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Há ou não oxigénio na atmosfera de Marte? Como não temos provas suficientes, suspendemos
o juízo.
Será que devemos fazer o mesmo quanto à existência de Deus? Há pessoas que entendem que
a existência de Deus é uma questão de fé. Não se trata de decidir com base em provas e
argumentos. Considere-se, por exemplo, o que acontece se tentarmos ouvir as cores. A audição
não é o meio adequado para tal. Contudo, isso não significa que devemos abandonar a nossa
crença nas cores.
Outro grupo de pessoas acha possível argumentar racionalmente a favor da existência de Deus,
defendendo o conceito teísta e monoteísta de Deus, uma entidade divina responsável pela
criação do universo e de todas as coisas nele existentes.
O teísmo é a teoria geral que considera que existe um Deus pessoal e perfeito que governa o
mundo e se revela aos seres humanos. Ora, apesar de lhe darem diferentes nomes, tanto o
cristianismo, como o judaísmo, ou o islamismo (as chamadas religiões do livro, Bíblia, Tora e
Alcorão, respetivamente), defendem a natureza teísta de Deus, ao atribuírem-lhe as seguintes
caraterísticas: omnipotência (pode fazer tudo), omnisciência (sabe tudo), omnipresença (está
em todo o lado), eternidade (sempre existiu e sempre existirá), suma bondade (moralmente
perfeito), criação (tudo fez a partir do nada) e pessoalidade (tem personalidade, não é uma
força da natureza, nem um ser corpóreo).
Não obstante o que foi dito, é a conceção teísta de Deus que está em jogo quando se colocam
os grandes problemas que constituem a Filosofia da Religião, e, naturalmente, quando nos
interrogamos acerca das provas da existência de Deus e do próprio conceito de Deus. São vários
os autores que se destacaram pela formulação dessas provas, nomeadamente, São Tomás de
Aquino, Wiliam Paley, Santo Anselmo e mesmo René Descartes.
2. Provas da existência de Deus
Parte da constatação de que existem coisas no mundo, todas elas causadas por alguma coisa,
o que nos leva a pensar que pode haver uma cadeia causal que regride infinitamente ou, em
alternativa, apenas uma primeira causa, origem da cadeia causal.
Este argumento tem por base a noção de causalidade, a ideia de que tudo o que existe tem uma
causa. Logo, se todas as coisas têm uma causa, então há uma causa para todas as coisas. Essa
causa é Deus.
O universo existe. Aquilo que existe tem uma causa. O universo não é causa de si próprio.
Logo, deve existir algo que deu origem ao universo: Deus.
Poder-se-á incorrer na falácia do falso dilema: além das opções da cadeia de regressão infinita
e única causa, poderíamos também ter em consideração a possibilidade de existirem várias
primeiras causas.
Por definição, uma cadeia causal que regride infinitamente não tem uma primeira causa. Logo,
é falso que se retirássemos a causa primeira, a cadeia causal e tudo o que existe no mundo
deixaria de existir.
2.1.3 Objeção: não implicação do Deus teísta
Mesmo que se possa concluir que existe uma primeira causa, nada nos garante que essa causa
seja o deus teísta, com os atributos que lhe são conferidos.
Se tudo tem uma causa, poderíamos perguntar qual é a causa de Deus. Se a ideia é que Deus
não tem causa, a conclusão contradiz a premissa que afirmava que tudo tem uma causa.
Estaríamos perante uma incoerência. Se a ideia é que Deus se causa a si mesmo, por que não
pode o universo causar-se a si mesmo?
O argumento teleológico (do grego telos, propósito, objetivo ou fim) aponta para a existência
de um propósito e de uma ordem no universo. Se encontramos no universo sinais de uma
criação inteligente, esta deve ser a obra de um criador também inteligente.
Dito de outro modo, o argumento, através de um silogismo disjuntivo, pode ser expresso assim:
as maravilhas da natureza devem-se ou a uma conceção de Deus ou devem-se ao acaso. As
maravilhas não se devem ao acaso. Logo, tais maravilhas devem-se a uma conceção de Deus.
Falácia do falso dilema: além de Deus e do acaso, há uma terceira hipótese, a de os seres vivos
resultarem de um processo de evolução por seleção natural (Darwinismo).
