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Índice
1. O argumento clássico do desígnio
2. O novo argumento do desígnio
3. Crítica à perspetiva religiosa
Objetivos
Compreender a dialética filosófica em torno do argumento do desígnio.
Examinar os principais argumentos em torno do problema do mal.
O argumento do desígnio :
- Tem uma história ilustre desde Platão.
- Foi especialmente desenvolvido pelos filósofos do século XVII.
- É o que melhor tem sobrevivido a críticas.
- É o mais discutido atualmente, numa nova versão.
1. O argumento clássico do desígnio
Baseia-se na analogia entre o universo, em particular, os seres vivos, e uma máquina.
Nesses seres, a grande organização de partes e suas funções, concorrendo para a
sobrevivência e multiplicação dos organismos, faz parecer inacreditável terem sido
obra do acaso (de leis naturais “cegas”).
Sugere antes que foram concebidos por uma força inteligente com um propósito
ou desígnio – Deus.
Por isto, é também conhecido como argumento teleológico (do grego telos –
‘finalidade’ ou ‘propósito’).
A analogia ou comparação mais usada neste contexto é entre um ser vivo e uma
máquina.
Considere-se uma destas, um relógio:
MÁQUINAS (ex. RELÓGIO) SERES VIVOS (ex. ANIMAL)
Um argumento por analogia forte exige que a analogia ou comparação seja correta.
• As entidades comparadas têm de ser de facto semelhantes e as semelhanças
têm de ser em número suficiente.
• As entidades têm de ser semelhantes nos aspetos relevantes.
Muitas semelhanças irrelevantes não reforçam o argumento.
Mas…
… uma ou poucas muito relevantes podem torná-lo muito forte.
Assim, o universo, ou muitas das suas partes, deve ser realmente semelhante a
máquinas em muitos aspetos relevantes para a questão de saber se terão tido ou
não um criador inteligente.
Críticas ao argumento tradicional do desígnio
Hume foi autor do ataque mais conhecido ao argumento clássico do desígnio. Hume
critica a força e rigor da analogia que supostamente existe entre o universo e uma
máquina.
Fraqueza da analogia
Um argumento por analogia é forte se as semelhanças são muitas e em aspetos
relevantes.
- Mas ter partes e uma função global pode ser dito de quase tudo.
- A analogia é vaga, não especifica os aspetos em que é determinante que o
universo seja como uma grande máquina formada por muitas pequenas máquinas.
Uma pequena parte deste grande sistema, durante um lapso de tempo muito
breve, mostra-se-nos de modo imperfeito; e vamos, a partir daí, pronunciar-nos
decisivamente acerca da origem do todo?
Hume, Diálogos
Limitações da prova
Ataca a capacidade que o argumento do desígnio teria para sustentar a conclusão de
que o Deus teísta é o criador do universo, mesmo que o argumento e a analogia
sejam fortes.
O argumento não prova a existência do Deus do teísmo – omnipotente,
omnisciente, bondoso, eterno e único.
“Carbonocentrismo”
Falta de imaginação acerca da possibilidade de outras formas de vida.
Não é óbvio que só seja possível a forma de vida que conhecemos, baseada em
carbono e água.
O princípio antrópico
Uma explicação simples para o universo parecer tão organizado: nós estamos nele e
podemos observá-lo.
Parece uma sorte incrível termos um universo cuidadosamente preparado para nós.
Mas não poderia ser de outro modo, senão, não teríamos existido, e não estaríamos a
constatar isso mesmo.
Universos múltiplos
Outra teoria científica atual, a hipótese do multiverso: o nosso universo é um entre muitos
outros que existem em simultâneo.
Sendo tantos, a probabilidade de um deles (necessariamente, o nosso) aleatoriamente
ser ajustado à existência de vida será à partida bastante grande.
Limitações da prova
A nova versão do argumento também não tem sucesso em fundamentar a conclusão de
que o criador do universo coincide com o deus teísta.
Mesmo que seja um bom argumento, não prova que o criador é perfeito nem único, etc.
3. Crítica à perspetiva religiosa
O problema do mal
2. Será que Deus não o fez, não por falta de poder, mas porque não sabe da
existência do mal?
• Não, se Deus é omnisciente e é uma verdade que há mal, ele sabe essa
verdade necessariamente.
3.Talvez Deus possa acabar com o mal e saiba que ele existe, mas deseja ou não se
importa que o mal exista.
• Não: Deus é supremamente bom.
Assim, Deus não pode ser perfeito porque não pode ter simultaneamente estas
três das qualidades centrais à conceção teísta.
Teodiceia
O mal moral é necessário ao livre-arbítrio, um bem que Deus quer que tenhamos.
Se não nos fosse possível fazer o mal, não seríamos realmente livres. Faríamos o
bem, não por o escolhermos, mas porque não conseguiríamos fazer outra coisa.
Esta explicação do mal moral supõe que somos realmente livres – o determinismo
(incompatibilista) é falso:
1. O livre-arbítrio exige a possibilidade e ocorrência do mal moral (ou seja, se não
houver mal moral, o livre-arbítrio é impossível).
2. Um mundo com mal moral mas com livre-arbítrio é melhor que um mundo sem
mal moral e sem livre-arbítrio.
Objeções à explicação do mal moral
É contestável:
- Perda do livre-arbítrio pode ser um preço pequeno a pagar por um mundo sem
todo o horrível sofrimento causado pela maldade humana ao longo da História.
- Deus poderia ter-nos criado de tal modo que tivéssemos a ilusão de sermos
livres, embora não o fôssemos. Teríamos o melhor das duas situações: sensação,
ainda que ilusória, de livre-arbítrio e inexistência de mal moral.
Analogia com impossibilidades lógicas: fazer com que ‘2 + 2 = 5’ seja verdade; criar o
quadrado redondo.
Não ser capaz de fazer isso não põe em causa a omnipotência de Deus, porque não
há tais possibilidades, para dizermos que ele não as consegue realizar.
Objeções à explicação do mal natural
A explicação do mal moral afirma que todas essas situações facilmente imaginadas
são impossíveis.
Talvez porque se Deus evitasse esses males, teria de criar, ou apareceriam, outros
piores.
Talvez haja leis naturais a que nem Deus pode escapar (?!), e que determinam que,
entre todos os mundos que esses princípios permitem, este é aquele em que o
equilíbrio de bens e males é mais favorável.
Assim, o principal ponto fraco da explicação do mal natural é:
– Que razões temos para aceitar essas hipóteses complexas e rebuscadas?
Atenção! Não podemos indicar, como razão, o seguinte:
Como Deus é supremamente bom e omnipotente, só pode ter criado o melhor
mundo possível.
Pois tal raciocínio cairia num círculo vicioso.
O erro:
– A resposta parte do princípio de que MMP é verdade.
– Mas MMP faz parte do que estamos precisamente a tentar justificar – ainda não
sabemos se é V ou F.
Na hipótese V, o defensor usa MMP para defender que Deus pode ser bom e
omnipotente apesar do mal.
Logo, não pode usar essa ideia que está em discussão como se fosse um facto
que mostra que MMP é verdade.
Círculo vicioso