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Russell P. Shedd
Alan Pieratt
editores
IMORTALIDADE
Russell P. Shedd
Alan Pieratt
editores
Copyright © 1992 Edições Vida Nova
I a edição: 1992
2a edição: 2000
ISBN 85-275-0178-3
INTRODUÇÃO
A DOUTRINA DO
JULGAMENTO NA BÍBLIA
A. Julgamento e governo
B. Julgamento e costume
2 • Julgamento e ação
As leis devem ser vistas sob esse ângulo. Com freqüência, traz o sentido
de “lei”, sendo, então, geralmente traduzido como “ordenança”. Estas
não são decretos arbitrários de um governante cheio de caprichos, nem
a expressão concreta de alguma lei abstrata. São a providência
misericordiosa de um Deus que ama Seu povo, para lhe mostrar o
caminho certo e lhe dar a orientação que necessita quando procura
viver em Seu serviço. São o auxílio proporcionado por um Deus que
ama o mishpat e o faz para que Seu povo, por sua vez, possa também
praticá-lo.
3 • O julgamento do Senhor
1 • Dyn
A. Livramento
B. Punição
H á ocasiões em que se diz que Deus julga Seu povo, mas não fica
claro se Ele está punindo ou libertando. Se isso pode ser determinado,
então esta modalidade desaparece, sendo absorvida pelas anteriores.
Se não pode, então é um lembrete de que o julgamento, embora possa
ser distribuído em recom pensa e livramento, ou em castigo e
condenação, ainda é a execução de um propósito divino coerente. Se
pudermos citar Eliú novamente, ele prossegue, informando a Jó que
Deus “por estas coisas (L e., chuva etc.) julga os povos e lhes dá
mantimento em abundância. Enche as mãos de relâmpagos e os dardeja
contra o adversário” (Jó 36.31, 32). O julgamento, aqui, é a atividade
de Deus em controlar as condições climáticas. Ele não o faz ao acaso,
mas envia determinado clima para proporcionar um suprimento
abundante de alimentos para os justos, enquanto lança seus raios contra
os ímpios.
A DOUTRINA DO JULGAMENTO NA BÍBLIA • 33
E. Governo
2 • PU
3 • Ykh
•
C. O julgamento é racional
4 • Elohim
os deuses reunidos das nações, por causa do seu mau governo”. Por isso,
“apesar da posição deles como filhos de Deus, Javé passa a pronunciar
a senteça final contra eles, por não terem conseguido atingir esse ideal,
decretando que, conseqüentem ente, devem m orrer como seres
humanos comuns”. Não me convenço desse raciocínio, por uma série
de razões. Seria co n trário ao sólido m onoteísm o do A ntigo
Testamento, e não se deve esquecer que uma longa sucessão de
monoteístas convictos reconheceu a canonicidade desse salmo. Além
disso, as passagens que já consideramos nesta seção parecem-me
indicar que o termo ’elohim vez por outra era usado em referência aos
juizes. Depois, existe a linguagem da passagem em si. Observe os
versículos 2ss.:
Isso está de acordo com o que se requer dos juizes em todo o Antigo
Testamento. Mas não se pede nem se espera que os deuses pagãos
exerçam essas funções. Parece-me que esse ponto não recebeu a devida
consideração dos eruditos que entendem essa passagem como um
referência aos deuses. O Antigo Testamento não carece de passagens
que mencionem os deuses pagãos. Mas onde se fala deles nesses
termos? Ao que me parece, é muito melhor entender que o salmo fala
de juizes humanos. No versículo 1, Deus lhes chama a atenção. Nos
versículos 6ss., Ele lhes lembra de que são mortais:
5 • Pqd
6 • Ribh
A. Contender, disputar
B. Queixar-se, repreender
7 • O utras palavras
1 • Introdução
bem pode e deve ser aplicado ao julgamento final. Mas parece melhor
vê-lo como um processo que está ocorrendo aqui e agora. É verdade
que Deus é o único juiz e que no último dia isso será manifesto. Mas
também é verdade que os homens podem saber, aqui e agora, que suas
ações são pesadas pelo único juiz e que as medidas serão tomadas dessa
forma. Isto confere significado moral à história. A não ser que Deus
esteja ativo, julgando no presente, estamos condenados à idéia de que
o resultado moral de nossas ações não têm importância para esta vida.
Paulo destaca um ponto importante neste julgamento presente. Ele
está tratando da Santa Ceia e aponta que, por causa do mau uso do
sacramento, “há entre vós muitos fracos e doentes, e não poucos que
dorm em ” (1 Co 11.30). Então, ele continua: “Porque, se nos
julgássemos (diekrínomem) a nós mesmos, não seríamos julgados”. O
verbo por ele usado significa “distinguir”, “discriminar”. Paulo está
dizendo que, se fizéssemos distinção entre o que somos e o que
deveriamos ser, evitaríamos esse tipo de julgamento a que ele está se
referindo. Em outros termos, ele enxerga esses julgamentos não como
algo a ser simplesmente temido e odiado, mas como um incentivo a uma
auto-avaliação e a uma vida reta. Uma compreensão do fato de que o
Senhor está julgando Seu povo aqui e agora pode ser um poderoso
incentivo para os cristãos. Acrescenta dignidade e sentido à vida toda.
O julgamento tem essa característica na Bíblia inteira. Leva as pessoas
a um auto-exame e ao arrependimento. Jamais será uma simples
ameaça.
Paulo extrai uma segunda conclusão: “Mas, quando julgados,
somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o
mundo” (v. 32). Os sofrimentos de vários tipos que o cristão pode
encontrar não devem ser vistos como males sem nome. Na verdade, são
sinais do amor de Deus. São a indicação de que Sua mão paterna está
sobre nós, e Ele não nos deixará continuar em alguma trilha pecaminosa
sem nos “julgar”, para que possamos retornar à nossa legítima aliança.
De modo semelhante, o escritor de Hebreus lembra-nos de que “o
Senhor corrige a quem ama, e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb
12.6). Ele continua, dizendo que a disciplina “produz fruto pacífico aos
que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça” (v. 11). A
terminologia não é a mesma de 1 Coríntios, mas a idéia é semelhante.
D e novo, Paulo agradece a Deus: “... à vista da vossa constância e
fé, em todas as vossas perseguições e nas tribulações que suportais, sinal
46 • IMORTALIDADE
3 • O julgamento de Cristo
Desde o início estava claro que a missão de Jesus incluía uma severa
condenação do mal. João Batista disse que Ele batizaria “com o Espírito
Santo e com fogo. A sua pá ele a tem na mão, e limpará completamente
a sua eira; recolherá o seu trigo no celeiro, mas queimará a palha em
fogo inextinguível” (Mt 3.11,12). O batismo com fogo bem pode indicar
o fogo do julgamento, o fogo que purga a impureza, e é certo que o
48 • IMORTALIDADE
3 • Cristo, o Juiz
O Pai julga a todos os homens, mas Ele não o faz em pessoa. “Ao
Filho confiou todo o julgamento” (Jo 5.22). Isso acontece especial
mente no caso do juízo final. Na cena do julgamento em Mateus
25.31-46, o Filho do Homem é o juiz. Pedro nos diz que “ele é quem
foi constituído por Deus Juiz de vivos e de mortos” (At 10.42). Paulo
fala da “coroa da justiça... a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele
A DOUTRINA DO JULGAMENTO NA BÍBLIA • 55
dia” (2 Tm 4.8). Essa verdade é tão básica que foi inserida nos credos
da Igreja: "... e de novo há de vir com glória para julgar os vivos e os
mortos”; “de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos”.
Em todo o Novo Testamento, Jesus aparece como nosso Salvador.
Ele veio à terra com o propósito expresso de aniquilar nossos pecados,
o que significava morrer na cruz. Essa é a nossa segurança de que o
julgamento final será um julgamento de amor. Mas isso não quer dizer
que o julgamento deixa de ser uma realidade implacável. O próprio
amor auto-sacrificial que vemos no Calvário é o mais odioso julgamento
imaginável para uma vida egoísta. Jesus mesmo, imediatamente depois
de dizer “eu não vim para julgar o mundo, e, sim, para salvá-lo”,
continuou: “Quem me rejeita e não recebe as minhas palavras tem
quem o julgue; a própria palavra que tenho proferido, essa o julgará no
último dia” (Jo 12.47,48). Embora Jesus tenha vindo com palavras de
conforto e salvação, ainda assim o homem que se afasta delas irá
considerá-las palavras de condenação no último dia. Esse é o outro lado
da salvação. Tiago nos diz que seremos julgados “pela lei da liberdade”
(Tg 2.12). A mesma liberdade que temos nos condenará, se não
conseguirmos usá-la corretamente.
com que a vida valha a pena. Ela dá dignidade até ao mais insignificante
dos atos, à menos importante das palavras. Até um copo de água fria
oferecido não passará sem ser notado. Devemos também ter em mente
que, em Romanos 2.16, Paulo acrescenta a seguinte expressão às
palavras sobre julgamento citadas acima: “de conformidade com o meu
evangelho”. Julgamento não é nenhum desastre horrível em oposição
ao evangelho. É o cum prim ento da essência da mensagem do
evangelho. Não se pode repudiar ou reprimir o fato de que, para Deus,
tudo na vida é suficientem ente im portante para que Ele tome
conhecimento e exija uma prestação de contas. Isso deve ser bem-vindo.
Faz parte das boas novas.
6 • O julgamento é inevitável
“... aos homens está ordenado morrerem uma só vez e, depois disto,
o juízo” (Hb 9.27). O julgamento é tão inevitável quanto a morte, ou
melhor, até mais, já que o Novo Testamento considera que alguns ainda
estarão vivos na segunda vinda e, portanto, não verão a morte, mas não
visualiza ninguém escapando do julgamento. Para alguns há “certa
expectação horrível de juízo”, mas, com ou sem medo, os homens não
podem escapar dele. Paulo faz uma pergunta retórica: “Tu, ó homem...
pensas que te livrarás do juízo de Deus?” (Rm 2.3; c f Mt 23.33), e não
há dúvida quanto à resposta. Basicamente a idéia remonta a Jesus.
Como J. Jeremias afirma: “A mensagem de Jesus não é só a pregação
da salvação, mas também o anúncio da condenação, advertência e
convite à conversão diante da tremenda seriedade da hora. O número
de parábolas deste grupo é grande, terrivelmente grande. O chamado
ao arrependimento e o tom de urgência percorrem os evangelhos.
Esse aspecto do ensino de Jesus não agrada o homem de hoje.
Portanto, ele simplesmente o rejeita, descartando do pensamento toda
idéia de um juízo final. Ele não se considera envolvido. O Novo
Testamento não participa de seu otimismo irracional. Ele insiste em
que, além e acima do julgamento que sobrevêm inevitavelmente, aqui
e agora, sobre o homem, há um julgamento final em que todos estarão
perante o tribunal de Deus. O julgamento então dispensado terá um
caráter irreversível que nenhum dos julgamentos parciais e preli
minares dessa terra podem reivindicar.
60 • IMORTALIDADE
9 • O julgamento é sério
condenação divina.
Com freqüência, isto se expressa no Novo Testamento nos termos
da ira de Deus. Às vezes, retrata-se a ira atuando no presente (e. g. Rm
13.4, 5), mas este é um conceito basicamente escatológico. É “a ira
vindoura” (hê mellousê orgê, Mt 3.7; hê orgê hê erchomenê, 1 Ts 1.10).
Em Romanos 2, a idéia do dia do julgamento mistura-se com a da ira
vindoura. Na verdade, aquele dia é “o dia da ira” (Rm 2.5). Tenta-se
demonstrar que “a ira” é um processo impessoal no Novo Testamento.
Em minha opinião, essas tentativas são totalmente fracassadas. O Deus
do Novo Testamento não Se recosta na cadeira, deixando as leis
“naturais” provocarem a derrota do mal. Ele Se opõe ativamente ao
mal de todas as maneiras e formas. Sua mão está presente onde quer
que surjam conseqüências desagradáveis p or causa de ações
pecaminosas. Em todo caso, é difícil perceber o significado que se pode
atribuir a um “processo impessoal” (aplicado a atividades morais) num
universo onde Deus é onipresente e todo poderoso. Se Deus é um Deus
moral, certamente tomará atitudes enérgicas em oposição ao mal. A ira
de Deus é uma conseqüência necessária de Sua santidade, retidão e
amor. Juntamente com isso, devemos ter em mente que todo o peso do
julgamento e da ira de Deus caiu sobre Cristo (Rm 3.24ss.; 2 Co 5.21;
1 Jo 4.10). É exatamente no contexto do julgamento que se deve
entender o sacrifício. Se Cristo suportou um julgamento tão pesado,
“como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hb
2.3).
exultação, imaculados diante da sua glória” (Jd 24). João fala do amor
sendo aperfeiçoado em nós “para que no dia do juízo mantenhamos
confiança” (1 Jo 4.17). Sua palavra correspondente a “confiança” é
parrhesia, que literalmente significa “toda a fala”. Isso indica uma
atitude em que as palavras fluem livremente, quando nos sentimos à
vontade. E os cristãos irão se sentir à vontade naquele grande dia, pois
ele marcará o triunfo de seu Salvador no reino do Pai. Por que não se
sentiríam à vontade ao ver Sua vontade perfeitamente realizada?
