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SALMOS
COMO LOUVOR
CRISTÃO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Waltke, Bruce K.
352 p.
ISBN: 978-85-8038-083-5
Título original: The Psalms as Christian Praise: a historical commentary
20-2392 CDD-223.207
SALMOS
COMO LOUVOR
CRISTÃO
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Tradução
Angelino Junior do Carmo
B ruce K. W altke
J ames M. H ouston
SHEDD
© 2019 by Bruce K. Waltke and James M. Houston
Originally published in English under the tide
The Psalms as Christian Praise: A H istorical Commentary
by Wm. B. Eerdmans Publishing Co.
4035 Park East Court SE, Grand Rapids, Michigan 49546, USA
All rights reserved.
Compras online
www.sheddpublicacoes.com.br
ISBN 978-85-8038-083-5
P refácio ......................................................................................................... 11
1. Os SALMOS COMO LOUVOR C R ISTÃ O ............................................................................... 15
I. O quê: O objeto do louvor, o Eu S o u ................................................... 15
II. Por que louvar.........................................................................................20
III. Quem, onde e quando.......................................................................... 27
IV. Como louvar...........................................................................................37
2. Salmo 90: A voz da sabedoria moderada .............................................43
P arte I. A vosç do salm ista: T radução ................................................................ 43
P arte I I . C om en tário ........................................................................................48
I. Introdução.......................................................................................... 48
II. Exegese.............................................................................................. 53
P arte I II. A vo% da igreja em resp osta .................................................................. 73
I. Atanásio de Alexandria (c. 295-373).................................................74
II. Agostinho de Hipona (354-430)..................................................... 75
III. Gregário de Nissa (c. 332-395)......................................................76
IV. Martinho Lutero (1483-1546).........................................................76
P arte I V . C onclusão .............................................................................................. 79
I. Contexto canônico.............................................................................79
II. M ensagem ......................................................................................... 79
3. Salmo 91: A invulnerabilidade e invencibilidade do M essias .....81
P arte I. A vosç do salm ista: T radução .....................................................................81
G n 17.5).1O paralelismo entre Ê xodo 3.14 e 3.15 indica que D eus explica
seu nom e I a v é (Ê x 3.15) por m eio do nom e da sentença: “E u Sou o q u e
Sou” ou “E u S e r e i o q u e S e r e i ” (Ê x 3.13,14). Presumivelmente, portanto,
seu nom e é descritivo (“Ele é”) ou antecipatório (“Ele será”). Janet Martin
Soskice ressaltou que a Septuaginta traduziu o nom e da sentença por “E u
sou o Ser”, com preendendo “a transcendência metafísica do tetragrama
divino com o ‘Ser em si m esm o’ ”.2 A interpretação dela apoia em parte o
sentido tradicional “E u Sou o q u e S o u ” . Assim, o nom e dele menciona
seu Ser eterno, imutável. O Deus de Israel é autoexistente; ele não se deriva
de alguém ou de alguma coisa.
Pouco tem po atrás, Austin Suris argum entou com base na sintaxe
hebraica que o nom e da sentença significa “E u S e r e i o q u e E u S e r e i ” ,
significando antecipação: a revelação progressiva de si mesmo, não a
descrição do seu ser.3 Portanto, Israel aprendeu pela primeira vez, por
meio das pragas do E u S o u sobre Faraó, que o nom e significou seu poder
im pressionante (v. Êx 6.1-4); e Israel aprendeu com o incidente do be-
zerro de ouro a respeito de sua graça maravilhosa (Êx 34.6; v. SI 103.6,7).
A interpretação mais tradicional, entretanto, além de com unicar seu Ser
imutável, tam bém induz a noção que ele progressivamente revelará quem
é. O ápice é que o E u S o u se revelou no Filho, o Senhor Jesus Cristo, e
que o Espírito Santo convence o m undo da Verdade 0o 4.24).
N o N ovo Testam ento (NT), o E u S o u se revela plenam ente com o
Trindade: a Trindade ontológica: o Pai, o Filho e o Espírito Santo e uma
organização trinitária, com cada Pessoa tendo um a função única.4 Hoje,
0 Pai deseja ser conhecido pelo nom e do Filho, o Senhor Jesus Cristo. E
Agostinho. Com o ele poderia procurar por D eus se ele nem sequer sabia
quem ou o que ele procurava? Com o louvaria a D eus se ele não sabia
invocá-lo? C om o ele poderia louvar a D eus se D eus está além de todo o
conhecimento, ou nom eá-lo sem lhe distorcer o nome? Com o Moisés,
A gostinho percebeu que D eus deveria chamá-lo em prim eiro lugar, em-
bora lhe fosse ordenado invocar a Deus: “Fala a mim, de m odo que eu
possa ouvir”.7 Mas essa oração já é uma dádiva divina, um a dádiva da fé,
uma dádiva da fala. N ós tam bém , ao assumirm os a tarefa privilegiada
de louvar, participamos da oração de Agostinho: “M inha fé, Senhor, te
invoca. E tua dádiva para mim. Tu a sopraste em mim pela humanidade
de teu Filho, pelo ministério de teus pregadores” .8 Com o Janet M artin
Soskice conclui com tanta beleza: “Essa fala a D eus se tornou possível
porque D eus fala a nós em prim eiro lugar, e nos proporciona não só a
possibilidade do louvor, mas a verdadeira sociabilidade, o verdadeiro e
verídico uso da posse com partilhada que é a fala” .910
B. Reflexos sobre a realeza
E apropriado que o com entário focado no tema o “E u Sou é Rei”
elucide a noção de realeza.
O rei é o soberano do sexo masculino, geralmente entre rivais, de uma
extensa unidade territorial com o um a cidade ou nação. N o m undo bíblico,
os reis foram investidos de autoridade suprema p o r causa das habilidades
para liderar, em especial em períodos d e. guerra e para a aplicação dajustiça™
Além disso, o rei é o edificador de tem plos (lR s 6— 8),11 palácios (7.1-8) e
mesm o cidades (12.25).12 O salmo 93 louva o Rei divino com o guerreiro,
juiz e edificador, mas ele converge e aum enta essas qualidades. D e fato,
com o guerreiro ele é mais poderoso que a furia dos mares im petuosos
(v. 3,4); com o juiz, até decreta leis (v. 5); e com o edificador, estabeleceu
o globo terrestre com tanta firmeza que não pode ser abalado (v. 1). N a
7 Ibid., 1.5.
8 Ibid., 1.1.
9 “The Gift o f the Name”, p. 75.
10Marc Zvi Bretder, G od Is King: Understanding an Israelite M etaphor, JSOTSup 76
(Sheffield: JSOT, 1989), p. 31,109-16.
11 Arvid Kapelrud, “Temple Building: A Task of Gods and Kings”, 0 1963) 32)־:
56-62.
12 Bretder, G od Is King, p. 117-22.
19
13 Ibid., p. 51-75.
14For the Glory o f G od Recovering a Biblical Theology o f Worship. Grand Rapids: Baker
Academic, 2014, p. 23-4.
15 T L O T , 2:503,y ¿ Hiphil.
16 Ibid., 2:506,y d h Hiphil.
20
19Ibid., p. 80.
20 Ibid., p. 81.
21 Ibid., p. 78-9,
22
22 H. Gunkel; J. Begrich, Introduction to the Psalms: The Genres o f the Religious Lyric o f
Israel, trad. James D. Nogalski. Macon: Mercer University Press, 1998, p. 23.
23 Ibid., p. 29.
24 Reflections on the Psalms, p. 82.
25 “The Power and Pleasure of Praise”, em: The Power o f Prayer in a Believer’s L ife,
Robert Hall, org. Lynwood: Emerald Books, 1993, p. 99.
23
não epistemológicam ente (i.e., com o seres hum anos sabem, de m odo
relativo). Se um a geração sabia da árvore, sem jamais louvá-la ou falou a
esse respeito dela, de m odo que seus filhos crescessem ignorantes dela,
seria possível dizer, em sentido figurado e verdadeiro, que a árvore morreu.
O mesm o é verdade a respeito de Deus. E qual é o valor de alguma coisa
para as pessoas se elas não a conhecem? E a existência epistemológica de
D eus depende do louvor dos mortais? Bem, obviamente, a resposta é sim
no sentido teorético argumentado, mas em sentido prático a resposta é não.
Deus não perm itirá que isso aconteça. D eus escolhe Israel com o seu filho
para cantar seus louvores e Jesus irresistivelmente convoca sua igreja para louvar
a Trindade. Pedro explica: “Vocês são geração eleita [ ״.] para anunciar as
grandezas daquele que os cham ou das trevas para a sua maravilhosa luz”
(lPe 2.9). Se os discípulos de Jesus ficassem em silêncio, Jesus diña que “as
pedras clamariam” seus louvores (Lc 19.40). A Trindade não m orrerá em
sentido epistemológico, com o o E terno não pode m orrer ontologicamente.
E. O louvor beneficia outros
Q uando D eus libertou Davi de Abimeleque, Davi cantou: “M inha
alma se gloriará no E u Sou·, ouçam os oprim idos e se alegrem.../Busquei
o E u Sou, e ele me respondeu; livrou-me de todos os meus tem ores.../
Provem , e vejam com o o E u S o u é bom . C om o é feliz o hom em que nele
se refugia!” (SI 34.2-9). Realmente, pelo poder do Espírito Santo, Deus
pode usar nosso louvor para despertar os mortos. N a presente dispen-
sação ninguém foi vivificado em D eus por Jesus Cristo sem a agência de
cristãos de um a form a ou de outra, e o louvor deles é um induzim ento
eficiente à convicção.
F. O louvor impõe o reino eterno de Deus no mundo
O louvor, a expressão verbal da aprovação e admiração sinceras e
profundas do Deus de Israel, “destrona e anula qualquer pretendente”,
nota Walter Brueggem ann.26 A o exaltar a glória divina, os adoradores se
ajustam aos procedim entos de Deus, com o seu caráter e propósito de es-
tabelecer seu reino. Brueggem ann reflete: “Q uando a com unidade louva,
ela se subm ete e reordena a vida. N ão é apenas o m om ento de adoração,
mas ela tam bém abraça a vida doxológica, organizada de m odo diferente
[da vida autônom a]”. Por “autônom a” Brueggem ann expressam a “vida
de autonom ia e de criação autônom a, que imagina a pessoa criada para si
mesma, que não precisa dar satisfação a ninguém e não depende de ne-
nhum outro” .27 O louvor a D eus separa a igreja do m undo — ele consiste
em urna polémica contra o m undo — , e a confissão de que só a Trindade
merece louvor não é algo politicamente correto.
O templo de Deus hoje é a igreja coletivamente (1 Co 3.16) e os cristãos
individualmente (IC o 6.19) é, para usar a figura de N. T. W right sobre o
N ovo Testamento, “um a cabeça de ponte da própria presença divina no
m undo que, de maneira m uito determ inada, vive apenas com o deseja”.
Por meio desse templo, o Criador pretende “recriar o m undo interior,
para estabelecer um lugar na criação onde sua gloria será revelada e seus
poderosos juízos anunciados”.28 Cantar os salmos cria urna alternativa, a
realidade eterna que transform a o m undo conturbado que a humanidade
criou para si mesma.
G. O louvor agrada a Deus
O louvor é um doce sabor para Deus: “Por meio de Jesus, portanto,
ofereçamos continuam ente a D eus um sacrificio de louvor, que é fruto de
lábios que confessam o seu nom e (Hb 13.15). N o prim eiro ato de N oé
registrado depois do dilúvio: “Ele construiu um altar dedicado ao Ε υ Ξ ου
e [...] queim ando-os sobre o altar. O Senhor sentiu o aroma agradável e
disse a si mesmo: “N unca mais amaldiçoarei a terra” (Gn 8.20,21). N osso
louvor, com o o sacrifício de N oé, é agradável a D eus (SI 69.30,31 [31,32]).
H. O louvor honra o Eu Sou
“Q uem me oferece sua gratidão com o sacrificio, honra-m e” (SI 50.23).
H á uma crescente consciência entre os sociólogos da importância da honra
e da desonra em todas as sociedades, não im porta quão sutilmente elas
sejam exteriorizadas. Por honra com preende-se “a afirmação da dignidade
e o reconhecim ento da reivindicação pessoal da dignidade” .29 “H onra”,
afirma Daniel Y. Wu: “Constitui um tipo de sistema de classificação social
que orienta nas reações às outras pessoas com base no status relativo da
pessoa nos grupos sociais”.30 Para as virtudes e obras incomparáveis de
Deus, ele merece o status mais em inente de honra na sociedade. “Ele é o
grande Rei acima de todos os deuses” (SI 95.3).
I. O louvor nos torna mais semelhantes a Deus
Q uando um anfitrião me pediu (Bruce) para proferir um a palestra em
um campus não cristão, ele me orientou que a primeira palestra seria “Por
que eu sou assim” . Q uando refleti sobre quem eu era, percebi que, além
dos dados físicos da m inha certidão de nascim ento e m inha disposição
genética, em grande parte sou assim por causa das pessoas que admirava
e louvava, pelo menos no diálogo comigo mesmo. N ós, humanos, somos
seres imagéticos; isso significa que todos nós imitamos alguém. As crianças
e os jovens admiram e imitam modelos aos quais desejam se igualar. E m
meu caso, eu admirava e louvava m eu professor de grego; ele m oldou a
form a que eu lia a Bíblia e me inspirou a me tornar professor. Gregory
K. Beale defende em We Become W hat We Worship: Λ Biblical Theology o f
Idolatry [Tornam o-nos o que adoramos: um a teologia bíblica da idolatria]
que o Israel descrito em Isaías 6.9-13 se tornou incapaz de ouvir, ver ou
com preender o que foi falado a ele p o r Deus ou pelos profetas porque
se tornou com o seus ídolos, que igualmente não ouvem, veem ou com-
preendem a própria adoração cúltica. Beale talvez esteja interpretando
esse texto com extremismo, mas ele corretam ente afirma: “N ós nos pare-
cemos com o que reverenciamos, seja para ruína ou restauração”.31 Paulo
expressa isso com perfeição: “E todos nós, que com a face descoberta
contem plam os a glória do Senhor, segundo a sua imagem estam os sendo
transform ados com glória cada vez maior, a qual vem do Senhor, que é
o Espírito” (2Co 3.18).
J. O louvor fortifica a cosmovisão do cristão
O louvor tam bém realça as manifestações pelas quais os cristãos en-
xergam o mundo. As lentes dessas manifestações estão baseadas no que
eles creem a respeito das origens, propósito e destino. Muitas pessoas
33 Psalms, p. 196.
34 Melvin K. H. Peters, “Septuagint”, ABD 5:1094,1098-1100.
28
35 “O louvor de um cântico, de Davi” (91; 93; 95); “um salmo de Davi” (94; 95; 98;
99; 101;); “um cântico de Davi” (96); e “de Davi” (97; 103; 104).
36 Bruce K. Waltke; James M. Houston; Erika Moore, The Psalms as Christian Worship:
A n H istorical Commentary (Grand Rapids: Eerdmans, 2010), p. 100-11 [edição em
português: O s Salmos como adoração cristã: um comentário histórico (São Paulo: Shedd,
2015)].
37 Evidência textual externa se refere ao testemunho de fontes encontradas fora do
texto; evidência interna se refere às indicações no texto em si mesmo.
38 The Structure o f Psalms 93 — 100, p. 178.
39 H. C. Leupold (E xposition o f the Psalm s [Columbus: Wartburg, 1959], p. 691),
compara: 98.1b com Is 59.16 e 63.5, mas “braço do E u S o u ” não é exclusivo para
esses textos; v. 2 com Is 52.10, mas a diretriz de dependência não é clara; v. 3
com Is 63.7, mas a conjunção de “lembrar” e “bondade” não é única (cf. SI 25.6;
2Cr 24.22); v. 6 com Is 6.5, que não é o Segundo Isaías; e o v. 8 com Is 55.12, mas
no v. 8 os rios, não as árvores, batem palmas e a questão da dependência advêm.
40 The B ook o f Psalm s 73-15 0 , New Century Bible Commentary. Grand Rapids:
Eerdmans, 1972, p. 691.
29
41 Psalms o f the Way and the Kingdom: A Conference w ith the Commentators, J SOTSup 199.
Sheffield: Sheffield Academic, 1995, p. 119.
42 “Psalm 95”, Z 4 1^85 (1973): 195.
43 O querubim e a glória de Deus abandonaram o templo, confirmando a destruição
de Jerusalém e pairaram sobre a montanha, no leste da cidade. A partida deles
prefigura o glorioso Filho de Deus abandonando o templo e indo para o monte
das Oliveiras, à leste de Jerusalém, onde ele lamenta a inevitável destruição de
Jerusalém (Mt 24.1-22).
44 The Psalms in Israel’s Worship, trad. D. R. Αρ-Thomas (Nashville: Abingdon, 1967),
vol. 1, p. 227.
45 Apenas três salmos fazem referência à tenda (15.1,27.5,6,61.4) e eles são atribu-
idos a Davi.
30
47Jerome F. D. Creach, “The Righteous and the Wicked”, em: The O xford H andbook
o f the Psalms, William P. Brown, org. Oxford: Oxford University Press, 2014, p. 535.
48 De acordo com a Mishná, o coral levítico cantava um salmo cada dia da semana;
eram sucessivamente os Salmo 24; 48; 82; 94; 81; 93 e 92.0 Salmo 92 era cantado
na libação da oferta de vinho que acompanhava o sacrifício do primeiro cordeiro
da oferta queimada de sábado (Nm 28.9). A origem desse costume não pode ser
datada com certeza. O sobrescrito do Salmo 96 (“Quando o templo foi edificado
após o cativeiro, um cântico de Davi”) sugere que “um cântico de Davi” pode ser
original ou acrescentado durante o período do Primeiro Templo e isso “quando
o templo [...] cativeiro” é uma adição posterior do período do Segundo Templo.
32
50J. Clinton McCann, Jr., Psalms, NIB 4. Nashville: Abingdon, 1996, p. 1065.
34
51 Marvin E. Tate, Psalms 51— 100, WBC 20 (Dallas: Word, 1990), p. 482.
52 Gunkel; Begrich, Introduction to the Psalms, p. 66. Bretder (G od Is King, p. 144) propõe:
“A forma pausada de mãlãk [mãlãk, não mãlak] [...] podería ter servido como uma
exclamação cúltica autossuficiente”.
53 The Psalms in Israels Worship, 1:169-70.
54 Ibid, 1:106-92.
35
Preservados na alma.
Inscritos no coração.
Gravados na memoria.
Tesouros de brevidade a serem comprados por nós dia e noite.
ser com parada a: O cisne ainda flutua no lago St. M ary / D uplo flutuar,
gansa e ganso.
O contraste entre prosa e poesia pode ser prontam ente percebido na
prosa e ñas narrativas poéticas no assassinato de Sisera por Jael. A narra-
tiva prosaica registra: “E stou com sede”, disse ele. “Por favor, dê-me um
pouco de água” . “Ela abriu um a vasilha de leite feita de couro, deu-lhe
de beber, e tornou a cobri-lo” (Jz 4.19). A narrativa poética registra: “Ele
pediu água, / e ela lhe deu leite; /n u m a tigela digna de príncipes trouxe-lhe
coalhada (Jz 5.25).
N ote a concisão da poesia: “Estou [...] sede” (12 palavras, 7 em he-
braico) versus “dê-me um pouco de água” (5 palavras, 2 em hebraico). N ote
o foco e intensificação de “água” passando por “leite” até “coalhada” . E
note a m etáfora vivida e evocativa: “tigela digna de príncipes”.
C. Música
A raiz verbal da palavra hebraica mi^môr, traduzido tradicionalmente
por “salmo” é (Piei) “com por música” . D esta form a, um “salmo” é
um cântico com acom panham ento musical. O s salmos se referem a uma
variedade de instrum entos musicais.76 Gunkel afirma que os imperativos
para alegrar-se e cantar ocorrem umas 200 vezes no saltério.77
Davi era o M ozart do antigo Israel. Ele transform ou o ritual mosaico
em ópera. Ele designou o magnífico tem plo de Salomão para seu cená-
rio; escreveu os cânticos do saltério de ações de graças com o um libreto
para acom panhar os sacrifícios e seus hinos para encher o tem plo com
música dia e noite. A música influencia as em oções (e.g., alegria), ela nos
faz sentir em patia com o com positor e nos inspira à ação. O s salmos de
louvor conciliam fervor com dignidade, alegria com seriedade, exultação
com humildade, convicção com confissão e ardor com virtude. Eles são
esteticam ente agradáveis, em ocionalm ente despertadores e eficientes
76 De acordo com Dermis McCorkle ( The D avidic Cipher: Unlocking the H idden M usic o f
the Psalms [Denver: Outskirts, 2010], xvn2), os doze instrumentos mencionados nos
textos bíblicos são “lira, harpa, [alaúde], címbalos melódicos, shofar, (tipicamente
feito do chifre de carneiro), duas trombetas de prata, pífaro, flauta, instrumentos
de pinho e ossos, címbalos, címbalos de dedo e chocalhos.
77 Gunkel; Begrich, Introduction to the Psalms, p. 23.
41
78 “ ‘The Power o f Music’ to Affect the Brain”, NPR, disponível em: http://www.
npr.org/2011/06/01/136859090/the-power-of-music-to-affect-the-brain, acesso
em: 1 de junho de 2011.
79 Suzanne Hai'k-Vantoura, The M usic o f the Bible Revealed, trad. Dennis Weber, John
Wheeler, org. (North Richland Hills: Bibal, 1991); J. Wheeler, “Music of the
Temple”, em: Archaeology and B iblical Research, 2 (1989).
80 The D avidic Cipher, p. 47.
2
13 O BDB (p. 485, s.v. kên) traduz kên por “para que (geralmente, como é descrito
ou ordenado, com referência ao que precedeu), principalmente de maneira”.
Como consequência, o sentido é ao “contar nossos dias, desta forma nos ensine a
saber”. Além disso, de acordo com a sintaxe dos acentos massoréticos, kên (“para
que, assim”) altera hôda (“ensina-nos”), não lim n ôt (“contar”). Em síntese, o
texto hebraico rejeita a tradução “para que contemos nossos dias [nos] ensine”
(da mesma forma, KJV, ASV, JPS, NRSV, ESV). Igualmente, kên não significa
propósito, desqualificando a tradução “ensina-nos para que saibamos” (assim
também, NAB, NIV, NJB, CSB, NET). O H A L O T (1:482, s.v. kên I) interpreta
kên como adjetivo (= “saber [o que é] correto/justo/exato?”), mas nos paralelos
citados, kên está de acordo com o verbo que ele modifica e não é intermediário
(v. Jz 12.6; 21.14; ISm ISm 23.17; cf. Am 5.14). Nenhuma tradução inglesa, que
eu saiba, representa precisamente o texto hebraico. O objeto de “saber” deve ser
suprido do v. 11, a saber: “a ira do E u S o il ’ (v. comentário).
14Em sentido semântico, uma consequência lógica (desta forma também, o BDB,
p. 99, s.v. Hifil, b ô >, §lg).
46
13 Volta-te,15 E u SoiÁ Até quando será assim? Tem com paixão16 dos17
teus servos!
14 Satisfaze-nos pela m anhã com o teu am or leal, e18 todos os nossos
dias cantaremos felizes.
15 D á-nos alegria pelo tem po que nos afligiste, pelos anos em que tanto
sofremos.
15“Volta-te do julgamento” (v. o BDB, p. 997, s.v. süb, §6f). Tradicionalmente, “re-
tornar” sugere que o E u S o u abandonou seu povo, mas essa noção não comporta
bem a confissão de que o E u S o u é o refúgio do penitente para sempre. Essa
diferença na interpretação é tão antiga quanto os rabinos. Avrohom Chaim Feuer
(Tehillim: A N ew Translation with a Commentary A nthologizedfrom Talmudic, M idrashic
and Rabbinic Sources, trad. Avrohom Chaim Feuer em colaboração com Nosson
Scherman [Brooklyn: Mesorah, 1982], vol. 1, p. 129) nota a diferença na literatura
rabínica: “Volta-te de tua ira (Rashi) [...] A té quando tu nos abandonarás? (Radak)”.
16 Em outro contexto, o Nifal nhm com o 7 determinando um substantivo pessoal
significa “ser consolado/confortado” (v. 2Sm 13.39; Jr 31.15; Ez 32.31), mas
esse sentido é inapropriado em SI 90.13. A maioria das versões inglesas concorda
com o BDB (p. 637, s.v. nhm , §1: “ser comovido à pena, ter compaixão”) e verte a
expressão “tem compaixão dos” ou a semelhante (v. “Exegese”). Marvin E. Tate
{Psalms 5 1 — 100, WBC 20 [Dallas: Word, 1990], p. 436, n. 13b) rejeita “ter pena/
compaixão” porque, de acordo com Dale Patrick (“A tradução de Jó 42.6”, V T
26 [1976]: 324-27), “quando o verbo é usado com 7, ele regularmente significa
‘mudar a mente de alguém sobre algo planejado’ ” (i.e., “compadecer-se/lamen-
tar por; cf. Jr 18.8; 26.3,13,19; J12.13;Jn 3.10; 4.2; D t 32.36). Mas, como notado
por H. J. Sotebe (TLOT, 2:738, s.v. o Piel nhm ) isto é verdadeiro só quando a
preposição 7 determina um objeto impessoal, comumente r a á (“lavé lamentou/
compadeceu-se do devido ao desastre ameaçador”). Isso pode também ser verda-
deiro em Ez 14.22, mas a maioria das versões inglesas traduz o termo como “ser
consolado/confortado”. Se o objeto é pessoal, uma distinção adicional, não notada
por Sotebe, deve ser feita, a saber, “sentir dor por si mesmo ou por outros”.
17A tradução “dos” ofusca o sentido do hebraico, pois parece ser uma adição ne-
cessária para introduzir o objeto de “ter compaixão/compaixão de alguém”. O
H A L O T aplica ζαΙ com o sentido de “porque”, porém, mais provavelmente, que
signifique “por causa de” (BDB, p. 754, s.v. 7, §l.f.[c]; cf. SI 44.22[23]).
18 O vav com o coortativo depois do imperativo significa propósito (v. GKC, 108d;
IB H S , §34.5.2b).
47
19Na estança de petição e na conjunção com o jussivo inicial w íhl (“e esteja”, v. 17),
yera eh é mais bem traduzido como um jussivo não apocopado (cf. Gn Gn 1.9).
20 P õ ‘a l é traduzido como um singular coletivo.
21 'A l pode ter o mesmo sentido dativo como 'e l (BDB, p. 758, s.v. 7, §8), embora
o uso seja encontrado principalmente no hebraico pós-exílico.
22 A LXX erra ao reconstituir o texto como “direto” hadrêk, uma leitura facilitadora
para a figura de linguagem. O sentido “visão/revelação/aparição para hãdãr em
vários exemplos na Bíblia Hebraica consistentemente significa “esplendor” e aqui
constitui um paralelo excelente para “feitos” (v. SI 96.9; p. 188, nota 2).
23J. D. Levenson (“A Technical Meaning for N ‘M in the Hebrew Bible”, VT 35 [1985]:
61-7) admite a hipótese de que a palavra aqui traduzida por “bondade”, n õ ‘am , no
Salmo 4.6,7; 16.5,6,11 e 90.16,17 assume a conexão com “a resposta afirmativa ao
ato de presságio”. Os argumentos dele incluem: a) “bondade” [no Salmo 27.4] [...]
parece excessivamente abstrata”; b) hãdãr significa “uma revelação” de algum tipo
de feito; c) “a luz do rosto de Deus” no Salmo 4.6 se refere ao “fogo teofânico
empregado como um presságio positivo”; d) um paralelo acadiano em um texto de
adivinhação da Babilônia antiga significa “dar uma resposta clara”; e) “Consolida”
no paralelo do Salmo 90.17 deve ser traduzido como “afirme, aprove, diga ‘sim’ a”;
f) a raiz n m no Salmo 16.5,6 ocorre explícitamente em associação com presságio;
g) seguindo uma preposição, “eterno prazer” no Salmo 16.11 não faz sentido: “A
tradução tradicional \ne1m ôt\ ‘prazer [à ma direita]’ é ‘uma imagem estranhamente
abstrata’ ”; h) em 2Samuel 23.1; Números 24.3,15 e Provérbios 30.1, “parece [...] a
palavra [rf'um haggeber\ significa [...] ‘uma pessoa a quem se concedeu um pressá-
gio positivo”. Esses argumentos não são convincentes: a) Uma metonimia como
“bondade” para a coisa em si mesma é comum na poesia hebraica; b) “esplendor”,
o sentido exato de hãdãr, é semánticamente pertinente; c) “a luz do rosto de Deus”
comumente se refere ao favor de Deus, não ao fogo teofânico; d) o paralelo acadiano
é uma palavra diferente; e) o polel kün normalmente significa “consolidar” e faz
sentido perfeitamente, de forma especial depois que as realizações deles são füteis;
f) no Salmo 16.5, Davi usa a linguagem figurativa e uma metonimia após uma pre-
posição não é insensato; g) uma metonimia para a quantidade de prazeres na honra
exaltada à direita de Deus não é estranha; h) ne’um haggeber muito provavelmente se
refira simplesmente ao anúncio profético. Em síntese, os argumentos de Levenson
para empregar “bondade” com um sentido técnico são ilusórios. Ele compreende
erroneamente ou minimiza a figura de linguagem na poesia hebraica e introduz na
teologia do AT a noção de presságios por outros sinais diferentes do Urim e Tumim,
fixados próximo ao coração do sumo sacerdote.
Admitindo-se o sentido normal de ‘a/ (“sobre”), a preposição fértil, como sem-
pre ocorre na poesia hebraica, implica um verbo de movimento omitido, como
“estabelecer-se”/ ”descansar” (v. IB H S , §11.4d).
24 Bruce Vawter (“Postexilic Prayer and Hope”, C B Q 37 [1975]: 460-70, esp. n. 5)
afirma com erro que o “v. 17 [é] uma ditografia óbvia”. O v. 17a e b declaram
coisas diferentes (v. a exposição).
48
I. Introdução
Forma
O salmo 90 é poesia, caracterizada por paralelismo, concisão (os poetas
não escrevem exceções em notas de rodapé) e linguagem figurada (v. p. 38).
A form a específica declarada é “um a oração” . Essa oração “m oderada e
sóbria”25 contém os cinco temas típicos do salmo de lam ento/petição:
I. Diálogo direto: “Senhor”, v. 1.
II. Confiança: “tu és nosso refúgio”, v. 1.
III. Lamento: pela severa disciplina de D eus à humanidade e à Israel
pecadora, v. 3-10.
IV. Petições p o r salvação, v. 13-17.
V. Louvor, v. 14b, 15.
Mais precisamente, é, com o Robert Alter diz: “uma súplica penitencial
coletiva”.26 Portanto, M arvin Tate presum e com razoabilidade com o seu
contexto apropriado “um culto de adoração das orações comunitárias de
lam ento” similar à de Joel 2.12-17 (note o uso de sw b e nhm em J1 2.14 e
SI 90.13).27 Mas o salmo tam bém tem as características da literatura de
sabedoria. O eixo no qual o salmo gira do lam ento (11) para petições (12)
associa o gênero de oração ao gênero de literatura de sabedoria. “Alcançar
sabedoria” provê a motivação para “contar os dias” (v. 12). O lam ento
25 Derek Kidner, Psalms 73 — 150, TOTC. Downers Grove: IVP Academic, 2009,
p. 359.
26 The Book o f Psalms: A Translation and Commentary. New York: Norton, 2007, p. 318.
27 Marvin E. Tate {Psalms 51— 100, WBC 20 [Dallas: Word, 1990], p. 439) concor-
da com Von Rad que o escriba, ou sábio, compôs o salmo para comunidades
piedosas e pós-exílicas por ser um lamento comunitário atípico (cf. SI 44; 60;
74; 79; 80; 83; 106; 137), a saber, Deus não se oculta; não há reclamação sobre
os inimigos nacionais nem lamentos de desolação imediata e súplica para Deus
libertar. Entretanto, os profetas, dos quais Moisés foi um, muitas vezes retrata-
ram Deus como inimigo. Amos pediu a Deus para mudar sua mente, desistir da
condenação ameaçadora (Am 7.2). Assim, há boa razão para pensar que Moisés
descrevería Deus como inimigo (v. D t 32.20-35) e lhe pediría para ceder à com-
paixão (v. D t 32.36-43). Como todas as orações na Bíblia, essa deve ser assimilada
e estudada pelo piedoso.
49
sobre os anos difíceis e cheios de sofrim ento (v. 10) surpreendentem ente
se assemelha ao livro de sabedoria, o Eclesiastes.28 E m resumo, a “marca
inconfundível” do salmo de ser um cântico nacional de queixa associado
à marca inconfundível do gênero sapiencial o torna, conform e G erhard
von Rad o disse: “um estranho no Antigo Testam ento” .29
Retórica e estrutura
Phyllis Trible define com habilidade as críticas da form a e retórica:
“Enquanto a crítica da form a estuda a literatura típica e assim agrupa a
literatura de acordo com seus gêneros, a crítica retórica estuda o parti-
cular no típico. Sua regra orientadora declara que a articulação ‘própria’
[ou apropriada] do conteúdo da form a produz articulação própria [ou
apropriada] de sentido” .30
O salmo é estruturado por dois títulos do E u Sou·. “Senhor” e “D eus”
e pelas notas cronológicas de “geração a geração” e “filhos deles” (v. 1,16).
O anagrama mã‘ôn (“refúgio”, v. 1) e nõcam (“bondade”, v. 17) pode ser
uma estrutura intencional. Aqui está um esboço das estanças e estrofes
do salmo:31
Sobrescrito la
Estança I: Invocação doxológica, lb,2
Estança II (Lamento): M orte e pecado, 3-10
Estrofe A: A certeza da m orte e a brevidade da vida, 3-6
1. E m contraste com a eternidade do Soberano, 3,4
2. E m com paração com a relva, 5,6
Sobrescrito la
Um a oração aqui significa “um a intercessão” .45 H. P. Stãhil nota que a
oração tem quatro características: a) dirigida a Deus; b) por Israel; c) “geral-
m ente diante da ira e punição de Deus pelo pecado”; e d) os intercessores
“nos textos mais antigos são em especial os hom ens poderosos (de Deus):
54 The Substance o f Psalm 24: A n A tte m p t to R ead Scripture after Brevard Childs. London:
Bloomsbury T&T Clark, 2015, p. 97.
