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Ensaio Filosófico: A inexistência de Deus

O problema apresentado neste ensaio está para além de complexo, incitando a séculos de
debate. Desde as mais imemoriais comunidades nómadas humanas, nos perguntamos sobre a
existência de um outro ser, uma entidade sempiterna, intangível, etérea, excelsa, e que é merecedora
da subjugação da única espécie dotada de inteligência e senso crítico conhecida. Os mais variados
raciocínios, pensamentos e respostas foram formuladas para tentar saciar a insaciável fome do saber
humano. Não obstante, a questão se resume apenas a duas únicas de palavras: “Deus existe?”

Antes de começar o debate é sempre relevante analisar a sua importância, contudo, neste
caso, penso que serão considerações desnecessárias. É essencial para a metamorfose social esta
discussão, porquanto, outrossim livros, debates e conhecimentos foram partilhados, guerras
grotescas, conflitos intermináveis, ditaduras, censura, e o culto à ignorância atormentam com a
humanidade tendo por base a religião e Deus. Diante disso não é só importante argumentar sobre
esta temática como também é necessário para a nossa evolução como civilização.

A generalidade das teorias acerta desta questão podem ser divididas em um par de
abrangentes grupos: as que afirmam que Deus existe e as que negam a sua existência. Uma nota
importante de salientar antes do início da parte argumentativa do ensaio é a questão dirigir-se a um
Deus teísta, distinguindo-se de uma filosofia panteísta, que afirma que Deus e o mundo são a
mesma realidade, formando uma unidade, isto é Deus é interior ou imanente ao mundo e não se
distingue dele. Diferencia-se também de uma filosofia deísta, que afirma que Deus criou o Universo
e as leis da natureza, mas não intervém no mundo. A tese teísta procura uma diferente definição
para Deus. O teísmo, então, trata-se de uma doutrina filosófica que afirma a existência de um Deus
pessoal, único, transcendente, sumamente bom, criador, governador do mundo (mas distinto e
independente deste), omnipotente, omnisciente, eterno e auto-existente, defendendo que é possível
provar racionalmente a sua existência.

As teorias a favor da existência de Deus apresentam diversos argumentos que se dividem em


argumentos a priori e argumentos a posteriori, por outras palavras tratam-se de um grupo que se
distingue por possuir argumentos que assentem em premissas que podem ser conhecidas
independentemente da experiência. «Todas as suas premissas básicas são a priori». O outro grupo
de argumentos depende de pelo menos de uma premissa que só pode ser conhecida através da
experiência. «Pelo menos uma das premissas básicas é uma proposição a posteriori».

O primeiro argumento a favor da existência de Deus que irei explorar neste ensaio é o
argumento ontológico. Este é um argumento a priori usado por vários filósofos, porém irei analisar
a versão de Anselmo de Cantuária na sua obra Proslogion. Algo importante de discernir antes de
adentrar neste argumento é a diferença entre a existência no pensamento e de existência na
realidade, sendo o primeiro a existência efetiva no mundo real e o segundo a existência no nosso
entendimento (algo pode existir em ambos, apenas num ou em nenhum dos domínios). O argumento
de Anselmo resume-se em: Deus é um ser maior do que o qual nada pode ser pensado ou concebido.
Deus existe no entendimento (visto que entendemos o conceito de Deus). Um ser que exista em
ambos os domínios (real e imaginário) é superior a um ser que apenas exista em um. Se Deus existe
só no entendimento então podemos conceber algo maior do que Ele (redução ao absurdo). Não
podemos conceber algo maior do que Deus (geraria uma contradição lógica). Logo, Deus existe.

