Você está na página 1de 8

Abreu Xavier Ndumbo Ngowa

O HOMEM À LUZ DE CRISTO NO VATICANO II

Recensão sobre o artigo do teólogo Luís Francisco Ladaria Ferrer

UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA


Faculdade de Teologia
Nome da Unidade Curricular: Protologia

16.06.2023
RESUMO
A presente recensão para a Unidade Curricular Protologia tem por objetivo apresentar
de maneira sucinta algumas noções concernentes ao documento de Luís Ladaria “El hombre a
la luz de Cristo en el Concilio Vaticano II” (O homem à luz de Cristo no Concílio Vaticano II).
Luís Francisco Ladaria Ferrer (nasceu a 19 de abril de 1944) é um cardeal e teólogo
jesuíta espanhol, professor catedrático da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, e
nomeado pelo Papa Bento XVI secretário da Congregação para a Doutrina da Fé. No ano 2017,
foi nomeado pelo Papa Francisco como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.

PALAVRAS-CHAVE: Luís Ladaria, homem, iluminado por Cristo, Vaticano II.

INTRODUÇÃO
O mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente.
Adão, o primeiro homem, era efetivamente figura do futuro,1isto é, de Cristo Senhor. Cristo,
novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo
e descobre-lhe a sua vocação sublime. Não é, por isso, de admirar que as verdades acima ditas
tenham n´Ele a sua fonte e n’Ele atinjam a plenitude.
Neste sentido, percebemos que temos de levar em consideração, que Cristo é o novo
Homem, que sendo Deus verdadeiro assumiu em si a condição de escravo, ou seja, de um
homem como qualquer outro. Mas, ao assumir a nossa condição, mostrou-nos que é possível
vencer o mundo e assim a morte. Pois, com a sua vida e morte como todos os mortais, Ele
ensina o caminho para vivermos a vida a caminho do Pai.
Segundo Luis F. Ladaria, “pode-se falar do homem a partir de muitos pontos de vista:
filosófico, psicológico, médico, sociológico, teológico. O termo ‘antropologia’ tornou-se em
muitos casos um equívoco”. O adjetivo ‘teológico’ diz-nos qual é o ponto de vista que aqui
abordamos: trata-se de saber o que é o homem na sua relação com o Deus Uno e Trino revelado
em Cristo.2

1
Cfr. CONSTITUIÇÃO PASTORAL GAUDIUM ET SPES. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II.
São Paulo, 1997; nº20.
2
Introducción a la antopología teológica / Luis F. Ladaria . - Navarra : Ed. Verbo Divino, 1993.
Abreu Xavier Ngowa 5
Unidade Curricular: Protologia
Concílio Vaticano II

O Concílio Ecuménico Vaticano II foi um grande e longo Sínodo que se desenrolou de


1962 a 1965, considerado o grande evento da Igreja Católica no século XX. O objetivo do
Concílio foi discutir a ação da Igreja nos tempos atuais, ou seja, a sua finalidade foi “promover
o incremento da fé católica e uma saudável renovação dos costumes do povo cristão, e adaptar
a disciplina eclesiástica às condições do nosso tempo” e do mundo moderno. O Concílio
pretendeu o “aggiornamento” (atualização e abertura) da Igreja.
Segundo Luis F. Ladaria: “Na Gaudium et Spes (Gs 22), o Concílio Vaticano II afirma
que o mistério do Homem só se esclarece no mistério do Verbo encarnado. Este é o princípio
básico da antropologia conciliar, desenvolvida sobretudo na primeira parte da Constituição
Pastoral”3. O teólogo ajuda-nos a perceber que o Concílio foi substancialmente coerente com
esta afirmação central, mesmo que talvez não tenha sido desenvolvida em todos os seus aspetos.
O Vaticano II não dedicou expressamente nenhum dos seus documentos ao mistério do
Homem. Mas a Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no mundo de hoje tem o
homem como objeto central da sua preocupação.
De entre os vários textos, o número 22 da Gaudium et Spes, denominado “Cristo,
Homem novo”, é um dos mais citados e estudados, o que demonstra claramente a sua
importância e o denso valor do seu conteúdo teológico-doutrinal. Foi esta intuição fundamental
da Constituição Pastoral que influenciou profundamente a teologia pós-conciliar, tendo servido
de base para diversas obras e tratados teológicos, na busca de uma compreensão do Homem por
meio do mistério de Jesus Cristo, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de uma
antropologia teológica com ampla incidência eclesial.
Em síntese, compreendemos que com o Concílio Ecuménico Vaticano II, vemos uma
Igreja que se abre ao mundo, oferendo-lhe os tesouros inesgotáveis da sua sabedoria, para que
assim os homens possam ser conduzidos à verdade plena que se revela em Cristo e atinjam a
sua realização verdadeira. No nosso entender, esta é uma atitude que deve permanecer sempre
no seio da Igreja.

