedade em geral
havia se desmoronado.
Esta descriçã o, ainda que parcial, nã o é exagerada. No entanto, em
contrapartida muitos cató lico-romanos sinceros buscavam
seriamente reformar a sua igreja por dentro, mas esta se encontrava
em uma condiçã o irreformá vel. Qualquer mudança, se é que fosse
possível, teria que vir de fora. Em outras palavras, ou nã o haveria
qualquer reforma, ou estaria fazendo oposiçã o a Roma.
Nã o obstante, as ideias protestantes começavam a infiltrar-se
gradualmente na França a partir da Alemanha. Calvino começou o
seu trabalho em Paris e prontamente foi reconhecido como um dos
líderes do novo movimento na França. O seu fervor despertou a
oposiçã o das autoridades eclesiá sticas e teve que fugir se quisesse
conservar a sua vida. E ainda que jamais regressasse a França depois
que se estabeleceu em Genebra, ele permaneceu sendo o líder da
reforma francesa e a cada passo era consultado. E foi ele que
proporcionou aos huguenotes o seu credo e a sua forma de governo.
E através do período subsequente, de acordo com o testemunho
unâ nime da histó ria, foi o sistema de fé conhecido como o
calvinismo que inspirou os protestantes franceses em sua luta
contra o papado e os seus partidá rios reais.
O que o puritano foi na Inglaterra, o “Covenanter” foi na Escó cia e o
huguenote, na França. Que o calvinismo produziu o mesmo tipo de
homem em cada um destes países é a prova mais patente do seu
poder na formaçã o do cará ter.
O calvinismo se propagou tã o rapidamente pela França, que Fisher,
em sua History of the Reformation [A histó ria da Reforma], nos
informa que em 1561 os calvinistas compunham uma quarta parte
da populaçã o. McFetridge calcula que foram ainda mais. Diz ele: “Em
menos de meio século, este chamado sistema inflexível de fé havia
penetrado todas as regiõ es do país e atraíra para as suas fileiras
quase a metade da populaçã o e quase toda pessoa ilustre. Tã o
numerosos e poderosos formaram os seus adeptos que mais parecia
que por certo tempo toda a naçã o se deixasse cativar pelas suas
doutrinas”. [202] Smiles, em seu livro, Huguenots in France [Os
huguenotes na França], escreve: “É interessante especular sobre a
influência que a religiã o de Calvino, sendo ele mesmo francês,
exercera na histó ria da França, da mesma forma que no cará ter
individual do francês, se o equilíbrio das forças conduzisse a naçã o
completamente para o protestantismo, como quase sucedeu nos fins
do século dezessete”. [203] Sem dú vida, a histó ria da naçã o teria sido
muito mais distinta do que é.
6. O calvinismo na Holanda
Temos outro glorioso capítulo na histó ria do calvinismo e da
humanidade na luta que libertou os Países Baixos do poder
dominante do papado e do cruel jugo da Espanha. As torturas da
inquisiçã o foram aplicadas aqui como em poucos outros lugares. O
duque de Alba se vangloriava de haver entregue 18.600 hereges ao
verdugo em apenas cinco anos.
Como afirma Motley, “o patíbulo tinha as suas vítimas diá rias, porém
nã o converteu nenhuma delas. Houve homens que arriscavam as
suas vidas e sofriam tanto quanto os homens podem chegar a
arriscar e sofrer neste mundo e pela causa mais nobre que possa
inspirar a humanidade”. Motley nos fala ainda em seu livro de “o
heroísmo de homens que caminhavam pelas chamas e de mulheres
que cantavam hinos de vitó ria enquanto eram cerradas vivas”. Em
outra parte, ele anexa: “O nú mero de holandeses queimados,
enforcados, decapitados, ou sepultados vivos, em obediência aos
editos de Carlos V, pelo delito de ler a Bíblia ou de olhar com
desdém para um ídolo ou de considerar absurda a presença do
corpo e sangue de Cristo numa hó stia, foi estimado pelas
autoridades confiá veis em cerca de cem mil, e nunca menos de
cinquenta mil”. [204] Durante essa memorá vel luta de oitenta anos,
mais protestantes morreram pelas suas convicçõ es, nas mã os dos
espanhó is, do que os má rtires cristã os sob os imperadores romanos
durante os primeiros três séculos. Na Holanda, a histó ria coroa o
calvinismo como o credo dos má rtires, dos santos e dos heró is.
Por quase três geraçõ es, a Espanha, a naçã o mais poderosa da
Europa naquele período, tentou destruir o protestantismo e a
liberdade política dos holandeses calvinistas, porém fracassou. Os
holandeses, por quererem adorar a Deus de acordo com os ditames
da sua consciência, e nã o sob as irritantes cadeias de um sacerdó cio
corrupto, foram dominados e submetidos à s mais cruéis torturas
que os espanhó is puderam inventar. E caso se indague quem
libertou aquele país, a resposta teria que ser: “Foi o Príncipe de
Orange, aquele calvinista conhecido na histó ria como Guilherme o
Taciturno, juntamente com aqueles que sustentavam o mesmo
credo”. O Dr. Abraham Kuyper afirma: “Se o poder de Sataná s,
naquele tempo, nã o fosse quebrantado pelo heroísmo do espírito
calvinista, a histó ria dos Países Baixos, de toda a Europa e do mundo
inteiro, teria sido tã o dolorosamente triste e sombria, como agora é,
graças ao calvinismo, brilhante e inspiradora”. [205]
Se o espírito do calvinismo nã o prorrompesse na Europa ocidental
apó s o começo da Reforma, o espírito de indiferença teria triunfado
na Inglaterra, na Escó cia e na Holanda. O protestantismo nesses
países jamais poderia ter subsistido; e através das medidas
comprometedoras de um protestantismo romanizado, a Alemanha,
com toda probabilidade, teria se sujeitado novamente ao domínio da
Igreja de Roma. Se o protestantismo houvesse falhado em qualquer
desses países, é bem prová vel que o resultado fosse fatal também
noutros países. Tã o estreitamente entrelaçado estava o destino
dessas naçõ es, que em certo sentido dependia do desenlace da luta
na Holanda. Se a Espanha obtivesse a vitó ria na Holanda, é prová vel
que a Igreja Romana houvesse fortalecido de tal maneira que
chegasse a subjugar o protestantismo também na Inglaterra. Ainda
como estavam as coisas, era como se, ao menos por certo tempo, a
Inglaterra se volvesse novamente para o romanismo. Se isso
ocorresse, o desenvolvimento da América do Norte teria sido
impedido automaticamente, e com toda probabilidade todo o
continente americano teria ficado sob o controle da Espanha.
Além disso, tenhamos em mente que quase todos os má rtires nesses
países foram calvinistas, sendo muito poucos, comparativamente, os
luteranos e os arminianos. O Professor Fruin observa que “na Suíça,
França, Holanda, Escó cia e Inglaterra, e onde quer que o
protestantismo teve que se estabelecer ao fio da espada, foi o
calvinismo que obteve a palma da vitó ria”. E como quer que se
interprete este fato, a verdade do caso é que os calvinistas foram os
ú nicos protestantes lutadores.
Há ainda outro serviço que a Holanda prestou e que nã o devemos
ignorar. Os puritanos, apó s serem expulsos da Inglaterra pelas
perseguiçõ es religiosas e antes da sua transmigraçã o para a América
do Note, foram para a Holanda onde estiveram em contato com
pessoas de uma vida religiosa que, da perspectiva calvinista, lhes foi
muito benéfica. Os líderes mais importantes foram Clyfton,
Robinson e Brewster, os três da Universidade de Cambridge. E estes
três formaram um trio tã o nobre e heró ico como qualquer outro que
já existiu na histó ria de qualquer país, sendo, além de tudo, firmes
calvinistas que sustentavam as doutrinas fundamentais do
reformador genebrino. O historiador norte-americano Bancroft tem
razã o quando denomina os puritanos de “homens da mesma fé que
Calvino”.
J. C. Monsma, em seu livro, What Calvinism Has Done for America [O
que o calvinismo fez pela América], nos fornece o seguinte resumo
da vida dos puritanos na Holanda: “Quando os puritanos partiram
de Amsterdam, rumo a Leyden, o Rev. Clyfton, o seu principal líder,
decidiu permanecer onde estava, sendo entã o eleito pelo povo como
novo líder ou pastor, e tendo como seu principal assistente o Rev.
John Robinson”. Robinson era calvinista convicto e se opunha aos
ensinamentos de Armínio, cada vez que lhe surgia uma
oportunidade. Temos o testemunho incontestá vel de Eward
Winslow de que Robinson, durante o tempo em que o arminianismo
conquistava terreno na Holanda, foi convidado por Polyander,
Festus Homilius, entre outros teó logos holandeses a tomar parte nos
debates com Episcopio, o novo líder dos arminianos que logravam
vitó ria na Academia de Leyden. Robinson aceitou o convite e chegou
a ser reconhecido por pouco tempo como um dos mais eminentes
teó logos daquele período. Em 1624, ele escreveu um tratado
magistral, com o título A Defense of the Doctrine Propounded by the
Synod of Dort [Uma defesa da doutrina proposta pelo Sínodo de
Dort]. Como o Sínodo de Dordrecht, conhecido internacionalmente,
se caracterizou por um calvinismo estrito em todas as suas decisõ es,
nã o temos que acrescentar nada mais sobre as tendências teoló gicas
de Robinson.
