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Este excelente trabalho escrito por Blaising e Bock apresenta um forte caso para
refinamentos significativos que existem no dispensacionalismo progressivo.
Também provê uma esplêndida sequência para Dispensationalism, Israel and the
Church, editado pelos mesmos autores. Recomendo fortemente.
Kenneth J. Barker, Diretor Executivo, NIV Translation Center
Com seu último trabalho, Blaising e Bock produziram um tour de force, uma
declaração clara e sem ambiguidade do pensamento de um grande segmento em
crescimento no dispensacionalismo contemporâneo. Independentemente de
cristãos de outras tradições (até mesmo companheiros dispensacionalistas)
aceitarem ou não as premissas e conclusões teológicas desta obra em cada um de
seus aspectos, já não há mais qualquer dúvida quanto ao que é o
dispensacionalismo progressivo e como os dois de seus principais proponentes
argumentam seu caso.
Eugene H. Merrill, Professor de Estudos no Antigo Testamento,
Dallas Theological Studies
As citações bíblicas foram retiradas da Almeida Revista e Atualizada (ARA), da Sociedade Bíblica do Brasil,
salvo indicação contrária.
Citações bíblicas com a indicação (BKJ) foram retiradas da Bíblia King James Fiel 1611.
Citações bíblicas com a indicação (NVI) foram retiradas da Nova Versão Internacional
Todas as ênfases nas citações bíblicas foram adicionadas pelos autores.
É proibida a reprodução deste livro sem prévia autorização da editora, salvo em breve citação.
TRADUÇÃO
Matheus Fernandes / SIBIMA
Carlos Augusto Pires Dias (Apêndice)
REVISÃO
Yago Martins / SIBIMA
Carlos Augusto Pires Dias
PREPARAÇÃO DE TEXTO
Vinicius Lima
Beatriz Reder
CAPA, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO
Argemiro Neto
Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo Pedrosa – CRB07/6477
B635d Blaising, Craig A.
Dispensacionalismo progressivo / Craig A. Blaising,
Darrell L. Bock ; [tradução: Matheus Fernandes, Carlos
Augusto Pires Dias]. – Niterói, RJ: Concílio, 2020
CDD: 230.046
Craig A. Blaising
A EXTENSÃO E AS VARIEDADES DO
DISPENSACIONALISMO
Dispensacionalismo pode não ser um termo familiar, mas ele designa uma das
tradições mais difundidas e influentes na teologia evangélica de hoje. Se você é
um cristão evangélico, é muito provável que conheça alguns dos que se chamam
dispensacionalistas. E é igualmente provável que você tenha crenças e
interpretações das Escrituras que foram moldadas de alguma forma pelo
dispensacionalismo.
Este livro explica uma mudança significativa que atualmente ocorre nas
interpretações dispensacionalistas das Escrituras. Essa mudança afeta a maneira
como os dispensacionalistas entendem termos bíblicos essenciais, tais como: o
reino de Deus, a igreja no plano redentivo de Deus, a relação entre as alianças
bíblicas, o cumprimento profético e histórico dessas alianças e o ofício de Cristo
nesse cumprimento.
Como veremos, mudanças desse tipo não são inteiramente novas ao
dispensacionalismo. No entanto, certas crenças e ênfases permaneceram
praticamente as mesmas ou variaram apenas levemente ao longo da história
dessas mudanças. Tais crenças constituem a identidade duradoura do
dispensacionalismo, ao mesmo tempo que o processo de repensar e reinterpretar
revela sua vitalidade.
De onde veio o dispensacionalismo? O quão difundido ele é? Quais são suas
características comuns e quais mudanças ocorreram? Este capítulo procura
responder a essas questões. A importância da presente forma do
dispensacionalismo pode ser melhor entendida sob esta ótica, pois somente à
medida que conhecemos de onde viemos e como chegamos até aqui é que
teremos então uma melhor apreciação de onde estamos.
A ASCENSÃO E A PROPAGAÇÃO DO DISPENSACIONALISMO
O dispensacionalismo tomou forma inicialmente no Movimento dos Irmãos no
início do século XIX na Grã Bretanha. O Movimento dos Irmãos enfatizava a
unidade de todos os crentes em Cristo e a liberdade dos cristãos de se reunirem
em seu nome sem levar em consideração as divisões sectárias ou
denominacionais. Eles rejeitaram o papel especial de um clero ordenado, que
perpetuou tais divisões eclesiásticas, e enfatizaram, em vez disso, os dons
espirituais de crentes comuns e sua liberdade, sob a orientação do Espírito, para
ensinarem e admoestarem uns aos outros a partir das Escrituras.
Ao reforçar a integridade e a responsabilidade dos leigos, o movimento
testemunhou uma onda de interesse no estudo bíblico e nas devoções pessoais. O
movimento gerou um grande volume de literatura devocional e expositiva,
levando alguns autores a se tornaram bem conhecidos, incluindo John Nelson
Darby, Benjamim Wills Newton, George Müller, Samuel P. Tregelles, William
Kelly, William Trotter e Charles Henry Mackintosh.
Os escritos dos Irmãos tiveram um enorme impacto no protestantismo
evangélico. Isso é especialmente verdade nos Estados Unidos, onde
influenciaram ministros proeminentes como: D. L. Moody, James Inglis, James
Hall Brookes, A. J. Gordon, J. R. Graves, e C. I. Scofield. Ainda que não
seguissem os Irmãos no que se refere a uma rejeição radical do clero e do
ministério denominacional, eles fundaram um novo fórum ao lado de ministérios
estabelecidos que promoveram a experiência dos Irmãos de se reunir livremente
em Cristo para cultuar e estudar as Escrituras: a Conferência Bíblica.
Começando em 1870 com a popular Conferência Bíblica de Niágara, essas
conferências bíblicas começaram a surgir em várias partes do país, tornando-se o
que foi chamado de Movimento de Conferência Bíblica no início do século XX.
C. I. Scofield, um participante desse movimento, formou um conselho de
professores das Conferências Bíblicas e produziu, através da Oxford Press em
1909, uma Bíblia de referência (segunda edição em 1917) que ficou famosa por
todo os Estados Unidos e ao redor do mundo. A Bíblia de Estudo Scofield estava
repleta de anotações expositivas e teológicas que colocaram uma “Conferência
Bíblica” nas mãos de milhares de cristãos evangélicos. As interpretações
apresentadas nas notas formaram um sistema reconhecível de interpretação
bíblica. Esse sistema logo foi chamado de “dispensacionalismo”, um rótulo que
veio a marcar a tradição que tanto se originou quanto se desenvolveu a partir da
Bíblia de Estudo Scofield.
O termo dispensacionalismo vem da palavra dispensação, que refere-se à forma
distintiva na qual Deus gere ou organiza a relação dos seres humanos consigo.
Tem sido bem comum na história da interpretação bíblica reconhecer diferentes
dispensações nas Escrituras, tais como a de Israel com suas regulações e
cerimônias distintas e próprias, bem como a dispensação da igreja hoje em dia.
Distinguir entre essas diferentes dispensações pode ser útil no entendimento da
complexidade e da diversidade da Bíblia. Entretanto, os dispensacionalistas
tiveram algumas posições distintas acerca dessas dispensações que diferiram da
maioria dos outros intérpretes das Escrituras. Por causa disso, eles eram
especialmente marcados com o rótulo do dispensacionalismo, ao passo que outros
que se referiam a diferentes dispensações nas Escrituras não foram. Trataremos
sobre essas distinções nas seções seguintes deste capítulo.
Através das conferências bíblicas e da Bíblia de Estudo Scofield, o
dispensacionalismo veio a caracterizar os pontos de vistas e as crenças de um
grande círculo do evangelicalismo americano, espalhado por todo protestantismo
popular. Entretanto, foi especialmente concentrado nos círculos presbiterianos,
batistas e congregacionais. Quando veio à tona a luta entre fundamentalistas e
modernistas, os dispensacionalistas ficaram do lado fundamentalista, e sua ênfase
ecumênica contribuiu para que houvesse coesão no movimento fundamentalista.
Conforme os fundamentalistas passaram a estabelecer novas igrejas e novas
denominações em reação ao controle modernista sobre as igrejas tradicionais, o
dispensacionalismo tornou-se uma característica predominante em alguns desses
grupos. Esses incluíam, por exemplo: a General Association of Regular Baptist
Churches [Associação Geral das Igrejas Batistas Regulares], a Conservative Baptist
Association [Associação Batista Conservadora], a Fellowship of Grace Brethren
Churches [Irmandade das Igrejas dos Irmãos] e as Independent Fundamentalist
Churches of America [Igrejas Fundamentalistas Independentes da América].
Algumas das escolas associadas com essas igrejas se tornaram bem conhecidas
por ensinar o dispensacionalismo. Entre elas estão o Grace College e o Grace
Theological Seminary, o Northwestern College, o Grand Rapids Baptist Seminary e
o Western Conservative Baptist Seminary (agora Western Seminary). O
dispensacionalismo também foi ensinado (ainda que não exclusivamente) no
Denver Seminary (antigamente Denver Conservative Baptist Seminary). Ao longo
dos anos, algumas dessas escolas se tornaram mais conscientemente “evangélicas”
do que fundamentalistas, e o dispensacionalismo que ensinavam também sofreu
mudanças.
O dispensacionalismo também foi bem representado em outras
denominações, tais como a Evangelical Free Church of America [Igreja Evangélica
Livre da América]. Teólogos dispensacionalistas ensinaram em Trinity College e
Trinity Evangelical Divinity School. A Christian and Missionary Alliance [Aliança
Cristã e Missionária], do movimento de santidade, defendeu as posições
dispensacionalistas. Da mesma forma, o dispensacionalismo também impactou
igrejas pentecostais e carismáticas.
Várias escolas bíblicas, institutos, faculdades e seminários ensinaram o
dispensacionalismo. O Moody Bible Institute, fundado através do ministério
reavivalista de D. L. Moody é um exemplo bem conhecido. O Bible Institute of
Los Angeles, fundado nos moldes de Moody, é agora Biola University e inclui a
Talbot School of Theology. O Philadelphia College of Bible e Dallas Theological
Seminary foram produtos diretos do movimento de conferências bíblicas. Os
alunos formados no Dallas Seminary têm composto muitas das escolas
dispensacionalistas citadas acima e também fundaram outras, incluindo, por
exemplo, o Multnomah Bible College/Biblical Seminary e o William Tyndale
(antigo Detroit Bible College).
Não somente os formados por essas escolas ministraram nas associações e
denominações já mencionadas (incluindo algumas igrejas principais), mas
também estabeleceram e pastorearam um bom número de igrejas bíblicas
independentes, de forma que o Movimento Bible Church reflete principalmente
uma exposição dispensacional das Escrituras na maioria das vezes.
Nesse século, a mídia de transmissão ajudou a destacar os ministérios de
pastores proeminentes, alguns dos quais ensinavam as visões dispensacionalistas.
Dentre eles, para nomear somente alguns, o falecido Donald Grey Barhouse
(presbiteriano), W. A. Criswell, Adrian Rogers, Charles Stanley (Batista do Sul)
e Chuck Swindoll (Igreja Evangélica Livre). Os ministérios populares no rádio
com uma visão dispensacionalista das Escrituras incluíram o falecido Charles
Fuller e a “Old Fashioned Gospel Hour” [“A hora do evangelho à moda antiga”]
(que levou à fundação do Fuller Theological Seminary – apesar de hoje em dia ser
amplamente evangelical, o corpo docente inicial do Fuller incluía os bem
conhecidos dispensacionalistas Wilber Smith e Everett Harrison), o falecido
M. R. DeHaan e Richard DeHaan no “Radio Bible Class” [“Classe bíblica do
rádio”], o falecido Theodore Epp e Warren Wiersbe no “Back to the Bible” [“De
volta à Bíblia”], o falecido J. Vernon McGee com “Through the Bible” [“Através
da Bíblia”], o “Old Time Gospel Hour” [“A hora do evangelho dos tempos
antigos”] de Jerry Falwell e o “Insight for Living” [“Insights para viver”] de Chuck
Swindoll.
Os dispensacionalistas participaram e encorajaram a fundação de
organizações missionárias (como a Central American Mission, fundada por C. I.
Scofield) e ministérios paraeclesiásticos (como o Young Life [Alvo da Mocidade],
fundado por Jim Rayburn). Os dispensacionalistas ministraram com a Campus
Crusade for Christ [Cruzada Estudantil e Profissional para Cristo], os Navigators,
a Youth for Christ [Mocidade para Cristo] e a InterVarsity Christian Fellowship.
Temas dispensacionalistas surgiram em alguns dos materiais de ensino desses
ministérios. Além disso, alguns dos mais famosos evangelistas, incluindo Billy
Graham, afirmaram e ensinaram pontos de vistas dispensacionalistas.1
Em resumo, é possível encontrar tanto ministros quanto leigos que
compartilham de visões dispensacionalistas das Escrituras na maioria das
denominações protestantes, agências missionárias e ministérios paraeclesiásticos
em graus variados. Desde sua apresentação nas conferências bíblicas até os dias
de hoje, o dispensacionalismo se expandiu para se tornar uma das expressões
mais comuns do cristianismo evangélico.
O dispensacionalismo não é um movimento monolítico; hoje em dia há uma
diversidade em suas várias questões de interpretação. Entretanto, existem
algumas características amplas que unem esses diversos elementos em uma
tradição comum. Juntas, essas características fornecem uma definição descritiva
do dispensacionalismo.
CARACTERÍSTICAS COMUNS DA TRADIÇÃO DISPENSACIONALISTA
Autoridade das Escrituras. Desde o início do Movimento dos Irmãos, passando
pelas Conferências Bíblicas Americanas, a Bíblia de Estudo Scofield, os institutos
bíblicos, as faculdades e seminários, até os ministérios populares de exposição nas
igrejas e movimentos paraeclesiásticos, o dispensacionalismo tem sido conhecido
como um movimento de exposição bíblica. Ele tem produzido vários expositores
populares das Escrituras que não somente ajudaram a difundir o
dispensacionalismo, mas têm impactado grandes porções do evangelicalismo.
Os dispensacionalistas têm sustentado a crença de que a Bíblia é a única
revelação verbal e inerrante de Deus disponível para a igreja hoje, e que provê
uma fundação firme para a vida e a fé cristã. Eles acreditam que as ideias e
interpretações dispensacionalistas ajudam as pessoas a entender a Bíblia e a
torná-la mais inteligível, permitindo que se apropriem das Escrituras em suas
vidas cotidianas com um melhor conhecimento. Além do mais, o sistema
dispensacionalista com a sua forma de relacionar as diversas partes da Bíblia
ofereceu às pessoas um senso de respostas aos ataques feitos à integridade das
Escrituras pelo liberalismo teológico.
O movimento de conferências bíblicas foi um esforço para tornar a Bíblia
uma base segura para o ecumenismo evangélico – um ecumenismo que não era
visto como estrutural, administrativo ou denominacional, mas um ecumenismo
de fé, esperança e amor. Escolas e ministérios interdenominacionais têm tentado
manter essa visão em variados graus, visão que ajudou a contribuir com uma
noção de identidade evangélica em alguns setores do evangelicalismo.
Os dispensacionalistas, é claro, não eram os únicos evangélicos a enfatizar a
autoridade da Bíblia. Porém, sua visão transdenominacional e sua orientação
prática de ministério expositivo fez da ênfase nas Escrituras um selo do
movimento, que continua até os dias de hoje.
O Reino de Deus e o Reino dos Céus. O reino de Deus é um dos temas mais
importantes da Bíblia e ocupa um lugar importante para a interpretação
dispensacional. A visão dispensacionalista clássica mais conhecida sobre o reino é
a de C. I. Scofield. Sua visão depende de uma distinção substancial entre os
termos reino de Deus e reino dos céus. Ele acreditava que o termo reino de Deus,
encontrado nos quatro evangelhos, se referia ao governo moral de Deus no
coração daqueles que se sujeitavam a ele. Este reino é eterno em sua extensão. O
reino dos céus, encontrado no Novo Testamento apenas em Mateus, era tido
como o cumprimento da aliança feita com Davi, na qual Deus prometeu
estabelecer o reino de seu Filho. O reino dos céus começa a aparecer com Jesus
Cristo, um descendente de Davi, culmina no milênio, e se une ao reino de Deus
no estado eterno. (Antes do reino dos céus, encontramos o reino davídico que
fora interrompido pelo tempo dos gentios – o reino dos céus é o cumprimento
escatológico [isto é, “os últimos dias”] do reino davídico.)
Scofield ensinou que o reino dos céus tinha três formas. A primeira se
encontra na pregação de Jesus. O reino dos céus estava presente – ou “próximo”
– na pregação de Jesus. Ele ofereceu o reino a Israel. Porém, Israel o rejeitou,
então foi adiado para um tempo futuro.
O reino dos céus está agora presente na forma misteriosa. Essa forma
misteriosa é a cristandade, a realidade terrena, política e litúrgica, que nomeia
Cristo como seu rei. Duas coisas devem ser observadas aqui: para Scofield, a
forma misteriosa do reino não é a igreja, mas sim a cristandade. Além do mais,
quando Scofield fala da forma misteriosa do reino, ele quer dizer uma forma
misteriosa do reino, isto é, do reino dos céus, o reino da aliança davídica. 14
Assim, a aliança davídica encontra uma forma de cumprimento hoje. Porém,
não é a igreja. Por outro lado, a presença da igreja dá à cristandade qualquer
legitimidade que ela tenha. Consequentemente, a igreja tem alguma ligação com
a atual realidade do reino dos céus.
O reino dos céus será cumprido no milênio. Lembre-se que para Scofield,
como também para os outros dispensacionalistas clássicos, a aliança davídica é
meramente uma aliança política. Ela será cumprida de acordo com seu propósito
terreno, para a humanidade terrena do milênio, isto é, Israel. É claro que, assim
como as promessas são eternas, o cumprimento continua para sempre, mas a
graça glorificadora e preservadora de Deus eliminará a possibilidade de pecado e
rebelião na eternidade. Já que Deus governará moralmente em cada coração no
reino eterno (os não-salvos tendo sido destinados ao inferno), diz-se que o reino
dos céus se unirá ao reino de Deus.
O REINO NO DISPENSACIONALISMO CLÁSSICO (SCOFIELD)
DISPENSACIONALISMO REVISADO
Revisão do Dualismo Central. A revisão mais importante introduzida pelos
dispensacionalistas dos anos 50 e 60 foi o abandono do eterno dualismo da
humanidade celestial e da terrena. Eles não acreditavam que haveria uma
distinção eterna entre uma humanidade no céu e outra na nova terra.
Consequentemente, abandonaram os termos humanidade celestial e terrena. Em
vez disso, reformularam o dualismo em um sentido mais organizacional (mais
próximo do significado do termo dispensação). Havia simplesmente dois grupos
de pessoas. Não mais celestial versus terreno, mas aqueles representados por Israel
e pela igreja. Esses dois grupos incluem diferentes pessoas (uma pessoa poderia
estar somente em um grupo, não em ambos ao mesmo tempo). Eles são
estruturados de formas distintas, com diferentes prerrogativas e responsabilidades
dispensacionais. Mas a salvação que eles receberam – a vida eterna – é a mesma
para ambos, com uma única exceção de que alguns pertencem a um grupo e
outros pertencem a outro. Haverá uma distinção eterna entre Israel e a igreja,
não em tipos metafisicamente distintos de salvação, mas em um tipo nominal – a
igreja sempre é a igreja, Israel sempre é Israel.15
1. Algumas das visões dispensacionalistas se tornaram bem comuns no evangelicalismo. Nem todos que
ensinavam visões dispensacionalistas se chamavam dispensacionalistas. Além do mais, como veremos neste
capítulo, nem todos que são chamados dispensacionalistas concordam em cada detalhe ou então com as
“bem-conhecidas” interpretações dispensacionalistas.
2. Veja o capítulo 4.
3. As dispensações por si mesmas são discutidas nas Escrituras. Consequentemente, interpretar um texto à
luz de sua dispensação é outro exemplo de interpretar as Escrituras à luz das Escrituras, ou interpretar uma
passagem das Escrituras à luz da interpretação mais ampla das Escrituras. A interpretação das dispensações e
de textos e passagens individuais é aperfeiçoada no estudo contínuo das Escrituras. Isso leva tanto ao
desenvolvimento do dispensacionalismo quanto a um melhor entendimento de porções individuais das
Escrituras.
4. Assim como as especulações de Lindsay, de que Cristo viria dentro de uma geração (40 anos?) de 1948 e
que os anos 80 seriam provavelmente a última década da história. Os teólogos dispensacionalistas mais
cuidadosos, como John Walvoord e Charles Ryrie, negam deliberadamente que alguém poderia prever a
vinda de Cristo por eventos vigentes.
5. Há certa variedade na exata extensão da tribulação. Isso é parcialmente dependente de como o termo
tribulação é usado com respeito à septuagésima semana de Daniel, em Daniel 9.27. Por conta do que foi
dito por Jesus em Mateus 24.21, alguns dispensacionalistas usaram o termo tribulação para se referir à
segunda metade do período de sete anos de Daniel ou a um período de três anos e meio.
6. Várias instituições dispensacionalistas produziram declarações doutrinárias que variaram em sua ênfase,
algumas delas refletindo interpretações dispensacionalistas antigas de forma mais explícita que outras.
7. Ainda hoje há críticos do dispensacionalismo que não conseguem entender esse ponto, e por isso,
frequentemente, suas críticas se aplicam apenas à uma forma (geralmente passada) da tradição
dispensacionalista, a qual não é mais defendida pela maioria dos dispensacionalistas atuais.
8. Robert L. Saucy, The Case for Progressive Dispensationalism (Grand Rapids: Zondervan, 1993) e Craig A.
Blaising and Darrell L. Bock, eds., Dispensationalism, Israel and the Church: The Search for Definition
(Grand Rapids: Zondervan, 1992). Para uma pesquisa em alguns desenvolvimentos no dispensacionalismo
a partir do período clássico até o começo dos anos 80 e os problemas de definição do termo
dispensacionalismo veja Craig A. Blaising, “Doctrinal Development in Orthodoxy” e “Development of
Dispensationalism by Contemporary Dispensationalists”, Bibliotheca Sacra 145 (1988): 133-40, 254-80; e
“Dispensationalism: The Search for Definition” em Dispensationalism, Israel and the Church. Por volta do
começo dos anos 80, vários artigos levantaram questões acerca da proposta de Charles Ryrie a respeito da
condição sine qua non do dispensacionalismo (composta por três elementos, a distinção entre Israel e igreja,
uma hermenêutica literal consistente e a unidade doxológica das dispensações; Charles Ryrie,
Dispensationalism Today [Chicago: Moody, 1965], pp. 43-47). Ao focar na característica central dessa
proposta, Israel e a igreja, o trabalho de 1992, Dispensationalism, Israel and the Church, revelou que o
dispensacionalismo estava atualmente passando por uma importante revisão no nível do que havia sido
anteriormente considerado essencial para o sistema. Essa revisão foi demonstrada como sendo amplamente
embasada no que as Escrituras dizem tanto sobre a relação quanto sobre a distinção entre Israel e a igreja. O
capítulo final deste livro propõe uma base ampla para definir a tradição dispensacionalista e dá um
panorama do dispensacionalismo progressivo. Ele deve ser lido em conjunto com o presente trabalho. O
leitor deve observar, no entanto, que alguns rótulos diferentes são usados para fazer uma periodização da
história do dispensacionalismo. Esses rótulos foram escolhidos em relação à forma como os
dispensacionalistas dos diferentes períodos podem definir o dispensacionalismo (o assunto desse livro é
sobre a definição de dispensacionalismo). Os rótulos no presente livro estão melhor adequados como
designações gerais das diferentes fases da tradição dispensacionalista. Consequentemente, deve-se notar que
o dispensacionalismo clássico neste livro abrange as categorias que no trabalho anterior foram chamadas de
Brethrenismo, Pré-milenismo de Niágara e o Scofieldismo. O dispensacionalismo revisado neste trabalho
refere-se ao que anteriormente foi chamado de dispensacionalismo essencialista.
9. Essa distinção levou a um espírito de separatismo da parte dos Irmãos exclusivistas em relação às outras
formas de cristianismo organizado. No dispensacionalismo americano, a distinção ajudou a suportar o
separatismo do fundamentalismo, porém, assim como no Movimento dos Irmãos, ela poderia ser facilmente
invocada para outros graus de separação. Consequentemente, essa separação pode ser facilmente aplicada
contra o ideal ecumênico do dispensacionalismo primitivo.
10. Para uma lista das dispensações ensinadas na Bíblia de Estudo Scofield, veja o quadro no capítulo 4.
11. O dispensacionalismo clássico acreditava que o Espírito seria dado à humanidade terrena no milênio e
no estado eterno; não obstante, o dom do Espírito a humanidade terrena era grandemente distinguido do
dado ao povo celestial.
