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O Milênio: concepções milenistas

Por Pr. Paulo César Nascimento

Introdução
Nesse texto, iremos abordar a relação entre a Segunda Vinda de Cristo e
o milênio. Haverá um reinado de Cristo na terra durante mil anos literais? Cristo
voltará antes ou depois do milênio? Já estamos vivendo o milênio ou devemos
aguardá-lo com um evento ainda futuro? Em torno de questões dessa natureza
surgiram algumas linhas de pensamentos divergentes entre os cristãos.
Veremos a seguir as três principais posições defendidas por grupos
evangélicos distintos.

1. Pós-milenismo
De acordo com esse ponto de vista, Cristo voltará depois do milênio.
Através da pregação do evangelho, o reinado de Cristo será estabelecido de
maneira completa e universal. O lugar do seu governo será o coração dos
homens. Gradativamente, o evangelho avançará e a igreja experimentará
grande crescimento de tal maneira que uma proporção cada vez maior da
população mundial se converterá a Cristo. Como resultado, a paz prevalecerá e
os males sociais e morais serão praticamente banidos da terra.
Claramente, o pós-milenismo tem como característica o otimismo em
relação à proclamação bem difundida do evangelho e aos seus resultados
benéficos para a sociedade. Por causa disso, diz Millard Erickson, “o pós-
milenismo foi a posição mais aceita durante os períodos em que a igreja parecia
obter êxito na tarefa de alcançar o mundo.”1
Para os defensores dessa posição o milênio será um período extenso,
mas não necessariamente terá uma duração literal de mil anos. Ao final desse
período, Cristo voltará à terra, os crentes e os incrédulos serão ressuscitados,
ocorrerá o julgamento final e haverá o novo céu e a nova terra.
Os pós-milenistas fundamentam biblicamente sua linha de pensamento
nas seguintes passagens:

1
ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015, p.1151.
* Alguns textos do Antigo Testamento que declaram que todas as nações
conhecerão a Deus (Sl 47; 72 e 100; Is 45.22-25; Os 2.23).
* Na Grande Comissão registrada por Mateus (Mt 28.18-20). Visto que ela deve
ser realizada com base na autoridade universal do Cristo, seu êxito, na conquista
do mundo para Ele, está garantido.
* A parábola do grão de mostarda e a do fermento (Mt 13.31-33) tratam do
crescimento gradual do Reino de Deus.

2. Amilenismo
De acordo com os amilenistas não haverá milênio, nenhum reinado
terreno de Cristo. Eles não esperam o reinado milenar de Cristo nem antes (pré-
milenismo) nem depois (pós-milenismo) da Segunda Vinda. Defendem que na
ocasião da Vinda de Cristo ocorrerá a ressurreição dos mortos (evento único), e,
logo em seguida, o julgamento final que resultará no destino final dos justos e
dos ímpios.
Para os seus defensores, o amilenismo se fundamenta numa série de
textos escatológicos relativamente claros, ao passo que o pré-milenismo está
baseado principalmente em uma única passagem obscura (Ap 20.4-5). Os
amilenistas (como os pós-milenistas) defendem que os “mil anos” de Apocalipse
devem ser interpretados simbolicamente: eles representam a presente era da
igreja, todo o período histórico entre a ressurreição e a volta de Cristo. Sendo
assim, o milênio está em curso no presente; ou seja, para eles, já estamos
vivendo no milênio.
Os amilenistas fundamentam biblicamente sua linha de pensamento nas
seguintes passagens:
* Entendem que a prisão de Satanás no abismo em Apocalipse 20.1-3 é uma
referência à vitória que Cristo conquistou sobre ele durante o seu ministério
terreno (Mt 12.29; Lc 10.18).
* Ressaltam que o milênio não é mencionado em nenhuma outra passagem das
Escrituras, além de Apocalipse 20.4-5. Alegam que não se pode construir uma
doutrina sobre um único texto.
* Interpretam as duas ressurreições de Apocalipse 20.4-5 como sendo de
natureza distinta: a primeira ressurreição é espiritual (Ef 2.5-6; Jo 5.25), e a
segunda, corpórea ou física.
Na próxima lição, veremos que a maior dificuldade de interpretação para
o amilenismo, não são os mil anos, mas as duas ressurreições.