“Os puritanos sustentavam as mesmas doutrinas das igrejas
reformadas (calvinistas) na Holanda e em outras partes. Robinson,
em sua Apology , publicada em 1619, um ano antes da partida dos
puritanos da Holanda, escreveu em termos solenes: ‘Professamos
diante Deus e diante dos homens que tal é a nossa conformidade, no
tocante à religiã o, com as igrejas reformadas da Holanda, que
concordamos com todos e cada um dos artigos de fé dessas igrejas,
tal como aparecem na Harmonia das Confissões de Fé publicada sob
esse nome’”. [206]
9. O calvinismo e a educação
De igual modo, a histó ria testifica da estreita relaçã o que existe
entre o calvinismo e a educaçã o. Onde quer que este tenha
penetrado também se implantou a escola e se deu um enérgico
impulso à educaçã o popular. O calvinismo é um sistema que
demanda maturidade intelectual. De fato, podemos dizer que a sua
pró pria existência está intrinsecamente vinculada à educaçã o do
povo, já que se requer certa preparaçã o intelectual para se conhecer
o sistema e poder delinear tudo o que ele envolve. Este sistema
apela de maneira contundente para a razã o humana e insiste que o
homem deve amar a Deus nã o só de todo o seu coraçã o, mas
também de toda a sua mente. Calvino sustentava que “a verdadeira
fé tem de ser uma fé inteligente”; e a experiência tem demonstrado
que a piedade sem o conhecimento é em grande medida tã o
perigosa quanto o conhecimento sem a piedade. Além do mais,
Calvino viu claramente que a acepçã o e a difusã o do seu sistema
doutrinal dependiam nã o só da preparaçã o dos que haviam de
ensiná -lo, mas também da capacidade intelectual dos que haviam de
abraçá -lo. Calvino culminou a sua obra em Genebra com o
estabelecimento da Academia, onde milhares de alunos da Europa
continental e das Ilhas Britâ nicas se sentaram a seus pés, levando de
volta as doutrinas aprendidas para todos os rincõ es da cristandade.
Knox regressou de Genebra completamente convencido de que a
educaçã o do povo era o baluarte mais poderoso do protestantismo e
o mais só lido fundamento do estado. “O romanismo impõ e o sistema
sacerdotal e o calvinismo impõ e o sistema pedagó gico”, é o dito
antigo, cuja veracidade nã o pode ser negada por nenhuma pessoa
que porventura examine os fatos.
O anelo calvinista pela educaçã o tem inspirado um imenso nú mero
de famílias calvinistas na Escó cia, Inglaterra, Holanda e América do
Norte a se submeter a aperturas econô micas a fim dar a seus filhos
uma só lida educaçã o. A famosa má xima de Carlyle, “considerava
uma verdadeira tragédia que um ser com capacidade intelectual
tenha de morrer na ignorâ ncia”, expressa uma ideia estritamente
calvinista. Onde quer que o calvinismo haja penetrado, o
conhecimento e a instruçã o sejam fomentados, aí se desenvolve
também uma geraçã o viril de pensadores. Os calvinistas nã o sã o
famosos em construir grandes catedrais, pois têm gasto seu tempo e
recursos na construçã o de escolas, colégios e universidades. Quando
os puritanos da Inglaterra, os covenanters da Escó cia e os
reformados da Holanda e Alemanha chegaram à América do Norte,
também trouxeram consigo nã o só a Bíblia e a Confissão de
Westminster , mas também a escola.
As três universidades norte-americanas de maior importâ ncia
histó rica, Harvard, Yale e Princeton, originalmente foram fundadas
por calvinistas, com o fim de dar aos estudantes uma base só lida em
teologia em pé de igualdade com outros ramos do conhecimento.
Harvard, estabelecida em 1636, foi fundada com o propó sito
primordial de servir para o treinamento de ministros evangélicos e
mais da metade das suas primeiras classes graduadas passaram a
exercer o ministério cristã o. Yale, que também é conhecida como “a
mã e das faculdades”, foi por um tempo considerá vel uma instituiçã o
estritamente puritana. E Princeton, fundada pelos presbiterianos
escoceses, também teve um fundamento totalmente calvinista.
Como afirmou Bancroft: “Fazemos alarde das nossas escolas;
Calvino foi o pai da educaçã o pú blica e que deu origem ao sistema de
escolas pú blicas”. [232]
“Onde quer que o calvinismo exerceu
domínio”, continua afirmando, “buscou promover a educaçã o entre
o povo e em cada territó rio plantou a escola”. [233]
Como Smith vê, “o nosso sistema escolar, do qual tanto alardeamos,
deve a sua existência à série de influências que desde a Genebra de
Calvino passaram através da Escó cia e Holanda para a América do
Norte; e durante os primeiros duzentos anos da nossa histó ria quase
todos os colégios e seminá rios e quase todas as academias e escolas
foram construídos e sustentados por calvinistas”. [234]
O Prof. H. H. Meeter, do Calvin College, expressa muito bem a relaçã o
que existe entre o calvinismo e a educaçã o nos dois seguintes
pará grafos:
A ciência e a arte sã o dons da graça comum de Deus e
precisam ser utilizadas e desenvolvidas como tais. A natureza
é obra das suas mã os, a incorporaçã o das suas ideias e, na sua
forma mais pura, o reflexo das suas virtudes. Deus é o
pensamento unificador de toda ciência, já que tudo o que ele
criou outra coisa nã o é senã o o desdobramento do seu plano.
Muito bem, juntamente com essas razõ es teó ricas há razõ es
muito prá ticas devido à s quais o calvinista sempre esteve
intensamente interessado na educaçã o, visto que os calvinistas
têm sido a vanguarda do movimento moderno da educaçã o
universal. Essas razõ es prá ticas têm a ver diretamente com a
fé calvinista. Os romanistas, por exemplo, poderiam prescindir
da educaçã o uma vez que para eles o clero, nã o o laicato, é que
decide os assuntos relacionados com o governo e a doutrina da
igreja. Os seus interesses, portanto, nã o demandam a instruçã o
do povo. No que diz respeito à salvaçã o, tudo de que o laicato
romano necessita é uma fé implícita no que a igreja crê; nã o é
necessá rio que ele forneça explicaçã o inteligente dos
princípios da sua fé. No que respeita ao culto, nã o é o sermã o, e
sim o sacramento, o importante meio de comunicar as bênçã os
da salvaçã o, sendo o sermã o de muito menos importâ ncia. E
este sacramento nã o requer inteligência, já que ele é obra ex
opere operato [que age por si mesmo].
Para o calvinista, o assunto é o oposto disso. O governo da
igreja está nas mã os dos presbíteros, dos leigos, e sã o estes
que tomam as decisõ es, tanto em assuntos do governo da
igreja quanto dos assuntos da sua doutrina. Além disso, o
pró prio laicato tem o solene dever, sem a mediaçã o de uma
ordem sacerdotal, de ocupar-se da sua salvaçã o, e nã o basta
ter uma fé implícita no que a igreja crê. O crente deve ler a
Bíblia e conhecer o seu credo que, por certo, é altamente
intelectual. Cabe dizer que, mesmo para o luterano, a educaçã o
nã o era um assunto de tanta importâ ncia como o era para o
calvinista. E embora o luterano ensinasse que cada indivíduo
tinha que ocupar-se pessoalmente da sua educaçã o, todavia
nos círculos luteranos o laicato foi excluído do ofício do
governo da igreja e também, por consequência, do dever de
tomar decisõ es no tocante a assuntos de doutrina. À luz dessas
consideraçõ es, faz-se evidente por que o calvinista é um tenaz
promotor da educaçã o. Se por um lado Deus tem de ser
proclamado soberano na esfera da ciência, e por outro o
sistema calvinista requer a educaçã o do povo para poder
sobreviver, nã o deve causar-nos surpresa que o calvinista
enfatize tanto o ensino. Para o calvinista a educaçã o é uma
questã o de vida ou morte. [235]
Os elevados padrõ es que tradicionalmente têm caracterizado as
igrejas presbiterianas e as reformadas, no tocante à preparaçã o
ministerial, sã o dignos de destaque. Enquanto muitas outras igrejas
ordenam homens como ministros e missioná rios, e lhes permitem
pregar, mesmo que tenham pouca preparaçã o, as igrejas
presbiterianas e as reformadas, por sua vez, insistem que o
candidato para o ministério seja um estudante graduado de uma
escola de nível universitá rio, e que tenha estudado pelo menos dois
ou três anos sob algum professor aprovado em teologia. Como
resultado, um maior nú mero desses ministros consegue manejar os
assuntos das influentes igrejas urbanas. E ainda que ditas exigências
signifiquem que haja menos ministros, também significam um
ministério mais bem preparado e mais bem pago.
11. Conclusão
Temos examinado o sistema calvinista com bastante detalhe e temos
visto a influência que ele tem exercido na igreja, no Estado, na
sociedade e na educaçã o. Temos considerado também as objeçõ es
que comumente surgem contra esse sistema e a sua importâ ncia
prá tica. Resta-nos, pois, fazer algumas observaçõ es gerais com
respeito ao sistema em sua totalidade.
