Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Introdução
Nesse texto, iremos abordar a relação entre a Segunda Vinda de Cristo e
o milênio. Haverá um reinado de Cristo na terra durante mil anos literais? Cristo
voltará antes ou depois do milênio? Já estamos vivendo o milênio ou devemos
aguardá-lo com um evento ainda futuro? Em torno de questões dessa natureza
surgiram algumas linhas de pensamentos divergentes entre os cristãos.
Veremos a seguir as três principais posições defendidas por grupos
evangélicos distintos.
1. Pós-milenismo
De acordo com esse ponto de vista, Cristo voltará depois do milênio.
Através da pregação do evangelho, o reinado de Cristo será estabelecido de
maneira completa e universal. O lugar do seu governo será o coração dos
homens. Gradativamente, o evangelho avançará e a igreja experimentará
grande crescimento de tal maneira que uma proporção cada vez maior da
população mundial se converterá a Cristo. Como resultado, a paz prevalecerá e
os males sociais e morais serão praticamente banidos da terra.
Claramente, o pós-milenismo tem como característica o otimismo em
relação à proclamação bem difundida do evangelho e aos seus resultados
benéficos para a sociedade. Por causa disso, diz Millard Erickson, “o pós-
milenismo foi a posição mais aceita durante os períodos em que a igreja parecia
obter êxito na tarefa de alcançar o mundo.”1
Para os defensores dessa posição o milênio será um período extenso,
mas não necessariamente terá uma duração literal de mil anos. Ao final desse
período, Cristo voltará à terra, os crentes e os incrédulos serão ressuscitados,
ocorrerá o julgamento final e haverá o novo céu e a nova terra.
Os pós-milenistas fundamentam biblicamente sua linha de pensamento
nas seguintes passagens:
1
ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015, p.1151.
* Alguns textos do Antigo Testamento que declaram que todas as nações
conhecerão a Deus (Sl 47; 72 e 100; Is 45.22-25; Os 2.23).
* Na Grande Comissão registrada por Mateus (Mt 28.18-20). Visto que ela deve
ser realizada com base na autoridade universal do Cristo, seu êxito, na conquista
do mundo para Ele, está garantido.
* A parábola do grão de mostarda e a do fermento (Mt 13.31-33) tratam do
crescimento gradual do Reino de Deus.
2. Amilenismo
De acordo com os amilenistas não haverá milênio, nenhum reinado
terreno de Cristo. Eles não esperam o reinado milenar de Cristo nem antes (pré-
milenismo) nem depois (pós-milenismo) da Segunda Vinda. Defendem que na
ocasião da Vinda de Cristo ocorrerá a ressurreição dos mortos (evento único), e,
logo em seguida, o julgamento final que resultará no destino final dos justos e
dos ímpios.
Para os seus defensores, o amilenismo se fundamenta numa série de
textos escatológicos relativamente claros, ao passo que o pré-milenismo está
baseado principalmente em uma única passagem obscura (Ap 20.4-5). Os
amilenistas (como os pós-milenistas) defendem que os “mil anos” de Apocalipse
devem ser interpretados simbolicamente: eles representam a presente era da
igreja, todo o período histórico entre a ressurreição e a volta de Cristo. Sendo
assim, o milênio está em curso no presente; ou seja, para eles, já estamos
vivendo no milênio.
Os amilenistas fundamentam biblicamente sua linha de pensamento nas
seguintes passagens:
* Entendem que a prisão de Satanás no abismo em Apocalipse 20.1-3 é uma
referência à vitória que Cristo conquistou sobre ele durante o seu ministério
terreno (Mt 12.29; Lc 10.18).
* Ressaltam que o milênio não é mencionado em nenhuma outra passagem das
Escrituras, além de Apocalipse 20.4-5. Alegam que não se pode construir uma
doutrina sobre um único texto.
* Interpretam as duas ressurreições de Apocalipse 20.4-5 como sendo de
natureza distinta: a primeira ressurreição é espiritual (Ef 2.5-6; Jo 5.25), e a
segunda, corpórea ou física.
Na próxima lição, veremos que a maior dificuldade de interpretação para
o amilenismo, não são os mil anos, mas as duas ressurreições.
