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CURSO DE ESCATOLOGIA

Juízo final, Cremona (Itália).

MARÍLIA
2017

______________________________________________________________________
FAJOPA - Faculdade João Paulo II, 41TD6 – ESCATOLOGIA.
Direitos autorais: Dr. Pe. Hugues A. O. E. d‟ANS - Marília / SP, 2º semestre de 2017.
UNIDADE 3 – o JUÍZO

1. INTRODUÇÃO

Muito se escreveu e se pintou sobre o tema do Juízo final. É uma representação onipresente em
quase todas as igrejas medievais e renascentistas. Como ilustração é só dar uma olhada na capa
desta unidade; quem não conhece também o célebre Dia do Juízo Final de Michelangelo na
Capela Sixtina? Essas representações davam medo e serviam para alertar os cristãos sobre a
Justiça divina: “Deus tarda mas não falha”. Hoje em dia passamos dum extremo ao outro. Há
atualmente uma insistência tal sobre a misericórdia de Deus, que alguns chegam até duvidar do
juízo já que Deus é Amor e não condena ninguém. Como sempre, a posição de equilíbrio
encontra-se entre esses dois extremos. Como dizia meu professor de exegese: Deus é Pai, mas
não é Vô!

Tradicionalmente, distingue-se “Juízo Particular” e “Juízo Final” ou Coletivo como dois


momentos distintos. É antiga profissão de fé cristã e também a opção feita pelo Catecismo da
Igreja Católica. Entretanto, há uma tendência atual muito forte que consiste em fazer coincidir
ressurreição = “juízo particular” = “juízo final” = Parusia como sendo um evento só que
aconteceria no dia da nossa morte. Em 1994, a Comissão Internacional de Teologia (CIT),
então presidida pelo cardeal Joseph Ratzinger, publicou um documento sobre “algumas
questões atuais de escatologia”, já citado na unidade anterior, emitindo várias reservas a
respeito deste esquema interpretativo que corre o risco de confundir o povo fiel porque, na sua
imensa maioria, tem na cabeça a visão proléptica 1 tradicional destes acontecimentos:

A experiência pastoral ensina que o povo cristão ouve com grande perplexidade
pregações nas quais, enquanto se sepulta o cadáver, se afirma que aquele corpo já
ressuscitou. É de temer-se que tais pregações exerçam influência negativa nos fiéis, já
que podem favorecer a atual confusão doutrinal.2

Pelos motivos pedagógicos acima evocados, em consonância com o magistério da Igreja e


também para maior clareza, optamos por seguir a apresentação seguida pelo Catecismo da
Igreja Católica. Entretanto, retomaremos e aprofundaremos essas questões no final da nossa
exposição.

1
Diz-se de um fato determinado segundo uma sequência cronológica ainda desconhecida.
2
COM ISSÃ O INTERNA CIONAL DE TEOLOGIA. A esperança cristã na ressurreição. Algumas questões
atuais de escatologia. Petrópolis : Vo zes, 1994, p. 22.

2
2.1. O JUÍZO PARTICULAR

Diz o Catecismo da Igreja Católica (CEC):

CEC 1021. A morte põe termo à vida do homem, enquanto tempo aberto à aceitação ou à
rejeição da graça divina, manifestada em Jesus Cristo (Cf. 2Tm 1, 9-10). O Novo
Testamento fala do juízo, principalmente na perspectiva do encontro final com Cristo na sua
segunda vinda. Mas também afirma, reiteradamente, a retribuição imediata depois da morte
de cada qual, em função das suas obras e da sua fé. A parábola do pobre Lázaro (Cf. Lc 16,
22)3 e a palavra de Cristo crucificado ao bom ladrão (Cf. Lc 23,43) 4 , assim como outros
textos do Novo Testamento (Cf. 2Cor 5,5: Fl 1,23; Heb 9,27; 12,23), falam dum destino
final da alma (Cf. Mt 16,26), o qual pode ser diferente para umas e para outras.

