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INTEFISA

INSTITUTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA


SÃO FRANCISCO E SANTA CLARA DE ASSIS

ANTONIO CARLOS JOAQUIM FILHO, MPS

CRÍTICA À TEORIA DO CRIACIONISMO

MOCOCA, SP, 2020


ANTONIO CARLOS JOAQUIM FILHO, MPS

CRÍTICA À TEORIA DO CRIACIONISMO

Disciplina: Antropologia Cultural


Professor: Pe. Rogério Ribeiro Moreira, cdp
Série: 2º de Filosofia

MOCOCA, SP, 2020


INTRODUÇÃO

É da natureza humana instigar acerca da origem e do funcionamento das coisas.


Como a própria historiografia aponta, somos “homo sapiens sapiens”, ou seja, “homens que
sabem que sabem”. Dentro do campo do saber há uma busca constante pela “verdade”, sendo
claro na Teoria do Conhecimento/Epistemologia que o conhecimento (da verdade) não é algo
simples, facilmente tangível mediante algum simples processo. Pelo contrário. Tanto que
Bertrand Russell (1958, p. 135) afirma que “a verdade e a falsidade [...] constituem atributos
das sentenças”, e prossegue dizendo que “o que uma assertiva exprime é a crença; o que a
torna verdadeira ou falsa é o fato que, em geral, se distingue da crença” (p. 136). Nesse
sentido, toda “verdade” é, de fato, uma crença. Cremos que o que afirmamos é verdade, do
contrário, não o afirmaríamos como se fosse verídico. Ademais, Karl Popper, no âmbito a
Filosofia da Ciência elencou como característica fundamental da Ciência a
“falsificabilidade”. “Este estabelece que uma teoria pode ser considerada científica desde que
ela seja falsificável, isto é, se é possível indicar casos em que resultaria falsa” (MONDIN,
2003, p.235).

Tendo em mente que toda afirmação é uma crença, é possível compreender o porquê
de haver, para um mesmo evento/objeto, tantas explicações, dadas a partir de teses, hipóteses
ou teorias. Nesta disciplina de Antropologia Cultural foi proposto que se contrapusesse duas
teorias – o “criacionismo” e o “evolucionismo”. A primeira explica desde a origem de todas
as coisas até os eventos que acompanham a realidade do Universo; tudo o que acontece em
nosso entorno. A segunda, por outro lado, atém-se a explicar apenas como os seres vivos, tais
como são hoje, chegaram ao que são, não fornecendo, contudo, uma explicação para sua
origem. É amplamente comum que, no meio científico, se adote a teoria do Big Bang
(explosão inicial que originou todo o Universo enquanto matéria) para explicar a origem das
coisas e a teoria de Darwin para explicar o desenvolvimento das espécies. Há, outrossim,
outros teóricos que afirmam o desenvolvimento da matéria na Terra. Estes, porém, não serão
aqui abordados.

O enfoque deste trabalho é demonstrar filosoficamente que a teoria do criacionismo


é, de fato, viável; é demonstrar que, diferentemente do que muito se prega no meio científico,
o criacionismo não é uma teoria meramente mítica, mas, sim, detentor de certa concretude em
suas afirmações e dar o posicionamento do autor acerca do assunto.
CAPÍTULO I – TESE: DEUS CRIOU O UNIVERSO

O criacionismo se baseia na afirmação de que tudo o que existe foi criado por um Ser
(que a partir daqui será chamado de “Deus”). Tendo em vista as diferentes formas de se
expressar o criacionismo de acordo com cada religião, será usado o cristianismo como base
para uma leitura mais crítica.

O livro do Gênesis (primeiro livro da Bíblia, do cristianismo, e da Torá, do


judaísmo), que narra os primórdios da religião judaico-cristã diz:

No princípio, Deus criou o céu e a terra. Ora, a terra estava vazia e vaga,
as trevas cobriam o abismo, e um sopro de Deus agitava a superfície das águas.
Deus disse: “haja luz”, e houve luz. Deus viu que a luz era boa, e Deus separou a luz
e as trevas. Deus chamou à luz “dia” e às trevas “noite”. Houve uma tarde e uma
manhã: primeiro dia” (Bíblia de Jerusalém, p. 33).

