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Um caminho melhor © 2007, Editora Cultura Cristã © 2002 by Michael H orton.

Originalmente
publicado em inglês com o título A Better Way pela Baker Books, uma divisão da Baker Book
House Company, Grand Rapids, Michigan, 49516, USA. Todos os direitos são reservados.

I a edição —2007
3.000 exemplares

Tradução
Wadislau Martins Gomes

Revisão
Wadislau Martins Gomes
W ilton Vidal de Lima

Editoração
Rissato

Capa
Magno Paganelli

Conselho Editorial
Cláudio Marra (Presidente), Ageu Cirilo de Magalhães Jr., Alex Barbosa Vieira, André Luiz
Ramos, Fernando Hamilton Costa, Francisco Baptista de Mello, Francisco Solano Portela
Neto, Mauro Fernando Meister e Valdeci da Silva Santos.

Horton, M ichael S.

H823u Um cam inho m elhor / Michael S.Horton [tradução W adislau Martins


Gomes] - São Paulo: C ultura C ristã, 2007.

2 88p. ; 16x23 cm.

Tradução de A better w ay
ISBN 85-7622-164-0

1. Edesiologia 2. Culto Público - Liturgia I.Horton, M.S. II.TÍtulo.

CDD - 264

s
CDITORFi CULTURA CRISTÃ
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Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas


Editor: Cláudio Antônio Batista Marra
Ao Cordeiro que se assenta no trono,

em memória de James Montgomery Boice

mentor, companheiro e amigo.


Sumário

R econhecim entos 9
Introdução: Um Teatro Glorioso 11

1. A Composição do Palco 21

Parte 1 - “A Fé Vem pelo Ouvir” :


O M inistério da Palavra
2. Um Enredo Dramático 39
3. Novas Personagens 55
4. Como Funciona a Pregação 73
5. Descobrindo o Enredo 95

Parte 2 - Sinais e Selos do Pacto:


O Ministério do Batismo e da Ceia do Senhor
6. Marcados, Selados e Libertos 109
7. Uma Mesa no Deserto 129

Parte 3 - Nosso Culto Racional:


A Participação no Drama
8. A Experiência dos Poderes do Mundo Vindouro 145
9. Como Deveria Ser o Nosso Culto? 163
10. Estilo É Algo Neutro? 189
11. Um Tempo à parte da Correria 219
12. Buscando o Perdido sem Perder o Alcançado 245

Notas 283
Reconhecimento s

Há muitas pessoas às quais agradeço por tudo que há de útil neste


volum e. Sobretudo, m uitas delas são excelentes pessoas, e eu não
p o d e ria d im in u ir sua c re d ib ilid a d e a sso c ia n d o -a s co m m inhas
ruminações. Entretanto, algumas delas terão de ser mencionadas.
Primeiro, agradeço a todas as pessoas que me pediram para escrever
este livro, muitas das quais enviaram artigos que foram úteis em sua
preparação. Seguindo esta linha, agradeço especialm ente à C hrist
R eform ed C hurch (U RC ), a A naheim e ao Dr. K im R iddlebarger.
Também, aprendi m uito sobre o culto, nas minhas interações com o
Dr. Rod Rosenbladt e com o Rev. Kenneth Jones. Segundo, agradeço
aos meus alunos do W estm inster Theological Seminary in Califórnia
por me permitirem testar neles algumas idéias deste material. Sou grato,
tam bém , a Eric Landry por sua enorme assistência, assim como pela
ajuda de Steve Moulson. Terceiro, expresso minha apreciação à Baker
Book House e, especialmente, a Donald Stephenson e Rodney Clapp.
D eixo o m elhor para o fim: agradeço a Lisa, m inha esposa, pela
motivação durante a escrita e pelo ativo interesse demonstrado em sua
leitura na prim eira redação.
Introdução
Um Teatro Glorioso

A prem issa deste livro é aquela tão eloqüentemente declarada pela


novelista de mistérios dos meados do século XX, Dorothy Sayers:

O C ristia n ism o o fic ial d estes ú ltim o s anos tem so frid o a


in flu ê n c ia da “ m á p ro p a g a n d a ” . S om os, c o n sta n te m e n te ,
inform ados de que as igrejas estão vazias por causa da ênfase
demasiada dos pregadores sobre a doutrina - “dogma sem vida”,
como as pessoas dizem. De fato, o que ocorre é exatamente o
oposto. A n e g lig ê n c ia qu an to ao dogm a é que pro m o v e a
ausência de vida. A vida cristã é o mais vivido drama jam ais
encenado pela imaginação humana - e o dogma é esse dram a.1

D epois de breve recapitulação do enredo da E scritura desenvolvido


em torno da pessoa de Cristo, Sayers conclui:

Ora, poderem os cham ar essa doutrina de regozijadora ou de


devastadora; poderemos chamá-la de revelação ou de tolice; mas,
se a chamarmos de doutrina morta, então as palavras não terão
nenhum significado. A idéia de que Deus possa desempenhar o
papel de um tirano sobre o homem será um a infeliz história de
infinda opressão; que o homem desem penhe o papel de tirano
sobre outro homem será o mais comum e pavoroso registro da
futilidade humana; mas que o hom em desem penhe o papel de
tirano sobre Deus e encontre um homem m elhor do que Deus,
é, na verdade, um drama assom broso.2

Ao longo do espectro - liberal e conservador, reformado, luterano,


batista, católico rom ano e pentecostal - parece haver um a vaguidão
geral a respeito do Deus que adoramos e do propósito do culto. Mas
será que tem os de escolher entre a rotina m onótona e a perpétua
inovação? É parte da preocupação deste livro a dem onstração de que
há um caminho melhor.
Por alguma razão — muitas, na verdade — a pregação de hoje perdeu
sua força. E o mesmo aconteceu com o culto em geral, juntam ente com
seus efeitos: missões, evangelismo e cuidado diaconal. Por outro lado,
algum as aproxim ações ao m inistério destes dias reduzem o D ia do
Senhor a um a palestra; tudo o mais no culto é posto junto quase ao
acaso e de modo circunstancial. E se o culto é reduzido ao sermão, o
sermão é, freqüentemente, reduzido a um exercício doutrinário e a uma
exortação e anuência morais. Algumas pessoas, com preensivelm ente,
vreagindo ao in telectu alism o e m oralism o enfadonhos, não apenas
reconhecem a importância de outros aspectos do culto (especialmente
o canto vivido), mas, também, mais e mais tornam a própria pregação
um a maneira de entretenimento e de expressão emocional. Além disso,
conquanto o material de leitura para pastores, presbíteros, músicos da
igreja e leigos bem informados, costum asse ser baseado em teologia
séria, as bibliografias de (hoje incluem, em ordem de procura, estudos
de m ercado sobre os não-alcançados pela igreja, psicologia popular,
guias de adm inistração e gerência para executivos bem -sucedidos, e
novelas peculiares sobre o fim dos tempos.[Nesse cenário surge o que
é chamado de “guerra nas estrelas”, na qual ambos os lados ajuntam
textos-prova que, supostamente, encerram o combate de uma vez por
todas, o que resulta na trágica divisão do corpo de Cristo em campos
“tradicionais” e “progressistas”, cada qual com seu culto dominical.
Dificilm ente haveria um momento mais polarizado com respeito a
essas questões que se nos apresentam. Em tudo isso, entretanto, não
parece haver suficiente discussão dos temas mais profundos - os temas
bíblicos e teológicos - subjacentes à visão distintivam ente cristã da
adoração.Com notáveis exceções, como as obras Reaching Out without
Dumbling Down e A Royal Wast o f Time, de M arva Dawn, tem havido
grande carência de trabalhos que procurem superar o im passe entre
“tradicionais” e “contem porâneos”. Para ser mais exato, um núm ero
de livros práticos sobre pregação e música está à disposição. Entretanto,
em geral eles defendem um equilíbrio, motivado mais por pragmatismo
e política de boa vizinhança do que por séria reflexão bíblico-teológica.
Tudo isso serve para corroborar a hipótese prevalente de que a maneira'
como adoramos é apênãs uma questão de estilo, não de substância -
não im portando o segundo m andam ento que prescreve não apenas á
quem nós adorarem os, mas como Deus quer ser adorado. Parece-m e
que precisamos dar um passo atrás, e dizer: “Espere um pouco. O que
é adoração? Por que o fazemos? Como saber quando estamos adorando
corretam ente?” Ambos os campos, “tradicional” e “contem porâneo” ,
parecem oferecer num erosas suposições que jam ais são proferidas, e
ambos são atraentes, freqüentemente, para aqueles que já as mantêm.
Há sinais de que é preferível dar esse passo atrás e formular a alguém
as questões m ais profundas a prosseguir perguntando se devem os
permitir o uso de guitarras no culto. Ambos os lados dessa “guerra de
cultos” têm tido já tempo suficiente para chegar à conclusão de que há
questões m ais im portantes, e todos estam os ávidos de chegar a um
consenso que acalm e as ondas de divisão a respeito desse assunto.
Como exemplo dessa reflexão madura, um artigo no Worship Leader,
a sso c ia d o à a p ro x im aç ã o c o n te m p o râ n e a de “ lo u v o r-e -c u lto ” ,
apresentou uma entrevista com alguns especialistas do “m inistério de
adultos solteiros” . M inha expectativa era a de que fosse me defrontar
com as conclusões usuais da retórica hiperbólica e pragmática. Descobri,
entretanto,, que: “Em contraste à orientação para um culto apresentado
ao interessado de modo ‘amigável’ ” como é o de sua igreja, a líder do
ministério, Holly Rollins, disse que haviam “decidido direcionar o culto
a um grupo d em o g ráfico b em -educado e com p rofundo nível de
e n te n d im e n to filo só fic o ... G astam os sig n ific a n te p arte do tem po
estu d an d o nosso alvo d em ográfico antes de lan çar nosso p ro jeto
ministerial. A razão disso é que não estávamos atingindo 80% do nosso
público-alvo” .3
Ironicamente, o mesmo critério pragmático de mercado está, agora,
sendo u sado p ara um a fa sta m e n to da su p e rfic ia lid a d e do c u lto
“am igável”, orientado para alcançar o interessado. Os não-afiliados à
ig re ja , e sp e c ia lm e n te os jo v e n s , e stã o sendo q u e im a d o s p e la
propaganda. “Isso torna o Soul Purpose, o m inistério para solteiros,
provavelm ente, o m inistério mais ‘eclesiástico’ em nossa igreja não-
tradicional.”4 Rich Hurst, outro especialista entrevistado, comenta essa
m udança:

Tenho uma visão totalmente diferente de ministério. Ainda estou


enroscado no modo m inisterial de busca do não-afiliado, mas
estou tentando conseguir sair dele. Há um grande problema com
a nossa igreja em termos mundiais. Tenho dificuldade para dizer
qualquer coisa positiva sobre o m ovim ento de crescim ento de
igreja. Em 1970 havia dez megaigrejas; hoje, elas somam mais
de quatrocentas, e, ainda assim, a freqüência à igreja não passa
de 35%. Recentemente, estive em Chicago com alguns pastores
com os quais trabalhei na equipe pastoral de uma igreja voltada
para esse ministério ‘amigável’ orientado para a busca da pessoa
de fora da igreja. Tenho um bom conhecimento funcional desse
tipo de m inistério e do que é preciso para arrecadar os fundos
necessários para aprumá-lo. Não creio que tenha futuro; acabarão
sendo atrações turísticas ou escolas com unitárias, porque não
aprenderam a alcançar as próxim as gerações. A idéia do culto
voltado para alcançar os de fora da igreja não tem sido a resposta
para aquilo que fere a igreja de hoje.5

A entrevistadora Sally Morgenthaler acrescenta: “Esta é a diferença


entre auto-ajuda e transformação. Se você crê na depravação (humana)
terá uma cosmovisão completamente diferente”. E Rich Hurst replica:
“As igrejas influenciadas pelo m ovim ento de busca do não-afiliado
têm se to rn a d o g ran d es c e n tro s de a u to -a ju d a , tip o p a rq u e s de
departamentos de recreação para a classe m édia” . No artigo seguinte,
Jeff Peabody escreve: “Muitos livros bons e oradores dotados têm me
levado a repensar meu conceito de culto e de direção de culto. Tenho
me tornado m ais e mais consciente de que o culto é algo bem mais
p ro fu n d o do que a q u ilo que tip ic a m e n te o co rre nas ig re ja s aos
domingos. Passamos pelo culto sem prestar a atenção teológica que ele
m erece”. Ele crê que deveríamos começar perguntando a respeito dos
líderes de culto: “M ostram eles qualquer entendim ento teológico de
seu p a p e l, ou são eles m u sicalm en te do tad o s, m as b ib lica m e n te
iletrados?”6 Essas críticas feitas por pessoas de dentro do m ovim ento
revelam que o debate é, afinal, sobre teologia, e que o argum ento da
neutralidade estilística (e, portanto, relativista) tem estado aí por muito
tempo, sem que seja desafiado.
Muitos defensores do culto tradicional têm chegado à conclusão de
que não vêm pensando muito profundam ente sobre os princípios que
orientam suas reflexões. R econhecendo que seus rebanhos são tão
inarticulados quanto os das igrejas “amigáveis” orientadas à busca de
não-afiliados, no sentido de que não sabem por que certas coisas são
feitas no culto, e outras, não, esses pastores estão abertos para receber
críticas a respeito das igrejas que crescem “para dentro” . M úsicos
talentosos entre eles lhes dizem que poderiam tirar vantagem de outros
instrum entos que não o órgão, sem colocar o coro ou um “grupo de
louvor” à frente da congregação. Há sinais encorajadores de grande
convergência que não envolvem , necessariam ente, uma aquiescência
ao culto “misturado” que atenda ao gosto do “consumidor”. Certamente,
nem todos se m ovem nessa direção. Qualquer m inistério baseado no
pragm atism o será construído sobre a areia, seja ele tradicional ou
contemporâneo. Além disso, levará uma geração inteira de reeducação
na su b stâ n c ia da fé e da p rá tic a c ristã s, p a ra que resg a tem o s a
com petência lingüística.
Este livro é um a tentativa de tom ar fôlego e desenvolver alguns,
fundamentos bíblicos para o nosso entendimento do culto. Não podemos,',
simplesmente, defender posições como “esta é a maneira como sempre^
fizem os” ou “novo é m elhor”. M esmo que a prática do passado seja
correta, cada geração sucessiva precisa descobri-lo por si mesma. Por
outro lado, dispensar o passado em troca da aceitação escravizadora da
cultura m oderna poderá conduzir, no final, a algo que não seja o
cristianismo. Nenhuma dessas pressuposições é fiel; nenhuma delas poderá
restaurar nossa unidade como povo de Deus chamado de entre as nações
e de entre as gerações na presença de Deus.
A Escritura é tão rica no delineamento do significado do culto que:
poderíamos ter tomado qualquer número de metáforas ou de paradigmas
para traçar caminho para nosso assunto. Escolhi o m odelo do drama
ou teatro, não porque pareça ser uma das maneiras mais preciosas de
leitura da Bíblia.7 Estou persuadido de que uma das razões pelas quais
tantas igrejas passaram a utilizar o dram a ou outras artes teatrais lic)
culto é que o sermão e o amplo cenário litúrgico falharam em prover o
sentido de que algo importante e dramático estaria acontecendo ali, no
culto, na reunião diante de Deus. As ações divinas e humanas tornam-"
se culturalm ente coreográficas quando não temos a sensação de que
essas ações estão, realm ente, acontecendo ali. O clam or por “m ais
em polgação” e por “m ais dram a” poderá conduzir a duas soluções
sim plistas: retração para as trincheiras do intelectualism o ou avanço,
para a adição de nossas próprias estratégias ao culto de Deus. O objetivo
deste livro, entretanto, é recuperar Í£> sentido do dram a redentivo que
não apenas é ilustrado na Escritura, jmas que a Palavra e o Espírito, de
fato, trazem à nossa reunião comurlal.
Cada grande reavivam ento do culto, incluindo hinos novos e mais
fiéis, assim como o uso de liturgias mais facilm ente entendidas, tem
ac o m p a n h a d o os p a sso s de g rãn d e s re fo rm a s no e n sin o e na
proclamação da igreja. Quando o povo de Deus entende quem Deus é,
quem eles são em sua presença, e o que ocorre com eles quando vêm à
sua presença, não apenas a mente, mas também o coração das pessoas
é transformado. Esses grandes períodos sempre envolvem duas coisas
aparentemente contraditórias: um choque maciço com o mundo e com
a igreja m undana, e um senso renovado da im ensa relevância das
verdades e práticas esquecidas.
Cada uma das grandes reformas tem entendido que, quando o povo de
Deus se ajunta para o culto, um drama já está ali em andamento, cuja
comparação torna nossos desempenhos dramáticos religiosos e morais
em atos tolos e piegas. Podemos pensar, por exemplo, sobre a descida do
Espírito Santo em Pentecostes, a qual foi seguida não de uma missa em ré-
menor ou de um cântico de louvor, mas de longo sermão (Atos 2.14-36).
E que sermão! Pedro com eçou anunciando à m ultidão estupefata e
incrédula que ela estava testemunhando o cumprimento da profecia de
Joel, e, a seguir, esboçou essa profecia e todas as Escrituras em tomo de
Jesus de Nazaré. Ele foi entregue à morte tanto pelo plano predeterminado
do Pai quanto por causa das escolhas pessoais dos homens iníquos, diz
Pedro, citando mais passagens do Antigo Testamento que antecipavam o
clímax do pesado enredo. Davi, ele disse, ansiou pelo Filho que se assentaria
no trono para sempre. “A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós
somos testemunhas. Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do
Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis” (vv.
32-33). Depois de citar Davi mais uma vez, Pedro chega à parte da aplicação
do sermão: “Esteja absolutamente certa, pois, toda a casa de Israel de que
a este Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo” (v. 36).
Contudo, o drama não pára nesse sermão:

O uvindo eles estas coisas, co m p u n g iu -se-lh es o co ração e


perguntaram a Pedro e aos dem ais apóstolos: Que farem os,
irm ãos? Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de
vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para rem issão dos
vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para
vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que
ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus,
chamar.

Atos 2. 37-39
A gora sim, é o drama! No Pentccostcs, o Espírito Santo desceu
para conceder poder na proclam ação da sua Palavra e produzir sua
aceitação por parte dos pecadores que, de outro modo, continuariam
hostis a ela. E então, ele os m oveu para a realidade pentecostal por
meio do batismo em Cristo e para o enredo que nos conecta com todos
os que desem penharam suas partes antes de nós e com todos os que
participam conosco da cena.
O utra notável renovação do culto da nova aliança ocorreu na
R eform a do século XVI. Tendo sido, o evangelho, eclipsado pelas
doutrinas e práticas dos homens, os reform adores entenderam que o
poder renovador estaria na pregação do evangelho - e não somente na
pregação, mas na totalidade do culto. O culto, eles reconheceram, não
dizia respeito, primariamente, à ação humana, mas deveria ser centrado
na ação divina. Deus não é apenas central como objeto do culto, mas
também o sujeito - um ator que reconstitui a cada semana a reunião dç
estrangeiros e peregrinos como seu próprio povo redimido.
O encontro com Deus foi visto pelos reformadores, no Pentecostes,
com o ten d o o c o rrid o som ente p o rq u e D eus h a v ia d e sc id o — na
e n c a rn a ç ã o , o b e d iê n c ia , m o rte e re s s u rre iç ã o de C risto , e no
derramamento do Espírito Santo. Os apóstolos não tiveram um programa
de “reavivam ento”, mas foram guiados pelo m andam ento direto do
Cristo ascendente, o qual lhes deu não somente a salvação como dom
gratuito, mas também o dom de serem testemunhas de Cristo.
A igreja medieval havia acumulado muitas inovações doutrinárias'
e cultuais, e o leigo comum pouco sabia das Escrituras. Os cultos de
adoração introduziram peças morais, músicas insinuantes para excitar
o senso de mistério e majestade, e se apoiaram em imagens como sendo
“os livros dos iletrados” , se dizia. O Catecism o de H eildelberg, das
Igrejas Reform adas, troou em resposta: “Não, não deveríam os tentar
ser m ais sábios que Deus. Ele quer que seu povo seja instruído pela
pregação viva de sua Palavra - não por ídolos que sequer podem falar”.8
Se o povo não estava apto para crescer em maturidade bíblica, a solução
seria conduzi-lo ao crescimento, não, porém, acomodando-o à situação
de degeneração. Calvino chamou o culto, assim como a criação e a
redenção, de “maravilhoso teatro” no qual Deus desce para atuar diante
de um mundo espectador. Como vários escritores têm observado, isso
se coloca em contraste com muito do que hoje é proposto como sendo
o culto, quer derive sua orientação da alta cultura quer da cultura popular.
E a presença do Espírito através de meios ordenados que toma o culto
o te a tro da g raça no qual C risto e todos os seus b e n e fício s são
com unicados àqueles que antes “não eram povo” — quando viviam
sem objetivos, sem nenhum enredo que fizesse sentido ou que desse
significado à sua vida fragmentada.
Enquanto nossa época, comumente rotulada de “pós-m oderna”, vai
além , celebrando essa fragm entação e perda de qualquer identidade
estabilizadora, nossa resposta deverá ser não a de um conservadorismo
insensato nem a de uma acomodação igualmente insensata. O ministro
cscocês, P. T. Forsyth, advertiu, logo após a virada do século XX:

Há poucos perigos mais sérios ameaçando o futuro religioso do


que o da m ed io c rid a d e da n o ssa m ente re lig io s a ... N ossa
segurança está na profundidade. O clam or p reg u iço so pela
simplicidade é um grande perigo. Ele indica uma estrutura m ental,
que só é chocadaj)elas grandes coisas de Deus, e uma senilidade
de fé que teme tudo aquilo que é alto. Os homens se queixam de
que estão cansados e de que não conseguem a lc a n ç ar tais
altitu d es. O que talv ez sig n ifiq u e que as coisas do m undo
absorveram tanta energia da alma, que as coisas divinas já não
oferecem conforto. E, se for assim, isso tanto tem significado
especial para o futuro religioso quanto é ignominioso. E a pobreza
do nosso culto em m eio a tais refinam entos, e sua falta de
solenidade... é a indicação de um perigo fatal.9

Parte desse perigo, é claro, deve-se a uma m udança de visão dos


relacionam entos da igreja com o mundo. Já foi convicção de muitas
igrejas, tanto católico-romanas quanto protestantes, que a igreja era a
mãe que cuida dos seus filhos. Hoje, mais e mais, cruzando os limites
d e n o m in a c io n a is , as ig re ja s vêem a si m esm as com o lo ja s de
d e p a rta m e n to s num sh o p p in g , lo jas que v endem p ro d u to s p a ra
consum idores obcecados com suas escolhas.
Um coro crescente de comentaristas seculares demonstra a mudança
marcante a esse respeito que tem ocorrido nos últimos dois séculos. Á
historiadora fem inista, Ann Douglas, observa: “Nada poderia m elhor
revelar a identidade alterada da igreja protestante no extinto século
X IX , com sua crescen te p a rticip ação na em ergente sociedade de
co n su m o , do que sua o b se ssã o com a p o p u la rid a d e e sua
desconsideração com temas intelectuais”.10 No best-seller, The Triumph
o f the T era p eu tic, P h ilip R o e lf d e scre v e o p ap el das ig re ja s no
em préstim o de credibilidade ao paradigm a fundam entalm ente não-
c ristã o : “O hom em c ris tã o n a sce u p a ra se r sa lv o , o hom em
psicologizado nasceu para ser agradado” .11 Será que a nossa visão de
culto, orientado à determinação de mercado, terapia e entretenimento,
é paralela, de certo modo, ao clamor de Israel, em seus m omentos de
apostasia, pelos deuses de outras nações?
De um a coisa podemos estar certos: Deus nos tem apresentado o
maior show da terra, um drama cheio de intriga, não apenas interessante,
mas que, de fato, nos coloca no enredo, como atores dessa produção.
C o n fe re -n o s um p ap el que c o n tra sta de m odo m arc an te com os
caracteres unidimensionais e as histórias superficiais desta presente era.
E porque se tratã dè algo mais que uma peça teatral, nossa posição “em
Cristo” envolve mais que o uso de figurinos e máscaras. Assim, entremos
na E scritura para descobrir seu enredo e nossa própria parte sob as
luzes da sua ribalta, um a vez m ais seguindo o conselho de -um dos
teatrólogos favoritos do século XX:

Pelos céus, extraiamos o Drama Divino de sob o terrível acúmulo


de pensamentos frouxos e de sob o amontoado de sentimentos
tolos, e em vigorosa reação, m ontem o-lo no am plo palco do
mundo. Se os piedosos são os prim eiros a se chocar, pior para
eles - outros entrarão no R eino dos céus antes deles. Se os
hom ens se sentem ofendidos com o dram a de Cristo, que se
ofendam; mas que sentido há em se ofenderem com algo que
não seja C risto e sequer parecido com ele?... C ertam ente, o
negócio da igreja não é a adaptação de Cristo ao homem, mas a
adaptação do hom em a Cristo. O dogm a é o próprio dram a —
não frases bonitas, não promessas de algo lindo após a morte -
mas a terrível declaração de que o mesmo Deus que fez o mundo
veio viver no m undo e passou pelo túm ulo e pelas portas da
morte. M ostrem os isso aos pagãos, e eles talvez não creiam ; ]
mas, pelo menos, saberão que há algo em cuja crença um homem '
pode se alegrar.12
Um
A Composição do Palco

Imagine um culto de adoração como sendo um magnificente teatro


da ação divina. Nele há um púlpito, grande e imponente - uma galeria
da qual Deus dirige o drama. Abaixo está a fonte batismal na qual se
cumpre o pronunciamento: Pois, para vós outros, é a promessa, para
vossos filhos. Preeminente, também, está a mesa da comunhão, na qual
consciências fracas e perturbadas provam e vêem que o Senhor é bom.
Aquilo que o Senhor fez para, por, e no meio do seu povo, em passadas
eras da história bíblica, está fazendo aqui, agora, por nós, carregando-
nos na onda do seu plano gracioso. ________________________
- Este breve cápTtulo esboça o cenário para a produção divina, tomandoj
como ponto de partida o tema escriturístico da renovação do pacto. j^O
que fazemos no Dia do Senhor, especialm ente quando nos reunimos
como povo de Deus na igreja? Como entendemos o crescim ento e o
discipulado cristão: como, prioritariamente, corporativos e individuais,
como nutridos pela Palavra e pelos sacramentos instituídos por Deus,
ou com o sendo “m eios de graça” autodeterm inados? Será que um
estranho que adentrasse o local do culto de adoração ficaria, de imediato,
impressionado com a centralidade da pregação, do batismo e da Ceia,
ou n o taria, prim eiro , a im p o rtân cia dada a outros desem penhos,
qualquer que seja o estilo?

A Cerimônia da Renovação do Pacto

No centro do entendimento bíblico do culto está a noção de pacto. ,


Como acadêmicos bíblicos têm demonstrado em décadas recentes, o j
Antigo Testamento é, de modo geral, uma forma de pacto, de tratado, j
no qual o grande rei ou imperador promete proteger as nações menores i
que não podem gerar seus próprios exércitos. Em troca, o grande rei j
recebe lealdade dos seus vassalos. Eles não poderão voltar-se para outros
reis em busca de segurança, mas deverão honrar o tratado.13 Um pacto
sempre envolveu três coisas: um prólogo histórico que oferecesse uma
narrativa racional para a aliança, uma lista de mandados e de proibições
e uma lista de sanções — benefícios para os que cumprissem os termos
do tratado e penalidades para os que os violassem. Para se entender o
contexto do culto, precisaremos fazer umas preliminares com respeito
ao motivo do pacto.
No Éden, Adão foi criado por Deus para ser a cabeça federal da raça
humana. Nele, caso Adão obedecesse plenam ente e perseverasse no
teste, a humanidade seria confirmada na justiça; ou, seria julgada, caso
ele violasse os termos do pacto das obras, também chamado de pacto
da criação. Fazei o seguinte e vivereis era (e continua sendo) o princípio
desse pactò. Mas, felizmente, esse não é o único pacto na Escritura. Há
ainda o p acto da graça. Podemos traçar os passos desse pacto da graça
no seguinte e breve sumário:
D epois da queda, D eus pro m eteu a E va que seu d e scen d en te
esm agaria a cabeça da serpente, e embora Caim m atasse Abel, Deus
providenciou outro filho, Sete. E nquanto os descendentes de C aim
construíam sua orgulhosa cidade da rebelião (Gn 4.15-24), “A Sete
n a sceu-lhe tam bém um filho, ao qual pôs o nom e de Enos; daí se
começou a invocar o n õ r S ’dolfénKor’v7v7~16). Assim, as duas cidades
(o reino de Deus e a cultura do mundo), perfeitam ente integradas na
criação, estavam agora divididas, buscavam fins d iferentes e por
diferentes meios. A advertência de Jesus de que o mundo odiaria seus
discípulos e o contraste de Paulo entre a sabedoria deste múndo (justiça
das obras) e a sabedoria de Deus (justiça que provém da fé) não surge
de qualquer hostilidade contra o mundo de p er si. Antes, é o mundo
em sua rebelião pecaminosa que os autores têm em mente.
D epois de cham ar Abrão para fora de Ur, Deus ordenou que ele
oferecesse um sacrifício ritual como form a de lem brar sua parte do
pacto. De fato, a frase hebraica é: “cortar um pacto”.* Na política e nas
leis do antigo Oriente Próximo, o suserano (o grande rei ou imperador)
entraria em aliança com um vassalo (isto é, um rei ou regente de um
território menor) cortando diversos animais ao meio. Depois, andando
e n tre e ssa s m eta d es, am bos os c o n tra ta n te s c o n c o rd a ria m em
desempenhar todas as condições do tratado, com a seguinte sanção: Se
houver infidelidade de m inha parte, que ocorra comigo o que ocorreu
a esses animais.
Em G ênesis 15, quando Deus faz seu pacto com A braão e seus
descendentes, ele usa esse padrão de tratado do antigo Oriente Médio.

P erguntou-lhe A brão: Senhor D eus, com o saberei que hei de


possuí-la? Respondeu-lhe: Tom a-m e um a novilha, uma cabra e
um cordeiro, cada qual de três anos, uma rola e um pombinho.
Ele, tomando todos estes animais, partiu-os pelo meio e lhes pôs
em ordem as metades, umas defronte das outras; e não partiu as
aves... Ao pôr-do-sol, caiu profundo sono sobre Abrão, e grande
pavor e cerradas trevas o acometeram; então, lhe foi dito: Sabe,
com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia,
e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos.
Mas também eu julgarei a gente a que têm de sujeitar-se; e depois
sairão com grandes riquezas... E sucedeu que, posto o sol, houve
densas trevas; e eis um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo
que passou entre aqueles pedaços. N aquele m esm o dia, fez o
Senhor aliança com Abrão, dizendo: A tua descendência dei esta
terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates.

Gênesis 15. 8-10, 12-14, 17-18

Dois tipos de coisa são prometidos por Deus nessa aliança: uma terra
santa (Canaã, a Jerusalém terrestre) e a vida etema (a Jerusalém celeste). O
que, especialmente, distingue esse pacto é o fato de que, embora Deus e
Abrão fossem participantes do pacto, só o Senhor (manifestado em forma
de um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo) anda entre as metades
dos animais, colocando sobre sua cabeça todas as sanções e assumindo
sobre seus próprios ombros as maldições que ele mesmo impôs sobre a
violação do pacto. Então, no capítulo 17, aparece outra cerimônia:

Prostrou-se Abrão, rosto em terra, e Deus lhe falou: Quanto a


m im , será contigo a m inha aliança; serás pai de num erosas
nações... Estabelecerei a m inha aliança entre mim e ti e a tua
descendência no decurso das suas gerações, aliança perpétua,
para ser o teu Deus e da tua descendência... Esta é a minha aliança,
que guardareis entre m im e vós e a tua descendência: todo macho
entre vós será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso
prepúcio; será isso por sinal de aliança entre mim e vós.

Gênesis 17. 3-4, 7, 10-11


E ssa c irc u n c is ã o e ra o rito sa n g re n to de c o n sa g ra ç ã o que
significava o corte da impureza, especialm ente a impureza do pecado
original que havia sido passado de Adão através de todo pai subseqüente.
Aqui, porém, em vez de a faca ser metida no corpo a fim de cumprir o
pacto quanto à m aldição dos transgressores, ela é usada para cortar o
pecado a fim de permitir que o recipiente possa viver.
Finalmente, a promessa de Deus foi cumprida: Israel herdou a terra.
Segundo foi mencionado, Deus havia prometido a terra santa e a vida
eterna. Ficou claro que, com o desenvolvimento da redenção, a primeira
promessa (como o gozo de Adão no Éden) era dependente das obras -
a obediência dos israelitas. O pacto mosaico, com seus cerimoniais e
leis m orais e civis, prom eteu bênçãos, em função de obediência e
julgamentos, em função de desobediência. Uma vez mais, Deus lutaria
por seu povo e lhe daria um novo Éden, uma terra que manaria leite e
mel. Deus estaria presente entre seu povo, no tem plo, enquanto eles
vivessem em sua justiça. Juntamente com Adão, o Israel terreno, como
reino tipológico, estava pactuado com Deus na base do princípio das
l obras: Fazei isso e vivereis. Mas (como Adão) Israel falhou e, em sua
jrebelião, violou o tratado com o grande rei, provocando Deus a aplicar
jas sanções do pacto das obras. O viçoso jardim de Deus tomou-se num
deserto de cardos e de abrolhos assim como Deus levou de volta seu
reino para os céus e enviou Israel para o exílio babilônico. “M as eles
transgrediram a aliança, como Adão; eles se portaram aleivosam ente
contra mim” (Oséias 6.7).
D epois desses anos de e x ílio , um rem a n esc e n te v o lto u p ara
reconstruir Jerusalém. Esdras e Neemias relatam esse fato notável e a
trá g ic a in fid e lid a d e e d e rro ta s que se se g u ira m . A d e sp e ito da
pecam inosidade humana, sob a liderança de Neemias o rem anescente
reconstruiu os muros de Jerusalém e seu magnificente templo, o qual a
ausência de Deus havia deixado devastado e saqueado pelos invasores.
O pobre ficou sem cuidado outra vez. Contudo, a peça central desse
evento surge quando a Torá é redescoberta por uma nova geração de
israelitas que jam ais haviam lido ou ouvido as Escrituras, exceto, talvez,
da memória de seus avós.

Em chegando o sétim o mês, e estando os filhos de Israel nas


suas cidades, todo o povo se ajuntou como um só homem, na
praça, diante da Porta das Águas; e disseram a Esdras, o escriba,
que trouxesse o L ivro da Lei de M oisés, quç o Senhor tinha
prescrito a Israel. Esdras, o sacerdote, trouxe a Lei perante a
congregação, tanto de homens como de mulheres e de todos os
que eram capazes de entender o que ouviam. Era o primeiro dia
do sétimo mês. E leu no livro, diante da praça, que está fronteira
à Porta das Águas, desde a alva até ao meio-dia, perante homens
e m ulheres e os que podiam entender; e todo o povo tinha os
ouvidos atentos ao Livro da Lei. Esdras, o escriba, estava num
púlpito de madeira, que fizeram para aquele fim; estavam em pé
junto a ele, à sua direita, Matitias, Sema, Anaías, Urias, Hilquias
e Maaséias; e à sua esquerda, Pedaías, Misael, Malquias, Hasum,
Hasbadana, Zacarias e Mesulão. Esdras abriu o livro à vista de
todo o povo, porque estava acim a dele; abrindo-o ele, todo o
povo se pôs em pé. Esdras bendisse ao Senhor, o grande Deus;
e todo o povo respondeu: Amém! Amém! E, levantando as mãos;
inclinaram-se e adoraram o Senhor, com o rosto em terra.

N eem ias 8.1-6

Até m esm o durante seu exílio, os israelitas foram lembrados pela


profecia de Jeremias a respeito das promessas divinas - não de resgatar
a etnia israelita para ser um território geopolítico da Palestina como o
reino de Deus na terra, mas de salvar um remanescente dentre Israel e
as nações do mundo. Embora o pacto mosaico tenha sido completamente
violado, Deus, você se lembrará, ainda estava carregando a totalidade
do peso do cumprimento do pacto abraâmico da graça. Assim, de novo
e de novo lemos nos profetas: Não por causa de vocês, mas por causa
da promessa feita a Abraão, Isaque e Jacó... Assim, Deus declara por
m eio de Jeremias:

Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei nova aliança com
a casa de Israel e com a casa de Judá. Não conforme a aliança
que fiz com seus pais, no dia em que os tomei pela mão, para os
tirar da terra do Egito; porquanto eles anularam a minha aliança,
não obstante eu os haver desposado, diz o Senhor. Porque esta é
a aliança que firm arei com a casa de Israel, depois daqueles
dias, diz o Senhor: Na mente, lhes im prim irei as m inhas leis,
também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles
serão o meu povo. Não ensinará jamais cada um ao seu próximo,
nem cada um ao seu irmão, dizendo: Conhece ao Senhor, porque
todos me conhecerão, desde o menor até ao m aior deles, diz o
Senhor. Pois perdoarei as suas iniqüidades e dos seus pecados
jamais me lembrarei.

Jerem ias 31.31-34

Essa nova aliança “Não [será] conforme a aliança que fiz com seus
pais” sob Moisés, diz o Senhor, mas será uma aliança eterna e imutável.
Será baseada não na eleição nacional de Israel e em sua existência na
terra por sua obediência coletiva, mas na eleição eterna de indivíduos
aos quais o Filho redimirá: “... e entoavam novo cântico, dizendo: Digno
és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o
teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua,
povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e
1'einarão sobre a terra” (Ap 5.9-10).

O repouso do sábado que Israel negligenciou na Terra Santa por


causa da desobediência é, agora, dado de novo aos pecadores, judeus
e gentios, tal como aconteceu com os israelitas na velha aliança (Hb
4.1-10). Até m esm o Josué, lugar-tenente de M oisés que conduziu o
povo à terra, estava olhando para um a terra m aior, um reino m ais
excelente, com firm e e irrem ovível fundação: “Ora, se Josué lhes
houvesse dado descanso, não falaria, posteriormente, a respeito de outro
dia. Portanto, resta um repouso para o povo de Deus. Porque aquele
que entrou no descanso de Deus, tam bém ele m esm o descansou de
suas obras, com o D eus das suas” (Hb 4.8-10). D essa m aneira, o
evangelho do Novo Testamento é idêntico àquele no qual Abraão creu
quando lhe foi imputada a perfeita justiça de Cristo mediante a fé apenas,
à parte as obras (Gn 15.6; G1 3.6-14). Esse não é o pacto mosaico, uma
adm inistração baseada em nossa fidelidade, mas o pacto abraâm ico,
um a a d m in istração da fid e lid a d e e da graça de D eus. O bras são
testemunhas, não a base do nosso direito de estar na presença do Senhor.
M esm o assim, não poderemos ser justificados por mero perdão: isso
ainda nos deixaria sem a perfeita retidão que a justiça de Deus requer.
A justiça de Deus realmente se satisfaz em Cristo, aquele que é maior
que Adão e o verdadeiro Israel. Os trinta e cinco anos que nosso Senhor
ãm ou o Pai de todo o coração, alma e força, e ao próximo como a si
mesmo, são a base para a nossa aceitação diante de Deus. Assim, num
sentido real, somos salvos pelas obras - mas pelas obras daquele que é
a cabeça do nosso pacto das obras, não pelas nossas. Porque ele cumpriu
o pacto das obras, nós herdamos a salvação por meio do pacto da graça.
Nesse contexto é que falamos a respeito de “cerimônia de renovação
do pacto” . Sem pre que nos reunim os para o culto público, é porque
fom os convocados. E isso que significa o term o igreja, ekklesia,
“chamados para fora” . Não é uma sociedade voluntária daqueles cuja
p rin c ip al preocupação é com partilhar, co n stru ir com unhão, gozar
am izade, dar instru ção m oral para as crianças, etc. A ntes, é um a
so cied ad e d aq u eles que fo ram e sco lh id o s, red im id o s, cham ados,
justificados, e que estão sendo santificados até que um dia, finalmente,
sejam glorificados nos céus. Reunimo-nos a cada Dia do Senhor, não'
apenas por hábito, por costum e social, ou por causa de necessidades
sentidas, mas porque Deus escolheu esse festival semanal como um
antegozo do sábado perpétuo do qual gozaremos plenamente na festa
de casam ento com o Cordeiro. Deus nos chamou para fora do mundo
e para a sua maravilhosa luz: por isso nos reunimos.
Também nos reunimos para receber dons. E aí é que recai a ênfase
- ou d e v e ria re c a ir. A o lo n g o da E s c ritu ra , o c u lto é v isto ,
principalmente, como sendo uma ação de Deus. E onde Deus caminha
entre as metades partidas - já não mais de animais, mas do véu rasgado
do templo - o corpo de Jesus - na sexta-feira santa. Na cruz, a glória
de Deus se oculta sob a forma do seu oposto: vergonha e devassidão,
com o verdadeiro e fiel Israel abandonado no exílio, sendo, o juiz,
julgado em nosso lugar. Aquele que nos tirou da terra do Egito e que
nos fez seu povo toma a iniciativa na salvação e no exercício da vida
cristã. As sombras de Cristo no pacto mosaico, evidentes na legislação
detalhada e nos sacrifícios, foram cumpridas no advento do M essias.
D essa m aneira, não adoram os num santuário terrestre , m as num
santuário celestial onde estam os assentados com Cristo nos lugares
celestiais; daí a declaração de Jesus à mulher samaritana, em João 4: a
verdadeira adoração vem dos judeus, mas não se encontra mais ligada
a um santuário terrestre, incluindo o tem plo de Jerusalém . N ossos
edifícios terrenos, conquanto maravilhosamente construídos e mantidos,
não são m ais santuários divinos por si m esm os - algo ainda m ais
grandioso ocorre em nossos cultos na nova aliança. Aqui, somos pedras
vivas juntam ente edificadas num templo celestial, o qual nada mais é
senão o próprio Jesus Cristo. Conquanto o templo terrestre fosse um
lugar santo, nosso santuário terrestre era comum em vez de santo. É a
presença do Deus santo por seu Espírito que cria, pelos meios de graça,
um povo santo.
\Õ bserve\o que Jesus não está dizendo aqui. Ele não está dizendo
qtíe os~]u3eus não fossem o povo escolhido de Deus - nem que a
adoração dos sam aritanos tivesse aprovação. Nem está dizendo que
não haveria um lugar certo para adoração, a saber, o santuário terrestre
de Jerusalém. O que ele está dizendo é que “vem a hora, e já chegou”
quando essas coisas não terão im portância. Isso porque o tem plo da
h ab itação de D eus no m eio do seu povo não é m ais um ed ifício
tem porário construído na terra, mas a pessoa indestrutível de Jesus
C risto . C om o rein o tip o ló g ic o de D eus, a te o c rac ia ju d a ic a era,
literalm ente, um “céu na terra”, mas foi sempre tem porário (com o a
provação de Adão), e testemunhava a respeito da fidelidade do futuro
Adão que cumpriria a provação, adquirindo, para si mesmo e para seus
herdeiros espirituais, o direito de comer da árvore da vida.
O Jivro de Hebreus foi escrito para advertir os judeus cristãos contra
o retom o às sombras que apenas apontavam para a realidade^ Portanto,
as discussões sobre o culto em nossos dias não podem ser baseadas na
natureza do culto na antiga aliança. Cristo veio, e Moisés deu um passo
atrás, apontando para além de si mesmo, como João Batista fez para
declarar: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo!” Ainda
que não possamos retornar às sombras da lei, nós herdamos o mesmo
pacto da graça que Deus fez com Abraão e sua descendência. Como na
visão do fogareiro fumegante e da tocha de fogo, Deus caminha na ala
central do nosso culto, tomando sobre si o julgamento que sua própria
justiça requer e que sua própria misericórdia satisfaz. Ele circuncida o
nosso coração.

A Obra de Deus e a Nossa Resposta

Q uando pensam os a respeito da “obra de D eus” , im ediatam ente


pensamos sobre a cruz e a ressurreição - e com razão. Ali o propósito
de Deus na História é visto e o m istério é revelado, e Jesus Cristo é
publicamente tomado como substituto dos pecadores. Mas deveríamos
en tender que, tão central com o são as obras passadas na h istó ria
red en tiv a, está a obra que ele rea liz a hoje em nossa m eio. M ais
exatam ente, não há m ais sarças ardentes, não há m ais sacrifícios
expiatórios ou ressurreições seguradoras da redenção. O Pentecostes é
um evento também passado. Entretanto, Deus ainda opera por meio de
sinais e maravilhas. A diferença é que os sinais e maravilhas modernos
são obras ordinárias e não extraordinárias. A pregação ordinária alça a
espiritualidade m orta para a vida, e água, pão e vinho ordinários são
para serem tomados como sinais e selos na presença de Deus. Aquilo
que Deus fez de uma vez por todas no passado é aplicado no presente.
Portanto, a obra de Deus durante o culto não é só uma conversa sobre"
Deus e as maravilhas que ele opera; é também mais uma oportunidade
para Deus operar no meio de nós segundo os princípios que ele mesmo
havia ordenado.
Como em todo tratado, há duas partes no pacto da graça. Deus fala
e liberta; nós respondemos com fé e arrependimento. E, assim mesmo,
fé e arrependimento não constituem “nossa parte” nesse pacto no sentido
de proporcionarem direitos para a nossa participação nele. O próprio
Deus é quem concede fé e arrependimento. E Deus ainda nos chama
para responder à graça, para crescer na graça e para perseverar na graça
até o fim. A indicativa triunfante com respeito à ação de Deus em Cristo
estabelece um firme fundamento no qual estamos e no qual buscamos
obedecer aos imperativos divinos. Por isso é que dizemos que o culto é
dialógico: Deus fala e nós respondemos.
Essa é a maneira que encontramos nos Salmos: as maravilhosas obras
de Deus na criação, na preservação, no julgam ento e na redenção são
exaltadas, e só então a resposta tem sentido, em confissão, louvor, ação
de graças, lam ento ou o que quer que seja adequado para a atividade
divina declarada.] Diferentes dos Sãlmõs, muitos dos hinos e cõrõs~de/
ioüvòr cornpostos no último século e meio têm se tomado extremamente
c e n trad o s no ser h u m an o .fE ssa é a razão pela q u a íT ê m p rê T ic õ ”
'preocupado quando pessoas argum entam em favor de “velhos hinos”
em oposição a “novos cânticos”. Geralmente, “velhos hinos^5igníficam
as com posições evangélicas rom ânticas dos anos de 1850 a 1950, as
quais trocaram o louvor centrado no objeto (Deus e sua obra em Cristo)"
p e lo lo u v o r c e n trad o no su jeito (nós m esm os e n o ssa a tiv id a d e
espiritual). Um exemplo clássico disso é o hino “Jardim de Oração” ,
no qual os padrões dos salmos (concentração nas m aravilhosas obras
de D eus em fa v o r .d o jse u povo) cedem lu gar ao sentim entalism o
individualista. W udando o foco de atenção da obje tiv ã pessoa' è**dã
obra de C risto para a subjetiva pessoa e obra de indivíduos crentes,
m u ito s d e sse s h in o s, e n c o n tra d o s em a b u n d â n cia nos h in á rio s
evangélicos, poderiam ser cantados com gosto pelos unitaristas — na
verdade, muitos deles foram compostos por unitaristas'
Até mesmo em relação aos cânticos de louvor contemporâneos que
versificam ou parafraseiam um salmo, a parte da resposta do texto fica,
geralmente, separada da parte indicativa do texto que proclama quem
Deus é e o que Deus faz. Dessa maneira, o foco do culto, nestes dias,
parece ser posto sobre aquilo que fazem os, sentim os e pretendem os
responder: “Só quero te louvar”, “Nós te exaltamos”, “Vamos adorar a
Deus”, “Eu me alegrarei”, etc. Contudo, isso é separar a lei do evangelho,
o imperativo (o que devemos fazer) do indicativo (o que Deus já fez,
_está fazendo, e completará em nós, em Cristo). Essa vaguidão quanto
ao objeto de nosso louvor, inevitavelmente, nos leva a fazer do próprio
louvor o objeto da adoração. O louvor, assim, torna-se um fim em si
m esm o, e nos tornam os presos em nossa p ró p ria “e x p eriên cia de
adoração” em vez de presos em Deus, cujo caráter e atos são os únicos
focos adequados.
O mesmo é verdadeiro com respeito à pregação e a outros elementos
Jdo culto. Se o culto é uma cerimônia de renovação do pacto, ele deveria
\refletir a iniciativa divina do próprio pacto. Deveria haver um a resposta
e será essa resposta, se houver algo a que nos inclinemos a responder.
Ao mesmo tempo, deveria haver uma ênfase nas obras de Deus: Deus
renova o pacto conosco, assegurando-nos daquilo que facilm en te
perdemos de vista a menos que Cristo seja publicamente colocado diante
Me nossos olhos, a cada semana. Deus encontra seu povo em Cristo à
m edida que o E spírito Santo opera através da liturgia: confissão de
pecados, declaração do perdão, hinos de louvor, declaração da fé,
pregação, orações e os sacramentos. A pessoa e a obra do Deus trino
deverão estar no centro, enquanto Deus realm ente nos confronta da
mesm a maneira como fez na assembléia quando Esdras leu a Palavra.
E a Palavra, e não a resposta à Palavra, o ponto central a ser levado em
conta - e, ainda assim, o relato não deixa de nos informar que “todo o
povo tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei” (Ne 8.3), e depois, que
“todo o povo respondeu: Am ém ! Am ém ! E, levantando as m ãos;
inclinaram-se e adoraram o Senhor, com o rosto em terra” (v. 6) e “todo
o povo chorava, ouvindo as palavras da Lei” (v. 9).
Não é de admirar, então, que no Pentecostes um evento similar tenha
ocorrido enquanto Pedro pregava. A partir de sua pregação, a nova
aliança da igreja foi estabelecida. E qual foi o padrão dessa cerimônia
sem anal de renovação do pacto? “E perseveravam na doutrina dos
"apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações” (At 2.42).
Esse é um novo e melhor pacto, o qual tem o próprio Cristo, em vez
de M oisés, como seu m ediador. A Ceia do Senhor não é apenas um
memorial da morte de Cristo nem a renovação do seu sacrifício (como
se preferíssemos as sombras de Moisés à realidade de Cristo). Antes, é'
a participação nos próprios corpo e sangue de Cristo Jesus (1 Co 10.16).
“Este cálice é a nova aliança no m eu sangue” , lemos nas palavras da
sua instituição. Não se admire, pois, de o escritor que insta de maneira
tão veem ente a que os crentes reconheçam a superioridade do novo
pacto, inste também a que não deixemos de participar da cerimônia de
renovação do pacto que o Senhor celebra conosco, não de um a vez
por todas, mas a cada Dia do Senhor.

T en d o , p o is, irm ão s, in tre p id e z p a ra e n tra r no S an to dos


Santos, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo cam inho que
ele nos consagrou pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo
grande sacerdote sobre a casa de Deus, aproxim em o-nos, com
sin cero c o ração , em p len a c e rtez a de fé, tendo o co ração
p u rific a d o de m á c o n sc iê n c ia e lav ad o o corpo com água
pura. Guardem os firm e a confissão da esperança, sem vacilar,
pois quem fez a prom essa é fiel. C onsiderem o-nos tam bém
uns aos o u tros, para nos e stim u la rm o s ao am or e às boas
obras. Não deixem os de congregar-nos, com o é costum e de
alg u n s; antes, façam os ad m o estaçõ es e tanto m ais quanto
vedes que o D ia se aproxim a.

H ebreus 10.19-25

M ais do que Música

O u v im o s, re p e tid a m e n te , h o je, que a m ú sica é a c o is a m ais


im portante do culto. De fato, “culto” geralm ente significa cantar e
apreciar o canto de outros. “Vamos, agora, ter um momento de louvor”,
ouvimos. “Venha o grupo de louvor.” Preparando-me para uma palestra,
recentemente, apanhei uma edição de Worship Leader, uma publicação
da CCM Communications. Num dos artigos, um ministro faz lem brar
quão importante é a música como “linguagem do coração”. “A função
da m úsica é dar às pessoas um acesso à linguagem do coração de
m aneira que elas possam adorar mais plenamente”, ele escreve. E mais,
“ a m úsica pode ser e sp iritu a lm e n te g e ra tiv a ” . “E ventos gerados
espiritualm ente são coisas que ‘conectam ’ pessoas com D eus e que
têm uma qualidade auto-reprodutiva.” E ainda há mais a ser aprendido
quanto às coisas espiritualm ente gerativas:

Na Antigüidade, vemos esse conceito na conversão dos celtas


na Irlanda durante o século VI. Globos, lâm padas e im agens
celtas lem brando a C riação foram incorporados naquilo que
conhecem os como sendo a cruz celta... Ao m esm o tem po, os
globos e as lâmpadas foram cristianizados. Olhar para a cruz era
ver a Cristo. Olhar para a arte celta era pensar na cruz, onde
quer que se estivesse. Esse é um bom exem plo de um evento
espiritualm ente gerativo.14

Entretanto, não seria esse um bom exemplo daquilo que os profetas


e apóstolos teriam considerado como sendo idolatria - a violação do
segundo m andam ento, o qual proibia a criação de imagens do Deus
verdadeiro? A inda que alguém aceitasse tal arte com o sendo um a
m aneira de instrução, certamente os críticos de qualquer representação
d e D eus se se n tirã o in ju ria d o s q u an d o e ssa s im ag en s fo re m
m encionadas como exemplos de “um evento espiritualmente gerativo”.
N a ig re ja do au to r, ele nos diz: “nós tom am os n o sso s tem as
d ire tam e n te das a lte rn a tiv a s e das ‘D ez M ais Pop 4 0 ’ da m ídia.
Esperam os que surja daí um evento gerativo” . O subtítulo do artigo
é: “M úsica como M eio de Conectar-nos com Deus”. Poderia, a música,
realm ente, conectar-nos com D eus? N ão a P alavra cantada, m as a
própria m úsica? N um a geração que vê a m úsica (especialm ente a
m úsica pop) como a linha de salvação do ser e do mundo, não é de
surpreender que ela venha a ser considerada com o a m elhor ponte
para acessar a Deus.
A m enos que eu seja suspeito de exagero na avaliação do caso,
quero dizer que não considero músicas “alternativas” e “mais tocadas”
com o sendo in ere n te m en te id ó la tra s ou p ecam in o sas. E xem plos
Sem elhantes poderão ser tomados das apropriações da “alta cultura”,
como quando a igreja tradicional elim ina o canto congregacional em
favor de coros e músicos profissionais. Mas, no culto, estamos falando
de coisa diferente. Aqui, não é a cultura - qualquer que seja o segmento
que alguém prefira - que determina o modo das coisas. O que fazemos
e o que não fazem os no Dia do Senhor é determ inado por Deus: a
pregação da Palavra, os sacram entos e as orações (At 2.42). Com o
poderia, alguém, “tomar nossos temas da alternativa e das ‘Dez Mais
Pop 40’, quando fomos enviados para desenvolver a missão de alguém
em particular?
A presunção dos dias atuais parece ser a de que D eus não disse
n ada sobre com o deveríam os adorá-lo. P or exem plo, alguns têm
argumentado que o culto semanal não precisaria incluir a Palavra, pois
Deus pode falar por meio de um a variedade de instrumentos: drama,
dança litúrgica, poesia, etc. Repetidam ente, o culto é reduzido a um
material de preferência dos consumidores. Uma pessoa prefere guitarra,
outra prefere órgão. Não é esse o debate? Poderá parecer que sim, à
primeira vista, mas como o tema tem desenvolvimentos, espero que se
veja não se tratar apenas de gosto, e, muito menos, de guitarra versus
órgão. D efenderei a tese de que estilo não é coisa neutra* e de que,
quer prefiramos cantar “Brilha Jesus” quer “Ó Cristo, o Pão da Vida”
q u er o S alm o 23, ain d a assim , e s tilo não será um a q u e stã o de

Nosso Deus Ciumento

Idolatria é um term o carregado de significado e não deveria ser


brandido indiscrim inadam ente. Ainda assim, é uma perenal tentação,
até mesmo para crentes. Ver o culto como uma cerimônia de renovação
do pacto, à qual Deus nos convoca e na qual age em palavras e atos em
função do nosso bem, é o mesmo que reconhecer que a maneira como
adoramos (o segundo mandamento) é tão prerrogativa de Deus quanto
a definição de a quem nós adoramos (o prim eiro mandamento)';

outras coisas essenciais para o crescim ento cristão: oração, estudo


bíblico, prestação de serviço, etc. Contudo, esses não são, estritamente
falando, meios de graça, porém, meios de instrução e treinamento.
N esta época desértica entre os dois adventos de nosso Salvador,
Deus está salvificamente presente entre nós por meio da Palavra e dos
sacram entos. Tem os de nos dispor a fo rtalecer nossa fé, m as não
ousamos inventar nossa própria fé, com o fez Israel no M onte Sinai,
quando a justificativa de Arão para a feitura do bezerro de ouro foi:
Você sabe como o povo é... Somente na glória não mais precisaremos
de fé, uma vez que a esperança se dissolverá quando virmos o que é
perfeito; não haverá mais antecipação. Agora, porém, Deus nos dá meios
de graça para nos assegurar de que o m étodo de livram ento e de
redenção reside nele somente. Aqui no deserto, Deus nos dá a Palavra
pregada e a Palavra visível (batismo e Ceia). Aqui é o drama de Deus,
a litu rg ia da vida, no qual D eus age em g raç a sa lv a d o ra e nós
respondem os em fé e arrependim ento. Até m esm o nossa arquitetura
deveria estar cônscia dessa m issão de proclam ar o método divino de
graça som ente, m ediante a fé som ente, porque C risto som ente nos
libertou na igreja som ente, pelos m eios de graça som ente. D onald
Bruggink e Carl Droppers fazem uma recom endação que poderia ser
aplicada a toda igreja reformada: “Para apresentar os meios determinados
por D eus pelos quais Cristo vem ao seu povo, o reform ado tem de
oferecer expressão visual à im portância tanto da Palavra quanto dos
Sacramentos. Qualquer arquitetura digna do ensino escriturístico tem
de com eçar com Cristo, o qual chama os homens para si m esm o por
m eio da Palavra e dos Sacram entos”.15 No drama divino, o “cenário”
não é insignificante.
Por meio desse drama da cerimônia semanal de renovação do pacto,
não estamos apenas interpretando. O drama é real: Cristo, aqui, exerce
seu tríplice ofício de profeta, sacerdote e rei. Como nosso profeta, ele
profere seu julgam ento e anuncia sua salvação por m eio dos seus
embaixadores. Como nosso sacerdote, ele se posta entre nós e a justa
ira que a santidade divina requer em relação a rebeldes como nós. Além
da mediação, ele, o juiz, assume nosso julgamento. Como rei ressurreto,
ele venceu o pecado e a morte por nós e, agora, rege a sua igreja de
m aneira que nenhum conquistador estranho possa nos vencer.
P e la g raç a so m e n te som os re d im id o s e p e la g ra ç a so m e n te
perseveramos nessa redenção. A lógica da mensagem controla a lógica
do m étodo, im pedindo as falsas alternativas tanto do “entusiasm o”
desenfreado quanto da “ortodoxia morta”. Mas a lógica de ambos leva
à conclusão doxológica de Paulo em Romanos 11.36: “Porque dele, e
por m eio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória
eternam ente. A m ém !” H avendo m ontado o palco para esse dram a
divino, nos capítulos seguintes tentarem os desdobrar a m aravilha e a
sabedoria de Deus, o qual, em sua cerimônia de renovação do pacto,
dá-nos “todas as bênçãos nos lugares celestiais em Cristo Jesus” e recebe
nossos dons de louvor.
“A Fé Vem

Pelo Ouvir” :

O Ministério

da Palavra
Dois
Um Enredo Dramático

Um dos interessantes subprodutos da vida no sudeste da Califórnia


é o tanto de amigos que trabalham em Hollywood, especialm ente em
enredos cinematográficos. Uma coisa que ouvi meus amigos dizerem,
repetidam ente, é que eles passam por m uitos enredos superficiais,
unidim ensionais, sem direção, para encontrar um apenas que seja
d e c en te . Os en red o s que falh am na a p re se n ta ç ã o de um a tra m a
envolvente são os que se prestam a exibir “a concupiscência da carne,
a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1 Jo 2.16).
A ssim são tam bém os enredos da nossa vida. Filhos de Adão por
natureza - rebeldes, vagantes, alienados de Deus - não tem os um a
tram a, exceto a ausência de tram a da tram a pós-m oderna. N ada há
para dar sentido à totalidade da nossa vida. Para muitas pessoas, horas,
d ias e anos são rele g ad o s a um ocean o de o b sc u re c id a fa lta de
significado nas vagas do acaso. Não se trata de indevido pessimismo,
mas de uma avaliação totalmente adequada e madura da vida “debaixo
do sol”, onde tudo é “vanidade” (Ec 12.8). Para ser exato, Deus trata
sua criação rebelde com graça com um , dando prazer no trabalho,
fam ília, m arcos na vida e na carreira profissional. M as, após m aior
avaliação, a vida de presumida independência de Deus é unidimensional,
superficial, de trivial sucesso ou sucessivas falhas. Falta uma narrativa
ou trama que unifique os eventos, as personagens, e que as coloque e
as acione como partes de uma história abrangente.
M as o problema não é apenas o da falta de uma trama envolvente,
mas o fato de não haver nenhum enredo. E um diálogo improvisado -
ou melhor, um monólogo, uma apresentação solo. E não obstante tanto
clamor por comunidade, muitos se rendem ao individualismo da escolha
e da au to n o m ia. N eal G ab ler faz um in cisiv o re la to de com o o
entretenimento venceu a realidade fazendo cada pessoa pensar a respeito
de si mesmo como o astro de seu próprio show. Seu título é Life the
Movie, Starring Everyone. “Um crescente segmento da economia”, diz
Gabler, “dedica-se a desenhar, construir e arranjar os cenários nos quais
vivem os, trabalham os, com pram os e nos divertim os; a criar nossos
próprios trajes, fazer brilhar nossos cabelos e iluminar as nossas faces;
a manter nossos corpos delgados; a fazer a nossa própria m arcação -
tudo para nos apropriarmos da pompa da celebridade no filme da vida.”
D iretores de dram a como M artha Stewart ajudaram -nos a conseguir
essa aproxim ação à im agem que temos de nós mesm os no film e de
nossa v id a.16 E precisam ente esse o processo do enredo traçado pelo
m undo (Rm 12.2) que este capítulo desafia.
Antes que tenhamos nosso enredo reescrito, temos de dar um passo
atrás. C onquanto, hoje, nossas identidades sejam m ais recortes da
imagem ideal embalada e posta no mercado por meio de uma avalanche
de propaganda m ascarada de entretenim ento, o “eu” representado no
dram a bíblico da redenção é um ser inteiro porque pertence a um a
história que é maior que o indivíduo. No primeiro caso, as identidades
dos outros (geralmente, celebridades) são consumidas e passam a fazer
parte da m inha vida e identidade. No segundo caso, as identidades
verdadeiras (não imagens) de muitos das personagens bíblicas tomam-
se o contexto no qual minha vida tem sentido. Aqui é onde estrangeiros
e peregrinos, finalmente, pertencem a Deus e fazem parte da sua família
através da H istória. No prim eiro, até m esm o Deus é “apropriado” ,
arrastado ao nosso enredo, acabando em futilidade, enquanto que, no
segundo, até mesmo o mais vilão dos personagens poderá ser arrastado
para o drama divino e feito um novo personagem por vontade do diretor.
Diferente de muitas peças que, simplesmente, entretêm ou evocam
diversas respostas, o drama divino, de fato, incorpora a audiência na
trama geral. A f é vem por meio de se ouvir a Palavra de Deus. Como é
que, por ouvir a História e o enredo da proclamação da ação julgadora
e salvadora de Deus, espectadores céticos tornam-se novas personagens
na peça? Por que ouvir? Será que a pregação é a única maneira para se
criar fé no coração dos incrédulos? F inalm ente, com o poderem os
recuperar o senso do ato dramático na pregação?

A Lógica da Graça: Meio de Salvação e Meio de Salvar

Para responder a essas questões, voltam o-nos para Rom anos 10.
Primeiro, há o bem conhecido lamento com respeito à ofensa da cruz -
um lamento, porque tantas pessoas da mesma came e sangue de Paulo
tropeçam na Pedra. Mas a Pedra não pode ser movida. Não pode ser
amaciada, feita em pedaços, ou absorvida pelo ambiente. Ela está aí -
no caminho, inconveniente, ofensiva. Deus requer uma justiça perfeita,
a qual alguns dos destinatários judeus buscavam por m eio de suas
próprias obras em vez de a aceitarem somente por meio da fé em Cristo.
Paulo organiza a lógica da graça bem claramente através dessa epístola,
mas, especialmente em 8.29, o argumento se torna estritamente lógico:
“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para
serem conform es à im agem de seu Filho, a fim de que ele seja o
primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também
cham ou; e aos que cham ou, a esses tam bém ju stifico u ; e aos que
justificou, a esses também glorificou. Que diremos, pois, à vista destas
coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (v. 29-31). E, a
seguir, Paulo acrescenta que a “justiça da lei” conduz a conclusões
a n titéticas às alcançadas pela “ju stiç a que procede da fé ” . Isso é
declarado de modo mais sucinto, finalmente, no capítulo 11: “E, se é
pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça”
(v. 6). Essa é a lógica do evangelho.
E ste sum ário é b astan te fam iliar p ara m uitos de nós. Há dois
caminhos de salvação: o nosso, que leva à morte, e o caminho de Deus,
que conduz à vida eterna. Cada caminho tem seu próprio destino e seu
próprio m étodo de redenção (obras ou graça). O que poderá não ser
tão familiar é o argumento de Paulo em Romanos 10, de que cada uma
dessas estradas tem não apenas seu próprio destino e seu próprio método
de red en ção , m as, tam bém , seu p ró p rio m eio de obtenção ou de
recepção da redenção. E possível aceitar-se a lógica da m ensagem
(salvação pela graça som ente por causa de Cristo som ente), e ainda
assim perder a lógica do método (recepção pela graça somente). Leia o
argum ento de Paulo com atenção:

O ra, M oisés e screv eu que o hom em que p ra tic a r a ju stiç a


decorrente da lei viverá por ela. Mas a justiça decorrente da fé
assim diz: Não perguntes em teu coração: Quem subirá ao céu?,
isto é, para trazer do alto a Cristo; ou: Quem descerá ao abismo?,
isto é, para levantar Cristo dentre os mortos. Porém que se diz?
A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração; isto é, a
palavra da fé que pregamos... Porque: Todo aquele que invocar
o nome do Senhor será salvo... Como, porém, invocarão aquele
em quem não creram ? E com o crerão naquele de quem nada
ouviram ? E com o ouvirão, se não há quem pregue? E com o
pregarão, se não forem enviados? Com o está escrito: Q uão
formosos são os pés dos que anunciam coisas boas!... E, assim,
a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo.

Romanos 10.5-8, 13-15, 17

Percebe a lógica do m étodo que Paulo delineia? Ele está dizendo


que a graça tem seu próprio método. O espírito da justiça das obras diz:
Como poderei me alçar a Deus e trazer Cristo até mim, aqui onde
estou, para a minha experiência? A ssim como Ulisses, cruzando os
largos m ares para conquistar dragões e, finalm ente, chegar à sua
recompensa, a lógica da justiça das obras concebe a salvação em termos
de conquista pessoal. Martinho Lutero falaria a respeito de escadas nas
quais as pessoas sobem para chegar à presença de Deus. Ele teria em
mente o misticismo, os méritos próprios e as especulações. Está cheio
dessas escadas por aí. Abundantes alvos e métodos são propostos para
trazer Deus dos céus, para o manipular e conseguir dele as coisas que
desejamos que ele faça. Trata-se apenas de saber as técnicas certas e os
princípios espirituais certos. Fazer a coisa certa. Achar o líder espiritual
adequado ou o movimento mais promissor para se afiliar a ele. Basta
peregrinar para o nicho da última atividade divina relatada. Isso, é claro,
é o que os israelitas tentaram fazer no deserto. Enquanto Deus dava ao
povo redim ido uma Palavra escrita e pregada, por meio do seu servo
Moisés, no topo da montanha, eles estavam ocupados na feitura de um
bezeiTo de ouro que pudessem ver e tocar - e controlar.
Hoje, as pessoas ainda querem ver, tocar e controlar Deus. Fazem
quase qualquer coisa para estar onde a “ação” se desenrola, onde Deus
foi conjurado dos céus, quer seja Toronto quer seja Pensacola quer seja
Lourdes. Não contentes com ouvir a Palavra de Deus, querem “ver” a
glória de Deus. M as Deus advertiu M oisés: “Não me poderás ver a
face, porquanto homem nenhum verá a minha face e viverá” (Êx 33.20).
De fato, foi durante esse episódio, logo após Deus concordar com não
destruir o povo idólatra, que Moisés pediu a Deus para ver a sua glória.
Informando Moisés de que isso determinaria para o profeta a maldição
e não a bênção, Deus permitiu que ele visse a sua bondade em vez de
a sua glória passar. E Deus fez isso pregando um breve sermão, cuja
introdução, corpo e conclusão foram: “Terei misericórdia de quem eu
aprouver ter m isericórdia”.
Ao longo da história de Israel, a idolatria foi um grave pecado, Não
foi adultério ou fomicação, cobiça ou roubo, assassinato ou desobedi­
ência aos pais. Esses eram muito importantes, cada qual com sanções
previstas no código civil mosaico. Entretanto, a idolatria é o pecado do
qual todos os demais parecem fluir. Os cananeus e outras nações ao
redor eram culturalm ente mais sofisticados e tecnologicam ente mais
adiantados que os filhos de Israel. Eles davam o crédito de sua prospe­
ridade a seus próprios esforços e à aprovação dos seus deuses. Eles
podiam ver cada um dos seus deuses. Havia m anifestações visíveis e
pontos de contacto com essas deidades em forma de enormes estátuas
e altares erguidos nos pontos m ais altos do horizonte. Israel estava
cansado de ouvir - o que corresponde à espera paciente na esperança
pelo cumprimento do tempo de Deus. Em vez disso, o povo queria ver
— o que corresponde à própria realidade: ver para crer. E isso é verda­
deiro, também, em relação a nós, criaturas decaídas, nascidas descon­
fiadas e cínicas. Contudo, Paulo nos lembra: “Porque, na esperança,
fomos salvos. Ora, esperança que se vê não é esperança; pois o que
alguém vê, como o espera? Mas, se esperamos o que não vemos, com
paciência o aguardam os” (Rm 8.24-25).
Portanto, há uma correlação, na fé bíblica, entre, por um lado, a fé,
a esperança e a promessa anunciada (ouvir) e, por outro lado, a vista, a
constatação concreta e a experiência da totalidade da realidade. Aqueles
que exigem a visão plena de Deus aqui e agora, estão particularmente
suscetíveis à idolatria, pois não se inclinariam a isso se fossem pacientes
na espera da salvação que já possuem em Cristo da maneira como ela
é m ediada por meio dos vasos quebrados e não tão espetaculares dos
m ensageiros humanos e por meio dos elementos mais comuns (água,
vinho e pão). Por que são, estes, meios de graça efetivos? Não será por
causa do ministro em si mesmo, mas por causa da promessa de Deus.
Deus prom eteu derram ar sua graça por meio desses hum ildes pontos
de encontro. Não é que obtemos um tipo de graça na pregação, outro
no batismo e outro na Ceia. Antes, por meio desses meios divinamente
instituídos, Deus oferece e proporciona a mesma graça: perdão e vida
nova. O reavivam ento ali da esquina poderá prom eter a visão, mas o
Espírito de Deus nos acalma e diz: Ouvi as minhas palavras. A lógica
da justiça que procede da fé diz que não teremos de cruzar os mares a
fim de encontrar a Deus e de nos “apropriar” do seu poder. Ele está à
n o ssa d isp o siç ão , tão p ró x im o com o os m eios de g raça — n esta
passagem, tão próxim o como a pregação do evangelho.
Essa é uma grande novidade! Significa que Deus não apenas nos
salvou pela graça quando enviou seu Filho dois m il anos atrás, mas
que ele aplicou sua graça pela graça somente. Ele fez isso enviando o
seu Espírito até nós, aqui e agora, e o seu testemunho até os confins da
terra, para fazer do seu evangelho pregado e da administração dos seus
sacramentos os meios de graça que criam a fé e que nos confirmam até
o final.
U m proponente do culto “contem porâneo” diz: “Aqueles que [sic]
são paladinos do cognitivo sugerem que o culto deva centrar-se na
proclam ação da Palavra” .17 Essa é um a proposição com um hoje em
dia, e funciona não apenas por causa da crescente cultura antiintelectual,
mas, também, porque muitas das igrejas centradas na Palavra são, de
fato, identificadas com o estilo de discursos áridos sobre Deus, em vez
de identificadas com os meios de graça por intermédio dos quais Deus
convoca seu povo para juízo e justificação na sua presença. A prefe­
rência pelo aspecto cognitivo não é, enfaticamente, a razão pela qual a
proclam ação da Palavra deveria ser o centro do culto. A despeito do
fato de grande número de pregações conservadoras ser excessivam en­
te didático, tratando a Escritura como se ela fosse, primariamente, um
manual de doutrina ou de princípios para a vida, o argumento de Pau­
lo, aqui (e poderia ser visto em muitos outros lugares, por exemplo em
Ezequiel 37), é muito diferente. Para escritores bíblicos, como os refor­
m ados, “a palavra de Deus pregada é a Palavra de D eus” (Segunda
Confissão Helvética). Ela não é, prim ordialm ente, um evento de ins­
trução, motivação, encorajamento, inspiração ou exortação. Todas es­
sas coisas poderão estar aí envolvidas, dependendo da passagem, mas
a Palavra pregada é, prim ariam ente, um meio de graça. Isso é o que
Paulo argum enta, especialm ente, em Romanos 10, e tam bém em ou­
tros lugares e de diversas maneiras (viz, que o evangelho é o “poder de
Deus para a salvação”). Devemos ser cuidadosos aqui, é claro. Não
poderá haver encontro salvífico com a Palavra de Deus sem a comuni­
cação de certas verdades. A pregação da lei não poderá matar, nem a
pregação do evangelho poderá criar fé, se não houver conteúdo sufici­
ente. Assim, não é aconselhado jogar o conhecimento de certas coisas
de Deus contra o conhecimento do próprio Deus (“não um a proposi­
ção, mas uma pessoa!”). E impossível se conhecer alguém sem conhe­
cer certas coisas a respeito desse alguém. Contudo, a questão é que,
muitas vezes, a pregação é, primariamente, concebida como um even­
to no qual Deus é a fala, mas não o ator!
L eituras d outrinárias e de inspiração e palestras m otivacionais
baseadas em como fa ze r as coisas dominam as duas aproximações, a
tradicional e a contemporânea, mas ambas tendem a minar o caráter de
evento próprio do culto. Uma coisa é falar sobre as doutrinas do pecado
e da graça, e outra, estar de fato diante de Deus em julgam ento e
justificação. Um a coisa é ouvir exortações para a vitória, e outra,
experienciar o poder de ser levado pelo enredo da vitória de Deus sobre
seus inimigos (o mundo, a carne e o diabo). Doutrina e exortação estarão
sempre envolvidas em toda boa pregação da Escritura, mas a pregação
jam ais deveria ser reduzida a qualquer delas. Isso acontecendo, não
será de admirar se as pessoas, finalmente, perderem o senso da presença
ativa de Deus e saírem à procura de outros “meios de graça”, outras
fontes que as leve a “baixar a presença de C risto” à sua experiência
cotidiana ameaçada pela falta de significado e pela trivialidade.
A pregação não é mera palestra sobre Deus, mas a fala de Deus —
nem mesmo qualquer fala. É o tipo de fala que produz novas criaturas.
É o encontro por meio do qual Deus mesmo assume a cadeira do juiz,
condena-nos como sendo pecadores segundo os padrões da sua justiça
perfeita, e então, dispõe Jesus Cristo para ser o justo e o justificador do
ímpio. Tudo isso ocorre diante dos nossos olhos. E operado sobre nós
e em nós, pelo Espírito Santo, quando a Palavra é pregada (e visivel­
m ente confirm ada pelos sacramentos). E essa Palavra é pregada, diz
Paulo, continuando sua argum entação, por alguém autorizado a pre­
gar em nom e de Deus: “E com o pregarão, se não forem enviados”
(Rm 10.15). Não se trata de “liberação-geral” , um show vespertino no
qual as pessoas com partilham suas experiências religiosas e opiniões
sobre as coisas. Ninguém é qualificado para falar em nome de Deus
por causa de seu carisma, de seu marcante testemunho de salvação, ou
por suas habilidades pessoais e administrativas. Como Earl Lautenslager
escreveu: “Um ministro sem teologia é como um engenheiro sem físi­
ca ou um médico sem anatomia. Ele o matará”.18 Deus indicou oficiais
à igreja para proteger suas ovelhas desse tipo de perigo. Até mesmo ao
estabelecer ministros ordenados, Deus visou proteger o sistema de en­
trega do evangelho.
Dessa maneira, Deus assegura não apenas que as boas novas sejam
preservadas, mas que permaneçam as boas novas da maneira como ele
as entregou a nós. Assim como a fé é o único instrumento de justificação,
“assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” .
Os ouvidos são órgãos de recepção, não de obtenção. De fato, isso é
im portante, num tem po no qual parecem os pensar que aquilo que
fazemos no culto é voltado para nós, apenas como questão de estilo,
preferência, tradição, etc. - e que, conseqüentemente, o que funcionou
em outros tem pos poderá não fu n cio n a r p ara nós. A p reg ação é
necessária, não porque é algo m ágico, mas porque D eus a ordenou
para a purificação e santificação de pecadores. M uitas vezes, esse tipo
de aproximação poderá soar legalista. Esta é uma geração que anda em
seus próprios cam inhos, e não podemos perm itir nem que o próprio
Deus fique no caminho da “obra do reino” .
As pessoas, porém, precisam entender que não se trata de legalismo,
m as, exatam ente, do oposto: D eus está defendendo seu povo dos
m ercad o res, dos cap rich o s dos cruzados au to d eterm in ad o s e das
espertezas da imaginação humana religiosa, a qual, como Calvino disse,
é “uma fábrica de ídolos”. Ele quer nos salvar e não nos deixar à mercê
das sutis distrações que nos levariam de volta às trilhas antigas em vez
de levar àquela que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Ele quer nos
salvar à sua maneira, inteiramente de graça, para que dele seja toda a
glória. A lógica de Paulo não é a do legalism o, mas a da graça - a
descoberta de Deus quanto aos pecadores e sua obtenção da nossa
salvação, e não nossa descoberta de Deus e de nosso sucesso na vida.
M uito se fala hoje sobre Deus se “manifestando” a nós. Não é que
isso seja algo tão ruim, ou que Deus não tenha se manifestado de m ui­
tas maneiras. O problema é que essa manifestação tem sido pesadamente
orientada a visões e ao controle e não à atitude de ouvir e esperar. O
filósofo Paul Ricoeur está bem correto na ênfase da prioridade da pro­
clamação sobre a manifestação, na religião bíblica. É aquilo que Deus
diz, afinal, e não aquilo que Deus é no segredo e na majestade da divi­
na existência, que diz respeito aos peregrinos m ortais (e pecadores).
Segundo o m odelo de m anifestação, diz Ricoeur, o “sagrado” é cen­
tral, e “ver” é a chave mestra. Tudo é sagrado e miraculoso. O mundo
é atacado de divindade e quase tudo, e cada experiência, são oportuni­
dades para tocar e ver a face de Deus.
Essa é a linha típica de pensam ento das religiões pagãs, incluindo
as versões largamente adotadas hoje. Entretanto, isso é, precisamente,
aquilo que Israel foi advertido para não fazer. Enquanto as religiões
pagãs vêem todas as coisas com o sendo, basicam ente, sagradas e
m iraculosas, o m odelo de proclam ação da fé bíblica se m ostra bem
diferente.
D e fato, ninguém poderá deixar de se chocar à vista da luta
constante e obstinada contra os cultos cananeus —contra os ídolos
B aal e A sta rte , co n tra os m ito s acerca da v eg etação e da
agricu ltu ra e, em geral, contra qualquer santidade natural e
cósmica —como está expresso nos escritos dos profetas hebreus...
Direi antes de tudo que, com a fé hebraica, o m undo valoriza
em excesso aquilo que é nômeno [sacro inefável]. Certamente,
o nôm eno não está ausente, digam os, da sarça ardente ou da
revelação do Sinai. Mas o nômeno é apenas a tela subjacente da
qual o m undo se destaca... A teologia do N om e é oposta a
qualquer hierofania [m anifestação do sagrado] de um ídolo...
Ouvir a Palavra cedeu lugar à visão de sinais. Certam ente, há
ainda um lugar santo (um tem plo) e um tem po sagrado (os
festivais). Mas a tendência geral, ainda que não seja com pleta
nem prevaleça todo o tempo sobre sua rival, é fundamentalmente
ética, e não estética. M editar sobre os mandamentos é maior do
que venerar ídolos.19

Não apenas o ministério da Palavra é algumas vezes desafiado pela


preferência visual e aureolar em nossos dias, mas há, também, outros
fatores culturais em operação. U m a das defesas típicas dos cultos
direcionados é o que eu cham o de “narcisism o de geração” . A ssim
com o acontece em relação a raça, nacionalidade, tim es esportivos e
denominações religiosas, também é verdadeiro que, com marketing, a
igreja pode experim entar um alto grau de vergonhosa arrogância de
grupo. Querem nos dizer que, hoje, as pessoas não têm uma capacidade
de atenção prolongada e que ficam impacientes com sermões longos
que sequer são relevantes (geralmente, “relevante”, aqui, significa um
sermão cujo foco esteja sobre nós ou sobre lições práticas, em vez de
em Deus e em suas obras). Ouvir sermões profundos e participar na
litu rg ia com o atores em vez de esp ectad o res pode ser que ten h a
funcionado para “a nuvem de testemunhas” desde Abraão até Warfield,
mas não para nós. A nossa, afinal, é uma geração singular, e tem de ser
cuidada por aqueles que sejam suficientem ente sensíveis ao nicho
m ercadológico de nossas necessidades.
E ntretanto, é claro, essa geração narcisista, na qual o verbo ser
sociológico determina o dever teológico ou prático, não traz nada de
novo. Nem é coisa singular aos nossos dias a dominância visual, como
observamos com respeito à reação da Reforma ao culto medieval, em
que as cerim ô n ias, p in tu ra s, estátu as, v isu a lm e n te estim u la n te s,
suplantavam a pregação. Facilm ente podem os observar as suspeitas
hebraicas - não da arte, mas das imagens de Deus ou da arte sagrada;
não do ritual, mas da criação de nossos próprios rituais, nosso culto
autodeterminado; não da música, mas da escravidão à música que mina
a liturgia, a pregação e os sacramentos. Ricoeur estava certo, então, ao
contrastar atitudes hebraicas e pagãs. Enquanto os pagãos poderiam
ser ecléticos e inovadores num âm bito possível de criatividade, os
israelitas deveriam evitar a santidade impessoal de tudo, representada
pelos ídolos como auxílios visuais, para abraçar o próprio Deus infinito
e pessoal que falou por meio dos patriarcas e dos profetas. Os israelitas
estavam livres para exercitar sua imaginação criativa com respeito às
coisas visíveis do mundo de Deus, mas não com respeito às celestiais.
O povo de Deus recontava as histórias dos atos redentores de Deus na
história de Israel, e a própria definibilidade desse Deus e sua autor
revelação requeriam que eles o cultuassem de nenhuma outra m aneira
senão daquela maneira determinada. Deus não se revelou em todos os
lugares, e ele não era com o o “herói de mil faces”, personagem de
Joseph Cam pbell. E ra essa característica peculiar da fé bíblica que
frustrava o paganismo: este Deus, seu povo, neste tempo e lugar.
O pagão típico co n sid eraria (e ainda considera) ofensivas tais
restrições às manifestações sacras. Mais escandalosa ainda, é a noção
de que Deus se revela como Salvador na história da redenção por meio
de Jesus Cristo, e não em todos os lugares nos quais o busquem os.
Conquanto a lei (justiça, santidade, soberania e poder de Deus) seja
por nós conhecida na natureza e claramente vista por meio das coisas
que foram criadas, o evangelho (misericórdia e graça de Deus em Cristo)
não está presente na natureza ou na criação. Essas boas novas vieram
d e p o is da c ria ç ã o , d e p o is da queda, com o um a n ú n c io de um a
surpreendente mudança de eventos que não poderíamos, de outra forma,
conhecer ou esperar. Essa direção está bem distante de um a frase do
bom hino, “O mundo de meu Pai”: “Na relva, eu o vejo passar, ele fala
em qualquer lugar”. Ainda que Deus seja revelado como nosso Criador
por meio da criação, somente podemos conhecê-lo como nosso Redentor
nas passagens da Escritura que focalizam o anúncio da pessoa e da
obra de Cristo.
Alguns replicarão: sim, isso é verdadeiro, mas não é Jesus Cristo o
ícone (eikon) do Deus invisível? E isso não significaria que nosso culto
deveria ser encarnador (um termo que está sendo mais e mais usado
para se referir a nós e ao nosso m inistério do que a Cristo e ao seu
ministério)? Contudo, usar a encarnação como cifra para contrabandear
qualidade sacra para o cristianismo é algo perigoso. Certamente, Deus
se fez carne na pessoa de Jesus Cristo. Deus preservou o povo da
idolatria, precisamente por causa desse evento. Mas aqui estamos nós,
dois mil anos depois. Podemos não ver a Cristo, mas podemos ver o
pão e o vinho que na união sacramental se tomam sagrados em virtude
da Palavra e do Espírito, porque por meio deles o povo de Deus recebe
sua própria realidade. E como C risto é pregado a cada semana, por
meio da totalidade do culto como da pregação, ele está, de fato, presente
e ativo pelo Espírito Santo como se ele mesmo estivesse ali, fisicamente.
Não há três deuses, mas um Deus, de modo que a presença do Espírito
Santo é a presença do Filho que o enviou.
Por isso é que Paulo pôde falar como se sua pregação fosse um
drama visual: “O gálatas insensatos! Quem vos fascinou a vós outros,
ante cujos olhos foi Jesus Cristo exposto [literalmente, postado num
quadro] como crucificado?” (G1 3.1). E aqui surge de novo o contraste
entre obras de justiça e se cremos, ou não, no que ouvimos (v. 5). Até
mesmo os sacramentos têm sua eficácia por meio do Espírito apenas,
pela Palavra. Deus nos deu, graciosamente, a Palavra visível juntamente
com a Palavra pregada.
A ssim , a lógica de Paulo torna-se clara: o m étodo de salvação
requerido, o qual é pela graça, também requer uma entrega executada
pela ação graciosa de Deus e não dependente, para seu sucesso, da
decisão ou do esfo rço hum ano. O bserve a iro n ia ao d ize r que a
m ensagem que proclam am os é a de que pecadores são salvos pela
graça som ente por causa dos m éritos de C risto som ente, e então,
acrescentar (talvez em letras pequenas) que esse suposto dom gratuito,
na verdade, foi obtido som ente por nossa descoberta ou esforço,
tra z e n d o -o do céu ou d escen d o aos m ares a fim de obtê-lo . Na
encarnação, Deus atravessou a grande expansão e fez todo o trajeto até
nós. Mas isso não é tudo. A fim de nos unir a ele aqui e agora, para
aquele evento “lá e então”, ele enviou m inistros — em baixadores —
trazendo seu tratado oficial e seus selos. E isso conclui a lógica do
argum ento de Paulo: “E com o ouvirão, se não há quem pregue? E
como pregarão, se não forem enviados?” (Rm 10.14-15).
M uitos, hoje, crêem que o evangelho seja a mensagem de salvação
pela graça, mas que o meio de se receber a graça é agarrar-se a ela,
realizan d o longas jo rn a d a s, cruzando os m ares, ou, literalm en te,
cruzando o país, tentando um m odism o após outro. E seguindo essa
lógica, crêem que quase todos se qualificam como “ministros” e quase
tudo com o “m inistério” . A pessoa não precisaria ser “enviada” da
m aneira como Paulo disse, mas poderia enviar a si m esm a (e diga-se,
de passagem, que Paulo entendia “enviar” como ser enviado por uma
igreja como ministro ordenado, como esclarece a expressão “mediante
a imposição de mãos do presbitério”). Uma passagem paralela no Antigo
Testamento é a de Jeremias 23, na qual os “falsos profetas” são julgados
por Deus por causa de proclamarem as suas próprias palavras em vez
de proclam arem as palavras de Deus. “Não m andei esses profetas;
todavia, eles foram correndo; não lhes falei a eles; contudo, profetizaram ”
(v. 21). A fim de proteger o ministério do evangelho e a integridade do
seu conteúdo, reina o Cristo, na igreja, por meio de oficiais aos quais
comissionou. Dessa maneira, a congregação deverá entender que ela é
recipiente da mensagem que Deus mesmo autorizou, pois, por meio da
igreja, ele enviou mensageiros autorizados.
Por isso é que o método de entrega da graça não poderá estar separado
do seu conteúdo. Se a salvação é pela graça somente, ela precisará ser
entregue por um meio no qual o pecador seja o recipiente. Esse meio é
o da pregação (com os sacram entos). Súbito, um culto no qual a
congregação é, quase exclusivam ente, ativa (por exem plo, no canto,
especialm ente no canto sobre o que ela própria está fazendo e o que
fará) interrom pe essa lógica paulina. Certam ente, há espaço para o
envolvimento das pessoas - mas isso não é um meio de graça; é um
m eio de resposta à graça entregue por Deus somente. Então, Paulo
destaca a pregação - e não qualquer pregação, mas um tipo certo de
pregação: “a palavra da fé que pregam os” (Rm 10.8), a “palavra de
C risto ” (v. 17). E a pregação dos m andam entos de D eus que traz
convicção, enquanto a proclam ação de C risto no evangelho cria e
continua criando a fé e os seus frutos. Esse é o m ilagre que ocorre
através do frágil instrumento da pregação: Deus não é apenas o objeto;
ele é também o sujeito que julga e justifica, rebaixa e ergue, mata e faz
viver, à medida que o sermão se desdobra.
M uitas pessoas ouvem as boas novas no que co n cern e à obra
salvadora de Cristo: é pela graça, não pelas obras. Mas o problem a
com eça quando elas descobrem quantos truques, técnicas, métodos e
m eios há por aí para se alçar a Deus e experim entar a visão da sua
glória, um toque de poder, um clarão de sua majestade. Quando elas se
frustram com esse tipo de religião, estão prontas para o ateísm o ou
para a teologia da cruz e da ressurreição. A teologia da cruz fala de
fraqueza, não de poder — e ainda assim, por causa da ressurreição de
Cristo, “é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê”
(Rm 1.16). Parecerá estultícia, não sabedoria, aos olhos do m undo
(e aos olhos da igreja mundana) - e ainda assim, a “loucura de Deus é
mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que
os hom ens” (1 Co 1.25).