Uma prova confiá vel do cará ter de indivíduos ou de sistemas se
encontra nas palavras de Cristo: “Pelos seus frutos os conhecereis”.
Para os calvinistas, tanto quanto para o calvinismo, ser julgado
conforme essa má xima é um prazer. As vidas e as influências dos
que têm sustentado a fé reformada sã o uns dos melhores e mais
convincentes argumentos em seu favor. Smith nos fala de “esse
divinamente vital e exuberante calvinismo, criador do mundo
moderno, mã e de inumerá veis heró is, santos e má rtires, ao qual a
histó ria, julgando a á rvore pelos frutos, coroa como o mais excelente
credo da cristandade”. [260] O veredicto imparcial da histó ria é que,
como modelador do cará ter e arauto da liberdade aos homens e à s
naçõ es, o calvinismo mantém a supremacia entre todos os sistemas
religiosos do mundo. Ao passar revista aos grandes homens dos
Estados Unidos da América do Norte, descobrimos que o nú mero de
presidentes, legisladores, juristas, escritores, editores, mestres e
comerciantes presbiterianos é proporcionalmente muito maior que
o de outras denominaçõ es. Todo historiador imparcial admitirá que
foi a revolta protestante contra Roma o que permitiu ao mundo
moderno degustar pela primeira vez a verdadeira liberdade
religiosa e civil, e que as naçõ es que têm conseguido e desfrutado de
maior liberdade foram aquelas que sofreram as influências do
calvinismo. Além do mais, o calvinismo tem feito com que esse
grande manancial de vida que é a liberdade religiosa e civil flua
sobre todas as extensas planícies da histó ria moderna. Quando
comparamos países como a Inglaterra, Escó cia e América do Norte,
com outros como França, Espanha e Itá lia, os quais nunca estiveram
sob as influências diretas do calvinismo, podemos ver facilmente
quais sã o os resultados prá ticos. A depressã o econô mica e moral nos
países cató lico-romanos tem produzido decréscimo até mesmo no
índice de natalidade, de modo que a populaçã o em ditos países tem
permanecido quase estacioná ria, enquanto a populaçã o nos demais
países supramencionados tem aumentado.
Um breve relance na histó ria da igreja ou dos credos histó ricos do
protestantismo revela que as doutrinas que hoje sã o conhecidas
como calvinismo foram as que produziram a Reforma e tornaram
possível que os seus frutos fossem preservados. Todo aquele que
conhece a histó ria da Europa e da América do Norte concordará com
a surpreendente declaraçã o do Dr. Cunningham de que, “depois de
Paulo, Joã o Calvino é quem mais tem feito a favor do mundo”. E o Dr.
Smith escreveu: “Certamente, deveria emudecer os difamadores do
calvinismo que, ao lembrar-se daqueles homens que sustentaram
esse credo, passamos a herdar, como os frutos do seu sangue e
esforços, das suas oraçõ es e ensinamentos, a nossa liberdade civil, a
nossa fé protestante e os nossos lares cristã os. O leitor atento, ao
observar que estas três bênçã os jazem na raiz de tudo aquilo que
consideramos como sendo o melhor e o mais importante no mundo
moderno, talvez se surpreenda com a declaraçã o implícita de que a
nossa atual civilizaçã o cristã outra coisa nã o é senã o o fruto do
calvinismo”. [261]
Ao afirmar que o calvinismo tem sido o credo de santos e heró is,
estamos apenas repetindo o inegá vel testemunho da histó ria. No
dizer de Froude, “seja qual for a causa, os calvinistas foram os ú nicos
protestantes que lutaram. E foi da fé destes que nasceu o valor
necessá rio para defender a Reforma, e se nã o fosse por eles a
Reforma teria fracassado”. Ao longo dos séculos, os milhares que
caíram vítimas da tirania espiritual, quando o protestantismo na
Inglaterra, Escó cia, Holanda e Suíça era mantido ao fio da espada, o
calvinismo mostrou ser o ú nico sistema capaz de fazer-lhe frente e
de destruir as grandes forças da Igreja Romana. A sua inigualá vel
falange de má rtires é uma das coroas de gló ria. Na mensagem da
Conferência Metodista à Aliança Presbiteriana de 1896 se liam estas
gratas palavras: “A sua igreja tem produzido o memorá vel e
inspirador espetá culo, nã o simplesmente de uma solitá ria alma
heroica aqui e ali, mas de geraçõ es de almas fiéis sempre dispostas a
seguir alegremente para a prisã o e até mesmo para a pró pria morte
por amor a Cristo e à sua verdade. Esta singular honra visa a vó s, e
com toda razã o, a parte mais preciosa da sua rica herança”. “Nã o há
outro sistema de religiã o no mundo inteiro”, afirma McFetridge,
“que possa exibir tã o gloriosa fileira de má rtires da fé. Quase todo
homem e mulher que porventura preferiu caminhar rumo à s
chamas antes que negar a fé ou manchar sua consciência foi um
devoto seguidor, nã o ú nica e primordialmente do Filho de Deus, mas
também daquele ministro de Deus que converteu Genebra no
luzeiro da Europa, Joã o Calvino”. [262] O mundo moderno deveria ser
grato à vitalidade e fecundidade divinas deste sistema, e mesmo que
em anos recentes começou a reconhecê-lo, jamais poderá pagar-lhe
o devido preço.
Já dissemos que a teologia calvinista produz indivíduos amantes da
liberdade. Onde quer que essa teologia viceja, o despotismo nã o
pode permanecer. Portanto, o calvinismo logo deu origem a um tipo
de governo eclesiá stico revolucioná rio, mediante o qual o povo seria
governado e atendido nã o por homens designados por algum
homem em particular, nem por um grupo de homens postos acima
dos demais, mas por pastores e oficiais eleitos pelos pró prios
associados. Dessa maneira, a religiã o está nas mã os do povo, nã o
acima do povo. Temos testemunho da eficiência deste governo de
uma fonte surpreendente, a saber, do eminente arcebispo cató lico-
romano de Nova York, Hughes. Eis as suas palavras: “Ainda que seja
direito meu considerar a autoridade exercida pela Assembleia Geral
como usurpaçã o, contudo devo confessar, juntamente com todo
homem familiarizado com a forma em que dita Assembleia está
organizada, que, no tocante ao propó sito de governo popular e
político, a sua estrutura é pouco inferior à do pró prio Congresso.
Dita Assembleia opera conforme o princípio de um centro de
irradiaçã o que nã o tem paralelo ou rival entre as demais
denominaçõ es do país”. [263]
Da liberdade e responsabilidade na igreja só há um passo para a
liberdade e responsabilidade no estado; e, historicamente, a causa
da liberdade nã o encontra defensores mais valorosos ou resolutos
do que os seguidores de Calvino.
Na opiniã o de Warburton, “o calvinismo nã o é um credo nebuloso e
teó rico. A despeito de todas as asseveraçõ es dos seus adversá rios,
ele nã o incita o homem a cruzar os braços num espírito de
indiferença fatalista sem compreender as necessidades dos que o
rodeiam e de todos os terríveis males que, como chagas supuradas,
jazem na face descoberta da sociedade”. [264]
Dito credo tem
produzido maravilhosas transformaçõ es morais onde quer que ele
penetre. Quanto à pureza de vida, temperança, diligência e caridade,
os calvinistas se mantêm sem paralelo.
Jaime Antony Froude é reconhecido como um dos mais eminentes
historiadores e homens de letras da Inglaterra. Por vá rios anos foi
professor de histó ria em Oxford, a maior universidade da Inglaterra.
Apesar do seu sistema nã o ser o calvinismo, e à s vezes é qualificado
como um adversá rio do mesmo, nã o obstante estar isento de
preconceitos e dos ignorantes ataques contra o calvinismo, os quais
têm sido tã o comuns em anos recentes, provocarem nele a justa
impaciência do erudito.
Disse Froude: “Pedirei que [o leitor] considere, quanto possível, que,
sendo o calvinismo um credo duro e iló gico que a erudiçã o moderna
afirma ser, ele atraiu, em tempos passados, de maneira tã o singular,
alguns dos melhores homens que já existiram; e como se dá que,
sendo como nos é dito, seja ele fatal à moralidade por negar o livre-
arbítrio, a sua primeira manifestaçã o onde quer que se estabeleceu
foi a de destruir a distinçã o entre pecados e crimes e fazer da lei
moral a regra de vida de estados políticos e de indivíduos?