CEC 1022. Ao morrer, cada homem recebe na sua alma imortal a retribuição eterna, num
juízo particular que põe a sua vida em referência a Cristo, quer através duma purificação,5
quer para entrar imediatamente na felicidade do céu, 6 quer para se condenar imediatamente
para sempre. 7

«Ao entardecer desta vida, examinar-te-ão no amor». 8

2.2. O JUÍZO FINAL

CEC 1038. A ressurreição de todos os mortos, «justos e pecadores» (At 24,15), há-de
preceder o Juízo final. Será «a hora em que todos os que estão nos túmulos hão-de ouvir a
sua voz e sairão: os que tiverem praticado o bem, para uma ressurreição de vida, e os que
tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de condenação» (Jo 5,28-29). Então Cristo
virá «na sua glória, com todos os seus anjos [...]. Todas as nações se reunirão na sua
presença e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos; e

3
“E aconteceu que o mendigo mo rreu, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão; e mo rreu também o rico,
e foi sepultado.”
4
“E disse-lhe Jesus: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.”
5
Cf. II Concílio de Lião, Pro fessio fidei Michaelis Palaeologi imperatoris: DS 856: Concílio de
Florença, Decr. pro Graecis: DS 1304: Concílio de Trento, Sess. 25ª, Decretum de purgatorio: DS 182
6
Cf. II Concílio de Lião, Professio fidei Michaelis Palaeologi imperatoris: DS 857; João XXII, Buda Ne
super his: DS 991; Bento XII, Const. Benedictus Deus: DS 1000-1001; Concílio de Florença, Decr. pro
Graecis: DS 1305.
7
Cf. II Concílio de Lião, Pro fessio fidei Michaelis Palaeologi imperatoris: DS 858; Bento XII,
Const. Benedictus Deus: DS 1002; Concílio de Florença, Decr. pro Graecis: DS 1306.
8
São João da Cruz, Avisos y sentencias. 57: Biblioteca Mística Carmelitana, N. 13 (Burgos 1931), p. 238. [S.
João da Cruz, Ditos de luz, e amor. 57: Obras Completas (Paço de Arcos, Edições Carmelo 1986) P. 1015].
Citação feita pelo CEC (1022).

3
colocará as ovelhas à sua direita e os cabritos à sua esquerda. [...] Estes irão para o suplício
eterno e os justos para a vida eterna» (Mt 25,31-33.46).

CEC 1039. É perante Cristo, que é a Verdade, que será definitivamente posta a descoberto a
verdade da relação de cada homem com Deus. O Juízo final revelará, até às suas últimas
4onseqüências, o que cada um tiver feito ou deixado de fazer de bem durante a sua vida
terrena.

CEC 1040. O Juízo final terá lugar quando acontecer a vinda gloriosa de Cristo. Só o Pai
sabe o dia e a hora, só Ele decide sobre a sua vinda. Pelo seu Filho Jesus Cristo. Ele
pronunciará então a sua palavra definitiva sobre toda a história. Nós ficaremos a saber o
sentido último de toda a obra da criação e de toda a economia da salvação, e
compreenderemos os caminhos admiráveis pelos quais a sua providência tudo terá
conduzido para o seu fim último. O Juízo final revelará como a justiça de Deus triunfa de
todas as injustiças cometidas pelas suas criaturas e como o seu amor é mais forte do que a
morte.

CEC 1041. A mensagem do Juízo final é um apelo à conversão, enquanto Deus dá ainda aos
homens «o tempo favorável, o tempo da salvação» (2Cor 6,2). Ela inspira o santo temor de
Deus, empenha na justiça do Reino de Deus e anuncia a «feliz esperança» ( Tt 2,13) do
regresso do Senhor, que virá «para ser glorificado nos seus santos, e admirado em todos os
que tiverem acreditado» (2Ts 1,10).

3.3. ESQUEMAS INTERPRETATIVOS

Alma e corpo: dualismo ou dualidade?

Hoje em dia, reagindo contra o dualismo platônico e em fidelidade com a antropologia


bíblica (cf. Unidade 2), a maior parte dos teólogos modernos afirma que “matéria e espírito
são duas faces de um mesmo fenômeno”. 9 Um elemento não pode viver sem o outro.

