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Resumos de Filosofia

A filosofia da religião constitui o exame crítico dos conceitos religiosos fundamentais e das
crenças religiosas fundamentais.

Teísmo- Doutrina filosófica que afirma a existência de um Deus pessoal, único,


transcendente, sumamente bom, criador e governador do mundo (mas distinto e independente
deste), omnipotente, omnisciente, eterno, autoexistente, etc., defendendo que é possível
provar racionalmente a sua existência.

Deísmo- Deus é criador mas não intervém nem se importa com a criação.

Panteísmo- Deus não é distinto do mundo e manifesta-se no mundo.

Ateísmo- O Deus teísta não existe. (Neste sentido, o ateísmo opõe-se ao teísmo).

Agnosticismo- A razão humana é incapaz de justificar a crença de que Deus teísta existe ou
a crença de que ele não existe.

Argumentos sobre a existência de Deus


 Argumento cosmológico

Também é conhecido por argumento da primeira causa ou argumento causal. Trata-se de um


argumento a posteriori já que parte de informação acerca de como o mundo funciona. Por
isso podemos dizer que é um argumento empírico.

Uma vez que sabemos que o Universo existe, podemos presumir que toda uma série de
causas e efeitos o produziu tal como ele é hoje. Se seguirmos essa série retrospetivamente,
encontraremos uma causa original, uma causa primeira, a que está na origem de todas as
causas e de todos os efeitos posteriores. Essa causa primeira é Deus.

Este argumento pressupõem que a cadeia causal não pode recuar indefinidamente: teremos de
chegar a uma causa primeira, que origina toda a cadeia causal.

O argumento de Tomás de Aquino pode ser assim apresentado:

1. Tudo o que existe no mundo tem de ter uma causa (a posteriori)

2. Se tudo tem uma causa então segue-se que o universo também tem de ter uma causa, dado
que o universo é algo que existe

3. Mas não há uma cadeia causal que regride infinitamente

4. Se a cadeia causal não regride infinitamente, então tem de existir uma primeira causa

5. Logo, existe uma primeira causa (que não é causada) à qual chamamos Deus.
Críticas ao argumento cosmológico

 A principal premissa do argumento – a de que todas as coisas são causadas por uma
outra coisa – assenta na nossa experiência de como as coisas são neste mundo ou no
Universo. Todavia, o argumento pede-nos que estendamos tal ideia àquilo que terá
feito existir o Universo. Ora isso é algo que está fora da nossa experiência, visto que
está fora do Universo. A nossa experiência não pode de todo esclarecer isso.
 Este argumento envolve uma autocontradição: defende, ao mesmo tempo, que 1)
todas as coisas foram causadas por qualquer outra coisa, não havendo causa que não
tenha sido causada, e que 2) existe uma causa que não foi causada por outra coisa:
Deus. A principal premissa do argumento contradiz, assim, a sua conclusão. Podemos
então ser levados a perguntar: “E o que causou Deus?” Alguns filósofos dizem que
Deus é causa de si mesmo (causa sui), mas a ideia de algo ser causa de si mesmo, no
sentido de se gerar a si próprio, parece bastante obscura. Se se objetar que tudo,
exceto Deus, tem uma causa, e admitindo que a cadeia de causas tem de parar algures,
podemos perguntar por que razão esse algo incausado é Deus e não o próprio
Universo.
 Este argumento pressupõem que não há uma regressão infinita na série de causas e
efeitos. No entanto, da mesma maneira que é possível existir uma cadeia infinita de
causas e efeitos que necessitaria de uma causa primeira para substituir, é igualmente
possível existir uma cadeia infinita de causas e efeitos que substituía sem necessidade
de uma primeira causa. As cadeias de causas e efeitos podem regredir e estender-se
infinitamente.
 Ainda que este argumento nos possa convencer na existência de um deus, encarado
como causa primeira, existem sérios limites ao que pode ser concluído a partir de tal
argumento, não havendo razões para pensar que estejamos perante um Deus teísta. A
primeira causa é certamente muito poderosa, mas o argumento não garante que seja
um deus todo-poderoso ou omnipotente (a causa originária pode, inclusive, consistir
numa equipe de seres). Em segundo lugar, este argumento também não apresenta
nenhuma boa razão para aceitar a existência de um deus omnisciente e sumamente
bom. Isto porque uma primeira causa não tem necessariamente de ter esses atributos.
Finalmente, quem propõem este argumento fica ainda como problema de saber como
pode uma divindade omnisciente, omnipotente e sumamente boa tolerar o mal que
existe no mundo.