55 N ID O T T E , 4:273, s.v. têb êl. Os poetas representam o têb êl estabelecido sobre
fundamentos (ISm 2.8) e mencionam seus habitantes (Is 18.3; 26.9,18; SI 24.1;
33.8; Lm 4.12), seu fruto (Is 34.1), sua plenitude (SI 50.12) e tudo que há nele
(SI 90.11 [12]). Na seca, ele murcha (Is 24.4). O rei da Babilônia o transformou
em deserto inabitável (Is 14.17) e quem é banido dele, perece (Jó 18.18).
56 E. Jenni, TLOT, 2:854-62, s.v. colãm.
57 Artur Weiser, The Psalms, OTL. Philadelphia: Westminster, 1962, p. 597.
57
58 A. F. Kirkpatrick, The B ook o f Psalms (1902; reimp., Grand Rapids: Baker, 1982),
p. 549.
59 The Psalms, p. 600s.
58
após as chuvas de inverno (SI 147.8). Tão rapidamente quanto hã sir brota
na chuva, ela murcha na seca (Is 15.6) ou é encontrada ao longo das fontes
na m elhor das hipóteses (lR s 18.5)”.66^40 amanhecer denota o alvorecer.67
76 Tate (Psalms, p. 434) pensa que o Nifal bhl pode ter outro sentido: “estar com
pressa/apressado” e sendo assim significa “estar apressado, (longe para um fim
prematuro)”.
77 BDB, p. 617, s.v. neged.
78 “The Weight o f Glory”, em: The Weight o f Glory and Other Addresses. New York:
Macmillan, 1949, p. 10 [edição em português: Peso deglória (Rio de Janeiro: Thomas
Nelson, 2017)].
63
está propenso a term inar nesse desapontam ento; pois todo prazer busca
perpetuidade”.87 Mas a palavra final do salmo é “consolida as obras de
nossas m ãos” (v. 17).
Estança III (Eixo): Lamento e petição para obter sabedoria, 11,12
A lógica e as palavras principais fixam a estança-eixo na estança de
lamento (v. 3-10): “tua ira” (vs.7,1 la) e “teu furor” (v. 9,1 lb); “nossos anos”
e “os anos de nossa vida” e “os nossos dias” (v. 10,12). Tendo contado a
vida do m ortal a 70 ou 80 anos (v. 10a), os penitentes estão agora aptos a
contar os próprios dias (v. 12a). do m esm o m odo, a lógica e form a fixam
o eixo na estança de petição (v. 13-17): petição e coração para alcançar
sabedoria (v. 12b) são o que Deus abençoa (v. 13-17). A estança-eixo em
si mesma é unificada pelo lexema yãda (Qal, “conhecer”, v. 11; Hifil “en-
sina”, v. 12). D e fato, os objetos de “ensina-nos” (v. 12a) são os objetos
duplos do que ninguém ou poucos sabem (v. 11). Além disso, o “coração
alcançar sabedoria” do versículo 12b é inseparável de conhecer “o tem or
que te é devido” (v. 11b; cf. Pv 1.7;Jó 28.20-28; Ec 12.13,14). O eixo gira o
salmo do desespero sóbrio do lam ento para a esperança esplendorosa das
petições. Christine Forster nota diversas palavras principais que apontam
para a reversão:
“A raiz süb em 13 pontos remonta ao v. 3, mas agora não se refere ao
‘retorno’ do mortal ao pó, mas em contraste ao retorno de I a v é aos
suplicantes ou ‘afastamento’ de sua ira. O versículo 14 adota bbqr [‘pela
m anhã’] dos versículos 5,6. O que nos primeiros versículos era parte de
uma imagem de mortalidade agora descreve a manhã como um tempo
em que I a v é novamente se provará gracioso. Os versículos 14 e 15 com
(,klym ynw ‘todos os nossos dias”) e (snw t kym w t ‘de acordo com os dias/
ano s’) remete ao v. 9. [...] Em contraste com o lamento ali sobre os anos
e dias que desvaneceram, o que ocorre aqui é uma petição por felicidade
duradoura assim como muitos dias e anos. Uma inclusão fundamental é
formulada pela correlação chave de feitos b n y 'd m /b n y h m entre os v. 3 e
16, indubitavelmente também com uma tendência antitética: a despeito
da mortalidade dos filhos da humanidade há esperança que aos servos
de I a v é e aos seus filhos será revelada a glória de I a v é ” .88
87 The Psalms, p. 600.
88 Begren^tes leben, p. 150, citado em: Frank-Lothar Hossfeld; Erich Zenger, Commentary
on Psalm 51 -10 0, trad. Linda M. Maloney, Hermeneia. Minneapolis: Fortress, 2005,
p. 420s.
66
93 Veja Bruce Waltke, “The Fear of the Lord”, em: A liv e to God: Studies in Spirituality,
J. I. Packer; Loren Wilkinson, orgs. (Downers Grove: InterVarsity, 1992), p. 17-33.
94 Psalms, BCOTWP. Grand Rapids: Baker Academic, 2008, vol. 3, p. 31.
95IB H S , §39.3.4e.
96 Hossfeld; Zenger, A Commentary on Psalms 5 1 — 100, p. 423.
97 The Message o f Psalm 73 — 150: Songsfo r the People o f God, The Bible Speaks Today.
Leicester: InterVarsity Press, 2001, p. 77.
68
98 Bruce K. Waltke, Proverbs 1— 15, NICOT (Grand Rapids: Eerdmans, 2004), p. 76-
8; F indingthe W ill o f G o à A Pagan N otion (Grand Rapids: Eerdmans, 2016), p. 75s.
99 Psalms, p. 599. Jeffrey D. Arthurs (Preaching as Reminding: Stirring M emory in an A g e
o f Forgetfulness [Downers Grove: InterVarsity Press, 2017], p. 23) fala das práticas
de sepultamento dos monges trapistas: Quando um dos frades do monastério
morre, eles colocam o corpo em uma sepultura nova e imediatamente após o
enterro, eles traçam as dimensões de uma nova sepultura, o lugar de descanso
do próximo frade que morrerá. Arthurs ensina: “Desta forma eles lembram a si
mesmos da própria mortalidade e assim obtêm sabedoria para viver”. No dia em
que eu (Bruce) preparei um sermão sobre esse salmo em 1967, o número total
de dias para o meu aniversário de 70 anos foram 12.345. Eu mal pude acreditar
na sequência. E claro que a soma muda diariamente. Quando eu disse à m i n h a
esposa que subtrairía diariamente um da soma restante até o fim da minha vida, ela
respondeu: “Isso é mórbido”. Eu fiz isso por anos para o meu benefício espiritual
e desde que passei por essa marca, continuo fazendo o acompanhamento.
100 The Psalms, p. 602.
101 Psalms 51 — 100, p. 437.
102 The B ook o f Psalms, p. 55.
69
103 Citado em: J. J. Stewart Perowne, The Book o f Psalms. Andover: Warren F. Draper,
1898.V01. 2, p. 157.
104 Devido à inquietação e exclamação da queixa, o poeta suprime o indispensável
sujeito e predicado (GKC, 147c).
70
107III. O Piei cãnâ ocorre 54 vezes e no mínimo significa o uso da força para piorar
a situação de alguém. Birkeland (TDOT, 11:237, sv. ãna II) menciona seus usos:
“Uma pessoa que ‘oprime, viola, abusa, humilha’ usa o poder contrário às exigên-
cias da justiça”. Mas isso não é verdadeiro sobre o uso quando o agente é Deus.
O salmista declara: “Bem sei, ó S e n h o r , que os teus juízos são justos e que com
fidelidade me afligiste [cinriitãrií\ (SI 119.75, ARA). Igualmente, “ele [Deus] não
está predisposto a afligir [/σ’ 'inná millibbô] ou entristecer as pessoas” (Lm 3.33,
ARA). Deus afligiu Israel no deserto com a fome não como punição, mas como
um teste de fé, pois a fome não era parte de seu desígnio pactuai (Dt 8.2,3). Já
“ele aflige” é usado comumente quanto sua punição do pecado (Is 64.12[11];
Na 1.12), embora seja utilizado para se referir às ondas que esmagam o salmista,
sem razão declarada em Salmo 88.7] 8].
108 A versão NVI usa somente o verbo “sofremos” para traduzir a expressão hebraica
formada por um verbo (Vã’a — ver, experimentar) e um substantivo Ç r a a -
mal), “experimentar o mal” = “sofrer”. O verbo sofrer de sentido abstrato raà
(“sofremos”) denota a avaliação que algo é mal, seja um estado físico concreto
(e. g. vacas “feias”, Gn 41.3; figos “ruins/intragáveis”, Jr 24), uma abstração de
comportamento moral que prejudica outros ou um “desastre, calamidade, trans-
torno” físico. O paralelo “aflige” demonstra que isso se refere à “calamidade/
desastre”.
109 Feuer ( Tehillim , p. 1130) comenta: “Muitas opiniões notáveis são propostas pelo
Talmude (Sanhedrin 99a) para determinar a duração da era messiânica. Alguns
dizem que ela durará 40 anos correspondendo aos anos da escravidão no Egito
[...] ou 7 mil anos como os dias da semana e cada dia para Deus é mil anos (cf.
v. 4)”. Muitos cristãos, como os rabinos, interpretam os textos escatológicos
com rigidez. De acordo com eles, a era messiânica durará mil anos (v. Ap 20.6).
110 The B ook o f Psalms, p. 552.
111 Psalms with the Jerusalem Commentary, trad. Israel V. Berman. Jerusalem: Mosad
Harav Kook, 2003, vol. 2, p. 357.
72
125 E xposition o f Psalm 8 9 2, em: E xpositions on the Psalms, trad. Maria Boulding (Hyde
Park: New City, 2002), vol. 4, p. 303.
126 Ibid., (Boulding, p. 303).
127 Ibid., 3 (Boulding, p. 304s.).
128 Ibid., 10 (Boulding, p. 308).
129 Ibid., 17 (Boulding, p. 313-4).
76
130 Scripture as R eal Presence: Sacramental Exegesis in the E arly Church. Grand Rapids:
Baker Academic, 2017, p. 143.
131 Ibid., p. 154-6.
132 Ibid., p. 158.
77
133 Dennis Ngien, Fruitfor the Soul: Luther on the lament Psalms. Minneapolis: Fortress,
2015, p. 157.
134 Ibid., p. 158.
135 Ibid., p. 159.
136Ibid., p. 169.
137 “Psalm 90”, trad. Paul M. Bretscher, Luther’s Works. Minneapolis: Fortress, 1956,
13:128-9, citado em Ngien, Fruitfor the Soul, p. 171.
78
nos faz lam entar sem arrependim ento, sem nenhum a esperança em nosso
total desespero. Cedo na vida, Lutero com eçou a form ular sua “teologia
da cruz” com o “teologia negativa”. Porém, de m odo diverso de Dionisio,
que usa negativas para fazer afirmações e para alcançar a união com Deus,
Lutero encontra Deus na fraqueza e no sofrimento, não na majestade e
glória. Assim, a petição de Moisés no versículo 16: “Sejam manifestos os
teus feitos aos teus servos, e aos filhos deles o teu esplendor!” aponta para
o advento de Cristo na carne.138 A negação, portanto, não é encontrada
em nossas conclusões lógicas baseadas no conhecim ento natural, mas na
cruz; não se trata da ascensão mística a Deus, mas no texto sagrado em si
mesmo. A experiência com Deus não é encontrada nas trevas dionisíacas,
mas na vida do cristão que tem o texto no coração. Com o G erhard Forde
observa, a questão do que D eus podería fazer ou não já está respondida
naquilo que ele de fato faz e fez.139
D epois desse detalham ento, Lutero aconselha a alma a m urm urar a
Deus por misericórdia. Essa é a prática da compunção, analisada em nossos
comentários prévios.140A murmuração se assemelha a uma emoção sentida
com profundidade (“gemidos inexprimíveis”, NVI) com autenticidade
infantil, ingenuidade, honestidade e dependência, tudo que apraz o coração
de Deus. É onde Deus encontra refúgio em nosso coração.141
A conclusão é o oposto do lugar em que o suplicante começou. Deus
não é mais “o problem a”. Ira foi transform ada em misericórdia, as trevas e
a enferm idade em luz e saúde. Ao citar o versículo 14: “Satis faze-nos pela
m anhã com o teu am or leal, e todos os nossos dias cantaremos felizes”,
Lutero conclui que podem os agora entrar na “misericórdia oceânica” de
Deus. N a vastidão dessa experiência, proclamamos a petição final: “Esteja
sobre nós a bondade do nosso E u S o u Soberano. Consolida, para nós,
a obra de nossas mãos; consolida a obra de nossas mãos!” (SI 90.17).142
138 Ngien, F ruitfo r the Soul, p. 183.
139 Gerhard O. Forde, Where G od M eets M an: Luther's Down- to- E a rth Approach to the
Gospel (Minneapolis: Augsburg, 1972), p. 26.
140 Os Salmos como adoração cristã: um comentário histórico (São Paulo: Shedd, 2015), p. 475.
141 Ngien, F ru itfo r the Soul, p. 190-95.
142 Ibid., p. 195-6.
79
143 The E diting o f the Hebrew Psalter, SBLDS 76 (Chico: Scholars, 1985), p. 209-28.
144 Harry Nasuti, D efining the Sacred Songs: Genre, Tradition, and the Post- C ritical Intepre-
tation o f the Psalms, JSOTSup 218 (Sheffield: Sheffield Academic, 1999), p. 177.
145 Psalms, p. 1040.
80
Todo-poderoso5
2 pode dizer6 ao7 E u Sou·. Tu és o meu refúgio e a m inha fortaleza, o meu
Deus, em quem confio.
3 Ele o livrará do laço8 do caçador e do9 veneno10 mortal.
4 Ele o cobrirá com as suas penas,*11 e sob as suas asas você encontrará
refúgio;12 a fidelidade dele será o seu escudo protetor.13
5 Você não temerá o pavor da noite, nem a flecha que voa de dia,
6 nem a peste14 que se move sorrateira nas trevas, nem a praga que de-
vasta15 ao meio-dia.16
7 Mil poderão cair ao seu lado, dez mil à sua direita, mas nada o atingirá.
preferida (v. IBHS, §§1.6.3g-m). Joshua Blau (“Über Homonyme und Angeblich
Homonyme Wurzeln II”, VT 7 [1957]: 98) refuta a noção de Immanuel Low que
deber no Salmo 91.3 e Oseias 13.14 denota “espinho” ou “ferrão”.
11 A construção poética de ’ebrã , sempre em paralelo com o prosaico kãnap, como
coletivo singular (cf. D t 32.11).
121lQPsAp registra tskwn (“você habitará”), que provavelmente não é o texto origi-
nal (da mesma forma van der Ploeg, “Le psaume XCI”, p. 212). Eissfeldt (“Eine
Qumran-Text forme des 91 Psalms”, p. 83) conjectura que o termo substitui a
palavra mais antiga do TM.
13Sõhêrà é um hapaxlegomenon cuja forma e denotação são incertas. A. A. Macintosh
(“Psalm XCI 4 e a raiz “ΙΓΌ”, VT 23 [1973]: 56-62), depois de avaliar criticamente
suas várias interpretações, traduz a palavra como “proteção [sobrenatural]” (cf.
CSB, NAB). A noção de proteção ‘sobrenatural’ contra demônios”, ele demonstra,
“já foi detectada em Is 47.15 e [...] a evidência da filologia semítica comparativa [o
acadiano, o árabe antigo do sul e o árabe] sugere que esse sentido é amplamente
confirmado na linguagem semítica (Macintosh surpreendentemente não recorre
a Jerónimo [Psalmi Iuxta Hebr. “proteção’J). Entretanto, o sentido de “encantado-
res/feiticeiros não é convincente em Is 47.15. Macintosh não é apoiado, além de
“mago” na NAB e NJB. O H AL.OT (2:750, s.v. sõhêrã) com base nos cognatos
siríaco, mandeu e acadiano, compreende o termo como “muralha” (i.e., uma
muralha de defesa ou fortaleza). A objeção de Macintosh a isso (não há evidência
das versões antigas para indicar que a palavra tivesse esse sentido no Salmo 91.4”)
pode também ser proposta contra sua conjectura.
14A LXX (cf. Aquila, Sir.) reflete dãbãr (v. nota 10).
15A LXX registra kai daimoniou (= vfsed, “e o demônio”). Dahood (Psalms50 — 100,
p. 332) deriva a palavra ,sd com o álef (“leg”) omitido e o altera como yèsõd
(“persegue”). Ele não é apoiado. GKC (67q) sugere com hesitação que yasüd é a
forma metaplástica do imperfeito Qal de sdd (lidar violentamente com, despojar”).
Quase todas as versões inglesas seguem essa interpretação. Robert Gordis (“The
Biblical Root SD, SDY”,J T S 41 [1940]: 34-41, esp. 39s.), entretanto, seguido por
Tate, deriva swd, a raiz normal. Na Siríaca, swd significa “devastar com furor”.
Gordis explica que a imagem concreta “move” no primeiro verseto requer esse
sentido mais concreto que a interpretação tradicional. A intensificação de “mover”
para “devastar” representa com propriedade a praga disseminando-se de uma
unidade de soldados para uma miríade de soldados (v. 7).
16 No pergaminho de Qumran, 6a e 6b estão invertidos.
84
I. Introdução
Autor
O Texto Massorético (TM) não tem um sobrescrito, mas a Septuaginta (LXX)
atribui o salmo a Davi. N ão há razão para desacreditar a LXX (v. p. 27-9
acima e “régio”, abaixo). Q uanto à evidência interna, Charles Augustus e
Emilie Grace Briggs docum entam que o salmo compartilha um número
considerável de termos com os salmos atribuídos a Davi no TM .22 O sal-
m o 91 é régio e mais específicamente uma profecia messiânica (Lc 4.9-11;
veja “messiânico”, abaixo); o N T considera Davi um profeta (At 2.30).
19A LXX, a Vulg., e a Sir. Interpretaram sa h a l como “áspide” ou interpretaram zhl
(“réptil”, v. B H S). S. Mowinckel (“ ״ ש ת ל, em Hebrew and Semitic Studies: Presented to C
R . D river, D. W. Thomas; W D. McHardy, orgs. [Oxford: Clarendon, 1963], p. 97)
demonstrou que sah a l originariamente significava um dragão-serpente, o mítico
dragão ou “monstro serpentino”, que mais tarde veio a ser usado como termo
poético para designar o leão. Scott C. Jones (“Lions, Serpents, and Lion-Serpents
in Job 28:8 and Beyond”, JBL 130 [2011]: 663-86) explica que sa ha l em Jó 28.8
evoca um leão e uma serpente e que há uma linha obscura entre o mítico e o real.
Isso também pode ser verdadeiro de tanm n (v. nota 22). O H A L O T (2:1461-62,
s.v. sahal) define sahal como “leão” no Salmo 91.13. Sahal ocorre 7 vezes nas
Escrituras hebraicas, todas na poesia. O uso em Jó 4.10; 10.16; Provérbios 26.13;
Oseias 5.14; 13.7 apoia o sentido de “leão”. O uso em Jó 28.8, entretanto, pode
conotar o dragão mítico também. Em suma, sa h a l denota a voracidade do rei dos
animais e pode conotar uma realidade sobrenatural.
20 Peten significa uma serpente venenosa (Dt 32.33; Jó 20.14,16), talvez a cobra. O
cognato ugarítico denota “serpente, dragão” (Scott C. Jones, Rum ors o f Wisdom:
Job 2 8 as Poetry [Berlin: de Gruyter, 2009], p. 157, esp. n. 305). Aqui, também, pode-
haver pressuposições do sobrenatural.
21 Ou possivelmente “monstro/dragão”. Tanm n significa “serpente” em Êxodo 7.9
e Deuterônomio 32.33, mas isso pode ter pressuposições míticas de um “monstro
marinho/dragão em Isaías 27.1 e Jeremias 51.34.
22A C ritical and E xegetical Commentary on the B ook o f Psalms, ICC (1907; reimp. Edin-
burgh: T&T Clark, 1976), vol. 2, p. 279.
86
Forma
Poesia, liturgia e confiança
O salmo 91 é um salmo poético, litúrgico de confiança que diz res-
peito à invencibilidade do Messias. Ele tem padrões da poesia hebraica:
paralelismo, concisão e linguagem figurada (v. p. 38-40). A mudança de
vozes e de direção do salmo sugerem ter sido um a antífona executada em
contexto litúrgico,23 em bora se possa argum entar que o poeta adota vozes
na ficção literária. Entretanto, “abrigo”, “som bra” (v. 1) e “asas [talvez do
' querubim ]” (v. 4) podem indicar o contexto do templo. Trem per Long-
m an III identifica o salmo 91 com o um salmo de confiança;. “M etáforas de
proteção perm eiam a estança introdutória” .24
Régio
Antes de defender a identificação do salmo 91 com o messiânico,
perm ita que seu caráter régio seja destacado em prim eiro lugar. Com o
em outros salmos régios (e.g., 2; 45; 84; 110), o poeta o apresenta à au-
diência com vozes diferentes em direções diferentes, conform e indicado
pelos pronom es. N o salmo 91, três vozes são ouvidas com direção al-
terada: a) a voz de “eu” que em diálogo direto a Deus confessa a fé no
E u S o u (v. 1,2); b) a voz de um a autoridade que confirm a o “você” (m.
sg.) da libertação de Deus e a proteção “infalível” (v. 3-13) ;25 e c) a voz
de “eu” que confirm a “ele” da segurança, exaltação e plenitude de vida
(v. 14-16). O tormento dos exegetas é: quem é o “eu” do v. 2, que tam bém é o
antecedente de “você” nos versículos 3-13 e de “ele” nos versículos 14-
16? F. Kirkpatrick considera o antecedente a nação de Israel ou qualquer
israelita piedoso.26 Contudo, a interpretação nacional se deve apenas aos
pronom es singulares, não aos plurais. A maioria dos comentaristas pensa
em um israelita piedoso.27 M arvin E. Tate comenta: “O salmo é desig-
“O Talmude relaciona que o rabino Yehoshua ben Levi recitava esse salmo antes
de ir dormir para garantir sua proteção dos perigos da noite. Por isso, a Halacá
estipula que esse salmo seja lido todas as noites antes de ir dormir (Orach Chaim,
239:1)”. Amos Hakham {Psalms with theJerusalem Commentary, trad. Israel V. Berman
[Jerusalem: Mosad Harav Kook, 2003], vol. 2, p. 91s.) repara: “Em Shevuot 15b,
cita-se urna Baraita que declara ser a primeira metade do Salmo 91 [...] Ό Cântico
dos Perigos’, ou [...] Ό Cântico das Pragas’ [...] O Talmude menciona que o rabino
Yehosua ben Levi recitava ‘O Cântico dos Perigos nas orações’ [...] quando se
retirava para cama, à noite [...] Costuma-se recitar esse salmo em funerais”.
28Psalms 51— 100, WBC 20. Dallas: Word, 1990, p. 450.
29Die Psalmen, HAT 15 (Tübingen: Mohr [Siebeck], 1934), p. 172.
30 “Eine Qumran-Textform des 91 Psalms”, p. 83.
31 The Message of the Psalms (Minneapolis: Augsburg, 1984), p. 156-7.
32Psalms with theJerusalem Commentary, p. 91.
33Psalms, BCOTWP. Grand Rapids: Baker Academic, 2008, vol. 3, p. 39.
34Kingship and the Psalms, SBT Second Series 32 (Naperville: Alec R. Allenson Inc.,
1976), p. 20-6; Bruce K. Waltke; James M. Houston; Erika Moore, Os Salmos como
adoração cristã (São Paulo: Shedd, 2015), p. 101-2.
88
(cf. 2Sm 18.3)” .35 A profecia em 3-13 atinge o ápice com a prom essa de
que ele pisoteará nações satânicas (v. 13).36 Por último, há a observação
que surge com a ajuda de A. Caquot e D ahood.37 E claro que o salmo
presume que o rei fiel não luta só, mas com um exército que se oferece
voluntariam ente com ele na batalha pelo reino de Deus (SI 110)38 e cujo
fôlego de vida é o rei (Lm 4.20).
Messiânico
D e form a até mais específica, o salmo 91 é messiânico. Para quem
pensa que uma pessoa com um ou um rei fiel está em vista,39 há o proverbial
bode na sala. Esse rei é indestrutível e invencível. D a perspectiva de qual-
quer rei fiel, suas promessas são excessivamente otimistas para falharem.40
O salmo 44 reencena o protesto do rei de Israel e de seu exército: Deus
35Kingship and the Psalms, p. 58.
36A noção de Alter {The Book of Psalms, ρ. 322) da “vida imaginada como um campo
de batalha cheio de perigos” é equivocada. E improvável que o poeta sustentasse
a metáfora do campo de batalha de acordo com os v. 3-16 sem oferecer uma pista
para a realidade figurada.
37 Caquot, “Le Psaume XCI”, p. 21-7; Dahood, Psalms II, p. 329-34.
38Waltke; Houston, Os Salmos como adoração crista, p. 509-43.
39 Mais recentemente, Longman (Psalms, ρ. 329-31) identifica ο exército/congregação
como o sujeito do salmo.
40A interpretação de Derek Kidner (Psalms 73— 150, TOTC [Downers Grove: IVP
Academic, 2009], p. 365) afirma que o salmo confere segurança a todo servo de
Deus, e tenta resolver a contradição entre as promessas do salmo e a realidade
vivenciada com dois clichês. Primeiro, “Romanos 8.28 (‘... Deus age em todas as
coisas para o bem daqueles que o amam’) não exclui a ‘nudez, ou o perigo, ou a
espada’ (8.35)”. Porém, a promessa de agir em todas as coisas para o bem dos
santos não equivale às promessas do salmo de invulnerabilidade e invencibilidade.
Segundo, “o que ele nos assegura é que nada pode tocar o servo de Deus, exceto
pela permissão divina”. Mas nada no salmo sugere essa ressalva. A. Maclaren
{The Psalms, Expositor’s Bible [New York: George H. Doran, n.d.], vol. 3, p. 23)
propõe outro clichê: “Eles [o mal e as aflições] não tocarão a essência da vida
verdadeira e delas Deus libertará não só ao fazê-las cessar, mas capacitando-nos
para suportar”. Mas o salmo não distingue entre o ser externo da pessoa e o inte-
rior e a libertação do conflito não é o mesmo que estar apto a suportá-lo. Calvino
propõe a observação para o v. 10: “Conflitos, é verdade, de vários tipos assaltam
o cristão, bem como os outros, mas o salmista expressa que Deus está entre ele e
a violência de cada assalto, de modo a preservá-lo da destruição” {Commentary on
the Book of Psalms, trad. Rev. James Anderson [Grand Rapids: Baker Books, 2003],
vol. 2, p. 484). Nenhuma dessas trivialidades faz justiça ao texto.
89
44Veja Bruce K. Waltke, “A Canonical Process Approach to the Psalms”, em: Tradi-
tion and Testament Essays in Honor of Charles Lee Feinberg, John S. Feinberg; Paul D.
Feinberg, orgs. (Chicago: Moody, 1981), p. 3-18.
45 Kirkpatrick (The Book of Psalms, p. 554) assim analisa o salmo.
46A “estança” se refere às divisões maiores do salmo e a “estrofe” às divisões maiores
da estança. V. p. 49, nota 31.
91
presente acima das asas dos querubins sobre a arca (Êx 25.20; lR s 8.6,7;
v. p. 39, 260).65 As referências figuradas ao tem plo no versículo 1 apoiam
essa interpretação. H á duas perspectivas para a imagem: a perspectiva
de Deus {ele 0 cobrirá) e a perspectiva do rei {e sob suas asas você encontrará
refúgio). O verseto 4b elucida a imagem. As asas protetoras do E u S o u se
referem à sua fidelidade. O atributo abstrato da confiabilidade, segurança,
fidedignidade, fidelidade e constância de D eus tem realidade concreta
nas palavras de Deus, com o aquelas do pacto davídico e desse salmo.
Maclaren comenta: “N ão temos que voar até um Deus m udo por refú-
gio ou arriscar qualquer coisa em um a aventura” . Ele fala e sua palavra
é inviolável. Portanto, a confiança é possível.66 Seu escudo {sinnâ) denota
o escudo usado para proteger o corpo inteiro.67 O escudo defensivo do
guerreiro é integrado e desenvolvido para um a muralha de defesa, uma
fortaleza (v. nota 13)
65 V. tb. o Salmo 99.1 (p. 259). “A imagem [de coberturas aladas]”, afirma Caquot
(“Le Psaume XCI”, p. 28), “parece específicamente israelita, sem equivalente nas
líricas acadianas”. Ele infere a conclusão: “Provavelmente suas origens devem ser
encontradas nas realidades do templo: as ‘penas de lavé’ são as dos querubins co-
nectados com a arca”. Os querubins são criaturas angélicas aladas que protegem o
que é sagrado. Eles aparecem com asas na visão de Ezequiel (Ez 1.5-11; 10.19,20).
Davi diz sobre Deus: “Montou um querubim e voou, deslizando sobre as asas do
vento” (SI 18.10). Dois querubins envolveram a arca para protegê-la da profanação,
como o querubim protegia o caminho da árvore da vida no jardim do Éden para
impedir que os seres humanos corrompidos comessem seu fruto. No pensamento
judaico e cristão posterior eles são considerados anjos, mas não na Bíblia.
66 The Psalms, p. 19.
67 Ele era usado no cerco de cidades, em particular quando os guerreiros tentavam
destruir a muralha. Muitas vezes, o escudeiro teria a única responsabilidade de
mover o escudo para se proteger e ao arqueiro que o acompanhava (T. Longman,
N ID O T T E , e.819-20, s.v. sinnâ II; v. Y. Yadin, The A r t o f W afare in B iblical L a n-
ds [New York: McGraw- Hill, 1963], p. 406, 418, 462). Por contraste, o m ãgên
(Gn 15.1) é um escudo redondo, leve que é feito de madeira ou vime e coberto
de couro grosso revestido com óleo (cf. Is 21.5) para preservá-lo e fazê-lo brilhar.
Ele é carregado pela infantaria ligeira para repelir a espada, lança ou flechas do
inimigo.
97
71 Leland Ryken; James C. Wilhoit; Tremper Longman III, orgs., D ictionary o f Biblical
Imagery (Downers Grove: IVP Academic, 1998), p. 48.
72 O termo ־õph el é aplicado às trevas em que os ímpios esperam emboscados
(SI 11.2); às trevas do caos, à terra tenebrosa (]ó 10.22); e como metonimia para
calamidade (Jó 23.17; 30.26).
99
73 Sobre Sisera, Débora cantou: “Onde caiu, ali ficou, morto!” (jz 5.27).
74 Desde tempos imemoriais, a “direita” é usada figurativamente no sentido de ‘poder’
ou ‘força’ (cf. Is 63.12)” (Soggin, T D O T , 6:101, sN .ym yri).
75 Dahood, Psalms II, p. 332.
100
1. Fé e proteção, 9,10
E m acréscimo à função unificada dos versículos 9,10 com o eco de
1-8, a construção de prótase (v. 9) e apódose (v. 10) os conecta.
a) Causa: Reprise da confissão do rei, 9
O polissêmico se você fi^er significa especialmente “você determina,
decide”.81 Q uanto ao Altíssimo, veja “Estrofe A: Introdução”; e a respeito
de seu refúgio, veja com entário sobre o Salmos 90.1 (v. p. 55).
b) Consequência: Nenhum mal, 10
Nenhum M a l (r a a ) expressa a avaliação de algo perverso, nada bom ,
seja um estado físico concreto (Gn 41.3; Jr 24.2) ou com portam ento moral
prejudicial aos outros (“mal” ético) ou, com o aqui, a abstração do que é
fisicamente mau (“dano/injúria/calam idade/desastre”). O (cf. Pv 12.21).
Atingirá (o ‘ãná Pual III = “ser feito para acontecer com ”). D esgraça
(nega) ecoa “peste” (deber, v. 3b, 6a). O “mal” ecoa “pavor” e “flechas”
(v. 5)? O fato de o versículo 10 ser uma reprise de 3-8 encontra apoio
adicional nos respectivos predicados dos dois substantivos sinônimos
traduzidos p o r “peste”: Chegará (yiqrab) reprisa “nada o atingirá” (nãgas,
7b). Os dois verbos ocorrem com o paralelos em Isaías 65.5. À sua tenda
é o local adequado para um rei na batalha (cf. ISm 4.10, 17.54; 2Rs 7.7);
sua interpretação frequente com o alusão à vida nôm ade não se ajusta à
cena holística do cam po de batalha.
2. Capacitação angélica, 11,12
Os versículos 11-13 são unificados de form a gramatical e semântica.
O s anjos são os sujeitos dos versículos 11,12 e o tema da progressão do
movim ento os unifica: “cam inhos” (v. 11), “tropece/pés” (12), “pisotear”
(13). Para atingir o ponto culminante, o profeta garante ao rei que os an-
jos o protegerão/cuidarão (11), preservarão seus pés de tropeçarem em
um a pedra, o que acabaria com sua missão (12), para que você pise na
cobra e no leão (13). Só agora o poeta revela porque o rei trava a batalha:
exterm inar o inimigo.
82M a fã k significa “mensageiro”, traduzido nas maioria das versões como “men-
sageiro” — quanto se trata de um ser humano — e como “anjo” — quando se
dirige a um ser divino. No céu, os incontáveis anjos que permaneceram leais a
Deus têm a função de louvá-lo (Ap 5.12) e serem criaturas intermediárias ligando
céu e terra, em Salmo 91.11,12. No famoso sonho de Jacó, ele viu anjos subindo
e descendo em uma escada que se estendia do céu até Betei, demonstrando que
Betel era o eixo entre céu e terra (Gn 28). Hoje esse eixo éjesus Cristo fio 1.51).