12. Lewis Sperry Chafer, Systematic Theology, 8 vols. (Dallas: Dallas Seminary Press, 1948), 4:40.
13. Veja o capítulo 5.
14. Bíblia de Estudo Scofield, nota em Mateus 3.2.
15. É dito que o batismo do Espírito é o que diferencia a igreja de Israel. Entretanto, o batismo do Espírito
é em si definido como o relacionamento com Cristo que faz a igreja ser igreja. Consequentemente, ficamos
apenas com uma distinção nominal, mas que foi vigorosamente defendida, pelo menos por alguns. Alguns
dispensacionalistas revisados, entretanto, começaram a questionar a importância dessa distinção na
eternidade (veja Robert W. Cook, The Theology of John [Chicago: Moody, 1979], pp. 226-227n.27). Esse
processo contínuo de avaliação e revisão acabou eventualmente levando ao dispensacionalismo progressivo.
16. Ray C. Stedman, Body Life (Glendale, Calif.: Regal, 1972).
17. Veja Gene A. Getz, Sharpening the Focus of the Church (Chicago: Moody, 1974); e The Measure of a
Church (Glendale, Calif.: Regal, 1975).
18. Para uma resposta dispensacionalista revisada ao assunto mais abrangente da responsabilidade social,
veja Charles Ryrie, What You Should Know About Social Responsibility (Chicago: Moody, 1982).
19. Charles C. Ryrie, Dispensationalism Today (Chicago: Moody, 1965), pp. 45-46.
20. Charles C. Ryrie, The Basis of the Premillennial Faith (Neptune, NJ: Loizeaux Bros., 1953), pp. 106,
115, 118.
21. George E. Ladd, Crucial Questions About the Kingdom of God (Grand Rapids: Eerdmans, 1952).
22. O uso polêmico desse tipo vago de declive argumentativo geralmente aparece quando um crítico carece
de substância. Ainda que Ladd defendesse o pré-milenismo, por causa de Apocalipse 20, dispensacionalistas
revisados tentaram tratá-lo como um amilenista “fechado”. A tática, ainda que polemicamente efetiva
dentro dos círculos dispensacionalistas, foi uma representação injusta da posição de Ladd.
23. Alva J. McClain, The Greatness of the Kingdom (Winona Lake, Ind.: BMH Books, 1959). Essa visão
também é compartilhada por Herman Hoyt em The End Times (Chicago: Moody, 1969); e em
“Dispensational Premillennialism”, em The Meaning of the Millennium, ed. Robert G. Clouse (Downers
Grove, Ill.: InterVarsity, 1977), pp. 63-92.
24. A discussão de Tossaint do reino pode ser encontrada em seu comentário sobre Mateus, Behold the King
(Portland: Mulnimah, 1980).
25. Charles C. Ryrie, Basic Theology (Wheaton: Victor Books, 1986) [edição em português: Teologia Básica
(São Paulo: Mundo Cristão, 2004)], pp. 397-99.
26. Ibid., pp. 398-99.
27. Ibid., compare p. 259 com pp. 398-99.
28. As distinções de Walvoord dos diferentes reinos pode ser encontrada em Major Bible Prophecies (Grand
Rapids: Zondervan, 1991) [edição em português: Todas as Profecias da Bíblia (São Paulo: Editora Vida,
2000)], pp. 212-13, 218, 361-62.
29. Para declarações recentes de Walvoord sobre esse assunto veja Major Bible Prophecies (Grand Rapids:
Zondervan, 1991), pp. 413-14; e Prophecy: 14 Essential Keys to Understanding the Final Drama (Nashville:
Thomas Nelson, 1993), pp. 167-75, cf. pp. 74-79. É curioso que Walvoord use uma leitura literalista de
alguns dos elementos da visão de João em Apocalipse 21-22 (que ele acredita que evidencia a
descontinuidade com a criação presente) para negar uma visão “literal” da eternidade nas profecias do
Antigo Testamento de um reino eterno (relegando aquelas promessas para um milênio cuja duração e
qualidade são radicalmente diferentes do estado “eterno”).
30. A visão de Pentescost pode ser encontrada no seu livro Things to Come; A Study in Biblical Eschatology
(Grand Rapids: Zondervan, 1958) [edição em português Manual de Escatologia (São Paulo: Editora Vida,
1998)], esp. pp. 427-583. Um resumo mais recente apareceu em Thy Kingdom Come (Wheaton: Victor
Books, 1990).
31. Pentecost, Things to Come, p. 562.
32. Deve-se notar o papel do dispensacionalista Erich Sauer, que levantou várias críticas contra a visão
clássica (de Scofield) do reino. Os dispensacionalistas revisados não responderam às críticas de Sauer, mas
suas visões tiveram um efeito no desenvolvimento do dispensacionalismo progressivo. Veja Erich Sauer,
From Eternity to Eternity: An Outline of the Divine Purposes, trad. G.H. Lang (Grand Rapids: Eerdmans,
1954), ver esp. pp. 175-77, 185-94.
33. Em outras palavras, os dispensacionalistas clássicos tinham os santos do Antigo Testamento, judeus e
gentios, dentro da classe das pessoas celestiais, juntamente com a igreja desta dispensação. Os santos do
milênio, judeus e gentios, deveriam habitar na terra. Os dispensacionalistas revisados colocaram os santos
do Antigo Testamento e os santos do milênio juntos na eternidade. Consequentemente, no
dispensacionalismo revisado, os santos judeus do Antigo Testamento e o Israel milenar se uniram para
produzir uma categoria: os remidos de Israel. O mesmo era esperado dos gentios do Antigo Testamento e
do milênio. Entretanto, judeus e gentios da igreja foram mantidos distintos desses outros judeus e gentios
por toda a eternidade.
34. O Novo Testamento às vezes traça tipos verticais e correspondências baseadas na ascensão de Cristo ao
céu. Hebreus fala de um tipo de tabernáculo entre os terrenos e os celestiais (Hb 8.5; 9.23). Porém,
Hebreus também nos lembra que a cidade acima é a cidade que está vindo no futuro escatológico
(Hb 13.14; cf. 12.22-24). Consequentemente, mesmo na tipologia de Hebreus, há uma relação
“horizontal” histórica do presente e do futuro que é a culminação e o cumprimento das relações verticais
vistas no presente.
PARTE DOIS
HERMENÊUTICA
por Darrell L. Bock
CAPÍTULO 2
“Prática sem teoria é cega, mas teoria sem prática é burra”, observa N.T. Wright,
notável erudito do Novo Testamento, em The New Testament and the People of
God.1 Essa citação nos adverte em nossa abordagem de interpretação da Bíblia.
Ela nos avisa que a interpretação precisa casar a teoria com a prática. Podemos
criar expectativas sobre como desejamos que a interpretação da Bíblia funcione
ou signifique, mas, no fim, devemos testar essas teorias dentro do texto. Como
intérpretes, devemos perguntar por que vemos o texto como vemos. Isso é
especialmente importante em um mundo onde muitas posições concorrentes
existem acerca do que a Bíblia diz. O que cria tal diversidade e como nos
engajamos na discussão acerca de tais diferenças? Como alguém resolve as
opiniões? É através da disciplina conhecida como hermenêutica, ou o estudo de
“como determinamos o que uma passagem significa”.
Para alguns, interpretação é como o popular comercial da Nike: assim como
alguém meramente amarra um tênis novo de basquete e toca o chão para “Just do
it” [“apenas faça”], então o intérprete deveria meramente abrir o texto e “apenas
leia”. Infelizmente, não é tão simples assim. Teólogos e estudantes de literatura
têm debatido há muito tempo sobre como ler textos; especificamente nas
discussões do século XX ocorreram muitas idas e vindas. O debate se focou em
quatro elementos interligados que influenciam nosso entendimento dos textos:
(1) o autor, (2) o texto, (3) nós mesmos como leitores e (4) as cosmovisões que
nós e o texto trazem para a leitura. Diferentes abordagens hermenêuticas
argumentam por uma amplitude diferente de prioridades e relacionamento entre
esses quatro elementos, mas todos concordam que cada um tem um impacto
sobre como percebemos os textos. Na interpretação bíblica, trabalhamos com
todos os quatro elementos. Procuramos entender as perspectivas do autor e a
maneira na qual ele expressa suas ideias no texto. Ao mesmo tempo, devemos
também estar cientes do fato de que nosso entendimento pode ser perspicaz, ou
limitado, ou influenciado por nossas próprias perspectivas como leitores. De
fato, o que surge é que todos têm uma “hermenêutica” (uma rede de
entendimento com a qual alguém se aproxima de um texto) que impacta a
“Hermenêutica” (os princípios interpretativos usados para encontrar significado
no texto). Esses dois termos intimamente relacionados resumem dois lados
intrinsecamente ligados de uma mesma moeda da interpretação. A falha em
prestar atenção ao outro lado da moeda resulta numa confusão acerca de como
alguém entende o texto da Bíblia.
Neste capítulo, discutiremos a interação dinâmica entre autor(es), texto,
leitores e cosmovisões, concentrando-nos em pares. Esse foco pode parecer de
alguma forma mecânico e tedioso, como um arremesso sendo analisado por um
computador, mas é nossa esperança que essa análise capacite o leitor não para
“simplesmente fazer”, mas fazer bem. Como intérpretes, devemos ser sensíveis a
(1) como nos aproximamos dos textos (ou falamos a eles) e (2) como deixamos o
texto falar a nós. Iremos trabalhar de trás para frente, a partir de como um texto
é lido, em vez de como o texto é criado.
COMO NOS APROXIMAMOS DO TEXTO: OLHANDO POR UM PRISMA
Leitores e Cosmovisões, Parte 1. De acordo com Charles Ryrie: “Hermenêutica
é a ciência que fornece os princípios de interpretação. Esses princípios guiam e
governam o sistema de teologia de qualquer um. Eles devem ser determinados
antes da teologia de alguém ser sistematizada, mas na prática, o contrário é
geralmente verdade”.2
Reconhecendo que há diferentes formas pelas quais todos interpretam a
Bíblia, Ryrie nos adverte que nós devemos saber como chegamos ao texto antes
de construir uma teologia acerca dele. Os céticos geralmente afirmam: “podemos
fazer a Bíblia dizer qualquer coisa”. Isso não é correto, mas é verdade que lemos
nossas próprias ideias dentro do texto ou o interpretamos mal devido às nossas
próprias limitações de conhecimento e entendimento. De fato, cada um de nós
tem sua própria forma de ver, uma rede de entendimento, que impacta o que
esperamos ver no texto, as questões que perguntamos, e consequentemente, as
respostas que obtemos.
Tanto nossas limitações quanto nossa rede de entendimentos se combinam
para formar um prisma através do qual interpretamos a realidade e através do
qual lemos os textos. Essa é nossa cosmovisão. Não importa quão bom seja o
texto que lemos, ele sempre chega até nós através do prisma que construímos da
realidade.
Agora, muitas pessoas diriam que esse prisma é meramente uma questão de
“pressupostos”. Se alguém tem boas pressuposições, fica mais próximo da
verdade do que alguém que tem más pressuposições. Porém, as cosmovisões não
são tão simples. Elas são o resultado tanto de pressupostos como o que podemos
chamar de “pré-entendimentos”.
Qualquer pressuposição é um elemento no pensamento de alguém que não
está aberto para negociações, a menos que venha sob extrema coação. É uma
convicção bem fixada na qual percepções ou visões são edificadas, podendo ser
conscientes ou inconscientes. Imagine-se um leitor medieval da Bíblia e chegue a
Salmos 19.4b-6, “Nos céus, ele estendeu uma tenda para o sol, que é como um
noivo que sai do seu aposento e se lança em sua carreira com a alegria de um
herói. Sai de uma extremidade dos céus e faz o seu trajeto até a outra; nada lhe
escapa ao seu calor”. O leitor medieval teria dito para você que isso descreve
como o sol se move ao redor da terra. Sua pressuposição acerca do universo,
compartilhada uniformemente com outros naquela época, era que a terra estava
no centro e tudo girava em volta desse centro da criação de Deus. Esse era o
prisma através do qual o mundo era entendido. Enquanto essa suposição fosse
defendida, isso seria um aspecto da interpretação do verso. O assunto que
estamos preocupados aqui não é se essa pressuposição estava certa ou errada, mas
que ela existia e influenciou a forma que o texto era compreendido.
Poucos séculos depois, os astrônomos, usando telescópios, começaram a
argumentar que a terra não está no centro do universo. Aqueles com a
pressuposição original da terra no centro, e que não consideravam suas
pressuposições negociáveis, chegaram a considerar essa posição de forma bem
negativa, provavelmente porque era um desafio direto a como eles viam a
realidade e o retrato de Deus disso. Eles não podiam ver a realidade de forma
diferente. As lentes estavam fixas nesse ponto, por causa de uma pressuposição
essencial.
Por outro lado, os pré-entendimentos são crenças ou percepções fluídas, pois
estão abertas para ajustes, refinamentos ou desenvolvimentos através de
interações e reflexões adicionais. Alguém com uma pressuposição acerca da terra
no centro do universo poderia olhar para a evidência astronômica e
consequentemente afirmar: “isso é uma nova consideração; observarei a questão
de perto”. No momento em que essa abordagem é adotada, uma pressuposição
dentro do prisma se torna um pré-entendimento. A investigação então continua
em um nível diferente daqueles que mantém a pressuposição que a terra está no
centro. A seguir, é feita uma sugestão de que tal linguagem no salmo é
“fenomenológica”, isto é, ela descreve a realidade como a percebemos como
fenômeno e não como ela é cientificamente. Se alguém com um pré-
entendimento acerca da terra no centro adota essa sugestão literária acerca da
interpretação do texto e vem a acreditar que a terra não está mais no centro do
universo, então tanto os seus pré-entendimentos nesse ponto quanto a sua
cosmovisão, até certo nível, mudaram. A visão dos detalhes da cosmologia e da
Bíblia mudam, embora a pessoa permaneça teísta no nível mais básico.
Este é senão um exemplo de uma área crucial que impacta nossa percepção
em muitos níveis, apesar de não a examinarmos cuidadosamente. Então, que
diferença faz a cosmovisão, o pressuposto e o pré-entendimento?
Primeiro, todos nós vemos o mundo com pressuposições; isso é uma coisa
que não podemos negar. Uma questão importante é quais pressuposições temos
que são úteis e quais não são. Pode-se afirmar que as pressuposições que são úteis
são aquelas da Bíblia, mas já vimos o potencial de ler algo como “bíblico” que
pode não ser. Logo, devemos averiguar cuidadosamente o que faz com que uma
perspectiva seja de fato bíblica.
Segundo, todos nós possuímos pré-entendimentos, apesar de não estarmos
conscientes de todos eles. Ao examinarmos uma questão ou o texto, é útil
considerar como e por qual motivo estamos nos aproximando deles. Algumas
vezes, é o diálogo com alguém que pensa diferente de nós que nos ajuda a
compreender por que vemos as coisas da forma que vemos.
Terceiro, algumas mudanças no pré-entendimento não alteram a cosmovisão.
Elas simplesmente abrem a mente de alguém para examinar alternativas ou criar
a possibilidade de novas categorias para o entendimento ao olhar para a questão
de uma forma nova. Porém, outras mudanças no pré-entendimento impactam a
cosmovisão. Estar aberto à questão do que está no centro do universo abriu a
possibilidade de uma resposta literária ao dilema, ainda que alguém nunca tenha
respondido à questão original de onde está o centro do universo! De fato, se
tornou uma questão teológica menos importante como um resultado da
mudança na cosmovisão.
Quarto, nem toda pressuposição ou pré-entendimento é boa, assim como
nem toda pressuposição ou pré-entendimento é má. Na verdade, algumas
pressuposições deveriam operar mais como pré-entendimentos. Por outro lado,
algumas pressuposições e pré-entendimentos já são o produto de reflexão e
podem ser mantidas com boas razões. Nem toda mudança no entendimento é
boa, já que fazemos boas e más decisões, mas nunca poderemos aprender sem
estarmos abertos para mudanças em nosso pensamento.
Quinto, alguns pressupostos e pré-entendimentos são o produto de um
tempo ou cultura em que alguém vive. A visão medieval da realidade foi definida
pelos limites da cosmovisão de seu tempo. Somente à medida que novas
informações abriram novas possibilidades, o elemento textual pôde ser
considerado a partir de novos ângulos.
Mais importante, a cosmovisão é uma combinação de pressupostos e pré-
entendimentos que existem em diferentes combinações em diferentes pessoas.
Eles influenciam perspectivas e impactam a interpretação; eles também podem
criar diferenças na leitura. Porém, se o papel deles for apreciado, eles podem se
tornar o assunto de uma discussão frutífera, mesmo havendo discordância. Ainda
assim, os impasses existem onde as pressuposições diferem. Aqueles que têm uma
cosmovisão que acredita em milagres lerão a Bíblia de forma diferente daqueles
que insistem que milagres não podem ocorrer. É impossível que eles concordem
com o papel dos milagres na Bíblia. Porém, mal-entendidos também podem
existir onde pré-entendimentos diferem. Saber as diferenças é importante, pois
só é possível discutir pré-entendimentos quando eles são conhecidos. Várias
pessoas muito rapidamente confinam toda discordância ao nível da
pressuposição e assim dizem, com efeito, que não podemos discutir as nossas
diferenças. Porém, pode haver oportunidade de engajamento em discussões
mutuamente frutíferas acerca do texto, desde que seja possível fazer uma
distinção entre pressuposição e pré-entendimento.
Então, reconhecemos que nós como leitores contribuímos (correta ou
incorretamente) para nossas interpretações do texto. Veremos agora dois outros
elementos envolvidos na abordagem do processo interpretativo, o(s) autor(es) e o
texto.
1. N.T. Wright, The New Testament and the People of God (Minneapolis: Fortress, 1992), p. 118.
2. Ryrie, Dispensationalism Today, p. 86.
CAPÍTULO 3
Três Níveis de Leitura. Em resumo, os textos da Bíblia podem ser lidos de três
formas. Primeiro, eles podem ser lidos em um nível histórico-exegético, onde o
assunto é o contexto do evento visto como uma unidade bastante auto-contida.
Ainda que essa perspectiva seja limitada, ela pode ter valor por destacar o
impacto imediato do evento. A sensibilidade a esse nível de leitura preservará o
senso de progresso na história e permitirá que se aprecie como a história se
constrói à medida que o tempo passa e a revelação progride.
Segundo, um texto pode ser lido no contexto do livro todo no qual está
inserido. Podemos chamar isso de leitura bíblico-teológica (não a confundamos
com a forma normal que alguém fala de teologia bíblica, que geralmente se refere
a todos os escritos de um dado escritor ou período). Para colocar de outra forma,
podemos ler Romanos tentando lidar com ele como um leitor romano poderia
ter lidado, isto é, sem assumirmos que o leitor romano tinha acesso a 1 Coríntios
(ou a qualquer outra carta de Paulo) para ajudá-lo a descobrir o significado de
Paulo. Romanos foi originalmente concebido para ser autossuficiente. Agora,
geralmente esse segundo nível de leitura estará muito perto do significado do
primeiro nível, mas em livros longos isso não será o caso. A promessa da semente
de Abraão nos primeiros capítulos de Gênesis concentra-se em Isaque. Para
Abraão, o aspecto mais importante para promessa da semente foi o seu começo.
Somente quando a história de Gênesis se move através das gerações é que Jacó e
seus filhos emergem como a semente. Somente à luz de todo o Gênesis é que
vemos a nação de Israel como a semente. A reorientação da semente unicamente
sobre Jesus não está explícita em lugar nenhum no contexto de Gênesis.
Somente o movimento da história da promessa além de Gênesis começa a
mostrar a possibilidade para tal estreitamento no conceito do rei como
representante da nação. Porém, esse movimento nos leva à terceira forma de ler o
texto bíblico; no nível canônico-sistemático. Essa leitura toma a passagem à luz do
todo, quer seja através de tudo de que um autor as escreveu, das lentes de um
dado período, ou de uma forma mais abrangente, à luz do todo do cânon.
Agora, a história da semente assume uma dimensão ampliada, conforme Jesus se
torna a semente que traz a promessa. A promessa de Abraão está ligada com a de
Davi (veja Lc 1-2 [esp. 1.31-35, 67-79]). Jesus como Cristo – o rei prometido da
linhagem de Davi – cumpre as promessas a Abraão e concede o Espírito de
Deus. Jesus traz a manifestação inicial do reino (veja o pronunciamento de João
Batista “do que está por vir”). Ao ligar o Espírito e o reino, a esperança davídica
real está entrelaçada à promessa do Espírito na Nova Aliança, assim como à
esperança de Abraão. A discussão inteira assume um contexto de promessa e
cumprimento, então é a sua concretização da promessa fundamental a Abraão
que está sendo percebida. Mesmo assim, tendo Jesus como o ponto de virada,
nós ainda não terminamos. Pois, aqueles que estão “em Cristo” também se
tornam “a semente”, como Gálatas 3.29 nos mostra. A Bíblia ama dar muitas
dimensões para um único tema. Descobrir essas dimensões é como a alegria e o
maravilhar que alguém tem ao ver um raio de luz se dividir em muitas cores ao
passar por um prisma.
Outro tema que se aproxima desse tipo de leitura dinâmica é o
desenvolvimento dos textos acerca do reino na Bíblia. A jornada se move a partir
da sua formação na promessa para Israel e Davi para sua culminante descrição
em termos do milênio e então os novos céus e nova terra. O Antigo Testamento
na maioria das vezes discute a promessa de um reino na terra (2Sm 7.8-16), com
a exceção de breves destaques em Daniel que sugerem uma origem celestial (esp.
Dn 2 e 7). O Novo Testamento desenvolve esses elementos celestiais de
esperança (Ef 2.4-7; Fp 3.20; Hb 12.22-24), culminando no milênio e nos
novos céus e nova terra (Ap 20-22). Quando Apocalipse é lido de forma
sistemático-canônica, sua mensagem é refratada de volta aos textos do reino do
Antigo Testamento para mostrar que o reino prometido é cumprido em parte
dentro do Milênio e parte nos novos céus e nova terra. As promessas do Antigo
Testamento que ainda não se cumpriram, serão cumpridas no futuro. Como o
apóstolo Pedro sugere, há muitos detalhes acerca do ministério de Jesus e a
decorrência da promessa declarada no Antigo Testamento (At 3.21). Para
apreciar como a história inteira se desdobra e quais promessas pertencem a seu
lugar, deve-se ler o texto histórica-exegeticamente, bíblica-teologicamente e
canônica-sistematicamente.
Todos os três níveis de leitura são apropriados, ainda que, em última
instância, a leitura canônica-sistemática ajunte as peças da mensagem bíblica.
Para considerar o quão cuidadosamente o plano de Deus é unificado, como o
cumprimento opera e como as partes da Bíblia se relacionam entre si, devemos
nos dirigir para nosso tópico final de interesse – a variedade de formas em que a
promessa e o cumprimento se relacionam. Quais são as várias formas que o
Novo Testamento usa o Antigo?
Essa flexibilidade importa para a variação vista nos quadros acima onde
diferentes teólogos tentaram dividir a história bíblica. Até mesmo
dispensacionalistas não concordaram acerca do número de dispensações na
história bíblica e em nossa amostra (segundo quadro) somente três transições
históricas foram uniformemente reconhecidas como mudanças dispensacionais
significativas.
Entretanto, podemos propor uma forma de dividir as dispensações da história
bíblica ao seguir três princípios básicos: (1) começar com a estrutura do
dispensacionalismo do Novo Testamento; (2) manter o esquema
dispensacionalista básico o mais simples possível; e (3) ser flexível com a noção
de uma dispensação, de modo a ser capaz de ver uma maior simplicidade ou
maior diferenciação do que o esquema dispensacional em ação permite. Deixe-
me explicar esse último ponto. A Bíblia em si traça continuidades e distinções
através da história da revelação. É preciso ser flexível o bastante para falar tanto
da continuidade dispensacional quanto das diferenças, dependendo de qual
aspecto da história bíblica esteja sendo visto. Por exemplo, a partir de uma
perspectiva, a dispensação da aliança mosaica pode ser vista como um todo; e
ainda assim, de outra perspectiva, o mesmo período da história é examinado ao
notar-se a diferença entre a dispensação da monarquia e a dispensação dos Juízes.
A flexibilidade em traçar distinções dispensacionais possibilitará que diferentes
intérpretes das Escrituras trabalhem juntos de uma forma construtiva, à medida
que buscam entender e explicar a revelação bíblica.
Com esses princípios em mente, vamos construir as dispensações que
distinguem a história bíblica. Começamos, primeiramente, com o
dispensacionalismo paulino, que explicitamente utiliza uma terminologia e uma
estrutura fundamental para o pensamento dispensacional. Conforme observado
acima, isso nos rende pelo menos dispensações do passado e presente, e
possivelmente uma terceira do futuro também. Se nos ativermos à terminologia
paulina, elencaríamos essas: (1) a dispensação da lei, (2) a dispensação da
plenitude dos tempos e (3) a dispensação do mistério.