A d o u trin a do julgam ento final en cerra m uitas verdades
importantes. Ela salienta a responsabilidade do homem e a certeza de
que, por fim, a justiça triunfará sobre todos os erros que são parte
integrante desta vida presente. A primeira empresta dignidade à mais
humilde das atitudes; a última traz calma e segurança àqueles que estão
no auge da batalha. Esta doutrina dá sentido à vida. O conceito grego
da história como um processo cíclico trancava os homens num moinho
onde eles podiam lutar com todas as forças, mas nem deuses nem
homens conseguiam avançar. O conceito cristão do julgamento indica
que a história caminha rumo a um objetivo. O. C. Quick refere-se ao
“ato final de Deus numa comunidade de almas redimidas, num universo
que é ao mesmo tempo um novo mundo e a perfeição do antigo”. O
julgamento preserva a idéia do triunfo de Deus e do bem. É impensável
que o presente conflito entre o bem e o mal possa durar toda a
eternidade. O julgamento mostra que o mal será removido defini
tivamente, com autoridade e determinação. Ele demonstra que, no fim,
a vontàde de Deus será cumprida com perfeição.
2 Alan B. Pieratt
INTRODUÇÃO
Em sua origem, este capítulo apareceu em The Biblical Doctrine o f the Wrath o f God,
publicado na Inglaterra por The Tyndale Press, em 1960. Reproduzido aqui na íntegra
com tradução de Adiei Almeida de Oliveira.
2 R. V. G. Tasker
A IRA DE DEUS
coisas, diz o Senhor, ou não me vingaria de nação como esta?” (Jr 5.7-9;
Rm 2.21).
“... abominas os ídolos, e lhes roubas os templos?” acusa Paulo a
seus irmãos de raça. Eles eram culpados de haver roubado a Deus.4 Por
meio do profeta Malaquias, o Senhor denunciou o desleixo com que
eram celebrados os sacrifícios que a lei ritual do antigo pacto exigia:
“Roubará o homem a Deus? Todavia vós me roubais, e dizeis: Em que
te roubam os? Nos dízimos e nas ofertas. Com m aldição sois
amaldiçoados porque a mim me roubais, vós, a nação toda” (Ml 3.8,9;
Rm 2.22). Por mais que se gloriasse na lei de Moisés, o israelita, ao
transgredi-la, desonrava a Deus, que a havia dado na presença de todos
os povos vizinhos: “Tive compaixão do meu santo nome, que a casa de
Israel profanou entre as nações para onde foi” (Ez 36.20-23; Rm 2.23).
O orgulho os impedia de compreender que a circuncisão não podia
oferecer nenhuma segurança aos transgressores da lei. Ela era um sinal
ou selo do pacto; mas, se as obrigações morais impostas pelo pacto eram
descuidadas, a circuncisão não tinha mais valor do que a incircuncisão
(Rm 2.25). Também a filiação à congregação visível de Israel não
subentendia necessariamente a participação no verdadeiro Israel de
Deus, para o que se exigia do crente algo mais do que a observância
minuciosa da letra da lei. Deus pedia uma adoração íntima do coração,
uma devoção que só ele podia reconhecer e cujo louvor só ele podia
outorgar (Rm 2.28,29).
Através das dramáticas perguntas que encerram o capítulo dois de
Romanos, Paulo dirige nossa atenção para o fato de que as pessoas que
se orgulhavam de ser o povo de Deus estavam mais sujeitas à ira divina
do que aquelas que se encontravam fora dos privilégios do pacto divino,
porque “àquele a quem muito foi dado, muito lhe será exigido; e àquele
a quem muito se confia, muito mais lhe pedirão” (Lc 12.48). O juízo
que deve começar pela casa de Deus (1 Pe 4.17) é, por esta mesma razão,
mais severo e terrível. A tragédia do israelita consistia em que ele se
negava a reconhecer o seu pecado, enquanto estava sempre pronto a
considerar como pecadores todos os outros homens. O estado patético
a que havia chegado a religião de Israel, nos dias de Paulo, é o clímax
do contínuo declínio espiritual descrito no Antigo Testamento.
Ao mesmo tempo em que resume a história de Israel, Paulo parece
perguntar-se por que a decadência moral não podia ser contida, apesar
dos castigos que Deus, em sua ira, havia infligido a seu povo, além do
A IRA DE DEUS • 73
fato de que na lei de Moisés (essa dádiva única de Deus a Israel) havia
sido dada uma grande revelação da ira divina contra o pecado. O
apóstolo diz: “A lei suscita a ira” (Rm 4.15), porque exige perfeita
obediência aos seus mandamentos e, por conseguinte, a sua infração
submete os desobedientes ainda mais às conseqüências da ira divina.
Paulo conclui que a principal razão do fracasso de Israel em conter o
processo de corrupção moral estriba-se em sua reação equivocada à
paciência de Deus, sua compreensão incorreta da misericórdia divina
que, muito freqüentemente, não castigou os pecados do povo na plena
extensão que este merecia. Quando Deus guardou silêncio (SI 50.21),
logo que o pacto foi violado pela iniqüidade de Israel (segundo a lista
de pecados que o salmista enumera nos primeiros versículos do salmo
citado e que são os mesmos que Paulo assinala nesta passagem de
Romanos), os israelitas supuseram equivocadamente que Deus era
como eles: indolente e tolerante para com o pecado. Não conseguiram
entender que a bondade divina, ao dar um prazo para a execução do
castigo em sua totalidade, tinha como único objetivo dar outra
oportunidade para o arrependimento (Rm 2.4): desprezaram “a
riqueza da sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que
a bondade de Deus” os guiava ao arrependimento. Quantas vezes, ao
conter a sua ira e recordar que eles eram nada mais do que pó,
“tornaram a tentar a Deus, agravaram o Santo de Israel” (SI 78.38-40)!
Não fizeram caso dos profetas que lhes ensinaram que Deus “é
misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em
benignidade, e se arrepende do mal” (quer dizer: o Senhor não quer
desencadear, por enquanto, toda a sua ira até o máximo), devendo,
assim, entregar o coração a Deus em uma conversão autêntica (J12.12,
13). “Eles, porém, zombavam dos mensageiros, desprezavam as
palavras de Deus e mofavam dos seus profetas até que subiu a ira do
Senhor contra o seu povo, e não houve remédio algum” (2 Cr 36.16).
Paulo insiste tam bém , tanto quanto o cronista do Antigo
Testamento, em que o abuso das misericórdias divinas, longe de deter
a mão de justiça de Deus, redundará em acúmulo de ofensas que,
finalmente, receberão todo o castigo que merecem. Se os homens não
aproveitarem os convites ao arrependimento que lhes são feitos, se, à
semelhança de Faraó, persistirem em endurecer seus corações e se,
apesar de Deus ter estendido todos os dias a sua mão ao povo rebelde
(Is 65.2), continuarem sendo um povo rebelde, então os seus corações
74 • IMORTALIDADE
13).
A profecia de Naum, que prediz a destruição de Nínive, capital
assíria, cujos crimes haviam merecido a sua queda, é precedida de um
notável poema introdutório que descreve a manifestação da ira de
Deus: “O Senhor é Deus zeloso e vingador, o Senhor é vingador, e cheio
de ira; o Senhor toma vingança contra os seus adversários, e reserva
indignação para os seus inimigos. O Senhor é tardio em irar-se, mas
grande em poder, e jamais inocenta o culpado; o Senhor tem o seu
caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó dos seus
pés. Ele repreende o mar, e o faz secar, e míngua todos os rios;
desfalecem Basã e Carmelo, e a flor do Líbano se murcha. Os montes
tremem perante ele, e os outeiros se derretem; e a terra se levanta
diante dele, sim, o mundo e todos os que nele habitam. Quem pode
suportar a sua indignação? E quem subsistirá diante do furor da sua ira?
A sua cólera se derrama como fogo, e as rochas são por ele demolidas.
O Senhor é bom, é fortaleza no dia da angústia, e conhece os que nele
se refugiam. Mas com inundação transbordante acabará duma vez com
o lugar desta cidade; com trevas perseguirá o Senhor os seus inimigos.
Que pensais vós contra o Senhor? Ele mesmo vos consumirá de todo;
não se levantará por duas vezes a angústia” (Na 1.2-9). A ira de Deus
se concentrou em Nínive, “cidade sanguinária, toda cheia de mentiras
e de roubo” (Na 3.1).
De maneira semelhante, quando Habacuque, perplexo, pergunta
como era possível que os caldeus, a quem Deus havia levantado para
castigar Israel, tivessem sido chamados para tal fim, visto que eram
muito mais ímpios do que o próprio Israel, ele recebeu a resposta de
que, a seu tempo, a Caldéia, devido à sua arrogância, sua tirania e
impiedade, também seria castigada, convertendo-se em objeto da ira
de Deus (Hc 2.4). O terceiro capítulo de Habacuque contém um poema
que descreve a marcha de Deus sobre todos os povos para executar a
sua ira: “Na tua indignação marchas pela terra, na tua ira calcas aos pés
as nações. Tu sais para salvamento do teu povo, para salvar o teu
ungido” (Hc 3.12,13).
Outro exemplo impressionante da vingança de Deus contra os
inimigos de Israel é encontrado em Isaías 63.1-6. O profeta vê a Deus
“que vem de Edom, de Bozra, com vestes de vivas cores”, manchadas
com o sangue de seus inimigos. Deus diz a seu povo que só ele é grande
para salvar. A ira de Deus baseia-se em sua justiça: “Sou eu que falo
A IRA DE DEUS • 77
Jesus profetizou que o reino de Deus lhes seria tirado e dado a outro
povo que produzisse os respectivos frutos (c/. Mt 21.43). Não
reconhecer que os atos de Jesus eram, na verdade, um assalto divino à
fortaleza do mal e atribuí-los a algum poder maligno, como haviam feito
os escribas de Jerusalém, constituiu um pecado de blasfêmia contra o
Espírito Santo: “aquele que blasfemar contra o Espírito Santo não tem
perdão para sempre, visto que é réu de pecado eterno” (Mc 3.29). De
igual forma, não reconhecer o que Jesus é, ou seja, o Filho de Deus que
veio proclamar a palavra de Deus e realizar a grande obra divina, fez
que os judeus não pudessem ser considerados filhos de Deus. Eles
demonstravam que eram, antes, filhos do diabo, condenados a morrer
em seus pecados e a receber o castigo preparado para o diabo e seus
anjos (çf. Jo 8.42ss.).
Estas palavras de Cristo são muito severas, porém fazem parte da
revelação de Deus dada a conhecer em Cristo Jesus, tanto quanto as
outras palavras do Mestre que expressam de forma tão maravilhosa o
amor e a misericórdia do Deus que se fez homem. Deixar de lado estas
palavras tão duras e concentrar a atenção unicamente naquelas
passagens dos evangelhos que proclamam a paternidade de Deus é
apresentar um cristianismo debilitado e incompleto, que nunca poderá
fazer o que Cristo planejou que se fizesse com ele e por ele: salvar os
homens da ira que há de vir. Neste sentido queremos citar as palavras
de um escritor que fez a seguinte observação, com a qual estamos de
total acordo: “Os que têm olhos para ver apenas o amor de Deus
desviam seu olhar da doutrina antipática da ira de Deus. Todavia, ao
eliminar a ira — a desgraça — de Deus, eles eliminam também a graça
de Deus. Onde não há temor não pode haver salvação. Onde não há
condenação não pode haver libertação. O amor deve estar baseado
na justiça”.13 Também podemos expressar esta verdade tão vital de
maneira um tanto distinta, dizendo que, ao procurar eliminar o inferno,
precisamos eliminar também o céu, o qual, nas palavras do Te Deum,
Jesus “abriu para todos os crentes”, mediante sua morte e ressurreição.