Novamente pedirei que você considere por que, se o calvinismo é
um credo de servidã o intelectual, conseguiu inspirar e sustentar os
mais valorosos esforços jamais exercidos pelo homem a fim de
quebrar o jugo de todo governo injusto? Quando tudo mais fracassa
— quando o patriotismo cobre o seu rosto e toda intrepidez humana
se vê debilitada — quando o intelecto se rende, como disse Gibbon,
‘com um sorriso ou um suspiro’, satisfeito em filosofar secretamente
e render culto pú blico com o vulgo — quando a emoçã o, o
sentimento e a terna piedade imaginativa chegam a ser as servas da
superstiçã o, imaginando-se que nã o há diferenças entre a verdade e
a mentira — aquele credo servil denominado de calvinismo, numa
ou noutra de suas muitas formas, apresenta sempre uma fronte
inflexível à ilusã o e à mentira, e sempre prefere ser pulverizado
como pedra em vez de dobrar-se diante a violência ou debilitar-se
diante da tentaçã o”. [265]
Com o fim de ilustrar isto, Froude menciona Guilherme o Taciturno,
Lutero, Calvino, Knox, Coligny, Cromwell, Milton e Bunyan, e fala
deles: “Estes homens possuem todas as qualidades que dã o nobreza
e grandeza à natureza humana — homens cuja vida foi tã o íntegra
como foi potente o seu intelecto, e cujas lides pú blicas foram sem
vestígios de egoísmo; inalteravelmente justos, onde o dever requeria
deles que fossem inflexíveis, porém com singular ternura de
coraçã o; francos, verazes, alegres, com profundo senso de humor,
enfim, tã o distintos em seu cará ter diante de todo faná tico irritá vel;
e, além do mais, todos eles foram homens que conseguiram soar a
nota a todo valoroso e fiel coraçã o na Europa a qual vibrou
instintivamente”. [266]
Passaremos agora a considerar o calvinismo como força
evangelizadora . Uma prova bem prá tica para qualquer sistema de
doutrina religiosa é: “Em comparaçã o a outros sistemas, acaso este
prova ser bem sucedido no tocante à evangelizaçã o do mundo?”.
Salvar pecadores e convertê-los à santidade prá tica é o principal
propó sito da igreja neste mundo; e o sistema que nã o consegue
passar neste teste deve ser descartado, nã o importa quã o popular
seja ele em outros sentidos.
O primeiro grande avivamento cristã o, quando três mil pessoas
foram convertidas, ocorreu sob a pregaçã o de Pedro em Jerusalém, o
qual se expressou nestes termos: “sendo este entregue pelo
determinado desígnio e presciência de Deus, vó s o matastes,
crucificando-o por mã os de iníquos” (At 2.23). E o grupo de
discípulos, em intensa oraçã o pouco tempo depois, se expressou da
seguinte maneira: “porque verdadeiramente se ajuntaram nesta
cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e
Pô ncio Pilatos, com gentios e gente de Israel; agora, Senhor, olha
para as suas ameaças e concede aos teus servos que anunciem com
toda a intrepidez a tua palavra” (At 4.27, 28). Essas palavras nã o sã o
outra coisa senã o calvinismo puro.
O seguinte grande avivamento na igreja, ocorrido no século quarto
mediante a influência de Agostinho, também se baseou nestas
doutrinas, como poderá ver sem qualquer dificuldade quem leia a
literatura dessa época. A Reforma, que todos consideram como o
maior avivamento religioso genuíno desde os dias do Novo
Testamento, ocorreu sob a pregaçã o solidamente predestinadariana
de Lutero, Zuínglio e Calvino. A Calvino e ao Almirante Coligny
pertence a honra de terem sido os que inspiraram a primeira
empresa missioná ria protestante no exterior, a saber, a expediçã o
ao Brasil em 1555. É verdade que a empresa e as guerras religiosas
europeias impediram que a mesma se repetisse por um tempo
considerá vel.
McFetridge nos forneceu alguns fatos interessantes e
comparativamente desconhecidos acerca da origem da Igreja
Metodista. Diz ele: “Falamos da Igreja Metodista começando com um
avivamento. E assim foi. Mas o primeiro e principal autor desse
avivamento nã o foi Wesley, e sim Whitefield, um calvinista
inflexível. Muito embora mais jovem que Wesley, foi ele quem
primeiro se lançou a pregar nos campos, atraindo multidõ es de
seguidores e angariando dinheiro para construir capelas. Foi
Whitefield que solicitou aos dois Wesley que se unissem a ele. E teve
que usar muitos argumentos e persuasõ es para sobrepor aos seus
preconceitos contra o movimento. Whitefield começou a grande
obra em Bristol e Kingswood, e milhares se uniram a ele, prontos a
ser organizados em igrejas, quando solicitou o auxílio de Wesley.
Este, com todo o seu zelo, era um anglicano austero e conservador
em muitas das suas convicçõ es. Ele cria que mesmo as criancinhas
deviam ser batizadas por imersã o, e demandava que os dissidentes
deviam ser rebatizados antes de serem aceitos na igreja. Tampouco
conseguia aceitar que se pregasse em algum lugar que nã o fosse
estritamente uma igreja. ‘Ele considerava quase pecado salvar almas
em algum outro lugar que nã o fosse a igreja’. Portanto, quando
Whitefield lhe rogou que se unisse a ele no movimento popular,
Wesley recusou essa solicitaçã o. Ao fim, cedeu à s persuasõ es de
Whitefield; mas, nessa decisã o, se deixou influenciar pelo que
muitos consideravam uma superstiçã o. Ele e Charles, seu irmã o,
primeiramente abriram a Bíblia ao acaso esperando que os seus
olhos se pousassem em algum texto que confirmasse a sua decisã o.
Ao abrirem a Bíblia, nenhum dos textos tinha qualquer relaçã o com
o tema. Entã o, recorreram ao sortilégio, lançando sortes para decidir
o assunto. A sorte que coube a Wesley indicava que ele consentisse;
e, portanto, ele acedeu. Dessa forma, ele empreendeu a tarefa com a
qual o seu nome esteve tã o íntima e honrosamente associado desde
entã o”.
“O movimento metodista dependeu de Whitefield de uma maneira
tal que este chegou a ser chamado ‘o fundador calvinista do
metodismo’, e até o fim da sua vida permaneceu sendo o seu
representante ante os olhos do mundo intelectual. Em suas Cartas ,
Walpole menciona Wesley apenas uma vez em relaçã o à origem do
metodismo, enquanto ele menciona Whitefield com muita
frequência. Mant, em sua série de conferências, considera o
metodismo um acontecimento completamente calvinista. Nem o
mecanismo, nem a força que lhe deu origem vieram de Wesley. A
pregaçã o nos campos, que deu ao movimento o seu cará ter
agressivo e o preparou e fortaleceu para fazer frente à s poderosas
forças que estavam armadas contra ele teve início com Whitefield,
enquanto ‘Wesley foi arrastado a empreendê-lo com má vontade’.
Na linguagem cortês da época, o ‘calvinismo’ e o ‘metodismo’ eram
termos sinô nimos, e os metodistas foram denominados de ‘outra
seita do presbiterianismo’”.
“Foi o calvinismo, e nã o o arminianismo, que deu origem (se é que se
possa dizer que algum sistema doutrinal deu origem a outro) ao
grande movimento religioso do qual a Igreja Metodista nasceu”.
“Ainda que certamente seja preciso honrar Wesley pelo seu esforço
a favor dessa igreja, nã o devemos esquecer aquele grande calvinista,
Jorge Whitefield, o qual deu a essa igreja o seu primeiro impulso e o
seu cará ter mais distintivo. E se este vivesse mais tempo, e nã o
temesse a ideia de ser fundador de uma igreja, bem diferentes
teriam sido os resultados dos seus esforços. Por sua vez, ele
estabeleceu congregaçõ es para que outros as organizassem em
igrejas, bem como construíssem capelas e, assim, outros
proclamassem ali o evangelho”. [267]
Deve-se mencionar ainda o fato de que Wesley cria em bruxaria. Nã o
crer em bruxas era considerado por ele como uma concessã o a
incrédulos e a racionalistas. Muitos dos seus bió grafos têm passado
por alto este ponto, ainda que alguns dos escritores mais favorá veis
à sua causa tenham admitido que ele expressou as suas crenças em
palavras inconfundíveis. Em seu periódico podemos ler o seguinte
relato de uma menina propensa a certos ataques: “Quando se
indagou ao anciã o, Dr. Alexander, qual era o mal de que se queixava
a menina, este respondeu: ‘É o que noutro tempo se chamava um
caso de feitiçaria’. E por que nã o denominá -lo hoje com os mesmos
termos? Porque os incrédulos erradicaram a bruxaria do mundo, e
os cristã os complacentes, em grandes nú meros, se unem aos
incrédulos nesta tarefa”. Muito embora Calvino vivesse pouco mais
de dois séculos antes de Wesley e nã o desfrutasse das vantagens do
progresso científico e intelectual que se deu durante essa época, nã o
encontramos nele tã o estranha credulidade. Os seus escritos nã o só
se acham isentos de bruxaria, mas também contêm numerosas
advertências contra tal crença.
O famoso batista inglês, Charles Haddon Spurgeon (1834-1892), um
dos mais destacados pregadores do mundo, se expressou da
seguinte maneira: “Nunca me envergonho de declarar que sou
calvinista. E digo sem vacilar que sou batista; mas, caso me
perguntem qual é o meu credo, entã o respondo: ‘O meu credo é
Jesus Cristo’”.
E novamente afirma: “Muitos dos nossos pregadores calvinistas nã o
nutrem o povo de Deus. Creem na eleiçã o, porém nã o a ensinam.