A primeira, “dispensação da lei”, vem a partir da ilustração de Paulo da lei
como um oikonomos (Gl 4). Entretanto, o termo lei é usado em diferentes
sentidos por Paulo, sendo um dos quais uma referência à aliança mosaica como
tal. É preferível intitular essa dispensação como “a dispensação da aliança
mosaica” para evitar a confusão que surgiu com o uso inadequado de Scofield do
termo lei em seu título da mesma dispensação (veja o segundo quadro). Apesar
da designação de Scofield ter se tornado muito popular, pode ser visto a partir
do quadro que outros dispensacionalistas se referiram a essa dispensação como
Mosaica. Isso evita a implicação que Paulo estava ensinando antinomianismo
(ausência de lei) ao declarar o fim da dispensação da lei. Alguns podem também
desejar uma terminologia para essa dispensação chamando-a de “dispensação
teocrática”, já que a aliança mosaica primariamente dizia a respeito da
constituição de Israel como uma teocracia, um estado político governado por
Deus.
Quer seja apropriado ou não entender a “dispensação da plenitude dos
tempos” em Efésios 1.10 como futura (um ponto que conforme observado
acima é discutível), não há dúvida que Paulo espera futuras mudanças no
relacionamento entre Deus e os seres humanos no retorno de Cristo.
Romanos 8.18-25 olha em direção ao futuro quando os filhos de Deus habitarão
na terra renovada e redimida na ressurreição dos corpos. Em 1 Coríntios 15,
Paulo antecipa aquele tempo depois da ressurreição quando o Filho “entrega o
reino a Deus, o Pai” e Deus será “tudo em todos”. Logo antes desse tempo existe
a situação na qual o Cristo reinante coloca “todos seus inimigos sob seus pés”,
incluindo a morte. Isso pode ser aquela ordem milenar que João prevê em
Apocalipse 20. Dessa forma, antecipamos na teologia bíblica uma dispensação
futura que pode ser subdividida em dois arranjos reconhecíveis: o reino milenar
do Jesus Cristo que retornou e a ordem eterna da vida ressurreta na terra
redimida. Alguns podem desejar simplesmente designar essas como duas
dispensações futuras como: o Milênio e a nova terra. Ou, seguindo Efésios 1.10,
poderíamos prever ambas as fases, milenar e eterna, como as dispensações Finais
ou Siônicas.9 Os princípios de simplicidade e flexibilidade deve nos guiar aqui.
O mistério referido na “dispensação do mistério” (Ef 3.9) é o relacionamento
de judeus e gentios com Cristo e entre si. Esse relacionamento é a característica
distinta da igreja. Consequentemente, pode-se chamar esta dispensação de a
“dispensação da igreja”, ou “dispensação eclesiástica”. Também poderia ser
chamada de “dispensação do Espírito”, já que Paulo contrasta a vinda do
Espírito com a mordomia da Lei em Gálatas 4. Qualquer título desses (ou algum
outro) servirá. Para propósitos de consistência, entretanto, iremos nos referir a
ela como a “dispensação eclesiástica”.
A partir dessa análise do dispensacionalismo paulino, pode ser sugerido que
vejamos três dispensações: A mosaica ou dispensação teocrática, a dispensação
eclesiástica, e a siônica ou dispensação final que inclui os reinos milenar e eterno.
Com respeito às dispensações antes da dispensação teocrática, deveríamos
seguir os princípios de simplicidade e flexibilidade. Em Gálatas 3, Paulo fala do
tempo antes da Lei (antes da aliança mosaica), neste tempo é que a Promessa
(abraâmica) foi dada. Porém, ele nunca fala da dispensação da promessa como
Scofield faz. Em Romanos 5.13, Paulo fala do tempo antes da Lei a partir do
ponto da existência do pecado no mundo. O pecado estava no mundo antes da
Lei, mas foi contado como transgressão depois da Lei ser dada. Nessa discussão,
do pecado como transgressão, a dispensação mosaica é comparada com a
situação de Adão a Moisés, implicando que vemos todo o período sob um
arranjo comum ou dispensação. Paulo, então, prossegue para falar da nova
situação desde a vinda do Espírito (Rm 7-8). O contraste da Lei e Espírito é
essencialmente o mesmo que foi dado em Gálatas 3-5, onde Paulo distingue
essas situações como duas dispensações diferentes: a mosaica e a eclesiástica. Isso
nos leva a ver a estrutura com respeito ao pecado em Romanos em harmonia
mais próxima das divisões dispensacionais de Paulo do que sua introdução da
noção da promessa em Gálatas 3.
Como resultado, poderíamos sugerir ver a situação antes do tempo da aliança
mosaica como uma dispensação patriarcal unificada. “Patriarcas” parece estar
mais adequado com o título. Essa dispensação patriarcal inclui as relações de
bênçãos de Deus, julgamento e aliança com as várias famílias da terra incluindo
notáveis indivíduos, tais como: Abel, Caim, Sete, Enoque, filhos de Noé e
Abraão, Sara e seus descendentes: Isaque, Jacó e seus doze filhos. Uma próxima
dispensação importante começa quando Deus faz a aliança no Sinai com as doze
tribos de Israel.
Seguindo o princípio da flexibilidade, podemos certamente permitir que
outras divisões dispensacionais sejam traçadas durante esse período da história.
Alguns destacarão as condições anteriores à queda do Éden como um arranjo
particular. Outros distinguirão as condições antes e depois do dilúvio de
Gênesis 6-9. Ainda assim, ao mesmo tempo, há uma consistência às ações de
Deus com a humanidade que reúne essas condições como as relações
fundamentais para as dispensações posteriores que apresentam a aliança mosaica
e a nova aliança.
Concluindo, temos quatro dispensações primárias na história bíblica:
Patriarcal, Mosaica, Eclesiástica e Siônica.
1. Veja James Moulton e George Milligan, The Vocabulary of the Greek Testament Illustarated from the
Papyri and Other Non-literary Sources (1930; Grand Rapids: Eerdmans, 1972), s.w. “oikonomia, oikonomos”;
Colin Brown, ed., The New International Dictionary of New Testament Theology, vol. 2 (Grand Rapids:
Zondervan, 1976), s.v. “house/oikonomia” por Jürgen Goetzmann; Gerhard Friedrich, Theological
Dictionary of the New Testament, vol. 5, trad. Geoffrey Bromiley (Grand Rapids: Eerdmans, 1967), s.w.
“oikonomos, oiknomia” por Otto Michel.
2. Ryrie, Dispensationalism Today, p. 31.
3. Deve-se fazer aqui referência ao capítulo anterior sobre hermenêutica.
4. Irineu de Lião, Contra as Heresias 3:10.2, 4.
5. Ibid., 3.118
6. Agostinho, Cartas a Marcelino 5-8.
7. Agostinho, Sermões 125.4
8. Confissão de Fé de Westminster 8.6.
9. O termo, siônico, de Sião, é escolhido em vista do grande cumprimento das promessas do reino para
Israel e para as nações, geralmente retratadas como a glória do Sião escatológico, a cidade do reino de Deus
e seu Messias (Is 2; 60; Hb 13.10; Ap 21-22).
CAPÍTULO 5
Essa última afirmação – que Deus estará com eles – é marcante, especialmente
no caso de Jacó, onde isso é vinculado à promessa do retorno à terra (Gn 28.15).
Também deveríamos notar que quando a promessa é transferida para Jacó, sua
mediação da bênção para outros povos e nações é interpretada como seu reinado
sobre eles (Gn 27.29). Quando a bênção é então transferida para os filhos de
Jacó, esse elemento específico do reinado é dado a Judá (Gn 49.8-10),4 onde
antecipa o Messias, mostrando que seu reinado tem origem na promessa
abraâmica de abençoar todos os povos.
As narrativas de Isaque e Jacó revelam um tema importante acerca da
transferência da aliança abraâmica. Os descendentes físicos a partir de Abraão
não garantem em si a herança da aliança. Ismael, como um legítimo filho de
Abraão com os direitos de primogênito, é ignorado em favor de Isaque. O
processo de seleção também se estende para os descendentes de Isaque, com Esaú
sendo ignorado em favor de Jacó. Tanto Ismael quanto Esaú são abençoados por
Deus, porém eles são abençoados como estrangeiros à aliança. Eles são
abençoados por causa de Abraão, Isaque e Jacó. Eles são incluídos entre as
famílias da terra, não dentro do “você” em quem as famílias da terra são
abençoadas.
O tema da seletividade na herança da aliança é importante na história da
redenção bíblica. A escolha de Isaque em detrimento de Ismael revela o processo
da eleição divina. Não é necessariamente uma escolha aqui entre condenação e
bênção, mas em vez disso entre mediar a bênção e recebê-la através da mediação.
A escolha entre Jacó e Esaú, entretanto, é especialmente instrutiva para os
descendentes de Jacó – as gerações de Israel. Jacó, é escolhido para receber e
mediar a aliança, pois ele é um homem de fé que verdadeiramente deseja a
aliança abraâmica (a pesar de sua pecaminosidade). Esaú desprezou seu direito de
primogenitura e é retratado como um descrente (Hb 12.16-17).
Consequentemente, a herança da aliança passou por ele. No seu
arrependimento, a bênção é garantida a ele, mas não é a de um herdeiro da
aliança. Ele é abençoado por causa dos herdeiros da aliança, Isaque e Jacó, e não
como ele mesmo sendo um dos herdeiros.
Em resumo, os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó foram escolhidos por
Deus para receber a aliança. Todos os outros, incluindo outros descendentes de
Abraão e Isaque, têm a oportunidade de receber a bênção através da mediação da
linha eleita. Além do mais, a eleição sucessiva dos patriarcas e sua resposta a
Deus em fé revelam dois importantes princípios para a história de Israel: (1) é
possível uma maior seletividade na linha fisicamente eleita; e (2) os verdadeiros
herdeiros são aqueles que creem em Deus, aqueles que receberam a aliança dele
pela fé.
O Senhor, nosso Deus, fez aliança conosco em Horebe. Não foi com nossos
pais que fez o Senhor esta aliança, e sim conosco, todos os que, hoje, aqui
estamos vivos. Face a face falou o Senhor conosco, no monte, do meio do
fogo (Nesse tempo, eu estava em pé entre o Senhor e vós, para vos notificar a
palavra do Senhor, porque temestes o fogo e não subistes ao monte.)
(Deuteronômio 5.2-5).
Dos céus te fez ouvir a voz, para te ensinar, e sobre a terra te mostrou o seu
grande fogo, e do meio do fogo ouviste as suas palavras. Porquanto amou teus
pais, e escolheu a sua descendência depois deles, e te tirou do Egito, ele mesmo
presente e com sua grande força, para lançar de diante de ti nações maiores e
mais poderosas do que tu, para te introduzir na sua terra e ta dar por herança,
como hoje se vê” (Deuteronômio 4.36-38).
Hoje, tomo por testemunhas contra vós outros o céu e a terra, que, com
efeito, perecereis, imediatamente, da terra a qual, passado o Jordão, ides
possuir; não prolongareis os vossos dias nela; antes, sereis de todo destruídos.
O SENHOR vos espalhará entre os povos, e restareis poucos em número entre
as gentes aonde o SENHOR vos conduzirá (vv. 26-27).
Ainda assim, ele prevê que a bênção do Senhor irá eventualmente ser restaurada.
Perceba a referência à aliança que Deus jurou aos patriarcas. Por causa dessa
aliança fundamental, o fracasso total de uma geração pode ser substituído pela
bênção de uma futura.8
Essa relação entre as alianças mosaica e abraâmica ajuda a explicar a
combinação de advertências e promessas dadas pelos profetas, especialmente à
medida que a destruição de Jerusalém e o exílio da nação se aproximava.
Jeremias 11.1-5 declara uma maldição contra aqueles que não obedecerem às leis
da aliança mosaica, a aliança que foi dada “para confirmar o juramento que
[Deus] fez aos [seus] antepassados [Abraão, Isaque e Jacó]” que eles seriam o seu
povo e habitariam na terra. Jeremias resume a mensagem de todos os profetas
como uma mensagem de arrependimento para que possam desfrutar da bênção
patriarcal (25.5ss). Porém, como resultado da contínua desobediência [à lei
mosaica], Jeremias prediz a destruição iminente e o exílio. E ainda assim, ele
profetiza posteriormente, “‘Porque eis que vêm dias’, diz o Senhor, ‘em que farei
voltar do cativeiro o meu povo Israel, e de Judá,’ diz o Senhor; ‘e tornarei a
trazê-los à terra que dei a seus pais, e a possuirão.’” Ezequiel também explica a
destruição e o exílio da nação como um julgamento por manter os termos da
aliança mosaica, porém, como Jeremias, ele prediz uma futura restauração às
bênçãos prometidas aos patriarcas (Ez 20.1-44; 36.17-38).
Os patriarcas que receberam a aliança abraâmica receberam-na pela fé.
Certamente, eles foram escolhidos por Deus. Abraão foi escolhido e recebeu a
promessa que a bênção e a mediação da bênção seriam dadas a seus
descendentes. Entretanto, Deus reservou o privilégio de selecionar alguns dentre
todos os descendentes físicos para receber a promessa. Aqueles que a receberam
fizeram pela fé.
Uma vez que a aliança mosaica é uma forma da aliança abraâmica, devemos
esperar que a concessão da bênção exija que os favorecidos sejam crentes.
Entretanto, a aliança mosaica foi dada a Israel como uma nação, o que gera um
problema: e se a nação for mista, incluindo crentes e descrentes – aqueles que
adoram e confiam em Deus e aqueles que confiam em si mesmos ou em falsos
deuses? E se alguns deles desprezassem a aliança como fez Esaú?
As histórias de Israel e Judá e as advertências e admoestações dos profetas
revelam dois princípios relacionados que falam a esse respeito. Um é que a
resposta da aliança de Deus à nação varia dependendo do caráter geral dela.
Quando Israel como um todo é caracterizado como uma nação de fé e confiança
no Senhor, Deus os abençoa com as bênçãos da aliança mosaica. Por exemplo,
no Mar Vermelho ele os livrou da morte, preservou suas vidas e os direcionou a
herança da terra prometida aos patriarcas. Da parte deles, “o povo temeu o
Senhor e acreditaram no Senhor e no seu servo Moisés” (Êx 14.31).
O povo que cruzou o Jordão temeu o Senhor; eles confiaram nele e agiram
em obediência aos mandamentos com base na sua fé. E ele deu-lhes a terra
prometida aos seus antepassados. No fim da conquista, eles afirmaram juntos:
Eram, pois, os de Judá e Israel muitos, numerosos como a areia que está ao pé
do mar; comiam, bebiam e se alegravam. Dominava Salomão sobre todos os
reinos desde o Eufrates até à terra dos filisteus e até à fronteira do Egito; os
quais pagavam tributo e serviram a Salomão todos os dias da sua vida [...]
Porque dominava sobre toda a região e sobre todos os reis aquém do Eufrates,
desde Tifsa até Gaza, e tinha paz por todo o derredor. Judá e Israel habitavam
confiados, cada um debaixo da sua videira e debaixo da sua figueira, desde Dã
até Berseba, todos os dias de Salomão (1 Reis 4.20-21, 24-25).
Entretanto, quando Israel como um todo foi caracterizado como uma nação sem
fé, eles experimentaram as maldições ao invés das bênçãos da aliança. No Sinai,
enquanto Moisés estava no monte, o povo fez um ídolo dizendo: “Eis aí os seus
deuses, ó Israel, que tiraram vocês do Egito” (Êx 32.4). Em resposta, o Senhor
disse a Moisés: “Deixe-me agora, para que a minha ira se acenda contra eles, e eu
os destrua. Depois farei de você uma grande nação” (Êx 32.10). Esse julgamento
proposto foi similar àquele que o Senhor realizou sobre toda humanidade nos
dias de Noé e está diretamente relacionado com a falta de fé de Israel no Senhor.
A decisão posterior de Deus de não realizar essas ameaças leva a uma revelação
do seu caráter como “compassivo e gracioso, tardio em se irar e abundante em
benignidade”. Entretanto, para que não haja dúvida, ele rapidamente adiciona
que, “de modo algum ele deixa o culpado impune” (Êx 34.6-7).
O livro de Juízes conta a história da luta de Israel com a fé e as bênçãos
divinas provisórias. Em Juízes 2.10, lemos que depois da morte da geração que
entrou na terra sob Josué, “surgiu uma nova geração que não conhecia o Senhor
e o que ele havia feito por Israel.” Eles eram uma geração incrédula que:
A partir do fim do reinado de Salomão até a história dos reis de Israel e Judá, o
povo lutou com a fé no Senhor. A despeito de notáveis exceções, ambas as
nações vieram a ser caracterizadas como um povo descrente, nações que se
esqueceram do Senhor ao colocar sua confiança em outros deuses.
Eventualmente, isso trouxe a maldição final da morte, destruição e expulsão da
terra da bênção. Em 2 Crônicas 36.11-21, lemos como Zedequias, o último rei
de Judá, seguindo o padrão daqueles que vieram antes dele:
Fez o que era mau perante o SENHOR, seu Deus, e não se humilhou perante o
profeta Jeremias, que falava da parte do SENHOR. [...] mas endureceu a sua
cerviz e tanto se obstinou no seu coração, que não voltou ao SENHOR, Deus de
Israel. Também todos os chefes dos sacerdotes e o povo aumentavam mais e
mais as transgressões, segundo todas as abominações dos gentios; e
contaminaram a casa que o SENHOR tinha santificado em Jerusalém. O
SENHOR, Deus de seus pais, começando de madrugada, falou-lhes por
intermédio dos seus mensageiros, porque se compadecera do seu povo e da
sua própria morada. Eles, porém, zombavam dos mensageiros, desprezavam as
palavras de Deus e mofavam dos seus profetas, até que subiu a ira do SENHOR
contra o seu povo, e não houve remédio algum.
Porque a nação como um todo foi caracterizada como um povo descrente e sem
fé, a ira de Deus veio sobre eles. Eles foram cortados das bênçãos prometidas a
Abraão e seus descendentes, pois essas bênçãos eram para serem recebidas pela fé
no Senhor. Sob os termos da aliança mosaica, quando a nação era uma nação de
fé, confiando no Senhor e andando em seus caminhos, eles eram abençoados
com a forma dispensacional da bênção abraâmica oferecida na aliança mosaica.
Quando eles eram uma nação que rejeitava o Senhor, caracterizada pela
descrença, colocando sua fé em e andando nos caminhos dos outros deuses em
vez do Senhor, eles não recebiam a bênção de Deus. Eles eram vistos por Deus
como “não meu povo e eu não seu Deus” (Os 1.9).
Consequentemente, vemos que na dispensação mosaica Deus se relacionou
com Israel como uma nação, um grupo coletivo de pessoas que poderia ser
caracterizado no todo, quer como um grupo coletivo de pessoas de fé, ou um
povo descrente. Porém, havia outro princípio, o princípio do remanescente da
fé. O tratamento de Deus da nação como um todo leva em consideração esses
indivíduos que verdadeiramente colocaram sua fé, segurança e confiança no
Senhor. Eles são os verdadeiros beneficiários da outorga abraâmica, significando
que não somente eles recebem a bênção do Senhor, mas eles fazem mediação
dela para o restante.
A presença de uma grande maioria de crentes dentro de Israel leva à
caracterização da nação como de uma única fé. Entretanto, o fato de que a nação
como um todo é tratada como um povo crente e fiel não significa que todo
membro dela é dessa forma um crente e consequentemente justificado como foi
Abraão. Em vez disso, a presença de uma grande maioria de indivíduos que são
crentes, e consequentemente justificados, cria uma situação na qual o Senhor
concede bênçãos nacionais sobre o todo coletivo.
Quando a nação como um todo é caracterizada pela descrença, não obstante
o Senhor mantém um remanescente de fé dentro dela. Nos dias em que Acabe e
Jezabel governaram Israel e levaram a nação ao culto a Baal, as maldições da
aliança de fome e tribulação caíram sobre a nação. Elias sentiu que ele era o
único adorador de Deus deixado entre o povo. Porém, o Senhor revelou a ele
que havia deixado sete mil que ainda o adoravam (1Rs 19.14-18).
Conforme o julgamento de Deus vem sobre a nação, que de modo geral é
caracterizada pela incredulidade, o remanescente mantém sua confiança no
Senhor. Suas vidas estão fundamentadas sobre a Rocha de Israel, encontrando
segurança nele, mesmo que uma destruição surgisse ao redor deles (Is 28.16). A
bênção feita na aliança com eles é uma esperança escatológica de que a ira de
Deus caindo sobre a nação servirá como purificação, um fogo refinador que os
conduzirá – o remanescente de fé – à bênção da aliança.
Mas quem poderá suportar o dia da sua vinda? E quem poderá subsistir
quando ele aparecer? Porque ele é como o fogo do ourives e como a potassa
dos lavandeiros. Assentar-se-á como derretedor e purificador de prata;
purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata; eles trarão
ao SENHOR justas ofertas. Então, a oferta de Judá e de Jerusalém será agradável
ao SENHOR, como nos dias antigos e como nos primeiros anos. [...] Pois eis
que vem o dia e arde como fornalha; todos os soberbos e todos os que
cometem perversidade serão como o restolho; o dia que vem os abrasará, diz o
SENHOR dos Exércitos, de sorte que não lhes deixará nem raiz nem ramo. Mas
para vós outros que temeis o meu nome nascerá o sol da justiça, trazendo
salvação nas suas asas; saireis e saltareis como bezerros soltos da estrebaria
(Malaquias 3.2-4; 4.1-2; cf. Is 1.24-26).
Essa linguagem revela a intimidade que existirá entre o rei da aliança e o Senhor,
bem como a segurança desse relacionamento. O Senhor declara que sua
benignidade habitará com esse rei, o filho adotado do Senhor (2Sm 7.15;
1Cr 17.13; Sl 89.24, 28, 33). Da sua parte, o rei confia no Senhor e pela fé ele
recebe as promessas da sua aliança. No vínculo do amor de Deus por ele e
através da sua confiança mútua no Senhor, o reino do Filho é estabelecido sobre
tudo e para sempre.
A promessa que “ele construirá uma casa para mim” (1Cr 17.12; 2Cr 17.12;
2Sm 7.13) também mostra a resposta amorosa do Filho ao Pai. A casa falada
aqui é o templo do Senhor, o novo modo da presença de Deus entre o seu povo.
De tal forma, o templo funcionaria como um cumprimento histórico da bênção
abraâmica declarada a Jacó, que Deus estaria com seu povo, assim constituindo-
os como seu povo e revelando a si mesmo como seu Deus.
A promessa para Davi foi que seu filho estabeleceria o modo pelo qual Deus
seria apresentado entre seu povo e pelo qual o povo, por sua vez, adoraria a
Deus. Vemos isso primeiramente em Salomão, quando ele constrói o templo de
Deus.12 O Senhor o aceitou como o modo da sua presença entre seu povo ao
enchê-lo com sua glória (1Rs 6.12-13; 2Cr 7.1-4). Salomão apresentou o templo
ao povo como o lugar central para o culto em Israel. Dessa forma, o rei apoiou e
afirmou o culto a Deus. E 1 Crônicas 17.12 e 2 Samuel 7.13, a frase “e
estabelecerei seu trono para sempre” está ligada à frase “ele construirá uma casa
para mim”. Isso mostra que o estabelecimento do trono do rei anda lado a lado
com o estabelecimento do rei do culto a Deus.
Construir e manter um templo são atos sacerdotais. Sacerdotes pagãos
mantiveram altares para o culto a seus deuses. Sacerdotes levíticos também foram
conhecidos por manter altares (em violação à lei mosaica, veja Jz 18). Já que o rei
davídico constrói e mantém a casa de Deus, não é surpreendente que ele seja
descrito nas Escrituras como um tipo de sacerdote. Em Salmos 110.4 lemos:
Não vos convém saber que o SENHOR, Deus de Israel, deu para sempre a Davi
a soberania de Israel, a ele e a seus filhos, por uma aliança de sal?
(2 Crônicas 13.5)
Porém o SENHOR não quis destruir a casa de Davi por causa da aliança que
com ele fizera, segundo a promessa que lhe havia feito de dar a ele, sempre,
uma lâmpada e a seus filhos (2 Crônicas 21.7).
Assim como a aliança com Abraão, a aliança com Davi é uma aliança outorgada.
É o estabelecimento formal de uma concessão ou dádiva a Davi, o servo do
Senhor. Ela consiste em promessas a Davi e é frequentemente referenciada dessa
maneira, como a promessa do Senhor a Davi (2Sm 7.28; 1Rs 2.4, 24; 5.12;
8.20, 24-25, 56; 9.5; 2Rs 8.19; 1Cr 17.26; 2Cr 1.9; 6.10, 15-16; 21.7). Como
uma aliança outorgada, a aliança davídica é incondicional. Davi, um homem de
fé, recebe essas promessas acreditando que Deus irá cumpri-las. Deus declara sua
intenção de realizar essas bênçãos a Davi como um ato de sua graça. Em
concordância com isso, as condições estão ausentes quando a promessa é revelada
a Davi (2Sm 7; 1Cr 17). E a intenção de Deus de cumprir a promessa é repetida
na história subsequente dos reis davídicos, a despeito dos muitos atos de
deslealdade da parte deles (veja 1Rs 11.11-13. 34-36; 15-4-5; 2Rs 8.19;
2Cr 21.7; 23.3).