Os anjos são excelentes em sabedoria e poder. Davi é comparado com lisonja a
um anjo de Deus pelo rei filisteu Aquis, pela mulher sábia de Tecoa e pelo filho
de Saul, Mefibosete (ISm 29.9; 2Sm 14.17,19.27). O salmista descreve os anjos
como “poderosos que obedecem à palavra do E u S o u " (SI 103.20). Muitas vezes
cumprem missões particulares em nome de Deus, como tornar bem-sucedida a
procura da noiva de Isaque pelo servo de Abraão (Gn 24.7). O anjo do E u S o u
se acampa ao redor dos fiéis (SI 34.7) e caça os inimigos do rei (SI 35.5). Eles
permanecem “espíritos ministradores enviados para servir àqueles que hão de
herdar a salvação” (Hb 1.14; cf. Mt 18.10; At 5.19,20; 10.22; 12.7-11).
83Sam ar pode também ser traduzido por “cuidar” (v. SI 99.7, ARA; cf. Gn 28.20,
NVI). Nesses contextos o termo “caminhos” é empregado “de modo figurado
como curso da vida ou ação, realizações” (BDB, p. 203, s.v. derek, §5). A metáfora
pressupõe a ação adequada para realizar o propósito desejado.
84Veja Alter, The B ook o f Psalms, p. 323.
85 Cf. ISm 5.4: ka p p ô tyã d ã yw (“palmas de suas [de Dagom] mãos”).
86 BDB, P. 671, s.v. nãsa, §2c.
103
87 Psalms, p. 366.
88 Manoá não reconheceu o anjo do E u S o u até seu retorno após a ascensão em
chamas (Jz 13.21). Marcos diz que as mulheres que entraram no túmulo de Jesus
“viram um jovem vestido de roupas brancas” (Mc 16.5) e Lucas afirma que “dois
homens com roupas que brilhavam como a luz do sol colocaram-se ao lado delas”
(Lc 24.4). Nenhuma dessas narrativas menciona asas.
104
92 O provérbio “a beleza está nos olhos de quem a vê” é famoso por parecer genuíno
à experiência humana universal. As pessoas têm idéias diferentes sobre a beleza.
O ditado é atribuído a Platão, mas apareceu impresso pela primeira vez, de acor-
do com o O xford D ictionary o f Q uotations, na obra de Margaret Wolfe Hungerford
(1845-1897). Lew Wallace (1827-1905) disse: “A beleza está nos olhos de quem a
vê”. O exagero dele, entretanto, não é famoso porque não parece verdadeiro. As
pessoas por intuição preferem pensar que a beleza é transcendental, um atributo
de ser ela mesma, como a verdade e a bondade.
93 Caquot, “Le Psaume XCI”, p. 36.
94 C. J. Labuschange, Π ^Ο Τ , 3:1159-60, s.v. q r .
106
O lexemavãwz' denota libertação nas esferas militar (cf.Jz 12.2; ISm 11.3)
e jurídica (2Sm 14.4): Deus liberta por ser essa a prerrogativa ou direito
do rei.100A salvação do mal, incluindo sua eliminação, consum a o propó-
sito da história sagrada (cf. SI 50.23). O Senhor Jesus Cristo já venceu a
m orte e no fim da história a eliminará (IC o 15.55). Pedro descreve assim
a igreja: aqueles “que, mediante a fé, são protegidos pelo poder de Deus
até chegar a salvação prestes a ser revelada no último tem po” (lP e 1.5).
100J. Sawyer, “What Was a Mõsia‘?”,VT 15 (1965): 479. Sawyer nota que outras
palavras no domínio semântico de libertação [cf. v. 14] enfatizam ação violenta,
não intervenção invariável em nome da justiça.
101 V. a excelente pesquisa de Brennan Breed, “Reception of the Psalms: The Exam-
pie of Psalm 91”, em: The O xford H andbook o f the Psalms, ed. William P. Brown
(Oxford: Oxford University Press, 2014), p. 297-312. Para uma avaliação crítica
dessa obra, v. nota 47.
102 Ronald Rittgers, “Protestants and the Plague: The Case of the 1532/3 Pestilence
in Nuremberg”, em: Piety and Plague: From B yzantium to the Baroque, F. Mormando;
T. Vorcester, orgs. (Kirksville: Truman State University Press, 2007), p. 132-55.
108
103 Psalms, Alister McGrath; J. I. Packer, orgs. (Wheaton: Crossway, 1993), vol. 2,
p. 28.
104 The Treasury o f D a vid Spurgeon’s Classic W ork on the Psalms, D. O. Fuller, org. (Grand
Rapids: Kregel, 1976), p. 383.
105 The H om ilies o f SaintJerome, trad. Sister Marie Liguori Ewald, I.H.M., FC 48 (Wa-
shington, DC: Catholic University of America Press, 1964), vol. 2, p. 156-7.
106 Veja John Cassian, The Institutes, trad. Boniface Ramsey, ACW 58 (Mahwah:
Newman, 2009), p. 217-38.
109
ele ensinasse a meta dos pais e das mães do deserto e usa o salmo com o
tratado didático para o ensino do chamado de cada pessoa. Jerónim o
com preende o salmo inteiro no contexto da tentação, notavelmente as três
tentações de Jesus no deserto.107Jerónim o afirma além: o salmo inteiro se
refere a Jesus no deserto, que agora vive e reina.
IV. Agostinho de Hipona (354-430)
A gostinho pregou um a das homílias mais longas sobre o salmo 91
por mais de dois dias consecutivos.108Semelhante a seus contemporâneos,
Jerónim o e Cassiano, ele pregou a respeito desse salmo no contexto da
tentação de Jesus no deserto. As palavras introdutórias são: “Este salmo é
o citado pelo diabo quando ousou tentar nosso Senhor Jesus Cristo. Vamos
ouvi-lo e ficarmos alertas contra o tentador” .109 O cristão é convidado a
“aprender de mim, pois sou m anso e humilde de coração” (Mt 11.29).
A ênfase dele, então, é evitar a tentação quando se imita o exemplo de
Cristo.110 Humildes, fazemos isso com a ajuda do Altíssimo (v. 1-3). Agos-
tinho repete os pensam entos para enfatizar que nenhum cristão jamais
pode conseguir ser com placente (v. 7), autossuficiente ou individualista.
Para estar em harm onia com o tema central “do corpo inteiro de Cristo”,
o segredo para todos cristãos estarem unidos umversalmente, todos os
cristãos devem ser totalmente unidos nesses preceitos básicos de Salmos.111
A gostinho provê várias interpretações da “flecha de dia”, não apenas
com o o pior dos vícios, com o a interpretação de Cassiano e Jerónim o, mas
com o “m oderado”, não insistente. N o entanto, de maneira ambígua, ele
com preende que o texto pode refletir perseguição feroz também. Ele in-
terpreta tentações “da noite” com o as do ignorante, que não pode “vê-las”
no obscurecim ento da mente. Ele conclui que as três tentações de Jesus
no deserto expressam sua solidariedade conosco, ao se tornar humano.
Pelo fato de a natureza hum ana ser suscetível à tentação, Cristo foi tenta-
do para nos capacitar quando somos tentados em nossa hum anidade.112
século 12. É isso que Charles Taylor chamou metanoia, mudar de paradigma,
para reinterpretar o senso e sentido da realidade.120
Bernardo de Claraval havia retornado da visita à Universidade de
Paris, onde viu e ouviu a voz de Abelardo e seu grupo de alunos. E m res-
posta, B ernardo usa o salmo 91 para reunir as mesmas audiências à nova
realidade e para proporcionar conforto, segurança e coragem aos colegas
monges, já no novo estado “da conversad’. Isso significa fundamentalmente
experimentar a m orte para a form a antiga de viver, com o o apóstolo faz
em Romanos 7, buscar a nova form a de ser, com o em Romanos 8.121
A m elhor maneira de começar, Bernardo argumenta, é reconhecer
quem não habita sob a sombra do Todo-poderoso (SI 91.1) ao lhes perceber
a rebelião, a confiança na riqueza e erudição, e então perguntar para o pró-
prio bem-estar: O que isso acrescenta? Por que alguém deve viver assim,
refugiando-se nos próprios méritos, nas próprias tragédias ou nos próprios
vícios? A o m esm o tempo, isso não nos torna “seres angélicos” com o os
pais do deserto procuraram ser. Perm anecem os humanos, “refugiados”
sob o Todo-poderoso, não “habitando” ali em caráter perm anente.122 O
“refúgio” está na gratidão e louvor, de m odo que ao tropeçarm os, pode-
remos com eçar cantando de novo; de fato, com o o musical da Broadway
o expressa: “Cantando na chuva! Apenas cantando na chuva!”.
Bernardo poderia nos cansar, pois ele expõe o salmo 91 em 17 homi-
lias. N osso resum o não faz justiça à habilidade dele com o doutor da alma.
O doutor da alma não só “nos ajuda”; ele “nos examina” para nos dar
esperança quando clamamos: “M inha esperança está em D eus” (SI 91.2).
Portanto, precisamos de libertação da voz m undana — dos “caçadores”
— de suas armadilhas de sedução, riquezas, lisonjas e assim por diante
(SI 91.3). Somos então “envolvidos” nos om bros largos de Cristo, por
meio de suas promessas para este m undo e o vindouro. N isso se baseia
nossa esperança. Assim vigiamos e oram os para não cairmos em tentação
(Mt 26.41; SI 91.5). A adversidade acontecerá a nós todos (SI 91.6) na ago-
nia das “trevas”, em nosso jardim do Getsêm ani e “na flecha que voa de
120 The Skilled Pastor: Counseling as the Practice o f Theology (Minneapolis: Fortress, 1991),
p. 137ss.
121 Sermon on the Psalm “H e Who D w ellP , em: Sermons on Conversion, trad. Marie- Bernard
Said (Collegeville: Cistercian, 1981).
122 Ibid., p. 123
113
D ele”.129 Aqui Bernardo fala a nós com o cristãos que já pensam viver a
vida virtuosa com benefícios sociais para outros, mas cujos motivos são
erroneam ente fundam entados na própria “natureza boa”, não no caráter
de Deus. “Porque não somos autossuficientes para pensar algo por nós
mesm os ou devido a nós m esm os” (2Co 3.5).
N a Homilía 12, Bernardo recorre ao versículo 12. “O ministério an-
gélico” consiste em elevar-se em contemplação para procurar a verdade
e então descer em misericórdia “para proteger-nos em todos os nossos
cam inhos”. Significa apenas imitar Cristo em todos os seus caminhos. O
único motivo deles é o amor, pois só o amor divino deve envolver, direcionar
e sustentar toda a nossa form a de viver e ser. Mas ao contrário dos anjos, que
ascendem e descendem do reino celestial, devemos viver com coerência na
terra, sendo mais “hum anos” que antes.130Mas na com preensão de nossa
humanidade, podem os “chutar uma rocha”, que Bernardo interpreta como
a hum anidade de Cristo (Mt 21.44), que decepcionou Pedro (Mt 16.22),
como pode decepcionar todos os pretensos discípulos. Poderiamos dizer
que isso é uma “decepção” para os unitarianos, as Testemunhas de Jeová, e
para todo o m undo muçulmano, pois Cristo é hum ano e divino.
B ernardo então analisa “os inimigos de nossa alma” : a “cobra”, a
inocular o veneno do engano; o “basilisco” com veneno no olho invejoso;
o “leão” com ódio veem ente e a ira cruel do “dragão”. Essas metáforas
vividas exigem que permaneçamos vigilantes e nos impedem de “tropeçar”
no que podem os ser enganados em considerar a vida normal. Bernardo
associa essas quatro bestas letais às “quatro” tentações no deserto: a pri-
meira é que simplesmente os seres hum anos são tentáveis, da qual outras
três procedem . Tão logo estejamos alertas contra um vício, então outro
está à espera.131
Com satisfação, chegamos às duas últimas estanças desse salmo de
libertação. “Vamos agradecer”, exorta Bernardo, “ao nosso Criador, nosso
Recompensador, nosso Benfeitor, nosso R edentor”. Porque ele nos pre-
serva: “Somos Dele, a quem ele fez, e não de nós m esm os” . N ós temos a
imago D ei , conferindo-nos todo o necessário para expressar “Sua imagem
132 Ibid.
133 Ibid., p. 239.
134 Ibid, p. 245.
135 Ibid, p. 246-7,
116
136 Profecias são mutáveis (v. Jr 18), mas juramentos não (v. SI 110.4; Hb 6.17,18).
Veja R. L. Pratt Jr., “Historical Contingencies and Biblical Predictions”, em: The
Way o f Wisdom, Essays in H onour o f Bruce K W altk e f . I. Packer; Sven K. Soderlund,
orgs. (Grand Rapids: Zondervan, 2000); Robert B. Chisholm, “When Prophecy
Appears to Fail, Check Your Hermeneutic”,fE T S5?> (2010): 561-77; Matthew H.
Patton, H ope fo r a Tender Sprig. Jehoiachin in B iblical Theology, BBRSup 16 (Winona
Lake: Eisenbrauns), p. 202-5.
4
8 Marvin E. Tate (Psalms 51— 100, WBC 20 [Dallas: Word, 1990], p. 460) com-
preende kam ô eseb como apódose (= “ [eles são] como erva”). Ele citajó 27.14
para justificar a tradução similar e observa o p a seq depois de biparõah ra sa im .
Entretanto, o athnah com ’ãven em 92.7 [8] aP sugere que os massoretas compre-
enderam 7[8]b como a apódose de 7[8]aCC e 7[8]aP, isso é assim interpretado nas
versões antigas e modernas.
9 O termo 'eseb se refere às ervas em geral, para alimentar e para alimento.
10 O vav narrativo, depois da preposição com infinitivo, aponta para uma situação
histórica passada (GKC, 114r; cf. Lv 16.1; lRs 18.18; SI 105.12; Jó 38.7,9ss).
11 O verbo de movimento é inferido da preposição la (IB H S ', §11.4.3d).
12 Quase todas as versões inglesas seguem a LXX e a Vulg. e traduzem o ambíguo
vav por “porém”. Entretanto, a transcendência do E u S o u (v. 8 [9]) não se opõe à
aniquilação dos ímpios (v.7[8]). A gramática hebraica, ao contrário da gramática
portuguesa, comumente usa a parataxe para indicar relações hierárquicas (= “pois”,
IB H S , §39.2. lc).
13Traduzido como acusativo adverbial, mesmo na oração subordinada substantiva
{IB H S, §10.2.2b).
119
10 T u14 aum entaste a m inha força com o a do boi selvagem; derram aste15
sobre mim óleo novo.16
11 Os meus olhos17 contem plaram a derrota18 dos meus inimigos;19 os
meus ouvidos escutaram a debandada20dos meus maldosos agressores.
14 Lit. “e tu”. Algumas versões inglesas o traduzem por “porém” (KJV, ASV, ERV,
NAS, NRS, ESV, NLT) e outras o omitem (NIV, NET, CSB, NAB, NJB). A tra-
dução adversativa atropela o vav narrativo. As vezes, como aqui, o vav narrativo
não tem ação antecedente e é melhor ser omitido.
15 Em relação à gramática de b a lliõ ti, Tate (Psalms 51 — 100, p. 462s.) concorda com
D. G. Pardee e entende “boi selvagem [como chifre]” como o objeto de b a llõfí
(“que eu derramei o óleo fresco”). Isso encontra apoio em um paralelo ugarítico:
“Seu chifre poderoso, garota Anat,/Baal ungirá seus chifres poderosos \ym 'sh\/
Baal os ungirá na partida/Vamos derrotar meus [de Baal] inimigos na terra” (cf.
ANET, p. 142). Quanto à lexicografía de b a llõ fí, Tate está de acordo com E. Ku-
tch (Salbung ais Rechtsakt, BZAW 87 [1963]) e demonstra que m asah basicamente
significa “tornar untuoso/tornar oleoso/esfregar óleo em”. Em acréscimo,
argumenta-se que “o emprego paralelo de b ã la l com m ãsah nesses textos como
Êxodo 29.2; Levítico 2.4; 7.12 e Números 6.15 indica que ele também pode ter
o sentido “tornar untuoso (com óleo)” e então “besuntar/esfregar em/ungir”.
Além disso, “tornar untuoso/oleoso’ pode ser uma metonimia para “esfregar/
besuntar”. A imagem de esfregar um chifre com azeite provavelmente pretendia
elevar ampliar a vitalidade, euforia e orgulho que o chifre representava por fazê-lo
brilhar e isso é parte da imagem de vitória do v. 10[1 l]a.
16 D. Winton Thomas (“Algumas observações sobre a palavra hebraica ]]Γ"Ί em
Hebràische Wortforschung. Festschrift %um 80. Geburtstag von Walter Baumgartner, VT-
Sup 16 [Leiden: Brill, 1967], p. 387-97) demonstra com erudição que quando
ra ‘ãnãn é usado em relação às árvores, ou às folhas ou galhos, o termo deve
ser traduzido por “carregado de folhas, exuberante, denso, alastrado” e não por
“verde”.
17Lit. “meu olho”.
18R a â com a preposição ba pode significar “olhar com exultação” (BDB, p. 908,
s.v. rà"à, §8a), um sentido que pode ser estendido aqui ao seu sinônimo nãbat
(SI 91.8; 92.11a).
19A tradução da raiz de Ifsü ra y como sü r II, “contemplar, olhar fixamente” significa,
com “maldosos” como o sujeito, “vigiar (insidiosamente)” (The Concise Dictionary
o f Classical Hebrew [Sheffield: Phoenix, 2009], p. 454, s.v. sür, #3). Compare “es-
preitar” (Os 13.7, NVI), “à espreita” (Jr 5.26, NVI). No Salmo 92.11 [12], a NET
o traduz por “tentaram emboscar” e a JPS por “estão à espreita para”.
20 O objeto de “ouvir” é incerto. As traduções literais da NAS “meus ouvidos
ouvem dos maldosos que se levantam contra mim” e da LXX “meus ouvidos
120
I. Introdução
Forma
À parte dos sobrescritos prosaicos, que fundam entam o livro de Sal-
mos em dados históricos, todos os salmos são poesia (v. p. 38-40).
Cântico de ações de graças
O sobrescrito [heb. v. I]27 convoca músicos para entoar o cântico com
o acom panham ento de instrum entos musicais (v. p. 40-1). O versículo 1
especifica o cântico como “cântico de ação de graças” (i.e., um testemunho,
v. p. 19) é claro que para o D eus de Israel (v. p. 15-8). A primeira estança
(v. 1-4; v. p. 49, nota 31) tem duas introduções: um hino com unitário (1-3)
e um testem unho pessoal (4). U m testem unho costum a com eçar com a
resolução de testificar.28 A ação de graças da pessoa por um ato particular
de salvação (cf. v. 10,11) expande-se em um a verdade universal (cf. v. 12-
15). Com o os autores dos salmos 37, 49 e 73 — os chamados salmos de
sabedoria — , nosso salmista propõe um sério conceito para a prosperi-
dade dos ímpios. Ele é um ouvido e olho para o fato que definitivamente
o justo triunfa.
Régio e messiânico
D e m odo mais específico, é um salmo régio: o testem unho do próprio
rei, inferido por linhas como: “Tu aum entaste a minha força com o a do
boi selvagem” (v. 10) e “os meus olhos contem plaram a derrota dos meus
inimigos” e “os meus ouvidos escutaram a debandada dos meus maldosos
agressores” (11). Os judeus interpretaram o salmo de m odo tradicional e
justo com o messiânico. A vitória passada do rei, celebrada no salmo, é a
mais sincera garantia do triunfo do justo no reino futuro de Deus.
O Targum expande o versículo 8: “Mas tu és exaltado e supremo nessa era,
O S e n h o r , e tu serás exaltado e supremo na era porvir3'.2'1A Mishná {T a m id l A)
com enta sobre “Para o dia de sábado”: “U m salmo para o futuro, porque
é o dia totalm ente shabbat [tranquilo] por toda eternidade”. F. Delitzsch
nota que o Talmude contesta se o sábado se refere ao sábado da criação
(rabino Nehemiah) ou ao sábado final da história do m undo (rabino Akiba).
“O últim o”, afirma Delitzsch: “é relativamente mais correto”.30 K onrad
Schaefer tam bém associa os dois: “O sábado antecipa o descanso final,
o sábado eterno, quando a criação é concluída e os inimigos de Deus são
28 H. Gunkel;J. Begrich ,Introduction to the Psalms: The Genres o f the Religious Lyric o f Israel,
trad. James D. Nogalski (Macon: Mercer University Press, 1998), p. 201. Gunkel
pensa que o regozijo e triunfo do Salmo 92 é pessoal e genuíno e pertencente a
um grande poeta (p. 213).
29 Outro Targum registra: “E tu, tua mão é suprema para p u n ir os ímpios na era futura,
no grande dia do julgamento, O Se n h o r ׳, e tu, tua mão é suprema para conceder uma boa
recompensa para osjustos na era vindoura, O Se n h o r .
30 Psalms, trad. Francis Bolton, K eil and D elitzsch Commentary on the O ld Testament 5.
London: T&T Clark, 1866-1891; reimp., Peabody: Hendrickson, 1996, p. 606.
122
31 Citado por Konrad Schaefer em: Psalms, Berit Olam. Collegeville: Liturgical, 2001,
p. 230.
32 Studies in the Psalter. London: Epworth, 1934, p. 73.
33 “The Psalm for the Sabbath Day”,J B L 81 (1962): 155-68, esp. 158.
34 “The Psalm Superscriptions and the Guilds”, em: Studies in Jewish Religious and
Intellectual H istory: Presented to A lexa n d er A ltm a n n on the Occasion o f H is Seventieth
Birthday, Siegried Stein; Raphael Loewe, orgs. Tuscaloosa: University of Alabama
Press, 1979, p. 281-300.
35 Para o conceito de que o v. 8 é a linha central, veja Jonathan Magonet, “Some
Concentric Strutures in the Psalms”, Heythrop Journal 23 (1982): 365-76, esp. 369-
72.
123
Sobrescrito [heb. 1]
Primeira metade, 1-7
Estança I (Introduções): Louvor incansável pela obra de Deus, 1-4
Estrofe A (Primeira introdução): Comunitária
Louvor pelas sublimidades do E u Sou, 1-3
1. Pequeno resumo: é bom louvar com música, 1
2. Elaboração das palavras de louvor, 2
3. Elaboração de música de louvor, 3
Estrofe B (Segunda introdução):
Louvor pessoal pela obra do E u Sou, 4
36J. J. Stewart Perowne (The B ook o f Psalms [Andover: Warren F. Draper, 1898], vol. 2,
p. 174) de modo independente também analisou o salmo assim.
37Tate (Psalms 51 — 100, p. 464), seguindo a sugestão de R. M. Davison (“The Sab-
batical Chiastic Structure of Psalm 92”, ensaio apresentado na reunião anual da
SBL, Chicago, 18 Nov. 1988), nota a mesma estrutura.
38 “A Psalm for the Sabbath Day”, p. 162.
124
II. Exegese
Sobrescrito [heb. 1]
Um salmo se refere a um cântico com acom panham ento musical; e um
cântico se refere à voz hum ana (v. p. 40-1,192). Para 0 dia de sábado (v. p. 122)
Amos H akham comenta: “Todas as comunidades de Israel estabeleceram
há longo tem po o costum e de incluir esse salmo entre os recebidos no
125
39 Psalms with theJerusalem Commentary, trad. Israel V. Berman. Jerusalem: Mosad Harav
Kook, 2003, vol. 2, p. 378.
40 Para a inclusão do elemento hínico em cânticos de ações de graças, v. Gunkel;
Begerich, Introducüon to the Psalms, p. 212.
41 The Treasury o f D avid, Roy H. Clarke, org. Nashville: Thomas Nelson, 1997, p. 820.
126
afirma A. Maclaren.42 Render graças (v. p. 19). O prim eiro culto no templo
começou: “D eem graças ao E u Sou, clamem pelo seu nome, divulguem
entre as nações o que ele tem feito” (lC r 16.8). O rei confessa em público
ao E u S o u qu e ele o salvou e assim dá testem unho aos outros de que Deus
é justo. Falar sobre Deus é a própria form a de louvor (v. SI 91.14). E cantar
louvores (ülezammêr, v. mizmôr, ‘salmo’, no sobrescrito). A o teu nome se refere
ao nom e divino, lavé (v. p. 15-8). O nom e serve com o substituto da pes-
soa, tornando-a acessível.434O título Altíssimo (v. SI 91.1) talvez antecipe
a linha central: “Tu, E u Sou, és exaltado para sem pre” (v. 8).
2. Elaboração de palavras de louvor, 2
As linhas paralelas são interligadas por “anunciar” no versículo 2a, pelo
merisma “dia e noite” (= “o dia inteiro”), e por separar a afirmação “am or
leal” e “fidelidade” . Anunciar significa com unicar uma mensagem vitalmente
importanteA D e manhã significa “ao am anhecer” (cf. SI 90.5). O teu amor leal
se refere a ajudar o desamparado devido ao cum prim ento responsável da
fé (v. SI 100.5). E de noite (v. nota 2) reflete o serviço sacerdotal 24-7 do
tem plo (cf. lT s 5.17). A tua fidelidade é adicionada porque não se pode
contar sempre com a fidelidade humana.
3. Elaboração da música de louvor, 3
Ambas, lira (nebèl) e harpa (kinnôr) são instrum entos cordófonos, que
produzem o som do dedilhar ou esticar das cordas estendidas sobre ou
em uma caixa de ressonância. A identificação de kinnôr com a lira é muito
provável. A partir da evidência arqueológica, sabemos que a harpa tinha
dois braços erguidos das extremidades da caixa de ressonância, sustentando
uma barra da qual as cordas (3 a 11 em número) desciam na ou sobre a
caixa de ressonância. A identificação de nebêl é pouco certa. Ela sempre
ocorre em conjunção com kinnôr (2Sm 6.5; ISm 10.5; SI 33.2; passim), mas
som ente nebêl está associada a (ãsôr (“dez” [cordas?]). Presume-se que ela
seria relativamente grande, em bora fosse ainda portável. O instrum ento
foi um dos quatro instrum entos usados diante de uma procissão de pro-
fetas cúlticos a descer de um m onte, assim ele podia, provavelmente, ser
carregado por uma pessoa (ISm 10.5). Tentativas de derivar um sentido
42 The Psalms, Expositor’s Bible (New York: George H. Doran, n.d.), vol. 3, p. 27s.
43J. Gordon McConville, “God’s Name and God’s Glory”, TynB ul30 (1979): 149-63.
44 C. Westermann, P L O T , 2.715, s.v. ngd Hiphil.
127
52 H A L O T , 1:146, s.v .b a a r .
53 Chou-Wee Pan, N ID O T T E , 1:691, s.v. ba ar.
54 Treasury o f D avid, p. 823.
55 Proverbs 1— 15, NICOT. Grand Rapids: Eerdmans, 2004, p. 112.
36 The Psalms, OTL. Philadelphia: Westminster, 1962, p. 615.
57 The B ook o f Psalms. 1902; reimp., Grand Rapids: Baker Books, 1986, p. 559.
130
65IB H S , §40.2.1.
66 Yitpãrãdu. é empregado para os cascos do crocodilo (Jó 41.17[9]) e os ossos
desconjuntados (SI 22.14[15]). Um n ip rãd é uma pessoa antissocial (Pv 18.1).
67 E possível que o elmo do rei de Israel tivesse chifres, como na esteia da vitória
de Naram-Sin, rei da Acádia (2254-2218 AEC), cujo elmo continha chifres (H.
Gressmann , Autorientalische Texte u ndB ilder [Tübingen: J. C. B. Mohr, 1927], vol.
2, ilust. 43).
68 O auroque (pospim igenius), um animal selvagem grande, extinto, é retratado nas
pinturas paleolíticas da caverna de Lascaux e descrito em A s guerras da Gália de
Júlio César, vol. 6, p. 28.
133
selvagem (SI 92.11) com o chifre erguido, a sentir sua força total, desafiar
o oponente, um a imagem tam bém conhecida para os babilônios” (cf.
,
D t 33.17) .69Derramaste sobre mim (v. nota 15) óleo tornando a chifrada mais
eficaz e fazendo-os “brilhar com virilidade e saúde”.70 Novo (v. nota 16)
intensifica a imagem de chifres escornadores e brilhantes.
2. O rei contempla e ouve a debandada de seus inimigos, 11
O vav narrativo continua o testem unho do rei. As linhas paralelas na
composição externa correspondem a meus olhos com meus ouvidos·, e no
núcleo interior, “dos meus inimigos” corresponde a “maldosos agresso-
res”. Visão e audição, cada um a à própria maneira, confirm am a vitória
do rei sobre os malfeitores. Ele se regozija com a derrota deles (v. nota 18)
enquanto eles estão no solo abaixo dele. D os meus inimigos significa em
essência que eles “vigiam atentam ente” e assim faz um trocadilho com
“contem plar” . O verbo no passado escutaram conota que a debandada dos
ímpios continuará a ser ouvida no futuro eterno (cf. v. 7,8). D os meus
maldosos (n fr e 'im ) no livro de Salmos é um a expressão fixada para desig-
nar quem causa dano e malefício, e que existem em contraste com quem
espera em D eus (cf. SI 22.16 [17]). Agressores não diz tanto de insurgentes
— em bora possa significar “revolta” (Jz 9.18) — , pois fala de “agressores”
(cf. D t 19.11; 22.26; SI 3.1 [2]; passim). Zenger comenta: “Essa não é uma
‘bênção’ do ditado: ‘A vingança é doce’, mas deve ser lida com o um a dra-
maturgia poética que pretende conduzir ao ‘ensino’ form ulado na seção
de encerram ento do salmo, nos v. 13-16[port. 12-15]”.71 O s cristãos oram
pelo estabelecimento do reino de Deus e a eles se diz para se regozijarem
com o juízo final sobre os inimigos do reino (Ap 18.20).
Estança IV: Os justos florescem e proclamam que o Eu Sou é justo, 12-15
A cena m uda do triunfo do rei sobre os malfeitores para o florescí-
m ento dos justos nos recintos do templo. A estança final consiste em dois
dísticos. Os justos florescem (v. 12,13) na velhice, a proclam ar a justiça
do E u S o u { 14-15).
tra ocorrência, refere-se ao aum ento das riquezas (SI 73.12). A metáfora
infere o aum ento de justiça e vida. O aum ento da prosperidade dos justos
é tão grande que eles são como 0 cedro do Líbano. O cedro excele em beleza,
altura,76 valor, fertilidade e longevidade. Ezequiel elogia a excelência da
árvore: “Com belos galhos que faziam som bra à floresta; era alto; seu
topo ficava acima da espessa folhagem” (Ez 31.3). “Os cedros do Líbano
representam o mais fino material terreno. Salomão estudou a elegância e
força dos cedros (lR s 4.33), comercializou com Hirão, que governava a
área e criou um a força-tarefa recrutada de 30 mil trabalhadores para cortar
cedros do Líbano para o templo em Jerusalém (lR s 5)”.77 Reis terminavam
a construção de seus palácios com cedro e estavam dispostos a vender a
alma por isso (Jr 22.7,14,23).
2. Os justos plantados no templo, 13
A noção de crescimento pode ser discernida nas palavras de integração
que se intensificam: “plantados” (v. 13a) e “florescerão” (13b). O núcleo
interno do versículo elabora “na casa do E u Sou ” através de “nos átrios
do nosso D eus”. Os verbos de integração figurada, relativos às árvores,
movem-se com fluidez para a realidade dos adoradores justos nos recintos
do templo. O pronom e da primeira pessoa do plural sinaliza a mudança
do poeta de direção de falar dos justos para falar-lhes; transform a os
justos em povo justo e modifica a figura em realidade. K onrad Schaefer
diz: “Por uma habilidade ótica, o poeta dá prioridade à imagem arbórea
sobre os justos no templo e a árvore e a pessoa se extinguen! um no outro
e m udam as características” .78 Portanto, o que a figura das árvores verdes
a florescer no recinto do tem plo significa sobre os justos?79 Primeiro, as
duas árvores exigem considerável suprim ento de água. “A palmeira tem
raízes profundas que procuram pela água”. Por isso elas florescem em
oásis. “Jerico, construída em um local de oásis grande no deserto, era
bem conhecida com o a ‘Cidade das Palmeiras’ (D t 34.3; 2Cr 28.15)” .80
caminhos são justos. E Deus fiel, (cf. v. 2) que não comete erros (v. 15); justo
(v. 15) e reto/justo (v. 12) ele é.
85 Ryken; Wilhoit; Longman, D ictionary o f B iblical Imagery, p. 732.
140
89 E xposition o f Psalm 91 2, em: E xpositions on the Psalms, trad. Maria Boulding. Hyde
Park: New City, 2002), vol. 4, p. 345s.
90 Institutas da religião crista. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, vol. 1, cap. Ill, p. 191-2.
91 Kwok Ting Cheung, “The Sabbath in C alvin’s T h e o lo g y PhD thesis, Faculty of
Theology, St. Andrews University, 1989.
92 Genesis 1— 11:26, NAC. Nashville: B&H, 1996, p. 176-7.
142
93 The E a rth Is the L o rd ’s and the Sabbath. New York: Harper Torchbooks, 1966, p. 10.
94 Sob o título “A voz da igreja em resposta” para o Salmo 95, discutiremos do
cumprimento do tema do descanso de sábado na Epístola aos Hebreus.
95Veja D. A. Carson, org., From Sabbath to L ord’s D ay. A Biblical, Historical, and Theological
Investigation (Grand Rapids: Zondervan, 1982) [edição em português: D o Shabbath
para 0 dia do Senhor{São Paulo: Cultura Cristã, 2006)].
96 PaulJ. Achtemeier;JoelB. Green; Marianne MeyeThompson, orgs., Introducingthe
N ew Testament: Its Literature and Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 2001), p. 409.
97 E xposition o f Psalm 91 2 (Boulding, p. 346).
143
98 Robert Paul Martin, The C hristian Sabbath (Montville: Trinity Pulpit, 2015).
144
99 Richard Bauckham, “The Lord’s Day”, em: From Sabbath to L o rd ’s D ay: A Biblical,
Historical, and TheologicalInvestigation, D. A. Carson, org. (Grand Rapids: Zondervan,
1982), p. 228.
100 Didaquê, p. 50-1.
101 F irst A pology 67 (ANF 1:186; PG 6:429-32).
102A g a in st Heresies, 4.16.5 (ANF 1:482; PG 7:1018) [edição em português: Contra as
heresias, em: Coleção Patrística, vol. 4 (6. reimpr., São Paulo: Paulus, 2019)].