Consideram que a redençã o particular é a verdade, porém a mantêm
fechada no cofre do seu credo e nunca, durante todo o seu
ministério, a trazem para a luz. Sustentam a doutrina da
perseverança dos crentes, porém persistem em nã o fazê-la
conhecida. Creem que existe aquilo a que chamamos vocaçã o eficaz,
porém nã o creem que Deus os chamou a proclamá -la com
frequência. O grande erro desses pregadores é que nã o proclamam
abertamente o que creem. Se você os ouve pregar cinquenta vezes,
nem assim saberia quais sã o as doutrinas do evangelho ou qual o
sistema de salvaçã o que confessam. E, por isso, o povo de Deus
perece de fome”.
Quando alcançamos o estudo das missõ es estrangeiras, descobrimos
que este sistema de fé tem sido o meio mais importante de levar o
evangelho à s naçõ es pagã s. Paulo, a quem os adversá rios mais
liberais do calvinismo consideram o responsá vel pelo matiz
calvinista no pensamento teoló gico da igreja, foi o maior e mais
influente dos missioná rios. Se fô ssemos fazer uma lista dos heró is
das missõ es protestantes, descobriríamos que quase todos eles
foram discípulos de Calvino. Temos Carey e Martyn na Índia;
Livingston e Moffat na Á frica; Morrison na China, Paton nos mares
do sul; e muitos outros. O calvinismo que esses homens professaram
e possuíram foi um calvinismo dinâ mico e nã o está tico; este era nã o
apenas o seu credo, mas também a sua forma de vida.
Com respeito à s missõ es estrangeiras, o Dr. F. W. Loetscher afirmou:
“Ainda que, como todas as nossas igrejas irmã s, temos motivo de
lamentar por nã o avançarmos muito diante dos extraordiná rios
recursos que possuímos e as enormes necessidades das naçõ es
pagã s, ao menos podemos dar graças a Deus que os nossos
venerá veis pais fizessem um bom começo em seu esforço por
estabelecer missõ es por todo o mundo; que hoje as igrejas
calvinistas ultrapassam todas as demais em sua dá diva para esta
causa; e, em particular, que a nossa denominaçã o tenha tido a honra
e privilégio ú nico de desempenhar as suas transcendentes
responsabilidades, confrontando cada uma das grandes religiõ es
nã o cristã s, e proclamando o evangelho em mais continentes, e entre
mais naçõ es, povos e línguas, que qualquer outra igreja evangélica
no mundo”. [268]
Ainda que para alguns pareça um exagero desautorizado, nã o
vacilamos em dizer que através dos séculos o calvinismo, intrépida e
racionalmente polêmico em sua insistência em defender a sã
doutrina, tem sido a força genuína da igreja cristã . As normas
tradicionalmente elevadas das igrejas calvinistas, no tocante à
pregaçã o ministerial e à cultura têm produzido uma grande safra ao
conduzir multidõ es aos pés de Jesus, nã o com mera excitaçã o
temporá ria, mas numa aliança perpétua. Julgado pelos seus frutos, o
calvinismo tem demonstrado ser sem paralelo a força
evangelizadora mais eminente do mundo.
Sem a menor sombra de dú vida, o calvinismo possui um glorioso
testemunho na histó ria da civilizaçã o moderna, e os seus inimigos
nã o podem honestamente negar este testemunho. Em vã o se tentará
achar um testemunho mais nobre do que este. “Os chamados liberais
sempre o consideraram um mistério”, sã o as palavras de Henry
Ward Beecher, “que os calvinistas, com o que eles consideram
crenças e doutrinas despó ticas e rígidas, sempre foram os mais
firmes e valorosos defensores da liberdade. O efeito de despertar
um profundo anelo pela liberdade na mente daqueles que adotaram
os certamente severos princípios do calvinismo tem sido um
enigma. Mas a verdade é esta: o calvinismo tem feito o que nenhuma
outra religiã o jamais conseguiu fazer: Apresentar ao mundo o mais
elevado ideal humano e destruir todo obstá culo imaginá vel a fim de
alcançar dito ideal.
“O calvinismo intensifica de maneira indescritível a individualidade
do homem e demonstra, em clara e irresistível luz, a
responsabilidade do homem diante de Deus e a sua relaçã o com a
eternidade. Apresenta ao ser humano alguém que penetra a vida sob
o peso de uma tremenda responsabilidade, resoluto em sua marcha
rumo ao tú mulo, com um ú nico consolo — ter a certeza do céu e de
que escapará ao inferno”.
“O calvinista, portanto, vê o homem compelido, constrangido,
açambarcado pelas mais poderosas e influentes forças. O homem
está em marcha rumo à eternidade, onde logo se verá ou coroado no
céu ou prostrado no sufocante interno para todo o sempre. E quem
se atreverá a pô r peias a tal criatura? Abram caminho! Nã o criem
obstá culo; e, se o fizer, terá problema com a sua pró pria alma.
Deixem-no livre para encontrar o seu caminho para Deus. Nã o
interfiram nele nem em seus direitos. Deixem-no escapar à sua
salvaçã o como possa. Nã o se deve pô r nenhuma mã o opressora
sobre uma criatura que segue em frente numa carreira como esta —
uma carreira cujo fim tem de ser a gló ria eterna ou a miséria
inexprimível para toda a eternidade”. [269]
Adotando o eloquente pará grafo de outro, “Pode parecer que esta
á rvore, à vista de olhos preconcebidos, tenha uma casca á spera, um
tronco coberto de protuberâ ncias e ramos retorcidos em formas
emaranhadas. Mas é preciso ter em mente que essa á rvore nã o é um
broto nascido ontem. Esses ramos relutam contra as tempestades de
mil anos; esse tronco se retorceu pelo vermelho relâ mpago e se
cicatrizou pela descarga do raio; e sobre a sua á spera casca é
possível observar as marcas do machado de combate e do projétil.
Esse antigo carvalho nã o possui a graciosa beleza e a sedosa
suavidade de uma planta protegida do inverno, mas possui uma
majestade que sobrepuja toda graça e uma grandeza muito maior
que a mais intensa beleza. Pode ser que as suas raízes sejam
retorcidas no seio do solo, mas algumas delas se acham saturadas do
sangue do glorioso campo de batalha; outras estã o entrelaçadas em
torno das estacas dos má rtires; outras estã o escondidas em
solitá rias selas e tranquilas bibliotecas onde profundos pensadores
passam a meditar e a orar como em alguma Patmos apocalíptica; sua
raiz principal, contudo, retrocede rumo ao passado, onde está
enlaçada em vivo e amoroso abraço ao redor da cruz do Calvá rio. É
possível que os seus ramos estejam retorcidos, mas pendem
revestidos com o mais rico e forte metal da civilizaçã o e do
cristianismo da histó ria humana”. [270]
Ao examinar este sistema, sentimo-nos como alguém sentado diante
do teclado de um grande ó rgã o. Nossos dedos tocam as teclas,
enquanto registro apó s registro abre a caixa de pressã o, até que o
coro pleno responde com impressionante harmonia. O calvinismo
toca toda a mú sica da vida, porque antes e acima de todas as coisas
ele busca o Criador em todas as partes. Ou, é como se estivéssemos
além mar com a grande abó bada celeste acima de nó s, a vasta
expansã o da eternidade rodeando a nossa alma; e em tudo e acima
de todas as coisas está Deus . Ou, como se estivéssemos parados
sobre as rochas que, fendendo-se, deixam a passagem à s nossas
costas; e o abismo diante dos nossos olhos, como poderoso rio do
tempo fluindo de eternidade em eternidade; o sol em seu zênite,
irradiando a sua brilhante luz e calor; e a nossa alma, começando
com um murmú rio, reflete o eco das palavras: “Ó profundidade das
riquezas!”. O calvinismo nos apresenta Deus e traça as suas pisadas
— Deus, em toda a sua grandeza, majestade, sabedoria, santidade,
justiça e amor. O calvinismo nos apresenta Deus em um trono alto e
sublime; e a nossa alma outra coisa nã o faz senã o prorromper,
novamente: “Que é o homem para que dele te lembres?”.
Esse nã o é um fú til e oco elogio ao calvinismo. Com os fatos e
observaçõ es anteriores, todo leitor instruído e imparcial da histó ria
estará de acordo. Além disso, o autor diria deste livro o que o Dr. E.
W. Smith, em seu livro The Creed of Presbyterians [O credo dos
presbiterianos], disse no final do capítulo sobre “O credo provado
por seus frutos” — isto é, que estes fatos e observaçõ es “se
apresentam, nã o com o propó sito de incitar à vaidade
denominacional, mas com o fim de que o nosso coraçã o se encha de
gratidã o a Deus por essa histó ria pretérita e pela atual eminência
que deveria servir-nos de ‘um incentivo à nobreza’; e, sobretudo,
despertar em nosso coraçã o um santo entusiasmo por esse sistema
de verdade divina que tem sido o principal fator na formaçã o da
América do Norte e do mundo moderno”.
Concluindo, diríamos que neste livro o leitor encontrará uma
teologia muito antiga — teologia tã o antiga quanto a pró pria Bíblia,
tã o antiga até mesmo mais que o pró prio mundo, já que este plano
de redençã o se achava escondido nos eternos conselhos de Deus.