Entretanto, quando a aliança é transferida a Salomão, ela é colocada em uma
forma condicional. Davi anuncia:
No seu subsequente encargo a Salomão, Davi revela uma nova promessa que é
condicional em natureza, e que não tinha aparecido na lista de promessas em
2 Samuel 7 ou 1 Crônicas 17:
Eram, pois, os de Judá e Israel muitos, numeroso como a areia que está ao pé
do mar; comiam, bebiam e se alegravam. Dominava Salomão sobre todos os
reinos desde o Eufrates até a terra dos filisteus e até à fronteira do Egito; os
quais pagavam tributo e serviram a Salomão todos os dias da sua vida.
A Aliança Davídica e a Nova Aliança. Uma nova aliança foi profetizada para
substituir a aliança mosaica, para trazer a bênção abraâmica completa e
permanentemente à existência dos descendentes de Abraão. A nova aliança faria
isso por meio da outorga de outra bênção, a renovação e santificação do coração
humano por meio da habitação do Espírito Santo, juntamente com a
ressurreição dos mortos e vida eterna. A esse povo renovado, santificado e
ressuscitado, a promessa da bênção seria cumprida para sempre.
A aliança davídica também foi dada para trazer a aliança abraâmica ao
cumprimento eterno. Consequentemente, as alianças davídica e a nova devem
estar juntas nessa tarefa. Na aliança davídica, a bênção que vem sobre o rei é a
bênção abraâmica. Na aliança mosaica, ela vem sobre ele como a bênção da
aliança mosaica. Numa futura dispensação, a bênção viria sobre o rei como a
bênção da nova aliança. Essa bênção da nova aliança seria o cumprimento da
bênção prometida a Abraão. Isso incluía muitas das coisas previstas pela aliança
mosaica – paz, prosperidade e segurança na terra da promessa. Porém, ela
também incluía a promessa da ressurreição de vida com um novo coração.
Consequentemente, o cumprimento da aliança davídica aconteceria no rei que
incorporaria a promessa da nova aliança de um novo coração e uma vida imortal
mediada pela habitação do Espírito de Deus.
Os profetas que predisseram a nova aliança geralmente falaram do
cumprimento da aliança a Davi no reino de um rei futuro. Esse rei é
repetidamente caracterizado pela retidão, justiça e fidelidade. Ele é
completamente habitado pelo Espírito de Deus, governando para sempre com
sabedoria piedosa e poder (veja Is 9.6-7; 11.1-10; Jr 23.5-6; 33.14-26). Ao passo
que, sob a dispensação mosaica o rei de Israel estava certamente habitado pelo
Espírito de Deus (1Sm 16.13), essa bênção não era necessariamente permanente
(1Sm 16.14; cf Sl 51.11), não resultou na renovação completa do coração
levando a completa obediência conforme prevista nas promessas da nova aliança,
nem o tornaria imortal. O rei que foi profetizado pelos profetas da nova aliança
supera grandemente em caráter, poder e dimensão do reino, tanto de Davi
quanto de Salomão, a grandeza dos antigos reis de Israel.
Também vimos que a aliança davídica constituiu o rei como um mediador da
bênção da aliança ao resto de Israel, assim como um mediador da bênção para
todas as nações. Visto que a nova aliança é a forma pela qual a bênção da aliança
abraâmica será cumprida, nesse caso concordando com a estrutura da aliança
davídica, a bênção da nova aliança será mediada pelo rei davídico. Isso
significaria que até mesmo as bênçãos de ressurreição, renovo e santificação pelo
habitar do Espírito Santo irão de alguma forma serem mediadas através do rei.
Podemos ver isso implícito no cenário da nova aliança de Ezequiel 37, onde
as promessas são cumpridas com Davi (isto é, o rei davídico) governando sobre o
povo e Deus habitando no meio deles para sempre. Também observamos como
nas predições do governo desse rei, as Escrituras geralmente se movem do caráter
do rei de retidão para a retidão que caracteriza o reino (Is 11.1-10; Jr 23.5-6).
Porém, a evidência é mais forte nos textos como Isaías 49.5-8 e 55.3. O servo,
predito nos oráculos de Isaías 41-53, às vezes é o próprio Israel, mas às vezes é
uma pessoa de Israel, que representa e atua em favor da nação. Essa pessoa, em
Isaías 52.13, é um rei futuro de Israel, o Messias de Deus.18 Em Isaías 49.8, esse
servo será dado “para o povo, para restaurar a terra e distribuir suas propriedades
abandonadas”. Em outras palavras, esse servo funcionaria como aliança de Deus,
trazendo as promessas ao cumprimento. Como ele faz isso parece estar implícito
em 49.5 – ele irá “trazer de volta Jacó e reunir Israel a ele mesmo”. Ele traz Israel
a Deus para o cumprimento da bênção da aliança. A nova aliança é a obra de
graça de Deus trazendo Israel de volta a si mesmo para a completa recepção das
bênçãos da aliança. Esse rei futuro, que será dado em um ato de expiação pelos
pecados da nação (Is 53), será usado por Deus para mediar a bênção que renova
e restaura seu povo.
Porém, como as promessas da aliança preveem uma bênção sobre todos os
povos, o futuro rei davídico, da mesma forma, mediará a bênção da nova aliança
para todas as nações. Em Isaías 49.6, lemos:
Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo, para restaurares as tribos de Jacó e
tornares a trazer os remanescentes de Israel, também te dei como luz para os
gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra.
Isso está de acordo com outras profecias, que através do futuro rei davídico a
bênção viria aos gentios (Is 11.10; 55.3-4). Uma vez que o rei é aquele em quem
todos serão abençoados, ele é aquele por quem a paz virá sobre todos os povos.
Consequentemente, é por meio dele que o renovo, a ressurreição e a santificação
pela habitação do Espírito de Deus serão dados não somente para Israel, mas
para todos os povos.
RESUMO
A história das alianças antes de Jesus Cristo é a história da promessa divina de
abençoar toda vida na terra – todas as nações e povos que a compõe. É a história
do plano divino de redenção, de reconciliação, que expressa a esperança do
cumprimento desse propósito que foi revelado na criação: uma terra repleta de
vida, repleta especialmente com seres humanos vivendo em paz, prosperidade e
completa comunhão com Deus.
É necessariamente uma história de redenção porque, as bênçãos de Deus
apresentadas nas alianças estão em contraste aos julgamentos fundamentais
contra o pecado – advertências e pronunciamentos de miséria, insegurança,
destruição e morte.
A aliança com Abraão é fundamental, pois ela coleta a promessa da aliança
noética (feita com toda vida) e dirige diretamente à existência humana. Ela
oferece a bênção de Deus sobre a vida humana tanto individualmente, quanto na
sua identidade coletiva nacional. A história da Bíblia, de Abraão em diante, é a
história do relacionamento de Deus com os seres humanos como estabelecido na
sua aliança e desenvolvido a partir dela à medida que seus elementos são
expandidos e detalhados em uma revelação subsequente.
A bênção (em contraste aos julgamentos merecidos de miséria, morte e
destruição) foi decretada pela iniciativa divina como uma concessão a Abraão,
que por sua vez a recebeu pela fé e experimentou muitos de seus aspectos em sua
vida pessoal e familiar enquanto andou com o Senhor em obediência a seus
mandamentos. A aliança designou Abraão como mediador da bênção de Deus
para todos os povos e nações na terra. Todos que abençoassem Abraão,
acreditando na promessa que Deus concedeu a ele, seriam da mesma forma
abençoados por Deus.
A bênção e a mediação da bênção passaram para os descendentes de Abraão à
medida que eles eram escolhidos por Deus para herdar a aliança. Uma nova
dispensação para as bênçãos foi instituída pela aliança mosaica, que constituiu os
descendentes de Abraão, Isaque e Jacó, como uma nação, tomando o nome
divino para Jacó – Israel. A lei da aliança mosaica desafiou as gerações de Israel
para confiarem somente em Deus e obedecerem a seus mandamentos. Aqueles
que eram da fé dos patriarcas buscaram adorar a Deus de acordo com seus
mandamentos. Eles eram os verdadeiros herdeiros da outorga patriarcal e
mediaram sua bênção (na forma da dispensação específica da bênção mosaica) ao
resto da nação e outros povos também. Quando o Israel da fé constituiu somente
um pequeno remanescente do Israel físico, as maldições da aliança mosaica, o
julgamento da miséria, a destruição, o exílio e a morte ameaçaram a nação.
Porém, o remanescente da fé herdou a esperança de herdar a bênção divina em
uma era escatológica.
Durante a dispensação mosaica, o papel da mediação da bênção foi
politicamente reestruturado como uma função do rei davídico. Uma aliança foi
feita com Davi para abençoar a ele e ao(s) seu(s) filho(s) com o governo sobre
Israel e o resto das nações; um relacionamento íntimo e abençoado com Deus e a
mediação (até mesmo mediação sacerdotal) da bênção para Israel para todos os
povos e nações. Na dispensação mosaica, essa outorga manifestou-se em vários
níveis nos reinos daqueles reis davídicos que confiaram no Senhor de acordo
com a aliança mosaica.
Porém, conforme a história da infidelidade e apostasia de Israel finalmente
levaram à destruição nacional e exílio, os profetas olharam para uma nova
dispensação, na qual uma nova aliança substituiria a aliança mosaica e traria a
outorga abraâmica em cumprimento eterno. Nessa nova aliança, Deus garantiria
a bênção de corações reconstruídos, cheios do Espírito, completamente
confiantes e obedientes a ele, tendo a vontade de Deus escrita diretamente em
suas próprias vidas. Ele eliminaria o problema do pecado de tal forma que a
bênção seria recebida completa e eternamente. Ele concederia total perdão dos
pecados e ressurreição dos mortos para uma vida imortal. Todas as promessas de
bênçãos para uma vida pessoal e nacional de comunhão com Deus, com paz e
prosperidade, seriam cumpridas para sempre.
A bênção da nova aliança seria exemplificada na vida de um rei davídico,cujo
governo e sua mediação levariam as bênçãos ao Israel da fé – esse remanescente
do Israel físico que confia em Deus – e também à todas as nações que confiassem
em Deus através desse rei, para que, desta forma, venham a constituir aquelas
nações que são abençoadas para sempre “nele”
1. Moshe Weinfeld, “The Covenant of Grant in the Old Testament and in the Ancient Near East,” Journal of
the American Oriental Society 90 (1970): pp. 184-203.
2. Cleon Rogers, Jr., “The Covenant with Abraham and Its Historical Setting,” Bibliotheca Sacra 127 (1970):
252; Walter Kaiser, Jr., Toward an Old Testament Theology (Grand Rapids: Zondervan, 1978), pp. 92-94.
3. O argumento de Robert Chisholm merece atenção. Ele argumenta que a promessa era condicional até o
momento do sacrifício de Isaque por Abraão. Nesse momento, a aliança foi efetivamente feita através da
terra de Deus como uma garantia aos descendentes de Abraão. Assim como uma aliança outorgada, a
promessa condicional anterior se torna de agora em diante incondicional. O artigo de Chisholm foi
publicado um pouco antes da escrita desse capítulo. Não houve tempo suficiente para analisar e incorporar
seus argumentos aqui. Veja: Robert Chisholm, “Evidence from Genesis,” em A Case for Premillennialism: A
New Consensus, ed. Donald Campbell and Jeffrey Townsend (Chicago: Moody, 1992), pp. 35-54.
4. Comparando os dois textos em Gênesis 27.29 e 49.8-10, a frase “que os povos o sirvam” é transferida
para Judá como “e a ele todos os povos obedecerão”. A frase “e que os filhos de sua mãe se prostrem a você”
é transferida como “os filhos de seu pai se prostrarão a você”. Para Jacó, essa última frase é distinguida entre
aqueles da promessa e aqueles de fora. À medida que a bênção do reinado é dada especialmente para Judá,
ela também distingue um regente de outros dentro da promessa.
5. Compare os seguintes textos: Êxodo 2.24; 3.6; 15-17; 4.5; 6.3-8; 19.5-6; 20.2-4; 32.13; 33.1, 12-16;
Levítico 26.42; Números 24.9; 32.11; Deuteronômio 1.8; 4.29-31, 37-40; 5.6-11; 6.3, 10; 7.8-13; 8.1;
9.5; 29.13; 30.20; 34.4.
6. Deve-se lembrar que a controvérsia entre Deus e Israel (ou Judá) acerca da possibilidade do exílio é no
todo uma controvérsia acerca de um elemento chave na aliança patriarcal – a terra e uma vida abençoada
nela. Ocasionalmente, uma menção é feita aos patriarcas por nome (veja Jr 4.2; 11.1-5; 24.10; 25.5; 35.15).
7. Veja Isaías 51.2-3; Jeremias 30.3; 31.33; 32.21-44; Ezequiel 20.42; 36 28; 47.14; e Miquéias 7.20. Essas
referências servem para interpretar o tema inteiro da restauração por entre os profetas como baseada
fundamentalmente na aliança patriarcal.
8. Essa predição é repetida em Deuteronômio 30, uma passagem que tem sido chamada algumas vezes
como aliança palestina. Parece melhor, entretanto, não a ver como uma aliança distinta da aliança mosaica,
mas como parte da nova declaração dessa aliança no tempo da entrada de Israel na terra.
9. Pode ser argumentado que a visão de Ezequiel da ressurreição é uma metáfora para o retorno de uma
geração posterior à terra prometida. Isso é plausível à luz do gênero literário de Ezequiel e o contexto
histórico. O Novo Testamento, entretanto, incorpora a linguagem de Ezequiel em seu próprio ensino
acerca da ressurreição futura dos mortos. Veja Romanos 8.11.
10. Agostinho, Confissões 10.29.40.
11. Isso é visto não somente nas narrativas históricas de Samuel e Crônicas, mas também nos Salmos. Veja
especialmente sua atitude em relação à aliança mosaica no Salmo 119.
12. Salomão declarou que a construção do templo seria um cumprimento da promessa da aliança de Deus a
Davi (1Rs 8.15-21).
13. Colocamos acima que a aliança abraâmica é geralmente referida como o juramento que Deus fez aos
antepassados. Encontramos a aliança davídica referida como o juramento divino em Salmos 89.3, 35, 49 e
132.11. A estrutura é a mesma que em Salmos 110.4.
14. Não deveria ser pensado que essa promessa é concernente a Davi somente, mesmo que tenha sido falada
para ele. A aliança se transfere à linhagem de Davi conforme a casa davídica é estabelecida.
1 Crônicas 29.25 diz: “O Senhor engrandeceu sobremaneira a Salomão perante todo o Israel; deu-lhe
majestade real, qual antes dele não teve nenhum rei em Israel”. A promessa do grande nome passou para
Salomão juntamente com o resto das promessas da aliança (cf. 2Cr 1.1)
15. Veja as ações de Ezequias e Josias em 2 Reis 18.1-7 e 2 Reis 22.11-23.27. No caso de Josias, sua
reforma não foi suficiente para afastar da ira de Deus em forma de julgamentos dos pecados desses que
foram diante dele.
16. A epígrafe, “um Salmo de Salomão” elenca esse salmo real como uma adoração descritiva para o reino
do filho de Davi.
17. Veja novamente 1 Reis 2.3-4, quando a promessa condicional do trono no verso 4 repousa sobre o
cumprimento dos requisitos da aliança mosaica no verso 3.
18. A promessa que o servo seria “exaltado e elevado e mui sublime” se compara com a promessa da aliança
davídica nos Salmos 89.19, 24, 27: “do meio do povo, exaltei um escolhido [...] e em meu nome crescerá o
seu poder [...] Fá-lo-ei, por isso, meu primogênito, o mais elevado entre os reis da terra”. Também compare
a descrição de Salomão em 1 Crônicas 29.25 e 2 Crônicas 1.1.
CAPÍTULO 6
Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará
o trono de Davi, seu pai; ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu
reinado não terá fim. Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não
tenho relação com homem algum? Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o
Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por
isso, também o ente santo que há de nascer chamado Filho de Deus.
É rei de Israel! Desça da cruz, e creremos nele. Confiou em Deus; pois venha
livrá-lo agora, se, de fato, lhe quer bem; porque disse: “Sou Filho de Deus”
(Mateus 27.42-43).
Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas às igrejas. Eu sou a
Raiz e a Geração de Davi, a brilhante Estrela da manhã (Apocalipse 22.16).
“Mas tu, ó Israel, servo meu, tu, Jacó, a quem elegi, descendente [semente] de
Abraão, meu amigo, tu, a quem tomei das extremidades da terra, e chamei
dos seus cantos mais remotos, e a quem disse: Tu és o meu servo, eu te escolhi
e não te rejeitei, não temas, porque eu sou contigo; não te assombres, porque
eu sou o teu Deus; eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha destra
fiel”.14
O cântico de Maria revela sua crença de que aquele a quem ela carregaria para
cumprir as promessas a Davi também cumpriria as promessas feitas a Abraão. Na
mente dela, o cumprimento da aliança davídica foi o meio pelo qual a promessa
abraâmica seria cumprida. E não parece ser uma coincidência que ela declare a
promessa abraâmica na linguagem do primeiro oráculo de Isaías, pois como uma
série de oráculos em progresso, o Servo é eventualmente identificado como um
indivíduo dentro de Israel que serve Israel e através de quem o serviço de Israel a
Deus é alcançado (Is 49.5-6).
A profecia de Zacarias em Lucas 1.68-79 continua esse tema ao proclamar
“Deus de Israel [...] nos suscitou plena e poderosa salvação na casa de Davi, seu
servo [...] e lembrar-se da sua santa aliança e do juramento que fez a Abraão, o
nosso pai”. Isso levará, ele diz, a Israel servir a Deus “em santidade e retidão por
todos os nossos dias”, uma descrição que relembra a promessa da aliança de que
eles seriam seu povo e ele seria seu Deus.
O segundo sermão de Pedro, Atos 3.12-26, proclama Jesus como o Servo do
Deus de Abraão, Isaque e Jacó que foi enviado a Israel para fazê-los voltar para
Deus (vv. 13, 26). A referência a Isaías 49.5-6 (quando o Servo traz Israel de
volta para Deus) é inconfundível. Além do mais, ele declara que Deus é o
mediador da bênção prometida na aliança abraâmica.
Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com vossos
pais, dizendo a Abraão: “Na tua descendência, serão abençoadas todas as
nações da terra.” Tendo Deus ressuscitado o seu Servo, enviou-o
primeiramente a vós outros para vos abençoar, no sentido de que cada um se
aparte das suas perversidades (Atos 3.25-26).
Não foi por intermédio da lei que a Abraão ou a sua descendência coube a
promessa de ser herdeiro do mundo, e sim mediante a justiça da fé. [...] Essa é
a razão por que provém da fé, para que seja segundo a graça, a fim de que seja
firme a promessa pra toda a descendência, não somente ao que está no regime
da lei, mas também ao que é da fé que teve Abraão (porque Abraão é pai de
todos nós [...] (Romanos 4.13,16).
Novamente, ele diz (em Gl 3.9), “os da fé são abençoados com o crente Abraão”.
Isso necessariamente pressupõe uma distinção dentro de Israel: aqueles que são
da fé de Abraão e consequentemente recebem as bênçãos da aliança abraâmica, e
aqueles que não são da fé de Abraão e que consequentemente perdem a
possibilidade de herdar essa bênção. Em Romanos 9.6-8, ele argumenta:
Porque nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem
descendentes [semente] de Abraão são todos seus filhos; mas: Em Isaque será
chamada a tua descendência [semente]. Isto é, estes filhos de Deus não são
propriamente os da carne, mas devem ser considerados como descendência os
filhos da promessa.
Aqui, os filhos da promessa são aqueles descendentes físicos que Deus escolheu
(veja Rm 9.11, 16, 18; 11.5). Eles também são vistos como aqueles que creem.
Aqueles que são rejeitados são rejeitados “por sua incredulidade” (11.20). Porém,
“se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados” (v. 23). Aqueles
judeus que falharam em obter a bênção da aliança falharam porque “não
decorreu da fé, e sim como que das obras. Tropeçaram na pedra de tropeço,
como está escrito: Eis que ponho em Sião uma pedra de tropeço e rocha de
escândalo, e aquele que nela crê não será confundido”. (Rm 9.32.33).
Os gentios que acreditam em Jesus Cristo recebem as bênçãos de Abraão
consistente com a promessa de abençoar todas as nações nele. Paulo argumenta
em Romanos 4.9-12 que Abraão recebeu a promessa pela fé antes de ser
circuncidado. Isso é um sinal que os gentios iriam ser abençoados através dessa
aliança pela fé. Em Gálatas 3.8, Paulo chama a promessa para abençoar as nações
do Evangelho, que é para ser recebido pela fé. “Assim, os que são da fé são
abençoados juntamente com Abraão, homem de fé”. É “em Cristo Jesus” que “a
bênção de Abraão” vem “aos gentios [...] através da fé”.
A bênção que os judeus e os gentios receberam através da fé é compartilhada
igualmente por ambos os grupos sem distinção de raça, gênero ou classe social
(Gl 3.28; Ef 2.14-16; 3.6). Quanto ao conteúdo específico dessa bênção,
devemos voltar à nova aliança.
RESUMO
No seu ministério davídico presente e futuro, Jesus recebeu e mediou as bênçãos
da aliança abraâmica. Nele, e através dele, essa aliança é e será cumprida. Sua
mediação da bênção se estende a todas as pessoas, aos judeus e gentios que
confiam nele. Porém, ele a medeia em estágios, com as bênçãos nacionais e
políticas aguardando a dispensação do seu retorno.
JESUS E A ALIANÇA MOSAICA
Temos visto que a aliança mosaica foi um arranjo no qual Israel e Judá poderiam
experimentar a bênção da aliança abraâmica (ou por outro lado, a maldição do
Senhor) em sua vida nacional diária. Como resposta de Deus ao povo, as
bênçãos ou maldições eram o cumprimento da aliança. Consequentemente, a
aliança mosaica foi sendo continuamente cumprida no dia-a-dia da história de
Israel, pois eles estavam sempre sob a bênção ou maldição de Deus.
As promessas da nova aliança, entretanto, olharam para um tempo quando a
aliança mosaica seria substituída. Ela viria a um fim e seria substituída por uma
nova aliança.
O Novo Testamento ensina que Jesus Cristo trouxe a aliança mosaica a seu
cumprimento final. Em Mateus 5.17-18, Jesus ensinou:
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim
para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem,
nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra.
O termo Lei é usado aqui como uma referência às Escrituras em si. Quando é
usado juntamente com Profetas ele se refere ao Pentateuco, os primeiros cinco
livros do Antigo Testamento, comumente referenciados como a Torá, ou Lei. O
segundo uso de lei, no verso 18, se refere às Escrituras do Antigo Testamento
como um todo. É importante notar que Jesus não está se referindo aos
mandamentos divinos sozinhos quando ele fala da lei aqui. O uso mais amplo
abrange esses mandamentos conforme eles aparecem dentro das alianças as quais
eles pertencem. Esse uso mais amplo também abrange os padrões de como Deus
lida com Israel apresentados nas narrativas das Escrituras do Antigo Testamento.
Jesus inclui tudo isso quando ele diz que ele não veio para abolir a lei, mas para
cumprir.
A palavra em ação é cumprir. Alguns sugeriram que isso significa que ele veio
para defender, e proclamar, a Lei assim como outros mestres das Escrituras. O
uso da palavra cumprir no evangelho de Mateus, entretanto, parece levar a um
entendimento diferente. Jesus cumpre as Escrituras ao replicar em sua própria
vida os padrões das relações históricas de Deus com Israel e ao cumprir em sua
própria história os eventos preditos da profecia.16
Quando é o caso das alianças apresentadas ou preditas no Antigo
Testamento, Deus as cumpre também. Já vimos como ele é apresentado como o
cumprimento das alianças davídica e abraâmica, um cumprimento que se dá na
sua obra vigente. Quando é o caso da aliança mosaica, entretanto, o Novo
Testamento apresenta essa aliança como completamente cumprida na morte de
Jesus Cristo. Os termos específicos dessa aliança não foram arbitrariamente
postos de lado (abolidos). A aliança estava legalmente vinculada à menor letra ou
traço até que os céus e terra (o testemunho da aliança em Dt 4.30) tiverem
passado.17 Porém, Jesus introduz outro até: “até que tudo seja cumprido”. O
cumprimento das alianças, das profecias e dos padrões das Escrituras se dão na
história do seu ministério – alguns durante o tempo do seu nascimento, infância
e pré-ascensão adulta ao ministério, alguns em sua morte e ascensão, alguns
ainda na sua atuação presente, e o restante em seu retorno futuro e reino eterno.
É nesse “cumprimento” das alianças, das profecias e dos padrões das Escrituras,
que a aliança mosaica tal como é dita é cumprida e substituída por uma nova
aliança que dura para sempre.
Hebreus 8-10 fala dessa mudança da aliança. Muito do que ela tem a dizer
diz respeito à fundamentação, a base, e às implicações do estabelecimento da
nova aliança. A aliança mosaica é referenciada como “obsoleta”, “envelhecendo”
e “pronta para desaparecer”. Certas características cerimoniais dessa aliança são
especialmente salientadas como tendo sido substituídas.