Deus já Tornou a M ensagem Relevante

As coisas fracas de Deus têm se tornado não tanto desprezadas quanto


ig n o rad as em m uito do c ristia n ism o con tem p o rân eo . E m vez de
considerá-las, olhamos para as coisas poderosas deste mundo. E depois,
perguntamo-nos por que obtemos resultados mundanos: consumidores
em vez de discípulos. E o tradicionalism o não se sai m elhor. Se os
crentes esperam obter um vibrante encontro com Deus, sem a Palavra,
deveríam os nos perguntar sobre o que está ocorrendo. Será porque
nosso tempo é como o da Idade Média, visual em vez de verbal? Ou
poderá ser que muitos de nós temos tornado o culto uma rotina seca,
puramente racional e não-reflexiva? Nenhum de nós se safa facilmente
quando se trata do estado do culto contemporâneo.
Se as pessoas não estão ouvindo a pregação de Cristo como as boas
novas para os crentes que estão ainda em pecado e fracos na fé, então
não é de admirar que a pregação tenha perdido seu poder. O poder está
na pregação de Cristo, não no meio da pregação - um meio que Paulo
cham a de “estulto” e “fraco” . M ais do que bom desem penho, bom
som, bom palco e luzes, o que realm ente precisam os é de um bom
enredo. E nós o temos na Palavra de Deus — e à medida que estivermos
confiantes no poder dessa fraqueza, seremos fiéis como pregadores e
ouvintes das boas novas de Deus. Se as pessoas estão volteando à
procura de dramas, talvez seja porque não lhes estejamos demonstrando
a maravilha do drama divino. O espírito da reforma - para ser mais exato,
o espírito apostólico — não é o do conservador nem o do progressista.
E le opera de m aneira fiel, trazendo os m eios de graça a cada nova
geração - sem quebrar a cadeia entre as gerações que são partes e
parcelas do pacto da graça. “A prom essa é para vós e para vossos
filh o s ” , d eclaro u P edro no P en teco stes. E se o nosso povo quer
transform ar nossa igreja num a classe de aeróbica ou num a comédia,
em vez de, m eram ente, resistir e reagir, talvez devêssem os levantar
alg u m as p e rg u n ta s d u ras. E sta re m o s, re a lm e n te , m in is tra n d o o
evangelho da graça? Se a pregação de Cristo e o lugar dos sacramentos
estão obscuros, não é de surpreender que as pessoas façam bezerros de
ouro para si m esm as - seus próprios m eios de graça na form a de
extravagâncias m usicais, arroubos em ocionais, dram as visuais ou
quaisquer outros m étodos que julguem ser de ajuda para acessar a
presença daquele que, na verdade, é quem nos busca e encontra.
Além disso, Deus providenciou o batismo e a Ceia como meios de
fortalecim ento de nossa fé em C risto, infundindo-nos confiança e
proporcionando as suas bênçãos. Esses sacram entos não são m eras
ilustrações, como os teatros nas igrejas, mas, na verdade, portam a
entrega prometida. Deus já se conformou à nossa fraqueza: na Palavra
e nos sacramentos. Primeiro, ele se conformou na forma de sua auto-
revelação na história de Israel. A própria Escritura é “conform ada às
nossas fraquezas”, como enfatizou Calvino, comparando nossa fraqueza
ao balb u cio de crianças. E screvendo para o povo com um , no seu
próprio idioma, os autores humanos da Escritura foram movidos pelo
Espírito Santo para descrever analogias do dia-a-dia.
Deus se conform ou à nossa fraqueza, na encarnação. Ele desceu
dos céus até nós, salvou-nos na morte e na ressurreição do seu Filho, e
continua a tomar providências para nosso bem-estar temporal e eterno.
E não é tudo: depois disso, ele continua se conformando, descendo até
nós, aqui e agora, utilizando os elementos mais comuns e familiares ao
hom em iletrado e ao acadêmico: água, pão e vinho. Aqui, Deus ainda
se conforma à nossa fraqueza, permitindo-nos provar e ver que o Senhor
é bom, isto é, permitindo-nos ter um vislumbre de sua bondade enquanto
ele passa. O escritor de Hebreus chama isso de provar “os poderes do
mundo vindouro” (Hb 6.5). Não será arrogância nossa, pois, responder
a essa graciosa concessão por meio da pergunta: “Mas, e sobre nossos
adolescentes? Com o tornar o evangelho relevante para pessoas de
h oje?”
O apóstolo Paulo delineou em Romanos 10 o argumento da pregação
como sendo o meio de Deus de se conform ar com nossas fraquezas,
deixando certo que o sistem a de entrega das boas novas de Deus é
determ inado pela lógica da graça como sendo a própria m ensagem .
M étodos não são neutros; são sem pre indicativos de um particular
conjunto de crenças. Alguém poderá se apegar tenazmente à visão de
que Deus somente salva pela graça somente, pela fé somente, em Cristo
somente, e ainda assim, ascender à presença de Deus ou trazê-lo abaixo
por meio de técnicas e programas que prometem o encontro divino. A
lógica de Paulo deveria nos p revenir de separar a m ensagem dos
m étodos.
Entretanto, isso levanta uma questão: se o “enredo dram ático” é,
realmente, o meio principal da ação divina em nossas vidas, onde se
encaixa o papel do Espírito Santo? O próximo capítulo se dirige a essa
questão, quando veremos como Deus escala novas personagens.
Três
Novas Personagens

Conforme a mitologia grega, Proteus era uma deidade que poderia


transformar-se em dragão, fogo ou torrente de água, segundo seu querer.
D o tad o de um sin g u la r dom de p ro fe tiz a r o fu tu ro , ele po d eria,
facilm ente, frustrar os encantadores que tentassem arrancar de seus
lábios os seus próprios destinos. Som ente um a coisa poderia forçar
Proteus a satisfazer suas exigências: ele teria de estar preso de correntes.
Só então, estaria incapacitado para mudar suas formas esquivas e furtar-
se à divinização requerida por seus captores.
O psicólogo Robert Jay Lifton refere-se ao “estilo proteano” que
domina a emergência da psique em nossos dias.20 Aquilo que costumava
ser chamado de desordem de múltipla personalidade, Lifton diz, não é
visto mais como sendo patológico, mas o tom normal em que a peça da
v id a p ó s-m o d e rn a é to c a d a .21 P a ra essas p e sso a s, não há um a
personalidade “residente”, e o ator tenta em vão remover a máscara a
fim de se revelar. Isso é “O homem de Nenhum Lugar”, dos Beatles,
“F azen d o p lan o s p a ra lu g ar nenhum , p ara n inguém . N ão é um a
perspectiva, a de não saber para onde ir. Não é um pouco como você e
eu?” As múltiplas máscaras são a “realidade” como ela é. Como isso
funciona na experiência concreta? No passado, as pessoas costumavam
converter-se a outras religiões, ou até a partidos políticos, com enorme
gravidade. M esm o consum idores de produtos eram subm etidos a
pesquisas de m ercado quanto à sua possível lealdade à m arca do
p ro d u to . H oje, porém , esp era -se que alguém p asse por d iv ersas
m etam orfoses durante sua vida.
O sociólogo P eter B erger apelou para a noção de heresia para
descrever esse fenôm eno generalizado:

A palavra “heresia” vem do verbo grego hairiein, o qual significa


“ e s c o lh e r” . U m a h a ire s is, o rig in a lm e n te , s ig n ific a v a tão
simplesmente o ato de tomar uma decisão... Assim, em Gálatas
5.20, o apóstolo alista “partidarismo” (heresias) juntamente com
m ales tais como brigas, inveja e bebedices entre as “obras da
carne” ... O herético nega... a autoridade, recusa-se a aceitar a
tradição in totum. Em vez disso, ele destaca e elege um ou uns
pontos do conteúdo da tradição, e desses destaques e escolhas
constrói sua opinião desviante.22

O problema, hoje, diz Berger, é que não há um senso de autoridade


hierárquica que meça o desvio. Nesse ambiente em que reina a escolha
pessoal, a heresia — a escolha do próprio caminho, independente de
outros - é, agora, normal. “A modernidade cria uma situação na qual
tom ar e escolher torna-se um im perativo.”23 Todo m undo tem de ser
excêntrico, e cada empreitada bem-sucedida, incluindo a da igreja, tem
de atender às excentricidades de cada pessoa (ou nova geração). Por
que h a v e ríam o s nós, p ó s-m o d e rn o s, de e sp e ra r que p en sem o s e
cultuemos da mesma maneira que os pré-modernos? A nação que franze
o nariz quando alguém sugere que se mudem as regras do futebol (“Se
for assim, não será mais futebol”) assume que Deus deve abrir mão
dos seus gostos pessoais a fim de de se conformar aos nossos - e que
sua igreja terá de se render ou morrer. (A única apostasia real está sendo
varrida pela vassoura do progresso.)
Interessantemente, na década de 50, as propagandas de rádio e TV
enfatizaram a continuação entre as gerações, ao menos até certo ponto:
“Isto era bom bastante para a sua avó”. Longe da lealdade ao produto,
o mercado agora opera na base da pretensa individualidade: “Este não
é o Oldsmomile do seu avô”. O “eu” proteano tem fome de idéias e de
significado, mas, ao mesmo tempo, insiste no ecletismo e é incapaz de
abarcar um a identidade ou um a com unidade. E nquanto os antigos
cristãos viam suas vidas em termos de “peregrinos” progredindo para
a Cidade Celestial, muitos dos nossos contemporâneos pós-MTV vêem
a si mesmos em termos de “mudanças sem rumo”, de barraca em barraca
na “F eira das V aidades” . C onform e os prim eiros, o dram a divino
apresentava uma existência de morte em Adão para vida em Cristo, e o
progresso era definido não em term os das conquistas seculares, mas
em term os do crescim ento em Cristo e da ressurreição final de seus
corpos. Em contraste, o drama secular deixa o “eu” alienado de Deus,
da comunidade, da tradição, do tempo e do lugar. As m udanças não
têm telo s, não têm objetivo, e o estado febril de seu com passo é o
indicador fatal dessa consciência. Em termos teológicos, é uma forma
de gnosticism o.
A culpa, segundo Lifton, oferece um exemplo do “estilo proteano” :

Sugeri antes que o homem proteano não estivesse livre de culpa.


Ele, de fato, sofre consideravelmente desse mal, mas, geralmente,
sem consciência daquilo que causa seu sofrimento. Para ele, esse
é um modo de esconder a culpa; um vago, mas persistente, tipo
de autocondenação relacionada às desarmonias simbólicas que
tenho descrito, um senso de não haver lugar para suas lealdades
nem estruturas simbólicas para suas conquistas... Em vez de um
sentimento claro do mal ou da pecaminosidade, a culpa toma a
form a de um irritante sentim ento de indignidade ainda m ais
perturbador por causa da ignorância sobre sua origem .24

As ansiedades são intermináveis à medida que o “eu” proteano anseia


pela autotransformação constante e pela chegada a um passado místico
de unidade e de restauração. Puxado, pelos dois lados, pela novidade e
pela nostalgia, esse “eu” de superfície m utante requer um a “cultura
jo v e m ” , em raz ã o de “ sua in c e s s a n te b u sc a p e la im a g e ria do
renascimento. Ele busca tal imageria de renascimento em todas as fontes,
de idéias, técnicas, religiões, sistemas políticos, movimentos de massa
e, é claro, de drogas - ou de indivíduos especiais de seu próprio tipo,
isto é, proteanos companheiros de viagem - os quais ele julga possuírem
o dom da profecia”.25
A religião, é claro, juntam ente com todas essas coisas, serve uma
“m áscara” . D iferente do ateu convicto ou do infiel apático dos anos
passados, o incrédulo de hoje não é um descrente; na verdade, ele crê
em quase todos e tudo - simultaneamente. Embora a noção da “grande
narrativa” que explica toda a realidade seja anátema para a mente pós-
modema, uma de suas próprias “grandes narrativas” é a da abolição do
“eu” . Assim como a “verdade”, o “eu” é uma construção da vontade
de alguém e, simultaneamente, contraditoriamente, da cultura: é feitura,
não descoberta. Rodeados por uma cultura de consumo de quase infinitas
escolhas, podem os ser tudo aquilo que querem os ser... hoje - e nos
tomaremos algo mais amanhã. Qualquer pessoa que tenha feito compras
nas lojas “Norstrom ” neste último ano, talvez tenha notado o slogan:
“Reinvente a si mesmo”.
R einvente a si m esm o. Não podem os perder, aqui, a presunção
fundamental: autonomia e suficiência humana. Isso nega Deus como o
C riad o r dos “e u s” e com o R edentor daqueles m esm os “e u s” que
constantem ente reinventam a si m esm os em seres distorcidos e de
m aneira auto-enganosa. Poderem os cham ar isso de “pelagianism o-
proteano”, sendo que o primeiro termo se refere à crença de que seres
humanos são basicamente bons, auto-suficientes, e que poderão salvar
a si mesmos. Está nas mãos do consumidor a decisão sobre aquilo que
ele deverá ser e qual com unidade terá o prazer de sua com panhia.
Liberdade de escolha é a salvação — com ou sem um objetivo especial.
Como A lister M aclntyre e outros dem onstraram , a m odernidade tem
desdobrado a noção de liberdade, da noção de natureza. Era uma vez
um tem po em que as p esso as p en sav am que lib e rd ad e p a ra um
passarinho era voar, liberdade para um peixe era nadar, e liberdade
para os seres humanos era, realmente, experimentar aquilo que alguém
havia sido criado para ser. Hoje, entretanto, liberdade significa absoluta
liberdade de escolha — a habilidade de escolher entre duzentos canais,
mesmo que uma pessoa jam ais use mais de quarenta. A primeira questão
do Breve Catecismo de W estminster - “Qual o fim principal do homem?”
- é irrelevante para a busca da identidade e da liberdade.
Não é de surpreender que uma história de capa da Newsweek sobre
“A Busca do Sagrado” observe que os que buscam coisas espirituais
insistam em combinações ecléticas e recusem submeter-se à disciplina
de se tom arem uma coisa ou outra. Uma indústria de casas de campo,
dedicada ao estudo sobre os “consumidores”, tem afirmado, repetida­
m ente, que estam os lidando aqui com uma fascinação generalizada
p e la e s p iritu a lid a d e (c o n s is te n te com a m is tu ra -e -c o m b in a ç ã o
autocriada) juntamente com a rejeição da religião (entendida como fir­
mada por crenças particulares e relativamente estáveis, rituais, práticas
e comunidades). Gurus do crescim ento de igreja, freqüentem ente, to­
m am isso como um requisito que, simplesmente, deveríamos cumprir.
Lealdade à marca é coisa do passado, e assim, fora com o velho e vivas
ao que é novo.
A pressuposição de que a igreja tem de simplesmente aceitar e até
mesmo de acolher as estatísticas sobre o declínio da lealdade ao rótulo
denom inacional raram ente é contestada. “Num a sociedade flutuante
que m ostra pouca lealdade a m arcas de produtos ou, até m esm o, a
pessoas”, diz George Bama, “é razoável que se presuma que as pessoas
devam visitar uma série de igrejas em vez de selecionar e suportar uma
só igreja”.26 Ele cita dados de pesquisa para dar suporte a essa tendência
óbvia. Mas será que isso é em virtude de um entendimento superficial
desse fenômeno proteano e, ainda mais, será que isso, a longo prazo, é
do interesse dos que procuram uma igreja simplesmente para servir de
instrum ento à pergunta “onde eles estão” ? Quão importante é que as
pessoas de hoje não pareçam interessadas em se com prom eter com
coisas e pessoas? Essa não é uma situação à qual devamos nos acostumar
caso desejem os o sucesso; é algo que revela a trem enda necessidade
de uma verdadeira proclamação da Palavra de Deus que traga pecadores
com o nós aos pés da cruz. Não é possível que uma igreja que cresça
com o resultado da oferta daquilo que agrada só ao m ercado (isso é
egoísm o), seja um a “igreja” que Jesus sequer reconhecerá no últim o
dia (M t 25.31-46)? De qualquer m aneira com o respondam os a essa
questão, não deveria haver dúvidas de que o estilo proteano domina o
culto religioso contemporâneo tanto quanto qualquer empresa hoje.
Freqüentemente, nós cristãos não somos tão críticos de nós mesmos
quanto da cultura secular. E nossa crítica dessa últim a é bastante
sim plista e superficial, de m aneira que envolve todo o seu espectro.
Por exemplo, alguém poderá ouvir numerosos sermões ou tomar qual­
quer número de manuais cristãos sobre dívidas e materialismo e, ainda
assim , pech in ch ar no m ercado com o m aneira legítim a para nosso
evangelismo, entretenimento pop como norma legítima de se obter uma
vibrante “experiência de culto”, psicologia pop como norma de prega­
ção, e técnicas de gerenciam ento como normas legítim as de nutrição
pactuai. Pregamos “valores fam iliares” ao redor da nação, e ainda as­
sim, hoje, os filhos criados em igrejas e em lares cristãos são, acentua-
damente, ignorantes da Palavra de Deus e separados da fé de seus pais.
E ainda nos perguntamos por que nossas igrejas estão debilitadas por
um tipo de desordem de im unodeficiência, até m esm o depois de ter
sido incansavelm ente bom bardeada com uma sermonização “prática”
e “m oralmente relevante”. Richard Lints descreve o desafio:

Compare o sermão que setenta e cinco milhões de americanos


ouvem a cada domingo de manhã, com o bombardeamento dos
comerciais da televisão aos quais eles estão expostos, ou com as
pressões da experiência de trabalho do tipo “faça-isso-ou-seja-de
pedido”. Ponha alguns milhares de dólares no bolso de um jovem
casal para a compra de um novo carro: quanto é que valerão alguns
vagos ensinos religiosos sobre “mordomia”, comparados com os
argumentos sobre carros esportivos e aceleração?27
A pregação que hoje é conhecida como pregação prática, freqüen­
temente acontece ser não tão prática no final das contas. Recentem en­
te, uma mulher parou por um pouco de freqüentar sua megaigreja para
visitar a nossa. “Os pregadores iniciaram uma série de doze semanas
de ‘dicas’ para o casamento”, ela disse: “e eu sei que o que mais preci­
so, até mesmo para o meu casamento, é de um bom entendimento da
Palavra de Deus”. Ser revolucionados em nosso entendimento de Deus,
de nós mesmos, de nosso mundo e de nosso tempo e lugar nos ajudará
à luz da obra de Deus, de fato, nos ajudará a permanecer firmes diante
das pressões da vida.
Precisam os, hoje, exatam ente daquilo que Deus tem suprido para
sua igreja em cada época, e que Stanley H auerw as cham ou de “a
capacidade para discordar”.28 E a capacidade para resistir à atratividade
destrutiva da narrativa apresentada “porque m orrestes, e a vossa vida
está oculta juntam ente com Cristo, em D eus” (Cl 3.3). Sabemos dos
grandes períodos nos quais o Espírito Santo conferiu poder a uma pura
proclamação de Cristo feita por pessoas marcadas pela capacidade de
discordar. No cerne dessa capacidade reside o poder invencível da
história cristã para transformar a história de nossa vida. Só isso torna as
alternativas dominantes não apenas erradas, mas sem atração quando
comparadas com Cristo.
Nos dias que correm, o m undo espera que a igreja entregue algo
que seja importante - até mesmo um “tapa na cara”. Não algo grande
e vistoso, observe, mas algo im portante. Todo m undo já disse algo
sobre tudo - vezes e vezes em nossa cultura de “chamadas” com sons
aforísticos [como o plin-plin da TV]. As pessoas já compraram quase
que de tudo e são m enos felizes do que seus avós que viveram na
grande depressão. Elas não estão esperando por outra “M archa para
Jesus”, mas por uma proclamação cativante que as faça parar em seu
caminho e reavaliar todas as coisas. John Updike escreveu: “Sequemos
os respingos da religião! Bebamos de jarras originais de pedra, ou não
bebamos m ais!”. Isso não é alguma coisa que estejamos acostumados
a ouvir de nossos púlpitos, dita por pessoas que, na verdade, estão
sendo pagas para dizer coisas como essa em nome de D eus.29

O Próprio Enredo

Até mesmo se formos cristãos há muito tempo, esquecemo-nos da


razão pela qual fomos à igreja no últim o dom ingo, até que tudo se
repita: aproximamo-nos com nossos enredos superficiais formados de
recortes de nossa imaginação colhidos dos anúncios e celebrações da
sem ana passada só para ser re-apresentados ao nosso enredo real e
descobrir a nós mesmos por meio de nos perder mais uma vez. Não é
apenas quando entretemos a possibilidade de ser atores nessa história,
ou quando aceitam os qualquer outra estratégia puram ente subjetiva,
que essa narrativa tem o poder dramático de nos reconstituir. Antes, é
quando Deus, o Espírito, opera em nós por m eio da proclam ação da
P a la v ra que som os re in sc rito s no dram a: n o ssa vida, p ro p ó sito ,
identidade e esperança são conformados ao “novo m undo” no qual a
Palavra e o E spírito nos inserem pelo novo nascim ento - e não de
outra maneira. Em vez de reinventar Deus e sua Palavra em termos da
nossa experiência e razão, acabamos sendo refeitos - reinscritos pela
ação do drama divino. Quando isso ocorre, ocorre antes que o saibamos.
M eu interesse, neste capítulo, não é analisar o fenômeno proteano mais
do que o fizemos, nem criticar a capitulação da igreja. Antes, m inha
preocupação m aior é sugerir o culto bíblico como a única alternativa
ao caminho fácil/falido e à perda de um sólido senso de identidade.
Como A lisdair M aclntire e muitos outros cristãos hoje têm argu­
mentado, o “eu” não é uma substância estável, um tipo de “m aterial”
que possa ser identificado com uma tomografia computadorizada. Nem
é a mesma coisa que a alma. Nossos “eus”, pelo menos em parte, são
identidades construídas. E os meios para se construir a auto-identidade
são, principalm ente, o de histórias form adas em com unidade.30 Uma
das razões pelas quais as pessoas se associam a movimentos é que, no
final de suas vidas, elas possam interpretar as partes de sua vida em um
grande esquema de significado, algo m aior do que seu próprio nasci­
m ento, casam ento, paternidade, aposentadoria, e morte. Para alguns,
são as histórias de família; para outros, seu papel no desenvolvimento
de um império comercial; para outros, ainda, é a história das suas ori­
gens africanas e da escravidão, das lutas pelos direitos civis, e dos
continuados desafios da urbanização e da discrim inação. Outros não
conseguem parar de falar a respeito de compras, enquanto outros não
podem parar de falar sobre suas campanhas nas guerras passadas. Isso
é tudo o que as pessoas são.
Proteanos como podem ser, nossos contemporâneos estão buscando,
com desespero, por um a narrativa assaz abrangente para dar algum
tipo de propósito às suas vidas, de maneira que (ironicamente) quanto
mais saciamos sua ânsia imediata, menos contribuímos para lhes dar o
que eles esperam encontrar: algum significado, um senso estável daquilo
que eles são e de um lugar maior do que eles mesmos, onde possam se
encaixar. E não subestimemos o poder das narrativas. Uma narrativa
de conquista cria um tipo de identidade e de ações conseqüentes,
enquanto que uma narrativa de opressão forma outro tipo de identidades
e ações. Somos, todos nós, pessoas “historiadas” e não podemos deixar
de p e n s a r em nós m esm os com o p e rso n a g e n s de um en re d o .
Cosmovisões são, de fato, enredos históricos: a história pátria, a história
da libertação política, a história do capitalism o global, a história da
alienação (existencialism o), a história do progresso (m odernism o), a
história da não-história-m as-só-história (pós-modernismo).
A inda que haja um (alegado) enredo sem enredo pós-m oderno,
como no filme Pulp Fiction, trata-se de uma narrativa. De fato podemos
dizer, cometendo o pecado cardeal pós-moderno, que se trata de uma
cosmovisão, uma metanarrativa (a história por trás da história). Assim
também é o caso da Bíblia e a metanarrativa deste “tempo m au” e a do
“tempo que há de vir”, os quais estão engajados num combate mortal
de maneira que é impossível adaptar um ao outro. Tal como o “grande
abism o” existente entre Lázaro e o hom em rico na parábola de Jesus
(Lc 16), a separação final começa aqui e agora em termos de um enredo
que controla nossa im aginação e, portanto, nossa vida. A realidade
desse combate poderá ser mais claramente reconhecida por alguns dos
críticos do cristianism o do que por nós mesmos. Elaborando sobre o
pensam ento de Frederich Nietzsche, M ark C. Taylor tem, em recentes
décadas, acusado a religião bíblica de ser responsável pela totalidade
da noção de história e de grande narrativa, com o “tique” de Gênesis e
o “taque” da Revelação que impõem sobre a civilização um falso senso
de sig n ific a d o e de p ro p ó sito . E m c o n tra ste , tudo o que som os,
acrescen ta T aylor, são “correntes sem ru m o ” , sem pre “e rra n te s ” ,
“perdidas” , “transgressores” .31
Contudo, retornem os por um m om ento à sugestão de Robert Jay
L ifto n de que o “eu ” proteano não tem sido capaz de escap ar da
experiência de culpa e que, de fato, tem apenas intensificado seu senso
de culpa por meio da negação de qualquer origem ou fonte de objetivo
- mas apenas um “irritante senso de falta de significado”. Nessa situação,
alguém poderá pensar suas feridas de modo superficial, dizendo: “Paz,
paz... quando não há paz” (Jr 6.14) - e ver a religião e a pregação
como se fossem apenas formas terapêuticas para se obter segurança e
auto-estima. Ou poderá, finalmente, capturar e acorrentar Proteus para
forçá-lo a confessar sua própria identidade como “filho da ira” em Adão,
o qual só poderá ser libertado da fonte da culpa e da escravidão do
pecado por m eio de se tornar “filho de D eus” em Cristo, o Segundo
A dão.
Essas são, então, as duas grandes narrativas: “em A dão” e “em
C risto”. Uma é a narrativa da vã rebelião contra um Deus bom e sua
criação, a qual som ente conduz à frustração e à m orte; a outra é a
narrativa da redenção e da reconciliação, consum ada na vida eterna
com o Deus trino num cosmos restaurado. A má notícia é a de que, se
há um “eu” verdadeiro, então existe uma culpa objetiva (e daí, o senso
subjetivo de irritação) e ele ou ela terá de enfrentar um juízo. Muitos,
com o o “jovem advogado rico”, a esta altura, voltarão suas costas e
tentarão sobreviver ao atual estado de coisas. Mas a boa nova é a de
que Deus está no negócio do batismo: submergindo “eus” pecaminosos
na morte de Cristo, e depois, ressuscitando-os com Cristo em novidade
de vida. Assim, Proteus é acorrentado para que nós vivamos.
A “experiência pós-m odem a” descrita aqui por Lifton e por tantos
outros, nada mais é que um enredo que nos faz desempenhar um papel
no nosso “fútil procedimento que vossos pais vos legaram” (1 Pe 1.18).
A ssim com o a m odernidade se presta a fazer do “eu” um soberano
criador em vez de um humilde servo, a pós-modernidade é testemunha
da desilusão que Adão e sua posteridade sempre têm experim entado
quando desejam ser “como D eus” . Perdendo a confiança no m undo
exterior para prover um enredo à narrativa, os modernos se voltaram
para o hom em interior, e quando não puderam achar dentro de si
mesm os aquilo que desse sentido para a vida, tornaram -se “errantes”,
“in te ressa d o s” “que aprendem sem pre e jam ais podem chegar ao
conhecim ento da verdade” (2 Tm 3.7).
E ntretanto, quando proclam am os o enredo bíblico, de G ênesis a
Apocalipse, a unidade emerge não somente de suas páginas nem ape­
nas dentro da comunidade de Cristo, mas nós também, individualmen­
te, somos a ela incorporados. Isso não ocorre de modo imediato, pelo
menos em nossa experiência. Gradualmente, encontramo-nos identifi­
cados, acorrentados, e em vez de profetizando, achamo-nos profetiza­
dos pelo próprio Deus, acusados como pecadores, inim igos de Deus,
estrangeiros e alheios à promessa de Deus. Esse particular e concreto
dram a de Deus e de Israel torna-se nossa história, nosso enredo. Co­
m eçamos a conhecer a nós mesmos à m edida que entendemos nosso
papel nesse drama. Para os gentios, como para os judeus, os quais são
reinscritos por essa história, Pedro declara: “Vós, porém, sois raça elei­
ta, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus,
a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas
para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas,
agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas,
agora, alcançastes m isericórdia” (1 Pd 2.9-10).
A m ed id a que os esp ec tad o re s c é tico s se to rn am ca u te lo so s
inquiridores, a peça continua a se desdobrar. Para aqueles que ouviram
a história de Israel e de Jesus (promessa e cumprimento), é anunciado
“o m istério que estivera oculto dos séculos e das gerações; agora,
todavia, se m anifestou aos seus santos; aos quais D eus quis dar a
conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios,
isto é, Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl 1.26-27). O papel “em
Adão” 'é trocado pela exaltada posição “em Cristo” - finalmente, em
casa. Ou melhor: finalmente em casa, num lugar que jam ais sonhamos
chamar de lar. O apóstolo Paulo declara:

Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem
abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões
celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da
fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante
ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos,
por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade,
para lo u v o r da g ló ria de sua graça, que ele nos concedeu
gratuitam ente no Amado, no qual temos a redenção, pelo seu
sangue, a remissão dos pecados, segundo a riqueza da sua graça,
que D eus derram o u ab u n d an tem en te sobre nós em toda a
sab ed o ria e p rudência, desvendando-nos o m istério da sua
vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo,
de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos,
todas as coisas, tanto as do céu como as da terra...

Efésios 1.3-10

Daí, os inquiridores cautelosos tornam -se atores no palco. Podem


não conseguir ainda botar o dedo no centro do que está acontecendo,
porém, estão no palco, no drama da redenção. Essa é a nova identidade
que trocaram pela flutuação sem objetivo e autocriada.
O bserve que essa passagem de Efésios nos coloca num lugar no
próprio coração de Deus. Seu íntimo e eterno amor por seu Filho significa
que todos os que estão “em Cristo” são, conseqüentemente, incluídos
na intimidade e no amor eterno que cada pessoa da trindade tem uma
pela outra. Sendo resgatados dessa m aneira, nossa nova história tem
início, na verdade não apenas com nossa conversão aqui e agora, mas
num enredo que começou antes da criação do mundo. Nossa identidade
está arraigada não às modas atuais nem só à história de Israel, mas no
propósito eterno de Deus que operou fora do tempo até que o fiel e
eterno Filho de Deus se tomasse o fiel e encarnado Filho de Adão e de
Filho de Davi. Aprendemos que, no propósito eletivo de Deus, estávamos
inscritos no enredo desde o início.

E le vos deu vida, estando vós m ortos nos vossos delitos e


pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste
mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que
agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também
todos nós andam os outrora, segundo as inclinações da nossa
carne, fazendo a vontade da came e dos pensamentos; e éramos,
por natureza, filhos da ira, como também os demais. Mas Deus,
sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que
nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida
juntam ente com Cristo — pela graça sois salvos, e, juntam ente
com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais
em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema
riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus.

Efésios 2.1-7

N o v a m e n te , n ad a d isso é p o ssív e l a p a rtir de n o ssa p ró p ria


capacidade de imaginar uma nova existência, ou por meio de nossos
métodos de se “ganharem almas”, mas somente por causa da incansável
imaginação e da habilidade de Deus:

E aos que p redestinou, a esses tam bém cham ou; e aos que
chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses
também glorificou. Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se
Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou
o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura,
não nos dará graciosam ente com ele todas as coisas? Q uem
intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os
justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou,
antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também
intercede por nós.

R om anos 8.30-34

Por isso é que somos instados, repetidam ente, a nos “revestir de


Cristo”. Essa é a vestimenta de nosso novo caráter. Em vez de as folhas
de figueira que, com o filhos de Adão e Eva, usávam os para cobrir
nossa vergonha, Deus providenciou as vestes sacrificiais de Jesus Cristo
e de sua perfeita justiça, antevistas quando ele mesmo vestiu Adão e
Eva. Essa é a resposta ao irritante senso de culpa sem origem clara que
o “eu” proteano experimenta. Conte a história da criação de Adão como
representante de toda a raça humana, e de sua queda como fonte de
seu senso de culpa, até que os desviantes culpados reconheçam a face
de Adão no espelho de si mesmos. O “eu” proteano está envolvido em
constante autotransform ação não porque realm ente não creiam na
existência de um “eu” estável, mas porque ainda não reconheceram no
espelho um “eu” aceitável, a despeito de todas as máscaras.
Aqui, onde Deus julga e justifica, somos capturados e acorrentados,
e nomeados como realm ente somos, e então, reinscritos como novos
personagens com um novo papel no drama da redenção que, finalmente,
inclui não somente a nós como indivíduos, mas a totalidade do mundo
também (Rm 8.18-25), Jesus ressurgiu como “as primícias” da totalidade
da colheita, e ao chegar a esse ponto do enredo, quando os crentes são
alçados para a vida eterna, a própria criação será levada com eles para
um cenário de novidade de vida.
Isso significa que deveríamos cuidar para não reduzir o drama da
redenção à nossa salvação individual. Há um tipo de pietism o indivi­
dualista que, a despeito de ser fiel bastante para proclamar o pecado e
a salvação do crente, falha em colocar essa m aravilhosa realidade no
amplo contexto do plano redentivo de Deus. Cristãos, também, nesse
tipo de esquema, poderão ser faltos da coordenação que atribui signifi­
cado e propósito maiores à sua vida. Como a “peça dentro da peça”, de
Hamlet, nossa história e seus reinscritos ocorrem somente no contexto
da totalidade da peça. Encontramos as coordenadas de nossa identida­
de e papel por meio de participar de uma história e de um enredo que é
m aior do que qualquer um de nós. De fato, nossa identidade poderia
não alcançar nenhuma unidade de narrativa, à parte a sua coordenação
com o enredo da narrativa maior, a qual é dada na história de Israel e
de Jesus. Em meio a viradas e voltas, ele narra e encena a vitória de
Deus sobre o diabo e seus desígnios. Sempre a “história por trás da
história” é a história da batalha da “semente da m ulher”, conduzindo,
finalmente, ao M essias, e a “semente da serpente”, incorporando todos
os personagens em coro com o m otim de Satanás contra o Senhor e
contra seu Ungido (SI 2.2).
Talvez ajude pensar em termos de círculos concêntricos: o círculo
externo é a narrativa da história redentiva em sua totalidade; o próximo
círculo é a narrativa do povo de Deus dentro desse drama histórico; e
o círculo interno é o enredo de nossa vida individual no contexto desses
dois círculos.
Indo nessa direção, o propósito da pregação não é, prim ariam ente,
informar ou instruir (ainda que isso esteja, claramente, envolvido) nem
exortar e conduzir o povo a fazer algo (ainda que isso não esteja ausente),
e, certamente, não é oferecer “dicas” de ajuda com o fim de usar Deus
tom ar nossas vidas menos miseráveis. Deus não se incorpora em nossa
tram a, mas nós na dele. Essa narrativa não está aí para nos oferecer
ajuda adicional na construção de nossa própria vida, mas para julgar a
própria narrativa e nós com ela, de m aneira que, finalmente, abramos
mão dela e nos tornem os personagens do dram a da redenção. Nosso
propósito na pregação é o de acorrentar Proteus e de profetizar sua
m orte e ressurreição em Cristo. Nosso ponto de referência não será
m ais o de infindáveis escolhas, mas Jesus Cristo, em cuja im agem
estam os sendo conformados.
O objetivo é o de reinscrever nossos corações, dar-lhes outro enre­
do que ju n te as h istó ria s pesso ais e do m undo, num a to ta lid a d e
significante que transform e as partes. Nosso objetivo não é adaptar o
enredo cristão aos enredos superficiais e destrutivos do “contexto con­
tem porâneo”, mas o de conform ar-nos e a nossos ouvintes ao drama
real da História. Jesus Cristo e o drama da redenção (que nele começa,
alcança o clímax e é consumado) compõem o m undo real, o cenário
real da peça de nossa vida. E porque o ato final está firmemente assen­
tado no propósito de D eus, não estam os apenas interpretando. Essa
peça é real. Nossa identidade muda, inevitavelmente, no curso da vida,
ainda assim , não há interm ináveis escolhas, m udanças sem sentido.
Em Adão, “m udança” significa escolhas interm ináveis feitas com li­
berdade ao acaso. Em Cristo, “mudança” significa crescimento em Cristo
à medida que somos transformados por meio da perpétua imersão na
Escritura que dirige a história de nossa vida. E por meio da verdade e
da habitação na verdade que somos feitos, realmente, livres.
Ainda é por meio da loucura da pregação que Deus propicia arre­
pendim ento e fé. Jesus ainda nos cham a para lançar as redes, para
d e ix a r n o ssas an tig a s id e n tid a d e s de c o le to re s de im p o sto s
inescrupulosos, de mulher samaritana com seus cinco maridos, o filho
que esbanjou sua herança, de fariseu confiante em sua própria justiça,
de devoto religioso muito ocupado no serviço do Senhor para se dis­
por a aprender dele, e nos tornar reinscritos com o filhos de Deus e
agentes da reconciliação no mundo. Chamados do mundo, os crentes
retornam à assembléia divina para relembrar seu batismo na atenção à
Palavra que, constante, os recupera do mundo. Não mais ouvimos o
sermão ou atendemos ao culto como espectadores isolados, mas, sim,
nos vemos como participantes, atores no palco - especialmente quan­
do estamos sendo dirigidos pelo diretor do teatro.

O Evangelho Segundo Quem?

M uitos cristãos bem -intencionados insistem em que a história da


redenção não pode ser compreendida. Não podemos pregar aquilo que
desejarm os. Porém , eles dizem , temos de expressar o evangelho de
maneira que ele possa ser facilmente entendido em nosso lugar e tempo.
D iscutirem os isso m ais com pletam ente em outro lugar. E ntretanto,
levanta-se uma questão interessante, neste ponto. Será possível, para a
m ensagem , perm anecer sendo o que ela é, se tiverm os de torná-la
im ediatam ente com preensível para aqueles que, presentem ente, são
“estrangeiros e alheios” a ela? E se a mensagem for feita qualquer outra
coisa que não o evangelho que “é o poder de Deus para a salvação”,
estarem os nós prestando qualquer favor às pessoas ao tentar torná-la
inofensiva e indistinta de sua presente existência “debaixo do sol”?
Parte do problema, aqui, é a tendência de alguns a separar a mensagem
de sua proclamação. A idéia é que há um corpo objetivo de verdade
tão estável e intocável pela linguagem e pela cultura que ele se tom a
imune a contaminações, não importando as diversas maneiras por meio
das quais acom odem os sua apresentação. M as haverá um a coisa tal
como uma mensagem que já não tenha sido moldada pela linguagem e
pela cultura? A questão real, parece-m e, é se as form as culturais e
lingüísticas que usam os para apresentar o evangelho não são, elas
m esm as, m oldadas pelo evangelho.
H. R ichard N iebuhr contrastou a história interna com a história
externa - um a contada por um passante objetivo, outra contada por
um participante da História.

O Gettysburg Address, de Lincoln, começa com esta história:


“Oitenta e sete anos atrás, nossos pais fundaram neste continente
um a no v a n ação , c o n c e b id a em L ib e rd a d e , e d e d ic a d a à
proposição de que todos os homens são criados iguais”. O mesmo
evento é descrito na obra Cambridge Modem History da seguinte
m aneira: “Aos quatro de julho de 1776, o congresso aprovou
uma resolução que tom ou independentes as colônias, emitindo,
ao m esm o tem po, a conhecida D eclaração de Independência.
Se considerarm os a declaração de Independência com o um a
te o ria p o lític a a b s tra ta , e la será p a ssív e l de c rític a e de
condenação. Ela parte de uma proposição tão vaga que acaba
sendo praticamente inútil. A doutrina da igualdade dos homens,
a m enos que seja qualificada e condicionada para se referir a
c irc u n s tâ n c ia s e sp e c ia is, será um tru ísm o e s té ril ou um a
desilusão” .32

Sequer parece que Lincoln e o Cambridge Modern History estejam


descrevendo o m esm o evento. “Conseqüentem ente” , N iebuhr acres­
centa, “poderemos chamar a história intema de dramática, e sua verda­
de de verdade dramática, ainda que esse caso não seja mera ficção”.33
Não podemos nos aproximar da pregação da Palavra como se estivés­
sem os, apenas, descrevendo seu conteúdo doutrinário ou m oral; ela
tem de ser pregada como de fato foi escrita - isto é, como sendo o
desenvolvimento da dramática história da obra criativa e redentiva de
Deus em Cristo, e do Israel de Deus verdadeiro e fiel. Doutrinas e ins­
truções práticas habitarão o nosso coração à medida que ele se incor­
pora no dram ático conto e reconto de cada história bíblica à luz da
sobrepujante história centrada em Cristo Jesus. Se isso não for algo
prático, então nada mais o será! M inha história torna-se parte de sua
história sem perder seu caráter distintivo. Fui escrito no enredo, incluí­
do no elenco de atores, e agora, prossigo na carreira para os aplausos
dos santos glorificados. Um dia, também me juntarei aos satisfeitos es­
pectadores para ovacionar os que vierem depois de mim (Hb 12.1-2).
Jesus Cristo é chamado de as “prim ícias” de toda a colheita (1 Co
15.20). Aqueles cujas vidas giram em torno da agricultura podem saber
como será a colheita de um dado ano por meio de se observarem suas
prim ícias. A ressurreição, ascensão e presente intercessão de nosso
Senhor à direita de Deus, não somente garante a consumação, mas já
inaugura os novos céus e terra, aguardando o cumprimento da colheita.
Porque conhecemos o enredo e nos postamos num ponto da história
redentiva que vê o cumprimento, em princípio, do propósito salvífico
de Deus na vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, podemos
descansar seguros de que nossa história não é “uma lenda contada por
um idiota, cheio de sons e fúria, e sem significado” (do m elancólico
Macbeth, de Shakespeare). Somos como aqueles que estão presos numa
caverna profunda e escura sem poder achar o caminho para fora - até
que um clarão de luz nos alcança, vindo do exterior. Como o autor de
H ebreus nos lem bra, “ os p o deres do m undo v in d o u ro ” (H b 6.5)
irrompem sobre nós quando nos reunimos em nome da Trindade para
invocar a presença de Deus, lançando luz sobre quem realmente somos
e fazendo-nos cativos, só para, então, vê-lo voltar-se para nos adotar
em Cristo Jesus.
Não mais um espectador desse drama espetacular, subitamente, eu
— gentio, estrangeiro, homem de nenhum lugar, fazendo planos para
lugar nenhum, para ninguém — sou escrito na elevada história do Israel
escolhido, do qual Jesus é a “pedra principal”. Ou, mudando a metáfora,
me torno ram o da Videira vivificante, uma parte vital do corpo cuja
cabeça é Cristo. Os rejeitados são reinscritos como privilegiados. “Em
Cristo”, e com a totalidade do seu corpo, o eleito e precioso, redimido,
justificado, santificado, ressurreto no corpo no último dia, é glorificado
para sempre. Essa é a parte estável da minha identidade, a despeito de
todas as m udanças no correr dos anos. E essa identidade é pactuai:
C risto com o a cabeça federal do pacto da graça, o povo de Deus de
todas as épocas como o povo do pacto, e eu como membro desse pacto,
juntam ente com A braão e Sara. Por isso o culto é a cerim ônia de
renovação do pacto, quando o tratado divino não é apenas ensaiado,
mas, de fato, reapresentado, ratificado e efetuado.
Agora não poderemos deixar por menos os sermões nos quais nos
entediamos ou nos deleitamos com o humor, sabedoria e autobiografia
dos pregadores. Não poderemos mais ser impressionados pelos sermões
“práticos” cujo objetivo seja o de nos “ganhar” , ignorando o dram a
que ocorre no texto, conform ando a Escritura ao fluxo proteano e à
vaidade sem enredo que deriva de nossa satisfação com os presentes
p la n o s . N ão p o d e re m o s ser re in s c rito s até que ten h a m o s sido
acorrentados e profetizados por Deus. “Deus está no seu santo templo:
cale-se diante dele toda boca.” Ele vem, não para oferecer suporte banal
para nossa autoconfiança m urcha ou para dar jeito no desprazer da
nossa existência diária - em outras palavras, ele não vem para se
acom odar a nós com nossos preestabelecidos padrões de pensam ento
e de vida. Ele vem para chocar nossas esperanças tolas e expor nossas
necessidades como elas são, apenas sentidas e triviais, a fim de nos dar
novas e m aiores esperanças e, então, satisfazer nossas verdadeiras
necessidades além de nossos maiores sonhos.
Quatro
Como Funciona a Pregação

Tudo isso parece m uito simples. Rodeados de truques e de enge­


nhosas estratégias de mercado, assumimos que o evangelismo, o cres­
cimento da igreja e o culto estão sujeitos às mesmas regras de persua­
são que quaisquer outras coisas. Se nós crem os que a salvação está
essencialmente em nossas mãos, segue-se que cabe a nós determinar a
estratégia m ais efetiva para alcançar o perdido. Isso tem um a longa
história no evangelicalismo.
Um a Visão: “Em polgação Suficiente para Induzir Arrependimento”
No século XIX, as reuniões de reavivam ento espalharam -se como
fo g o nos cam pos do O c id e n te . C h am ad as, fre q ü e n te m e n te , de
“encontros este n d id o s” , essas reuniões tinham lugar em enorm es
tabernáculos de m adeira ou em tendas de lona. Elas traziam à tona
em polgação e eram , geralm ente, entretenim entos altern ativ o s aos
en fadonhos cu lto s relig io so s. (N ão é de su rp reen d er que fo ssem
patrocinadas pelos grandes homens de negócios e que Bam um e Bailley,
de fam a circense, contribuíssem , às vezes, com o em préstim o das
tendas.)
A partando-se da arquitetura e do m obiliário dos tem plos comuns,
esses centros reavivalistas tiraram proveito da cultura popular emergente
- palco com pleto, coro frontal e central, e m úsica fo lcló rica que
emprestava seu estilo das tavemas, conquanto desprezando seus vícios.
Contudo, sob o pragm atismo metodológico de Charles Finney, estava
sua separação teológica do entendimento clássico de Deus, da natureza
hum ana, e da salvação.34 Lá então, com o agora, a m ensagem não
poderia ser separada dos métodos.
Para Jonathan Edw ards, G eorge W hitefield e m uitos líderes do
Grande Avivamento em meados do século XIX, um reavivam ento era
um a obra m aravilhosa de Deus e uma bênção extraordinária dos seus
meios ordinários (pregação). Finney, entretanto, disse a respeito dessa
perspectiva original: “Nenhuma doutrina é mais perigosa que essa para
a prosperidade da igreja; nem mais absurda” .35 Um reavivam ento não
é um milagre”, declara Finney. De fato, “Nada há na religião além dos
poderes ordinários da natureza. Ele consiste inteiramente dos exercícios
corretos dos poderes da natureza. É só isso e nada mais que isso... E
um re s u lta d o p u ra m e n te filo s ó fic o do uso a d e q u ad o de m eios
co n stitu íd o s - tanto quanto qualquer outro efeito p roduzido pela
aplicação de m eios” .36 Encontre o m étodo mais excitante e você terá
um avivamento.
Assim como a conversão e o avivamento não dependeriam da graça
sobrenatural, assim também seus métodos não requereriam um mandado
divino. “Deus não estabeleceu medidas particulares” é o subtítulo de
um dos capítulos da Systematic Theology de Finney. Assim, com o a
conversão e o avivamento seriam dependentes da agência humana (do
p reg ad o r e do ouvinte), os m étodos poderiam ser adequados aos
pregadores e aos ouvintes na base “de em polgação suficiente para
induzir a conversão” . “U m reavivam ento declinará e cessará” , ele
advertiu, “a menos que os cristãos se re-convertam constantem ente” .37
As “novas medidas” de Finney triunfaram e, finalmente, as igrejas foram
levadas a adotar as inovações dos “encontros estendidos”, ou correr o
risco de perder seus membros para os avivalistas.
A tendência pelágica da teologia de Finney legitimava seu desprezo
pelos meios ordenados de Deus em favor de suas inovações. Como
aconteceu com muitos outros movimentos que vieram e se form aram
com grandes fanfarras, muitos “convertidos” brotaram rapidamente para,
com a m esm a rapidez, m urchar ao sol da manhã. M ais ou menos no
fim de seu ministério,o próprio Finney temeu o estado da religião e se
perguntou, de modo audível, se essas novas medidas não teriam liberado
uma sede de “empolgação” que jamais poderia ser satisfeita.38 De fato,
um a área bastante estudada da história religiosa da A m érica é a do
“queim ado” distrito do norte do Estado de New York onde os centros
de reavivamento de Finney abriram as portas para o ateísmo ou para os
cultos esotéricos.39
Nenhum exemplo contrasta mais claramente que esse, com a lógica
dos argumentos de Paulo em Romanos 10. Para Finney e para a tradição
avivalista de m odo geral, a salvação era tida com o um alvo a ser
alcançado por m eio de um a variedade de m étodos planejados para
atingir o sucesso, métodos executados por pessoas que poderiam ou
não ter sido enviadas (isto é, preparadas e ordenadas) pela igreja. Os
avivalistas, de fato, davam a impressão de que toda a questão envolvia
a subida aos céus para fazer Deus descer. Como a em polgação e a
conversão súbita e as re-conversões dispensavam a natureza pactuai,
diversas mensagens incoerentes com o evangelho foram, igualmente,
toleradas, contanto que se dem onstrasse sucesso num érico. Cria-se,
então, que a salvação pudesse ser obtida por meio de se escalarem os
muros do “entusiasm o” para trazer Cristo de entre os mortos. Poucos,
lá então e agora, consideram ser isso uma religião de obras de justiça,
uma teologia de glória já, em vez de “a justiça que procede da fé”, uma
teologia da cruz. Essas teologia e prática centradas no hom em ainda
orientam muito do nosso culto de hoje, pelo menos, implicitamente -
até mesmo onde a teologia de Finney não é, oficialmente, abraçada.
Consumismo, triunfo do terapêutico e outros desafios peculiarmente
m odernos têm tornado o pelagianism o (teologia da auto-salvação)
ocidental ainda mais palatável. Assim como há muitas “identidades”
para serem consum idas por nosso voraz apetite de im itação e auto-
expressão, há muitos meios a se empregar. E não é importante como
alguém é trazido a Cristo, evangelistas têm dito com freqüência, contanto
que chegue lá.
O q ue, d e se sp e ra d a m e n te , p rec isam o s o u v ir em n o sso s d ias
abundantes de métodos e técnicas para se “induzir” o reavivamento, é
que o Espírito Santo não opera à parte os meios ordinários que ele
mesmo estabeleceu em sua liberdade. Ninguém se apropria do Espírito
Santo da m aneira como alguém se apossa da energia de um a tomada
elétrica, ou como B. B. W arfield diz em sua crítica ao movimento de
“vida cristã vitoriosa”: não contratamos o Espírito “(da m aneira como
contratam os um carpinteiro) para fazer um trabalho para nós” .40 Por
mais que “em polgação” ou “novas m edidas” sejam vistas como mais
poderosas que a pregação, e os sacramentos e a natureza pactuai, Deus
só promete abençoar essas últimas, como meios de graça. Ele sabe que
esses meios de graça parecem fracos e tolos aos olhos do mundo, e por
isso m esm o os escolheu, para que o crédito não fosse do esperto
evangelista nem do seu método, mas de Deus mesmo.
Na virada do século XX, o filósofo de H arvard, W illiam James,
advogou o pragmatismo religioso como ponto máximo de sua filosofia:
“Deus não é m ais conhecido com o costum ava ser”, ele disse. “Em
princípios pragmáticos, se a hipótese de Deus funciona satisfatoriamente
das m aneiras m ais estranhas, ela é verdadeira.”41 O evangelism o, o
movimento de crescimento da igreja e o culto de hoje devem muito a
esse pragmatismo americano, e um dos seus mais trágicos resultados é
o de que Deus, freqüentemente, é tratado apenas como um meio para
se atingir o fim da auto-realização.
Isso, é claro, não é nada novo. Paulo observou o papel da religião
entre os judeus e os gregos: para os primeiros, a cruz era um sinal de
fraqueza, não de um poder miraculoso, e para os últimos, dificilmente
p arecia providenciar o tipo de sabedoria filo só fica e m oral que o
pensam ento secular havia obtido. Com o poderia, esse evangelho,
com petir num mercado de oferta de “empolgações” .
Entretanto, antes e agora, isso ocorre. O Espírito Santo ainda honra
seus meios ordinários. A própria Escritura identifica, de modo claro,
esses meios: a Palavra pregada e a administração dos sacramentos (isto
é, batismo e Ceia do Senhor). “Conquanto haja muitos suportes para a
vida cristã, a fé vem por meio de se ouvir a Palavra pregada”, diz Paulo.
Conquanto o Espírito esteja livre para operar à parte desses meios, ele
prom eteu operar efetivam ente por m eio deles som ente. Terem os de
resistir à tentação de associar a obra do Espírito com números e barulho,
ou, inevitavelmente, perderemos o senso da magnitude do que o Espírito
está fazendo a cada semana no ministério ordinário dos meios por ele
mesmo designados. Deus opera redentivamente, então e agora, porque
ele prometeu isso, então e agora.
Por que a Pregação é Efetiva?
É importante que entendamos que a pregação é efetiva não por causa
do ministério das pessoas, da música, do palco ou das luzes, do drama
ou de qualquer outro m eio que considerem os m ais efetivo que “a
loucura da pregação”. Ela é efetiva porque Deus prom eteu dispensar
sua graça aqui e ali, por seu Espírito, e surge organicamente da lógica
da própria mensagem, porque ela é o anúncio de algo que Deus realiza,
em vez de ser um incentivo para mover os pecadores a apropriar-se da
salvação por meio de sua vontade ou esforço. É a boa nova, não um
bom conselho, um produto de valor ou uma boa idéia.
Suponha que uma pessoa sem seguro de saúde esteja morrendo, e
um filantropo venha a ela com uma boa nova: se o pobre hom em -
chamemo-lo de João - for encontrá-lo num bar-café na esquina tal e
tal, ele lhe entregará um cheque que cobrirá as despesas com todos os
procedimentos médicos dos quais necessita para salvar a sua vida. Cheio
de esperança, ele sai em busca desse bar-café, para só encontrar uma
pequena porta aberta com um a placa rústica cujas letras estão quase
apagadas. O que João encontra lá dentro não é nada mais promissor:
um balcão encardido e, sobre ele, copos baratos e pratos mal lavados.
As pessoas que estão sendo atendidas não parecem amigáveis e o serviço
é lastimável. Dificilmente seria um lugar freqüentado por uma pessoa
rica. Afinal, há tantos bons restaurantes no lado melhor da cidade. Mas,
assim que João chega à porta para verificar se, por ventura, há ali algo
que se pareça com um ponto de encontro, ele é recebido por um homem
pobrem ente trajado: “V ocê é o Jo ão ?” . “ Sim ” , ele responde, com
hesitação. Os dois, então, escolhem um a m esa, a qual João deixará
momentos depois, levando o dinheiro para a cirurgia que lhe salvará a
vida. N ão eram e x a ta m e n te aq u elas as c irc u n stâ n c ia s que João
aguardava para aquele encontro, mas foi ali que tudo aconteceu.
Semelhantemente, o m inistério apostólico, diz Paulo, não depende
de pompas de glória, de entusiasmo, ou de poderes de persuasão, mas
do evangelho proclamado: “Temos, porém, este tesouro em vasos de
barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2 Co
4.7). De fato, nossa situação é pior que a de João, uma vez que não
estam os m orrendo, m as já estam os “m ortos em nossos d elito s e
pecados” (Ef 2,1). Nem sempre Deus exibe sua presença nos lugares
onde o esperamos achar. Mas sempre o poderemos achar no lugar em
que ele prometeu nos encontrar, no meio de copos baratos, pratos mal
lavados e tudo o mais. O poder do Espírito Santo está ligado à promessa;
a saber, à promessa de que a fé vem pelo ouvir o evangelho pregado
(Rm 10.8, 17).
Podemos não sentir a presença de Deus em todas as circunstâncias,
e talvez não experimentemos a mesma medida de sua graça em todas
as semanas, mas o poder de Deus está na sua promessa objetiva, não
em nossa apreensão subjetiva. Quando nos assentam os ali e somos
declarados justos por Deus no evangelho, reconhecem os que somos
objetivamente aceitos por Deus, ainda que nossa experiência nos diga
o contrário. Conquanto eu não detecte “esse sentimento de paz”, posso
ainda confiar que: “Justificados, pois, m ediante a fé, tem os paz com
Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo; por intermédio de quem
obtivem os igualm ente acesso, pela fé, a esta graça na qual estam os
firm es; e gloriam o-nos na esperança da glória de D eus” (Rm 5.1-2).
Não é o ministro nem seus métodos, mas Deus e seus meios ordenados
que tornam a pregação diferente de qualquer outra coisa que possamos
pensar que seja m ais criativo, m ais relevante e m ais em polgante.
“Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que
qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma
e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensam entos e
propósitos do coração. E não há criatura que não seja manifesta na sua
presença; pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes
aos olhos daquele a quem temos de prestar contas” (Hb 4.12-13).

A Palavra e o Espírito

A unidade da Palavra e do Espírito é atestada na Escritura. Um


exemplo claro do Antigo Testamento está em Ez 37. Juntamente com a
m aior parte da população de Jerusalém, o profeta Ezequiel foi levado
cativo para a Babilônia, em 597 a.C. Enquanto os falsos profetas tinham
prom etido paz e prosperidade, Ezequiel (como Jerem ias) tinha falado
a verdade, as más e as boas novas, não importando o custo:

Veio sobre mim a mão do Senhor; ele me levou pelo Espírito do


Senhor e me deixou no meio de um vale que estava cheio de
ossos, e me fez andar ao redor deles; eram mui num erosos na
superfície do vale e estavam sequíssimos. Então, me perguntou:
Filho do homem, acaso, poderão reviver estes ossos? Respondi:
Senhor Deus, tu o sabes. Disse-me ele: Profetiza a estes ossos e
dize-lhes: Ossos secos, ouvi a palavra do Senhor. Assim diz o
Senhor Deus a estes ossos: Eis que farei entrar o espírito em vós,
e vivereis. Porei tendões sobre vós, farei crescer carne sobre
vós, sobre vós estenderei pele e porei em vós o esp írito , e
vivereis. E sabereis que eu sou o Senhor.
Ezequiel 1-6

Nos profetas, especialm ente, a Palavra de Deus vem com o um a


espada de dois gumes: a lei e o evangelho. “As igrejas reform adas,
desde o início”, escreve Louis Berkhof, “distinguiram entre a lei e o
evangelho em termos de as duas partes da Palavra de Deus serem meios
de graça” :

A lei com preende tudo na E scritura que seja a revelação da


vontade de D eus em term os de m andam entos e proibições,
enquanto o evangelho abrange tudo, tanto no Antigo quanto no
Novo Testam ento, que pertença à obra de reconciliação e que
proclama o amor que nos busca e nos redime em Cristo.42
Dessa espada de dois gumes procede tanto a vida quanto a morte.
Por m eio da pregação da lei, o Espírito Santo nos mata, deixando-nos
destituídos e sem condições de salvar a nós mesmos, e por m eio da
pregação do evangelho ele nos ressuscita e nos faz assentar nos lugares
celestiais em Cristo. Observe que eu não disse que, por m eio dessa
pregação, Deus apenas descreve nossa sina à parte de Cristo, ou que
ele, por m eio dela, explique a nossa necessidade e o que é preciso
fazer para sermos salvos. A pregação é muito mais que isso: por meio
dela, D eus, realm ente, realiza aquilo que é prenunciado pela lei e
anunciado no evangelho. M ediante esses dois fios da mesm a espada,
ocorre essa dupla ação essencial para a nossa “reescrita”: julgamento e
justificação. Assim, Paulo contrasta o ministério de Moisés e da lei com
o ministério do Espírito e do evangelho (2 Co 3.1-4.6). “Mas vós sois
dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tomou, da parte de Deus, sabedoria,
e justiça, e santificação, e redenção” (1 Co 1.30).
Tem os de cuidar, aqui, para não ser reducionistas. Os textos não
e stã o c o n g e la d o s em c a te g o ria s de “le i” ou de “e v a n g e lh o ” .
Freqüentem ente, o m esm o versículo poderá significar um e outro,
dependendo de como é feita a leitura. Por exemplo, o amor e a bondade
de Deus poderão julgar a esterilidade do meu amor e da minha bondade.
No casamento, eu me descubro, às vezes, “rem oendo” sobre algo que
m inha m ulher disse ou fez, só para, depois, achar um b ilh ete de
desculpas colado no espelho do banheiro. A doçura e a integridade da
ação de minha esposa atingem-me com a força da “lei”, no sentido de
que sua generosidade condena meu orgulho. Isso poderá ser, também,
o “e v a n g e lh o ” , no se n tid o de que a sse g u ra n o sso p e rd ã o e
reconciliação. A Escritura é assim: o mesmo versículo atinge alguém
como um a ameaça ou como uma consolação. Isso acontece porque a
Bíblia não é apenas um livro de proposições objetivas e perenes, mas
um meio de encontro com o Deus Trino. Por meio da pregação, Deus
se dirige a nós, e com o em qualquer aproxim ação ou confrontação
com outra pessoa, nossa situação existencial diante daquele que nos
adverte jam ais é excluída do evento em questão. Conquanto o sentido
gramatical do texto seja o mesmo, ele é aplicado de diversas maneiras,
pelo Espírito, a cada pessoa.
Pense a respeito dos substitutivos que engendramos para a pregação
ordinária da lei em nossos dias: cada truque, slogan, ou evento poderá
desviar o foco do risco de vida que o pecador corre, para um tipo de
m udança com portam ental. G eralm ente, quando tudo que o pecador
precisa é ser levado até as últimas conseqüências de seus pensamentos
e esforços para entender que não há outro escape senão Cristo e sua
justiça, trocamos sua dura realidade por um encorajamento gentil para
um maior esforço no futuro.
Testem unhos pessoais de transform ação de vida, conquanto não
sejam errados em si mesmos, não constituem a lei nem o evangelho,
pois não representam uma palavra de condenação (não m eramente de
padrões de comportamento pecaminosos, mas da própria condição de
pecado). Eles constituem nossa linguagem a respeito de nós mesmos,
enquanto a pregação constitui (ou deveria constituir) a fala de Deus
acerca de si mesmo e de nós. Além disso, embora vidas transformadas
possam atrair pessoas para a igreja, elas não são, em si m esm as, o
conteúdo do evangelho, e corremos o risco de pregar a nós mesmos
em vez de pregar a Cristo. Afinal, que religião ou grupo de auto-ajuda
não oferece testem unhos notáveis de m udança de vida? Precisam os,
realm ente, é de ouvir a lei em todo o seu poder am eaçador e, então,
estaremos preparados para buscar refúgio seguro em Cristo.
Em Ezequiel 37, cada palavra de julgamento foi pronunciada sobre
Israel. Por isso é que ele está no exílio. Agora Deus tem sua Palavra de
graça a ser proclam ada por meio do seu profeta na visão do vale da
morte. Seria difícil achar uma imagem mais adequada para a condição
humana. Assim como Efésios 2.1-5 define nossa situação “em A dão”
como sendo a de “mortos em delitos e pecados”, aqui há um vale cujo
chão está, literalm ente, forrado de esqueletos rem anescentes de um
vasto exército. Nessa visão, o Espírito Santo indaga a Ezequiel: “acaso,
poderão reviver estes ossos?”, ao que o profeta, sabiamente, responde:
“Senhor Deus, tu o sabes” . Então, o Espírito ordena a Ezequiel que
pregue para os ossos secos. E observe o tipo de pregação que ocorre
aqui. Ninguém precisa ser morto: a morte já é presumida. O evangelho
é que é requerido.
Observe, também, o que Ezequiel deve dizer aos ossos - ou melhor,
o que ele não deve dizer. Ele não recebe a ordem de exortar os ossos,
de encorajá-los, de orientá-los a deixar sua letargia, ou de se identificar
com eles de modo empático. Ele não recebe a ordem de “ganhá-los”
por meio de carisma pessoal ou de métodos de empolgação. Ele recebe
a ordem de, simplesmente, dizer-lhes: “Ossos secos, ouvi a palavra do
Senhor” (v. 4).
Isso é o que, na teoria do ato-linguagem, é chamado de ato-linguagem
elocucionária. Em tais atos, alguém faz uma coisa por meio de fazer
outra. O mesmo ocorre numa cerimônia de casamento quando, ao dizer
“sim” numa cerimônia legal, noivo e noiva realmente se casam. Nessa
instância, eu fiz uma coisa (tom ei L isa em casam ento) por m eio de
fazer outra coisa (pronunciei a palavra “sim ”). Tais enunciados, no
contexto adequado, não apenas representam o ato do casamento, mas,
na verdade, o efetuam. Ou, quando estou no contexto apropriado (isto
é, uma testemunha no tribunal presidido por um juiz togado) e tomo o
voto de falar a verdade, estou fazendo mais do que apenas falando:
estou, de fato, prometendo, e esse ato se tom a um testemunho. Ao se
fazer uma coisa (dizer algo), algo mais acontece.
Ezequiel recebeu de Deus a ordem de pregar ao exército morto, ao
vale de ossos secos e, pregando a ele, algo m ais iria acontecer. Ele
seria levantado para a vida. Nada haveria de inerentemente vivificador
no enunciado das palavras: nada haveria ali que fosse mágico. Nem
seria, Ezequiel, aspergido com poeira m ágica que o tornasse sobre­
humano. Mas Deus disse a Ezequiel para fazer uma coisa muito simples
e não-espetacular (pregar aos ossos), e Deus faria algo mais (levantá-
los para a vida). Essa conexão entre o sinal (palavras proferidas) e a
coisa significada (regeneração) é tão próxima que, freqüentemente, a
Escritura refere-se à pregação do evangelho como sendo ele próprio a
causa do novo nascimento (Lc 8.11; Jo 6.63; E f 5.26; Hb 1.3;4.12; Tg
1.21; 1 Pd 1.23; 2 Pd 3.5). E isso é exibido nas narrativas de conversão
no livro de Atos.
O comando de Ezequiel na terra é o comando de Deus nos céus; daí
a comissão do nosso Senhor aos apóstolos: “o que ligares na terra terá
sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos
céus” (Mt 16.19). Por meio da pregação a que Deus nos comissionou,
Deus ordena a vida para aqueles que estão “mortos em delitos e pecados”
exatamente como ele próprio ordenou que a vida entrasse em Adão no
princípio, que a vida entrasse em Lázaro no túmulo, e como ordenará
um dia que os mortos se levantem no último dia. Deus mesmo emitiu
essa ordem por meio do comando de Ezequiel. É por meio da palavra,
e não por meio de nenhuma outra coisa encorajadora ou cativante, que
D eus cria a fé salvadora. E zequiel sim plesm ente não in stru iu ou
encorajou nem exortou os ossos para trazê-los à vida. Ele sabia que
eles nada poderiam fazer. Da maneira como o mando de Deus trouxe o
m undo à existência, ex nihilo, do nada, assim é o pronunciamento da
nova criação da vida.
Será que tem os tido esse tipo de confiança no poder do E spírito
operando através de seus meios ordinários? Se não, talvez seja porque
nossos p asto res estejam , m ais e m ais, dando a im pressão de que
deveríam os ouvi-los m ais do que ouvir a Deus. Não precisam os de
nada além do poder do Espírito operando através da Palavra.
“As palavras que eu vos tenho dito são espírito”, disse Jesus, “e são
vida” (Jo 6.63). Como instrumento de recepção, a fé vem pelo ouvir,
enquanto a idolatria é engendrada pela exigência im paciente daquilo
que é visto e experimentado diretamente pelos sentidos. Por isso é que,
na religião que apela para o extraordinário, as visões quase sempre
prevalecem sobre a pregação da prom essa, finalm ente, e levam à
idolatria. Não é notável que, até m esm o durante o período no qual
Jesus realizava os sinais e m aravilhas do seu grande m inistério, ele
mesmo tenha declarado: “Uma geração má e adúltera pede um sinal”
(M t 12.39), com o a h istó ria da ig re ja nos dois testa m e n to s tem
dem onstrado?
Até aqui, neste capítulo, temos enfatizado a pregação como obra de
Deus - e isso, corretamente. O que, entretanto, não deverá ser entendido
como um tipo de licença para a preguiça de parte dos pregadores: “Deixe
que Deus faça”. Nem poderá ser entendido como uma justificativa para
o culto mal planejado e executado. Na verdade, a intenção é provocar
a reação oposta. K arl B arth escreveu sobre o trem or que deveria,
ordinariamente, acompanhar os pastores quando eles sobem ao púlpito.

Isso não significa que quando falam oficialm ente, os pastores


gozam, nas suas palavras, de uma espécie de infalibilidade papal.
Pelo contrário, eles conhecem o tem or e os trem ores de se
saberem pobres humanos, provavelmente mais indignos do que
os que se assentam diante deles. Não obstante, precisam ente
por isso, o valor está na Palavra de Deus. A Palavra de Deus que
eles têm para proclamar é que os julga, mas não altera o fato de
- na verdade, isso significa - que eles têm de proclamá-la.43

Se, realmente, considerássemos esse fato de m aneira mais com ple­


ta, tanto com o ouvintes quanto como pregadores, diz Barth, estaría-
mos em melhor posição para nos arrepender de nossa preguiça e, as­
sim, receber os benefícios de Deus através dos meios de graça. Quan­
do entendemos, realmente, o que se passa no púlpito, dificilmente_po-
derem os nos aproxim ar da tarefa como ouvintes exigentes quanto ao
que deveria ou não deveria ser dito em relação às nossas necessidades
“sentidas”. E, como pastores, deveríamos fazer melhor do que nos apro­
xim arm os do púlpito com fam iliaridade casual ou com um senso de
autoconfiança. Se as nossas palavras devem ser usadas como por Deus,
como se fossem suas palavras, elas deverão ser o produto de horas de
estudo envolvendo atenção especial à Escritura (preferivelm ente, nas
línguas originais), à doutrina, e à história da interpretação. Deverá ha­
ver conhecimento da congregação, e isso envolverá a participação pas­
toral na vida dos membros da igreja, ensinando as crianças, visitando
os impedidos de sair de casa, enfermos, prisioneiros, supervisionando
a saúde espiritual do rebanho. Nossa sede da verdade e a paixão por
nossa própria piedade e pela piedade do nosso povo jam ais serão bas­
tantes para a realização da tarefa. Entretanto, quando estamos conven­
cidos de que nosso papel é o de falar a palavra de Deus, e não de,
m eram ente, passar adiante as inform ações, quando, em outras pala­
vras, somos atingidos pela idéia de que, por meio da nossa pregação,
de fato, Deus está matando e vivificando os nossos ouvintes, não po­
deremos conduzir a tarefa de maneira leviana. Conseqüentemente, tanto
pregadores quanto ouvintes deverão se preparar para o evento central
de cada semana.