A ressurreição é a evidência constante de que o sacrifício
sacerdotal de Cristo foi aceito por Deus. O Novo Testam ento
ensina-nos claramente que a boa notícia do primeiro dia da Páscoa não
foi tanto o fato de que um Homem se havia levantado do túmulo, mas
que o sacrifício de Cristo, o verdadeiro Cordeiro pascal, havia recebido
a aprovação divina e que, por conseguinte, todos os que aceitassem
A IRA DE DEUS • 89
embora fosse certo que tudo lhes era lícito, também era verdade que
nem tudo lhes convinha. Em seu intento de fazê-los ver claramente
todas estas questões, o apóstolo Paulo recordava os seus leitores do
trágico destino que havia sofrido a maioria dos israelitas durante a
viagem do Egito para Canaã. Ao agir assim, Paulo coloca em relevo o
fato de que o Deus com que os antigos israelitas precisavam haver-se
era o mesmo Deus que havia convertido esses cristãos coríntios em uma
parte do novo Israel, estabelecendo com eles uma nova aliança
inaugurada pelo sangue de Jesus. A história do antigo Israel não foi
escrita como sim ples tem a de interesse p ara os am antes de
antigüidades, mas por ser um registro inspirado por Deus, que contém
a palavra de Deus adequada para seu povo em todas as épocas. “Estas
cousas”, escreve Paulo, “lhes sobrevieram como exemplos, e foram
escritas para advertência nossa, de nós outros sobre quem os fins dos
séculos têm chegado” (1 Co 10.11). Foram fatos históricos com um
significado único, porque neles o Deus vivo operou para revelar à
humanidade os elementos essenciais da sua natureza.
Estes israelitas do passado, recorda Paulo aos coríntios, foram um
povo privilegiado, não menos que os cristãos. Eles estavam “todos sob
a nuvem” da proteção divina. Eles também tiveram um salvador e
experimentaram uma salvação, embora houvessem sido remidos da
escravidão no Egito e tido o privilégio de serem conduzidos por Moisés,
um homem a quem Deus dotara de poderes sobrenaturais. Também
eles tinham seus sacramentos, porque foram alimentados com o pão
que descia do céu e beberam da água viva da rocha. Não obstante, eles
mui freqüentemente foram visitados de forma devastadora pela ira
divina. “Entretanto”, diz a Escritura, “Deus não se agradou da maioria
deles, razão por que ficaram prostrados no deserto” (1 Co 10.5).
No relato que o Antigo Testamento faz de todos os exemplos
apresentados por Paulo, em 1 Coríntios 10.1-10, torna-se explícita a
menção da ira de Deus sobre Israel. Lemos que o Senhor enviou
codornizes do mar, em resposta ao desejo de comer carne demonstrado
pelos israelitas: “Estava ainda a carne entre os seus dentes, antes que
fosse mastigada, quando se acendeu a ira do Senhor contra o povo, e o
feriu com praga mui grande” (Nm 11.33). Quando Arão levantou o
bezerro de ouro e disse: “São estes, ó Israel, os teus deuses, que te
tiraram da terra do Egito”, e “o povo assentou-se para comer e beber,
e levantou-se para divertir-se, disse o Senhor a Moisés: ...o teu povo,
92 • IMORTALIDADE
que fizeste sair do Egito, se corrompeu... Tenho visto a este povo, e eis
que é povo de dura cerviz. Agora, pois, deixa-me; para que se acenda
contra eles o meu furor, e eu os consuma” (Êx 32.4,6,7,9,10). Quando
“começou o povo a prostituir-se com as filhas dos moabitas, estas
convidaram o povo aos sacrifícios dos seus deuses; e o povo comeu,
inclinou-se aos deuses delas... a ira do Senhor se acendeu contra Israel...
os que morreram da praga foram vinte e quatro mil” (Nm 25.1, 3, 9).
Quando Israel provou a paciência de Deus e murmurou contra Arão e
Moisés, dizendo: “Por que nos fizestes subir do Egito, para que
morramos neste deserto?”, a ira do Senhor (embora esta expressão não
apareça explicitamente no texto) manifestou-se na praga das serpentes
abrasadoras, até que, graças à intercessão de Moisés, eles foram
libertados por meio da serpente de bronze que funcionou como meio
de graça salvadora de Deus (Nm 21.5-8). Quando, depois que a terra
tragou Coré, Datã e Abirão, líderes de uma rebelião contra os
dirigentes que o próprio Deus havia constituído, a congregação de
Israel murmurou de novo contra Moisés e Arão, e “falou o Senhor a
Moisés, dizendo: Levantai-vos do meio desta congregação, e a
consumirei num momento; então se prostraram sobre os seus rostos.
Disse Moisés a Arão: ...vai depressa à congregação, e faze expiação por
eles; porque grande indignação saiu de diante do Senhor; já começou
a praga” (Nm 16.44-46). Paulo deduz destas referências, as quais cita
em 1 Coríntios 10, que as mesmas espécies de penalidades que o antigo
Israel havia sofrido, cairão sobre o» cristãos, se eles pensarem que se
acham livres de toda insegurança: “Aquele, pois, que pensa estar em pé
veja que não caia” (1 Co 10.12). Sem dúvida, os cristãos de Corinto
vangloriavam-se de já não serem pagãos nem profanos. Mas o apóstolo
lhes traz à lembrança que as divisões que há entre eles são sinais de que
ainda há sacrilégio neles. Eles estão profanando o templo no qual Deus
agora se digna habitar; e Paulo os adverte, não de maneira incerta, de
que “se alguém destruir o santuário de Deus, Deus o destruirá; porque
o santuário de Deus, que sois vós, é sagrado” (1 Co 3.17).
É digno de nota que a Epístola aos Hebreus chama atenção
também para os castigos que a ira divina infligiu a Israel durante sua
travessia pelo deserto. Como resultado de persistente desobediência
dos israelitas, o autor recorda a seus leitores, citando o Salmo 95, que
Deus jurou “em sua ira” que eles não entrariam no seu descanso na terra
para a qual se dirigiam. Embora este repouso continue sendo uma
A IRA DE DEUS • 93
está reservado um paraíso muito mais sublime do que aquele que Adão
perdeu, lugar de inefáveis bênçãos onde eles verão e adorarão a Deus
e gozarão eternamente da sua presença.
razão por que se acham diante do trono de Deus e o servem de
dia e de noite no seu santuário; e aquele que se assenta no trono
estenderá sobre eles o seu tabemáculo. Jamais terão fome, nunca mais
terão sede, não cairá sobre eles o sol, nem ardor algum, pois o Cordeiro
que se encontra no meio do trono os apascentará e os guiará para as
fontes da água da vida. E Deus lhes enxugará dos olhos toda lágrima”
(Ap 7.15-18).
NOTAS DO CAPÍTULO
INTRODUÇÃO
NEM TODOS OS
HOMENS SERÃO SALVOS
As implicações
Os argumentos usados
se dobrará todo joelho” (Fp 2.9-11); e há alguns outros textos desse tipo.
(2) H á um grupo de textos que parece dizer que a intenção de Deus
é salvar todos os homens: ele “deseja que todos os homens sejam salvos”
(1 Tm 2.4); “não querendo que nenhum pereça, senão que todos
cheguem ao arrependimento” (2 Pe 3.9).
(3) Há um grupo de textos que parece nos dizer que a cruz
estabeleceu uma relação entre Deus e o homem que deve significar
salvação universal: “Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o
mundo” (2 Co 5.19); “ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não
somente pelos nossos próprios, mas ainda pelos do mundo inteiro”
(1 Jo 2.2); “Jesus provou a morte por todo homem” (Hb 2.9); “a graça
de Deus se manifestou salvadora a todos os homens” (Tt 2.11).
Todavia, estas três classes de textos, que supostamente provam o
universalismo, na verdade não provam nada semelhante. Eles não são
conclusivos pelas três razões seguintes:
(1) Todos eles admitem outra explicação, uma explicação mais
coerente com o seu contexto do que a universalista (veja comentários
da Série Cultura Bíblica).
(2) Todos eles estão justapostos a textos que afirmam que alguns
perecem. Por exemplo, depois de Atos 3.21, onde Pedro fala da
“restauração de todas as coisas”, ele também diz que quem “não ouvir
a esse profeta, será exterminado do meio do povo” (At 3.23). Em João
12.32, nosso Senhor diz: “E eu, quando for levantado da terra, atrairei
todos a mim mesmo”; contudo, anteriormente ele havia dito que alguns
homens, diante do som da sua palavra, serão ressuscitados dentre os
mortos para a ressurreição da condenação (Jo 5.29). E ao mesmo tempo
em que Filipenses 2.9 diz que “ao nome de Jesus se dobre todo joelho”,
afirma também, no capítulo seguinte (3.19), que o fim de algumas
pessoas é a destruição.
(3) Não há nenhuma passagem bíblica que defenda qualquer
in sistência de D eus ju n to aos hom ens, depois da m orte. Os
universalistas têm apelado a 1 Pedro 3.19, concernente ao fato de nosso
Senhor ter ido no Espírito pregar aos espíritos em prisão, os quais
haviam sido desobedientes nos dias de Noé. Contudo, não importa
como se exponha este texto, ele certamente não propicia base para a
afirmação de que haverá uma pregação de nosso Senhor, depois da
morte, a todas as almas no inferno e muito menos que tal pregação terá
sucesso em todos os casos.
NEM TODOS OS HOMENS SERÃO SALVOS • 109
Deus é amor
A vitória da cruz
INTRODUÇÃO
A MORTE
A natureza da morte
A morte e o pecado
Outras opiniões
justo, nem sequer um” (Rm 1.18; 3.10; cf. 9-18); nem Deus deve alguma
apresentação do evangelho, muito menos “inteligente”, a qualquer
homem.
O universalismo, a terceira das alternativas, é geralmente declarada
como forma otimista do ensino de uma “segunda chance”: todos
aqueles que Deus fez, e que não se voltaram para ele nesta vida, ele
encontrará em Cristo depois da morte e levará a amá-lo, mesmo que
tenha de enviá-los a uma geena de fogo no purgatório, durante algum
tempo, para fazê-los voltar a seus sentidos. Todavia, é bem claro que
esta não foi a opinião de Cristo (veja Mt 12.32; 26.24) nem é o
significado necessário ou natural de qualquer texto bíblico considerado
em seu contexto.
Um dos grandes detetives de ficção estabeleceu a doutrina de que
quando você elimina todas as impossibilidades, o que resta, embora seja
improvável, deve ser verdade. À semelhança disso, o teólogo sabe que
quando você elimina todas as opções não-bíblicas, o que resta, embora
seja uma verdade desagradável, necessariamente será a verdade de
Deus. Não estou dizendo que a posição que estabelecí com respeito à
perdição eterna seja agradável ou confortável para com ela se conviver;
insisto apenas em que ela é, na verdade, ensinada por Cristo e pelo
Novo Testamento, devendo ser considerada sob essa luz.
Esteja preparado
que esse prazo, isso não será uma privação injusta, mas uma promoção
mais rápida. Nunca permita que as coisas boas, ou as que não são tão
boas, excluam as melhores, e alegremente abra mão do que não é o
melhor, em favor do que é. Viva no tempo presente; goze com alegria
dos seus prazeres e abra caminho através das suas dores, contando com
a companhia de Deus, sabendo que tanto os prazeres quanto as dores
são passos na viagem para casa. Abra toda a sua vida para o Senhor
Jesus e gaste tempo conscientemente na companhia dele, expondo-se
e correspondendo ao seu amor. Diga a si mesmo, com freqüência, que
a cada dia você está mais perto. Lembre, como disse George Whitefield,
que o homem é imortal enquanto o seu trabalho não for realizado
(embora seja apenas Deus quem defina que trabalho é esse), e continue
a realizar aquilo que você sabe ser a tarefa que Deus lhe determinou
para aqui e agora.
Paulo disse: “... o tempo da minha partida é chegado. Combati o
bom combate, completei a carreira, guardei a fé. Já agora a coroa da
justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele
dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua
vinda” (2 Tm 4.6-8). Pedro recomendou: "... por isso mesmo, vós,
reunindo toda vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a
virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com
o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com
a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor... procurai, com
diligência cada vez maior, confirmar a vossa vocação e eleição;
porquanto, procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. Pois,
desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino
eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 1.5-7,10s.).
Este é o caminho.