Usando a linguagem de Deuteronômio 30, Paulo diz em Romanos 10.1-10,
que “Cristo é o fim da lei” (v. 4). A palavra lei aqui se refere às estipulações da
aliança mosaica, pois foram essas estipulações da aliança como um todo que
estavam em vista em Deuteronômio 30. O mesmo é verdade para sua declaração
em Efésios 2.14-15, que Cristo “tendo derribado a parede da separação [uma
característica estrutural do templo que separava gentios dos judeus] aboliu, na
sua carne, a lei dos mandamentos na forma de ordenanças”. A palavra Lei aqui se
refere à seção da aliança mosaica das estipulações que foi geralmente referenciada
como “os mandamentos, os estatutos e os julgamentos [ordenanças]” (Dt 6.1-2,
17; 7.11; 8.11; 11.1; 12.1; 28.1, 15; 30.10, 16). As estipulações foram talvez a
característica mais marcante e vital da aliança mosaica, tal que uma referência a
essa porção da aliança foi uma referência à aliança como um todo.
Essa observação se torna até mesmo mais clara em Romanos 7.1-6 quando
Paulo compara a lei a uma aliança de casamento. Certamente, nessa passagem, a
lei significa a aliança mosaica em si. Paulo fala de nosso relacionamento com a lei
(aliança mosaica) terminando na morte de Jesus Cristo, assim como a obrigação
de casamento de um parceiro à aliança do casamento termina na morte do outro
parceiro (vv. 3-4). É possível para esse parceiro do casamento entrar em uma
nova aliança de casamento e da mesma forma que Paulo usa a linguagem das
profecias da nova aliança, ele fala de sermos “libertos da lei” (libertados da
aliança mosaica) e “servindo na novidade do Espírito” (trazida para a nova
aliança).
O fim da aliança Mosaica é também proclamado em Gálatas 3-4, quando
Paulo fala do presente recebimento do Espírito Santo na igreja (3.2, 5; 4.6), uma
provisão da nova aliança. Nesta passagem, ele se refere à aliança mosaica pelo
termo lei e à aliança abraâmica pelo termo promessa. A aparição do termo aliança
em 3.15,17 ajuda a esclarecer que as alianças estão de fato em perspectiva, como
faz também a referência histórica à lei, ao ser formalmente instituída (v. 19) 430
anos depois da promessa (v. 17). Finalmente, em Gálatas 4.24, Paulo
explicitamente declara que ele está falando de duas alianças, uma das quais foi
feita no Monte Sinai. Ele faz importantes observações acerca dessas alianças:
Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável,
sem mácula, separado dos pecadores e feito mais alto do que os céus, que não
tem necessidade, como os sumos sacerdotes, de oferecer todos os dias
sacrifícios, primeiro, por seus próprios pecados, depois, pelos do povo; porque
fez isto de uma vez por todas, quando a si mesmo se ofereceu (7.26-27).
Hebreus argumenta que o ato sacerdotal foi uma função de mediação do seu
sacerdócio melquisedequiano, que pertence a ele como Cristo, o Filho de Davi.
Ele ofereceu o sacrifício de si mesmo, que cumpriu o sistema sacrificial da aliança
mosaica e “sentou à direita de Deus”, como Senhor (Sl 110.1) de Israel e das
nações (Hb 10.1-18; veja especialmente o verso 12). Tendo cumprido a aliança
mosaica, ele tornou possível o estabelecimento de uma nova aliança em seu
lugar.
Romanos 7.1-6 vê a morte de Cristo como a morte de um parceiro da aliança
que, portanto, marca o fim de uma aliança bilateral. Paulo não explica como
Cristo deve ser visto como um parceiro da aliança. O fato de que ele é o Cristo,
o rei de Israel, sugere que sua morte é representativa da nação. Esse pensamento
está relacionado ao seu papel como o Servo de Deus, que é tanto Israel quanto
um representante de Israel ministrando em favor de Israel e das nações. Ele
também é Deus (Rm 9.5), aquele que faz a aliança, assim sua morte é mais
significativa do que qualquer rei davídico anterior. E quando adicionamos o fato
que sua morte foi satisfatória à aliança para a transgressão do povo de Deus, ao
cumprir a maldição da aliança, o encerramento da aliança mosaica é tido como
completo.
Antes de deixarmos a questão do cumprimento da aliança mosaica por Jesus,
devemos destacar que o término dessa aliança não significa que o povo de Deus é
deixado em um estado de ausência de lei. Certamente, Abraão não estava em
uma condição de ausência de lei 430 anos antes da lei (aliança mosaica) ser dada.
O próprio Senhor o ordenou, “anda na minha presença e sê perfeito” (Gn 17.1)
e depois ele disse acerca dele “porque eu o escolhi para que ordene a seus filhos e
a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do Senhor e pratiquem
a justiça e o juízo” (Gn 18.19). O término da aliança mosaica estava em vista do
estabelecimento de uma nova aliança em que Deus escreveria sua lei nos corações
do seu povo (Jr 31.33) e faria com que eles andassem em seus caminhos
(Ez 36.27). Então, apesar de Paulo ensinar que Cristo é o fim da lei (Rm 10.4;
isto é, a lei na forma da aliança mosaica), ele também diz que os crentes não
estão “sem a lei de Deus, mas sob a lei de Cristo” (1Co 9.21; cf. Gl 6.2; isto é, a
lei em forma da nova aliança). Ele também fala dessa lei da nova aliança como a
“lei do Espírito” (Rm 8.2), visto que o Espírito é o elemento característico da
nova aliança. Tiago se refere a ela como a “lei régia” (Tg 2.8,12), associando-a
novamente a Cristo, o rei ungido.
A teologia do Novo Testamento do dispensacionalismo progressivo não é
antinomista.18 Pois enquanto ensina que a lei da aliança mosaica terminou
dispensacionalmente, também ensina que foi substituída pela lei da nova aliança,
e apresenta essa mudança dispensacional como parte integrante do plano de
redenção de Deus que afirma e cumpre a demanda divina de justiça e santidade,
assim como ele salva e abençoa eternamente os redimidos.
JESUS E A NOVA ALIANÇA
Nosso estudo da história das alianças mostra que elas são a estrutura na qual a
história da redenção é realizada. Essa história é revelada em uma progressão de
dispensações divinas. As alianças outorgadas aos patriarcas, que prometeram
bênçãos para todos, foram dadas em expressões dispensacionais na aliança
mosaica. A outorga davídica previu um mediador em quem e através de quem as
concessões patriarcais seriam finalmente cumpridas. Esse mediador
supervisionaria a transição dispensacional da aliança mosaica para uma nova
aliança, para o cumprimento das promessas da bênção. Esse mediador é Jesus, o
Cristo, que trouxe a dispensação da aliança mosaica para uma conclusão e que,
em sua própria história de cumprimento da promessa davídica, inaugurou a nova
aliança e dirige a história do seu cumprimento para sua consumação eterna.
JESUS, O MEDIADOR DA NOVA ALIANÇA
Na noite antes de ser crucificado, Jesus se juntou com seus discípulos no
cenáculo de uma casa em Jerusalém para celebrar a Páscoa. É relatado em
Lucas 22.20, que ele tomou a taça antes de compartilhá-la com seus discípulos e
deu sua significância: “Este é o cálice da nova aliança no meu sangue derramado
em favor de vós”. Mateus 26.28, relatando o mesmo episódio: “porque isto é o
meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para
remissão de pecados”.À luz das várias citações e alusões às Escrituras do Antigo
Testamento, tanto no relato de Lucas quanto de Mateus desse evento, é somente
adequado traçar os destaques de Jesus acerca da nova aliança para o perdão dos
pecados àquela promessa em Jeremias 31.31-34, que começa com: “firmarei
nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá”; e termina com as
palavras: “pois perdoarei as suas iniquidades e dos seus pecados jamais me
lembrarei”.
Paulo coloca a igreja do Novo Testamento sob esse mesmo arranjo da nova
aliança quando ele identifica a prática da igreja da Ceia do Senhor como um
compartilhar do pão e do cálice que Jesus instituiu naquela noite antes da
crucificação. Ele repete as palavras de Cristo como encontradas em Lucas 22.20:
“Este cálice é a nova aliança do meu sangue” (1Co 11.25). Ele fala da igreja
como bebendo esse cálice (vv. 26-29) em obediência aos mandamentos de Jesus
dados naquela noite (vv. 23, 25), e explica essa atividade como sua proclamação
da morte de Cristo (v. 26) e como a própria participação deles em seu sangue
(10.16).
Em 2 Coríntios 3.6, Paulo identifica a si mesmo e seus companheiros de
ministério como “servos da nova aliança”. Essa não é uma nova aliança
indefinida, mas uma que foi predita por Jeremias e Ezequiel. Sabemos disso
porque Paulo identifica os elementos chave dessa nova aliança como aquela que
Jeremias e Ezequiel predisseram quando profetizaram a nova aliança futura.
Jeremias: “‘Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois
daqueles dias,’ diz o Senhor: ‘Na mente, lhes imprimirei as minhas leis,
também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu
povo’” (Jeremias 31.33).
Ezequiel: “Porei dentro de vós o meu Espírito e farei que andeis nos meus
estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis”. (Ezequiel 36.27). “Porei em
vós o meu Espírito, e vivereis” (Ezequiel 37.14).
Paulo: “[Somos] ministros de uma nova aliança [...] do Espírito; para [...] o
Espírito que dá vida” (2 Coríntios 3.6).
Além do mais, Paulo continua a contrastar esse ministério da nova aliança com o
ministério da “antiga aliança” (2Co 3.14), que foi associada a Moisés (2Co 3.7,
13, 15), a mesma “antiga aliança” contra a qual Jeremias e Ezequiel profetizaram
uma nova aliança futura (Jr 31.32). A carta aos Hebreus culmina esse
testemunho ao citar Jeremias 31.31-34 por completo (Hb 8.6-13) e
proclamando Cristo como “o mediador de uma nova aliança [...] para a redenção
das transgressões que foram cometidas sob a primeira aliança” (Hb 9.15). E
prossegue dizendo que a morte de Cristo é a expiação por todos os pecados de
acordo com a promessa revelada em Jeremias 31.33-34.
Romanos 11.26-27 cita Isaías 59.20-21, uma predição da nova aliança, com
uma visão em direção à salvação futura de todo Israel, uma referência à nação
como um todo. Romanos 12.2 ordena ao leitor a “renovação da sua mente”; e
15.13 dá a bênção da alegria e paz, abundante “em esperança pelo poder do
Espírito Santo”.
Dois temas posteriores associados com o ensino de Paulo sobre a renovação
da nova aliança e habitação do Espírito Santo requerem uma atenção mais
próxima. Um é o ensino de que esse ministério acontece em Cristo, e o outro é o
fato que ainda há uma plenitude futura para a bênção da nova aliança. Enquanto
a nova aliança foi, sem dúvida, inaugurada, ela é somente um começo. Nem
tudo que foi predito acerca da renovação pelo Espírito Santo (incluindo a
ressurreição dos mortos) já aconteceu. A nova aliança foi inaugurada, porém o
cumprimento completo aguarda o retorno de Cristo.
BÊNÇÃO DA NOVA ALIANÇA EM CRISTO
Percebemos anteriormente neste capítulo que o rei davídico funciona como um
mediador da bênção da aliança. Também vimos que o dom do Espírito Santo é
proeminente entre as bênçãos da nova aliança. Porém, é possível que um rei
davídico pudesse mediar esse dom do Espírito Santo? Através da história do
Antigo Testamento, foi Deus que deu o Espírito. Dar o Espírito relembra a
criação. O Deus que “soprou” do pó para formar Adão é quem promete colocar
o seu Espírito nas pessoas, levantando-os do pó e recriando seus corações, mentes
e vontades.
A autoridade divina e a mediação davídica vêm juntas quando Deus se torna
encarnado como Jesus. Como o rei davídico humano, ele é o receptor primário
da bênção da nova aliança. Isso significa que não somente ele receberia o
Espírito, segundo sua realeza, mas que o Espírito habitaria com ele e o
preservaria em santidade e imortalidade para sempre. Assim, as Escrituras
testificam que, no seu batismo, o Espírito veio e permaneceu sobre ele (Jo 1.32;
Mt 3.16; Lc 3.22). Ele foi “cheio” do Espírito Santo e guiado por ele (Lc 4.1;
Mt 4.1). Ele ministrou no poder do Espírito (Lc 4.14, 18-19; Mt 12.18-21, 28)
e foi ressuscitado dos mortos, imortal, pelo Espírito (Rm 1.4; 2Tm 1.10;
Hb 7.16; 1Pe 3.18).
Como o rei davídico divino, ele é quem dá o Espírito ao seu povo, recriando
seus corações e unindo-os em submissão a ele mesmo. Foi dito sobre ele que ele
batizaria o povo com o Espírito Santo (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33), um
testemunho que começou a se cumprir no Pentecostes seguindo sua ascensão
(At 1.5, 8; 2.2-4, 33, 38-39).
Essa função de dar o Espírito é especialmente tratada no evangelho de João
onde Jesus convida os sedentos a virem a ele, beberem e se tornarem uma fonte
de água viva (Jo 7.37). A linguagem é parcialmente aquela de Isaías 55.1-3, um
texto da nova aliança, onde aqueles que estão sedentos são convidados às águas e
recebem “uma aliança eterna [...] segundo a fidelidade prometida a Davi”. João
explica que Jesus “falou do Espírito, que aqueles que acreditaram nele deveriam
receber”. Em outras palavras, Jesus convida o povo a vir a ele para receber a
bênção da nova aliança da habitação do Espírito Santo.
O convite de João 7.37-39 para receber o Espírito Santo remonta à revelação
divina dada a João Batista em João 1.33, “Aquele sobre quem vires descer e
pousar o Espírito, esse é o que batiza com o Espírito Santo” (Jo 1.33). Também
está associado ao discurso de Nicodemos, quando Jesus destacou a necessidade
de ser “nascido do Espírito” para ver o reino de Deus. A linguagem da água,
Espírito e vento soprando sobre a carne (3.5-8) relembra Ezequiel 36.25-27 e
37.1-14. O tema de Jesus dar o Espírito é transportado também para os
capítulos conclusivos do evangelho. Por um lado, Jesus explica que ele pedirá ao
Pai para enviar o Espírito Santo (Jo 14.16), e ele promete que o Pai de fato o
enviará no nome de Jesus (v. 26).Por outro lado, Jesus diz, “eu o enviarei para
vocês” (15.26), uma predição que ele simboliza depois da ressurreição ao soprar
sobre eles, dizendo, “recebam o Espírito Santo” (20.22). Quando dado, o
Espírito habitará neles para sempre (14.16) e lhes concederá o conhecimento de
Deus (14.26; 16.13; cf. o título, “Espírito da verdade” em 14.16-17; 15.26),
ambos os quais são promessas da nova aliança.
O ensino de João acerca do Espírito Santo não nega que o Espírito estava
ativo antes da vinda de Jesus. Entretanto, ele é bem claro acerca de uma dádiva
qualitativamente nova do Espírito que foi vinculada historicamente (ou
dispensacionalmente) ao ministério de Jesus. Podemos ver isso especialmente na
interpretação de João acerca de Jesus dizendo sobre a fonte interior de água viva:
“Isto ele disse com respeito ao Espírito que haviam de receber os que nele
cressem; pois o Espírito até aquele momento não fora dado, porque Jesus não
havia sido ainda glorificado” (Jo 7.39).
Atos dos Apóstolos começa com a reafirmação de Jesus aos seus discípulos
para conceder-lhes o Espírito sobre eles (At 1.5, 8). Atos 2.1-4 relata o evento no
qual o Espírito veio (cf, 10.47; 11.15-17). Pedro a interpreta como a ação de
Cristo: “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do
Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis” (2.33). Ele convida o povo em
Jerusalém “para receber o dom do Espírito Santo” (v. 38), dizendo “para vós é a
promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para
quantos o Senhor, nosso Deus, chamar” (v. 39). O quão abrangente o dom seria
se tornaria claro em Atos 10.44-47 (cf. 11.15-18), quando o Espírito Santo
“desceu” sobre os gentios que creram em Jesus. No concílio de Jerusalém, Pedro
explicou que “Deus [...] concedeu o Espírito Santo a eles, como também a nós
nos concedera, e não estabeleceu distinção alguma entre nós e eles, purificando-
lhes pela fé o coração” (At 15.8-9). O dom do Espírito Santo e a purificação do
coração são novamente a linguagem da promessa da nova aliança. O ponto
importante aqui é que a bênção é dada tanto para judeus como para gentios.
Além do mais, é uma bênção mediada por Cristo, como Pedro prossegue ao
explicar: “Mas cremos que fomos salvos pela graça do Senhor Jesus, como também
aqueles o foram” (15.11).
BÊNÇÃO FUTURA DA NOVA ALIANÇA
Embora o Novo Testamento seja claro sobre o fato de a nova aliança agora ter
sido inaugurada, isto é, que as bênçãos pertencentes à nova aliança estão agora
sendo dispensadas a todos que creem em Jesus (sejam judeus ou gentios), é
igualmente claro que as promessas da nova aliança não foram completamente
realizadas. As promessas em Jeremias, Isaías e Ezequiel descrevem um povo que
tem a lei escrita em seus corações, que andam no caminho do Senhor,
totalmente sob o controle do Espírito Santo. Essas mesmas promessas olham em
direção a um povo que é ressuscitado dos mortos, desfrutando as bênçãos de
uma herança eterna com Deus habitando com eles e neles para sempre.
O Novo Testamento vê as bênçãos da perfeição moral e espiritual,
juntamente com a imortalidade, como bênçãos a serem recebidas no futuro, na
vinda de Jesus. Entretanto, em 2 Coríntios 3.18, Paulo descreve o ministério
presente da nova aliança (3.6) como um processo de transformação naquela
glória que já está completamente realizada em Cristo.
Somos chamados para andar pelo Espírito, para viver pelo Espírito, para
mortificar (diariamente) as obras da carne, para nos apresentarmos a Deus para a
obra de justiça (Gl 5.16, 25; Rm 8.13-14; 6.12-13). Essa é a condição de viver
sob as bênçãos inauguradas da nova aliança. Somente no futuro essas bênçãos
serão completamente concedidas e a completa transformação prometida pela
nova aliança será realizada.
Esse futuro chegará quando Jesus retornar à terra. Paulo diz em
Colossenses 3.4, “Quando Cristo [...] for manifestado [do céu], então vocês
também serão manifestados com ele em glória”. No “dia do Senhor”, isto é,
quando ele voltar, seremos aperfeiçoados (Fp 1.6), sem mácula (1Co 1.8; Jd 24),
purificados completamente assim como ele próprio (1Jo 3.2-3), ressurretos e
transformados corporalmente em gloriosa imortalidade assim como ele próprio
(Fp 3.20-21).
O fato que a plenitude da bênção da nova aliança espera o retorno de Cristo
não é surpreendente, já que as profecias da nova aliança previram o Messias
reinando na terra sobre um povo transformado. Incluída nessa visão estava à
restauração política de Israel em paz com todas as nações. Assim, Paulo, o
apóstolo da nova aliança que prevê a plenitude da bênção da nova aliança no
retorno do Messias à terra, antevê a salvação nacional de Israel no momento
também.
E, assim, todo o Israel será salvo, como está escrito: “Virá de Sião o Libertador e
ele apartará de Jacó as impiedades. Esta é a minha aliança com eles, quando eu
tirar os seus pecados.” Quanto ao evangelho, são eles inimigos por vossa causa;
quanto, porém, à eleição, amados por causa dos patriarcas; porque os dons e a
vocação de Deus são irrevogáveis” (Romanos 11.26-29).
CONCLUSÃO
O Novo Testamento dá as boas novas com respeito a Jesus de Nazaré, um
descendente de Davi, a quem a aliança outorgada de Davi foi confirmada. Ele foi
ungido pelo Espírito Santo, ressuscitado dos mortos, declarado Filho de Deus,
feito Senhor e Cristo na medida em que foi entronizado à direita de Deus,
tornando-se o mais exaltado dos reis da terra.
Ao receber as bênçãos davídicas, ele se tornou o herdeiro das bênçãos
prometidas a Abraão, e medeia essas bênçãos aos outros, tanto a Israel quanto às
nações, uma vez que nele são abençoadas.
Nele, a aliança mosaica foi cumprida. A antiga dispensação chegou ao fim e
uma nova dispensação começou no momento em que a nova aliança foi
inaugurada. Jesus Cristo realizou um serviço para Israel e para as nações ao
propiciar a maldição da aliança mosaica (que se estende à maldição fundamental
de Deus contra o pecado) em sua própria morte e ao mesmo tempo provendo a
base sacrificial para a nova aliança que outorga redenção, renovo e ressurreição.
A bênção feita pela aliança a Abraão vem até nós nesta dispensação como a
bênção inaugurada da nova aliança mediada através de Jesus, o Cristo, a quem a
aliança davídica tem sido e será confirmada. Um remanescente de Israel e
remanescentes das nações gentílicas recebem essa bênção inaugurada igualmente,
sem distinção, pela fé em Deus encarnado como Jesus.
A atual dispensação não é o fim. Ela olha para frente para uma dispensação
futura na qual a nova aliança será completamente cumprida e suas bênçãos
completamente recebidas. Tudo sobre as alianças outorgadas será cumprido
naquele tempo. A mudança da dispensação ocorrerá na descida de Jesus dos céus.
A bênção da nova aliança (e, assim, a bênção abraâmica) será estendida às
dimensões políticas e nacionais da existência humana à medida que ele realiza
sua prerrogativa davídica para governar pessoalmente as nações. As bênçãos da
habitação do Espírito Santo e do novo coração serão cumpridas com a
ressurreição dos mortos e perfeição em santidade. A bênção sobre ele e nele sobre
nós será eterna, confirmando através da redenção o plano de Deus da criação.
Porém, foi revelado mais sobre como isso tudo acontecerá do que é possível
descobrir através de um estudo das alianças. No próximo capítulo, voltaremos ao
tema do reino de Deus, que oferecerá uma revelação mais profunda da natureza
das dispensações que virão (incluindo seus aspectos milenar e eterno), assim
como outro olhar sobre como as dispensações passadas e presentes conduzem
progressivamente para isso.
1. A palavra grega christos (Cristo) era pronunciada da mesma forma que o nome próprio Chrestos, levando
alguns gentios a pensar que a mensagem do evangelho era na verdade acerca de alguém chamado Iesous
Chrestos em vez de “Jesus, que é chamado Cristo” (Mt 1.16).
2. Estes termos são usados tanto em Saul quanto em Davi nas narrativas de 1 e 2 Samuel (1Sm 12.3, 5;
24.6, 10; 26.16; 2Sm 1.14-21; 19.21; 22.51; 23.1) e são usadas para o rei frequentemente nos Salmos (2.2;
18.50; 20.6; 28.8; 84.9; 89.20, 38; 132.10, 17).
3. Apesar dos Evangelhos não usarem as palavras ungir e unção na descrição do evento, os discípulos viram a
recepção de Jesus do Espírito Santo no seu batismo dessa forma. Veja Atos 10.38, “como Deus ungiu a Jesus
de Nazaré com o Espírito Santo e poder”. O próprio Jesus interpreta isso como uma unção quando ele cita
Isaías 61.1 na sinagoga em Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar
boas novas aos pobres” (Lc 4.18).
4. Compare 1 Samuel 16.13 onde o Espírito Santo vem sobre Davi quando ele foi ungido pelo profeta
Samuel.
5. A mesma palavra (sperma) é usada em Atos 13.23 e em 2 Samuel 7.12.
6. Paulo se refere a Salmos 2.7 que em troca relembra a promessa em 2 Samuel 7.14 e 1 Crônicas 17.13 que
Deus será seu Pai e ele será filho de Deus. Paulo não está discutindo a questão da filiação divina pré-
encarnada aqui.
7. Alguns dispensacionalistas argumentaram que a entronização do Salmo 110.1 se deu na ascensão, mas
que o governo de 110.2 não se dará até um tempo futuro (o reino milenar) já que entre a entronização e o
governo encontramos a frase:“até que eu faça dos teus inimigos um estrado para os teus pés” (NVI). Essa
interpretação ignora tanto o contexto literário de destaque nos Salmos e a forma na qual o texto todo é
aplicado a Jesus no Novo Testamento. Em outros lugares nos Salmos, é dito que Davi espera no Senhor
pela subjugação de seus inimigos. Isso não implica uma carência de uma função real da sua parte.
Entretanto, no Novo Testamento, o Salmo 110 é geralmente aplicado a Jesus com a assertiva de que seus
inimigos já foram subjugados a ele (Ef 1.22; 1Pe 3.22). Seguindo o pensamento desses primeiros
dispensacionalistas, deve-se dizer que ele está governando agora também.
8. A palavra “começando” em muitas traduções de Colossenses 1.18 é a palavra arché que poderia também
ser traduzida como governador. Já que o verso apresenta a linguagem da aliança, descrevendo o rei davídico,
ela talvez deva ser melhor tomada no último sentido.