A Pregação Genuinamente Prática

W illiam James disse que as asserções religiosas têm de ser testadas


em term os de “seu valor m onetário em term os experienciais” .44 Em
outras palavras, o que oferece o maior barulho pelo menor preço? Qual
será o meio que mais se presta a melhorar a vida de alguém - ou, até
mesmo, da sociedade? Temos as nossas próprias histórias, nossos pró­
prios enredos e nossos próprios personagens autocriados. Compramos
o sonho de sucesso ou outras promessas seculares do reino deste mun­
do que nossa cultura oferece aqui e agora. Quem aceitaria esta nossa
outra narrativa do servo humilhado, cuja resposta a tais ofertas é: “Não
só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca
de Deus” (Mt 4.4)? Certamente, todos nos vemos como o Rei Lear em
nossa própria peça, e os outros - amigos, familiares, colegas de traba­
lho, vizinhos e até mesmo, Deus, - nós os colocamos no meio do elen­
co como personagens planejados ao redor do nosso papel principal.
Essa é uma das razões pelas quais ouvimos o clamor por “sermões
mais práticos”. Como antes escrevemos, a própria Escritura distingue
seu material em termos de “lei” e “evangelho”, a primeira, ordenando
sem clem ência e sem oferecer o poder para a obediência, enquanto o
segundo, prom etendo, sem ameaças e sem basear as prom essas, em
nossa obediência. Geralmente, o clamor por “sermões mais práticos” é
o clam or do velho Adão por mais auto-ajuda. A lei, afinal, está em
nossa natureza, como Paulo nos lembra nos primeiros três capítulos de
Romanos; o evangelho não é parte da nossa natureza nem da criação
em geral, e, de fato, é incongruente com as pressuposições a respeito
de com o as coisas fun cio n am en tre D eus e nós. As p a la v ras do
evangelho soam estranhas, com o Jesus freqüentem ente reconheceu
quando proclamava o evangelho às multidões desnorteadas. E, hoje, é
provável que o sentimento expresso na manchete do Wall Street Journal
seja o mesmo para a igreja e para a cultura secular: “Ao inferno com o
pecado: quando ‘ser um a boa pessoa’ desculpa qualquer coisa” .45
No M onte Sinai, quando Deus entregou os Dez M andam entos e
sacudiu a área com sua voz, as pessoas ficaram aterrorizadas e roga­
ram a Moisés: “Fala-nos tu, e te ouviremos; porém não fale Deus conosco,
para que não morramos” (Ex 20.19). Eles disseram isso porque “já não
suportavam o que lhes era ordenado” (Hb 12.20). Algo estranho acon­
tece quando Deus mesmo fala ao seu povo, e sabemos que é sua a voz
que ouvimos, e não, simplesmente, a de um conselheiro moral e espi­
ritualm ente sensível. Quando Deus fala, ficam os desequilibrados. A
princípio, pensamos que estamos nos saindo muito bem - poderíamos
fazer melhor, é claro, se tivéssemos algumas dicas. Mas quando Deus
fala conosco, reconhecemos o que estamos desfazendo, como aconte­
ceu com Pedro quando viu Jesus acalmando o mar e andando sobre as
águas: “Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador” (Lc 5.8). Agora
não há bezerro de ouro nem ambiente controlado em que Deus possa
ser usado em vez de adorado. De repente, ele não está à nossa disposi­
ção, mas nós nos encontramos à disposição dele. Um tênue relance de
sua majestade e santidade leva-nos correndo para o redil, como Adão e
Eva descobriram depois do pecado, ou como descobrirão aqueles que,
no último dia, pedirão que as pedras caiam sobre eles, sem que tenham
para onde fugir. Essa é uma experiência dramática.
Isso é o que acontece quando as pessoas realmente tentam encontrar
Deus aos pés do seu santo monte. Despidas de suas desculpas, elas são
revestidas da justiça do Filho obediente, Jesus Cristo, e encaminhadas
ao lugar Santo dos Santos, a íntima presença do Deus vivo. Esse padrão
de le i-e -e v a n g e lh o ou de ju lg a m e n to -e -ju s tific a ç ã o , não é um a
experiência “de uma vez por todas” para os novos crentes; é, ou deveria
ser, uma constante rotina na vida espiritual. Como indivíduos e como
com u n id ad e, tem os de ex p e rim e n tar a rea p re se n taç ã o do dram a,
“morrendo dia-a-dia” e sendo ressuscitados em novidade de vida. Ainda
que c la ra m e n te d istin ta , a sa n tific a ç ã o não é se p ara d a do novo
nascimento e da justificação, mas, em última instância, dependente de
am bos.
Freqüentem ente presumimos que o evangelho da gratuita salvação
em Jesus C risto à parte dos nossos esforços é boa nova para os
incrédulos, m as que os crentes não precisam m ais dela. Já “foram
salvos” e agora tudo de que precisam é ser exortados para continuar
vivendo p ara Jesus. A sa n tific aç ã o , assim , to rn a -se sep arad a da
ju s tific a ç ã o e do novo n a sc im e n to , de m odo que, fa c ilm e n te ,
c o n fu n d im o s n o sso d e sem p e n h o na v id a c ris tã com o p ró p rio
evangelho. Em vez disso, a santificação tem de ser vista como resultado
da nossa justificação e união com Cristo. A obediência é, em geral,
difícil e exigente não ocorre, simplesmente, mas é algo que operamos
com temor e tremor. Por mais que essa obediência seja essencial à nova
identidade cristã, se nossa aceitação diante de Deus for baseada nela,
não haverá nenhum a esperança.
Indicativo-Im perativo
Outra maneira de juntar a distinção lei-evangelho é por meio de se
apelar para a distinção que Paulo esboçou, usando dois modos gregos:
o indicativo e o imperativo. Imagine um cirurgião veterano supervisio­
nando um m édico recém -form ado enquanto este realiza sua prim eira
operação. Nervoso e trêmulo, o neófito se sente inseguro quanto a sua
prontidão para a tarefa. Tudo é tão mais fácil nos livros-textos, ou quando
aplicado em cadáveres, do que na vida real. No final, o médico experi­
ente toma as mãos trêmulas do mais jovem , e diz: “Agora você é um
médico. Faça a operação” . A expressão: “Agora você é um m édico”,
corresponde ao indicativo - ele diz que o novo m édico, agora, está
pronto, definitivamente, de uma vez por todas. “Faça a operação” é o
imperativo, o comando derivado do indicativo.
Essa é maneira como Paulo costuma aproximar-se da questão: Vocês
estavam em Adão, mas, agora, estão em Cristo. Você foi declarado
ju sto aqui e agora, à parte das suas conquistas, até m esm o as da
santificação (Rom anos 4 -5 ); no seu batism o, de uma vez por todas
você foi “b atizad o na sua m o rte ” , e ressu scitad o com ele na sua
ressurreição - ressuscitado, primeiro, espiritualmente e, no último dia,
será ressuscitado fisicamente. Não há como voltar atrás agora, assim,
seja aquilo que você já é. Com base na ressurreição de Cristo, mediante
a fé que procede de ouvir o evangelho, você foi declarado justo e feito
vitorioso com ele sobre os poderes das trevas, incluindo a própria morte.
O reino do pecado e da morte está tombado. “Não reine, portanto, o
pecado em vosso corpo m ortal, de m aneira que obedeçais às suas
paixões”, diz Paulo (Rm 6.12). Observe que, na pregação de Paulo, o
poder para a vida cristã vem, não da resposta à questão: “O que faria
Jesus?” - mas da resposta a uma questão mais básica: “O que Jesus já
fez?”
M uito da pregação contem porânea assum e que a igreja seja uma
praça pública onde todo m undo se reúne, e que não m ais pregam os
para a pessoa batizada, para a comunidade do pacto, aos quais todas
essas coisas m aravilhosas são ditas com o sendo coisas verdadeiras.
Fugidio em nossa im aginação há um senso de que somos parte do
drama da comunidade pactuai que havia perdido seu rumo e que, agora,
após os que retornaram do exílio terem ouvido, m ais um a vez, a
proclam ação da redescoberta Palavra de Deus, está reunida diante do
grande púlpito edificado em Jerusalém (Neemias 8-9). Assim, tentamos
persuadir pessoas a tornarem-se melhores pessoas por meio da aceitação
de Cristo, ou, se já forem cristãs professas, enfatizamos o imperativo
sem adequadamente ancorá-las no indicativo. Recebemos uma artilharia
de apelos à vontade para fazer uma escolha entre produtos e estilos de
vida, e obtemos mais um a estratégia, algo mais para ser incorporado
ao filme de nossa vida. Os descrentes, é claro, precisam ouvir aquilo
que Deus fez em Cristo para a nossa salvação, presumimos, mas aqueles
que já foram engajados precisam apenas das regras da batalha. Essa é,
geralm ente, a lógica ingênua que usam os. M as o indicativo é tão
essencial para nós crentes, agora, com o foi no princípio. Quem nós
somos em C risto determ ina nossa conduta no mundo! Essas são as
“boas novas” apostólicas. Não mais pertencemos à narrativa do mundo,
de morte, de experiência sem objetivo, de rebelião, autodeterm inação
e, finalm ente, de ira divina, mas, como crentes, já fomos julgados -
submersos nas águas do batism o de m aneira que o pecado não pode
reinar sobre nós. Uma vez que não pode, por que vivemos como se, de
fato, ele reinasse sobre nós?
Esse é o método da pregação apostólica. O modo de vida que domi­
na o m undo incrédulo (Romanos 1 -2 ) é gerado por um conjunto de
indicativos — morte e pecado, filhos da ira, inim izade de Deus — en­
quanto o modo de vida do m undo crente (Romanos 3 -1 1 ) é gerado
por um diferente conjunto de indicativos centrados na ressurreição de
nosso Senhor. Não é de admirar, então, que Paulo lance sua instrução
prática, em Romanos, com a transição: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas
m isericórdias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Rm
12.1). Uma vez que os imperativos da lei vem a nós de modo quase
natural (geralmente, discernimos o certo do errado), enquanto o evan­
gelho corta contra o veio, temos de ter o indicativo de que estamos em
Cristo sempre postado à nossa frente. De outra maneira, os imperativos
se tornarão meios para se alcançar o indicativo — em vez de ser uma
vida derivada dele. Uma vez que tenhamos essa ordem correta, os im­
perativos (isto é, a orientação da lei para a vida cristã) tomam-se nosso
“culto racional” (Rm 12.1).
Im agine que você po ssu a um grande barco, eq u ip ad o com os
engenhos de navegação mais sofisticados. Infladas pelo vento, as velas
o carregam para m ilhas distante da costa, até que você, finalm ente,
pára por um m om ento para uma refeição. Passa um a hora e, então,
você está pronto para zarpar de volta ao porto antes que a tempestade
que se aproxima o alcance. Há um só problema: não há nenhum vento
- uma quietação mortal se abateu sobre as águas. Não havendo motor,
você está à mercê das condições do tempo. Nesse caso, nem o tamanho
das velas nem o so fisticad o equipam ento de navegação serão de
qualquer ajuda para m over o barco para um lugar seguro. Você está
plenamente cônscio de sua localização e rumo, sabe para onde quer ir,
mas não tem poder.
A ssim é que as coisas acontecem na vida cristã e, especialm ente,
em nossa experiência de pregação ao longo dos anos. No princípio, as
coisas parecem correr bem: “Ó graça eterna de Jesus, quão doce o som
que salva um ímpio como eu”. Além disso, a lei de Deus providenciou
a m ais sábia das orientações que se possa imaginar. M as, então, por
causa das tentações, do pecado, dos percalços e de outros desafios -
talvez até m esm o dos desgastes da vida - perdem os a nossa paixão
pelo Senhor e encontramo-nos na calmaria das águas de nossa vida. Se
disséssem os a verdade, diríamos que Deus nos enfada, não im portan­
do quanto nos esforcemos para trazer aquele “primeiro amor” de volta
ao nosso sistema. Queremos conhecer e experim entar a Deus de m a­
neira m ais forte, mas quanto mais tentam os, mais falhamos. A essa
altura, surgem muitos mestres da lei, e talvez não da lei de Deus, mas
promotores de seus próprios sistemas e técnicas para a vida cristã vito­
riosa. Se apenas seguir as suas orientações e aplicar consistentemente
seus princípios, você poderá velejar com segurança para o porto.
O problema é que, fora do evangelho (indicativo), a lei (imperativo)
não poderá, realmente, realizar nada em nós senão a morte e o desespero,
“porque a lei suscita a ira; m as onde não há lei, tam bém não há
transgressão” (Rm 4.15). “Que diremos, pois? É a lei pecado? De modo
nenhum! M as eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio
da lei” (Rm 7.7). John Murray observa: “Qual foi a questão levantada
pelo apóstolo (Paulo) para tal zelo apaixonado e santa indignação...?
Num a só palavra estava a relação entre lei e evangelho”.46

O que a lei, com o lei, não pode fazer está im plícito no que
crem os ser sua m aior força. (1) A lei nada pode fazer para
justificar a pessoa em qualquer coisa particular em que a pessoa
tenha violado a santidade da lei e que esteja sob sua maldição. A
lei, como lei, não tem provisão expiatória; ela não exerce graça;
e não tem poder para capacitação para o cum prim ento de seu
p ró p rio re q u e rim e n to . E la não co n h ece c le m ê n c ia p a ra a
rem issão da culpa; não providencia ju stiça para suprir nossa
necessidade; não exerce poder inibidor para recuperação de nossa
interioridade; não oferece m isericórdia que derreta o nosso
coração em penitência e obediência. (2) A lei nada pode fazer
para nos libertar da escravidão do pecado; ela acentua e confirma
essa escravidão... A pureza e a integridade do evangelho se coloca
ou cai sob o peso do absolutismo da antítese entre, por um lado,
a função e a potência da lei, e por outro, a função e a potência
da graça. Mas, conquanto tudo isso seja verdadeiro, não significa,
absolutam ente, que a antítese elim ine toda a relevância da lei
para o crente como crente.47

A pergunta, então, é: o que é uma pregação genuinamente prática?


Em vista do que temos tratado, parece que uma pregação prática tem a
ver, primeiro e sobretudo, com quem Deus é, quem somos nós em sua
presença, e o que ele fez por nós na história da redenção e em nossa
história pessoal, para salvar os pecadores. Para uma geração criada na
filosofia de “o consumidor sempre tem razão”, uma pregação prática
geralmente significará uma pregação horizontal: dicas para a vida que
nos ajudem a progredir com nossos projetos sem se sobreporem aos
nossos objetivos, prioridades, avaliação de situações e idéias sobre a
vida abundante. Mas aqueles que ouviram a coisa real sabem que isso
é trivial quando comparado com as riquezas de ser dirigido por Deus e
de ouvir a verdade. A definição daquilo que é prático dependerá do
encontro e de enfrentar o problema real e encontrar a solução genuína.

Evitando a Pregação da “Lei” Má

Somos atraídos, por tentações, a subverter o papel bíblico da lei, de


nos conduzir a Cristo. A primeira tentação é conhecida, popularmente,
como pregação de “fogo e lavas do inferno”. Para ser exato, a colheita
do pecado é a segunda m orte - o último juízo no qual os incrédulos
são condenados. Conquanto toda sorte de evasiva tenha sido construída
na história da pregação para cegar esse fio aguçado, sua realidade vara
de Gênesis a Apocalipse. Não há como escapar do juízo final ou do
inferno como o destino eterno do impenitente, e esse anúncio claro do
veredicto de Deus é parte essencial da nossa mensagem.
Entretanto, a má pregação do juízo vindouro despersonaliza o assunto.
Em muitos cenários populares do fim dos tempos, o medo de ser deixado
para trás ou do “governo unificado do mundo” liderado pelo Anticristo
é usado como motivador para o arrependimento e para a fé. Dizer “ sim ”
para Cristo é visto como um seguro contra incêndio, um meio de escapar
às circunstâncias difíceis do final dos tempos ou do inferno. Mas será
que essa é a m aneira como o juízo final é descrito na Escritura? Se
fôssem os fazer uma lista das passagens m ais relevantes, notaríam os
que elas não estão todas ligadas a tribulação, punição, m orte, nem
m esm o inferno, como finalidades em si m esm as, porém , ao reinado
pessoal de Deus em poder contra seus ofensores. Não é que Deus se
ache ao longe, simplesmente permitindo que coisas más aconteçam às
pessoas, mas que ele está, de fato, executando um juízo pessoal contra
in d ivíduos e im périos. C ostum am os fala r do inferno com o sendo
separação de Deus, mas isso está longe de ser a representação bíblica.
A Escritura nada diz sobre um inferno do qual Deus está ausente dos
incrédulos, mas, sim, de um inferno que é inferno, exatamente porque
Deus está ali, presente com todo o poder de sua ira. Ele não deixa só
que as rodas da justiça executem seu mister, enquanto ele torce as mãos
em desapontamento e frustração. Deus exerce vingança com o zelo de
um juiz justo que corrige o erro e purifica seu mundo de todo pecado,
sofrimento, mal e dor. A pregação típica de “fogo e lavas do inferno”,
portanto, tom a um lugar e não uma pessoa o objeto do medo e, assim,
não é de admirar que os convertidos desse tipo de pregação raramente
perseverem. Havendo entendido mal o problema, eles, freqüentemente,
entendem mal a solução.
E essencial que vejam os a Jesus como o divino resgate que nos
salva da ira divina! Por isso é que as boas novas são tão boas. Não é
que Deus seja, inerentemente, desamoroso ou cheio de ira, mas que ele
é, inerentem ente, justo e cheio de justiça. Sobretudo, foi Deus quem
“amou ao mundo de tal m aneira que deu o seu Filho unigênito, para
que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16).
Deus não é o inim igo do m undo que precisa ser aplacado por Jesus.
A ntes, “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não
imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra
da reconciliação” (2 Co 5.19). O ofendido e o propiciador são ambos
Deus. Antes de o mundo ter sido criado, Deus já tinha planejado uma
redenção para aqueles que ele haveria de escolher e dar a Cristo como
seu povo. Uma pregação bíblica da lei, então, proclamará a ira vindoura
de Deus, por mais difícil que isso seja para nós, como foi em todas as
épocas, mas, especialmente, nesta época.
Muitos que cresceram com a pregação de “fogo e lavas do inferno”
rejeitaram -na em favor de uma pregação da lei mais “leve”, como se
Jesus fosse um M oisés mais meigo e mais gentil, que trocasse regras
contra a dança por encorajamentos e orientações práticas. Num esforço
para escapar à pregação rigorosa com a qual alguém pode ter sido
despertado, m uitos pastores, hoje, não reconhecem que o m oralism o
sentim entalista (i.e. “Se seguir os princípios para o sucesso na vida,
você será feliz”) é, na verdade, apenas outro meio de se confundir a lei
com o evangelho de um modo que dilui a seriedade de um e a doçura
do outro. Uma lei sentimentalizada proclamada como sendo o evangelho
é desastrosa. Reagir contra uma pregação má das “más novas” conduz
à má pregação das boas novas (como na frase: “Se você fizer isto, a
vida será melhor para você”). Esse tipo de pregação não é tão exigente
com o a pregação da lei (com o se o m andam ento divino fosse: “ Sê
feliz”), mas, também, não é tão confortante como o evangelho (como
se as “boas n o v a s” fossem as de que esta vida pudesse ser m ais
suportável, em vez de proclamarem a reconciliação com Deus por meio
de Jesu s C risto ). E sse tip o de p reg a ç ã o não so m en te p ro m o v e
conversões superficiais, mas também, gradualmente, solapará a estrutura
teológica de crentes convertidos há muito tempo - a mesma estrutura
que m oveu seu coração ao louvor e à grata obediência no m undo.
Iro n icam en te, as duas form as de m á pregação da lei p a rtilh a m a
negligência da dimensão vertical. Noutras palavras, se alguém teme o
inferno ou a baixa auto-estima, o ponto em questão - a saber, ser um
ofensor da santidade pessoal de Deus - continua não sendo tocado.
Conseqüentemente, qualquer tipo de pregação da lei deixará as pessoas
sem ter, de fato, visto sua nudez e vergonha na presença de Deus. Deus
é deixado fora do quadro em muitos pontos essenciais.
Aqueles que já tentaram de quase tudo a fim de alcançar felicidade
e, até m esm o, paz com Deus, não precisam de mais encorajam ento
para tentar um pouco mais. Precisam é de abrir mão de tudo e se entregar
à misericórdia de um Deus que requer a santidade absoluta e inerente
encontrada apenas em seu Filho. Somente quando formos encontrados
revestidos desses trajes de salvação - da justiça de Cristo que nos é
im p u tad a à p arte de q u alq u er coisa que tenham os ou façam os -
poderem os ter paz com Deus.
A ssim com o a im possibilidade de o m arinheiro retornar ao porto
não foi falha do equipamento de navegação, nossa incapacidade para
guardar a vontade revelada de Deus não pressupõe uma falha da lei. E
resultado de nosso próprio pecado. E não teríamos chegado nem mesmo
a entender nosso verdadeiro problem a, se a lei não tivesse revelado
claram ente nossa pecam inosidade. Por isso é que, por exem plo, o
Catecism o de H eidelberg responde à questão: “De onde procede a
verdadeira fé?” com a resposta: “O Espírito Santo cria fé em nosso
coração por m eio da pregação do santo evangelho e confirm a-a por
meio do uso dos seus santos sacramentos”. Observe que é dito que a fé
é produzida e confirmada não apenas pela Palavra de Deus em geral,
mas pelo evangelho. Calvino observou que a fé não é produzida por
todas as partes da Palavra de Deus, pois advertências, admoestações e
ameaças do juízo não instilam a confiança e a paz requeridas para a fé
verdadeira. Assim, a fé tem de ter promessas incondicionais das quais
se apropriar.

Pois [a fé] busca em Deus a vida, [vida] que não se acha em


mandamentos ou em formulários de penas, mas na promessa de
misericórdia, e esta somente graciosa, porquanto [uma promessa]
condicional, pela qual somos rem etidos a nossas obras, não
prom ete vida de outra m aneira que se [a] contem plem os estar
em nós [próprios]. Portanto, se não queremos que a fé trema e
vacile, importa a apoiemos na promessa de salvação que o Senhor
oferece livre e liberalmente, e entes em consideração de nossa
m iséria que de [nossa] dignidade. Pelo que o apóstolo defere
este testemunho ao Evangelho: que é a palavra da f é [Rm 10.8],
[título de que] priva tanto aos preceitos quanto às promessas da
Lei, já que nada há que possa fundam entar a fé, senão aquela
generosa embaixada mercê da qual Deus reconcilia o mundo...
Portanto, quando dizemos que cumpre se arrime a fé à promessa
de graça, não estamos a negar que os fiéis abracem e sustenham
em toda a linha a Palavra de Deus, mas apontamos a promessa
de m isericórdia como o alvo próprio da fé.48

Sim, essa é a plena verdade, alguém dirá, mas Paulo está falando
sobre tornar-se cristão. Depois de sermos salvos pela graça de Deus,
nossa relação com a lei é mudada. A lei se tom a doce para o crente. E,
de fato, sua reação é largamente confirmada na Escritura, de maneira
que o crente pode exclam ar com o salm ista: “Terei prazer nos teus
m andam entos, os quais eu amo” (Sl 119.47). Tendo Deus executado
sua justa sentença de uma vez por todas sobre o Filho obediente, a lei
não poderá mais condenar aqueles que estão, em Cristo, para sempre
protegidos de sua maldição. A lei continua a guiar o crente, ainda que
sua maldição tenha sido exauriaa sobre Cristo em nosso lugar. Contudo,
esse fato não significa que o crente não caia mais em pecado e que,
assim , experim ente o desprazer de D eus — em outras p alav ras, a
consciência culpada e o terror da lei de Deus.
Com entando sobre nossa própria experiência, Paulo lam enta que,
ainda que ele ame a lei e queira obedecer a ela, junto com esse desejo
encontra presente em si mesmo continuada pecam inosidade: “Porque
não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço...
Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta m orte?”
(Rm 7.19, 24). Isso leva Paulo a buscar livramento, mas para onde se
voltar? Para a lei e seus gloriosos preceitos? Para uma decisão intema
de obedecer a ela? Aí é que ele percebe a si mesmo como um condenado,
separado de Cristo. Então, ele imediatamente se tom a para o indicativo:
“Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de
m im mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a
came, da lei do pecado... Agora, pois, já nenhuma condenação há para
os que estão em Cristo Jesus” (Rm 7.25-8.1). A lei poderá orientar o
rum o da obediência e m apear nosso curso, mas não poderá conceder
poder para cumprir aquilo que ela ordena - e isso é verdadeiro tanto
para o incrédulo quanto para o crente. Somente as boas novas daquilo
que Deus fez por nós poderão conferir poder para seu serviço.
Alguém somente poderá se m over adiante na vida cristã a toda a
vela, se houver suficiente vento forte. E os cristãos vencerão a descrença
e o pecado somente ouvindo o evangelho, essa proclamação externa e
objetiva que despreza o que quer que se passe dentro de nós, isto é,
que leva em conta o que Deus fez por nós, fora de nós, em seu Filho.
S om ente en tã o a lei p o d e rá d e sem p e n h ar um p ap el p o sitiv o na
navegação de nossa vida, mapeando o curso com perfeita sabedoria. E
ainda assim, o evangelho perm anece sendo “o poder de Deus para a
salvação” ao longo de toda a vida.
N ão haverá jam a is um a “vida m ais e le v a d a ” do que essa, um
cam inho m elhor, um m étodo superior para nos m over adiante na
peregrinação neste mundo. Mais “hora silenciosa”, mais descoberta de
técnicas de oração, mais reconsagração em acampamentos de mocidade,
m ais um a “segunda bênção” - nenhum a dessas ruas poderá criar fé
em Cristo. Se a fé cria obras, e se a fé é criada por meio de se ouvir o
evangelho, um renovado apreço pela história divina da redenção é
seguram ente o caminho para comunidades transformadas.

O Objetivo da Pregação

R esum indo, Deus entra em cena, com o fez no Sinai, num palco
re p le to de p esso as ta g a rela s, e x ig e n tes, d efen siv as, q u eix o sas e
autônomas e soa o sinal: “O Senhor está no seu santo templo! Cale-se
diante dele toda a terra!” Ele vem para expor o tipo de artistas que
somos, para reverter a m arcação que colocamos para a nossa vida e
para nos deixar sem nenhuma fundação ou esperança fora do Filho de
quem ele se agrada: “Cristo Jesus, o qual se nos tornou, da parte de
Deus, sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção” (1 Co 1.30).
A pregação é sobre o porto de entrada do Reino de Deus, pelo qual,
“estrangeiros e peregrinos”, temos de passar constantemente, vez após
vez, ao longo de nossa vida. Chegamos com os nossos próprios enredos,
nossos “eus” historiados e, em vez de editá-los aqui e ali, Deus nos
reescreve totalmente à luz de seu novo enredo. Como Calvino nos faz
lembrar: “Pois Cristo, o Senhor, promete hoje aos Seus não outro ‘Reino
dos C éus’ que [aquele] onde se reclinem com Abraão, Isaque e Jacó
[Mateus 8. I I ] ” .49 O ponto-chave não é encontrar um lugar para Deus
em nossa história, mas receber as boas novas de que Deus providenciou
um lugar para nós em sua história. Há um lugar para nós à m esa de
Abraão, de Isaque e de Jacó, mesmo que não pertençam os à m esm a
vizinhança.
Vendo-se dessa perspectiva, a pregação não existe para distrair os
olhares desta era vil e passageira, como foi o caso do frustrado propó­
sito da cidade de Nova York de pintar gerânios e cortinas brancas nas
vidraças dos prédios condenados junto às vias expressas. Antes, ela
existe para expor e desolar os planos daqueles que edificaram os seus
reinos em oposição a Deus, a fim de trazer para a presente geração “o
reino que há de vir”, na presença e no poder do Espírito. E se isso não
ocorrer imediatamente, então, no próximo ato, Proteus será acorrentado
e terá de, finalmente, enfrentar a verdade. Não haverá nova transfor­
mação, nova máscara, nova personagem ou enredo para se adotar como
meio para se escapar, de maneira que “ao nome de Jesus se dobre todo
joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que
Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp 2.10-11).
Cinco
Descobrindo o Enredo

No encontro com dois discípulos que desciam a estrada para Emaús,


o recém -ressuscitado Jesus encorajou-os, ao lhes abrir as Escrituras:
“E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-
lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras” (Lc 24.27).
Este capítulo oferece um caso bíblico para a leitura da Escritura quanto
ao desdobramento do mistério da redenção, não como uma coleção de
insights morais superiores, de pensamentos de poder para cada dia, um
m anual para o fim dos tempos ou um projeto para um a nova ordem
social - na verdade, nem m esmo, prim ariam ente, um repositório de
doutrinas. Conquanto a Escritura se dirija a esses assuntos e, certamente,
estabeleça claras asserções proposicionais de natureza doutrinária e
ética, tudo isso se presta a um propósito maior. Na explanação do critério
de seleção para o seu Evangelho, João, o evangelista, falou a respeito
das E scrituras com o sendo um a totalidade, quando concluiu: “Na
verdade, fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não
estão escritos neste livro. Estes, porém , foram registrados para que
creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais
vida em seu nom e” (Jo 20.30-31).
Já falam os sobre o encontro dram ático com Deus que ocorre por
m eio da pregação da lei e do evangelho. Aqui, pretendo considerar
uma aproximação à interpretação e à pregação bíblica conhecida como
m odelo “histórico-redentivo” .

O Fio Vermelho

Todos os cristãos fiéis reconhecem a im portância da redenção e


muitos têm a sua história em alta estima. Como diz o Credo Apostólico,
C risto foi “crucificado sob o poder de Pôncio P ilatos” . C ontido, o
m odelo “histórico-redentivo” diz mais do que isso. Toda a Escritura
fala a respeito de Cristo, insistem os defensores desse ponto de vista,
até m esm o quando ele não se encontra no m eio do palco num dado
m om ento.
Até mesmo quando Cristo está nas sombras, o enredo que se desdobra
gira em torno dele. Em cada cena, a história por trás da história é a da
vitória de Deus sobre as tentativas de Satanás de torcer os desígnios
justos e graciosos de Deus.
De modo marcante, os líderes religiosos dos tempos de Jesus viam
as E scrituras, quase totalm ente, com o se fosse um livro de regras.
Buscando algo mais além da sua figura principal e do enredo, os fariseus
p erd eram de vista o ponto prin cip al do livro que reverenciavam :
“Tam bém não tendes a sua palavra perm anente em vós, porque não
credes naquele a quem ele enviou. Exam inais as Escrituras, porque
julgais ter nelas a vida eterna, e são elas m esm as que testificam de
mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (Jo 5.38-40). A
Escritura, acrescenta Pedro, é unificada por esse enredo redentivo-
histórico:

Foi a resp eito desta salvação que os pro fetas in dagaram e


inquiriram , os quais profetizaram acerca da graça a vós outros
destinada, investigando, atentam ente, qual a ocasião ou quais
as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de C risto,
que n eles estava, ao dar de antem ão testem u n h o sobre os
so frim en to s re fe re n te s a C risto e sobre as g ló ria s que os
seguiriam . A eles foi revelado que, não para si m esm os, mas
para vós outros, m inistravam as coisas que, agora, vos foram
anunciadas por aqueles que, pelo E spírito Santo enviado do
céu, vos pregaram o evangelho, coisas essas que anjos anelam
perscrutar.

1 Pedro 1.10-12

Observe, aqui, que o Espírito Santo que inspirou esses escritos do


Antigo Testamento é chamado, até mesmo antes da encarnação de nosso
Senhor, de “o Espírito de Cristo”. O Espírito dava testemunho de Cristo
quando inspirava os escritos de M oisés e dos profetas. Até m esm o
quando eles não sabiam claram ente que era isso que faziam naquele
momento, o autor celestial sabia.50
A Personagem Central

Jesus Cristo é a soma e a substância da totalidade da Escritura:


“Porque quantas são as promessas de Deus (em Cristo), tantas têm nele
o sim; porquanto também por ele é o amém para glória de Deus, por
nosso interm édio” (2 Co 1.20). Se alguém se qualifica para definir o
propósito da pregação, esse alguém é Jesus, e ele e seus apóstolos têm
por certo que a Escritura não apresenta quaisquer outros enredos que
indivíduos ou sociedades possam elaborar. O enredo é “sobre os
sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam ” .
Uma vez que entendamos como todas as coisas apontam para Cristo,
estaremos prontos para reagir à pregação da maneira como os discípulos
fizeram em Emaús: “Porventura, não nos ardia o coração, quando ele,
pelo cam inho, nos falava, quando nos expunha as E scrituras?” (Lc
24.32). Pelos quarenta dias seguintes, Jesus instruiu seus discípulos
sobre a m aneira própria de interpretação bíblica centrada nele. Até
mesmo Satanás lê a Bíblia de modo redentivo-histórico, ainda que não
nos motive nessa direção. Quando tentou Jesus com uma gratificação
instantânea, o diabo sabia que Jesus estava jejuando no deserto por
quarenta dias, num a retrospectiva da história dos quarenta anos de
provação de Israel no deserto. Ele até m esm o citou as profecias do
Antigo Testam ento, reconhecendo que Jesus era o seu cum prim ento
(Mt 4.1-11). Aprendemos, dessas passagens, que a Bíblia não é um fim
em si mesma, porém, um meio para o conhecimento de Cristo e para
sermos encontrados nele como membros vivos do seu corpo.
Entretanto, não será muito simplista dizer que toda a Escritura diz
respeito a Cristo? Isso não significaria ter de forçar o texto a fim de vê-
lo em cada um deles, m esm o que isso não seja evidente? Essas são
boas questões, pois não queremos sugerir que cada passagem fale da
mesm a maneira ou de modo evidente acerca da pessoa de Cristo e de
sua obra. Compare a relação entre Cristo e a Escritura àquela entre a
figura com pleta de um quebra-cabeça e suas peças. Digamos que se
trata de um a cena de floresta. Ao ajuntar as peças, deverem os nos
precaver do perigo de dois extremos: um será a tendência de perder a
visão da floresta em função das árvores - a de estar tão minuciosamente
concentrados nesta ou naquela peça que não tenhamos idéia daquilo
que dará unidade aos fragm entos. O outro perigo (tam bém fam iliar
àqueles mais impacientes dentre nós) será o de perder de vista as árvores,
em função da floresta - de focalizar tanto em Cristo (depois de ter visto
a figura com pleta na tam pa da caixa) que as peças sejam forçadas a
revelá-lo mais direta e explicitamente do que é o pretendido na passagem.
A ssim com o a figura do quebra-cabeça é unificada sem vio len tar
nenhuma peça em particular, também a Escritura é unificada ao redor
da p esso a e da obra de Jesus C risto sem que se p erca a enorm e
diversidade do texto bíblico.

Como o Novo Testamento prega o Antigo

V eja os exem plos de com o os e scrito res do N ovo T estam ento


interpretam e pregam o Antigo Testam ento. No relato da história da
fuga de Maria, José e Jesus, para o Egito, durante o domínio de Herodes,
M ateus escreve: “para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor,
por interm édio do profeta: Do E gito cham ei o m eu F ilh o ” (2.15).
C onquanto um a pessoa ju d ia possa, com preensivelm ente, objetar à
interpretação dessa passagem, em Oséias 11.1, referindo-se ao retorno
de Israel do Egito, o evangelista anuncia o verdadeiro Israel, Jesus
Cristo, como sendo o Filho de Deus referido na profecia. De igual modo,
Paulo assevera, confiantem ente, que a verdadeira pedra que seguiu
Israel no deserto, fornecendo a água da vida, não era outro senão Jesus
Cristo (1 Co 10.4). A Epístola aos Hebreus é, talvez, o maior exemplo
desse tipo de exegese, na qual o significado das sombras tipológicas
do A ntigo Testam ento é garim pado em busca de suas riquezas que
apontam para Cristo, e para a sua Jerusalém celestial, que desce dos
céus como nosso profeta, sacerdote e rei. Esse método exegético forma
o centro nervoso do Novo Testamento, quer sejam os evangelhos quer
sejam as epístolas. Isso é que traz sentido ao, de outro modo fechado,
livro das revelações, o Apocalipse. De fato, somente o Cordeiro pode
quebrar os selos da H istória e abrir o rolo, porque ele é o A lfa e o
Ôm ega (Ap 5.1-14). Se é dessa m aneira que a B íblia interpreta a si
mesma, nós, certamente, não estaremos na posição de questioná-la em
sua abordagem redentivo-histórica da exegese.
Os sermões do Livro dos Atos refletem esse modo de pregar das
Escrituras: Cristo é proclam ado a partir do A ntigo Testam ento. Os
prim eiros sermões cristãos, portanto, não proclam aram M oisés como
exemplo de líder cristão; não tiveram o propósito de realçar o exemplo
de coragem e os princípios de liderança de Josué; não foram sobre
como era o coração de Davi para com Deus; nem usaram o velocino de
Gideão como uma parábola para se buscar a vontade de Deus para a
nossa vida. Em vez de ser um livro-texto para se determinarem as eras
geológicas, Gênesis, em última instância, proclama o senhorio de Deus
e prepara o cenário para o dram a da redenção. Em vez de ser um
almanaque das predições do fim dos tempos, Apocalipse é totalmente
centrado em Cristo e no seu triunfo sobre o pecado e a morte em favor
do seu povo. A Escritura fala sobre Jesus Cristo, do começo ao fim, a
prim eira palavra de Deus na Criação e a últim a palavra de Deus na
consumação. “Eu sou o Alfa e Ômega, diz o Senhor Deus, aquele que
é, que era e que há de vir, o Todo-Poderoso”, disse Jesus (Ap 1.8).
Isso significa, é claro, que, m esm o que alguém recorra ao grande
núm ero de versículos de Daniel e Apocalipse, essa pessoa não estará
proclamando a Escritura se a figura da tampa da caixa for a de algo ou
de alguém que não o nosso Salvador. Se a Escritura se tomar uma fonte
p ara citações p ráticas ou especulações, então a pregação que dela
em erge não estará configurando um a pregação da Escritura, m as a
exploração da Escritura para propósitos pessoais.
M uitas pessoas dirão que, sim plesm ente, lêem ou pregam “o que
está no texto” . Um pastor me disse, uma vez: “Eu apenas prego a Palavra.
Se estiver em Gálatas, soarei como um antinomiano, mas se estiver no
Sermão do Monte, soarei como um legalista”. A prem issa não falada,
aqui, é a de que alguns, pelo m enos, se aproxim am do texto sem
considerar qualquer coisa em particular. Cada passagem é uma coleção
de peças de um quebra-cabeça, geralmente sem nenhuma relação com
a figura da tampa da caixa. Se o pastor tivesse a aferição de uma boa
teologia sistem ática e um a boa visão unificada do enredo, ele não
confundiria seus ouvintes, os quais não ouviriam antinom ianism o e
legalism o da boca do m esm o ministro. A mesma pressuposição não-
escrita da falta de unidade da B íblia está por trás do recurso que,
algum as vezes, se ouve nos debates sobre pontos p a rticu la re s da
Escritura: “Bem, você tem seus versículos e eu tenho os meus”, alguém
diz. M as, se Deus é o A utor final da Escritura, será que desejam os
mesmo dizer que a Bíblia seja inconsistente ou contraditória?
M uitas pessoas presumem que seja possível aproximar-se da Bíblia
sem nenhum preconceito, sem ter sido criado num dado contexto ecle­
siástico e sem ter nenhum a experiência ou instrução. Chegam , sim ­
plesm ente, como observadores objetivos e neutros. Entretanto, isso é
impossível! Ninguém pode apagar sua identidade. Nossas pressuposi­
ções contextuais poderão estar certas ou erradas, mas ninguém se apro­
xima de um versículo sem um entendimento prévio daquilo que espera
encontrar. Por isso é que somos (espero!) surpreendidos, de tempo em
tem po, pela Escritura. Não somos neutros, mas pecadores, e a nossa
tendência é a de deter “a verdade pela injustiça” (Rm 1.18). Mas so­
mos, também, criados à imagem de Deus e, como crentes, somos refei­
tos segundo essa imagem. Trazemos muita bagagem para o estudo da
Escritura, coisas boas e más e, em vez de fingir que podemos abando­
nar esses preconceitos, precisam os expô-los a exame. Somente assim
poderem os analisar nossos pensam entos. Alguns dos nossos precon­
ceitos, concluiremos, surgirão naturalmente do texto. Por exemplo, não
nos aproximamos de passagens sobre recompensas por boas obras para
concluir que a salvação depende dos nossos esforços. Por que não?
Porque temos aprendido diferente de muitas outras passagens — de fato,
da totalidade da trama e da rama da Escritura - que a salvação é pela
graça somente. Assim, não podemos deixar de lado esse m ovim ento
dialético (para trás e para frente) entre as partes da totalidade. A Escri­
tura interpreta a si mesma por meio desses movimentos para frente e
para trás, assim como as peças do quebra-cabeça e a figura da tampa
interpretam uma à outra.
Outros preconceitos, entretanto, são pecam inosos, tal como os de
p a sto re s em in en tes e teó lo g o s que v ig o ro sam en te d e fe n d e ram a
escravidão dos séculos passados. Textos se tom am pretextos para dizer
exatam ente o oposto daquilo que a B íblia ensina. Isso acontece de
inúm eras m aneiras em nossa vida, e deveríam os nos precaver disso.
A queles que têm problem as com a aceitação de doutrinas bíblicas
difíceis, geralmente, replicarão: “Creio que nunca olhei para isso dessa
m an eira. N ão faz parte da m inha h erança c u ltu ra l” . N inguém se
aproxima da Bíblia com a mente como uma tábula rasa — e não haverá
problema quanto a isso, contanto que levemos “cativo todo pensamento
à o b e d iê n c ia de C risto ” (2 Co 10.5). S eq u er p o d erem o s te r um
pen sam en to novo fora da lin g u ag em que aprendem os em nossas
com unidades distintas. Preconceitos são até m esm o necessários, mas
teremos de ser cautelosos para criticá-los à luz dos preconceitos bíblicos.
Aproximamo-nos de qualquer passagem já conhecendo muitas outras
passagens, e isso predispõe nossa leitura de cada texto. Jesus Cristo,
e n tã o , d e v e rá ser a ch av e in te rp re ta tiv a da E sc ritu ra , o g ran d e
preconceito que trazem os conosco para a leitura de cada passagem ,
porque todas as E scrituras testificam a seu respeito com o sendo a
personagem central do enredo. Esse é um preconceito fiel porque é
cultivado pela própria Escritura. E isso é verdadeiro tanto em relação
ao Antigo Testamento quanto ao Novo. Muitos de nós crescemos com
certo grau de ambigüidade quanto ao propósito e utilidade do Antigo
Testamento, mas crendo que ler Mateus seria como andar no meio de
um film e. De fato, o Evangelho de M ateus com eça com esta frase:
“Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão”,
e então faz uma lista das figuras do Velho Testamento mais preeminentes
em sua linha de ascendência.
A pessoa de Jesus não se sobrepõe à totalidade da Escritura, e cada
parte deverá ter seu lugar especial na grande cena. É verdade que o
Antigo Testam ento não poderá ser entendido deixando à parte Jesus
Cristo, mas nem Jesus Cristo poderá ser entendido deixando à parte a
história de Israel. Algum as vezes, Jesus perm anece nas sombras das
coxias, e outras vezes, na cena de frente; outras vezes, ele estará na
audiência. M as, com o no M acbeth, de Shakespeare, no qual o ator
central não se desprende do enredo até m esm o quando não aparece
diretamente na cena, o drama da Escritura é o da história do Jesus de
todos os tempos. E seu enredo que inicia Gênesis e fecha Apocalipse,
encontrando o clímax em sua própria encarnação, expiação, ressurreição
e retom o em glória.

Interpretação Redentivo-H istórica

Todos esses pontos se aglutinam em torno daquilo que é chamado


de ap roxim ação red e n tiv o -h istó ric a da interp retação . P rim eiro , é
“redentiva” porque reconhece esse enredo como referente, principal­
mente, à reconciliação dos pecadores com Deus, e forma, a partir des­
sa reconciliação, a comunidade da fé e da obediência. E é “histórica”
porque se concentra na ação salvadora de Deus neste mundo. Houve
uma criação, uma queda, um dilúvio, um êxodo, uma nação, uma cruz
e ressurreição, um Pentecostes, e haverá um retom o na história de nos­
so fiel Salvador. Em vez de se ver a Bíblia apenas como uma coleção
de verdades eternas e de princípios éticos, essa aproximação é sensível
ao desdobram ento do enredo da redenção em genuínos eventos histó­
ricos que findam na consumação de todas as coisas em Cristo. A histó­
ria da redenção é vista como um crescimento orgânico com mudanças
reais continuadas.51
O c o n tra ste e n tre um “p rin c íp io e te rn o ” e um a a p ro x im aç ã o
redentivo-histórica, especialm ente em relação ao culto, é facilm ente
distinguida na interpretação de João 4.
Disse-lhe Jesus: Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando
nem neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais
o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque
a salvação vem dos judeus. Mas vem a hora e já chegou, em que
os verdadeiros adoradores adorarão o P ai em espírito e em
verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores.

Vv. 21-23

Num a interpretação do texto segundo um princípio eterno, alguém


poderia dizer que o ponto principal aqui é: “sobre o coração, não sobre
o lugar de adoração” . Mas a interpretação histórico-redentiva veria o
texto de maneira diferente. Jesus está anunciando uma transição histórica.
Ele não oferece uma declaração geral sobre a genuína adoração como
sendo um a questão do coração em vez de uma questão de lugar. De
fato, ele confirma a adoração no templo em Jerusalém. Esse tinha sido
sempre o lugar adequado para a adoração, não Samaria. A salvação
vem dos judeus - em outras palavras, por meio da linhagem histórica
de Abraão, Judá e Davi, até o M essias. Agora, entretanto, algo novo
está acontecendo. É um novo dia. O reino de D eus não está m ais
identificado com a terrena Jerusalém, mas desce agora dos céus e traz
o Rei até nós. Ele está no seu santo templo, como já observamos.
Edm und Clowney exam ina as diversas aproxim ações à E scritura,
usando o exemplo do evento do êxodo. Ele escreve: “Pregar o evento
do êxodo como exem plo de liberação política, obviam ente, não faz
justiça à estrutura da prom essa pactuai de Deus m ediante a qual ele
libertou Israel”. O m étodo alegórico tam bém não faz ju stiça a essa
estrutura - isto é, tomar o êxodo como sendo um símbolo “para ilustrar
qualquer significado que o pregador escolha encontrar ali” .

O pregador poderá, então, ler o relato do sinal de Moisés e tomar


as varas que se transformaram em serpentes para advertir contra
o m au uso da autoridade, ou para d escrever com o virtudes
podem se tornar vícios. Sua imaginação está livre de qualquer
obrigação da Escritura. Uma falha menos óbvia na interpretação
da Escritura é a moralização... O pregador moralista não se apega
arbitrariam ente a qualquer elem ento do texto que se preste ao
seu mister. Ele procura o sentido do texto em sua locação original.
Ele interpreta para seus ouvintes a significância que essa verdade
tem p a ra sua p ró p ria v id a e e x p e riê n c ia . C o n tu d o , essa
interpretação falha com pletam ente na dem onstração de com o
essa verdade alcança pleno significado em Cristo, somente.52

O modelo moralista talvez seja a aproximação dominante hoje. Ele


é empregado tanto por liberais quanto por conservadores. Para os libe­
rais, o objetivo poderá ser o de levar sua audiência a se oferecer volun­
tariam ente para a obra da caridade, enquanto, para os conservadores,
poderá ser, sim plesm ente, o de levar a audiência a im plem entar sua
piedade pessoal. Não é que esses objetivos sejam maus em si mesmos,
mas que eles sejam alcançados por meio de interpretação inadequada.
Explicar a verdadeira religião da maneira como Tiago faz (1.27) ofere­
ce direto apoio ao apelo para ajudar o sem -teto e o necessitado; e a
atenção ao “fruto do E spírito” é plenam ente assegurada na Escritura
(Gálatas 5). Mas, até mesmo, essas passagens bíblicas têm de ser inter­
pretadas à luz do plano de Deus de salvação em Cristo, com o elas
próprias indicam. Os “golias” de nossa vida poderão ser, hoje, tão di­
ferentes como as “cinco pedras” que usamos para derrotá-los.
Os laços que unem liberais e conservadores é que ambos lêem (e
geralmente, pregam) como se a Escritura fosse uma coleção geral de
senso com um e de sabedoria m oral - um a variação das Fábulas de
Esopo, com pletadas com uma m oral para a história. Q uer usem os a
Bíblia quer usemos o Livro das Virtudes, de W illiam Bennett, o sermão
será o mesmo, e as pessoas têm a impressão de que o pregador diz o
que quer de m aneira bem independente do texto. Assim, a Escritura
estará sendo usada para ilustrar ou substanciar a sabedoria do mundo
em vez de ser usada para questionar essa sabedoria e substituí-la pela
sabedoria de Deus.
O objetivo de muitas pregações em igrejas conservadoras e liberais
é tom ar as pessoas um pouco melhores (ou, pelo menos, o de fazer que
elas se sintam melhores), em vez de proclamar, a partir do texto bíblico,
os atos de D eus. C ostum o p e d ir a e stu d a n tes de se m in á rio que
perguntem a si mesmos, depois do sermão: “Teria sido necessário que
Deus tivesse dado a Bíblia para que esse sermão fosse proferido?” O
ministro metodista W illiam W illimon sugeriu-me outra pergunta: “Teria
sido necessário que Cristo tivesse morrido para que tudo o que eu disse
fosse verdadeiro?” Se nossa pregação falha em apresentar a cruz — o
corpo ensangüentado do C ordeiro crucificado por causa dos nossos
pecados e punido por causa das nossas transgressões —então seu caráter
como proclamação cristã foi comprometido. Porque o nosso Salvador
experimentou tão profundamente seu sofrimento, não há como evitar a
cruz, os espinhos, e tudo o mais.
A pregação redentivo-histórica objetiva o discernimento da natureza
de Deus nas ações de Deus. Deus revela quem ele é não principalmente
por meio de proposições, mas por meio dos relatos de sua ação. “Deus
é conhecido por meio de suas obras”, é um antigo ditado da teologia.
Isso enfatiza, também, a m udança genuína que ocorre na história da
redenção. A teocracia judaica é um tipo do reino que ocorreria no
advento do Messias, não um projeto para o estabelecimento das nações
cristãs ocidentais. Tendo passado da tutela de Moisés para a habitação
de Cristo, os tipos e sombras da legislação civil do Antigo Testamento
não estão mais em vigor para obrigar-nos às leis cerimoniais. Ambos
os conjuntos de legislação apontavam para Cristo, não indicando um
arranjo eterno que cada nação deveria imitar. Portanto, não poderemos
m ais apelar para 2 C rônicas 7.14 com o desafio para prom over um
reavivamento nacional: “Se o meu povo, que se chama pelo meu nome,
se humilhar, e orar, e me buscar, e se converter dos seus maus caminhos,
então, eu ouvirei dos céus, perdoarei os seus pecados e sararei a sua
te rra ” . O contexto h istó rico desse verso é d escartad o por m uitos
intérpretes, como se cada nação pudesse invocar os termos desse tratado
sagrado que Deus fez com a nação de Israel.
Igualm ente, o L ivro de Atos relata o m inistério dos apóstolos (o
“m inistério extraordinário”), não os princípios eternos para o nosso
m inistério hoje (o “m inistério ordinário”). Pentecostes foi um evento
que ocorreu de uma vez por todas, que não se repete em sua essência
e, nesse evento, o Espírito Santo equipou seus apóstolos para serem
testemunhas de Jesus Cristo. A unção que repousou sobre eles, repou­
sa agora sobre todos os crentes, ainda que nem todos sejam chamados
para o ministério. Esses eventos não estão no texto apenas para ilustrar
verdades gerais ou para gerar observações sobre a vida, crescim ento
de igreja, ministério, evangelismo ou comunidade. Antes, eles estão aí
para ser levados a sério como eventos que, de maneira muito particu­
lar, c o n trib u e m com o o u tra sig n ific a n te p eça do q u e b ra -c a b e ç a
redentivo-histórico. Talvez, aqui, a analogia do quebra-cabeça seja
inadequada em razão de sua im ageria estática. M elhor seria, dizer
que cada evento promove um novo estágio - m udança real continua­
da. Cada evento é parte de uma nova coisa que Deus está fazendo.
Sugestões para a Leitura e Pregação Centradas em Cristo

Concluirem os com cinco sugestões práticas: Primeira, na leitura da


Escritura, quer privada quer no culto público, dever-se-ia considerar
a inclusão de uma leitura do Antigo Testamento e uma do Novo, sendo
que esta últim a seleção deveria estar relacionada ao cum prim ento
da promessa. Começamos a pensar em termos de padrões por ouvir as
conexões. Alguns pregadores acharão útil o uso de lecionários, livros
que tragam um a lista de leituras do Antigo Testamento, das Epístolas e
dos Evangelhos, para o Dia do Senhor. M uitas igrejas das grandes
denom inações e m uitas das evangélicas em pregam lecionários nos
cu lto s d o m in ica is, os quais podem ser ad q u irid o s de suas casas
publicadoras. Uns serão melhores que outros, é claro. Alguns pregam
sobre passagens de um dos Testamentos (ou de ambos), enquanto outros
com entam sobre a relação entre as leituras, porém, usando diferentes
textos para seus serm ões. Contudo, até m esm o sem um lecionário,
quando sabemos onde encontrar, podemos achar passagens do Antigo
Testamento relacionadas a passagens do Novo Testamento, e vice-versa.
Segunda, dever-se-ia perguntar: Em que estágio da história da
redenção nos encontramos nesta passagem específica? Se a questão
for levantada a cada vez, resolveria o problem a da tendência para
converter um evento significante do passado em um exem plo não-
histórico ou em um sím bolo para o nosso tempo. Estaríam os menos
inclinados a aplicar a teocracia do Antigo Testamento à nossa situação
contemporânea, ou a apelar para o culto no templo como direção para
o nosso culto pactuai, ou a ver o Livro de Atos como um manual para
a era pós-apostólica.
Terceira, dever-se-ia perguntar: Como nos encontramos em Cristo
(e, portanto, com sua igreja) nesta história? Em vez de tentar achar
lugar para Deus em nós mesmos, Deus faz lugar para nós em seu drama.
Ele é m uito maior, mais interessante, tão mais intenso em seu poder
d e scritiv o , e tão m ais rico em sua reso lu ção , do que aq u ilo que
poderem os encontrar nas narrativas seculares que nos cercam.
Quarta, ler e ouvir a B íblia com a igreja. Credos, confissões e
teologia sistem ática poderão nos ajudar a considerar as lim itações do
espectro de nossas idéias, pressuposições, experiências e anseios.
Deveríamos despojar a nós mesmos da noção de que pouco importa o
que outros disseram sobre suas leituras ao longo dos tempos, uma vez
que estam os apenas lendo a Bíblia. Da m esm a m aneira, tam bém , a
leram aqueles que vieram antes de nós. A escolha não é entre seguir
“meros homens” e seguir diretamente a Escritura; é uma escolha entre
interpretar a Escritura juntam ente com a igreja estendida e pensar a
respeito de nós mesmos como sendo totalmente competentes. Será um
sinal de humildade quando concluirmos que nós, como o eunuco etíope,
somos lim itados por nossos pontos cegos. “Correndo Filipe, ouviu-o
ler o profeta Isaías e perguntou: Compreendes o que vens lendo? Ele
respondeu: Com o poderei entender, se alguém não me explicar? E
convidou Filipe a subir e a sentar-se junto a ele... Então, Filipe explicou;
e, com eçando por esta passagem da Escritura, anunciou-lhe a Jesus”
(Atos 8.30-31, 35). Em vez de nos iludir, achando que estamos partindo
do p rin cíp io , ajuntem o-nos à conversação já em p rogresso desde
Abraão, Isaque e Jacó.
Quinta e última, ler e ouvir em oração. Considerarem os m ais de
perto esse assunto no final do livro. O Espírito Santo, o inspirador da
E scritura, ilum ina os crentes para que entendam seu significado e
significância. Interpretações não são sim ples exercícios intelectuais;
antes, envolvem a imaginação, o coração e a vontade. Em cada ato de
interpretação, estaremos inteiramente dependentes do Espírito, e, como
nosso Salvador prometeu, “Quando, porém, vier o Consolador, que eu
vos enviarei da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede,
esse dará testemunho de m im ” (Jo 15.26).
Parte 2

Sinais e Selos do Pacto:

O Ministério do Batismo

e da Ceia do Senhor
Seis
Marcados, Selados e Libertos

Se a lg u é m p e d isse que v o cê m e n c io n a sse os dois p rin c ip a is


instrumentos para o crescimento espiritual em sua vida, qual seria sua
resposta? Muitos de nós, provavelmente, citariam coisas tais como “hora
silenciosa” , estudo pessoal da B íblia, participação responsável em
grupos de oração, evangelismo pessoal ou outras atividades úteis. Além
disso, parece que há sempre alguns novos modismos para o crescimento
cristão, uma “chave” para o avivamento espiritual. Tente esta fórmula
secreta, ore esta oração recém-descoberta, imite o modelo daquela igreja
bem-sucedida. Nos círculos evangélicos, “espiritualidade” ou “piedade”
é, freqüentemente, vista como algo pessoal, em termos individualistas
- como algo em que alguém se engaja com o propósito de atingir alvos
espirituais. Nossa relação com Deus é, em geral, concebida em termos
de um-a-um. Portanto, o aspecto corporativo - especialmente, a igreja
- torna-se secundário. É possível que, para muitos de nós pelo menos,
a pregação da Palavra e os sacramentos do batismo e da Ceia do Senhor
não fariam parte dessa pequena lista dos maiores instrumentos para o
crescimento espiritual quer para a igreja quer para o indivíduo.
Conquanto a Reform a Protestante tenha afastado a superstição em
torno dos sacram entos, ela, contudo, reconheceu o lugar dado na
Escritura ao batismo e à Ceia do Senhor, os quais, junto com a Palavra,
en treg am o ev angelho aos pecadores. Os sucessores da R eform a
concordaram: “A igreja invisível é a comunhão de pessoas chamadas
para o estado de graça por meio da Palavra e dos sacramentos”, disse
Johannes W ollebius (1 5 8 6 -1 6 2 9 ).53 No século XX, Louis B erkhof
resumiu essa posição quando escreveu que a igreja “não é instrumental
na c o m u n ic aç ã o da graça, ex ceto pelos m eios da P a lav ra e dos
sacramentos”.54 Todos os reformadores e seus sucessores criam que as
duas marcas indeléveis da verdadeira igreja eram a Palavra pregada e a
correta adm inistração dos sacramentos.
Entretanto, o século XVIII presenciou o surgim ento de um m ovi­
mento conhecido como pietismo, em parte como reação ao que muitos
viam como sendo uma ortodoxia antiquada e morta então prevalecente
na igreja. Esse m ovim ento, identificado com seus pioneiros, Jabob
Spener e August Francke, e, mais tarde, com líderes tais como Count
Zinzerdorf e John Wesley, começou como sendo uma “igreja dentro da
igreja”. Conquanto não estivessem dispostos a separar-se de suas igre­
jas estabelecidas, os pietistas fundaram as suas “conferências” - que
hoje chamaríamos de “pequenos grupos” - nas quais criam que ocor­
reria o verdadeiro crescimento. A religião tornou-se, mais e mais, um
caso do “ c o ra ç ã o ” em vez de um “c u lto ra c io n a l” , um caso de
internalização autodirigida em vez de um a piedade dirigida para o
outro, e de piedade individualista em vez de corporativa. Suspeitosos
das formas externas, os pietistas finalmente form aram suas próprias e
distintas denom inações. A m edida que o pietism o se aglutinou em
torno do reavivalism o, especialm ente na A m érica, grupos sectários
brotaram nesse campo, cada qual prometendo meios melhores e mais
distintos para o encontro com Deus do que os oferecidos pelas igre­
jas tradicionais. Rejeitando credos, confissões, catecismos, treinam ento
acadêm ico de ministros e a liturgia, muitas das suas igrejas pietistas
acabaram elaborando suas próprias versões desses elementos - e seus
próprios sacram entos [o “cham ado para o a lta r” (ou para a “d e c i­
são”), por exem plo]. As novas denom inações antidenom inacionais
foram separadas de suas igrejas-mães e semearam o campo com ain­
da m aiores excentricidades.
Não é de surpreender, portanto, que nosso próprio período esteja
repleto de exemplos dessa tradição sectária, na qual nem mesmo a Es­
critura deverá ser seguida se houver um argumento prático a ser ofere­
cido. Um dos exem plos m ais extrem ados é en co n trad o no artigo
intitulado “Supper for One” (Ceia para Um), no qual a escritora defen­
de a suplementação de devoções privadas com a “participação na co­
m unhão” por meio de elem entos como suco ou água e bolachas. “A
comunhão ajuda-me a aclarar o pensam ento pelas m anhãs”, ela disse.
Hoje, o triunfo do pietismo e do reavivalismo parece ter abafado o
choro daqueles que, nesse período, instaram com as igrejas a que aban­
donassem seus meios de graça autodeterm inados, em favor daqueles
estabelecidos por Deus em sua Palavra. Os evangélicos tendem a ser
suspeitosos, até mesmo, da palavra sacram ento, geralmente, conside­
rada como vestígio do catolicismo romano. Muitos pensam que assim
com o Lázaro ressuscitado ainda estava preso às vestes funéreas, as
igrejas reformadas estão vivas, mas ainda presas às tradições dos ho­
mens. Deus agiria diretamente, sem a utilização de meios, ou, pratica­
m ente, através de qualquer m eio, segundo a presunção prevalecente
em nossos dias. Quanto mais espetacular e extraordinários forem os
meios, melhores serão para chamar a atenção das pessoas.
Assim, poderá parecer que toda pessoa que argumente em favor do
ponto de vista reform ado clássico quanto aos sacram entos e à sua
importância para a vida cristã, estará lutando uma batalha perdida. Quem
se disporia a se subm eter aos m eios de graça ordinários quando há
tantos meios extraordinários sendo anunciados? A questão principal,
entretanto, é: o que a Escritura ensina sobre esse assunto? E essa será a
questão à qual procurarem os responder nos próxim os dois capítulos.
Começaremos com uma discussão sobre o batismo e, após, trataremos
também do assunto igualmente controverso, mas extremamente prático,
da Ceia do Senhor.

O Batismo e a Bíblia

O rd in a ria m e n te , d e v e r-s e -ia m c o m e ç a r tais d isc u ssõ e s com


definições. “O que é um sacramento?” poderia ser um bom ponto de
partida. Contudo, prefiro não definir o batismo e a Ceia do Senhor com
um a declaração geral (ainda que nada haja de errado com isso), mas
iniciar com o estudo das passagens bíblicas mais importantes. A definição
emergirá delas à medida que prestarmos atenção ao desdobramento do
drama. Através do Antigo Testamento, Deus não somente assentou o pacto
da graça com palavras, mas, também, selou visualmente o pacto com
dramáticos rituais: a circuncisão e a Páscoa. N a instituição da circuncisão,
Deus disse a Abraão:

Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti e a tua descendência


no decurso das suas gerações, aliança perpétua, para ser o teu
D eus e da tua d escendência... E sta é a m inha aliança, que
guardareis entre m im e vós e a tua descendência: todo macho
entre vós será circuncidado. Circuncidareis a carne do vosso
prepúcio; será isso por sinal de aliança entre m im e vós... O
incircunciso, que não for circuncidado na carne do prepúcio,
essa vida será eliminada do seu povo; quebrou a minha aliança.

Gênesis 17.7, 10-11, 14


Ao longo deste estudo, temos considerado o peso que a Bíblia atribui
aos pactos como sendo a estrutura do grande enredo. Aqui, o ritual da
circuncisão está diretam ente ligado a esse enredo como um “sinal de
aliança entre mim e vós” (v. 11). De fato, o sinal (circuncisão) está tão
ligado à coisa significada (salvação) que o próprio ritual é chamado de
“a aliança” (v. 10).
Assim, a primeira coisa que a Escritura ensina sobre os sacramentos
é que eles são sinais do pacto da graça. Ouvem-se promessas e vêem-
se sinais. Até aqui, temos enfatizado a natureza verbal da comunicação
de Deus: enquanto os deuses das nações são ídolos que podem ser
v isto s e to c a d o s, Je o v á e stá p re s e n te no m eio do seu p o vo,
principalm ente por meio da proclam ação da sua Palavra. Entretanto,
Deus sempre confirmou suas promessas verbais com meios visuais. O
arco-íris é um “sinal perpétuo” da fidelidade de Deus para com a terra
em função da sua graça comum (Gn 9.8-17), assim como a vinda visível
do Messias será “memorial eterno, que jamais será extinto” (Is 55.13).
As pessoas dos dias de Jesus, especialm ente os líderes religiosos,
exigiram sinais (Mt 12.38), mas isso lhes foi negado por causa da sua
incredulidade (v. 39). Sinais nos céus são usados figurativam ente por
Je su s, em M ateus 24, com o p renúncios da sua segunda vinda, e
aparecem em A pocalipse 12.1. Sinais acom panharam a pregação de
Jesus, confirm ando que ele era o enviado de Deus e, contudo, Jesus
repetidam ente frustrou o intento das pessoas que o seguiam porque
elas desejavam ver os seus milagres, não como sinais que apontavam
para ele mesmo e para a sua mensagem, mas, antes, como sendo um
fim em si mesmos (Jo 6.26-27).
Um sinal, então, no mínimo é um testemunho, da parte daquele que
promete algo, de que cumprirá a sua promessa. E mais que uma aliança
de casamento, a qual é mais um símbolo que um sinal, no sentido de
que um sinal não somente aponta para a coisa significada, mas também
se liga a ela. Assim é que a circuncisão - como vimos em Gênesis 17 -
pode ser cham ada de “a aliança” . Na literatura isso é cham ado de
sinédoque. Com o o O xford D esk D ictionary define o term o, um a
sinédoque “é uma figura de linguagem na qual a parte representa a
to ta lid a d e , ou vice-versa (e.g., novas faces na re u n iã o )” .55 N esse
exemplo, “novas faces” significam “novas pessoas”, mas a face é tomada
pela totalidade da pessoa. Semelhantemente, o sinal da circuncisão está
tão ligado e representa tanto o pacto da graça, que Deus pode de fato
chamá-lo de “aliança”, da mesma maneira como ele se refere à arca do
concerto, ao tabernáculo e ao tem plo como se tais sinais fossem ele
próprio. Somente quando Jesus Cristo chega, o sinal (Jesus, o templo
vivo) preenche a coisa significada (Deus na carne). A parte a pessoa de
Cristo, os sinais são e não são a coisa significada.
Ninguém deveria adorar o sinal. Em Números 21, depois de Deus
ter enviado as serpentes para picar muitos dos israelitas cediços, o povo
confessou seu pecado e Deus, misericordiosamente, ordenou a Moisés:
“Faze um a serpente abrasadora, põe-na sobre um a haste, e será que
todo mordido que a mirar viverá” (v. 8). Aqui o sinal é, em si mesmo,
sem nenhum poder, mas, por causa da promessa, aqueles que olhassem
para a serpente - e apenas isso - seriam resgatados. Por meio do sinal,
eles olham em fé para as coisas significadas e colocam sua confiança
no Deus que havia prometido a salvação. Mais tarde na História, esse
artefato foi transformado em objeto de culto. Parte do alto grau da divina
aprovação do rei E zequias foi que “rem oveu os altos, quebrou as
colunas e deitou abaixo o poste-ídolo; e fez em pedaços a serpente de
bronze que Moisés fizera, porque até àquele dia os filhos de Israel lhe
queim avam incenso e lhe cham avam N eustã” (2 Re 18.4). Quando
sin al se to rn a em o b jeto de cu lto, ele d e ix a de fu n cio n a r com o
sacram ento e se torna um ídolo. Em vez de ser um m eio de graça,
toma-se meio de juízo. (Isso é verdadeiro em relação a todos os sinais,
exceto para Cristo, o qual, como a serpente no deserto, foi levantado
de m aneira que todos os que olham para ele são salvos. Nele, o sinal e
a coisa significada são indistintos.)
Os sinais existem nesse lim bo da sinédoque, entre sím bolos e a
realidade significada. Eles não são a realidade, mas também não estão
divorciados dela - não são meros símbolos. A circuncisão, então, é e
não é o pacto da graça. O apóstolo Paulo dem onstra que Abraão foi
justificado pela graça m ediante a fé antes que fosse circuncidado, de
m aneira que o pacto deverá ser visto com o sendo m ais do que a
circuncisão. Ainda assim, ambos estão tão intrinsecamente ligados que
Deus pode dizer que aqueles que não circuncidam seus filhos sob a
velha aliança são cortados do povo de Deus. Por meio de sinais, Deus
não apenas testifica a nós com o uso de palavras, mas de obras, não
apenas aos ouvidos, m as aos olhos. O que tem os não é um m ero
símbolo, mas a própria realidade, “face a face”. Olhamos pela fé através
do sinal para ver como que num espelho, obscuramente, antevendo a
salvação que nos aguarda. A palavra promete, o sinal confirma.
Ainda mais, a Escritura indica que um sacramento não é apenas um
sinal; é algo mais. O apóstolo escreve a respeito de Abraão: “E recebeu
o sinal da circuncisão como selo da justiça da fé que teve quando ainda
incircunciso; para vir a ser o pai de todos os que crêem, embora não
circuncidados, a fim de que lhes fosse imputada a justiça” (Rm 4.11).
No contexto dos antigos tratados, um selo seria semelhante ao timbre
de cera que um m onarca europeu im prim iria num documento oficial.
Sem o selo, como poderia um rival confiar em que o cessar fogo fosse
permanente e que as hostilidades teriam de fato findado e uma aliança
tivesse sido firm em ente estabelecida? Poderia ser que o docum ento
estivesse repleto de promessas encorajadoras, mas ele não teria valor
se não se pudesse assegurar (1) que as prom essas procedessem de
alguém com autoridade para fazê-las, e que (2) as promessas fossem
feitas para o recipiente do tratado. O rei emissor do tratado poderia ter
escrito ou aprovado o documento, mas, sem o selo, ele não teria caráter
obrigatório de um tratado oficial.
N esse contexto, a circuncisão não foi denom inada “selo” sem a
garantia e a plena consciência de seu significado. Ele trouxe a parte
recipiente do pacto a uma relação com o rei divino que previa maldição
e bênção - m aldição pela quebra do pacto e bênção por sua guarda.
E ntretanto, no prólogo histórico da instituição da circuncisão, Deus
m esm o tom ou sobre sua cabeça as responsabilidades pelo sucesso do
pacto (Gênesis 15). Na visão de Abraão, em Gênesis 15, Deus andou
sozinho no meio das partes de diversos animais - um rito pactuai típico
do O rien te P róxim o. A li ele esta v a to m an d o sobre si a te rrív e l
conseqüência da quebra do tratado. Tão identificados eram esses rituais
do corte dos anim ais em suas m etades, que o verbo karat (“cortar”)
aparece, freqüentemente, antes do termo berit (“pacto”). Como já vimos,
no O riente Próxim o não se dizia que os tratados eram feitos, mas
“cortados”. O derramamento de sangue era essencial para o “corte” do
pacto.
À luz disso, a circuncisão foi um exem plo extrem o da prática do
“corte” de um pacto. Ali, não era feito apenas um sacrifício substitutivo,
mas os homens crentes e seus filhos machos deveriam sofrer um corte.
Contudo, não seria um corte que derramasse o sangue de maneira fatal,
que desse fim à vida; seria o corte do prepúcio, simbolizando o corte
da impureza. Não foi por razões de higiene que a circuncisão foi assim
estabelecida, mas com o propósito de indicar que o pecado era herdado
de Adão desde o momento da concepção, e que ele deveria ser “cortado”
do corpo para que a pessoa não tivesse cortada a própria vida (Gn
17.14). Recusar-se a participar desse rito externo era, por inferência, o
mesmo que recusar o pacto e, assim, ao próprio Deus. Seria o mesmo
que ser cortado da terra dos viventes, perm anecer estando m orto em
delitos e pecados e alheio às promessas de Deus, acumulando ira para
o último dia.
Como M eredith Klein demonstra, a circuncisão era, também, uma
consagração. No primeiro corte (circuncisão), Isaque foi consagrado a
Deus, mas, na aflição do segundo corte, quando Deus ordenou a Abraão
que, de novo, tom asse a faca, Isaque foi oferecido com pletam ente a
D eus (Gn 22). Quão estranha é a ordem e quanta especulação tem
levantado no correr dos tempos! Mas Klein expõe:

Lidos juntamente, à luz do seu cumprimento, os três rituais de


corte registrados em Gênesis 15, 17 e 22 proclamam o mistério
da divina circuncisão - a circuncisão de Deus na crucificação
de seu Filho unigênito. Paulo cham ou-a de “a circuncisão de
Cristo” (Cl 3.11). A circuncisão do infante Jesus em obediência
a Gênesis 17, esse corte parcial e sim bólico, correspondeu ao
corte de Gênesis 15 como um rito de passagem daquele que era
d iv in o , p ara o lado do p acto que e stav a sob a am eaça de
m aldição. Esse foi o momento, profeticam ente escolhido, para
nomeá-lo “Jesus”. Entretanto, foi a circuncisão de Cristo na sua
crucificação que correspondeu à oferta queim ada de G ênesis
22, como sendo a perfeita circuncisão, o “despojam ento” não
apenas de uma parte simbólica, mas da totalidade “do corpo da
carne” (Cl 2.11); não sim plesm ente um a m aldição sim bólica,
mas o despojam ento “no corpo da sua carne, m ediante a sua
m orte” (Cl 1.22) em malditas trevas e abandono.56

Dessa maneira, o Servo foi “cortado da terra dos viventes; por causa
da transgressão do meu povo, foi ele ferido” (Is 53.8). As maldições do
pacto foram executadas, mas sobre a cabeça de um substituto, o mesmo
Deus que andou entre as m etades cortadas em Gênesis 15. E assim
como esse Filho maior de Abraão foi “cortado” para, então, ser levantado
para a vida (antevisto no fato de Abraão ter recebido Isaque de volta),
assim também todos somos “sepultados com ele na morte pelo batismo;
para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do
Pai, assim tam bém andemos nós em novidade de vida” (Rm 6.4).
No batismo, então, a nova aliança encontra um sinal e um selo para
um a realid ad e m ais com pleta. Não apenas um a parte do corpo é
consagrada a Deus, mas a totalidade da pessoa é batizada na morte de
Cristo, sepultada e ressurreta: “Porque, se fomos unidos com ele na
semelhança da sua morte, certamente o seremos também na semelhança
da sua ressurreição, sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso
velho hom em , p ara que o corpo do p ecado seja d estru íd o , e não
sirvam os o pecado com o escrav o s; po rq u an to quem m orreu está
justificado do pecado. Ora, se já m orremos com Cristo, crem os que
tam b é m com ele v iv ere m o s, sa b ed o re s de que, h av en d o C risto
ressuscitado dentre os mortos, já não morre; a morte já não tem domínio
sobre ele” (Rm 6.5-9). Então, os que são identificados com Cristo no
batismo são aqueles sobre os quais já não reinam o pecado, a morte e
as maldições da lei. Jesus diz: “Quem quiser preservar a sua vida perdê-
la-á; e quem a perder de fato a salvará” (Lc 17.33). A lavagem de água
no batismo é, como a oferta de Isaque, o despojamento da totalidade
do ser, mas, também, como na oferta de Isaque feita por Abraão, é o
resgate da vida, pois um cordeiro estava incluído no tratado. “Deus
proverá”, disse Abraão a seu filho - e assim fez Deus.
Em Colossenses, Paulo expande essa idéia:

Nele, também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos,


mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de
Cristo, tendo sido sepultados, juntam ente com ele, no batismo,
no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder
de Deus que o ressuscitou dentre os mortos. E a vós outros, que
estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão
da vossa carne, vos deu vida juntam ente com ele, perdoando
todos os nossos delitos; tendo cancelado o escrito de dívida,
que era contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era
prejudicial, rem oveu-o inteiramente, encravando-o na cruz.

Colossenses 2.11-14

Observe o paralelo explícito que Paulo faz entre a circuncisão e o


batismo. Jesus Cristo era o Filho de Abraão, completamente oferecido
a Deus como sacrifício. Não apenas seu prepúcio, mas a totalidade do
seu corpo foi cortada de Deus e do seu povo; mas ele foi ressuscitado,
deixando nossas ofensas no túmulo. Nossa circuncisão, assim, não é o
corte de nossa came, mas o sepultamento com ele no batismo. Somos
totalm ente consagrados a Deus porque fomos batizados no seu Filho
fiel. Isso deveria nos dar um senso profundo da importância do batismo
e, portanto, um senso mais profundo da realidade maior daquilo que é
ambos, sinal e selo.
É nesse contexto que podemos compreender melhor os evangelhos,
dos quais se presum e que já conheçam os o significado. Com eçam os
nas barrancas do Jordão, onde a estranha personagem de João Batista
está ganhando espaço na cena. Lemos na Escritura:

Eis que eu envio o meu m ensageiro, que preparará o caminho


diante de mim; de repente, virá ao seu templo o Senhor, a quem
vós buscais, o Anjo da Aliança, a quem vós desejais; eis que ele
vem, diz o Senhor dos Exércitos. Mas quem poderá suportar o
dia da sua vinda? E quem poderá subsistir quando ele aparecer?
Porque ele é com o o fogo do ourives e com o a potassa dos
lavandeiros. A ssentar-se-á com o derretedor e purificador de
prata; purificará os filhos de Levi e os refinará com o ouro e
como prata; eles trarão ao Senhor justas ofertas.

Essa passagem não é do evangelho de M ateus, mas de M alaquias


(3.1-3) — o último profeta bíblico até João Batista. Como Isaías (40.3),
M alaquias profetizou um precursor do M essias, e depois, o próprio
Messias. João Batista não é apenas o precursor em vista, mas em suas
falas proféticas, posta-se como o precursor das maldições pactuais de
D eu s. D e fe n d en d o o p a c to e re p re e n d e n d o ris p id a m e n te seus
violadores, João Batista prepara um povo para Jesus, da maneira como
as sombras da lei preparam o caminho para a realidade do evangelho e
da m aneira com o o A ntigo T estam ento preparou o cam inho para o
novo (Jo 1.17). João se coloca no rio, batizando para o arrependimento,
e respondendo às questões do povo sobre sua identidade (“És tu o
profeta?”) por meio de apontar o último dedo profético para o Ungido.
De fato, não se trata mais de um dedo profético, mas da realidade agora
diante dele.

Ora, os que haviam sido enviados eram de entre os fariseus. E


perguntaram-lhe: Então, por que batizas, se não és o Cristo, nem
Elias, nem o profeta? Respondeu-lhes João: Eu batizo com água;
mas, no meio de vós, está quem vós não conheceis, o qual vem
após mim, do qual não sou digno de desatar-lhe as correias das
sandálias... No dia seguinte, viu João a Jesus, que vinha para
ele, e disse: Eis o C ordeiro de D eus, que tira o pecado do
mundo!... Eu não o conhecia; aquele, porém, que me enviou a
batizar com água me disse: Aquele sobre quem vires descer e
pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo.

João 1.24-27, 29, 33

João batizou com água, preparando um povo para o M essias, mas


foi o batism o do próprio M essias que não som ente antecipou como
também introduziu o derramamento do Espírito. Contudo, esse batismo
ainda foi uma sombra do batismo que ele mesmo haveria de sofrer (Mt
20.22; Lc 12.50) a fim de que o batismo que ele oferece fosse efetivo -
e isso fica evidente no anúncio de João Batista: “Eis o Cordeiro de
Deus, que tira o pecado do mundo!” O Cordeiro que era parte do trato,
como substituto de Isaque, surge agora, não como sombra, mas como
realidade.
Em João 3, Jesus diz a N icodem os, o sim patizante fariseu: “Em
verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito
não pode entrar no reino de Deus” (v. 5). Conquanto reconheçamos a
distinção, não há separação entre água do batismo (o sinal) e o batismo
do E spírito (a coisa significada), pois esses são considerados com o
um a unidade. O batismo cristão não difere, na forma, do batism o de
João — ambos são feitos por meio da água. Entretanto, eles diferem ,
sim, no sentido de que o batismo de João se refere à realidade de Jesus
e do reino, enquanto Jesus, ou m elhor, seus discípulos, batizaram as
pessoas dentro da própria realidade. E vindo aquele que batiza com
fogo (juízo) e com o Espírito (salvação)!
Depois de Jesus haver passado por sua própria circuncisão por meio
da crucificação, e de ter sido ressuscitado, ele anunciou com ousadia e
divina autoridade: “E disse-lhes: Ide por todo o m undo e pregai o
evangelho a toda criatura. Quem crer e for batizado será salvo; quem,
porém, não crer será condenado” (Mc 16.15-16). Aqui, a linguagem é,
de novo, a das estipulações do pacto: aqueles que crêem e são batizados
em C risto e sca p a m ao ju lg a m e n to . No ú ltim o d ia, to d o s serão
consagrados a Deus, cumprindo a finalidade para a qual Deus criou a
humanidade, mas, como os israelitas no êxodo, alguns passarão ilesos
pelo túm ulo-das águas porque estão em Cristo, enquanto o restante
será consumido no julgam ento do modo como Faraó e seus exércitos
pereceram. Nesse dia, não haverá mais rebeldes, mas somente aqueles
que tenham um substituto ou que ofereçam a si mesmos para a morte
diante de Deus. Semelhantemente, Mateus registra a Grande Comissão:
“Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei
discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho,
e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos
ten h o o rd en a d o . E eis que e sto u c o n v o sco to d o s os d ias a té ã
consum ação do século” (Mt 28.18-20).
No Pentecostes, o Espírito foi derramado sobre toda a carne - isto é,
jovens e velhos, hom ens e m ulheres, ricos e pobres - com o Pedro
proclamou no primeiro sermão pentecostal (At 2.16-21). O Espírito foi
derramado para tom ar os discípulos em testemunhas de Cristo, e Pedro
faz exatamente isto: ele prega a Cristo como o cumprimento do Antigo
Testamento. E qual é a parte de aplicação do sermão de Pedro? “Ouvindo
eles estas coisas, compungiu-se-lhes o coração e perguntaram a Pedro
e aos demais apóstolos: Que faremos, irmãos? Respondeu-lhes Pedro:
A rrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nom e de Jesus
Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito
Santo. Pois para vós outros é a prom essa, para vossos filhos e para
todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso
Deus, chamar” (v. 37-39). Em sua Primeira Epístola, Pedro nos diz que
Noé e o episódio do dilúvio serviram como um tipo, o qual “figurando
o batismo, agora também vos salva, não sendo a remoção da imundícia
da carne, mas a indagação de uma boa consciência para com Deus, por
meio da ressurreição de Jesus Cristo; o qual, depois de ir para o céu,
está à destra de Deus, ficando-lhe subordinados anjos, e potestades, e
poderes” (1 Pe 3.21-22).
O propósito do batismo, chamado de lavagem por meio da água, é
o de lavar a nossa consciência, exatamente, como a purificação exterior
significa e sela. Cristo amou tanto a igreja, diz Paulo, que “a si mesmo
se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por
meio da lavagem de água pela palavra” (Ef 5.25-26).
João escreve:

Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo;
não somente com água, mas também com a água e com o sangue.
E o Espírito é o que dá testemunho, porque o Espírito é a verdade.
Pois há três que dão testemunho no céu: o Pai, a Palavra e o
Espírito Santo; e estes três são um. E três são os que testificam
na terra: o Espírito, a água e o sangue, e os três são unânimes
num só propósito.