Continuando a explorar este argumento, há quem considere que Deus existe porque de outro
modo não poderíamos explicar o facto de tudo no universo estar cuidadosamente organizado,
como se de um artefacto se tratasse, harmonizando-se cada parte numa totalidade complexa
(Sol permite a existência de vida na Terra; as plantas, a existência de animais herbívoros e estes
a dos predadores). Se não se pode explicar espontaneamente a existência disto mesmo, é
porque tal é obra de um ser inteligente, e esse ser é Deus.
Esta versão do argumento é explicada pela analogia do relojoeiro, desenvolvida por William
Paley. Um relógio é um sistema complexo onde cada peça desempenha uma função específica.
Um relógio tem um criador inteligente que moldou as várias peças de acordo com um plano. No
universo há imensos corpos que funcionam de forma análoga (o ser humano, por exemplo).
Logo, terá existido necessariamente um criador inteligente a dar origem a todos estes corpos de
acordo com um plano: Deus.
2.2.2 Objeção: falsa analogia.
Para além disso, tal como sugere David Hume (1711-1776), o facto de haver semelhanças entre
o universo e um relógio não implica, necessariamente, que estes sejam semelhantes em tudo.
Parte do conceito de Deus com o objetivo de estabelecer a sua existência (primeira versão
proposta por Santo Anselmo.
Ao refletir sobre o conceito de Deus, Santo Anselmo define-o como aquele ser mais grandioso
do que o qual nada pode ser pensado ou um ser maior do que o qual nada pode ser pensado.
Negar isso serio como negar ao triângulo o atributo três ângulos. Poderia existir tal ser apenas
no pensamento? Ora sabendo que existir na realidade é mais do que existir no pensamento,
segue-se que o tal “ser maior do que o qual nada pode ser pensado” tem necessariamente que
existir, pois, se não existisse, já não seria o ser maior do que o qual nada pode ser pensado. Ou
seja, Deus existe, e não apenas no pensamento.
René Descartes (1596-1650) recorreu a uma forma semelhante sustentando que Deus (o ser
perfeito) existe necessariamente, pois se lhe faltasse a existência deixaria de ser perfeito.
Pode provar-se coisas que não existem. A primeira pessoa a reagir ao argumento ontológico
foi um contemporâneo de Anselmo, Gaunilo de Marmoutier (994-1083). Segundo ele, se o
argumento fosse bom, poderíamos provar o que quer que fosse, por exemplo, a existência da
ilha perfeita.
Assim sendo, parece de facto forçado passar da ordem mental para a ordem real, da essência
para a existência, porquanto a realidade não tem de corresponder à conceção que os seres
humanos têm dela. Logo, não é correto conferir a existência apenas por definição.
A existência não é um verdadeiro predicado, não acrescenta nada ao conceito de uma coisa,
tal como Anselmo queria acrescentar ao conceito de Deus. A existência é apenas a
exemplificação de uma coisa. E se a existência não é uma propriedade ou um predicado, então
um ser maximamente perfeito não é maior se existir do que se não existir. Explicado de outra
maneira, Immanuel Kant (1724-1804) procurou mostrar que a existência não é uma
propriedade do objeto, mas tão-somente uma condição de possibilidade para que essa
propriedade se manifeste. Deste modo, não há contradição em afirmar que Deus é o ser maior
do que o qual nada pode ser pensado e que o ser maior do que o qual nada pode ser pensado
não é senão uma ideia. Logo, o argumento ontológico não consegue provar nada.
Ou Deus quer impedir o mal e não pode, ou pode, mas não quer. Se quer, mas não pode, é
impotente. Se pode, mas não quer, é malévolo. Mas se ele quer e pode, de onde vem então o
mal?
Epicuro
Teremos boas justificações para pensar que Deus não existe? Esta questão remete-nos para o
problema do mal e a sua incompatibilidade com a existência de Deus. A ideia é que Deus é
sumamente bom, e por isso não quer o mal. Além disso é omnisciente, e por isso sabe que
existe o mal. Como é também omnipotente, pode eliminar o mal. Assim, parece ser razoável
pensar que se Deus existisse, não haveria mal. No entanto o mal existe: há homicídios, doenças,
guerras e roubos. Por isso, parece que podemos concluir que Deus não existe.
