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Santo Tomás de Aquino -


Razão a serviço da fé

José Renato Salatiel, Especial para a Página 3


Pedagogia & Comunicação

Deus existe? É possível provar sua


existência? Razão e fé são
incompatíveis? Tais questões foram
centrais na filosofia medieval, que, por
mais de mil anos (aproximadamente,
entre os séculos 2 d.C. e 13 d.C.),
subordinou especulações filosóficas
aos dogmas das escrituras sagradas,
sob o domínio da Igreja Católica.

A partir da Renascença, o período


passou a ser conhecido como Idade
Média, para caracterizar uma era de
"trevas" para a razão, localizada entre o
florescimento da filosofia helenística na
Antiguidade e sua retomada no fim do
século 13. Mas, ao contrário, a Idade
Média foi uma época de consideráveis
avanços em filosofia, principalmente no
campo da lógica, e cujos temas
permanecem atuais.

Podemos destacar dois períodos na


filosofia medieval. O primeiro, a
Patrística (2 a.C. a 7 d.C.), teve como
maior expoente Santo Agostinho (354-
430), o filósofo que adaptou o
pensamento de Platão aos preceitos da
Igreja Católica.

O outro período, a Escolástica (século 8


a 14), assim chamada em razão dos
professores das universidades
medievais, os escolásticos, foi marcada
pela tentativa de conciliação entre razão
e fé. Um dos mais importantes nomes
da filosofia medieval e maior
representante deste período foi Santo
Tomás de Aquino (c.1225-1274).

Aristóteles

Na época de Tomás de Aquino


começaram a ser difundidos na Europa
escritos de Aristóteles (384 a.C. - 322
a.C.), grande parte graças a filósofos
árabes como Averróes e Avicena, que
traduziram e comentaram a obra.

Mas, ao contrário de Platão, cuja


filosofia idealista incluía, por exemplo,
uma noção de alma imortal (e, deste
modo, pôde se adequar mais facilmente
ao cristianismo), o pensamento
aristotélico, com seu caráter mais
científico, representava uma ameaça à
política eclesiástica.

Coube a Tomás de Aquino tornar a


metafísica aristotélica não somente
aceitável para os cânones papais como
também um fino tecido argumentativo
em favor da fé cristã.

Razão e fé

Oposto à Patrística, o pensamento


tomista é construído em bases racionais
e empíricas, separando filosofia de
teologia, apesar de subordinar a
primeira à segunda. Assim, o papel da
razão é demonstrar e ordenar os
mistérios revelados pela fé.

Razão e fé puderam ser, enfim,


harmonizadas, apesar de serem
distintas, mesmo no que diz respeito às
verdades que podem alcançar,
conforme afirma Tomás de Aquino em
"Súmula contra os gentios": Com efeito,
existem a respeito de Deus verdades
que ultrapassam totalmente as
capacidades da razão humana. Uma
delas é, por exemplo, que Deus é trino e
uno. Ao contrário, existem verdades que
podem ser atingidas pela razão: por
exemplo, que Deus existe, que há um
só Deus etc. Estas últimas verdades, os
próprios filósofos as provaram por via
demonstrativa, guiados que eram pelo
lume da razão natural.

P U B L I C I DA D E

Deus existe?

Um exemplo de como o tomismo


emprega a razão a serviço da fé cristã
é o conjunto de argumentos, todos de
cunho empírico, isto é, que se
demonstram por via da experiência,
que provam a existência de Deus. Eles
ficaram conhecidos como as Cinco
Vias que levam a Deus. São elas:

1) Movimento:
Este primeiro argumento parte da
constatação de que as coisas se
movem. Galáxias, planetas, rios,
nuvens, homens, moléculas, tudo
na natureza está em constante
movimento e transformação.

E se existe o movimento, existe


também aquilo que provoca o
movimento. Como um jogador
que chuta uma bola, um raio que
incendeia uma árvore ou a força
gravitacional que mantém corpos
celestes em órbita.