1 João 5.6-8

Observe, nesse texto, a linguagem judicial. O Espírito, a água e o


sangue concordam (uma vez que um caso legal exigia m ais de uma
testem unha) que não estamos mais sob julgam ento, mas seguros em
Cristo.
Essa declaração de João é tão profunda quanto concisa. Conquanto
diversas interpretações estejam à disposição, parece-nos que o contexto
da aliança e seu rito de circuncisão nos conduzem num a direção em
particular. Não apenas Jesus nasceu das águas e foi consagrado ao Pai
ao oitavo dia, por meio da circuncisão (como Isaque), mas foi, também,
o fe re c id o na cruz. Á gua e sangue c o rre ra m de seu lad o fe rid o ,
certificando a sua morte. Da mesma maneira, então, Deus providenciou
um sinal e um selo hábeis para o novo pacto. Jesus “veio por meio de
água e san g u e” , e assim nós tam bém terem os de fazer. M as nos
realizam os nossa consagração a Deus por m eio do nosso batism o em
Cristo: a água e o sangue se relacionam do m odo com o a obra do
E sp írito e a obra do F ilh o tam bém se rela cio n a m in teg ralm en te.
Precisam os de testemunhos - selos - para confirm ar nossa salvação
nos céus, e precisamos de testemunhos para confirmar nossa salvação
aqui em baixo, na nossa experiência. Com o no pacto selado com o
arco-íris, Deus olha com favor para os filhos do pacto porque eles estão
em Cristo. Sempre que a justa ira de Deus é despertada nestes tempos,
ele se lem bra do arco-íris. Igualm ente, sem pre que provocam os o
desprazer de Deus, ele olha para o sinal e selo da salvação. E atribuído
a L utero o dito de que sem pre que ele era tentado pelo diabo ou
acom etido do m edo da perdição, ele clam ava: “Longe de m im , pois
sou batizado!” A Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo - testifica o
“voto imutável”, que fizeram entre si antes que o mundo fosse criado,
com respeito à salvação de todos os escolhidos de Deus.
Mas nós não estávamos envolvidos na feitura desse pacto e, assim,
com o poderem os obter segurança e certificação de que pertencem os
ao Senhor? Condescendendo, uma vez mais, Deus providenciou não
só as testemunhas celestiais (a Trindade), mas os testemunhos terrestres:
“o Espírito, a água e o sangue”. O Espírito Santo nos assegura de nossa
salvação, e o faz por m eio de coisas tangíveis: a água e o sangue.
Entendo que essa seja um a referência, sobretudo, à nova aliança da
consagração de Jesus (batizado por João Batista no Jordão) e à sua
m orte sacrificial que desviou de nós a ira de Deus. Segundo, ela se
refere ao batismo (o Espírito e a água) e à Ceia do Senhor (o Espírito e
o sangue), os sinais e selos do pacto da graça.
E importante que saibamos que esse ato ritual de aplicação do sinal
e selo não é uma obra que realizamos a fim de assegurar nosso destino.
Muitos evangélicos têm problemas com os sacramentos, precisam ente
porque os consideram , principalm ente, como obras hum anas, mas a
Escritura os apresenta como testem unhas da sua obra. Por exemplo,
Paulo nos lembra de que fomos reconciliados com Deus “não por obras
de justiça praticadas por nós, mas segundo sua m isericórdia, ele nos
salvou m ediante o lavar regenerador e renovador do E spírito Santo,
que ele derramou sobre nós ricamente, por meio de Jesus Cristo, nosso
Salvador, a fim de que, ju stificad o s por graça, nos tornem os seus
herdeiros, segundo a esperança da vida eterna” (Tt 3.5-7). Assim como
o sinal e selo da circuncisão particip am tanto da realid ad e que a
circuncisão pode ser cham ada de pacto, tam bém essa declaração de
Paulo implica uma sinédoque em relação ao batismo. Seria arbitrariedade
nossa considerar o “lavar regenerador e renovador do Espírito Santo”
como algo distinto do batismo. O mesmo seria verdadeiro a respeito
das passagens nas quais lemos o mandamento: “Levanta-te, recebe o
batismo e lava os teus pecados, invocando o nome dele (do Senhor)”
(At 22.16); “Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome
de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom
do Espírito Santo” (At 2.38).
Deverem os cuidar para não espiritualizar ou alegorizar passagens
como essas, como se, realmente, significassem coisas espirituais, isto
é, batism o interior em oposição ao batismo exterior e físico. Quando
Paulo diz: “todos quantos fostes batizados em C risto de Cristo vos
revestistes” (G1 3.27), ele tem em mente os três ingredientes do batismo:
o Espírito, a Palavra e a água. Podemos afirmar que a Palavra trouxe a
nós a fé salvadora e, ainda assim, reconhecer que não haveria quantidade
de pregação do evangelho suficiente para nos conceder fé fora da
atividade do Espírito. Exatam ente da m esm a m aneira, a Escritura se
refere à água do batismo como sendo a lavagem da regeneração e do
perdão, pois os sinais participam de fato da coisa significada. Assim
como a circuncisão pode ser chamada de “pacto”, o batismo é chamado
de “lavar regenerador” .
Ao mesmo tempo, seria errado considerar a lavagem de água interior
e exterior como se fossem idênticas, como revela a corrente polêmica
de Paulo contra os da circuncisão. Abraão foi justificado antes de ser
c irc u n c id a d o , q u an d o creu (R m 4 .9 -1 2 ), ain d a que as g e ra ç õ e s
sucessivas de homens fossem circuncidadas ao oitavo dia. A parte a
obra efetiva do Espírito, um corte externo não poderá, por si mesmo,
salvar, mais do que poderá salvar a pregação externa do evangelho. O
m esm o é verdadeiro quanto ao batism o. C onquanto não possam os
jamais separar as ações interna e externa, teremos de reconhecer que o
dom de Deus para o seu povo no pacto deverá ser recebido.
Rejeitar o pacto da graça é tomar-se não meramente um incrédulo,
mas fazer-se um “que calcou aos pés o Filho de Deus, e profanou o
sangue da aliança com o qual foi santificado, e ultrajou o Espírito da
graça” (Hb 10.29). Será o mesmo que rejeitar o selo do rei impresso no
perdão real. Por meio de sua participação batismal no pacto, até mesmo
o não-regenerado está, em certo sentido, separado como se pertencesse
ao povo de Deus — e esse fato é, precisam ente, o que o escritor usa
com o base para adverti-lo quanto à sua incredulidade. O escritor de
Hebreus adverte os herdeiros do pacto, na nova aliança, quanto a não
im itar a geração incrédula no deserto, a qual Deus impediu de entrar
no seu descanso: “T em am os, po rtan to , que, sendo-nos d eixada a
promessa de entrar no descanso de Deus, suceda parecer que algum de
vós tenha falhado. Porque tam bém a nós foram anunciadas as boas-
novas, com o se deu com eles; mas a palavra que ouviram não lhes
aproveitou, visto não ter sido acom panhada pela fé naqueles que a
ouviram ” (Hb 4.1-2).
Os sacramentos têm, exatamente, o mesmo ministério que a Palavra.
Como o Catecismo Maior de W estminster diz: “Os sacramentos tomam-
se meios eficazes da salvação, não porque tenham qualquer poder em
si nem qualquer virtude derivada da piedade ou da intenção de quem
os administra, mas unicamente pela operação do Espírito Santo e pela
bênção de Cristo que os instituiu” (P. 161).

Questões Práticas

D epois de tal tratam en to , surgem algum as q u estões p rática s.


Prim eiro, nós, naturalm ente, perguntam o-nos se todos os que são
batizados são, por conseqüência, salvos. Conquanto m uitos cristãos
creiam que seja esse o caso, parece que essa é uma posição difícil de
ser mantida à luz da Escritura. O círculo do pacto é mais abrangente do
que o círculo da eleição. Paulo expressa esse ponto para aqueles que
pensavam que se poderia ser eleito fora da fé em C risto: “E não
pensemos que a palavra de Deus haja falhado, porque nem todos os de
Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão
são todos seus filhos; mas: Em Isaque será chamada a tua descendência.
Isto é, estes filhos de Deus não são propriam ente os da carne, mas
devem ser considerados como descendência os filhos da prom essa”
(R m 9.6-8). A pregação da P alavra é efetiva, até m esm o, quando
endurece a pessoa que a ela resiste (Is 55.11). Igualmente, o batismo
perm anece sendo sinal e selo do pacto da graça - ainda quando esse
mesmo batismo (e pacto) é rejeitado. Pois esses ramos são podados da
Á rvore da Vida, e o lavar regenerador é transform ado em banho de
julgamento, e as maldições resultantes da violação da lei de Deus são,
então, reservadas para aquele que rejeitou o seu Substituto. O batismo
em Cristo, o m ediador do pacto da graça, confere vida eterna ainda
que sua eficácia não esteja ligada ao momento de sua administração.
Como uma semente que emite seus brotos, alguns filhos da promessa
poderão ser, realmente, regenerados mais tarde na vida, como a maioria,
é impossível de se precisar esse momento. Mas, como temos visto, não
há segurança de salvação - não mais para aqueles que são batizados
na nova aliança do que para os que eram circuncidados sob a velha
aliança - fora da fé em Cristo.
Uma segunda questão prática tem a ver com a oposição que muitos
evangélicos julgam existir entre os ritos externos e as realidades internas.
Em certo nível, já vimos, existe o temor de que uma íntima associação
entre o batism o e a salvação venha a configurar um a negação da
salvação efetuada pela fé somente. Noutro nível, existe a preocupação
de que essa asso ciação p o ssa c o n d u zir a um fo rm alism o m orto.
Consideremos, brevemente, ambas as preocupações enquanto tentamos
responder a essa questão. Primeiro, o nível um. Ambos os sacramentos
(batismo e Ceia) contêm duas partes: o sinal e a coisa significada. Já
vim os com o o N ovo T estam en to se re fe re ao b atism o com o um
outorgante de regeneração e de perdão. Entretanto, a água não pode,
p o r si m esm a, c u m p rir nenhum ato red e n tiv o . (D e outro m odo,
simplesmente aspergiríamos água sobre as pessoas em lugares públicos.)
Antes, por meio do sinal, a pessoa recebe a coisa significada. Para ser
mais claro, a pessoa batizada poderá falhar se colocar sua confiança no
sinal e não na coisa significada. Isso é que Paulo e o autor da carta aos
Hebreus se esforçam para demonstrar aos judeus cristãos: “Vocês que
já receberam o sinal, cuidem para não falhar quanto à sua confiança
em Cristo e em todos os seus benefícios (a coisa significada)”.
Os sacramentos, como a Palavra pregada, não são opostos à graça,
m as são, de fato , os m eios de graça. M uitos co n sid eram que há
incongruência em se sugerir que a fé vem por m eio de se ouvir a
pregação do evangelho, pois isso seria o mesmo que dizer que somos
salvos pelas obras. Por que isso teria de soar como incongruente? Nós
não crem os que pregação tenha m érito hum ano, mas que é obra de
Deus por meio das palavras de um embaixador terreno. Exatam ente a
m esma resposta é pertinente à questão sobre os sacramentos: o batismo
não confere nenhum grau adicional de salvação ou de bênção além
daquilo que é conferido por meio da pregação do evangelho. Em ambos
os casos, a substância é a mesma: Cristo e todos os seus benefícios. O
que poderia proclamar mais completamente a graça de Deus do que o
testemunho de sua promessa de ser Pai para nós e para nossos filhos
trazidos ao Senhor para batismo.
Isso nos leva à terceira questão prática: o que dizer quanto aos nossos
bebês? Graças à continuação que temos observado através desse enredo
pactuai correndo de Abraão para toda a sua descendência até o fim dos
tem pos, a inclusão dos nossos filhos recém -nascidos é tom ada como
certa quando chegamos ao Novo Testamento. Deus opera com gerações,
não som ente com indivíduos. Assim , quando ouvim os o convite de
Pedro: “Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para
todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso
Deus, cham ar”, ou lemos sobre o batismo da totalidade de um a casa,
em Atos, é tido como certo algo que, geralmente, não presumimos. Às
vezes, nosso individualismo ocidental atrapalha o entendimento desse
paradigma visto na Escritura. A circuncisão difere do batismo apenas
quanto ao sinal terreno, mas não quanto ao significado. Nos dois, aquilo
que é oferecido e, de fato, concedido pelo Espírito Santo, é, exatamente,
o mesmo: Cristo e todos os seus benefícios, por mais indistintam ente
que nossos irmãos e irmãs venham a entender isso na velha aliança em
comparação com a nova. Eis um sumário dos argumentos que considero
ser os mais compelentes quanto ao batismo infantil:

1. Deus nos trouxe ao pacto da graça, e ainda que nem todos os


membros desse pacto perseverem (isto é, não foram eleitos nem
regenerados), eles gozam dos privilégios especiais concedidos
ao povo do pacto. Isso era verdadeiro para Israel, e o Novo
Testamento simplesmente o aplica à igreja da nova aliança (Dt
4.20; 28.9; Is 10.22; Os 2.23; Rm 9.24-28; G1 6.16; Hb 4.1-11;
6.4-12; 1 Pe 2.9-10).
2. Em bora o ato de alguém ser colocado sob a proteção pactuai
de Deus não garanta que essa pessoa possua fé verdadeira e
persev eran te (Hb 4.1-11), isso não sig n ifica que seja sem
importância a extensão do selo do pacto aos filhos dos crentes.
3. Os filh o s estavam incluídos no pacto da graça no A ntigo
Testamento por meio do sacramento da circuncisão, e na nova
aliança (cham ada de “m elhor aliança”), Deus não m udou em
suas boas intenções em relação aos nossos filhos (At 2.38). A
circuncisão foi trocada pelo batismo (Cl 2.11). Portanto, nossos
filhos deveriam receber o sinal e selo de propriedade de Deus.
4. Os filhos de ímpios são ímpios, mas os filhos dos crentes são
separados diante de Deus. Essa é uma distinção feita não apenas
no A ntigo T estam ento (veja a P áscoa, Êx 12.42-51; veja,
também, a distinção entre a “casa do ímpio” e a “casa do justo”,
especialmente nos Salmos), mas continua no Novo Testamento,
no qual os filhos dos crentes são considerados santos (1 Co
10.2). Como, então, são eles m arcados ou distinguidos dos
incrédulos? Pelo sinal e selo do pacto.
5. Batismos de famílias inteiras são comuns nos relatos do Novo
Testam ento. C ertam ente, pelo m enos alguns deles, incluíam
in fan tes. Se fo r assim , isso seria bem c o n sisten te com o
entendimento judaico do pacto abraâmico (acima, n5 4).
6. Há registro continuado na história da igreja que dá suporte à
prática do batismo infantil, a começar das primeiras gerações.
Teria havido grande controvérsia a esse respeito se os sucessores
im e d ia to s dos a p ó sto lo s tiv e ssem se d e sv ia d o da p rá tic a
apostólica quanto a essa questão vital. Entretanto, não há registro
dessa controvérsia.
7. Se o batismo fosse um testemunho da fidelidade do crente em
relação ao pacto, seria impossível que ele fosse aplicado àqueles
que não tivessem fé para oferecer. Entretanto, o batismo é obra
de Deus, não de seres humanos. Ele não é, primariamente, um
sinal do compromisso do crente em relação a Deus (ainda que
envolva isso), mas um sinal do compromisso de Deus de chamar
pessoas para si mesmo. Porque a salvação é pela graça somente,
D eus age sa lv ific am e n te antes de hav er e sco lh a ou ação
hum anas (Rm 9.12-16). O batism o infantil é um testem unho
divino ordinário de sua graça preveniente. Conseqüentemente,
ela obriga aqueles que são batizados a perm anecerem fiéis ao
pacto, mas não faz dessa fidelidade um pré-requisito para sua
inclusão.
8. A razão pela qual há muitos exemplos no Novo Testamento de
batism os feitos mediante profissão de fé é que os relatos têm
em vista a prim eira geração. Como ocorreu com a circuncisão
de A b raão , um a d u lto c o n fia na p ro m e ssa de D eu s, e é
justificado - só então é batizado. M as tam bém como no caso
de Abraão, apresentamos nosso lar para receber o sinal e selo.
N enhum corpo cristão ortodoxo deveria aceitar a prática de
receber adultos sem a profissão de fé.

Assim, já chegam os ao Novo Testam ento esperando que Deus opere


com fam ílias ao longo de gerações. Os crentes do Novo Testam ento,
afinal, pertencem ao pacto da graça que Deus fez com Abraão: “Não
foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência coube a
prom essa de ser herdeiro do mundo, e sim m ediante a justiça da fé”
(Rm 4.13). Paulo elabora: “E digo isto: uma aliança já anteriormente
confirmada por Deus, a lei, que veio quatrocentos e trinta anos depois,
não a pode ab-rogar, de forma que venha a desfazer a promessa... E, se
sois de C risto, tam bém sois d escendentes de A braão e herd eiro s
segundo a prom essa” (G1 3.17, 29).
M uitas pessoas rejeitam o batismo infantil porque não crêem que
ele esteja claramente ordenado no Novo Testamento. Entretanto, isso é
ignorar a primeira parte do filme! É perder o ponto de que nós somos
filhos de A braão segundo o m esm o pacto da graça. Seria o caso,
portanto, de se crer na aplicação do sinal e selo do pacto, a menos que
houvesse passagens expressas na Escritura que o proibissem. A única
c o isa que m udou da p ro m e ssa do A n tig o T e sta m e n to p a ra o
cumprimento no Novo Testamento foi o sinal externo e sua extensão,
na base do seu cumprimento profético, para o sexo feminino (J1 2.28;
G1 3.28).
Quando chegamos ao Novo Testam ento, não descobrimos, apenas,
que não há passagens anunciando que os filhos estejam excluídos do
pacto, mas encontram os o contrário. A dultos convertidos devem ser
“batizados em nom e de Jesus para rem issão de pecados” , e assim ,
receber “o dom do Espírito Santo”. E, na próxima sentença, lê-se: “Pois
para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que
ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor, nosso Deus, chamar”
(At 2.38-39). Também lê-se: “Depois, o Senhor lhe abriu o coração (de
L ídia) para atender às coisas que Paulo d izia ...” e “D epois de ser
batizada, ela e toda a sua casa” (At 16.14-15). Adiante, nesse mesmo
capítulo, o carcereiro de Felipos abraça o evangelho: “Senhores, que
devo fazer para que seja salvo? Responderam-lhe: Crê no Senhor Jesus
e serás salvo, tu e tua casa... Naquela mesma hora da noite, cuidando
deles, lavou-lhes os vergões dos açoites. A seguir, foi ele batizado, e
todos os seus” (vs. 30-31, 33). Eis aí o padrão de Abraão e de Isaque:
a primeira geração de crentes abraça o pacto na idade adulta, seguindo
a promessa, e as gerações seguintes são apresentadas na infância para
o rito de iniciação.
D ada a continuação do pacto da graça nos dois testam entos, não
nos surpreendemos ao aprender que, quando o chefe da casa se torna
crente, os filhos recebem a marca de propriedade divina. Observe como
Paulo presum e isso em seu conselho para um a cristã, esposa de um
marido incrédulo: “Porque o marido incrédulo é santificado no convívio
da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do m arido
crente. D outra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém , agora,
são santos” (1 Co 7.14). Quando tudo isso é reconhecido à luz das
prim eiras cenas (/.e., o anjo do Senhor “passando por sobre” as casas
dos israelitas no Egito, nas quais houvesse sangue nas vergas e umbrais
das portas), as coisas se encaixam perfeitamente. Paulo está dizendo
que a presença de um dos pais crente é como o sangue na porta. Se os
crentes estão incorporados em Cristo e em seu corpo visível juntamente
com seus filhos, então estes deveriam receber o sinal e selo.

A Água é (ou Deveria Ser) M ais Densa do que o Sangue

A questão: “Você é batizado?” deveria ser mais definitiva .para a


nossa com unhão do que a de se alguém pertence ao m esm o grupo
étnico, nacional, socioeconômico, político ou grupo denom inacional.
Infelizm ente, o mesmo banho que une o corpo visível de Cristo tem
dado ocasião para as divisões mais contundentes. Isso ocorre não porque
a Escritura não seja clara ou seja contraditória; nem porque a Escritura
m ostra pouco interesse nessa questão. Antes, a causa é o nosso próprio
pecado - tanto na maneira como nós, geralmente, comunicamos nossa
posição, quanto na maneira como agimos com nossos preconceitos, o
que nos im pede de enfrentar as dificuldades e de ser vencidos pela
própria Palavra de Deus. Independentem ente de como alguém avalie
os argumentos que registrei neste capítulo, haverá sempre a esperança
de um dia quando tópicos como esses não serão mais considerados
assuntos fora dos limites da conversa e do debate cristão em geral. Um
dia eles serão vigorosamente discutidos por pessoas dos diversos lados,
as quais concordarão com, pelo m enos, um ponto em comum: esses
assuntos são levados a sério na Escritura, e deveriam ser levados a
sério por nós.
Sete
Uma Mesa no Deserto

“Pode, acaso, Deus preparar-nos mesa no deserto?” - perguntou a


complacente geração, depois de o Senhor ter libertado Israel da opressão
egípcia. De fato, o salmista, referindo-se à infidelidade de Israel e da
fid e lid a d e de D eu s, in c lu i esse e p isó d io : “M as, ain d a a ssim ,
prosseguiram em pecar contra ele e se rebelaram, no deserto, contra o
Altíssimo. Tentaram a Deus no seu coração, pedindo alimento que lhes
fosse do gosto. F alaram contra D eus, dizendo: Pode, acaso, Deus
preparar-nos m esa no deserto? Com efeito, feriu ele a rocha, e dela
manaram águas, transbordaram caudais. Pode ele dar-nos pão também?
Ou fornecer carne para o seu povo?” (SI 78.17-20).
Não podemos deixar de ver nossa vida refletida na vida daqueles
que experim entaram em prim eira m ão o livram ento e, ainda assim ,
ansiaram pelo Egito, a terra do seu cativeiro. Temos, aqui, a prim eira
menção feita ao povo de Deus como um “povo misturado”. Não é uma
igreja pura, form ada apenas de pessoas realm ente regeneradas, mas
um campo no qual o trigo e o joio crescem juntos. “E o populacho que
estava no meio deles veio a ter grande desejo das comidas dos egípcios;
pelo que os filhos de Israel tomaram a chorar e também disseram: Quem
nos dará carne a com er? L em bram o-nos dos peixes que, no E gito,
comíamos de graça; dos pepinos, dos melões, dos alhos silvestres, das
cebolas e dos alhos. Agora, porém, seca-se a nossa alma, e nenhuma
coisa vemos senão este maná” (Nm 11.4-6). A versão dessa cena feita
pelo salmista contém alguns itens dignos de nota à luz do nosso tópico.
P rim eiro, eles “T entaram a D eus no seu coração, pedindo (num a
tradução mais aproximada, exigindo) alimento que lhes fosse do gosto” .
Como filhos indisciplinados, os israelitas exigiram que suas necessidades
percebidas fossem satisfeitas. Aqui, há um traço de Adão e Eva: “Vendo
a m ulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e
árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e
deu tam bém ao m arido, e ele com eu” (Gn 3.6). Como Adão e Eva,
Israel questionou a provisão de Deus e sua bondade. De duas uma: ou
ele não seria bom o bastante para desejar o melhor para os seus, ou não
seria poderoso bastante para levar a cabo a tarefa. Promessas, promessas.
Tudo o que eles queriam não era um a boa prom essa, mas um a boa
refeição. Tudo o que sabiam era que seus desejos urgentes não estavam
sendo su p rid o s. T in h am sa u d ad e do E g ito . N ão h a v ia n e n h u m
entendimento de que Deus os havia libertado de uma terrível escravidão
e que, agora, pertenciam a ele e faziam parte do seu povo. Im agine
isto: depois de haver resgatado seu povo escolhido e de buscar, com
em penho, habitar no m eio dele, era esse o agradecim ento que Deus
recebia!
Certamente, esse é um espelho de nossa vida, hoje, diante de Deus.
Também somos um povo misturado, formado de crentes genuínos e de
incrédulos e mesmo nós, crentes, temos uma mente dúplice, achando-
nos ansiando pelo mesmo mundo do qual fomos resgatados por Deus.
N ossa peregrinação para a Cidade de Deus é, quase sem pre, árida,
em poeirada e difícil, enquanto passam os pelas avenidas das nações
repletas da aparente plenitude pelas quais ansiamos para satisfação de
nossos objetivos imediatos. “Falaram contra Deus, dizendo: Pode, acaso,
D eus preparar-nos m esa no deserto? Com efeito, feriu ele a rocha, e
dela m anaram águas, transbordaram caudais. Pode ele dar-nos pão
tam bém? Ou fornecer carne para o seu povo?” (Sl 78.19-20).
Foi-nos anunciada a realidade apontada por este sinal: a Rocha foi
ferida em nosso favor, no deserto, para que, com água viva, fossemos
lavados e dessedentados. Paulo traça esse paralelo: “Ora, irmãos, não
quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos sob a nuvem , e
todos passaram pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na nuvem
como no mar, com respeito a Moisés. Todos eles comeram de um só
m anjar espiritual e beberam da mesma fonte espiritual; porque bebiam
de um a pedra espiritual que os seguia. E a pedra era C risto” (1 Co
10.1-4). E, da maneira como água e sangue verteram de seu lado assim
ele instituiu o batism o e a Ceia para nos sustentar. D eus pode nos
preparar um a m esa no deserto - e ele o fez! O problem a é que nós,
como os coríntios do primeiro século e as gerações rebeldes do deserto
às quais os coríntios são com parados, tem os nossa própria lista de
com pras. Se D eus apenas fizesse isto ou aquilo, se ele apenas se
mostrasse a nós nesta ou naquela área ou decisão em nossa vida, se ele
apenas solvesse este problem a ou impedisse uma aflição pressentida,
continuaríam os a cham ar pelo seu nome. Entretanto, o que acontece
quando nossas vidas se tornam conturbadas? R eagirem os com o o
salmista e Paulo indicaram? Fomos batizados em Cristo. “Com efeito,
feriu ele a rocha, e dela m anaram águas, transbordaram caudais”, os
israelitas se lem braram . “Pode ele dar-nos pão tam bém ?” Ele nos
assegura de sua presença, mas nós exigimos um sinal.
Coisa m arcante, aqui, é que Deus não somente continua a poupar
seu povo rebelde e com placente, como ainda aquiesce a seu pedido.
Ele providenciou o pão além da água, e ainda providencia não só um
batism o de um a vez por todas como, também, o uso perene da Ceia
que nos sustenta na jornada para a terra prometida. “Preparas-me uma
mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo;
o meu cálice transborda. Bondade e misericórdia certamente me segui­
rão todos os dias da m inha vida; e habitarei na Casa do Senhor para
todo o sempre” (SI 23.5-6). Até aqui, não apenas temos visto a simetria
interna entre as administrações do mesmo pacto do Antigo e do Novo
Testam ento, e tam bém reconhecem os como o Novo Testam ento des­
creve o paralelo entre a circuncisão e o batismo. O mesmo é verdadei­
ro com respeito à Páscoa e à Ceia do Senhor: “Pois tam bém Cristo,
nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebrem os a festa não
com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia,
e sim com os asmos da sinceridade e da verdade” (1 Co 5.7-8). Como
Paulo deixa claro em sua epístola, essa festa é mantida na nova aliança
por meio do sacramento da Santa Ceia.
Entretanto, esse paralelo não fará sentido a menos que consideremos
o ponto principal da Páscoa do Antigo Testamento.

A Instituição da Páscoa

Em resposta à recusa de Faraó em deixar o povo ir, Deus enviou


pragas — cada uma dirigida a um dos deuses principais do panteão egíp­
cio. Depois de proclamar sua vitória sobre os ídolos do Egito, Deus veio
novamente a Faraó, por meio de Moisés, e, ainda assim, Faraó recusou a
submeter-se aos termos de uma trégua. Assim, da maneira como Faraó
havia requerido o primogênito de Deus, Israel, Deus proclamou seu pla­
no de requerer os primogênitos do Egito, desde os da casa de Faraó até
os dos animais. Esse seria um ataque estratégico de proporções maciças,
uma vez que o primogênito era o herdeiro da casa.
Naquela noite, Deus instituiu a Páscoa:

Disse o Senhor a Moisés e a Arão na terra do Egito: Este mês vos


será o principal dos meses; será o primeiro mês do ano. Falai a
toda a congregação de Israel, dizendo: Aos dez deste mês, cada
um tom ará para si um cordeiro, segundo a casa dos pais, um
cordeiro para cada família. O cordeiro será sem defeito, macho
de um ano; podereis tom ar um cordeiro ou um cabrito... e o
g u a rd a re is até ao d écim o q u a rto dia d e ste m ês, e to d o o
ajuntamento da congregação de Israel o imolará no crepúsculo
da tarde. Tomarão do sangue e o porão em ambas as ombreiras
e na verga da porta, nas casas em que o comerem; naquela noite,
com erão a carne assada no fogo; com pães asm os e ervas
amargas a comerão... Desta maneira o comereis: lombos cingidos,
sandálias nos pés e cajado na mão; com ê-lo-eis à pressa; é a
Páscoa do Senhor.

Êxodo 12.1-3, 5-8, 11

Na noite do julgamento, Deus mesmo instituiu um ritual que deveria


ser seguido pelas gerações vindouras, de m odo que elas pudessem
participar ju nto com seus pais e m ães desse evento representativo.
Exatamente como Deus lhes disse, pela manhã os primogênitos do Egito
m orreriam , mas os israelitas (e, talvez, alguns egípcios crentes) que
exibissem o sangue em suas portas seriam poupados.
É importante observar que o ritual da Páscoa foi instituído na mesma
n o ite em que os p rim o g ê n ito s dos e g íp c io s fo ram e n tre g u e s ao
julgamento. Deus não instituiu um ritual imitativo para celebrar o ciclo
da n atu reza nem um m em orial de um a grande id éia u niversal ou
princípio moral. Era um ritual de comemoração e de participação num
evento redentivo-histórico que Deus realizou na existência concreta de
um p o v o em p a rtic u la r. A lém d isso , não fo i um ev e n to que se
desen v o lv eu ao longo do tem po, com o a lenda do P apai-N oel na
exploração filantrópica de São Nicolau. O sacramento foi instituído na
m esm a noite do julgam ento. A Páscoa é a m ais antiga e im portante
festa do calendário hebraico, dada na noite em que os prim ogênitos
foram reivindicados, e antecipou o mais significante evento da história
do Antigo Testamento: o êxodo do Egito.
Os paralelos entre a Páscoa e a Ceia do Senhor são bem evidentes.
De fato, Paulo escreve: “Lançai fora o velho fermento, para que sejais
nova m assa, como sois, de fato, sem ferm ento. Pois tam bém Cristo,
nosso Cordeiro pascal, foi imolado. Por isso, celebrem os a festa não
com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia,
e sim com os asmos da sinceridade e da verdade” (1 Co 5.7-8). Lemos
que “No primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, vieram os discípulos a
Jesus e lhe perguntaram: Onde queres que te façamos os preparativos
para com eres a Páscoa?” (M t 26.17). Jesus os enviou à casa de um
certo homem, observando que “O meu tempo está próxim o” (v. 18).
Seguiu-se a instituição da Páscoa:

E nquanto com iam , tom ou Jesus um pão, e, abençoando-o, o


partiu, e o deu aos discípulos, dizendo: Tomai, comei; isto é o
m eu corpo. A seguir, tomou um cálice e, tendo dado graças, o
deu aos discípulos, dizendo: Bebei dele todos; porque isto é o
m eu sangue, o sangue da nova aliança, derramado em favor de
m uitos, para rem issão de pecados. E digo-vos que, desta hora
em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em
que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai.
vv. 26-29

Com o a Páscoa, o evento e a instituição desse rito sacram ental


ocorreram na m esm a noite. Paulo observa que “o Senhor Jesus, na
noite em que foi traído,” instituiu a Ceia (1 Co 11.23). Quando os
israelitas comeram o cordeiro, primogênito e sem mácula, com vinho e
pão não-levedado, eles não estavam somente celebrando o ato de Deus
de livrar seus filhos primogênitos, mas antecipavam uma substituição
maior. Em vez do sacrifício de um cordeiro, do sangue nos umbrais da
porta e da refeição dentro de casa, Deus mesmo lhes oferecia seu Filho
como o cordeiro primogênito.
O Evangelho de Lucas lança luz sobre o relato de Mateus:

Chegada a hora, pôs-se Jesus à mesa, e com ele os apóstolos. E


disse-lhes: Tenho desejado ansiosamente comer convosco esta
Páscoa, antes do meu sofrimento. Pois vos digo que nunca mais
a comerei, até que ela se cumpra no reino de Deus. E, tomando
um cálice, havendo dado graças, disse: Recebei e reparti entre
vós; pois vos digo que, de agora em diante, não mais beberei do
fruto da videira, até que venha o reino de Deus. E, tomando um
pão, tendo dado graças, o partiu e lhes deu, dizendo: Isto é o
m eu corpo oferecido por vós; fazei isto em m em ória de mim.
Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este
é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado em favor
de vós. Todavia, a mão do traidor está comigo à mesa.

22.14-21

Houve uma razão definitiva para a estratégia divina de instituir a


Ceia nessa noite, “chegada a hora” - a hora do Cordeiro primogênito e
sem mácula ser entregue ao julgamento no lugar dos pecadores. Embora
os discípulos estivessem longe de reconhecer o que se passava, ainda
que Jesus viesse falando sobre sua crucificação a ocorrer em Jerusalém,
Jesus am ou seus discípulos e perm aneceu junto deles, sabendo que
essa seria a últim a noite que passaria em sua com panhia. Essa é,
precisam ente, a com unhão que a Ceia deveria continuar e antecipar
em sua p len a expressão: a cerim ô n ia de casam ento do C ordeiro.
“Porque, todas as vezes que com erdes este pão e beberdes o cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que ele venha”, escreve Paulo (1 Co
11.26).
E m todos esses relatos, as palavras da instituição são as mesmas:
Jesus tom ou o pão, partiu e distribuiu os pedaços com as palavras:
“Isto é o meu corpo, que é dado por vós”; e depois, fez o mesmo com
o vinho: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue”. Aqui temos de
novo o term o sinédoque. Você se lem brará do que acontece quando
alguém se refere a uma parte como se fosse a totalidade. A circuncisão
é cham ada de “o p acto ” . A Páscoa é cham ada de “a passagem do
Senhor” , assim com o o batism o é cham ado de “regeneração” e de
“perdão de pecados”. Os sinais e selos do pacto participam tanto da
rea lid a d e do p acto que são ex p resso s com o se fossem a p ró p ria
realidade. Aqui também, então, Jesus chamou o pão de seu corpo, e ao
vinho chamou de “sangue da nova aliança” e de “nova aliança do meu
sangue” .
Tudo isso levanta uma questão quanto ao significado das expressões:
“isto é o meu corpo” e “isto é o meu sangue”. Será que o pão e o vinho,
de fato, tomam-se carne e sangue de Cristo? Ou são eles meros símbolos
do seu corpo e do seu sangue? Ou há, ainda, outra explicação para
essas palavras?

A Natureza da Ceia

De início, é importante que eu declare meus preconceitos, uma vez


que ninguém vem à B íblia com uma m ente sem inform ação, m as a
interpreta à luz de mestres que teve ao longo dos anos. Por isso é que
existe um a visão católica rom ana da Ceia, uma visão Luterana, uma
visão m em orativa e uma visão reformada. Estou convencido de que a
visão reform ada faz mais sentido quanto ao m aterial bíblico, porém,
m antenho-m e aberto para os desafios dos meus colegas e irm ãos de
outras tradições. M inha interpretação das passagens que se seguem é,
portanto, caracteristicamente reformada. “Consumidores, preparem-se!”
Conforme a visão católico-romana, as palavras: “isto é meu corpo”,
“isto é meu sangue” significam, literalmente, que o pão, depois de ser
consagrado por um sacerdote, não é mais pão, mas o verdadeiro corpo
de Jesus Cristo. Em sua ordenação, o sacerdote recebe o poder de realizar
essa transform ação dos elementos. Aqui é feita uma distinção, desde
Tom ás de A quino, entre “substância” e “acidente”, segundo a qual
alguém diria: “Eu sei que parece pão, tem gosto de pão, percebo como
pão (isto é, os ‘acidentes’ do pão), mas, na substância, é o corpo de
Cristo” . Conquanto haja algumas variantes dessa visão no catolicismo
romano contemporâneo, essa é a que ainda recebe suporte oficial como
dogm a.
No outro lado do espectro do debate estão os anabatistas, os quais
consideram o batismo e a Ceia como penhores do alistamento do crente
no rol dos fiéis. São penhores do comprom isso do crente em vez de
penhores da aceitação divina. Uma perspectiva pouco menos radical é
a expressa por Ulrich Zuínglio, o reformador do século XVI, de Zurique,
que pôde concordar com Lutero em cada ponto doutrinário, exceto
quanto à natureza da Ceia. Zuínglio sustentava que as palavras “isto é
o meu corpo” e “isto é o m eu sangue” significam: “isto representa meu
corpo” , “isto representa meu sangue” . O pão e o vinho, com o um a
aliança de casam ento, representam , mas de modo nenhum conferem
ou p a rtic ip a m no corpo de C risto . N a co m u n h ão , p o rta n to , não
estarem os recebendo Jesus C risto de m aneira diferente do que em
qualquer outro exercício da fé. É tudo espiritual: um m em orial do
s a c rifíc io de Je su s. O c u lto de co m u n h ão , e n tã o , o fe re c e um a
oportunidade para os crentes reafirmarem sua lealdade a Deus e a seu
povo.
As interpretações de Lutero e da Reforma (calvinista) estão entre
essas posições m encionadas e suas distinções continuam a dividir os
corpos confessionais clássicos, a despeito das tentativas de conciliação
ao longo dos séculos. Em bora seja im possível fazer ju stiça a cada
posição, aqui, procurarem os resum ir as duas. Os luteranos sustentam
que sua tese toma as palavras da instituição de maneira séria: Jesus está
fisicamente presente em cada altar onde as palavras da instituição são
invocadas. Tanto os crentes quanto os não-crentes recebem o corpo e o
sangue de Jesus, no e sob o pão e o vinho. Sua preocupação é a guarda
da objetividade do sacramento: o corpo e o sangue físicos de Cristo
são, verdadeiram ente, recebidos pelos crentes e incrédulos, um a vez
que Jesus está fisicamente presente no altar.
Os re fo rm a d o s m an têm que não e stã o p re o c u p a d o s com a
literalidade das palavras da instituição. “Isto é m eu corpo” e “isto é
meu sangue” não podem ter seu significado estendido. Portanto, deverão
ser interpretadas conforme as regras ordinárias de linguagem e o ensino
da Escritura em outros lugares. Assim, os reformados entendem que as
palavras da instituição sejam, de novo, exemplos de sinédoque, cujo
uso, como já vimos, é comum nos sacramentos. Em cada sacramento
há duas coisas: um sinal e a coisa significada.
No batismo, há a água (sinal) e a regeneração (a coisa significada).
Igualmente, na Comunhão, há o pão e o vinho (sinais) e Cristo e seus
benefícios (a coisa significada). Isso é chamado de “união sacramental”,
na qual o sinal e a coisa significada são tão relacionados que se poderia
falar do batism o como sendo a regeneração, sem relacionar os dois
termos, e poder-se-ia falar da Comunhão como participação em Cristo
conform e as duas naturezas, Deus e hom em , m esm o que o pão e o
vinho não contenham o corpo e o sangue físicos de Cristo. Jesus Cristo
ascendeu aos céus em seu corpo e, um dia, assim descerá de lá. Essa
verdade não permite a visão de que ele estaria fisicamente presente na
terra até aquele dia. De outro modo, o que significaria dizer que nosso
Salvador é, ainda agora, plenam ente humano, com um corpo como o
nosso?
O Espírito Santo - que desempenha um papel relevante, sobretudo,
na explanação de Paulo sobre os sacramentos - vence a distância entre
nós e o Salvador ressurreto, fazendo efetiva nossa união sacramental.
Por causa das suas misteriosas operações, os crentes, verdadeiramente,
recebem o mesmo corpo que nasceu de M aria e o mesmo sangue que
foi derram ado no Calvário. Os reform ados, neste ponto, enfatizam o
mistério. Nós, simplesmente, não sabemos como isso acontece, mas a
E scritura diz que acontece. Ainda que reinando à direita de Deus, o
verdadeiro e natural Cristo e todos os seus benefícios nos são concedidos
quando a boca vazia da fé recebe a coisa significada à m edida que a
boca vazia da carne recebe o pão e o vinho.
Essas observações não são feitas para sugerir que o Espírito Santo
desempenhe um papel menor nos entendimentos não-reformados. Antes,
seu papel é destacado no entendim ento reform ado com o a m aneira
pela qual a Escritura explana como o corpo físico de Cristo pode estar
espacialmente ausente “até que ele volte” (1 Co 11.26) e, ainda assim,
dizer que os crentes são alimentados por seu corpo sacrificado e por
seu sangue derramado por meio da Santa Ceia (1 Co 10.16).
De m aneira mais plena do que aqueles que comeram o cordeiro da
Páscoa, alimentando-se do substituto cuja morte era a sua vida, aqueles
que recebem a Ceia em fé não recebem apenas o pão e o vinho; na sua
rec e p ç ão , eles são n u trid o s de C risto nos céus, pela fé. A co isa
significada (Cristo e seus benefícios) não está presente no lugar do pão
e do vinho (C atólica Rom ana), ou em, com e sob o pão e o vinho
(Luterana), ou, meramente, sim bolizada (mem oralista). Está presente
no sacram ento, visto que o Espírito Santo nos une a Cristo no céu.
Portanto, não se trata de um sim ples m em orial ou de um penhor de
nossa fidelidade, porém é, prim eiro e sobretudo, um meio de graça e
um penhor da fidelidade de Deus. Assim como a geração de incrédulos
no deserto recebeu a circuncisão e a Páscoa, mas foi impedida de entrar
no descanso por causa da descrença, somente os crentes recebem aquilo
que lhes é prometido no sacramento (a coisa significada).

Os Benefícios da Ceia

Em diversos textos, o N ovo T estam ento claram ente esboça os


benefícios da Ceia recebida em fé, mas o principal encontra-se nas
epístolas de Paulo, especialmente em 1 Coríntios. Primeiro, a redenção
na travessia do Mar Vermelho por meio da identificação com Moisés é
c o rre la c io n a d a com o batism o do N ovo T estam ento p o r m eio da
identificação com Cristo. Até mesmo sob Moisés, a identificação final
já era com Cristo: “Todos eles comeram de um só manjar espiritual e
beberam da m esm a fonte espiritual; porque bebiam de um a pedra
espiritual que os seguia. E a pedra era Cristo” (1 Co 10.3-4). Esses pais
no deserto receberam uma âncora para o futuro prom etido por Deus.
“E ntretanto, Deus não se agradou da m aioria deles, razão por que
ficaram prostrados no deserto” (v. 5). Eles falharam em olhar além do
sinal (um suprimento miraculoso de água) para receber o próprio Cristo.
Assim como o evangelho pregado e o batismo, a Ceia permanece sendo
a Ceia, creiam ou não, e ainda assim a realidade não é recebida fora de
Cristo.
Quando a Ceia é recebida pela fé, seus benefícios Ceia são, em
substância, os mesmos comunicados por m eio da pregação e do batismo:
Cristo e seus benefícios. A pessoa e a obra de Cristo são recebidas e
desfrutadas.
Alguém poderia perguntar: “Por que eu deveria receber a Cristo e
seus benefícios vez após vez? Eu aceitei a C risto um a vez; não foi
suficiente?” E outro ainda perguntaria: “O que acontece se um crente
não tomar a Ceia numa ou noutra ocasião? Será que essa pessoa estará
menos perdoada, menos unida a Cristo?” Essas são questões importan­
tes. Um a com paração entre a Ceia e a palavra pregada é útil para a
resposta, assim como foi a consideração do batism o. Jam ais escutei
alguém dizer: “Por que eu aceitei a Cristo anos atrás, não preciso mais
ouvir a Palavra”. Somos, ao mesmo tempo, santos e pecadores, nossa
fé jam ais será tão forte que cheguemos a ponto de nos m anter em pé
sem os suportes que Deus nos tem dado. Ninguém chegará a um ponto
na vida cristã quando o evangelho será tão suficientemente entendido
e abraçado que dispense a pregação das boas novas de Deus. A fé não
é apenas um a questão de se terem todos os fatos corretos, mas de se
estar internam ente persuadido de suas verdades, das quais o Espírito
Santo testifica na sua Palavra. Ainda que pudéssemos acumular infor­
mação suficiente, nossa fé seria enfraquecida sem a constante persua­
são retórica de Deus. O mesmo é verdadeiro em relação à Ceia. Em bo­
ra o batism o seja um sinal e um selo que não deverá ser repetido, a
Ceia é repetida diversas vezes, pois comunica o próprio evangelho. Se
o batismo é um meio de graça inicial, a Ceia é um meio de perseveran­
ça na graça — não por nos oferecer um ingrediente adicional ou um
poder ausente na pregação ou no batismo, mas porque é uma ratifica­
ção perpétua do tratado de paz feito entre Deus e seu povo. A fé é
criada pela palavra pregada, e confirmada e fortalecida por m eio dos
sacramentos. Deus opera sobrenaturalmente por meio das coisas natu­
ralm ente criadas.
A igreja de Corinto foi famosa por causa dos seus vícios, principal­
m ente por causa das lutas sectárias, da imoralidade sexual, da desor­
dem no culto e do egoísmo. “Quando, pois, vos reunis no mesmo lu­
gar, não é a ceia do Senhor que comeis”, mas uma refeição qualquer.
“Cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia”, e isso ameaça a
unidade e a comunidade do corpo de Cristo. Então, Paulo relem bra a
instituição da Ceia e apela às pessoas que examinem a si mesmas. Ele
escreve: “Por isso, aquele que comer o pão ou beber o cálice do Se­
nhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Exam i­
ne-se, pois, o hom em a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do
cálice; pois quem com e e bebe sem discernir o corpo, come e bebe
juízo para si” (1 Co 11.27, 29). Observe a união integral do sinal e da
coisa significada: pecar contra o pão e o vinho é pecar contra o corpo
e o sangue. Para que a declaração se mantenha sintaticamente correta,
não se pode dissolver o sinal na coisa significada (como a visão católi­
ca romana), pois ela é claramente distinta na mente de Paulo: o pão e o
vinho são uma coisa, e o corpo e o sangue são outra. Não obstante, não
são coisas separadas (como na visão memorialista), mas estão ligadas
pela Palavra e pelo Espírito, e assim, a participação do alimento físico
do pão e do vinho de maneira indigna constitui a participação do cálice
da ira de Deus, “pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e
bebe juízo para si” (v. 29). Alguns até mesmo morreram por causa de
sua iniqüidade em relação à Mesa do Senhor.
A lguns têm usado a exortação de Paulo a um exam e pessoal de
maneira que, na verdade, mina o ponto principal do sacramento, como
se a Comunhão fosse uma recompensa em vez de um meio de graça. O
contexto desses versos torna m uito claro quão im portante era que os
coríntios não se aproxim assem da m esa do Senhor com tão pouco
respeito pelo sinal ou pela coisa significada. Eis um sacramento, disse
Paulo, que testifica e, de fato, confirma e fortalece a unidade do corpo
de Cristo e, no entanto, a igreja estava empenhada em lutas e divisões.
Eis um sacramento que significa e sela a união do crente com Cristo,
que oferece o corpo e o sangue de Cristo e, no entanto, alguns estavam
unindo seus corpos aos de prostitutas e adúlteras. O adultério espiritual
também estava em vista: como poderia, alguém, gozar comunhão com
Cristo e participar de rituais pagãos? “Portanto, meus amados, fugi da
idolatria. Falo com o a criteriosos; ju lg a i vós m esm os o que digo.
Porventura, o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do
sangue de Cristo? O pão que partimos não é a comunhão do corpo de
Cristo? Porque nós, embora muitos, somos unicamente um pão, um só
corpo; porque todos participamos do único pão” (1 Co 10.14-17).
A palavra para comunhão, aqui, é koinonia, e poderia ser traduzida
por “comunhão” ou “participação”. E o termo perfeito para se descrever
a “união sacramental” do sinal e da coisa significada. Na recepção da
Santa Ceia, os crentes participam no verdadeiro corpo e no verdadeiro
sangue de Cristo e, também, da comunhão do corpo pactuai, a igreja.
Não podemos nos identificar com Cristo fora da identificação com sua
igreja, nem podemos receber os benefícios desse sacramento fora da fé
pessoal em Cristo. A comunhão ocorre por meio do ministério da igreja,
mas deriva sua eficácia somente das operações poderosas do Espírito
Santo.
N essa assem bléia pactuai, em que D eus se assenta no trono do
juízo, os crentes não são apenas justificados por causa de Cristo; são
tam bém assegurados de que Deus fez isso por eles, cada um em par­
ticular, por m eio do testemunho interno do Espírito Santo (Rm 8.16-
17; Hb 10.15), do batismo (“a água”), e da Ceia do Senhor (“o san­
gue”). Esse é um selo tríplice real im presso no tratado de nossa re­
denção. A ssim , respondem os às acusações do diabo e às da nossa
p rópria consciência por m eio da dem onstração dos benefícios dos
sacramentos em geral e da comunhão em particular, repetindo as pa­
lavras do penhor: Fomos selados com o Espírito Santo, o qual é o
depósito de garantia da minha futura redenção (ver E f 1.13-14; 4.30)
- selados no batismo e regularm ente confirmados por m eio da com u­
nhão do corpo e do sangue de Cristo.
Finalmente, a Ceia não é apenas um benefício para nós, individual­
m ente, mas como m em bros de Cristo e, conseqüentem ente, uns dos
outros. Os sacramentos são essenciais para a unidade do corpo de Cris­
to, diz Paulo: “Porque, assim como o corpo é um e tem muitos m em ­
bros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, as­
sim também com respeito a Cristo. Pois, em um só Espírito, todos nós
fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escra­
vos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (1 Co
12.12-13). Num tem po em que falamos de tantas alternativas para a
unidade cristã, o resgate da Comunhão freqüente e o entendimento da
sua significância poderiam fortalecer os frágeis muros de nossa com u­
nhão terrena.
O Usufruto da Provisão Divina

Assim como o batismo, a Ceia do Senhor tem passado por tempos


difíceis nos círculos cristãos contemporâneos. Por um lado, ocorre uma
veneração idólatra dos sinais como se eles fossem a própria encarnação
de Deus; por outro lado, reina um vago sentimentalism o. Em nossos
dias, há busca frenética pelo sagrado, por um toque de D eus, pela
experiência do transcendental. N este capítulo, argum entam os que,
quando a m esa é posta no deserto, juntam ente com a pregação do
evangelho, nós somos testemunhas e recipientes do autêntico ministério
de “sinais e m aravilhas” . “Prefiro adorar o m istério a tentar explicá-
lo” , concluiu Calvino, sabiam ente.57
Sabem os isto, contudo: N este pacto, por m eio do m inistério da
Palavra e dos sacramentos, fomos “iluminados” (termo prim itivo para
o batismo), e provamos “o dom celestial”, e tomamo-nos “participantes
do Espírito Santo”, e provamos “a boa palavra de Deus e os poderes do
m undo vindouro” (Hb 6.4-5). Nesse santuário do Deus Trino, as três
testemunhas em cima e as três testemunhas em baixo são concordes na
confirm ação de nossa participação no legado de Cristo. Hoje, quando
tantas pessoas anseiam por sinais de Deus, por sentim entos de sua
presença, por símbolos da aceitação de Deus a despeito de fraqueza da
fé e da desobediência hum anas, como poderem os esconder tam anho
testemunho divino dos pecadores crentes e arrependidos? Ali, na mesa
do Senhor, o Santo, cuja mera voz envia terror aos ossos de Israel, se
reveste de humildade, da mesma maneira como fez dois mil anos atrás.
Aí cultuamos na Sião celestial, não no Sinai terreno que arde em fogo.
Aí, a majestade e o poder de Deus teriam nos expulsado de sua presença,
mas ele se tornou carne da nossa carne. Assim como os recém-libertados
is ra e lita s , tam b ém nos a ch am o s p e rg u n ta n d o , alg u m as vezes
cinicamente: “Pode, acaso, Deus preparar-nos mesa no deserto?” Essa
foi a questão que os judeus form ularam para Jesus quando exigiam a
com ida pela qual ansiavam:

Então, lhe disseram eles: Que sinal fazes para que o vejamos e
creiamos em ti? Quais são os teus feitos? Nossos pais comeram
o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer pão do
céu. Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo:
não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o verdadeiro pão do
céu é meu Pai quem vos dá. Porque o pão de Deus é o que desce
do céu e dá vida ao mundo... Declarou-lhes, pois, Jesus: Eu sou
o pão da vida; o que vem a mim jam ais terá fome; e o que crê
em m im jam ais terá sede... Eu sou o pão vivo que desceu do
céu; se alguém dele comer, viverá eternamente; e o pão que eu
darei pela vida do mundo é a minha carne... Vossos pais comeram
o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do céu,
para que todo o que dele com er não pereça.... Respondeu-lhes
Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: se não com erdes a
carne do Filho do Hom em e não beberdes o seu sangue, não
tendes vida em vós mesmos. Quem comer a minha carne e beber
o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último
dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue é
verdadeira bebida.

João 6.30-33, 35, 51, 49-50, 53-55

Penetrando o Santo dos Santos celestial por meio do véu rasgado do


corpo de Jesus, vislumbramos a árvore da vida do novo Éden, o arco-
íris de Noé, a chama divina passando sozinha entre as partes cortadas
do sacrifício, a circuncisão de Abraão, o sangue na verga da porta, a
verdadeira coluna de nuvem de dia e fogo de noite, e a água e o sangue
fluindo do lado do Messias! As vezes, até pensamos: “Talvez as boas
novas sejam para outros, não para mim - até que Deus envie seus três
testem unhos. “G lorie-se no Senhor” , ele convida. “E ngrandecei o
Senhor”, respondemos. “Oh! Provai e vede que o Senhor é bom ” (Sl
34.8).
Parte 3

Nosso Culto Racional:

A Participação no Drama
Oito
A Experiência dos Poderes
do Mundo Vindouro

Em alguns pontos ao longo da jornada, fomos lembrados a respeito


de Hebreus 6 e da indicação sobre que tipo de coisa acontece quando
Deus reúne seu povo em sua igreja. Cristãos professos, nos limites da
apostasia em razão de perseguições, são advertidos, formalmente, acerca
da rejeição do pacto e de suas bênçãos. Aprendemos, aí, que aqueles
que pertencem à comunidade do pacto foram “iluminados” - o antigo
termo usado pela igreja para o batismo - “provaram o dom celestial” (a
Ceia), “se tornaram participantes do Espírito Santo” e “provaram a boa
palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro” (vs. 4-5).
E x p e rim e n ta r os p o d e re s do m undo v in d o u ro é um a sp ec to
significante do culto, tanto quanto a experiência da própria peregrina­
ção. A igreja, através dos meios divinam ente ordenados, torna-se o
lócus para essa renovação de pecadores feita pelo Espírito. Mas o que
significa “provar os poderes do m undo vindouro” ? Essa é a questão,
geralmente chamada de “escatologia” . Conquanto muitos padrões teo­
lógicos tendam a considerar a escatologia como o final do livro, uma
vez que é o fim da História e o início do reino eterno, tem havido uma
renovada apreciação pela im portância da escatologia para nosso en­
tendimento do plano redentivo de Deus em geral. Noutras palavras, a
escatologia não se preocupa apenas com o que acontecerá no futuro,
mas com o que já tem acontecido e está acontecendo. A escatologia
atenta para o desdobramento do enredo do princípio ao fim e responde
à questão: Pelo que é que esperamos?
Neste capítulo, tentarei demonstrar quão importante é a escatologia
para o nosso entendimento de muitos dos assuntos práticos pertinentes
ao culto.
Duas Épocas

“O presente século” e “a era vindoura” marcam as duas épocas da


obras de Deus na história humana, a prim eira durando da criação ao
retom o de Cristo, quando a segunda, então, consumará o reino etem o
de Deus. Freqüentemente, os cristãos traçam uma oposição marcante
entre este mundo e o outro mundo dos céus, como se a terra fosse ser
destruída e os crentes escapassem para um m undo de puro espírito,
com nuvens e harpas. Essa é um a “espacialização” dos céus - ou,
pensam ento em term os de espaço em vez de em term os do reino
escatológico de Deus sobre toda a realidade. Em vez de opor os céus à
terra, entretanto, a Escritura contrasta a realidade sob o presente domínio
do pecado e da m orte, e a realidade que há de ser na consum ação.
Jesus usa essa distinção. Os que deixarem tudo por causa do reino
receberão “já no presente, o cêntuplo de casas, irmãos, irm ãs, mães,
filhos e campos, com perseguições; e, no mundo por vir, a vida eterna”
(Mc 10.30). Jesus fala do julgamento “na consumação do século” (Mt
13.40) e se refere àqueles que não serão perdoados “nem neste mundo
nem no porvir” (Mt 12.32). Ele distingue entre “os filhos deste m undo”
e “os que são havidos por dignos de alcançar a era vindoura e a
ressu rreição ” (Lc 20.34-35). De fato, estes últim os são “filhos da
ressu rreição ” e “não podem m ais m o rrer” (v. 36). A ceifa será na
“consumação do século” e, “assim como o joio é colhido e lançado ao
fogo, assim será na consumação do século” (Mt 13.39-40).
O escritor de Hebreus também emprega esse contraste no texto citado
(Hb 6.4-5). Paulo, especialmente, desenvolve essa escatologia de duas
épocas. Ele fala do “inquiridor deste século” (1 Co 1.20), da “sabedoria
deste século e poderosos desta época” (1 Co 2.6) como sendo elementos
hostis ao evangelho. Satanás é, num sentido apenas escatológico, “o
deus deste século” (2 Co 4.4) - isto é, no sentido de que nós aguardamos
o julgamento de Satanás e seu banimento juntamente com todos os que
fizeram oposição ao reino ju sto de Deus sobre a sua criação. Paulo
disse que Demas o havia abandonado porque tinha “amado o presente
século” (2 Tm 4.10). Ao mesmo tempo, - por causa da sua vitória na
cruz e na ressurreição - Jesus é exaltado “acima de todo principado, e
potestade, e poder, e domínio, e de todo nome que se possa referir não
só no p resente século, mas tam bém no vindouro” (E f 1.21, ênfase
acrescentada).
Na realidade, então, há três épocas na escatologia de Paulo: “desde
a eternidade” (1 Co 2.7), “no presente século” (Ef 1.21) e “no (século)
vindouro” (Ef 1.21). O decreto eterno de Deus (“antes da fundação do
m undo” , E f 1.4) é realizado historicam ente nas duas outras épocas.
“No presente século” , os crentes aguardam “a bendita esperança e a
manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus”
(Tt 2.13).
Dessa maneira, o pecado e o mal não podem ser atribuídos ao mundo
em si mesmo, uma vez que isso seria impugnar o caráter de Deus como
o de um Criador bom que o declarou como sendo bom. Antes, o domínio
do pecado e do mal que marca esta presente época é resultado da rebelião
hum ana e será elim inado na época vindoura. Não estam os olhando
adiante, para o fim do m undo, mas para o fim do m undo como o
conhecemos aqui, na escravidão deste século caído, de m aneira que a
totalidade da criação partilhará, um dia, da ressurreição corpórea dos
co-herdeiros de Cristo (Rm 8.18-27).
Tendo dito todas essas coisas, entretanto, uma tensão com eça a
emergir. Por um lado, a Escritura assegura aos crentes de que eles já
passaram da morte para a vida, de que já estão “em Cristo”, por meio
do batismo, e estão ressurretos com ele em novidade de vida, assentados
com ele nos lugares celestiais. Eram inimigos, agora, porém, são amigos
e filhos de Deus. Eram escravos do pecado, agora, libertos para servir
a Deus e justificados pela graça de Deus. O juízo futuro já é anunciado
aqui e agora, enquanto os crentes já são declarados justos em Cristo.
Além disso, eles eram caracterizados pela injustiça segundo a imagem
de Adão, agora, porém, estão sendo conformados à imagem de Cristo.
Essa é a reescrita que faz do crente uma nova criatura. Ao mesmo tempo,
ele continua a pecar e a mostrar incredulidade, hipocrisia e autojustiça,
até m esm o nos seus m ais nobres pensam entos e obras. Ele vive no
deserto, entre o êxodo e a Terra Prometida, redimido, mas não redimido,
salvo, mas não salvo, liberto, mas não liberto. E, a despeito do fato de
a sua cegueira já ter sido curada, ele ainda vê “com o em espelho,
obscuramente; então”, verá “face a face” (1 Co 13.12).
Os acadêm icos bíblicos chamam esse espaço lim ítrofe entre essas
duas épocas de “já-e-ainda-não”. O aspecto “já ” assegura-nos do futuro
de Deus - sua época por vir - como tendo raiado já neste “presente
m u n d o m a u ” . Je su s o b e d e ce u à lei em n o sso lu g ar, d e u -n o s a
p ro p ic ia ç ã o sofrendo a ira de D eus em seu p ró p rio c o rp o e foi,
finalmente, ascendido aos céus, vitorioso. A ressurreição de Jesus foi o
golpe fatal sobre Satanás, sobre o pecado e sobre a morte. É como se
um míssil, vindo das épocas vindouras, explodisse nesta presente época
para iniciar uma série de eventos que culm inarão com o retorno de
nosso Salvador para o julgamento e a restauração de todas as coisas. A
analogia que Paulo usa abaixo é derivada da agricultura. As “prim ícias”
da colheita foram ansiosam ente antecipadas, pois m arcam o fim de
meses de considerações sobre como seria a safra do ano. Todos saberiam
o resultado final. Paulo escreve:

M as, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as


prim ícias dos que dorm em . V isto que a m orte veio por um
homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos.
Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim tam bém
todos serão vivificados em Cristo. Cada um, porém , por sua
própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo,
na sua vinda. E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino
ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem
como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até
que haja posto todos os inim igos debaixo dos pés. O últim o
inimigo a ser destruído é a morte.

1 Coríntios 15.20-26

Os crentes já estão assegurados de que pertencem ao mundo vindouro


- já e aqui, pois a ressurreição de Cristo é o começo da nossa própria
ressurreição. Essa nova vida começa dentro de nós, levantando-nos da
m orte espiritual e, então, há de nos resgatar da m orte física quando
form os re ssu sc ita d o s no ú ltim o dia. N a re s s u rre iç ã o de C risto ,
reconhecemos o primeiro dia do século vindouro, e somos habilitados
para discernir a qualidade e o tipo de obras que nos caracterizarão
quando a época futura se m anifestar plenamente.
Agora, porém, experim entam os o “já-e-ainda-não”, sem nenhum a
resolução de um no outro. Aqui é que somos tentados a nos tornar
preguiçosos e a reduzir nossa escatologia para um dos pólos. Isso afeta
o nosso culto de maneira tremenda, tanto em termos da oferta diária de
nossa vida para o serviço do Senhor quanto em termos do culto semanal
na presença do Senhor. Aqueles que enfatizam o “já ” em detrim ento
do “ain d a n ã o ” rep re sen ta m um a “e sc a to lo g ia s o b re -re a liz a d a ” ,
enquanto os que desprezam o “já ” em favor da predominância do “ainda
não” representam uma “escatologia sub-realizada” . A seção a seguir
contrasta esses dois extremos e tenta demonstrar como poderemos extrair
o que há de melhor de cada um.

O Contraste entre Escatologias e Sua Implicação no Culto

O culto abarca tantos aspectos diferentes da nossa fé e vida que só


poderemos discutir, brevemente, algumas de suas áreas mais evidentes:
com o entendem os a igreja com o sendo o reino de Deus e o crente,
in d iv id u a lm e n te , com o sendo cid ad ão d esse rein o aqui e agora;
evangelism o e crescim ento de igreja; vida cristã; e, finalmente, mais
especificam ente, o culto semanal.

A Igreja e o Crente no Reino de Deus

A época vindoura irrom peu nesta presente época má, de m aneira


definitiva. João Batista veio anunciando: “Arrependei-vos, porque está
próxim o o reino dos céus” (Mt 3.2). Jesus identifica o trigo com “os
filhos do reino”, em contraste com o joio (Mt 13.38). O novo nascimento
m arca o cidadão do reino (Jo 3.3, 5).
Quando os setenta que foram enviados retornaram para Jesus, eles
“regressaram ... possuídos de alegria, dizendo: Senhor, os próprios
demônios se nos submetem pelo teu nome! Mas ele lhes disse: Eu via
Satanás caindo do céu como um relâmpago. Eis aí vos dei autoridade
para pisardes serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo,
e nada, absolutam ente, vos causará dano. Não obstante, alegrai-vos,
não porque os espíritos se vos submetem, e sim porque o vosso nome
está arrolado nos céus” (Lc 10.17-20). Esse foi um dos raros m om en­
tos no m inistério de nosso Senhor nos quais ele foi, realmente, enco­
rajado pelos seus discípulos. “Serpentes e escorpiões” referem -se,
figurativam ente, a Satanás e seus sequazes. No capítulo seguinte, Je­
sus diz à multidão: “Se, porém, eu expulso os demônios pelo dedo de
D eus, certam ente, é chegado o reino de Deus sobre vós. Quando o
valente, bem armado, guarda a sua própria casa, ficam em segurança
todos os seus bens. Sobrevindo, porém, um mais valente do que ele,
vence-o, tira-lhe a arm adura em que confiava e lhe divide os despo-
jo s” (Lc 11.20-22).
Jesus veio para am arrar o hom em forte (Satanás), desbaratar seus
exércitos (exorcismo de demônios), e retornará, um dia, para purificar
completamente o seu templo para que a terra inteira se encha da glória
de Deus. Seu reino está, agora, presente em nosso meio. E, no entanto,
não está ainda consum ado. Por m ais real que seja em sua presente
fo rm a na te rra , é ain d a um re in o p re se n te no d e se rto (co m o o
tabernáculo) em vez de ser uma habitação permanente (como o templo).
Quando Pilatos exigiu que Jesus dissesse se era um rei ou não, o Senhor
replicou de maneira a mostrar quão diferente era o seu domínio e aquilo
que os judeus de seus dias esperavam: “O meu reino não é deste mundo.
Se o meu reino fosse deste mundo, os meus ministros se empenhariam
por mim, para que não fosse eu entregue aos judeus; mas agora o meu
reino não é daqui. Então, lhe disse Pilatos: Logo, tu és rei? Respondeu
Jesus: Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo,
a fim de dar testem unho da verdade. Todo aquele que é da verdade
ouve a m inha voz” (Jo 18.36-37, ênfase acrescentada).
Com isso em mente é que o Cristo ressurreto comissionou os seus
discípulos: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. (Indo),
portanto, fazei discípulos de todas as nações” (M t 28.18-19). A ssim
como ele veio em humilhação, sofrimento e fraqueza, o reino deveria
avançar não por m eio de barulho ou de violência, em bates e arm as,
nem mesmo por meio de legislações transformadoras de nações terrenas
em povo escolhido de Deus. Jesus advertiu que o reino não vem à terra
de maneira que o povo possa dizer: “Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-lo ali!”
(Mt 24.23-28). Quando Jesus retornar à terra, ele não oferecerá mais
seu tratado de paz. O dia da salvação dará lugar ao dia do julgamento.
“Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens, com grande poder e
glória” (Mc 13.26), enquanto o calmo reino da graça se tomará o terrível
reino da glória, e o reino dos céus será consum ado sobre a terra. A
vontade de Deus será feita na terra e nos céus.
Essa escatologia do “já-e-ainda-não”, portanto, considera o crente,
na presente época, como um peregrino sob a cruz, caminhando para a
Terra prometida. Antes da conversão, ele era um transgressor em vez
de um peregrino, vivendo num estado de pecado. Agora, ele está no
estado de graça, aguardando o estado de glória. Aí está o “já ” : “Todas
as coisas sujeitaste debaixo dos seus pés”, seguido, im ediatam ente,
pelo “ainda-não” : “Ora, desde que lhe sujeitou todas as coisas, nada
deixou fora do seu domínio. Agora, porém, ainda não vemos todas as
coisas a ele sujeitas; vemos, todavia, aquele que, por um pouco, tendo
sido feito menor que os anjos, Jesus, por causa do sofrimento da morte,
foi coroado de glória e de honra, para que, pela graça de Deus, provasse
a morte por todo homem” (Hb 2.8-9).
O crente nunca vive só no “já ” nem só no “ainda-não”, mas sempre
num mundo entre ambos movendo-se para frente e para trás entre essas
duas realidades que m arcam nossa presente época.
Numa escatologia super-realizada, entretanto, o crente é considerado
não como um peregrino justificado sob a cruz, caminhando para a terra
prom etida, porém , como um conquistador em glória, reinando sobre
os cananeus (incrédulos) na Nova Jerusalém (geralmente, identificada
na História com a própria nação ou povo a que o indivíduo pertence).
Aqui, o reino de Cristo está inteiramente manifesto, observável a olhos
nus. Não é por meio de graça que ele estende o seu reino, como os
ram os brotados da semente da m ostarda que se estende pelo mundo.
A ntes, é por m eio de m anifestações óbvias e im ediatas de Deus em
glória entre nós. A missão da igreja, hoje, é a de “redimir a cultura” e
subm etê-la ao reino de Deus. N essa perspectiva, C risto é forçado a
recuar e a dizer a Pilatos que seu reino agora é m uito m aior que os
outros deste mundo. Os cristãos não são vistos como peregrinos numa
terra cansada, mas como reis na Terra Prometida, julgando o mundo e
participando do governo divino.
Numa escatologia sub-realizada, por outro lado, geralmente, o crente
e a igreja não são vistos como peregrinos sob a cruz, caminhando para
a Terra Prom etida nem como conquistadores em glória, vivendo na
Terra prometida, porém, como se estivessem derrotados, aguardando o
seu com pleto escape do presente mundo. Enquanto a escatologia do
“já-e-ainda-não” reconhece que os crentes estão no estado de graça
(sim u lta n e a m e n te , ju stific a d o s e p e c ad o re s) e a s u p e r-re a liz a d a
considera os crentes como estando no estado de glória (exaltação), a
escatologia sub-realizada vê os crentes num statu quo (humilhação).
Se a aproximação “já-e-ainda-não” oferece uma vida de tensão entre
a c ru z e a re s s u rre iç ã o e a p e rsp e c tiv a s u p e r-re a liz a d a viv e na
ressurreição sem a cruz, a visão sub-realizada vive na cruz sem a
ressurreição. O reino de Deus é visto com o se fosse um a realidade
futura. No presente, só se poderá esperar derrota e desapontamento, o
que nos faz ansiar pelo futuro. A missão do reino, hoje, nessa perspectiva,
é a da sobrevivência.
Os tipos de escatologia super-realizada tendem a pensar que o
julgam ento do mundo começa já. São “filhos do trovão”, como Tiago
e João, os quais foram repreendidos por Jesus pois queriam pedir fogo
dos céus sobre uma vila samaritana que rejeitara o evangelho (Lc 9.51-
56).
Os tipos de escatologia sub-realizada tendem a desprezar as palavras
de Jesus, como na da parábola do trigo e do joio, em que ele advertiu
os discípulos de que a separação dos crentes e dos incrédulos seria
deixada para o próprio Jesus determ inar quando de seu retorno em
glória (Mt 13.24-43). Até lá, não apenas os crentes e incrédulos vivem
e trabalham lado a lado como vizinhos, como também a própria igreja
permanece sendo um campo de trigo e joio crescendo juntos. No entanto,
se escatologias super-realizadas se surpreendem de que haja joio entre
o trigo, as versões sub-realizadas se surpreendem ao saber que existe
joio afinal!

Evangelismo e crescimento de igreja

Não é de surpreender, então, à luz dos comentários acima, que uma


escatologia super-realizada será triunfalista, enquanto uma escatologia
sub-realizada será derrotista ou pessim ista. Uma escatologia do tipo
“já-e-ain d a-n ão ”, na m elhor de suas apresentações, será hum ilde e
reconhecerá que Cristo está, neste momento, reinando em graça e que,
portanto, já concedeu à igreja poder para testem unhar, ainda que o
evangelho ainda seja “loucura para os que se perdem ” (1 Co 1.18).
Porque Cristo venceu Satanás e reina em salvação, as portas do inferno
não poderão prevalecer contra o avanço do seu reino. E ainda, por
causa da realidade do pecado e da cegueira da hum anidade caída, a
orientação deverá ser a da fidelidade (“já-e-ainda-não”), e não a do
sucesso (super-realizada) ou da falha (sub-realizada).
Consistente com a teologia da cruz e da ressurreição, uma escatologia
do tipo “já-e-ainda-não” prepara-nos para servir a Deus e ao próximo,
enquanto um a perspectiva super-realizada tende a ser uma teologia de
glória, prezando crescimento numérico e sinais externos de prosperidade
como fins em si mesmos. Um a visão escatológica sub-realizada, por
sua vez, comete o erro oposto, confundindo letargia, pessimismo e um
tipo m ortal de conservadorism o, com defesa fiel do d epósito sob
custódia da igreja. Para seus seguidores, o objetivo não seria crescer
(sub-realização) nem servir (“já-e-ain d a-n ão ”), mas, sim plesm ente,
existir.
A Vida Cristã

Não é difícil entender como esses contrastes podem ser aplicados à


vida cristã. Uma escatologia super-realizada, inevitavelmente, dará lugar
a visões triunfalistas da vida cristã, como vemos nas muitas formas de
perfeccionismo, “vida cristã vitoriosa”, a “vida mais elevada”, “plenitude
do Espírito”, em oposição a outras. E o imperativo sem o indicativo,
m andam ento sem prom essa. N ada é deixado para os céus, um a vez
que temos tudo agora. Tende, quase sempre, para programas de auto-
justificação, como um tipo de escada para o lugar santo de Deus por
meio de técnicas, disciplinas espirituais, métodos de santificação e outros
rituais humanos.
No lado oposto, a escatologia sub-realizada tende para o antinomis-
mo. Seu tem or de qualquer meio humano para produzir o crescimento
cristão nesta vida, na verdade, é um modo piedoso de acobertar a pró­
pria recusa de viver à luz daquilo que Cristo já realizou. E o indicativo
sem o im p e ra tiv o , p ro m e ssa sem m an d am en to . E n q u a n to os
perfeccionistas se iludem com o pensamento de que poderão viver aci­
m a de todo pecado conhecido, os antinom istas ignoram o poder da
graça de D eus para rom per o dom ínio do pecado. Um a escatologia
adequada nos ensinará a esperar mudanças por causa da realidade da
obra de Cristo por nós e em nós mediante o Espírito, mas também nos
ensinará a esperar desapontam entos e falhas - não porque tenham os
perdido algo, mas porque já pertencem os a Cristo e estamos em luta
contra o pecado que ainda habita em nós.
D o m odo como as Escrituras revelam a vida cristã - e do modo
como a escatologia do “já-e-ainda não” entende a questão - o indicativo
e o imperativo são ambos igualmente reais. Aqueles que foram batizados
em Cristo são, realmente, novas criaturas - aqui e agora. São definidos
pela cruz e pela ressurreição e não estão mais sujeitos ao pecado, como
diz Paulo em Rom anos 6. M as para que ninguém caia no erro do
perfeccionism o triunfalista, o capítulo 7 nos lem bra de que somos
pecadores, fazemos o que não queremos e acabamos falhando em fazer
o que sabem os ser bom. Rom anos 8 arrem ata isso tudo, concluindo
que um dia não viveremos mais nessa tensão, mas, até lá, deveremos
esperar com paciência. “Porque, na esperança, fom os salvos. Ora,
esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o
espera?” (Rm 8.24).
O Culto Semanal

Agora, coloquemos todas essas coisas juntas a fim de melhor apreciar


com o nossa escatologia dirige nossa visão do culto, m esm o quando
não reconhecemos isso. Estou convencido de que nossos usuais debates
sobre o culto não dizem respeito tanto à oposição “tradicionais” versus
“contemporâneos”, como se esses fossem diferentes estilos ou gêneros.
A ntes, estou m ais inclinado a ver esses dois pólos com o parte da
oposição escatológica “super-realizados” versus “sub-realizados”. Um
tipo de culto tende a promover demais o “já ” e, outro, o “ainda não”.
U m a escatologia super-realizada é m arcada pelo tipo de anúncio
contra o qual Jesus nos preveniu: “Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-lo ali!” O
reino não vem com exaltação e exultação humanas, com visibilidade -
senão por meio da Palavra pregada, dos sacramentos, dos dirigentes e
da reunião dos santos. A escatologia super-realizada tem sido sempre
responsável pela idolatria. Impacientes com a mediação de Moisés entre
D eus e eles por m eio da Palavra, os israelitas convenceram A rão a
perm itir a forjadura de um bezerro de ouro. Impacientes demais para
ouvir a Deus, decidiram criar uma representação visual de Deus, a qual
pudessem controlar. Em vez de serem tementes, como foram quando
ouviram Deus falar, lemos que eles, então, se assentaram e beberam e
se levantaram para brincar. Um a escatologia super-realizada é um a
religião visual: ver para crer. A escatologia do “já-e-ainda-não” é uma
religião para o ouvido: a fé vem pelo ouvir. Isso é assim, em parte,
porque a visão de algo corresponde à sua posse. Por isso é que, por
exem plo, Paulo diz: “Pois o que alguém vê, com o o espera?” (Rm
8.24). A esperança corresponde à promessa proclamada, e a consumação
corresponde à visão dela.
A prom essa da Escritura é de que, um dia, o Senhor habitará para
sempre no meio do seu povo de uma maneira direta - até mesmo face
a face. Uma escatologia super-realizada, porém, convence a pessoa de
que, no presente, Deus é tão íntimo, tão visível entre nós, tão plena e
diretamente experimentado em nossos corações, que não oferece muita
consciência da sua santidade, grandeza, soberania e transcendência.
Até m esm o cristãos sadios poderão, facilmente, sucumbir à lógica do
paganism o, a qual supõe que Deus, ou os deuses, pode ser conjurado
por meio da operação de certos procedimentos - novas medidas, orações
m ágicas, técnicas de evangelism o. Um a escatologia super-realizada
tenderá a se concentrar unicamente “neste mundo”. Em outras palavras,
enfocará aquilo que está acontecendo a nós e em nós, requerendo mais
sucesso na santificação da igreja e do indivíduo e mais experiência de
Deus do que é apropriado para esta época. E enquanto essas “novas
m e d id a s” nos fizerem sen tir que a p resen ça de D eus e stá sendo
extraordinariam ente experimentada, iremos adiante. Se elas falharem,
entretanto, deixarão grande desapontam ento em seu lugar. Cansados
de esperar pelo cum prim ento da prom essa, tentam os forçar o futuro
prometido a se realizar, prematuramente, por meio da produção de nosso
próprio “espetáculo”, forjando nosso próprio bezerro de ouro.
Uma escatologia sub-realizada, por sua vez, tomará a direção oposta.
Em vez de se concentrar “neste mundo”, ela se concentrará, totalmente,
no “outro m undo”. Ela é indiferente à realidade de que Deus veio até
nós em Jesus Cristo e de que ele perm anece e perm anecerá conosco
até o fim dos tempos, por seu Espírito. Se o episódio do bezerro de
ouro captura a escatologia super-realizada (“Ei-lo ali!”), e os ministérios
da Palavra-e-dos-sacram entos capturam a escatologia do “já-e-ainda-
não” (“Ele não está aqui, mas ressuscitou!”), a cínica geração do deserto
reflete a tendência sub-realizada (“Ele não está aqui, ponto final”). Na
escatologia sub-realizada, o culto só pode considerar Deus como alguém
remoto e irrelevante para nós. Sua presença é raramente sentida e jam ais
experimentada. Não podemos esperar muito hoje do poder divino e do
júbilo que nos aguardam. A época “vindoura” não está “irrom pendo”
neste presente século mau. A esta altura, o problema nem mesmo é o
da “ o rtodoxia m o rta” , um a vez que a ignorância da realid ad e do
m inistério do E spírito nesta época sequer poderia envolver o term o
“o rto d o x o ” . Em vez de pedir um sinal (um “m odo v isu a l” super-
realizado) ou de descansar na promessa (o “modo auditivo” “já-e-ainda-
n ão ”), um a escatologia sub-realizada acentua o negativo e só pode
levar à morte da igreja.
Nem como igreja nem como indivíduos, no dia-a-dia ou no culto
sem anal, somos autorizados a ser triunfalistas ou desesperados. As
realidades desta nova época do Espírito são sobrem odo poderosas e
definitivas para perm itir o desespero, e a ela m uito freqüentem ente
resistem não somente o mundo, mas a própria igreja e, até mesmo nosso
coração pecaminoso, para permitir que experimentemos a plenitude da
glória aqui e agora. Se nosso culto é reconhecido principalm ente por
uma dieta constante de triunfo, conquista, felicidade, alegria, benefícios
e sucessos de sermos discípulos de Cristo, vitória sobre o pecado, e
com provações de nossa fidelidade (“eu o exaltarei”, “eu o servirei” ,
“ tudo e n tre g a re i” ), tudo o que estam os fazen d o é g erar cristã o s
desiludidos e im aturos. Até m esm o os cânticos de louvor derivados
dos salmos tendem a ser selecionados somente daqueles trechos que
preenchem esses critérios. Uma vez que o salmista se volte para a tristeza
ou para o desespero, o coro de louvor termina. Se fossemos escolher
um estilo musical que se adequasse ao Livro dos Salmos, não deveria
ser de en tre as “dez m ais” , m as de estar en tre os “b lu e s ” ou os
m editativos adágios.
Quando o estilo de nossa música é sempre com ritmo bem marcado,
alto e com subido entusiasmo, perdemos o alcance dos ensinos bíblicos
a respeito de Deus, de nós mesmos, do culto e da vida cristã. Para ser
mais exato, a Bíblia em geral e os salmos em particular incluem zelosos
louvores e ações de graça. M as uma escatologia super-realizada tem
concentrado muito do culto contemporâneo num modo de “vitória” e
de “em polgação” que despreza a realidade presente do pecado, da
descrença e do desapontamento, assim como os atributos de Deus que
nos são mais perturbadores. Isso não pode deixar de produzir cristãos
fracos e imaturos que não permanecerão firmes em tempos de tentações
e provações.
Contudo, a aproxim ação sub-realizada ao culto parece, às vezes,
extremamente indiferente à presença de Deus. Tenho estado em cultos
“tradicionais” que nada mais são que classes de instrução doutrinária
ou m oral. A té m esm o quando se dava um lugar p reem in en te aos
sacramentos, e a liturgia era centrada no drama divino, ainda assim, o
culto era conduzido de m odo rotineiro, m açante e sem brilho. Não
havia, praticamente, nenhuma percepção de que Deus visitava seu povo
ali, naquele momento, por meio do seu Espírito mediante os meios de
g raç a o rd in á rio s , a tu a n d o p o r n o ssa red e n ç ã o . E ssa d ra m á tic a
consciência do enredo redentivo de Deus através da História e da sua
presença agora para nos reescrever e dar-nos um a nova identidade -
um novo papel em sua peça - está completamente ausente de muitos
desses cultos. Há, portanto, pouco senso de que o culto é um palco
sobre o qual Deus age aqui e agora, pessoalm ente, em favor do seu
povo e com o seu povo. Não é de surpreender que essas igrejas tendam
a preparar um a nova geração que, em reação, abrace uma escatologia
super-realizada.
Uma aproximação adequada surgirá, não à m edida que busquemos
o m eio excelente entre os extrem os, um equilíbrio “arbitrário”, mas
sim, com o resultado do reconhecim ento das características do culto
nesta presente época - depois da Páscoa e do Pentecostes, mas antes
da segunda vinda de Cristo. Uma escatologia super-realizada produz
uma falsa imanência, um senso artificial da presença de Deus. O bezerro
de ouro talvez tenha sido visto como a presença de Deus, mas foi, na
verdade, uma projeção das necessidades percebidas dos seus adoradores.
Deus não está presente entre nós “face a face”... ainda.
Ao m esm o tem po, ele não está totalm ente ausente. A escatologia
sub-realizada tam bém precisará ser desafiada. Em bora não vejam os
Deus face a face no culto, nós o vemos, sim, como que por m eio de
uma janela embaçada - em outras palavras, à medida que ele se oferece
na encarnação do Filho por meio de “vasos de barro” que é o ministério
da Palavra e sacramento. A falsa ausência não é m elhor que a falsa
presença da tentativa de subir aos céus para trazer Deus cá para baixo.
Na escatologia do “já-e-ainda-não” , a E scritura aponta para o Deus
conosco, descendo a nós para, então, assentar-nos com C risto nos
lugares celestiais. Isso nos leva ao irrom pim ento da época vindoura
por m eio da pregação que faz uma nova criação, tal como a Palavra
deu à luz a prim eira criação. M ostra-nos os sinais e os selos de Deus
que escoram nossa débil fé e claudicante obediência. Ele está presente,
mas nos seus próprios termos e de maneira consistente com nosso tempo
entre os tempos. E ele está presente por causa de sua prom essa, não
por causa da habilidade de seus ministros ou músicos.
A medida que a igreja abandona seus ídolos de consumo - um culto
que promove falsa intimidade e falsa vitória - e do conservadorismo
autodeterminado que perde de vista a realidade da presença de Deus no
Espírito através dos meios de graça, faremos bem se lhe providenciarmos
comunidades que reflitam visivelmente a realidade de nossa igreja e de
nossa própria vida agora. Ainda que estejamos nesta presente época má,
somos testemunhas da ruína da estrutura secular ante a entrada da época
vindoura na pessoa e na obra de Jesus Cristo.