 Argumento teleológico

O argumento teleológico, a que também se chama argumento do desígnio, é um argumento à


posteriori que parte do nosso sentimento de assombro pelo facto de muitas coisas no mundo
manifestarem ordem e desígnio (isto é, propósito ou finalidade).

Diferença com o argumento cosmológico:

Ao passo que o cosmológico quer justificar a origem, o teleológico pretende justificar a


finalidade ou desígnio.

Se considerarmos o olho humano, por exemplo, constatamos que ele é feito de partes que
funcionam conjuntamente de formas intrincadas e complexas. Essas partes adaptam-se entre
si e cada uma delas está judiciosamente adaptada àquilo para que aparentemente foi feita, ou
seja, para assegurar a visão.

Perante este cenário, podemos perguntar se tudo isto terá surgido por acaso ou se foi, pelo
contrário, obra de um criador inteligente.

Os proponentes do argumento teleológico sustentam que tudo é obra de um criador


inteligente. Uma das versões do argumento teleológico é o argumento da negação do acaso,
que pode ser assim formulado:

Ou as maravilhas da natureza ocorreram aleatoriamente, por acaso, ou são o produto de um


desígnio inteligente.
As maravilhas da natureza não ocorreram por acaso.
Logo, elas são o produto de um desígnio inteligente.

William Paley, que usou o argumento teleológico, comparou o Universo a um relógio e


afirmou que toda a manifestação de desígnio existente num relógio também existe no
funcionamento da natureza. Trata-se de um argumento por analogia, que pode ser assim
resumido:

Inferimos corretamente que um relógio foi feito por um criador inteligente, porque ele tem
partes que funcionam conjuntamente ao serviço de um propósito ou finalidade.

O Universo também é composto de partes que funcionam conjuntamente ao serviço de um


propósito ou finalidade.
Logo, o Universo foi feito por um criador inteligente (Deus).

Na Suma Teológica, Tomás de Aquino apresentou também uma versão do argumento


teleológico:

Há coisas destituídas de conhecimento que tendem para um fim.


Se não há um ser cognoscente e inteligente que dirige para um fim de coisas naturais, então
não há coisas destituídas de conhecimento que tendam para um fim. Logo,
há um ser cognoscente e inteligente que dirige para um fim as coisas naturais (esse ser é
Deus).

Nenhuma entidade desprovida de inteligência atua, de modo consciente e por si mesma,


tendo em vista determinada finalidade, pelo que tem de existir alguma entidade inteligente e
cognoscente que a dirija, tal como uma flecha não pode dirigir-se ao alvo e atingi-lo se não
for por iniciativa e intenção de um arqueiro inteligente.

A entidade que dirige essas entidades desprovidas de inteligência terá de ser dotada de
inteligência e conhecimento. Logo, existe um ser inteligente e cognoscente pelo qual todas as
coisas naturais são dirigidas e orientadas para um fim. Esse ser é Deus.
Críticas ao argumento teleológico

 O argumento teleológico perde a sua força quando confrontado com a teoria da


evolução por seleção natural. Pelo processo de seleção natural, os organismos mais
aptos são selecionados, sobrevivem no meio, reproduzem-se e transmitem as suas
características aos descendentes. Este processo explica como as maravilhosas
adaptações ao meio ambiente podem ter ocorrido. Sem refutar a existência de Deus, a
teoria da evolução acaba, no entanto, por enfraquecer o argumento teleológico, uma
vez que apresenta uma explicação alternativa: explica os mesmos efeitos sem
mencionar Deus como causa. Esta teoria impede que o argumento teleológico surja
como demonstração conclusiva da existência de Deus.
 O argumento teleológico, ainda que posso demonstrar a existência e a necessidade de
um criador inteligente, não prova que ele seja único - pode tratar-se de uma equipa de
deuses, todos eles finitos e imperfeitos, tal como só uma equipa de seres humanos é
capaz de construir uma nave espacial - nem prova que se trata de um arquiteto
omnipotente e perfeito - poderá argumentar-se que o Universo apresenta “erros na
conceção” ou “defeitos de fabrico”, visíveis, por exemplo, em organismos imperfeitos
ou doentes – nem sequer prova que o criador seja omnisciente e sumamente bom –
contraria essa ideia a existência do mal no mundo, sendo que, aparentemente, Deus
não fez nada para o impedir. Em suma, esse eventual criador não é necessariamente o
Deus teísta. O argumento teleológico apenas pode oferecer-nos, quando muito, uma
conclusão bastante limitada: a de que o mundo foi concebido por algo ou alguém.