5 A lan B. Pieratt
INTRODUÇÃO
contundente:
esboços que ele nos enviou — o que experimentaremos, uma vez que
estejamos ali. O agnosticismo reverente concorda com as evidências de
uma fé profunda que se recusa a empenhar-se numa especulação
inquiridora. Permitamos que Joseph Butler, autor do outrora celebrado
Analogy o f Religion (“Analogia da Religião”), resuma este relatório:
“Não devemos nos confessar na presença de enunciados obscuros,
destinados a m inistrar esperança tanto quanto advertência, mas
fragmentários demais e incompletos para formarem sistemas?”3
A segunda conclusão extraída pelos examinadores do destino
hum ano é a do aniquilacionismo. Grande número de eminentes
filósofos e cientistas esposa esta opinião negativa. Muitas vezes com
dogmatismo emocional, eles afirmam que a pesquisa intensiva e a
reflexão árdua não apresentam nenhuma evidência convincente de
outro mundo, seja ele qual for. De fato, eles proclamam todos os
relatórios acerca desse suposto mundo como enganosos ou fictícios. Em
seu juízo sóbrio, ele é uma “terra do nunca”. E a Erehwon de Samuel
Butler, e o nome dessa utopia imaginária é, sem dúvida, nowhere (lugar
nenhum) escrito ao contrário. Desta forma, o não-cristão, o incorrigível
ateu, o “playboy” sacrílego, o tirano sádico, o fideísta desprovido de
temores — nenhum deles realmente precisa permitir-se uma pontada
de medo para nublar sua consciência. Bertrand Russell assegura a todos
nós que, por ocasião da morte, apodrecemos. Expressa com tal
deselegância, embora de maneira tensa, esta é a sorte tanto dos ímpios
quanto dos justos.
Segundo Russell, é muito melhor um sono infindável do que uma
peregrinação que leva a maioria dos nossos companheiros de viagem a
um inferno sem fim.
A terceira conclusão tirada pelos examinadores do destino humano
é a do universalismo. Certas passagens bíblicas deixam entrever, no
mínimo, que a eternidade não abrange nada correspondente ao inferno
da teologia tradicional. Lá no futuro post-mortem do homem, não há
nenhum abismo sulfuroso em que as almas perdidas suportarão para
sempre um sofrimento consciente. Nels Ferré, que no começo de sua
carreira pensava de modo diferente, é absolutamente positivo ao dizer
que os teólogos tradicionais interpretaram mal os dados bíblicos. Com
uma paixão restrita, ele rejeita a distorção trágica que eles fazem da
verdade a respeito do mundo do porvir.
134 • IMORTALIDADE
fim dos tempos, isto significa que aquele único homem derrotou o
amor de D eu s— e isto é impossível. Além disso, há apenas uma forma
pela qual podemos pensar no triunfo de Deus. Se ele não fosse nada
mais do que um Rei ou Juiz, seria possível falar do seu triunfo, se seus
inimigos estivessem agonizando no inferno ou fossem completa e
totalmente obliterados e varridos. Mas Deus não é apenas Rei e Juiz
— ele é Pai — de fato, acima de qualquer outra coisa, Deus é Pai.
Nenhum pai podería sentir-se feliz, se ainda houvesse membros da
sua família sofrendo uma agonia perene. Nenhum pai consideraria
como triunfo o fato de obliterar os membros desobedientes de sua
família. O único triunfo que um pai pode experimentar é ter toda a
sua família de volta ao lar. A única vitória que o amor pode desfrutar
é o dia quando a sua oferta de amor for respondida pelo retorno do
amor. O único triunfo final possível é um universo amado e que ame
a Deus.5
O que pode ser então aquilo de que as três imagens são símbolo? A
destruição, podemos naturalmente presumir, significa a eliminação
ou aniquilação dos destruídos. E as pessoas falam com freqüência
como se a “aniquilação” de uma alma fosse possível. Em nossa
142 • IMORTALIDADE
7. O “fogo eterno” não deve ser o reino do diabo, mas será sua
prisão, não seu palácio... As figuras de linguagem que descrevem os
gritos e as maldições emitidas pelos perdidos na terra, enquanto os
demônios zombam da sua angústia ou colocam mais combustível no
fogo da sua tortura, são aliviadas da acusação de loucura somente pela
acusação mais grave de profanação ou blasfêmia. Não há nenhum lugar
em todos os domínios humanos em que o reinado da ordem seja tão
supremo como na prisão. Assim também acontecerá no inferno.
também é propiciada por Friedrich von Hügel. Ele faz distinção, por
um lado, entre “a essência da doutrina do inferno”, que considera uma
mentira “acima de tudo com respeito à eternidade daquele destino” e,
por outro lado, quanto “às várias imagens e interpretações dadas à sua
essência”. Em contraste com os espíritos salvos, raciocina ele, os
espíritos perdidos “de acordo com o grau de deserção permanente e
voluntária da sua vocação sobrenatural”, persistirão em quatro padrões
de disposição e orientação de comportamento trágicos e destruidores.
Primeiro, eles persistirão na “mera mutabilidade perturbação e
dispersão, características da sua vida terrena, que havia sido escolhida
por eles mesmos”. Só no inferno sentirão muito mais intensamente “a
insatisfação dessa sua não-lembrança permanente, mais do que a
sentiram sobre a terra”.
Segundo, os espíritos perdidos persistirão no “egocentrismo e
subjetividade variados e quase completos da vida terrena que eles
mesmos haviam escolhido”. Só no inferno sentirão muito mais
in te n s a m e n te a fa lta de c re sc im e n to , a a u to -m u tila ç ã o , o
aprisionamento envolvido nesta sua infindável ocupação consigo
mesmos, e sua ciumenta fuga de toda a realidade e não simplesmente
de si mesmos”.
Terceiro, eles persistirão “em suas reivindicações e invejoso
auto-isolamento, em sua dor avarenta e mesquinha, ao ver ou pensar
na inigualável grandeza e bondade das outras almas”. Só no inferno eles
experimentarão a consciência deste fato “de modo mais pleno e
intermitente”.
Quarto, as almas perdidas persistirão nas dores sentidas na terra —
“as dores da falta de crescimento estéril, contração... os empedernidos
e tristes, ou os irados e negligentes, à deriva em sentimentos imorais ou
infiéis agridoces, em atos e hábitos que, desta forma tolerados,
propiciam uma cegueira espiritual sempre crescente, paralisia da
vontade e uma morte viva”. Só “as próprias dores do inferno consistirão
em grande parte na percepção, da parte da alma perdida, de como é
inatingível” a oportunidade de suportar os sofrimentos santificadores
que os espíritos salvos suportaram na terra. Essa própria sensação será
uma fonte intensificadora de “dores de parto que nada dão à luz”.16
Embora toda a extrapolação de von Hügel esteja diametralmente
afastada do literalismo canhestro e ofensivo de grande parte da teologia
tradicional, ele se encontra mais próximo, segundo se subentende, da
146 • IMORTALIDADE
NOTAS DO CAPÍTULO
11.Ibid., p. 202.
12. F. W. Farrar, Eternal Hope (Londres: Macmillan, 1892), p. 57.
13. Citado em Ethics, de Moberley, pp. 333-334.
14. C. S. Lewis, O Problema do Sofrimento (São Paulo, Editora Mundo Cristão,
1983), pp. 90-91.
15. R. Anderson, Human Destiny: After Death — What? (Londres: Pickering and
Inglis, 1913), pp. 113-179.
16. F. von Hügel, “What D o We Mean By Heaven? And What D o We Mean By
Hell?”,£ íí« y í and Addresses on the Philosophy o f Religion (Londres: J. M. Dent, 1924),
pp. 216-221.
17. J. Orr, The Christian View o f G od and World (Nova Iorque: Scribner’s, 1897),
pp. 345-346.
6 Alan B. Pieratt
INTRODUÇÃO
YAHWEH-SHAMMAH
O SENHOR ESTÁ ALI
* *
* *
I. A NOVA CIDADE
venda das almas dos homens, e as da outra são devidas à graça de Deus.
Uma cidade é um lugar de “muitas águas”, a outra tem apenas um rio,
o rio da vida. A nova cidade é a contrapartida exata do que o homem
quisera fazer — não no sentido de verso e reverso, ou tipo e antítipo,
mas no sentido do inverso de um bordado e o seu lado de cima.
Enquanto o lado em que o homem está trabalhando é uma confusão
sem forma, o lado em que Deus trabalha é o lado certo, o lado da nova
Jerusalém. A presença de Deus é o ponto essencial em tudo o que se
disser a respeito da cidade. Ele está tomando posse do mundo do qual
o homem gostaria de vê-lo excluído. Ele próprio é a cidade, visto que
é seus muros, suas portas, sua praça central e seu templo. Ele é tudo e
está em tudo. Mas, ao mesmo tempo, ele é infinitamente diferente da
cidade. Esta unidade é muito mais completa do que aquela por ocasião
da criação. Falando de modo adequado, não há mais um mundo
separado de Deus, mas um mundo em que a comunhão com Deus é
perfeita e ilimitada para todos os que vivem ali. Pois este milagre é
inseparável dos habitantes da cidade.
* *
Creio que estes fatos têm ainda outro significado. Até agora
verificamos que a nova criação consiste essencialmente de uma cidade.
Contudo, muitos textos nos ensinam que toda a criação será
reconciliada com Deus, que os montes saltarão como cordeiros, de
tanta alegria, que o lobo comerá erva com o cordeiro. Desta forma, a
nova criação alcança não apenas as cidades, mas o mundo em todas as
suas formas. É declarado com toda nitidez que haverá “novos céus e
nova terra”. Esta é uma perspectiva muito mais ampla do que o ponto
que temos estado a enfatizar aqui.
Todavia, de fato a cidade ocupa um lugar especial nesta recriação:
ela está situada no monte santo. Curiosa é esta visão de um mundo novo,
“onde habita a justiça” e onde também haverá um lugar santo, um lugar
separado. Todavia, podemos captar o significado subjacente oculto:
sem dúvida, toda a natureza será transformada, mas depois da
ressurreição o homem viverá exclusivamente na cidade. Ele não estará
por toda parte na natureza. Só ali. Isto corresponde exatamente à
situação do Éden: aquele era um jardim no meio da criação, e não toda
a criação. O Éden era um lugar limitado, feito para o homem e o resto
da criação —no princípio, independente. Depois de criar o céu e a terra,
“plantou o Senhor Deus um jardim no Éden... e pôs nele o homem que
havia form ado” (G n 2.8). No fim dos tem pos, a nova cidade
corresponderá a este jardim. Isto confirma o que estávamos falando
acima, acerca de um a linha progressiva, que vai do Éden até
Yahweh-shammah. É um lugar limitado feito para o homem, e a
natureza volta a seu estado relativamente autônomo. Outro ponto é que
esta cidade é santa, está no monte santo, a cidade do Senhor. Isto
significa que ela é o único lugar, em toda a nova criação, onde habita a
glória de Deus: “E me mostrou a santa cidade, Jerusalém, que descia
do céu, da parte de Deus, a qual tem a glória de Deus... A cidade não
precisa nem do sol, nem da lua, para lhe darem claridade, pois a glória
de Deus a ilumina, e o Cordeiro é a sua lâmpada” (Ap 21.10,11,23).
“Pois eu lhe serei, diz o Senhor... no meio dela, a sua glória” (Zc 2.5).
Dizer que Deus é a glória dela é outra maneira de dizer que Deus está
presente ali e que ela existe apenas até o ponto em que a presença dele
está ali. Mas há também o fato de que ela tem em si mesma a glória de
Deus. Esta é a manifestação da sua presença ou, mais exatamente, o
meio pelo qual Deus é designado em sua realeza. “Deus se glorifica
quando se mostra da maneira como é”, diz Karl Barth. Desta forma,
YAHWEH-SHAMMAH • 161
nesta cidade, e apenas ali, Deus se mostrará como ele é, na era da nova
criação. Isto significa que ele estará com todos e para todos,
verdadeiramente o centro e a plenitude da criação, o centro então
revelado a todos, em toda parte. Por isso, a cidade precisará estar no
monte mais elevado, um lugar para o homem, um lugar para a glória
divina, visto de toda a criação, elevado até o ponto mais alto de toda a
natureza — não para ser glorificado em si mesmo, mas a fim de que
toda a criação possa se voltar para o Deus que não é mais um Deus
oculto e que aparece nos muros resplandecentes de ouro precioso e na
luz eterna com que rebrilham as portas de pérola. Esta é a explicação
da profecia antiga. Quase não precisamos acrescentar que os autores
dessas obras não colocaram conscientemente todas estas minúcias em
seus sinais, pois estes só puderam assumir o seu significado e valor
plenos depois da vida, morte e ressurreição de Cristo.