Especificando um pouco mais, são muitos os exemplos de mal natural e de mal moral. Por mal
moral entende-se o mal que tem origem nas ações humanas como os assassinatos, torturas,
roubos, etc. Por outro lado, o mal natural refere-se ao mal que não tem origem nas ações
humanas, como terramotos, furacões, alguns tipos de doenças, etc.
Assim sendo, o argumento de Rowe é o seguinte: pelos menos alguns males do nosso mundo
parecem gratuitos. Logo, provavelmente, alguns dos males do mundo são gratuitos. Mas, se
Deus existe, não há males gratuitos. Logo, provavelmente, Deus não existe.
3.1 Objeção: teodiceia de Gottfried Leibniz (1646-1716)
Uma das mais famosas deve-se a Leibniz. Segundo ele, vivemos no melhor dos mundos
possíveis, assumindo deste modo uma posição otimista. Deus permite o mal precisamente
porque o melhor de todos os mundos possíveis não implica um mundo sem males. O mal é um
elemento necessário para que ocorra o equilíbrio, uma perfeição da qual o ser humano
conhece somente uma parte do todo. Ou seja: desta doutrina se pode inferir que todo o mal
particular concorre para um bem universal.
Assim, se a sabedoria de Deus escolheu este mundo para ser o lar de sua Criação, não é lícito
duvidar que este seja o “melhor dos mundos”. De facto, o “melhor mundo” é aquele em que o
valor dos aspetos bons supera o valor dos maus aspetos. Para além disso, Deus quer fazer um
bem maior, mas esse desejo – segundo Leibniz – às vezes esbarra na limitação humana.
3.1.2 Contra objeção: a teodiceia de Leibniz, contudo, não dá uma resposta credível para a dor
e o sofrimento desmesurados e deixa por justificar o porquê do mal natural.
A defesa do livre-arbítrio é uma objeção à primeira premissa do argumento do mal, a de que “se
Deus existisse, não existiria o mal”.
A ideia é a de que Deus é compatível com o mal moral. Porquê? Porque permitir o mal moral
é a única maneira que Deus tem de possibilitar a existência de outra coisa muito importante:
o livre-arbítrio humano. Seria logicamente impossível que Deus criasse um mundo no qual não
há moral e, no entanto, houvesse livre-arbítrio.
Mas imaginemos que não há mal natural. Seria esse mundo realmente melhor do que é? Há
filósofos que sustentam que não. E porquê? Porque não haveria coragem para enfrentar a morte
e a doença, nem haveria heroísmo para salvar pessoas inocentes e não daríamos o melhor de
nós para curar as doenças.
Assim sendo, um mundo com mal natural permite a existência de bens, por mão humana, que
de outro modo não poderiam existir. Em conclusão, não há incompatibilidade entre Deus e o
mal natural.
Uma crítica muito comum nos dias de hoje é o teísmo cético, uma teoria que nega que
possamos conhecer as razões que Deus possa ter para fazer algo, caso Deus exista. Alega-se
que somos ignorantes sobre as razões totais de Deus, ou seja, pelo facto de parecer, de um
ponto de vista subjetivo, que existem males gratuitos não se segue que existam realmente,
de um ponto de vista objetivo, males gratuitos e injustificáveis.
Isto mesmo é defendido por Michael Bergman (1964). Segundo ele, “o facto de os seres
humanos não conseguirem pensar em qualquer razão que justifique a Deus permitir um mal não
torna provável que não existam tais razões; isto porque, se Deus existe, a mente de Deus será
muito maior do que as nossas, de modo que não será surpreendente se Deus tiver razões que
não somos capazes de pensar”.
Sem risco não há fé. A fé é precisamente a contradição entre a paixão infinita da interioridade
do indivíduo e a incerteza objetiva. Se eu for capaz de apreender Deus objetivamente, não
acredito; mas precisamente porque não posso fazer isto, tenho de acreditar.
Kierkegaard
A possibilidade de harmonizar fé e razão foi defendida, entre outros, por Tomás de Aquino.
Para ele, razão e fé são conciliáveis, sendo que o papel da razão é o de demonstrar o que a fé
revela, e que pode ser racionalmente justificado (não sendo o caso, por exemplo, da Santíssima
Trindade).