O texto prossegue com a narração da criação, dada em seis dias, tendo Deus criado o
homem no sexto dia e, no sétimo, após concluir toda a sua obra, descansou. Baseado na
teologia joanina, o cristianismo atribui a criação a Jesus, como consta no Evangelho:

No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.
No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi
feito. O que foi feito nele era a vida, e a vida era a luz dos homens; e a luz brilha nas
trevas, mas as trevas não a apreenderam. [...] E o Verbo se fez carne, e habitou entre
nós; e nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único,
cheio de graça e de verdade” (Bíblia de Jerusalém, p. 1842-1843).
CAPÍTULO II – ANTÍTESE: DEUS NÃO EXISTE E, PORTANTO, O UNIVERSO
SURGIU [...]

Existem diversos pensadores, ao longo de toda a História (tanto humana, geral,


quanto da Filosofia) que afirmam a respeito da criação por parte de um deus (ou mesmo
Deus). Mais recentemente na História, porém, diversos são aqueles que se colocam como
ateus e negam, assim, a existência de um Ser superior. A título de exemplo, destaca-se
Nietzsche, que, mais do que negar a existência de Deus, aponta o fim de tudo a Ele ligado,
desde a influência de instituições religiosas (como a Igreja Católica), até aos valores
metafísicos decorrentes da crença no divino.

“Para onde foi Deus?” – exclamou – “É o que vou dizer. Nós o matamos
– vocês e eu! Nós todos, nós somos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como
conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu uma esponja para apagar o horizonte?
Que fizemos quando desprendemos esta terra da corrente que a ligava ao sol? Para
onde vai agora? Para onde vamos nós? Longe de todos os sóis? Não estamos
incessantemente caindo? Para diante, para trás, para o lado, para todos os lados?
Haverá ainda um acima e um abaixo? Não estaremos errando como num nada
infinito? O vazio não nos persegue com seu hálito? Não faz mais frio? Não veem
chegar a noite, sempre mais noite? Não será preciso acender os lampiões antes do
meio dia? Não ouvimos nada ainda do barulho que fazem os coveiros que enterram
Deus? Não sentimos nada ainda da decomposição divina? – Os deuses também se
decompõem! Deus morreu! Deus continua morto! E fomos nós que o matamos!
Como havemos de nos consolar, nós, assassinos entre os assassinos! O que o mundo
possuiu de mais sagrado e de mais poderoso até hoje sangrou sob nosso punhal [...]”
(NIETZSCHE, 2006, §125, p. 129).

Por detrás desse niilismo e de toda a ironia em sua escrita, Nietzsche questiona o
cerne da proposição fundamental do criacionismo – “Deus tudo criou”. A forma mais simples
e eficaz de se invalidar tal proposição é justamente invalidar uma premissa anterior – “Deus
existe”. O problema, porém, é que, apesar de haver diversos argumentos filosóficos para a
inexistência de Deus, o fato de Ele ser quem é se torna um empecilho a uma possível
evidenciação lógica acerca de sua natureza (ou, como no caso, de sua existência/inexistência).
Isso é evidenciado por Santo Agostinho, quando escreve acerca da ciência humana e ciência
divina “Senhor meu Deus, quão impenetrável é a profundeza de teus segredos, e quão longe
deles me levaram as consequências de meus pecados” (AGOSTINHO, 2011, §31, p. 357).
Como disseminado no cristianismo, Agostinho vê a infinitude de Deus em comparação à
finitude do homem e, assim, a impossibilidade de se encaixar o infinito, Deus, no finito, a
mente humana.

Novamente, se é excluída a premissa “Deus existe” é, assim, invalidada a proposição


“Deus tudo criou”. Deste modo, pode-se afirmar que “Deus não existe e, portanto, o universo
surgiu [...]”, sendo a omissão final uma abertura a qualquer tipo de explicação para a origem
de tudo. Resta à Apologética responder a esse problema buscando uma validação para a
primeira premissa. E essa validação existe!
CAPÍTULO III – SÍNTESE: POSSIBILIDADE DE DEUS E, PORTANTO, DA
CRIAÇÃO

Existem diversos pensadores que apontaram as evidências (ou como muitos chamam,
as provas) de Deus. Haja vista que praticamente toda a Filosofia Medieval se debruçou sobre
a relação entre “Fé” e “Razão”, e diversos foram os que, subordinando a primeira à segunda,
ou o contrário, apontaram a possibilidade de se conhecer a partir da Revelação, e, portanto,
crer ou conhecer que tudo é por predeterminação divina. Buscando um texto sucinto, será
abordado aqui apenas um pensador.

