Você está na página 1de 1

Argumento teleológico (ou argumento do desígnio)

Passemos, por fim, ao último argumento que analisaremos a favor da existência de Deus.
Embora tenha sido, tal como o argumento cosmológico, desenvolvido por S. Tomás de Aquino
(séc. XIII), aqui estudaremos a adaptação de Willian Paley, do séc. XVIII. Suponhamos que
vamos viajar para um lugar inóspito, como um deserto. Quando lá chegamos, admitimos a
hipótese de sermos os primeiros humanos a estar ali, os primeiros a tocar numa rocha ou
numa planta, na areia… Mas numa das vezes em que tocamos na areia, salta um relógio. Mal o
vemos, concluímos que, afinal, não somos os primeiros a estar ali. Um relógio não pode estar
lá da mesma forma que as plantas, as rochas e a areia. Um relógio tem um desígnio, uma
formalidade, que é medir o tempo. A sua complexidade, a forma como está organizado em
função desse propósito, não foi feita ao acaso (as peças não se articularam naturalmente). O
relógio tem de ter um autor que o produza, um criador. Não conseguimos conceber o relógio
sem o relojoeiro, que é infinitamente superior ao relógio (que não pode produzir o relojoeiro
nem ele mesmo).
Ora, Willian Paley estabelece uma analogia entre o relógio e o universo. O universo é como o
relógio, tendo um propósito, haver vida humana, as coisas organizarem-se e sucederem com
ordem. Bastava que a órbita dos planetas fosse um pouco ao lado ou que o Sol estivesse mais
afastado ou mais próximo para não haver vida na Terra. Está cada coisa no devido lugar, há
ecossistemas, matéria espalhada que funciona de forma regrada. Face a esta complexidade,
com a finalidade de haver natureza por toda a parte (em planetas como o nosso), não
podemos conceber a possibilidade de ter surgido do acaso, temos de lhe conceber um criador,
um autor. E este autor, tal como no caso do relógio, é infinitamente superior à criatura. Ora,
um autor infinitamente superior ao mundo só pode ser Deus.
(Existe uma adaptação atual deste argumento, o argumento da afinação minuciosa,
considerado por algumas pessoas o mais pertinente atualmente.)
Objeções
E para concluir, analisemos as objeções apontadas ao argumentos, neste caso, todas
pertinentes. A primeira é a mesma que verificámos no argumento cosmológico. Não temos
necessariamente de concluir por este argumento a existência do Deus teísta, cristão. Sabemos
que existe um Deus, que é incriado e criador, mas se é omnipotente, bom, se controla o
universo,… já não o sabemos. Deus pode ter criado o mundo por engano, ou pode ser mau e
ter criado o mundo só para ver drama, ou pode não ser omnipotente (da mesma forma que,
quando um relógio avaria com frequência se considera que o relojoeiro não é muito bom, ao
ver que o universo tem muita coisa que corre mal (temporais, tsunamis,…), pode parecer que
Deus não era assim tão perfeito para criar um mundo com estas possibilidades). Este
argumento, tal como o argumento cosmológico, mas ao contrário do argumento ontológico,
não prova a bondade nem a omnipotência de Deus. Podemos conceber o Deus deste
argumento a não ser bom nem omnipotente.
A segunda crítica recorre à teoria da evolução das espécies de Darwin. Constata que já temos
uma teoria científica que explica a evolução do mundo sem recorrer ao transcendente, que é
precisamente a teoria evolucionista de Darwin. Em função das adversidades, os mais fortes
sobrevivem, porque se adaptam. Os seres vão ficando mais aptos um pouco devido ao acaso
(às adversidades), não precisando de recorrer ao transcendente.
E a terceira, e última, crítica que analisaremos afirma que a analogia estabelecida entre o
relógio e o mundo não está bem feita. Ora, numa analogia forte, devem ser maiores as
semelhanças do que as diferenças. Porém, neste caso, existem mais diferenças do que
semelhanças. O relógio é muito mais pequeno do que o mundo, faz parte do mundo (enquanto
o mundo não faz parte do relógio) e é inorgânico (sendo o mundo orgânico). Ainda que haja
algumas semelhanças, são grandes as diferenças. Assim, não podemos considerar esta uma
boa analogia.

Você também pode gostar