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Aula 7

Galileu durante o tempo em que esteve em Pádua se dedicou ao estudo do movimento


dos corpos. Esta foi a sua maior contribuição para a física. Mas ele só publicou seus
resultados quando tinha mais de setenta anos no livro Discurso que será abordado na
próxima aula.
No entanto, como vimos antes, com o uso do telescópio Galileu colocou como seu
objetivo a defesa do sistema de Copérnico. Apesar de ter feito várias observações
Galileu não era um astrônomo propriamente dito. Ele não conseguiu mostrar que a Terra
estava em movimento e suas brigas com a Igreja o levou a enfrentar o famoso processo.
Possivelmente se Galileu tivesse se dedicado apenas ao estudo do movimento ele
poderia ter feito contribuições muito mais importantes.
No texto abaixo faço alguns comentários sobre o Diálogo para complementar
informações constantes no livro texto. O livro é uma propaganda clara do sistema
heliocêntrico. Note que ele não leva em conta os resultados de Tycho Brahe e nem os de
Kepler. Na verdade ele acreditava que era a autoridade máxima em astronomia.

Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo

O livro foi publicado por Galileu em 1632. O título completo do livro era:

Diálogo de Galileu Galilei linceu, matemático extraordinário do Estúdio de Pisa e


filósofo e matemático primário do Sereníssimo Grão-Duque da Toscana; onde, nas
reuniões de quatro jornadas, discorre-se sobre os dois máximos sistemas do mundo –
ptolomaico e copernicano – propondo de maneira indeterminada as razões filosóficas e
naturais tanto para uma quanto para a outra parte.

O diálogo é uma conversa entre três personagens. O primeiro é Salviati, porta voz de
Galileu. O segundo é Sagredo mediador entre Salviati e Simplício. O terceiro Simplício
defende as ideias de Aristóteles. A discussão dura quatro dias.

PRIMEIRA JORNADA
A primeira jornada discute a concepção geral do universo. O objetivo de Galileu é o de
refutar a concepção aristotélica de uma Terra imóvel no centro do mundo e dotada de
uma natureza inteiramente diversa da dos outros astros. No entanto, Galileu defende o
dogma aristotélica de que o movimento perfeito é o circular.
Galileu diz que não há diferença entre os corpos celestes e a Terra. Ele apresenta um
resumo de suas observações sobre a Lua publicadas no Sidereus Nuntius, onde foi dito
que há muitas semelhanças entre a Lua e a Terra. Há uma longa discussão sobre o tema.
Galileu diz também que as manchas solares mostram que há mudanças no Sol.
Galileu contrapõe as ciências da natureza e outro tipo de estudos, como, por exemplo,
o direito. Neste último campo não há nem verdade nem falsidade, ao passo que nas
ciências da natureza “as conclusões são verdadeiras e necessárias e o arbítrio humano
nada tem aí o que fazer”.

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Galileu distingue método de invenção e método de exposição. O primeiro nos assegura
o quanto possível que uma conclusão é verdadeira “por meio dos sentidos, das
experiências e das observações”. O segundo procura demonstrá-la servindo-se do
método resolutivo.
Galileu nos apresenta então suas concepções de ciência e método.

SEGUNDA JORNADA
Galileu tece considerações sobre o argumento da autoridade. Ele diz que devemos nos
ater a razões e demonstrações e não a textos e autoridades.
O tema central dessa jornada é a neutralização dos argumentos tradicionais contra a
rotação diurna da Terra.
É bom mencionar que muitos dos argumentos apresentados por Galileu foram
apresentados antes por Oresme.
Ele apresenta argumentos a favor da rotação diurna, como por exemplo:
1) É mais simples fazer a Terra girar e não um número imenso de astros.
2) A rotação diária dos céus no modelo geocêntrico de dá na direção contrária à dos
movimentos próprios dos planetas que se deslocam do ocidente para o oriente.
Isto é a esfera das estrelas e dos planetas giram em sentidos opostos.
3) No sistema geocêntrico a Terra é fixa, a velocidade de rotação dos planetas
diminui a medida que ficam mais distantes, mas a esfera das estrelas gira em alta
velocidade (giro completo em 24 horas).

Um dos argumentos de Aristóteles contra a rotação da Terra era o seguinte:


Se deixarmos um corpo cair do alto de uma torre, ele descreverá uma trajetória reta e
perpendicular à superfície da Terra. Se a Terra girasse em torno do seu eixo, a torre
seria arrastada com ela do Ocidente para o Oriente e a pedra cairia a uma boa distância
da torre na direção do Ocidente. Como isto não se verifica, a Terra está, portanto,
imóvel.
O mesmo argumento pode ser usado com o movimento dos projéteis.
Temos ainda outros argumentos:
Há coisas separadas da Terra, como as nuvens e os pássaros, que se movimentam com a
mesma facilidade em todas as direções.
A força (que hoje chamamos de centrífuga) gerada pela rotação da Terra deveria
expelir da superfície todos os objetos: homens, animais e mesmo as casas.