Santo Anselmo de Aosta elencou quatro provas a posteriori (1-Parte da existência de


coisas boas para remontar à bondade absoluta; 2- Parte da variedade das grandezas para se
chegar a uma suma grandeza da qual as outras participam, 3- Tudo o que existe é em virtude
de alguma coisa que existe, 4- Há vários graus de perfeição, é necessário que exista uma
perfeição primeira, uma Suma Perfeição) e uma prova a priori, que diz:

Deus é “aquilo do qual nada de maior pode-se pensar” (id quo maius
cogitari nequit). E isso é pensado até pelo ateu e pelo tolo [...], que, no seu coração
diz: “Deus não existe”. Para negar a Deus, ele sabe estar falando de um ser do qual
não é possível pensar nada de maior. Portanto, se o ateu pensa Deus, Deus está em
seu intelecto – caso contrário, não pensaria nem negaria a sua existência. Mas, ao
negar que Deus existe, o ateu quer dizer que Deus não existe fora do seu intelecto,
isto é, na realidade. E aí reside a contradição: se ele pensa que Deus é o ser do qual
nada de maior pode-se pensar e, ao mesmo tempo, nega que Deus exista fora do seu
pensamento, então é induzido a admitir que é possível algo maior do que Deus, algo
que, além de existir no pensamento, exista também na realidade. [...] Em outros
termos: se Deus é o ser em relação ao qual nada pode ser maior, não é possível
considerá-lo como existente no pensamento, mas não na realidade [...] (REALE, p.
496-497).

Acerca desse argumento, algumas linhas após o excerto supracitado, Giovanni Reale
afirma ser algo “ao qual nem mesmo os ateus poderiam resistir”. Novamente, tendo como
válida a existência de Deus, baseado na própria ideia de Deus, toda a teoria criacionista deve
ser tida como plausível. Alinhado a isso, temos o argumento do “Design Inteligente” 1, que diz
que é impossível a complexidade de tudo o que existe seja devido ao acaso. Este último,
porém, não é (amplamente) aceito pela comunidade científica.

Ainda nesse sentido, o Papa Francisco, em discurso (27/10/2014) na Pontifícia


Academia de Ciências, apontou que a teoria do Big Bang e a teoria da Evolução não são
avessas aos relatos bíblicos, chegando a afirmar que “a evolução da natureza não é

1
Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/biologia/design-inteligente.htm>. Acesso em: 27 de março de
2020.
incompatível com a noção de criação [...]” (G1, 2014). E isso não é algo surpreendente, haja
vista que o autor da teoria do Big Bang, Georges Lemaître, era um padre católico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que não é irracional a afirmação “Deus existe”, pode-se dizer
também que tudo existe por criação divina. Assim, em consonância com o pensamento do
padre Lemaître e com a afirmação de sua santidade, o Papa Francisco, pode-se concluir que é
possível, sim, que Deus tenha criado o universo e todos os seres que o povoam. De que
modo? Possivelmente pelo Big Bang e a partir da evolução das espécies. “[...] Para o Senhor
um dia é como mil anos e mil anos como um dia” (Bíblia de Jerusalém, p. 2123).

Ao fim deste trabalho, não se considera uma disparidade entre as teorias


“contrapostas” pela disciplina, mas vê-se uma conciliação entre ambas – considera-se “a Mão
de Deus que guiou e guia todo o processo de origem e evolução do Universo”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGOSTINHO, Santo. Confissões. 23.ed. São Paulo: Paulus, 2011.

ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni. História da filosofia: antiguidade e idade média. 3.ed.
São Paulo: Paulus, 1990. v.1.

BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulinas, 1981.

Brasil Escola. Design Inteligente. Disponível em:


<https://brasilescola.uol.com.br/biologia/design-inteligente.htm>. Acesso em: 27 de março de
2020.

G1. Disponível em: <http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/10/papa-diz-que-big-


bang-e-teoria-da-evolucao-nao-contradizem-lei-crista.html>. Acesso em: 26 de março de
2020.

MONDIN, Battista. Introdução à filosofia: problemas, sistemas, autores, obras.

NIETZSCHE, Friedrich. A gaia ciência. 1.ed. São Paulo: Editora Escala, 2006. Coleção
Grandes Obras do Pensamento Universal. v.45.

RUSSELL, Bertrand. O Conhecimento Humano: sua finalidade e limites. 1.ed. São Paulo:
Editora Nacional, 1958. v.1.

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