Cristo e o Homem na Constituição Dogmática Gaudium et Spes


Na Constituição Dogmática Gaudium et Spes encontramos elementos essenciais que
fundamentam a visão cristã do homem diante da revelação de Deus, em Jesus Cristo.

3
LADARIA, L. F., «Antropología», in X. PIKAZA – N. SILANES (ed.), Diccionario teológico. El Dios
cristiano, Salamanca 1992, p.703.

6
No que diz respeito ao homem à luz de Cristo, a Constituição Dogmática Gaudium et
Spes abordou temas como a vocação do ser humano, problemas que afetam a família, a vida
económica e social, e a promoção da paz. Pretendeu esclarecer o mistério do homem e oferecer
solução para problemas que afligiam a humanidade. A parte introdutória do documento exprime
o desejo de alcançar a verdade sobre a realidade do homem e do mundo.
No número 3 da Gaudium et Spes, é notável afirmar que no homem há uma semente
divina (“divinum quoddam sémen”), cuja existência a Igreja proclama, dando a conhecer a mais
alta vocação humana. Luis F. Ladaria afirma: «Não encontramos qualquer referência a Cristo
neste primeiro momento, mas encontrá-la-emos em 10, 2, no final da “exposição introdutória”.
O Concílio Vaticano II reafirma a sua intenção de responder às questões fundamentais do
homem. Só Cristo, morto e ressuscitado por nós, nos dá, através do Espírito Santo, a força para
responder à nossa vocação; só n´Ele é possível a salvação»4. E depois especifica-se:
“A Igreja acredita também que a chave, o centro e o fim de toda a história humana se encontra
no seu Senhor e Mestre. Além disso, a Igreja afirma que, por detrás de todas as mudanças, há
muitas coisas que não mudam e que têm o seu fundamento último em Cristo, que é o mesmo
ontem, hoje e sempre (cf. Heb 13,8). Por isso, sob a luz de Cristo, a imagem de Deus invisível,
primogénito de toda a criação (cf. Col 1,15), o Concílio quer falar a todos para iluminar o
mistério do homem e cooperar na busca de soluções para os grandes problemas do nosso
tempo”5.
No que diz respeito ao mistério do homem, a Igreja deseja contribuir para a solução dos
problemas do género humano. Esta dimensão prática e pastoral da Gaudium et Spes deve ser
tida em conta, mesmo que nem sempre apareça nas páginas seguintes da nossa reflexão. Quando
o Concílio nos diz que quer iluminar o mistério do homem à luz de Cristo, está a chamar-nos
implicitamente a atenção para Cristo como o fundamento da essência do homem, cujo mistério
se trata de clarificar. Ainda não é claro como é que Cristo ilumina o mistério humano. Mas os
títulos cristológicos mencionados, tirados de Col 1, 15, aludem ao seu estatuto de fundamento
e de revelador. Tudo caminha para Cristo e n’Ele se fundamenta, inclusive o homem. Toda a
História é vista em chave cristológica, embora se deva reconhecer que a ideia, especialmente
no que diz respeito à criação, é apenas sugerida.
O ponto de partida não são diretamente as verdades da Fé, mas a experiência dos
homens do nosso tempo, comum a crentes e não crentes; os “sinais dos tempos” interpelam
todos e são vividos por todos. Cristo aparece no fim, como resposta cristã a estas questões. Por
conseguinte, o facto de não se falar do mistério de Cristo desde o início não significa que ele
não esteja presente. Um método semelhante será seguido nos quatro capítulos da primeira parte