 Argumento ontológico

Ao contrário dos argumentos anteriores, o argumento ontológico expressa a tentativa de


demonstrar a existência de Deus de um modo inteiramente a priori, portanto, sem recurso à
experiência ou a dados empíricos. Este argumento começa com um conceito de Deus e,
recorrendo apenas a princípios a priori (à razão) procura provar que Deus efetivamente existe
ou seja, isso significa que não é preciso olhar para o mundo para compreender a existência de
Deus.

Há diferentes versões deste argumento, uma das versões foi apresentado por Anselmo de
Cantuária.

Suponhamos que alguém diz que o Minotauro não existe. Como para negar inteligivelmente a
existência de algo é preciso ter esse algo em mente, segue-se, de acordo com Anselmo, que,
se alguém diz que algo não existe, esse algo existe no seu entendimento. Assim, dizer que o
Minotauro não existe equivale a afirmar que o Minotauro existe no entendimento, mas não na
realidade – ou seja, que ele existe apenas no entendimento.

Ao dizer que Deus é “alguma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado”, Anselmo
está a considerar que Deus possui todas as qualidades num máximo grau de grandiosidade ou
perfeição. Deus não tem limitações nem imperfeições: é perfeito no conhecimento, no poder,
na bondade e em tudo o que possamos imaginar. Ora, é mais grandioso ou perfeito existir (na
realidade) do que não existir (ou existir apenas no entendimento). Deste modo, a existência
constitui um dos aspetos da grandiosidade ou perfeição de Deus (um ser perfeito não seria
perfeito se não existisse). Daqui se conclui que Deus existe na realidade.
Podemos agora resumir o argumento de Anselmo da seguinte forma:

Deus é um ser maior do que o qual nada pode ser pensado ou concebido.
Deus existe no entendimento (visto que compreendemos o conceito de Deus).
Um ser que existe no entendimento e na realidade é maior do que um ser que existe apenas no
entendimento. Se Deus existe
apenas no entendimento, então podemos conceber algo maior do que Deus. Mas não
podemos conceber algo maior do que Deus (é contraditório supor que podemos conceber um
ser maior do que o ser maior do que o qual nada pode ser concebido). Logo, Deus
existe tanto no entendimento como na realidade.

Críticas ao argumento ontológico

 Se considerarmos a série dos números naturais, constatamos que qualquer número,


por maior que seja, é tal que podemos sempre pensar noutro número ainda maior.
Logo, não existe o número natural maior do que o qual nenhum outro pode ser
pensado. Talvez também não exista o ser maior do que o qual nenhum outro pode ser
pensado. Talvez seja possível, independentemente da grandiosidade de um ser, pensar
noutro mais grandioso Deus, se existe, possivelmente não é o ser maior do que o qual
nenhum outro pode ser pensado. Talvez Anselmo apresente uma definição incoerente
de Deus.
 Este argumento pode conduzir a consequências absurdas, como a de se concluir que
uma ilha perfeita, isto é, a ilha mais excelente ou grandiosa do que a qual nenhuma se
pode conceber, existe a partir do momento em que a imaginamos ou pensamos nela.
 A objeção mais famosa ao argumento ontológico foi formulada por Kant. De acordo
com esta objeção, o erro do argumento é o pressuposto de que a existência é uma
propriedade, qualidade ou um predicado que se possa atribuir a alguma coisa.
Segundo Kant, a existência não é um predicado que possamos atribuir ou negar a
algo, como o poderão ser a omnipotência ou a omnisciência. A existência é apenas a
condição de possibilidade para que alguma coisa possa realmente ter uma propriedade
qualquer. Se a existência não for um predicado, então Deus, um ser maior do que o
qual nada pode ser pensado, não é maior no caso de existir do que no caso de não
existir.
 Mesmo que o argumento ontológico seja aceite, a existência do mal no mundo parece
opor-se à ideia de que Deus é sumamente bom.

