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Carol J.

A física, para além de ser uma disciplina multifacetada e objeto de estudo das mentes mais
brilhantes da história, é o que explica a grande maioria dos acontecimentos e fenómenos que
existem na Terra, dos mais complexos aos mais mundanos.

Deste modo, ao olharmos para o mundo que nos rodeia, decerto que não são escassos os
exemplos de aplicações da física. Muitas vezes, tentámos explicar o porquê da ocorrência
destes eventos através do conhecimento popular, o que não nos permite descobrir a sua
verdadeira origem. Naturalmente, tomando em consideração a nossa cidade e a costa vigorosa
que lhe é inerente, escolhemos como foco deste trabalho a relação física existente entre a Lua
e as marés.

As marés são movimentos oceânicos que ocorrem periodicamente, caracterizadas pela subida
e descida no nível de água. O movimento de subida (fluxo) é vulgarmente conhecido como
marés altas e o de descida (refluxo) conhecido como marés baixas.

Este fenómeno, responsável por inúmeros mitos populares, foi inicialmente estudado a fundo
pelo infame Galileu. Este critica várias explicações anteriores das marés, entre as quais, a de
um sacerdote jesuíta que supunha que a Lua atraía a água dos mares.

Galileo apresenta então a sua proposta, sob a forma de uma comparação. Se tomarmos um
recipiente com água e se este for agitado para um lado e para o outro, a água não se manterá
nivelada e horizontal, mas oscilará, subindo de um lado e descendo do outro. Galileo utiliza
como exemplo um barco a navegar cheio de água: se este acelerar repentinamente, a água irá
para trás e subirá nessa parte, descendo, pelo contrário, na proa. Se o navio tiver um
movimento retardado ou parar bruscamente, a água subirá na proa e descerá na popa. Galileo
compara este fenômeno ao que ocorre no Mediterrâneo, afirmando que as partes da Terra
também se aceleram e retardam periodicamente. Para o demonstrar, Galileo emprega o
seguinte raciocínio: a Terra tem dois movimentos principais, no sistema de Copérnico, um em
torno do seu eixo e outro em torno do Sol. A associação destes dois movimentos faz com que
alguns pontos da Terra tenham maior velocidade resultante e outros menor, como se vê pela
figura anexada (figura 1): no ponto D, as velocidades de rotação e de translação somam-se; em
F, estas subtraem-se. Ora, como cada parte da Terra está em certos instantes na posição F (ao
meio-dia) e em outros instantes nas posições G, D e E (ao anoitecer, meia-noite e ao
amanhecer, respetivamente), cada parte da Terra é sucessivamente acelerada e retardada. Ou
seja, a combinação dos dois movimentos produz acelerações e retardamento nos movimentos
de cada parte da Terra. Assim como no barco, a aceleração ou o retardamento fazem oscilar a
água de um lado ou do outro, o movimento irregular das partes da Terra produz, segundo
Galileo, as marés.

No entanto, a teoria de Galileo apresenta inconsistências que levaram à desaprovação dos


seus contemporâneos. A incoerência desta com as observações já efetuadas até à época é fácil
de constatar: as marés deveriam, de acordo com essa explicação, apresentar um ciclo de 24
horas, mas o seu ciclo é, na realidade, cerca de 12 horas. Além disso, a maré alta deveria
corresponder a uma hora fixa do dia (pois dependeria da posição do ponto considerado em
relação ao Sol) e, no entanto, observa-se que seu horário varia. Por mais que Galileo tenha
tentado adaptar a sua teoria aos fenômenos, esse ajuste é inadequado e assim, apesar de
constituir uma nobre tentativa, não foi Galileo que descobriu o segredo por detrás do
movimento das marés.
Carol P.

Na realidade, foi Sir Isaac Newton que resolveu este enigma. Newton apresenta a sua
explicação das marés como resultado do conceito de atração gravitacional universal,
apresentado na “Principia”. Esta lei afirma que, se dois corpos possuem massa, ambos estão
submetidos a uma força de atração mútua proporcional às suas massas e inversamente
proporcional ao quadrado da distância que separa seus centros de gravidade. A teoria de
Newton considera a Terra esférica e igualmente coberta por água, em toda a sua extensão,
com uma camada de água de espessura muito pequena, em comparação com o seu raio. Outro
pressuposto utilizado considera que as partículas líquidas não têm coesão, atrito e inércia,
obedecendo imediatamente às forças que as solicitam e como tal rapidamente encontram as
posições de equilíbrio.

Perante a perturbação de um astro, como a Lua, o volume de água adquire uma forma
esferoide, como mostra a figura 2. Nesse esferoide, os pontos de maior altura da água, M e N,
fazem parte do eixo que une o centro de gravidade da Lua com o da Terra. O movimento de
rotação da Terra levará a que os pontos M e N, passem por pontos geográficos diferentes ao
longo do dia, originando o fluxo e refluxo do mar em várias latitudes. É de realçar o facto de,
tal como está ilustrado na figura 2 e é evidente na figura 3, a elevação dos oceanos não se dá
apenas do lado corresponde ao astro que o atrai (seja Lua ou o Sol), sendo que também ocorre
no lado diametralmente oposto.