103 E xposition o f Psalm 91 2 (Boulding, 346).
145
Assim , ele acrescenta: “ Com ece seu sábado [...] não atribuindo
nenhum bem a si m esm o”, porque as pessoas pervertidas, perturbadas
que não guardam o sábado atribuem suas más ações a Deus e as boas a
elas m esm as”.104
A gostinho interpretou “a m anhã” com o os tem pos em que tudo
vai bem conosco e a “noite” com o os tem pos em que estamos tristes e
angustiados (v. 2). “Q uando as coisas vão bem, louve sua misericórdia;
quando as coisas vão mal, louve sua verdade [...] Q uando você proclama
sua misericórdia na m anhã e à noite, você o louva o tem po todo, confes-
sando a D eus e o tem po inteiro.105
A gostinho explica que “o saltério de dez cordas” (= “a lira de dez
cordas”, v. 3) representa os D ez M andamentos, tocado ao cum prir os
preceitos. Ele com preende a “lira” com o o que comove.106 Portanto, es-
tamos alegres pelo que D eus realizou em nossa vida (v. 4), com o o após-
tolo nos lembra também: “Porque somos criação de Deus para fazermos
boas obras” (E f 2.10) e mais um a vez: “O que você tem que não tenha
recebido? E se o recebeu, p o r que se orgulha, com o se assim não fosse?”
(IC o 4.7). A pessoa “insensata” (i.e., “o tolo”, v. 6) não conhece essas
coisas e A gostinho julga que essa pessoa perdeu o sentido “do sábado no
íntimo e fechou a porta da paz do coração e rejeitou os bons pensamentos,
[assim], começa a imitar a pessoa que observa florescer em meio às más
obras e, desse modo, se desvia para praticar as mesmas coisas perversas”.107
Q uão alta e profunda é a sabedoria divina, que nos provê com des-
canso sabático, pois o sábado representa a contem plação da eternidade
divina (v. 5): “Todas as coisas m urcham e decaem”, com o a relva do
campo, “mas você tem algo em que se basear: a Palavra do Senhor per-
manece para sem pre’ ”.108 O que, portanto, são os adivinhos, astrólogos
e videntes além de inimigos de Deus? N ão mais que a ilusão efêmera que
perecerá. A m etáfora dos “cedros do Líbano” é repleta de longevidade,
frutificação e beleza na velhice, bem com o de tranquilidade em tempos
cantar de alegria”. Abelardo nos diz, com o D ante, que o sábado é a oportu-
nidade para nós louvarm os e am armos o Criador.111 Para D ante, a paz do
paraíso terreno é a antecipação da paz celestial; a antecipação e o sinal da
paz eterna. C om o Virgílio prom ete a D ante, ele deve experimentar essa
paz todos os dias.112
John Milton (1608-1674)
John M ilton dem onstrou interesse ao longo da vida pelos Salmos he-
braicos, sendo um dos poucos eruditos de seu tem po a traduzi-los para o
inglês e grego.113 E m Paraíso perdido, o coral angélico canta o salmo 92 no
sétimo dia de acordo com a tradução da Bíblia de Genebra: “Q ue ensina
que o uso do sábado existe para louvar a D eus e não apenas para a ‘ces-
sação do trabalho’ ”.114Provavelmente, M ilton conhecia a tradição judaica
concernente à com posição do salmo por Adão, no prim eiro sábado da
criação. Ao traduzir o salmo completo, ele o inseriu na epopeia.
M ilton divide o salmo em quatro seções: a) o cham ado para adorar
com cântico e instrum entos musicais; b) o louvor às obras de Deus; c)
a descrição do destino dos ímpios; e d) a descrição do futuro dos justos.
Fundam ental para a teodiceia de M ilton no Paraíso perdido é que o E u S o u
é “justo” e ele conclui o hino sobre o salmo 92 com esta celebração: “Três
vezes felizes se conhecessem ,/ A felicidade deles e a justa perseverança”.
M ilton designa o hino para os anjos cantarem:
“Que entendimento compreender-te pode?
“Que língua ousa contar os teus prodígios?
“Quando co’os raios teus em pó fizeste
“Os soberbos arcanjos rebelados,
“Decerto foste imensamente grande;
“Mas, vindo agora de formar um Mundo,
“Fulguras muito mais, maior te vemos.
“Destruir pode ser ação heroica;
“Mas criar é de glória mais subida.
111 Charles S. Singleton, org., The D ivine Comedy: Purgatorio (Princeton: Princeton
University Press, 1973), vol. 2, p. 678-9; cf. Peter Abelard, E xpósito in Hexaemeron
762D.
112 Purgatorio, 27.115-17.
113 Carole S. Kessner, “Psalm 92 and Milton’s Sabbath Hymn”, M ilton Q uarterly 10,
n. 3 (1976): 75-7.
114 Veja John Milton, Paraíso perdido, Livro VII, p. 195.
148
118 F irst Lecture on Psalm 9 2 em Luther’s Works 11, Hilton C. Oswald, org. Saint Louis:
Concordia, 1955, p. 228.
119 Commentary on the B ook o f Psalms, trad. James Anderson. Grand Rapids: Baker
Books, 1996), vol. 3, p. 493-4.
120 Ibid., p. 496-7.
121 Ibid, p. 498.
122 Ibid, p. 499-500.
123 Ibid, p. 501-4.
150
“Para o dia de sábado”. Seu com entário sobre o salmo 92 é apenas a re-
comendação à vida piedosa.
ele derram ou o Espírito Santo sobre a igreja, para ela poder adorar em
Espírito e verdade. Ela vem para “o M onte Sião, para a cidade de Deus, a
Jerusalém celestial” (Hb 12.22). Por meio da Palavra e dos sacramentos,
eles participam da vida eterna. A igreja é o tem plo terreno de Deus, em
sentido corporativo (IC o 3.16) e individual (IC o 6.19), onde o m undo
encontra a água viva do Espirito de Cristo.
Tudo isso é verdadeiro porque o Deus de Abraão, Isaque e Jaco é
exaltado para sempre.
5
I. Introdução
Autor
A LXX atribui o salmo 93 ao rei Davi e não há razão para negar a
atribuição (v. 27-9).
Retórica: estrutura e mensagem
N a primeira leitura, as três estanças do salmo 93 parecem desunidas.4
6 Simon Parker, org., U gariticN arrative Poetry, trad. Mark S. Smith. Atlanta: Scholars,
1997·, p. 111. Cf. SI 74.13,14; Is 27.1.
7 E num a E lish 4.25-30, trad. Benjamin R. Foster (COS 1.111:397).
8 Human, “Yahweh Robed in Majesty”, p. 158.
9 Veja Dennis Pardee, “The Ba'lu Myth” (COS 1.86:241-86).
10Sinai and Zion: A n E n try into theJewish Bible. New York: HarperCollins, 1985, p. 108s.
11 “The Psalm for the Sabbath Day”,J B L 81 (1962): 155-68, esp. 161.
12 P L O T , 1:136 s.v. ־m n .
13 H. C. Leupold, E xposition o f the Psalms. Columbus: Wartburg, 1959, p. 665.
157
lei e tem plo não serem eliminados (cf. M t 5.17,18).14 Esse é um rei digno
de que se prom eta lealdade e de ser temido, se ofendido (cf. SI 97.12).
Q uando o O cidente perdeu a confiança no D eus da Bíblia com o Criador,
tam bém deixou de considerar os D ez M andam entos com seriedade. A
teologia da criação e a ética absoluta são inseparáveis.
Forma
A crítica da form a se preocupa com o gênero literário da composição
e com sua atuação na sociedade.
Gênero
O salmo 93 é poesia (v. p. 38-40). Mais específicamente, ele é um hino
(v. p. 19). O salmo 93, com o apenas uns poucos hinos, omite a introdução
que convoca os adoradores a louvar e a conclusão que com um ente renova
o chamado (e.g., “Aleluia!”).15 O salmo 93 não m enciona o poeta, nem os
adoradores, nem a música; ele se concentra de form a exclusiva no E u Sou.
O poeta, ao falar para o verdadeiro Israel, expressa o entusiasmo pelo E u
S o u ao repetir o nom e de D eus cinco vezes em cinco versículos. O hino
tam bém com bina proclamação para a congregação (v. 1) e diálogo direto
com o E u S o u (v. 2-5; v. 117, nota 1). “Sendo mais pessoal, a segunda
pessoa mais enfaticamente expressa a piedade direta”.16
Contexto
Hinos foram com postos para a adoração no templo. A mudança de
destinatários da congregação (v. 1) para o E u S o u (v. 2-5) sugere um con-
texto litúrgico, com o faz tam bém a referência ao tem plo no versículo 5.
O sobrescrito da LXX inform a que o salmo 93 foi “para o dia antes do
sábado, quando a terra foi prim eiram ente habitada”, isto é, o sexto dia
da semana (v. nota 1). O Talmude babilónico explica: [“N o sexto dia] Deus
com pletou sua obra e reinou sobre toda criação em plena glória” (b. Ros
Has. 31a). Esse uso é tam bém o mais apropriado, pois garante à com u
14 Cf. John H. Eaton, Psalms: Introduction and Commentary (London: SCM, 1967),
p. 229.
151lQ Ps apresenta esse salmo de louvor com “Aleluia”, mas não tem outra caracte-
rística de uma introdução hínica (v. H. Gunkel; J. Begrich, Introduction to the Psalms:
The Genres o f the Religious L yric o f Israel, trad. James D. Nogalski [Macon: Mercer
University Press, 1998], p. 23-9).
16 Gunkel; Begrich, Introduction to the Psalms, p. 33.
158
p. 147.
19 H A L O T , 1:28, s.v. ’ã za r. O uso de linguagem similar, não idêntica, para a mulher
sábia em Pv 31.17 não desconstrói a tese, pois, como Al Wolters e Erika Moore
argumentaram, o poema também pertence ao gênero de louvor heroico; a mulher
do lar é descrita como uma guerreira valente (v. Bruce K. Waltke, Proverbs 15 — 31,
NICOT [Grand Rapids: Eerdmans, 2005], p. 516s.).
20 Mark E Rooker, NIDOTTE, 1:344, s.v. ’azar.
21 Philip Sumpter, The Substance o f Psalm 24: A n A tte m p t to R ead Scripture after Brevard
Childs. London: Bloomsbury T&T Clark, 2015, p. 97.
160
da onda”25 para assegurar que D eus é maior que qualquer ameaça ao seu
trono. A arrebentação das correntes oceânicas agressivamente ameaça a
sustentação da vida do m undo do G uerreiro-Edificador, mas o E u Sou
nas alturas é mais poderoso.
Estrofe A: As águas levantaram seu bramido, 3
E m geral, o term o nãhãr se refere a um rio perene (N m 24.6; Is 41.18
[pl.]), mas aqui o plural águas se refere às correntes do oceano (cf. Is 44.17;
Jn 2.4).26 “Aguas” é redefinida no versículo 4 com o “águas im petuosas” e
“ondas do m ar” — term os gerais para designar imensas expansões de água
que ameaçam inundar e submergir o m undo; pense em um a plataform a
de petróleo durante um tsunami. Eevantaram foca no movim ento do mar
em contraste com a estabilidade do m undo sustentando a vida e conota a
ameaça violenta do m ar contra o mundo, cuja posição é precária. N a cos-
mologia fenomenal do m undo bíblico, as águas estão abaixo da terra. John
Goldingay comenta: “N a descrição do mar, os autores bíblicos perguntam
se a terra poderia ser ‘dissolvida’ ” .27 O vocativo E u Sou expressa angústia
a respeito da ameaça sentida. A ação violenta das águas é representada pela
primeira vez com o tendo com eçado no passado (“levantaram”, v. 3a(X,
3aβ) e então com o uma ameaça contínua {levantaram, v. 3b). O eco do
bram ido prim evo do mar ainda é ouvido nas águas que levantaram seu
bramido; o m ar é restringido, não eliminado (cf. Jó 38; Ap 21.1). Hoje
se sabe que essa cosmología fenomenal não concorda com a cosmología
científica, mas os cientistas da atualidade tam bém vivem angustiados com
o aquecimento global e o aum ento dos níveis do mar, com os asteroides,
superbactérias e com o conflito nuclear. O salmo, usando a linguagem
de seu tempo, garante que o D eus de Israel que cum pre a aliança é mais
poderoso que qualquer ameaça natural à existência do mundo, mas ele
não contem pla a tolice humana. Entretanto, mesm o a tolice hum ana não
desfará as promessas da aliança divina para subm eter todas as coisas sob
o império de Jesus.
28 The B ook o f Psalms: A Translation with Commentary. New York: Norton, 2007, p. 329.
29 H A L O T , 1:13, s.v. 'addir.
30 BDB, p. 12, s.v. 'addir.
31 BDB, p. 929, s.v. m ãrôm , §2; H A L O T , 1:633, s.v. m ãrôm , #6.
32 Quando Jesus saiu do barco, ele se encontrou com um homem possuído por
uma legião de demônios. Jesus expulsou os demônios do homem e eles entraram
em uma manada de porcos, que se precipitaram no m ar (/thalassa) e se afogaram
(Mc 5.1-13).
33 H A L O T , 1:791, s.v. ‘êdü t, #2.
34 Covenant: A H istory o f a B iblical Idea (Baltimore: Johns Hopkins University Press,
1969), p. 160-8.
35 TLOT, 2:846, S.V. 'êd.
163
42 E xposition o f Psalm 9 2 1, em: E xpositions on the Psalms, trad. Maria Boulding, O.S.B.,
Hyde Park: New City, 2002, vol. 4, p. 362.
43 Ibid., 2, 5 (Boulding, p. 362-4).
165
48 A. F. Kirkpatrick, The Book of Psalms (1902; reimp., Grand Rapids: Baker Books,
1986), p. 565. Robert B. Chisholm, Jr. (“Suppressing Myth: Yahweh and the Sea
in the Praise Psalms”, em: The Psalms: languageβ τ Λ ΙΙ Seasons of the Soul, Andrew
J. Schmutzer; David M. Howard,Jr., orgs. [Chicago: Moody, 2013], p. 83s.) em um
outro ensaio útil defende a interpretação política ao recorrer às “águas impetuosas”
no v. 4 e nos Salmos 18.16[17]; 29.3,77,19[20] e à posição do salmo entre 92.9-
11 [10-12] e 94.1 -3.0 primeiro argumento comete a falácia lexical “da transferência
da totalidade ilegítima” e o segundo argumento erroneamente confere prioridade
à posição secundária do salmo sobre o próprio contexto do salmo.
49 “Tiefendimension von empirischer Entfremdungserfahrung: Die Erfahrung des
Scheiterns von Leben ist nicht Oberfláche empirischer Wirklichkeit, sondern hat
metaempirische Tiefendimension” (Eckhart Otto, “Kultus und Ethos in Jerusa-
lemer Theologie: Ein Beitrag zur Begründung der Ethik im Alten Testament”,
ZAW 98 [1986]: 161-79, esp. 174s.).
50 “In [der Schõpfung] also sind die Krafte des Chaos gebándigt, all empirischen
negativerfahrungen prinzipiell transzendiert” (Otto, “Kultus and Ethos,” p. 176).
51 The Substance of Psalm 24, p. 139, η. 354.
Salmo 95: Venite
I. Introdução
Autor
A LX X e H ebreus 4.7 atribuem o salmo a Davi (v. p. 27-9).4 G. Hen-
ton Davies argumenta em defesa da data pré-exílica do salmo baseada na
“referência politeísta no versículo 3, o valor cúltico de ‘hoje’ e o uso da
ilustração Massá-Meribá”.5 Se o salmo é pré-exílico, por que não devería-
mos atribuí-lo a Davi?
Forma, estrutura e retórica
O salmo consiste no cântico de louvor do hinista (v. l-7a) e na adver-
tência do profeta do E uSouÇ Jb-X 1). A primeira estança tem duas estrofes:
convocações para vir ao tem plo com ações de graças e cânticos de louvor
(1-5) e para entrar no tem plo com reverência, prostrado e ajoelhando-se
diante do D eus e Rei de Israel (6,7). Cada estrofe tem os temas típicos de
um hino (v. p. 21): convocações para adorar (1 2 ,6 )־e a causa para a ado-
ração (3-5,7a). A sentença causai (3) refere-se ao ser sublime do E u S o u
(“o grande D eus [...] acima de todos os deuses”) e a seu ofício sublime (“o
grande rei acima de todos os deuses”). As duas orações explicativas dos
versículos 4 e 5 defendem essa avaliação por citar seu grande feito de criar
a terra. N a segunda estrofe (6,7), Israel personaliza essas verdades: “ele
0 fez [o mar]” (5) se torna “ nosso Criador” (6); “o grande D eus [...] acima
de todos os deuses” (3) se torna “ nosso D eus” (7); e “suas mãos form aram
a terra seed ’ (5) se torna “nós somos [...] o rebanho que ele conduz” (7).
O s hinos às vezes contêm uma declaração profética de advertência (cf.
ISm 2.5; SI 75.4,5[5,6]; 76.12[13]). O s salmos 81 e 95 com eçam com
hinos que term inam com uma declaração de advertência na form a de
uma petição (81.8[9], 95.7b). O versículo 7b prossegue do louvor para o
discurso propositivo (cf. 50.7-23, 81.8-16[9-17]).
4 “De Davi” em Hebreus 4.7 provavelmente significa “por meio de Davi”; talvez
seja uma referência ao Livro de Salmos.
5 “Psalm 95”, ZAW?>5 (1973): 195. Um relato sobre a pesquisa do Salmo 95, v.
W S. Prinsloo, “Psalm 95: Only You Will Listen to His Voice?”, em: The Bible in
H um an Society: E ssays in H onour o f fo h n Rogerson, J. Rogerson; M. D. Carroll; David
J. A. Clines; Philip R. Davies, orgs.,JSOTSup 200 (Sheffield: JSOT, 1996), p. 393-
410, esp. p. 393-7.
169
Contexto
D e acordo com A rtur Weiser, a M ishná situa o salmo 95 no festival do
ano novo (Sukkoth ),10 o festival de outono que relembrava que o E u S ou
fez Israel habitar em tendas quando ele trouxe o povo do Egito. Sukkoth
ocorre no fim do ano da colheita, quando as uvas e oliveiras eram colhi-
das. N o festival, Israel era ordenado a regozijar-se para oferecer ofertas
de alimentos a I a v é e a oferecer ações de graças em cântico e sacrifício
a ele (Lv 23.33-43).11 Originariamente, “hoje” (v. 7) referia-se à realidade
cúltica (cf. Is 30.29).12Provavelmente, o salmo foi com posto por conta de
uma seca. Agora, “hoje” se refere a algum dia quando o salmo é usado,
com o em H ebreus 4.6, 7.
A primeira convocação para louvar prevê o cenário fora do templo
(v. 1,2); a segunda, o cenário no átrio do templo (6). Depois do movimento
em direção ao átrio, os peregrinos ouviram a advertência profética para
não desanimarem.
II. Exegese
Sobrescrito
A LX X registra literalmente “o louvor de um cântico por D avi”,
identificando o gênero do salmo com o hino e seu autor com o Davi
(v. “A utor”, acima).
criou a hum anidade (Gn 2.7); ela é o lugar onde eles encontram provisão
(G n 1.29,30).
Estrofe B: Convocação e causa para louvar o Eu Sou, O Criador e Senhor
de Israel, 6-7
O Soberano que criou, possui e governa cada aspecto da terra, adotou
Israel com o sua família.
1. Convocação: prostrem diante do Criador de Israel, 6
“Venham ” seguido p o r três verbos para dar voz ao louvor — “can-
temos ao E u S o u com alegria”, e “aclamem os/aclam á-lo” — agora é
aprimorado por venham seguido por três sinônimos para curvar-se: adoremos
prostrados (isto é, mãos, testa, joelhos, dedos do pé no solo), e ajoelhemos.
D escrito em contraste com a concisão da poesia hebraica, o em prego
extravagante do poeta de sinônimos para prostrar em adoração significa
reverência extrema da criatura pelo Criador, do m ortal pelo imortal, do
im potente pelo Todo-Poderoso (cf. v. 1-2).
2. Causa: Ele é o Deus de Israel, 7a
O povo (“relativos”; v. SI 100.3; cf. Ct 2.16) do seu pastoreio reprisa a
fórmula da aliança: “Serei o seu Deus, e vocês serão o meu povo” (Lv 26.12;
J r 31.33; cf. Êx 19.5; 2Sm 7.24; E z 14.11). N o m undo bíblico, os reis eram
conhecidos com o pastores de seus povos (cf. Jr 23.1-4; Ez 34.1-10), e desse
modo, afirma J. Clinton M cCann Jr.: “E apropriado que essa metáfora
[isto é, rebanho] apareça no salmo que celebra a majestade divina”.21 O
Senhor Jesus Cristo é o bom (Jo 10.111), grande (Hb 13.20) e suprem o
(lP e 5.4) Pastor. “O pastor que nutre, governa e lidera as ovelhas o faz
por ser 0 rebanho que ele condmζ, o qual maneja a vara e o cajado (SI 23.4)”,
afirma o eloquente Charles H. Spurgeon.22
Transição (advertência): Ouça a Palavra de Deus hoje, 7b
A essência da verdadeira religião é a adoração entusiástica, diferencia-
da e a obediência ética a Deus. O poeta para de se identificar com Israel,
usando “n ó s /n o s ” para se distanciar deles ao se dirigir a eles com o vocês.
mas foi acrescentado para dem onstrar a nature 2 a do pecado deles, não para
especificar o lugar de Meribá. A quele dia em M assá é epítom e da obstinação
de Israel de pôr Deus à prova, mesm o com o “o dia de Jerusalém ”, em
Salmos 137.7, é epítom e da catástrofe de Jerusalém em 587 a.C.
2. Explicado como murmuração e provação do mérito do Eu Sou, 9
Seus se refere à geração de Israel “hoje” (v. 7b,8) e antepassados se refere
à geração obstinada do deserto. Os antepassados confiaram no E u S ou e
o louvaram no êxodo (Ex 14.31— 15.21; cf. SI 22.4[5]) e experimentaram
muitas bênçãos espirituais; mais tarde, porém , endureceram o coração
contra ele. A nuvem sobre os mesm os prenunciava o destino de sua sal-
vação, mas eles desejaram ardentem ente pecar e jamais com pletaram esse
destino. Tentaram com um objeto pessoal tem seu sentido básico com o
analisar alguém para determ inar seu mérito (cf. lR s 10.1-7; 2Cr 9.1-6; cf.
D n 1.12,14).29 O s antepassados queriam um milagre para provar se Deus
estava entre eles (Êx 17.2,7; N m 14.22; D t 6.16; cf. Is 7.12; SI 78.18,41,56;
106.14). A lei proíbe a incredulidade (D t 6.16; 9.22; 33.8). Jesus julga sua
geração com o má e adúltera, porque ela procurava por milagres (Mt 16.4).
Paulo declara que os “judeus pedem sinais” e adverte a igreja a não pôr
Cristo à prova (IC o 1.22; 10.9).
Estrofe B (ameaça): Sentença judicial de não descanso, 10,11
A sentença judicial tem duas partes: a resposta emocional de D eus de
irar-se e a prom essa de que os odiados não entrariam em seu descanso. H á
duas razões para sua ira: o coração ingrato de cada um deles e a ausência
de reflexão sobre os caminhos da graça.
1. O Eu Sou ficou irado contra aquela geração, 10
O numeral quarenta com anos (v. N m 14) ou dias, com o os pais da
igreja observaram , “é sempre associado a sofrimento, aflição e punição”
(v. G n 7.4; Êx 24.18; Jz 13.1; E z 4.6; Jn 3.4; Lc 4.1,2).30 O verbo31 irar-se
Ç ã q ü t ; cf. E z 6.9) significa que o Deus de Israel, cum pridor da aliança,
foi constantem ente provocado a irar-se (N m 14.22 m enciona dez vezes)
por conta de atos contínuos de rebelião. O salmo 78 reencena a trágica
32 R. L. Pratt Jr., “Historical Contingencies and Biblical Predications”, em: The Way
of Wisdom: Essays in Honor of Bruce K. Waltke, J. I. Packer; Sven K. Soderlund,
orgs. (Grand Rapids: Zondervan, 2000), p. 180-203; Robert B. Chisholm, “When
Prophecy Appears to Fail, Check your Hermeneutic”, JETS 53 (2010): 561-77;
Matthew H. Patton, Hopefora Tender Spirit:Jehoiachin in Biblical Theology, BBRSupl 6
(Winona Lake: Eisenbrauns, 2017), p. 202-5.
177
ele serve com o metonim ia do templo.33 Alguns pensam que ele se refere
apenas a Canaã (cf. N m 14.30).34 Braulik observa que a expressão “chegar
[entrarão] ao lugar de descanso” é encontrada só em D euteronôm io 12.9
e Salmos 95.11. E m D euteronôm io 12, o “descanso” se refere à terra de
Canaã e ao tem plo e infere a prom essa de que Israel adorará ali. A oração
de Salomão em IReis 8.56 diz respeito à conclusão do tem plo com o cum-
prim ento da prom essa.35 Os textos de Salmos 132.14 e Isaías 66.1 igualam
“meu lugar de descanso” com Sião, o local do templo. Os desertores não
entram e habitam para sempre no templo do Deus vivo (cf. SI 23.6); assim,
não desfrutam o tipo eterno de descanso desfrutado por Deus ao terminar
a obra da criação e cessar o trabalho. N a trajetória da revelação, o templo
terreno se cum pre em Cristo e na nova Jerusalém, a cidade celestial onde
o Senhor D eus Todo-Poderoso e o Cordeiro são o tem plo (Ap 21— 22).
Abraham Cohen aprova a explicação de Oesterley do encerram ento
abrupto do salmo: “O encerram ento abrupto do salmo com as palavras
Jurei na minha ira: Jam ais entrarão no meu descanso coloca em relevo a séria
advertência dirigida, por implicação, contra quem se encontrava no mo-
m ento à entrada do tem plo” .36
37 E xposition o f Psalm 94 1, em: E xpositions on the Psalms, trad. Maria Boulding, O.S.B.
Hyde Park: New City, 2002, vol. 4, p. 409.
38Augustine, E xposition o f Psalm 94 2 (Boulding, p. 410-1).
39 Ibid., 3 (Boulding, p. 411).
40 Ibid., 5 (Boulding, p. 413).
41 Ibid. (Boulding, p. 415).
179
que nós destruam os o que ele plantou, “pois suas mãos form aram a terra
seca”.42
Três vezes até esse ponto, Deus nos ordena a “vir”: cantar (v. 1), dar
graças (v. 2) e a adorar (v. 6). Agora, diz Agostinho, somos chamados à
confissão (v. 7b,8). Agora devemos chorar na presença de Deus. O choro
que A gostinho verifica no texto parece mais retórico que exegético, mas
é pregação eficaz. Tendo nos tornado “deuses”, A gostinho agora nos vê
com o ovelhas — as “ovelhas de seu pastoreio” (v. 7) — e ele descreve
nossa vida nesse estado de form a criativa.43
N a última seção, de m odo mais solene, A gostinho exorta a congre-
gação a ouvir a voz de Deus um a vez mais. “M uito tem po atrás, vocês
ouviram sua voz por meio de Moisés e endureceram o coração. Ele falou
de novo por meio do arauto e vocês endureceram o coração. Agora, por
último, quando ele fala com os próprios lábios, perm itam que o coração
de vocês seja sensível” (cf. v. δ).4445
A gostinho traduz o versículo 10: “Por quarenta anos estive próxim o dessa
geração, mas eu disse: eles são sempre ingratos em seus corações”. Ele interpreta
“quarenta” com o “sem pre”, da mesm a form a que em M ateus 28.20:
“E eu estarei sempre com vocês, até 0 fim dos tempos’’^ Entretanto, o povo de
Deus continuou a provocar a paciência divina. “Sempre ingratos em seus
corações”, eles estão irados com Deus e a consequência do julgamento é
que “eles jamais entrarão no m eu descanso”. Assim, A gostinho observa:
“Começamos o salmo com intensa alegria, contudo, ele chega ao fim com
uma nota de puro terror: a eles, jurei em m inha ira, jamais entrarão em
meu descanso”. N o entanto, a última palavra é “o S e n h o r não rejeitará
o seu povo” .46
O propósito de usar esse texto receptivo é encorajar todo pregador
novo que, fracos com o somos — mesm o com o o grande Agostino come-
çou — , Deus em sua graça nos usa a todos com eficiência para encorajar,
advertir e transform ar a vida de outras pessoas com a proclamação de
sua Palavra.
47 Wulfert de Greef, “Calvin as a Commentator of the Psalms”, em: Calvin and the Bible,
Donald K. McKim, org. (Cambridge: Cambridge University Press, 2006), p. 91.
48John Calvin, Commentary on the Book of Psalms, trad. James Anderson. Grand Rapids:
Baker Books, 1996, vol. 4, p. 31.
49 Calvin, Commentary on the Book of Psalms, 33.
50 Ibid, 34.
51 Ibid, 34-35.
181
lem brar que somos “o rebanho que ele conduz” (v. 7), não apenas criado,
mas tam bém conduzido por sua mão. Mas a advertencia, “hoje”, significa
a obediência contínua e diária que ele requer de nós. Com o isso ele tornou
Israel visivelmente distinto das outras nações; assim, isso deve tornar os
cristãos diferentes em todos os m om entos.52D a mesma forma, “ouvimos
a voz de D eus” de form a contínua, com o o escritor aos H ebreus nos
relembra, quando ele cita o versículo (Hb 4.7).
Em “não endureçam o coração, com o em Meribá” (v. 8), Calvino
identifica a história contida em Ê xodo 17.2-7 (cf. D t 6.16; 9.22; 33.8;
N m 20.13,24). Ele interpreta o “endurecim ento” com o desprezo à Pala-
vra divina ou mesm o negligência.53 Para Calvino “seus antepassados me
tentaram ” (v. 9) representa incredulidade habitual em Deus e a percepção
de sua irrelevância em nossa existência, apesar da farta evidência de sua
presença diária.54 A conclusão do versículo 11 é que se não cultivamos a
presença divina, não seremos capazes de descansar em Deus. O se referir
mais uma vez a H ebreus 4.1-11, Calvino identifica nossa terra prom etida
não como uma realidade geográfica, com o o movimento sionista ainda crê,
mas com o o descanso m oral de ser o “próprio povo de D eus”, habitando
nele. “Deus não cessou de falar; ele revelou seu Filho e todos os dias nos
convida a vir a ele e sem dúvida, é nosso dever, sob essa oportunidade,
obedecer à sua voz”.55
III. Roberto Belarmino (1542-1621)
Concluímos com a voz sacramental de R oberto Belarmino — algo
inovador para os cristãos evangélicos hoje. Belarmino foi arcebispo de
Cápua nos últimos vinte anos de sua vida. Era muito proem inente em seu
tem po e até foi consultado por líderes contem porâneos da Reforma. Ele
influenciou profundam ente três papas em Roma, em especial Paulo V. A
erudição de sua obra m adura In omnespsalm os dilucida expositio [Comentário
sobre os Livros dos Salmos] é tão lúcida e satisfatória quanto qualquer
comentário. Ele tam bém foi um linguista excepcional e escreveu uma
gramática hebraica. Ao mesm o tempo, ele verdadeiramente viveu a vida
52 Ibid., 36-37.
53 Ibid., 39-41.
54 Ibid., 41-44.
55 Ibid, 46-47.
182
56A Commentary on the B ooks o f Psalms, trad. John O ’Sullivan (Dublin: Aeterna, 2015),
p. 5s.
57 Ibid, p. 447.
58 Ibid.
183
nosso Criador, em bora o ofendam os todos os dias, ele aceita nosso arre-
pendim ento e adoração diários. Quinta, com o pastor, ele nos conduz de
m odo extraordinário — tema em que Belarmino cita a homília de Agosti-
nho sobre o salmo. O assunto tema, ele nota, é descrito em Ezequiel 34.59
Davi exorta o povo, declara Belarmino,
a louvar a Deus, não só por palavra, mas também pelas obras. Ora, o
sacrifício mais agradável que podemos oferecer a Deus é a observância
desses mandamentos, de acordo com IReis 15 : “O S en h o r deseja ho-
locaustos?” [...] Pois é o próprio Deus que propõe a questão; também o
Espírito Santo na passagem diz: “Hoje, se vocês ouvirem minha voz, que
sou seu Senhor, não endureçam o coração”. A palavra “hoje” significa
no presente; e como o apóstolo explica em Hebreus 3: Façam o bem
ou perseverem “durante o tempo que se chama hoje”; isto é, no tempo
completo dessa vida, porque depois dela, o tempo não mais existirá; ele
será eternidade. A palavra “se” parece significar que Deus não fala a
nós em todo o momento, mas ele adverte no tempo e lugar oportunos,
por meio de pregadores, pela leitura das Escrituras ou de outro modo
para tornar sua vontade conhecida a nós. A expressão “não endureçam
o coração” significa que o ouvir da voz do E u S o u é de pouco valor, a
não ser que ela entre nos recônditos do coração.60
59 Ibid, p. 448.
60 Ibid, p. 449.
61 Ibid.
62 Ibid, p. 449-50.
184
63 Ibid., p. 450.
64 The Structure o f Psalms 93 — 100, BJSUCSD 5 (Winona Lake: Eisenbrauns, 1997),
p. 176.
65 Psalms, p. 1061.
66 Marvin E. Tate, Psalms 5 1 — 100, WBC 20 (Dallas: Word, 1990), p. 503. O título
é apropriado para o salmo inteiro. Isso se deve à advertência “não endureçam o
coração” pressupor não recusar cantar o hino.
185
extraviado para as coisas más (lC o 10.6): “Contenda e ‘prova’ [são] mais
convenientes aos (pecadores] que obediência e fé”.68 A verdade é: “Todo
o que o Pai me der virá a m im ” (Jo 6.37). Q uando os peregrinos fiéis têm
fome e sede “hoje”, eles confiam no E u S o u de todo o coração e o louvam
com pulm ões e vozes plenos, pois com em o Pão verdadeiro do céu, que
dá vida ao mundo.
Hoje, “o evangelho” se refere à morte, ao sepultamento, à ressurreição
e redenção de Cristo e ao testem unho dos apóstolos e muitos outros das
aparições do Jesus ressurreto a eles (lC o 15.2-8), não a todos (At 10.40,41).