O fideísmo de Pascal
O fideísmo é uma doutrina que sustenta a incapacidade da razão humana para alcançar
determinadas verdades, considerando ser necessário a introdução da fé. Admitindo a
existência de verdades de fé, e a supremacia da fé relativamente à razão, os fideístas
defendem que tais verdades possuem um valor igual ou superior ao das verdades obtidas pela
ciência e pela razão.

Fideísmo radical - a fé vai para além da razão e é contraditória em relação a ela.

Fideísmo moderado - a fé vai par além da razão, mas não está em contradição com ela.
Um dos autores que defendeu a perspetiva fideísta, neste caso, um fideísmo moderado, foi o
filósofo Blaise Pascal. Pascal considera que a fé pode ser racional na ausência de provas.

Racionalidade prudencial - Está ligada àquilo que é do nosso interesse ou à obtenção de


benefícios práticos.

Racionalidade epistémica - Está estritamente ligada à evidência ou à obtenção de crenças


precisas sobre o mundo.

Assim a fé é racional num sentido prudencial, não num sentido epistémico. Pascal procura
fornecer razões prudenciais para acreditar em Deus. Em seu entender, devemos acreditar em
deus não porque haja boas provas da sua existência, mas por causa dos benefícios, vantagens
ou recompensas que tal crença nos pode trazer se vier a revelar-se verdadeira. Neste sentido,
a crença de que Deus existe não precisa de provas para ser apropriada.

Na sua defesa da fé, Pascal tinha a convicção de que a crença em Deus não pode ser
sustentada por meio dos argumentos tradicionais. A própria natureza de Deus - um ser
infinitamente incompreensível - torna esses argumentos necessariamente inadequados.

Pascal apresentou o chamado argumento de apostador ou aposta de Pascal. Trata-se de um


argumento que não procura demonstrar a existência de Deus, mas mostrar que um apostador
sensato deverá “apostar” nessa existência.

Não podemos resolver o problema de saber se Deus existe ou não com base apenas na razão:
as provas da existência de Deus, tal como as provas da sua não existência, não são
conclusivas.

Poeremos então pensar que o mais seguro e racional será recusar tomar uma posição, ou seja,
permanecer agnóstico. Porém, Pascal argumenta que isso não é possível: não escolher
acreditar é equivalente a escolher não acreditar.

O que temos, pois, a ganhar ou a perder se apostarmos em Deus? E o que temos a ganhar ou a
perder se apostarmos contra Deus? Quais os benefícios e custos de cada opção?

Se optarmos por acreditar que Deus existe e tivermos razão, ganhamos a felicidade eterna; se
nos enganarmos é pouco o que perdemos.

Se optarmos por não acreditar que Deus existe e tivermos razão, não perdemos nada, mas o
que ganhamos não é significativo. Se, todavia, estivermos enganados, as nossas perdas serão
imensas: na melhor das hipóteses perdemos a felicidade eterna; na pior, seremos condenados
para sempre.

Assim, colocados perante estas opções, e se queremos maximizar os ganhos possíveis e


minimizar as perdas possíveis, o curso de ação mais racional será acreditar que Deus existe.
A aposta de Pascal é, assim, a atitude de apostar na crença, por ser esta a mais vantajosa e a
melhor, em termos de previsíveis consequências práticas.
Críticas ao argumento do apostador