D eus não nos prom eteu segurança, m as p a rticip ação num a


aventura chamada Reino. Isso me parece ser grandes boas novas
num m undo, literalm ente, m orrendo de tédio. Deus confiou a
nós, sua igreja, a m aior história do m undo. E veja com que
ingenuidade temos tentado... tomar essa história maçante... Deus
sabe o que e stá faz e n d o n e ste e stra n h o tem p o e n tre dois
“m undos” e, felizm ente, ele nos chama de novo para enfrentar
o inimigo com as armas divinas da pregação e dos sacramentos.58
Ao longo de nosso estudo, temos nos referido à pessoa e à obra do
Espírito Santo, enfatizando a unidade da Trindade, até mesmo quando
falamos das distintas ações do Pai, do Filho e do Espírito. Entretanto,
não poderemos deixar o tema da escatologia sem desenvolver um pouco
m ais o entendim ento do papel do E spírito Santo de trazer a época
vindoura para o presente.
No A ntigo T estam ento, geralm ente, o E spírito vinha “sobre” os
profetas, sacerdotes e reis de Israel, autorizando e habilitando esses
representantes de Deus para falar as palavras de Deus. Por exemplo,
Otoniel foi feito juiz somente depois que o Espírito Santo veio sobre
ele. Á respeito do Servo que haveria de vir, Deus prometeu: “Eis aqui o
meu servo, a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma
se compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele prom ulgará o direito
para os gentios” (Is 42.1). O chamado de Ezequiel para ser um profeta
foi estabelecido num a visão: “Esta voz me disse: Filho do hom em ,
põe-te em pé, e falarei contigo. Então, entrou em mim o Espírito, quando
falava comigo, e me pôs em pé, e ouvi o que me falava” (Ez 2.1-2).
Essa descida sobre os profetas é próxima da linguagem da criação,
no sentido de que o Espírito estava trabalhando por m eio da Palavra,
pairando por sobre a face do abism o a fim de criar um m undo que
refletiria o seu caráter, um am biente pleno de sua glória. D epois da
queda, en tretan to , vem os D eus vindo a A dão e E va na “viração
(Espírito) do dia” - isto é, dia do julgam ento. E ainda assim , Deus
constrói outra cidade santa a fim de que esteja nela presente com seu
povo. D eus se identifica tanto com seu povo que o tabernáculo e,
finalmente, o templo, são, na verdade, cópias em escala menor do lugar
Santo dos Santos no céu. Entre outras coisas, o Livro do Apocalipse
reafirm a esse mesmo ponto: assim como o drama que se desenrola no
céu corresponde ao drama que se desenrola na terra, o avanço do reino
corresponde à liderança do seu cavaleiro na batalha. Por isso é que
Jesu s d isse aos seus d iscíp u lo s: “Pai nosso, que estás nos céus,
santificado seja o teu nome; venha o teu reino; faça-se a tua vontade,
assim na terra com o no céu” (M t 6.9-10). Da m aneira com o houve
um a queda da inocência no céu, liderada por Lúcifer, houve também
uma revolta na terra, liderada por Adão sob instigação da serpente.
Ao longo da história de Israel, as batalhas de Deus na terra seguiram
a marcha terrena contra o pecado e a opressão assim como ele venceu
as batalhas celestes. A semente da serpente - ou seja, os que se engajam
na conspiração contra Deus - é contrastada, ao longo do drama, com o
Messias, a semente da mulher. Por isso é que, por exemplo, lemos, no
relato do encontro de Davi com os filisteus no Vale de Refraim, sobre a
correspondência entre a batalha celeste e a batalha terrestre:

Os filisteus tornaram a subir e se estenderam pelo vale dos


Refains. Davi consultou ao Senhor, e este lhe respondeu: Não
subirás; rodeia por detrás deles e ataca-os por defronte das
amoreiras. E há de ser que, ouvindo tu um estrondo de marcha
pelas copas das amoreiras, então, te apressarás: é o Senhor que
saiu diante de ti, a ferir o arraial dos filisteus. Fez Davi como o
Senhor lhe ordenara; e feriu os filisteus desde Geba até chegar a
Gezer.

2 Samuel 5.22-25

O reino de Deus avançava e a vontade de Deus se cumpria em toda


a te rra .59 Com o duas peças m usicais que, interp retad as ju n ta s, se
harmonizam de modo maravilhoso, a vitória de Deus na terra, por meio
de Davi, corresponde à vitória celeste contra Satanás por meio daquele
que, finalmente, pisaria a cabeça da serpente.
A exata m esm a cena é descrita em E zequiel: “L evantou-m e o
Espírito, e ouvi por detrás de mim uma voz de grande estrondo, que,
levantando-se do seu lugar, dizia: Bendita seja a glória do Senhor. Ouvi
o tatalar das asas dos seres viventes, que tocavam umas nas outras, e o
b arulho das rodas ju n tam en te com eles e o sonido de um grande
estrondo”. (Ez 3.12-13). Assim, quando oramos, pedindo a Deus que
sua vontade seja feita na terra e nos céus, estamos, ainda que em parte,
orando: “Que o povo de Deus marche na terra em passo com a marcha
do Espírito no céu”. E virá o dia quando o Espírito que repousa sobre o
Servo estará também sobre seu povo, mantendo o passo da marcha. O
apocalipse de Ezequiel começa com uma grande nuvem sobre ele trazida
pela tempestade e cheia de relâmpagos e trovões que lembravam a voz
de Deus no Sinai. U m a carruagem trazida por querubins tinha “um
como que o Filho do H om em entronizado” . O som de tudo isso era
“como o rugido de muitas águas, como a voz do Onipotente” (1.24).
Um dia, quando o pecado e o mal forem banidos e toda a terra se tomar
o templo do Senhor, haverá apenas uma marcha — não a marcha de um
exército, m as de cidadãos pacíficos vivendo em p erfeita ju stiç a e
santidade diante do Senhor. O Espírito do Senhor nos fez testemunhas
de Jesus Cristo, herdeiros dele e co-herdeiros com ele do reino de Deus.
D urante a presente época, então, o reino de baixo m archa silente por
detrás das cenas, enquanto a pompa e o brilho dos reinos deste mundo
erguem-se e caem. Um dia, quando for proclamado que os reinos deste
mundo tornaram-se reinos de Deus e do seu Cristo, essas duas marchas
- a terrestre e a celestial - estarão em perfeita sincronia, formando uma
perfeita sinfonia!
Em Gênesis 11, na Torre de Babel, as nações orgulhosas buscaram
alcançar a Deus e, talvez, tomarem -se deus elas mesmas, por meio da
construção de um tem plo que alcançasse a Deus - fora do alcance,
pensavam, dos dilúvios de julgamento como o que veio sobre o mundo
nos tem pos de Noé. Em vez de encontrar a Deus, entretanto, Deus
m esm o desceu em juízo, o Espírito Santo desbaratando as nações e
confundindo sua linguagem. Em Babel, a hum anidade buscou entrar
num reino de paz e de justiça etemas mediante sua própria força e para
sua própria glória. Mas, em Pentecostes, o Espírito desceu outra vez -
não em julgamento, para confundir e desbaratar, mas em salvação, para
libertar e ajuntar. A designação de Israel como “reino de sacerdotes e
nação santa” (Ex 19.6), agora se aplica à igreja, formada de judeus e
de gentios (1 Pe 2.9).
Deus declarou por meio do profeta Joel: “E acontecerá, depois, que
derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas
filhas profetizarão, vossos velhos sonharão, e vossos jovens terão visões;
até sobre os servos e sobre as servas derramarei o meu Espírito naqueles
dias... E acontecerá que todo aquele que invocar o nom e do Senhor
será salvo; porque, no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem
salvos, com o o Senhor prom eteu; e, entre os sobreviventes, aqueles
que o Senhor chamar” (J1 2.28-29, 32). Isso, finalmente, foi cumprido
em Pentecostes, com o Pedro observou em seu sermão. A tos 2.1-13
fala da descida do Espírito Santo sobre as cabeças dos seguidores de
Jesus como ocorreu com ele mesmo em seu batismo. O som de vento
im petuoso aparece de novo. No Pentecostes, as m archas celestiais e
terrestres foram totalm ente sincronizadas. Lem bre-se da im agem que
Ezequiel usou para descrever a vinda do Espírito como o som de vento
im petuoso e trovões de relâm pagos. Um a carruagem é trazida por
querubins, com “um como que o Filho do Homem” entronizado. E, em
vez de descer em julgamento sobre os homens orgulhosos, dividindo a
linguagem e desbaratando as nações, o Espírito em Pentecostes desce
para unir a nova hum anidade ao redor de um a nova linguagem de
redenção, judeus e gentios unidos em e sob Cristo.
Tudo isso fundamenta o papel do Espírito no irrompimento da época
por vir sobre nossa própria época presente. Enquanto a renovação que
o Espírito fará de todas as coisas, e a plena presença de Deus entre nós
nos aguardam no futuro, Pentecostes é uma realidade presente. “Digo,
porém: andai no Espírito e jam ais satisfareis à concupiscência da carne.
Porque a carne m ilita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne,
porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja
do vosso querer. Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a
lei... Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito” (G1 5.16-
18, 25). O mesmo Espírito que ressuscitou a Jesus dentre os mortos,
está agora fazendo a coreografia do restante de nós que acharem os
nossa história dentro da sua história, morrendo e ressuscitando nele.
O culto sobre o qual lemos no livro do Apocalipse não representa o
que ainda há de ocorrer, mas o que já tem ocorrido e está ocorrendo na
cidade de Deus. Ali o C ordeiro im olado é entronizado em triunfo,
calcanhar picado, mas esmagada a cabeça da serpente. Não é de admirar
que o culto celeste se concentre ao redor das realidades concretas de
Jesus Cristo - sua pessoa e sua obra em favor dos pecadores, com o
deveria ser aqui tam bém . Se o culto do C ordeiro está plenam ente
consum ado nos céus, então assim deverá ser em nossas igrejas: “na
terra como nos céus”.
Quando olhamos ao redor, não vemos todas as coisas sujeitas a Cristo,
pelo Espírito. Entretanto, vemos Cristo reinando nos céus, m ontado
em sua carruagem puxada por querubins, avançando para a vitória
sobre os seus e nossos inimigos. E há uma correspondência na terra,
sem pre que o evangelho é fielm ente pregado e os sacram entos são
fielmente administrados. Aqui, o gosto dos poderes vindouros é provado
e nosso coração é, gradualmente, submetido. Nossa ânsia pelas coisas
deste mundo e sua pompa e brilho cede espaço, lenta mas certamente,
às alegrias completas e tesouros permanentes que só os filhos de Sião
poderão conhecer. C onquanto a experiência não seja a m esm a de
participar, face a face e em nossos corpos glorificados, da cerimônia de
casam ento do Cordeiro, isso nos enche de gratidão e de esperança.
Através desses meios de graça divinamente indicados, o Espírito irrompe
em nosso m undo insípido, unidim ensional, medroso, e sem enredo, e
nos carrega para seu reino que já está descendo dos céus.
Conquanto não possamos esperar ouvir o ruflar das asas dos anjos
nem saber que “Deus está no seu santo lugar”, aceitamos o testemunho
daqueles que estiveram no conselho do Senhor e nos passaram o que
eles m esm os ouviram . Podem os nos assegurar de que, assim com o
D eus entrou na batalha, conduzindo os israelitas à vitória, assim o
Espírito Santo, hoje, move seu exército aqui de baixo segundo os passos
das hostes do alto. Cristo já venceu e, um dia, ele limpará inteiramente
a terra de toda rebelião e opressão, guerra e pobreza, dor, preconceito,
impureza sexual, orgulho, e auto-indulgência. E, então, ele entregará o
reino ao seu Pai, com quem ele e o Espírito reinarão para sempre. Amém.
Esse é o “novo cântico” que deveríamos cantar - e o novo poder que
deveríamos provar - até que ele venha em glória para fazer deste mundo
um novo lugar de habitação.
O céu não será, simplesmente, uma versão eterna de um dos nossos
cultos de adoração. (Quem gostaria de ir?) Antes, será a coisa real que
o nosso culto atual - até mesmo quando em sua melhor apresentação
só pode antecipar. Jesus prometeu que não iniciaria a celebração até a
chegada à festa (M t 26.29). Por interm édio da P alavra pregada, o
Espírito Santo nos introduz na celebração celestial, a qual é eterna para
Deus e para todos que ele tem trazido para o tempo do seu sábado. Por
interm édio da Santa C om unhão, provam os “os poderes do m undo
vindouro” e partilhamos o cálice de Jesus, enquanto ele - hospedeiro e
vítima - garante-nos o direito de comer da Árvore da Vida que está no
paraíso de Deus que é seu corpo. Nada disso é tão realizado que não
tenham os de olhar adiante. De fato “Nem olhos viram, nem ouvidos
ouviram , nem jam ais penetrou em coração hum ano o que Deus tem
preparado para aqueles que o amam” (1 Co 2.9). Mas o mesmo Espírito
que habita a cidade celeste, agora habita na igreja e toma o que é de
Deus e o faz nosso (Rm 8.26-27). Não só a “apresentação das próximas
cenas”, mas a verdadeira aurora da nova criação, ela própria, trazida é
que o Espírito que ressuscitou a Cristo dentre os mortos traz para nós,
por interm édio do m inistério da Palavra e dos sacram entos. Quanta
diferença faria para o nosso culto se as pessoas, sim plesm ente, não
pensassem estar praticando algo que, afinal, não teria uso na eternidade,
mas, sim, provando as delícias da mesa de uma festa mundial que jam ais
terá fim.
Nove
Como Deveria Ser o Nosso Culto?

Liturgia é um termo que invoca diferentes imagens para diferentes


pessoas. Algum as, reagindo contra a própria criação em igrejas nas
quais cada palavra estava no roteiro para ser cuidadosamente seguida,
vêem esse term o com o am eaça à liberdade do Espírito e com o um
convite à rotina sem vida. Outras colocam tanta confiança nos padrões
litú rg ic o s form ais que chegam a dim in u ir o valor do serm ão e a
co nfundir tradições hum anas com m andam entos divinos. N enhum
term o é neutro. Cada um está inevitavelm ente embutido nas práticas
que ele descreve, não sendo, portanto, gratuito ou suspeitoso.
Fui criado em igrejas que, em geral, m antinham certas suspeitas
quanto a form as. Q uanto m ais extem porâneas fossem as ações nos
cultos, mais autênticos nos sentiríamos. Não estávamos “brincando de
ig reja” com o tantos outros faziam . E ainda assim , tam bém éram os
rígidos nessa forma litúrgica: sabíamos quando deveríamos nos levantar
ou assentar, e poderíamos todos antecipar o que estava para acontecer
no culto. Alguns chegam à conclusão “lógica” de que espontaneidade
significa, apenas, ficar sentados e esperar pela ação do Espírito, como
é o caso da prática Quaker, ou cantar até que um m em bro se sinta
m ovido a se expressar de alguma maneira, como em algumas igrejas
carismáticas. Contudo, até mesmo essas se tomam formas estabelecidas
e padrões previsíveis.
Independente de onde nos encontrem os no m apa eclesiástico, não
há dúvida de que todas as igrejas têm algum tipo de liturgia. A palavra
liturgia, vinda do termo latino cujo sentido é o de culto público, refere-
se à reunião da assem bléia do povo de Deus. Uma vez que, como já
tem os visto, Deus é cium ento - não apenas no sentido de nenhum
outro objeto ser o ponto focal do nosso culto, mas também no sentido
de nosso culto consistir em nada mais do que aquilo que ele ordenou -
o caráter de nossa liturgia assum e grande importância. Uma vez que
Deus é o autor e o diretor da peça, assim como o ator principal, é sua
habilidade e criatividade e não a nossa que dita as normas para o culto.
A inda que a tradição da igreja com a qual cultuo m antenha um a
p o siç ã o de guarda q u an to a q u a lq u e r te n ta tiv a de im p o siçã o de
obrigações litúrgicas que Deus não tenha ordenado, ela, assim mesmo,
aprecia e se apropria de muitas das formas antigas e de suas estruturas
básicas. A despeito de suas diferenças, os dois lados da R eform a
magisterial, luterana e reformada, têm considerado a liturgia - isto é,
os elementos e formas usados no culto - como condutores da lei e do
evangelho, juntam ente com o sermão. Assim, por exemplo, há leitura
da lei, confissão de pecados e declaração de perdão. Essas são maneiras
de se pregar a Palavra antes mesmo do sermão. Até mesmo nos cantos,
a Palavra é pregada pelas vozes da congregação. O ministério da Palavra
começa com o sermão, mas com o chamado à adoração! Se for esse o
caso, será sobremodo importante que busquemos na Palavra quais os
elementos são requeridos para a regulamentação do nosso culto.
Entretanto, uma das questões básicas mais importantes que surgem
rapidam ente nesse tipo de discussão é a de quanto de nosso culto é
ditado pela tradição (quer antiga quer recente). Conquanto possa haver
aspectos circunstanciais (a ordem de diversos dos elementos, a hora da
reunião, a freqüência da Ceia, o uso de toga), há elem entos que são,
claramente, requeridos, os quais Deus ordenou para o seu culto. Ainda
que ninguém possa apontar para uma única liturgia e dizer que ela
contém a única form a de culto genuíno, algum as são m elhores que
outras por serem fiéis aos regulamentos de Deus para o seu culto - os
quais ele sempre tem levado a sério. A questão, aqui, é ter um propósito,
até o ponto de, pelo menos, pensar sobre as razões pelas quais fazemos
ou não fazemos certas coisas, de modo que procedam os à crítica de
nossas práticas, e, assim, participem os inteligentem ente da cerim ônia
de renovação do pacto.
É essencial que descubramos qual a relação entre Escritura e tradição
humana. Uma das razões é que todas as pessoas pertencem a algum
tipo de tradição - até mesmo a antitradição é um tipo de tradição. Assim,
com o poderem os evitar tanto o erro de com eçar “do n ad a” a cada
g e ra ç ã o q u an to o de p e rm a n ec e r a rra ig a d o s a tra d iç õ e s? Com o
poderemos ser fiéis à Palavra de Deus e ao corpo de Cristo ao redor do
m undo ao longo dos tem pos e para o futuro, e alcançar as novas
gerações em nosso tem po e lugar? Será im portante a m aneira com o
adoram os, conquanto passem os a m ensagem correta e nosso coração
esteja no lugar certo? Muitas pessoas em nossos dias - pastores, mestres
e leigos, líderes musicais - se perguntam sobre quais serão os elementos
inegociáveis do culto. O que se deveria esperar — na verdade, requerer
— a cada domingo?
Um a das m aneiras de se ver essa questão é a m inim alista. Como
ocorre nos debates sobre o que constitui a base essencial doutrinária, a
perspectiva minimalista tende a se concentrar no denominador comum.
Isso tem seus pontos fortes, é claro, mas é preferível uma aproximação
de m axim ização. A inda que os leitores possam discordar da form a
definida que advogo neste capítulo, melhor será extrair seus elementos
das profundezas de “todo o conselho de Deus” do que tentar contentar
a todos. Somente dessa maneira poderemos nos engajar numa discussão
aberta e frutífera sobre os detalhes concretos do culto de adoração.
R ecorrendo às distinções entre “elem entos” e “circu n stân cias” ,
proporei um esboço de um culto típico de adoração. Antes, entretanto,
deverei tornar m ais ex p lícita a m inha situação. Sendo um cristão
reformado, minhas raízes teológicas, litúrgicas e práticas se alinham às
da R eform a do século X V I, especialm ente da form a com o foram
expressas nas obras de líderes tais como Martinho Lutero, M artin Bucer,
João Calvino, Zacarias, Ursino e John Knox. Assim, uma vez que os
reformadores buscaram retornar à simplicidade das práticas litúrgicas
da igreja primitiva, antes das inovações medievais, minhas informações
procedem, também, dos pais da igreja. Este capítulo argumenta a partir
da Escritura como sendo a suprema corte de apelação e, ainda assim, o
faz dentro de um a comunidade em particular que tem formado minha
leitura da B íblia. A inda que não cheguem os a conclusões com uns,
espero que pelo m enos nosso apelo com um à Escritura com o único
guia seguro na solução dessas questões torne p ro v eito sa a n o ssa
discussão. D epois de tratar da questão dos elem entos da adoração,
exam inarei brevem ente, nos dois próxim os capítulos, dois tópicos
relacionados ao estilo: o cenário ou colocação visual da adoração e a
m úsica em pregada.

O que se Passa no Culto... e Por quê?

O que deveríamos observar primeiro é que a estrutura e o conteúdo


do culto jam ais são neutros, nem deveriam ser consideradas questões
de preferência. Diferente dos “deuses das nações”, o Deus de Abraão e
de Jesus não deixa em nossas mãos a m aneira como deverem os nos
aproximar dele. Conquanto não haja sempre uma resposta clara, preto-
no-branco, para todas as questões sobre qual estilo deveria ser usado
em dado contexto, deveria ficar bem evidente que o estilo litúrgico é
mais que os panos de cenário do culto. De fato, é aquilo que incorpora
todas as nossas crenças sobre Deus, sobre nós mesmos, sobre a redenção
e o fim principal da existência humana.
Para fins de analogia, até mesmo o estilo arquitetônico poderá sugerir
graus de transcendência (um a catedral com sua nave altaneira) ou
im anência (um centro de culto no estilo de teatro), de m aneira que
teremos de pensar sobre as implicações do estilo, se quisermos manter
a proclamação bíblica da majestade e da proximidade de Deus em Cristo.
Isso, é claro, não significa que haja um a arq u itetu ra divinam ente
in sp irad a: com o na criação em geral, m uitos estilo s p o d erão ser
apropriados - do neoclássico ao pós-m oderno. A questão crucial,
entretanto, é se os aspectos da transcendência e da im anência, da
prioridade da Palavra e dos sacramentos, e de outros tantos aspectos
práticos foram devidam ente tratados pelas convicções de um a dada
igreja. Ao m esm o tem po, as circunstâncias poderão tornar difícil a
realização de cultos da maneira exata como queremos, mas, ainda assim,
esses elementos deveriam estar presentes.
Algumas vezes, levamos a questão do estilo tão a sério que acabamos
adorando uma form a em vez de o Deus que deseja nos transform ar
por m eio das form as por ele escolhidas. Tanto a tradição da igreja
estabelecida quanto a variedade da igreja contem porânea poderão ser
levadas por esse m ovim ento. Uma poderá cantar os m esm os refrões
vezes sem conta, sem pensar muito sobre o que se canta, assim como,
na outra, o Credo Apostólico é repetido sem a adequada reflexão sobre
o que se professa.
Se o estilo não é neutro, como determinaremos o formato de nosso
culto, a com eçar da liturgia ou ordem do culto? O pensam ento não-
cristão oscila como um pêndulo entre a ultratranscendência e a ultra-
imanência. Contudo, como John Frame observou, o pensamento cristão
deveria determ inar sua direção não a partir da oposição radical de
transcendência e im anência, mas a partir da representação de Deus
com o cabeça p a c tu a i do seu povo. C om o cabeça p a c tu a i, D eus
transcende sua criação, e como cabeça pactuai, ele está intim am ente
envolvido com seu povo.60 Em bora Deus esteja “além de n ó s” , ele
condescendeu em estar conosco como o Emanuel.
Deus se aproxim ou de nós, mas nos seus termos. Assim , não foi
deixada em nossas m ãos a escolha de subir os degraus para um a
transcendência menos bíblica ou para uma im anência menos bíblica.
Os filhos de Arão, Nadabe a Abiu, serviram ao Senhor como sacerdo­
tes no tem plo, mas quando ofereceram um sacrifício que Deus não
havia ordenado, ele os feriu mortalmente. Por um lado, sua motivação
talvez tivesse sido a busca de mais transcendência - mais ritual, mais
uma inovação litúrgica. Por outro lado, é possível que seu desejo tives­
se sido por mais imanência - uma forma de culto que pretende baixar
Deus à altura dos homens. Qualquer que fosse o caso, eles foram sin­
ceros. Presum iram que serviriam a Deus da m aneira que o acharam
“cultuável”, mas não estavam dispostos a considerar os mandamentos
de Deus como elem entos suficientes para o culto. Julgaram que esse
fosse o tipo de negócio ao qual D eus não dava m uita im portância,
conquanto houvesse sinceridade no coração dos adoradores. O que
eles aprenderam foi coisa diferente - com resultados trágicos confir­
mados pela angústia de seu pai, Arão, o qual uma vez já havia se con­
form ado às pessoas na feitura do bezerro de ouro.
Tenho me esforçado para dem onstrar, a partir de Rom anos 10, a
lógica do evangelho - Deus envia seus emissários aos pecadores em
vez de tentar facilitar o caminho dos pecadores para Deus por meio de
h a b ilid a d e s, e n g en h o sid ad e, im ag in ação ou esfo rço s. D eus já se
c o n fo rm o u à n o ssa fraq u eza. E le não e sta rá d ista n te de nós, se
atentarm os ao m inistério da Palavra. Portanto, deveríam os resistir ao
refrão “o céu é o lim ite” naquilo que diz respeito à conform ação do
culto “ am igável” . A B íblia tem de ser lida, cantada e pregada na
linguagem comum do povo, mas quando incluímos esquetes, musicais
e espetáculos de marionetes com a intenção de trazer Deus ao nível do
povo, ele concluirá que Deus mesmo não se conformou adequadamente
por m eio do m inistério da Palavra. Quando M oisés confrontou Arão
acerca do bezerro de ouro, Arão respondeu, aparentemente, até mesmo
sem a ajuda de pesquisadores de mercado: Você sabe como é o povo...
(“sabes que o povo é propenso para o m al”, Êx 32.22).
Desde Caim - na verdade, desde Adão e Eva - os seres humanos
têm tentado adorar a Deus de maneira autodeterminada, à sua própria
maneira, em seus próprios termos, numa forma que pareça “agradável
aos olhos e... desejável para dar entendim ento” . Sabemos que Deus
ordenou cada detalhe do culto no Antigo Testam ento, m as não teria
sido esse um dos aspectos libertadores do Novo Testam ento, isto é,
que o culto fiel seria questão de coração em vez de forma?
Antigo Testamento versus Novo Testamento?

Primeiro, é correta a indicação de que houve uma mudança quando


a cortina do tempo foi rom pida de alto a baixo, na sexta-feira santa.
Com o Jesus falou à m ulher sam aritana, é chegado - em Jesus, o
verdadeiro templo - o tem po quando a verdadeira adoração não está
mais ligada a um lugar terrestre, mas ao Sião celestial. Tendo o Monte
Sinai em mente, o escritor aos Hebreus declara:

O ra, não ten d e s ch eg ad o ao fogo p a lp á v e l e a rd e n te , e à


escuridão, e às trevas, e à tempestade, e ao clangor da trombeta,
e ao som de palavras tais, que quantos o ouviram suplicaram
que não se lhes falasse m ais... Mas tendes chegado ao m onte
Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial, e a incontáveis
hostes de anjos, e à universal assembléia e igreja dos primogênitos
arrolados nos céus, e a Deus, o Juiz de todos, e aos espíritos dos
justos aperfeiçoados, e a Jesus, o M ediador da nova aliança, e
ao sangue da aspersão que fala coisas superiores ao que fala o
próprio Abel.

12.18-19, 22-24

De fato, todo o Livro de Hebreus tem em vista os judeus cristãos, os


quais estavam se voltando para as sombras da velha aliança com suas
cerimônias e sacrifícios, quando a realidade para a qual elas apontavam
já havia chegado. N essa base, os cristãos reform ados rejeitaram as
aproximações que tentavam basear o culto cristão na sombra do culto
teocrático judaico, especialmente imitando seu rito, o culto sacrificial
do período do templo.
Ao mesmo tempo, muito exagero poderá ser feito da diferença entre
os testam entos quanto a um alegado contraste entre o culto form al e
oculto informal, de coração. Para ser mais exato, Jesus recrim inou os
líderes religiosos de seus dias por serem tão obcecados com form a
exterior e dem onstrações de santidade, a ponto de sequer verem a
própria depravação interior. Contudo, essa não era uma crítica do Novo
Testamento ao culto do Antigo Testamento. Na verdade, difere em pouco
do tipo de repreensão que o Senhor fez a Israel e a Judá por meio dos
profetas: “Pois misericórdia quero, e não sacrifício, e o conhecimento
de Deus, mais do que holocaustos” (Os 6.6). Além disso, a julgar pelos
livros judaicos de oração do primeiro século, Jesus não considerou as
liturgias formais como inerentemente alienadoras quanto a uma relação
com seu Pai. Ele disse a seus discípulos que não fossem com o os
hipócritas que se postavam nas esquinas, recitando longas orações e,
então, deu-lhes sua fam osa form a: “Portanto, vós orareis assim: Pai
nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu
reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso
de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como
nós tem os perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em
tentação; mas livra-nos do mal pois teu é o reino, o poder e a glória
para sempre. A m ém l” (M t 6.9-13). Jesus não apenas não abandonou
as o raç õ e s fo rm a is, m as, com o D eus na carn e, fo rm u lo u um a!
Igualmente, lemos em Atos 2.42 que os primeiros cristãos se reuniam
para pregação, sacramentos e “as orações” . Embora o artigo definido
apareça no texto grego, ele não é, geralmente, incluído nas traduções
que m antêm um a tendência antilitúrgica. Orações form ais não eram
vistas por nosso Senhor como se fossem encantamentos mágicos, mas
como estruturas disciplinares. Como treliças, elas orientavam o coração
a estender a ramagem de suas orações da maneira como agrada a Deus.
Isso não pretende ser um argumento em favor de se usarem somente
orações fo rm ais, com o rezas, m as com o estru tu ras gerais. N um a
conversa, m eu colega, D. G. Hart, com parou a estrutura litúrgica às
regras do basebol, às quais, nós, de bom grado, subm etem os nossa
liberdade e preferência a fim de desfrutar de um jogo comum. Imagine
o que a co n teceria se todos aparecêssem os no cam po de b asebol,
decididos a jo g ar cada um da sua própria m aneira, desfrutando da
“experiência do basebol” cada um de seu modo especial. É claro que,
nesse caso, não haveria basebol.
A subm issão a certas form as nos d isc ip lin a não apenas com o
congregação, mas tam bém como pastores e líderes de culto sob cuja
m ercê as congregações m uitas vezes são colocadas. O sectarism o
ocidental se apega ao carisma singular dos seus líderes, e essa é uma
das razões pelas quais as formas dos cultos são mudadas sempre que
um novo em presário religioso entra em cena. Cultos vibrantes têm
pregadores vibrantes, e cultos maçantes têm pregadores maçantes. Como
sei de experiência própria, o lado negativo de se ter uma imaginação
ativa é a idolatria. O pequeno sonhador em mim poderia, facilm ente,
b u s c a r o g a n h a -p ã o p ro je ta n d o “ e x p e riê n c ia s ” de c u lto s , m as,
certam ente, essa mesm a inovadora engenhosidade envelheceria rápido
e, breve, teria pouca semelhança com o culto, para as novas gerações.
Mais importante que isso, há muita história bíblica para nos lembrar de
que Deus se agrada apenas com a simplicidade do culto que ele mesmo
prescreveu.
Ao longo dos séculos - em muitos casos, até m esm o m ilênios - o
povo de Deus tem buscado ligar seu culto à própria Escritura. De fato,
o Livro Comum de Orações (1552 - jóia da Reforma inglesa) - consiste,
em grande parte, de citações bíblicas. O m esm o ocorre na tradição
reformada, com a Liturgia Holandesa, adotada no início do século XVII,
com o Livro Comum de Ordem (geralm ente chamado de Liturgia de
John Knox), o qual quanto ao estilo é apenas um pouco mais livre que
os demais, e com a obra Orientação para o Culto Público, produzido
pela Assembléia de W estm inster em meados do século XVII. O culto
de Lutero era uma revisão evangélica da M issa, e Calvino produziu
um a liturgia sim plificada, mas bem estruturada, assim como Form as
de Oração, para o culto público. Os reform ados e seus herdeiros se
opuseram à im posição sobre a igreja de um a liturgia em particular
com o se fosse um a form a necessária para a verdadeira adoração de
Deus.
A despeito de uma rica herança litúrgica, nossas igrejas (indepen­
dentemente de onde estejam no processo) parecem dedicar pouca aten­
ção às razões pelas quais fazemos o que fazemos. Em muitos casos,
horas são despendidas (felizmente) na preparação de um sermão, mas
o restante do culto é deixado ao acaso e, claram ente, é falto de um
senso de movimento de A a Z. Estamos familiarizados com cultos que
com eçam com uma m iscelânea introdutória, anúncios, etc. Depois, o
coro canta, segue-se um a oração, um a oportunidade para um canto
especial, mais um canto congregacional, a oferta, mais canto, o ser­
mão, m ais canto congregacional ou m úsica especial e, finalm ente, a
esperada oração e bênção apostólica. Quando as igrejas planejam sair
desses moldes para algo mais, como para um culto “amigável” volta­
do para o visitante interessado, ou para um estilo mais tradicional, não
podem os deixar de nos sim patizar com essa reação. O culto deveria
ser interessante - afinal, é um encontro com D eus! - e seria interessan­
te, se os ministros e suas congregações demonstrassem com inteligên­
cia e arte a intenção no desenvolvimento e significado de cada ato do
culto. Entretanto, quer seja o culto contemporâneo quer seja o tradici­
onal, ambos se tornarão rotineiros, maçantes e sem propósito, se per­
m itirmos que ele se realize sem uma direção intencional em sua pre­
paração .
Se o culto deve ser centrado em Cristo, então não deveríamos nos
m over dos tipos e som bras dos m andam entos de D eus no A ntigo
T estam ento para nossos próprios tipos e som bras que não apontam
para Cristo, mas para nossas imagens im aginativam ente concebidas e
para nossas “experiências de culto” . Conquanto Deus tenha ordenado
que nos reuníssem os no Dia do Senhor, ele não prescreveu que isso
ocorresse às 10 ou 19 horas. Os cultos nas igrejas apresentarão variações,
de m aneira plenam ente adequada; algum as coisas são necessárias, e
outras, dependerão das circunstâncias de tempo e lugar. As primeiras,
nós chamamos de elementos (isto é, as prescritas), e as segundas, de
circunstâncias (isto é, deixadas à discrição das igrejas). Ofertório é um
elemento, e a maneira como o fazemos é uma circunstância. Seguindo
esse raciocínio, portanto, considerem os, brevem ente, o que poderia
ser considerado uma liturgia ou ordem de culto legitimamente bíblica,
no culto da nova aliança.

Os Elementos

A invocação

Exemplos de invocações formais são abundantes na Escritura. Como


m encionam os, a B íblia é um a carta de pacto que contém unidades
pactuais menores. Da maneira como um rei menor (um vassalo), quando
am eaçado por um poder invasor, apelava ao nom e do rei m aior (o
suserano), a “invocação do nome do Senhor” - uma forma de expressão
encontrada logo no início da Escritura, no relato da história de Sete e
de sua descendência fiel (Gn 4.26) - era um ato político. A invocação
desse parágrafo do tratado era como acionar o alarme de incêndio: o
rei menor teria de valorizar isso e jam ais engendrar tratados secretos
com outros reis, às costas do rei maior.
A estrutura do pacto ou tratado da Escritura é clara, até mesmo quanto
à abertura do culto. Deus convoca seu povo para se reunir ante sua
corte. Todos se levantam quando o soberano assume o trono. O palco
está m ontado e o prim eiro ato se inicia. As invocações variam, mas,
geralmente, são retiradas de um Salmo - por exemplo, Salmo 124.8:
“O nosso socorro está em o nome do Senhor, criador do céu e da terra” .
Ao invocar o nom e daquele que nos livrou do Egito, nos deparamos
com a ação gracio sa de D eus - e a renovação do p acto está em
andam ento.
Algumas vezes chamado de saudação, o voto é a resposta de Deus
à invocação da congregação. O m inistro, como em baixador de Deus,
ergue suas mãos e abençoa o povo com a promessa divina de redenção.
O m inistro não está, com esse gesto, dispensando a bênção de Deus
contida nele mesmo como se tivesse poderes mágicos, mas em função
do seu ofício. Ele não estará fazendo nada mais que agir como emissário
divinam ente designado para falar em nome de Deus aquilo que Deus
c la ra m e n te falo u . N as ig re ja s às q u ais m e a sso c io , o m in is tro
simplesmente diz à congregação ainda em pé: “Graça e paz à igreja em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Deus não violará seu voto, mas descerá com poder em seu Espírito
para assumir seu trono entre nós e nos livrar do mundo, da carne e do
diabo. A única m udança ocorrida no Novo Testam ento é a de que o
grande livramento já ocorreu, e o agente da redenção já foi manifestado.
Citando Joel 2.32, Paulo declara: “Todo aquele que invocar o nome do
Senhor será salvo” (Rm 10.13). Um dos maiores testemunhos bíblicos
da deidade de Jesus Cristo é o de que “Deus o exaltou sobremaneira e
lhe deu o nom e que está acim a de todo nome, para que ao nom e de
Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda
língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai” (Fp
2.9-11). O que o apóstolo está dizendo aqui, é que não há outro suserano
— não há rei maior — acima de Cristo. Jesus de Nazaré é o protetor do
seu povo e guardião do pacto. Assim, invocamos sua presença entre
nós, no Espírito, e observamos a profecia de Zacarias sendo cumprida
em nosso meio: “ela invocará o meu nome, e eu a ouvirei; direi: é meu
povo, e ela dirá: O Senhor é meu Deus” (Zc 13.9). O ministro, agindo
em nom e de Cristo e sob sua autoridade, declara a boa vontade de
Deus para com a assembléia.

A leitura da Lei

Em qualquer pacto, há uma leitura dos termos do tratado e de suas


sanções. Aqui, reunido na corte de Deus, o povo ouve a leitura dos
mandamentos e reconhece sua pecaminosidade. A leitura da lei poderá
ser na forma dos Dez Mandamentos ou na forma do resumo de Jesus.
A lgum as vezes, o m inistro poderá ler em Gálatas 5.16-26, em que o
apóstolo nos conclam a a produzir o fruto do E spírito em vez de as
obras da carne. Algumas igrejas são relutantes quanto a outras leituras
que não sejam as dos Dez Mandamentos ou do resumo de Cristo, mas a
leitura de outras passagens da “lei” (o Sermão do Monte, os “ais” de Jesus,
e outras inúmeras passagens dos profetas) poderá fornecer variedade
suficiente e apresentar a lei a cada semana. Isso nos ensinará, também, a
descobrir a lei através da Bíblia e não, simplesmente, no Decálogo.
Antes de ouvir a leitura da lei, pensávamos ser pessoas boas que pode­
riam melhorar, mas, depois de ouvir a palavra de Deus, seremos como o
povo de Israel quando ouviu os mandamentos: “Disseram a Moisés: Fala-
nos tu, e te ouviremos; porém não fale Deus conosco, para que não mor­
ramos” (Êx 20.19). Ao longo da Escritura, a leitura da lei sempre precede
o arrependimento e a fé e, também, a instrução. Após havermos escapado
às suas maldições, e encontrado refúgio no seio de nosso irmão mais ve­
lho - o doador e cumpridor da lei em nosso lugar - recebemos do seu
Espírito enviado um coração. Conquanto tudo isso tenha acontecido defi­
nitivamente, de uma vez por todas, quando nos convertemos, continua
sendo, também, um processo que dura a vida inteira: estamos, constante­
mente, nos tomando cristãos “de novo”, provando, fresco em nossa vida,
o poder da Palavra e do Espírito ocorrido no batismo em Cristo. Diaria­
mente, o arrependimento e a fé são renovados.
Como ocorreu nos períodos nos quais a leitura da lei caiu em desuso,
aqui também há um genuíno senso do que Deus requer de nós e de nossa
postura diante dele como transgressores da lei. Temos um exemplo dessa
localização litúrgica no culto maciço que foi conduzido quando Deus
trouxe de volta à Terra o remanescente dos que haviam sido levados cativos
para a Babilônia:

Esdras, o sacerdote, trouxe a Lei perante a congregação, tanto de


homens como de mulheres e de todos os que eram capazes de
entender o que ouviam. Era o primeiro dia do sétimo mês. E leu no
livro, diante da praça, que está fronteira à Porta das Águas, desde a
alva até ao meio-dia, perante homens e mulheres e os que podiam
entender; e todo o povo tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei...
Esdras abriu o livro à vista de todo o povo, porque estava acima
dele; abrindo-o ele, todo o povo se pôs em pé. Esdras bendisse ao
Senhor, o grande Deus; e todo o povo respondeu: Amém! Amém!
E, levantando as mãos, inclinaram-se e adoraram o Senhor, com o
rosto em terra.

Neemias 8.2-3, 5-6


Lemos que os levitas “Leram no livro, na Lei de Deus, claramente,
dando explicações, de maneira que entendessem o que se lia” (v. 8) -
o que é equivalente à nossa pregação de hoje. Em bora fosse um dia
festivo, um dia de grande júbilo, a leitura da lei trouxe profunda tristeza
por causa do pecado: “Este dia é consagrado ao Senhor, vosso Deus,
pelo que não pranteeis, nem choreis. Porque todo o povo chorava,
ouvindo as palavras da Lei” (v. 9).
Normalmente, não choraremos como fizeram os que retornaram do
e x ílio após ouvirem pela p rim eira vez as p alav ras de D eus, m as
reconhecerem os nossa pecam inosidade de m aneira sensível à m edida
que o Espírito usar a sua lei - convencidos de novo não apenas pela
explanação, mas pela leitura pública. A questão aqui é que som os
trazidos em humildade diante de Deus para reconhecer de novo que, a
desp eito da obra do E sp írito em n o ssa vida, não estam os ainda
d e sem p e n h an d o a p a rte que nos cabe no p ap el que d e v e ríam o s
desempenhar. Concordamos de novo com a sentença que pairou sobre
nós por causa dos nossos pecados e que ainda nos condenaria se não
estivéssemos sob sua misericórdia pactuai em Cristo.

A confissão e a absolvição

Não obstante, aqueles que chamam pelo nome do Senhor estão sob
a m isericórdia pactuai de Deus em Cristo. Assim como a lei mata, o
evangelho vivifica - e, até mesmo, na cena na qual Esdras se dirige ao
rem anescente de Israel, vemos a transição que conhecemos desde que
Deus julgou Adão e cobriu sua nudez: “D isse-lhes mais: ide, comei
carnes gordas, tomai bebidas doces e enviai porções aos que não têm
nada preparado para si; porque este dia é consagrado ao nosso Senhor;
portanto, não vos entristeçais, porque a alegria do Senhor é a vossa
força” (Ne 8.10). Isso nos traz a um ponto no culto, de transição do
julgamento para a graça. Pense nisso como um ponto de retorno à sala
do tribunal, depois de o juiz ter condenado e sentenciado o réu para, só
então, oferecer-lhe um meio substitutivo de quitação da pena.
Em nosso caso, é mais que um a quitação: Deus justifica o ímpio
por m eio da im putação da ju stiça de C risto em nosso favor. A qui,
testem unham os “a grande troca” , como Lutero a chamou. Jesus car­
rega a nossa culpa e nós carregam os sua justiça. Quando confessa­
m os juntos, publicam ente, nossos pecados, concordam os com Deus
(isso é que o term o “confessar” quer dizer) que não há outro m eio
para nós senão esse, e clamamos por m isericórdia. O caráter pactuai
do culto reforça um a vez mais que, embora confessem os nossos pe­
cados, individualm ente, a cada dia, também pertencem os ao povo de
D eus. Som os com o o povo de Israel que “ se ajuntou com o um só
homem, na praça” (Ne 8.1). Durante uma quarta parte do dia, a lei foi
lida; “em outra quarta parte dele fizeram confissão e adoraram o Se­
nhor, seu D eus” (v. 9).
Observe que isso não fazia parte da adoração no templo. Na verdade
teve mais em com um com o culto na sinagoga que caracterizava os
dias de Jesus. Isso poderá servir de padrão para nós - não um padrão
ao qual se escravizar com o se fosse um m andam ento (fosse assim ,
teríam os de cumprir seu calendário também!). Antes, isso indica uma
representação pública do ciclo da salvação, obediência, desobediência,
julgam ento e salvação que caracteriza os salmos que o povo de Deus
cantou e as descrições tanto históricas quanto doutrinárias da vida cristã
encontradas no Novo e no Antigo Testamento.
A absolvição é a declaração pública de que Deus perdoou nossos
pecados. Se ainda mantivermos um olho no padrão visto em Neemias,
notarem os que foi isso que Esdras fez como profeta, quando o povo
confessou e lamentou sua impiedade. “Não vos entristeçais, porque a
alegria do Senhor é a vossa força” (8. 10), ele lhes diz em nom e de
Deus e sob sua autoridade. E semelhante à declaração de Jesus à mulher
adúltera: “Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém m ais além da
m ulher, perguntou-lhe: M ulher, onde estão aqueles teus acusadores?
N inguém te condenou?... N em eu tam pouco te condeno; vai e não
peques mais... Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará nas
trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (Jo 8.10-12). Semelhantemente,
Paulo exclama: “Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é
por nós, quem será contra nós?... Quem intentará acusação contra os
eleitos de D eus? E Deus quem os justifica. Quem os condenará? É
Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à
direita de Deus e também intercede por nós” (Rm 8. 31, 33-34).
Para muitos, o próprio termo absolvição soa muito sacerdotal (isto
é, segundo o poder divino concedido apenas ao ministro). Entretanto,
ele é parte do ministério da Palavra. O ministro não tem poder inerente
para perdoar pecados, mas Cristo tem, e ele tem chamado seus ministros
para proclamar, em seu nome, a lei e o evangelho, para fechar as portas
do inferno, e para abri-las, por meio do ministério da Palavra. O Rei do
Novo Israel declarou aos Doze: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus;
o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na
terra terá sido desligado nos céus” (Mt 16.19).
Em contraste com a igreja medieval, que abusou de sua autoridade
e ex erceu tira n ia em vez de m in istrar ao povo, os refo rm a d o res
consideravam a autoridade de M ateus 16 com o um serviço prestado
por meio do ministério da Palavra e não por meio do “ofício interno”
de sacerdotes. Por isso é algo tem eroso receber em confiança esse
ministério. Por mais empolgante que seja, como ocorre freqüentemente,
é, também, para os ministros, uma espada de dois gumes. M ata e vivifica.
Falar em nome de Deus é uma alegria, mas também um peso.
Assim como Deus concede a seus ministros autoridade para pregar,
ele tam bém lhes concede autoridade para, em seu nom e, proclam ar
suas maldições e suas bênçãos. Os ministros são como os profetas e os
apóstolos, neste sentido limitado: em ambos os casos, é o rei quem
julga e perdoa por meio de seus embaixadores. Eles estão autorizados
a amaldiçoar e a abençoar em seu nome - uma autoridade que só pode
ser usada como por servos e não senhores.
Enquanto a igreja medieval praticava a confissão privada e a absol­
vição, requerendo a exata lembrança de pecados em particular e o cum ­
primento rigoroso de laboriosas penitências (às vezes, incluindo paga­
m ento em dinheiro), para expiação da iniqüidade, as igrejas da Refor­
ma retornaram à antiga prática da igreja de confissão pública e absolvi­
ção, que era mais evangélica em seu caráter. Conquanto a tirania sacer­
dotal houvesse abusado do seu ofício, os reform adores não reagiram
exageradam ente a ponto de negar um ensino bíblico tão im portante e
confortador para o crente. Na recuperação do entendimento apostólico
da igreja prim itiva sobre as “chaves” do reino (M t 18.18; Jo 20.23; 2
Co 5.20), João Calvino, por exemplo, defendeu a prática da confissão
e da absolvição. Para ele, a confissão privada e a absolvição eram,
simplesmente, um símile da confissão pública e da absolvição: ambas
são ministérios da Palavra e não um “dom” ou carisma especial que vá
além desse ministério. Não se trata de uma diferença de grau de perdão
que se recebe, como se fosse uma obra que alguém tivesse de cumprir
em troca do favor de Deus. Antes, é uma grande e firme consciência da
prom essa de Deus no evangelho, que só a fé pode abarcar. “Salvo se
este conhecim ento se m ostra claro e seguro, absolutam ente nenhum
descanso, nenhum a paz com Deus, nenhum a confiança ou segurança
pode obter a consciência; ao contrário, continuam ente trem e, vacila,
inquieta-se, é torturada, é atorm entada, apavora-se, odeia e foge da
vista de D eus.”61
M ais exatamente, deveremos exercitar piedosa contrição por causa
dos n o sso s p e c ad o s, c o n fe s s á -lo s a D eus e fa z e r as m u d an ças
n e c e ssá ria s. “H avem os d ito ... que a rem issão de pecad o s nu n ca
sobrevêm sem o arrependim ento.” Calvino diz que, no fundo, isso é
um m au e n te n d im e n to do a rre p e n d im e n to . E le a rg u m e n ta : “ O
arrependim ento não é a causa da rem issão dos pecados” . Na igreja
prim itiva, a confissão ao m inistro não era considerada um a condição
p a ra o perd ão , m as um a u x ílio p ara aqueles que p rec isav a m de
co n v encim ento, em privado, daquilo que seria suficien te quando
oferecido publicam ente ao povo de Deus. U m a vez que os abusos
m edievais são rem ovidos, diz Calvino, a prática da confissão é um
dom maravilhoso de Deus para os seus santos:

Por esta razão, estabeleceu o Senhor outrora entre o povo de


Israel que, recitando primeiramente o sacerdote as palavras, no
santuário suas iniqüidades confessasse o povo abertamente [Lc
16.21], Pois que, na verdade, antevia [Ele] que necessária lhes
era essa ajuda, para que m elhor fosse cada um levado a uma
justa estimativa própria. E é justo que, mediante a confissão de
nossa m iséria, faça - os refulgir entre nós e diante de todo o
mundo a bondade e a misericórdia de nosso Deus.

Dificilm ente seria uma coisa a mais para aquelas semanas em que
nos sentimos especialmente litúrgicos: “esse tipo de confissão deve ser
usual na igreja”. Calvino ainda diz:

Aquela [confissão] ordinária, além de que foi recomendada pela


boca do Senhor, pesada a sua utilidade, ninguém [de] são [juízo],
ouse desaprová[-la]. Ora, uma vez que em toda reunião religiosa
nos postemos diante de Deus e dos anjos, que outro nos será o
ponto de partida do proceder senão o reconhecimento de nossa
indignidade? Mas esse [reconhecimento], dirás, ocorre em toda
e q u alq u er oração, pois quantas vezes oram os por p erdão,
estam os a c o n fe ssa r nossos pecados. A d m ito [-o ]. M as, se
examinas com cuidado quão grande seja ou o nosso [senso de]
segurança, ou a [nossa] letargia, ou o [nosso] acomodamento,
conceder-me-ás haver de ser salutar ordenança, se à humilhação
se exercite o povo cristão mediante algum solene rito de confissão.

A prática da confissão pública e da absolvição foi mantida nas igrejas


reformadas e protestantes, além de nos corpos anglicanos e luteranos.
“E, com efeito”, acrescenta Calvino, “vemos ser este costume observado
com proveito nas igrejas bem reguladas, de sorte que em cada dia do
Senhor repita o m inistro, em seu [próprio] nom e e no do povo, uma
form a de confissão, m ediante a qual a todos acusa de culpados da
iniqüidade, e do Senhor suplique o perdão. Enfim , com esta chave
uma porta se abre para orar, tanto aos indivíduos, em particular, quanto
a todos, publicam ente” . A Segunda Confissão H elvética apresenta o
m esm o tip o de v isã o , a ssim com o o faz a C o n fissã o de F é de
Westminster: “As chaves do Reino dos Céus são entregues aos oficiais
da igreja, em virtude do que eles têm poder respectivamente para manter
e para cancelar pecados” (cap. 32).
Freqüentem ente, essa prática era ligada ao m om ento m aravilhoso
quando alguém que tivesse recusado o reino de C risto de m aneira
deliberada e pública, quer quanto à doutrina quer quanto à vida, vinha
à frente declarar o arrependimento, diante da igreja, para ser absolvido
e restaurado à comunhão. A liturgia escocesa, de John Knox, nos oferece
o seguinte modelo para essa absolvição:

Em nome de Jesus Cristo e sob sua autoridade, eu, m inistro de


seu abençoado ev an g elh o , com o co n sen tim en to de to d o o
m inistério e da Igreja, d e c la ro _____ absolvido da sentença de
excom unhão, dos pecados por ele com etidos, e de todas as
censuras postas contra ele por causa dos mesmos, segundo seu
arrependimento; e declaro-o desligado dos seus pecados no céu,
devendo ele ser recebido de novo na comunhão de Jesus Cristo,
no seu corpo que é a igreja, para a participação nos sacramentos
e, finalmente, no gozo de todos os seus benefícios, em nome do
Pai, do Filho e do Espírito Santo. Assim seja.62

Quanto à confissão e absolvição no culto ordinário, encontramos a


m esm a form a expressa nos seguintes term os: “A todos os que se
arrependem em seu melhor entendimento e que olham para Jesus Cristo
para a sua salvação, declaro que está feita a absolvição dos seus pecados,
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém!”63 Isso não era
apenas a reiteração de certas passagens da Escritura, ou a declaração
geral do perdão gracioso de Deus, m as um a absolvição concreta e
objetiva dada em nome de Jesus Cristo ao povo de Deus. A Strasbourg
Liturgy, de M artin Brucer, escrita em 1539, seguiu o texto de 1 Timóteo
1.15, a c re sc id o da d e c la ra ç ã o : “ Q ue to d o s, ju n to com P a u lo ,
verdadeiramente reconheçam isso em seu coração e creiam em Cristo.
Assim, em seu nome, lhes declaro o perdão de todos os seus pecados,
e os proclam o desligados deles na terra para que estejam desligados
deles nos céus, na eternidade. Am ém ” .64 “A substância disso” , disse
Calvino acerca das “chaves do reino”, em sua interpretação de Mateus
18.18, “é que Cristo pretendeu assegurar seus seguidores a respeito da
salvação prometida no Evangelho, para que eles a pudessem aguardar
tão firm e m en te com o se ele m esm o d e sce sse dos céus p a ra dar
testem unho a respeito dela... Em poucas palavras, há uma consolação
m aravilhosa no ato de devotarmos a mente ao conhecimento de que a
m ensagem da salvação trazida ao pobre hom em pecador é ratificada
diante de D eus”.65
A confissão e absolvição públicas seguem o padrão dos profetas, e
a absolvição marca o lugar onde, como em Isaías 40, Deus agora passa
o p ro feta, de um m in istério de im plicação para um m in istério de
desligamento: “Consolai, consolai o meu povo, diz o vosso Deus. Falai
ao coração de Jerusalém ... que a sua iniqüidade está p e rd o a d a ...”
(v. 1). C o n q u a n to os m in istro s m esm os p o ssam ser in c lin a d o s,
d ep en d en d o de sua p e rso n a lid a d e , ao rig o r legal ou à len iê n cia
sentimental, o ministério da Palavra garante que o povo de Deus receba
a avaliação e a aprovação tal como ele a oferece na Escritura.

A Oração Pastoral

Como observou Calvino, após a confissão e a absolvição o caminho


está aberto para a oração. Entramos no Santo dos Santos para interceder
por outros e por nós mesmos, confiantes de que nosso Pai nos ouve e
tem prazer em nos dar boas coisas. Em vez de vacilar e tem er sua
presença, tem os confiança de que somos aceitos com o filhos e co-
herdeiros com nosso irmão mais velho que está à sua direita.
Na oração pastoral, o ministro intercede em favor da igreja ao redor
do m undo, pelas autoridades seculares e, então, pelo rebanho local.
Aqui, apelo, de novo, ao livro de Neemias e, desta vez, ao capítulo 1.
Assim como Moisés intercedeu por um povo ímpio diante de um Deus
irado, Neemias também se coloca no meio da separação:

E disse: ah! Senhor, Deus dos céus, Deus grande e temível, que
guardas a aliança e a misericórdia para com aqueles que te amam
e guardam os teus mandamentos! Estejam, pois, atentos os teus
ouvidos, e os teus olhos, abertos, para acudires à oração do teu
servo, que hoje faço à tua presença, dia e noite, pelos filhos de
Israel, teus servos; e faço confissão pelos pecados dos filhos de
Israel, os quais temos com etido contra ti; pois eu e a casa de
meu pai temos pecado... Estes ainda são teus servos e o teu povo
que resgataste com teu grande poder e com tua mão poderosa.
Ah! Senhor, estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração do
teu servo e à dos teus servos que se agradam de tem er o teu
nome; concede que seja bem-sucedido hoje o teu servo e dá-lhe
mercê perante este homem. Nesse tempo eu era copeiro do rei.

Neem ias 5-6, 10-11

M inistros intercedem, não mediam. Como todos os crentes, eles têm


o privilégio de trazer suas petições ante o Senhor pactuai por meio de
um único mediador, Jesus Cristo. Assim como eles representam Deus
ao povo, na proclamação da bênção e da m aldição (lei e evangelho),
eles representam o povo a Deus, como alguém chamado para unificar
a voz das suas petições. Por meio da oração pública pelas necessidades
do m undo, por seus governantes, pela igreja universal, assim com o
pelas necessidades de igrejas em particular, aprendem os aquilo que,
com freqüência, negligenciamos em nossas orações privadas: olhar para
além de nós mesmos, para os interesses de nossa fam ília. “Antes de
tudo, pois,” Paulo ordena: “exorto que se use a prática de súplicas,
orações, intercessões, ações de graças, em favor de todos os homens,
em favor dos reis e de todos os que se acham investidos de autoridade,
para que vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito”
(1 Tm 2.1).
Uma das apresentações mais desapontadoras do culto contem porâ­
neo é a ausência de orações, e chega-se a suspeitar de que poucos dos
jovens tanto nas igrejas tradicionais quanto nas igrejas m odernas co­
nhecem o “Pai-N osso” que os filhos do pacto costum avam orar — e
que era usado com o m odelo para as nossas orações - por dois m il
anos. Se a oração corporativa não desem penhar um papel importante
em nosso culto, não será de surpreender se ela estiver m arginalizada
em nossa vida cristã individual.

A Palavra Pregada

Como temos visto, o principal meio de graça é a Palavra pregada.


Um sermão não é apenas uma exposição da Palavra de Deus; é, porém,
a m esm a Palavra de Deus. E o Filho do hom em pregando a vida ao
vale de ossos secos, brandindo a espada de dois gum es que m ata e
vivifica. O Espírito Santo, unicamente, é a causa efetiva da operação
da Palavra, mas sua adm inistração é feita por meio da pregação. Por
isso é que, conform e a prática histórica, os sermões com eçam com a
invocação: “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, e terminam
com o “Am ém ”. O serm ão é a Palavra de Deus dirigida ao povo de
Deus.
Algumas vezes, consideramos o sermão apenas como um a oportu­
nidade para tom ar a Palavra efetiva. Para alguns, é uma oportunidade
para mera reflexão - um processamento de dados, correndo o risco de
parecer indelicado. Para outros, é o oferecimento de uma oportunidade
para se tomar uma decisão. Outros ainda o consideram como um estí­
mulo à experiência emocional. Contudo, quer seja nosso intelecto, quer
seja nossa vontade, quer seja nosso coração que elejamos como sobe­
rano, estarem os trocando a glória de Deus pela glória da criação. Da
m aneira como a Escritura apresenta isso, a própria Palavra - guardada
por seu agente efetivo (o Espírito Santo) e pelos embaixadores terrenos
(os pregadores) - cumpre as ameaças da lei e as promessas do evange­
lho. A própria Palavra realiza essa obra, não porque providencia uma
ocasião para fazermos alguma coisa, mas, simplesmente, porque esta­
rá sendo usada por Deus conforme sua própria vontade soberana. Não
é somente o conteúdo da Palavra, mas também a pregação da Palavra
que compõem o ponto central do culto e que, falando de modo estrito,
configuram um m eio de graça.
M uitos outros métodos em nossa época de alta tecnologia parecem
ser form as mais efetivas de atingir certos objetivos. O teatro poderá
entreter e inspirar; cânticos emocionais em acordes ascendentes com
crescente intensidade in stru m en tal poderão alte ra r consciências e
temperamentos; e a sofisticação audiovisual poderá persuadir as pessoas
de que a m ensagem cristã (qualquer que seja) é algo relevante para
nossa época. Uma antífona exuberante ao som de um órgão de tubos,
e um coral bem treinado poderão nos estimular. Porém, uma vez que o
objetivo primário não é nos levar a fazer algo que afete nossa salvação,
mas Deus implantar sua Palavra em nosso coração, nosso critério para
a efetividade e o sucesso deverá ser bem diferente. E importante que
entendamos que a promessa de Deus não é que apenas a mensagem da
Palavra de Deus é usada para a salvação e para o crescim ento, mas
tam bém o método da pregação. A pregação tem de ocupar um ponto
central na adoração.

O ministério da Ceia do Senhor

Uma das apresentações regulares da assembléia (At 2.46), o “partir


o pão”, foi o prim eiro ato de Jesus no culto do dia da ressurreição,
quando os discípulos reconheceram seu Senhor redivivo (Lc 24.30-
31). O uso freqüente da comunhão caiu no desagrado de alguns círculos
da igreja prim itiva; mas isso, contudo, ocorreu quando a ênfase na
preparação adequada, na introspecção e na penitência, tenderam a
obscurecer o caráter evangélico do sacram ento. Como o teólogo V.
Palachovsky explicou:

É, de fato, possível que os monges (da ortodoxia oriental), por


causa da maior severidade de seus conceitos de preparação para
o sacram ento da Eucaristia, tenham sido, em grande parte, os
responsáveis pela dim inuição da freqüência da recepção do
sacram ento (da Ceia). O distanciam ento entre as ocasiões da
C om unhão foi ocasionado m ais por causa de um espírito de
rigorismo que por indiferença da parte dos fiéis.66

Assim como muitos crentes postergaram seu batismo até a hora da


morte a fim de se assegurarem de “limpar a ficha de ocorrências”, um
entendim ento falho do pecado e da graça poderá contribuir para o
declínio da participação freqüente na Ceia, em função do m edo de
participar dela indignam ente. (Infelizm ente, isso é fato corrente nas
igrejas protestantes.)
No Ocidente, a igreja medieval retirou a participação no cálice do
alcance dos leigos. U m a vez que a m aio ria dos leig o s rec e b ia a
com unhão som ente um a ou duas vezes por ano (natal e páscoa) e,
então, apenas o pão, esse festival sagrado, por volta do tem po da
Reforma, já havia perdido muito de sua significância prática. Entre os
pontos centrais da R eform a estava a renovação da pregação e dos
sacramentos como sendo meios de graça divinamente ordenados e como
m étodos de participação no desenvolvim ento do dram a divino. As
pessoas passaram a receber, de novo, a Ceia do Senhor - pão e vinho -
e passaram a fazer isso semanalmente. Pelo menos, esse era o plano.
Em Genebra, por exem plo, Calvino tentou, sem sucesso, durante
todo o seu m in istério , im plem entar a C om unhão sem anal, m as o
conservadorism o do conselho da cidade julgou que seria m uito cho­
cante para a comunidade, que estava acostum ada com um a participa­
ção menos freqüente (Natal, Sexta-feira da Paixão ou Sexta-feira Gor­
da, Dia da Ascensão, Pentecostes). Mesmo assim, a liturgia de Calvino
em Genebra era caracterizada pela Palavra e pelos sacramentos, e ele
sempre deixou, na liturgia, a cada semana, um lugar reservado para a
Ceia, chegando ao ponto desejado: “Isto é o que está faltando!” John
Knox quis im plem entar essa freqüência, na Escócia, mas o peso de
treinar e enviar novos ministros era tão grande que tornava o projeto
praticam ente im possível. Poucas igrejas gozavam o luxo de ter seu
próprio pastor e muitas tiveram de se contentar com comunhões espo­
rádicas. Isso deveria ter sido uma situação tem porária, à espera de
melhores tempos. Entretanto, as igrejas de tradição reform ada sempre
tenderam a convocar, em princípio, comunhões freqüentes, mesmo que
tivessem de praticar, às vezes, comunhões menos freqüentes. Somente
agora, parece, a prática de com unhão freqüente com eça a aum entar
nos círculos reform ados e presbiterianos, o que representa uma con­
vergência de teoria e prática.
T ip ic a m e n te , o m in is té rio da S an ta C eia em m u itas ig re ja s
reform adas, anglicanas, luteranas e m etodistas inclui um núm ero de
elem en to s com uns deriv ad o s da ig re ja p rim itiv a . P rim e iro , há a
despedida. “Ite misse” (algo como “podem sair”) declarava o ministro,
no tem po im ediatam ente após o dos apóstolos, quando despedia os
descrentes depois do serm ão. (O term o “m issa” foi derivado dessa
expressão.) A intenção dessa prática foi transportada para a tradição
reformada por meio da inclusão da exortação de Paulo que advertia os
descrentes e os não-arrependidos da participação indigna. Todos os
que estav am em p len a com unhão com a ig reja eram in stru íd o s a
participar da Ceia como crentes e pecadores arrependidos, buscando
força para sua fé fraca, no alimento de Cristo e seus benefícios. (Veja
nossa argumentação anterior.) Em muitas igrejas na África e em outras
partes do m undo, findo o m inistério da Palavra, há um intervalo no
qual todos, crentes e incrédulos, saem e, após, só os membros retornam
para o m inistério da comunhão.
Conquanto haja (e corretamente) diversidade, muitas igrejas inserem,
depois da recepção do pão e do vinho, a pública profissão de fé por
meio do Credo Apostólico, recitado ou cantado, assim como as palavras
de humilde acesso que antecedem as palavras que o Senhor usou para
institüir a Ceia, as quais Paulo repetiu: “Porque eu recebi do Senhor o
que tam bém vos entreguei” (1 Co 11.23). E nfatizando a crença na
presença real de Cristo com seu povo no céu, onde ele está fisicamente
presente à direita de Deus, a tradição reform ada profere esta antiga
parte da liturgia chamada de sursum corda: “Elevem o coração”, diz o
m inistro, ao que o povo responde: “E levam os o nosso coração ao
Senhor” .
M eu propósito, aqui, não é prescrever um a com pleta liturgia da
Comunhão, mas de argumentar que esse sacramento é um elem ento -
um ato necessário - do culto ordinário. A defesa de Calvino para a
celebração da Comunhão “a cada vez que a Palavra é pregada ou, pelo
menos, semanalm ente” tem amparo no Novo Testam ento e na prática
da igreja primitiva. Alguns têm receio de que essa freqüência prejudi­
que o senso de especialidade da Ceia. Entretanto, se ela é, juntam ente
com a Palavra pregada, um meio de graça e uma marca da igreja - se,
em outras palavras, “O Espírito Santo cria a fé por meio da pregação
do santo evangelho e a confirm a por m eio dos santos sacram entos”
(Heidelberg 61), nossa “com ida e bebida espirituais” e “participação
no sangue de C risto” (1 Co 10.3-4, 16) - por que precisaríam os de
pregações regulares freqüentes, mas não de Comunhões regulares fre­
qüentes? Poderíam os dizer, tam bém , que deveríam os ter pregações
somente uma vez por mês - ou quinzenalmente - para não comprome­
ter a especialidade do sermão. M as, nessa questão, sim plesm ente não
cabe a nós decidir que o que pensamos tom a algo especial. Já é espe­
cial porque Deus prometeu fazer a sua administração correta ser acom­
panhada da realidade prom etida - Cristo e todos os seus benefícios,
por meio da operação misteriosa do seu Santo Espírito. Como no caso
da Páscoa, um tipo do sacrifício de Cristo de uma vez por todas e da
nossa corrente participação e nutrição em Cristo, esta é nossa refeição
pactuai. Aqui, Cristo é o sacerdote e a oferta oferecida. E se houver
descrentes presentes, não verão eles, aí, o evangelho que lhes foi pre­
gado no sermão e que, agora, é visualmente encenado ante seus olhos,
à m edida que os crentes o recebem ? Isso não fortalece os laços da
comunhão que mantém unido o corpo de Cristo?
A questão da freqüência não é um ponto no qual os crentes deveriam
perm itir divisão ou briga, mas é algo que merece mais atenção. Enquanto
pensam os sobre as im plicações de reter a Palavra, e (felizm ente)
concluímos que isso seria desastroso, talvez devêssemos pensar sobre
a im portância da Ceia do Senhor para nutrição durante o tem po no
deserto da nossa peregrinação. Tal como na pregação, se faltar esse
encontro com o Bom Pastor, a ovelha procurará outros meios para sua
alim entação.

Gratidão e ofertas

Não oferecem os um sacrifício pelo pecado, mas um sacrifício de


gratidão pelos pecados perdoados no único e com pleto sacrifício de
Jesu s o fere c id o de um a vez por todas na cruz. É um a o fe rta de
agradecim ento que trazem os.
Depois de uma oração geral de ação de graças, oferecida em nome
da congregação, o ministro convida o povo ao ofertório pelos pobres e
pelas viúvas. A refeição pactuai não apenas significa e sela a união que
temos em Cristo, mas, também, a união que temos com a totalidade da
igreja nele. Dessa mesa, o rico e o pobre se aproximam como simples
m endicantes - necessitados não só da ajuda de Deus, m as uns dos
outros. O pobre precisa do auxílio do rico, e o rico, do auxílio do pobre
para que possam servir a Cristo (Mt 25.31-46). Como extensão de “corpo
vivo”, a igreja primitiva (e as igrejas reformadas) visitava os prisioneiros,
os doentes e os impedidos de se congregar, trazendo-lhes a Palavra e o
pão e o vinho do culto p ú blico, m in istran d o -lh es a P alav ra e os
sacramentos como membros que são do mesmo corpo.
Observe como essa estrutura litúrgica constitui uma cena dentro da
peça, com sua própria unidade dramática. Ela se move da invocação
para a confissão e, daí, para a absolvição e para a intercessão; então, a
Palavra é pregada e feita visível na Ceia do Senhor. Deus está sempre
agindo sobre nós, operando arrependim ento e fé em nosso coração.
Que outra reação poderíamos ter senão a de um coração grato e a do
serviço em favor do próximo, em seu nome?

A bênção

F ora da estrutura da narrativ a dessa reunião pactuai, a bênção


poderia, facilm ente, tornar-se (como, freqüentem ente, ocorre) pouco
m enos que um ditado: “É findo o culto. A deus” . Aqui, porém , pela
últim a vez, D eus fala ao seu povo. A graça tem a últim a palavra,
enquanto o povo recebe a bênção de Deus por meio da imposição de
mãos do ministro. Essa expressão de bênção não só aparece através do
A ntigo Testam ento (principalm ente, na bênção aarônica), mas ela é
abundante nas cartas pastorais do Novo Testam ento, encerrando as
m is s iv a s que se rv ia m com o serm õ es a p o stó lic o s a se re m lid o s
publicamente nas igrejas ao redor do mundo. O povo do pacto deixa a
sala do tribunal com a certeza de que Deus lhes é favorável e de que
eles continuam sob sua bênção em vez de sob sua ira.

Pensamentos finais

As liturgias poderão ser implementadas para acomodar as circuns­


tâncias de tempo e lugar, mas os elementos terão de permanecer intactos.
Não processei aqui uma liturgia. M eramente delineei aquilo que acre­
dito serem os elementos necessários para a substância bíblica correta
do culto, enquanto, tam bém , ofereci um pouco do contexto circuns­
tancial e alguns exemplos que poderão ou não ser utilizados. Hoje ou­
vimos, e com freqüência, que um culto de adoração ordinário que con­
sista de sermão, sacram entos, orações e doutrinas não será atraente
para o povo. Enorme pressão é colocada sobre nós, especialmente quan­
do ministros vêem membros de sua igreja adernarem para a megaigreja
do final da rua. Algumas dessas igrejas erram em não reconhecer o
tesouro em vasos de barro que lhes foi confiado, confiando no poder
da tradição em vez de no poder do Espírito para transformar pecadores
através dos meios de graça. E muitas das m ega-igrejas e das igrejas
que as tentam im itar têm absorvido tradições mais recentes, dos últi­
mos cinqüenta anos ou mais, de maneira que perdem muito dos aspec­
tos do culto histórico, valiosos e baseados na Bíblia. Elas também es­
tão no rastro de tradições, mas de tradições determinadas pelo espírito
deste século.
Contudo, ambas, igrejas tradicionais e contemporâneas, geralmente
deixam de usufruir a verdadeira empolgação. Ambas falham em ver
onde está a v erd ad eira ação - o genuíno m in isté rio de “sinais e
maravilhas” que Deus opera a cada semana quando a Palavra é fielmente
pregada e os sacramentos, corretamente administrados. As igrejas, hoje,
não estão mais unidas em term os m inisteriais, porém, menos unidas,
uma vez que se desfizeram de liturgias mais próximas do texto bíblico
e que p ro p o rc io n a v a m u n id ad e su b sta n c ia l de um a id e n tid a d e
com partilhada pelas denominações. Talvez não precisem os fazer tudo
o que as igrejas do passado fizeram , mas, pelo m enos, deveríam os
refletir sobre o que estamos fazendo à luz da Escritura. Hoje, uma das
mais interessantes tendências é que muitos pastores estão elaborando
liturgias para suas igrejas, as quais antes eram não-litúrgicas. Em outras
palavras, eles estão, agora, sim plesm ente tornando explícitas as suas
pressuposições. Estão sendo mais deliberados e intencionais no trato
da questão e muitos deles estão investigando mais de perto as Escrituras
e comparando suas práticas correntes com as de outras tradições e de
outros períodos.
A coisa importante a ser considerada em tudo isso é que o culto de
adoração é o drama divino. Nele, o drama da redenção que se desdo­
bra na História agora é encenado como uma cena dentro da cena dian­
te de cada um de nós em nosso próprio tempo e lugar. Nisso, nos jun­
tam os a Abraão e Sara à mesa, com o seu grande Filho por m eio de
quem as nações e as famílias da terra são abençoadas. Com o coração
circuncidado, nos juntamos à nuvem de testemunhas que ansiaram pela
vinda de Jesus e pelo envio do Espírito. Não apenas um a vez, mas
semana após semana, anos após ano, década após década, vamos sen­
do refeitos por esse contradrama à medida que esse mundo m au e tran­
sitório cede lugar ao mundo vindouro.
D everia haver m uita liberdade aí, embora experim entos ecléticos,
quer na direção da igreja tradicional quer da contem porânea, devam
ser cuidadosamente verificados. Haverá uma liturgia em todas as igre­
jas em todos os lugares no próximo domingo. A questão é: serão cultos
bons ou m aus, deliberadam ente concebidos e entendidos ou apenas
seqüências de rotinas irrefletidas? Deveríamos nos deleitar com a aten­
ção renovada dada à adoração e à liturgia. Sobretudo, deveríamos ser
encorajados pela estratégia de crescim ento dos apóstolos: “Então, os
que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscim o
naquele dia de quase três mil pessoas. E perseveravam na doutrina
dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações... lou­
vando a Deus e contando com a sim patia de todo o povo. Enquanto
isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos”
(At 2.41-42, 47).
Dez
Estilo É Algo Neutro?

A teologia é prática, o que significa que não pode deixar de ser


recrutada para a, por assim dizer, “guerra dos cultos”. O propósito deste
capítulo, tal como do livro em geral, é pelo menos tentar ir mais fundo
nas águas turbulentas dos debates atuais, e encontrar as correntes bíblicas,
teológicas e culturais que, geralmente, não se encontram aí - qualquer
que seja o barco no qual nos achemos no momento. Será que Deus se
preocupa com o estilo? Será que as diferenças entre os cultos tradicional
e contem porâneo eqüivalem às preferências por um e outro ponto no
m ostrador do rádio?
Considere o seguinte cenário proposto pelo teórico de comunicações
de Nova York, Neil Postman:

É possível que, em breve, um homem de propaganda que tenha


de criar um com ercial de televisão para um novo vinho 4 a
Califórnia tenha a seguinte inspiração: Jesus está parado, sozinho,
num oásis no d eserto . A b risa suave b alan ça as fo lh as de
imponentes palmeiras por trás dele. Uma música lenta do Oriente
M édio acaricia o ar. Jesus segura uma botelha de vinho para a
qual olha com prazer. Então, voltando-se para a câm ara, diz:
“Isto é o que eu tinha em mente quando transformei a água em
vinho, em Caná. Experim ente ainda hoje. Você se tornará um
crente” .67

Uma vez que as salsichas Hebrew National já são vendidas com o


slogan: “Respondemos a uma autoridade superior”, Postman, ele m es­
mo judeu, conclui que o mencionado cenário não é tão fora de conside­
ração. “O que estamos falando aqui não mais configura uma blasfêmia”,
ele diz, “mas banalização, contra o que não existe lei” .68 Como aconte­
cia na Idade M édia, as pessoas, hoje, estão condicionadas a entender
im agens mais do que palavras - exceto os bites da inform ática que,
afinal, são mais como imagens do que palavras. “Uma figura, dizem,
vale mais que mil palavras. Porém mil figuras, especialmente, se elas
são figuras do m esm o objeto, poderão não dizer m uita coisa.”69 As
observações de Postman nos lembram por que Deus nos deu o segun­
do mandamento, proibindo imagens de Deus - e o terceiro, quanto ao
m au uso do seu nome. Isso também traz à mente a razão de os cristãos
serem chamados “o povo do livro” e não “o povo das imagens” .

Estilo é importante

Um problem a que deveríamos levar mais a sério é o de quanto o


nosso estilo não só reflete quanto m olda o conteúdo. Por exem plo,
Postman considera que os comerciais de TV raramente anunciam pro­
dutos, mas sim aqueles que os consomem. Extensas pesquisas de m er­
cado determinam o perfil de consumidores em potencial. “Imagens de
astros e estrelas do cinema e de atletas famosos, de lagos serenos e de
excursões de pesca, de jantares elegantes e de interlúdios românticos,
de famílias felizes acomodando coisas no carro, antecipando piqueni­
ques no campo — essas coisas, por si mesmas, nada dizem a respeito
dos produtos anunciados. Mas dizem muito a respeito de medos, m o­
das e anseios dos seus consum idores.” N esse tipo de cenário, diz
Postman, “o negócio de negócios se torna psicoterapia; o consumidor
é o paciente sendo reassegurado por meio de psicodram as” .70
O p ro b le m a c o m eça q u an d o não vem os p ro b le m a n e sse s
psicodram as, não vemos a sedução que ameaça nos fazer voltar para
“este transitório m undo m au” . Afinal, isso diz respeito a estilo, não a
substância, diz o tentador com a voz sensual de nossa estrela de cinema
favorita. De fato, poderemos, facilm ente, inserir Deus no psicodram a
da re a firm a ç ã o do m undo. O ex em p lo de P o stm an re a lm e n te se
c o n c re tiz a em n ossos o u v id o s, com o q u a lq u e r v isita n te de um a
convenção de livreiros cristãos poderá atestar. Slogans em prestados
dessas imagens de salvação seculares são estampados em quase tudo,
de camisetas e capas de CDs a toalhas e lençóis, versões mais extensas,
mas apenas um pouco mais substanciais, que adquirem status de livros.
O efeito não prem editado é o de esvaziam ento da nossa noção da
gravidade do problema. O peso de Deus (que é o significado do termo
glória, no hebraico) é sacrificado em favor da mediocridade banal que
veio a caracterizar um m undo dom inado pela propaganda e a igreja
que o tenta imitar. No estilo da cultura de mercado, nada pode ser sério
ou incôm odo - pessoas têm liberdade de escolha, você sabe, e têm
aprendido a mudar de canal ao menor sinal de diminuição do valor de
entretenimento. O critério para a mudança de canal é se a apresentação
está ou não interessante, não, se é verdadeira ou não.
O uso do term o psicodram a, feito por Postm an, cabe de m odo
m arcante no esquem a do “dram a divino” que temos seguido. Ambos
fazem ameaças e promessas, oferecendo maldições para oportunidades
perdidas, e bênçãos para os que aceitam a visão da realidade que
encenam . C ontudo, são rivais extrem ados presos em um com bate
acirrado. Contrário ao constante apelo à “tradução” do evangelho para
aquilo que é contemporâneo, os psicodramas de nossos dias e o drama
da redenção não podem ser transpostos, uma vez que o drama divino
presum e que os desta época evanescente são ingenuidades efêmeras —
necessidades m om entâneas percebidas - que Satanás usa para nos
m anter afastados da festa de casamento do Cordeiro.
P ara que se configure um a subversão da obra de D eus não é
requerido que as doutrinas cristãs cardeais tenham sido rejeitadas, como
m uitas das igrejas mais conhecidas têm pensado, e tolerado. Tudo o
que é preciso é que essas verdades se tornem tão triviais que cheguem
a não ser im portantes - m ais um a im agem passageira num m ar de
im agens efêm eras. E, se puderm os arranjar dinheiro para trazer um
ídolo do esporte para dar testem unho para os nossos jovens, tanto
m elh o r. T al com o o c o rre com a p ro p a g a n d a , não é o p ro d u to
(mensagem) que conta, mas a imagem daqueles que o usam.