Galileu parte então para a ofensiva.


Ele menciona que caso a experiência fosse realizada veríamos que uma pedra solta do
alto do mastro de um navio sempre cairia na base do mastro, quer o navio estivesse
parado ou em movimento.

Ele apresenta o seguinte argumento:

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Se supusermos uma superfície perfeitamente polida, rígida e tendo como centro o
próprio centro da Terra, uma bola perfeitamente redonda, polida e rígida aí colocada e a
qual fosse comunicado algum movimento, continuaria perpetuamente em movimento
uniforme. Portanto, uma nave que se mova pelo mar calmo é um destes móveis que
deslizam por uma destas superfícies que não são, nem declives nem aclives.
A pedra que está no alto do mastro se move, transportada pela nave, numa
circunferência e, por conseguinte, com um movimento indelével. E seu movimento é
tão veloz quanto o da nave. Assim sendo, a pedra acompanha a nave e, ao cair, cai
exatamente no mesmo lugar em que se cairia se ela estivesse parada.

À primeira vista parece que Galileu descobriu o princípio da inércia. Mas note que
temos aqui uma inércia circular e não um movimento em linha reta. Ele comenta que a
bola na superfície acima daria a volta à Terra retornando ao ponto de partida.

Galileu descreve então a experiência do navio (a mesma experiência descrita por


Oresme):
Tranque-se com um amigo no salão de um navio grande onde haja mosquitos, moscas,
borboletas e outras criaturas aladas...faça também com que uma garrafa seja dependurada,
deixe sua água cair gota a gota em outra garrafa de gargalo estreito colocada por baixo.
Então, com o navio parado, observe como aqueles pequenos animais alados voam com
velocidade igual para todas as partes do salão, e como as gotas caem todas dentro da garrafa
colocada por baixo. E, lançando algo na direção de seu amigo, você não necessitará jogá-lo
com mais força em uma direção do que em outra, desde que as distâncias sejam iguais; e
pulando em distância você irá tão longe em uma direção quanto em outra. Tendo observado
todos esses particulares, faça com que o navio se mova com a velocidade que lhe aprouver,
desde que o movimento seja uniforme e não varie deste ou daquele modo. Você não será
capaz de discernir a menor alteração em qualquer dos efeitos acima mencionados, nem
poderá deduzir de qualquer um deles se o navio está em movimento ou parado.

Galileu tece algumas considerações sobre bolas e dardos lançados de cavalos a galope,
bem como sobre bolas deixadas cair durante uma corrida e lançamento de dardos.

Notemos que até aqui todos os argumentos apresentados por Galileu se referem ao
movimento retilíneo uniforme. Sabemos que este movimento é sempre relativo a um
sistema de referência e que não temos como saber caso estivessemos fechados em um
vagão de um trem se ele está parado ou em movimento. Mas o movimento da Terra não
é um movimento retilíneo uniforme. Se consideramos a translação da Terra em torno do
do Sol, em primeira aproximação podemos considerar o movimento como retilíneo e
uniforme. O problema é com a rotação em torno do eixo. Hoje sabemos que temos
como saber se a Terra está girando ou não, como a famosa experiência do pêndulo de
Foucault. Sem o conhecimento da mecânica Newtoniana é impossível explicar por que
não sentimos o movimento de rotação. Se estamos em uma plataforma girando podemos
perceber o movimento dela. Se pulamos para cima caímos em um ponto diferente do
ponto de partida etc.
Em suma, uma roda girando em torno de seu eixo tende a expelir o que esteja na sua
superfície.

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Galileu apresenta uma explicação errada. Ele diz que os corpos são dotados de
gravidade e essa compensa a força centrífuga. Ele diz que basta a tendência a descer
para manter os corpos junto à Terra e não os deixar afastarem-se dela. Temos aqui em
jogo dois movimentos: o de projeção pela tangente no ponto de contato com a Terra e o
de queda, que se dá pela secante a partir do movimento na direção do centro. Para que a
projeção aconteça é preciso que o impulso a seguir pela tangente supere a inclinação a ir
pela secante. Quer dizer, o movimento pela tangente terá que ser mais veloz que o
movimento pela secante.
Galileu diz:

...a partir do centro de um círculo pode-se traçar uma linha reta até a tangente, que a
corte de tal maneira que a parte da tangente entre o contato e a secante seja um, dois
ou três milhões de vezes maior que a parte da secante que fica entre a tangente e a
circunferência; e a medida que a secante esteja mais próxima do contato, esta
proporção se tornará maior até o infinito; pelo que não é de se temer que, por veloz
que seja o movimento giratório e lento o movimento para baixo, a pena ou outra coisa
mais leve possa começar a elevar-se, porque sempre a tendência para baixo superará a
velocidade da projeção.