O esquema ressurreição na hora da morte resolve melhor a relação da matéria e


espírito, segundo os postulados das ciências físicas e humanas. Casa melhor co m
as linhas antropológicas atuais. Entretanto, pode ainda ficar preso a u m horizonte
individualista, ao concentrar-se no aspecto da ressurreição da pessoa.10

9
LIBÂNIO, op.cit.,p. 208.
10
Ibid, p.211.

4
O próprio Pe. Libânio – Deus o tenha! 11 – reconhece que essa visão, à primeira vista mais
em conformidade com a antropologia moderna, tem o problema de ser eminentemente
individualista, o que contraria a visão bíblica e cristã para as quais o fiel é, antes de mais
nada, membro dum povo, duma assembléia. É o sentido do juízo final e da comunhão dos
santos (unidade 1). “Este aspecto comunitário da ressurreição final parece diluir-se na teoria
da ressurreição na morte , já que esta se teria convertido num processo individ ual”12 .

As profissões de fé do imperador Miguel Paleólogo, no II Concílio de Lião (1274), a


Constituição Dogmática Fidei Catholicae (A Fé Católica) no Concílio de Viena (1311-
1312) e a promulgação solene da Constituição Benedictus Deus (1336) do Papa Bento XII
consagraram o esquema dual de S. Tomás da alma separada do corpo, porém amputada, isto
é desvinculando a alma de sua relação com o corpo da teologia tomista: a alma leva deste
mundo apenas méritos ou deméritos segundo os quais será julgada. Entretanto, como vimos
no encontro anterior, não podemos esquecer que para S. Tomás a alma é mais perfeita
quando unida ao corpo do que quando separada. Nunca se transformará em “puro espírito”
nem se assemelhará a um “anjo”. Mesmo desligada do corpo, a alma mantém com ele uma
relação intrínseca. (LIBÂNIO, 1985, 184-186). Isso foi reafirmado pelo Concílio de Latrão
V (1512-1517): “A alma intelectiva é por si, verdadeira e essencialmente, forma do corpo,
singular em cada corpo” (DS 1440).

Como já comentamos na unidade 2, ao fazer a crítica à reencarnação, o cristianismo defende


a dualidade (= distinção) e não o dualismo (= separação, oposição: corpo túmulo da alma)
do corpo e da alma.

A parusia: processo ou acontecimento conclusivo?

Além do mais, esses mesmos teólogos juntam “Ressurreição”- “Juízo Particular”- “Juízo
Final”- “Parusia” como se fosse um só processo que se realiza na hora da morte do
individuo:

Nu ma tentativa de síntese da perspectiva doutrinal co m a valorização da


proximidade da vinda do Senhor, a teologia moderna, primeiro protestante, depois
a católica, tem buscado nova interpretação dessa temática. Despe-se o fato da
Parusia do Senhor de seu colorido apocalíptico. Tenta-se superar uma concepção
linear da história, em que a Parusia estaria num ponto terminal da história. A

11
Voltou para a casa do Pai em 30 de janeiro de 2014.
12
COMISSÃO INTERNACIONA L DE TEOLOGIA, op. cit., p.23.

5
Parusia – a segunda vinda gloriosa do Senhor – dá-se no mo mento da ressurreição
na hora da morte de cada homem. A Parusia é a ressurreição atingindo a história: a
história de todos os homens e de todos os tempos. Ela está sempre acontecendo.
Ela penetra a nossa história e a leva à sua plenitude, a seu acabamento. Este fim
está próximo de cada homem. Pois o Senhor está sempre v indo. E cada vinda do
Senhor, enquanto última e escatológica presença de Deus, coloca cada um diante
da opção radical em torno da qual todas as demais decisões tomam sentido, se
organizam. Essa Parusia do Senhor no cada-dia de nossa existência adquire na
morte o esplendor da transparência. Aquilo que já éramos pelo definitivo de tantos
encontros com o Senhor, na oração, nas celebrações, na caridade fraterna, é
assumido pela g lória da Aparição do Senhor da Glória”. 13

A ressurreição dos mortos é o último e definit ivo acontecido ao longo da


existência histórica, co m todo o nó de relações, man ifestando -se no esplendor do
encontro com o Senhor glorificado. Por isso é também Parusia. Olhando os
homens, dizemos ressurreição. Olhando para o Senhor, dizemos Parusia. 14

Com muita pertinência, a CIT observa que

No Novo Testamento, a parusia é acontecimento concreto conclusivo da história.