* *
* *
igreja como corpo de Cristo ou como sua noiva; à ligação entre Jesus e
sua igreja, a mesma ligação que une um homem e sua esposa. A noiva,
por fim, aparece aos olhos de todos como a noiva que ela realmente é.
Desta forma, a cidade segue e toma o lugar da igreja. Ela cer
tamente não é a igreja, nem no presente nem no futuro. A sua natureza
não é a da humilde serva dos tempos históricos. Aqui também vemos
uma transposição: não é apropriado dizer que a igreja triunfante sucede
a igreja sofredora, nem é apropriado dizer que na nova criação não
haverá igreja. De fato, a cidade criada por Deus torna-se a substituta
da igreja da maneira como a conhecemos, mediante uma extraordinária
síntese da obra do homem adotada por Deus e a obra do Espírito levada
à perfeição. O que conhecemos de maneira medíocre será então vivido
plenamente na cidade. Podemos dar um passo a mais? Precisamos pelo
menos mencionar que os habitantes daquela cidade se gloriarão todos
na extraordinária luz que provém dos olhos de Deus.
Toda a visão explode em luz —as pedras do alicerce da cidade, com
suas facetas brilhantes, mencionadas por Isaías, a brancura das
vestimentas, as águas cristalinas, o ouro resplandencente. Tudo irradia
uma luz que provém de Deus. Mas este ouro não é mais o ouro pesado
e orgulhoso da Babilônia — ele é leve e transparente como cristal. Ele
se incendeia com a glória de Deus, e o Cordeiro é a sua chama. Os
habitantes da cidade moram na luz que ilumina todas as nações (Ap
21.24). “Eu sou a luz do m undo”, disse Jesus, e isto tem seu
cumprimento agora, como indica o tempo presente do verbo usado pelo
Filho do homem. A oposição do mundo não pode impedi-lo de ser o
que ele é. A cidade, em seu reino de trevas, pode recusar a luz, mas, no
fim, esta luz a atravessa, e nada escapa a esta reconciliação. Assim, seus
habitantes tornam-se verdadeiramente filhos da luz, e isto, talvez, é o
que os caracteriza melhor. As trevas da cidade, as trevas da tristeza do
homem na cidade, as trevas de suas obras, tudo foi transformado pela
vinda dessa luz sem par. Ali não permanece nada mais que seja impuro,
nada mais que seja morto; as faces mortas dos homens da cidade
brilham repentinamente com a beleza de Deus.
Entretanto, quem é digno, quem é digno de uma coisa dessas?
Ninguém, ninguém por si mesmo possui esta luz. O segredo de Deus
está inteiramente à disposição dos que entram, dos que estão na luz,
assim como Deus dá graça por graça. Isto é tudo que podemos dizer,
pois o rei da luz é também o Filho do homem.
166 • IMORTALIDADE
II. O SIMBOLISMO
* * *
4c 4c 4c
preciosas podem não ter nenhum significado. É fácil presumir que, visto
que os sacerdotes egípcios e babilônicos também tinham placas
adornadas com pedras preciosas, os judeus estavam apenas imitando o
que acontecia entre os pagãos. Mas isto dificilmente é provável, visto
que o resto das vestimentas do sumo sacerdote não imitava as dos
egípcios. Mais do que isso, as pedras dos amuletos egípcios não tinham
nada a ver com o que podemos aprender das doze pedras do relatos
bíblicos. Podem os nós acreditar que as doze foram escolhidas
absolutamente ao acaso ou pelo fato de serem abundantes em Canaã?
Por que pedras diferentes? Por que tal abundância de detalhes
explicativos, se tudo isto não tem significado algum? O fato de alguém
querer uma jóia somente por luxo ou por sua beleza não contraria a
mentalidade do nono século a. C. ou mesmo do século sétimo a. G ?
Tudo parece indicar que a escolha dessas pedras tem algum significado.
Entretanto, onde encontrá-lo?
É claro que havia um simbolismo das pedras usadas em artes
mágicas. Todas as pedras preciosas eram usadas em prescrições
médicas e na feitiçaria, e é surpreendente notar que há uma certa
concordância entre os poderes atribuídos às pedras pelos textos
mágicos caldeus, por exemplo, pelos romanos e, mais tarde, pelos textos
mágicos medievais. Mas esta certam ente não é a direção que
precisamos seguir. Não é pelo fato de que se pensava que o sárdio
removia tumores e o carbúnculo expulsava demônios, que a fé do povo
israelita as usava para expressar uma verdade divina. Isto se contrapõe
ao cerne de tudo o que Israel recebera como verdade. Nenhuma coisa
criada jamais fora considerada como detentora de poder inato, por si
própria. Não por terem algum poder mágico inerente é que essas pedras
foram escolhidas, mas, sim, por uma razão contrária à mágica: elas
designavam algo divino. As únicas vozes que podemos ouvir, portanto,
são as dos rabis que através dos séculos expressaram o significado dessas
pedras para o povo de Israel. Não nos importa saber que significado
inato essas pedras podiam ter ou quais eram seus poderes, pois sabemos
que, se elas foram colocadas no peitoral do sumo sacerdote, isto se deu
por terem um significado para o povo de Deus, quando este se reunia
para contemplar a majestade daquele personagem, quando ele entrava
no Santo dos Santos. E se João as viu nos alicerces da nova Jerusalém,
certamente foi pelos mesmos motivos que haviam chamado a atenção
de Israel no passado e que não haviam mudado. Assim, as razões eram
172 • IMORTALIDADE
* *
mês, e as folhas da árvore são para a cura dos povos” (Ap 22.1ss.). Esta
descrição concorda quase exatamente com a de Ezequiel (cap. 47). Ali
também o rio flui do centro do templo. Este rio também é de águas vivas
que espalham a sua vida por onde flui; as águas amargas e salobras
(sinais de pecado e morte) tornam-se doces e saudáveis. Em ambas as
margens crescem árvores que dão o seu fruto a cada mês, cujas folhas
são curativas. Podemos dizer, portanto, que as duas visões são
perfeitamente idênticas. Não ficamos abertamente perturbados pelo
fato de João usar imagens extraídas de Ezequiel. Talvez isto signifique
apenas que a inspiração dada pelo Espírito de Deus era a mesma em
ambos os casos. Todavia, também é certo que João entendeu a sua visão
em sentido espiritual, e não materialmente, como alguns escritores
sustentam no caso de Ezequiel. Também é óbvio que tudo o que João
escreve é enriquecido e sustentado pelas idéias evangélicas de água
viva, batismo e salvação.
Contudo, limitaremos o nosso estudo ao que isto significa para a
cidade. Um item sobressai: a árvore cresce no meio da cidade, na praça
pública, mas também está em ambas as margens do rio (não é coisa fácil
de visualizar!). A intenção de João é clara (muito mais clara do que a
de Ezequiel — certamente deve ser entendida como um progresso na
revelação). As árvores vistas por Ezequiel agora foram reduzidas a
apenas uma, e essas árvores com seus frutos maravilhosos e folhas
curativas agora obtêm o seu verdadeiro nome — a árvore da vida.
Portanto, a árvore é a árvore da vida plantada no meio do jardim do
Éden, da qual Adão podia comer antes de ter desobedecido, mas que
posteriormente foi proibida. Ela foi proibida porque, quando a pessoa
está em desarmonia com Deus, separada dele, comer dela é a própria
essência do inferno. Portanto, essa árvore é encontrada novamente (e
apenas) na nova Jerusalém. Esta é outra afirmação óbvia do que temos
dito acerca da substituição do Éden por Yahweh-shammah.
Todavia, não existe mais nenhuma árvore do conhecimento do bem
e do mal. Isto significa, em primeiro lugar, que o que foi feito está feito,
que o conhecimento adquirido em rebeldia não é destruído, mas que,
mediante a reconciliação com Deus, ele é colocado de volta em seu
devido lugar. Da mesma forma como a liberdade volta ao homem em
Cristo, porém ainda não é uma gloriosa liberdade enquanto estamos na
terra, mas um tanto precária, ameaçada e incompleta, assim também o
conhecimento do bem e do mal por parte do homem, mediante o
178 • IMORTALIDADE
quatro rios que fluem do Éden. Contudo, ao mesmo tempo em que eles
profetizavam a queda, este rio é a realidade da vida eterna, porque nele
o batismo se torna uma realidade. O que era apenas um sinal visível
agora é realizado em plenitude. Passamos para além da morte,
atravessamos a morte com Cristo e estamos de posse daquilo que as
águas do batismo somente prefiguravam. Com Cristo deixamos a morte
para trás, e isto é o que significa o rio de águas vivas, bem ali no coração
da nova criação, como reminiscência da história da salvação. Nesta
cidade, portanto, encontramos que o rio é um sinal de vida. A cidade
tornou-se o mundo da vida, a cidade mais nova e de maior frescor que
se pode encontrar. O símbolo aqui é o mesmo que nos é dado por
ocasião do batismo, para todos os dias de nossa existência miserável
aqui neste mundo. A terrível mistura feita pelo homem é reordenada
pela graça e pela benevolência, e pelo ato de Deus, aceitando e
agraciando a cidade escolhida com a sua presença. A ordem disso tudo
está além da capacidade de nossas mentes, sendo exprimível tão
somente por figuras de linguagem. Mas, agora, os subúrbios detestáveis
e gangrenados que tenho de atravessar, as cabanas dos trabalhadores
com sua pintura descascada e camadas permanentes de sujeira, os
barracões de ferramentas despencando sobre torrentes provindas dos
esgotos e córregos que exalam mau cheiro dos lavatórios e banheiros,
e o ferro retorcido que constitui o melhor material de construção
encontrado pelo homem — tudo isso já se foi, transformado em um
muro de ouro puro, um novo limite para a cidade, atravessada pelo rio
de águas vivas como por um cristal eterno.
7 Alan B. Pieratt
INTRODUÇÃO
resposta para tal esperança. É apenas pelo Seu poder que veremos o
despertar de uma nova era em que serão realizadas todas as esperanças
mais ardentes do homem. É sobre os primeiros movimentos dessa era
que Guthrie fala com tanta clareza.
Este capítulo faz parte de New Testament Theology, do mesmo autor, pp. 818-848,
publicado em 1981 pela Inter-Varsity Press, na Inglaterra. Trecho traduzido na íntegra
por A diei Almeida de Oliveira.
7 Donald Guthrie
OS EVANGELHOS SINÓTICOS
A ressurreição do corpo
O estado intermediário
Mas esta explicação não pode por si mesma ser suficiente para
explicar a natureza daquela angústia. Precisamos dar mais peso à
consciência que nosso Senhor tinha do tremendo significado da sua
própria morte, uma consciência que nenhuma outra pessoa jamais
experimentou. Precisamos levar em conta, no caso de uma pessoa sem
pecado, o efeito do ato de tomar conscientemente sobre si o pecado do
mundo todo. Mais do que isso, o grito de abandono torna-se dupla
mente desconcertante, se o que estava envolvido era apenas o medo
natural da morte (Mc 15.34 = Mt 27.46). É mais inteligível considerar
que o grito dado na cruz se explica pela consciência de estar carregando
o pecado, o qual, por sua natureza, separa de Deus.
A LITERATURA JOANINA
A ressurreição do corpo
O estado intermediário
ATOS
de volta à vida; Dorcas, por Pedro (9.36ss.), e Êutico, por Paulo (20.9).
Em nenhum dos casos alguém expressa surpresa particular, embora
quando Dorcas foi ressuscitada muitas outras pessoas tenham crido no
Senhor. Admitimos que, por si mesmos, casos de restauração da vida
aos mortos não nos falam nada acerca da vida além-túmulo.
É necessário outro comentário acerca de Atos, visto que Lucas
descreve o falecimento de Estêvão em termos de “adormecer”, fato que
ele, não obstante, logo identifica como morte (At 7.60; 8.1). Isto está
em consonância com o uso desta idéia nos evangelhos, conforme citado
acima. É provável que Lucas desejasse contrastar a profunda paz
interior do falecimento de Estêvão com a crueldade e violência das
circunstâncias externas da sua morte. Ele certamente desejava ressaltar
o paralelo entre a atitude de Estêvão diante dos seus assassinos
(“Senhor, não lhes imputes este pecado”, 7.60) e a oração de Jesus na
cruz, que só Lucas registra (Lc 23.34). Parece evidente que a atitude do
próprio Jesus em relação à morte era considerada por seus seguidores
como padrão para a atitude que deviam ter. Não há sinal, no primeiro
mártir cristão, de qualquer medo do último inimigo do homem. A
oração seguinte, “Senhor Jesus, recebe o meu espírito!”, é também
reminiscente da atitude de Jesus na hora da morte (çf. Lc 23.46).