Nele nã o se tenta encobrir o fato de que as doutrinas sustentadas e
defendidas nestas pá ginas sã o verdadeiramente maravilhosas e
assombrosas. Sã o suficientes para despertar o pecador modorrento
que tomou como indubitá vel durante toda a sua vida que pode
ajustar as suas contas com Deus como lhe apraz; e também sã o
suficientes para despertar o “crente” letá rgico que vive enganando-
se a si mesmo na mortal tranquilidade de uma religiã o carnal. No
entanto, por que essas doutrinas nã o haveriam de causar assombro?
Se a pró pria natureza está saturada com maravilhas, acaso a
revelação nã o pode estar também? Basta alguém dar uma breve
olhadela para alguns livros para se dar conta de que a ciência traz à
luz muitas verdades assombrosas, as quais pessoas sem educaçã o
acham difíceis, e até mesmo impossíveis de crer, e nã o será possível
que isto suceda também a pessoas sem entendimento espiritual no
tocante à s verdades reveladas? Se o evangelho nã o desperta nem
aterroriza nem assombra alguém quando lhe é apresentado, entã o
tal evangelho nã o é verdadeiro. Por sua vez, a quem o arminianismo
já produziu assombro com sua doutrina de que o pró prio homem
molda o seu pró prio destino? Nã o basta ignorar meramente, ou
mesmo ridicularizar estas doutrinas como muitos tendem a fazer. A
pergunta é: estas doutrinas sã o verdadeiras? Se o sã o, por que
ridicularizá -las? Se nã o o sã o, entã o que sejam refutadas.
Concluímos com a asseveraçã o de que este grande sistema de
pensamento religioso que leva o nome de Calvino é nã o mais nem
menos do que a esperança do mundo.
APÊNDICE
O seguinte material de Romans: An Interpretative Outline [Romanos:
um esboço interpretativo], (p. 144-147), composto por David N.
Steele e Curtis C. Thomas, contrasta os cinco pontos do calvinismo
com os cinco pontos do arminianismo, da maneira mais clara e
concisa que já vimos em qualquer parte. Este material aparece
também em seu livro menor intitulado The Five Points of Calvinism
[Os cinco pontos do calvinismo] (p. 16-19). Ambos os livros sã o
publicados por The Presbyterian and Reformed Publishing Co.,
Filadélfia (1963). Os senhores Steele e Thomas têm servido por
vá rios anos como pastores de uma Igreja Batista do Sul em Little
Rock, Arkansas.
OS “CINCO PONTOS” DO OS “CINCO PONTOS” DO CALVINISMO
ARMINIANISMO
I. Livre-arbítrio ou capacidade I. Depravação total ou
humana incapacidade total
Ainda que a natureza humana Devido à queda, o pecador é
fosse seriamente afetada pela incapaz de crer no evangelho e
queda, o homem, todavia, nã o ser salvo, já que este está morto,
perdeu de todo sua capacidade é cego e surdo para as coisas de
espiritual. Deus, em sua graça, Deus; seu coraçã o é
capacita o pecador a fim de que, extremamente enganoso e
por sua pró pria vontade, se perverso. Sua vontade nã o é
arrependa e creia. Cada pecador livre, senã o que está escravizada
tem o livre-arbítrio e seu à natureza pecaminosa;
destino eterno depende de como portanto, ele nã o quer — e, de
ele o usa. A liberdade do homem fato, nã o pode — escolher o bem
consiste em poder escolher o e rejeitar o mal no que tange à s
bem e rejeitar o mal na esfera coisas espirituais. Portanto, o
espiritual; sua vontade nã o está mero auxílio do Espírito nã o é
escravizada a uma natureza suficiente para conduzir o
pecaminosa. O pecador pode ou pecador a Cristo, mas é
cooperar com o Espírito de Deus absolutamente necessá rio que
e ser regenerado, ou resistir a haja regeneraçã o em virtude da
graça de Deus e perder-se para qual o Espírito comunica ao
sempre. O pecador necessita do pecador vida e uma nova
auxílio do Espírito, mas nã o tem natureza. A fé nã o é algo com o
que ser regenerado pelo Espírito qual o homem contribui para a
antes de poder crer, já que a fé é salvaçã o, e sim é em si mesma
um ato do homem e precede ao uma parte do dom da salvaçã o
novo nascimento. A fé é o dom — é o dom de Deus dado ao
do pecador para com Deus; ela é pecador, nã o o dom do pecador
a contribuiçã o do homem para a dado a Deus.
salvaçã o. II. Eleição incondicional
II. Eleição condicional Que Deus escolheu
O fato de Deus haver escolhido determinados indivíduos para a
certos indivíduos para a salvaçã o, antes da fundaçã o do
salvaçã o antes da fundaçã o do mundo, se deve unicamente à
mundo se deve a isto: que Deus sua vontade soberana. Sua
viu de antemã o que tais eleiçã o de certos pecadores nã o
indivíduos haveriam de tem por base um conhecimento
responder ao seu chamado. prévio de uma resposta ou ato
Deus escolheu somente aqueles de obediência (tais como a fé, o
que ele viu de antemã o que arrependimento, etc.) por parte
creriam no evangelho de sua dos pecadores. Ao contrá rio,
livre vontade. As obras futuras Deus é quem dá a fé e o
desses indivíduos determinam, arrependimento a cada pessoa
portanto, a eleiçã o. A fé que eleita. Essas obras sã o o
Deus viu de antemã o e sobre a resultado, nã o a causa da eleiçã o
qual baseou sua eleiçã o nã o foi divina. A eleiçã o, portanto, nã o
comunicada pelo Espírito Santo, está determinada nem
mas se origina da vontade do condicionada por alguma
pró prio homem. Pertence ao virtude ou obra meritó ria
homem, portanto, a prerrogativa prevista por Deus no homem.
de crer e ser escolhido para a Aqueles a quem Deus elegeu em
salvaçã o. Deus escolheu sua soberania sã o movidos pelo
somente aqueles que ele sabia Espírito Santo a aceitar a Cristo.
que haveriam de escolher a Portanto, a causa fundamental
Cristo por sua pró pria vontade. da salvaçã o nã o é a decisã o do
A causa fundamental da pecador de aceitar a Cristo, e
salvaçã o é, portanto, a decisã o sim a eleiçã o do pecador por
do pecador de escolher a Cristo, parte de Deus.
e nã o a eleiçã o do pecador por III. Redenção particular ou
parte de Deus. expiação limitada
III. Redenção universal ou A obra redentora de Cristo teve
expiação geral como fim salvar unicamente os
A obra redentora de Cristo eleitos; e, com efeito, assegurou
adquiriu para todos os homens a a salvaçã o destes. Em sua morte,
oportunidade de ser salvos, Cristo sofreu como substituto
porém nã o garantiu a salvaçã o particularmente pelo pecado
de nenhum deles. Muito embora dos eleitos. Além de apagar os
Cristo tenha morrido por todos pecados destes, a redençã o fez
os homens, somente os que provisã o de tudo quanto era
creem nele sã o salvos. Sua necessá rio para alcançar a
morte tornou possível a Deus salvaçã o, inclusive a fé que os
perdoar os pecadores sempre e une a ele. O dom da fé é
quando estes crerem, porém nã o comunicado infalivelmente pelo
apagou os pecados de ninguém. Espírito a todos por quem Cristo
A redençã o em Cristo é eficaz morreu, garantindo a salvaçã o
somente se o homem decidir de cada um deles.
aceitá -la. IV. O chamado irresistível do
IV. O Espírito Santo pode ser Espírito Santo ou graça
resistido eficazmente irresistível
O Espírito chama de maneira Além do chamado geral para a
especial à queles que, pelo salvaçã o, feito a todos os que
evangelho, sã o chamados de ouvem o evangelho, o Espírito
maneira geral; ele faz tudo o que Santo faz aos eleitos um
pode para conduzir cada chamado especial, o qual
pecador à salvaçã o. No entanto, inevitavelmente os conduz à
o chamado do Espírito pode ser salvaçã o. O chamado geral, feito
resistido, já que o homem é a todos sem distinçã o, pode ser,
livre. O Espírito nã o pode e com frequência é, rejeitado;
regenerar o pecador até que por sua vez, o chamado especial
este creia; a fé (que é feito somente aos eleitos nã o
contribuiçã o do homem) pode ser rejeitado, mas resulta
precede e torna possível o novo sempre na conversã o destes. Por
nascimento. O livre-arbítrio, intermédio deste chamado, o
portanto, limita o Espírito na Espírito atrai irresistivelmente
aplicaçã o da obra redentora de os pecadores a Cristo, já que ele
Cristo. O Espírito Santo pode nã o está limitado pela vontade
levar a Cristo somente aqueles do homem em sua obra salvífica,
que o permitam. O Espírito nã o nem depende do homem para
pode comunicar vida até que o alcançar seu propó sito. O
pecador responda. A graça de Espírito induz benignamente o
Deus, portanto, nã o é invencível; pecador eleito a cooperar, a crer,
pode ser, e muitas vezes é, a arrepender-se e a ir a Cristo
resistida e frustrada pelo espontâ nea e voluntariamente.
homem. Portanto, a graça de Deus é
V. Cair da graça invencível; redunda sempre na
Os que creem e sã o salvaçã o daqueles a quem lhes é
verdadeiramente salvos podem oferecida.
perder sua salvaçã o por nã o V. Perseverança dos santos
perseverar na fé. Todos os escolhidos por Deus,
Nem todos os arminianos estã o redimidos em Cristo, e a quem o
de acordo neste ponto; alguns Espírito comunicou a fé, sã o
sustentam que os crentes estã o eternamente salvos e
eternamente salvos — que uma perseveram até o fim, já que sã o
vez o pecador é regenerado, preservados na fé pelo poder de
jamais pode perder-se. Deus, o Todo-Poderoso.