Forçam-se os textos quando se pretende explicar a parusia como algo que
aconteceria permanentemente, e não seria mais que o encontro do indivíduo, na
sua própria morte, co m o Senhor. 15

De fato, diferentemente da visão cíclica do mundo grego, a bíblia sempre defendeu uma
visão linear da história: tudo tem um começo e tudo tem um fim. Israel é visceralmente
voltado para o futuro. O livro do Apocalipse apresenta o Cordeiro de Deus como nosso
Futuro Absoluto: “„Eu Sou o Alfa e o Ômega‟, declara o Senhor Deus, „Aquele que é, que
era e que há de vir, o Todo-Poderoso‟.” (Ap 1,8). O Pe. TEILHARD de CHARDIN faz de
Cristo o ponto Ômega (da história em direção do qual tende o universo inteiro. 16 J.
MOLTMANN fala do dinamismo do princípio Esperança 17 que, longe de nos afastar das
realidades terrestres, pelo contrário nos impulsiona a transformá- las em nome dessa mesma
esperança.

Entre tempo e eternidade: o tempo da memória

O cardeal emérito belga Godofredo Danneels, resume bem a problemática do tempo e da


eternidade em poucas palavras:

O assim dito intervalo de tempo entre a nossa morte e a ressurreição geral coletiva
é uma maneira defeituosa de pensar. Ela existe somente a partir de nosso ponto de

13
Ibid. p.215.
14
LIBÂNIO, p. 224.
15
CIT, op. cit., p. 23.
16
CHARDIN, Pierre Teilhard de. O fenômeno humano. São Paulo: Cu ltrix, 2006.
17
MOLTMANN, Jürgen. Teol ogia da es perança: estudos sobre os fundamentos e as conseqüencias de uma
escatologia cristã. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Teológica : Loyola, 2005.

6
vista terreno. Na perspectiva divina, o tempo não existe. Mas nós, nós só podemos
pensar em termos temporais.18

De fato, “só podemos pensar em termos temporais”. Daí a dificuldade de falar da eternidade
porque é uma dimensão que escapa à nossa experiência. Só podemos fazê-lo através de
imagens, comparações ou pela via negativa.

Não faltam, por isso, teólogos favoráveis à teoria da ressurreição na morte que
procuraram a solução no atemporalismo. Afirmando que, depois da morte, não
pode existir de forma algu ma tempo, reconhecem que as mortes dos homens são
sucessivas, enquanto vistas a partir deste mundo, mas pensam que as suas
ressurreições na vida pós-mortal, emque não haveria nenhuma categoria de tempo,
são simultâneas. Esta tentativa do atemporalis mo, para que coincidam as mo rtes
individuais sucessivas e a ressurreição coletiva simutânea, implica o recurso a uma
filosofia do tempo alheia ao pensamento bíblico. 19

O então padre Joseph RATZINGER, já escrevia em 1977, que no momento de sua morte, o
homem desliga-se do tempo físico mas ainda não entra na eternidade. Apoiando-se nas
“Confissões” de Sto. Agostinho, defende a hipótese que, entre tempo e eternidade, existiria
um “te mpo intermediário” que ele chama de “tempo da memória”. 20 Depois de sua
morte, o homem mantém a sua relação com a história humana, da qual saiu pela sua morte,
mantendo aberta a eventual “purificação” (“purgatório”) e a nova relação com a matéria pela
ressurreição da carne. (LIBÂNIO, 1985, p.207-208).

A recusa radical da noção de tempo para aquelas ressurreições, simutâneas e ocorridas na


morte, não parece levar suficientemente em conta a verdadeira corporeidade da ressureição;
pois não se pode declarar verdadeiro um corpo que seja alheio a toda a noção de tempo.
Também as almas dos bem-aventurados, pelo fato de estarem em comunhão com Cristo
ressuscitado de modo verdadeiramente corpóreo, não se podem considerar sem alguma
relação com o tempo. 21

Em conclusão

18
DANNEELS, Godfried. Questions actuelles. Le point de vue de l‟Ég lise, No.2, maio de 1998, p.30. Citado
por BLANK Renold, Escatol ogia do mundo. O p rojeto cósmico de Deus. Escatologia II. S. Paulo : Paulus,
2001, p. 356.
19
COMISSÃO INTERNACIONA L DE TEOLOGIA, op. cit., p.23.
20
RATZINGER, Joseph. Escatología: la muerte y la vida eterna. Tradução espanhola. Barcelona: Herder,
1984. Para apro fundamento do tema, ler parte da palestra do Pe. Elílio de Faria Matos Júnior, apresentada no
final desta unidade.
21
COMISSÃO INTERNACIONA L DE TEOLOGIA, op. cit., p.24.