9. Perceba a linguagem da aliança davídica aqui – um pastor de ovelhas (veja 2Sm 7.8), Pai-Filho
(2Sm 7.14), trono (2Sm 7.13, 16).
10. Muitos dispensacionalistas revisados limitam o cumprimento desta aliança ao Milênio, interpretando a
palavra “para sempre” (2Sm 7.13, 16) como significando mil anos.
11. Note as seguintes descrições: “Escolheu ele a Salomão para se assentar no trono do reino do Senhor, sobre
Israel” (1Cr 28.5); “Salomão assentou-se no trono do Senhor, rei, em lugar de Davi, seu pai” (1Cr 29.23);
“Bendito seja o Senhor, teu Deus, que se agradou de ti para te colocar no seu trono como rei para o Senhor,
teu Deus” (2Cr 9.8).
12. Veja Salmos 16.11; 17.7; 18.35; 20.6; 63.8; 80.15, 17; 108.6; 110.1; 138.7; 139.10.
13. Showers perde esse ponto quando argumenta em favor de uma distinção entre o trono de Deus e o
trono de Davi. Em lugar nenhum ele considera o fato que o trono celestial é fundamentalmente orientado a
Israel. Ronald Showers, There Really Is a Difference! A Comparison of Covenant and Dispensational Theology
(Bellmawr, NJ: Friends of Israel, 1990), pp. 89-90.
14. E como vimos anteriormente nesse capítulo, a linguagem remete ainda mais a afirmação da promessa de
Abraão a Jacó em Betel em Gênesis 28.15.
15. Cf. Romanos 15.8, “Digo, pois, que Cristo foi constituído ministro da circuncisão, em prol da verdade
de Deus, para confirmar as promessas feitas aos nossos pais”.
16. Veja Mateus 1.22-23; 2.5-6, 15, 17-18, 23; 4.13-17.
17. Tecnicamente, alguém não poderia ser julgado por violar a aliança se não houvesse testemunhas. Em
Isaías 1, temos um exemplo de Deus “julgando” Israel diante do testemunho dos céus e da terra, por terem
quebrado a aliança Mosaica. A punição, é claro, são as maldições da aliança.
18. Antinomismo é o ensino que a obediência à lei de Deus não é um componente necessário da vida cristã.
CAPÍTULO 7
Quando Deus tirou os descendentes de Abraão do Egito e fez uma aliança da sua
lei com eles no Sinai, ele os tornou uma nação. Ele mesmo se tornou seu rei e
eles se tornaram seu reino. Muito do que o Antigo Testamento tem a dizer
acerca de Deus ser um rei fala desse relacionamento da aliança a Israel e através
de Israel ao resto das nações.
Vimos que a aliança mosaica marcou uma nova dispensação no
relacionamento de Deus com a raça humana. Como resultado, o reino de Deus
se refere a algo novo que veio a acontecer na história. Ainda assim, ao mesmo
tempo, essa nova dispensação estava diretamente enraizada a uma aliança
anterior que Deus tinha feito com Abraão. E essa aliança, por sua vez, relembrou
as relações anteriores de Deus com a humanidade tocando até mesmo a criação.
O reino de Deus, então, pertence ao plano de revelação de Deus da redenção.
Em certo sentido, pode ser dito que Deus sempre se comportou como um
rei. Depois de trazer Adão e Eva à existência, deu-lhes uma terra que ele tinha
preparado e delegou autoridade a eles. Deus detinha o poder da vida e da morte,
do julgamento e da bênção. Ele ordenou e esperava obediência. Conforme eles
consentiram, desfrutaram sua presença e ele a deles. Depois da queda do pecado,
eles estavam sob seu julgamento, mas mantiveram a esperança de uma redenção
futura.
Depois que o Senhor salvou Noé do julgamento que veio sobre toda
humanidade, Deus deu a ele a terra e aos seus descendentes, fez promessas de
aliança de vida e fecundidade e ordenou sua vontade. Depois ele fez uma
concessão a Abraão de abençoá-lo e todos os povos da terra. Ele concedeu terra,
prometeu bênçãos e ordenou os passos da vida patriarcal.
Em todas essas ações, ele foi como ele é, Deus. Ele cria e sustenta a existência
de todas as coisas. Ainda assim, escolhe interagir pessoalmente e historicamente
com os seres humanos. Como o superior nesse relacionamento, o Senhor
ordenou, concedeu bênção e puniu o insubordinado. A aliança que ele fez com
Abraão foi modelada na forma de outorgas reais do antigo Oriente Próximo.
Através de toda dispensação patriarcal, Deus lidou com a humanidade de uma
forma divina, mas ainda como um rei.
Entretanto, em sua aliança com Abraão, Deus estabeleceu um princípio de
mediação pelo qual ele se associaria ao resto da humanidade através dos
descendentes de Abraão.1 A história do reino de Deus nas Escrituras é
primariamente a história do desenvolvimento dessa aliança. Deus revelará a si
mesmo como rei de Israel. E através de Israel, ele manifestará seu governo real
sobre as outras nações. É esse estabelecimento de relações que irá dizer a direção
para a reconciliação divino-humana.
DEUS, O REI DE ISRAEL
O Senhor é Rei. Três cânticos ou salmos atribuídos a Moisés proclamam o
relacionamento especial do Senhor com Israel como o seu rei. Quando as nações
receberam suas várias fronteiras e heranças, o Senhor escolheu Israel:
Ele escolheu ser o rei deles. Ele os redimiu ao lutar por eles contra Faraó e seu
exército, e ele prevaleceu. O cântico em Êxodo 15 celebra sua vitória: “O Senhor
é homem de guerra; Senhor é o seu nome” (Êx 15.3). O Senhor é “exaltado”
(15.2). Sua destra (sua mão de governo) é “majestosa em poder” (15.6). Ele
estendeu sua mão (de governo) em decreto e a terra responde em obediência
(15.12). Em “triunfo glorioso” ele resistiu a seus adversários (15.7). Os reis das
outras nações consequentemente ficaram consternados e aterrorizados diante
dele (15.15-16). Porém, ele levará seu povo para sua terra escolhida onde sobre
eles “o Senhor reinará para sempre e sempre” (15.18).
A partir da sua decisiva vitória sobre o Egito, o Senhor levou seu povo para o
Sinai. Deuteronômio 33.2-5 descreve como Deus veio sobre eles em majestade e
glória e entrou em aliança com eles:
Esse cântico prossegue para falar da bênção de Deus sobre as tribos de Israel.
Porém, Deuteronômio 32 adverte da punição caso o povo se rebelasse. Também
adverte da vingança contra os adversários do povo de Deus. Tudo isso concorda
com o tratado que o Senhor tinha com eles como seu rei. Pois eles são seu povo e
esta é sua terra (32.43).
Depois, na história de Israel, quando Deus advertiu seu povo da punição
iminente, foi como seu rei que ele apelou a eles. Quando Isaías foi chamado
como profeta, ele lamentou sua dor declarando: “Meus olhos viram o Rei, o
Senhor dos Exércitos” (Is 6.5). Deus advertiu que ele traria a Babilônia sobre seu
povo. Ele faria isso como “o Senhor, o Santo, o Criador de Israel, seu Rei”
(Is 43.15). Ele é o único verdadeiro Deus, ainda assim ele é ao mesmo tempo, “o
rei de Israel” (Is 44.6).
A bênção de Deus sobre as nações seria revelada através do governo de Jacó sobre
eles. Esse governo foi, então, especificamente transferido de Jacó para Judá
(Gn 49.8-10).
Judá, teus irmãos te louvarão; a tua mão estará sobre a cerviz de teus inimigos;
os filhos de teu pai se inclinarão a ti. Judá é leãozinho; da presa subiste, filho
meu. Encurva-se e deita-se como leão e como leoa; quem o despertará? O
cetro não se arredará de Judá, nem o bastão de entre seus pés, até que venha
Siló; e a ele obedecerão os povos.
Vê-lo-ei, mas não agora; contemplá-lo-ei, mas não de perto; uma estrela
procederá de Jacó, de Israel subirá um cetro [...] De Jacó sairá o dominador.
Finalmente, o reinado humano faz sua primeira aparição legítima quando Saul é
ungido rei de todo Israel. Porém, Saul foi logo rejeitado por Deus por causa de
sua desobediência. Davi, um descendente de Judá, um “homem segundo o
coração de Deus”, foi escolhido para substituí-lo. Davi foi considerado fiel a
Deus e Deus fez uma aliança com Davi para estabelecer sua casa como a casa real
de Israel, para levantar seu descendente segundo ele e estabelecer seu reino para
sempre.
Eis que o Senhor Deus virá com poder, e o seu braço dominará; eis que o seu
galardão está com ele, e diante dele, a sua recompensa. Como pastor
apascentará o seu rebanho; entre os seus braços recolherá os cordeirinhos e os
levará no seio; as que amamentam ele guiará mansamente.
Destruirá neste monte a coberta que envolve todos os povos e o véu que está
posto sobre todas as nações. Tragará a morte para sempre, e, assim, enxugará
o Senhor Deus as lágrimas de todos os rostos, e tirará de toda a terra o
opróbrio do seu povo, porque o Senhor falou. Naquele dia, se dirá: “Eis que
este é o nosso Deus, em quem esperávamos, e ele nos salvará; este é o Senhor,
a quem aguardávamos; na sua salvação exultaremos e nos alegraremos”
(Isaías 25.7-9).
1. Lembre-se que a aliança prevê descendentes que, assim como Abraão, confiam em Deus. Esses são
descendentes físicos que são constituídos herdeiros da bênção pela sua fé.
2. Compare a profecia de Balaão em Números 23.21, “O Senhor, seu Deus, está com ele [Israel], no meio
dele se ouvem aclamações ao seu Rei”.
3. Veja os Salmos 47; 93; 95-100.
4. Veja os Salmos 8; 15; 29; 33; 46; 48; 50; 66; 68; 75; 76; 81-82; 84; 87; 114; 118; 132; 145; 149
5. Veja Salmos 2; 18; 20-21; 28; 45; 61; 72; 89; 101; 110; 132.
6. Essa é a posição que pertence ao rei davídico através dos Salmos. O Salmo 110.1 deve ser lido no sentido
histórico. Enquanto tipifica uma honra eventualmente concedida a Jesus, filho de Davi, posteriormente, na
sua entrada nos céus (Atos 2), o sentido histórico do salmo em seu contexto do Antigo Testamento não
deveria ser perdido. Ele fala da posição de favor que pertence à casa real davídica pela aliança. Seja qual for a
experiência particular que o rei davídico encontre em, quer em Davi no campo de batalha, Salomão em
Jerusalém, ou Jesus nos céus, ele é o que está à direita de Deus. Veja capítulo 6, n.12.
7. Perceba a natureza do “já e ainda não” do reino no livro de Daniel.
8. Uma tipologia existe entre esse passado e o futuro “Dia do Senhor”. Elementos descritivos são
compartilhados entre eles. Um exemplo dessa tipologia aparecendo em um escrito pode ser achada em Joel.
Capítulos 1-2 falam a respeito da praga de gafanhotos enviada por Deus como um julgamento. É chamada
de “o Dia do Senhor”. O capítulo 3, entretanto, apresenta o dia do Senhor como um grande conflito
militar no qual a existência do povo de Deus está em jogo. Elementos descritivos comuns são
compartilhados entre esses capítulos. Podem também ser comparadas às descrições do Dia do Senhor em
Isaías 13 com as dadas em Isaías 24.
CAPÍTULO 8
As obras que Jesus fez, especialmente nesses versos, como curas e exorcismos,
eram parte de seu ministério proclamando as boas novas do reino vindouro. Por
sua vez, elas contribuem para uma compreensão de como seria esse reino, uma
compreensão que concorda muito bem com as expectativas das profecias do
Antigo Testamento.
A centralidade do tema do reino para Jesus também é vista em sua constante
referência a si mesmo como o Filho do Homem. Nós já observamos que “Filho
do Homem” era um título aplicado por Daniel para aquele que governaria o
reino escatológico (Dn 7.13). Jesus claramente o usa nesse sentido.
Em Mateus 16.13, Jesus perguntou a seus discípulos: “Quem as pessoas
dizem que o Filho do Homem é?” Ele estava falando de si mesmo, conforme
indicam as passagens paralelas (“Quem as pessoas dizem que sou?” Mc 8.27;
Lc 9.18) e sua pergunta subsequente em Mateus 16.15 (“mas quem vocês dizem
que sou?”). Pedro responde pelos discípulos: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus
vivo” (Mt 16.16). Em outras palavras, Pedro entende que esse título se refere ao
Messias, em vez de simplesmente a um ser humano (veja Sl 8.4), ou até mesmo
um profeta (cf. Mt 16.14 com Dn 8.17 e Ez 2.1-3.27). Jesus assevera a
interpretação de Pedro como uma revelação do Pai (Mt 16.17) e então elabora o
significado messiânico do Filho do Homem com o seguinte destaque: “Porque o
Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então,
retribuirá a cada um conforme as suas obras” (Mt 16.27). Essa vinda em glória é
reformulada no versículo seguinte como “a vinda em seu reino”. A linguagem
afirma a visão apocalíptica de Daniel do reino escatológico vindouro do Filho do
Homem, com o ponto adicional que o julgamento que Daniel concebeu como
vindo do Ancião de Dias é na verdade administrado pelo Cristo, o Filho do
Homem (consistente com a mediação do Messias acerca das bênçãos e
maldições).3
Outros dizeres do “Filho do Homem” por Jesus afirmam sua crença em um
reino vindouro consistente com as profecias de Daniel, e eles demonstram que
ele pensou de si mesmo como a figura central. Eles também reafirmam a
expectativa do Antigo Testamento que o julgamento marcará a vinda do reino
(veja Mt 13.41-43; 19.28; 24.1-25.46 [Mc 13.1-37; Lc 21.5-36]).
Um Reino Político Mundial. Jesus acreditava que como o Messias, ele mesmo
viria em glória, julgaria as nações da humanidade e estabeleceria seu próprio
governo político sobre eles (Mt 25.31-46).
Quando vier o Filho do Homem na sua majestade e todos os anjos com ele,
então, se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas em
sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos
as ovelhas; e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos, à esquerda; então,
dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: “Vinde, benditos de meu Pai!
Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo.”
[...] Então, o Rei dirá também aos que estiverem a sua esquerda: “Apartai-vos
de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos.”
[...] E irão estes para o castigo eterno, porém os justos, para a vida eterna.
Jesus lhes respondeu: Em verdade vos digo que vós, os que me seguistes,
quando, na regeneração, o Filho do Homem se assentar no trono da sua
glória, também vos assentareis em doze tronos para julgar as doze tribos de
Israel (Mateus 19.28).
Marcos nos diz que apesar de Jesus ensinar em parábolas “porém, explicava em
particular aos seus próprios discípulos” (Mc 4.34). A parábola do semeador
(Mt 13.3-9, 18-23) fala sobre esse assunto também. Somente alguns (isto é, os
seus discípulos) recebem “a palavra do reino” (13.19) e frutificam.
Uma das parábolas mais importantes, é a que está no começo da coleção de
Mateus 13 (depois da parábola introdutória do Semeador), a parábola do joio e
do trigo (13.24-30). Jesus explica a parábola a seus discípulos (13.36-43): o
Filho do Homem irá plantar “os filhos do reino” no mundo, onde eles
coexistirão com “os filhos do maligno” até “o fim das eras”.
O Filho do homem enviará os seus anjos, e eles tirarão do seu Reino tudo o
que faz tropeçar e todos os que praticam o mal. Eles os lançarão na fornalha
ardente, onde haverá choro e ranger de dentes. Então os justos brilharão
como o sol no Reino do seu Pai. Aquele que tem ouvidos, ouça
(Mateus 13.41-43, NVI).
Por isso, todo escriba versado no reino dos céus é semelhante a um pai de
família que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas (Mateus 13.52).
O novo tesouro corresponde ao novo conhecimento que Jesus lhe deu a respeito
“do reino dos céus”. Esses são “mistérios do reino dos céus”. O tesouro antigo
seriam as profecias já reveladas acerca do reino. Tanto as novas quanto as antigas
estão em possessão do dono da casa. As novas não substituem as antigas e as
antigas não excluem as novas. Elas não são dois tesouros separados. As novas
verdades complementam as antigas verdades para produzir um “tesouro”, o reino
dos céus.
Para resumir, nessas parábolas, Jesus parece predizer uma forma do reino que
precederá sua esperada chegada apocalíptica. Essa é uma forma do reino
diferente daquela sobre a própria presença de Jesus no mundo (que ele
identificou como uma presença do reino). Em vez disso, consiste na presença dos
“filhos do reino” (isto é, pessoas que verdadeiramente pertencem ao reino
escatológico) no mundo antes da vinda do Filho do Homem. O próprio Filho
do Homem irá colocá-las no mundo em uma “semeadura” inicial que parecerá
pequena. Mas na sua realidade é aquela do reino escatológico, e ela crescerá e se
desenvolverá no mundo, mesmo com a presença do mal, até o tempo da vinda
do Filho do Homem.
O REINO ESCATOLÓGICO DE DEUS ENSINADO POR JESUS
O REINO ESCATOLÓGICO NA VIDA E ESPERANÇA DA IGREJA
O testemunho da igreja, desde os seus primeiros dias até o presente, é que Jesus é
o Cristo. Ele foi investido com a autoridade real do reino escatológico de Deus
na sua ascensão aos céus. Ele está assentado à direita de Deus, a posição
apropriada para o Rei davídico. Ele espera no Pai pelo dia do seu retorno,
quando ele governará pessoalmente e eternamente os povos da terra, cumprindo
as bênçãos das alianças da promessa.
O testemunho da igreja sobre Jesus é baseado no relacionamento que Jesus
estabeleceu com ela a partir da sua posição de ascensão nos céus. Ele já proveu a
expiação que torna possível uma nova aliança em todas as suas bênçãos. Sua
ressurreição dos mortos revelou e confirmou essas bênçãos nele mesmo – as
primícias dos mortos. Entretanto, poucos dias depois da sua ascensão aos céus,
no dia de Pentecostes de Israel, Jesus (agindo dos céus) deu a seus discípulos um
“adiantamento” das bênçãos da nova aliança do reino, a dádiva do Espírito
Santo. Essa ação fez dos seus discípulos uma comunidade do reino escatológico
de Deus, sob a bênção de Jesus, o Messias. Todos aqueles que vêm à fé em Jesus
são da mesma forma abençoados pela dádiva do Espírito Santo e se juntam a essa
comunidade do reino, que veio a ser conhecida como a igreja.
Jesus havia predito que seus discípulos seriam “batizados pelo Espírito”;
predisse que ele próprio enviaria o Espírito a eles depois do seu retorno ao Pai.
Ele predisse que qualquer um que cresse nele seria nascido do Espírito, uma
condição necessária para ver o reino de Deus (Jo 3.3). Depois de 40 dias de
instruções finais acerca do reino de Deus (At 1.3), incluindo a restauração
política e nacional de Israel (o tempo que ainda não foi revelado; At 1.6), os
discípulos foram ordenados a esperar em Jerusalém “pelo o que o Pai tinha
prometido” e aquilo que ele tinha ensinado para eles esperarem.
Porque João, na verdade, batizou com água, mas vós sereis batizados com o
Espírito Santo [...], mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito
Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda Judeia
e Samaria e até aos confins da terra (Atos 1.5,8).
Quando o Espírito veio sobre os discípulos, eles viram isso como um ato
messiânico de Jesus, indicando que ele tinha sido de fato recebido pelo Pai nos
céus, e tinha sido concedida a ele autoridade messiânica (do reino) e que
começava a agir com essa autoridade:
A comunidade primitiva dos crentes era formada apenas de judeus. Eles viam a si
mesmos como o remanescente da fé quer herdaria o reino quando Jesus descesse
dos céus como o apocalíptico Filho do Homem. À medida que cumpriam seu
mandamento de proclamar a todos os povos – incluindo samaritanos e gentios –
as boas novas do reino de Deus (At 8.12; 28.23; 28-31), eles viram muitas dessas
pessoas crerem em Jesus. Eles também testemunharam o fato de que Jesus
concedeu sobre esses samaritanos e gentios crentes a mesma bênção do Espírito
Santo que ele os deu (At 8.14-17; 10.44-48; 11.15-18). Eles interpretaram essa
ação como Deus “reunindo dentre as nações um povo para o seu nome”
(At 15.14). Tal atividade foi vista como uma parte e parcela do plano do reino
escatológico, como predito nas passagens de Isaías 49.6 e Amós 9.11-12 (veja
At 13.46-48; 15.14-18). Juntos, os crentes constituíram o microcosmo do reino
vindouro. Todos os povos, judeus e gentios, estariam sujeitos ao governo do
Cristo e seriam abençoados por ele.
A natureza da bênção de Cristo durante esse tempo de ascensão, e a equidade
da concessão sobre judeus e gentios (assim como para ambos os gêneros e classes
sociais), trouxe para a história a realidade conhecida como a igreja. Na medida
em que viviam na esperança da vinda de Jesus, judeus e gentios crentes se
reuniam regularmente para adorar ao Senhor e encorajar uns aos outros na fé. A
sua assembleia unida pela sua única fé em um Deus e um Senhor messiânico e
na comunhão de um Espírito.
Porque, assim como o corpo é um e tem muitos membros, e todos os
membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com
respeito a Cristo. Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um
corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi
dado beber de um só Espírito (1 Coríntios 12.12-13).
E pôs todas as coisas debaixo dos pés e, para ser o cabeça sobre todas as coisas,
o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a plenitude daquele que a tudo enche em
toda as coisas [...] Há somente um corpo e um Espírito, como também fostes
chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé,
um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por
meio de todos e está em todos (Efésios 1.22-23; 4.4-6).
O julgamento que Jesus traz começa primeiro com “a casa de Deus” (1Pe 4.17;
cf. 1Co 4.5; Tg 5.7-9; 1Jo 2.28) para revelar o que é verdadeiro e duradouro. De
acordo com isso, Paulo diz que o Dia do Senhor revelará as obras de cada um.
Alguns sofrerão perda ainda que sejam salvos (1Co 3.13-15). O julgamento
então procede para os descrentes.
Entretanto, as passagens que relacionam os crentes ao Dia do Senhor falam
majoritariamente de libertação, um tema que também é consistente com o
Antigo Testamento. A habitação de Deus e seu amor em nós nos dá confiança
para o dia do julgamento (1Jo 4.17). Paulo, da mesma forma, fala da confiança
que “aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até o Dia de Cristo
Jesus” (Fp 1.6). Aos Coríntios ele escreve: “nosso Senhor Jesus Cristo, o qual
também vos confirmará até o fim, para serdes irrepreensíveis no Dia de nosso
Senhor Jesus Cristo” (1Co 1.7-8). Os crentes se regozijarão no culminar do
crescimento e progresso espiritual uns dos outros, à medida que o Senhor
concluir sua salvação no dia de sua vinda (Fp 1.10; 2.16; 2Co 1.14).
A libertação no Dia do Senhor é um tema especial em 1 Tessalonicenses. Na
sua volta, Jesus “nos livra da ira vindoura” (1.10). Paulo ensina para a igreja que
o Dia do Senhor não irá “surpreendê-los como um ladrão” (5.4). Isso é explicado
posteriormente em 5.9, “porque Deus não nos destinou para a ira, mas para
alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo”. No contexto, essa
libertação parece ser a bênção da ressurreição e a translação para a imortalidade
que Cristo concederá aos seus na sua vinda (1Ts 4.13-18), um evento que é
chamado de arrebatamento (do verbo harpazo,“arrebatar”, em 1Ts 4.17). Essa
libertação, ou arrebatamento, parece coincidir com o começo, ou vinda, do Dia
do Senhor, já que esse é o foco em 1 Tessalonicenses 5.2-4.15
O tema da libertação no retorno de Cristo é dito em outro lugar no Novo
Testamento. Os crentes esperam ser salvos, ressurretos, recompensados com uma
coroa da vida, transformados segundo a imagem de Cristo e glorificados em sua
glória (Jo 14.1-3; Cl 3.4; Fp 3.20-21; 2Tm 4.8; 1Pe 1.7; 4.13; 1Jo 3.2).
Um Reino Futuro. Com a vinda de Cristo, vem o reino escatológico em sua
manifestação futura. Em Apocalipse 19.11-16, a vinda de Jesus é vista em uma
fusão de múltiplas imagens tiradas, em sua maioria, do Antigo Testamento,
incluído várias descrições messiânicas. Entre elas está: “ele governará [as nações]
com cetro de ferro” (19.15)
Repetidamente, na gramática do Novo Testamento, o reino é mencionado
no tempo futuro, como algo que virá e será herdado no futuro. Crentes
“entrarão” nele em tempo futuro (At 14.22; 2Pe 1.11). Tiago fala daqueles que
são “herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam” (Tg 2.5). Paulo fala
daqueles que “não herdarão” o reino (1Co 6.9-10; Gl 5.21; Ef 5.5). A igreja de
Tessalônica é descrita como sofrendo pelo reino de Deus (2Ts 1.5), “esperando
alívio [...] Quando o Senhor Jesus foi revelado lá do céu [...] Para ser glorificado
em seus santos naquele dia” (1.7, 10). Paulo admoesta Timóteo por meio de
“Cristo Jesus, que há de julgar vivos e mortos, pela sua manifestação e pelo seu
reino” (2Tm 4.1).