Apesar de válido este argumento possui diversas críticas tais como: uma definição
incoerente de Deus, pois, tais como nos números naturais podemos sempre imaginar um número
superior a outro, portanto seria possível, independentemente da grandiosidade de um ser pensar em
outro mais grandioso. Outra crítica é uma objeção feita por Gaunilo de Marmoutier que afirma que
o argumento de Anselmo leva a consequências absurdas usando o exemplo de uma ilha perfeita,
pois segundo o raciocínio de Anselmo, se imaginarmos uma ilha perfeita ela teria de
necessariamente existir. A terceira crítica vem de Kant que vem dizer que o argumento formulado
coloca a existência como uma propriedade ou qualidade, sendo que a existência se trata de uma
característica inerte, ou seja da condição de possibilidade para que algo possa ter qualquer outra
propriedade.

O segundo argumento a favor da existência de Deus é o argumento cosmológico. Um


argumento a posteriori formulado por Tomás Aquino. Neste argumento observamos uma
recorrência a uma cadeia causa-efeito. O argumento pode ser resumido como: Todos os
acontecimentos e coisas no mundo são causados por algo e nada é causa eficiente de si mesmo. As
causas são anteriores aos efeitos. Ou a série de causas eficientes (a cadeia causal) regride
infinitamente, ou existe uma causa eficiente primeira. A série de causas eficientes não regride
infinitamente. Logo existe uma causa eficiente primeira- a que chamamos Deus.

Vejamos agora as principais criticas formuladas a este argumento. A primeira crítica assenta
na 1º premissa do argumento, todavia, pede-nos para estender tal ideia àquilo que terá causado o
Universo, e isso está fora da nossa experiência. A segunda crítica afirma que este argumento possui
uma auto-contradição pois ao mesmo tempo que afirma que tudo tem uma causa, trata Deus como a
causa de si mesmo (causa sui), mas podemo-nos perguntar do porquê Deus ser a causa de si mesmo
e não o próprio Universo. A terceira crítica expõem uma possibilidade de uma regressão infinita,
afirmando que as cadeias de causas se estenderiam infinitamente não havendo uma causa primeira.
A última crítica é a de que não necessariamente a primeira causa tenha as características do Deus
teísta, portanto apesar de este argumento tentar comprovar uma causa primeira não prova que essa
mesma causa seria Deus.

O último argumento que vou explorar é o argumento teleológico, outro argumento a


posteriori que vem afirmar a existência de Deus pelo seguinte motivo: Inferimos corretamente que
um relógio foi feito por um criador inteligente, porque ele tem partes que funcionam conjuntamente
ao serviço de um propósito ou finalidade. O Universo também é composto de partes que funcionam
conjuntamente ao serviço de um propósito ou finalidade. Logo o Universo foi feito por um criador
inteligente- Deus. Esta é uma analogia feita por William Paley.

Contudo a teoria da evolução de Darwin vem retirar força a este argumento quando se
verifica que esta teoria explica os mesmos efeitos mas sem mencionar Deus como causa ou seja
torna o argumento teleológico inconclusivo. Outra crítica lançada a este argumento é facto de este
não provar que esse mesmo criador fosse Deus, poderia, por exemplo, ser uma equipa de deuses
finitos e imperfeitos, Além do visto também não prova as propriedades do Deus teísta pois são
visíveis “erros de fabrico” no Universo como organismos doentes, catástrofes e sofrimento.

Dadas estas objeções considero os argumentos a favor da existência de Deus fracos, portanto
irei agora explorar os argumentos que defendem a inexistência de Deus, a tese do meu trabalho

“Gott ist tot” (Deus está morto) é presumivelmente a citação mais conhecida do filósofo
alemão Friedrich Nietzsche, citação esta que expõem de forma sucinta o pensamento deste, como de
outros filósofos iluministas.

“Deus está morto. Deus permanece morto. E nós o matamos. Como devemos consolar, os
assassinos de todos os assassinos? O que foi mais sagrado e mais poderoso que tudo o que o mundo
já possuiu e sangrou até a morte sob nossas facas: quem vai limpar esse sangue de nós? Que água
existe para nos limparmos? Que festivais de expiação, que jogos sagrados teremos de inventar? Não
é a grandeza deste feito grande demais para nós? Não nos devemos tornar deuses simplesmente para
parecer dignos disso?” (Nietzsche, F. A Gaia da Ciência, 1882). Neste parágrafo Nietzsche explora
esse mesmo raciocínio, alegando que, como consequência do Iluminismo e todo o progresso,
evolução e desenvolvimento das comunidades europeias, a centralidade que Deus possuía na
civilização, que se estendia deste do Império Romano posterior, não tinha nexo.