4
LADARIA, L. F., «Antropología», in X. PIKAZA – N. SILANES (ed.), Diccionario teológico. El Dios
cristiano, Salamanca 1992, p.706.
5
Ibidem, p.706.
Abreu Xavier Ngowa 7
Unidade Curricular: Protologia
da Gaudium et Spes. A questão do homem, colocada no n.º 3, deve ser resolvida, segundo o n.º
10, à luz de Cristo. No n.º 11, introdutório à primeira parte, e também no n.º 12, que abre o
capítulo dedicado à dignidade da pessoa humana, a questão é repetida.
Luis F. Ladaria, ao contrário do que faz na exposição introdutória, começa a responder
à pergunta do ponto de vista da revelação divina. Mas esta resposta será gradual; começa com
o Antigo Testamento. O homem, segundo Gn1,26 (cf. Sab 2, 23), foi criado à imagem de Deus.
Para o Concílio, isto significa duas coisas: que tem a capacidade de conhecer e amar o seu
Criador, e que foi constituído por Ele senhor do mundo. O homem é a imagem de Deus, a fim
de governar as criaturas terrenas e de as utilizar para glorificar Deus. O autor ajuda-nos a
perceber que a dignidade do homem e o seu estatuto de imagem de Deus estão claramente
ligados. A citação do Salmo 8, 5-7 sublinha a posição revelante do homem no cosmos, que é
desígnio criador de Deus.
Uma referência à ‘bondade’ da criação, consumada com o aparecimento do homem,
encerra esta secção sobre o homem como imagem de Deus. Começou-se por responder à
questão do ser do homem, principalmente com base no Antigo Testamento. Não se chegou a
um método puramente indutivo, mas também não se expôs o núcleo central da fé em Cristo.
Todavia, Luis F. Ladaria afirma que é já sabido por nós “que Jesus está presente desde o
primeiro momento no espírito do Concílio”.
Contudo, ao desenvolver esta abordagem, percebemos que o objetivo do Concílio
Ecuménico Vaticano II é iluminar o mistério do homem a partir de Cristo. Esta nossa afirmação
está de acordo com aquilo que Gaudium et Spes sintetiza no primeiro parágrafo do n.º 22: “O
mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo encarnado”. Efetivamente, Adão, o
primeiro homem, era figura daquele que havia de vir (cf. Rm 5,14), ou seja, Cristo nosso
Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, manifesta
plenamente o homem ao próprio homem e revela-lhe a sua vocação mais alta. Por isso, não é
estranho que todas as verdades já expressas encontrem a sua fonte em Cristo e n’Ele atinjam o
seu ponto culminante.
Tudo o que foi abordado até aqui sobre o homem e a sua dignidade ganha sentido com
a fé em Jesus Cristo. Porque Jesus Cristo é o homem perfeito; segui-l’O é ser aperfeiçoado no
“ser homem”.
A antropologia que nos é proposta tem o seu fundamento e o seu ponto culminante na
Cristologia. Jesus mostrou-nos na sua vida a autêntica vocação do homem, revelando-nos a
paternidade de Deus. Segundo Luis F. Ladaria, “estes dois temas estão intimamente ligados. A
sua ligação reside na filiação divina de Jesus, que é vivida também como homem. Jesus é,

8
portanto, o homem perfeito e nós tornamo-nos tanto mais humanos quanto mais O seguirmos.
A História caminha para Ele e a única salvação é a inserção no seu corpo”.