O reino que virá é o reino de Deus e do seu Messias (Ef 5.5).
Frequentemente, o reino é chamado de reino de Deus, assim como também é o
reino de Cristo (2Tm 4.1; 2Pe 1.11; Ap 11.15). Esse reino messiânico é eterno
(2Pe 1.11; Ap 11.15), “uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível”
(1Pe 1.4).
O Reino na Terra. Na presente era, esse reino, essa “herança”, é dito que está
“reservada nos céus” (1Pe 1.4). Tal linguagem corresponde à forte ênfase que
vimos na presente entronização do Messias nos céus, e de lá, Cristo governa
presentemente a igreja pelo Espírito Santo. Paulo também ensinou que antes da
vinda de Cristo, as almas dos cristãos mortos se juntariam a Cristo nos céus
(2Co 5.6-8). Ele acreditava que na sua própria morte, ele estaria com Cristo
(Fp 1.21-23) e isso parece ser seu pensamento quando ele escreve que “o Senhor
[...] me levará salvo para o seu reino celestial” (2Tm 4.18). Na era presente, os
crentes devem pensar em si mesmos em relação com Cristo, entronizados nos
céus. Deus “nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo
Jesus” (Ef 2.6). Devemos “buscar as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado
à direita de Deus [...] porque morrestes, e a vossa vida está oculta juntamente
com Cristo, em Deus” (Cl 3.1, 3).
É dito que o reino está nos céus porque o Messias está presentemente nos
céus, e as almas de todos os mortos que herdarão o reino estão com ele
aguardando a ressurreição (cf. Ap 6.10-11). A igreja que está “em Cristo” tem,
assim, uma identidade celestial nesta dispensação. Porém, conforme vimos,
Cristo retornará para a terra. “Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar,
então, vós também sereis manifestados com ele, em glória” (Cl 3.4). Essa
“revelação” será a conclusão da nossa salvação (1Pe 1.7-9, 13), nossa ressurreição
dos mortos (1Pe 1.3), que nos leva à herança naquela forma futura do reino
escatológico (1Co 15.50-57). Correspondendo a nossa ressurreição dos mortos
estará à renovação da terra, o local do reino futuro.
Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não
podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós.16 A ardente
expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação
está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a
sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que
toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora. E não
somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito,
igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos, a
redenção do nosso corpo (Romanos 8.18-23).
Cristo, as primícias;
Depois, os que são de Cristo, na sua vinda
E, então, virá o fim [...]
Quando Jesus tiver sujeitado todas as coisas a ele mesmo e tiver destruído o
pecado e a morte, o reino escatológico de Deus se manifestará eterno e imortal
em toda sua plenitude numa terra renovada. Esse reino é o objetivo da redenção,
a conclusão de todas as revelações anteriores do reino de Deus. É o governo do
Deus Pai, Deus o Filho encarnado como Messias, filho de Davi, Filho do
Homem e Deus Espírito Santo sobre a terra com todos os seus habitantes e sobre
os céus e tudo que nele há para sempre. Esse reino é terreno. A maldição que veio
através do pecado será substituída pela bênção da vida e a fertilidade sobre a
terra. Morte, doença e a ação demoníaca serão eliminadas e a Cidade de Deus
será estabelecida na terra. O reino também é espiritual, como uma redenção é
estendido por completo em ambos os aspectos individuais e sociais da existência
humana. Será caracterizado pela vida eterna e imortal, pela retidão e justiça. A
impiedade terá sido julgada e removida. Graça, misericórdia, compaixão, paz,
santidade, piedade, pela regeneração e habitação do Espírito Santo, tendo
conhecimento de adoração, de obediência desejosa a Deus, em alegria, felicidade
e bênção para sempre. O reino também é nacional e político naquilo que envolve
o estabelecimento e a administração de todas as nações através do Messias de
Israel, Jesus, filho de Davi. Deus reinará sobre as nações em glória, poder e
majestade, abençoado, honrado e adorado para todo o sempre.
1. No quarto evangelho, quando essa advertência por João é ausente, o próprio Jesus testifica que o Pai “deu
todo julgamento para o Filho” (Jo 5.22).
2. O fato de que Mateus usa a expressão “reino dos céus” e Marcos “reino de Deus” sobre as declarações
resumidas do ensino de Jesus, demonstra que essas são expressões alternativas para a mesma coisa. Muitos
dizem que “reino dos céus” se refere a algo diferente de “reino de Deus” por causa da presença de certas
parábolas em Mateus. Entretanto, isso é uma falha, pois não leva em consideração esse dispositivo literário.
Consequentemente, perdem o ponto em que naquelas parábolas, Jesus revela frases progressivas e históricas
desse reino, não a vinda de algum reino novo e completamente diferente.
3. Em Mateus 16.28, Jesus diz, “Garanto-lhes que alguns dos que aqui se acham não experimentarão a
morte antes de verem o Filho do homem vindo em seu Reino”. Essa declaração é melhor interpretada no
contexto da transfiguração que em Mateus segue imediatamente o destaque. Três dos discípulos são
escolhidos para testemunhar esse evento no qual Jesus aparece em sua glória vindoura.
4. No quarto evangelho temos o relato da conversa de Jesus com Pilatos na qual ele destaca: “O meu reino
não é deste mundo. Se o meu reino fosse desse mundo, os meus ministros se empenhariam por mim, para
que eu não fosse entregue aos judeus; mas agora o meu reino não é daqui” (Jo 18.36). Jesus afirma que ele é
um rei, que nasceu para ser rei (18.37), mas seu reino não é “desse mundo”. Isso não significa que seu reino
é imaterial. A declaração deveria ser interpretada à luz da repreensão de Jesus a Pedro no Jardim (18.10-11).
No relato de Mateus, Jesus diz a Pedro: “Acaso, pensas que não posso rogar a meu Pai, e ele me mandaria
neste momento mais de doze legiões de anjos?” (Mt 26.53). O destaque a Pilatos no evangelho de João
funciona como o destaque a Pedro em Mateus. A questão é a fonte do poder não a localização do reino. O
auxílio dos anjos, na verdade, afirma a tradição do Antigo Testamento do Filho do Homem vindo governar
o reino, como Jesus o descreve em Mateus 25.31 (cf 16.27). Nessa passagem, a localização do reino futuro
certamente é na terra.
5. Perceba a personificação da abominação da desolação.
6. A profecia resultante é estruturada por dois dispositivos literários: (1) abominação da desolação de Daniel
que divide ao meio aquela porção do discurso relacionado ao sinal da Sua vinda (Mt 24.4-31; Mc 13.5-27;
Lc 21.8-28). A divisão é similar à forma como a “abominação” divide o período de “sete” (anos) em
Daniel 9.27, de tal forma que a segunda parte da divisão em ambos os discursos – o tempo da abominação
da desolação – é um tempo de grande angústia (cf. Dn 12.1, 7-11) e (2) a metáfora do nascimento do Dia
do Senhor (Is 13.8) que é usada em Mateus 24.8 (Mc 13.8) para cobrir por inteiro a mesma porção do
discurso (referente ao sinal da Sua vinda, Mt 24.4-31 e paralelos). No uso dessa metáfora por Jesus, todo o
tempo de aflição e julgamento se torna Sua vinda, com sua aparição em Mateus 24.30 correspondendo ao
fim do processo de trabalho de parto, ou seja, o “nascimento”.
7. Compare Mateus 9.35: “E percorria Jesus todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas,
pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades”.
8. Não é ressignificada. Se assim o fosse, o significado tradicional desapareceria e seria substituído
unicamente pelo filho divino. O resultado seria uma cristologia docética (Cristo somente aparentaria ser
humano; ele não seria verdadeiramente humano) em vez de encarnacional.
9. Veja o capítulo 6.
10. Outros termos messiânicos e descrições passam pelo mesmo tipo de integração. O Messias deveria ser o
Pastor de Israel, um termo derivado do chamado de Davi para se tornar uma designação para o governador
de Israel. Porém, Davi declarou que o Senhor Deus é seu Pastor e os profetas predisseram o reino vindouro
de Deus como um tempo quando ele pastorearia seu povo. Em Jesus, tanto divino quanto davídico,
“pastorear” vem em união. Ele é o Bom Pastor que verdadeiramente não é um herdeiro. Ele é o dono das
ovelhas (divino), que doa vida pelos seus (o Messias Servo) e então conduz suas “ovelhas” ao reino eterno
onde ele reinará sobre elas (o Messias reinando na terra para sempre).
11. A frase “no meio de vós” é algumas vezes traduzida “dentro de vós” com uma perspectiva do
pensamento que o reino é uma realidade espiritual no coração dos ouvintes de Jesus. Esse não pode ser o
caso da passagem, já que os seus ouvintes são fariseus que o rejeitam. Em Mateus 23.27, Jesus pronuncia
um “ai” sobre os fariseus, a quem ele compara a “sepulcros caiados, que, por fora, se mostram belos, mas
interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda imundícia”. O reino de Deus deve se apresentar
como uma realidade espiritual no coração deles.
12. A luz de Cristo é um tema frequente para Paulo, descrevendo um relacionamento presente do crente
com Jesus (2Co 4.6).No ministério de Paulo, ele vê pessoas se voltando “das trevas à luz e do domínio de
Satanás para Deus” (At 26.18). Isso dá a eles uma herança entre os santos, uma herança na qual eles
começaram a compartilhar, mesmo que já sejam “santos”. (At 26.18; Cl 1.12, cf. v. 2).
13. A nova aliança promete prover uma ressurreição tanto espiritual quanto corpórea. Na teologia Paulina,
a vivificação é primeiramente espiritual (isto é, o renovo Espiritual do coração) e então física, na vinda de
Cristo (Rm 8. 10-11).
14. Como em Isaías 2 e Miquéias 4.
15. Os dispensacionalistas tradicionalmente têm defendido o pré-tribulacionismo, a crença que o
arrebatamento acontecerá antes da tribulação. A tribulação é um termo que se refere ao período de sete anos
visto em Daniel 9.27, incluindo os eventos associados com ele – eventos que recebem uma elaboração
posterior na visão de Daniel. No sermão do Monte das Oliveiras, Jesus sintetiza, ou combina, as visões dos
problemas de Daniel com o tema Profético do Dia do Senhor (veja acima). Tanto Paulo (em 1Ts 5.1-12)
quanto João (em Apocalipse) seguem Jesus nessa combinação (confirmando sua dependência pelo uso
literário das palavras de Jesus). Com isso em mente, a libertação no começo do Dia do Senhor em
1 Tessalonicenses 5 (perceba o início surpreendente, uma comparação com o início do trabalho
1 Tessalonicenses 5.2-3, e o verbo “apanhar” em 5.4) parece ser pré-tribulacional.
16. Compare com 2 Tessalonicenses 1.5, onde Paulo diz à igreja que seus sofrimentos são pelo reino de
Deus, cuja herança é então descrita como uma participação na glória de Cristo (2Ts 1.9-10; cf. Cl 3.4). A
descrição de Paulo da glória futura que ofusca os sofrimentos da igreja romana seria entendida de forma
similar ao reino de Deus. O fato de os ressuscitados herdarem essa glória também confirma esta interpretação
(cf. 1Co 15.50).
17. A orientação futura de Hebreus 13.14 é significativa à luz do destaque, nessa epístola, das bênçãos da
nova aliança presentemente realizadas. Ela é colocada em paralelo, pelo comentário do escritor, no começo
da epístola sobre “o mundo que há de vir, a respeito do qual estamos falando” (Hb 2.5). O escritor se volta
dessa expectativa futura para as presentes bênçãos de Jesus (Hb 2.9) e permanece nesse tema até o fim da
epístola. As referências futuras no começo e no fim, entretanto, advertem contra ler a teologia da epístola de
uma maneira totalmente realizada. Na verdade, a teologia de Hebreus é bastante consistente com o
cumprimento progressivo, presente-futuro, que temos observado em outros escritos do Novo Testamento.
18. Para estudos recentes sobre Romanos 11.26 e seu contexto veja J. Lanier Burns, “The Future of Ethnic
Israel in Romans 11” em “Dispensationalism, Israel and the Church: The Search for Definition”, pp. 188-229;
e S. Lewis Johnson, Jr. “Evidence from Romans 9-11”, em “A Case for Premillennialism, A New Consensus”,
ed. Donald K. Campbell e Jeffrey L. Townsend (Chicago: Moody, 1992), pp. 199-223. Em
Romanos 11.26, o termo “assim” é melhor interpretado com a ideia de “assim como”, indicando que a
salvação de “todo Israel” (definitivamente uma referência nacional à luz do uso contextual do termo Israel)
acontecerá como predito pelos profetas; Johnson, pp. 214-216; Burns, pp. 211-216.
PARTE QUATRO
TEOLOGIA E MINISTÉRIO
por Craig A. Blaising
CAPÍTULO 9
O Ministério Social Interno da Igreja. O reino de Deus tem a ver com retidão,
justiça e paz nas relações dos povos entre si e com os outros. A igreja é uma
manifestação escatológica do reino porque ela é uma assembleia de povos que o
Messias, agindo com autoridade real, colocou em relacionamento uns com os
outros, vinculados pelas bênçãos de paz, retidão e justiça inauguradas através do
Espírito Santo. Essas bênçãos são experimentadas em uma forma inaugurada. A
igreja desse lado da glória ainda luta com os problemas do pecado: iniquidade,
discórdia e injustiça. Porém, a igreja é chamada para uma vida de santidade, para
crescer em graça andando pelo Espírito.
Assim como os dispensacionalistas revisados começaram a explorar a natureza
comunitária da igreja na vida corporal, parece que os dispensacionalistas
progressivos precisam explorar o significado de santidade na vida social da igreja.
Isso requer reconhecer que a igreja é uma sociedade. Seus relacionamentos
podem ser analisados sociologicamente. A natureza plural e comunitária da igreja
constitui a sua realidade social. A questão aqui é que Cristo pretende redimir a
humanidade tanto socialmente quanto individualmente. A redenção social da
humanidade começa na igreja. A justa sociedade de pessoas profetizada sob o
Messias de Israel começou a aparecer. É o que chamamos de corpo do Messias,
judeus e todos os tipos de gentios unidos pelo dom do Espírito Santo pelo
Messias. É o organismo que ele enche e o qual manifesta sua presença na terra
em sua ausência física – a igreja.
Buscar socialmente a santidade na comunidade do Messias significa a busca
de justiça, retidão e paz nas estruturas sociais da igreja como uma extensão
pessoal e interpessoal. Os dispensacionalistas progressivos precisam encarar a
questão do pecado estrutural. Ele precisa ser encarado, antes de mais nada, na
igreja. Como pode a santidade ser manifestada nas estruturas políticas do corpo
de Cristo? E o que dizer das estruturas governamentais e de gestão da igreja? O
dispensacionalismo clássico ofereceu uma crítica à forma como a estrutura de
poder de ordenação foi usada para inibir ministérios de pessoas não ordenadas
que foram dotadas pelo Espírito. O que dizer acerca das estruturas de poder nas
igrejas evangélicas e nos ministérios para-eclesiásticos hoje em dia? O que dizer
das supostas questões de rotina de emprego no ministério cristão? Quais padrões
governam a distribuição de fundos e determinam os salários? Nossos ministérios
são orientados para se adequar às necessidades sociais dos irmãos e das irmãs em
Cristo?
Porque o corpo de Cristo é um, transcendendo as divisões da igreja local, a
exploração do ministério social interno da igreja deve ir além das paredes da
igreja local. Os dispensacionalistas têm reconhecido o relacionamento que existe
entre os crentes em Cristo que transcende a membresia da igreja local.
Entretanto, os dispensacionalistas progressivos deveriam reconhecer
especialmente a relação que existe entre igrejas, comunidades e ministérios, não
somente indivíduos. Não estamos falando aqui da ecumenicidade administrativa,
aquele medo que evangélicos possuem acerca do movimento ecumênico. Em vez
disso, estamos falando da ecumenicidade espiritual compartilhada não apenas
por crentes, mas pelas comunidades de adoração que se reúnem no nome de
Jesus Cristo. Isso é o que vemos na coleta que Paulo fazia nas igrejas entre os
gentios em favor da igreja em Jerusalém. Esse esforço foi um exemplo de igrejas
cuidando de outra igreja porque era uma reunião de igreja em nome de Jesus
Cristo.
Como as igrejas se adequam às necessidades de outras igrejas em Cristo? É
possível que um ministério social possa crescer entre as igrejas?
O Ministério Social Externo e Político da Igreja. Muitas propostas evangélicas
relativas ao ministério social da igreja se concentram exclusivamente no
ministério externo da igreja, ou de cristãos individuais, para as necessidades
sociais da sociedade mundana. Isso não é outra forma de um cristianismo
altamente individualizado? Enquanto isso pode parecer uma acusação estranha,
considere o que isso significa em alguns desses cenários. O ministério para as
necessidades da sociedade é um meio de atrair indivíduos ao evangelho. Após a
conversão, esses são rapidamente postos para trabalhar chamando outros
indivíduos ao evangelho através de ações direcionadas às necessidades sociais.
Porém, eles não experimentam a redenção social com outros crentes em Cristo.
Qual é o significado do trabalho social deles? Outra forma de evangelicalismo
que contribui para a construção de melhores estruturas sociais na sociedade em
geral, juntamente com a mensagem evangélica da salvação individual. Ambas
parecem ignorar o chamado da igreja para ser a sociedade redimida que somente
ela pode ser.
Os dispensacionalistas progressivos fariam bem em explorar a santidade social
interna da igreja como uma forma de testemunho para sociedade externa. Em
outras palavras, se nós como a comunidade de Cristo trabalhássemos em criar
nossa comunidade como um modelo de justiça social e paz, então nós realmente
teríamos algumas sugestões a fazer para uma reforma social em nossas cidades e
nações. E poderíamos fazer isso com o evangelho, porque a mensagem, as
sugestões e até mesmo a obra social externa estariam baseadas no chamado a
Cristo, em quem a conversão social e individual estão de mãos dadas.
O que significaria, por exemplo, se uma igreja constituída primariamente de
pessoas com empregos bem remunerados, em sua maioria em cargos executivos e
liderança empresarial, uma igreja forte financeiramente, ministrasse a uma igreja
constituída essencialmente de operários e sofrendo desemprego, e isso tudo por
serem crentes em Cristo? E se uma igreja com um grupo étnico dominante
ministrasse a uma igreja cuja maioria de seus membros são de outro grupo
étnico, ajudando a criar oportunidades para aqueles irmãos e irmãs em Cristo
que são justos e honestos, transformando as injustiças raciais que assolam um
mundo que não conhece Cristo – fazendo tudo isso simplesmente porque juntos
confessam o nome de Jesus e são chamados para manifestar, mesmo em uma
forma inaugural, a justiça do reino de Deus? E se eles ministrassem uns aos
outros desta forma especificamente com o propósito de explorar e revelar uma
santidade social?
Se a igreja se tornar uma oficina na qual a justiça do reino é buscada em
nome de Cristo, o ministério social externo se torna um chamado a Cristo.
O trabalho político da igreja está de mãos dadas com isso. Com o passar de
dois mil anos, a igreja existiu sob inúmeras políticas nacionais diferentes. Hoje,
muito da igreja é encontrado em estruturas políticas participativas, democracias
de vários tipos. Reconhecendo que Deus superintende as políticas nacionais da
humanidade e que estruturas políticas existentes pedem uma participação dos
cidadãos, a igreja deveria exercitar sua responsabilidade juntamente com os
cidadãos do mundo na legislação, execução e adjudicação da lei. Entretanto, a
partir de que base a igreja falaria acerca de justiça e paz nacional? A partir de uma
perspectiva do dispensacionalismo progressivo, essa base deveria ser o reino
escatológico futuro, que é conhecido através da profecia direta, através do
testemunho de dispensações passadas (incluindo a manifestação da justiça na
teocracia de Israel), e a manifestação da justiça do reino na vida da igreja em si. A
igreja deve compartilhar de uma base revelacional na qual ela busca justiça
dentro de sua própria sociedade; e testemunha, a partir dessa base, seu trabalho
pela justiça na sociedade em geral.
Reconhecer a conexão dispensacional com o reino vindouro dá à igreja uma
base para uma participação evangelística nos assuntos políticos e sociais deste
mundo. Reconhecer a diferença dispensacional entre nossa presente situação e
aquela que será estabelecida somente na vinda de Cristo mantém essa atividade
evangelística. O cabeça da igreja, o rei de todas as nações, ainda virá em
julgamento. A igreja não porta a espada sobre a descrença. Esse tem sido o erro
de algumas experiências da igreja e do Estado no passado, e resulta de uma má
compreensão da dispensação na qual vivemos. Não deve haver nenhuma
execução da lei contra a descrença até que o próprio Cristo venha. A igreja deve
chamar os descrentes às boas novas de Cristo, nunca legislá-la. Porém, a justiça
nas relações humanas é uma preocupação apropriada do governo. A igreja
deveria trabalhar por leis justas como um testemunho para a justiça que busca
dentro de si mesma, sob o poder do seu Senhor presente e futuro.
Devemos sempre reconhecer que carregamos nosso tesouro em vasos de barro
(2Co 4.7). Até mesmo toda a revelação que temos nas Escrituras e com a obra do
Espírito Santo na igreja, há muito que ainda não sabemos acerca do reino.
Vemos como em espelho escurecido, como Paulo disse (1Co 13.12). Nossa
revelação é parcial, somos tentados a pecar (injustiça e discórdia) e estamos
propensos a erros de conhecimento e julgamento. Os cristãos não podem afirmar
que tudo o que vem às suas mentes sobre questões políticas e sociais é
necessariamente santificado, correto ou até mesmo prático. Não temos
justificativa para a arrogância.
Mas talvez a chave para aceitar humildemente nosso papel na sociedade em
geral resida no fato de que somos chamados primeiramente para nossa própria
conversão, não simplesmente à individual, mas social e politicamente. A
revelação que recebemos e a obra do Espírito em nós são dirigidas primeiramente
para nós. A igreja é a comunidade teste para a justiça social e política. Se não
pudermos ou não a buscarmos aqui, nós realmente não temos nada para dizer
aqui. Se buscarmos entre nós mesmos, ainda que falhemos, temos algo a dizer, e
nossas imperfeições ajudam a nos manter humildes.
1. Para uma história sobre esse tipo de interpretação profética veja: Paul Boyer, When Time Shall Be No
More: Prophecy Belief in Modern American Culture (Cambridge, Mass.: Belknap, 1992).
2. Isso é geralmente justificado com base na provisão mediadora da aliança abraâmica (“abençoarei os que te
abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem”). Essa interpretação falha em notar como a mediação
da aliança tem sido herdada pelo Rei, o Filho de Davi, para ser exercitada por ele em favor de Israel e de
todas as nações (veja os capítulos 5 e 6 acima). A bênção e a maldição da Aliança abraâmica hoje é
direcionada para todo aquele que abençoa ou amaldiçoa o Messias de Israel, Jesus, o filho de Davi. Gentios
deveriam tratar judeus com respeito por causa da exaltação do rei de Israel. Judeus deveriam tratar gentios
com respeito por causa do favor que o rei de Israel tem mostrado aos gentios. Porém, é um uso indevido das
Escrituras dizer, com base na aliança abraâmica, que os gentios receberão uma bênção por aplaudir
acriticamente todas as ações tomadas pelo Estado moderno de Israel. Um olhar cego em direção à injustiça
foi o erro dos falsos profetas e não são testemunho para santidade na igreja.
3. Reconhecemos, é claro, a diferença entre Deus em Cristo e Deus em nós. Não nos tornamos Deus como
Jesus é Deus. Porém, Deus habitando em Jesus é o fundamento, a base para Deus habitar em nós. Os pais
da igreja falaram sobre sermos filhos de Deus pela participação em Cristo, enquanto Cristo era o Filho de
Deus por geração eterna.
APÊNDICE
por Darrell L. Bock
APÊNDICE A
LUCAS 1.68-70
Os cânticos de louvor incluem uma introdução ao tema, as razões para louvar e
então uma elaboração deste tema (veja também as razões para louvar nos
cânticos de Maria e Simeão em Lucas 1.47-48 e 2.29-30). E é exatamente isso
que está incluído no cântico de Zacarias. Ele louvou a Deus (1.68) por ter
visitado o seu povo através da obra do prometido “chifre da salvação”
proveniente da “casa” de Davi (v. 69-70). Em outras palavras devemos ser gratos
a Deus pelo envio do tão esperado Messias. O termo “chifre” (Κέρας) é uma
figura para força (Dt 33.17), simbolizando a presença do grande poder real
(1Sm 2.10; Sl 132.17). Os versículos subsequentes de Lucas 1 detalham como
este poder é usado. O versículo 70 relaciona essa esperança da libertação às
profecias do Antigo Testamento, e o versículo 71 detalha esta promessa ao
afirmar que a libertação é dos “nossos inimigos e das mãos de todos os que nos
odeiam”. É ampla a referência aos inimigos, embora não haja dúvida que
Zacarias tinha em mente a oposição política e social.