3. Pré-milenismo
De acordo com essa posição, na ocasião de sua Segunda Vinda, Cristo
estabelecerá um reinado terreno. Os santos ressurgirão e reinarão juntamente
com Ele. Durante esse período Satanás estará preso, impedido de desenvolver
sua atividade de enganar as nações (Ap 20.1-3). Quando se completar os mil
anos, Satanás será solto por breve tempo e encabeçará uma luta final
desesperada contra Jesus Cristo e o seu povo (Ap 20.3c, 7, 8). Ao contrário dos
amilenistas, os pré-milenistas entendem que as duas ressurreições em
Apocalipse 20.4-6 são corpóreas ou físicas.
Alguns pré-milenistas acreditam que o período será literalmente de mil
anos. Outros, porém, são menos literais, e consideram os mil anos como um
período extenso de tempo. O que eles estão de comum acordo é que esse reino
será na terra e Jesus Cristo estará fisicamente presente.
Existem dois grupos de pré-milenistas. Quais as principais diferenças
entre eles?

a. Pré-milenismo dispensacionalista
- A Vinda de Cristo se dará em duas fases: a primeira, será invisível, antes da
grande tribulação; a segunda, será visível, no final da tribulação.
- Entendem que o reinado de Cristo será literalmente de mil anos.
- O milênio terá um caráter fortemente judaico. Todas as profecias do Antigo
Testamento, relacionadas à nação de Israel, não cumpridas até o tempo de
Cristo, se cumprirão nesse período.

b. Pré-milenismo histórico
- A Vinda de Cristo será um evento único que acontecerá no final da grande
tribulação, e, logo em seguida, Cristo estabelecerá o seu reinado.
- Os mil anos não são literais, mas indicam que o reinado de Cristo na terra
durará um longo período de tempo.
- Acreditam que a igreja se tornou o “Israel espiritual” (Gl 6.16) e que muitas
profecias e promessas que dizem respeito a Israel são agora cumpridas na igreja
(Êx 19.5-6; 1Pe 2.9-10).

4. O Posicionamento do Autor do Texto

Entendo que pré-milenismo histórico, também chamado de “clássico”,


parece mais razoável e mais coerente na abordagem do(s) texto(s) bíblico(s) que
trata(m) do tema do milênio.
Para mim, o otimismo demonstrado pelos pós-milenistas com relação ao
avanço do evangelho e ao melhoramento do mundo não encontra apoio nos
ensinos de Jesus e de Paulo (Mt 7.13,14; Lc 8.18; 2Ts 2.3-4; 2Tm 3.1-5).
A interpretação que os amilenistas fazem de Apocalipse 20.4-5 é
insustentável, pois revela grande incoerência e inconsistência.
Concordo com Wayne Grudem2 quando diz que algumas passagens do
Antigo Testamento não parecem caber nem na presente era nem no estado
eterno, mas se encaixam muito bem no milênio (Isaías 65.20; 11.6-11; Sl 72.8-
14; Zc 14.5-17).

2
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p.962-965.
O Milênio: Uma Análise de Apocalipse 20

Introdução
Apocalipse 20 é uma das passagens mais controversas de todo o Novo
Testamento. Conforme vimos na lição anterior, estudiosos de linhas de
pensamentos distintas interpretam esse texto de maneiras diferentes.
Nesse texto, analisaremos a passagem em si contrapondo a algumas
alegações dos amilenistas quanto ao significado da prisão de Satanás, das duas
ressurreições e dos “mil anos”.

1. A Prisão de Satanás (20.1-3)


Não há dúvida de que estamos diante de um texto que usa muitas figuras
de linguagem e que não pode ser interpretado literalmente. A passagem fala de
dragão, antiga serpente, chave, abismo, corrente e do “ato de amarrar” Satanás.
No entanto, todo esse simbolismo descreve verdades reais de caráter espiritual
e que envolvem seres espirituais que de fato existem (anjo e Satanás).
20.1-2 – Remete-nos a 9.1 onde um anjo recebe a chave do poço do abismo
para abri-lo e liberar a saída dos gafanhotos-demoníacos. Em 20.1-2, o mesmo
anjo tem a missão de amarrar Satanás e prendê-lo no abismo por um período de
mil anos.
20.3 – O texto deixa claro o propósito da prisão de Satanás: “para que não mais
enganasse as nações”. Ou seja, durante o período de “mil anos” o diabo estará
impedido de desenvolver sua principal atividade de enganar e seduzir os seres
humanos. Aqui fica bem evidente a impotência de Satanás durante o milênio!
Os amilenistas alegam que esse texto retrata o que Jesus fez durante o
seu ministério terreno. Ele já amarrou o “valente”, e limitou a abrangência e a
intensidade de sua atividade entre as nações da terra (Mt 12.28-29 e Lc 10.18).
De sorte que, Satanás encontra-se amarrado durante todo o período da era da
igreja, impossibilitado de enganar as nações como antes.
Concordo com o comentário de Wayne Grudem: “Dizer que Satanás está
agora num abismo fechado e selado não se ajusta à presente situação do mundo
durante a era da igreja em que a atividade de Satanás ainda é muito forte,[..]”.3