Aqueles que D eus escolhe para ser seu povo não exigem a repetição dos
acontecim entos do evangelho. Pela fé, os eleitos recebem a mensagem
das pessoas a quem o Cristo ressuscitado apareceu. O testem unho está na
boca e coração dos eleitos (Rm 10.6). Isso é assim porque a igreja fiel, em
conjunto com o poder convincente do Espírito Santo, prega esse evangelho
de geração em geração (Rm 10.7-17; lC o 2.1-16). Com o a medida de maná
de um jarro lembrava a Israel do pão do céu dado por D eus à primeira
geração do povo, a ceia do Senhor lembra àqueles a quem o Pai deu Cristo
do verdadeiro “Pão do céu” (Lc 22.14-20; Jo 6.30-58; lC o 11.23-26).
Deus nos convida a confiar e a obedecer; ele não usa sua soberania
para coagir. “As consequências da desobediência”, afirma M cCann, “são
severas, mas D eus se recusa a ser carrasco”.69 N ossa decisão de confiar
nele encontra expressão na vinda ao tem plo para adorar e no descanso
no Senhor Jesus Cristo.
I. Introdução
Autor
Com o em muitos salmos no Livro IV do Saltério, a LX X atribui o
salmo 96 a Davi, mas o TM omite um sobrescrito. N ão há razão para du-
vidar da atribuição da LX X (v. p. 27-9). Q uando Davi nom eou os levitas
para a ministração diante da arca da aliança, na tenda que ele ergueu, os
levitas cantaram o hiño registrado em 1Crônicas 16.8-34.8 Esse hiño, ou
uma versão anterior dele, foi mais tarde adaptado em dois hinos: lC rôni-
cas 16.8-22 (= SI 105.1-15) e lCrónicas 16.23-33 (= SI 96.1-13).9 Gunkel,
em bora rejeite a credibilidade do cronista, afirma que no período do
cronista (em sua opinião c. 300 a.C.): “Os salmos 96 e 105 já eram con-
siderados m uito antigos” .10 Além disso, em bora o salmo 96 possa conter
versículos de outros salmos,11 sua form a e retórica revelam sua unidade.
8 A variação entre o Salm o 96 e seu h ino sin ótico em 1 Crônicas 16.23-33 incluem:
1‘yôm (SI 96.2, “cada dia”) versus ’elyôm (lC r 16.23, sem n enhum a diferença de
sentido); kfbôdô (3, “sua glória) versus ’etkfbôdô (24, sem n enhum a diferença de
sentido); nôrâ (4, “ser tem id o ”) versus wenórã (25, “mais tem ível”); v f tipperet bemi
qdasô (6, “p oder e dignidade, n o seu san tu árioj”) versus wehedwâ bimqõmô (27,
“e alegria na sua habitação [term o mais geral para ‘santuário’]”); l‘hasrôtãyw (8,
“seus átrios”) versus lepãnãyw (29, “à sua presença”) mippãnãyw (9, “diante dele”)
versus millapãnãyw (30, sem nenhum a diferença de sentido); ’imrü (10, “digam ”)
versus w'yo'merü (31, “e d iga-se”); yãdin ‘amrríim bemêsar1m (10, “ele julgará os
p ovos co m justiça”), om itid o em 31; yaãlõz (12, “regozijem -se”) versus yaãlõs
(32, sem nenhum a diferença de sentido); sãdeh (12, “cam p os”) versushassadeh (32,
“os cam p os”); kol (12, “to d o s”), om itido em 33; lipne (13, “diante”) versus milliphe
(33, sem nenhum a diferença de sentido); ki bà (13, segunda vez para “porque ele
vem ”), om itido em 33; ha ares (13, “a terra”) versus ’et habares (33, sem nenhum a
diferença de sentido).
9 JõrgJeremias (DasKdnigtum Gottes in den Psalmen: IsraelsBegegnungmitdem kanaanaische
Mythos in denJabwe- Konig- Psalmen, F R L A N T [Gottingen: V andenhoeck & Ruprecht,
1987], p. 122s.] pensa que o salm o é apenas dois o u três sécu los m ais antigo que
a redação final de Crônicas.
10 H . G unkel; J. Begrich, Introduction to the Psalms: The Genres of the Religious lyric of
Israel, trad. Jam es D. N ogalsk i. M acon: M ercer U niversity Press, 1998, p. 64.
11 Citando o agrupam ento de M cC ullough, H . C. L eup old ( Exposition of the Psalms
[Columbus: Wartburg, 1959], p. 682) nota: “C om o v. 1, cf. Salm o 33.3; 40.3; 98.1;
com o v. 3, cf. Salm o 9.11; 105.1; co m o v. 4, cf. Salm o 48.1; 95.3; co m o s v. 7-9,
cf. Salm o 29.1,2; co m o v. 13, cf. Salm o 9.8; 98.9. A lém disso, sobre o v. 2, cf. Isa-
190
Forma e retórica
Poesia
Os salmos são poem as sagrados designados para música (v. p. 40,
126). O salmo 96 aprecia o paralelismo em form a de escada em que as
palavras iniciais são repetidas e então elaboradas (cf. v. 1,2, “cantem ao
E u S o u ” ·, v. 4,13, “porque” ; v. 7,8 “D eem ao E u S o u ”). “Essa construção
excepcional”, afirma D erek Kidner: “Confere vigor perm anente ao salmo
[...] e contribui para a atmosfera de entusiasmo quase irreprimível com a
perspectiva da vinda de D eus”.12
Retórica e estrutura
Os hinos costum am consistir em convocações para louvar, seguidas
das razões para louvar; “p o is/p o rq u e” (cf. 95.3) sempre introduz a última
(v. p. 35-7). E m sentido mais estrito, esse é o segundo salmo que proclama:
“o E u S o u reina” (v. 10, v. p. 21). A repetição alternada de convocações
para louvar (v. 1-3,7-9,11,12), seguida das razões para louvar (4-6,10,13),
divide o salmo em três estanças (1-6, 7-10,11-13).13
Os dísticos iniciais configuram o paralelismo em form a de escada,
seguidos da expansão no terceiro versículo (1-3,7-9,11-13). A primeira es-
tança exibe a mesm a estrutura nos v. 4-6 e, assim, ela é mais bem analisada
com o detentora de duas estrofes de três versículos cada: a convocação
para louvar (v. 1-3) e as razões para louvar (v. 4-6). Assim, com exceção
do versículo 10, o hino tem quatro seções de três versículos cada (1-3,
4-6, 7-9,11-13).
As duas primeiras estanças começam pelas convocações triplas para
louvar (“duas vezes “cantem ” e “anunciem” nos v. 1-3; duas vezes “deem ”
e “adorem ” nos v. 7-9). As convocações distintas form alm ente para louvar
e a razão para louvar estão interligadas na costura para form ar um hino
ias 52.7; sobre o v. 3, Isaías 60.6; 66.18,19; sobre o v. 11, Isaías 44.23,24; 46.5-7;
44.7. R etornando ao v. 5, cf. Isaías 40.19ss.; 41.23,24; 46.5-7; 4 4 .9ss.” . D e v id o à
intertextualidade co m o S egundo Isaías, m uitos com entaristas (e.g., Kirkpatrick,
Leupold, C ohen) datam o salm o n o período pós-exílico, mas co m o A . A . A nderson
(Psalms 73— 150, p. 681) nota: “A lgu ém podería argumentar que o(s) autor(es) de
Is 40— 66 depende(m ) da linguagem cúltica d o p eríodo pré-exíüco”.
12 Psalms 73— 150, T O T C . D o w n ers G rove: 1VP A cadem ic, 2009, p. 379.
13 Para estruturas internas similares, cf. Salm o 66.5,8; 95.6; 96.7; 98.4; 100.4; 139.14;
145.4,10; 147.7,12; 148.7; 149.5 (v. Gunkel; Begrich, Introducüon to the Psalms, p. 39).
191
14 A ssim tam bém afirma D avid M. H ow ard, Jr., The Structure o f Psalms 93 — 100,
BJSU C SD 5 (W inona Lake: Eisenbrauns, 1997), p. 65.
15Psalms, Berit O lam . Collegeville: Liturgical, p. 239.
192
Estrofe B: R azão/contraste, 10
Estrofe A: Toda criação é convocada a se regozijar diante dele,
ll-1 3 a a a
1. Os elementos cósmicos que se regozijam, 11
2. Campos e florestas devem regozijar, 12,13a(XOC
Estrofe B: O E u S o u v e m para julgar a terra com justiça, 13aCtP־b
Contexto
Os levitas cantavam esse hino como parte da liturgia do tem plo de
Jerusalém. O cronista (IC r 16.7) define o salmo com o cântico de ação
de graças. Esses cânticos foram usados com o libreto para o sacrifício de
ação de graças (v. p. 19). O salmo exorta as nações a cantar esse cântico,
trazer um tributo (minhâ, “ofertas”, v. 8) e a entrar nos átrios do templo.
Mas com o toda a terra pode cantar e sacrificar no templo de Jerusalém?
O texto de Salmos 47.9 sugere a resposta: “O s soberanos das nações
se juntam [no templo] ao povo do Deus de A braão”. Esses soberanos
estrangeiros, ao retornar aos próprios países, devem propagar as boas
novas de que D eus reina “entre as nações” (v. 3,10). Pode-se com preender
Israel cantando esse cântico quando Davi fixou o em blema do E u S o u em
Jerusalém, no coração dos canaanitas, mas que fé maravilhosa da parte de
quem retornou do cativeiro babilónico (v. p. 30-1) para exortar as nações
a cantar que o E u S o u reina!
II. Exegese
Sobrescrito
U m cântico de Davi (v. “A utor”, acima).
Estança I: Toda terra deve cantar um novo cântico ao Eu Sou porque
ele está acima de todos os deuses, 1-6
17 The Davidic Cipher: Unlocking the Hidden Music of the Psalms (Denver: Outskirts,
2010), p. 18.
18John Goldingay, Psalms, B C O T W P (Grand Rapids: Baker A cadem ic, 2008), vol.
3, p. 103.
19 TLOT, 1:397, s.v. hadas.
20 The Book of Psalms. 1902; reimp., G rand Rapids: Baker B ook s, 1986, p. 576.
21 Psalms 51— 100, p. 512.
22 Psalms, p. 103, citando Jeremias, Konigtum, p. 125.
194
1. Ele é maior do que todos os deuses porque ele fez os céus, 4,5
4 A composição externa de 4, “grande” corresponde a “todos os
deuses”; em seu núcleo, “digno de todo louvor” se iguala a “mais temí-
vel”. G rande se refere à categoria e influência e sugere um a comparação,
portanto, é parte da esfera conceituai de “glória/honra”. Assim, digno de
todo significa mais do que norm alm ente (v. SI 92.5[6]; 93.5). Louvor; que
significa proclamação pública para atribuir honra social a alguém ou algo
(cf. G n 12.15; 2Sm 14.24; E z 26.17). M ais temível pode enfatizar tem or
emocional, quando Israel viu a mão poderosa do E u Sou manifestada
23 D aniel Y Wu, Honor, Shame, and Guilt Social- ScientificApproaches to the Book of Ezekiel,
BBR Sup 14 (W inona Lake: Eisenbrauns, 2016), p. 58.
24 Ibid., p. 64.
25 Ibid., p. 59.
26 7LOT, 2:982, s.v. p i‘ N iphil.
27 E. A . Speiser, “ ‘P eo p le’ and ‘N a tio n ’ o f Israel”, JB L 79 (1960): 157-66.
195
5 Para que não pensem que “todos os deuses” (v. 4; v. 95.3) resulte na
existência de outros deuses, o poeta acrescenta de imediato, todos os deuses
das nações não passam de ídolos.29 Cohen comenta: “O profeta usou a arma
da ironia para provar isso”, isto é, ele fez um trocadilho ao equiparar >eãtim
(“ídolos inúteis”) com ־elõhê haammím (“deuses dos povos”).30 O povo de
Deus não é politicamente correto. Goldingay comenta: “Com o é com um
na Bíblia, o salmo não presum e que sejamos respeitosos com a religião
de outros povos” .31 Os objetos de adoração diferentes de D eus não têm
m érito ou valor; ao contrário, são letais. Eles merecem desonra. Mas o E u
Sou fez os céus (i.e., o céu em form a de abóbada). O céu é um lugar real do
qual Cristo veio, para o qual ele retornou e onde ele está preparando um
lugar para seu povo (Jo 14.2,3). Mas quando os escritores bíblicos falam
de Deus e do céu necessariamente eles precisam usar a metáfora. Deus é
28 O term o, às vezes, se refere à adoração puram ente form al, quando o s sincretistas
d o R eino d o N o rte “tem eram o E u Sou ” co m resp eito à adoração cúltica, em -
bora não “tem essem o E u S o u ” em relação à ob ediên cia justa (cf. Is 29.13). N a
verdade, os sincretistas “n ão tem em o E u Sou” d e form a alguma (2Rs 17.23-34).
29 O term o נeññm é usado c o m o m etáfora idiom ática e pejorativa para designar os
“íd o lo s” (Lv 19.4, 26.1; Is 2.8; passim ).
30 O utros trocadilhos incluem ’eliñm 'illemim (“íd o lo s m u d os” ; H b 2.18) e ־eliUm
kãül (“o s íd olos [...] por co m p leto ”, Is 2.18).
3í Psalms, p. 104.
196
8 Seu nome (cf. v. 2; SI 100.4). E entrem nos seus átrios (v. SI 100.2, 4;
cf. Is 2.2-4; Ml 4.1-4; Ag 2.7-9). O m andam ento se cum pre quando os
gentios vêm a Jesus Cristo, o verdadeiro tem plo de D eus (Jo 2.21) e à
Jerusalém celestial (Hb 12.22,23). O utros textos dem onstram que eles
serão purificados do pecado pelo sangue de Jesus Cristo, pois no estado
im puro não seriam bem -vindos (Is 52.1). Trazendo (lit., “erguer”) significa
“presentear” com “um donativo/oferta (minha).3435 E m contextos profanos,
a minhã denota um “presente” entre pessoas (cf. G n 32.20,21 [21,22]; 33.10)
ou, com o term o especializado, o tributo a um superior (Jz 3.15,17,18).
N os contextos cúlticos, o term o se refere à oferta de sacrifício a Deus
(Gn 4.3-5) ou serve com o term o especializado para a oferta de cereal (i.e.,
uma oferta das colheitas em contraste com rebanhos/m anadas; v. Lv 2).
Robert Alter afirma: “Aqui, com certeza há a intenção de um trocadilho.
Com o rei (cf. v. 10) ele espera a ‘oferta’ (cf. SI 68.30; 72.10); com o Deus
ele designa os sacrifícios cúlticos”.36 M esmo que a oferta seja de ouro,
incenso, animais ou colheitas, ela deve ser de quantidade e qualidade que
honrem e agradem o beneficiário.
34 O Salm o 29.1,2 paralelo difere d o Salm o 96.7, 8 apenas em a quem ele se dirige:
“os seres celestiais”.
35 H A L O T ; 1:726, s.v. nãsa, # 1 6 .
36 The Book of Psalms:A Translation with Commentary. N e w York: N o rto n , 2007, p. 339.
198
37Em Salmos 110.3, o plural masculino (em contraste com o singular feminino
abstrato de Salmos 96.9) é uma metáfora das vestes da tropa em adoração.
199
40 Cf. o uso de m elõ 'ô com “cidade” (Am 6.8), “terra” (Ez 30.12), “mundo” (SI 50.12);
o uso em Ezequiel 12.19 (“tudo o que existe em sua terra dela será arrancado”);
e seu paralelo “tudo que nela/neles existe” (SI 24.1; 98.7; Is 42.10).
201
cf. v. 10) a terra (cf. v. 1). D e fato, ele ju lg a rá (yisp õ t). O ato sp t (“julgar”)
transpira em um “relacionam ento triangular” . Um a parte oprim e a outra
e a terceira parte restaura o estado de paz ao eliminar o opressor e libertar
o oprimido. Para isso, G. Liedke acrescenta: “A restauração da ordem da
com unidade deve ser com preendida não só com o ato único, mas tam bém
com o atividade contínua, com o a preservação constante de sãlôm [“paz’ ך,
assim o sentido de ‘julgar, governar’ procede” .41 Ele julgará 0 m un do (tebel,
i.e., o globo terrestre”; v. 93.1) com justiça (Ifsed eq ), não com vingança. Sedeq
se refere à qualidade m oral que denota a ordem justa resultante nos atos
moralm ente qualificados (D t 33.21; SI 48.10,11 [11,12]; Is 59.9,11). “Julgar
com justiça” significa “não [demonstrar] parcialidade com os pobres ou
favoritismo com os ricos” (Lv 19.15), “atendam tanto o pequeno como
o grande” (D t 1.17) e, de form a implcita, executar seus vereditos. Deus
estabeleceu seu trono na retidão e justiça (SI 97.2) e para esse propósito ele
se assenta entronizado (SI 9.7[8]). E os povos (cf. v. 3), com sua fidelidade
(v. SI 100.5). D eus julgará o m undo com justiça. Conte com isso.
Com “a utilidade” da lira, Orígenes sugere que somos apontados para Cristo.
Em um fragmento maior, D e Orginisprologis, p. 13-4, Orígenes foca nos Sal-
mos 89— 99 [= Hb. 90-110?] para sugerir que eles eram salmos mosaicos.49
46John Dillon; Jackson Hershbell, On the Pythagorean Way o f Life: Texts, Translations,
and N otes. Adanta: Scholars, 1991, p. 89.
47 Citado por Paul R. Kolbert, “Athanasius, the Psalms, and the Reformation of the
Self”, em: The H a rp o f Prophecy, E a rly Christian Interpretation o f the Psalms, Brian
E. Daley; Paul R. Kolbert, orgs. (Notre Dame: University of Notre Dame Press,
2015), p. 96.
48 “Restringing Origen’s Broken Harp: Some Suggestions Concerning the Prologue
to the Caesarean Commentary on the Psalms”, em: The H a rp o f Prophecy, p. 60-1.
49 “Restringing Origen’s Broken Harp”, p. 64.
204
50 Luke Dysinger, “Evagrius Ponticus: The Psalter as a Handbook for the Christian
Contemplative”, em: The H a rp o f Prophecy, p. 97.
51 “Desert Monasticism and the Later Fourth-Century Psalmodic Movement”, M usic
and Tetters l b (1994): 506.
52 “The Fourth Century Origin of the Gradual”, E a rly Church H istory 7 (1987): 98.
205
53 Citado por Rowland E. Prothero, The Psalms in H um an L ife. New York: E. P. Dut-
ton, 1903, p. 303.
54 Psalms, Alister McGrath;J. I. Packer, orgs. (Wheaton: Crossway, 1993), vol. 2, p. 51.
55 Psalms, p. 52.
56Psalms: the Prayer B ook o f the Bible. Minneapolis: Augsburg, 1970, p. 6.
57 Psalms, p. 62.
58 P rajingthe Psalms: A Commentary. Grand Rapids: Eerdmans, 2001, p. 175.
206
I. Contexto canônico
O salmo 96 pertence à im pressionante coleção de sete salmos que
proclamam ou confessam que “o E u S o u é Rei” (v. p. 18, 34-7; cf. v. 10
com 93.1; v. 10-12 com 93.3,4; v. 13 com 98.9). Essa coleção está es-
trategicamente situada no Saltério com o resposta ao Exílio babilónico
(v. p. 30-1). N a essência da coleção, o “novo cântico” do salmo 96 evoca
uma realidade alternativa, eterna: “O Deus forte e justo de Israel que criou
os céus está vindo para julgar toda a terra com justiça tão certo quanto
ele estabeleceu a terra, que não pode ser abalada. Há uma quantidade de
conexões intertextuais entre as “boas novas” do salmo 96 e Isaías 40— 55,
mas com o J. Clinton M cCann Jr. nota: “N ão está claro qual texto se ori-
ginou prim eiro ou até se um texto influenciou diretamente o outro” .59
II. Mensagem
Quase 70% do salmo 96 é form alm ente dedicado à “convocação para
louvar” e 30% às razões para louvar (v. p. 21). O s dois temas atuam em
uníssono para dar glória a Deus. A mensagem unificada do salmo é resu-
mida na confissão de todos os povos: “o E u Sou é R ei/reina”60 e assim
governa toda criação, todos os deuses e todos os povos. O salmo 96 é o
segundo salmo no Livro IV que proclama: “o E u S o u é R ei/reina” (cf.
93.1; 96.10; v. p. 25-6). O s chamados “salmos de entronização” dizem
respeito a essa proclamação, a essa confissão, não sobre a entronização
anual do E u S o u (v. p. 34-7).
O salmo 96 convoca toda a terra para louvar o E u S o u e m palavra e
atitudes. O s “versículos 1-3”, afirma Hossfeld: “contêm imperativos com
verbos de fala (cantar, proclamar, anunciar), seguidos nos v. 7-9 por impe-
rativos com verbos de adoração cúltica (trazer, entrar, adorar, trem er)”.61
A repetição dos imperativos é sinal do entusiasmo irresistível.62 O louvor
deveria ser fervoroso (1-3), não desleixado; reflexivo (“dar ao E u Sou,
8,9), não superficial; e perm eado com trem or e obediência santos (10),
não pervertido. Deus deseja que todos e tudo o louvem: “toda a terra”
(1,9) “todas as famílias das nações” (7) e toda criação (11,12).63
As razões para louvar são reveladas de form a gradual que prende a
audiência com suspense. O prim eiro versículo une convocação e razão
de m odo amplo. Toda a terra é chamada a louvar o E u S o u e a razão para
louvar é incluída no objeto da canção, a saber: o novo cântico que pres-
supõe o ato de salvação. O que é essa salvação tão gloriosa e maravilhosa
que suas boas novas devem ser narradas todos os dias diariamente entre as
nações (v. 2,3)? Isso inspira as pessoas a louvar a glória, dignidade, poder
e majestade de Deus (4-6); e a adorar em reverência santa e submissão
total a ele? N osso suspense não é aliviado até que a ponte (10): ele julgará
ou julga a terra com justiça. Por fim, no po nto culminante, um a linha
concisa, a salvação é revelada de form a plena; ele vem para julgar toda a
terra com justiça.
Mas o poeta não especifica quando ou onde ou com o essa epifanía e o
oxímoro de seu juízo salvador ocorre.64N a Bíblia Hebraica, as formas ver-
bais indicam o aspecto (i.e., ação completa ou incompleta), não a ação. Davi
pode ter com posto o hino para a entrada triunfal da arca em Jerusalém, a
fortaleza dos jebuseus. K idner afirma sobre essa entrada: “O simbolismo
da marcha, em que Deus coroou suas vitórias ao fixar seu trono na antiga
cidadela do inimigo, é correspondido pelo tema do salmo”.65 Mas esse
hino tam bém foi com posto para a ocasião em que o rei julga as nações
63 Cf. P. J. Botha, “The ‘Enthronement Psalms’: A Claim to the World- Wide Honour
of Yahweh”, O T E 11, η. 1 (1998): 25.
64Talvez se presuma essa ocorrência em conexão com a guerra santa. Tremper
Longman III (“Psalm 9 8 ”, J E T S 27 [1984], p. 269; “The Divine Warrior: The
New Testament Use of an Old Testament Motif,’ W T J 44 [1982], p. 290-307,
esp. p. 300-2) defende que cada uma das sete ocorrências da expressão “novo
cântico” (SI 33.3; 40.3[4]; 96.1; 98.1; 144.9; 149.1; Is 42.10; mais Ap 5.9; 14.3)
celebra uma vitória militar. Embora Longman (“The Divine Warrior”) afirme:
“Uma [...] conexão entre o novo cântico e a Guerra Santa pode ser reconhecida
com clareza em [...] 96.1”, nenhum outro comentarista, que eu saiba, fez essa
conexão. Longman pode estar certo, mas há o perigo aqui de cometer a falácia
filológica da transferência total. Isaías 2.2-4 e Miqueias 4.1-4 vislumbram o monte
Sião estabelecido como o monte mais alto e as nações indo ao templo, onde Deus
as julgará e resolverá seus conflitos.
65 Psalms 73— 150, p. 379.
208
para excluir e punir tiranos e exaltar os justos. Trem per Longm an III nota
“uma tendência que ocorre bastante no saltério: a subjugação da referência
aos eventos históricos específicos para preservar a relevância imediata do
poem a ao culto”.66 O tradutor da LXX o interpretou com o designação de
quando o segundo templo foi construído depois do cativeiro (v. nota 1).
O uso litúrgico prossegue para transform ar o salmo em profecia, como
Davi, um profeta, plenam ente intencionou. O louvor do m undo gentílico
raras vezes é audível na antiga dispensação; ela term inou com os tiranos
governando o m undo sombrio, não com a salvação. Portanto, Jesus Cristo
veio e instaurou a nova dispensação. “O povo que caminhava em trevas
viu um a grande luz; sobre os que viviam na terra da som bra da m orte
raiou uma luz” (Is 9.2). Magos do oriente adoraram a criança, Cristo Jesus,
o presenteiam com seus tesouros e assim o proclamam rei dos gentios
(Mt 2.11; cf. SI 96.9). O s gregos vieram até Filipe, pedindo para ver Jesus.
Q uando ele e A ndré falaram a Jesus, Jesus respondeu: “Chegou a hora
de ser glorificado o Filho do hom em ” (Jo 12.23). N o prim eiro dom ingo
de Ramos, toda a multidão dos discípulos com eçou a louvar a D eus com
alegria, em alta voz, por todos os milagres que tinham visto. Exclamavam:
“Bendito é o rei que vem em nom e do Senhor!” (Lc 19.37,38). Hoje, o
Deus de Israel é louvado p o r meio de seu Filho em todo continente e em
toda nação (Mt 28.16-20). Judeus e gentios diariamente cantam sua glória,
dignidade e poder. Q ue poder e dignidade Jesus Cristo dem onstrou em
sua carreira: “O s cegos veem, os mancos andam , os leprosos são purifi-
cados, os surdos ouvem, os m ortos são ressuscitados, e as boas novas são
pregadas aos pobres” (Mt 11.5). Q ue poder e dignidade resplandeceram
dele no m onte da transfiguração (Mt 17.2)! Q ue glória deve ser atribuída
ao Cristo crucificado e exaltado (Jo 12.16). Seus apóstolos viraram o
m undo de ponta cabeça; gentios queimaram seus ídolos; seus ensinos
impactaram reis.
Mas o salmo contem pla além de hoje, o tem po em que todo joelho se
dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é Senhor (Fp 2.9-11) e
quando toda a criação se regozijará. Hoje, a igreja é perseguida e a criação
ainda espera o tem po de ser “libertada da escravidão da decadência em
que se encontra para a gloriosa liberdade dos filhos de D eus” (Rm 8.19-
22). O tem a do juízo com justiça do salmo tam bém se cum pre no juízo
final, quando Jesus julgará o m undo com justiça. Deus deu prova que
designou Jesus para “julgar o m undo com justiça” ao ressuscitá-lo dos
m ortos (At 17.31). N o dia estabelecido, o Senhor Jesus será revelado do
céu, com os seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes (2Ts 1.7-
10). João observou sua vinda em juízo na visão: “Vi o céu aberto e diante
de mim um cavalo branco, cujo cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro. Ele
julga e guerreia com justiça. Seus olhos são com o chamas de fogo, e em
sua cabeça há muitas coroas” (Ap 19.11,12). E m síntese, verbos hebraicos
ambíguos podem descrever as epifanías antigas dos justos juízos de Deus
sobre as pessoas e o juízo final, futuro, por Jesus Cristo.
8
I. Introdução
Autor
O autor é um líder do templo, cujo hino exorta os justos a se “alegra-
rem ” (v. 12), e um profeta que os exorta a “odiarem o mal” (v. 10). Ele
também é um dramaturgo que encena uma teofania baseada na tempestade
verdadeira de uma batalha não identificada. Ele assim o faz para proclamar
que o E u Sou é rei no céu e na terra. Ele apresenta o drama em verso
poético e no ápice das partes de seu poem a, proclama verdades sobre o
rei (v. “M ensagem”, abaixo). A com unidade fiel reconheceu a inspiração
do hino e o preservou com o parte da Escritura sagrada.
A LXX atribui o salmo a Davi e não há razão para negá-lo (v. p. 27-9).
Hoje, os acadêmicos reconhecem que o salmo se baseia na m etáfora do
m ito de Baal que antecede Davi em séculos (v. p. 132, nota 64, p. 155-6).
A reflexão sobre os mitos antigos tam bém produz discernimentos na
m ente do poeta. O hino descreve o E u Sou com o o guerreiro que derrota
os adversários, cuja pretensão era instaurar um reino antagônico (v. 3).
Essa descrição lembra o padrão do tema do guerreiro divino nos ciclos
de Baal (c. 1400 a.C.) e outras mitologias no m undo ocidental semítico,11
incluindo “a marcha do guerreiro”, a convulsão da natureza; o retorno do
guerreiro divino ao m onte santo e o postulado da realeza”.12 D o mesmo
modo, o salmo 97 proclama que “o EuSou reina” (la) na conjunção com
a cavalgada na batalha, na tempestade e na derrota dos adversários (2,3); a
terra “trem e” e os montes se “derretem ” (i.e., erodem, v. 4,5). Ele retorna
ao m onte e tem plo santos, onde seus adoradores o louvam (8,9).
Contudo, no salmo 97 o m ito é historiado. A teofania aconteceu na
história e serve como exemplo do segundo advento do Senhor Jesus Cristo
(v. “Contexto canônico”, abaixo). O contexto histórico da composição,
de acordo com a LXX, foi “quando a terra é estabelecida” (cf. 2Sm 7.8-
11a). E m outras palavras, o rei Davi louva o EuSou pela vinda na teofania
11 Semítico ocidental é uma expressão para designar uma família de línguas, que inclui
o hebraico. As culturas em que essas línguas eram faladas estão relacionadas. O
verdadeiro Israel tomou emprestada a metáfora dessas culturas, mas não a teologia.
12Richard Hess, Israelite Religions: A n Archaeological and Biblical Survey. Grand Rapids:
Baker Academic, 2007, p. 160.
214
Poesia
Todos os salmos são poesia — e pressupõem a linguagem figurada
(v. p. 38). K. Lawson Younger Jr. argumenta que as historias de guerra no
livro de Josué se assemelham aos registros militares do O riente Médio
antigo e ele docum enta que essas historias costum am valer-se de hipér-
boles.13 Se o historiador prosaico usa hipérboles nos registros militares, é
muito mais provável que o poeta use hipérboles na narrativa poética do
G uerreiro Divino. As hipérboles da tem pestade nos fazem sentir a força
bruta; as descrições científicas nos distanciariam.
Proclamar que o Eu Sou é Rei em ações de graças
O salmo 97 é o terceiro salmo que proclama que o E u S o u reina/é
Rei” (v. 93.1; 96.10). A introdução típica convoca à alegria em conjunto
com a proclamação (v. 1), seguida pela evidência em apoio (2-9), e carac-
teriza o salmo com o hino (v. p. 21). D e form a típica, o hino term ina com
a convocação renovada para louvar (12).14 Mas enquanto a convocação
introdutória se dirige ao m undo gentílico, a convocação conclusiva se
dirige aos “que amam o E u S ou ”. A convocação final para que “louvem
o seu santo nom e”, identifica o salmo com o um hino “de ação de graças”
(v. p. 19). Assim, ele registra o ato divino redentor. A teofania não pode
ser restringida pela inventividade erudita de um ritual anual de entroni-
zação divina.
Contexto
A teofania ocorre no cam po de batalha. D epois da batalha, o salmista
proclama “o E u S o u é Rei” no tem plo de Sião, onde Deus é diretamente
tratado com o “tu” (v. 8,9; v. p. 317, nota 4, p. 320). A vitória é usada pelo
13A ncien t ConquestAccounts: A Study in A n cient N ea r E astern and B iblical Writing, JSOT-
Sup 98 (Sheffield: Sheffield Academic, 1990), p. 209.
14 H. Gunkel; J. Begrich, Introduction to the Psalms: The Genres o f the Religious Lyric o f
Israel, trad. James D. Nogalski (Macon: Mercer University Press, 1998), p. 40.
215
II. Exegese
Sobrescrito
Veja nota 1 e “autor” acima.
Estança 1:A teofania, 1-9
Os versículos 8 e 9 são um dístico indivisível. As palavras principais estru-
turadas em quiasma “exultar” e “alegrar” compõem assim a estança (v. 1,8).
Estrofe A: A teofania e seu significado, 1-6
O s sinônimos “regiões costeiras distantes” (v. 1) e “todos os povos”
(6) e a palavra principal “justiça” (2,6) com põem a estrofe.
1. Introdução aos temas do hino, 1-3
A associação quiástica de “reina” no princípio do versículo 1 e “trono”
no fim do versículo 2 unifica os versículos 1 e 2. Os versículos 2 e 3 são
um dístico (v. abaixo).
a) O Eu Sou é rei e as regiões costeiras distantes são exortadas a se
alegrarem, 1
O E u Sou reina/“é Rei” (v. p. 35). O E u Sou, que hoje deseja ser co-
nhecido por meio de seu Filho (v. p. 16), é o Rei eterno. Ele primeiramente
m anifestou sua realeza na criação quando subjugou o mar (v. SI 93). na
sequência, m anifestou sua realeza nas guerras santas, com o nessa teofa-
nia (v. “Contexto canônico”, abaixo). O s sinais massoréticos conectam
a proclamação o “E u Sou reina” de form a estrita com “exulte a terra”,
reforçando a implicação que o governo do E u Sou é a razão pela qual a
terra se regozija. O restante da estança nos leva passo a passo ao reconhe-
cimento de sua glória. Λ terra provavelmente se refere à terra física, bem
com o a seus habitantes (cf. SI 96.1,1 V). Alegrem-se (v. 96.11; p. 199). Regiões
costeiras distantes, uma tradução literária para “muitas regiões litorâneas”, se
refere às muitas ilhas e litorais das nações que cercam o m ar Mediterrâneo,
sinédoque do m undo conhecido por Israel.
b) Descrição da teofania, 2,3
O dístico é unido pela associação de nuvens escuras (v. 2a) com fogo
(v. 3a), quando Deus apareceu no Sinai com sua lei (Êx 19.16-20; D t 4.11;
5.22; cf. Êx 24.16,18; 34.5). O Legislador divino agora im plem enta a lei.