Constata-se, portanto, que este


agente do movimento é externo,
ou seja, nada pode mover a si
próprio, ou ser, ao mesmo tempo,
motor e movido: nenhum carro se
locomove sem algum tipo de
combustível.

Mas este raciocínio conduz a um


absurdo lógico: se todo movido
possui um motor, há uma
sucessão infinita e, não havendo
um primeiro motor, também não
haveria um segundo e assim por
diante. Em resumo, o movimento
seria impossível!

A única forma de explicar o


movimento é conceber Deus
como causa motora primeira, que
não é movida por nenhuma outra.

2) Causalidade:
A segunda via é parecida com a
primeira. Observa-se na natureza
uma ordem segundo uma relação
de causa e efeito. O homem com
o taco de bilhar é a causa; a bola
que entra na caçapa, o efeito.

É impossível algo ser causa e


efeito ao mesmo tempo: a bola
de bilhar não entra sozinha na
caçapa. Contudo, se toda causa
tem um efeito, haveria,
novamente, uma sequência
infinita, a menos que admitamos
uma causa primeira no universo,
que é Deus.

3) Possível e necessário:
As coisas podem ser e não ser.
Todas as pessoas que
conhecemos e nós mesmos não
existimos para sempre. As coisas
nascem, se transformam e
morrem. Em outras palavras,
somos seres contingentes.

Porém, isso nos leva a pensar


que houve um momento em que
nada existia, um instante de puro
nada, que os astrônomos,
atualmente, localizam antes do
"Big Bang", e que deu origem a
tudo que há no universo.

Para que o universo saísse da


mera possibilidade para a
existência é preciso imaginar que
algo tenha provocado isso, caso
contrário o nada persistiria como
nada.

Consequentemente, entre todos


os seres possíveis (que podem
ser e não ser), é razoável
acreditar que haja um que seja
necessário, isto é, não
contingente. Como necessidade
precisa ser causada, retorna-se
ao absurdo das cadeias causais
infinitas do segundo e primeiro
argumentos, a menos que Deus
exista como necessário por si
mesmo.

4) Graus de perfeição:
O quarto argumento é mais fácil
de entender. Diz Tomás de
Aquino: "Encontram-se nas
coisas algo mais ou menos bom,
mais ou menos verdadeiro, mais
ou menos nobre, etc." Por
exemplo, fulano é mais legal que
beltrano, o banco A é mais
confiável que o banco B, etc.

"Ora, mais ou menos se dizem de


coisas diversas conforme elas se
aproximam diferentemente
daquilo que é em si o máximo".
Quer dizer, para afirmar que uma
coisa é mais ou menos em graus
de perfeição, é preciso ter algo
como parâmetro comparativo,
dotado de perfeição absoluta,
como um quente absoluto que
permite dizer que esta água está
muito quente - e aquela, apenas
morna.

Conclui Tomás de Aquino: "Existe


algo que é, para todos os outros
entes, causa de ser, de bondade
e de toda a perfeição: nós o
chamamos Deus".

5) Finalidade:
A quinta e última via trata dos
seres que se movem em uma
direção, que possuem uma
finalidade, o que é facilmente
verificável na vida na Terra, que
progride rumo a maiores níveis
de organização, desde simples
bactérias até modernas
sociedades humanas.

Tomás de Aquino usa como o


exemplo o arqueiro: a flecha só
parte em direção ao alvo porque
existe o arqueiro que mira e
dispara, isto é, porque há uma
inteligência guiando a flecha. O
"arqueiro" do universo, por assim
dizer, é Deus.

Leituras recomendadas A
principal obra de Tomás de
Aquino é Suma Teológica (Ed.
Loyola), onde são expostas as
"Cinco vias". Já o primeiro
romance de Umberto Eco, O
Nome da Rosa (Nova Fronteira),
fornece um interessante contexto
da época.

P U B L I C I DA D E

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