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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas


Filosofia Medieval I

Uma breve biografia

Santo Agostinho

Foi na província romana da Numídia, em 13 de novembro de 354, que nasceu Aurelius


Augustinus. Pertencente a uma família profundamente religiosa, Mônica, sua mãe, é um
expoente ímpar na formação do jovem. Seu pai, por sua vez, sacrificou-se para dar ao filho a
educação liberal que poderia lhe abrir as portas do magistério. Para isso, valeu-se de um
amigo, Romaniano, que o ajudou a enviar o adolescente a Cartago, onde completaria os
estudos superiores.

Uma síntese de seu pensamento


A Fé e a Razão na busca da Felicidade

O núcleo da filosofia cristã agostiniana é o conceito de beatitude. Para o filósofo, todo


o fazer filosófico orbita em torno de uma sincera busca pela felicidade - isto é, da plenitude.
Em “Cidade de Deus”, o Bispo afirma que “o homem não tem razão para filosofar, exceto
para atingir a felicidade”. Tira-se disso que, proposto um pensamento -por mais abstrato que
esse seja- , sua indagação, por ser humana, já demonstra a busca pela beatitude.
A forma, contudo, como essa busca se dará em Agostinho é peculiar. A trajetória do
Bispo Africano pelas filosofias de sua época fizeram-o chegar à conclusão de que a dita
beatitude não poderia ser alcançada através da leitura dos clássicos. A iluminação, entretanto,
dada pelas Sagradas Escrituras é que possibilita o ser ao transcendente. É, portanto, através
de uma atitude de fé, e não de um procedimento intelectual, que nos achegamos à felicidade.
Note que em nenhum momento o autor descarta o papel da razão na busca por conhecimento;
o movimento do autor, entretanto, é o de reorganizar - em um sentido qualitativo - a posição
da razão no processo de apreensão do entendimento daquilo que é eterno.

“Intellige ut credas, crede ut intelligas”


“Entender para crer, crer para entender”

É assim, crendo que a razão relaciona-se duplamente com a fé (precedendo-a e sendo


sua consequência), que Agostinho irá propor sua filosofia. É bem verdade que é a partir da fé
nas Escrituras que se possui a vida eterna, contudo, a razão se encaixa antes e depois do
movimento da fé; uma hora promovendo um trabalho inicial e, logos após experimentar o
dom salvífico, pondo este à prova com o intuito de demonstrar o acerto de se crer em suas
verdades.
A partir desses dois ingredientes (fé e razão) é que podemos ver os movimentos
reflexivos de Agostinho.

A Fé e a Razão na busca da Felicidade


O tempo em Agostinho
Comentário por Reale e Antiseri

A análise agostiniana do tempo se dá a partir da pergunta “o que fazia Deus antes de


criar o céu e a terra ?”. A partir daqui, o Santo irá desenvolver com certa genialidade uma
filosofia em torno desse ente ontológico tão misterioso denominado tempo.
Ironicamente, a primeira análise de Agostinho leva o Bispo a duvidar da validade da
primeira pergunta. Ora, se o tempo - como ente - também é criação, seria ilógico o
questionamento antes feito, afinal, a categoria temporal diz respeito somente à criatura, e
não ao Criador de todas as criaturas. Em outras palavras, não se pode falar de um “an
tes” antes que o tempo fosse criado.
Tal percepção nos leva a crer que, para além da criação, a eternidade de Deus
transcende todos os tempos porque esses também são Sua criação.

“ Teus anos são um dia e o dia teu não é “cada dia”, mas o “hoje” porque o
teu “hoje” não cedo ao “amanhã”. não sucedendo ao “ontem”. O teu “hoje” é
a eternidade ”

Fica claro, portanto, essa distinção fundamental entre os conceitos de tempo e


eternidade, onde ambas não podem ser medidas.1

Agora postos os conceitos e suas propriedades, cabe definirmos sobre o que esses
termos dizem respeito.
Na tentativa primeira de definir o que é o tempo, podemos, ainda, inferir que este
implica passado, presente e futuro. Porém, o passado já foi, o futuro ainda não é e o presente,
“se fosse sempre e não transcorresse no passado, não seria mais tempo, mas eternidade”. O