3. Pré-milenismo
De acordo com essa posição, na ocasião de sua Segunda Vinda, Cristo
estabelecerá um reinado terreno. Os santos ressurgirão e reinarão juntamente
com Ele. Durante esse período Satanás estará preso, impedido de desenvolver
sua atividade de enganar as nações (Ap 20.1-3). Quando se completar os mil
anos, Satanás será solto por breve tempo e encabeçará uma luta final
desesperada contra Jesus Cristo e o seu povo (Ap 20.3c, 7, 8). Ao contrário dos
amilenistas, os pré-milenistas entendem que as duas ressurreições em
Apocalipse 20.4-6 são corpóreas ou físicas.
Alguns pré-milenistas acreditam que o período será literalmente de mil
anos. Outros, porém, são menos literais, e consideram os mil anos como um
período extenso de tempo. O que eles estão de comum acordo é que esse reino
será na terra e Jesus Cristo estará fisicamente presente.
Existem dois grupos de pré-milenistas. Quais as principais diferenças
entre eles?
a. Pré-milenismo dispensacionalista
- A Vinda de Cristo se dará em duas fases: a primeira, será invisível, antes da
grande tribulação; a segunda, será visível, no final da tribulação.
- Entendem que o reinado de Cristo será literalmente de mil anos.
- O milênio terá um caráter fortemente judaico. Todas as profecias do Antigo
Testamento, relacionadas à nação de Israel, não cumpridas até o tempo de
Cristo, se cumprirão nesse período.
b. Pré-milenismo histórico
- A Vinda de Cristo será um evento único que acontecerá no final da grande
tribulação, e, logo em seguida, Cristo estabelecerá o seu reinado.
- Os mil anos não são literais, mas indicam que o reinado de Cristo na terra
durará um longo período de tempo.
- Acreditam que a igreja se tornou o “Israel espiritual” (Gl 6.16) e que muitas
profecias e promessas que dizem respeito a Israel são agora cumpridas na igreja
(Êx 19.5-6; 1Pe 2.9-10).
2
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p.962-965.
O Milênio: Uma Análise de Apocalipse 20
Introdução
Apocalipse 20 é uma das passagens mais controversas de todo o Novo
Testamento. Conforme vimos na lição anterior, estudiosos de linhas de
pensamentos distintas interpretam esse texto de maneiras diferentes.
Nesse texto, analisaremos a passagem em si contrapondo a algumas
alegações dos amilenistas quanto ao significado da prisão de Satanás, das duas
ressurreições e dos “mil anos”.
3
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática, São Paulo: Vida Nova, 1999, p.954.
O Novo Testamento descreve o poder e ação de Satanás sobre este
mundo de maneira vigorosa. Paulo refere-se à Satanás como “o deus deste
século” que “cegou o entendimento dos incrédulos, para que não lhes
resplandeça a luz do evangelho” (2Co 4.4); Para os crentes de Éfeso ele diz que
estamos envolvidos numa luta “contra principados e potestades, contra as forças
espirituais do mal” (Ef 6.12); João diz que “o mundo inteiro jaz no Maligno” (1Jo
5.19). Comentando esse texto, John Stott diz que o mundo “não é representado
como lutando ativamente para livrar-se, mas como jazendo tranquilamente,
talvez até dormindo inconscientemente, nos braços de Satanás. O maligno não
‘toca’ no cristão, mas o mundo está irremediavelmente em suas garras”4.
Lucas registrou no livro de Atos que “Satanás encheu o coração” de
Ananias “para que mentisse a ao Espírito Santo” (At 5.3); Pedro diz que o diabo,
o nosso adversário, “anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém
para devorar” (1Pe 5.8). Claramente, Satanás está em contínua atividade sobre
a terra durante a era da igreja. Olhando para essas passagens, é difícil entender
como elas poderiam descrever alguém que foi preso a fim de que “não mais
enganasse as nações”.
Além disso, a realidade do mundo atual evidencia que Satanás continua
em plena atividade enganando tribos, povos e línguas através de crendices
demoníacas, de falsas religiões, bem como de ideologias e filosofias modernas
que têm até mesmo obtido grande êxito em transformar nações outrora cristãs
em nações pagãs e ateítas (Europa é um bom exemplo).