218
Fogo tam bém representa a presença de Deus, quando ele passou por
entre as partes do animal com o uma tocha acesa (Gn 15.17). Ele se re-
velou a Moisés na sarça em chamas (Ex 3.2) e conduziu Israel em uma
coluna de fogo para lhes dar luz (13.21). Ele batiza com fogo (Mt 3.11) e
o Espírito desceu com o línguas de fogo (At 2.3). E m muitas passagens, ele
usa o fogo com o instrum ento da punição judicial dos ímpios, sempre em
associação com sua ira: fogo e enxofre caíram sobre Sodoma e G om orra
(Gn 19.24); fogo proveio de sua presença e consum iu N adabe e Abiú
(Lv 10.1,2; SI 106.18); seu fogo consumiu os murmuradores (Nm 11.1) eos
soldados de Acazias (2Rs 1.10; cf. SI 11.6; Is 30.30; Jr 21.14; Ez 20.47(21.3];
Am 7.4; M t 3.11; 18.9; H b 10.27). O Senhor Jesus será revelado “do céu
com seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes” (2Ts 1.7; cf.
2Pe 3.7; Ap 8.7,8). Vai [lit. “cam inha”] adiante dele possivelmente conota
que o fogo o serve, quando se afirma que “Davi andou contigo em fi-
delidade” (lR s 3.6, ARA). E devora (cf. D t 33.22; SI 83.14[15]; Is 42.25;
Jó 41.21 [13]; Ml 4.1 [3.19]) é metonim ia de “queimar”. Os inimigos (sãrãyw)
é geralmente a designação de “inimigo, adversário” que, com a exceção
de E ster 7.6, é usado para grupos, não indivíduos. Sua raiz (srr) lida com
o assédio e torm ento engendrado por quem se opõe ao reino do E u Sou.
seu rei ungido e seus súditos, para suplantá-lo com um reino antagônico.
Considerando que o E u S o u é justo, esses adversários são ímpios. Em
suma, o sistema justo de ética exige a eliminação dos ímpios, que, com o
grupo, procuram estabelecer o reino não baseado no caráter e na lei do
E u Sou. A derrota deles é razão para regozijo.
/. Relâmpagos e terremotos, 4
Seus relâmpagos testemunham o envolvimento direto do Criador com
a criação, seu poder e controle sobre a natureza. Além disso, “em muitas
narrativas bíblicas o relâmpago é o instrum ento divino de escolha porque
é rápido, preciso [e] explícito” e causa pânico.19 E m outro contexto, o rei
Davi suplica a Deus: “Envia relâmpagos e dispersa os inimigos; atira as
tuas flechas e faze-os debandar”. (SI 144.6; cf. SI 18.14[15]; 77.17[18]). A
tem pestade é tão intensa e expansiva que os relâmpagos iluminam 0 mundo
(v. SI 93.1). A cena reprisa a travessia do m ar Vermelho: “N o redem oinho,
estrondou o teu trovão, os teus [relâmpagos] iluminaram o m undo; a terra
trem eu e sacudiu-se”. A terra em paralelo com “o m undo” provavelmente
se refere ao que chamaríamos planeta terra. A terra personificada os vê
(uma tem pestade tão intensa) que ela estremece nas convulsões de um ter-
rem oto.20 Se a terra trem eu de terror diante do G uerreiro que cavalga na
tempestade, quanto mais os m ortais tremerão?
18 Leland Ryken; James C. Wilhoit; Tremper Longman III, orgs., D ictionary o f Biblical
Imagery. Downers Grove: IVP Academic, 1998, p. 512.
19 Ryken; Wilhoit; Longman, D ictionary o f Biblical Imagery, p. 513.
20 Traduzido como um perfeito passado definitivo. “Contorcer-se com dor” pode
denotar angústia mental com o testemunho dos juízos divinos (Is 23.5; Ez 30.4;
J1 2.6; Mq 4.10) e/ou contorcendo-se ou tremendo de terror (SI 77.16[17]; 96.9;
114.7; Jr 5.22).
221
b) Significado da teofania, 6
23Honor, Shame, and Guilt: Social-ScientificApproaches to the B ook o f E zekiel, BBRSup 14.
Winona Lake: Eisenbrauns, 2016, p. 103.
24 Hess, Israelite Religions, p. 284.
223
25 Ibid., p. 156.
26 Sermons on the Ten Commandments, Benjamin W. Farley, org. Grand Rapids: Baker,
1980, p. 66.
27 O jogo Banco Imobiliário (Monopoly game) foi criado em 1935 por Charles
Darrow durante a Grande Depressão. (N. do T.)
224
ou, por metonimia, seus habitantes (Is 1.27; 33.5). E m Salmos 97.8, ela se
refere aos adoradores no m onte do templo. O uve omissão do objeto do
relato, a saber, a teofania impressionante. Portanto, a cidade do templo se
alegra (cf. v. 1; 96.11) e isso ocorre em conexão com o ato de ela se gloriar
devido ao E u Sou, com o o versículo 9 dem onstra. Ela se alegrou por seu
Deus ser m aior do que todos os deuses, assim as portas do inferno não
podem prevalecer contra ela. Haverá o fim da tirania e injustiça. A s cidades
deJudá personificam as outras vilas e cidades da tribo régia de Judá, como
as citadas em Miqueias 1.10-16, incluindo a Láquis28 bastante fortifica-
da. Exultam (cf. v. 1; 96.11) é outro sinônim o conectado com o louvor.
Claus W estermann, ao com entar sobre o piei hll (“louvar”), afirma: “Os
muitos verbos paralelos de celebração e alegrar-se (gílrnn, smh) dem onstram
que o louvor a Deus pode acontecer só na alegria [...] Portanto, não se pode
ouvir a convocação para louvar a Deus no Antigo Testam ento sem ouvir
a convocação ampla para a alegria”.29 D e m odo contrário, não se pode
ouvir do tem plo alegria e exultação sem ouvir a convocação associada ao
louvor. A celebração alegre e exultante de Sião e Judá não é nacionalista,
mas p o r causa das tuas sentenças (v. 97.2), que o E u S o u cum priu ao derrotar
seus adversários (cf. v. 3).
b) O Eu Sou é exaltado acima de todos os deuses, 9
Sobre toda a terra reprisa “Soberano de toda a terra” (v. 5b) e seu paralelo
oposto, acima de todos os deuses, reprisa “todos os deuses o adoram ” (7b).
Pois (v. nota 9) expressa a causa mais distinta e enfática que o sinônimo
“por causa de” (v. 8). N a sentença tu, E u S o u , és 0 Altíssimo sobre toda, (elyôn
serve com o adjetivo (cf. D t 26.19), não com o nom e divino (“o Altíssimo”;
cf. SI 91.1; 92.1 [2]). O adjetivo foi escolhido para a expressão Çelyôn ‘al
kol) dentre outros sinônimos, com o mãrôm (v. SI 92.8), para o trocadilho
com o paralelo naaléta cal kol (tu és exaltado [...] acima de todos). O advérbio
escalar “m uito” (v. 92.5[6]; 93.5; 96.4), traduzido com o muito [acima] para
(SI 15.3; cf. 91.10). Stoebe afirma, em conexão com o antônimo “bem ”, isso
significa basicamente “o que causa dano à vida, não o que a beneficia” .32
Vocês que amam designa pessoas com sentimentos de forte desejo pelo E u
Sou que flui das percepções deles e assim vão atrás (Jr 2.25b), procuram
(Pv 8.17), andam atrás (Is 1.23), apegam a (D t 11.22; 30.20; Pv 18.24) e
continuam a ser fiéis ao amado. Elas têm o desejo apaixonado de seguir
o E u Sou. O justo aqui não é definido por virtudes positivas, mas pelo
negativo de rejeitar as atitudes e ação destrutivas. Pois eleprotege (v. 91.11)
as vidas (nps; v. o SI 103.1) dos seus fiéis Qfsidãyw). A raiz hsd tem duas idéias
concom itantes: lealdade à pessoa ou ao grupo e am or a eles. O h״síd é
alguém que é “fiel” a Deus (2Sm 22.26; SI 89.19 [20]) e “devotado” a ele
(SI 86.2); no plural eles são com parados com “aqueles que fizeram um
pacto com igo”. E m outras palavras, o term o é um sinônimo para “aqueles
que amam o E u S01T e assim retornam para as atitudes e ações positivas
dos justos. E os livra (v. SI 91.3) das mãos (v. 95.4) dos ímpios (v. 91.8).
Estrofe B: Exortação para os justos se alegrarem, 11,12
(Gn 32.31) e quando Jesus surgiu dos mortos; i) alegria, bondade,prazer. O pregador
declara: “A luz é agradável, é bom ver o sol” (Ec 11.7); Eliú diz: “Viverei para
desfrutar a luz” (Jó 33.28); Salmo 97.11 designa a “luz” como paralelo de “ale-
gria”; j) salvação: “Dando graças ao Pai, que nos tornou dignos de participar da
herança dos santos no reino da luz. Pois ele nos resgatou do domínio das trevas
e nos transportou para o Reino do seu Filho amado” (Cl 1.12ss.); k)justiça: “A luz
dos justos resplandece espléndidamente, mas a lâmpada dos ímpios apaga-se”
(Pv 13.9; cf. Mt 6.22ss.).
34 The B ook o f Psalms: A Translation with Commentary. New York: Norton, 2007, p. 343.
228
35A Com m entaiy on the B ooks o f Psalms, trad. John O ’Sullivan. Dublin: Aeterna, 2015,
p. 455.
36 Ibid., p. 458-60.
229
Nos sulcos feitos pelo arado da aflição e tentação, Deus lança as se-
mentes da alegria posterior. Cristo, “o Justo”, é o primeiro participante
da colheita de felicidade, tão farta quanto foram as lágrimas, as aflições,
os lamentos — e alegria é sinônimo de “luz”, devido à alegria da luz e
devido ao fluxo de raios do sol, que podem ser emblemáticos dos dons
e bênçãos a serem derramados sobre o Justo e seus membros...
40Ibid., 291-2.
231
dispensação futura que “Ele [Deus] de fato virá nas nuvens do céu, com o
o salmo 97 prevê, mas isso não é agora!”.41 Essa abordagem da Escritura
distorce por inteiro a interpretação bíblica de Darby, talvez mais que qual-
quer outro expositor sério na recepção da hermenêutica. C om o erudito
grego contem porâneo, ele era bem culto, mas sua abordagem ilustra o
tamanha influência do rom antism o nos séculos 19 e 20, e é um exemplo
primordial de com o somos todos influenciados pela cultura prevalente,
com o “um toldo sagrado” de acordo com o sociólogo Peter Berger.42
V. Os modernos existencialistas franceses
C ontrastam com D arby os m odernos eruditos existencialistas e
cristãos franceses com o Paul Beauchamp (1924-2001), que intensifica o
contraste entre “noite e dia” no com entário sobre Salmos43 e A ndré Chou-
raqui (1917-2007), cujo alcance da Palavra Viva de Deus sobre todas as
cosmogonías é um contexto sem horizontes.44 Chouraqui declara: “Como
uma celebração da luz ao am anhecer do dia, assim o salmista celebra no
princípio da criação, a obra de seu Criador”.45Am bos traduzem o salmo 97
com o um hino escatológico que descreve um a antiga teofania com Deus
com o Juiz. A m bos os eruditos interpretam teofanias com o um gênero
prom ovido pelo período pós-exílico e associado às invasões assírias,
persas e posteriores de Israel. O s versículos 7-9 descrevem a alegria de
Israel diante da destruição de ídolos. A última seção (v. 10-12) descreve a
revelação da luz divina, que ilumina a alegria do justo.
A terra é exaltada, com o em Salmos 96.11, porque ela é vista como
uma força viva dos atos criativos de D eus (v. 12). O texto de Salmos 97.2
é uma alusão à epifanía de Moisés na coluna de nuvem (Ex 33.7-11). A
mesma “nuvem ”, que havia guiado Israel pelo deserto ainda, continua
guiar seu povo. Mas com parado a Salmos 18.7-15[8-16] e a Habacu-
que 3.2-15, a epifanía do salmo 97 é mais breve. A mensagem simples do
salmo é suficiente para declarar que Deus é Senhor de toda natureza e,
por extensão, de todos os assuntos da humanidade. O fogo que queim ou
I. Contexto literário
N o salmo 96, as nações foram ordenadas a confessar o E u S o u com o
rei e deste m odo glorificá-lo (96.7-10); no salmo 97, os ídolos das nações o
adoram. O salmo 96 term ina com “exulte a terra” e com a prom essa que
o E u Sou, o rei, vem para julgar o m undo com justiça (13); o salmo 97 co-
meça com “exulte a terra” e relata que o E u S o u v e .m em um a tempestade.
II. Mensagem
Em bora seja um hino, o salmo contém quatro imperativos: a) as nações
devem se alegrar (v. 1); b) os justos devem se alegrar (v. 12). O s últimos
devem também: c) odiar o mal (v. 10a) e d) louvar o santo nom e de Deus
(v. 12b). N a essência, há dois tipos de exortação. Três dos imperativos
fazem parte da liturgia (alegrar-se em louvar o nom e dele”) e um faz parte
da ética (“odeiem o mal”). O restante do hino*apresenta razões para essas
exortações em um núcleo: “o E u S o u é rei”, a ousada proclamação que
abre o salmo. O restante do salmo decifra a proclamação na dramaturgia
233
46 Sinai and Zion: A n E n try into theJewish Bible (New York: HarperCollins, 1987).
47 Hess (Israelite Religions, p. 113) sugere, baseado em um texto de Emar no norte da
Síria (c. 1350 a.C), que Nadabe e Abiú cumpriram um ritual semítico ocidental
em que os sacerdotes usavam uma tocha no final do dia da instalação, quando
encontrariam Deus e viveríam no templo.
234
Então, todo joelho se dobrará e toda língua confessará que Jesus Cristo é
Senhor (Fp 2.10) e D eus esmagará com pletam ente Satanás debaixo dos
pés da igreja (Rm 16.20).
João viu um terceiro advento: “a Cidade Santa, a nova Jerusalém, que
descia do céu, da parte de D eus” . E D eus disse a ele: “E stá feito. E u sou
o Alfa e o Omega, o Princípio e o Fim ” (Ap 21.2,6). O Filho do H om em
encontrará um pregador fiel do salmo 97 quando vier?
9
9 cantem diante do E u Sou, porque ele vem,7 vem julgar a terra; julgará8
o m undo com justiça e os povos, com retidão.
I. Introdução
Autor e data
A o sobescrito “um salmo” do TM , a LX X acrescenta “de Davi”. A
LXX é mais crível à luz dos outros sobrescritos no Livro IV do Saltério
(v. p. 27-9). O salmo 98 apresenta semelhanças notáveis com o salmo 96,
de form a que alguns cogitam: “talvez tenham procedido da mesm a m ão”
(v. “Contexto canônico”, abaixo).9Se o salmo 96 é de Davi (v. p. 189), assim
tam bém é provável que seja o salmo 98. Contudo, muitos comentaristas
datam os dois salmos no período pós-exílico devido às intertextuaüdades
com o Segundo Isaías (Is 40— 66), mas com o A. A. A nderson com enta
com acerto: “Essa similaridade podería ser explicada de várias formas”.10O
salmista se refere ao E u Sou com o “nosso D eus” e, portanto, reconhece a
si mesm o com o m em bro da família de D eus e fala em nom e dela (cf. v. 3).
Forma e retórica
Poesia
O título de gênero “um salmo” significa um poem a sagrado designado
para música (v. p. 40, 126). Com o no salmo 96, o poeta prom ove a per-
sonificação da natureza (v. 8) e a anadiplose (“som de m úsica/ofereçam
música” nos v. 4,5; “com a harpa” no v. 5a, b; e “julgar a terra”/ “ele julgará
o m undo” nos v. 9a, b).
Hino
O salmo 98 apresenta as características de um hino: a convocação para
louvar (v. Ia) seguida da razão para louvar (v. lb-3), a última é introduzida
Sobrescrito
Estança I (Anúncio a Israel): Cantem um novo cântico, 1 3 ־
Estrofe A (Convocações): Cantem um novo cântico ao E u Sou, laCC
Estrofe B (Razão): Sua vitória revelou sua justiça às nações, l a P 3 ־
1. Pequeno resumo: Ele fez coisas maravilhosas, laP
2. Detalhes de sua vitória, lb-3
a. Sua força para salvar, lb
b. Sua vitória revelou sua justiça às nações, 2
b ’. Ele se lem brou de seu am or por Israel, 3a
a’. O s confins da terra testem unharam sua
salvação, 3b
11 H. Gunkel; J. Begrich, Introduction to the Psalms: The Genres o f the Religious Lyric o f
Israel, trad. James D. Nogalski (Macon: Mercer University Press, 1998), p. 22, 25.
12 Ibid., p. 25.
13 Ibid., p. 32.
238
“novo cântico” ocorre 7 vezes no AT (SI 33.3;20 40.3[4]; 96.1; 98.1; 144.9;
149.1; Is 42.10) e 2 vezes no N T (Ap 5.9; 14.3), cada um a delas no con-
texto de guerra santa; e “vitória” (v. 1,2,3) geralmente é considerada com o
uma referência à vitória militar. N a Estança II, “E u Sou, o Rei”, (v. 6b) é
associado à sua atividade guerreira. Louvor musical é dado ao G uerreiro
Divino:
“Simplesmente declarado, enquanto o Guerreiro Divino trava batalha, a
música silencia (Is 24.8ss.) e quando o Guerreiro Divino vence, a música
é executada de novo em um hino de louvor. Isso reflete o costume his-
tórico, pois sabemos que o líder da guerra humana e seu exército eram
saudados por instrumentos musicais e cânticos de vitória no retorno
(ISm 18.6-7; Jz 11.34). De fato, a reação musical à vitória militar era
comum no anügo Oriente M édio”.21
no culto”.25 Essa intencionalidade pode ser inferida por com parar a não
historicidade dos cânticos de vitória do G uerreiro D ivino no saltério com
os cânticos históricos de vitória em Ê xodo 15 e Juizes 5.
II. Exegese
Sobrescrito
Só o salmo 98 não descreve seu sobrescrito, um salmo; portanto, às
vezes, ele é designado o salmo órfão. O título “salmo” é mais apropriado
com o cântico que especifica os instrum entos musicais, que produzem
melodia (v. 4-6); (v. p. 21).
Estança I (Anúncio a Israel): Cantem um novo cântico, 1-3
O pronom e possessivo “nosso D eus” (v. 3) indica que um líder do
tem plo fala à casa de Israel (v. p. 27). A estança elucida “as coisas mara-
vilhosas que o E u Sou fez” em um padrão quiástico, conform e notado
por K onrad Schaefer:26
A. sua vitória (y su a )
B. ele revelou
C. às nações
D. seu amor leal e fidelidade para com a casa d
C’ todos os confins da terra
B’. viram
A’, sua vitória (y su a )
25 Ibid., p. 272.
26 Psalms, Berit Olam (CoUegeviUe: Liturgical), p. 243.
242
I. Novo Testamento
O N T interpreta o salmo 98 com referência ao nascim ento do Senhor
Jesus Cristo. Para a oração noturna, The Book o f Common Prayer [O livro
de oração comum\ interpõe o salmo 98, conhecido com o Cantate Domino
[“Cantem ao Senhor”], no contexto do cum prim ento do NT, entre o
Magnificat, de Maria (Lc 1.46-55), e o Nuncdimittis, de Simeão (Lc 2.29-32).
Maria magnifica o Senhor em parte porque ele dem onstrou força com seu
braço e dispersou os soberbos (Lc 1.51; cf. 98.1) e porque ele se lem brou
de sua misericórdia para com seu servo Israel (Lc 1.54; cf. 98.3). Simeão
está pronto para partir da terra em paz porque seus olhos viram a salvação
que Deus preparou para “as nações” (Lc 2.30ss.; cf. 98.2).
II. Agostinho de Hipona (354-430)
A gostinho interpreta o salmo 98 à luz da encarnação; à luz das coisas
maravilhosas que Cristo fez para curar corpos e almas. As coisas mara-
vilhosas em que o salmista se alegra foram realizadas pela “m ão direita e
pelo braço santo” do E u S o u (v. 1); um eco de Isaías 53.1: “Q uem creu
em nossa mensagem e a quem foi revelado o braço do S e n h o r ? ” Ele in-
terpreta “sua m ão direita” com o o próprio Cristo no ministério redentor,
revelando nossa salvação.39 Q uando o salmista afirma: “Ele se lem brou
de seu am or leal e da sua fidelidade para com a casa de Israel” (v. 3) não
falando a respeito dos judeus, mas sobre quem vê Deus. Todos os confins
da terra, por sua vez, contem plarão a salvação do E u Sou.40
N o versículo 4, o salmista torna o imperativo “aclamem”, que, Agos-
tinho com enta, que fazemos quando nos faltam palavras. N o entanto, a
terra inteira ouve isso.41 Ao inferir sobre a especialidade musical, Agostinho
interpreta os vários instrum entos musicais usados nos versículos 5,6. Ele
os identifica com o instrum entos régios; o tipo que seria usado para uma
coroação.42
Esses instrum entos são ruidosos porque outros reinos da terra ouvem
e se levantam irados. Sim, argumenta o salmo no versículo 7: “Ressoe o
m ar” com o a multidão pode ressoar, de quem podem os esperar perse-
guição. Mas “os m ontes”, com o cristãos notáveis, “saltarão de alegria”
e os “rios”, com o cristãos com uns que beberam “a água viva”, todos se
alegrarão!43 E m contraste, na vinda de Cristo, “os ím pios”, com o Sal-
m os 1.4-6 descreve, serão julgados (v. 9). “Reflitam então”, A gostinho
desafia sua audiência, “que tipo de pessoa você é. Se você se diz cristão,
39 E xposition o f Psalm 9 7 1-2, em: E xpositions on the Psalms, trad. Maria Boulding,
O.S.B. (Hyde Park: New City, 2002), vol. 4, p. 459-60.
40Augustine, E xposition o f Psalm 9 7 3 (Boulding, p. 460-1).
41 Ibid., 4 (Boulding, p. 461).
42 Ibid., 5,6 (Boulding, p. 463-4).
43 Ibid., 7,8 (Boulding, p. 465).
248
então viva a Oração do Senhor, e suplique: *Venha o teu reino, seja feita
a tua vontade’. [...] Corrija-se, para que não orar mais contra si m esm o”.44
III. João Calvino (1509-1564)
João Calvino pertence ao m undo m uito diferente do de A gostinho e
sua formação foi diversa — com o advogado que se engajou na evolução da
disciplina da teologia. Ele talvez tenha se descrito com o um médico diag-
nosticador, pois retratou os salmos “com o a anatomia de todas as partes
da alma”. Sinclair B. Ferguson elogia Calvino da seguinte forma: “Ele tinha
um talento misterioso para perceber o sentido real; uma com binação sem
aprendizado de compreensão, lógica, sensibilidade e iluminação”.45Porém,
com o Agostinho, ele era um hom em muito humilde, e se descrevia apenas
com o “um principiante e aprendiz!”.46 Influenciado sem nenhum a dúvida
por Agostinho, que com preendeu os salmos com o expressão do “corpo de
Cristo”, Calvino era fascinado pela convicção do caráter cristocêntrico da
Bíblia inteira. Ele prega para expor a palavra de Cristo no texto da Bíblia.
João Calvino nota a similaridade desse salmo com o 96, em seu grande
escopo de propagar a glória de D eus em caráter universal. Cantar um novo
cântico ao E u S o u “denota um a extraordinária, não uma com um atribui-
ção de louvor. Pois D eus m anifestou sua salvação de maneira singular e
inacreditável. D eus realizou a salvação com a própria mão direita·, isto é, não
por meios humanos, nem de um a form a ordinária, mas por libertar sua
igreja de maneira sem precedentes”.47 Semelhante a Agostinho, Calvino
foca nos versículos 3 e 4 com o o tem a para a com posição inteira.
E m ambos: o Salmos 98.1 e em Isaías 49.16, Calvino observa, “o braço
do E u Sou ״indica seu poder excepcional, usado em lugares inesperados
de escuridão para dem onstrar sua vitória e justiça a todos os povos da
terra. O salmo, portanto, é descrito com o “um novo cântico”, não com o
qualquer form a ordinária de celebração. N o versículo 2, a “vitória” é
mencionada prim eiro e, mas na ordem inversa, pois ela é “justiça”, que
consiste na causa. D e fato, acrescenta Calvino, “a justiça de Deus, que é a
fonte da vitória, não consiste em ele recom pensar os hom ens de acordo
com as obras, trata-se apenas da ilustração de sua misericórdia, graça e
fidelidade”.48
N o versículo 3, Calvino move o foco para o ato de Deus conceder
glória ao próprio povo, os filhos de Abraão, e exibi-la. “Com o Cristo dis-
se: ‘A salvação é dos judeus’ ” (Jo 4.22). O salmista, portanto, com muito
propriedade observa: “Deus ao redimir o m undo se lembrou cia verdade que
ele havia transm itido a Israel, seu povo, o que sugere que ele não estava
influenciado por nenhum outro motivo senão o de cum prir com fideli-
dade sua prom essa” .49 “Lem brou-se” é usado antitéticamente em relação
ao esquecimento hum ano de Deus, de m odo que as nações antes imersas
em ilusões e superstições agora participariam da promessa.
Calvino não se im porta em descrever os vários instrum entos musicais
nos versículos 5,6, e os interpreta à luz do versículo 4 (“Aclamem o S e n h o r
todos os habitantes da terra!”). Ele sugere que a amplitude e variedade dos
instrum entos musicais são os melhores esforços que a hum anidade pode
fazer para louvar o E u Sou·, mas eles estão aquém, com o as cerimônias
da lei tam bém , de dar a D eus o louvor adequado.50
Com o R obert D avidson nos lembra: “N enhum salmo m etódico e
sucinto revela a essência da adoração genuína. N a adoração o povo de
Deus se junta à criação inteira para celebrar os feitos maravilhosos do Rei
e Criador de tudo”.51 Mas nessa adoração, tam bém nos despertam os para
o futuro revelado pelo NT. A igreja canta para proclamar “Jesus é Senhor”
(IC o 12.3). João Calvino declara nas Institutas que cantar é a form a de
“exercitar a m ente para pensar em Deus e mantê-la atenta” . Cantar per-
mite aos cristãos glorificar a Deus juntos e perm ite que “todos os homens
m utuamente, cada um de sua irm andade, [a] recebam a confissão de fé e
a ser atraído e induzido pelo seu exemplo”.52
Chegam os à conclusão de nossa seção sobre a resposta cristã ao
salmo 98 ao notar que a maioria dos cristãos conhece mesm o de form a
48 Ibid, p. 70.
49 Ibid., p. 71.
50 Ibid, p. 73.
51 The Vitality of Worship: A Commentary on the Book of Psalms. Grand Rapids: Eerd-
mans, 1998, p. 323.
52 Institutes of the Christian Religion, John T. McNeill, org. Louisville: Westminster,
1960, vol. 1,3.20.21.
250
I. Contexto canônico
O s Salmos 93 e 96— 99 todos se referem ao E u S o u com o Rei e são
cânticos de vitória do G uerreiro Divino (v. “Cântico de vitória do Guerrei-
ro D ivino”). O s temas dos salmos 97 e 98 são estruturados em quiasmos,
com o David H oward observa: “O salmo 97 começa com atenção para o
m undo e encerra ao focar em Israel; o salmo 98 começa com um olho para
Israel e term ina por enfatizar o m undo”.53 O s Salmos 98 e 96 ecoam um
ao outro (cf. “ressoe o mar e tudo o que nele existe” em 96.11b e 98.7a).
Am bos são chamados “um novo cântico” nos primeiros versículos; os
dois contam com um a estrutura interna de estanças múltiplas de três
versículos demarcadas pelas formas volicionais. As estanças conclusivas
(96.11-13; 98.7-9), usando jussivos, convocam a criação para se juntar à
celebração e provê a mesm a razão para celebração em versículos conclu-
sivos quase idênticos. Am bos usam os recursos poéticos não tão comuns
de anadiplose e personificação.
Para o contexto do NT, veja “N ovo Testam ento”, acima.
II. Mensagem
A mensagem do salmo 98 consiste em cantar um novo cântico; um
cântico de vitória para celebrar as nobres qualidades e a salvação impres-
sionante provida pelo E u Sou, o Deus de Israel e G uerreiro Divino. O
salmo 98 emana louvor entusiasmado por ele. E m horizontes expansivos
e volume ascendente, o salmista convoca Israel para cantar um novo cân-
tico e aclamar com alegria, as nações para acrescentar acom panham ento
musical e a criação inteira para ressoar com aplauso. Se a convocação dos
serafins uns aos outros, dizendo: “Santo, santo, santo”, fez os umbrais e
entrada do tem plo de Jerusalém trem erem (cf. Is 6.4), pode-se imaginar
que a aclamação de alegria de toda criação e tudo que nela existe sejam
tão altissonantes de m odo a abalar o palácio celestial.
que o louvam em toda a terra. Elas se juntam para o cântico por saberem,
com a m ente e de form a intrínseca, que o D eus de Israel é um G uerreiro
que tem a vontade e o poder para fazer o que é justo, que ele preserva a
fé de quem confia nele e que ele deseja que todos conheçam sua salvação.
Todos os povos hoje, que adoram a Deus por ele ter ressuscitado Jesus
dos m ortos e por fazê-lo se assentar à sua m ão direita, confessam a fé nele
com o Senhor. Assim, por causa da fé, eles reorientan! a vida de acordo
com o governo justo do Filho. D e fato, o salmista retrata os gentios se
tornando um reino de sacerdotes com Israel, com o indica o fato de eles
tocarem instrum entos do templo. N o AT, apenas a tribo sacerdotal de
Levi executava música no tem plo (v. lC r 16.42; 2Cr 5.12). Mas o salmista
convoca as nações a tocar as cornetas santas e até mesmo a trombeta, usada
pelos capitães e sacerdotes de Israel, na guerra e na liturgia (cf. Lv 23.24;
25.9; 2Sm 2.28; Jz 6.34; lR s 1.41).
10
9 Exaltem o E u Sou nosso Deus; prostrem -se, voltados para o seu santo
monte, porque o E u Sou, o nosso Deus, é santo.
I. Introdução
Autor
A LX X e um dos manuscritos de Q um ran (4QPsk) atribui esse salmo,
que proclam a “Deus é Rei” (cf. SI 93; 97; 98) a Davi. N ão há razão para
negar a atribuição (v. p. 27). Sua referência ao trono do querubim (v. 1)
sugere a com posição no período do prim eiro templo, não do segundo
(v. p. 30-1, 96: nota 65).
E m bora o diretor de música não seja m encionado, o hino serve para
a adoração no templo, pois ele m enciona o E u Sou com o “nosso D eus”
(v. 5,9). O líder da música convoca Israel para adorar.
Forma e retórica
Davidic Cipher: Unlocking the Hidden Music of the Psalms [Denver: O utskirts, 2010],
p. 2 3 -5 ,3 1 -3 ).
16 Gunkel; Begrich, Introduction to the Psalms, p. 24.
17 Pace Richard J. Clifford, “Psalm s o f the T em p le”, em: 0>ford Handbook of the
Psalms, W illiam P. Brow n, org. (O xford: O x fo rd U niversity Press, 2014), p. 333.
18 Gunkel; Begrich, Introduction to the Psalms, 40.
19 O s v. 4,6 e 8 são tricólons que co m p õ em duas linhas (v. o form ato d o BHS).
20 F. D elitzsch (Psalms, trad. Francis B olton , Keil and Delitiçsch Commentary on the Old
Testament5 [London: T & T Clark, 1866-1891;reim p.,Peabody: H endrickson, 1996],
p. 631) ou ve três vezes “ele é san to” (v. 3,5,9 — a terceira v ez em tom mais alto”)
“o eco terreno d o triságio d os serafins” (Is 6.3). Mas Kraus ( Theology of the Psalms,
258
Sobrescrito
Estança I: Louve o E u S o u com o rei forte e poderoso, 1-5
Estrofe A: Q ue as nações louvem o E u Sou,
O Rei tem ido acima das nações, 1-3
1. O E u S o u é rei acima de todas as nações, 1,2
a Proclamação: O E u S ou reina; as nações tremem, 1
b. O E u S o u é a única majestade sobre todas
as nações, 2
Estrofe B: Exaltem o E u Sou, o rei poderoso e justo em Jacó, 4,5
1. O E u S o u é poderoso e justo, 4
2. Exaltem o E u Sou. Ele é santo, 5
Sobrescrito
Veja “A utor”, acima.
Estança I: Louvor ao Eu Sou como o rei poderoso e justo, 1-5
O querubim sobre a arca (v. 1) e o estrado embaixo dela (5) são partes
essenciais do trono do rei e assim com põem a estança que proclama o
E u S o u com o Rei. As duas estanças da estrofe, com eçando pela referen-
cia ao E u S o u com o Rei (mãlãk, “reina”, v. 1; melek, “Rei”, v. 4). As duas
estrofes passam da objetivação da fala a respeito de Deus (1-2,4a) para o
direcionam ento da fala a ele (3a,4b); as duas inferem um a conclusão com
formas volitivas (v. 3,5), seguidas pela semelhança de um staccato: “ele é
santo”. As duas estrofes são ligadas de form a excepcional pela conjunção
“e” . As palavras principais “em Sião” (2a) e “em Jacó” (4b) distinguem de
m odo inequívoco Israel e seu D eus das demais nações. A prim eira estrofe
pertence a sua realeza sobre todas as nações e, assim, sugere seu poder
soberano. A conotação prossegue para o atributo estabelecido: “poder
total”. O poder do E u S o u o capacita a exercer justiça (4) em resposta à
oração (6-8). E m suma, o E u S o u & santo; isto quer dizer: o D eus justo e
reto deve ser tem ido e louvado em adoração.