3
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p.954.
O Novo Testamento descreve o poder e ação de Satanás sobre este
mundo de maneira vigorosa. Paulo refere-se à Satanás como “o deus deste
século” que “cegou o entendimento dos incrédulos, para que não lhes
resplandeça a luz do evangelho” (2Co 4.4); Para os crentes de Éfeso ele diz que
estamos envolvidos numa luta “contra principados e potestades, contra as forças
espirituais do mal” (Ef 6.12); João diz que “o mundo inteiro jaz no Maligno” (1Jo
5.19). Comentando esse texto, John Stott diz que o mundo “não é representado
como lutando ativamente para livrar-se, mas como jazendo tranquilamente,
talvez até dormindo inconscientemente, nos braços de Satanás. O maligno não
‘toca’ no cristão, mas o mundo está irremediavelmente em suas garras”4.
Lucas registrou no livro de Atos que “Satanás encheu o coração” de
Ananias “para que mentisse a ao Espírito Santo” (At 5.3); Pedro diz que o diabo,
o nosso adversário, “anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém
para devorar” (1Pe 5.8). Claramente, Satanás está em contínua atividade sobre
a terra durante a era da igreja. Olhando para essas passagens, é difícil entender
como elas poderiam descrever alguém que foi preso a fim de que “não mais
enganasse as nações”.
Além disso, a realidade do mundo atual evidencia que Satanás continua
em plena atividade enganando tribos, povos e línguas através de crendices
demoníacas, de falsas religiões, bem como de ideologias e filosofias modernas
que têm até mesmo obtido grande êxito em transformar nações outrora cristãs
em nações pagãs e ateítas (Europa é um bom exemplo).
Portanto, entendo que, o fato de Satanás ser preso e lançado no abismo
(20.1-3) implica uma restrição de sua atividade muito maior que tudo o que
conhecemos nesta era presente. Consequentemente, a prisão de Satanás,
conforme descrita em Apocalipse 20, deve ser entendida como um evento futuro.

2. As Duas Ressurreições (20.4-6)


Imediatamente após a prisão de Satanás (20.1-3), João viu a ressurreição
de dois grupos de crentes: (1) os santos assentados em tronos com autoridade
para julgar (20.4a, ver também 1Co 6.1-3), e, (2) um grupo especial de cristãos
que sofreram o martírio durante a grande tribulação (20.4b). Todos os santos

4
STOTT, John R. W. I, II e II João – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982, p.166.
ressuscitados participam do governo de Cristo durante os “mil anos” (20.4c, 9).
João esclarece ainda que esta ressurreição dos que reinarão com Cristo “é a
primeira ressurreição” (20.5c). Aqueles que dela participam são “bem-
aventurados e santos” (20.6a), e sobre eles “a segunda morte” não tem
autoridade (20.6b). Vale salientar que a “segunda morte” é o “lago de fogo”
(20.14). Em 20.5a, vemos que haverá um espaço temporal de “mil anos” entre a
“primeira ressurreição” e a ressurreição dos “restantes/outros mortos” (20.5a).
Para os amilenistas, o significado dessas duas ressurreições é um “calo
no sapato”, um “nó hermenêutico” muito difícil de desatar. Se já estamos vivendo
o milênio, conforme alegam, quando aconteceu a “primeira ressurreição”? Caso
já tenha acontecido, quem são os “outros mortos” que ressuscitarão depois dos
“mil anos”? Para tentar desatar esse nó, os amilenistas defendem que a
ressurreição, no versículo 4, é de natureza espiritual na conversão ou na vida
depois da morte no estado intermediário; e a ressurreição, no versículo, 5 é de
natureza física ou corpórea. Para eles, o verbo “ezêsan” (viveram), no versículo
4, é simbólico; e o mesmo verbo “ezêsan”, no versículo 5, é literal.
Essa interpretação amilenista cria um problema muito sério! A mesma
passagem, num intervalo tão curto, usaria a mesma palavra com dois
significados completamente diferentes, sem dar nenhuma indicação de mudança
de significado? Seguramente que não! Caso contrário, não haveria mais
parâmetros para a busca do significado das palavras nas Escrituras. Defendo
que se uma ressurreição é um reviver espiritual e a outra é um reviver físico,
“então não há mais importância na linguagem, e as Escrituras são destruídas
como testemunho decisivo para qualquer assunto”.5
Além disso, a expressão “os restantes/outros mortos” (20.5a) deixa claro
que os participantes da primeira ressurreição não participam da segunda. Ou
seja, há um contraste entre os que fazem parte da segunda ressurreição e os
que participam da primeira.
A partir dessas evidências textuais, concluo que a primeira e a segunda
ressurreição nesse texto são de natureza física ou corpórea. Uma ocorrerá no
final da grande tribulação, na ocasião da Segunda Vinda de Cristo (os crentes),