PAULO
A ressurreição do corpo
O estado intermediário
Aqui nos limitaremos à morte física. O que foi dito acima mostra
que o apóstolo tem uma abordagem otimista em relação à morte. Ele
considera que, através de Cristo, a morte perdeu o seu aguilhão,
identificado por ele com o pecado (1 Co 15.55, 56). Esta abordagem
otimista acerca da morte baseia-se na opinião de que a entrada da morte
no mundo foi causada pelo pecado (Rm 5.12ss.) e de que Cristo
efetivamente já tratou da sua causa.69 Paulo não vê mais a morte como
inimigo a ser temido, mas, pelo contrário, como ponto de transição para
uma vida mais plena. A sua experiência ostenta esta característica. Ele
viveu sob constantes ameaças de morte (1 Co 15.31; 2 Co 1.8; 11.23ss.),
pôde debater friamente se é preferível a vida ou a morte em Cristo
(Fp 1.19ss.) e exemplifica um homem que venceu todo medo da
morte.70
A VIDA APÓS A MORTE • 207
interpretação, pois não há razão para que essas palavras não possam
referir-se à manifestação final de Jesus, por ocasião da qual só os que
crêem nele serão arrebatados para o encontro com ele nos ares.
Além da passagem acima, há outras que usam a ilustração do ladrão
em relação à vinda de Jesus: Lucas 12.39, 40; 1 Tessalonicenses 5.1-4;
2 Pedro 3.10-12; Apocalipse 3.3; 16.15. Em todas essas passagens a
vinda do ladrão ilustra subitaneidade e surpresa, mas nenhuma
subentende segredo. Além disso, em 1 Timóteo 6.14 e 2 Timóteo 4.1,
Paulo usou a palavra “manifestação” (epiphaneia), que descreve uma
manifestação gloriosa (ou aparição). De fato, nesta última passagem
Paulo está esperando receber uma coroa de justiça. Em nenhuma delas
há qualquer apoio para um arrebatamento secreto.
RESUMO
NOTAS DO CAPÍTULO
Sayings”, NTS 7, pp. 364ss. Ele liga as duas passagens. Em sua interpretação, Lázaro
está ligado a Eliézer, servo de Abraão. Derrett considera esta história com a intenção
de encorajar e não de desanimar. Ela se concentra no que resta desta vida.
11. Cf. T. W. Manson, The Sayings o f Jesus (1949), p. 299.
12. Diante desta expressão é bem possível que Jesus estivesse pensando em sua
própria ressurreição.
13. Para obter uma discussão completa desta passagem, cf. K. Hanhart, op. cit.,
pp. 199ss. Ele sustenta que esta passagem não confirma um estado intermediário. Além
disso, afirma que o paraíso não mantém contraste com o reino, mas é paralelo a ele.
14. Quanto ao paraíso, cf. J. Jeremias: TDNT 5, pp. 765ss.
15.1. H. Marshall, Luke, p. 873, compara a esperança do criminoso no sentido de
alcançar a vida por ocasião daparousia com a certeza de Jesus de que ele teria entrada
imediata no paraíso.
16. C f C. Ryder Smith, The Bible Doctrine o f the Hereafter (1958), pp. 42ss.
17. Assim também pensa W. Strawson, Jesus and the Future Life, pp. 84ss.
18. Cf. O. Cullmann, op. cit., pp. 21s.; W. Strawson, op. cit. pp. 95s.
19. Observe também João 6.44, que afirma que Cristo ressuscitará no último dia
a todos os que se achegarem ao Pai através dele.
20. R. E. Brown, John, p. 220, atribui João 5.25 aos versículos anteriores, 19-24, e
vê nele uma escatologia realizada. Os versículos 26-29 são considerados como
escatologia final. Brown entende os mortos no versículo 25 como espiritualmente
mortos. Contudo, ele rejeita a dicotomia de Bultmann entre as duas escatologias. Cf.
P. Gàchter em seu ensaio acerca da forma de João 5.19-30, em Neutestamentlich
Aufsâtze. FestschriftfiirJ. Schmid (ed. J. Blinzer, D. Kuss e F. Mussner, 1963), pp. 65ss.
21. U. Simon, Heaven in the Christian Tradition (1958), p. 216, considera João 14.2
como confirmação específica de um estado intermediário, apresentada por Jesus.
22. E. Kãsemann, The Testament o f Jesus (tradução para o inglês, 1968), p. 72,
rejeita a opinião de que João 17.24 deve ser visto no sentido de que Jesus leva os seus
para si na hora da morte. Ele rejeita uma interpretação semelhante de João 14.2ss. A
sua idéia é de que João espiritualizou velhas tradições apocalípticas. Contudo, veja R.
E. Brown, John, pp. 779s., onde se encontra um comentário acerca desta opinião. Ele
apela para Filipenses 1.23 para mostrar que pode ter sido cristã a opinião de que os
cristãos estariam com Cristo por ocasião da morte. Brown é cauteloso demais, pois há
boas bases para se sustentar que este é o ponto de vista do Novo Testamento.
23. L. Morris, John, p. 469, comenta que a palavra “morte” aqui está em posição
enfática.
24. J. Marsh, John (21968), p. 371, considera que estas palavras ligam o tempo
terrestre e a eternidade celestial. Contudo, assim mesmo elas nada nos dizem acerca
do estado da existência na esfera celestial.
25. B. Lindars, John (NCB, 1972), pp. 332s., é da opinião de que esta declaração
baseia-se em Mateus 16.28, a única outra passagem em que a expressão “provar a
morte” ocorre nos evangelhos.
26. Cf. F. F. Bruce, The Acts o f the Apostles (21952), p. 340, que considera o plural
(“mortos”) como um plural generalizador.
27. Cf. Phaedo, de Platão. Veja nota 7.
218 • IMORTALIDADE
28. J. A. Schep, The Nature o f the Resurrection Body, pp. 185s., indica que foi a
idéia de ressurreição dos mortos que ofendeu os atenienses e não a de imortalidade.
Cf. N. B. Stonehouse, Paul before the Areopagus and other New Testament Studies
(1957), pp. 1-70.
29. Cf. R. Bultmann: TN T 1, p. 192; O. Cullmann, op. cit., pp. 46s.
30. R. P. Martin, Filipenses (Série Cultura Bíblica, 1985), ad. loc., sustenta que isto
significa “o estado de humilhação causado pelo pecado”.
31. Com toda probabilidade, em Corinto havia pessoas que rejeitavam a idéia da
ressurreição, porque o pensamento de reanimação dos cadáveres lhes era repugnante.
É possível que eles tenham argumentado que Paulo devia deixar de lado esta idéia que
ele herdara do judaísmo. Cf. F. F. Bruce, “Paul on Immortality”, SJT 24,1971, pp. 464s.
32. Alguns estudiosos vêem aqui vestígios da distinção feita por Filo entre um
homem celestial e outro terreno. Cf. R. Bultmann, TN T 1, p. 174; E. Kásemann, Leib
und die Leib Christi (1933), pp. 166ss. Cf. os comentários de E. E. Ellis, Paul’s Use o f
the O ld Testament (1957), p. 64.
33. Veja a discussão completa de Schep acerca desta passagem, op. cit., pp. 189ss.
34. R. Bultmann, TN T 1, p. 192, que não pode aceitar esta idéia, precisa afirmar
que Paulo se permitiu ser levado pela argumentação dos seus oponentes. Kásemann,
op. cit., pp. 135s., considera que Paulo cometeu um erro.
35. Cf. “Breves Remarques sur la Notion de soma pneumatikon”, de H. Clavier,
em The Background o f the New Testament and its Eschatology (ed. W. D. Davies e D.
Daube, 1964), p. 348. Ele se opõe à idéia de que Paulo argumenta em favor de um corpo
ressurreto de carne.
36. Com respeito à aplicação destas duas palavras em 1 Coríntios, cf. B. A.
Pearson: ThePneumatikos-Psychikos Terminology in I Corinthians (1973). Pearson nota
que, embora os cristãos possam ser considerados prolepticamente comopneumatikos,
a sua existência plena de pneumatikos ainda está por ser realizada na ressurreição dos
mortos (p. 41).
37. Assim pensa Schep, op. cit., p. 200.
38. R. H. Gundry, Som a in Biblical Theology (1976), p. 165, sustenta que o
psychikon som a é um corpo físico animado pela psychê e que o pneumatikon som a é
um corpo físico renovado pelo Espírito de Cristo.
39. Whiteley, The Theology o f St. Paul, p. 254, considera o contexto como
soteriológico e não escatológico.
40. Cf. G. Vos em sua detalhada discussão da importância do Espírito na
escatologia de Paulo, The Pauline Eschatology, pp. 159ss.
41. Quanto às discussões desta difícil passagem, além dos comentários, c f, de E.
E. Ellis, “The Structure of Pauline Eschatology (2 Cor. 5.1-10)”, em seu livro Paul and
His Interpreters (1961), pp. 35-48; W. L. Knox, St. Paul and the Church o f the Gentiles
(1939, reimpresso em 1961), pp. 125-145; M. J. Harris, “2 Corinthians 5.1-10:
Watershed in Paul’s Eschatology”, TB 22, 1971, pp. 32-57; R. Cassidy, “Paul’s Attitude
to Death in 2 Cor. 5.1-10” EQ , 43, 1971, pp. 210ss.; O. Cullmann, op. cit., pp. 52ss.
Quanto a um resumo completo das opiniões recentes, cf. F. G. Lang, 2 Korinther 5.1-10
in derneueren Forschung (1973).
42. Quanto à opinião de que isto acontece por ocasião da morte, cf. R. F.
Hettlinger, “2 Cor 5.1-10” SJT 1 0 ,1957, pp. 193ss., e C. Masson, “Imortalité de l’âme
A VIDA APÓS A MORTE • 219
ou résurrection des morts?” RThPh 8,1958, pp. 250-267. Quanto à opinião alternativa,
cf. R. Bultmann, Exegetische Probleme des Zweiten Korintherbriefes (1947), p. 12; TNT
I, pp. 202s. Quanto a uma crítica de Hettlinger, cf. R. Berry, “Death and Life in Christ”,
S J T 14,1961, pp. 60-76.
43. Assim também pensa E. E. Ellis, “The Structure of Pauline Eschatology”, em
sua obra Paul and his Recent Interpreters, pp. 35ss., que considera que a trilha grega foi
um desvio falso.
44. H. N. Ridderbos, Paul, p. 503, rejeita uma forma grega de entender gymnos e
considera que esta palavra significa não estado incorpóreo, mas estado em que falta a
glória de Deus.
45. Cf. E. E. Ellis em sua discussão, op. cit., pp. 44ss. Sua interpretação é criticada
por Whiteley, op. cit., pp. 256ss.
46. O. Cullmann, op. cit., pp. 52ss., liga o gymnos com o estado de sono de 1
Tessalonicenses 4 e 1 Coríntios 15.
47. Quanto às idéias gregas de imortalidade, cf. E. Rohde, Psyche: The Cult o f
Souls and Belief in Immortality among the Greek, 2 vols. (r. p. 1966); W. Jaeger: “The
Greek Ideas of Immortality”, em Immortality and Resurrection (ed. K. Stendahl, 1965),
pp. 97-114. O. Cullmann, op. cit., pp. 19ss. Quanto a outros estudos dos antecedentes,
cf. R. B. Laurin, “The Question of Immortality in the Qumran ‘Hodayot”’,/5 5 3,1958,
pp. 344-355; J. Van der Ploeg, “LTmmortalité de Phomme d’après les textes de la Mer
Morte”, FT 2, 1952, pp. 171ss.; F. F. Bruce, “Paul on Immortality”, SJT 24,1971, pp.
457-472.
48. Cf. G. Vos, op. cit., pp. 172ss., quanto a uma discussão completa destes
supostos estágios de desenvolvimento. Cf. R. H. Charles, A Critical History o f the
Doctrine o f a Future Life (21913), pp. 455ss. Cf. também os comentários de Schep, op.
cit., pp. 206ss.
49. Cf. Vos, op. cit., pp. 200ss., onde se encontra uma crítica do quarto estágio.
50. Foi C. H. Dodd quem fez fortes afirmações em favor de um desenvolvimento
entre 1 e 2 Coríntios.
51. Assim também pensa G. Vos, op. cit., 241.
52. Quanto à ressurreição dos cristãos e não-cristãos, cf. H. Molitor, Die
Auferstehung der Christen und Nichtchristen itach dem Apostei Paulus (1933), pp. 44ss.,
C f R. Schnackenburg, G od’s Rule and Kingdom (tradução para o inglês, 1963), p. 293.