260
Estrofe A: Que as nações louvem o Eu Sou, o rei temido acima delas, 1-3
A proclamação introdutória: “O E u S o u reina” será exposta no res-
tante do salmo e fixa a adoração do E u S o u no templo, onde ele se assenta
entronizado entre os querubins, acima da arca. Q ue “os povos trem em ” e
“a terra se abala” (v. 1) provê evidência visual que ele é “tem ido” e “santo”
(3). A palavra principal “grande” liga os versículos 2 e 3. Sua repetição in-
dica com coerência a superioridade sobre todos os contendores, indicação
certificada pela afirmação: “Ele é exaltado acima de todas as nações”. A
realidade de que ele reina e é exaltado acima de tudo provê o motivo para
o dever de as nações se juntarem a Israel em louvor ao H erói da história
da salvação dela (v. 3) e por que Israel deve exaltá-lo.
1. O Eu Sou é rei sobre todos os povos, 1-2
O dístico (v. 1,2) é ligado por: a) E u S o u inicial; b) a palavra principal
“nações” estruturada com o quiasmo em laCC, intensificada para “todas as
nações” em 2bP; e c) os locais correferenciais “sobre os querubins” (v. lb)
e “em Sião” (v. 2a). O E u S o u exerce o governo universal do m onte Sião,
onde ele se assenta invisivelmente em seu trono querubínico.
a) Proclamação: o Eu Sou reina; as nações tremem, 1
O governo do E u S o u não é derivado e estava em vigor antes da
criação, mas se m anifesta no trem or das nações e no abalo da terra
(v. p. 156), com o aconteceu durante o Êxodo do Egito (Êx 15.15 e a
Conquista de Canaã (Dt 2.25). A parataxe das sentenças no versículo la,
o E u S o u reina (93.1; 97.1) e as nações [das nações estrangeiras] (v. 96.3)
tremem, força a audiência a form ar uma conexão lógica de causa e efeito.
A trepidação das nações é causada pelo governo santo do E u Sou. A mes-
ma sintaxe e significado também se sustentam no versículo lb: Abala-se
(cf. Is 64.3[2]) porque “o seu trono está sobre os querubins” (v. p. 96,
nota 65). A terra *hã^ãres; (v. 96.11; 97.1). E m relação a “trem em ”, rãgaz
significa “trem er fisicamente” e conota trem er de medo. Talvez o desejo
de que as nações se alegrem seja subsequente ao trem or, porém é mais
provável que as emoções contrárias se com plem entem , não contradigam,
com o “exultem com trem or” (SI 2.11). A verdadeira adoração pressupõe
obediência aterrorizante (cf. 2Sm 6). O seu trono visualmente descreve o
governo transcendente do E u Sou. Q uanto aos querubins, D eus falou a
261
24 Ibid., p. 488.
25 H.-P. Stãhl, T L O T , 3:1225, s.v. m m .
26 No Salmo 76, o Deus de Jacó priva as nações de seus poderes, danifica seus
instrumentos de guerra (v. 3 [4]) e só ele deve ser temido (7 [8]); sua ira contra a
humanidade lhe acarreta louvor (10[11]).
27H A L O T (1:433, s.v. y r J Niphal, #2) classifica “nome” como equivalente a I a v é .
28 Bruce Waltke, “The Fear of the Lord”, em: J. I. Packer; I. Wilkinson, orgs., “A live
to God”: E ssays in H onour o f Jam es D . H ouston (Downers Grove: InterVarsity, 1992),
p. 17-33.
263
“grande e temível” com sua justiça. O poeta espera pelo reconhecim ento
universal do reino justo de Deus. A justaposição abrupta de ele ésanto com
a sentença precedente presume, com o no versículo 1, a conexão lógica
de efeito e causa. As nações devem louvar seu nom e porque o E u S ou
deve ser tem ido pelas obras transcendentais e sobrenaturais associadas
ao seu direito (v. SI 93.5). Com o em 96.9, as noções de santidade, tem or e
com portam ento ético são adequadas a seu nom e temível. Zenger declara:
“N ão existe a intenção apenas de enfatizar a transcendência de I avé como
o Totalm ente O utro, mas de enfatizar seu poder régio judicial, isto é, o
estabelecimento da lei e a restauração da lei” (v. o chamado Código de
Santidade em Levítico 17— 2 6).29
Estrofe B: Exaltem o Eu Sou, o rei poderoso e justo em Jacó, 4,5
E m bora os destinatários m udem do E u S o u (v. 4) para as nações (5),
a estrutura do salmo (v. “estrutura” , acima) sugere que os versículos 4,5
conectam a razão para louvar (4) com o m andam ento para adorá-lo (5;
similarmente, 8,9).
1. O Eu Sou é poderoso e justo, 4
Rei poderoso une o reino do E u S o u acima de todas as nações (v. 1-3)
com o reino em Jacó (4,5). A santidade do Rei se manifesta às nações em
seu poder temível; ele se manifesta em Israel em suas leis justas reveladas.
As leis se originam na essência de seu ser. Os seres humanos experimentam
os dois aspectos de sua santidade quando se prostram humildes diante do
estrado de seus pés. Rei é o epíteto metafórico do E u Sou, não um título
de um rei hum ano, nesse salmo que proclama o E u S o u com o Rei.30 Por
parataxe, o poeta liga o poderoso amoral (4a0c) de m odo estrito à justiça
moral (43β). Blaise Pascal escreveu: “Justiça sem poder é inútil; poder
sem justiça é tirânico [...] Ao ser incapaz de fazer o que é consistente-
m ente justo, fazemos o que é justo consistentem ente”.31Am igo (v. 97.10)
da justiça (v. 97.2) expressa o forte desejo de D eus de libertar o oprim ido
e punir o opressor (olho por olho e dente por dente) e assim, mediante a
com pensação precisa, de restaurar a ordem m oral conform ada com sua
natureza e leis. O enfático “tu” sinaliza o retorno para adorar o E u S ou
32 Quando o conquistador toma seus inimigos estrados, ele descreve seu poder e
autoridade absolutos sobre eles (cf. Js 10.24; lRs 5.3). No estrado de Tutancâ-
mon há representações de cativos estrangeiros, prostrados, com as mãos atrás
das costas, simbolicamente descrevendo os inimigos do faraó como presos e sob
seus pés. A figura conota o desprezo e julgamento do conquistador e a vergonha
e humilhação das vítimas.
265
levitas se envolve no ensino da Torá (Dt 31.9ss.; 2Cr 17.8ss.; Ez 44.23; Ag 2.1 lss.;
Ml 2.7). Estritamente relacionado ao ensino é sua função na jurisprudência. Nas
ações judiciais, o sacerdote se juntava ao juiz para chegar a uma decisão (Dt 17.8-
13; 21.5). O sumo sacerdote, trazendo os nomes das doze tribos em seu peitoral,
representa a nação inteira diante de Deus.
35 Samuel é outro herói fundamental na história da salvação. Após a geração funda-
dora de Israel, a nação se tornou cada vez mais tenebrosa em sentido espiritual e
político na era das trevas dos invasores (Jz 2). No tempo de Sansão, uma geração
antes de Samuel, a tribo régia de Judá repreendeu Sansão por não reconhecer que
os filisteus os dominava (Jz 15.11).
36 Q ãra denota amplamente “atrair a atenção de alguém com o som da voz para
estabelecer contato” (v. SI 91.15) e a afirmação “clamar pelo E u S o u ״, como
Labuschagne ÇTLO T, 3:1163, s.v. q r ) nota, “louvar, agradecer, lamentar, clamar,
clamarp o r ajuda (itálico meu)tem conotações variadas”.
267
48 E xpositions o f Psalm 9 8 1, trad. Maria Boulding (Hyde Park: New City, 2002), vol. 4,
p. 466.
49 Ibid.
50 Ibid., 4 (Boulding, p. 470).
51 Ibid., 6 (Boulding, p. 473).
270
52 Ibid.
53 Ibid., 8 (Boulding, p. 474-5).
54 Ibid., 9 (Boulding, p. 477).
55 Ibid., 10 (Boulding, p. 477-81).
271
59A Commentary on the B ooks o f Psalms, trad. John O ’Sullivan. Dublin: Aeterna, 2015,
p. 468.
60A n E ssay on Psalmody (London: s.n., 1775), p. iii-iv.
61 Ibid., p. 7-8.
62 Ibid., p. 22-3.
63 Ibid., p. 24-5.
64 Ibid., p. 27.
273
65 Ibid., p. 30-1.
66 Ibid., p. 30-60.
67 Ibid., p. 60.
68 Ibid., p. 85.
69 Ibid., p. 170.
274
II.
O Senhor que em sua igreja habita é exaltado e grandioso, ele excele
acima de todos e ele está no alto.
III.
O poder principesco de nosso grande rei ama o juízo e o direito; tu
justamente governas tudo com justiça e poder.
IV.
Louvem o nosso Deus, e honra a ele demonstrem. E aos pés dele,
adorem-no, ele que é santo e verdadeiro.70
70 Ibid., p. 170-1.
275
acima de todo nom e, para que ao nom e de Jesus se dobre todo joelho, no
céu, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é
o Senhor, para a gloria de Deus Pai” (Fp 2.9-11).
Nosso Deus é santo
A proclamação de abertura do salmo “o E u S o u reina” (v. 1) é desta-
cada pela repetição tríplice “ele é santo” (v. 3,5,9). “Esse salmo”, afirma
A. Maclaren: “A preende o principio eterno central dessa norm a, a saber, a
santidade. O m esm o pensam ento foi referido em outros salmos [e.g., 97.12;
98.1], mas aqui ele é o único tem a do louvor”.71 O triságio, declara Weiser:
“Afina o hino inteiro a um a nota principal uniform e, para a qual os vários
pensam entos retornam continuam ente” .72 A santidade se refere ao poder
num inoso de D eus (v. 1-3) e à sua perfeição m oral (4,5). O s discípulos
vivenciaram o terror santo quando Jesus acalmou a furiosa tem pestade
(Mc 4.39-41), o equivalente do abalo da terra na batalha (v. 1). A resposta
de Pedro, quando viu Cristo orquestrar o milagre da pesca, captura a união
do poder aterrorizante de Cristo e sua pureza: “Prostrou-se aos pés de
Jesus e disse: Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um hom em pecador’ ”
(Lc 5.4-11). Paradoxalmente, os gentios e a criação reagem ao seu reino
santo com alegria (97.1) e com trem or (99.1). Am bos são aspectos da
adoração (SI 2.11). Cristo reina de acordo com as estipulações da aliança
(v. 7; cf. M t 5— 6), não de acordo com a “justiça social” injusta. Ele res-
ponde às orações de seu povo; ele não cria leis opressivas, que renegam
a liberdade humana.
Deus responde à oração
Deus evidencia sua justiça ao responder às orações de quem lhe cia-
mam com fé e que pela fé obedece à sua lei. “H á um a relação de desejo e
doação entre o lavé santo e nós”, afirma Maclaren.73 Os heróis veneráveis
de oração, Moisés e Samuel, clamaram o nom e de Deus, I avé (“E u S o c f ’,
v. p. 15-8). Hoje, a igreja clama o nom e do Senhor Jesus Cristo. Eles ora-
ram por perdão e para serem vingados. A igreja ora hoje por perdão para
ela e para outros, sabendo que ela será vingada no juízo final (Ap 6.9-11).
71 The Psalms, Expositor’s Bible. New York: George H. Doran, n.d., vol. 3, p. 72.
72 The Psalms, p. 641.
73 The Psalms, 75.
276
74 Ibid., p. 76.
75Weiser, The Psalms, p. 644.
76 Psalms, Berit Olam. Collegeville: Liturgical, 2001, p. 245.
Salmo 100: Jubilate Deo
I. Introdução
Sobrescrito
Estança I, 1-3
Estrofe A: Convocação para louvar (decisão), 1,2
Estrofe B: Causa p ara/conteúdo do louvor (razão), 3
Estança II, 4,5
Estrofe A: Convocação para louvar (decisão), 4
Estrofe B: Causa para/conteúdo do louvor (razão), 5
A. Aclamem o E u S o u
B. Prestem culto ao E u S ou
C. Entrem (bõ'u) na sua presença
X. Reconheçam
C’. Entrem (bõ'ü) em seus átrios
B’. D eem -lhe graças
A’. Bendigam o seu nom e
Beat Weber nota que o salmo começa com o espaço universal (“todos os
habitantes da terra”, v. 1) e term ina com o tem po eterno (“p o r todas as
gerações”, v. 5), form ando um tipo de inclusão.6
II. Exegese
Sobrescrito
O autor anônim o se inclui no “nós” (i.e., Israel) do versículo 3. Este
salmo tem similaridades notáveis com o salmo 95. O s dois salmos de
louvor começam com a convocação para “aclamar” de alegria, usando os
dois term os rua e rima. N as duas liturgias, os adoradores são convocados
a que “venham /entrem ” (95.6a; 100.2a,4a) e am bos dizem que o E u S ou
nos fez (95.6a-7; 100.3).7 U m salmo é um cántico sagrado designado para
música (v. 92.1; p. 40). N este salmo, as nações (“todos os habitantes da
terra”, v. 1) confessam que o E u S o u é D eus e que ele pastoreia Israel.
Provavelmente, o salmo serve com o um libreto para um sacrifício de ação
de graças (v. p. 19). Assim, os gentios, reconhecidos com o puros, tom am
parte ao com er o sacrifício de ação de graças com Israel enquanto anun-
ciam as obras maravilhosas de Deus (cf. SI 107.21,22). O sacrifício era
m uito estimado no judaísmo posterior: “N o futuro, todos os sacrifícios
cessarão, mas o sacrifício de ação de graças não cessará”.8 O sacrifício
de ações de graças continua na igreja, com posta p o r alguns judeus e pela
maioria de gentios: “Por meio de Jesus, portanto, ofereçamos continua-
m ente a Deus um sacrifício de louvor, que é fruto de lábios que confessam
o seu nom e” (Hb 13.15).
Estança 1,1-3
9 David Daube, The E xo d u s Pattern in the Bible, All Souls Studies. London: Faber and
Faber, 1963.
10Ruprecht, TLOT, 3:1274, s.v. smh. Essa “exuberância dionisíaca” é encontrada
em casamentos (Ct 3.11; Jr 7.34,25.10), na colheita das uvas (Is 9.3[2], 16.10), na
recepção dos vitoriosos (ISm 18.6), na coroação do rei (ISm 11.15; 1Rs 1.40,45)
e nos dias santos (Nm 10.10).
11 A. S. van der Woude, TLOT, 2:1012, s.v. pàmm.
12Artur Weiser, The Psalms, OTL (Philadelphia: Westminster, 1962), ρ. 647.
13Walter Brueggemann, “Psalm 100”, In t 39 (1985): 66.
14 Com a adição de h u , o tema é expressamente resumido e, portanto, enfatizado
(GKC, 141g).
282
tureza divina e seu poder eterno (Rm 1.20) em contraste com os mortais.
N a confissão ousada de Israel ao mundo, ek nosfe% O “ele” é enfático e
“nos” (como sempre no hinário de Israel) se refere aos filhos de Israel.
“Fez” se refere à produção da nação através de seu fundador, Moisés.
Somos 0 seu povo, ou seja, sua família a quem ele adotou com o seus filhos
(Ex 4.22,23; Rm 9.4). D ejure, Israel é seu povo; defacto, a nação desfruta
os benefícios dessa relação condicionada à obediência à aliança. E rebanho
do seupastoreio (v. SI 95.7a).
23 K. D. Sakenfeld, The M eaning o f hesed in the H ebrew Bible, Harvard Semitic Museum
17. Missoula: Scholars, 1978, p. 233.
24 TLOT, 2:853, s.v. 'olãm.
286
você, m inha alma, com o única dentre todas? Quais são as coisas que você
está contem plando? E quem você é, que contempla? Q uem é ele que fez
as coisas que você contem pla e você que as contempla? Q uem é ele?”.27
Assim, Agostinho nos exorta a “nos aproxim armos de D eus por re-
cuperar sua semelhança” . Ele escreve: “Pense a respeito dele, então, antes
que você fale dele e pare para pensar sobre ele, se aproxime dele [...] para
obter um a boa com preensão” .28 Isso requer de nós pureza de coração,
com o Jesus ensinou nas bem-aventuranças. “Sejam com o ele, portanto, em
terna submissão e amem-no com sua capacidade de pensamento, porque a
realidade invisível de D eus é contem plada por meio das coisas criadas”.29
Os cristãos devem “servir ao Senhor com alegria” porque há liber-
dade em servir a D eus com espontaneidade e alegria.30 “N o entanto, não
escape dos semelhantes incôm odos”, assim, precisamos da exortação de
Paulo para “suportar uns aos outros com am or” (E f 4.2).31 Com o ove-
lhas do Criador e Redentor, jamais podem os ser orgulhosos, mas sempre
repletos de gratidão. C om o “portas” são símbolos de um a nova entrada,
assim somos convidados a com eçar uma nova vida com confissão, de fato
confessando com hinos, pois “hinos são cânticos de louvor”.32A gostinho
conclui: “Jamais pense que vocês se cansarão de louvá-lo. Seus cânticos de
louvor são com o comer: quanto mais vocês louvarem, mais força vocês
adquirem e mais agradável ele se torna com quem está louvando” .33
II. Roberto Belarmino (1542-1621)
R oberto Belarmino tem sido nosso com entarista sacramental neste
volume e mais um a vez ele nos revigora com seu espírito. Ele começa o
com entário sobre o salmo 100 ao dizer:
“Cantar com alegria significa, como repetimos muitas vezes, louvar com
voz altissonante e alegre e prestar culto com alegria significa ser obedien-
te por causa do amor e não do tem or [...] Todos, vocês adoradores do
34A Commentary on the B ooks o f Psalms, trad. John O ’Sullivan (Dublin: Aeterna, 2015),
p. 467.
35 Ibid.
36 Ibid., p. 468.
37 Ibid.
289
I.
Todos os povos que na terra habitam,
Cantem ao Senhor com alegria,
Sirvam-no com tem or, seu louvor anuncia,
Venham diante dele e se alegrem.
II.
Sabeis que o Senhor é D eus de fato,
Sem nossa ajuda ele nos fez,
Somos seu rebanho, ele nos apascenta.
III.
E ntrem por suas portas com louvor,
Aproximem -se de seus átrios com alegria,
Louvem, agradeçam e bendigam sempre o seu nome;
Pois assim é próprio.
IV.
Porque o Senhor, o nosso Deus, é bom ,
Sua misericórdia é certo que é eterna;
Sua verdade em todos os tem pos é leal,
E perm anecerá de geração em geração.38
I. Contexto literário
O s salmos 95 e o 100 form am uma estrutura em torno dos salmos 96-
99 (v. p. 25-6, 285).
II. Mensagem
O salmista convoca toda a terra para com parecer diante do E u S o u
em seu tem plo e para lhe trazer um sacrifício: um a oferta de ação de gra-
ças, enquanto canta com entusiasmo seu louvor. Hoje, os descendentes
naturais de A braão e dos gentios são um povo, e atendem a essas convo-
cações de um m odo novo. Brueggem ann reflete com utilidade: “Q uando
a com unidade louva, ela se subm ete e reordena a vida. Isto não é apenas
4 Texto incerto. A LXX registra ten epithym ian sou , não 'edyek do TM (“tuas joias”).
Alguns revisam o hebraico para cõdèk 1 (cf. “minha condnuidade”, SI 104.33).
5 Ou “porque”.
293
I. Introdução
Autor
O TM e o sobrescrito da LX X identificam o rei Davi com o autor
(v. p. 27-9) e não há razão para pensar o contrário.6 O salmo apresenta
muitas intertextualidades com os profetas, mas não é claro quem está
citando qual.7
Gênero
O salmo 103 é um hino. Ele fala de “todas as bênçãos do E u Sou״
(v. 2ss.) e sua perspectiva é universal, não apenas olha em retrospecto para
uma resposta histórica à oração (v. nota 2). O salmo contém os temas
típicos do hino: convocação para louvar, causa para louvar e convocação
renovada para louvar (v. p. 237, nota 11). O contexto original é o culto
de adoração, presumivelmente na bem designada casa do E u Sou, onde a
história da salvação era relembrada. O E u S o u e scuta o salmista anunciar
a círculos expansivos (v. 1-6,7-19,20-22) no louvor do salmista a ele e o
E u S o u está satisfeito (v. p. 24).
Retórica
C om o é com um e provavelmente intencional, os 22 versículos do
salmista correspondem ao núm ero das letras do alfabeto hebraico. Uma
inclusão, “Bendiga ao E u S o u a m inha alma” (v. 1,22), com põe o salmo.
Por essas duas restrições, o poeta sente a catarse de ter expressado seu
entusiasmo sem limites e de m odo total. Ele amplia o círculo do louvor
6 Alguns depreciam o sobrescrito da LXX porque o raro sufixo sg. f. êkí (v. nota 4;
GKC, 91e) corresponde ao sufixo aramaico. Mas os aramaísmos não provam a
data antiga (IB H S.’ §§1.4.1e, 1.4.2c). Mitchell Dahood (Psalm sII, A B 17 [New York:
Doubleday, 1968], p. 24) pensa que a forma pode ser um arcaísmo cananeu (c.
1300 a.C.).
7 Herman Gunkel (H. Gunkel; J. Begrich, Introduction to the Psalms: The Genres o f the
Religious L yric o f Israel, trad. James D. Nogalski [Macon: Mercer University Press,
1998]) se contradiz. Por um lado, ele afirma que o v. 9a se baseia em Jeremias 3.5,12;
que o v. 9b se baseia em Isaías 57.6; e que os v. 15ss. baseiam-se em Isaías 40.6ss.
(p. 290). Por outro lado, ele afirma que o Segundo Isaías cita o Salmo 103 (p. 221).
Uma ambiguidade similar de dependencia existe entre o v. 16b e Jó 7.7.
294
de si m esm o (v. 1-5) passando por Israel (6-19) até todo o resto (20-22),
form ando três estanças. A primeira estança consiste na convocação para
louvar (v. 1-2) e na causa do louvor (3-5); a segunda consiste só na causa,
e a terceira apenas na convocação. O versículo 19 é um a transição que
prossegue para a segunda estança e a terceira. Proclam ado a Israel, ele
pertence à segunda estança. Mas suas referências ao trono de Deus no
céu — correspondendo à hoste (celestial) nos versículos 20,21 e à inclusão
“dom ina” (mãsãlâ, v. 19) e “dom ínio” {memsãlâ, v. 22), am bos os term os da
raiz hebraica trisl — o conecta com a terceira estança.
Aqui está um esboço da estrutura de acordo com sua form a, semân-
tica, gramática e retórica:
Sobrescrito
Estança I: Proclamação a si mesmo, 1-5
Estrofe A: Convocação para louvar, 1,2
Estrofe B: Causa para louvar: libertação da sepultura, 3-5
1. Perdão e cura, 3
2. Resgate e honra, 4
3. Fartura de bens e rejuvenescimento, 5
Estança II: Proclamação a Israel, 6-19
Estrofe A: A justiça do E u Sou, 6
Estrofe B: O am or e a misericórdia infalíveis do E u Sou, 7-18
1. Com referência ao pecado, 7-12
a. Confissão da misericórdia e am or infalíveis
do E u Sou, 7,8
b. A ira do E u S o u tem limites, 9,10
c. O am or do E u S o u não tem limites, 11,12
2. Com referência ao tempo, 13-18
a. A compaixão do E u S o u por mortais, 13,14
b. A brevidade dos mortais, 15,16
c. O am or do E u S o u é eterno, 17,18
Estrofe C: A soberania do E u Sou, 19
Estança III: Proclamação a tudo, 20-22
Estrofe A: Aos anjos que cum prem sua vontade, 20,21
Estrofe B: A tudo, 22a
Estrofe C: A si mesm o, 22b.
295
II. Exegese
Sobrescrito
D e D a v i (v. “A utor”, acima).
1. Perdão e cura, 3
O perdão é o único term o não figurado que significa “parar de sentir
ira em relação a um ofensor e abster-se de puni-lo”. O E u S o u é sempre
o sujeito, pois só o Legislador pode perdoar a transgressão da lei (cf.
SI 51.4[6]; Mc 2.7). Confessar o perdão divino pressupõe arrependim ento
e fé na graça de Deus. O term o pecados (v. SI 90.8), em sentido amplo, inclui
transgressões religiosas e /o u éticas e tam bém a culpa resultante.11 Cura
com o objeto direto doenças se refere aos males físicos.112 Todos abrange pe-
cados e cura do passado, presente e futuro (cf. v. 11,12). Ao estabelecer o
paralelo entre “perdoa todos os seus pecados” e “cura todas as suas doen-
ças” indica-se a existência de doenças decorrentes do pecado (v. SI 6; 38;
130; cf. 32.1-5); sua cura é indicada no perdão. Mas nem todas as doenças
se devem ao pecado (cf. Jó e os salmos de protesto; e.g., Salmos 44.22).
Além disso, em bora o perdão seja imediato, a cura pode não ser imediata.
A cura de todas as doenças contem pla além da m orte clínica no eschaton
(cf. Is 33.24). A lógica do salmo exige essa interpretação escatológica.
Todos os mortais m orrem por conta de uma form a de doença ou outra
(15,16) e, desse modo, a cura de todas as doenças deve ir além das doenças
terminais.13 Um santo ao m orrer de câncer terminal afirmou: “N ão há
enferm idade que uma boa ressurreição não possa curar!”.
2. Resgate e honra, 4
Resgata se refere à ação do protetor legal do m em bro da família afli-
to, sob o controle do oponente mais forte (cf. SI 19.14[15]; Pv 23.10ss.;
Jr 50.34): por exemplo, ao resgatar um m em bro da família da escravidão.
O Deus vivo se obriga a resgatar os m em bros de sua família do pecado
e da m orte. O N T aprofunda m uito essa doutrina (Rm 3.22-26). Vida
se refere à existência vital e funcional. D a significa separação. Sepultura
denota um buraco grande o suficiente para um a pessoa ou um animal
não poder escapar dele: um a armadilha (Ez 19.4; SI 7.15[16]; 35.7), uma
m asm orra (Is 51.14) ou, com o aqui, um a m etáfora de S eol/a Sepultura
(SI 30.9; Jó 33.24,28). Se o poeta tivesse intencionado a salvação da m orte
prematura, poderia ter expressado a noção com clareza (v. nota 3). E m
sentido figurado, coroa significa colocar no honrado um a coroa tecida
com a bondade do E u S o u (v. SI 100.5) e compaixão. “Compaixão” denota
os anseios ternos do superior ao inferior indefeso, com o a mãe sente pelo
bebê (cf. G n 43.30; lR s 3.26). O sentido pode ser evocado da etimologia:
“ventre”.
3. Fartura de bens e rejuvenescimento, 5
Enche significa chegar à medida com pleta da capacidade de algo. O
salmista confiante não desejaria uma existência imoral e o D eus santo o
enche de bens (lit. “bom ”, tóí>: algo benéfico e perfeito [v. SI 100.5], não coisas
más — algo prejudicial à vida abundante). O provérbio “O s alimentos
foram feitos para o estôm ago e o estôm ago para os alimentos” (IC o 6.13)
sugere que D eus cria a fome e a satisfaz; criar a fome sem nenhum a pro-
visão para saciá-la seria diabólico. Existência (v. nota 4) presum e existência
justa. C om o Juan Ponce de León, que afirma ter procurado pela fonte da
juventude, todos desejam a juventude que se renova como a águia. 14 A águia
talvez tenha sido escolhida por ser a “mais forte das aves, a mais destemida,
a mais majestosa e a mais altaneira”1415 (cf. Is 40.31). Além disso, ela tem a
expectativa de vida mais longa que outras aves (c. de 30 anos com parados
com a média de 2 a 5 anos). Aves adultas m udam as penas urna vez por
ano, “renovando” a aparência delas.
Estança II: Proclamação a Israel, 6-19
16 Isso pode ser por causa da balança desonesta (Os 12.7,8[8,9]), por meio do sis-
tema judicial (v. Mq 2.2; 6.9-12: 7.1) ou pela retenção do salário de um homem
contratado, pobre, que necessita dele antes do pôr do sol (Dt 24.15).
17A forma pl. pode significar filhos de ambos os sexos (Haag, T D O T , 2:150, s.v.
bêri).
18 O credo ocorre em Êxodo 34.6; Salmos 86.15; 103.8; 145.8; Joel 2.13; Jonas 4.2;
Neemias 9.17.
300
16 Q ue se vai quando. Sopra rem em ora quando Deus passou pelo Egito
com a m orte (Êx 12.12-23). O vento conota a adversidade imprevisível e
22Bruce K. Waltke, Proverbs 1— 15, NICOT (Grand Rapids: Eerdmans, 2004), p. 100s.
23 Robin C. Cover, “Sin, Sinners (OT)”, A B D 6:32.
24 Davi teve pena de seus filhos devido a um erro: Amnom (2Sm 13.2-19), Absalão
(2Sm 18.5-33) e Adonias (lRs 1.6).
25 E Delitzsch, Psalms, trad. Francis Bolton, Keil and Delitsych Commentary on the Old
Testament 5 (London: T&T Clark, 1866-1891; reimp., Peabody: Hendrickson, 1996),
p. 648.
302
18 Com os queguardam (v. 99.7; cf. Êx 34.11). Λ sua aliança alude aos D ez
M andamentos, acom odados na arca sagrada (cf. Ê x 34.28; D t 10.1-5).2627 O
sentido preciso de preceitos (piqqüdim) é incerto devido às 3 ocorrências
partilharem o mesm o contexto.
Estrofe C: A soberania do Eu Sou, 19
Estabeleceu (v. 93.1) significa aqui “fixar em uma base firm e”.28 O seu
trono (SI 93.2) simboliza “a autoridade, poder, majestade e esplendor do
rei”29 com o guerreiro, adm inistrador da justiça e edificador (v. p. 18). N o s
céus denota “o domínio inalterável acima da elevação e queda das coisas
embaixo”.30 E como rei se refere ao reino universal do E u Sou, não ao seu
reino particular, Israel.31
humano (cf. D n 4.3). Nesse reino, o Soberano até distribui às nações suas deidades
(Dt 4.19; 29.26) e estabelece todas as autoridades governamentais (Rm 13.1). Nesse
particular, o reino do E u S o u exerce sua vontade através dos seres humanos, que
se sujeitam a seu domínio. O salmo não tenta resolver o mistério da responsabi-
lidade humana incorporada em sua soberania.
32 Ryken; Wilhoit; Longman, D ictionary o f Biblical Imagery, p. 869.
33A. D. Crown, “Tidings and Instructions: How News Traveled in the Ancient Near
East”, / E 5 / / 0 17 (1974): 244-71, esp. 254-66; v. A. D. Crown, “Messengers and
Scribes”, V T (1974): 366-70.
34A palavra hebraica para “poderoso” foi aplicada a Ninrode (Gn 10.8), a Golias
(ISm 17.51), aos três soldados valentes de Davi (2Sm 23.9), ao rei (SI 45.3[4]), ao
Messias (Is 9.5) e a Deus (Dt 10.17; SI 24.8; Is 20.21).
304
I. Introdução
Semelhante aos salmos 1 e 2, este é um dos salmos fundamentais de
todo o saltério, um dos grandes hinos de louvor. A postura do salmo 103
é a postura de todos os grandes pais da igreja, de A gostinho de H ipona
a M artinho Lutero, João Calvino e Roberto Belarmino. É uma falha da
erudição liberal hoje não ter “emoções cristãs” despertadas pelo salmo 103,
pois ela descreve apenas a postura física, o “louvor da garganta” e ou-
tras descrições cognitivas. A postura criadora do salmo, ao dem onstrar
que fom os criados para ser a imago D e i — “louvor diante de D eus” — é
ignorada. Entretanto, as gerações anteriores de comentaristas viram nele,
35 Ryken; Wilhoit; Longman, D ictionary o f Biblical Imagery, p. 372.
36 N. Walker, “The Renderings of R ãsôn”,J B L 81 (1962): 184.
305
37 E xposition o f Psalm 102, em: E xpositions o f the Psalms, trad. Maria Boulding (Hyde
Park: New City, 1990), vol. 5, p. 78, n. 1.
38 Ibid., 1 (Boulding, p. 78).
306
Que sua alma bendiga o Senhor de form a sábia, que vocês não se esqueçam
de todas as formas em que ele os retribuiu” .43
Cristo, o curador onipotente
O salmo cita as formas que Deus nos retribuiu. O pecado é com o urna
doença que deteriora tudo. Ele a cura por meio do perdão. Isso parece uma
doença, mas é um complexo de doenças. Temos “carne fraca”, suscetível a
e golpeada por muitas tentações. “‘[Essas doenças] são formidáveis’, você
afirma; mas o médico é mais formidável. U m doutor onipotente nunca
é confrontado por um a doença incurável. Tudo que você deve fazer é se
perm itir ser curado”.44 O salmista nos garante, o E u S o u “resgatará sua
vida da corrupção”, depois que ele tiver “curado todas as suas doenças”.
Ele, que nos ama, não nos curará totalm ente?45
O Eu Sou coroa você para a vitória que ele conquistou em você!
Sendo compassivo, o E u S o u nos coroa com sua piedade e misericórdia
(v. 8). “Fom os derrotados em nós mesmos, mas vitoriosos nele”. Esses
são alguns dos paradoxos a respeito de Deus! O apóstolo podería admitir:
“Trabalhei mais do que todos eles; contudo, não eu, mas a graça de Deus
com igo” (IC o 15.10); “Term inei a corrida, guardei a fé” (2Tm 4.7). “N ão
há espaço para orgulho”, apenas o louvor incessante devido à bondade
excessiva de Deus. “D eus fez todas as coisas excessivamente boas na cria-
ção [...] N os faltam palavras para expressar o quanto ele é bom , portanto,
aclamamos com alegria, para expressar inarticuladamente o quanto ele é
bom ”.46
Sendo renovados como a uma águia
N o m undo de Agostinho, havia um m ito que ao envelhecer a águia,
seu bico crescia em excesso, im pedindo-a de comer. Para evitar isso, a
águia quebrava o bico para renovar a vida. A gostinho usa essa ilustração
para expressar que os cristãos m orrem em Cristo enquanto ainda vivos,
capacitando-os a viver à luz da ressurreição.47 U m jovem casal me disse
pouco tem po atrás que o casam ento deles estava “m orto” . Para espanto
deles, respondí: “Q ue maravilhoso, agora vocês podem contrair um novo
casamento ‘em Cristo’ E é isso que aconteceu. O casam ento deles foi
“renovado com o a águia!” .