Cristo e o homem nos documentos conciliares restantes


Nos outros documentos conciliares, é digno de nota um tratamento sistemático do
problema que estamos a tratar. Luis F. Ladaria diz que as várias alusões que são feitas a ele
permitir-nos-ão ver até que ponto foram retomadas as linhas mestras expostas na Gaudium et
Spes.
Alguns dos motivos reaparecem em AG (Ad Gentes - Decreto sobre atividade
missionária da Igreja), no n.º 8: “Ao manifestar Cristo, a Igreja revela aos homens a verdade
autêntica da sua condição e de toda a sua vocação”. Não se vai além do que é dito na Gaudium
et Spes, e, mais uma vez, a relação de Cristo com a criação fica na sombra. Não são muitas as
alusões à condição do ser humano como imagem de Deus fora da Gaudium et Spes.
Para Luis F. Ladaria, parece significativo o seguinte: não podemos invocar Deus como
Pai de todos, se não quisermos comportar-nos como irmãos com alguns homens, criados à
imagem de Deus. A atitude do homem em relação a Deus Pai e a relação do homem com os
semelhantes estão intimamente ligadas porque, como diz a Escritura, quem não ama não
conhece Deus (1Jo 4,8). Podemos perceber que todo o contexto da passagem nos fala de Cristo;
a filiação divina e a fraternidade entre os homens têm o seu fundamento em Cristo. O
reconhecimento, não só de Deus, mas também de Cristo no irmão, é um ensinamento genuíno
do Novo Testamento. Porém, o tema do homem como imagem de Deus não foi expressamente
relacionado com Cristo. Noutra ocasião, é-nos dito que o rosto de Deus e a sua presença se
manifestam naqueles que estão mais perfeitamente transformados à imagem de Cristo. Esta é,
de facto, a vocação do homem. Encontramos esta afirmação no capítulo VII da Lumen Gentium
sobre a natureza escatológica da Igreja. Mais uma vez, a centralidade de Cristo é expressa mais
claramente no que diz respeito à consumação do mundo e do homem do que à sua origem. Mas
na própria Lumem Gentium, nº 3, nos é dito: “Todos os homens são chamados a esta união com
Cristo, que é a luz do mundo, de Quem viemos, por Quem vivemos e para Quem vamos”. Cristo
é, portanto, a origem e o fim do homem.
A centralidade de Cristo é frequentemente sublinhada em relação a dois outros pontos.
Num primeiro, o Concílio repete muitas vezes que a vocação do homem é a incorporação em
Cristo e a vida como filho de Deus n’Ele. Num segundo ponto, insiste em que o homem realiza
esta vocação na medida em que está inserido na Igreja, corpo de Cristo, que peregrina para a
consumação final; todos os homens, sem exceção, são chamados à unidade em Cristo.

Abreu Xavier Ngowa 9


Unidade Curricular: Protologia
CONCLUSÃO

Concluímos esta nossa recensão, concordando com Luis F. Ladaria quando afirma que
“o Concílio Ecuménico Vaticano II ensina o projeto unitário de Deus para o homem, que tem
em Cristo, Senhor da história, o seu único fundamento”.
No texto que serviu de base para este nosso trabalho, é evidente que em nenhum caso
se fala da obra da criação ou do homem como perfeita ou acabada em si mesma e sem relação
intrínseca com Jesus.
Nada perde, aliás, tudo ganha interesse apaixonante no estudo do homem a partir
d’Aquele cuja imagem ele foi, desde o início, chamado a reproduzir. Os textos conciliares
ajudam-nos a compreender com clareza a diferença entre cristãos e não cristãos e mesmo não
crentes. Tudo o que no homem tem um desejo desinteressado e uma aspiração legítima é objeto
de uma nova luz. Tudo é reconhecido como tendo uma dimensão transcendente que brota do
interior do propósito ser humano, se acreditamos que nele habita uma semiologia divina.
Toda a humanidade entra na humanidade de Cristo. Não existe nada de humano que não
tenha a ver com os cristãos. Esta é uma metodologia que interpreta a realidade humana à luz de
Cristo.

BIBLIOGRAFIA

LADARIA, L. F., «Antropología», in X. PIKAZA – N. SILANES (ed.), Diccionario


teológico. El Dios cristiano, Salamanca 1992, 73-83.

10

Você também pode gostar