O Estilo e o Caráter de Deus

Como vimos nos exemplos bíblicos daqueles que buscaram adorar


a Deus à sua própria maneira, em vez de adorar conforme a m aneira
prescrita por Deus, é sempre perigoso separar o como nós adoram os
(estilo), de quem nós adoramos (substância): o prim eiro e o segundo
m andam entos são inseparáveis.
Contudo, um ponto mais precisa ser m encionado nessa conexão,
isto é, a glória de Deus. Intim am ente relacionada à sua santidade, a
glória de Deus o distingue de tudo quanto existe. Kavod, o substantivo
hebraico traz a idéia de “peso” ou “pesado”. Nós também usamos esses
term os de m aneira intercam biável em nossa língua: um com positor
conceituado é uma pessoa “de peso” (na valoração pública e não em
medida física), e quando estamos diante de uma grande soma de novas
informações ou de verdades profundas, dizemos que se trata de material
“p esad o ” .
Isso, então, levanta uma questão importante. Se Deus é “peso” e
seu nome é “pesado”, se ele habita em ofuscante majestade envolta em
nuvem, se sua glória foi percebida como tão intensa e poderosa que
ninguém poderia jamais ver sua face e viver, e os profetas tem iam por
suas vidas quando entravam no Santo dos Santos uma vez por ano, o
que implica isso para o estilo com o qual o adoramos hoje?
Não estamos mais vivendo sob as sombras da lei cerim onial, mas
na realidade da aparência do nosso Salvador. Não chegamos ao monte
do terror, diz o escritor de Hebreus, mas adoramos no Monte Sião (Hb
12.18-24). Ainda assim, “nosso Deus é fogo consumidor”, e é por isso
que chegamos à sua presença por meio de “Jesus, o mediador da nova
aliança” (vs. 29, 24). Chegamos em confiança, mas não com frivolidade;
com alegria, mas não com familiaridade desrespeitosa. Nos apegamos
a Cristo como nosso interm ediário em vez de acessar diretam ente a
presença de Deus face a face, pois somos lembrados de quanto é temível
e de seu santo esplendor. Essa é uma experiência de culto distintamente
cristã.
Em alguns círculos cristãos, hoje, ouvem-se comentários como: “Não
gosto da igreja tal porque não há vida. E muito pesada e sobrepujante.
N ão tem um culto am igável” . É bem possível, é claro, que essas
acusações sejam testemunho da realidade e que tenham atingido o alvo.
E ntretanto, é possível que “v id a” , nesse contexto, signifique um a
atm osfera de concerto na qual volume, ribalta e luzes desem penham
um enorm e papel. “Peso” e “pesado” significam que há um senso de
transcendência não fam iliar à experiência das pessoas secularizadas.
“Amigável” significa casual. O estilo cultural nunca está dissociado da
substância teológica. Por isso é que Deus, levando sua glória a sério,
tomou a sério, também a sua adoração.
Se é que adoramos o Deus de Abraão e de Jesus, o estilo desse culto
será, necessariamente, “pesado”, terá “peso”. E não é o caso de que a
g ló ria de D eus seja, m eram ente, um atrib u to seu, ou que esteja,
exclusivam ente, identificada com sua santidade, justiça, m ajestade e
poder. Deus é glorioso em seu amor, misericórdia e afabilidade. Assim,
o culto bíblico implica o reconhecim ento de que, até mesmo, quando
estam os alegrem ente exaltando a proxim idade e a bondade de Deus
para conosco, é sempre uma proxim idade “pesada” e há sem pre um
“peso” de bondade que admiramos.
Não podemos louvar a Deus como ele é, quando esvaziamos a forma
de seriedade correspondente. Isso não significa, é claro, que não haja
júbilo na adoração, mas, sim, que existe uma distinção entre o sentimento
de alegria peculiar à visão atual e a visão bíblica de alegria como uma
agradável e “pesada” surpresa. Embora devamos nos precaver quanto
ao legalism o na aplicação desse princípio, será im portante para o
planejam ento dos cultos, do ambiente e dos sermões, que entendamos
que um estilo dom inado pela “ilum inação de si m esm o” já será uma
m en sa g e m re c e b id a p e la c o n g re g a ç ã o , na m a io ria das v ezes,
inadvertidam ente.

O Papel da Tradição

Como evangélicos, temos um compromisso com uma visão elevada


da Escritura, que sujeita até mesmo a tradição dos antigos — por mais
antiga que seja sua linhagem - à pedra de toque da fidelidade bíblica.
Ainda assim, muitos dos que estão envolvidos na liderança, hoje, são
aqueles que presenciaram a rebelião, peculiar aos anos de 1960, contra
a autoridade e a tradição, especialmente, com respeito à fé cristã. Às
vezes, até mesmo a presunção da autoridade bíblica em certos contextos
levanta a acusação de legalismo e de tradicionalismo autoritário. “Ei,
ei, ar, ar, a civ (civilização) ocidental tem de passar”71 — esse refrão
usado pelos estudantes em passeatas de revolta contra os clássicos
oferece um irônico paralelo no mundo evangélico no qual aquilo que é
do passado, só porque é do passado, é visto como elos de uma corrente
que refreia a liberdade de espíritos criativos.
Conquanto seja perigosa a generalização, tenho a impressão de que
o evangelicalismo, tipicamente, ignora a tradição evangélica, mas abraça
a tradição secular, o que é único na história do cristianismo. Ainda que,
segundo muitos, nenhuma época passada devesse ser considerada como
norm ativa (nem mesmo útil), o presente estado de “a cultura” parece
ter essa posição nas discussões sobre evangelismo, culto e crescimento.
Sem dúvida, há razões espirituais legítim as para isso, tal com o o
reconhecim ento de que a igreja é falível, e a certeza de que nenhum
período poderá ser visto como tendo sido “áureo” . O tradicionalism o
morto é, muitas vezes em maior grau, um mecanismo de disparo para o
surgim ento do antitradicionalism o. E ntretanto, não deveríam os nos
esquecer de que o desprezo da tradição (ou a ilusão desse desprezo)
reflete o espírito da tradição do Iluminismo. “O Iluminismo é a saída
do homem de sua imaturidade”, disse Kant. “Imaturidade é a inabilidade
para se usar o próprio entendim ento sem o auxílio da orientação de
outros.” Essa imaturidade é a alma dos apelos religiosos à autoridade
externa para a liberdade e soberania individual.72 K ant contrastou a
“religião pura” (moralidade universal) com “fé eclesiástica” (escrituras
particulares, credos e rituais), correspondendo, hoje, grosso modo, ao
freqüente contraste feito entre espiritualidade e religião. Dificilm ente,
“pós-m oderna” - essa atitude de auto-afirm ação contra a autoridade
ou sabedoria dos outros - é a posição tradicional da m odernidade, e
ela perm eia as perspectivas evangélicas do culto e do crescim ento da
igreja. Como os gnósticos do passado, muitos cristãos, hoje, consideram
a história do corpo de Cristo e de seus consensos doutrinários como
sendo pouco mais que o cárcere da alma. Observe a análise de Postman
sobre o ponto de vista moderno e veja se isso ajuda a entender nossa
própria capitulação ao espírito desta presente época. “T ecnopolia”
(.tecno, arte, ofício, indústria / poli, muito, diverso) é o nome do novo
regim e que controla as lealdades e empreendimentos do nosso tempo,
e a mídia é sua tática principal.

“V ivem os num a época” , Irving H ouse escreveu, “quando, de


repente, os sistemas m undiais reinantes que têm sustentado (e
d isto rc id o ) a vid a in te le c tu a l O c id e n ta l, das te o lo g ia s às
ideologias, estão sendo levados a um severo colapso. Isso produz
um clima de ceticismo, um agnosticismo crítico e, algumas vezes,
um niilism o cansado do mundo, em que, até mesmo as mentes
m ais convencionais com eçam a questionar tanto as distinções
quanto o valor das distinções” . N esse vazio surge a história
“tecnopólica”, com suas ênfases em programas sem limites, em
direitos sem responsabilidades e em tecnologia sem custos. A
história tecnopólica não apresenta um centro moral... Ela põe
de lado todas as narrativ as e sím bolos que possam sugerir
estabilidade e ordem , e conta a vida de habilidades, perícia
técn ica, e o êx tase do consum o. Seu p ro p ó sito é p ro d u zir
funcionários para a tecnopolia em andam ento.73

Qualquer cultura local em particular tem de se render à cultura global,


enquanto formas de m úsica folclórica cedem lugar ao estilo popular
tecnologicamente mais à disposição; os padrões seculares de vida urbana
(igreja, lojas, o centro governamental e a escola) na cidade verde secam
por causa da aridez dos grandes shoppings que vão sendo erguidos.
Por que membros quase vitalícios de igrejas pequenas nas quais todo
mundo se conhece (talvez de mais) não deveriam trocar responsabilidade
por anonimato quando uma megaigreja é aberta no complexo comercial
vizinho? Um pastor de uma megaigreja é citado como tendo dito: “O
que o povo exige hoje é, provavelmente, m uito mais do que a igreja
p od eria o fere c er” .74 A tecnopolia com anda tanto o espetáculo em
nossos dias que não podemos imaginar por que o crítico mais pedante
q u e stio n a ria sua sabedoria e bem -su ced id a p rovidência. P ostm an
acrescenta:

N a form a como é tomada no mundo ocidental, a propaganda é


sintom a de um a cosm ovisão que considera a tradição com o
sendo um obstáculo às suas reivindicações. Não poderá haver, é
claro, nenhum senso funcional de tradição sem que haja uma
m edida de respeito por sím bolos. A tradição é, de fato, nada
m ais que o reconhecim ento da autoridade dos sím bolos e a
rele v ân c ia das n arrativ as que dão à luz. C om a erosão dos
símbolos segue-se a perda da narrativa, o que é uma das mais
debilitantes conseqüências do poder tecnopólico. Tom em os o
e x e m p lo da ed u c aç ã o . N a te c n o p o lia , im p lem e n ta m o s a
educação dos nossos jovens, m elhorando o que é cham ado de
“aprendizado tecnológico”. Atualmente, considera-se a colocação
de computadores em cada sala de aula como antes se considerou
c o lo c a r c irc u ito fec h a d o de te le v is ã o e cin em a nas salas
escolares. A questão: “Como deveríamos fazer isto?” - a resposta
dada é: “Para tornar a aula mais eficiente e interessante”. Essa
resposta é considerada inteiramente adequada, um a vez que na
tecnopolia, a eficiência e o interesse não precisam de justificação.
Geralmente, ninguém nota que essa resposta não atinge a questão:
“Qual a razão do aprendizado?” “Eficiência e interesse” - essa
é uma resposta técnica, uma resposta sobre os meios e não sobre
os fins.75

Os p aralelo s d isso no m undo da ig reja e seus m in isté rio s são


incontáveis. Assim como no caso das “novas medidas” do reavivalismo,
aqueles que são mais sofisticados na tecnologia de m ercado da igreja
não têm de justificar seus esforços segundo os quais a média dos filhos
da aliança, mais ou menos aos 12 anos, estará apta para “com prar” a
id é ia do pacto . É m ais p ro v á v e l que ele ou e la , co m o G allu p
repetidamente nos adverte, será mais capaz de nomear as renas do Papai
Noel do que os doze apóstolos. Talvez falte inteiramente o conhecimento
básico da Bíblia - isso, falando de seu enredo principal; quanto mais
dos detalhes específicos. Não obstante, o ritm o prossegue, um a vez
que isso já se justificou em termos técnicos: eficiência e interesse.
O que eles não dizem é que o interesse declinará logo que surja algo
“novo” e que a em polgação se desgastará quando chegarem os anos
de faculdade. A juventude tem sido ensinada a valorizar o novo e
implementado em detrimento do que já foi tentado e testado, de maneira
que, ironicam ente, poderá ser que os grupos jovens estejam sendo
preparados como ovelhas para o matadouro. Não é de admirar que, à
m ed id a que a m a d u rec e m na sua re fle x ã o so b re o m u ndo, e le s,
sim plesm ente, percam o interesse por aquilo que entenderam com o
sendo o cristianismo. A nova geração exibe uma atitude de alienação
da igreja ante os nossos próprios olhos, até mesmo nas igrejas que se
orgulham de alcançar o não-afiliado.
A banalização, em nom e do evangelism o, estende-se ao próprio
culto, onde vinhetas superficiais e repetitivas - muitas delas, notada-
mente, semelhantes às vinhetas dos comerciais ou seguindo a tendên­
cia da m úsica popular - vão lenta, mas inexoravelm ente, erodindo o
investimento feito em gerações de crentes cristãos ao longo das épocas
e ao redor do mundo. Por fim, nos acharemos presos ao mesmo mundo
estreito e superficial de psicodram as efêm eros que supúnham os ter
abandonado quando, no início, provamos “os poderes do mundo vin­
douro” (Hb 6.5). Ironicam ente, m uito do culto contem porâneo tem
menos potencial de alcance, uma vez que opera dentro de um estilo
fechado (ainda que muito disseminado) conhecido como estilo “pop” .
Especialmente entre as igrejas das nações menos “desenvolvidas” (note
o preconceito), é mais provável que se encontre maior unidade de ex­
pressão cruzando as linhas denom inacionais, geográficas, étnicas e
socioeconôm icas.76
Cada vez mais as tecnologias de culto tomam o lugar da dura tarefa
de se ouvir a Palavra pregada e de se juntar a igreja no céu e na terra
em fiel recepção do alto e entrega ao m undo. A lgum as vezes, será
nossa a falta no ouvir, e os pastores precisarão, com freqüência, resistir
à tentação de capitular à tendência do mercado. Um amigo pastor contou-
m e, recentem ente, que em sua igreja, form ada em grande parte por
um a população universitária, porta-voz autodesignado falou-lhe em
nom e desse grupo, dizendo que os estudantes não conseguiam m ais
prestar atenção a um sermão de trinta ou quarenta minutos. A resposta
do p a s to r fo i in te re ssa n te : “N ão é v e rd a d e iro que as au las na
universidade têm perto de uma hora de duração?” “Sim”, respondeu o
estudante. E o pastor continuou: “E eles tomam notas todo o tempo e
ainda revêem essas notas para as provas que avaliam sua compreensão
da matéria dada?” “E claro”, respondeu o estudante, sorrindo ao se dar
conta de onde a analogia iria chegar. Se a preleção é ainda um uso
comum nos diversos segmentos do interesse humano e do conhecimento
em geral, por que isso teria de ser obsoleto para a igreja? Seria porque
nós simplesmente pensamos que a religião é menos importante do que
essas outras disciplinas? Não são apenas os estudantes universitários
que têm usado esse formato para apresentações públicas. Pense a respeito
das igrejas antiescravagistas e sobre o papel da Palavra pregada como
o centro retórico da igreja negra - até mesmo nos lugares onde poucos
tiveram oportunidade de receber uma educação formal.
Empacar na estrada seria uma maneira fácil de se reagir a essa crise,
m as o conservadorism o preguiçoso não deveria achar m ais guarida
entre nós do que o cativeiro cultural. Teremos de voltar além e mais
fundo do que muitos conservadores estariam interessados em ir - voltar
não apenas para antes dos hinos evangélicos de reavivam ento, mas
para águas mais fundas. Para isso precisaremos lançar nosso barco às
águas em busca das cidades perdidas e submersas. Precisaremos contatar
as igrejas do passado e aprender de seus erros e de sua sabedoria superior
a respeito das coisas de Deus. Talvez seja necessário elaborar formas
litúrgicas frescas, e fazer muitos novos arranjos para os salmos e hinos
- in clu in d o novas letras - com o as que já estão surgindo e que
demonstram grande familiaridade com a nossa herança sem se deixarem
escravizar a ela.
Estilo não é neutro. Cícero nos faz lembrar que cada cristão deveria
ap ren d er da E sc ritu ra que “perm an ecer ignorante das co isas que
aco n te c era m antes que tiv éssem o s n ascid o é 77perm anecer sendo
criança” . O m arketing jovem , com seus m ecanism os de propaganda
(“Este não é o Oldsmobile do seu pai”) e de entretenim ento, ambos
m ecanism os que usam segm entos etários com o m eio de criar dois
m ercados separados para um m esm o produto, é transportado para a
igreja. Isso não é exatamente o que Jesus tinha em mente quando disse
que pais e filhos se oporiam entre si. De fato, nada poderia ser mais
destrutivo para a urdidura do dram a divino do que considerar como
neutro, esse rompimento dos laços que nos unem como povo de Deus
cham ado para fora do m undo. U m a vez m ais, estilo se torna uma
questão teológica.
As análises estatísticas de tendência dos consum idores não são
previsões neutras, e am eaçam tornar-se novos senhores, ditando os
term os do discurso cristão. “Um burocrata arm ado de com putador” ,
Postm an disse: é o legislador não reconhecido de nossa época e um
jugo difícil de se carregar... Fico adm irado de quão servilm ente as
p e sso a s a c eita m e x p lan açõ es que com eçam com as p a la v ras: ‘o
computador revela que...’ Isso é o equivalente tecnopólico da expressão:
‘É a vontade de D eus’, e o efeito é, grosseiramente, o mesmo.”78 Uma
das razões pelas quais o veio principal do protestantism o desviou-se
para o liberalismo foi a mudança de autoridade, da corte da igreja para
a dos burocratas. Não é de admirar, então, que se agrupem numa mesma
vizinhança, pois eles todos tendem a ser o mesmo tipo de pessoa. Pouca
diferença faz se os burocratas são presbiterianos, luteranos, reformados,
episcopais, batistas ou metodistas.
H oje, poderá bem ser o novo em presário, e não o proletário, se
houver oportunidade, que irá destruir o que restou do protestantism o
Ocidental. Não importa muito a que tradição teológica uma denominação
pertença, uma vez que todas já foram “desteologizadas” por aqueles
que nos disseram que o estilo é neutro e que suas técnicas de crescimento
de igreja são “ateológicas”. O que eles estavam realmente dizendo era
que seu estilo neutralizaria as apresentações distintivas de qualquer
igreja em particular e teriam uma teologia distorcida como determinante
desse estilo.
Em gerações passadas, o estilo de culto distinguia, imediatamente,
uma igreja da outra, em razão de diferentes entendimentos teológicos;
hoje, um visitante num a igreja reform ada, batista ou luterana poderá
pensar que está num shopping espiritual genérico. Estilo não é neutro,
e se temos de compartilhar um estilo orientado ao mercado, é porque
estam os oferecendo no m ercado - pelo m enos, em relação ao que é
m ais im portante - a teologia do nosso encontro com Deus. V am os
ficando mais e mais unidos não por nossa concordância com a verdade,
mas pelas m arcas registradas das com panhias das quais adquirim os
nosso m aterial de culto, m uitas delas, subsidiárias de corporações
seculares. Mais e mais, nossa música, arquitetura, mobiliário e tecnologia
se fundem num testem unho hom ogêneo do elogio à banalização da
v erd ad e e à cu ltu ra do en treten im en to e de m ercado que, agora,
tom aram -se a mesma coisa.
Há alguns anos, M arshal M cLuhan fez a conhecida observação de
que “o m eio é a m ensagem ” . Esse é o ponto crucial aqui. E stilo e
conteúdo não poderão ser divorciados da mesma m aneira que o corpo
não foi criado para se divorciar da alma. Nesse último caso, a separação
está associada à m orte, a qual está relacionada ao pecado. As coisas
não são como foram criadas para ser, e elas não perm anecerão como
estão depois da ressurreição do nosso corpo. Assim como o corpo físico,
o estilo é uma questão de visão, audição, tato, gestos, posturas. Embora
seja verdadeiro que o culto não consiste de prescrições concernentes a
nenhuma dessas coisas, elas também não são meras cortinas de janelas.
Quando foi ordenado ao povo de Deus: “Vinde, adoremos e prostremo-
nos; ajoelhem os diante do Senhor, que nos criou” (SI 95.6), o povo
obedeceu. E quando ele é solicitado a apresentar o “corpo por sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus, que é o... culto racional” (Rm 12.1),
estava excluída a possibilidade de separação entre estilo e substância.
Conquanto não se trate de uma sugestão para que exibam os todos os
mesmos movimentos corporais que encontramos retratados na Escritura,
é verdadeiro que a tentação gnóstica de se colocar adoração espiritual
contra tudo aquilo que é físico deverá ser visto com suspeita. A maneira
c o n c re ta po r m eio da qual adoram os a D eus não é apenas um a
implicação do conteúdo em que cremos a respeito de Deus, mas é parte
desse mesmo conteúdo. Querer separar estilo de conteúdo não é apenas
como divorciar o corpo da alma; é como se disséssem os que alguém
poderia obedecer ao prim eiro m andam ento enquanto transgredisse o
segundo.
Nossa situação se assemelha, de algumas maneiras, à confusa época
da história de Israel sob os juizes, quando “Naqueles dias, não havia
rei em Israel; cada qual fazia o que achava m ais reto” (Jz 17.6). O
Israel de hoje, porém, tem um rei sobre si, ainda que busque todo lugar
alto para cometer adultério, como acusavam os profetas. A injunção de
Jeremias 10.2: “Não aprendais o caminho dos gentios, nem vos espanteis
com os sinais dos céus, porque com eles os gentios se atem orizam ”,
não nos soa com o um a advertência direta, mas talvez devesse soar
exatam ente assim.
A questão não é entre ter uma tradição ou não. Todo mundo é “tra­
dicional” no sentido de ser formado por certas pressuposições. Exata­
mente isto: todos têm tradições e, se não refletirmos sobre elas, acaba­
rem os vivendo como se elas fossem' verdadeiras e desprezarem os as
verdadeiras, sob a alegação de que são ridículas. Ninguém se aproxi­
m a da B íblia de m odo neutro, como um espectador objetivo. Todos
nos aproximamos dela com interesses, medos e um tanto de expectati­
vas sobre o que temos ou não a dizer. A Escritura é rápida para desfa­
zer o arranjo do nosso jardim , mas nós temos um jardim e vivem os
nele. A questão real, então, é qual tradição, e não se temos uma tradi­
ção. Estarem os sendo m oldados por uma tradição bíblica distinta ou
pela tradição do consumismo? Isso não quer dizer que todas as ques­
tões são resolvidas quando se opta por uma tradição bíblica. Há ainda
outras qualificações: qual a tradição do cristianismo? Essas todas não
são questões triviais, pedantes. Elas determ inam se seremos passivos
ou ativos na vida cristã e, para muitos leitores, no ministério cristão -
querendo ou não, seremos sempre m oldados por tradições, seculares
ou eclesiásticas, que jam ais entendemos muito bem, que não dom ina­
mos,. e que quase nunca exam inam os criticam ente. Jaroslav Pelikan
captou a essência do que considero ser o tipo correto de pensam ento
tradicional: “Tradição é a vida de fé dos que já morreram, tradiciona-
lismo é a morte da fé dos que estão vivos”.79

O Que Dizer sobre o Cenário?

Tenho elaborado a idéia de que nem o conteúdo nem o estilo de


culto são neutros; ambos serão m oldados quer pela Escritura (a qual
requer tem po e atenção próxim a dos detalhes teológicos - o tipo de
coisa que se desenvolve em séculos de sabedoria cristã) quer pelo
mundo (o qual, em nossos dias, requer apenas consciência dos desejos
mais prementes e das tecnologias para satisfazê-los). Entretanto, o que
dizer sobre o cenário? Como em qualquer palco de teatro, o cenário é
importante. Poderá não ser essencial para a apresentação bem-sucedida
da peça, mas cria o ambiente adequado para a seqüência das falas e do
enredo.
Sem elhantem ente, o projeto arquitetônico e o m obiliário não são
essenciais em termos da própria existência da igreja. Quando a mulher
samaritana perguntou a Jesus se o verdadeiro Container para Deus estava
em Samaria ou em Jerusalém, o verdadeiro Templo que estava diante
dela respondeu: “Mulher, podes crer-me que a hora vem, quando nem
neste monte, nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não
conheceis; nós adoramos o que conhecem os, porque a salvação vem
dos ju d eu s. M as vem a hora e já chegou, em que os v erdadeiros
adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes
que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que
os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.21-24).
“E spírito”, nesta passagem, deveria se escrever em inicial maiúscula,
pois se refere ao Espírito Santo. Dessa maneira, Jesus não quis se referir
a nossos espíritos, como tem sido freqüentemente usado para justificar
quase tudo, sob a alegação de que ajuda em nossa conexão interna
com Deus. Antes, ele disse que a adoração da nova aliança, na qual o
Espírito Santo seria derram ado sobre toda a comunidade, não estaria
relacionado a nenhum lugar, como ocorria na teocracia mosaica. Seria
um reino universal, no qual Deus, finalmente, habitará com seu povo e
sua glória se estenderá até os confins da terra.
Essa passagem , portanto, deveria barrar qualquer esperança de se
reentrar no templo em Jerusalém para reestabelecer o domicílio espaço-
tem poral de Deus. Jesus Cristo é o tem plo vivo em quem nós, como
seus co-herdeiros, somos pedras vivas. Deus não deveria ser procurado
em templos erguidos por mãos humanas. Ele é encontrado onde duas
ou três pessoas se reunirem em seu nome para ouvir a Palavra, participar
do sacramento e para orar. O povo de Deus já tem cultuado ao Senhor
em cavernas e em catedrais, mas a presença de Deus não poderá ser
associada a nenhum desses lugares.
Contudo, a Palavra, os sacram entos e as orações com põem uma
form a de cenário, especialm ente, quando consideram os mais atenta­
m ente o drama que está sendo encenado por m eio dessas ações con­
cretas. Aí, Deus reúne seu povo, em seu santo Monte Sião, para deliciá-
lo com as histórias de suas vitórias sobre os inimigos e sobre a própria
rebelião. Se a época vindoura irrompe aqui, entre nós e em nós, certa­
m ente ela apresenta certos padrões e arranjos, uns mais adequados do
que outros. Aí Deus levanta sua bandeira sobre o povo e reivindica a
posse dele para si, prom etendo proteção perm anente a todos os que
invocam o seu nome. A ssim como vimos no grande culto diante da
Porta da Fonte após o retom o do exílio, Neemias teve um púlpito ele­
vado acim a do povo, sem dúvida para realçar o fato de que Deus, o
próprio Deus, estava conclamando o povo e se dirigindo a ele por meio
de Esdras. O povo se ajuntou para ouvir a Palavra, não no mesmo nível
que ela.
D urante séculos, as igrejas ao longo do espectro denom inacional
têm erguido púlpitos. Até mesmo nas igrejas católico-romanas, onde o
altar m aior é o ponto focal, um púlpito elevado foi erguido acima do
povo para a entrega do serm ão. N ão nos surpreende, p ois, que a
Reforma, em sua recuperação da Palavra pregada, tenha dado revigorada
preeminência ao púlpito. Junto com a fonte (batismo) e a mesa ou altar
(Santa Ceia), o púlpito perm aneceu elevado acim a da congregação,
enquanto o m inistro foi colocado sob a Palavra pregada. Essa prática
recebeu suporte eclesiástico durante muitos séculos, mas foi, depois,
posta em dúvida, primeiro pelo movimento reavivalista, o qual trocou
a plataforma pelo palco e, agora, pelo uso mais explícito do palco que
inclui tudo o que esse nome indica.
Nas igrejas mais antigas, existe ainda um mobiliário característico -
pesado e difícil de ser m ovido - com uma razão de ser. Aqueles que
não conseguem ver além dos próprios preconceitos falham ao não se
perguntarem sobre essa razão, mas, quer alguém concorde quer não,
e ssa raz ã o tem pon to s im p o rta n tes. E m A M onth o f S u n d a y s, a
personagem de John Updike seguiu os passos de seu pai no ministério,
m as rejeitou seu protestantism o liberal. O m obiliário foi que o fez,
prim eiro, repensar as coisas, escreveu U pdike. O próprio peso dos
móveis sugeriu-lhe a verdade de que o liberalismo, por isso mesmo, os
considerava obsoletos — eram muito pesados.80 Certamente, na atitude
deliberada e dogmática sobre o cenário do culto, existe o perigo de se
p erder de vista o propósito real da adoração e de se tornar a vida
indevidamente dificultosa para os outros. (Mais divisões de igrejas têm
ocorrido, provavelmente, por causa de campanhas de construção, estilos
m usicais e com issões de ornam entação do que por causa de ensinos
falsos.)
Haverá sempre velhos edifícios de igrejas que apresentarão formas
esteticamente atrativas, mas que serão “lares” inadequados para o culto
bíblico. Ainda assim, deveremos nos lembrar de que as igrejas góticas
medievais foram convertidas para o uso protestante pelos reformadores;
elas não foram destruídas. A mesma combinação de conservadorismo
teológico e imaginativo poderá trazer enorme sabedoria para nós, hoje,
quando estilos arquitetônicos tendem a se afastar na direção de um
palco e de um cenário de teatro. (Seja lá o que alguém diga em sua
d e fe sa , o e s tilo de te a tro do “c e n tro de a d o ra ç ã o ” im p lic a um
rom pim ento radical com a arq uitetura de igreja em favor de um a
arquitetura de entretenimento.) Além disso, tem havido alguns projetos
arquitetônicos maravilhosos de edifícios de igrejas com estilo moderno
ou pós-m odem o que continuam a expressar, fielmente, a form a visual
dos valores bíblicos da Palavra e dos sacramentos no culto. Geralmente
é difícil fazer-se a distinção exata entre onde os valores findam e onde
os gostos começam, mas, ainda assim, deveríamos, parece-m e, traçar
uma linha divisória entre o absolutism o estilístico (“Somente o estilo
gótico capta a transcendência!”) e o desrespeito generalizado pelo
a rra n jo do c e n á rio no qu al o d ram a d iv in o é e n c en a d o em sua
apresentação semanal.
Um cenário no qual a preeminência arquitetural é dada à Palavra e
aos sacram en to s re fle tirá um a o rie n taç ã o te o ló g ic a d ife re n te da
orientação de um cenário no qual predom ina a influência da sala de
projeção cinematográfica ou da sala de concertos musicais. A despeito
do benefício de ter aberto as portas para uma revisão do cristianism o
histórico, o mal da obsessão ilum inista com a remoção do passado e
com um novo começo a partir dos insights do homem moderno corre
célere nas veias das igrejas modernas. Poucos devotos do “novo” e do
“m elhorado” se perguntam: “Por que isso está aqui e aquilo, ali?” São
com o os radicais nos tem pos da R eform a, os quais, sim plesm ente,
queim avam as velhas igrejas e insistiam em com eçar das fundações,
seguindo suas pró p rias visões utópicas. A g eração que d erru b o u
m arav ilh o so s m arcos histó rico s p ara d ar lugar a grandes centros
com erciais está, agora, a serviço da igreja, colocando um desafio à
ecologia do povo pactuai de Deus.
O nde o p ú lp ito , a m esa da C om unhão e a fo n te b a tism a l são
preeminentes e fixos, o mobiliário está aí por uma dada razão e deveria
ser m udado apenas por outra igualm ente boa. A atitude que leva a
dizer: “eles estão atravancando o caminho” talvez indique a presença
da impressão de que os meios de graça estejam atravancando o caminho
dos meios extraordinários que nós mesmos descobrimos. Qualquer que
seja o desenho e o estilo, o interior da igreja deveria ser distinto do
interior de um teatro, assim como do exterior de um templo de sacrifício.
O m obiliário e o arranjo arquitetural das igrejas, “tradicionais” ou
“c o n tem p o rân eas” , têm p ressu p o siçõ es teo ló g icas, algum as delas
explícitas e outras, implícitas. Algumas são óbvias: só de se entrar numa
igreja católica romana, percebe-se que o “evento maior” do culto ocorre
quando o sacerdote oferece Jesus Cristo, de novo, como sacrifício pelos
pecados do povo. Só de se entrar num a igreja b atista tradicional,
percebe-se a importância da pregação e do coral, e da prática distintiva
do batism o por imersão por m eio da colocação do grande tanque no
centro e atrás do púlpito. Só de se entrar numa igreja luterana tradicional,
ou reformada, ou presbiteriana, ou metodista, percebe-se que a pregação
e os sacramentos são ambos importantes e centrais. Finalmente, poder-
se-á distinguir se uma igreja episcopal é da igreja “alta” ou “baixa” por
m eio de se perceber onde recaem suas ênfases: as congregações da
“igreja alta” são mais identificadas com a teologia católico-rom ana,
enquanto as congregações da “igreja b a ix a ” tendem a aderir à ala
evangélica da tradição anglicana.
Da mesma maneira, pode-se saber quando se está numa “igreja nova”
do tipo “comunidade”, qualquer que seja sua afiliação denominacional.
O palco, o coro, os instrum entos, a tela de projeção e o cenário de
teatro estão ali, à mostra. O edifício, geralmente, terá sido construído
com propósito de ser um local de entretenim ento, sugere o cenário a
despeito da intenção. A pregação, se é que há um padrão de sermão, é
entregue de um estande de partitura m usical ou durante andanças no
meio da audiência. A mensagem implícita nesse arranjo é, muitas vezes,
a de que a pregação não é um meio de graça, uma convocação divina
e um encontro no qual Deus fala palavras de morte e de vida por meio
da boca do ministro, mas uma ocasião para o pregador palestrar, inspirar,
persuadir, entreter, exortar ou oferecer suas opiniões sobre como lidar
com a vida com a ajuda de Deus. Em muitos periódicos do movimento
de crescim ento de igreja, nos últimos anos, o apelo para a troca dos
púlpitos por estandes é acompanhado de argumentos “teológicos” . As
pessoas não querem ouvir “serm ões”. Querem sentir que seu pastor é
um deles, vulnerável, um amigo que tem algo a dizer que talvez ajude
ao longo do caminho. M as esse raciocínio teológico é incongruente
com as pressuposições teológicas que tem os delineado neste livro.
Concordando ou discordando da linha seguida, deveríamos ser capazes
de reconhecer que estilo não é neutro.
Geralm ente, a “nova igreja” m ostra, tam bém , pouca preocupação
com a importância e o caráter dos sacramentos na vida comum da igreja.
Interessantemente, conquanto os batistas e os que praticam o batismo
infantil discordem entre si, até m esm o fortem ente, ambos dão lugar
preem inente à fonte batism al. Na “nova igreja”, porém , geralm ente,
não há sinal visual de que Jesus jam ais tenha dito: “... fazei discípulos
de todas as nações, batizando-os em nom e do Pai, e do Filho, e do
E spírito Santo” (M t 28.19) ou de que tenha instituído a Ceia com o
meio de comunhão na sua carne e no seu sangue (1 Co 10.16). Abundam
outros símbolos, dando evidência de muitas outras coisas não prescritas
na E scritura e que, não obstante, são tratadas como sendo m eios de
graça. Estilo não é neutro.
Deixe-me enfatizar que não estou endossando a “velha igreja”. Em
um a e outra há velhos erros assim com o há novos insights, e vice-
versa. Além disso, alguns, hoje, defendem a “velha igreja” por razões
tão culturalm ente determ inadas com o as da “nova igreja” . O que é
único a respeito de nossa situação atual é a em ergência de um novo
estilo autoconsciente, antiteológico ou, pelo menos, não teologicamente
deliberado quanto à arquitetura, projeto e m obiliário. Até m esm o em
igrejas nas quais os distintivos teológicos são levados a sério, essas
decisões são tomadas em função de razões inteiramente pragm áticas,
derivadas da experiência de pastores ou de comissões de construção.
M uitas igrejas conservadoras tradicionais, freqüentemente subestimam
a im portância desses aspectos, contando com a instrução doutrinária
p ara c a rre g ar todo o peso. E nquanto o palco “c o n tem p o rân eo ” é
confusam ente teatral, o palco “tradicional” é, geralmente, antiteatral,
em vez de ser intencional quanto ao tipo de drama que se apresenta ali.
A escolha não é entre drama ou não drama, mas qual o tipo de drama?
Um drama que Deus está encenando para a redenção de um povo, ou
é o dram a que estam os encenando para Deus e para os hom ens? O
espetáculo deve sempre continuar, mas qual espetáculo?
Segue-se uma série de questões sobre as quais talvez nem tenhamos
pensado, mas das quais nossos antecessores e muitos dos nossos irmãos
ao redor do m undo trataram e tratam : Será que o m obiliário e sua
distribuição anunciam que Deus está no palco conosco? Por que temos
bandeiras, pendões e faixas, bem à frente onde a ação se desenrola?
Será que se trata da lenda da nação cristã ou trata-se da efetiva criação
da comunidade de Pentecostes - fam ílias de muitas línguas e nações
que vieram à Jerusalém do alto? O que o forro sugere: tão alto que não
sugira quê Deus veio a nós em Cristo, ou tão baixo que não sugira que
Deus é santo e transcendente? Obviamente, opiniões variam muito - e
deverem os estar atentos para não nos tornar legalistas acerca dessas
implicações de como as formas testificam adequadamente, por exemplo,
a proximidade e a transcendência de Deus. Mas temos de começar, de
novo, a fazer as perguntas adequadas a fim de promover uma reforma
do culto em nossos dias.

M úsica é importante

Já tendo entrado no campo minado da guerra dos cultos, temos


de chegar à linha de frente. Uma das coisas irônicas sobre a situação
atual é que, em bora se fale tanto sobre a capacidade de atração da
música para a reunião da igreja, parece que ela tem sido elem ento de
divisão mais vezes do que doutrina, visão de sacramentos ou posturas
litúrgicas. Tem havido trágicas divisões na história da igreja sobre
d o u trin a s secu n d árias, m as a d isc o rd â n cia a resp e ito do c u lto -
especialmente, sobre o estilo — tem aberto feridas no corpo de Cristo.
Antes, havia diversas tradições eclesiásticas maiores, mas, hoje, cada
d e n o m in a çã o tem suas p ró p ria s d iv isõ e s in te rn a s em term o s de
“c o n s e rv a d o re s ” e “p ro g re s s is ta s ” . De fato , a tu a lm e n te , m u itas
congregações estão divididas segundo linhas de consumo, cada nicho
de mercado com seu culto dominical.
M uitos dos hinos mais antigos são tão contemporâneos como eram
quando foram compostos porque são ricos em termos de Escritura e,
afinal, os salmos são divinamente inspirados. Porém, muitos dos textos
desses hinos antigos, até mesmo aqueles com textos dos salmos, e suas
m elodias, precisam de revisão. Além disso, precisam os de novos hi­
nos, e parece que Deus está levantando novos cânticos de fora dos
canais usuais das produtoras conhecidas. Para muitos de nós, a separa­
ção “tradicional” e “contemporânea” não serve mais para fechar o de­
bate. Não queremos ser “tradicionais”, se isso significar que não que­
remos algo novo, e não queremos ser “contemporâneos”, se isso signi­
ficar imitação barata do “som gospel”, com letras vazias e repetitivas.
Além disso, um número crescente de cristãos já se mostra impaciente
com o conservantismo reacionário que se recusa a utilizar outro instru­
m ento que não seja o órgão e, até mesmo aceitando, de vez em quan­
do, o canto de tema e estilo mais moderno. Evidentemente, “tradicio­
nal” , para alguns, significa nostálgico, e eles se apegam ao som con­
tem porâneo de outrora, tão românticos e centrados em nós quanto os
mais recentes.

A M úsica e a lógica do Marketing

A questão, aqui, é que há um cam inho m elhor, além do im passe


tradicional-contem porâneo. Para nos m over nessa direção, porém, te­
rem os de considerar aquilo que im pede nosso avanço. A lógica do
mercado tem nos tomado como reféns de sua segmentação. Quando a
propaganda, a princípio, descobriu o rádio e, depois, a televisão, como
veículos lucrativos, a sociedade ainda estava conectada em term os de
gerações. Geralmente, os avós viviam com os netos aos seus pés. Até
m esmo os cemitérios em terrenos das igrejas eram preferidos à em er­
gente indústria de cem itérios, dando suporte à ligação com unal, até
com os m ortos, os quais, um dia, hão de ressuscitar. Os produtos
eram m arcados pelo que consideram os agora como sendo um apelo
extem porâneo à lealdade de produto, uma m istura banal de tradicio-
nalism o e sentim entalism o: “Isto foi bom bastante para a sua avó” ;
“De volta à velha religião”. Por mais triviais e superficiais que essas
expressões possam parecer, a cultura da propaganda ajudou a form ar
o m ercado orientado às gerações, que vemos ainda efetivo nas ven­
das atuais.
E ntretanto, um a explosão de m ercados nas décadas subseqüentes
tem criado uma diversidade desconcertante de produtos e serviços que
podem ser vistos ao nosso redor. Isso não é errado em si mesmo, é
claro, mas como nos lembra o sociólogo Peter Berger, significa que a
sociedade atual tornou-se obcecada com a possibilidade de escolha.
Como já consideramos antes, ele chegou a chamar isso de “imperativo
h e ré tic o ” , um a vez que o term o haeresis (“escolha”) é usado para
identificar aqueles que escolhem seguir suas próprias opiniões e desejos
em vez de a Palavra de Deus. Todos somos hereges, hoje, argumenta
Berger, porque não há uma herança estável que passe de uma geração
a outra, nenhuma norma de autoridade da qual não se possa desviar.81
Assim, em vez de promover as vendas na base da lealdade ao produto
(“Isso foi bom bastante para a sua avó”), apela-se para a escolha pessoal.
Tem de haver uma afirmação da individualidade, o que é o mesmo que
dizer que a identidade de alguém (ou identidade almejada) se reafirma
à parte de qualquer comunidade: “Este não é o Olsmobile do seu pai”.
Com o é que os propagandistas sabem que esse apelo nos alcançará?
Porque somos consumidores que, agora, apreciam a escolha mais que
a interação, consumo mais que produção, e imagem mais que substância.
E quase inconcebível, para muitos de nós, que milhões de pessoas
em nossa sociedade passassem um dia inteiro juntas (o sábado era um
dia para sociabilidade entre todas as denominações) sem se dividirem
em faixas etárias. Os filhos se assentavam com seus pais e avós na
igreja e passavam o dia com seus amigos membros da igreja. É claro
que as crianças brincavam juntas, e os homens e mulheres se ajuntavam
com as pessoas do mesmo sexo-. Contudo, era o tipo de coisa que ocorria
natu ralm en te, não com o sociedade organizada, até o advento das
“ S o c ie d a d e s de m u lh e re s ” , “ S o c ied a d e de h o m e n s” e, a g o ra —
especialmente com o triunfo da cultura jovem dos anos pós-1960 — os
“grupos jovens” e seus “pastores da mocidade”. Quando esse fenômeno
interage com a cultura de mercado (sem a qual ele nem teria nascido),
a idéia de “Este não é o Oldsmobile do seu pai” é traduzida para: “Esta
não é a mesma igreja do seu pai” . Os reavivalistas e os marqueteiros
concordam , em substância, com este ponto: a escolha ind iv id u al
determina o futuro da pessoa - não a motivação de pertencer, mas a de
escolher. Contudo, onde os marqueteiros falham é em não se questionar
se se deveria perm itir que a cultura de mercado ditasse os termos da
existência no reino de Deus. O estilo foi declarado “neutro” e, portanto,
inteiramente separado do conteúdo - o qual é controlado pela Escritura.
De alguma maneira, com o passar do tempo, o movimento evangélico
fez largas concessões à m odernidade na teologia, e tornou-se hostil
aos tem as teológicos levantados em conexão com questões práticas
sobre evangelização, crescimento de igreja e culto. Fatores teológicos
estão aí envolvidos antes de tudo. Form a e substância são aspectos
difíceis, se não impossíveis de serem separados.
Outras linhas de questionamento também deveriam ser seguidas em
nossa discussão. Por exem plo, tem os de nos p e rg u n tar acerca do
raciocínio feito para se colocar a música em prim eiro lugar no culto.
Qual o seu papel? Qual a significância da mudança de se ver a música
como m eio para se inculcar a sã doutrina (Cl 3.16) e como resposta
comunal à ação de Deus (Ef 5.19-20) para considerá-la como “período
de louvor”? Será que isso implica que, embora continuemos a “tirar o
chapéu” para o ministério da Palavra, cremos que o evento principal é,
realm ente, o da expressão de nós mesmos, ainda que adotem os uma
atitude de louvor?
M uitos conservadores, críticos do estilo de culto contem porâneo,
acusam os simpatizantes desse tipo de culto de mudar o foco de culto
de Deus para entretenimento. Mas isso poderá, facilmente, transformar-
se num tiro no próprio pé. Afinal, temos visto muitos cultos de adoração
n o s q u a is o e s tilo da a lta c u ltu ra o fere c e o m esm o v a lo r de
entretenimento da igreja popular ali da esquina. Entretanto, mesmo que
alguém critique o estilo de culto MCC (música cristã contemporânea)
por tom ar a congregação uma audiência, em vez de participante, essa
acusação falha em dois pontos. Primeiro, ela não descreve com justiça
o culto MCC, pelo menos na maior parte dos contextos nos quais eu a
tenha testemunhado. Não tenho dúvida de que os defensores do estilo
de c u lto p o p u lar e suas c o n g reg açõ es vejam a si m esm os com o
congregações em inentem ente participativas do culto. E, em grande
parte, eles têm conseguido isso. Para ser mais exato, a banda à frente
está, realmente, na liderança, mas, geralmente, há mais participação da
congregação na música cantada do que posso me lembrar que houvesse
quando o coral se postava à frente.
M inha segunda objeção à crítica com um é a de que essa crítica,
m esm o que contenha verdades, jam ais é boa. Se o culto dissesse
respeito, prim ariam ente, a nós e ao que fazemos, então faria sentido
que a congregação fosse vísta como participante em vez de ser vista
com o um a audiência. T enho argum entado, porém , que o cu lto é,
principalm ente, uma questão de quem Deus é e o que ele fez e está
fazendo por nós. Ele não está nos entretendo, certamente. Não somos,
então, nesse sentido, uma audiência. Contudo, somos seu povo pactuai,
e sua obra por nós em Palavra e obras, um ponto central; nossa resposta
é apenas isto - resposta - e deveria ser tratada como tal no culto. Quer
sejamos “tradicionalistas” quer sejamos “progressistas”, a questão é se
consideramos o culto principalmente em termos da ação de Deus e de
nossa reação, ou em termos de nossa ação e a passiva apreciação de
D eus.
Não vamos à igreja para afirmar nossa fidelidade, ou devoção, ou
louvor, e nosso estado emocional do momento, mas para ouvir a Deus,
para ser despidos por Deus e revestidos por Deus. Som ente quanto
esse fato se tornar o ponto central, estaremos em posição de louvar a
Deus fielmente com o “nosso culto racional”. Quanto a isso, creio que
ambas as partes, tradicional e contemporânea perdem de vista o ponto
p rin c ip a l de que can tam o s em re sp o sta , e, em am bos os caso s,
geralmente, colocam muita ênfase em nossa atuação no culto, como se
essa fosse a melhor parte.
Qual o efeito a longo prazo, de tom ar o culto, predominantemente,
um tem po no qual nós entram os em cena, e não Deus? E m ais, se
e sta m o s faz e n d o tu do, ou q u ase tu do, e fala n d o tu d o , com o se
reconhecerá a palavra de Deus? Independente do estilo, por quanto
tem po os crentes continuarão louvando repetitivam ente sem saber o
que Deus fez e faz aqui, agora, por intermédio de seu Filho e do Espírito?
É um a oportunidade, principalm ente, para expressar meu sentimento
pessoal sobre m inha escolha em favor de Deus - meu amor por ele,
minha devoção a ele, a gratidão do meu coração, e minha determinação
para obedecer a ele - ou é uma oportunidade, principalm ente, para
D eus nos colocar na com unidade dos redim idos que, com jú b ilo ,
recebem a boa nova de que ele atuou por nós no palco da história
hum ana para nossa redenção? Como numa peça teatral, a m úsica não
pode ser o evento principal. Ela poderá ajudar os atores no desempenho
de seus papéis e ajudar-nos a melhor ouvir as falas, mas o drama real
está na História: em seu enredo e em sua personagem principal.
Em meses recentes, tenho observado uma pequena mudança na frente
musical da guerra dos cultos, e tomo isso como boa notícia. Em meio a
anúncios para sintetizadores e sistemas de som, há artigos escritos por
líderes da indústria de MCC os quais, não obstante, revelam preocupa­
ção quanto à tendência dos últimos vinte anos. O editor chefe de Worhip
Leader, D avid Di Sabatino, observa: “Os críticos do m ovim ento do
culto contem porâneo têm uma queixa legítim a quando lam entam que
os cânticos correntes são faltos de precisão teológica e que eles têm
capitulado ao Zeitgest (Oxford: “modo característico ou qualidade de
um período particular da História revelado pelas idéias, crenças, etc.
da época”) de nossa cultura altamente individualista e se dirigido ao
mercado”.82 E isso não é tudo. O artigo seguinte chama a atenção para
“a busca de um futuro antigo: hinos velhos, contexto contemporâneo”.
Esse artigo cita a observação de M icheal Card de “que o movim ento
do culto contem porâneo sim plesm ente capitulou diante das tendênci­
as” . Card descobriu uma nova geração de jovens para a qual os hinos
antigos são to talm en te novos. A p resen taçõ es novas, com o novas
harmonizações, estão soprando novo fôlego de vida em velhos textos.
Diversos pastores orientados à busca de interessados são citados como
tendo sugerido que a época da superficialidade do culto contem porâ­
neo está chegando ao fim. O que era velho, agora é novo. “Por meio de
se exporem muitos desses clássicos antigos sob form a m usicalm ente
mais familiar, não ameaçadora, encorajamos um tipo sadio de conexão
com nossa fé antiga.”83
Não nos surpreende, portanto, que a nova geração esteja cansada da
MCC e, assim, empolgada com a liturgia e com um apelo à transcendência.
Donald C. Boyd reconta a história de um oficial de uma denominação
que liderou um grupo de focalização ministerial de mais de vinte minis­
tros. “Enquanto lançava à mesa a idéia de culto, um dos pastores disse:
‘Bem, eu fui criado no culto tradicional. Você sabe, coros de louvor,
música projetada na parede, drama - esse tipo de coisa’.”84 Em razão do
passo forçado das mudanças na música, o gosto cultural “pop” não de­
verá ser um elo entre gerações e que enlaçará o povo de Deus através
dos tempos e dos lugares do seu testemunho comum.
Precisamos ir além das categorias de tradicional e contemporâneo,
e redescobrir a urdidura e a tram a do culto bíblico, confessional e
teológico. Isso significa que um novo pensamento entra em cena, quer
sejam os entediantes “contem porâneos” satisfeitos com um louvor-e-
adoração ao som de acordes de guitarra e conteúdos fracos quer sejamos
enfadonhos tradicionais que só querem cantar hinos antigos, até mesmo
os que já perderam o frescor e os que apresentam problemas teológicos.
N este exato m om ento, há talentosos pastores e m úsicos produzindo
novas letras e com posições. Cada época de reform a e reavivam ento
genuínos tem gerado uma nova época de desenvolvimento litúrgico e
m usical, quando é descoberta a profundidade do evangelho. Como os
que vieram antes de nós, somos reform adores e não revolucionários.
D everíam os desafiar-nos, e uns aos outros, a um a m aior fidelidade
bíblica, contudo, suspeitosos a respeito daqueles que querem começar
tudo de novo. Uma reforma presume mudança dentro da continuação.
No século XVI, a igreja romana e as igrejas reformadas consideraram
proibir o uso de órgãos na igreja, mas ele foi sendo gradualm ente
incorporado sob a condição, pelo menos nas igrejas reform adas, de
que não dom inasse o culto (como, por exemplo, ocorre com a banda
nos cultos contem porâneos). Eu estaria entre aqueles que têm prazer
no uso prudente da guitarra e outros instrumentos de cordas além do
piano e do órgão. De fato, um a preocupação m aior que a do uso de
instrum entos deveria ser a da p referên cia dada a um a form a (por
exemplo, a música “pop” e seu limitado ritmo batido), à colocação de
todo o aparato pessoal e instrumental à frente da igreja-teatro de cujo
palco foram eliminados o púlpito, a pia batismal e a mesa da Comunhão,
e à desordem amontoada na ribalta.
A despeito dos desafios, o crescente interesse no reinvestimento no
cristianismo histórico representa uma revigorante virada. E irônico que
escritores conservadores reform ados e luteranos defendam a m úsica
dos Gaithers (Bill e Glória Gaither, autores de cânticos modernos) como
“contemporânea” e “sensível ao interessado”, enquanto a nova geração
a julga ainda mais alienada que os salmos de Davi ou os grandes hinos
escritos antes da adoção dos hinos sentim entais. Enquanto m uitos
pastores evangélicos defendem o “Brilha Jesus”, muitos da vanguarda
das igrejas orientadas ao interessado estão buscando refúgio no “Rocha
E terna” .
Freqüentem ente, na guerra dos cultos, ambos os lados tendem a
pensar sobre o culto tradicional como envolvendo m úsica clássica e
sobre o culto contem porâneo, som ente coisas atuais. Saber nossa
preferência pelos cultos contem porâneo ou tradicional é apenas uma
questão de ligar o aparelho de som de nosso carro. Como Ken M yers
explica: “A cultura popular não é neutra com resp eito ao tipo de
sensibilidade que encoraja. Por causa da centralidade das preocupações
comerciais, a cultura popular mantém uma opção preferencial pelo ritmo,
pelo informal, e pelo novo e ‘interessante’”.85
A MTV representa não só uma nova tecnologia (maneira de fazer as
coisas), mas um a nova epistem ologia (modo de pensar). Em vez de
argum entos imediatos e argumentos avaliativos, muitas pessoas vêem
a realidade em termos de consumismo visual - imagens fragmentadas,
unidas pelos enredos mais superficiais montados precária mas interes­
santem ente à sua frente. Precisam ente por esses hábitos perm eados e
aceitos, sequer nos damos conta deles nem os tratamos como hábitos a
serem avaliados, mas como dons a serem assumidos. O mesmo é ver­
dadeiro sobre a maneira como avaliamos nossa música.
Não seria o caso de a m úsica clássica de nossos dias ser a música
popular de ontem ? Bach foi contem porâneo nos seus dias, não foi?
Então, por que não serm os contem porâneos em nossos dias? Esse
argumento, entretanto, toma o termo “contemporâneo” como um rótulo
genérico para o que é atual, com um estilo cultural popular chamado
de “música contemporânea” . Mais exatamente, as pessoas comuns, no
século XVIII, entretinham-se com uma música de melhor qualidade do
que as pessoas típicas de hoje. Esse não é um argumento em favor da
música contemporânea cristã. Embora seja usado para tom ar relativo o
estilo m usical, esse argum ento, na verdade, dá suporte ao ponto de
vista de que o estilo de música popular do rock é inferior ao da música
popular das épocas renascentista, barroca e neoclássica. Há de se dizer
que a música pop contemporânea é inferior em termos de durabilidade.
Em virtude de sua construção, inerentemente superficial, a música pop
cativa por um momento, mas, como fogos de artifício, brilha e tem seu
brilho dissipado com rapidez. Será que alguém pensa, realmente, que a
canção “W ind Beneath My W ings”, de Bette Midler, será cantada daqui
a uns quinhentos anos ou será considerada clássica ou da alta cultura?
O que a identificação da música clássica de hoje com a popular de
ontem prova é que há um a qualidade inerente nessa m úsica que,
simplesmente, não existe o estilo pop. Os grandes salmos e hinos, assim
com o as grandes canções folclóricas das diversas culturas, têm sido
cantadas, com prazer, ao longo de muitas gerações, por moços e velhos,
ricos e pobres, brancos e negros. De fato, um bom número de nossos
hinos mais antigos (e mais novos) foi escrito por africanos, asiáticos e
europeus. Há um indicador aqui. Não podemos deixar de notar quão
rapidamente um cântico de louvor ou uma canção da MCC vem e vai.
Se a música de igreja tem como um de seus objetivos principais inculcar
a verdade da Palavra de Deus, isso cria problemas. Afinal, agora mesmo
está sendo criada um a geração em nossas igrejas que, virtualm ente,
não tem conhecimento até mesmo dos salmos e hinos mais conhecidos
— nem de um conjunto de m úsica de louvor e adoração em especial,
um a vez que esses cânticos se evaporam tão logo aparecem . Sua
permanência é, pois, outro meio importante para passar a herança cristã,
adiante aos nossos filhos, num tem po em que eles estão tentando
encontrar um lugar a que pertencer e uma comunidade que seja mais
p ro fu n d a e la rg a que o m om ento da in sp iraç ã o in d iv id u al. N ão
partilhamos mais de um corpo de louvores comum às gerações ao redor
do mundo. Estamos empacados no meio do caminho do aqui e agora.
A m úsica pop não é, sim plesm ente, a m úsica popular de nossos
dias, mas um estilo com história própria — o produto da convergência
de m uitos sistem as: m ercad o /p ro p ag an d a, triu n fo do m o v im en to
terapêutico e entretenim ento como estím ulo em vez de refinam ento.
As pessoas comuns de hoje tendem, até mesmo, a não achar atraentes
as novas sinfonias m usicais assim com o tendem a não ap reciar a
literatura m ais recente. Isso não ocorre por que N Sync e B árbara
Cartland sejam os futuros expoentes da “alta cultura”, como M ozart e
Dante são considerados hoje, mas porque há alguma coisa com respeito
a esses últimos que os torna mais permanentes do que os primeiros. A
televisão — suas notícias, comédias e dramas —jamais será considerada
um meio nobre daqui a um século. Ela é chamada, hoje, de “tubo bobo”
ou “caixa idiota”, até mesmo por aqueles que lhe dedicam grande parte
de sua vida. P o r m ais que D av id L e tte rm a n seja o ex p o en te do
entretenim ento que é, ele será esquecido, e H om ero, da O disséia,
continuará a ser lido por moços e velhos.
A inda que desdenhando os anos 1960 por causa da revolução se­
xual que nivelou todos os princípios morais, muitos cristãos conserva­
dores atuais abraçam o mesmo desejo de inovação como sendo, ine­
rentemente, de categoria superior. Novo e contemporâneo são termos
que se referem não só às obras produzidas em anos recentes, mas são
as palavras-chave da cultura pop e suas distintas formas musicais. Os
argum entos em relação à m úsica contem porânea são exageradam ente
sim plistas, como quando seus proponentes dizem que apenas querem
se m anter atualizados e seus oponentes dizem que preferem viver no
passado. Tanto o viver no passado quanto o ansiar pela cultura pop são
sinais de m undanismo ou, pelo menos, de preguiça.
Liberdade em relação às coisas do passado e libertação generalizada
de todas as formas são coisas próprias de nossa cultura relativista. A
liberdade individual pretende nos exim ir da responsabilidade. Assim,
por exemplo, um par hom ossexual é identificado, agora, como sendo
um “casal n ã o -trad ic io n a l” . A orientação sexual não é m ais um a
categoria ética, mas um a questão de escolha pessoal. Não se perm ite
nenhum julgam ento ou discernimento — tais “casais” não são errados,
m as diferentes. Essa é apenas outra ilustração de com o os term os
tra d icional e contem porâneo falham em descrever os verdadeiros
significados envolvidos. Conquanto não devamos rejeitar tudo aquilo
que é novo, precisamos ter uma sabedoria biblicamente informada que
possa avaliar o velho e o novo à luz de seus usos em certos contextos,
como é o caso do culto.
N ão te n h o p ro b le m a s p a ra a d m itir que a p re c io a lg u n s tip o s
alternativos de rock e que tenho visto televisão por tem po suficiente
para declarar que estou em débito para com minha cultura. Há, contudo,
um equilíbrio entre exercer a liberdade cristã e adotar o legalism o
reverso que identifica a preocupação com o hom em perdido com a
imersão total no niilismo cultural inóspito. Por que um pastor de sucesso
citaria Seinfeld ou “Toque de um Anjo” em seus sermões? Desde quando
a autoridade pastoral sobre os jovens - e, portanto, sobre a congregação
- repousa sobre se ele é ou não aficionado a comédias de situação,
filmes, celebridades, esportes e outras formas de entretenimento? (Citar
o “T oque de um A n jo ” , afinal, receb erá apenas um a sobrancelha
levantada da parte dos jovens, e denunciará a idade do pastor.) No
passado, de fato, m inistros viam como parte de seu m ister encorajar
aqueles que estavam sob seu cuidado a crescer em m aturidade em
relação a seus hábitos e desejos, a despertar neles um bom gosto pelas
coisas nobres. Aqueles que não podem pensar ou sentir de modo mais
profundo, sobre as coisas em geral, jam ais serão capacitados para pensar
e sentir profundamente a respeito de Deus.
C onquanto ouvir a m úsica do U 2 ou ler John G risham não seja
pecado, tal música e literatura não poderão ser consideradas as únicas
música e literatura “contemporâneas”. Há outro tipo de música e outro
tipo de literatura sendo produzido hoje aos quais deveríam os querer
nos expor a fim de viver de modo mais rico, pleno e satisfatório. Inde­
pendente de nossas próprias escolhas nessas áreas, as quais nenhuma
igreja deveria ditar, constitui uma violação da liberdade de outros a
dom inação desse tipo de m úsica pop sobre a adoração de D eus no
culto público. No passado, a liturgia e a música eram suficientemente
distintas de qualquer forma cultural específica (clássica, jazz, blue, rock)
para que alguém pudesse participar do culto, independente de gosto
pessoal. A medida que a cultura pop passou a dominar, e a igreja abriu
mão de seus pontos distintivos em favor dela, as igrejas tomam-se mais
propensas a aceitar a natureza divisional da cultura de mercado.
Ken Lyers, Leonard Payton e outros têm argum entado que até a
invenção do gravador de fitas havia, grosso modo, duas categorias de
cultura: a alta e a popular. A alta cultura é aquilo que um artista faz,
sim plesm ente, pela arte em si m esm a, enquanto a arte p o p u lar é
produzida por e no âmbito de um a comunidade.
A alta qualidade dos relógios suíços jam ais fez parte da alta cultura
ou arte, mas pertence à cultura popular. Os visitantes poderiam adqui­
rir um relógio ou dois em suas viagens. Entretanto, não eram apenas
produtos m ecânicos de uma revolução industrial, mas, sim, produtos
da modernização, especialmente, do novo conceito de linha de produ­
ção, o qual converteu as pequenas oficinas em grandes fábricas. A
produção em massa desses relógios em linhas de montagem é um pa­
ralelo, em alguns sentidos, do que aconteceu com a m úsica. Novas
tecnologias de gravação tornaram possível que qualquer pessoa em
qualquer lugar se tomasse um cidadão global, uma pessoa de “nenhum
lugar” que não pertence a um lugar especial. Conquanto a alta cultura
e a cultura popular fossem ambas criadas por e para lugares específi­
cos, a cultura popular criou um público global que entroniza a escolha,
o pluralism o e a contextualização, ainda que seja misturada, hom oge­
neizada e massificada. Essa contradição talvez tenha a ver com a razão
de os artefatos da cultura pop surgirem e desaparecerem tão rapida­
mente. Myers e Payton observaram que a principal tradição da música
de igreja tem sido associada com música popular, não com a m úsica
clássica como, usualm ente, se pensa.
A té o início do século XX, os hinos somente eram incluídos nos
hinários das grandes denominações, com a aprovação dos seus concílios
maiores. Assim como o ministro era o responsável pela liturgia do culto,
a igreja era a responsável pela crítica da música religiosa. O reavivalismo
do século XIX, entretanto, marcou a tendência crescente para se separar
a música de adoração do critério crítico da igreja. O estilo da “música
evangélica”, sentimental e efusiva (tanto melodia quanto letra), tomou
muita coisa emprestada das músicas dos espetáculos populares da época:
o vaudeville. Contudo, cultura popular e cultura de entretenimento são
duas coisas diferentes, cada qual com seu conjunto de valores, objetivos
e meios. Basta passar os olhos nas páginas de um hinário anterior ao
tempo de D. L. Moody e Ira Sankey para observar quantos hinos foram
tom ados por em préstim o da cultura popular. Essas m elodias eram
cantadas em bares irlandeses e pelos fazendeiros moravianos enquanto
trabalhavam .
Um bar local é um a atmosfera bem diferente da atmosfera dos clu­
bes noturnos e dos palcos da m esm a época. Essas canções populares
tinham caráter e profundidade m usicais e líricos. Não eram dadas à
expressão auto-referencial, mas à narrativa de histórias. Que m elhor
veículo para interpretar o dram a da redenção do que a narrativa idio­
mática! Contudo, se elas são bem diferentes das m elodias da cultura
popular, eram também diferentes da melodia clássica ou da alta cultu­
ra. A melodia de “M aravilhosa Graça” , de John Newton, estará sendo
cantada muito depois que a melodia de “Brilha Jesus” tiver sido esque­
cida, mas não a confunda com um concerto de Vivaldi. A melodia de
“Ao Deus de Abraão Louvai” é a de uma canção galesa, não um coro
de uma das obras de Puccini ou de um a sinfonia de M endelssohn. A
m úsica tradicional para o canto congregacional na igreja, então, não é
(com poucas exceções) música clássica. Mas a música pop não é clás­
sica nem popular em seu caráter; antes, representa um novo gênero
m usical de produção em m assa, orientado à cultura de m ercado. De
fato, diversas das maiores companhias de produção de m aterial m usi­
cal contemporâneo para as lideranças do “louvor” nas igrejas são, hoje,
subsidiárias de corporações m ultinacionais.
Entretanto, a crítica da cultura pop não é o mesmo que a rejeição de
form as culturais, o que, no caso, seria uma tarefa impossível. Como
criaturas corpóreas de tem pos e lugares concretos, nosso am biente
litúrgico, certam ente, evidencia determ inadas características. Não há
um a razão pela qual a igreja devesse adotar um estilo neogótico ou
neoclássico nem um estilo eclético ou pós-m oderno. M as os estilos
neogótico e neoclássico (e tudo que há entre eles) refletem um grau de
pensamento e de habilidade artesanal que faltam na arquitetura da minha
casa. Surpreendo-me sempre que visito nações menos desenvolvidas,
com o montante de habilidade e energia que se reconhece nos edifícios
das igrejas. C ultura pop não é o m esm o que “contem porâneo” ou
“relev an te” , a m enos que tenham os um a visão sim plista de nossas
opiniões atuais e estejam os im pacientes quanto ao aprendizado da
discrição em relação às nossas preferências culturais.
Adoração não é uma questão de preferência cultural, mas seriamos
ingênuos se pensássemos que ela não desempenha um papel substancial
no culto. Dando a nós mesmos uma chance por m eio de formas que
não sejam geradas pela D isney C orporation, serem os capazes de
desenvolver um largo espectro de entretenimento e de enriquecimento.
A literatura que lemos enriquece a nossa vida? Ouvimos um tipo de
música que seja mais rica, em termos de variedade, do que os padrões
da música de mercado? A melhor música (melhores segundo os padrões
da própria música) não é mais intelectual e menos apaixonante, porém,
m uito m ais intensa em term os de em oção porque sua gratificação é
mais durável e toca profundas cordas em nossa alma que as vinhetas
contem porâneas não conseguem alcançar. N ão é essa um a analogia
adequada para o que ocorre nos cultos de adoração? Se o propósito de
nossa música no culto - pelo menos um dos propósitos principais citados
por Paulo — é o de fazer a palavra de Deus habitar ricamente em nós,
então precisamos de um discernim ento suficiente em relação ao estilo,
para determinar o tipo de música mais duradouro, rico e edificante.

E agora, o que fazer?

Estilo não é neutro, tenho argumentado. Não tentei, porém , dizer


que Deus estabeleceu prescrições específicas que criam um atalho para
a reflexão séria, para o estudo e a oração. M ovendo-nos para além do
beco sem saída do tradicional versus contemporâneo, precisam os nos
tom ar mais teologicamente orientados para fazer uma análise atual de
onde estivemos, onde estamos e para onde estamos indo.
O reducionismo poderia exaltar a pretensa virtude dos extremos de
“alta” ou “baixa” cultura. Em vez disso, deveríam os reconhecer que
nossa vida não é tão sim ples. Vivem os num am biente com plexo de
esferas sobrepostas. Uma conversa casual entre esposas encorajando
uma a outra a permanecer firme numa dieta poderá ser adequada, mas
isso não significa que conversas casuais sejam apropriadas para posses
presidenciais e visitas oficiais de estadistas, teatro vivo ou sermões na
igreja. Precisam os acolher a diversidade e cultivar tanto a tolerância
quanto a discriminação. Longe de serem noções antitéticas, essas habi­
lidades são irmãs gêmeas da sabedoria. Há pessoas de ambos os lados
que procurarão tomar a coisa mais fácil: apenas aceite o novo ou ape­
nas o rejeite; o estilo terá de se adequar à cultura de mercado ou o estilo
terá de se adequar à cultura de uma época passada. Na verdade, preci­
saremos levantar muito peso se quisermos honrar a Palavra de Deus e
servir a seu povo no passado, presente e futuro. Para construir no pas­
sado, teremos de entender o passado - aprender a apreciá-lo num tem ­
po quando isso vai ao arrepio das sensibilidades culturais. Teremos de
rejeitar a segm entação do m ercado que lança pai contra filho e mãe
contra filha, não por amor ao evangelho, mas em função do alvo de
mercado. Teremos de entender nossos próprios hábitos culturais. P o­
deremos usar alguns desses hábitos para melhorar o que recebemos do
passado, enquanto a outros, deveremos reconhecer como sendo meras
acomodações mundanas, e nos arrepender deles. Discordarem os entre
nós acerca de aplicações específicas — e isso será útil para as próximas
gerações tanto quanto é frustrante para nós. Não podemos nos lançar
no futuro, precipitadam ente, nem nos agarrar nervosam ente ao passa­
do. Essas duas opções não estão mais à disposição daqueles que, hoje,
deveriam ser fiéis ao drama da redenção.
Onze
Um Tempo à parte da Correria

“Q uisera ter tem po para me aprofundar na Escritura e no ensino


cristão consistente, porém, m inha vida é tão corrida.” Quantas vezes
você já ouviu isso? Já disse isso? E, ainda assim, no fundo, sabemos
que sempre teremos tempo para aquilo que, realmente, queremos fazer
na vida - pois nós criamos esse tempo.
O objetivo deste capítulo é m ostrar como Deus tem criado tempo
para nós e, assim , espera que façam os o m esm o em relação a ele.
Conquanto muitos leitores, provavelmente, pensem que essas palavras
se referem à rotina diária das devoções, não é a isso que m e refiro.
Ainda que seja totalm ente a favor de tais hábitos, na verdade, o que
tenho em mente é o Dia do Senhor ou o sábado cristão. Para gerações
de crentes, os domingos não incluíam futebol ou passeios, mas Deus e
sua mesa exuberante. Entretanto, de alguma maneira, ficamos presos
da azáfama, e nos perguntamos se conseguiremos sair dessa correria.
Por isso é que continuamos tentando a última novidade em termos de
dieta espiritual - um novo program a de hora silenciosa, um a nova
oração, talvez um novo orientador espiritual ou uma semana de retiro.
Por que ninguém sugere o resgate do “sábado” dominical? Ironia das
ironias, em m eio a todo o estresse de um a vida de m odism os e de
culpas, um compromisso com uma instituição ordenada por Deus tem
sido chamado de “legalismo”. Este capítulo sugere instrumentos práticos
adicionais para escapar da correria implacável do dia-a-dia.
N in g u ém p rec isa ouvir m ais esta tístic a s sobre quanto da vida
m oderna é gasta na frente da televisão. Em anos recentes, tem havido
um bom número de análises equilibradas e m entalm ente estimulantes
sobre o fenômeno que Neil Postman chama de “divertir-se até a morte”.
O escritor John Seabrook chama isso de “ruído” produzido pela “cultura
de mercado, marketing de cultura” Seabrook faz um retrato do ruído,
falando de sua experiência com o centro de M anhattan.
O ar era de um cinza espesso no estranho volteio das luzes ama­
reladas do Time Square durante o dia, uma mistura de luz solar
e voltagem, o real e o mediato - a cor do ruído. Ruído é a cor­
rente coletiva de consciência. A “confusão ruidosa” de W illiam
James, materializada, uma substância informe na qual política e
intriga, arte e pornografia, virtude e dinheiro, fama de heróis e
celebridade de criminosos, tudo se mistura. Em Times Square,
você poderia até mesmo ver o ruído percebido através da m en­
te. Acalm a-m e passar por ali na ida e na volta do trabalho, e
deixar que a luz amarelada flua nas minhas sinapses. Nesse ins­
tante o m undo exterior e o m undo no interior do m eu crânio
tornam -se um .86

Escutar atentivamente é coisa difícil nestes dias. Pertencemos a uma


cultura de programas de entrevista que tomam as opiniões de todos tão
boas como quaisquer outras, em que o atual vício da crença na verdade,
no bem e no belo foi trocado pela aparente virtude de se seguir o útil, o
preferido e o estimulante. E possível que, em nossas igrejas, tivéssemos
trocado a presença do Espírito por nossa obsessão cultural com o “ruído”
da novidade e da implementação? O que poderemos fazer para voltar a
ser bons ouvintes? Prim eiro, exam inarem os a surpreendente m aneira
como Seabrook capta as mudanças culturais que têm contribuído pata
tornar nossa vida tão “ru id o sa” e dependente das novidades e das
grandiosidades. Depois, retomaremos à Escritura e à sabedoria do fiel.

O que Significa Todo esse Ruído?

Seabrook usa o “em botam ento” da revista New Yorker como uma
ilustração do fenômeno mais geral, e muito do que ele diz a esse respeito
faz paralelo com a igreja. Seu projeto envolve “embrenhar-se mais fundo
no vasto e m orno pântano do Ruído, com seus cedros da várzea de
comprom issos”.87 A despeito dessa análise, o livro de Seabrook não é
um a jerem iada contra a cultura contem porânea, mas um a exposição
esclarecida e, geralmente, simpática. A cada página virada, encontro
numerosas aplicações para a vida da igreja. Por exemplo, ele diz, com
respeito às m udanças no New Yorker, que “o problem a real é que a
cultura dos escritores e a cultura dos anunciantes são tão desconexas
que chegam a não ter nada em comum ”.88
Aplicando esses insights à igreja, poderíamos dizer que acostumamos
a lançar sobre a teologia a culpa da existência de diferenças e divisões
entre nós, mas a teologia tem pouco a ver com as coisas de nossos dias,
pelo menos em termos explícitos. O problema real não é que haja pessoas
que se apegam à sua teologia a respeito de uma teologia, mas, sim, que
há uma hostilidade generalizada contra qualquer teologia. A cultura da
exegese acadêmica (os escritores) se mostra mais e mais dissociada da
cultura dos empresários eclesiásticos (os anunciantes).
Seabrook delineia o curso das mudanças: Os antigos árbitros cultu­
rais, cuja tarefa era decidir sobre o que era “bom ” em termos de “va­
lor”, foram trocados por um novo tipo de árbitros, cuja tarefa era defi­
nir “bom ” em termos de “popular”.89 Uma “hierarquia de aquecimen­
to” tomou o lugar de uma hierarquia de valores, e já não havia a ques­
tão do mau gosto; apenas diferenças de gostos. Citando exemplos es­
pecíficos do declínio da revista, Seabrook diz: “Os artigos tornam -se
mais curtos, os prazos de entrega dos manuscritos mais estritos e suas
publicações mais confinadas aos acontecim entos do ruído” . Podería­
mos, aqui, trocar o term o “artigos” por “serm ões”, especialm ente à
luz desta sentença: “Construir histórias tópicas, tentar obter a atenção
pública, tentar ser polêmico, tentar vender revistas... tornou-se a nor­
ma” .90 O próprio Seabrook chegou a apreciar a música pop, ainda que
reconhecendo seus problemas: “Pop era bobo, divertido, doce, aberto,
honesto, mas, ao mesmo tempo, totalmente falso”.91 Ele pergunta: “Sem
a cultura pop para construir sua identidade ao redor dela, o que mais
você teria?”92 O ruído, tam bém conhecido como cultura p o p , “pela
sua própria natureza, tem repugnância pelas distinções e consom e
todos os pontos de vista” .93 Isso é visto prontamente na vida da igreja
contem porânea.
Seabrook contrasta o mundo dos dúplex no qual ele foi criado por
pais austeros, na cidade de Nova York, com o m undo das megalojas.
De novo, à m edida que você for lendo o que se segue, insira “igreja
tradicional” e “igreja contemporânea” nos lugares de “dúplex” e “mega-
loja” .

No dúplex havia simetria, na megaloja, multiplicidade. No dúplex


havia calma, na megaloja, cacofonia. No dúplex estava o refú­
gio cuidadosam ente guardado do comercialismo do mundo de
m eu pai, na megaloja, o meu comercialismo rompante. Em lu­
gar da distinção do New Yorker, entre a elite e o comercial, ha­
via a distinção da MTV, entre o “cult” e a cultura da maioria. No
dúplex, qualidade era o padrão de valoração; na m egaloja, o
padrão era a autenticidade. No dúplex, obtinham-se os referen­
ciais para a estabilidade quanto às preferências culturais; na
megaloja se adquiria o status para assumir preferências por en­
tre as antigas linhas hierárquicas. No dúplex havia conteúdo e
havia propaganda. Na m egaloja havia dos dois ao m esm o tem ­
po. Os vídeos m usicais eram artísticos - ofereciam uma das
melhores amostras de arte visual na televisão - mas eles eram,
também, tecnicamente falando, propagandas de músicas e o di­
nheiro para sua produção vinha das indústrias de música ou dos
artistas, não da M TV.94

Entrevistando a presidente da MTV, Judy MacGrath, a fim de escrever


um artigo, Seabrook perguntou-lhe por que - mesmo após seu chefe
(o diretor da MTV Networks) ter mostrado preocupação com a presença
do rapper de gangue, Snoop Doggy Dogg, na festa do Video M usic
Awards - ela teria ido em frente e promovido a aparição. “M acGrath
argumentou em favor de Snoop porque, ela me disse: ‘M usicalmente,
Snoop está acontecendo agora, e eu tenho a responsabilidade de mostrar
isso a meus espectadores’.” Observe o senso de inevitabilidade fatalista
que tam bém m arca a atual ig re ja o rie n tad a ao m ercado, quando
M acGrath acrescenta: “É o tipo de coisa assustadora em cuja direção a
m úsica está nos levando, sobre a qual não temos nenhum controle, e,
se tentarmos controlá-la, a MTV perderá seu extremismo, exatamente,
a q u ilo que a to rn a g rande. V ocê sabe, esse é o m undo em que
vivem os” .95
“Você sabe, esse é o mundo em que vivemos” - esse é o solecismo
que pretende nos fazer aceitar a ordem regente do nosso fado. Quer
isso ocorra na MTV quer ocorra na igreja, esse tipo de atitude revela
um sério caso de niilismo. Se nada for intrinsecamente verdadeiro, bom,
e belo - e, portanto, superior a outras coisas que não são tão verdadeiras
nem tão boas nem tão belas - tudo será uma questão de gosto. E na
cultura do ruído, o gosto é formado pelo mercado.

Quando você diz, a respeito de uma pintura, de um vídeo musical


ou de um par de calças jea n s: “Eu gosto disso”, você está fazendo
um julgamento, mas não um julgamento quanto à qualidade. Na
cultura sem censura, julgam entos sobre o tipo de marca que se
veste são mais julgamentos de identidade que de qualidade. Esses
julgamentos não dependem do conhecimento de cânon, tradição,
história, ou de algum tipo de padrão com partilhado acerca do
que constitua o “bom gosto” e que dê peso à preferência; esse
tipo de gosto parece estar mais ligado ao apetite do que a um
julgam ento adequado, G osto é o ato de se apropriar de algo
com o sendo p a rte da id en tid a d e p e sso a l... D iv e rtim e n to s,
rotulamentos e relacionam entos fazem parte do que realm ente
quer dizer a declaração: “Eu gosto disso” . Seu julgam ento se
junta a uma tom ada geral de outros julgam entos, um pequeno
relacionamento econômico entre eles, um entre os milhões que
continuadamente se aglutinam e se dissolvem e se revolvem ao -
redor da cultura de produtos - filmes, tênis, jeans, música pop.96

Até mesmo os de dentro do sistema de Hollywood concordam com


o fato de que a linha da história, o enredo e a caracterização são bem
secundários nestes dias. Lawrence Kasdam, autor do primeiro Indiana
Jones e co-autor de O império Contra-ataca e de Jedi, diz: “Estruturas
narrativas não existem - tudo o que importa é o que vai acontecer nos
próximos dez minutos a fim de manter a audiência interessada”.97 Ainda
que m uitos de nós não possamos evitar ser tomados pelo redemoinho
do ruído, sabemos bem que tem de haver algo mais. Se até m esm o a
nossa história não tem histórias e nossos enredos não têm tramas, onde
encontraremos a “estrutura da narrativa” que torna a nossa vida mais
significante que o mero consumo e estímulo?
Então, o que significa todo esse ruído? Nada. Ou, mais exatamente,
diz respeito a si mesmo. O vídeo m usical lança (faz propaganda) o
produto: o álbum . As notícias do telejornal não precisam ser sobre
eventos im portantes no mundo, mas sim plesm ente sobre o evento da
rep o rta g em . A p ro p ag a n d a não p re c isa ser sobre p ro d u to s, m as
sim plesm ente criar um a experiência de consumo. E quando o ruído
chega à igreja, o culto não precisa ser exatamente sobre Deus e o que
ele fez, faz e fará para nós e por nós, mas apenas sobre o próprio culto.
“Louvemos ao Senhor!” Que Senhor? Por quê? Nem pense sobre essa
teologia: “Apenas gozemos a experiência do culto”.
Se o ruído não diz respeito a nada, qual é o ponto-chave? Estímulo.
C o n su m o de e x p e riê n c ia s, g u lo se im a a u d io v isu a l. Q ual será a
alternativa? Voltemos da crítica para a construção enquanto procuramos
responder a essa questão.
Quando pensam os sobre quem Deus é em comparação com quem
nós somos, é notável que Deus não som ente tenha tem po para nós,
mas que ele nos tenha convidado - únicos entre todas as suas criaturas
—para adentrar nas suas horas perenais. Essa não é uma fuga do tempo,
nem m esm o um a fuga do “aqui e agora” deste mundo. Antes, é um
passo para dentro do tem po que Deus separou para nossa comunhão
com ele — uma antecipação da restauração de toda a criação, da qual
fazemos parte. Como Gerhard Souter expressa:

N essa seqüência, o perdão de pecados é a obra do E sp írito


vivificante, o qual representa Deus diante de nós e nós diante de
Deus. O Espírito coloca-nos diante de Deus, despidos de nossos
relacionamentos, considerações e programas com os quais mol­
dam os nossa vida, quer de m odo bem hábil quer de m odo
autoconsciente quer sem nenhum poder. Essa transformação por
meio do Espírito de Deus de modo nenhum conduz ao isolamen­
to e à retração para a vida privada... Tomar parte nessas ações
significa fazer uma pausa no meio das outras atividades, reco-
Iher-se delas por um tempo. Os seres humanos são postos diante
de Deus e sua comunidade (não apenas seu destino) é assim cons­
tituída. Estar diante de Deus significa que alguém esteja prepara­
do para o veredicto de Deus e confiante em sua graça.98

Portar-se diante de Deus como indivíduos incorporados na igreja,


condenados e justificados, sim ultaneam ente pecadores e santos, é ser
transformado numa nova pessoa por meio da ação do Espírito. Contraste
essa imagem de se estar na presença do Senhor com a imagem de se
e sta r no m eio do ru íd o de n o ssa cu ltu ra de en tre te n im e n to e de
propaganda. A luz desse contraste marcante, por que desejaríamos abrir
espaço para esse último, no lugar que Deus preparou para iniciar seu
m a ra v ilh o s o re in a d o em n o sso m eio ? P o r que, e s p e c ia lm e n te ,
desejaríamos trazer esse mercado saturado de cultura pop para dentro
do culto de adoração de Deus - essa pausa que tem os na sem ana,
deixando tudo o que é efêm ero e que, m esm o agora, é decadente e
passageiro? E como poderem os nós aguardar diligentem ente a vinda
de Cristo e a consumação do seu reino, se nos recusamos a abrir mão
desta época má e a abraçar o tempo vindouro?
Em seu útil livro sobre o Dia do Senhor, Joseph Pipa comparou a
luta intermitente sobre esse tópico àquela enfrentada pelos ambientalistas
e os desenvolvimentalistas acerca de um pedaço de terra." “Freqüen­
tem ente, tais controvérsias resultam na perda da visão das belezas e
dos prazeres do dia, de maneira que o Dia do Senhor é transgredido e
desfigurado tanto quanto ocorria nos dias dos fariseus.” 100 O D ia do
Senhor sempre ocupou lugar preem inente na vida de piedade de um
grande número de igrejas protestantes, embora tenha passado por tem ­
pos difíceis em umas e outras.101 Conquanto nossos antepassados, pou­
co tem po atrás, provavelm ente, vivessem em com unidades que guar­
davam um a pausa semanal nas compras e vendas, e nas diversões or­
dinárias, independentem ente de sua denominação, hoje fica difícil até
para se imaginar a entrega de um dia todo para as coisas de Deus. Isso
já é suficiente para se avaliar até que ponto nos tomamos criaturas que
vivem no ruído.
Poucos tem as são m ais ricos e práticos que o do D ia do Senhor
naquilo que diz respeito às nossas preocupações quanto a melhor ouvir
a Deus e ver sua ação em nossa vida. Muitos cristãos dizem, sobre esse
dia: “Sei quanto é importante conhecer a Deus e entender a Escritura.
Até m esm o gosto de ler um pouco sobre teologia para leigos, mas,
realmente, não sobra tempo”. Esse é, exatamente, o problema prático a
que esta discussão se dirige. Deus providenciou um tempo não apenas
para que nos deleitemos nele, mas ele em nós. Trata-se de um alegre
dia de descanso num mundo de impaciência.