Veja a digressão em E.-B Alio, Première Épitre aux Corinthiens (EB, 21956), pp.
438-454.
53. Cf. Vos, op. cit., p. 253. J. D. G. Dunn Jesu s and the Spirit (1975), p. 334, sugere
que o que Paulo está querendo dizer é que apenas os que sofrerem a morte de Cristo
alcançarão a ressurreição, visto que só a morte de Cristo resultou em ressurreição. Cf.
J. Gnilka, Der Philipperbrief (HTKNT, 21976), pp. 196ss. E. Lohmeyer, Philipper,
Kolosser und Philemon (KEK, 91953), pp. 139s., restringe o sofrimento ao martírio. Cf.
também R. C. Tannehill, Dying and Rising with Christ (1967).
54. Por certo, Filipenses 3.21 sustenta com firmeza a opinião de que a ressurreição
envolve uma transformação do corpo. C f B. Ramm, Them He Glorified (1963), pp.
101-122, que indica que a redação de Paulo dá a entender um elo direto entre o corpo
de glória de Cristo e os nossos corpos. M. E. Dahl, Tlte Resurrection o f the Body
(tradução para o inglês, 1962), pp. 103s., considera a combinação das palavras
220 • IMORTALIDADE
INTRODUÇÃO
PENSANDO NO CÉU
teria de ser trazido de volta à vida, para cumprir aquela promessa. Essa
dedução partiu do que havia sido claramente prometido por Deus e
chegou ao que estava implícito naquilo. Isto é raciocínio dedutivo, e ele
é útil na interpretação de textos que descrevem a vida após a morte
como algo semelhante à nossa vida hoje, pois, como a promessa de Deus
a Abraão, eles insinuam mais do que afirmam.
As passagens que descrevem a vida vindoura como algo distinto em
relação à ordem presente não se prestam a esse tipo de raciocínio.
Muitas consistem em negações que indicam o que o céu não é, ou não
contém, e pouco se pode inferir delas. Por exemplo, considere a
afirmação de que na vida por vir não haverá morte (Ap 21.4). Essa é
uma das promessas básicas da vida futura e indica uma mudança de
importância fundamental, mas o que ela nos ensina sobre a própria vida
no reino? Além do fato de não ter fim, é difícil entender como podería
ser uma vida sem morte. Será que podemos deduzir que não haverá
acidentes? Nesse caso, como haveria liberdade? Significaria que, se
houvesse um acidente e nossos corpos fossem destruídos, eles seriam
refeitos imediatamente? É evidente que esse tipo de discussão em
torno de uma negativa leva a resultados insuficientes, pois não podemos
partir da inexistência de algo para deduzir as condições de possibilidade
dessa inexistência. Portanto, em geral, os aspectos novos e descontínuos
da vida futura são mais difíceis de questionar e, muitas vezes, precisam
ser deixados como estão.
Estamos, então, prontos para tentar agrupar as passagens, de
acordo com a forma como retratam o céu. As duas categorias não são
simétricas. As que indicam continuidade oferecem muitas possi
bilidades de especulação e reflexão. As que indicam descontinuidade
dão pouca margem para isso e, portanto, receberão menos espaço. As
passagens que indicam continuidade serão estudadas primeiro, porque
é somente por elas que podemos falar dos aspectos distintos. Se não
fosse por aquilo que é reconhecido como igual, não seria possível falar
das diferenças. Espera-se que ambas as seções sejam sugestivas e
ilustrativas; daí o título do capítulo: “Pensando no Céu”. Sem dúvida,
seria possível elaborar um trabalho muito maior a partir dessa
perspectiva, mas, aqui, os tópicos estarão limitados a três: nós mesmos,
nosso mundo e nossa cultura.
PENSANDO NO CÉU • 231
1 • Continuidade
2 • Descontinuidade
Um filósofo alemão disse certa vez que a vida após a morte não é
como trocar de cavalos e sair em disparada.15 Em sua origem, esse
comentário serviu para zombar da esperança cristã do céu, mas ele
expressa uma verdade básica acerca da nova ordem da ressurreição:
apesar das semelhanças, a vida do porvir não é simplesmente a mesma
vida, apenas melhorada. Esse é o tipo de pensamento encontrado na
mitologia grega. Zeus, Apoio, Posêidon e o restante do panteão do
Monte Olimpo eram semelhantes aos homens e às mulheres, embora
muito maiores e mais poderosos. A descrição bíblica do céu não é assim.
O reino vindouro não é apenas maior em termos quantitativos; é muito
mais: é uma ordem existencial diferente, e isso faz com que seja difícil
descrevê-lo ou imaginá-lo. A impressão que se tem de várias passagens
bíblicas é que o autor está sofrendo por falta de palavras, um tipo de
insuficiência literária. O texto de 2 Coríntios 3.8-11 é um bom exemplo.
Paulo tenta descrever em que medida os resultados do ministério de
Cristo são muito melhores do que a ordem do Antigo Testamento
mediada por Moisés. Em apenas três períodos ele usa dez vezes a
palavra “glória” e seus derivados. Na Bíblia, normalmente, a idéia de
glória é usada em referência ao poder ou à majestade de Deus (Êx
33.18; SI 19.1) ou à honra devida a Ele (Êx 14.18; Jd 25; 2 Pe 3.18). Mas
aqui, ela aparece como um tipo de auxílio retórico ou adjetivo restritivo
que indica alguma coisa mais grandiosa, sem que se possa dizer
exatamente o que é nem como é.
Sem dúvida, Paulo pensou muito nesse problema — como des
crever, de modo convincente, a maravilhosa natureza do reino vin
douro. Começamos com sua tentativa dialética em 1 Coríntios 2.9,10,
cuja primeira metade dizia: “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram...
o que Deus tem preparado para aqueles o amam”. Ninguém viu nem
PENSANDO NO CÉU • 241
ouviu as coisas do reino porque não existe nada exatamente igual neste
mundo. Quando tentamos descrever o céu, deparamo-nos com um
muro conceituai que, em certos aspectos, é intransponível. Essa talvez
seja a razão pela qual muito do que a Bíblia diz acerca do reino seja
expresso em forma de negativas. A frase repetida com maior freqüência
é “não haverá...”16 O raciocínio dedutivo geralmente não funciona com
essas passagens porque não se pode partir da não-existência de algo
para se chegar às condições de possibilidade de sua não-existência. Na
discussão inicial, consideramos a promessa de que na vida por vir não
haverá morte. O fato de a morte ser extirpada da vida humana vai mudar
tudo. Não há nenhuma dúvida quanto a isso. Mas há poucas indicações
sobre como seria uma vida sem morte. Em geral, é muito mais difícil
falar acerca dos aspectos descontínuos da vida do porvir, e só oca
sionalmente se pode inferir algo de substancial. Muito do que se diz
sobre o céu oferece pouca possibilidade de uma “fusão de horizontes”.
Com essas reservas, estamos prontos para considerar pelo menos
alguns versículos que expressam a descontinuidade entre este mundo
e a ordem vindoura. Comecemos com as passagens que falam da
destruição e da recriação do mundo para, depois, considerar as que
descrevem em que será diferente a vida na presença de Deus.
O cosmos que nossos cientistas estudam hoje com tanta diligência
não passará do dia do julgamento (2 Pe 3.5, 6; 1 Co 7.31; Ap 21.1). Se
o universo está se expandindo infinitamente ou passando por ciclos de
expansão e colapso, essa questão será decidida num instante.1 As
mudanças no cosmos serão tão impetuosas que Isaías escreve: “Pois eis
que eu crio novos céus e nova terra; e não haverá lembrança das coisas
passadas, jamais haverá memória delas” (Is 65.17). Como se pode
descrever essa nova ordem? É provável que não se possa, a não ser por
negativas como: não haverá morte (Is 25.8; 1 Co 15.26), não haverá
escuridão ou noite (Ap 22.5); não haverá mar (Ap 21.1); não haverá
maldição (Ap 22.3); não haverá doença, luto ou dor (Ap 21.4) e, talvez
o mais importante, não haverá mal (Ap 20.10-15). Qualquer que tenha
sido sua origem misteriosa — angelical ou humana — o mal não
persistirá na era vindoura. A natureza já não ameaçará o homem, e este
não violará nem prejudicará a natureza, incluindo a humana, pois
nossas vidas serão vividas em corpos glorificados ou espirituais (1 Co
15.50ss.; 2 Co 5.1).
Embora essas declarações sejam quase totalmente negativas, uma
242 • IMORTALIDADE
NOTAS DO CAPÍTULO
*Nem todos concordam que essa seja a função da hermenêutica. Trata-se hoje de
uma forte tradição secular que afirma que o objetivo de interpretar um texto é criar
um novo significado. Dentre os livros contemporâneos que defendem esse ponto de
vista, o mais importante é Truth and Method (“Verdade e M étodo”), de Hans George
Gadamer. Basta dizer que tal ponto de vista é incompatível com todo e qualquer
conceito da Bíblia com o o continente da verdade para todos os homens de todos os
tempos.
1. Alguns grupos protestantes rejeitam o uso da razão em matéria de fé. Há dois
motivos para isso. O primeiro é o medo dos efeitos destrutivos do raciocínio crítico,
cuja essência é questionar todas as coisas. O segundo é o desejo de enfatizar o trabalho
do Espírito e não o da mente. Contrária a ambos, a Bíblia encoraja o uso da razão em
matéria de fé. Paulo oferece um exemplo claro disso, pois seu método básico para
alcançar os judeus de seu tempo era o de debater com eles (c/. At 17.2,17; 18.4,19).
2. Veja a discussão em Hendrikus Berkhof, Christian Faith, Eerdmans, 1986, pp.
490-494.
3. Paulo tinha prazer em tais construções dialéticas. Considere Fp 2.8,9 ou 2 Co
4.8. Muitos grandes filósofos e teólogos, incluindo Platão, Lutero, Pascal, Hegel,
Kierkegaard, Barth e Tillich também usaram o pensamento dialético na tentativa de
descrever o mundo. Veja Ernst Koenker, Great Dialecticians in Modem Thought,
Augsburg, 1971.
4. C f Mt 22.1-14; Mt 25.1-13; Lc 12.35-40; 13.29; 14.7-24; 15.11-32; 22.15,16; Ap
19.7,9.
5. Jonathan Edwards apresenta uma excelente discussão sobre o lugar das
emoções na vida cristã, em On Religious Affections, seção 1.6, Banner of Truth,
Edimburgo, 1834.
6. Donald Guthrie, comentando sobre a vida por vir, no final do capítulo
intitulado “A Vida Após a Morte”, neste volume, diz que “tudo o que se pode afirmar
em definitivo é que o fiel será revestido com um corpo espiritual”. Mas o que significa
ser espiritual? A Bíblia fala de várias coisas chamadas espirituais, incluindo a mente
(Rm 8.6, lit. “mas a mente do Espírito...), as bênçãos (Ef 1.3), os dons (Rm 1.11), a lei
(Rm 7.14), o culto (Rm 12.1, BJ), o zelo (Rm 12.11), a sabedoria (Cl 1.9), a verdade e
as palavras (1 Co 2.13), os cânticos (Ef 5.19) e o corpo (1 Co 15.44). O adjetivo
“espiritual” não significa necessariamente “material” ou desconhecido, como o é
qualquer coisa relacionada ao Espírito de Deus ou influenciada por Ele. A s pessas ou
as coisas são chamadas espirituais quando mantêm uma relação com o Espírito. Os
cristãos são chamados espirituais, não por serem menos físicos que os outros, mas
porque são nascidos do Espírito, e Este habita neles (cf. 1 Co 2.13, 14). Na Bíblia,
portanto, a palavra “espiritual” não é usada como um adjetivo que insinue uma
244 • IMORTALIDADE
imposição de limites quanto ao que se podería conhecer a respeito da vida por vir.
7. Quanto ao fato de a árvore da vida ser idêntica à do Jardim do Éden, veja os
comentários de Ellul no capítulo 6.
8. Veja Aquino, Summa Theologica, questão 13, artigo 2.
9. A cultura humana é um conceito vasto que inclui todas as estruturas sociais e
materiais que formam determinada sociedade, incluindo riqueza material, lei, religião,
moralidade popular, expressões artísticas etc. Também inclui a organização de suas
atividades programadas por intermédio de instituições religiosas, educacionais,
políticas e militares. Esse complexo de atitudes sociais, crenças pessoais e estruturas
institucionais é construído gradualmente, através de um longo processo baseado na
capacidade de apurar o gosto, os costumes e a inteligência das pessoas por meio da
educação, disciplina e experiência. Para esta discussão, são dois os aspectos
importantes da cultura: primeiro, todas as culturas têm uma estrutura de poder que
mantém a ordem social; segundo, todas as culturas refletem , nas estruturas
institucionais e sociais, a sua compreensão do significado ou propósito da vida.