Agostinho comenta que apenas o Deus trino pode “satisfazer nosso
anseio por boas coisas”, pois sua paternidade não é paternidade humana que
pode ser deficiente. Ela é divina. N em ele dorme sem ouvir nossos clamores.
Expressando desejo humano, Filipe perguntou a Jesus: “Mostra-nos o Pai,
e isso nos basta” . Mas Jesus lhe disse que aqueles que o tinham visto ha-
viam visto o Pai e que o Espírito Santo tam bém comunicaria o Pai a nós
0o 14.8,9,26). Agostinho, que havia escrito um tratado profundo sobre
a santíssima Trindade, na velhice, agora confessa: “Tenho alguma noção
sobre a Trindade. Mas é com o olhar para um reflexo confuso no espelho.
[...] Mas quando ficarei satisfeito?” .48
Exija justiça apenas se nada houver em você que mereça punição
O Deus que pratica misericórdia em profusão nos ordena a am armos
nossos inimigos. Agostinho responde à reação natural da audiência: “Como
posso fazer isso?” . Primeiro, ele diz, certifique-se de não ser o ofensor por
culpá-lo. Segundo, como no incidente da mulher adúltera, certifique-se de não
ser adúltero tam bém em seus pensam entos 0 o 8.7). Terceiro, lembre-se de
que a misericórdia de D eus é para todos, até mesm o para os corvos, que
por sua vez alimentaram Elias. Quarto, com preenda que D eus concede
bênçãos a quem vive de m odo imoral, portanto, se o seu inimigo tiver
fome, dê-lhe de com er (Rm 12.20). Ele acrescenta: “N ão perm ita que
seus instintos de compaixão perm aneçam dorm entes [...] afinal temos
dois nomes: ser hum ano e pecador”.49
Portanto, quem quer que dê um copo de água em nom e de Jesus age
com o Jesus agiría (Mt 10.41,42). A vida cristã consiste em dem onstrar
misericórdia, praticar misericórdia e ser misericordioso, porque tudo que
podem os expressar a respeito de Deus é compaixão.
O propósito misterioso de Deus ao conceder a lei
“A lei”, afirma Agostinho, “foi concedida para que a enferm idade do
paciente pudesse ser diagnosticada e para que ele pudesse im plorar a ajuda
a palavra de nosso D eus perm anece para sem pre” (Is 40.6-8). “O vento
soprará sobre eles — na ruína e destruição — e nem se sabe mais o lugar
que ocupava”, com o de fato podem os testem unhar nos sítios arqueológi-
cos no O riente Médio hoje. Mas A gostinho admira: “Toda carne é apenas
relva, no entanto, a Palavra se fez carne” (Jo 1.14).55 Evidentem ente não
há espaço para o orgulho humano.
Na justiça absoluta de Deus, o amor cumpre a lei
A justiça redentora de D eus é para os filhos dos filhos. Aqui, Agos-
tinho interpreta “filhos” com o ações humanas e as recom pensas dessas
ações são “os filhos dos filhos”. Por “m em ória” — isto é, a observância
contínua — guardamos sua aliança, não se preocupando sobre cum prir
“todas as leis”. O fato essencial é praticar o am or constante. “O objetivo
da instrução é o am or procedente do coração puro, da boa consciência e
da fé sincera” (lT m 1.5). O versículo 19 conclui a estança ao declarar que
ele, que desceu e ascendeu agora, é o soberano Senhor de todos e será
soberano para sempre.56
Louvor angélico
O salmo 103 estende a esfera do governo de Deus ao interior do nosso
próprio coração e sobre Israel para ser sobre o cosm o inteiro, a saber, os
anjos, arcanjos e toda a habitação de Deus. O ministério angélico consiste
em obedecer à palavra de Deus, cumpri-la e cum prir totalm ente a vontade
divina. “Todas as suas obras” louvam seu D eus Criador, o Soberano de
todos. N ão há local onde não exista sua presença e onde sua vontade não
seja feita. Ele abençoa em caráter universal.57
Por fim, com o alfa e ômega, o último versículo term ina com o o pri-
meiro versículo começou: “Bendiga ao E u S o u a minha alma!”.58
III. João Calvino (1509-1564)
Jean Cadier, um biógrafo de João Calvino, chamou o reform ador suíço
de “The M an God M astered’ [O hom em preparado por Deus].59 Calvino
60Burk Parsons, “The H um ility o f C alvin’s Calvinism”, em: John Calvin, A H eart fo r
Devotion, Doctrine, & Doxology (Orlando: Reformation Trust, 2008), p. 8.
61 Institutes o f the C hristian Religion, John T. McNeill, org. (Louisville: Westminster,
1960), vol. 1,2.2.11 [edição em português: A s instituías da religião cristã (São Paulo:
Unesp, 2008)].
62 Citado por Burk Parsons, “The Humility o f Calvin’s Calvinism”, p. 11-2.
312
63 Veja Leon Morris, introdução de The Benefit o f Christ: h ivin g Justified Because o f
C hrist’s D eath, }a m es M. Houston, org. (Pordand: Multnomah, 1984).
64 Studies in the Book o f Psalms. Philadelphia: J. B. Lippincott & Co., 1866, p. 913.
65 Studies in the B ook o f Psalms, p. 913.
66Ibid.,p. 919.
313
67 Ibid.
314
I. Contexto canônico
Os editores do saltério anexaram esse hino ao salmo 102 de lamento
porque am bos refletem sobre a mortalidade humana, com o a relva que
seca (102.4[5]; 103.15) em contraste com o ser eterno de D eus e sua mi-
sericórdia (cf. 102.11-13[12-14],24-28[25-29]; 103.15-19). Mas de outras
formas eles são tão diferentes um do outro com o a coruja do deserto
(102.6,7) é da águia que voa (103.5). O salmo 103 introduz um grupo de
salmos associados ao louvor (SI 104— 107). Ele term ina com o tema da
soberania de D eus sobre sua criação e o salmo 104 introduz da mesma
form a e prossegue esse tema.
Talvez, a cura particular de Davi de um a doença term inal tenha pro-
vocado esse cântico de louvor, mas ele não é um cântico de ação de graças
para celebrar a libertação histórica individual (v. p. 19). Ao contrário, é um
hino de louvor a Deus por todas as suas bênçãos, incluindo a vida eterna
concedida aos santos fiéis e à nação fiel. Ele é m uito adequada ao Livro
IV do Saltério, o livro que responde ao exílio que aconteceu devido ao
pecado de Israel (v. p. 28-9). E m sua angústia, Israel encontra esperança em
seu rei eterno e celestial (cf. v. 17ss.) e encontra coragem em sua história,
a com eçar p o r Moisés (cf. v. 7). A o se lem brar e louvar o perdão, a eter-
nidade e o am or leal de D eus neste cântico de reflexão, Israel acrescenta
substância à fé, ardor à virtude e convicção à confissão e é encorajada à
fidelidade na provação.
II. Mensagem
O salmo 103 reflete sobre o perdão divino e o louva por isso (v. 3a) e
pelas bênçãos sublimes, além do que poderiamos pedir ou pensar (E f 3.20).
E m cada estança, o poeta descreve a imensidade dessas bênçãos, concluin-
do com a vida eterna do salmista (sua juventude é renovada com o a da
águia, v. 5) e de Israel (o am or leal a seu povo perm anece por gerações,
v. 17). Essas bênçãos se devem aos caminhos do E u S o u revelados a Moi-
sés: misericórdia, graça, paciência e, em especial, seu am or leal (v. 7,8). Elas
decorrem por inteiro de sua graça, não do m érito de Israel (v. 10). O foco
no perdão pode ser visto pelo fato de o poeta não ignorar a autorrevelação
315
I. Introdução
Autor
O salmo 104 é anônim o no TM , mas “de Davi” nos textos da X X e
de Q um ran (v. p. 27-9). O autor adora o E u Sou. Duas vezes ele o chama
“meu D eus” (v. 1,33). A paleta do poeta é colorida com metáforas, símiles,
metonimias; todos os tipos de figura de retórica. O olho dele encontra
os detalhes convincentes. O jum ento selvagem sacia a sede no lago; os
pássaros cantam quando se aninham na folhagem; o leão ruge à noite; o
texugo da rocha se esconde no penhasco inacessível.
Alguns eruditos conectam o salmo ao Grande hino a A to n , que é atri-
buido ao faraó A quenáton (1352-1336 a.G). Mas o A ton, o disco solar,
governa som ente o dia, não a noite “quando a terra está em trevas com o
se na m orte”.15
Forma
O autor identifica seu poem a com o um hino de meditação cantado
com acom panham ento musical. A anáfora virtual “quem ” (e.g., v. 3) se-
guida pelas sublimidades do E u S o u n o s fascina no louvor entusiástico ao
Criador e Sustentador de todas as coisas. Ele usa o verbo no passado só
em relação a Deus com o o Criador, a saber: a criação da terra (v. 5,24aP),
a manipulação do Dilúvio (6-9), a criação da lua e das trevas (v. 19,20).
Mas ele prossegue com o verbo no presente em relação a D eus com o
Sustentador. E m contraste com a maioria dos hinos, ele foca quase que
de m odo exclusivo no ato divino da criação, não na história da salvação,
em bora ele conclua a meditação com a oração: “Sejam os pecadores eli-
minados da terra”. Eles só a corrom pem .
Típico dos hinos, convocações para louvar (v. la,35b) com põem as
razões para louvar (lb-30). A inclusão “Bendiga ao E u S o u a m inha alma”
ocorre apenas em 103.1,22 e 104.1,35. E m vez de com eçar o salmo com
decisões (e.g, “eu cantarei” ou “eu tocarei”) o salmista as inclui só na
15 C O S Í :44-6.
321
Sobrescrito
Estança I (Introdução): Convocação para a alma bendizer o E u Sou, la
Estança II (Corpo): Causa para louvar, lb-32
Estrofe A: O E u S o u ê grandioso nos céus, lb -4
1. O E u S o u é grandioso e vestido de esplendor
majestoso, lb,2
2. Ele construiu seu templo celestial nas águas celestiais
e cavalga nas nuvens, 3,4
Estrofe B: A supremacia do E u S o u sobre a terra, 5-9
1. Ele estabeleceu firm emente a terra, 5
2. Ele rem oveu o abismo e fixou o mar, 6-9
Estrofe C: O dom do E u S o u das águas que sustentam
a vida, 10-18
1. D a água embaixo, 10-12
a. O E u S o u cria as nascentes, 10
b. O s animais e pássaros que dependem das
fontes de água, 11,12
16 H. Gunkel, J. Begrich, Introduction to the Psalms: The Genres o f the Religious Lyric o f
Israel, trad. James D. Nogalski (Macon: Mercer University Press, 1998), p. 26.
Gunkel, cujas citações são geralmente exaustivas, cita o Salmo 104 como o único
exemplo dessa inversão (p. 28).
17 Gunkel; Begrich, Introduction to the Psalms, p. 33.
322
18Luz (v. 2a, dia 1); “firmamento” (v. 2b-4; dia 2); distintos terra e água (v. 5-13);
vegetação e árvores (v. 14-18; dia 3); sol e lua como conservadores do tempo
(v. 19-24; dia 4); criaturas marinhas (v. 25,26; dia 5); animais terrestres e homem
(v. 21-24; dia 6); provisão de alimento para todos (v. 27-30; Gn 1.28,29).
323
Sobrescrito
D e Davi (v. nota 1 e “A utor”, acima).
Estança I (Introdução): Convocação para que a alma bendiga ao
Eu Sou, la
Bendiga ao E u S ou a minha alma! (v. 103.1).
1. Vestido em esplendor, Ib p
Sua magnífica vestidura o diferencia. E stás vestido (v. 93.1) é metáfora
da luz e da abóbada celeste, e majestade e esplendor (v. 96.6) são metonimias
de sua vestidura. Q uando os mortais falam da esfera divina, há necessa-
riamente a condição “com o se” .
//. Envolto de luz, 2a
Envolto de lu% como numa veste (salmâ, i.e., a roupa essencial de um a pes-
soa, túnica; cf. Êx 22.26; D t 24.12ss.). Intertextualidades com Gênesis 1
identificam a luz com o a luz física do prim eiro dia da criação. A luz conota
muitas bênçãos: ordem (superação do caos), vida, salvação, segurança,
alegria, bondade, prazer e justiça (SI 97.11; cf. SI 36.9). Por esta razão, no
m onte da Transfiguração, a face do Senhor Jesus brilhava com o o sol e suas
roupas se tornaram brancas ofuscantes, brilhantes com o o lampejo de um
relâmpago (Mt 17.1-8; Mc 9.2-8; Lc 9.28-36). O s apóstolos o com param
com a “luz” que vem ao m undo (Jo 1.4,5; 2Co 4.6).
iii. Ele estende os céus, 2b
A abóbada da terra é agora descrita com o uma cortina no topo da
tenda. E le estende os céus (v. G n 1.7) significa que ele estende o firm amento
(uma abóbada evidente durante o dia, cravejado de estrelas à noite) de um
horizonte a outro (cf. Is 40.22). Com o um a tenda se refere a um a cortina
de tenda (v. nota 3).
2. Ele construiu seu templo celestial nas águas celestiais e cavalga
nas nuvens, 3,4
Diante (i.e., “devido a”, “por motivo de”) das tuas ameaças. Os 15 usos
de “ameaças” sempre ocorrem na poesia e se referem a um protesto
com indignação moral.28 A s águas (lit. “elas”) fugiram para se retirarem
ii. Os pássaros, 12
As águas tam bém proveem o habitat para pássaros. E entre os galhos é
metonim ia de alimento e proteção. Põem-se a cantar testifica sua vida de-
senvolvida.
2. Da água em cima, 13-15
A palavra-chave sãbac (= “sacia-se”, v. 13; “bem regada” , v. 16,
v. nota 7) distingue as unidades (v. 13-15,16-18). “M ontes” (13,18) cons-
tituem uma inclusão em torno das duas unidades.
a) O Eu Sou provê a água do céu, 13
Água que produz vida — chuva, orvalho ou neve — é descrita com o
vindo dos seus aposentos celestes do tem plo celestial do E u Sou (v. 3). E le rega
(cf. v. 11) destaca uma nova unidade (cf. v. 10). N enhum a distinção pode
ser feita em hebraico entre montes e colinas. Sacia-se (v. 103.5, ARA) a terra
{ha ares, term o que aparece tam bém nos v. 5,14) com 0 fruto das tuas obras
330
(v. 90.17; 92.5; 103.22) se refere a ele pôr sobre as águas dos céus as vigas
dos seus aposentos (v. 3). “F ruto” (provavelmente um a m etáfora morta)
é com um ente em pregado para designar os resultados de um a ação.30
“M onte/colinas” e “terra” podem ser merisma de todos os solos aráveis.
b) Vegetação para a humanidade cultivar, 14,15
O s versículos 14 e 15 são um a sentença: um a oração principal (“é ele
que faz crescer [...] as plantas que o hom em cultiva”, v. 14a), seguida por
duas orações: uma oração subordinada adverbial final e outra subordinada
adjetiva explicativa (v. 14b,15). A primeira (“para tirar o alimento: o vi-
nho”, v. 14b,15a) é interrom pida pela segunda oração subordinada adjetiva
explicativa (“o azeite, que faz brilhar o rosto”) para associar vinho e óleo
com a colheita de outono. E m qualquer caso, “até o alim ento” em lb P
está em um paralelo quiástico com “para da terra tirar o alimento” em
14b e os dois exemplos de “o coração do hom em ” estão com o paralelos
em 15a(X e 15bp.
à criação da humanidade (“e tam bém não havia hom em para cultivar o
solo”, G n 2.5), quanto à comissão de cultivar e cuidar da terra (2.15) e
quanto a repetição desta comissão na conclusão (3.23).34 Para da terra tirar
0 alimento (lehem) se refere a todos os tipos de alimento, animal e vegetal
(cf. lC r 12.40[41]).
15 A terra se refere ao solo (cf. v. 13). O vinho, que alegra (sãméah; v. 96.11;
97.1) 0 coração (v. SI 95.10; 97.11) do homem Çenos; v. 103.15) dem onstra que
o Criador e Sustentador deseja que a hum anidade desfrute a vida e que
não seja viciada em trabalho. O aceite, que f a £ brilhar 0 rosto expande essa
noção. “E m um clima onde a pele seca era um problem a [...] a unção com
óleo era um alívio”.35
3. O habitat protetor para pássaros e animais vulneráveis, 16-18
A unidade realça o crescimento das árvores plantadas diretamente
pelo E u Sou, não pela humanidade, provendo um lugar para pássaros
se aninharem (v. 16,17) e a noção de segurança prossegue para o monte,
cuja altura protege os bodes e cujos penhascos protegem os coelhos (18).
a) Árvores para os pássaros, 16,17
16 Considerando que o poeta em outro contexto se move das genera-
lizações para o específico (e.g., v. 11 ) ,a s árvores do E u S o u provavelmente
se referem a todas as árvores não plantadas e cultivadas pela humanidade
e os cedros do Líbano (v. 92.12) especifica a árvore mais im ponente. Assim,
ele plantou, m esm o que em sentido gramatical restrinja os “cedros”,
provavelmente infere as outras árvores também. E m síntese, elas todas
são “árvores do E u Sou ” porque ele as plantou e elas são bem regadas
(v. nota 7) por ele.
chamada devido ao com portam ento reputado gentil e leal com o macho
e seus filhotes.36
b) Os montes e penhascos para os bodes e coelhos, 18
Os vulneráveis coelhos, ou texugos da rocha, sabem com o habitar
com segurança (v. nota 9). O habitat dos montes elevados e penhascos no
rochedo do m ar M orto pode ser um merisma para representar todos os
habitats protetores.
36 G. R. Driver, “Birds in the O T”, P E Q 8 7 (1955): 5-20, esp. 17; Jack R. Lundbom,
Jeremiah 1— 2 0, AB 21A (New York: Doubleday, 1999), p. 510.
37 Ryken; Wilhoit; Longman, D ictionary o f B iblical Imagery, p. 565.
333
38 Ibid, p. 594.
391. Cornelius, N ID O T T E , 2.492, s.v. y a a r .
40 Ryken: Wilhoit; Longman, D ictionary o f B iblical Imagery, p. 514.
41 Ibid, p. 30.
42 Artur Weiser, The Psalms, OTL (Philadelphia: Westminster, 1962), p. 597.
334
carne (SI 78.18,30). O term o tam bém é em pregado para designar a presa
de águias (Jó 9.26; 39.29) e corvos (Jó 38.41). Ele é utilizado apenas aqui
em relação aos animais selvagens. O salmista, não o leão, sabe que o animal
procura seu alimento de Deus.
3. O día para o homem trabalhar, 22,23
dás (cf. v. 27) é descrito no paralelo abres a tua mão. Deus os alimenta com o
os seres hum anos alimentam seus animais de estimação. E eles 0 recolhem
retarda a ação, descrevendo os animais pegando o alimento pedaço por
pedaço. “Recolhem” é aplicado a um m onte de pedras para fazer uma pi-
lha (G n 31.46) e ao pão que chovia do céu (Ex 16.4). E saàam -se (y is E ü m ;
cf. v. 13,16) dem onstra que D eus os supre com mais que o necessário. A
macieira não se reproduz com uma maçã, mas com centenas (v. a “Con-
clusão”, abaixo). E m acréscimo à grande quantidade, sua qualidade é
indicada pela m etonim ia boas (v. 100.5).
2. O fôlego deles, 29,30
A palavra-chave “fôlego” conecta os versículos 29 e 30 em um a
quadra. Agora, a relação estreita entre o E u S o u e suas criaturas pode ser
vista na associação do “fôlego deles” com o “seu [de Deus] fôlego” . A
sintaxe condicional dos dois versículos ressalta ainda mais a relação estrei-
ta. O versículo 29 realça a remoção do fôlego e a m orte das criaturas; o
versículo 30 enfatiza o ato de dar-lhes fôlego e assim cria cada um, com o
havia feito no princípio da vida, nos dias quinto e sexto, da narrativa da
criação do Gênesis.
a) Retira-lhes o fôlego e eles morrem, 29
O tricólon, com o um telescópio, lentam ente revela a realidade difícil
da m orte das criaturas. C onform e “escondes o rosto” para “retiras o
fôlego” para “m orrem ” (i.e., o ato de morrer) para “voltam ao p ó ” (i.e.,
o sepultamento). Quando escondes 0 rosto significa o fim da relação. A. S.
van der Woude comenta: “Declarações em que o ‘rosto de D eus’ aparece
com o objeto da ação concerne à doação de sua graça ou doação da vida
ou olhar desastroso” . 45 “Escondes o rosto” significa a retirada de Deus de
sua presença e proteção benevolente. G. Wehmeier comenta: “Exatamente
com o virar a face em direção a alguém representa cordialidade e favor,
virar a face em sentido contrário ou ocultar o rosto expressa desprazer”.46
Ele acrescenta: “Deus esconde a face da pessoa com o expressão de ira.
Expressões que correspondem e contrastam com o verbo pãriim da raiz
str do Hifil [‘escondes a face5] torna esse conceito especialmente claro”
45 T L O T , 2:1006, pãnim .
46 T L O T , 2:815, s.v. str Hiphil.
338
que a atividade divina traz à existência algo novo, que (como tal) não
existia antes. [...] Portanto, por si mesmo, o verbo não descreve a criação
e x nihilo, mas se refere com precisão ao que outros sistemas de pensa-
mento [...] procuram garantir por meio da discussão da criação e x nihilo·.
Deus cria de forma extraordinária, soberana, sem esforço, inteiramente
livre e sem obstáculos” .53
E renovas significa criar outra vez com o algo novo, em contraste com o que
é antigo ou anterior e /o u ainda não existente (v. SI 103.5). A face da terra se
refere à superfície54da terra produtiva m arrom avermelhada (húmus) que
produz e sustenta a vegetação, a base das criaturas com o fôlego de vida.
Estrofe G (transição): Oração para que a glória e alegria do Eu Sou
perdurem para sempre (31,32)
A estrofe final, uma quadra, term ina com petições pela glória e alegria
do E u Sou. O verbo volitivo prossegue para as orações conclusivas para
que a meditação seja aprazível a Deus e que os pecadores sejam eliminados
da terra. A quadra consiste em duas petições (v. 31) e um a caracterização
da temida soberania do E u Sou, com o verificada nos terrem otos e vulcões
(v.32).
1. Oração pela glória e alegria do Eu Sou, 31
O versículo 31a se refere à glória eterna do E u S o u e 31b à sua alegria
em suas obras. Os paralelos sugerem que a glória do E u S o u com preende
a metonimia de suas obras — isto é, suas criaturas — e que “para sem pre”
é om itido em 31b. Perdure expressa um a oração, não só o desejo. Para
sempre (93.2) pressupõe que D eus continua a renovar a terra po r meio da
recriação perpétua de inumeráveis e várias espécies (30). Λ glória do E u
S o u denota um aspecto substantivo — suas propriedades reais — e sua
ação ou disposição relativas às tuas obras (v. 24), com as quais ele renova
a terra (30). Israel deveria declarar essa glória às nações (SI 96.3). Alegre-se
0 E u S o u (v. SI 96.11; 100.2) significa “que ele possa dançar de alegria a
53 T L O T , 1:255, s.v. b r \
54A. S. van der Woude, T L O T , 2:1002, s.v. parnim .
340
mar (v. 26), o E u S o u dança no céu com ele. E m seusfeitos se refere a tudo
que foi produzido por suas obras criativas, incluindo o predador e a pre-
sa, os animais selvagens e as planícies e as florestas (v. 13,24) e variedade
infinita de criaturas marinhas, incluindo o dragão.
2. O soberano pode desfazer a criação por um olhar ou um toque, 32
Com o a quadra precedente associou a administração do E u S o u de
m orte (29) e vida (30), assim a oração associa a alegria do E u S o u à sua
ira. Ambas lhe conferem glória. O trem or da terra (v. 32a) e os m ontes
fumegantes (32b) ocorrem ao mesmo tempo, quando o E u S o u desceu ao
m onte Sinai em chamas: “D ele subia fumaça com o que de um a fornalha;
todo o m onte tremia violentam ente” (Êx 19.18). Mas aqui simplesmente
ele olha (direciona seus olhos em) e os toca com suas mãos (cf. v. 28), de tão
íntima a relação com eles. Mas nesse m om ento, a terra trem e diante do fu-
rioso G uerreiro em face da perspectiva do juízo divino (Jz 5.4; ISm 14.15;
SI 18.7; 29.8; 77.18; 97.4). Terrem otos e fogo simbolizam a ira do poder e
santidade de Deus; eles são armas da guerra santa (Is 13.13; 29.6). Os montes
(cf. v. 6,10), em bora antigos e firmes, agora fumegam com o consequência
de seu toque furioso (cf. SI 144.5,6).
A oração serve com o transição para a petição conclusiva. Ela olha
em retrospecto para a essência do hino — a causa para louvor — para
celebrar as obras do E u S o u (v. 31) e caracteriza sua grandiosidade com
um a oração subordinada substantiva subjetiva (“ele...”). Ela olha para
frente ao alterar o presente do indicativo para o verbo volitivo e mudar o
anúncio para a audiência imaginada, não para Deus.
Estança III. Conclusão
A conclusão do hino consiste em um a fórm ula de contribuição
(v. 33,34), um a petição para que os pecadores sejam eliminados da terra
(35a) e convocações renovadas para louvar (35b).
Estrofe A: Fórmula de contribuição, 33,34
Gunkel chama essa palavra final uma “fórmula de contribuição”, com
a qual o cantor expõe a composição diante do trono de Deus, orando
seja-lhe agradável (v. a nota 15) a minha meditação.55 Sua esperança é expressa
em suas decisões: E u (não “deverei”) cantarei (v. SI 96.1) ao E u S o u toda a
minha vida (v. 33a) e pois no E u S ou (v. 34b) tenho alegria (cf. v. 31). Louvarei
(enfático) [...] enquanto eu viver significa que ele tocará um instrum ento
musical para produzir a melodia que acom panha seu cântico sagrado
(SI 33.2; 98.5a; 144.9; 147.7; v. p. 40,126,193). Ele oferece seu cântico ao
meu Deus (v. 100.3).
1. A si mesmo, 35ba
Bendiga ao E u S o u a minha alma (cf. v. 1).
2. A outros, 35bβ
Aleluia (“louvem ao E u S o if ’) denota a interação interpessoal em que
alguém emite o julgamento favorável sobre a pessoa do E u Sou, expressa
em público a admiração deles pelo E u S o u &pede aos mem bros da audiên-
cia (a form a é plural) para se unirem a fim de prestar honra ao E u Sou.
Mas até o início do século 17, o Zeitgeist de Tudor ainda era influencia-
do pela astrologia. E m um excelente ensaio sobre o assunto, C. S. Lewis
observa: “Jamais devemos nos perm itir pensar da astrologia com o algo
que pertenceu ao lado rom ântico ou onírico, ou quase místico da m ente
[...] A astrologia foi um assunto obstinado, sério, anti-idealista; o credo
dos hom ens que desejavam o universo sem a admissão de incertezas”.57
Exatam ente com o hoje resistimos ao princípio do determinismo, procu-
rando pelo livre-arbítrio, tam bém o fizeram os cristãos do princípio da
era m oderna. Portanto, isso foi uma transição fácil para as descobertas da
astronom ia no século 17, que conferiram mais clareza ao determinismo,
para dar proeminência ao tema da providência divina agindo de acordo
com o livre-arbítrio. N essa época, o salmo 104 com eçou a ser interpretado
com o a celebração desse tem a teológico.
N o início dessa mudança, os puritanos na Inglaterra, com o M atthew
Henry, abordaram o tema (1662-1714), em bora fossem vozes posteriores,
com o a de William Swan Plum er (1802-1880), que tam bém abordou o
tema.
I. Matthew Henry (1662-1714)
M atthew H enry foi um com entarista influente. Ele era de opinião
que a mesm a m ão que com pôs o salmo 103 com pôs o salmo 104, como
perspectivas côncava e convexa. Ele o divide em sete temas: a) o esplendor
da majestade divina na esfera celestial superior (v. 1-4); b) a criação do
mar e da terra (v. 5-9); c) a provisão do Criador “para a manutenção de
todas as suas criaturas de acordo com a natureza delas” (v. 10-18,27,28);
d) o “curso regular do sol e da lua” (v. 19-24); e) o “equipam ento para o
mar” (v. 25,26); f) “o poder soberano de D eus sobre todas as criaturas”
(v. 29-32); e g) “uma agradável e firme resolução de continuar louvando
a D eus” (v. 33-35).58
N o com entário que se segue, H enry começa por dizer que qualquer
culto de adoração inicia com a convocação “para nos despertar para
nos apossarm os de D eus” na adoração (Is 64.7). Com todas as nossas
faculdades, clamamos: “Bendiga ao E u S o u a m inha alma! [...] Tu és tão
59 Ibid., p. 627-8.
60 Ibid., 628.
61 Ibid, 629.
62 Ibid, 630.
63 Ibid.
344
31. Se a mente humana não fosse tão inebriada pela culpa e envolvida nas
trevas, jamais havería dúvida a respeito das verdades da religião natural;
elas são declaradas e publicadas de modo mais que suficiente em todas
as obras de Deus.
32. Sem dúvida este salmo é aplicado de forma adequada ao reino me-
diatário de Cristo, não apenas pelo apóstolo em Hebreus 1, mas por
homens piedosos daí em diante. Ele fez o mundo que lhe pertence. Ele
fez os anjos e os anjos são dele. Ele fez a natureza inteira e a natureza
inteira lhe obedece. Quando na terra, os ventos e as ondas ouviram sua
voz se aquietaram. Ele é o Senhor de todos.66
64 Ibid., 632.
65 Studies in the Book o f Psalms (Philadelphia: J. B. Lippincott & Co., 1866), p. 920-1.
66 Ibid., 930.
345
Entretanto, os fiéis percebem que cada gema é vista por D eus e cada
flor é cheirada por D eus e isso faz toda diferença.
D o tem plo celestial, o Soberano cavalga nas nuvens tempestuosas
com o Guerreiro. Com o Construtor, ele lança os fundam entos da terra.
Com o Governador, ele puniu a terra um a vez com o Dilúvio, mas não
o fará de novo (v. 6-9). N a graça, ele não apenas dom inou os mares e os
forçou a se estabelecerem em um lugar, ele os transform a em nascentes
para frutificar a terra (10-12) e ele acrescenta a chuva do céu para susten-
tar a vegetação que provê alimento para a inumerável e aparentem ente
infinita variedade de criaturas. Ele assim o faz com a generosidade que
impressiona a imaginação (13-15). A grande quantidade de semente fértil
desde a criação torna a palavra “grandioso” m uito insignificante. Ao mes-
mo tempo, o Soberano provê lugares seguros de refúgio para a cegonha
típica e o bode m ontanhês (16-18).
Ele faz o tem po e lugar para tudo. A lua marca as noites, quando o
leão é senhor; e o sol provê o dia claro, no qual o hom em é senhor (v. 19-
22). Mas o E u S o u é Senhor de todos. O hom em antigo temia o mar; o
dragão simbolizava sua ira. Mas para o E u Sou, o dragão é um pato de
borracha flutuante em um a banheira.
O Soberano transcende a criação; no entanto, ele se encontra imánente
nela. Ele está intim am ente envolvido com cada criatura e com todas elas.
Ele pessoalm ente sopra seu fôlego e cria cada uma e a alimenta com o que
com as próprias mãos, da mesm a form a que as pessoas alimentam seus
bichinhos de estimação. Ele está voltado de form a dinâmica, não distante,
das criaturas. N o centro do universo há alegria de viver. O E u S o u se alegra
em seus feitos e o salmista se alegra nele. O E u S ou provê a humanidade
com mais que água e pão proveniente da colheita de primavera; ele acres-
centa o vinho e azeite da colheita de outono para sua saúde e bem-estar.
Com o o dragão brinca no vasto mar, o E u S o u dança no céu.
Contudo, não se deve presumir o domínio do conhecim ento absoluto
de Deus. O salmo começa com o estrondo do trovão e com os relâmpa
gos e term ina com a oração para que os pecadores sejam eliminados da
terra e que os ímpios não mais existam. A cena de encerram ento da causa
para louvar descreve o E u S o u olhando para a terra, e ela treme; ele toca
o montes e eles fumegam. O E u S o u que dá fôlego ao “p ó ” também, em
sua ira, o retira e as criaturas voltam ao pó.
Aqui há o D eus digno de que a alma o bendiga e as pessoas aclamem:
“Aleluia!”.
Glossário
Acadiano: Uma extinta língua semítica que era escrita em cuneiforme e falada na
antiga Mesopotâmia desde o terceiro milênio a.C. até sua substituição
pelo aramaico como a língua franca em meados do primeiro milênio a.C.
Anábase: Uma figura para um escrito, fala ou discurso que ascende passo a passo,
cada um com uma intensificação da ênfase ou sentido.
Anadiplose: Uma forma de repetição em que a última palavra de um período ou sen-
tença é repetida como a primeira palavra do período seguinte ou sentença.
Anáfora: Um recurso literário em que uma palavra ou frase é repetida no começo
de períodos sucessivos e/ou funções.
Antifonia: Canto alternado ou responsivo por um coral em duas divisões.
Apódose: O período principal de uma sentença condicional. Por exemplo, “eles
virão” é a apódose de “se você o construir, eles virão”.
Assonância: Estritamente falando, a repetição do som ou vogal em sílabas tônicas
sem rima próximas o bastante para ser reconhecíveis. Como usada nesta
obra, ela também inclui a repetição de consoantes próximas o bastante
para ser reconhecíveis.
Bicólon: As duas metades de um cólon.
Catábase: Uma figura de um escrito ou discurso que desce passo a passo, cada um
com uma redução de ênfase ou sentido.
Chaoskampf: Um mito do conflito cósmico entre deidades da natureza.
Cólon: Uma linha da poesia hebraica; geralmente equivalente a um verso.
Crítica da forma: Um método que busca através do verbo, gramática e temas
classificar unidades da Escritura em categorias literárias. Normalmente,
ela então tenta traçar cada tipo ao seu período de transmissão oral; mas
essa extensão não é pretendida aqui.
Crítica retórica: Um estudo de como um autor comunica sentido através de vários
recursos literários que não sejam a gramática, como a estrutura de uma
composição literária.
Dístico: Dois versos unidos filológicamente e/ou semánticamente.
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