Segundo o arminianismo: De acordo com o calvinismo:
A salvaçã o é efetuada mediante A salvaçã o é efetuada pela
os esforços conjuntos de Deus onipotência do Deus Trino. O Pai
(que toma a iniciativa) e o escolheu um povo; o Filho
homem (que cabe responder) — morreu por esse povo; e o
sendo a resposta do homem o Espírito Santo torna efetiva a
fator determinante. Deus morte de Cristo conduzindo os
providenciou a salvaçã o para eleitos à fé e ao arrependimento
todos, mas sua provisã o só é e a que voluntariamente
eficaz naqueles que de sua obedeçam ao evangelho. O
pró pria vontade “decidem” processo complexo (eleiçã o,
cooperar com ele e aceitar sua redençã o, regeneraçã o) é obra
oferta de graça. No momento de Deus e é exclusivamente pela
crucial, a vontade do homem graça. Portanto, Deus, e nã o o
exerce um papel decisivo; homem, determina quem há de
portanto, o homem, e nã o Deus, ser os que recebem o dom da
determina quem será os que salvaçã o.
recebem o dom da salvaçã o. REAFIRMADO
pelo Sínodo de Dort
REJEITADO Este sistema de teologia foi
pelo Sínodo de Dort reafirmado pelo Sínodo de Dort
Este foi o sistema de em 1619, sendo reconhecido
pensamento apresentado no como a doutrina da salvaçã o
“Remonstrance” (protesto) contida nas Sagradas Escrituras.
(ainda que os cinco pontos nã o O sistema foi entã o formulado
estavam ordenados em “cinco pontos” (em resposta
originalmente do modo como os aos cinco pontos submetidos
apresentamos aqui). Esse pelos arminianos) e desde entã o
sistema foi submetido pelos tem sido conhecido como “os
arminianos da igreja da Holanda cinco pontos do calvinismo”.
em 1610 com o propó sito de que
aquela igreja os adotasse; porém
foi rejeitado pelo Sínodo de Dort
em 1619 sobre a base de que
nã o era bíblico.
[1]
Prefá cio à Predestinação , por Zanchius, p. 16.
[2]
Calvinism , p. 23.
[3]
Ibid ., p. 21.
[4]
Cunningham, Historical Theology , II, p. 418, 419.
[5]
O autor, sendo leigo, é membro da Igreja Presbiteriana Ortodoxa. Esta é uma das
denominaçõ es pequenas que buscam fielmente preservar a herança reformada.
[6]
Institutas , Livro III, cap. XXI, Sec. 5.
[7]
Citado por Toplady no Prefá cio à Predestination de Zanchius.
[8]
Lectures on Calvinism , p. 272.
[9]
Popular Letures on theological Themes , p. 158.
[10]
The Creed of Presbyterians , p. 159.
[11]
Theology , p. 214.
[12]
The Creed of Presbyterians , p. 160.
[13]
Biblical Doctrines , p. 13, 22.
[14]
Biblical Doctrines , art. “Predestination”, p. 9.
[15]
Breve catecismo de Westminster , pergunta e resposta 11.
[16]
Systematic Theology , I, p. 583.
[17]
Toplady, Prefá cio à Predestination de Zanchius, p. 14.
[18]
Biblical Doctrines , p. 14.
[19]
Sermã o do Moderador sobre predestinaçã o pregado diante da Assembleia Geral da
Igreja Presbiteriana, E.U.A., 1924.
[20]
Theology , p. 212.
[21]
Systematic Theology , p. 356.
[22]
Ibidem , p. 357.
[23]
Warburton, Calvinism , p. 11.
[24]
McFetridge, Calvinism in History , p. 136.
[25]
Systematic Theology , II, p. 356, 559, 531.
[26]
Para uma exposiçã o mais exaustiva e erudita da doutrina da inspiraçã o e da revelaçã o,
veja Warfield, The Inspiration and Authority of the Bible , 1948, editado pelo Dr. Samuel G.
Craig.
[27]
Calvinism , p. 21.
[28]
Historical Theology , II, p. 298.
[29]
Institutas , Livro III, Cap. XXI, Seçã o. 1 e 2.
[30]
Cap. IX, Sec. III.
[31]
Bondage of the Will , p. 125.
[32]
Warburton, Calvinism , p. 48.
[33]
Warfield, Biblical Doctrines , p. 440.
[34]
What is Calvinism , p. 125-127.
[35]
A. A. Hodge, panfleto, Presbyterian Doctrine , p. 23.
[36]
Idem , p. 19, 20.
[37]
Warburton, Calvinism , p. 34.
[38]
Systematic Theology , II, p. 198, 199, 201.
[39]
Presbyterian Doctrine , p. 21.
[40]
Theology , p. 330.
[41]
Cap. III. Seçõ es III-VI.
[42]
Institutas , Livro III, Cap. XXI, Sec. 1.
[43]
Panfleto, Election , p. 10.
[44]
Warfield, Biblical Doctrines , p. 50.
[45]
Cunningham, Historical Theology , II, p. 398.
[46]
Idem , II, p. 467.
[47]
Theology , p. 230.
[48]
Citado por Ness, Antidote Against Arminianis m , p. 34.
[49]
Cap. III.2; XVI.2, 3.
[50]
Warfield, Biblical Doctrines , art. “ Predestinatio n” , p. 63.
[51]
Ness, Antidote Against Arminianis m , p. 31.
[52]
The Augustinian Doctrine of Predestination , p. 297.
[53]
Cap. III, Sec. VII.
[54]
Institutas , Livro III, Cap. XXIII.
[55]
No prefá cio à Epístola aos Romanos, citado por Zanchius, Predestination , p. 92.
[56]
Biblical Doctrines , art. Predestination , p. 64.
[57]
Idem , p. 54.
[58]
Rice, God Sovereign and Man Free , pp. 3, 4.
[59]
Warfield, Biblical Doctrines , p. 35.
[60]
A Syllabus of Systematic Theology , p. 219, 220.
[61]
Systematic Theology , II, p. 652.
[62]
Bondage of the Will , p. 252.
[63]
X.4.
[64]
Historical Theology , II, p. 397.
[65]
Zanchius, Predestination , Introduçã o, p. 19.
[66]
O plano da salvação , p. 19.
[67]
Systematic Theology , II, p. 318.
[68]
Idem , II, p. 317.
[69]
Calvinism, Pure and Mixed , p. 84.
[70]
Jesus as He Was and Is , p. 276.
[71]
Biblical Doctrines , art. “ The Millennium and the Apocalyps e ” , p. 647.
[72]
Warfield, artigo “Are They Few that be Saved?”. Artigo disponível como apêndice em O
plano da salvação (Brasília, DF: Monergismo, 2019).
[73]
Snowden, The Coming of the Lord , p. 250.
[74]
Snowden, idem , p. 265.
[75]
Two Studies in the History of Doctrine , p. 230.
[76]
Christianity Today , janeiro de 1931, p. 14.
[77]
X.III.
[78]
Idem , janeiro de 1931, p. 14.
[79]
Calvin Memorial Addresses , p. 112.
[80]
Em muitos círculos calvinistas se prefere falar de “expiaçã o definida” ou “expiaçã o
particular”, em vez de “expiaçã o limitada”.
[81]
Cap. III, Sec. VI.
[82]
Historical Theology , II, p. 333.
[83]
Cap. X, Seçõ es I e II.
[84]
Pergunta e resposta 31.
[85]
Systematic Thelogy , II, p. 688.
[86]
Idem , II, p. 35.
[87]
The Augustinian Doctrine of Predestination , p. 8.
[88]
Cap. VIII, Sec. V.
[89]
The Power of God Unto Salvation , p. 48-50.
[90]
System of Christian Doctrine , p. 417.
[91]
The Religious Controversies of Scotland , p. 187.
[92]
O plano da salvação , p. 74.
[93]
Cap. X, Sec. I.
[94]
Systematic Theology , III, p. 214.
[95]
Sound Doctrine , p. 21.
[96]
Jesus as He Was and Is , p. 191, 199.
[97]
Cap. XVII, Sec. I.
[98]
Theology , p. 690.
[99]
Systematic Theology , III, p. 112.
[100]
Floyd E. Hamilton, art. “The Reformed Faith in the Modern World”.
[101]
Pá gina 112.
[102]
The Creed of Presbyterian , p. 167.
[103]
The Secret Providence of God , reimpresso em Calvin’s Calvinism , p. 261 e 262.