10. Desde o final do século XVIII, a idéia de desenvolvimento ou progresso tem
sido incluída em todas as discussões sobre cultura. J. B. Bury, V ie Idea o f Progress,
Macmillan, 1921 e R. Nisbet, History o f the Idea o f Progress, Harper & Row, 1979.
11. Veja também Z c 14.16, 17, onde se faz uma descrição de ajuntamentos
regulares, reunindo judeus e gentios.
12. Outras passagens também podcriam ser consideradas, tais como a promessa
feita a Davi no Antigo Testamento, dizendo que sua descendência reinaria para
sempre. Aqui, nosso ponto de vista acerca do milênio influencia nossa compreensão
do céu. Existe uma discussão sobre se certas passagens — tais como a do leopardo
deitado junto ao cabrito, do reinado de Cristo em Jerusalém, da restauração do templo
e da terra de Israel — fazem referência a um reino eterno ou a um reino milenar. A
maioria desses textos controvertidos não será usada, já que o propósito deste artigo é
apresentar uma forma de abordar essas passagens sobre o céu e não defender ou
combater a posição milenista.
13. Berkhof nota que, nas épocas mais difíceis da história, a fé cristã demonstra
maior interesse pelas imagens neotestamentárias do tipo “descanso” e “sábado”. Não
sem razão, pois na vida do porvir o homem poderá respirar livremente, sem receio.
Aquele que sofreu e labutou nesta vida tem motivos para imaginar a vida eterna como
um descanso imperturbável, enquanto a pessoa dinâmica, que viveu uma vida plena de
serviço, pode igualmente esperar alcançar alvos mais elevados, com maiores
responsabilidades. Deus é ilimitado e inesgotável. Quanto mais próximos dEle, tanto
mais veremos que as possibilidades da vida com Ele também são assim. Portanto, é
possível que a atividade e o serviço eterno ao Rei devam ser considerados paralelos ao
descanso e ao gozo eterno. Christian Faith, pp. 537-545.
14. Quanto a uma defesa da posição tradicional de que não há santificação, apenas
conclusão, após a morte, veja Herman Bavinck, Reformed Dogmatics, pp. 797-803.
15. A fonte dessa frase é desconhecida, mas ela tem sido atribuída a Feuerbach,
filósofo alemão.
16. Faz parte da tradição da igreja falar acerca de Deus e do mundo por vir usando
frases negativas. Houve um tempo em que a via negativa era um método teológico
respeitável. A idéia básica era que não podemos falar acerca do que Deus é, apenas
PENSANDO NO CÉU • 245
INTRODUÇÃO
TESTEMUNHOS NO LEITO
DE MORTE
Thomas Paine
“Ele gritava ininterruptam ente durante seus paroxismos de
angústia: ‘O Deus, me ajude! Senhor, me ajude! Jesus Cristo, me ajude!
Ó Senhor, me ajude!’etc., repetindo as mesmas expressões sem a menor
variação, num tom que alarmava a casa toda. ‘Daria mundos, se os
tivesse’, gritava, ‘para que The Age of Reason (“A Idade da Razão”)
nunca tivesse sido publicado.”’
Voltaire
“Por três meses, o remorso, a reprovação e a blasfêmia acom
panharam e caracterizaram a longa agonia daquele ateu moribundo.
Sua morte, dentre as registradas, a mais terrível a atacar um ímpio, não
foi negada nem por seus companheiros de impiedade. O silêncio deles,
250 • IMORTALIDADE
Francis Newport
‘“Pobre de mim! Quem pode escrever sua própria tragédia sem
lágrimas ou copiar a sentença de sua própria condenação sem horror?
Que há um Deus eu sei, porque continuamente sinto os efeitos de Sua
ira; de que há um inferno também estou certo, pois já recebi em meu
peito uma porção da minha herança de lá. Desprezei meu Criador e
neguei meu Redentor; juntei-me aos ateus e profanos, e continuei nesse
caminho sob inúmeras condenações, até que minha iniqüidade ficou
madura para a vingança e o justo julgamento de Deus.
Quão inútil é pedir ao fogo que não queime quando se acrescenta
combustível, e ordenar ao mar que fique calmo no meio de uma
tempestade! Esse é o meu caso; e o que significa o conforto de meus
amigos? Para onde estou indo? Condenado e perdido para sempre.
Deus tornou-Se meu inimigo e não há ninguém que possa salvar-me.’
Sua voz falhou e ele começou a lutar para manter a respiração;
quando a recuperou, com um gemido medonho e horrendo, como se
aquilo tivesse sido algo sobrehumano, gritou: ‘Ó, as insuportáveis
angústias do inferno e da condenação!’, e então expirou.”
Um universalista à morte
“‘Minha chance se foi!’, disse ele. ‘É tarde demais para mim! Tarde
demais!’ ‘Não, Senhor, não é tarde demais’, insisti. ‘Se você quiser a
misericórdia de Deus, você a terá.’
‘Misericórdia! Misericórdia!’, ele vociferou. ‘É ela que torna minha
situação tão pavorosa! Eu desprezei a misericórdia! Eu zombei de
Deus! Eu recusei a Cristo! Minha chance se foi! Estou perdido!
Perdido! Ó, tolo! tolo! Fui tolo a vida inteira!’
O pai dele entrou, dizendo: ‘Você nunca fez mal a ninguém’.
‘Não fale comigo, pai’, disse ele num tom de ódio e raiva. ‘Você foi
meu pior inimigo! Você me arruinou! Você me disse que não havia
inferno. Não me venha agora tentar me enganar de novo. Eu zombei
do inferno; agora o inferno zomba de mim! Deus punirá os pecadores!
Ele se apoderou de mim, e eu não posso fugir das suas mãos. Existe,
sim, um inferno horrendo.”’
252 • IMORTALIDADE
Outros
“Tudo é escuro e incerto.” — Gibbon
“Todas as minhas posses por um pouquinho de tempo!” —Rainha
Elizabeth
“Pedindo um copo d’água à esposa, disse: ‘Não poderei consegui-lo
no lugar para onde estou indo’. Bebendo sofregamente, fitou os olhos
da esposa e exclamou: “Ó! Marta, Marta; você selou minha perdição
eterna!” e morreu. — Um ateu
‘“Os demônios estão chegando; ó, salvem-me! Eles me arrastam
p a ra baixo! P erd id a! P erd id a! P e rd id a !’ Pouco depois, ela
disse:‘Atai-me, ó grilhões da escuridão! Oh! Se eu pudesse deixar de
ser, mas continuo existindo! O verme que nunca morre, a segunda
morte.’” —Jennie Gordon
“Até este momento eu pensava que não havia nem Deus nem
inferno. Agora sei e sinto que ambos existem, e fui condenado à
perdição pelo justo julgamento do Todo-Poderoso.” — Sir Thomas
Scott
“Estou perdido! Perdido!” — Gambetta
“Meu pecado é maior do que a misericórdia de Deus. Eu neguei a
Cristo, voluntariamente. Sinto que Ele não me reserva nenhuma
esperança.” —Francis Spira
“Estou sofrendo a agonia dos condenados.” — Tallyrand Perigord
John Payson
Seu leito de morte presenciou uma cena extraordinária e sublime;
ele gritou: “Isto basta: Cristo morreu por mim. Estou subindo para o
trono de Deus!” Então, rompendo em acordes de louvor arrebatadores,
juntando as mãos como se estivesse orando, disse: “Sei que estou
morrendo, mas meu leito de morte é um leito de rosas; não tenho
TESTEMUNHOS NO LEITO DE MORTE • 253
David Brainerd
“Meu desejo é servir a Deus e ser completamente devotado à Sua
glória; este é o céu pelo qual anseio, esta é minha religião e minha
felicidade, e sempre foi, desde que julguei ter uma verdadeira religião.
O guardião está comigo; por que a carruagem custa tanto a chegar? Por
que tardam as rodas de Sua carruagem?”
John Wesley
Quando os amigos se acercaram de seu leito de morte, ele tentou
falar, mas, observando que não estava sendo entendido, parou.
“E n tão”, disse um a testem unha ocular, “erguendo seus braços
enfraquecidos num gesto de vitória, e elevando a voz debilitada em
santo e indizível triunfo, gritou: “O melhor de tudo é que Deus está
conosco”.
Enquanto umedeciam-lhe os lábios, disse: “Agradecemos-Te,
Senhor, estas e todas as Tuas misericórdias; abençoa a Igreja e o Rei;
e concede-nos paz e verdade através de Jesus Cristo, nosso Senhor, para
todo o sempre!”
“Ele faz com que seus servos descansem em paz”; as nuvens
destilam fartura”; “O Senhor está conosco, o Deus de Jacó é o nosso
refúgio” — são algumas de suas exclamações fragmentadas, mas cheias
de êxtase, nas últimas horas de vida.
Novamente ele convocou os companheiros para orar à beira de sua
cama; o quarto havia se tornado não apenas em santuário, mas nos
portais dos céus; ele participou da liturgia com crescente fervor;
durante a noite, várias vezes tentou repetir o hino de Watts que havia
cantado no dia anterior; mas só conseguia proferir: “Eu te louvo... Eu
te louvo...”
Na manhã seguinte, fechou-se a cena sublime. Joseph Bradford,
parceiro de longa data em suas viagens ministeriais, o companheiro em
suas provações e sucessos, orou com ele. “Adeus!” foi a última palavra
e bênção do apóstolo ao falecer.
254 • IMORTALIDADE
Mortinho Lutero
Os amigos queriam que ele tomasse algum remédio. “Estou
partindo e, em breve, vou render meu espírito”, disse Lutero, repetindo
três vezes: “Pai, em Tuas mãos entrego meu espírito, porque Tu me
redimiste, Tu, Deus da Verdade”. Então, ficou completamente imóvel,
não respondendo às perguntas que lhe dirigiam, até que, friccionando
seu pulso com uma solução revigorante, o Dr. Jones lhe disse ao ouvido:
“Reverendo, o senhor permanece com Cristo e com as doutrinas que
tem pregado? Elas resistem à agonia da morte?” “Sim! Sim! Mil vezes,
sim!”, gritou Lutero e, virando-se, adormeceu.
Toplady
“A doença não é aflição; nem o sofrimento, maldição; nem a morte,
dissolução, o céu está claro, não há nuvens. Vem, Senhor Jesus, vem
depressa.”
John Oxtoby
“Oh, o que contemplei; uma visão que não posso descrever. Havia
três figuras brilhantes próximas a mim; suas vestes eram tão brilhantes,
seus semblantes tão gloriosos que a nada que eu tenha visto antes
poderíam se comparar”. Esta foi sua oração final: “Deus, salva as almas;
não as deixes perecer”. Logo depois, exclamou: “Glória, glória, glória!”
e se foi.
TESTEMUNHOS NO LEITO DE MORTE • 255
A partida de Whitefield
“Senhor Jesus, estou exausto em Teu trabalho, mas não do Teu
trabalho. Se ainda não completei meu curso, deixa-me ir e falar por Ti
mais uma vez nos campos, e selar a verdade, e voltar para casa para
morrer. Prefiro me consumir a me enferrujar.” Ele correu até a janela,
lutando para respirar, dizendo: “Estou morrendo”. E quase imedia
tamente deu o último suspiro em sua cadeira.
O martírio de Latimer
“Tenha bom ânimo, Mestre Ridley, e seja homem! Neste dia,
acenderemos na Inglatei ’•a, pela graça de Deus, uma vela que, confio,
nunca será apagada!” Depois disso, exclamou: “Ó Pai Celeste, recebe
minha alma!”
256 • IMORTALIDADE
Outros
“Estou satisfeito com Tua semelhança; satisfeito — satisfeito —
satisfeito!” — Charles Wesley
“Logo estarei com Jesus. Talvez eu esteja por demais ansioso. Isso
é a morte? Ora, ela é melhor que a vida! Diga-lhes que morro feliz em
Cristo.” —John Arthur Lyth
“Ainda nos encontraremos para sempre, para cantar a nova canção
e estarmos felizes eternamente num mundo sem fim. Toma-me, pois
estou indo para Ti.” —John Bunyan
“O sol está se pondo, o meu está nascendo. Vou desta cama para
uma coroa. Adeus.” — S. G. Bangs
“A terra recua, os céus se abrem diante de mim!” — D. L. Moody