7
Os esquemas interpretativos não são dogmas de fé. São tentativas de resposta teológica.
Existe um legítimo pluralismo teológico enquanto não se nega o dogma da ressurreição.
Cada esquema tem os seus valores e os seus limites. Pessoalmente, a hipótese dum “te mpo
da me mória” parece- me bastante convincente e tem a vantagem de manter a perspectiva
proléptica da tradição e da oração cristãs, dando-lhes entretanto uma interpretação nova.

4. LEI DA ORAÇÃO – LEI DA FÉ

4.1. A Comissão Internacional de Teologia termina seu documento lembrando que é um


princípio teológico clássico que “a norma da oração é a norma da fé”. 22 Noutras palavras, a
liturgia é fonte do conhecimento teológico. Cita alguns textos litúrgicos chamando a atenção
sobre o fato que todos eles falam da ressurreição em termos futuros recorrendo à categoria
dual de corpo & alma. Entre muitas orações existentes, destacamos algumas:

D: Por este nosso irmão N., que se alimentou com o Corpo de Cristo, Pão da vida, para que
o Senhor o ressuscite no último dia para a glória celeste, oremos. 23

Fica claro que a ressurreição ainda não é realizada.

D: Nós Vos pedimos, Senhor, que a nossa oração seja proveitosa às almas dos vossos
servos e servas; purificai-as de todos os seus pecados e fazei-as participar na plenitude da
redenção. Por Cristo Senhor nosso.

Distingue-se corpo & alma, pedindo por sua última purificação para uma total participação
na plenitude salvação. Na hora do sepultamento, o celebrante reza:

D: Senhor Jesus Cristo, permanecendo três dias no sepulcro, santificastes os túmulos dos
que crêem em vós, para lhes aumentar a esperança da ressurreição. Concedei,
misericordioso, que o corpo deste (a) vosso (a) filho (a) descanse em paz neste sepulcro, até
que vós, que sois a ressurreição e a vida, o (a) ressusciteis, para que possa contemplar, no
esplendor de vossa glória, a luz eterna no céu. Vós que sois Deus, com o Pai, na unidade do
Espírito Santo.

R: Amém.

22
Indiculo, 8: DS 246. Foi sintetizado na famosa expressão Lex orandi, lex credendi.
23
Ritual ro mano das exéquias.

8
D: Cristo, que ressuscitou como primogênito dentre os mortos, transformará o corpo deste
(a) nosso (a) irmão (ã) à imagem de seu corpo glorioso. O Senhor o (a) receba na sua paz e
lhe conceda a ressurreição no último dia.

No credo afirmamos crer na ressurreição da “carne” e não simplesmente dos mortos; essa
formulação “entrou no Símbolo romano antigo, e depois dele em muitos outros, para evitar
uma interpretação espiritualista da ressurreição que, por influê ncia gnóstica, atraía alguns
cristãos”24

RESUMINDO

CEC 1051. Ao morrer: cada homem recebe, na sua alma imortal, a sua retribuição eterna,
num juízo particular feito por Cristo, Juiz dos vivos e dos mortos.

CEC 1052. «Nós cremos que as almas de todos os que morrem na graça de Cristo [...]
constituem o povo de Deus no além da morte, a qual será definitivamente destinada no dia
da ressurreição, quando estas almas forem reunidas aos seus corpos». 25

CEC 1059. «A santa Igreja Romana crê e firmemente confessa que, no dia do Juízo, todos
os homens hão-de comparecer com o seu próprio corpo perante o tribunal de Cristo, para
prestar contas dos seus próprios atos». 26

APROFUNDANDO

ENTRE A MORTE E A RESSURREIÇÃO


TEMPO E ETERNIDADE
Por: Pe. Elílio de Faria Matos Júnior
Vigário Paroquial da Paróquia Bom Pastor
Juiz de Fora, MG 27