O raciocínio de Galileu está totalmente errado. Uma discussão do tema encontra-se no


artigo

Galileu e a rotação da Terra.


Roberto Andrade Martins. Cad. Cat. Ens. Fis., v. 11, n.3, p. 196-211, dez 1994.

Galileu calcula o tempo gasto por uma bola de ferro pesando 100 libras caindo do orbe
lunar até a superfície da Terra.
Ele diz que a bola cai 100 braças em 5 segundos. Para cair 588 000 000 braças
(distância da Terra a Lua) ela gastaria 3h 22 minutos e 4 segundos.
Ele usou aqui a relação de que a distância percorrida por um objeto em queda é
proporcional ao quadrado do tempo. A demonstração é apresentada no deu livro
Discurso.
O leitor sabe que isto não é verdade. Qual foi o erro de Galileu?
Ele supôs que o efeito da gravidade não diminuía com a altura, ou seja, era constante.

TERCEIRA JORNADA
Um argumento contra a movimento da Terra em torno do Sol era a ausência de
paralaxe. Galileu explicou esta ausência dizendo que as estrelas estavam muito distantes
da Terra.
Galileu apresenta como evidência convincente para o movimento da Terra em torno do
Sol as fases de Vênus. No entanto, no sistema planetário de Tycho Brahe onde os
planetas giram em torno do Sol e o Sol carregando os Planetas gira em torno da Terra as
fases de Vênus eram possíveis. É interessante observar que Galileu ignorou totalmente o

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sistema de Tycho, o que é estranho porque o sistema era aceito pela igreja e tinha vários
defensores.
Galileu apresenta também como evidências os satélites de Júpiter e as manchas solares
(provando que o Sol estava girando).

Sagredo no fim da terceira jornada pergunta se o sistema de Copérnico é adequado para


explicar as aparências porque ele tinha poucos seguidores. Salviati responde que havia
uma legião de estúpidos e imbecis que si fiam nos argumentos mais infantis.

Fazendo um resumo do que foi discutido até aqui.


Galileu mostrou que o movimento de translação da Terra em torno do Sol era viável
(como Oresme já o tinha mostrado antes). Apesar de sua teoria de extrusão estar errada,
podemos dizer que ele pelo menos tentou explicar o movimento de rotação diurno.

QUARTA JORNADA
Na quarta jornada Galileu apresenta o que ele considerou ser a prova definitiva da
rotação da Terra: o efeito das marés. Ele chegou mesmo a pensar em dar ao livro o título
Discurso sobre o fluxo e o refluxo do mar.

Vou apresentar a ideia abaixo com o uso de algumas figuras.

Consideremos um ponto na superfície da Terra. Ele tem dois


movimentos: a rotação diária em torno do eixo da Terra e a revolução anual
em torno do Sol. Segundo Galileu, à noite, os dois movimentos se somam,
de dia eles se subtraem. Assim a terra firme move-se mais depressa de
noite e mais devagar de dia. Como resultado, a água fica para trás de noite
e move-se para frente de dia.

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Como o leitor percebeu a teoria está totalmente errada porque Galileu mistura sistemas
de referências diferentes. Não precisamos entrar em detalhes sobre sistemas de
referências para perceber o erro. Vamos considerar uma experiência simples.
Tomemos um vasilhame como mostrado na figura abaixo e coloquemos água nele.

Fechado na cabine de um navio coloquemos o vaso em rotação. Pelos argumentos de


Galileu a velocidade em uma das bordas se soma com a velocidade do navio enquanto
na outra há uma subtração. Assim pelo movimento da água saberíamos se o navio está
em movimento ou não. Mas isto contraria o que foi dito na segunda jornada: nenhuma
experiência realizada na cabine pode nos dizer se o barco está ou não em movimento.
Vemos assim, sem entrar em detalhes sobre sistemas de referências, que há uma
contradição nos argumentos de Galileu.

Havia outro problema. Como explicar que temos duas marés por dia?
Ele disse que se estamos transportando água em um recipiente em uma barcaça, quando
o recipiente é retardado, a água corre para a parte dianteira e aí se levanta; quando ele é
acelerado, a água corre para a parte traseira e aí se ergue.
Ora, sabemos que isto acontece. Mas a água entraria em um movimento de vai e volta
amortecido até parar. Galileu explicou a existência de apenas dois movimentos como
devido a irregularidades no fundo do oceano.

Kepler já havia explicado o efeito das marés como devido a atração lunar. Mas esta
ideia é criticada por Galileu dizendo que não havia qualquer efeito entre os corpos
celestes.

Como muitos autores já comentaram: O Diálogo se fecha com um estrondoso fracasso.

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