Mas nem todos os filósofos partilham a convicção de que é possível conciliar razão e fé. Na
verdade, consideram que não são os métodos racionais de prova que nos permitem chegar a
Deus, mas que o podemos fazer através de um puro ato de fé.
O fideísmo é então a doutrina que afirma ser a fé, e não a razão, a via que justifica as crenças
religiosas, opondo-se, deste modo, à chamada teologia natural. A fé não necessita de provas,
não é pela via logico-demonstrativa que se poderá chegar a Deus. Sustenta-se a primazia da fé
em relação à razão.
Ainda assim, filósofos como Kierkegaard e Pascal expõem sobre este assunto o seu pensamento.
O filósofo dinamarquês foi um dos mais importantes defensores do fideísmo. Segundo ele, a fé
religiosa é precisamente uma crença numa divindade quando não há boas razões para
acreditar na sua existência (“creio porque é absurdo”); quando há boas razões para acreditar,
não só não é preciso ter fé, como não é possível sequer tê-la.
O argumento de Pascal é o seguinte: aceitemos que não conseguimos provar que Deus existe,
nem que não existe. Partindo deste pressuposto, Pascal afirma que, ainda assim, temos uma
boa razão para acreditar em Deus, já que temos tudo a ganhar se Deus existir e formos crentes,
ao passo que nada perdemos de importante se formos crentes e Deus não existir. Por outro
lado, se não acreditarmos e Deus realmente não existir, nada ganhamos de importante; mas
temos tudo a perder se não acreditarmos e Deus afinal existir. Logo, o mais razoável a fazer é
acreditar em Deus.
De acordo com Pascal, o mais racional do ponto de vista prudencial é acreditar que Deus existe,
dado que essa é a melhor “aposta”, a que traz mais benefícios práticos para nós. Por outras
palavras, ainda que a crença em Deus não tenha racionalidade epistémica (por exemplo,
porque os argumentos a favor da existência de Deus não são bons), a crença em Deus tem
racionalidade prudencial na medida em que nos proporciona benefícios práticos. Mas, atenção,
porque Pascal não está a procurar provas que Deus existe ou que a existência de Deus é mais
provável do que a não existência, tal como nos argumentos tradicionais. Está apenas a sustentar
que, dados os custos e benefícios para a nossa vida, apostar e acreditar na existência de Deus é
uma coisa boa para nós.
Ainda de acordo com o teísmo cético, vale a pena questionar sobre como se pode saber que a
recompensa tem um valor infinito positivo (isto é, com paraíso) quando Deus existe e nós
acreditamos em Deus. Talvez Deus tenha uma razão para recompensar todos, mesmo aqueles
que não acreditam nele. E também poderá questionar-se se Deus beneficia de igual forma os
crentes que têm fé apenas por interesse mesquinho da recompensa e aqueles que têm fé de
forma desinteressada ou honesta. Por outro lado, a matriz apenas tem em consideração o Deus
teísta e não o Deus deísta, um Deus malévolo ou, até, vários deuses.
Pascal baseia a crença em Deus num cálculo de forma a averiguar os melhores resultados.
Contudo, uma devoção religiosa baseada num mero cálculo de custos e benefícios parece
meramente interessada e egoísta e, como tal, seria moralmente repugnante para a relação com
Deus, se ele existir. Tal como nota William James (1842-1910), “se estivéssemos nós próprios no
lugar da divindade, provavelmente teríamos um prazer especial em impedir a crentes desse
calibre o acesso à recompensa infinita.”
O argumento de Pascal pressupõe que a crença está sob o controlo voluntário e livre da pessoa.
Mas o certo é que aquilo em que acreditamos é em grande medida não voluntário e não
depende do nosso livre-arbítrio. Logo, se não há um controlo voluntário sobre as nossas crenças,
então não se pode simplesmente decidir acreditar ou desacreditar em Deus tal como proposto
por Pascal.
Fontes
LIÇÕES DE FILOSOFIA 10º ANO – Aires Almeida, Célia Teixeira e Desidério Murcho (2013),
Didáctica Editora.
PREPARAR O EXAME NACIONAL FILOSOFIA – Lina Moreira e Idalina Dias (2020), Areal Editores.