Neste ensaio vou dar continuação a este trabalho, também como conferir-lhe contornos
contemporâneos. Surge então o problema do mal. O problema do mal expõem a contradição entre a
definição de Deus teísta e a existência de mal no mundo. Para clarificar o tratamento deste
problema dividem-se na sua versão lógica e na sua versão indiciária. A versão lógica diz que se
Deus existe, então o mal não existe. O mal existe. Logo Deus não existe (modus tollens). Porém os
males que existem podem ser logicamente necessários à ocorrência de bens que o superem, assim a
versão lógica deste problema não se mostra obstáculo para a existência do Deus teísta. Passamos
agora à sua versão indiciária: provavelmente, há males sem sentido. Se Deus existe, não há males
sem sentido. Logo Deus provavelmente não existe.

Uma crítica apresentada a esta tese contra a existência de Deus é o argumento de Leibniz
que classifica o mal em três categorias (moral, metafísico e físico). O mal moral é o pecado e
crimes, o mal físicos é o oposto do bem estar, incluí sofrimento, dor, e desprazer. Por fim o mal
metafísico é a imperfeição de todas as coisas criadas apenas em virtude de terem sido criadas,
causando os outros dois tipos de males. Estes três tipos de males, portanto, fazem parte da ordem do
mundo e a sua ocorrência é necessária para se obterem bens superiores. E Deus, sendo perfeito,
dentre de todas as infinitas possibilidades de universos possíveis, escolheu o mais perfeito.
Inferimos que estes males são partes no conjunto harmonioso do melhor mundo. Logo não há males
sem sentido.

Porém este contra-argumento possui algumas falhas, o que me leva a acreditar que a versão
indiciária do problema do mal prevaleça. É discutível a relação entre o mal físico e o mal moral pois
nem todos os seres humanos são castigados pelo que praticam. Além disso o sofrimento causado
pelo livre arbítrio torna preferível a possibilidade de um mundo determinista, em que toda a
população fosse pré-programada e em que esse sofrimento cessasse. Por último a resposta dada por
Leibniz parece formulada de forma arbitrária, pois perante a existência de males aparentemente sem
sentido este pensador limita-se a dizer que esses mesmos males são componentes fundamentais de
bens maiores que Deus criou e que nós, sendo limitados não sabemos que bens são esses. No
entanto surge uma questão muito séria aqui, se somos limitados para saber quais são esses bens
maiores, somos, de igual forma, limitados para saber por exemplo se Deus existe, ou não.

Outro argumento que defendo nesta tese é o argumento do livre-arbítrio que explora a
possibilidade do livre-arbítrio sobre a suposição de que Deus existe. Sendo Deus omnisciente é
capaz de prever todo o futuro, no entanto, toda a informação que ele possui são as condições iniciais
de todas as partículas do Universo e todas as formas de como estas podem interagir. Isso é apenas
possível em um sistema determinista visto que possuindo as condições iniciais desse sistema
podemos deduzir o estado final do mesmo. Assim concluímos que, se Deus existir, implicamos a
existência de um universo determinista. Sendo o universo determinista não temos livre arbítrio. E
isto leva ao problema do inferno. O problema do inferno questiona o porquê de um ser benevolente
como Deus nos castigar de forma eterna no inferno por falhas cometidas numa vida finita na qual
não controlamos as nossas ações.

«Deus não está morto, muito francamente vai para além disso. Deus não pode morrer caso ele
nunca tenha existido, o que se verifica.»

Dou, por fim, concluído o meu ensaio filosófico sobre a inexistência de Deus.

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