[104]
Bondage of The Will , p. 31.
[105]
Citado por Lanchius, p. 56.
[106]
Bondage of the Will , p. 125.
[107]
Idem , p. 5.
[108]
Ibidem , p. 26, 27.
[109]
Panfleto, The Love of God for Every Man .
[110]
The Augustinian Doctrine of Predestination , p. 73.
[111]
The Basis of Christian Faith , p. 162.
[112]
Systematic Theology , II, p. 288.
[113]
God Sovereign and Man Free , p. 70, 71.
[114]
V.IV.
[115]
Tyler, Memoir and Lectures , p. 250-252.
[116]
Strong, Systematic Theology , p. 357.
[117]
The Secret Providence of God , reimpresso em Calvin’s Calvinism , p. 240.
[118]
Systematic Theology , I, p. 545.
[119]
Theological Institutes , II, cap. 18.
[120]
Systematic Theology , II, p. 120.
[121]
Idem , p. 193.
[122]
Bondage of the Will , p. 301.
[123]
Predestination , p. 55.
[124]
V.4.
[125]
P. 177.
[126]
Artigo, The Reformed Faith in the Modern World .
[127]
A Syllabus of Systematic Theology , p. 113.
[128]
What is Calvinism? , p. 32.
[129]
Citado em Calvin’s Calvinism , p. 290.
[130]
Biblical Doctrines , artigo, “Predestination”, p. 21.
[131]
Warfield, Biblical Doctrines , artigo “The Foresight of Jesus”, p. 73.
[132]
Ibid. , p. 33-35.
[133]
Systematic Theology , I, p. 547.
[134]
Atwater, artigo “Calvinism in Doctrine and Life”; The Presbyterian Quarterly and
Princeton Review , 1875, p. 84.
[135]
Bondage of the Will , p. 87.
[136]
Strong, Systematic Theology , p. 361.
[137]
Jú lio César, 1:2.
[138]
The Augustinian Doctrine of Predestination , p. 41.
[139]
Ibid. , p. 180, 181.
[140]
God Sovereign and Man Free , p. 136, 139.
[141]
Calvinism, pure and Mixed , p. 59.
[142]
Idem , p. 51.
[143]
III.VI.
[144]
Ness, Antidote Against Arminianism , p. 41.
[145]
Historical Theology , II, p. 279.
[146]
Calvinism in History , pp. 107, 108.
[147]
Walmsley, S. G. U. pamfleto Num. 173, p. 67.
[148]
Calvinism in History , p. 128.
[149]
Calvinism , p. 8.
[150]
Citado por McFetridge, Calvinism in History , p. 121.
[151]
Hodge, Systematic Theology , II, p. 556.
[152]
Idem , II, p. 644.
[153]
Sylabus of Systematic Theology , p. 208.
[154]
O plano da salvação (Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019), p. 123.
[155]
Pergunta e resposta 70.
[156]
Predestination , p. 140.
[157]
The Bondage of the Will , p. 338.
[158]
O plano da salvação (Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019), p. 87.
[159]
Warfield, panfleto, Election , p. 18.
[160]
Mozley, The Augustinian Doctrine of Predestination , p. 45.
[161]
Panfleto, Election , p. 17, 18.
[162]
Systematic Theology , I, p. 539; II, p. 314.
[163]
Lectures on Calvinism , p. 149, 150.
[164]
Calvinism , p. 28.
[165]
Artigo, Calvinism and the World of Islam .
[166]
Salisbury, artigo, Mahommedan Doctrine of Predestination and Free Will .
[167]
Moslem, Doctrine of God , p. 97.
[168]
Calvin’s Calvinism , p. 29.
[169]
God Sovereign and Man Free , p. 46.
[170]
The Creed of Presbyterians , p. 53, 94.
[171]
Christianity and Liberalism , p. 51.
[172]
Artigo, Calvin as Theologian and Calvinism Today , p. 23, 24.
[173]
The Fundamental Principle of Calvinism , p. 25.
[174]
Ibid. , p. 152.
[175]
Calvin’s Calvinism , p. 30.
[176]
Systematic Theology , I, p. 535.
[177]
Artigo publicado em Christianity Today , sep. 1930, p. 7.
[178]
Predestination , p. 124.
[179]
Idem .
[180]
Systematic Theology , p. 368.
[181]
Veja a Forma de Governo, XIII.IV e XV.XII.
[182]
Shedd, Calvinism, Pure and Mixed , p. 160.
[183]
Confissão de fé , XXVIII.IV.
[184]
Livro de Ordem Eclesiá stica, III.3.
[185]
Artigo, Calvinism Today , p. 7.
[186]
Artigo, The Theology of Calvin , p. 8.
[187]
Calvinism , p. 42.
[188]
Idem , p. 44.
[189]
History of the Reformation , p. 224.
[190]
God Soverein and Man Free , p. 14.
[191]
The Creed of Presbyterians , p. 72.
[192]
Macaulay, History of England , I, p. 119.
[193]
The Beginnings of New England , p. 37, 51.
[194]
Ibid. , p. 52.
[195]
Calvinism in History , p. 124.
[196]
The Creed of Presbyterians , p. 98, 99.
[197]
The Swiss Reformation , II, p. 818.
[198]
History of England , X, p. 437.
[199]
Smith, The Creed of Presbyterians , p. 83.
[200]
English History , século 18, I; p. 264, 265.
[201]
Calvinism , p. 84, 92.
[202]
Calvinism History , p. 144.
[203]
Ibid. , p. 100.
[204]
Rise of the Dutch Republic , I, p. 114.
[205]
Lectures on Calvinism , p. 44.
[206]
Ibid. , p. 72 e 73.
[207]
History of the United States , I, p. 463.
[208]
Presbyterians and the Revolution , p. 49.
[209]
They Seek a Country , J. G. Slosser, editor, p. 155.
[210]
Harper’s Monthly , June and July, 1872.
[211]
The United Netherlands , III, p. 121.
[212]
The United Netherlands , IV, p. 548, 547.
[213]
English Literature , II, p. 472.
[214]
Ibid. , p. 121.
[215]
Discurso sobre “The Westminster Standards and the Formation of the American
Republic”.
[216]
History of the United States , X, p. 77.
[217]
U. S. History , VIII, p. 40.
[218]
Calvinism in History , p. 85-88.
[219]
The Creed of Presbyterians , p. 142.
[220]
Idem , p. 119.
[221]
Reformation in the Time of Calvin , I, p. 5.
[222]
The Creed of Presbyterians , p. 132.
[223]
Bancroft, U. S. History , vol. VII, p. 261.
[224]
Calvinism in History , p. 74.
[225]
Begnnings of New England , p. 58.
[226]
Democracy , I, p. 384.
[227]
Beginnings of New England , p. 59.
[228]
Lectures on the History of France , p. 415.
[229]
H. H. Meeter, The Fundamental Principles of Calvinism , p. 92.
[230]
What Calvinism Has Done for America , p. 6.
[231]
Calvinism in History , p. 21.
[232]
Miscellaneous, p. 406.
[233]
History of the United States , II, p. 463.
[234]
The Creed of Presbyterians , p. 148.
[235]
The Fundamental Principles of Calvinism , p. 96-99.
[236]
The Swiss Reformation , p. 312.
[237]
Schaff, The Swiss Reformation , p. 322.
[238]
Calvin Memorial Addresses , p. 34.
[239]
Idem , p. 20.
[240]
Artigo, The Theology of Calvin , p. 1.
[241]
The Swiss Reformation , p. 330.
[242]
Calvin and Calvinism , p. 8, 374.
[243]
Calvin Memorial Addresses , p. 22.
[244]
Citado por James Orr, Calvin Memorial Addresses, p. 92.
[245]
Miscellaneous , p. 406.
[246]
Vie de ste. François de Sales, por son neveu, p. 20.
[247]
John Calvin, The Man and His Ethics , p. 54.
[248]
The Swiss Reformation , p. 826.
[249]
John Calvin, The Man and His Ethics , p. 55.
[250]
History of the Swiss Reformation , II, p. 698.
[251]
Ibid. , p. 699.
[252]
The Creeds of Christendom , II, p. 698.
[253]
The Swiss Reformation , II, p. 787.
[254]
Veja Schaff, The Swiss Reformation , II, p. 778.
[255]
Opera XVIV, p. 590, 613-657.
[256]
Doumergue, artigo, “What Ought to be Known about Calvin”, em The Evangelical
Quartely , janeiro de 1929.
[257]
Opera , VIII, p. 461.
[258]
Calvin’s Calvinism , p. 346.
[259]
Lectures on Calvinism , p. 129.
[260]
The Creed of Presbyterians , p. vii.
[261]
Idem , p. 74.
[262]
Calvinism in History , p. 113.
[263]
Presbyterians and the Revolution , p. 140.
[264]
Calvinism , p. 78.
[265]
Calvinism, p. 7.
[266]
Idem , p. 8.
[267]
Calvinism in History , p. 151-153.
[268]
Discurso diante da Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana, E.U.A., 1929.
[269]
Plymouth Pulpit , artigo “Calvinism”.
[270]
Power and Claims of Calvinitic Literature , p. 35, citado de Smith, The Creed of
Presbyterians , p. 105.