Vejamos em primeiro lugar, o que Ratzinger tem a nos dizer sobre a questão relativa ao
tempo e à eternidade. Será que, como os proponentes da nova concepção escatológica
dizem, o homem, ao deixar este mundo pela morte, entra na eternidade tout court? Ratzinger

24
COMISSÃO INTERNACIONA L DE TEOLOGIA , op. cit., p.17.
25
Paulo VI, Sollemnis Professio fidei, 28: AAS 60 (1968) 444.
26
Paulo VI, op. cit., 29: AAS 60 (1968) 444.
27
Fonte: http://www.catequisar.com.br/texto/colunas/elilio/09.ht m (Acesso em 17/ 10/ 2017. Os destaques são
nossos). O texto acima apresentado é a quarta parte duma palestra do Pe. Elílio. Para ler a palestra na sua
totalidae, clique em Leia os outros artigos .

9
diz que esta tese é sustentada por muitos teólogos católicos, que, “apoiando-se no
pensamento de E. Troeltsch e de K. Barth, acentuam a incomensurabilidade total entre
tempo e eternidade. Quem morre sai do tempo e penetra no 'fim do mundo„, que não é ‟
último dia dos calendários, mas algo de diferente de nosso tempo”.
Não haveria, pois, te mpo interme diário entre a morte e a ressurreição. O “estar com
Cristo” de Fl 1,23 logo após a morte seria idêntico à ressurreição e o “fim dos tempos”.
Assim, a ressurreição e o “fim dos tempos” se dariam na morte mesma. Esta tese da
ressurreição na morte foi elaborada para resolver a dificuldade de outra tese, a de que o
homem todo desaparece na morte, o que apresentava o grave problema a respeito da
permanência da identidade entre quem desaparece e quem ress uscita. Todavia Ratzinger
julga que a tese da ressurreição na morte não deixa, ela também, de apresentar sérias
dificuldades. Ela postula, como vimos, que, saindo o homem do tempo, entra ele na
eternidade. Mas ouçamos os questionamentos de Ratzinger:
“É verdade que não existe alternativa além do tempo físico e do não-tempo, identificando-se
este com a eternidade? É logicamente admissível transladar o homem ao estado de pura
eternidade, tendo ele passado como tempo o decisivo da existência? Pode ser eternidade de
verdade uma eternidade que começa? Algo que começa não é, por isso mesmo,
necessariamente não-eterno, temporal? E pode-se negar que a ressurreição do homem tenha
começo, concretamente, depois da morte? Se se negasse isso (a ressurreição depois da
morte), seria logicamente forçoso situar o homem na esfera da eternidade enquanto
ressuscitado desde sempre, com o que se suprimiria toda antropologia séria, caindo, de fato,
naquele platonismo caricaturesco que é, antes de tudo, o que se queria combater”.
A nova tese, segundo Ratzinger, cai no dualismo que queria combater. Seguindo sua lógica
até as últimas conseqüências, a nova tese nos leva a postular duas esferas na ordem do
criado radicalmente distintas, incomensuráveis e, sem embargo, coexistindo. A história do
mundo estaria, ao mesmo tempo, encerrada e continuando, isto é, haveria uma história
consumada por detrás da história que se faz: um dualismo imperdoável, que impediria a
consumação do próprio Universo, que segue sua caminhada, ao lado de uma história já
consumada para os que morreram, sem jamais poder atingi- la. São palavras de Ratzinger:
“Como se explica que a história tenha chegado a seu termo em alguma parte (menos em
Deus!), quando, na realidade, ela continua sua caminhada? A noção fundamental, em si
correta, da incomensurabilidade entre este mundo e o outro não foi, porventura,
indevidamente simplificada, e isto a ponto de chegar às raias do mal-entendido? (com efeito,
não de deveria falar de eternidade a não ser a propósito do próprio Deus). Q ue futuro se
pode esperar para a história e para o universo? Chegarão eles um dia juntos à sua realização
total ou subsistirá um eterno dualismo entre o tempo e a eternidade, que o tempo jamais
atingirá?”.
Para Ratzinger a eternidade, como posse total e simultânea do todo, é própria apenas de
Deus. Somente em Deus há o eterno presente que contempla todas as coisas em um único
instante. À criatura é vedada a eternidade tout court. Em primeiro porque não há eternidade
que tenha começado. Ora, toda criatura tem um começo.
A criatura está sempre no tempo, pois não pode ser senhora total e simultaneamente de uma
vida sem começo e sem fim. Nem mesmo a morte introduz o homem na eternidade em que