Descanso para o Cansado

O sábado foi instituído por Deus no Jardim do Éden, quando ele con­
vidou Adão para estar em comunhão com ele e im itar o seu próprio
reinado. Esse é um dos mais surpreendentes aspectos da instituição do
sábado. Transcendência não é o mesmo que distância. É uma proprieda­
de da existência de Deus. Ele não pode deixar de estar além de tudo o
que imaginamos ou pensamos. Uma vez que decidiu, espontaneamente,
criar seres humanos à sua imagem, Deus escolheu envolvimento em vez
de indiferença. Longe de ser uma deidade distante, Deus deseja a com ­
panhia dos seres humanos que ele mesmo criou à sua imagem. Por isso
criou o Paraíso, com sua ordem, produtividade, diversidade, justiça e
harmonia - uma “sala de estar” onde habitasse com os portadores de sua
imagem e onde eles pudessem habitar seguros em sua companhia.
O sábado foi a en tro n iza ç ã o do A lfa C riad o r com o o Ô m ega
Consumador, o Começo e o Fim .102 Como M eredith Kline observa com
respeito a Gênesis 1-2, “Deus coloca seus atos criativos na estrutura
pictórica de uma semana coroada pelo sábado, e, por meio desse padrão
sabático, ele se identifica como o Ômega, aquele por m eio de quem
todas as coisas foram criadas, o Senhor digno de receber glória e honra
e louvor (Ap 4. I I ) ” .103 A criação não deverá ser vista em term os
estáticos, como se não houvesse, além, nada mais, nada melhor. Essa é
a im pressão que passam os, geralm ente, quando pensam os acerca da
consumação (a saber, o retom o de Cristo e os novos céus e terra) como
um reto rn o ao Éden. A dão, porém , com o cabeça fed e ra l da raça
humana, passava por um período de prova, no Éden. Ainda que tivesse
sido criado justo, ele era passível de se rebelar. Se não tivesse pecado,
Adão teria adquirido o direito de comer do fruto da Arvore da Vida,
mas como ele prevaricou, Deus colocou anjos para guardar o acesso a
essa árvore. Ninguém a não ser o verdadeiro e fiel “novo Adão” poderia
comer desse fruto, por si mesmo e pela parte da hum anidade por ele
representada.
Portanto, desde o começo, a história estava se m ovendo para sua
consum ação - o estado de vida além da possibilidade de pecado e
morte, e de participação no descanso de Deus para sempre. Vemos essa
representação do desenvolvim ento da história redentiva, do com eço
ao fim , no A pocalipse, em que - porque C risto nos a sseg u ro u a
aprovação não obtida no Éden - todos os que estão nele recebem o
direito de comer do fruto da Árvore da Vida (Ap 2.7; 22-1-5). Isso não
significa um retom o ao início do drama - mas uma entrada com Jesus
num estado m ais abençoado que o prim eiro (inocência), o qual tem
mais partes a serem encenadas no palco da História (consumação).
Em seu caráter, portanto, o sábado não é uma cessação de atividade,
mas a cessação de um tipo de atividade - a saber, a atividade dos seis
dias de trabalho que, em si mesma, é boa, mas que sofreu a maldição
do pecado. D eus não descansou porque estiv esse cansado; antes,
descansou porque havia completado a obra, o descanso de um rei que
c o n q u isto u seu trono. R ep resen tan d o a consum ação, esse padrão
sabático foi o meio instituído não apenas para prom over a esperança
de um a n o v a c ria ç ã o , m as p a ra p ro p o rc io n a r a e x p e riê n c ia de
participação na sua paz.
Longe de conduzir a um a renúncia m onástica à criação, o sábado
reconhece o m undo natural. O sábado é para a criação aquilo que a
adoração (culto) é para a cultura (obras): não é, intrinsecamente, oposto,
mas foi separado, após a queda, para ser, novamente, juntado na nova
criação. Até lá, o sábado será um irrompimento do descanso eterno. O
sábado o fere c e à e x istê n c ia hum ana um p ad rão , um sig n ific a d o
mensurável, assim como as festas da história de Israel que, anualmente,
im pressionavam os israelitas com os desenvolvim entos verticais -
horizontais da história da redenção após a queda. Não há oposição: a
ressurreição - a qual é suficiente para mover o sábado para o domingo
- reverte a m aldição posta sobre a criação por causa do pecado do
homem, e representa o dia do nascimento da nova criação. Além disso,
ele representa o privilégio, o qual, nós, como criaturas e não apenas
como cristãos, fomos criados para usufruir.
C onquanto saibam os que a to talidade da criação será, um dia,
levantada conosco em novidade de vida, somente os seres hum anos
foram criados para ter comunhão com Deus. E, um dia, assim como os
reinos deste mundo serão feitos reino de Cristo, cada dia será um dia
de “ sábado” , dia de descanso em relação ao pecado, à injustiça, à
opressão e ao sofrimento. Um dos “Sabbath Poems”, de W endell Berry,
capta esse sentimento: “Faça a terra lembrar, / nos trabalhos dos campos,/
do sábado das florestas”.104 O sábado dá descanso à terra, aos animais,
aos empregadores e empregados e suas famílias, antecipando o fim do
tem po da utilização do mundo natural e o começo do tempo de gozo
nele.
A semana ordinária é um microcosmo do “tempo” de Deus, do modo
como Jerusalém era um microcosmo dos “lugares celestiais” de Deus.
Assim como a semana, a História tem seu começo e seu fim. O sábado
é o elo semanal entre a criação passada e a futura consumação. Dessa
m aneira, ele nos m antém firm ados na ordem que Deus estabeleceu
antes da queda, para nós que somos criaturas que compartilham da sua
imagem e anseiam pela entrada plena no dia do sábado que o Segundo
Adão já goza com Deus. O sábado nos mantém na rota de navegação
fixada entre dois pontos: aquilo que está construído na criação (Alfa) e
aquilo que nos aguarda na nova criação (Ômega). Dá-nos um tem po
para experim entar o pertencim ento àquele por quem existim os, para
quem nossa existência é dirigida. Assim como o sábado é um tempo
do calendário, o templo existiu no tempo e no espaço - antecipando o
dia quando “a glória do Senhor cobrirá a terra” rompendo as dimensões
de dias e lugares. Os humanos, tendo falhado, no princípio, em entrar
no descanso do Senhor, entrarão ainda no último descanso por causa
de Cristo, seu predecessor.
L e m b ra -te do dia de sáb ad o , p ara o sa n tific a r. Seis d ias
trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado
do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o
teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem
o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque,
em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que
neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou
o dia de sábado e o santificou.

Êxodo 20.8-11

Assim com o a totalidade dos Dez M andam entos que Deus deu a
seu povo no Sinai, o sábado foi instituído, após o êxodo, baseado não
apenas na criação, mas também na redenção. Observe como a versão
dos Dez M andam entos registrada em D euteronôm io com plem enta o
relato de Êxodo. A proibição é a mesma, mas o raciocínio é ligeiramente
diferente. “... porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito e
que o Senhor, teu D eus, te tirou dali com m ão p o derosa e braço
estendido; pelo que o Senhor, teu Deus, te ordenou que guardasses o
dia de sábado” (Dt 5.15). O sábado está fundado na criação, e, para o
crente, também na redenção. É parte de nossa história: “Eu sou o Deus
que vos tirei da terra do Egito”.
O casam ento continua sendo um a ordenança divina para cristãos
e não-cristãos, representando a reivindicação de D eus sobre todos
aqueles que ele criou. O trabalho e a existência do governo tam bém
refletem a graça comum de Deus e nossa comum criação. Da mesma
m aneira, dificilm ente o advento de um a nova aliança ab-rogaria o
sábado. Jesus não condenou o sábado, mas a paródia que os fariseus
haviam feito dele (Mt 12.2; Mc 2.24; Lc 14.5). Em vez de anunciar
que o sábado havia sido separado, Jesus ofereceu sua v erd ad eira
interpretação. D epois de Jesus ter curado um hom em enferm o, os
líderes religiosos “perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no
sábado”. “M as”, nós lemos, “ele lhes disse: M eu Pai trabalha até agora,
e eu trabalho também. Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam
m atá-lo, porque não som ente violava o sábado, mas tam bém dizia
que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a D eus” (Jo 5.16-18).
Podemos entender melhor esse evento da m aneira como ele é relatado
em M arcos 2:
Ora, aconteceu atravessar Jesus, em dia de sábado, as searas, e
os discípulos, ao passarem, colhiam espigas. Advertiram -no os
fariseus: Vê! Por que fazem o que não é lícito aos sábados? Mas
ele lhes respondeu: Nunca lestes o que fez Davi, quando se viu
em necessidade e teve fome, ele e os seus companheiros? Como
entrou na Casa de Deus, no tempo do sumo sacerdote Abiatar, e
comeu os pães da proposição, os quais não é lícito comer, senão
aos sacerdotes, e deu tam bém aos que estavam com ele? E
acrescentou: O sábado foi estabelecido por causa do homem, e
não o hom em por causa do sábado; de sorte que o F ilho do
Hom em é senhor também do sábado.

Vv. 23-28

Jesus corroborou essa última afirmação curando num sábado (3.1-6).


Os fariseus tinham interpretado mal o sábado, uma vez que Deus
jamais proibiu obras de misericórdia ou de necessidade. Os discípulos
não estavam trabalhando no campo, mas recebendo a provisão de Deus
para a sustentação da vida - exatamente aquilo que o sábado significava!
Q u a lq u e r a p ro x im ação que to rne o sábado em um a o b se rv â n c ia
escravizadora perde de vista seu objetivo. A ssim com o Davi estava
engajado na m issão redentiva quando comeu do pão da proposição, o
F ilho de D avi estava trabalhando na grande redenção prom etida. O
descanso eterno de Deus não im plica a cessação de toda atividade,
como os fariseus pareciam considerar: “M eu Pai trabalha até agora,”
Jesus disse, e acrescentou: “e eu trabalho tam bém ” . Se o “descanso”
de Deus é a entronização real em vez de ser uma cessação de atividade,
o mesmo é verdadeiro para nós. Como reis sob Deus, assumimos nosso
lugar com Cristo nos lugares celestiais, e pomos nossa mente nas coisas
do alto, onde está a nossa herança. O Pai e o Filho estão operando a
redenção, a qual as curas representam. Foi para o descanso do labor
criativo e dos nossos pecados, não para uma cessação de atividades,
que o sábado foi planejado para nós e para Deus.
Jesus, com ousadia (no que dizia respeito aos fariseus), afirm ou
que, em primeiro lugar, ele mesmo era o Senhor Pactuai que tinha ins­
tituído o sábado. Ele, portanto, pode oferecer uma autorizada interpre­
tação da lei. Tom ar o sábado num peso é contradizer terminantemente
o seu propósito, embora, ignorá-lo seja, certam ente, violar a vontade
expressa de Deus. O sábado não diz respeito à observância escraviza-
dora do dia, como ocorria na prática farisaica. Antes, concentra nossa
atenção no convite gracioso de Deus para entrar na bênção, não só do
descanso adâmico de um dia por semana, mas tam bém na bênção do
descanso eterno do Segundo Adão, do qual se usufrui, nesta época,
como que “através do espelho” do sábado cristão.
Esse último ponto é confirmado em Hebreus 4, em que uma geração
incrédula no deserto é usada como exemplo para advertir os que, por
causa da perseguição, estavam sendo tentados a abandonar a Cristo e a
retornar ao judaísmo. Assim lemos:

Temamos, portanto, que, sendo-nos deixada a promessa de entrar


no descanso de Deus, suceda parecer que algum de vós tenha
falhado. Porque também a nós foram anunciadas as boas novas,
com o se deu com eles; mas a palavra que ouviram não lhes
aproveitou, visto não ter sido acom panhada pela fé naqueles
que a ouviram. Nós, porém, que cremos, entramos no descanso,
conforme Deus tem dito: Assim, jurei na minha ira: Não entrarão
no m eu descanso. Em bora, certam ente, as obras estivessem
concluídas desde a fundação do mundo. Porque, em certo lugar,
assim disse, no tocante ao sétim o dia: E descansou Deus, no
sétimo dia, de todas as obras que fizera. E novamente, no mesmo
lugar: Não entrarão no meu descanso. Visto, portanto, que resta
entrarem alguns nele e que, por causa da desobediência, não
entraram aqueles aos quais anteriormente foram anunciadas as
boas novas, de novo, determ ina certo dia. H oje, falando por
Davi, muito tempo depois, segundo antes fora declarado: Hoje,
se ouvirdes a sua voz, não endureçais o vosso coração. Ora, se
Josué lhes houvesse dado descanso, não falaria, posteriormente,
a respeito de outro dia. Portanto, resta um repouso para o povo
de Deus. Porque aquele que entrou no descanso de Deus, também
ele mesmo descansou de suas obras, como Deus das suas.

vv. 1-10

“H oje” é “o dia da salvação”, não apenas um dia solar, mas “esta


época” na qual o Espírito tem reinstituído a aliança abraâmica por meio
da adm inistração do N ovo Testam ento. Esse “hoje” é o tem po que
Deus reservou para nós, para a entrada no seu descanso do sétimo dia
através da porta que Jesus Cristo abriu por meio de sua ressurreição e
ascensão. Aquele que é “a ressurreição e a vida” chama seus irmãos e
irmãs para se juntarem a ele, para se m overem além dos seis dias de
trabalho e adentrarem o sétimo dia de descanso. E o sinal disso era a
re s s u rre iç ã o no d ia depois do sábado do A n tig o T e sta m en to . O
E v a n g e lh o de M ateu s p a re c e to m a r esse ru m o q u an d o faz e ste
comentário: ‘"No findar do sábado, ao entrar o primeiro dia da semana,
M aria M adalena e a outra M aria foram ver o sepulcro” (Mt 28.1, ênfase
acrescentada). Em vez de apontar para a frente, para a nova criação,
como ocorria em relação ao sábado do Velho Testam ento, a chegada
da nova criação em Jesus Cristo sinalizava o início da semana eterna
de Deus. Aquilo que os rom anos cham avam de “dia do sol” era, de
fato, o nascim ento de um novo mundo. Cada D ia do Senhor é uma
“pequena páscoa” .
Esse acontecimento era tão decisivo que mudou o dia de descanso,
do sábado para o dom ingo, o “Dia do Senhor” . Foi nesse prim eiro
dom ingo de páscoa que Jesus proclamou a Palavra e celebrou a Ceia
(Lc 24.13-35). Depois da ascensão, os discípulos estavam reunidos no
cenáculo para a celebração do Pentecostes, a “festa das sem anas” do
A n tig o T e sta m e n to , ou a “ fe s ta da c o lh e ita ” que a n te c ip a v a o
ajuntam ento para a colheita do rem anescente de entre as nações (Êx
23.16; Nm 28.26). Mais tarde, aprendemos que os discípulos se reuniam
regularmente no “primeiro dia da semana”: “No primeiro dia da semana,
estando nós reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir
viagem no dia imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-
noite” (At 20.7). “No primeiro dia da semana”, Paulo recomendou aos
coríntios, “cada um de vós ponha de parte, em casa, conform e a sua
prosperidade, e vá juntando, para que se não façam coletas quando eu
fo r” (1 Co 16.2). Na explicação do contexto da visão celestial no
Apocalipse, João diz: “Eu fui arrebatado no Espírito no dia do Senhor,
e ouvi detrás de mim uma grande voz, como de trombeta, que dizia: Eu
sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o derradeiro” ; (Ap 1.10-11, ACF).
Imagine só! O Senhor do sábado, exaltado à direita de Deus Pai, visita
os apóstolos no Dia do Senhor e anuncia que ele é o Alfa Criador e o
Ômega Consumador, a origem e a finalidade da criação.
O Dia do Senhor, ou sábado cristão, reitera a continuidade não apenas
entre o Antigo e o Novo Testamento, mas entre a criação e a redenção.
O mundo, finalm ente, não pertence mais a Satanás ou à hum anidade
rebelde - a “este presente século” - mas, definitivamente, ao Criador
que redim iu o mundo e que, agora, introduz, de modo prelim inar, “a
era vindoura” . O Dia do Senhor é a festa comemorativa da herança da
nova criação, não apenas um dia que deveríamos separar, mas um dia
que d e v e ria nos se p ara r p a ra o S enhor. C om o filh o s d e sse dia,
proclam am os que já não pertencem os a nós m esm os, m as fom os
com prados por um preço - o m esm o racio cín io desenvolvido em
Deuteronômio. É uma páscoa semanal, transformando nossa identidade
em relação a esta época por meio do poder do Espírito que ressuscitou
a Jesus dentre os mortos.
Quem desejaria perder esse dia, ou ficar de fora do cham ado de
Deus para o descanso eterno por meio da rendição às forças retorcidas,
sem trama, sem ponto, e sem poder, do consumismo, da ganância, da
ambição e da auto-afirm ação? Cremos, realmente, que Deus supre as
nossas necessidades? Essa foi a questão levantada no deserto, quando
Deus providenciou o maná para uma geração incrédula. Eles colheram
o maná.

Respondeu-lhes ele (Moisés): Isto é o que disse o Senhor: Ama­


nhã é repouso, o santo sábado do Senhor; o que quiserdes cozer
no forno, cozei-o, e o que quiserdes cozer em água, cozei-o em
água; e tudo o que sobrar separai, guardando para a manhã se­
guinte. E guardaram-no até pela manhã seguinte, como M oisés
ordenara; e não cheirou m al, nem deu bichos. E ntão, disse
M oisés: Comei-o hoje, porquanto o sábado é do Senhor; hoje,
não o achareis no campo. Seis dias o colhereis, mas o sétimo dia
é o sábado; nele, não haverá.

Êxodo 16.23-26

Entretanto, os israelitas violaram o mandamento de Deus, saindo no


sábado para colher o maná, subentendendo que aquilo que Deus havia
providenciado durante os seus dias não teria sido suficiente. Em sua
ganância, concentrando toda a sua energia no estômago, não mostraram
sinal de confiança no Senhor. Deus havia providenciado não somente
o pão de cada dia, mas um dia de festa em sua presença - e, ainda
assim, não creram. Semelhantemente, João adverte: “porque tudo que
há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e
a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo. Ora, o
mundo passa, bem como a sua concupiscência; aquele, porém, que faz
a vontade de Deus perm anece eternam ente. Filhinhos, já é a últim a
hora; e, como ouvistes que vem o anticristo, tam bém, agora, muitos
anticristos têm surgido; pelo que conhecemos que é a última hora” (1
Jo 2.16-18).
N ão é m enos verdadeiro em nossos dias do que foi nos dias de
Israel, o fato de que o conhecimento de Deus e da participação no seu
pacto é, facilm ente, sobrepujado pelo am or ao mundo. H oje, com o
então, a igreja perde sua visão, sua missão, e seu poder, quando submete
o sábado a este m undo passag eiro , em vez de subm etê-lo à “era
vindoura” . Não é de admirar, portanto, que filhos de pais evangélicos
de hoje saibam consideravelm ente menos sobre as histórias bíblicas
mais básicas, até mesmo do que os filhos de pais incrédulos de outras
gerações. D eus nos deu seis dias na sem ana para trabalhar e para
participar dos dons da criação juntam ente com os não-cristãos, mas o
sábado ele o reservou para si mesmo. E o dia do Senhor — e o milagre
é que nós, que antes não éramos seu povo, somos convidados a nos
reunir em sua presença.
Ao mesmo tempo, há nesse m andamento um aspecto cerimonial e
um aspecto m oral, sendo que o prim eiro já foi cum prido e não está
m ais em vigor. C onquanto deva ser observado, não deve m ais ser
observado com rigor, m as com jú b ilo . B. B. W arfield capta essa
transform ação do sábado, prom ovida por seu cum prim ento, quando
escreve: “Cristo levou o sábado consigo para o túmulo, e dele trouxe
consigo, na m anhã da ressurreição, o dia do Senhor” .105 W arfield
observa a ênfase, especialmente em João, na aparição de Jesus a seus
discípulos “no primeiro dia da semana”. Isso ocorreu quatro domingos
antes de sua ascensão. “No mínimo, a escolha do primeiro dia da semana
para a reunião dos cristãos vinha recebendo sanção direta do Cristo
ressurreto.” 106
Entretanto, o que dizer sobre a passagem que nos instrui a não colocar
um dia acima de outro: “Um faz diferença entre dia e dia; outro julga
iguais todos os dias. Cada um tenha opinião bem definida em sua própria
m ente” (Rm 14.5)? O bserve que Paulo não diz: “Um faz diferença
entre o sábado e outro dia; outro julga esses dias como sendo iguais”.
Um a vez que os prim eiros convertidos da igreja, em um dado local,
eram judeus, Paulo se esforçou para impedir que a lei cerimonial judaica
se tornasse uma pedra de tropeço para a comunhão. Também, uma vez
que Paulo aborda essa questão no contexto da discussão sobre a licitude
de comer se carne sacrificada aos ídolos, é mais provável que se referisse
às festas do calendário judaico e não propriamente ao sábado. Afinal,
se o sábado é uma ordenança da criação, como poderia ser uma questão
de consciência individual? A m esm a interpretação poderia ser dada
acerca de C olossenses 2: “N inguém , pois, vos julgue por causa de
comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, porque tudo
isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de
C risto” (vv. 16-17). Novamente, aqui, o contexto pastoral envolve os
judeus cristãos, os quais requeriam , em essência, que os cristãos se
tom assem judeus. As leis cerimoniais judaicas concernentes a comida
e bebida, a festas da velha aliança e a sábados (observe o plural referente
aos sábados mensais e anuais), são obsoletas porque apontavam para
Cristo, e passaram quando do seu advento. Contudo, não é assim com
respeito ao sábado, o qual se tomou o dia do Senhor. Esse não apenas
aponta para Cristo, mas anuncia sua vinda.
Concluamos esta defesa do sábado cristão com um resumo notável
feito por Richard Gaffin: Deus viu que tudo quanto criara era “muito
bom”. “Mas ele não viu o ‘melhor’. Isso porque, mesmo antes de criar,
Deus decidiu que o ‘m elhor de todos os m undos p o ssív eis’ não se
localiza no princípio, mas no fim da História.” 107

O dia do Senhor diz respeito ao culto porque se refere, primeiro,


ao evangelho. É um sinal, para a igreja e para o m undo que a
observa, de que não pertencem os a nós m esm os (1 Co 6.19),
m as dependem os de nosso Deus, não de nós m esm os, para a
provisão das nossas necessidades. É um sinal de que nossa
confiança não está em nós mesmos e em nossos próprios esforços
- decaídos filhos e filhas de Adão - mas na perfeita justiça do
últim o Adão e na fidelidade de Deus à sua própria prom essa
pactuai de fazer por nós o que era im possível que fizéssem os
por nós mesmos.... O padrão de seis dias de atividade ininterrupta
e um dia de descanso é um sinal de que os seres humanos não
estão presos de um a fluência perene de dias sem significado,
m as que a h istória flui de um princípio a um fim - com a
expectativa de julgamento e da consumação de todas as coisas.108

Em outras palavras, a observância regular do sábado m antém -nos


orientados para o drama da redenção e nos prende nele à medida que o
Espírito reconcilia-nos com Deus por meio da Palavra e dos sacramentos.
N esse dia, anunciamos que aguardamos a redenção da criação terrena
e não, meramente, de nossa alma individual. A criação ora escravizada
à decadência por nossa causa será libertada por causa de Cristo. Nesse
dia, anunciamos ao mundo que, quando o Salvador, baseado nas obras
perfeitas de sua vida, clamou: “Está consumado”, ele, finalmente, tinha
obtido para a sua nova hum anidade a adm issão à A rvore da Vida.
Com pletada a semana de trabalho, ele agora proclama através do seu
ministério na presente época: “Vinde a mim, todos os que estais cansados
e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o m eu jugo e
aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis
descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo
é leve” (M t 11.28-30).

Estruturando Nosso Sábado, ou Sendo Estruturados por Ele

Imagine um dia inteiro de proclamação, instrução, louvor, comunhão


e edificação. Freqüentem ente, nosso cham ado para estar no m undo
requer ocasionais dias ou semanas inteiras de seminários de “educação
continuada” e, semelhantemente, conferências teológicas têm brotado
no cam po em nosso tempo. Entretanto, o que aconteceria se a cada
sem an a p u d é sse m o s, re a lm e n te , “p ro v a r os p o d e re s do m undo
vindouro” por meio da atenção prestada àquilo que Deus já fez, está
fazendo, e fará por nós através do seu Espírito em Cristo Jesus? Não
nos tornaríamos melhores pais sem aqueles atropeladores sermões sobre
paternidade? Não nos tomaríamos adoradores maduros sem ter a nossa
e d u c a ç ã o te o ló g ic a fo rç a d a nu m a ú n ica p a le s tra m a tin a l? N ão
desenvolveríamos relacionamentos mais profundos, ricos e duradouros
sem a necessidade de divãs banais acerca de como “fazer amigos”? O
c ristia n ism o não p o d erá ser in cu lcad o , m eram en te, po r m eio de
aforism os m orais ou de declarações e reafirm ações de proposições
v e rd a d e ira s. E le d e v e rá se r e x p e rim e n ta d o re g u la rm e n te num a
comunidade que está aí para ficar. Isso terá de ocorrer por meio de atos
e não apenas de palavras.
P o d em o s im p re c a r c o n tra o co n su m ism o até m esm o q u an d o
pertencemos às vastas massas cujos carros inundam os estacionamentos
dos shoppings no dia do Senhor. Não é esse, precisamente, o tipo de
atividade que Deus proibiu aos israelitas, quando os seis dias de colheita
do m aná não lhes foram suficientes? Um a tendência corren te em
algumas igrejas (especialmente as megaigrejas) está trazendo o shopping
para dentro da igreja, sugerindo indesejáveis paralelos com a expulsão
dos vendilhões do templo promovida por Jesus. Um artigo de um jom al
evangélico até mesmo menciona: “Esta manhã, quando Sandra W hitman
for à igreja, ela se ajoelhará para orar - e então, fará suas compras de
N atal” .
Poderíamos, também, mencionar os entretenimentos esportivos. Por
que gastamos horas diante de um jogo na televisão, mas consideramos
que Deus teve sorte por ter recebido nossa atenção por uma hora nesse
mesmo dia? Imagine quão revolucionário seria se a maioria dos cristãos
p a ra sse seus trab alh o s, suas com pras ou d e slig a sse suas TV s no
dom ingo. O pensam ento: “Eu gosto de estudar as E scrituras, m as,
simplesmente, não tenho tempo - que fazer com o meu trabalho e tudo
o m ais?” presum e que estejam os totalm ente entregues, à m ercê, de
forças além do nosso controle. Muitos de nós que dizemos isso temos
m uito tem po para diversão, compras, esportes e coisas sem elhantes.
Não teríamos de fazer mais do que recuperar a guarda do sábado cristão
a fim de ter mais tempo para crescer na graça e no conhecim ento de
nosso Salvador.
Esse tipo de observância seria um testemunho, para o m undo, de
que não somos escravos do Egito, presos das prioridades de uma cul­
tura gananciosa de m ercado e de entretenim ento. Seria, tam bém , um
ato de piedade em relação ao próximo. Não há dúvida de que o estresse
que se observa hoje nos casam entos e nas fam ílias tem m uito a ver
com o ritm o de trabalho e com a rede de atividades que m antém os
membros da casa espalhados pelos quatro ventos. De novo, lembremo-
nos da versão do quarto m andam ento encontrado em D euteronôm io,
aplicando-o não apenas ao povo de Deus: “Mas o sétimo dia é o sába­
do do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu
filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu boi,
nem o teu jumento, nem animal algum teu, nem o estrangeiro das tuas
portas para dentro, para que o teu servo e a tua serva descansem como
tu; porque te lembrarás que foste servo na terra do Egito e que o Se­
nhor, teu Deus, te tirou dali com mão poderosa e braço estendido; pelo
que o Senhor, teu Deus, te ordenou que guardasses o dia de sábado”
(Dt 5.14-15).
Podemos parar um pouco de consumir e aplicar-nos a obras de m i­
sericórdia. De fato, a prática de muitas igrejas é aproveitar o domingo
à tarde para visitar os idosos e enfermos. À m edida que nos recusar­
m os a subm eter esse dia à tirania do relógio e dos deuses que nos
atraem , provarem os um antegosto dos céus, além de proclam ar ao
m undo que Deus é, realmente, o nosso refúgio. Leve a família para um
passeio num a tarde de domingo e recitem juntos um salmo memoriza­
do, enquanto observam as belezas concretas da criação, as evidências
da queda e a prom essa da redenção. Peça que cada um exponha seu
entendim ento do sermão da manhã, e discuta com eles suas im plica­
ções. Você estará ensinando a fam ília a desligar o fone de ouvido do
burburinho da semana, para se deter e escutar. Cada um dos seus mem­
bros aprenderá o que significa tornar-se ouvinte praticante da Palavra
de Deus, integrando fé e vida.
Esse dia nos foi dado não porque somos fortes, mas porque somos
fracos. Muitos dos que responderiam a esse argumento com a objeção:
“Mas todos os dias são do Senhor!”, na verdade, não guardam todos os
dias para exclusiva atenção às coisas do Senhor. É mais certo que possa,
até mesmo, haver breves momentos de devoção no dia-a-dia e orações
periódicas, mas cada dia não terá sido dedicado ao Senhor, pelo menos
em parte, porque não terem os descoberto o enorm e poder do dia do
Senhor na orientação do nosso trabalho semanal. A idéia de que “todos
os dias da sem ana são dias do S enhor” leva à conseqüência não-
intencional de nenhum dia ser Dia do Senhor. Como Dorothy C. Bass
escreve com respeito ao Dia do Senhor, “Nenhum outro dia poderá ser
o m esm o depois deste dia específico”.109

Nós temos tempo

Uma das pressuposições de nossa época é a de que esta vida é tudo


o que temos, e assim, devemos gozá-la da m elhor m aneira possível.
Richard Bauchman e Trevor Hart escrevem:

Como visitantes numa galeria de arte que chegam vinte minutos


antes de fechar a exposição, nós correm os de peça de arte a
peça de arte, temerosos de perder algo importante. O horizonte
de nossa própria finitude nos assombra, e apressamos para nos
fartar o máximo possível, cada vez mais rápido e além, vendo e
provando mais e mais, tentando todas as opções da maneira como
podem os e enquanto temos tempo e, ironicam ente, em conse­
qüência, tendo menos tem po no final das contas. Terá havido
um a geração com tão pouco tempo para usufruir o mundo? Sem­
pre ansiosos pela próxima coisa, deixamos, com freqüência, de
saborear o m omento que nos é oferecido.110
O sábado semanal é uma bandeira plantada no m eio da praça em
que nos reunimos para protestar contra esse modo de vida. Coloca-se
em oposição àquilo que parece ser um fato da vida. “Não” - estaremos
dizendo - “de fato, tem os tem po para isso ” . A m igos, m em bros da
família, empregadores e empregados, sem dúvida olharão para nós como
cachorros quando ouvem uma sirene. Eles não têm tempo. Não é isso
que eles (e nós) dizemos o tempo todo? Quanto maior o tempo prometido
pela tecnologia - e, muitas vezes, promete e entrega - maior o grau de
escravidão ao relógio.
No fundo, gostamos disso. Imaginamos o que faríamos com a nossa
vida se não tivéssemos nosso trabalho. Por essa mesma razão, a igreja
se nos torna enfadonha: é uma distração do trabalho que realmente nos
dá prazer. Revertendo um pouco o dito de Agostinho: “Fomos criados
para o trabalho, e nosso coração não descansa até que encontre repouso
nele” . O sábado se contrapõe a tudo isso, e diz: “Você acha que o
‘tem po’ de Deus é de descanso no sentido de imobilidade? Anjos com
harpas pulando de nuvem em nuvem? Ao contrário, o único repouso é
o da cessação da luta, da tentação, da dúvida, do medo, da insegurança,
do distanciam ento de Deus e da condenação. Visto de outra maneira,
diz respeito ao lugar de maior atividade que existe” . Assim, o sábado
cristão, o domingo, não deveria ser tratado como um espaço em branco
na semana, mas como o espaço pleno e transbordante dos mais ricos
dons da atividade divina.
Como quem ama a vida, precisamente porque não tem de acumulá-la
(foi-nos dada como presente, não como objeto de consumo ganancioso),
som os levados a conhecer um pouco sobre o significado da m orte.
Este lado da vida não representa o último ato. M á como é, a tragédia
será transform ada em comédia. Deus rirá por último. As pessoas que
vivem apressadas e ávidas talvez tenham dificuldade para aceitar “a
ressurreição do corpo e a vida do porvir” . Em outras palavras, a inabi­
lidade para guardar o sábado talvez revele um problem a mais profun­
do ou de mais sérias conseqüências, a saber, que alguém crê somente
nesta vida e que a única coisa que subsiste são nossos legados: filhos e
m em órias de conquistas.
A lém da recuperação do Dia do Senhor, há outras m aneiras para
reconquistar o território submetido, e abrir um espaço em cada dia para
treinar a nós mesmos e a família nas coisas que realmente importam.
Educação no Lar: Recuperação da Arte Disciplinada do
Catecism o

Sem considerar a escola à qual enviamos nossos filhos para educação,


certam ente podemos concordar que seu desenvolvimento espiritual é,
principalmente, responsabilidade do lar. Até mesmo quando as igrejas
estão fazendo o que deveriam estar fazendo, elas não podem desconectar
(chamemos isso de hipocrisia) essa tarefa da responsabilidade familiar.
Se Deus não for importante lá, ele não o será em nenhum lugar - pelo
m enos, na mente das crianças.
Contudo, levem os isso um passo além. Im agine que você e sua
família tenham apreendido um “grande quadro” da totalidade da Bíblia.
V ocê conhece m uito bem, digam os, o ensinam ento bíblico corrente
sobre o m inistério profético de Cristo quanto à questão da revelação.
Quando você ouve alguém dizer algo que parece contrário à doutrina
da Trindade, uma campainha dispara. Você poderia identificar um desvio
e articular uma resposta para ajudar um amigo recém-convertido. Poderia
discutir fluentemente sobre verdades da Escritura e sustentar as crenças
básicas com referência a passagens em particular. É isso, precisamente,
que a antiga prática do “catecism o” proporcionou a m uitas gerações
de cristãos.
Historicamente, muitos cristãos têm acreditado que o contexto religi­
oso principal da instrução religiosa e moral é o próprio lar, não a igreja.
Por isso é que os reformadores protestantes prepararam catecism os —
manuais de instrução que resumem os ensinos bíblicos básicos para se­
rem aprendidos de cor (de coração!) nos primeiros anos de vida (como
uma nova linguagem) e, então, investigados, elaborados e, até mesmo,
testados pela reflexão escriturística m adura nos anos que se seguem.
Houve um tempo no qual um jovem cristão m ediano sabia de cor as
perguntas e respostas do Breve Catecismo de Westminster, do Catecis­
mo de Heidelberg, ou do Breve Catecismo de Lutero. Lem bro-m e de
uma senhora que, poucos anos atrás, retornou à igreja após algum tempo
de abandono por causa de uma vida de imoralidade. “Eu nunca pude
tirar da m inha cabeça as perguntas e respostas que tive de decorar”,
disse ela a respeito do catecismo que aprendera na sua juventude.
N ão há m uito tem po, era ainda com um que os pais, depois das
aulas ou aos sábados, levassem seus filhos à aula de catecism o, as
quais eram suplem entadas pelos pais ao redor da m esa, durante as
refeições. C ertam ente, para m uitas crianças, esse aprendizado era
artificial e irrefletido, o que ocorria, em grande parte, em razão da falta
dos pais que os enviavam para “aprender fora”. As crianças retom avam
aos lares para encontrar pouca prática da realidade viva da verdade -
aprendendo, indevidamente, a separar a teoria da prática. Contudo, a
hipocrisia pode ocorrer à parte do treinam ento do catecismo. Imagine
a enorme diferença que a recuperação dessa prática poderia fazer em
diversos níveis — diferenças práticas que um mês de “sermões práticos”
e de programas falharam em conseguir.
R ichard R. Osmer, um professor do Princeton Sem inary, aponta
p a ra o d e c lín io do u so do c a te c ism o com o a m aio r fo n te da
desintegração das denom inações tradicionais. “Em algum lugar, ao
longo do caminho, a igreja falhou em relação a essa gente” e, agora,
ela se encontra do lado de fora - atraída por religiões exóticas ou por
nenhuma religião. “A igreja falhou em providenciar para as pessoas os
recursos intelectuais e espirituais necessários para a vida no m undo
pós-m oderno.” 111 Além do culto público, Osmer observa, o catecism o
form ou gerações de crentes que — até mesmo na juventude - tinham
m aior apreensão da Escritura e de seus ensinam entos do que m uitos
pastores de hoje. “A seqüência de batismo infantil, instrução catequética
e ad m issão à C eia do S enhor p ro v id e n c ia v a m a e stru tu ra para a
educação que dominava a maior parte das igrejas protestantes desde o
p eríodo da R eform a até fins do século X IX .” 112 O sm er resum e as
m udanças como se segue:

A mais recente foi a da crítica iluminista da autoridade dogmática.


Em alguns cantos, o ensino do catecismo veio a ser visto como
o epítome da doutrinação autoritária. Mais importante nos Esta­
dos Unidos foi o desafio do movimento de escolas dominicais.
Orientado ao leigo e evangélico em termos de teologia, o movi­
mento paraeclesiástico veio dar forma à vida congregacional no
correr do século XIX e deixou a instrução catequética em uma
posição secundária. Por volta do início do século XX, sobretu­
do, a linguagem dos catecism os pareceu crescentemente arcai­
ca; começaram a ser levantadas questões sobre a viabilidade da
teologia expressa nos catecismos... Mas esses programas foram
m inados por dois desenvolvim entos subseqüentes. O prim eiro
foi o surgim ento da teoria educacional e psicológica m oderna
que atacou as pressuposições básicas do program a educacional
humanista com o qual a instrução catequética foi associada. De
m odo breve, esses campos em ergentes colocaram mais ênfase
sobre o papel ativo do aprendiz na construção do conhecim en­
to, e defenderam um estilo orientado à experiência emergente
da criança. Os métodos baseados no texto utilizados pela edu­
cação humanista, a qual enfatizava a intem alização dos modos
de falar e de escrever, foram rotulados com o sendo contra a
criança e excessivam ente autoritários.113

Segundo Osmer, a restauração do catecism o é essencial, especial­


mente porque o jovem comum de hoje está falando múltiplas “lingua­
gens” e vivendo em m últiplos “m undos” de pensam ento e de ação.
Esse jovem precisa obter fluência na linguagem cristã. Conquanto, no
passado, um bom núm ero de instituições públicas e privadas com bi­
nassem a instrução geral com a instrução da Escritura, isso hoje não
ocorre mais. Se as igrejas e os lares não catequizarem a próxima gera­
ção, isso não acontecerá na Associação Cristã de Moços nem em qual­
quer outra instituição parecida.

Se Paula (uma criança que ilustra essa tendência) segue o padrão


do jovem moderno comum, ela assiste a trinta horas de televisão
por semana, e por volta dos 12 anos terá visto cerca de cem mil
episódios violentos e treze mil pessoas sendo destruídas. Não
terá recebido educação cristã em sua escola e quase nenhum a
educação moral. Se ela seguir o padrão encontrado na m aioria
das escolas de educação superior desde a década de 50, Paula
experim entará um grande impacto da secularização sobre sua
fé, mediador entre o relativismo intelectual e o ecletismo cultural
que dom ina nosso m undo pós-m oderno.114

A lém disso, as teorias educacionais e psicológicas m odernas têm


tornado mais difícil a educação dos nossos filhos.

D epois de quase um século de educação religiosa experim en­


tal - com sua pesada ênfase no processo acim a do conteúdo,
na criativ id ad e pessoal acim a da identidade com unal, e na
em ergência da experiência acim a do conhecim ento bíblico-te-
ológico - é seguro dizer que os membros das igrejas tradicio­
nais sabem menos sobre a fé, têm menos comprom isso com a
ig reja, e estão m enos equipados para p ro d u zir im pacto no
m undo à sua volta, do que no início do século XX... O ensino
do catecism o não será a cura para a enfermidade que presente­
m ente assola a igreja, mas poderá representar o ponto de parti­
da para um m ovimento na direção da reform a de que desespe­
radam ente n ecessitam os.115

C rescente interesse vem im pulsionando um a pequena indústria


virtual de novos guias de catecismo adequados às diversas idades, tanto
para a igreja quanto para o lar. De novo, somos lembrados a respeito
da im portância da prática na igreja. Contudo, não será im portante
aquiescer a todas as doutrinas certas, a menos que, realmente, creiamos
nelas. E somente poderemos adentrar as verdades da Palavra de Deus
com confiança por meio do crescimento no seu conhecimento, à medida
que a experimentamos na comunhão do povo de Deus. Somos formados
em nossas crenças tanto por meio das práticas concretas do culto e da
escolha adequada daquilo que cantam os ao longo dos anos quanto
pelas proposições que professamos.
Um reavivam ento das práticas do cristianism o tradicional, cujo
sucesso traz as marcas de impressionantes séculos de testemunho vital,
não parecerá ou não deveria parecer, contudo, com aquilo que houve
no prim eiro século, no quinto século, no décim o prim eiro, décim o
sexto, ou décim o oitavo. Não deveria parecer com o que houve em
nenhum outro século, despojado dos seus antecedentes. Sem dúvida,
haverem os de encontrar nosso cam inho de volta aos recursos neles
acumulados, mas como pessoas de nosso próprio tempo e lugar. Fazendo
isso, serem os surpreendidos com quanto os nossos p roblem as se
assem elham àqueles enfrentados por nossos irmãos e irmãs de outros
tempos e lugares. Seremos alçados além do nosso esnobismo em relação
ao passado, o qual dá a impressão de que nossa geração é a única que
importa na história da igreja. Encontraremos, também, novas questões,
as quais eles nos ajudarão a responder: Como poderem os usufruir o
sábado em nossos dias de igrejas distantes das casas dos m em bros?
Como a prática regular do catecismo deverá acontecer hoje, num mundo
com excesso de com prom issos ou de lares desfeitos? H averá uma
emergente aproximação à música que vá além do beco do “tradicional
versus contem porâneo” , e vice-versa? Se, de fato, estilo não é algo
neutro, qual deverá ser o critério para o seu desenvolvimento, de maneira
que se cumpra o que foi dito: “Habite, ricamente, em vós a palavra de
Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a sabedoria,
louvando a Deus, com salmos, hinos e cânticos espirituais, com gratidão,
em vosso coração” (Cl 3.16)? Essas serão questões im portantes para
nós som ente se aceitarm os o desafio de nos m over nessas direções.
Poderem os esperar variedade à m edida que nós mesm os assum irm os
nosso tem po e lugar, entendendo e incorporando o que veio antes de
nós, mas sem nos escravizar a imitações quer do que está aí quer do
que veio antes de nós.
O “ruído” do m undo m oderno nos cham a - em bora já tenham os
sido reclam ados pela voz do Outro — e continuará a cham ar nossos
filhos e netos de m aneira ainda mais premente. Entretanto, não temos
de aceitar esse estado de coisas como se fosse um fado - não mais do
que fazem os com qualquer outra conciliação com o m undanism o. E
conquanto nossas respostas à cham ada de D eus não sejam apenas
variadas, mas caracterizadas também por fidelidade ou infidelidade -
às vezes, até m esmo, sim ultaneam ente - Deus nos dará a graça que
nos perm ita retirar o falso brilho am arelo do “ruído” de uma época
decadente e, jubilosos, cantar:

Se, pela tua graça, a Sião pertenço,


Infâmia e dó não contam - ao teu nome incenso.
Desm aia o mundo, seus prazeres e seus brilhos,
Ante as riquezas que reservas aos teus filhos.

John Newton
Doze
Buscando o Perdido
sem Perder o Alcançado

Eis aqui um dilema. Muitas igrejas, hoje, em vez de buscar as pes­


soas que estão fora delas, buscam as que já estão dentro. A modernidade
c o n trib u iu m u ito p a ra o ro m p im e n to do te c id o g e ra tiv o e do
arraigam ento que procedem dos com prom issos duradouros. Segundo
algum as estatísticas, o candidato m édio para uma igreja “de busca”
não é o descrente, mas o freqüentador relapso. Este já tem sido desar-
raigado e transplantado tantas vezes em sua vida que qualquer com u­
nidade com fundam entos profundos e firm es só poderá lhe parecer
uma igreja que cresce “para dentro”.116
Não se registrou, durante este período de ênfase em megaigrejas, ne­
nhum crescimento significante no número de conversões ao cristianis­
mo que possa ser a elas atribuído. D esse modo, podem os concluir,
justificadamente, que o crescimento aparente das megaigrejas é resulta­
do da absorção de membros de igrejas pequenas e melhor fundadas.117

Interessados ou turistas?

M uito já se tem escrito e dito em anos recentes acerca do desenvol­


vim ento m arcante do turismo. A cada verão, europeus experim entam
emoções confusas à m edida que turistas americanos e japoneses che­
gam com suas câmeras penduradas no pescoço como se fossem cola-
res. A propaganda: “Veja a Europa em dez dias”, é tom ada ao pé da
letra por turistas que, na verdade, não pretendem conhecer a cultura -
querem somente tirar fotos e ter a experiência. Talvez isto seja um pou­
co cínico, mas vale a pena perguntar se a m istura de consum ism o e
turism o não estaria evidente na m aneira como o m undo contem porâ­
neo se aproxima da religião e da espiritualidade. Nós os chamamos de
interessados, mas “turistas” seria um termo mais adequado. O term o
interessado implica uma noção de propósito final. Alguém terá de bus­
car algo em particular para que possa ser qualificado como “interessa­
do”, mas estamos acostumados a ser consumidores e espectadores das
experiências de outras pessoas. Ao contrário dos interessados, os turis­
tas não têm a intenção de se comprometer com aquilo que estão bus­
cando e, porventura, venham a encontrar. Estão fascinados com quase
tudo, assim como “fazer a Ásia” é fascinante, até mesmo quando vista
através dos vidros fum ê das janelas dos trens e de ônibus. Isso não
significa uma derrota para o evangelho, uma vez que este é “o poder
de Deus para a salvação”. Ele pode alcançar as pessoas em seus cami­
nhos e pôr um fim em seu turismo espiritual. Entretanto, se essa verda­
de cativante não estiver presente nas igrejas de seu itinerário, os inte­
ressados continuarão a ser turistas - conhecedores de experiências re­
ligiosas em conjunto com outras mais.
O ex-Secretário do Trabalho do governo americano, Robert Reich,
observa: “Em vez de nos libertar, o novo mundo de escolhas está nos
tornando mais e mais dependentes de especialistas da persuasão” . 118
Em relação à igreja, eu diria, isso faz dos pastores meros agentes de
viagem. Reich está certo sobre isto: estamos tão preocupados com es­
colhas pequenas que temos pouco tempo para investir a longo prazo,
na comunidade, na instrução, em relacionam entos e obrigações. Per-
deu-se toda a noção do que seja um a com unidade pactuai. Com o
D eborah Stone explica: "... a verdadeira liberdade é algo mais que a
não-interferência na liberdade pessoal” .119 E acrescenta:

Ultimamente, a liberdade tem assumido uma forma consumista:


a possibilidade de escolher dentre uma farta amostragem de bens
em todos os aspectos da vida... Há somente um problem a com
essa visão de que a vida boa é como se ver solto numa megaloja:
muitos de nós, à medida que começamos a elaborar nossos pla­
nos de vida, desejamos coisas que não são oferecidas nas prate­
leiras. Queremos vaguear em nossa im aginação e criar coisas
que ainda não existem. Queremos conexão e autonomia. Que­
remos amar e ser amados. Queremos entendimento, lealdade e
compaixão. Queremos os prazeres do trabalho conjunto em pro­
jetos significantes. Ninguém - muito menos o mercado e as pes­
soas nele envolvidas - poderá jam ais produzir e empacotar es­
sas coisas para nós. Não são coisas que estejam à nossa escolha.
São coisas que temos de fazer, e não podemos fazê-las em isola­
mento. E por que não podem os fazê-las no m ercado? Porque
m ercados são projetados para desconectar pessoas ao prim eiro
sinal de problem a. Quando nos desapontam os com algo que
compramos no m ercado, não devolvem os mais o produto. Se­
quer nos preocupam os m ais com explicar aos outros a razão
pela qual estamos descontentes. Encontramos outro fornecedor.
Como uma criança em relação aos seus brinquedos, quando nos
cansam os de algo, ou algo deixa de nos dar prazer, estam os
prontos para partir.120

Igrejas orientadas por princípios de crescim ento do m ercado não


podem evitar a perda e a dissolução com pleta da interconexão das
comunidades cristãs. Esse tipo de aproximação não apenas leva a igreja
a prometer o que não pode entregar, como é, também, intrinsecamente
resistente aos valores que preservam perm anência da comunidade em
meio a lutas e vitórias. O que Deborah Stone diz aqui é verdadeiro em
relação a muitas igrejas: “Sequer nos preocupamos mais com explicar
aos outros a razão pela qual estamos descontentes. Encontramos outro
fornecedor. Como uma criança em relação a seus brinquedos, quando
nos cansamos de algo, ou algo deixa de nos dar prazer, estamos prontos
para partir” . Conquanto os princípios de m ercado, incluindo a m aior
lib e rd a d e de e sc o lh a p o ssív e l, p o ssam o fe re c e r v a lio so s alv o s
econôm icos, eles se tornam altamente corrosivos quando perm item o
estabelecimento de critérios para as coisas mais importantes da existência
humana: relacionamentos, instituições cívicas, educação, artes e igrejas.
D avid B rooks, em seu liv ro B obos in P a ra d ise, ex p lo ra esse
fenôm eno cultural de escolhas ilim itadas.121 Tendo entendido que a
espiritualidade da N ova Era e a religião de bufê variado tendem a
prom over a “espiritualidade preguiçosa” , a nova classe ascendente
(“B obos”) entendeu, tam bém, que “a deposição da velha autoridade
não nos conduziu a um a m anhã gloriosa, antes, porém , nos levou a
um a alarmante perda de fé na instituição, à confusão espiritual e à ruptura
social. Assim, se você olhar para o mundo Bobo, verá pessoas tentando
reconstruir conexões”.122 Ao mesmo tempo, elas ainda valorizam sua
própria liberdade de escolha como o compromisso inegociável. Embora
seja um judeu não-praticante, Brooks observa: “A vida de perpétua
escolha é uma vida de perpétuo anseio como se instigada pelo desejo
infindo de experimentar a próxima coisa. Mas, talvez, aquilo pelo que
a alma anseia seja não a variedade de interessantes e móveis insights,
mas uma única verdade universal. Talvez, agora seja a hora, diz o Bobo,
de redescobrir antigos valores, de se reconectar com a vida paciente,
arraigada e descom plicada”. 123 Brooks cita uma edição do New York
Times Magazine sobre religião, cuja manchete era: “A Religião Faz um
Retom o (Crenças a Seguir)”.124 Ninguém poderá viver para sempre na
base do entusiasmo e do gosto pessoal:

Tendo a alm a pintada com nuances de cinza, nada encontram


de heróico, nada de inspirador, nada que leve a vida a um ponto
definido. Algumas vezes, olho ao redor e penso que teríam os
atingido essas reconciliações (entre escolha e significado) ape­
nas tornando-as mais superficiais, por simplesmente ignorar os
pensam entos mais profundos e os ideais mais altos - que nos
torturariam se, realm ente, parássem os para avaliar a nós m es­
mos segundo sua medida. As vezes, penso que somos demasia­
dam ente condescendentes conosco m esm os.125

Quando a Relevância Torna-se Irrelevante

W illiam W illimon, deão da capela da Duke University, encontra-se


entre o grande número de pós-liberais do tradicionalism o protestante
que tem reconhecido que já chegam os a um impasse. Tendo aberto
mão da singularidade da fé cristã em troca da confusão de um a sopa
cultural, tudo em nome da “relevância”, o resultado tem sido o extremo
oposto. Ele escreve:

Sou um tipo de cristão tradicional-liberal-protestante-m etodista.


Sei que tem os nos aproxim ado da Escritura de m odo “leve” .
Norm an Vincent Peale exerceu m aior efeito em nossa prega­
ção do que S. Paulo... Sei que somos rápidos e soltos em rela­
ção à Escritura. Contudo, sempre tive essa fantasia de que, em
algum lugar distante haveria pregadores que pregassem a tota­
lidade de Gênesis a Apocalipse, sem sequer piscar os olhos...
C onfortava-m e a idéia de que, enquanto eu pregava um ser­
m ão com prom etido, um rebaixam ento do evangelho à m oda
de Peale, haveria, em algum lugar, bons pregadores à m oda
antiga, crentes na Bíblia, que estariam oferecendo a Palavra
não-adulterada às suas congregações. Pode, você, im aginar a
m inha desilusão ao perceber que muitos dos autoproclam ados
pregadores bíblicos de hoje soam mais tradicionais liberais que
os próprios tradicionais liberais?126

C onquanto evangélicos e outros conservadores protestantes, em


princípio, m antenham um alto conceito da doutrina, as últim as duas
décadas, especialmente, viram crescente desprezo pelo preparo de ser­
m ões expositivos da E scritura; antes, a B íblia tem sido usada, fre ­
qüentem ente, apenas como fonte de citação para comprovação daqui­
lo que queremos dizer.
E difícil argumentar contra a afirmação de que as igrejas protestantes
tradicionais tornaram-se triviais, irrelevantes e que estão perdendo seus
membros de maneira bem rápida. Entretanto, W illimon também adverte
os evangélicos quanto a estarem cometendo os mesmos erros que eles,
ao assum ir que nossa tarefa seja a de tornar o cristianism o relevante
para o homem e a mulher contemporâneos. Em vez disso, deveríamos
levá-los a fazer a crítica de suas próprias crenças e compromissos à luz
da narrativa cristã. Ao tentar “traduzir” o cristianismo para aquilo que é
adequado às pessoas contemporâneas, esvaziamos seu significado, seus
gumes afiados e a dissonância radical que existe entre a cidade de Deus
e “este mundo mau e transitório”. W illimon escreve ainda:

Sem confiança no poder de nossa história para tornar efetivo


aquilo que se fala, a fim de despertar novas pessoas a partir do
nada, a nossa comunicação perde seu caráter. Nada é dito que
não possa ser ouvido em qualquer outro lugar... Infelizm ente,
m uito da teologia que aprendi no sem inário estava traduzido
dessa maneira. Tome uma imagem bíblica e traduza-a em algo
mais palatável para pessoas que entendem de cozinha. A igreja
moderna está disposta a falar a linguagem de todo mundo, menos
a sua própria. Em contextos conservadores, a linguagem do
evangelho é trocada por asserções dogmáticas e moralismo, por
psicologias de auto-ajuda e m antras narcóticos. Na linguagem
liberal, a conversa gira em tom o do ultraje do discurso cristão e
acaba sendo uma inócua, ainda que urbana, afirmação da ordem
regente. Incapazes de pregar a Cristo, e este crucificado, pregamos
a hum anidade e, esta, m elhorada... A m aior parte das pessoas
fica sob a impressão de que pregamos a partir de nossa própria
mente. Elas dizem: “Aí está um balão cheio de ar quente... mas
ele visitou minha mãe no hospital nesta semana... Vou dar uns
vinte ou trinta minutos para que ele dê vazão à sua opinião política
em troca de sua bondade”. (“Ele está cheio de ar quente, mas é
o nosso ar.”)127

Argumentando em favor da autoridade do texto bíblico na pregação,


W illimon insta as igrejas a que parem de pregar às massas e comecem
a pregar para os batizados: “O batism o declara que nos reunim os e
falam os sob um a identidade que desafia e am eaça todas as outras
identidades” .128
N ão m u ito tem p o a trá s, d e p a re i-m e com um a d isc u s s ã o no
Leadership Journal, na qual Lee Strobel, então pastor da Willow Creek
Community Church, expressou a visão comumente aceita da pregação
como sendo uma “tradução” :

John Stott disse, uma vez, que uma boa pregação começa com a
Bíblia e, então, constrói uma ponte para o mundo real, o que eu
penso que é verdadeiro para os crentes, pois eles confiam na
Bíblia. Entretanto, para os incrédulos, descubro que, geralmente,
o reverso é que funciona: parto do mundo real, conectado com
suas necessidades e m ostro-lhes que entendo a sua situação.
Baseado nisso, mostro-lhes a relevância da Escritura. Construo
uma ponte do mundo real para o mundo da Escritura.129

Porém , esta é, exatamente, a questão: Será possível saber o que é


o “m undo real” fora de sua descrição divina? O m undo real é uma
criação m aravilhosa de Deus, atualm ente escravizada ao pecado, so­
frendo o mal e dor por causa da rebelião humana, mas redim ida em
Jesus Cristo, o qual virá de novo para renovar todas as coisas. Além
disso, não construiu Deus uma ponte, da Palavra para seus ouvintes,
por m eio de nos enviar como seus pregadores para anunciar seu ju l­
gam ento e perdão?
Na “herm enêutica da tradução”, a cultura assum e, geralm ente, o
idioma da terapia, e em vez de a pregação estar ligada ao batismo (ser
sepultado com C risto e nascer de novo nele com o m em bros de sua
contracultura), ela se liga a qualquer que seja o ponto de contacto com
este mundo. A palavra de Deus é que deve nomear “este presente século
m au” para nós, uma época que tanto está sob a graça comum de Deus
- já e ainda não - quanto participa de maldição comum.
Ouvim os mais e mais que aquilo que nos une é a m issão, não a
te o lo g ia . E n c o ra ja -se a d iv e rsid a d e d o u trin á ria , c o n q u a n to haja
concordância quanto à missão e aos métodos. “M issão” e “evangelismo”
correm o risco de ser explorados como uma ordem de libertação da
cadeia para qualquer capitulação à cultura, que se possa imaginar. Como
isso poderia deixar de frutificar no tempo certo? A sugestão de W illiam
James, de que a melhor religião não seria a mais verdadeira, mas aquela
que produz os resultados mais favoráveis na vida de alguém e para o
m undo (definido, é claro, pelo indivíduo e pelo mundo), acaba sendo
adotada pelas próprias igrejas.
Entretanto, é impossível limitarem-se essas críticas a uma única parte
da igreja visível de hoje. Estou cada vez mais inseguro sobre o que
encontrarei na próxima igreja que visitar, qualquer que seja seu nome,
sua denominação ou posição confessional. E maior o número de vezes,
perto de um quarto delas, em que a pregação que eu esperava ouvir,
independente de nuance de estilo (tradicional ou contem porâneo), de
política (esquerda, centro, direita), e de ilustrações (pop ou alta cultura),
não tem comprom isso com o texto da Escritura. M esmo que haja um
compromisso teórico com uma visão mais alta da Escritura nas igrejas
conservadoras, elas dão, hoje, a impressão de que aquilo que o pregador
tem a dizer é mais importante - ou pelo menos mais interessante - do
que aquilo que Deus pode ter dito. Parece que bem pouco trabalho
exegético sério tem sido feito, hoje em dia, para a elaboração dos
sermões, e isso só poderá encorajar, no próprio ato da pregação, um
su b -re p tíc io , m as efetiv o , p ro cesso de secu larização das ig rejas.
Raramente se encontrará nas pregações um senso de que a Palavra de
Deus se opõe a qualquer coisa que seja considerada em polgante em
nosso tem po, exceto a crise m oral, à qual quase todos os que se
achegarem às nossas igrejas já terão se oposto.
Freqüentem ente, a presunção é que é correto falar sobre D eus,
pecado, graça, redenção, justificação, santificação, e daí por diante,
desde que a ênfase recaia sobre a aplicação. A redação do Leadership
Journal propôs a Lee Strobel e ao pastor jubilado, Gardner Taylor, a
seguinte questão: “T rinta anos atrás, um serm ão sobre Elias e sua
experiência no deserto de Horebe teria enfatizado a soberania de Deus
e sua providência. No clima terapêutico de hoje, geralmente a aplicação
é a de como lidar com a estafa e a depressão. É legítima essa troca de
ênfase?” Taylor respondeu: “Qualquer tipo de aplicação que não traga
o aspecto vertical do sermão — o impacto de Deus na vida humana -
não poderá ser chamada de sermão. Não há desculpa para o pregador,
se ele não falar ao povo da parte de Deus - uma tarefa presunçosa,
certam ente, mas que fomos chamados a realizar. E a menos que ela
seja feita, não creio que tenha havido um sermão. Strobel, por outro
lado, buscou um meio-termo: “Num extremo há a m ensagem vertical
que enfatiza a doutrina ou a natureza de Deus, mas na qual, infelizmente,
falta aplicação. Esses sermões, geralmente, não cum prem aquilo que
acredito ser o objetivo da pregação, isto é, a m udança de vida... A
resposta está no m eio-term o” .130 Entretanto, a pressuposição correta
não é a de que a revelação que Deus faz de si mesmo e de seus atos de
poder na História é, em si mesma, transformadora?
Se D eus não é m ais o foco e o ato r p rin c ip a l do dram a, não
surpreende que a própria pregação “vertical” seja traduzida para um
m eio-term o. Certam ente, podemos alcançar a transform ação de vida
por mais efetivos meios. De fato, o próprio ato da pregação - para não
falar do ofício de pregador - está, cada vez mais, perdendo a importância
como ministério, tanto literal como figuradamente, distanciando-se do
púlpito e concentrando-se na pessoa do pregador e não no embaixador
de Deus.
Strobel tipifica a conclusão lógica que os evangélicos, a despeito de
sua teoria sobre a Escritura, parecem praticar nestes dias:

Não creio que a questão seja, necessariamente, se a mensagem


é expositiva, tópica ou textual. Certa vez, preguei uma mensagem
que não era bíblica no sentido de que não citei a Escritura. Quis
pregar uma simples mensagem do evangelho, e assim, montamos
o cenário de um a floresta no palco da igreja. Um a garotinha
assentou-se no meu colo, e eu li para ela um livro para crianças,
chamado Adam Raccoon at Forever Falls (O racum Adão na
perpétua queda), um a poderosa alegoria do evangelho... Li a
história e, então, fechei o livro; a menina pulou do meu colo. Aí,
olhei para a audiência, e disse: “Isso que vocês ouviram foi o
evangelho de Jesus Cristo, contado de m aneira diferente” .131

Embora Strobel, talvez, não pretendesse, a dedução foi que a Escri­


tura não é suficiente para a pregação e para o evangelismo. “Quis pre­
gar uma simples mensagem do evangelho e, assim, montamos o cená­
rio de uma floresta no palco da igreja” levanta a im portante questão
quanto a se ainda podemos contar com a Palavra de Deus para nos dar
um a mensagem simples do evangelho. Além disso, o que dizer sobre
a autoridade da P alavra de D eus no culto, quando o racum A dão
pode ser visto como substituto suficiente? Por que, então, foi preciso
acrescentar para a audiência: “Isso que vocês ouviram foi o evange­
lho de Jesus C risto contado de m aneira d iferen te” ? É com o se os
vastos trechos da narrativa do Antigo e do Novo Testam ento agora
pertencessem a uma era ultrapassada que não pudesse nos contar his­
tórias. (De fato, a arte de contar histórias pertence m ais ao passado
que ao presente.) Será que isso não cria a impressão de que a Bíblia
está além do alcance das pessoas, além do seu entendimento? Essa já
é a im pressão de muitas pessoas nas ruas e de um crescente número
de pessoas nas igrejas.
À m edida que essas práticas tornam -se m ais aceitáveis para as
p essoas, o papel do p asto r e o lugar da pregação tornam -se m ais
ambíguos. Há algumas gerações, o pastor se colocaria atrás do púlpito,
sabendo que estaria pregando a Cristo e não a si mesmo. Ele não estava
ali para pontificar, m oralizar ou discorrer sobre hipóteses. Havia um
senso de que o m inistro não estava ali por ser uma pessoa fantástica,
por ter bons insights, ou para vender um bom produto, mas porque ele
era bem instruído nas línguas originais, na exegese, na teologia e havia
sido cham ado ao púlpito com o em issário de Deus. A m edida que o
reavivalism o se espalhou, o pregador se deslocou do púlpito para o
palco e do palco para o púlpito. Hoje, o pregador poderá ser achado
passeando no meio da audiência, mais como um anfitrião de programa
de entrevistas na TV. Não intencionalmente, estamos passando o sinal
de que o m eio principal da graça de Deus é apenas um m étodo que
pode ser adotado ou deixado de lado. “Eu tento planejar cada sermão”,
diz Strobel, “de m aneira a suplem entar a im agem m açante de um
pregador isolado e falando sozinho. Por exemplo, sempre que posso,
tento integrar o vídeo na m inha pregação.” 132
Não posso evitar observar a semelhança entre a negação prática da
suficiência da Escritura em nossos dias e a da igreja m edieval. “As
imagens não deveriam ser perm itidas nas igrejas como auxiliares no
ensino do iletrado?” - pergunta o Catecismo de Heidelberg. “Não, não
deveríam os tentar ser mais sábios do que Deus. Ele quer que o seu
povo seja instruído pela pregação viva da sua Palavra.” 133 Contraste
essa atitude de “nadar contra a correnteza” com o seguinte fatalism o
não-heróico com o qual me deparei numa entrevista jornalística feita
com um pastor: “As igrejas evangélicas têm se desenvolvido com base
em cu id ad o sa exegese e em longos serm ões. C ontudo, creio que
estam os chegando a um ponto em que não resta nenhum conteúdo
intelectual no sermão. Assim, seremos levados ao poder da liturgia e à
com unicação do evangelho por m eio das artes” (ênfase acrescenta­
da).134 Por que reagir à carência de conteúdo intelectual nos sermões,
voltando-nos aos bezerros de ouro? Será essa realidade um destino
inexorável e impossível de se combater? Por que não reagir ao problema
causado por sermões m edíocres, sugerindo melhores serm ões e mais
substanciais? Isso é tudo que podemos esperar dos pregadores de hoje e,
conseqüentemente, temos de escolher outro meio de comunicação?
Os defensores da aproximação orientada ao interessado devem ser
apreciados em função de seu zelo missionário. Além disso, eu mesmo,
para apontar um, sou grato por ter sido desafiado a considerar alguns
dos seus argumentos. Não obstante, “não deveríam os tentar ser mais
sábios do que Deus”, o qual já se acomodou à nossa fraqueza. Devemos
deixar de presumir que estamos alcançando o perdido, se não estamos
proclam ando claramente a justiça e a m isericórdia de Deus no drama
da redenção centrada em Cristo, conforme descrita na Escritura. Stanley
Hauerwas toca nesse ponto: “Nós aceitamos a política da ‘tradução’,
crendo que nem nós nem nossos vizinhos não-crentes ou meio-crentes
deveríamos ser submetidos à disciplina do discurso cristão” .135 Essa é,
precisamente, a presunção - ele argumenta - a ser confrontada.
Um a propaganda de um a nova paráfrase da B íblia está sem pre
aparecendo no vídeo. Página inteira, e a fotografia colorida de um a
m ulher que parece jovem , sofisticada, e bem educada, dizendo com
uma ponta de cinismo o que vem em destaque: “Pastor, se você quer
me alcançar, é m elhor cuidar da sua linguagem ”. As letras m enores
dizem: “Preocupada com prazos de entrega e contas a pagar, ela tem
pouco tempo para o alimento da vida espiritual. Você não pode se dar
ao luxo de perder sua atenção ao se referir a passagens bíblicas obscuras
ou de difícil entendim ento” . Nós aceitam os essas propagandas quase
como se fossem uma nova manhã surgindo como uma dádiva. Se essa
m ulher fosse representativa da maneira como todos em nossas igrejas
pensam e vivem, então, certamente, deveríamos seguir o conselho.
Entretanto, isso é, exatamente, o que estamos objetando aqui. Por
que não poderia, um bom pastor, responder: “Não, não se trata de tom ar
as coisas m ais confortáveis para você. Se você é batizada, então a
linguagem que a Bíblia usa é a sua linguagem. Você tem de fazer um
esforço para entendê-la, para viver no seu mundo e para respirar o seu
ar. Se você tem sua atenção tão desviada para prazos finais e contas a
pagar que não separa sequer uma hora por semana para a sua fé, então,
perdoe-me por não pôr a perder o restante da minha congregação, por
sua causa” .
C ertam ente, há m aneiras rebuscadas de se falar que incom odam
tanto quanto um dedo m achucado, até m esm o para pessoas instruí­
d as na E s c ritu ra , e d e v e ría m o s e v ita r c o isa s co m o p s e u d o -
intelectualism o e afetação. Contudo, enfrentem os isto: a pregação e
os sacramentos são comunicações próprias da igreja. As pessoas não
podem, simplesmente, vir das ruas e esperar que a nutrição da com u­
nidade do pacto seja facilm ente acessada sem qualquer esforço para
aprender a nova linguagem. Fazemos isso todo o tempo quando con­
sideramos importante, como aprender a linguagem do computador, a
linguagem especializada do nosso cam po de trabalho, as histórias e
piadas com uns à fam ília, etc. Conheço pastores que fazem graça a
respeito da m em orização do catecism o nestes dias de “mensagens de
curta atenção” , mas citam de cor as estatísticas de jogos esportivos
desde os anos de 1960. Imagine a narração de um jogo de futebol na
qual só se pudesse utilizar um a linguagem que alguém alheio a esse
esporte pudesse convenientem ente entender. A propaganda m encio­
nada presum e não que o cristianism o tem de ser traduzido, mas que
sequer precisa ser comunicado, a menos que seja im ediatam ente en­
tendido pelo não-cristão ou cristão professo que não exercite sua fé
além do prédio da igreja.
D. L. Moody disse, uma vez, em tom jocoso: “Eu poderia escrever
o evangelho numa moeda de dez centavos”. Semelhantemente, pessoas
têm me perguntado sobre o que eu diria a uma pessoa num elevador, se
tivesse de explicar o evangelho, como se minha resposta - na verdade,
extremamente breve e simples -justificasse um cristianismo medíocre.
Aqueles que pertencem à igreja - e esses adoradores são a principal
atenção do culto - deveriam esperar a aplicação de m ais tem po na
m ineração das riquezas da graça de Deus do que alguém preso num
elevador por um minuto e meio.
Não é propósito da igreja o mero esclarecimento ou o falar essencial­
mente aquilo que as pessoas já sabem e que podem achar em qualquer
outro lugar da cultura secular. No caso do evangelho, trata-se da cita­
ção das palavras de Jesus e de seus amigos. Lem bram os o apelo de
Paulo aos cristãos de Roma: “Rogo-vos, pois, irmãos, pelas m isericór­
dias de Deus, que apresenteis o vosso corpo por sacrifício vivo, santo
e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis
com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente,
para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade
de D eus” (Romanos 12.1-2).
Isso, parece-me, é um dos aspectos mais empolgantes e desafiadores
do nosso testemunho nos dias atuais - a recuperação da história que
pode dar sentido à nossa existência de sons e bits. A relevância genuína
coloca-se em oposição à sabedoria do m undo de onde chegam os à
igreja a cada m anhã de domingo. Deveríam os com partilhar a m esm a
esperança da conclusão de Stanley Hauerwas: “Que nossa pregação
seja tão terrível” como a própria verdade. “De fato, que preguemos tão
verdadeiram ente que as pessoas nos cham em de terroristas. Se você
pregar dessa maneira, jam ais terá de se preocupar com a “relevância”
do serm ão” .136

Fatalismo ou Reforma?

Uma das razões para a proliferação de imagens na igreja medieval


(contra a decisão dos concílios da igreja primitiva) foi puramente prag­
mática: elas eram “livros” para o iletrado. Os reformadores, entretanto,
perguntaram por que os pastores deveriam servir às fraquezas do povo,
como fez Aarão, em vez de guiá-lo no crescim ento até a m aturidade
cristã. Hoje, enfrentamos o mesmo problema da acomodação cultural.
Primeiro, é importante observar que todas as pessoas estão situadas
em dadas culturas. Aprendemos em décadas recentes que não somos
mentes sem corpo, flutuando sobre as particularidades de tempo e lugar;
antes, somos form ados por nosso am biente. Ao m esm o tem po, isso
pode ser usado por algumas pessoas como se fosse um impulso para a
adoção fatalista da cultura contemporânea. Ironicam ente, a aceitação
passiva de tudo o que é novo é semelhante à posição do tradicionalismo
que diz: “Sempre fizemos desta maneira”. Em ambos os casos, a situação
histórica e cultural toma-se normativa.
Segundo, é importante reconhecer que, em cada “tradução”, alguma
coisa acaba sendo perdida. Isso não significa que não devamos atentar
à simplicidade e à clareza, mas, sim, que deveríamos nos perguntar em
cada caso, se não estam os distorcendo o conteúdo, no processo de
“tradução”. Linguagem e conceito não podem ser separados, uma vez
que as palavras que usamos form am nosso entendimento daquilo que
tentamos dizer. Pecado não é disfunção. O termo “pecado” precisa de
m ais explicação, não de tradução.
Terceiro, há m uitos freqüentadores de igrejas, hoje, cujo entendi­
m ento superficial do “pós-m odernism o” os tem levado à adoção de
um tipo bruto de relativismo cultural. Entretanto, isso não é, de modo
nenhum, pós-m oderno, mas, sim, o cerne da m odernidade. Ao longo
do século XIX e grande parte do século XX, foi dominante uma her­
m enêutica filosófica conhecida como historicismo. Segundo esse pon­
to de vista, cada época tem sua própria forma de vida e é, essencial­
mente, autocontida e inacessível. Nessa forma de pensamento, não há
valores ou verdades que transcendam a todos os tem pos e lugares.
Igualm ente, m uitos evangélicos que têm lido resum os sobre o pós-
modernismo assumem que isso seja verdadeiro, mesmo que, se questio­
nados diretamente, rejeitem o relativism o cultural. Isso é apenas parte
do ar que respiramos. No entanto, em que isso afeta a unidade da raça
humana, a imagem de Deus nos seres humanos, e a profunda unidade
que Deus estabeleceu em Jesus C risto no m eio do seu povo? Deus
profetizou por meio de Sofonias sobre um dia que haveria de vir:

E n tã o , d a re i láb io s p u ro s aos p o v o s, p ara que to d o s


invoquem o nome do Senhor e o sirvam de comum acordo. Dalém
dos rios da Etiópia, os meus adoradores, que constituem a filha
da m inha dispersão, me trarão sacrifícios. Naquele dia, não te
envergonharás de nenhuma das tuas obras, com que te rebelaste
contra mim; então, tirarei do meio de ti os que exultam na sua
soberba, e tu nunca mais te ensoberbecerás no meu santo monte.

Sofonias 3.9-11

Observe o paralelo evidente com a torre de Babel (Gn 11) e a arro­


gância das nações - seu “m onte” autodeterminado, do qual pretendi­
am frustrar os propósitos de Deus.
Essa passagem e seu cumprimento no Novo Testamento, em Pente-
costes, indicam que há laços que nos ligam aos personagens desse
drama divino, bem mais estreitos do que os laços do sangue e da cultu­
ra. Foi essa a posição assum ida pela Igreja da Confissão (Luterana)
contra a capitulação da Igreja Evangélica Alemã à ideologia nazista.
Essa deveria ser a nossa posição, cada vez mais, contra todas as formas
m ais sutis de escravidão cultural. Não temos de nos entregar passiva­
m ente à atm osfera cultural dos tempos. A Palavra de Deus não está
longe de nós, presa de um tempo e lugar, com necessidade de ser feita
relevante para a nova geração. Ela continua a afetar o mundo novo que
ela mesma descreve - se apenas desligarmos a TV por um minuto para
escutá-la.
M inistros não estão livres para escolher suas histórias; nem os
o uvintes. E ssa é um a afirm ação surpreendente tanto nos círculos
evangélicos quanto nos círculos tradicionais da igreja de hoje. De fato,
p o d e r-se -ia argum entar que a p regação ev an g élica de hoje — em
contundente contraste com a de apenas uma geração atrás - está pelo
menos tão desejosa de se parecer com o mundo quanto a pregação dos
liberais de ontem. Foi assim que W illimon argumentou, como já vimos,
e C. Peter W agner argumenta: “Os modelos tradicionais de igreja não
mais funcionam em nosso mundo rápido e mutante. Um compromisso
para alcançar o perdido está levando as igrejas a encontrar novas
m aneiras para cum prir a G rande C om issão” . 137 D essa perspectiva,
“nosso mundo rápido e mutante” — isso que a Bíblia trata como sendo
“transitoriedade” - toma-se a norma, e os modelos de igreja são vistos
em termos totalmente relativos, como se Deus tivesse deixado a igreja
do século X X I encontrar m aneiras outras para “cum prir a G rande
Com issão” que não as da Palavra e dos sacramentos.
Conform e George Barna, é “crucial que m antenham os em m ente
um princípio fundamental da comunicação cristã: a audiência, e não a
m ensagem, como soberana” .138 Será que este é o m esm o m ovim ento
que atacou o Concilio Mundial de Igrejas por causa do seu slogan: “A
igreja segue a agenda do m undo” ? A realidade é que as tendências
correntes que são tratadas como “singulares” e “sem precedentes” têm
marcado, ao longo da História, o declínio de civilizações (e das igrejas
que as seguem). Próximo do fim do século XX, o escritor e com enta­
rista social W alter Lippman escreveu: “A filosofia que inspira todo o
processo é baseada na teoria, sem dúvida, correta, de que uma grande
população sob as condições modernas não é mantida por meio da afir­
m ação de convicções e tradições, mas o que ela deseja e deve ter é
uma excitação após outra”.139 Steiner Kvale escreveu: mais recentemen­
te: “A fascinação talvez tome o lugar da reflexão; a sedução talvez tome
o lugar da argumentação”.140 Desde campanhas políticas e de noticiários
de TV até nossas igrejas, nossa cultura se rende ao niilismo — ainda que
isso apareça revestido de tons pastéis e não de tons góticos.
Quando lemos, nas reportagens da m ídia e nos estudos sociológi­
cos, que os cultos contemporâneos estão mais e mais objetivando aqueles
que desejam “espiritualidade”, e não, “igreja”, voltamos às nossas ques­
tões originais: E daí? Isso deveria nos surpreender - não tem sido sem­
pre assim ? Não é isso, sim plesm ente, parte e parcela da rejeição da
autoridade de Deus? Por que aceitar uma série de preferências, especi­
almente, brancas, classe-média e suburbanas, como se fosse um fado?
Será que o “estar” sociológico corresponde ao “dever” teológico? Quem
determina a missão, mensagem e métodos para a igreja? Serão aqueles
que a B íblia descreve com o sendo “inim igos das coisas de D eus” ?
M uita gente - cristã professa - pensou, por algum tempo, que a “es­
cravatura” fosse, sim plesm ente “onde as pessoas estavam naqueles
dias”. É realmente amorosa a idéia de se pôr de lado a verdade sobre o
pecado e o juízo, até mesmo degradando a pessoa e a obra de Cristo
realizada em função do pecado e do juízo, simplesmente, porque essas
não são questões levantadas pelos incrédulos? Imagine se nossos pro­
fessores do ensino fundam ental decidirem que não mais ensinarão as
prim eiras letras só porque os alunos não estão mais interessados em
aprendê-las.
“O nde, um a vez, um a com unidade de crentes com partilhou um
vocabulário comum, hoje, muitos se sentem em liberdade para definir
Deus sob suas próprias luzes hum anas”, lemos numa história de capa
do USA Today, “Em Busca da F é” . Será que lem os isso com o uma
realidade à qual temos de nos submeter ou como um desafio que oferece
à igreja uma oportunidade para mudar as coisas? Será que alguém vê
essa espiritualidade autocriada como um tipo de idolatria, uma ameaça
arrogante de uma geração má que levanta os punhos contra Deus, e
diz: “Não queremos que ele reine sobre nós”? Por que a promiscuidade
sexual é vista como uma ameaça mais séria do que a onda avassaladora
de arrogância contra Cristo, sua Palavra e sua Igreja?
Um pastor evangélico anunciou em uma entrevista que seu objetivo
seria “tornar a igreja ajustada e adequada à sociedade m oderna” . “A
sociedade reinventa a si mesma a cada três ou quatro anos”, diz ele -
com o se essa observação exagerada, se não banal, pudesse levar a
um a única conclusão. Afinal, por que não poderíam os interpretar os
dados de m aneira diferente? Podemos dizer que precisam ente porque
a sociedade é tão plástica, e porque tanto os relacionamentos quanto as
estruturas são tão fragm entadas, a igreja tem aí um a m aravilhosa
oportunidade para providenciar espaço para a estabilidade e para a
co m u n h ão p o r m eio do d ram a div in o . “A s ig re ja s são, de fato ,
transdenom inacionais”, diz o m esm o pastor. “O obscurecim ento de
tudo o que é consistente com a época na qual estam os vivendo.” 141
Novamente, por que essa obscuridade (isto é, confusão) de nossa época
deveria form ar a igreja, quando a igreja tem aí a oportunidade para
esclarecer e direcionar o nosso tempo? Temos de, simplesmente, resistir
ã lógica fatalista que apresenta a capitulação com o a única reação
relevante ao nosso contexto.
Um último exemplo daquilo que percebo como sendo fatalismo é a
seguinte declaração, típica de alguns marqueteiros da igreja: “Os dados
m ostram um padrão continuado que surgiu há mais de uma década, no
qual as pessoas se sentem em inteira liberdade para construir suas
próprias perspectivas e práticas religiosas, a despeito dos ensinamentos
aprovados pela tradição, por meio do crivo do tempo... O público está
enviando uma mensagem clara aos líderes cristãos: Tom e o cristianismo
acessível e prático ou não espere a nossa participação”.142 Primeiro, há
esta introdução: “Os dados mostram ”, a qual, como Neil Postman nos
lembra, veio a significar o mesmo que a expressão bíblica: “assim diz
o Senhor”. Entretanto, mais importante, como é que o Sr. Bam a assume
os dados coletados de uma população pagã para servir de imperativo
para as igrejas, ao qual terão de se adaptar a fim de obter a participação
pagã? Um a igreja cheia de pagãos está em pior form a do que uma
igreja interiorana que tem pastoreado fielm ente os filhos de Deus ao
longo de gerações. A informação não indica o que deveríamos comprar,
mas apenas aquilo que está ocorrendo num dado momento no mundo
volúvel da opinião pública.