 O argumento de Pascal parece pressupor a perspetiva de que a crença em Deus está


sujeita à vontade. De acordo com os críticos, não podemos simplesmente decidir
acreditar que Deus existe, tal como não podemos decidir acreditar que os peixes
voam. A crença em Deus não está sob o controlo voluntário direto da pessoa. Para
poder acreditar em algo é necessário estar convencido de que isso é verdade. Ora, o
argumento do apostador não fornece quaisquer dados que levem a pessoa a ficar
convencida de que Deus existe, limitando-se a dizer que é boa ideia passar a acreditar
que isso é verdade. No entanto, Pascal antecipou esta objeção, e sugeriu que o que há
a fazer para acreditar que Deus existe, quando isso vai contra os nossos sentimentos, é
agir como se já acreditássemos, através da adoção de comportamentos religiosos:
assistir á missa, rezar, etc. Seria uma forma indireta de gerar deliberadamente uma
crença genuína e sincera.
 Este argumento é inapropriado. Apostar na existência de Deus para ganhar a hipótese
da obtenção da vida eterna, fingindo depois crer na sua existência por causa do
prémio que iremos ganhar se tivermos razão, parece constituir uma atitude
inapropriada relativamente à existência de Deus. Uma crença religiosa baseada em
mero cálculo afigura-se totalmente insincera, interesseira e egoísta.
 Este argumento parece pressupor algo que o próprio fideísmo de Pascal nega. Se Deus
é incompreensível para a razão humana, então não é suposto conhecermos o que lhe
agrada ou desagrada, nem quais as suas atitudes em relação a crentes e a descrentes.

O problema do mal
Quando admitidos a existência do Deus teísta: um Deus criador, sumamente bom,
omnipotente, omnisciente e com total domínio e controlo sobre o mundo. Como é que Deus,
tendo esses atributos, pode ter criado um mundo que contenha uma abundância de mal tão
vasta como aquele em que vivemos?

Mal moral - é o mal causado pelos seres humanos, através de ações mais ao menos
deliberadas (como assassínios, guerras, roubos e mentiras), traduzindo-se no sofrimento de
outros seres humanos e também animais.

Mal natural - é o mal resultante de forças e causas naturais ou de fatores externos ao


controlo humano (como terramotos, cheias, fomes e doenças), ainda que ele possa ser
aumentado pela ação negligente ou incompetente do ser humano.

Feita esta distinção, é relevante estabelecer a distinção entre duas versões do problema do
mal

Versão lógica - perspetiva de que a existência de mal no mundo é logicamente inconsciente


com a existência do Deus teísta.

Versão indiciária - perspetiva de que a diversidade e a abundância de mal no mundo dão


uma sustentação racional à crença de que o Deus teísta não existe (ateísmo).
A versão lógica do problema do mal implica a inconsistência interna do teísmo, já que o
teísta aceita duas afirmações que os defensores da versão lógica do problema sustentam que
são logicamente inconsistentes entre si:

1. Deus existe e é omnipotente, omnisciente e sumamente bom.


2. O mal existe.

Uma vez que dificilmente podemos negar a existência de mal no mundo, parece que temos
que rejeitar a crença no Deus teísta.

Se Deus existe, então o mal não existe. O


mal existe.
Logo, Deus não existe.

Exposto o problema lógico do mal, passemos agora ao problema indiciário. Será que a
diversidade e a abundância de mal no mundo nos dão uma base racional para acreditar na
inexistência de o Deus teísta?

Se o sofrimento intenso conduzir a algum bem superior, um bem que não se poderá obter sem
esse sofrimento, poderemos concluir que tal sofrimento é justificado, embora continue a ser
um mal. Existem, no entanto, casos de sofrimento intenso que, aparentemente, não conduzem
a qualquer bem.

O argumento indiciário poderá formular-se da seguinte maneira:

Provavelmente, há males sem sentido (por exemplo, o sofrimento do corço).


Se Deus existe, não há males sem sentido. Logo,
provavelmente, Deus não existe.

O argumento de Leibniz
Leibniz criou o termo teodiceia, para designar a investigação destinada a explicar a existência
do mal e justificar a bondade de Deus. Uma teodiceia é, assim, uma tentativa de defender a
bondade, a santidade e a justiça de Deus, mostrando que elas são compatíveis com o mal.
Assim admite-se que o mal está integrado nos desígnios de Deus.

Leibniz aceita a existência do Deus teísta, considerando-o um ser absolutamente perfeito.

Segundo Leibniz, Deus escolheu e criou, de entre infinitos mundos possíveis, o melhor de
todos. Porque é omnipotente, pôde criá-lo; porque é omnisciente, conheceu-o e soube como
criá-lo; porque é sumamente bom, escolheu-o e quis criá-lo.

Há, portanto, um número infinito de mundos possíveis nas ideias de Deus, mas apenas um
veio à existência. Deus, que podia realizar uma infinidade de mundos possíveis, realizou o
melhor dos mundos. “Melhor” significa, neste contexto, “o mais perfeito possível”.
Qual é, então, a razão suficiente para que Deus tivesse criado este mundo? Deus criou este
mundo, e não um outro diferente, porque este é melhor de todos os mundos possíveis.
Qualquer outro mundo seria inconsistente com a perfeição de Deus.