LUCAS 1.71-75
Além da libertação política, os versículos 71-75 abordam outros dois assuntos.
Um deles é que a ação divina reflete a misericórdia de Deus (v. 72), baseando-se
nas promessas feitas há muito tempo a Abraão (v. 73) bem como a Davi (v. 69).
Um terceiro ponto declara que o objetivo desta libertação é que os santos possam
servir a Deus “sem temor, em santidade e justiça” (vv. 74-75).5 Portanto,
Zacarias claramente antecipou a libertação nacional para seu povo Israel,
provavelmente de Roma. Seu cântico é repleto com a esperança do Antigo
Testamento, como mostram as inúmeras alusões ao Antigo Testamento neste
hino.6 A questão crucial é que a libertação messiânica finalmente tem qualidades
espirituais e terrenas. Esta profecia da libertação política-espiritual, da mesma
forma que as profecias do Antigo Testamento, foram inspiradas pelo Espírito
Santo (v. 67; cf. 2Pe 1.21). Desta forma, Israel tem um futuro na terra. Deus se
comprometeu pessoalmente com a nação e seu povo fiel por meio das promessas
feitas a Abraão e a Davi. Agora há um remanescente fiel, e há posteriormente
uma esperança nacional, uma verdade defendida também por Paulo (Rm 11.25-
27).
LUCAS 1.76-79
Nos versículos 76-77 João Batista é visto como aquele que vai preparar o
caminho. Ele pregava sobre a salvação por meio do perdão dos pecados.
Novamente aqui é declarado o tema espiritual, agora de forma mais explícita.
Jesus também pregou sobre o perdão dos pecados, comissionou seus discípulos
para pregá-lo (Lc 24.47), e também esta era a mensagem dos apóstolos (At 5.31,
20.21).
Em Lucas 1.78-79 fica clara a dimensão espiritual da obra do Filho de Davi.
Jesus, como o Filho de Davi (v. 69), é visto como o “sol nascente” (v. 78, cf.
Nm 24.17; Is 58.6-8; 60.1-3). Como Luz (Is 9.2; 42.6-7; 49.6), ele brilha sobre
aqueles que estão em trevas e os conduz ao caminho da luz e da paz. Jesus
conduz os indivíduos a um relacionamento com Deus por meio do perdão dos
pecados, o qual João Batista preparou as pessoas para o receberem. O que é
crucial aqui é que, de acordo com o cântico de Zacarias, toda esta atividade é
parte do ministério de Jesus como o “chifre da salvação [...] na casa de Davi”
(v. 69). Essas atividades representam os primeiros passos no cumprimento por
parte de Jesus de sua promessa real.7 O cumprimento da promessa é visto
conforme a revelação progride de uma dispensação para a próxima. O
argumento de Zacarias é que Deus traria uma libertação física e espiritual para
Israel de todos os seus inimigos. Esta é uma promessa básica no evangelho de
Lucas. Mas essa passagem funciona também como uma parte literária da
introdução de Lucas-Atos. Como Lucas lidou com os temas apresentados aqui
no decorrer de sua obra? Lucas viu mais nos inimigos e beneficiários do que
Zacarias?
Quem são os oponentes a quem se refere Zacarias (v. 71)? E o que é sugerido
através do tema das trevas (v. 78-79)? O evangelho de Lucas e o livro de Atos
respondem a essas perguntas e revelam o argumento teológico e literário de
Lucas. Os oponentes são Roma, que se opunha ao povo de Deus, bem como os
inimigos também são os líderes religiosos da nação israelita (Lc 11.37-54) e o
povo judeu (At 4.24-29). Por de trás deles há a oposição do próprio Satanás e o
cativeiro em que ele mantém as pessoas por causa do pecado (Lc 4.16-30, 31-44;
8.26-39; 11.14-23). Na cena da tentação, Satanás se opôs a Jesus ao tentar
desviá-lo de sua fidelidade a Deus como Seu Filho (4.1-13). Desta forma, Lucas
desenvolveu o argumento da oposição espiritual mais extensamente do que
Zacarias havia feito. Zacarias estava correto quando afirmou sobre a esperança e
como ela impacta a nação de Israel, porém Lucas, tendo a perspectiva completa
do ministério de Jesus, escreveu um desenvolvimento profundo sobre a promessa
que a expandiu, embora mantivesse sua base original. Em Atos 3.19-21 mostra
que o cumprimento da promessa por meio do Antigo Testamento nunca se
perde naquilo que é desenvolvido a partir dessa promessa.
A VISITA DE DEUS
A ideia da visita de Deus (Lc 1.68) é desenvolvida nos versículos 78 e 79. “A
estrela ascendente vinda do céu nos visitará para brilhar sobre os que vivem nas
trevas.”12 Deus visita o seu povo através do Messias, que adentrou nas trevas
espirituais. Mais adiante, quando Simeão pegou o bebê Jesus, ele disse que tinha
visto a “salvação” de Deus, a qual é a “luz da revelação para os gentios” (Lc 2.28-
32). Simeão sabia que o Messias chegara tanto para Israel quanto para os gentios.
O texto de Lucas 7.16 declara que o povo de Naim reconheceu que Deus visitara
seu povo por meio de Jesus como “um grande profeta”. Em Lucas 19.44 é dito
que Israel perdeu o tempo da visitação. Entretanto, a “visita” continua, a
despeito do atual fracasso de Israel. No concílio de Jerusalém, Tiago afirmou que
quando Pedro pregou a Cornélio, Deus havia visitado os gentios (At 15.14).
Portanto, o desenvolvimento de Lucas a respeito do tema da “visita” de Deus
expande a promessa para incluir muito mais daquilo que Zacarias dissera.
A LUZ
Um segundo tema no cântico de Zacarias é a luz (Lc 1.78-79). Em Lucas 2.32.
Simeão afirmou que Jesus é a “luz para revelação aos gentios”. Esta imagem está
relacionada à salvação (v. 30). De fato, estas imagens mostram a continuidade
com as promessas do Antigo Testamento, como visto nas passagens do servo no
livro de Isaías (Is 46.6; 49.6, 9). Em Atos 13.47, o tema da luz continua.
Entretanto, Paulo e Barnabé referiram-se a si mesmos, e não a Jesus, como luz
para os gentios. Eles assumiram a tarefa do servo de Isaías por causa de seu
relacionamento com Jesus. Este versículo mostra não somente uma expansão do
tema da luz, mas também o uso complementar desses temas no Antigo
Testamento de servo e da luz.
Atos 26.16-23 mostra que Paulo estava ciente deste tema da luz. Ao dirigir a
sua mensagem ao povo (Israel) e aos gentios (vv. 20, 23), Paulo disse que o
Senhor o chamou para “abrir os seus olhos e trazê-los das trevas para a luz e do
poder de Satanás para Deus, e desta forma eles podem receber o perdão dos
pecados e serem colocados entre aqueles que são santificados pela fé em [Cristo]”
(v. 18). Ele declarou o que o Antigo Testamento havia predito (v. 22),
mostrando assim que a sua mensagem de “luz para o seu próprio povo e para os
gentios” (v. 23; cf. Lc 2.30) tinha raízes no Antigo Testamento. Portanto, o
tema da luz está relacionado ao Antigo Testamento e é expandido. Este é o
último discurso de defesa detalhado de Paulo. Ao resumir a sua missão, ele
mencionou as trevas e a luz, da mesma forma que ocorre em Lucas 1.78-79. Ele
se referiu a Satanás como o inimigo, concordando com Lucas 1.68-79 e com o
restante de Lucas e Atos. Assim como o cântico de Zacarias era parte da ária de
abertura em Lucas, o discurso de Paulo é uma ária de encerramento em Lucas-
Atos, ao detalhar a sua comissão.
O tema da luz confirma a leitura multicamada argumentada em Lucas 1.
Cada passagem deve ser lida naturalmente em seus próprios termos, mas
também deve ser lida à luz dos temas desenvolvidos a partir dela em passagens
posteriores. Essa leitura nunca elimina o que foi originalmente prometido, mas
também não exclui o que é adicionado a ela
RESUMO
Como visto em Lucas e Atos, Jesus é o Rei que cumpre as promessas feitas a
Abraão e a Davi, e quem serve como Luz para Israel e para os gentios. Israel tem
uma esperança futura de libertação pelo Rei que governará sobre eles (cf.
Lc 1.31-35). Mas em seus dois volumes, o interesse de Lucas foi além de Israel.
As pessoas enfrentam uma batalha contra Satanás e o pecado, uma batalha que
Jesus está vencendo ao trazer as pessoas das trevas para a luz. Todos esses
elementos descrevem o papel de Jesus como o “chifre da salvação” da casa de
Davi (v. 69), como visto à luz da teologia bíblica e por meio de uma leitura
sensível de Lucas-Atos. Mas e o seu reino? Há uma concordância de que Jesus é
o Rei, mas sobre o que ele governa e está governando agora?
O REINO EM SEU ESTÁGIO INICIAL
Um estágio inicial do reino prometido de Cristo está vigente atualmente? A
resposta a esta pergunta ajuda a determinar como o povo de Deus deve ver a si
mesmo e qual é o seu papel nos dias de hoje. Qual é a sua identidade em Cristo e
qual a sua tarefa atual? Várias linhas de argumentação indicam que o reino está
presente com Cristo, isto é, o Ungindo prometido por Davi.
OS DOIS PERÍODOS
O texto de Lucas 7.28 afirma que, embora João Batista fosse o homem mais
importante nascido de mulher até aquela época, ele é o menor dos que estão no
reino de Deus. Assim, são delineados dois períodos de tempo: o período até João
e o período após João (como o tempo do reino). João havia se perguntado se
Jesus era “aquele que havia de vir”, ou seja, o Cristo (vv. 18-20. cf. 3.15-17). Ao
responder sobre isso, Jesus citou a linguagem do Antigo Testamento (7.22-23)
para registrar o começo do fim, chamando a atenção para o seu ministério de
cura (Is 29.18; 35.5-6; 42.18. 26.19, 61.1). Ele respondeu à pergunta messiânica
feita por João ao apontar para as evidências de seu governo, já que a derrota de
Satanás envolve o exercício do seu poder como o “Santo de Deus” (Lc 4.31-37,
esp. v. 36; 11.14-23).
Lucas 7.22-23 e Lucas 3.15-17 revelam os seguintes pontos: (1) o Messias
traz o Espírito (como parte de seu ministério messiânico), (2) o Espírito como
um indicador-chave da vinda e do governo do Messias, (3) a esperança do
Espírito (como promessa) é derivada da Nova Aliança,13 e (4) a esperança de
Davi está agora unida à promessa da vinda do Espírito de Deus junto com ele.
Desta forma, a esperança davídica e a Nova Aliança estão unidas. O Rei, a
bênção escatológica e o seu governo estão unidos. E com um vem o outro. Assim
como “Elias”, João Batista proclamou e resumiu a esperança do Antigo
Testamento. Portanto, Lucas 3.15-17 deve ser adicionado a Lucas 1.67-79 como
um texto chave sobre o ministério de Jesus.
Em Lucas 16.16 encontra-se o mesmo conceito dos dois períodos de tempo.
A Lei e os Profetas foram pregados até João, mas então “são pregadas as boas
novas do reino”. Os dois períodos retratam a “promessa” e o “cumprimento”.
Com a primeira vinda de Jesus, inaugurou-se o processo e o tempo do
cumprimento, embora ainda tenha mais para ser cumprido. É por isso que o
tempo atual faz parte dos “últimos dias” no Novo Testamento (At 2.16-17;
Hb 1.1-2; 1Pe 1.10-12). O plano tem estágios complementares, de modo que
Paulo se referiu a “esta era” e a “era porvir” (Ef 1.21). E em 1 Coríntios 10.11
Paulo afirmou que na igreja chegou o “cumprimento das eras”.
AS DUAS DECLARAÇÕES
Jesus fez duas declarações que refletem a chegada do reino. Uma delas é
Lucas 11.20: “Se eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, então é chegado o
reino de Deus sobre vós.” Na versão de Teodócio da Septuaginta o verbo
φθάωω (“chegar”) mais a preposição έπί (“sobre”) aparecem em Daniel 4.24, 28,
que fala dos eventos que “chegaram” na vida de Nabucodonosor. Em
Lucas 11.21-22, Jesus falou de um homem forte que toma a casa de outro em
uma batalha na qual uma antiga fortaleza é invadida. Em Efésios 4.7-10, Paulo
escreveu sobre a vitória de Cristo, citando Salmos 68.18 no versículo 8. Para
Paulo, a vitória é descrita não em relação aos milagres, mas em termos do fator
decisivo da vitória – a ressurreição-ascensão de Jesus. Novamente, um
relacionamento complementar ao tema da vitória é visto no Novo Testamento
como uma relação temática do ministério de Jesus e de sua exaltação (semelhante
a At 10.34-43). Porém, o conceito de uma série de eventos em etapas também
está presente, especialmente quando outras passagens do Novo Testamento
mostram que o sua obra ainda não está concluída (Hb 2; Ap 19-22). O
argumento de Jesus é que o processo está em andamento.
A segunda declaração de Jesus está registrada em Lucas 17.20-21. Jesus disse
aos fariseus que o reino estava “entre vocês”, isso é, no meio deles (ou ao alcance
deles). O ponto aqui é que o reino havia chegado (ao menos em parte) e estava
disponível quando Jesus veio. E mesmo que alguém prefira chamá-lo de “forma
misteriosa” do reino, é preciso reconhecer que Jesus estava falando a respeito do
reino prometido. Isso faz parte do plano do reino prometido no Antigo
Testamento, que foi desenvolvido em uma revelação adicional no Novo
Testamento.
AS DUAS PARÁBOLAS
Duas parábolas de Jesus – a parábola do grão de mostarda e a parábola do
fermento – ressaltam que o reino tem início de forma pequena (como fermento
ou grão), mas termina grande (como um pão inteiro ou uma grande árvore onde
os passarinhos descansam). Qualquer que seja este reino, ele faz referência a era
presente por causa de seu processo de crescimento. Ele não pode se referir ao
futuro, porque quando chegar a forma futura do reino, ela será imediatamente
estabelecida sobre toda a terra.
O pano de fundo do Antigo Testamento para a imagem da árvore na
parábola do grão de mostarda provém dos textos de Daniel 4 e Ezequiel 17.22-
24. Em Daniel 4, o governo de Nabucodonosor é comparado a uma árvore na
qual os pássaros viviam, mas que será cortada. Seu reino passará de uma árvore
abundante e segura a um mero toco de árvore. Já a imagem de Ezequiel 17 é
totalmente oposta. Uma árvore que fora cortada crescerá a partir de um toco
para uma abundante e segura árvore de descanso. As parábolas de Jesus incluem
um elemento de surpresa. Já que os grãos de mostarda normalmente não crescem
em árvores grandes, a parábola enfatiza a natureza incomum e sobrenatural deste
crescimento. Portanto, o reino tem um início pequeno, mas no devido tempo se
tornará um lugar de descanso para todos aqueles que pertencem ao Senhor. O
toco que é restaurado em Ezequiel 17 é o toco do governo de Davi (cf. Is 11.1;
Ap 5.5; 22.16). Esta reconstrução se inicia com a “semente” da era presente.
1. É um termo pobre para ser usado em uma definição, pois ainda é necessário
definir como se encontra o termo “literal” no texto.8 Charles Ryrie também
reconheceu esta dificuldade ao manifestar a sua preferência pelo termo “normal”
ou “simples”.9
Esta abordagem era mais conhecida como interpretação histórico-gramatical,
uma descrição que os evangélicos adotaram e também era aceita por Ryrie. 10
Este último conceito é a melhor frase para definir sobre o que a interpretação
deve envolver. A afirmação adicional feita por Blaising era que todos os
evangélicos buscam fazer isso, de modo que as conclusões diferentes não são o
reflexo de um método diferente, mas sim de uma diferença na integração dos
textos.
1. Este artigo é uma versão resumida de meu discurso para o grupo de estudos dispensacionalistas proferida
no encontro nacional em Jackson, Mississipi, em novembro de 1996. Ele explica seu caráter autobiográfico.
2. Por exemplo, S. J. Nichols, “The Dispensational View of the Davidic Kingdom: A Response to Progressive
Dispensationalism” publicado no The Master’s Seminary Journal, 7, 1996, p. 213-239, que se esforça em
argumentar que a afirmação dos dispensacionalistas progressivos a respeito de uma realização inicial da
promessa davídica não é realmente uma posição dispensacionalista, simplesmente pelo fato de que ela não
foi feita anteriormente na história do movimento. Ela faz esta afirmação ao examinar a história e não os
textos, e de modo conveniente ignora o trabalho de E. Sauer no processo. A defesa de Nichols de um reino
espiritual no Novo Testamento como não estando relacionado à promessa davídica ignora o fato de que as
imagens usadas nesses textos que descrevem o reino espiritual são provenientes do Antigo Testamento e das
categorias davídicas (veja Rm 1.2-4; Cl 1.13 em comparação com Lc 1.69-79 com os seus riquíssimos temas
da esperança no Antigo Testamento). Isto mostra por que a criação desta categoria é motivada pelas
preocupações teológicas e sistemáticas e não pelo texto em si. Para uma série completa de artigos que
refletem este pano de fundo veja D. L. Bock o artigo: “Current Messianic Activity and OT Davidic Promise:
Dispensationalism, Hermeneutics, and NT Fulfillment” Trinity Journal, 15, 1994) pp. 55-87.
3. Não existe uma regra hermenêutica que afirme que uma unidade de significado não possa ser
desenvolvida ou se torne mais complexa com uma relação subsequente. De fato, aqui há uma certa ironia
no desafio de uma leitura complementar. Os dispensacionalistas que falam que os textos do Antigo
Testamento são milenaristas, devem fazer isso por alguma leitura complementar, pois esta categoria não
existe para o escritor do Antigo Testamento, mas vem do livro de Apocalipse. Assim, mesmo os
dispensacionalistas revisados se empenham em uma leitura complementar do Antigo Testamento. Desta
forma, o tempo e seus detalhes são preenchidos por eventos da história divina. Se tivéssemos apagado o
sentido que estava originalmente presente, então sua cobrança terá o seu mérito. Mas isto é exatamente o
que não fizemos.
4. Esta associação foi feita em resposta ao meu artigo para o encontro de 1987 do Dispensational Study
Group. Este artigo foi publicado posteriormente como: “The Reign of the Lord Christ”, Dispensationalism,
Israel and the Church: A search for definition. (ed. C. A. Blaising e Darrell L. Bock: Grand Rapids,
Zondervan, 1992). Minha resposta inicial a esta associação aparece na página 54.
5. É a recusa dos dispensacionalistas progressivos em redefinir Israel, por exemplo, que suscita críticas
injustas como a oferecida por R. Thomas sobre a hermenêutica de múltiplos significados. Não se pode
comparar as reivindicações de textos evangélicos mais antigos sobre hermenêutica com uma discussão da
teoria progressiva. A maioria desses textos não trata em detalhes como lidar com o progresso da revelação
entre textos da esperança no Antigo Testamento e a realização no Novo Testamento. Em última análise, os
textos bíblicos da promessa da aliança devem ser estudados e examinados em seu contexto para ver como
eles se cumprem no presente. O artigo de Thomas pouco ajuda pois procura ser teórico e prescritivo, sem
analisar claramente a exegese dos textos mais importantes do Novo Testamento onde as passagens do
Antigo Testamento são usadas com notas de seu cumprimento. A recusa dos dispensacionalistas
progressivos em redefinir Israel também significa que o padrão hermenêutico proposto por C. Ryrie para os
dispensacionalistas foi alcançado, a despeito de suas críticas; veja Dispensationalism (Chicago: Moody, 1995)
p. 43 para a avaliação adequada de Ryrie sobre a hermenêutica de Ladd. Curiosamente, Ryrie elogia
corretamente a obra de Sauer enquanto reclama das opiniões dos dispensacionalistas progressivos – um
surpreendente paradoxo, dado que Sauer fez observações semelhantes sobre a promessa davídica.
6. Tais esforços podem ser vistos nos títulos que alguns tentaram trazer para a discussão, os quais foram
além dos títulos descritivos “tradicional”, “revisado” e “progressivo” que utilizamos com fundamentos
históricos. A infeliz escolha recente de usar o termo dispensacionalismo “normativo” por alguns que
defendem o que chamamos de dispensacionalismo “revisado” é uma tentativa de ser prescritivo de formas
que citam seletivamente a evidência histórica da história do dispensacionalismo, ignorando a posição de um
dispensacionalista reconhecido como Sauer, com o fraco argumento de que ele é um dispensacionalista
continental, e não lidando com comentários como o de Mateus 3.2 na Bíblia de Estudo Scofield.
7. Deve-se observar a linguagem de batalha que está sendo usada e a tentativa mal direcionada de ler o
motivo aqui.
8. Blaising e Bock, Dispensacionalismo Progressivo, pp. 44-52.
9. C. C. Ryrie, Dispensationalism Today (Chicago: Moody, 1966) p. 45; veja também Ryrie,
Dispensationalism p. 40.
10. C. C. Ryrie, Dispensationalism Today, p. 86-87.
11. Dispensationalism, Israel and the Church (ed. Blaising e Bock), p. 26.
12. Blaising e Bock, Dispensacionalismo Progressivo, p. 47.
13. W. E. Cox, Amillennialism Today (Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1966), pp. 14, 24-25.
14. D. L. Bock, resenha de V. Poythress, Undestanding Dispensationalism, JETS 32 (1989), pp. 542-544.
Numa atualização de sua obra, Poythress argumenta que os dispensacionalistas progressivos foram pegos em
um dilema hermenêutico por causa da afirmação deles de uma unidade soteriológica em textos como o de
Gl 3 e Rm 11. Mas isso ignora uma consideração do tipo de nuance apresentada pela minha pergunta sobre
o livro de Hebreus. A teologia bíblica só avançará quando as continuidades e as descontinuidades forem
apreciadas e devidamente definidas em categorias apropriadas. A busca de tais nuances no debate sobre a lei
entre os reformados e os teonomistas, um movimento exigido pela crítica reformada à teonomia, também
precisa ser trazida para a discussão da soteriologia e da escatologia. Se isto pode auxiliar na discussão da lei,
pode também nos auxiliar a delinear as estruturas no plano de Deus, conforme as diversas dispensações vão
e vêm.
15. G. E. Ladd, O Evangelho do Reino (São Paulo: Shedd Publicações, 2008), pp. 131-147.
16. G. E. Ladd, Apocalipse, Introdução e Comentário (São Paulo: Vida Nova, 1980), pp. 83-88.
17. Blaising e Bock, Dispensacionalismo Progressivo, p. 333.
18. Aqui eu respondo a distinção que R. Mouw ofereceu à minha proposta em resposta à apresentação
original deste ensaio.
19. C. E. B. Cranfield, The Epistle to the Romans (Edinburgh: T. & T. Clark, 1979) 2.448 n. 2.
20. A. A. Hoekema, The Bible and the Future (Grand Rapids: Eerdmans, 1979) [edição em português: A
Bíblia e o Futuro (São Paulo: Cultura Cristã, 2013)] 205, 274-287; cf. também V. S. Poythress,
Understanding Dispensationalists 38, pp. 47-51.
21. Por uma questão de espaço eu resumi bastante as próximas três partes. Para um estudo mais detalhado
destes temas, você pode buscar a versão original deste meu ensaio no Dispensational Study Group.
O Sibima é uma instituição evangélica, sem fins lucrativos, de ensino teológico
fundamentada nas Escrituras Sagradas e que tem como objetivo treinar obreiros
visando a expansão e edificação do Reino de Deus. Dessa forma, há mais de 70
anos estamos promovendo a divulgação e implementação da cosmovisão cristã
em nossa sociedade, a fim de que a Glória de Deus alcance os confins da terra.
A excelência acadêmica e a maturidade espiritual são o nosso lema. Mas não
temos aqui apenas uma frase de efeito, e sim a realidade da dedicação dos nossos
professores que buscam cada vez mais uma qualificação maior no estudo das
Escrituras, e que também são pastores dedicados aos seus rebanhos. São homens
de Deus servindo ao povo de Deus liderando a igreja do Senhor Jesus Cristo.
Atualmente temos o curso de Teologia Ministerial, com duração de 4 anos,
onde nossos alunos recebem uma profunda base teológica, exegética e
missiológica. Além disso, também temos o curso de Teologia Avançada (Sacrae
Theologiae Magister) com foco em Teologia Sistemática e em Aconselhamento
Bíblico. E em 2021 estaremos iniciando um Ph.D. em Teologia em parceria
com a Clark Summit University (Baptist Bible Seminary). Um curso de alto
nível acadêmico e todo voltado para o estudo sério da Palavra de Deus. Tudo
isso tem um único objetivo: servir a Igreja de Cristo e promover sua glória entre
as nações.
Valberth Veras,
Deão Acadêmico
www.sibima.com.br