5
ERICKSON, Millard. Escatologia – a polêmica em torno do milênio. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.154.
e a outra acontecerá depois do milênio (os incrédulos), um pouco antes do
julgamento final (20.11-13).

3. A Derrota Final de Satanás (20.7-10)


De acordo com esse texto, a derrota final de Satanás ocorrerá em duas
fases ou estágios:
(1) Em 20.1-3, ele será amarrado e aprisionado no abismo, e ficará
impossibilitado de agir durante todo o período do reinado de Cristo sobre a terra.
(2) Em 20.7-10, ele será lançado no “lago de fogo e enxofre” para ser
atormentado “pelos séculos dos séculos”. Durante o seu ministério terreno Jesus
disse que o “fogo eterno” foi preparado “para o diabo e seus anjos” (Mt 25.41).

a. A soltura de Satanás
Apocalipse 20.3c, 7, 8 apresenta mais uma grande dificuldade para os
amilenistas. Esses versículos indicam que, “ao se completarem os mil anos”
Satanás será solto e receberá novamente permissão para retomar sua atividade
de “enganar as nações”. Na verdade, o propósito de sua soltura será duplo:
“seduzir as nações” (20.8a) e “reuni-las para a peleja” (20.8b) contra Cristo e o
seus santos.
Esse texto corrobora a interpretação pré-milenista que, durante o milênio,
o poder de Satanás será tirado e ele ficará impossibilitado de enganar a
humanidade. Após o intervalo temporal de “mil anos”, ele será autorizado a
seduzir e enganar pela última vez, por um breve período de tempo. Ora, se ele
receberá permissão para enganar novamente, é porque estava impossibilitado
de fazê-lo.

b. A punição eterna de Satanás


Solto da sua prisão, Satanás empreenderá um último esforço a fim de
mobilizar e ajuntar as nações para guerrear contra Cristo e o seu povo (20.9).
Algo semelhante já havia sido feito, antes do milênio, pela “besta” (anticristo) e
pelo “falso profeta” (19.19-20).
As nações mobilizadas para guerrear são identificadas como “Gogue e
Magogue” (20.8b), uma clara alusão a Ezequiel 38-39. Em Apocalipse, porém,
Gogue e Magogue são símbolo das nações hostis reunidas em oposição a Cristo
e a seus seguidores.6 As nações com seus exércitos organizados marcham
contra o “acampamento dos santos” a fim de lutar contra eles. No entanto, a
batalha não acontece. O Senhor intervém soberanamente e destrói os que
querem destruir o seu povo (20.9c).
Em 20.10, falando da derrota final de Satanás, o autor sagrado diz que
ele “foi lançado” para dentro do lago de fogo. Quem o lançou? Quem é o sujeito
da passiva nesse texto? O contexto indica que o Cristo que reina é quem lançará
Satanás no lago de fogo e executará o juízo sobre a tríade satânica: o diabo, a
besta e o falso profeta. Portanto, temos aqui a derrota e a destruição final do
“acusador dos nossos irmãos” (20.10), do “sedutor de todo o mundo” (20.9).

6
OSBORNE, Grant. Apocalipse – Comentário Exegético. São Paulo: Vida Nova, 2014, p.796.

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