10
não há passado ou futuro. O homem sempre terá um passado e um futuro, e o seu presente
não abarca de um só golpe de vista ambas as coisas.
Mas qual a natureza da temporalidade que cabe ao homem? Ratzinger diz que esta questão é
estritamente antropológica, e não podemos tomar como modelo um outro ser que não o
homem. Trata-se de determinar a temporalidade que cabe ao homem enquanto homem.
“Analisando esta questão, vê-se que a temporalidade se dá no homem em distintos níveis e
também de distintas maneiras”.
O homem, enquanto corpo, participa do tempo físico, cujos parâmetros se dão conforme a
velocidade de rotação de certos corpos, como o sol. Enquanto corpo vivo, participa da
temporalidade própria do ritmo biológico. Acontece, porém, que o homem não é só corpo
segundo Ratzinger; é também espírito, e, como tal, assume o tempo físico e biológico,
elevando-os ao nível da consciência, dos atos espirituais. Estes são também temporais, pois
trazem as marcas do tempo físico e biológico, mas num nível distinto e de um modo mais
profundo.

Tais atos espirituais humanos, temporais, são esclarecidos por Ratzinger pelo recurso à
concepção agostiniana do tempo como presente do passado, presente do presente e presente
do futuro. O passado e o futuro no homem se fazem presentes no presente da memória, mas
sem a atualidade que é própria do presente. A temporalidade humana têm ainda, frisa
Ratzinger, outra nota essencial: a relacionalidade, isto é, o homem só se faz ele mesmo em
virtude de seu ser-com-os-outros e em-ordem-aos-outros.
Desse modo, pode-se dizer que há um tempo antropológico, que Ratzinger, valendo-se de
Agostinho, chama de “tempo da memória”. Isso significa que, ao sair do tempo do bíos, o
homem se desliga do tempo do físico, do biológico, caindo no puro tempo da memória, sem,
contudo, atingir a eternidade. O tempo da memória não é eternidade. O homem continua
submetido a esse tempo psicológico.
Destarte, a história, que para ele se encerrou, de algum modo, com a morte, não lhe é
estranha, porque ele não atinge o “fim dos tempos” enquanto a história continua seu curso.
A história em curso é algo real para ele. A rede de relações, que está na essência mesma do
homem, o mantém vinculado ao curso real dos acontecimentos do mundo à espera de sua
consumação em Deus. Assim, é preservada a seriedade e a importância da história que está
acontecendo, o que não seria possível se afirmássemos que o homem entra na eternidade
após a morte.

BIBLIOGRAFIA
RATZINGER, Joseph. Escatología: la mue rte y la vida eterna. Barcelona: Herder, 1984.
RATZINGER, Joseph. Entre a morte e a ressurreição. Communio, ano I, n. 1, p. 67-86,
jan./fev. 1982.

11
++++++++++++
"Eu os convido agora a fechar os olhos e a pensar naquele momento da morte.
Ali acabará a esperança e será a realidade, a realidade da vida.
Pensem bem: o próprio Jesus virá a cada um de nós e nos segurará pela mão,
com a sua ternura, a sua mansidão e o seu amor.
E cada um repita no seu coração a palavra de Jesus: 'Levante-se e‘vem'". 28
(Francisco)
++++++++++++

PERGUNTAS PARA O FÓRUM DE PARTILHA

1) O que é o “Juízo Particular”? Quando acontecerá?


2) O que é o “Juízo Final”? Quando acontecerá?
3) Em que consiste a hipótese do “tempo da memória” defendida pelo teólogo Joseph
Ratzinger?
4) No credo, confessamos a nossa fé na “ressurreição da carne”? Qual o significado
desta afirmação?
5) A Parusia é um processo ou um acontecimento conclusivo?

++++++++++++
“Se não há ressurreição de mortos, também Cristo não ressuscitou.
E, se Cristo não ressuscitou, logo é vã a nossa pregação,
e também é vã a vossa fé.”
(1Cor 15,13-14)
++++++++++++

28
Papa FRANCISCO, Audiência Geral, Praça S. Pedro, 18/10/2017.

12

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