E Agora, Algo Completamente Diferente

Conquanto o enorm e tam anho da geração vitoriosa de pós-guerra


tenha cham ado a nossa atenção, e o espiritualm ente “interessado” ,
associado a essa geração, tenha recebido muita publicidade, essa não é
a totalidade da história. Já temos visto esses sinais de mudança entre os
defensores do movimento da música contemporânea no culto, os quais
nos cham am agora para um a m aior reflex ão teológica. E m Soul-
Tsunam i, o historiador cultural L eonard Sw eet diz que a cham ada
geração fracassada, de pós-guerra (1961-81), “m anterá o passado e o
futuro em perpétua conversação” . 143
Lynn Smith cita Karen Neudorf, editor da revista Beyond, sobre as
duas gerações: “ ‘Preocupo-me com o fato de que as pessoas da geração
vitoriosa sejam biblicamente iletradas’, diz Neudorf. ‘As pessoas estão
famintas de experiência espiritual, mas de onde serão derivadas as nossas
doutrinas? Quem ensinará nossas raízes doutrinárias? Jovens adultos
precisam ter um m entor.’ ” 144 “Uma fome de ‘raízes’ caracterizará as
igrejas ‘antiga/futuras’, e isso terá enorm e efeito sobre o culto. Ser
‘radical’ na época pós-modema não significa a destruição das raízes, à
moda dos anos de 1960, diz Sweet, mas voltar às raízes para lá encontrar
direção, energia e os nutrientes necessários para o crescim ento e o
desenvolvimento.” 145 Os chamados milenaristas (nascidos desde 1981)
são ainda mais interessantes. Robert W ebber nos diz: “Os milenaristas
olham para o passado para encontrar velhas maneiras para lidar com a
situação do mundo atual. Para eles, o antigo é melhor. Eles têm renovado
amor pelos clássicos, e profundo interesse pelas coisas medievais. No
culto, há um evidente desdém pelo culto contemporâneo por causa da
sua falta de forma e beleza”.145 De fato, W ebber diz:

Não me entusiasmo com os prognósticos do movimento de cres­


cim ento de igreja e com as predições sobre o futuro da igreja
estar na formação de megaigrejas. Creio, firmemente, que a pe­
quena igreja continua a desempenhar um papel-chave na trans­
missão da fé de uma geração para a outra. Não acolho, também,
a idéia de que o culto contemporâneo seja o estilo do futuro. O
culto contem porâneo não tem profundidade e, geralmente, não
se conecta com a história do culto da comunidade de Deus. Ain­
da, não me parece que uma igreja ou culto orientado ao merca­
do sobreviverá. Ao fim, ambos serão engolidos pela cultura que
a d o ta m .147

Um crescente núm ero de jovens está deixando essa aproxim ação


de baixo-denominador-comum ou para ficar sem igreja ou para se afiliar
a igrejas que ofereçam mais substância. Uma carta ao editor no New
Yorker chamou minha atenção, recentemente, por causa destas palavras:

Fui, um dia, levado à fé por meio do meu pai, um luterano devo­


to, em razão de um senso de conforto familiar. Entretanto, não
achei satisfação espiritual até que, depois de anos de tentativas
em outras entidades religiosas, tornei-me membro da Igreja Or­
todoxa O riental. Concordo com John Updike quanto a que o
cristianism o visto estritamente como religião, não como m ovi­
mento político, parece estar se desvanecendo. Seria isso porque
m uitas denom inações retiraram da fé aquilo que era sagrado?
Os cultos nas igrejas transformaram-se em sessões de terapia de
grupo do tipo “abrace seu próxim o” ; classes de catecúm enos
portam o moto “Divergentes para Cristo”, num esforço para atrair
adolescentes por m eio de um a linguagem “jo v em ” ; e cultos
significantes, como o da Páscoa e do Natal incluem coelhinhos
e papais-noéis. Onde está o senso de “temor e tremor” do Divi­
no que eu senti nas catedrais européias ou na igreja da m inha
infância? Parece que Deus se tornou um amigo bondoso ao qual
se chama na hora da necessidade, e Cristo, meramente um m en­
sageiro desse chamado. Não é de adm irar que m uitos de nós
estejam os buscando algo m ais.148

E ssa pessoa não está só. De fato, inúm eros jovens evangélicos,
muitos dos quais preeminentes, têm se voltado para a Igreja Ortodoxa
O riental ou para o catolicism o rom ano, num esforço para encontrar
algo que transcenda o narcisism o m edíocre do cristianism o cultural.
Tanto o mistério da igreja tradicional quanto a familiaridade da igreja
contem porânea facilm ente abrem caminho para a idolatria, à m edida
que tentamos forçar Deus a m ostrar sua aparência e perm itir-nos uma
experiência com sua majestade — em nossos termos. Os cristãos estão
descobrindo, nos próprios círculos das igrejas reformadas, um marcante
crescim ento de interesse entre jovens que estão enfarados com essa
religião de fast-food. Alguns tradicionalistas receberão esse momento
com um “V iu? Eu estava certo o tem po todo”, ignorando que eles
m esm os contribuíram com sua preguiça e falta de pensam ento para
que houvesse essa crise. Entretanto, se nós entendemos, realm ente, o
que se passa, essa é a oportunidade que tem os não apenas para um
crescim ento num érico, mas para a redescoberta daquilo em que cre­
mos, do porquê cremos, e daquilo que fazemos e por que o fazemos
quando cultuamos. Os conservadores têm m uito que aprender sobre o
que realm ente m otiva a tradição evangélica quanto aos que visitam
nossas igrejas. Nossa comissão é ser guiados pela Escritura e não pelo
conservadorismo ou pelo progressismo. A Palavra de Deus nos sacu­
dirá sempre, onde quer que estejamos nesse espectro.
Sarha E. Hinlicky fala em nome dessa crescente tendência, quando
escrev e as seguintes su g estõ es sobre com o a lc a n ç ar sua p ró p ria
estereotipada geração X:

Sabemos que você tem tentado nos levar para a igreja. Isso é
parte do seu problema. Muitos dos seus apelos têm sido cuida­
dosam ente calculados para o sucesso, e isso transtorna nosso
estôm ago coletivo. Tome, por exem plo, o culto. Talvez você
pense que a liturgia de ponta nos coloca no mesmo nível, mas o
fato é que podemos encontrar entretenimento melhor em outro
lugar. O mesmo se aplica a todas as outras coisas que você cha­
m a de “contem porâneas”. Nós podem os ver diretam ente atra­
vés disso que a atualização existe apenas por causa da atualiza­
ção, e não estamos impressionados com os resultados. ... Sabe­
mos, intuitivamente, que, no sistema cósmico das coisas, as apos­
tas são mais altas... Por outro lado, você não deveria, também,
ser tão excessivamente medieval e misterioso. O mistério funci­
ona até certo ponto, mas torna-se viciador, e, uma vez que esti­
verm os fisgados por ele, a igreja não será capaz de m anter o
nosso vício. Nós nos voltaremos, em reação (e muitos de nós já
o fizeram) para os gurus orientais e para as espiritualidades pa-
gãs... A igreja tem lutado, desde o princípio, contra o impulso
gnóstico: o cristianism o é explosivam ente não-secreto, D eus
encarnado para que todos o vejam, a luz que brilha nas trevas.
Estam os excessivam ente confortáveis, a sós, na solidão do es­
curo; precisamos da luz que nos abale.149

H inlick e seus seguidores estão suspeitosos acerca de jargões e


modismos ideológicos. “Vemos complexidade na igreja onde você quer
que vejam os estabilidade, m oralism o onde você quer que vejam os
justiça. A diferença final é que, onde você vê a Cidade de Deus, nós
vemos a Cidade do Homem.” Ela rejeita também o mercado que faz de
Jesus a resposta para todas as questões. “Nossa pedra de tropeço é o
cristianism o apresentado como uma panacéia.”

Assim, você está numa enrascada: você não pode nos dizer que
Jesus tem “a V erdade” , e nós sabem os que a igreja não nos
curará, miraculosamente, de nossa miséria. O que lhe resta para
nos persuadir? U m a coisa: a história... Você se pergunta por
que somos tão autodestrutivos, mas nós estamos procurando uma
história única, com poder estável para a destruição e restaura­
ção de nossa vida. Isso vai a seu favor: você tem a melhor re­
denção oferecida no mercado. Talvez, a melhor coisa que você
tem a fazer é nos apontar a direção do Gólgota, a história que
pode fazer sentido para nós. Mostre-nos a mulher que chorou e
amou o Senhor, mas que não pôde mudar seu destino. Lembre-
nos de que Pedro, a pedra da igreja, negou três vezes o Messias.
Conte-nos que Pilatos lavou suas mãos da verdade - algo que
sempre temos a tendência de fazer. Sobretudo, volta os nossos
olhos para Deus pendurado na cruz. Isso é o que o m undo faz
com tudo o que é santo. Na intersecção dos caminhos para cida­
de de Deus e para a cidade dos homens, há um a crucificação.
Os planos melhor elaborados são varridos para fora; os projetos
para a sociedade perfeita são divididos entre os espoliadores.
Nós reconhecem os este mundo: agitado desde o com eço pelo
divórcio de nossos pais, espoliado pelas nossas más escolhas e
ameaçado por guerras e pobreza, dor e falta de significado...
Um a coisa mais: em nosso m undo no qual as apostas são
altas, lembre-nos de que nem toda esperança está perdida. Como
cristãos, vocês não cultuam no dia da crucificação, mas na m a­
nhã do domingo da ressurreição. Fale-nos que a vida que temos
hoje será redimida e que a igreja, com todas as suas falhas, é a
portadora das novas dessa redenção. Um a história precisa ter
um contador de histórias, e somente a igreja conta a história da
salvação. A igreja é o lugar onde a C idade de D eus e a dos
Homens se encontram, e é por isso que as maiores batalhas es­
pirituais e as mais empolgantes aventuras começam aí. Nós sa­
bemos que a m orte continuará a partir nosso coração e nosso
corpo, mas esse não será o final da história. Por causa de todas
as histórias competindo por nossa atenção, a história da Cidade
de Deus é única pela qual vale a pena viver e m orrer.150

Não muito tempo atrás, o Wall Street Journal publicou uma reporta­
gem de Eric Felten sobre o uso de marketing para igrejas. Segundo estu­
dos recentes, aqueles que se identificaram como “família instruída e tra­
balhadora” “querem grupos de adultos para discussão teológica”. Mais
ainda, eles preferem “cultos tradicionais e formais” em igrejas com “ar­
quitetura sóbria e séria”.151 Conquanto haja uma grande quantidade de
pesquisas que indicam que muitas pessoas desejam ou exigem cultos
orientados ao interessado, um número crescente está mostrando tendên­
cia diferente. Essa tem sido a minha experiência, confirmada em inúme­
ros lugares. Uma vez percebida a falta de conteúdo das igrejas orienta­
das ao mercado, as pessoas procuram igrejas com mais conteúdo e exi­
gência de responsabilidade — não só a própria responsabilidade, mas a
dos ministros e da igreja de Cristo em toda a sua extensão.
Contudo, não é im portante qual a tendência ou aquilo que elas
indicam. Elas podem ser, até mesmo, de ajuda ou interessantes, mas
não podem jam ais ser normativas. Felton conclui:

Seria, esse escorregadio mercado “etnográfico”, a resposta


d esejada? Ou será que ele sugere que os pregadores estão
sucumbindo à tentação? Estarão, eles, entregando-se ao tipo de
pesquisa dirigida que em tempos anteriores desnudou o cenário
da liderança política? Em suma, estarão, eles, conformando sua
mensagem às preferências dos seus “constituintes”? M esmo se
não houvesse algo fundamentalmente perturbador nesse esforço
para fazer parte da lista (dos mais bem-sucedidos) em favor da
P a lav ra , que uso h a v e ria para esses estudos d em o g ráfico s
religiosos? É difícil de im aginar qualquer convicção religiosa
firme, ou bússola moral fiel, emergindo das táticas de marketing...
U m a ig re ja c o n fia n te em sua m en sag em não n e c e s s ita de
massagear seus ouvintes com estudos de marketing. Deus ajude
o profeta que vaticina.152

Por que, então, continuamos a aceitar a lógica de que a “experiência”


do culto contem porâneo está se sobrepondo às divisões do corpo de
Cristo? De que ele está ganhando o não-afiliado para a igreja? De que
ele está revitalizando as igrejas e unindo o povo de Deus em torno de
missões? Pelo menos, estou convencido, uma razão é a de que estamos
escravizados à lógica do marketing. Por exemplo, quantas inovações
já foram introduzidas no interesse de “assegurar a perm anência dos
nossos jovens”? Ainda na semana passada, numa igreja reformada, de
descendentes de holandeses de pós-guerra, os jovens selecionaram entre
todos os salm os e hinos dois de sua preferência: “C astelo F orte” e
“Jeru salém ” . Esses jovens não parecem m uito diferentes de outras
pessoas jovens, mas eles pensam de m aneira diferente. Há neles um
senso de integração entre as gerações. Trata-se de um a com unidade
genuína. Em tempos recentes, um grande número de jovens casais tem
vindo de outras igrejas para se juntar a eles. Alguns deles vêm com
jaquetas de couro e tatuagens, cabelos compridos ou cortes diferentes
e, ainda assim, são convidados pelos casais, alguns deles mais velhos,
para um jantar ou lanche após as reuniões da igreja.
Em 1994, Dr. Kim Riddlebarger e eu implantamos uma igreja numa
denominação reformada e observamos seu rápido crescimento. De novo,
o crescimento se deu com jovens casais e pessoas solteiras que haviam
se frustrado com megaigrejas na área. Uma vez que muitos deles vi­
nham diretamente da cultura contemporânea, eles tinham visto o que a
m odernidade tem a oferecer e, desiludidos, tinham se tornado “ratos
de shopping” nas igrejas. E ssa igreja não é, de m odo nenhum , um
modelo de igreja, nem as Igrejas Reformadas, de modo geral, estão em
m elhores condições, atualmente, do que qualquer outra igreja. M as é
um exemplo do que pode acontecer quando providenciam os um dra­
ma alternativo, um teatro diferente no qual Deus e sua ação assumem
seu papel no centro do palco. Elaboram os um a versão atualizada da
liturgia reformada baseada em padrões do passado, e tentamos encon­
trar a m elhor música para auxiliar as pessoas a apreciar de coração a
Palavra de Deus e a lhe expressar sua gratidão. Nossas experiências
confirm am o que já foi dito, que as gerações atuais querem mais do
que uma religião pop.
W illiam W illim on faz uma ilustração desafiadora: “Precisam os de
pregadores bíblicos agora, m ais do que nunca, para nos lem brar de
que: ‘R i-se aquele que habita nos céus’ (SI 2.4), olhando nos reis e
nossos reinos. Deus, não as nações, governa o m undo”.153
Assim, como temos observado, há algumas boas novas no horizonte.
Conquanto tenhamos de nos resguardar para não cair na armadilha do
marketing apenas porque algumas informações parecem inflar as nossas
velas, estudos de m ercado e dem ográficos podem fornecer algum as
informações surpreendentes. M ichael Sack, consultor de marketing da
“Fortune 500”, diz: “As pessoas jovens de hoje vêem mais de mil por
cento imagens do que as pessoas com 55 anos de idade viram na sua
juventude. O que é surpreendente, entretanto, é que elas não têm, das
imagens que vêem, o entendimento correspondente. A habilidade para
encontrar o significado da apresentação escrita ou no vídeo é m aior
nas pessoas acima de 50 anos”.154
A esta altura, seria de se esperar que m uitas igrejas evangélicas
“marqueteiras” concluíssem que há necessidade de mais vídeo, mais som,
mais luz e mais ação. Contudo, Sack vai numa direção diferente: “Para a
geração X, entre 16 e 25 anos, as imagens não têm simbolismo, não têm
valor moral. Ela escolhe as imagens pela cor, movimento ou entreteni­
mento. Mensagens inanimadas - qualquer coisa que não seja comunica­
ção de pessoa a pessoa - perdem seu valor à medida que se é jovem na
cultura”. O entrevistador pergunta: “Muitos presumiriam que seria o con­
trário: Não é a geração MTV que lida com imagens?”. Sack responde:
Para a geração X, a mídia projeta cerca de duas mil imagens por
dia. Os jovens não conseguem lidar com tudo isso, e assim, elas
as ignoram. Como resultado disso, as pessoas jovens são mil
vezes mais sofisticadas na manipulação de imagens, mas não na
atribuição do seu significado. Os jovens comem as imagens como
se fossem pipoca; os adultos, como se fossem uma refeição...
Quando pastores... pedem às pessoas que vejam um vídeo, de­
veriam saber que isso será menos efetivo para os jovens. O im­
pacto de qualquer coisa que não tenha sido comunicada pesso­
almente perderá cerca de vinte e cinco por cento do seu efeito
para cada dez anos que sua audiência estiver abaixo dos 50.155

Essas estatísticas são consubstanciadas por outros. Um a pesquisa


recente da Christianity Today revelou que “Pastores, mais do que os
ouvintes, tendem a pensar que os sermões deveriam ser mais curtos...
Cerca de setenta e cinco por cento dos pastores disseram que é importante
adequar o tempo da pregação às expectativas da congregação, enquanto
apenas metade (cinqüenta e três por cento) dos ouvintes disse o mesmo.
A geração de “construtores” (55 anos ou mais) quer, mais do que a
geração dos “boomers” (segunda geração do pós-guerra) ou a geração
X, que os pregadores adaptem o tempo das pregações a seus ideais.156
E aqui, então, a grande surpresa:

O interessante, em nossa pesquisa, é que a geração X parece ter


m aior tolerância do que os “boom ers” para ouvir sermões lon­
gos. Talvez os efeitos do passo rápido da cultura orientada pela
m ídia não sejam tão severos quanto se supõe. Os sermões até
mesmo poderão se tornar mais longos no futuro, a fim de satis­
fazer os desejos das gerações mais novas. Poucos ouvintes acha­
ram que o uso de apresentações de multimídia ou dramas tom a­
ria mais efetiva a pregação do pastor. Apenas vinte por cento
dos ouvintes disseram que os serm ões dos pastores poderiam
ser m elhorados por m eio do uso de m ultim ídia, enquanto que
sessenta e três por cento disseram que isso ajudaria um pouco.
Outras técnicas para implem entar pregações, nas quais os pas­
tores m ostraram duas ou três vezes mais confiança do que os
ouvintes, incluíam: histórias contadas, narrativas ou dramas (60
% vs. 17%); ilustrações (46% vs. 14%); m ovim entos fora do
púlpito (37% vs. 14%); histórias pessoais (25% vs. 12%); refe­
rências à cultura popular (22% vs. 11%); e gestos (32% vs. 9% ).157
Quanto aos “boomers”, Sack diz: “O deus em quem não crêem gira
em torno do desconforto em vez da verdade e do mal. Sua idéia de
pecado é a de irritação... A inabilidade para olhar nos olhos do sofredor,
no lado negativo das coisas, limita a habilidade do ‘boomer’ para apreci­
ar o lado positivo das coisas. A esse respeito, as pesquisas indicaram que
os cristãos não são diferentes do restante da cultura”. A geração X, diz
Sack, “quase não tem conceito do mal”, mas busca algo que dê sentido
a ele. “Jamais vi outro grupo de pessoas em qualquer lugar, incluindo
pessoas em extrema pobreza nas Filipinas, com maior urgência para ouvir
as boas novas do que a geração abaixo dos 25 anos no Ocidente. As
pessoas anseiam por ouvir que ainda há esperança.” 158
A geração X precisa de “reforços escritos de co nceitos-chave” .
Segundo Sack, essa é a geração do “alimente-se”, enquanto que a dos
“boom ers” é uma geração de “entretenha-me, conquiste-m e” - “cheia
de modism o e intelectualm ente preguiçosa” .159
Já vemos a geração X investindo mais de seu tem po na busca de
significado e de com unhão, geralm ente em m arcante contraste com
seus pais. Sua capacidade de atenção não é curta - enquanto houver
algo que valha a pena ser ouvido. E ssa geração talvez seja a m ais
representativa daquelas que estão inflando as reuniões nos diversos
lugares nos quais conferências teológicas são realizadas. Esbarro neles
o tempo todo, e vejo-os ávidos para aprender e crescer, para encontrar
a si mesmos em referência a Cristo e ao seu povo. Tudo o que Sack
mencionou com respeito à identidade da geração X indica que poderá
haver nela um maior interesse em abraçar a disciplina da fé e prática
cristãs. C ansada de sim ulacros e superficialidades, sua atitu d e de
“alim ente-m e” e sua “necessidade de reforços escritos de conceitos-
chave” sugerem que ela talvez, m ais do que as gerações anteriores,
ache atraente a pregação bíblica, o ensino, o culto e a comunidade.
No final das contas, entretanto, o reino de Deus não sobe ou desce
seg u n d o as flu tu a ç õ e s d e m o g rá fic a s de um a d a d a g e ra ç ã o . O
cristianismo vivo provavelmente jamais dominará a totalidade da nossa
cultura nem terá o poder sobre as instituições das nações, mas Deus
reservará sempre os “sete m il” que não dobrarão os joelhos a Baal.

Um as Poucas Idéias

Este capítulo tem tentado distinguir os “interessados” autênticos dos


“turistas”, instando-nos a recuperar a nossa confiança no poder que o
evangelho tem para fazer a si mesmo relevante, em vez de colocar a
nossa confiança no poder de nossa própria “tradução” (isto é, trans­
form ação) da mensagem. O caminho a seguir não é o do conservan-
tism o preguiçoso nem o do igualm ente preguiçoso fatalism o, com
respeito à m aneira como a cultura se apresenta agora e como deverí­
amos nos acomodar a ela. E as novas estatísticas que estão chegando
são encorajadoras.
Se vamos fazer a igreja crescer à maneira de Deus, parece-me que
teremos de definir mais cuidadosamente alguns termos como missão,
expansão e evangelismo. Como anteriorm ente observei, esses termos
têm servido, geralmente, como eufem ism os indevidos para a acom o­
dação cultural. Assim, uma igreja orientada ao “interessado”, com cer­
ca de dois mil membros ou freqüentadores, será sempre capaz de se
colocar como “m estre” sobre outra igreja m enor que faz o que vem
fazendo há muitas gerações. Mas somente será capaz de exercer essa
preponderância se, para a igreja menor, o tamanho e a azáfama defini­
rem o sucesso, e se o padrão for o presente em vez de o passado e o
futuro. Se a definição de sucesso é dada pelo tamanho da audiência no
presente, então a igreja menor, mais tradicional, terá de suportar a su­
perioridade m oral do argum ento da igreja orientada ao alcance dos
“interessados” .
Se, entretanto, a definição de sucesso é dada pelo crescimento (em
term os de profundidade e largura) ao longo de m uitas gerações de
fidelidade na pregação, no ensino, na expansão e na disciplina, não
haverá m ais base para se dizer que as m egaigrejas estão, realm ente,
obtendo sucesso em sua missão e que as igrejas tradicionais não. Muitos
defensores do m ovim ento de crescim ento de igreja, sim plesm ente,
presum em uma definição discutível de sucesso. Enquanto megaigrejas
vêm s ^Oy-há-m uitas pequenas igrejas firmemente. a m i g a d a s m u i t a s
das quais recebem de seus críticos a designação de “ortodoxos mortos”
- que, de fato, num longo prazo, têm feito um núm ero m aior de
discípulos.
Isso não quer dizer que as igrejas mais tradicionais nada tenham
para aprender da literatura sobre o crescimento de igreja. A maior força
das igrejas tradicionais é, também, potencialmente, sua maior fraqueza:
a tendência para se concentrar quase que exclusivam ente na nutrição
do povo da aliança nos lim ites da igreja local, n e g lig en cian d o o
conhecim ento ou, até mesmo, sem se preocupar com o que acontece
com as pessoas além de suas paredes. D ever-se-iam desculpar as
pessoas por terem a im p ressão de que alguns co nservadores não
realizam muita coisa. Além da missão central da igreja - fazer discípulos
por m eio da Palavra, dos sacramentos e da nutrição - há outras extensões
d e sse m in is té rio que d e v e riam ser c o n s id e ra d a s . A s se g u in te s
considerações nada mais são que rum inações bastante lim itadas pela
nossa própria experiência e reflexão.
1. Instrução cotidiana da juventude. Primeiro, houve uma geração
que conhecia textos-prova sem, realmente, conhecer o drama divino -
como se fosse uma memorização de diversas falas de Shakespeare sem
o conhecimento do enredo das peças. Já me referi à prática do catecis­
mo, seguida em casa, na igreja e nas escolas cristãs ao longo de muitas
gerações. O uso do catecismo tem sido redescoberto em muitos lugares.
Entretanto, não seria plausível, tam bém, reintroduzir a prática da
instrução diária, antes ou depois da escola - tanto em casa quanto na
igreja? Tendo crescido numa pequena cidade com uma grande popula­
ção M órm on (Santos dos Ú ltim os D ias), eu, ocasionalm ente, visitei
seus “sem inários” com m eus am igos (am izade para evangelism o, é
claro!). A cada dia, antes da escola, eles se reuniam por uma hora para
instrução religiosa e oração. A dedicação dos estudantes e dos profes­
sores a esse exercício de doutrina prática sem dúvida representa parte
do compromisso que tem feito do mormonismo uma das comunidades
de m ais rápido crescim ento e uma das mais unidas com unidades do
mundo. Se até mesmo a instrução semanal já é considerada uma so­
brecarga em nossa vida apressada de hoje, a instrução diária parece com­
pletamente implausível. Entretanto, num tempo em que uma nova gera­
ção de membros de igreja se encontra ignorante quanto ao ensino básico
e às práticas do cristianismo, deveríamos reconsiderar nossas priorida­
des. Lembre-se de que o melhor evangelismo ocorre através de relacio­
namentos a longo termo, à medida que crentes bem informados, confi­
antemente exprimam sua fé e demonstram a importância dela durante
meses e, até mesmo, anos. Pessoas evangelizam, não programas.
2. Inovação centrada na Palavra. Na Tenth Presbyterian Church,
em Philadelphia, o co-pastor Richard Phillips introduziu o uso de uma
caixa de perguntas, e respondeu a uma delas logo no início do culto
dominical. Esse é um tipo de inovação bastante útil. Deus ordenou que
o ensino tivesse lugar no culto, e esse parêntese no culto é parte do
ministério da Palavra. Embora o pastor Phillip não o fizesse, essa teria
sido uma boa oportunidade para o pastor andar no meio da congrega­
ção, estabelecendo um marcante contraste entre esse tipo de ensino e
aquele que ocorre na pregação de púlpito.
3. D is tin g u ir e n tre a c e rim ô n ia de re n o va ç ã o do p a c to e a
reunião para alcançar outros. Tanto o culto quanto a reunião para
expansão da igreja são tarefas que Deus delegou à igreja, e um não
poderá ser usado para m arginalizar o outro. A bundam exem plos de
ig rejas com fo rte ênfase na in stru ção que oferecem um encontro
inform al, café da m anhã ou lanche, e tem po para conversação, em
centros com erciais. Encontros com interessados, nas sextas-feiras à
noite, com breve exposição de ensino bíblico desafiador, poderão ser
seguidos de vivida discussão ou debate - e, talvez, um ou dois pratos
oferecidos pelos diáconos. Recepções em casa para o jantar ou saídas
para comer fora com uma ou duas pessoas que não freqüentam igreja,
amigos, conhecidos de profissão ou de escola, mas que estejam abertos
para conversar, são excelentes estratégias pré-evangelísticas. Creches
abertas à comunidade estendida tem sido outro meio para implementar
as conexões com a vizinhança da igreja. Nenhum a dessas atividades
para expansão da igreja, contudo, deveria tomar o lugar dos ministérios
da Palavra e dos sacramentos no coração da igreja, mas, quando esses
m inistérios são florescentes, tais atividades adornam o evangelho e
exalam a fragrância da disciplina comunal e do interesse pelas pessoas.
4. Rádio. Poderá ser uma surpresa para muitos pastores saber quão
barato poderá ser um program a radiofônico, dependendo do tam anho
do mercado. Enquanto a pregação formal (cultos de adoração “ao vivo”
ou gravados) alcança pessoas m ais velhas - que, geralm ente, não
podem freqüentar a igreja - , outros form atos de program a são bem
rec e b id o s por au d iên cias m ais jo v en s. N ovam ente, aqui há m ais
liberdade do que no culto com seus elementos fixos. Não desejaríamos
su b stitu ir um serm ão por um painel de p asto res d iscutindo sobre
determinado tópico ou clips de filmes ou trechos de músicas da cultura
popular, como m eio de atrair pessoas (principalm ente os de fora da
igreja) para o tema do evangelho. No entanto, tudo isso é apropriado
num cenário não oficial. Se a igreja tiver os recursos necessários para
produzir um program a de alta qualidade, o potencial desse veículo é
alto. Por quase uma década, tenho visto a programação radiofônica de
âmbito nacional na América, The White Horse /nn, atrair muitos novos
m em bros e interessados, para igrejas ao redor do país, por m eio de
um a propaganda local no final do programa. Uma igreja numa cidade
universitária poderá planejar a com pra de tem po de transm issão na
rádio da escola, aos dom ingos; um a igreja de área suburbana ou de
cidade do interior descobrirá que a rádio cristã local é bastante eficaz;
e um a igreja da área central de uma cidade grande poderá achar que
uma rádio secular é mais útil para os seus propósitos.
5. N ovas atitudes em relação à com unidade dos crentes. M uitas
igrejas tradicionais não crescem ou “crescem para dentro”, exibindo
pouca preocupação com evangelização, discipulado e comunhão. P o­
deríamos chamá-las de “resistentes ao interessado”. As igrejas, defini­
tivamente, deveriam ser mais sensíveis ao interessado, recebendo, com
calor pessoal, o incrédulo e envolvendo-o no seu círculo. Contudo, há
ainda um círculo ao qual eles têm de ser convidados! Deveríamos, sim,
ser sensíveis aos ardis bloqueadores inseridos no culto - os quais nada
têm a ver com o culto fiel. Entretanto, as igrejas orientadas ao interes­
sado foram muito longe nessa direção. Passaram a olhar para as gera­
ções. de crentes fiéis reunidas por Deus como se esses fossem ministros
de segunda classe que teriam falhado se não tivessem enchido a igreja
com visitantes. Muitas igrejas estão deixando de ver o ouro bem debai­
xo do nariz. Elas têm todas essas pessoas que querem ser nutridas ao
longo da vida e que sabem que seu batismo as obriga à instrução cristã
e à prática disciplinada. No entanto, essas pessoas são candidatas a se
tom ar “de fora da igreja”, se a semente jam ais for plantada com a pro­
fundidade do ensino e da prática da Escritura. Temos de parar de pen­
sar acerca dos membros comungantes como se fossem “burros de car­
ga” (com a desculpa “achar seu m inistério” ou “seu dom espiritual”)
para o alcance dos “interessados”. Em vez disso, considerá-los como
tesouros preciosos que Deus confiou ao cuidado da igreja. Em todo
esse negócio frenético de nossas igrejas autoprogramadas, muitos m em ­
bros não têm tem po para receber instrução e cuidado adequados -
para si mesmos e para suas famílias.

Alcançar o Alcançado

Em muitas igrejas, crentes têm trazido seus filhos ao Senhor para


educá-los no seu conhecimento e temor. Mas, em vez de alimentá-los e
de cumprir suas obrigações pactuais, as igrejas, muitas vezes, desviam
o alim ento para os de fora. A triste realidade, porém , é que m uitos
desses “de fora da igreja” são pessoas que estão retornando à igreja
apenas se não houver obrigações que lhes sejam impingidas. São os
m em b ro s de ig re ja s que p re c isa m ser, p rim e iro , re g u la rm e n te
evangelizados, regularm ente nivelados e erguidos, regularm ente ali­
mentados com o conhecimento da grande obra de Deus em Cristo atra­
vés da história da redenção. Bem ensinados, bem conectados e bem
cuidados pelas congregações, eles olharão para fora, ansiosos para al­
cançar outros com o evangelho, e dedicados aos atos do culto em rela­
ção ao próxim o. E les não precisarão de “e n latad o s” de discursos
evangelísticos. Serão habilitados (com mais tempo possibilitado pela
diminuição do ativismo da igreja) a expressar a sua fé com confiança e
genuinidade que vêm do fato de terem sido liberados pelo aprendizado
maior sobre Deus e sua Palavra.
Nós nos perguntam os sobre o que acontece quando adolescentes
crescem e se tornam pais. Por um lado, emergindo de uma cultura jovem
de apenas uma geração, eles ultrapassam seu ambiente religioso mais
direto. P or outro lado, a prática que une as gerações, certam ente,
providenciará continuação e relevância em cada fase da vida. Temos
aí uma maravilhosa oportunidade para reevangelizar a esses que Deus
colocou em nosso meio. Não deveríamos presum ir seu conhecim ento
e sua prática cristã, numa época em que tudo que é sério ou permanente
é considerado enfadonho. Temos de nos dispor, como pais, pastores e
co-membros, a aceitar o fato de que, às vezes, será mesmo aborrecido
— até m esm o bons serm ões, ensinos consistentes, cultos robustos e
presbíteros e diáconos efetivos. Não há problem a em ficar enfadado
algumas vezes: “Sem dor, sem ganho” .
A inda peregrinos num entretem po, somos, sim ultaneam ente, san­
tos e pecadores. Se não quiserm os fazer nada que não nos enfade,
acabarem os perdendo algum as das coisas m ais im portantes da vida!
Pense sobre a experiência do dia-a-dia, em casa. Embora gostemos de
que nos m antenham entretidos, sabemos que nossos pais, irm ãos ou
filhos ficarão frustrados se pensarm os por um só m om ento que eles
existem para nos manter ocupados. Ainda assim, poucos de nós suge­
ririam que a instituição da fam ília precisaria ser alterada a fim de se
manter interessante. Considere, mais, a educação. Quer estejamos apren­
dendo o alfabeto quer a teoria do caos, quantas horas de enfado estão
aí envolvidas? O que vale a pena ser feito? Deveríamos nos perm itir
aquele recesso extra, se pudéssem os optar? Com freqüência, o passo
do progresso nos torna impacientes. Esperamos que o culto seja exci­
tante, pois, se não, ficarem os desapontados. A falta sem pre está no
culto, não em nós. Talvez seja preciso um novo sistema de som, um
novo coral, um novo pastor. Mudanças radicais são sempre necessári­
as, só porque eu perdi o interesse. Entretanto, e se o problema estiver
em mim? E se, em virtude de nossa continuada luta contra o pecado, e
o fato de que ainda não vemos Deus face a face, o entusiasm o em
relação ao culto é uma exceção e não a regra? Muitas das coisas mais
excitantes na vida são as efêm eras, com o bolhas de sabão que nos
deliciam só para desaparecer quando capturadas; no entanto m uitos
dos em preendim entos mais duráveis e honrosos são m otivados pelos
mais ordinários hábitos - compromissos — da mente e do corpo.
As coisas mais valiosas na vida têm de ser conquistadas pela luta
ativa, não pela simulação passiva. Quer por causa da fraqueza de nossa
finitude quer por causa de nosso coração pecam inoso (“pronto para
divagar, Senhor, eu sinto, pronto para deixar o Deus que eu am o”),
nosso enfado deve ser reconhecido como parte da luta que está aí, e,
ainda assim , com o um inim igo certo, pois não podem os entregar o
ouro por causa da falta de brilho.
Entretanto, isso não deveria consolar o pastor que repete, pela terceira
vez, a série sobre o Sermão do Monte “que todo mundo parece apreciar
desde 1963”. Em muitas igrejas conservadoras que conheço, o enfado
chega a ser tratado como uma virtude. Mas um ministro seco e prosaico,
pedante e repetitivo quanto ao estilo, com o tempo, poderá alienar, em
relação à Palavra de D eus, a m ocidade posta sob seu cuidado. Um
m inistro precisará apreciar com carinho o fato de que parte do seu
papel é m anter o interesse dos m ais jovens. Isso não significa ficar
bajulando (por uma razão: os jovens percebem os apelos padronizados
feitos à “cultura jovem ”). Significa, sim, o investimento de mais tempo
na vida deles, levantamento de questões, discernimento do lugar deles
e segundo o entendim ento cristão e a experiência deles no corpo de
Cristo, de maneira a ter tudo isso em mente na preparação do sermão.
Pregações orientadas ao interessado (dominante hoje em nossas igre­
jas, até mesmo nas que não querem ser chamadas de “igrejas de merca­
do”), não só empobrecem os crentes, como, também, minam a genuína
evangelização de visitantes incrédulos. Num artigo intitulado “Dumbed-
Down Preaching Fails”, o editor de Current Thoughts and Trends resu­
miu o pensamento de James Troop,160 aqui transcrito em parte:

Infelizmente, o impulso antiintelectual em muitos dos púlpitos


de hoje, certamente, não está comunicando o fato (da profundi­
dade do cristianismo). Antes, reina aquilo que é simplório e es­
túpido, sem que seja confrontado pelos leigos cansados e im a­
turos. “O status quo é o de sermões simples para crentes sim ­
ples, enquanto o mundo olha mais para cima.” Pastores se quei­
xam de que suas congregações desinteressadas não querem ser
desafiadas. De fato, o laicato de hoje está tão m al inform ado
que as ilustrações clássicas e literárias, e as citações, passam
sobre a sua cabeça sem sequer tocá-la... Entretanto, essas con­
gregações alimentadas com leite tam bém não estão vendo nos
púlpitos exemplo nenhum de pregação como as orientadas pelo
apóstolo Paulo. Os pastores de hoje não defendem o evangelho
com força e coragem como fez o apóstolo, e com “falta de qual­
quer m otivação m inisterial prem ente”, pastores sem inspiração
contentam-se com púlpitos medíocres e complacentes... O evan­
gelho é a mais im portante e pungente nova que os pregadores
podem entregar ao mundo; e os adultos precisam ser educados,
em relação às suas necessidades, a ouvir o que os pregadores
precisam dizer.161

A extensão da igreja começa com um laicato bem instruído, insti­


gado pelas grandes verdades da Escritura. Se a pregação é consistente-
mente centrada em Cristo, ela evangelizará a igreja e os visitantes, os
quais, como a citação acima indica, quando chegam a visitar a igreja,
estão buscando um a direção m ais clara. O utra coisa: num a palestra
proferida no W estminster Seminary in Califórnia, o pastor de uma igre­
ja da cidade de Nova York, Tim Keller, afirmou que, em contraste com
o “ tru q u e ” de “tra g a -se u -v iz in h o -à -ig re ja -a o s-d o m in g o s” , ou de
evangelismos “enlatados”, o que realmente funciona é quando os m em ­
bros da igreja trazem amigos, parentes e colegas porque eles podem
confiar na mensagem. Quando se sentem envergonhados por suas igre­
jas, o u e s tã o convencidos de que ela não alcançará^eíetivamente seus
vizinhos, ou de que ela não apresentará fielm ente o evangelho, os
mem bros perderão o interesse. Uma igreja crescente é aquela na qual
os membros estão convictos de que ela pastoreia fielmente aqueles que
já foram persuadidos.
Entretanto, não é apenas a visão e a pregação do pastor que deveri­
am ser mudadas. Se a imediata audiência evangélica — membros atuais
de um a igreja - deve ser alcançada e m antida, deverem os repensar
como vemos os oficiais de igrejas. “Devem ser considerados m erece­
dores de dobrados honorários os presbíteros que presidem bem, com
especialidade os que se afadigam na palavra e no ensino” (1 Tm 5.17).
Em muitos casos, pelo menos na minha experiência, os presbíteros
são escolhidos em função de suas habilidades de liderança, sucesso
nos negócios, posição na com unidade e outras considerações. C erta­
mente, um presbítero não será desqualificado por causa desses dons,
mas, tam bém, estes não o qualificam , necessariam ente. Se as igrejas
estão sendo tratadas, cada vez mais, como empresas, talvez seja hora
de nos perguntar se não temos trazido para a igreja um paradigma de
liderança de empresa comercial. Os presbíteros deveriam ser escolhi­
dos não com base no valor de suas conquistas, mas com base na sua
habilidade de trabalho “na palavra e no ensino” e no seu sucesso na
família, nas amizades e no relacionamento com seus irmãos e irmãs na
igreja. Nas denom inações com as quais estou mais fam iliarizado, os
presbíteros visitam com regularidade cada família da igreja e oferecem
orientação àqueles que sofrem.
D iáconos, tam bém , são necessários em qualquer denom inação -
como nos lembra o livro de Atos:

Ora, naqueles dias, m ultiplicando-se o número dos discípulos,


houve murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as
viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária.
Então, os doze convocaram a comunidade dos discípulos e dis­
seram: Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus
para servir às mesas. Mas, irmãos, escolhei dentre vós sete ho­
mens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos
quais encarregaremos deste serviço; e, quanto a nós, nos consa­
graremos à oração e ao ministério da palavra.

Atos 6.1-4

Os apóstolos, finalmente, não seriam mais distraídos pelas necessi­


dades tem porais imediatas do povo e se concentrariam no m inistério
da Palavra e dos sacramentos. “Crescia a palavra de Deus, e, em Jeru­
salém, se m ultiplicava o número dos discípulos; também muitíssim os
sacerdotes obedeciam à fé” (At 6.7). Será que uma reform a de nossa
igreja, no sentido de melhor refletir o padrão bíblico, teria m aior im ­
pacto no evangelismo e no crescimento da igreja do que desviar nos­
sos pastores e presbíteros de sua missão, sobrecarregando-os com pro­
gramas administrativos e com paradigmas de ministério importados do
m undo dos negócios?
A Genebra de Calvino era um a cidade-m odelo, dizem os historia­
dores, em parte por causa da restauração da efetividade de seu diaconato.
Quando os refugiados, escapando das perseguições ao redor da Euro­
pa, chegaram a Genebra com nada mais do que a roupa do corpo, os
diáconos genebrinos estabeleceram uma enorm e rede de instituições
de serviço social, a fim de ajudá-los. Cada ofício - presbiterato e
diaconato - desempenhando bem sua função, a igreja de Genebra tor-
nou-se um a testem unha poderosa no m eio de um difícil período da
História. Os líderes cristãos vieram de grandes distâncias para experi­
mentar e levar esse modelo para suas igrejas. A tendência entre as igre­
jas evangélicas, de deixar o centro da cidade e ir para o subúrbio, tem
se tornado comum . Contudo, tem havido notáveis exceções e entre
essas se encontram igrejas fortes com pregação fiel, ministério de go­
verno sábio e um serviço diaconal efetivo. Exemplos de serviço diaconal
inclui apoio às vítimas da AIDS, alimento para os pobres, loja de rou­
pas usadas, clínicas médicas, escolas e outros serviços de misericórdia.
A medida que esses ofícios estão sendo desempenhados em conformi­
dade com a vontade revelada de Deus, os incrédulos não poderão dei­
xar de ver a kavod — o peso — de Deus em nosso meio, a despeito das
fraquezas da igreja.
Uma reforma da vida interior da igreja — desde o culto e da prega­
ção até a disciplina eclesiástica - é a m aior necessidade dos nossos
dias, não apenas para a saúde da própria igreja, mas, também, para que
haja um a expansão genuína.

A Teologia da Cruz

Em muitos lugares, aludi, brevemente, ao contraste marcante feito,


primeiro por M artinho Lutero e, depois, por outros reformadores. Trata-
se de um contraste facilmente distinguível nas Escrituras, especialmente,
no Evangelho de M arcos e nas epístolas de Paulo: a teologia da cruz
versus a teologia da glória. Isso está relacionado, de diversas maneiras,
ao presente tópico.
Um dos subenredos mais interessantes na trama da história relatada
por M arcos é o da intensificação dos passos para a morte de Jesus. A
viagem a Jerusalém é a linha da História. Quanto mais próximo Jesus e
seus discípulos chegavam de Jerusalém , mais Jesus falava sobre sua
iminente crucificação. Repetidamente, os discípulos mostraram descon­
tentamento diante desses momentos, até que, finalmente, junto à cidade
de Davi, Pedro repreendeu Jesus por este ter falado sobre a cruz. Afinal,
eles pensavam estar se dirigindo para a “grande abertura”. Com o apoio
do povo que os seguia, Jesus entraria na cidade como o M essias con­
quistador para derrubar o domínio de Roma e instituir o Reino.
Logo depois da magnífica confissão de Pedro a respeito de Cristo,
Jesus falou de novo sobre como seria necessário que ele “fosse morto
e que, depois de três dias, ressuscitasse”. “M as Pedro, cham ando-o à
parte, começou a reprová-lo. Jesus, porém, voltou-se e, fitando os seus
discípulos, repreendeu a Pedro e disse: Arreda, Satanás! Porque não
cogitas das coisas de Deus, e sim das dos hom ens” (Mc 8.31-33). A
últim a vez que alguém quis desviar Jesus do caminho da cruz para o
caminho da glória imediata foi quando Satanás tentou Jesus no deserto,
precisam ente onde M arcos inicia seu Evangelho. A ssim , Pedro foi
tratado, ali, como um não-intencional embaixador de Satanás. Ele não
podia pensar sobre a cruz, sobre a derrota, o sofrim ento, e a ira da
multidão. Pensava somente naquilo que julgava ser positivo: a entrada
triunfal de Jesus para assumir seu trono. Jesus aproveitou esse episódio
para ensinar como os discípulos deveriam assumir a sua cruz.
Depois, no capítulo seguinte, Jesus levanta de novo o assunto: “O
Filho do Hom em será entregue nas mãos dos hom ens, e o m atarão;
mas, três dias depois da sua morte, ressuscitará” . E a reação? “Eles,
contudo, não compreendiam isto e temiam interrogá-lo” (9. 31-32). A
seção seguinte relata o debate que os discípulos vinham tendo ao longo
do caminho. Era sobre as posições na nova ordem. Os doze estavam
tontos com a p ersp ectiv a da aproxim ação de Jerusalém : o dia da
coroação de seu herói, o qual também os alçaria da obscuridade para o
sucesso e a prosperidade. Estavam prontos para conquistar a cultura
para Cristo. Falar da cruz e do julgam ento de Deus sobre o pecado
representava distrações desviantes do “grande a to ” que estava por
acontecer: o “ruído” do reinado glorioso em Jerusalém. Jesus, porém,
os repreendeu (vv. 33-36).
Um a terceira vez, um capítulo depois, Jesus anunciou sua m orte
pendente (Mc 10.33-34). Com preenderiam , eles, agora, a m ensagem
da cruz? Ou seu coração estava tão preparado para o sucesso que eles
sequer podiam falar sobre o preço do pecado, e de Jesus com o o
Cordeiro de Deus que remove a maldição? Eis o resultado:

Então, se aproxim aram dele Tiago e João, filhos de Zebedeu,


dizendo-lhe: Mestre, queremos que nos concedas o que te vamos
p e d ir. E ele lhes p e rg u n to u : Q ue q u e re is que vos faça?
Responderam-lhe: Permite-nos que, na tua glória, nos assentemos
um à tua direita e o outro à tua esquerda. Mas Jesus lhes disse:
Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que eu bebo
ou receber o batismo com que eu sou batizado? Disseram-lhe:
Podem os. Tornou-lhes Jesus: Bebereis o cálice que eu bebo e
recebereis o batismo com que eu sou batizado; quanto, porém,
ao assentar-se à m inha direita ou à m inha esquerda, não me
c o m p e te c o n c e d ê -lo ; p o rq u e é p a ra a q u e le s a quem e stá
preparado.

M arcos 10.35-40

Os discípulos não poderiam nem por um momento tirar sua atenção


do pensamento de glória imediata, de poder, sucesso e vitória. Estava
além da sua compreensão o fato de que Jesus voltaria depois - exata­
mente por causa da cruz que Jesus, e eles, suportariam já. Queriam ser
entronizados com ele, um aos seus pés e outro, à sua direita. Contudo,
estavam pedindo pelas posições que seriam tomadas por dois crim ino­
sos na sexta-feira santa. A expectação de Jesus acerca do seu trono era
bem diferente daquela que inflava a ambição dos discípulos. “Ouvin­
do isto, indignaram -se os dez contra Tiago e João” (v. 41). M as, é
claro, Tiago e João apenas verbalizaram o que o restante dos discípulos
estava pensando - e aquilo que nós mesmos, muitas vezes, pensamos,
esquecidos de que “o próprio Filho do Homem não veio para ser servi­
do, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (v. 45).
A distinção que Paulo faz entre “a sabedoria de Deus” e “a sabedoria
do mundo” segue os padrões dessa teologia da cruz e dessa teologia da
glória. “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem”,
ele disse (1 Co 1.18). As pessoas podem estar buscando um deus que
as sirva e as ajude a chegar ao lugar que elas querem na vida, mas
quase ninguém olha para a cruz de Cristo. “Porque tanto os judeus
pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a
Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios;
mas para os que foram chamados, tanto judeus como gregos, pregamos
a Cristo, poder de Deus e sabedoria de Deus” (vv. 22-24). Se o pecado
não é m ais o problem a, como, então, poderia a cruz de C risto ser a
solução? Por natureza, buscamos a glória, mas quando o Espírito Santo
nos sepulta na morte de Cristo e ressuscita-nos com ele em novidade
de vida, somos marcados com a cruz de Cristo e vemos a totalidade da
realidade através dela.
Na Disputa de Heidelberg, M artinho Lutero disse que o teólogo da
cruz “diz aquilo que é”, enquanto o teólogo da glória chama o mal de
bem e o bem, de mal - o que quer que conduza à popularidade. Nin­
guém descreveu e aplicou esse contraste m elhor do que o teólogo
luterano Gerhard Forde. Ele escreveu:

É evidente que, hoje, há uma séria erosão ou desvio da lingua­


gem. Sentimentalismo leva a uma mudança de foco, e a lingua­
gem desliza para fora de lugar. Para dar um exemplo comum,
nós, aparentem ente, não somos m ais pecadores, mas vítim as
oprim idas por sinistros vitim izadores que buscam , im piedosa­
mente, nos perseguir e acusar... Não mais vivemos numa cultu­
ra culpada, mas fomos lançados numa falta de significado - di­
zem. E a linguagem deslizando para fora de lugar. A culpa nos
responsabiliza pelo pecado, mas quem é o responsável pela fal­
ta de significado?... Um a vez que somos vítim as e não, real­
mente, pecadores, o que precisamos é de afirmação e suporte, e
daí por diante. A linguagem desliza e cai fora de lugar. Toma-se
terapêutica em vez de evangélica... A teologia da cruz diz a coi­
sa como ela é. Em conversa moderna: o teólogo da cruz chama
a espada de espada. Aquele que “considera todas as coisas atra­
vés do sofrimento e da cruz” é constrangido a falar a verdade...
E curioso que, a despeito das tentativas para se evitar a ofensa,
as coisas não parecem melhorar. Buscamos afirmação, mas pa­
rece que experim entam os cada vez menos afirmação... Talvez
seja a hora de recomeçar a chamar a espada de espada.'62

A teologia da cruz, entretanto, envolve mais do que a recusa em tratar


as feridas do povo de modo leve. Ela impõe o uso de lentes para observação
da realidade que alteram fundamentalmente não apenas algumas doutrinas
aqui e ali, mas como pensamos e agimos, adoramos e alcançamos o mundo.
Não é o caso de que a teologia da cruz seja, simplesmente, negativa; antes,
ela não pode deixar de reconhecer o julgamento que paira sobre nós -
sobre nossa autojustiça, nossos planos pretensiosos para entrar no reino
de Deus por meio de nossos próprios esforços, nossa preferência por nossos
próprios m étodos em vez dos m étodos de Deus. E ainda, esse é um
julgamento que paira não apenas sobre os outros, mas sobre nós, crentes
- crucificando-nos com Cristo, aquele que suportou na cruz a maldição,
por causa das nossas ilusões de poder.
Embora o evangelho, em princípio, sempre seja visto como estultícia
por aqueles que perecem , não posso pensar em nada que faça mais
óbvia conexão com a experiência da nova geração. A nova geração
não é otim ista, com o a dos boom ers (do pós-guerra), m as, antes,
suspeitosa dos lançamentos de vendas de “produtos revolucionários” .
Ela, sem dúvida, fará contradança com a experiência de Paulo descrita
em Romanos 7, mais do que com sermões sobre como acessar o poder
de Deus para a vitória na terra. Ao mesmo tempo, ela está sedenta de
esperança - isso é o que cada pesquisa diz a respeito da geração X (do
pós-guerra). A teologia da cruz olha além da cruz, para a ressurreição
como sendo o modo cruciforme da vitória - uma esperança que não se
baseia naquilo que podemos conquistar por nós mesmos, mas que é o
clímax da história de Jesus. Enquanto muitos entre os da velha geração
tendem a esperar tudo para aqui e agora, a geração X leva a sério a
m ensagem que aguarda a restau ração da to talid ad e da criação, e
reconhece que a falsa esperança não é consistente com aquilo que se
vê aco n tecen d o hoje. “P orque, na esperança, fom os salvos. O ra,
esperança que se vê não é esperança; pois o que alguém vê, como o
e sp e ra ? M as, se esp eram o s o que não vem os, com p a c iê n c ia o
aguardam os” (Rom 8. 24-25). Para m aior confirm ação, há tam bém
R om anos 6, declarando-nos nossa definitiva, de um a vez por todas,
renovação. E há, ainda, Romanos 8, com seu vasto panorama de uma
c riação renovada. C ontudo, há, de entrem eio, um a teo lo g ia para
peregrinos.
Uma teologia que começa com a premissa de que somos pecadores
e fracos, em vez de basicam ente bons e fortes, estará em m elhor
condição, ironicam ente, de pro v id en ciar um a base rea lista para a
esperança. Sabemos que a idéia de que o homem está se atualizando é
besteira. Já vimos m uito egoísmo, ganância, ambição, ira e orgulho.
N ossos lares têm testem u n h ad o viv id am en te a d e p rav ação to tal.
M oralistas vitorianos que sentimentalizam a “vida no lar” e as “virtudes”
não conseguem sobreviver por muito tempo nestes tempos maus. Seu
acalentado otimismo em relação à humanidade soa falso.
Em tem pos tais como esses, nós, como os discípulos, exigirem os
que apenas doutrinas leves e projetos triunfalistas orientem nossos
passos? Ou abraçaremos a verdade sobre a vida, nós mesmos, e Deus
— até m esm o quando as tomadas de pesquisas e os m arqueteiros de
igreja sugerirem outra coisa? A afirmativa de Calvino - “Aqueles aos
quais o Senhor adotou... deveriam se preparar para uma vida dura, de
lutas e de inquietude, cheia de m uitos e diversos tipos de m ales” 163
obtém um novo tipo de credibilidade nos dias que correm. Ela tem o
selo da verdade, mais do que o “antes” e “depois” dos testemunhos e
cânticos que nos são tão familiares.
A te o lo g ia da c ru z, e n tre ta n to , não nos d e ix a num o b sc u ro
p essim ism o . “A gora v em o s” , diz C alvino, “q uantas b oas co isas,
entretecidas, fluem da cruz. Pois, sobrepujando essa boa opinião que
temos sobre nossa própria força e desmascarando nossa hipocrisia que
tanto nos deleita, a cruz ataca a perigosa confiança na carne” .164

Cantarei ao Senhor, porque triunfou gloriosam ente; lançou no


m ar o cavalo e o seu cavaleiro. O Senhor é a m inha força e o
meu cântico; ele me foi por salvação; este é o meu Deus; portan­
to, eu o louvarei; ele é o Deus de meu pai; por isso, o exaltarei.

Êxodo 15.1-2
Notas

Introdução
1 D orothy Sayers, C reed or Chaos? (New York: H arcourt, B race and Com pany, 1949), 3.
2 Ibid., 7.
3 Sally M orgenthaler and Robb Redm an, “N ew P aradigm s for W orship and M inistry w ith
Single A dults” , W orshipLeader (M ay/June 1999): 30.
4 Ibid., 31.
5 Ibid., 32.
6 Ibid., 34.
7 E sta m etáfora tem um a longa e distinta carreira na teologia. João C alvino, por exem plo,
elaborou sobre essa analogia em m uitos lugares, como os seguintes, tirados do seu com entário de
Salm os: “A Igreja é um teatro distinto no qual a glória divina é apresentada” (Sl. 111:194); “A
Igreja que Deus escolheu como o grande teatro no qual seu cuidado pastoral pudesse ser m anifestado”
(Sl. 111:12); “ O estad o ou rein o da Ig reja co n stitu i o p rin c ip a l e au g u sto teatro onde D eus
apresenta e dem onstra os sinais de seu m aravilhoso poder, sabedoria e ju stiç a ” (Sl. IV:335); “A
totalidade do m undo é um teatro para a apresentação da bondade, sabedoria, ju stiça e poder, mas
a Igreja é a orquestra... a parte mais evidente dele” (Sal. V:178).
“ O Catecism o de Heidelberg (1563), O D ia do Senhor, Pergunta 98, no E cum enical Creeds
a n d R efo rm ed C onfessions (Grand Rapids: CR C Pubiications, 1987), 56.
‘J C itado por D avid Wells, G od in the Wasteland: The R eality o f Truth in a World o f F ading
D ream s (G rand Rapids: E erdm ans, 1994), 118.
10 Ann Douglas, The Feminization o f American Culture (New York: Alfred A. Knopf, 1977), 7.
11 Philip Rielf, The Triumph o f the T herapeutic (New York, H arper & Row, 1968), x-xii.
12 Sayers, C reed or Chaos? 24.

Capítulo 1
15 P ara um desenvolvim ento com pleto desse tem a, veja M eredith Kline, Treaty o f the G reat
K ing (G rand Rapids: Eerdm ans, 1963).
‘ N.T.: no sentido de dividir as responsabilidades nos term os contratados.
14 Randy Rowland, “The Focus and Function o f Worship: M usic as a M édium to Connect Us
to G od”, Worship L eader (M ay/June 1999): 14.
15 Donald Bruggink e Carl Droppers, C hrist an d A rchitecture: B uilding P resbyterian/R eform ed
C hurches (G rand Rapids: Eerdm ans, 1965), 285.

Capítulo 2
16 N eal Gabler, Life the Movie, Starring Everyone: H ow E ntertainm ent C onquered R eality
(N ew York: Alfred A. Knopf, 1999), 8.
17 David Di Sabatino, “The Power o f Music: W hat Keep in M ind W hile under Its Influence”,
Worship L eader (M ay/June 1999): 22.
18 C itado no T heological D igest a n d O utlook (M arch 1999): 5.
19 Paul R icoeur, F iguring the Sa cred (M inneapolis Fortress, 1995), 56.

Capítulo 3
2(1 R o b e rt Jay L ifto n , “T he P rotean S e l f ’, em The Truth a b o u t the Truth, coord. W alter
T ru ett A n derson (N ew York: P utnam , 1995): 130-35.
21 Ibid., 132.
22 Peter Berger, The H eretical Im perative (New York: Doubleday, 1979), 78.
23 Ibid.
24 Lifton, The P rotean Self, 133.
25 Ibid., 135.
26 George Barna, The Barna R eport 1992-93 (Ventura, Calif.: Regai Books, 1992), 94.
27 R ichard Lints, “Vinyl N arratives: A M etanarrative o f Postm odernity and the R ecovery o f
a Church Theology” , em A C onfessing T heology f o r P ostm odern Times, coord. M ichael Horton
(W estchester, 111.: C rossw ay, 2000), 119.
28 Stanley Hauerwas, “Preaching as Though We Had Enem ies”, F irst Things 53 (M ay 1995):
4 5 -4 9 .
25 John U pdike, A M onth o f Sundays (New York: Faw cett Crest, 1975), 33.
30 Veja, especialm ente, A lisdair M aclntire, “The Virtues, The Unity o f a H um an Life a n d the
C oncep o f a T ra dition”, em A fter Virtue (Notre Dame: U niversity o f N otre Dame, 1981), 190-
209; e “Epstem ological Crises, D ram atic N arrative, and the Phylosophy o f Science” , M onist 60,
no. 4 (O cto b er 1977): 435-72.
" M ark C. Taylor, Erring: A Postm odern A /T heology (Chicago: U niversity o f ChicagoPress,
1 9 8 4 ).
32 H. R ichard N iebuhr, The M eaning o f R evelation (New York: M acm illan, 1941), 44-45.
33 Ibid.

C a p ít u l o 4
34 C harles Finney, em Syslem atic Theology (M inneapolis: Bethany, 1976), investiu contra
“o antiescriturístico e insensato dogm a da constituição pecam inosa (isto é, a depravação hum ana)
(179), negou “que a expiação fosse o pagam ento literal de um débito” (217) em favor de um
exem plo teórico de governo e moral (209), acrescentando: “E verdadeiro, que a expiação, por si
m esm a, não assegura a salvação de ninguém ” (217), mas, antes, providencia um bom incentivo
p ara nossa própria obediência (209). Em relação à doutrina da justificação, ele escreveu: “M as é
im possível e absurdo que pecadores sejam judicialm ente declarados ju sto s” ... Com o j á foi dito,
não poderá haver justificação num sentido legal ou forense, mas som ente na base da universal,
p erfeita e ininterrupta obediência à lei... A doutrina de um a ju stiça im putada, ou de que a obediência
de C risto à lei tenha sido tom ada com o nossa obediência, se funda na m ais falsa e insensata
p resu n ção ... M as, se C risto prestou obediência à lei m oral, então sua obediência não p oderia
ju stificar senão a ele mesmo. Jam ais poderia ser im putada a nós” (320-21). A ssim , “ ... tom ar a
expiação com o a base da justificação do pecador tem sido causa de tropeço para m uitos” (322).
Em vez da obediência de Cristo, “deveríam os entender que a perseverança na obediência até o fim
d a v id a é tam bém um a condição para a ju stific a ç ã o ” , e que considerar a fé som ente com o a
condição da ju stificação é “antinom ism o” (326). “A presente santificação, no sentido da atual
plena consagração a Deus, é outra condição, não base, para a justificação” (327). Seus com entários
sobre a “velha escola” (ortodoxia) presbiteriana eram com o os seguintes: “As relações da visão
sobre ju stificação da velha escola com a sua visão da depravação é óbvia. E la sustém , como já
vim os, que a constituição de cada faculdade e parte do homem é pecadora. É claro que um retorno
à presente santidade pessoal, no sentido de um a inteira conform idade com a lei, não poderá ser,
p ara ela, um a condição para a justificação. D everá haver um a ju stificação enquanto estiverm os
ainda, pelo m enos, em pecado. Isso se ria efetuado p ela im putação d a ju stiç a . O intelecto se
revolta diante dessa justificação ainda em pecado... U m a vez presum ida a depravação constitucional
ou p ecam in o sid ad e h u m an a enquanto a personalidade p erm anece n a com issão de p ecad o s, a
regeneração física (sobrenatural), a santificação física, a influência física divina, a im putação da
ju stiça e a justificação seguirão seu curso” (338).
35 Charles G. Finney, Revivais o f Religion (Old Tappan, N.J.: Revell, s.d.), 5.
36 Ibid., 4-5.
37 Veja Keith J. H ardm an, C harles G randison F inney: R ea viva list a n d R efo rm er (G rand
R apids: Baker, 1990), 380-94.
38 Ibid., 321.
39 V eja, p o r e x e m p lo , W h itn e y R . C ro ss, The B u rn e d -O v e r D istr ic t: The S o c ia l a n d
In te lle c tu a lH isto ry o f E n th u sia stic R elig io n in W estern N e w York, 1 8 0 0 -1 8 5 0 (Ith aca, N.Y.:
C ornell U niv ersity P ress, 1982).
40 B. B. Warfield, “A Review o f Lewis Sperry Chaeffer’s He That ls Spiritual", em Christ the
L o rd , coord. M iechael H orton (G rand R apids: B aker, 1992), 212; re-im pressão de P rincelon
T h eo lo g ica l R eview 17 (A pril 1919): 322-27.
41 W illiam James, Pragm atism o (1907; reimpressão, New York: M eridian Books, 1943), 192.
42 Louis B erkhof, System aric Theology (Grand Rapids: Eerdm ans, 1941), 612.
43 K arls B arth , The G o ttin g en D ogm atics: In stru c tio n in the C h ristia n R e lig io n , vol. 1
(G rand Rapids: E erdm ans, 1991), 35.
44 Jam es, P ragm atism , 192.
45 K attherine A. Kersten, “To Hell w ith Sin; W hen ‘Bieng a Good Person’ Excuses Everything” ,
The Wall Street Journal, Friday, 17 Septem ber 1999, p. W15.
46 John M urray, Law a n d Grace (cap. 8), P rincipies o f Conduct: A sp e c tso f B iblical E thics
(1957, reeditado, Grand Rapids: E erdm ans, 1991), 181.
47 Ibid., 185-86.
48 João Calvino, Institutas da R eligião Cristã, 3.2.29.
49 Calvino, In stitu ta s, 2.10.23.

Capítulo 5
50 P ara um ex celen te tratam en to desse asp ecto , veja E dm und P. C low ney, The U nfolde
M istery: h rist in the O ld Testament (Colorado Springs: N avPress, 1988).
51 Para descrição e análise mais detalhadas dessas perspectivas, veja Geehardus Vos, Redemptive
H istory a n d Biblicam Interpretation, coord. Richard B. Gaffin Jr (Phillipsburg, N.J., Presbyterian
and R eform ed, 1980); H erm an R idderbos, Paul: N a O utline o f His Theology, trad. John R. De
W itt (G rand R apids: E erdm ans, 1975); R edem ptive H istory a n d the New Testament Scriptures,
trad. H. De Jongste (Phillipsburg, N.J.: P resbyterian an d Reformed, 1963); e Richard Gaffin, Jr.,
R essu rrectio n a n d R edem ption: A S tu d y in P auV s S o terio lo g y (P hillipsburg, N .J..'Presbyterian
and R efom ed, 1986).
52 E d m u n d P. C low ney, “P re a c h in g C h rist from AU the S c rip tu re ” , em P re a c h in g a n d
P reachers, coord. Sam uel T. Logan Jr. (Phillipsburg, N.J.: Presbyterian and Reform ed, 1986).

Capítulo 6
53 Johannes W ollebius, C om pendium Theologiae C hristianae, em m R eform ed D ogm atics,
coord. e trad. John W. Beardslee III (Ne York: O xford U niversity Press, ‘965), 135.
54 Louis Berkhof, System atic Theology (1941; reed. Grand Rapids: Eerdm ans, 1971), 604-5.
55 The O x fo rd D esk D ictio n a ry a n d Thesaurus, A m erica n E d itio n (N ew York: B erckley
B ooks, 1997), 813.
56 M e red ith K lin e, B y O ath C o n s ig n e d (G rand R apids: E erd m an s, 1968), caps. 3 e 4,
esp ecialm en te.

Capítulo 7
57 João Calvino, Institutas, 4.17.32.

Capítulo 8
58 Stanley Hauerwas, “Preaching as Though We Had Enemis”, First Things 53 (May 1995): 48.
w M eredith Kline, Im ages o f the Spirit, (publicação particular, 1986), 99.

Capítulo 9
“ Para expansão desse ponto, veja John M. Frame, The D octrine o f the K now ledge o f God:
A Theology o f L ordship (P hillipsburg, N .J.: Presbyterian and Reform ed, 1987), especialm ente,
13-1 5 .
61 As citações sobre absolvição são tiradas de João Calvino, Institutas, 3.4.1-14.
62 The B o o k o f Comm on Order o f the Church o f Scotland a n d the D irectory fo r the Public
W orship o f G o d (Phillipsburg, N .J.:Presbyterian and Reform ed, 1868), 69.
63 João Calvino, “The form o f Church Prayers”, em Liturgies o f the Western Church, selecionada
e ap resen tad a por B ard T hom pson (Philadelphia, F ortress, 1961), 198.
“ Sou grato ao Rev. D anny Hyde por cham ar a m inha atenção para essa declaração m encionada
n a obra de Thom pson, Litugies o f the Western Church, 191.
65 Ibid., 294.
66 y Pelachovsky, C. Vogel, Sin in the O rthodox Church an d the P rotestant Churches, trad.
C harles Schaldenbrand (New York: D esclee Co., 1960), 39.

Capítulo 10
67 N eil Postam n, Technopoly: The Surrender o f Culture to Technology (New York: Alfred A.
K n o p f, 1993), 164.
68 Ibid.
® Ibid., 166.
70 Ibid., 170.
71 Tradução adaptada.
72 Immanuel Kant, “An Answer to the Question: W hat is Enlightenment?” em K ant's Political
Writtings, trad. H. B. Nixbet, coord. Hans Reiss (Cam bridge University Press, 1970), 54-55.
73 Postm an, Technopoly, 179.
74 Rev. B rian N orkatis, em Oliver Libaw, “Gog on a Great Scale” , A BCNEW S.com , June 13.
O subtítulo do artigo é: “Bigger is Better in Am érica - A pparently Even W hen it Com es do G od” .
75 P ostm an, Technopoly, 171.
76 N o ta do tradutor: N o B rasil, o m im etism o religioso característico d a n o ssa form ação
n o s c o lo c a em pé de ig u a ld a d e com os m o v im e n to s re lig io so s am e ric a n o s. A re je iç ã o da
c u ltu ra am erican a evid en cia a d ep en d ên c ia dos m esm os v alores que se deseja rejeitar, com o
no caso de um filho que, re je ita n d o os p ais, exibe reaçõ es que den u n ciam a re p e tiç ã o dos
m esm o s v a lo re s rejeitad o s.
77 C itado em P ostm an, Technopoly, 189.
78 Ibid., 115.
75 Jaroslav Pelikan, The Vindication o f Tradition (New Haven: Yale, 1984), 65.
80 John U pdike, A M o n th o f S undays (N ew York: Faw cett Crest, 1975), 30-33.
81 Peter Berger, The H eretical Im perative (New York: Doubleday, 1980).
82 David Di Sabatino, “The Power o f Misic: W hat to Keep in m ind W hile under its Influence”,
Worship L eader (M ay/June 1999): 22.
83 Ibid., 26.
84 D onald C. Boyd, The A sbury H erald (w inter 1999): 6.
85 K en n eth M yers, “Is P o p u lk ar C u ltru re E ith er? M o d e m R e fo rm a tio rí’, ns 1 (Ja n u a ry /
February 1997): 10.

Capítulo 11
86 John Seabrook, Nobrow: The Culture f o M arketing - The M arketing o f Culture (New York:
A lfred A. K nopf, 2000), 5.
87 Ibid., 43.
88 Ibid., 22.
85 Ibid.
50 Ibid., 28-29. Citado em ibid., 151.
51 Ibid., 57-58.
52 Ibid., 96.
93 Ibid., 64.
94 Ibid., 77.
95 Ibid., 65.
96 Ibid., 170.
97 Citado em ibid., 151.
98 Gerhard Sauter, What Dare We H ope? R econsidering Eschatology (Harrisburg, Pa.: Trinity
P ress In tern atio n al, 1999), 208.
99 Joseph A. Pipa, The L o rd ’s D ay (Ross-shire, Scotland: C hristian Focus, 1997), 11.
™ Ibid.
101 D ever-se-ia reconhecer que nem todos, na tradição reform ada, concordariam com esse
consenso. C alvíno e outros reform adores d istinguiam entre os aspectos obrigatório (m oral) e
o b so leto (cerim o nial) do quarto m andam ento. N ão obstante, teólogos com o F rancis G om arus
(1 5 6 3 -1 6 4 1 ) - o p rin cip al opo n en te do p artid o arm in ian o n a ig reja h o lan d esa - e Johannes
C occeius (1603-1669) - pai da disciplina conhecida com o “teologia bíblica” , e um significante
núm ero de defensores da teologia aliancista - consideraram o quarto m andam ento com o tendo
sido ab -ro g ad o n a su a totalidade. Um dom p ecu liar à econom ia m osaica, o m andam ento era
cerim o n ial in totum . E ssa, en tretan to , é um a visão ex trem ad a e não tem de ser ad o tad a por
aqueles que, não obstante, consideram o D ia do Senhor com o sendo o sábado cristão.
102 Q uem q uer que esteja fam iliarizado com a o b ra de M eredith K line sobre esse assunto
[e sp e c ia lm e n te , K in g d o m P ro lo g u e (p a le s tra s p u b lic a d a s p elo au to r), vol. 1, 2 6 ss] v erá,
facilm ente, su a influência neste m eu breve resumo.
103 Ibid., 26. B. B. Warfield e John E. Meyer, coord., The Sabbath in the Word o f God, Selected
S horter W rittings - 1 (Nutley, N.J.: Presbyterian and Reform ed, 1970), 319. Ibid., 320. R ichard
Gaffin Jr., “The Sabbath: A Sign o f Hope”, Orthodox Presbyterian Church Position Papers, 5.
Ibid., 6.
104 W endell Berry, A Timbered C hoir (N ew York: C ounterpoint, 1998).
105 B. B. W ardield e John E. Meyer, coordenadores, The Sabbath in the Word o f God, Selected
Sh o rter W rittings - I (Nutley, N.J..: Presbyterian and Reform ed, 1970), 139.
106 Ibid., 6.
107 R ich a rd G affin Jr., “T he S abbath: A Sign o f H o p e” , O rthodox P resbyterian C hurch
P o sitio n P ap er 5.
108 Ibid., 6.
109 D o rothy C. B ass, “R eceiving the D ay the Lord H as M ade” , C h ristia n ity Today (6 de
m arço de 2000), 67.
110 R ic h a rd B a u ck m an e T rev o r H art, H o p e a g a in s t H o p e: C h r istia n E s c h a to lo g y in
C o n tem p o ra ry C o n text (London: D arton, L ongm an and Todd Ltd, 1999), 178.
111 R ich ard R. O sm er, “ The C ase for C a te ch ism ”, C h ristia n C en tu ry (23-30 de A bril de
1997), 408.
" 2 Ibid.
113 Ibid., 409.
1,4 Ibid., 411.
115 Ibid., 412.

Capítulo 12
116 O sociólogo Wade Clark Roof, observa: “Um núm ero surpreendente deles (cristãos nascidos
de novo), de fato, identificam -se com o ‘interessados’, dizendo que crêem em D eus, não estão
certos da necessidade de pertencer a um a religião organizada (significando igrejas na form a que
eles conhecem ), ou levantam sérias questões sobre a verdade do próprio evangelho. N a m aior
parte, m uitos dos auto-proclam ados “interessados” evangélicos são do prim eiro tipo: eles m antêm
algum as crenças básicas e até mesmo dizem que sua experiência de novo nascim ento foi um ponto
de m udança de direção em sua vida. M uitos deles, entretanto, rejeitam as igrejas convencionais e
pouco sabem sobre as doutrinas e práticas cristãs” . (S p iritu a l M arketplace: B aby B oom ersand
the R e m a k in g o f A m erica n R elig io n [Princeton: P rinceton U niversity Press, 1999], 189.)
117 Até m esm o George B arna, defensor da aproxim ação de “busca de interessados”, adm ite:
“A proporção de não-m em bros de igrejas tem crescido bastante desde os anos de 1980” [The
index o f L ea d in g S p iritu a l Indicators (Dallas:W ord, 199), 34],
118 R obert B. Reich, “The Choice Fetish: Blessings and Curses o f a M arket Idol” , Civilization
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119 D eborah Stone, “The P eople W ho W o n 't C om m it” , ibid, 74.
120 Ibid., 74.
121 D avid Borrks, Bobos in Paradise: The N ew Upper Class a n d H ow They G ot There (New
York: Sim on & Schuster, 2000).
122 Ibid., 226.
123 Ibid., 239-40.
124 Ibid., 242.
125 Ibid., 246-46.
126 W illiam W illim on, “B een There, Preached T hat” , Leadership J o u rn a l (fali 1995): 75.
127 W illiam W illim on, Peculiar Speach:Preaching to the B aptized (Grand Rapids: Eerdm ans,
1991). 12.
128 Ibid., 13.
125 Lee Strobel, “N a Interview w ith G ardner Taylor and Lee S trobel”, L eadership Jo u rn a l
(fali 1995): 24.
1,0 Ibid., 21.
I5' Ibid., 22.
132 Ibid., 23.
133 The Heidelberg Cathecism (1563), L ord's Day 35, Question 98, E cum enical C reeds and
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134 David Lyle Jeffrey, citado por Lyinn Smith, Faith Today (September/October 1999): 23.
135 Stanley Hauerwas, “Preaching as Though We Had Emenies”, First Things 53 (May 1995). 46.
136 Ibid., 49.
137 C. Peter Wagner, “A nother N ew W ineskin”, N ext 5, no. 1 (Januaru-M arch 1999): 3.
158 George B arna, M arketing the Church (Colorado Springs: N avPress, 1988). 145.
135 W alter L ippm an, cidado por N ed G abler em L ife the M ovie, S tarrong E veryone: H ow
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140 Steiner Kvale, “Them es o f Postm odernity” , em The Truth about the Trith: D e-confusing
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141 S ally M acD onald, “N ew C hurch C hanges to F it M odern S o ciety ” , S e a tle Tim es, 18
(O cto b er 1998, B l).
142 George Barna, publicações recentes do B arna R esearch Group (February 1999).
143 C itado por Sm ith, FaithToday, 20.
144 Ibid.
145 Ibid., 22.
146 C itado em ibid., 23.
147 R o b ert W ebber, “ C u ltu re W atch: M illen ials on the R ise: Is S ociety on th e Verge o f
R ediscovering the Past?” Worship L eader (M ay/June 1999): 12.
148 C h ristin a Shankar, “Letters to the E ditor”, New Yorker (January 1999): 6.
149 Sarah E. Hinlicky, “T alking to Generation X”, F irst Things F irst (February 1999), 6.
15,1 Ibid., 11.
131 Eric Felten, “D ata D ivining” , The Wall Street Journal. 20 April 2000. 12.
152 Ibid.
153 W illim on, “ B een T here, P reached T h at” , 78.
134 “ B rain S can o f A m erica: A C onversation w ith M ark etin g C o n su ltan t M ichael S ack ” ,
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135 Ibid.
156 John C. LaRue Jr., “Special Report: C urrent R esearch D ada on C hurches”, Your Church
(Jan u ary /F eb ru ary 2001): 96.
137 Ibid.
158 Ibid., 31.
159 Ibid.
160 Currente Thoughts a n d Trends (June 1999): 14-15. O artigo de James Troop é intitulado
“P reach in g 's P light” , em S h a rin g the P ra ctice 2 1, ns 4 (1999): 6-9.
161 Ibid., 15.
162 G erhard Frode, “On B eing a T heologian o f the C ross” , C hristian C entury (22 O ctober
1997): 9 4 7 -4 9 .
163 João Calvino, Institutas da R eligião Cristã, 3.8.1.
164 Ibid., 3.8.5.
Um caminho melhor
Nas igrejas em geral, parece haver umafalta de clareza geral sobre o Deus
que adoramos e principalmente sobre o propósito da adoração. Mas será
que temos de decidir entre uma rotina melancólica e uma inovação
perpétua?
Neste penetrante exame da adoração, Michael Horton demonstra que há
um caminho melhor. Escave abaixo da superfície de guerras sobre adoração
de hoje e redescubra os fundamentos bíblicos e teológicos para uma
compreensão cristã da adoração. Somente então, Horton argumenta,
poderemos colocar Cristo de volta ao centro e restaurar nossa unidade como
povo de Deus na presença de Deus.
Quer você seja pastor, líder de adoração ou simplesmente um crente
desejando aprofundar sua fé, Um caminho melhor o ajudará a reconsiderar o
discipulado e o crescimento cristão enquanto revela o modo de adoração
comovente e revitalizante para o qual fomos criados.

Michael S. Horton é professor de Apologética e Teologia no Westminster Seminary,


Califórnia, e editor chefe da revista Modem Reformation. Ele tem M.A. pelo Westminster
Seminary, na Califórnia, Ph.D. pelo Wycliff Hall, em Oxford, e pelaUniversityof Coventry.
O Dr. Horton é ministro da United Reformed Churches of North America. Ele é autor de
vários livros, entre eles, A face de Deus, A lei da perfeita liberdade, O cristão e a cultura e
/As doutrinas da maravilhosa graça, todos desta editora.

Eclesiologia/Culto

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