Portanto, entendo que, o fato de Satanás ser preso e lançado no abismo
(20.1-3) implica uma restrição de sua atividade muito maior que tudo o que
conhecemos nesta era presente. Consequentemente, a prisão de Satanás,
conforme descrita em Apocalipse 20, deve ser entendida como um evento futuro.
4
STOTT, John R. W. I, II e II João – introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982, p.166.
ressuscitados participam do governo de Cristo durante os “mil anos” (20.4c, 9).
João esclarece ainda que esta ressurreição dos que reinarão com Cristo “é a
primeira ressurreição” (20.5c). Aqueles que dela participam são “bem-
aventurados e santos” (20.6a), e sobre eles “a segunda morte” não tem
autoridade (20.6b). Vale salientar que a “segunda morte” é o “lago de fogo”
(20.14). Em 20.5a, vemos que haverá um espaço temporal de “mil anos” entre a
“primeira ressurreição” e a ressurreição dos “restantes/outros mortos” (20.5a).
Para os amilenistas, o significado dessas duas ressurreições é um “calo
no sapato”, um “nó hermenêutico” muito difícil de desatar. Se já estamos vivendo
o milênio, conforme alegam, quando aconteceu a “primeira ressurreição”? Caso
já tenha acontecido, quem são os “outros mortos” que ressuscitarão depois dos
“mil anos”? Para tentar desatar esse nó, os amilenistas defendem que a
ressurreição, no versículo 4, é de natureza espiritual na conversão ou na vida
depois da morte no estado intermediário; e a ressurreição, no versículo, 5 é de
natureza física ou corpórea. Para eles, o verbo “ezêsan” (viveram), no versículo
4, é simbólico; e o mesmo verbo “ezêsan”, no versículo 5, é literal.
Essa interpretação amilenista cria um problema muito sério! A mesma
passagem, num intervalo tão curto, usaria a mesma palavra com dois
significados completamente diferentes, sem dar nenhuma indicação de mudança
de significado? Seguramente que não! Caso contrário, não haveria mais
parâmetros para a busca do significado das palavras nas Escrituras. Defendo
que se uma ressurreição é um reviver espiritual e a outra é um reviver físico,
“então não há mais importância na linguagem, e as Escrituras são destruídas
como testemunho decisivo para qualquer assunto”.5
Além disso, a expressão “os restantes/outros mortos” (20.5a) deixa claro
que os participantes da primeira ressurreição não participam da segunda. Ou
seja, há um contraste entre os que fazem parte da segunda ressurreição e os
que participam da primeira.
A partir dessas evidências textuais, concluo que a primeira e a segunda
ressurreição nesse texto são de natureza física ou corpórea. Uma ocorrerá no
final da grande tribulação, na ocasião da Segunda Vinda de Cristo (os crentes),
5
ERICKSON, Millard. Escatologia – a polêmica em torno do milênio. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.154.
e a outra acontecerá depois do milênio (os incrédulos), um pouco antes do
julgamento final (20.11-13).
a. A soltura de Satanás
Apocalipse 20.3c, 7, 8 apresenta mais uma grande dificuldade para os
amilenistas. Esses versículos indicam que, “ao se completarem os mil anos”
Satanás será solto e receberá novamente permissão para retomar sua atividade
de “enganar as nações”. Na verdade, o propósito de sua soltura será duplo:
“seduzir as nações” (20.8a) e “reuni-las para a peleja” (20.8b) contra Cristo e o
seus santos.
Esse texto corrobora a interpretação pré-milenista que, durante o milênio,
o poder de Satanás será tirado e ele ficará impossibilitado de enganar a
humanidade. Após o intervalo temporal de “mil anos”, ele será autorizado a
seduzir e enganar pela última vez, por um breve período de tempo. Ora, se ele
receberá permissão para enganar novamente, é porque estava impossibilitado
de fazê-lo.
6
OSBORNE, Grant. Apocalipse – Comentário Exegético. São Paulo: Vida Nova, 2014, p.796.