1 A partir dessa diferenciação podemos entender o erro comum dos homens na tentativa de julgar o
Eterno de forma temporal; isto é, na aplicação indevida do tempo ao eterno.
ser do presente é, na realidade, um continuar a cessar de ser, um tender continuamente ao não
ser.
A partir disso, Agostinho enfatiza que, na realidade, o tempo existe no espírito do
homem2. Essa existência, por sua vez, diz respeito à presença do passado, do presente e do
futuro, todos “presentificados” na psique humana. É, portanto, no espírito que esses modos
temporais se encontram: o presente do passado, isto é, a memória, o presente do presente, isto
é, a intuição, o presente do futuro, isto é, a expectativa.
Entende-se, por fim, que o tempo é uma “extensão da alma” à medida em que nesta se
encontram esses três estados. Embora tendo, ainda, uma conexão com o movimento, o tempo
não está presente no movimento e nas coisas em movimento, mas na alma.

Livro VIII - Confissões

Comentário por Reale e Antiseri

2 A resposta de Agostinho se mostra perspicaz, pois levando em consideração que as propriedades


do tempo - a saber, o passado, presente e futuro - mostram-se solúveis, o autor ainda garante a
existência do tempo não de forma objetiva (porque o tempo não é), mas de forma psicológica.
A análise agostiniana do tempo se dá a partir da pergunta “o que fazia Deus antes de
criar o céu e a terra ?”. A partir daqui, o Santo irá desenvolver com certa genialidade uma
filosofia em torno desse ente ontológico tão misterioso denominado tempo.
Ironicamente, a primeira análise de Agostinho leva o Bispo a duvidar da validade da
primeira pergunta. Ora, se o tempo - como ente - também é criação, seria ilógico o
questionamento antes feito, afinal, a categoria temporal diz respeito somente à criatura, e
não ao Criador de todas as criaturas. Em outras palavras, não se pode falar de um “an
tes” antes que o tempo fosse criado.
Tal percepção nos leva a crer que, para além da criação, a eternidade de Deus
transcende todos os tempos porque esses também são Sua criação.

“ Teus anos são um dia e o dia teu não é “cada dia”, mas o “hoje” porque o
teu “hoje” não cedo ao “amanhã”. não sucedendo ao “ontem”. O teu “hoje” é
a eternidade ”

Fica claro, portanto, essa distinção fundamental entre os conceitos de tempo e


eternidade, onde ambas não podem ser medidas.3

Agora postos os conceitos e suas propriedades, cabe definirmos sobre o que esses
termos dizem respeito.
Na tentativa primeira de definir o que é o tempo, podemos, ainda, inferir que este
implica passado, presente e futuro. Porém, o passado já foi, o futuro ainda não é e o presente,
“se fosse sempre e não transcorresse no passado, não seria mais tempo, mas eternidade”. O
ser do presente é, na realidade, um continuar a cessar de ser, um tender continuamente ao não
ser.
3 A partir dessa diferenciação podemos entender o erro comum dos homens na tentativa de julgar o
Eterno de forma temporal; isto é, na aplicação indevida do tempo ao eterno.
A partir disso, Agostinho enfatiza que, na realidade, o tempo existe no espírito do
homem4. Essa existência, por sua vez, diz respeito à presença do passado, do presente e do
futuro, todos “presentificados” na psique humana. É, portanto, no espírito que esses modos
temporais se encontram: o presente do passado, isto é, a memória, o presente do presente, isto
é, a intuição, o presente do futuro, isto é, a expectativa.
Entende-se, por fim, que o tempo é uma “extensão da alma” à medida em que nesta se
encontram esses três estados. Embora tendo, ainda, uma conexão com o movimento, o tempo
não está presente no movimento e nas coisas em movimento, mas na alma.

4 A resposta de Agostinho se mostra perspicaz, pois levando em consideração que as propriedades


do tempo - a saber, o passado, presente e futuro - mostram-se solúveis, o autor ainda garante a
existência do tempo não de forma objetiva (porque o tempo não é), mas de forma psicológica.

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