Além disso, Leibniz considera que no melhor dos mundos existem males, mas que não há
nele males gratuitos.

Este filósofo divide o mal em três tipos: o mal metafísico, que consiste na mera imperfeição,
o mal físico, que consiste no sofrimento, e o mal moral, que consiste no pecado.

O mal metafísico - que Leibniz viu como a derradeira fonte da qual derivam os outros males -
consiste na imperfeição das coisas criadas, dotadas ou não de inteligência. O facto de as
coisas terem sido criadas determina-lhes limites. Apenas Deus é infinito, perfeito e completo.
Leibniz defende que Deus não poderia dar tudo à criatura sem fazer dela um Deus. Por isso,
deve haver diferentes graus na perfeição das coisas e limitações de todo o tipo.

Em relação ao mal físico, Deus quer esse mal muitas vezes como uma pena (castigo ou
punição) decorrente da culpa, e também para prevenir males maiores ou obter maiores bens.
Além disso, o mal físico serve frequentemente para melhor saborear ou apreciar o bem e, por
vezes, contribui para uma maior perfeição daquele que o sofre.

Quando ao mal moral, podemos dizer que Deus permite o pecado, mas não é responsável por
ele. O mal moral é originado pelo exercício do livre-arbítrio. Para Leibniz, é preferível um
mundo onde haja criaturas com livre-arbítrio, apesar do mal que daí possa resultar, do que um
mundo sem mal moral nem livre-arbítrio.

O mal moral, o mal físico e o mal metafísico fazem, portanto, parte da ordem do mundo. A
ocorrência de certos males no mundo pode ser necessária para se obterem bens maiores, que
superam esses males. Num exemplo apresentado por Leibniz, um general do exército
preferirá uma grande vitória com uma lesão leve do que uma situação sem lesão e sem
vitória. Uma imperfeição na parte pode ser necessária para a perfeição no todo.

Não existem males gratuitos, os males que nos parecem gratuitos (como o sofrimento do
corço) não o são efetivamente. Trata-se, antes, de componentes fundamentais de bens
maiores que Deus criou.

Podemos então sintetizar o argumento de Leibniz da seguinte forma:

Deus criou, de entre infinitos mundos possíveis, o melhor de todos.


No melhor de todos os mundos possíveis existem males, mas não males gratuitos.
Logo, Deus permite o mal, não existindo males gratuitos.

Críticas ao argumento de Leibniz

 É discutível a ideia de que o mal físico é um castigo pelo mal moral. De facto - pelo
menos se apenas considerarmos esta vida que vivemos -, nem todos os seres humanos
são castigados pelos males que praticaram. Além disso, o mal físico atinge tanto as
pessoas perversas como as pessoas virtuosas e, muitas vezes, mais estas do que
aquelas.
 Admitindo que temos efetivamente livre-arbítrio, podemos pôr em causa a ideia de
que um mundo com livre-arbítrio e a possibilidade do mal moral é preferível a um
mundo sem livre-arbítrio nem más ações. Com efeito, o sofrimento decorrente da
maldade humana pode ser tao terrível que muitas pessoas preferiam, em vez de ter de
passar por tal sofrimento, que toda a gente tivesse sido pré-programada para só
praticar o bem. Deus poderia, inclusive, ter criado estes seres pré-programados de tal
modo que eles acreditassem possuir livre-arbítrio e, assim, usufruíssem de todos os
benefícios que essa crença lhes traria, sem terem nenhuma das desvantagens.
 A resposta de Leibniz ao problema do mal parece ser arbitrária. Perante a existência
de males aparentemente gratuitos (como casos de sofrimento extremo), Leibniz
limitar-se-á a dizer que esses males são componentes fundamentais de bens maiores
que Deus criou – e que não sabemos que bens são esses porque somos limitados. No
entanto, surge aqui uma dificuldade muito séria: se somos limitados para saber que
bens maiores são esses que superam e dão sentido aos males aparentemente gratuitos,
também somos limitados para saber, por exemplo, se Deus existe ou não, ou para
saber se, existindo, ele criou o melhor dos mundos.

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