Para se compreender esta igualdade das marés no duplo lóbulo, basta recorrermos aos
princípios da física Newtoniana. Considere-se o sistema Terra- Lua, em que os dois astros
mover-se-ão, rodarão, em torno do seu centro de massa. Assim, para qualquer ponto sobre a
superfície terrestre, e no seu referencial próprio, este está sujeito a duas acelerações: uma
devida à ação da Lua e outra que resulta do efeito de rotação do referencial em torno do
centro de massa do sistema. A primeira aceleração é dada por a_p=G m/(R_p^2 ) em que Rp é
a distância entre o ponto e a Lua, m é a massa da Lua e G a constante de gravitação universal.
A segunda aceleração é materializada pela interação entre a Lua e a Terra e é igual a=G
m/(r_^2 ), sendo r a distância entre os dois astros. Se se pensar agora em dois pontos
particulares sobre a superfície terrestre, M e N (figura 2), aqueles que num determinado
instante se encontram, respetivamente, mais perto e mais longe da Lua, obtém-se, devido à
ação da Lua, as acelerações: a_M=G m/(〖(r-R)〗_^2 ) e a_N=G m/(〖(r+R)〗_^2 ), ambas dirigidas
no sentido da Lua. Se calcularmos as mesmas grandezas num referencial próprio (observador
situado na Terra), é evidente que os valores de aceleração apesar de terem módulo iguais, são
simétricos (devido a (r+R) e (r-R)), sendo responsáveis pelos lóbulos (como representado na
figura 2).

Agora, depois de termos estabelecido a relação entre o nosso satélite natural e as marés, é
importante fazer uma distinção acerca do papel deste relativamente ao de outros astros que
se localizam nas proximidades da Terra. O Sol, a Lua e todos os planetas do nosso sistema solar
exercem atração sobre as águas e sobre o solo do nosso planeta. No entanto, apenas a Lua e o
Sol têm efeitos significativos. O Sol, apesar de distante da Terra (140 milhões de km), possui
uma massa extremamente elevada e, por isso, exerce uma força gravitacional muito intensa. A
Lua, apesar de ter apenas 1/81 da massa da Terra, encontra-se a uma distância muito mais
próxima (380000 km) quando comparada com a do Sol. Devido a esta proximidade, é a Lua que
governa e regula o movimento de marés e não a força gravítica exercida pelo Sol.
Leonor

Desde o início da humanidade que, para explicar fenómenos naturais e tudo aquilo que
acontece à nossa volta, se recorre ao sobrenatural e celestial. Assim, foram surgindo, ao longo
dos anos, vários mitos e crenças associados às ocorrências diárias, não sendo excluído o nosso
objeto de estudo, a Lua, que também é alvo de muitas especulações.

À medida que as civilizações se desenvolviam, a Lua ganhava importância e influência


crescentes em relação à vida humana. No mundo antigo, os romanos acreditavam que a Lua
tinha uma influência enorme na mente das pessoas. Para o povo babilónico, esta era um
símbolo da vida através de mudanças regulares na sua aparência. Devido à correlação com o
ciclo menstrual feminino (o ciclo menstrual tem, em média, 28 dias e o mês lunar também),
associavam o ciclo lunar à fertilidade das mulheres.

A crença popular de que a fase do ciclo lunar afeta a taxa de natalidade surgiu num passado
muito distante. Nos EUA, acredita-se que a Lua Cheia esteja associada com o maior número de
partos; na Índia, a Lua Nova; e no Brasil, a mudança de Lua.

A relação entre as fases da Lua e a obstetrícia (principalmente a taxa de natalidade) já foi o


foco de diversas pesquisas. Muitos investigadores, tanto no passado quanto mais
recentemente, estudaram a possível influência destas na frequência e no tempo do parto. A
relação da Lua Cheia com as taxas de natalidade foi o foco de muitos desses estudos, pois
ainda persiste a superstição de que a incidência de partos aumenta significativamente durante
essa fase.

Um estudo realizado na Alemanha coletou dados de mais de 6.000 partos realizados entre os
anos de 2000 e 2006 e relacionou a ocorrência dos mesmos com as fases da Lua. Na figura 4, é
possível observar o número total de partos (a rosa), o número de partos sem considerar
cesarianas seletivas (a azul) e o número de partos sem considerar induções ou cesarianas
seletivas (a verde). Ao analisar o gráfico, podemos concluir que não existe nenhuma relação
significativa com as fases da Lua e o aumento no número de partos. Neste mesmo estudo
foram analisadas também a presença ou não de complicações do parto – como o parto
prematuro – com a fase da lua, e novamente nenhuma correlação foi identificada.

Um outro estudo publicado em 2005 no American Journal of Obstetrics and Gynecology


avaliou a relação de mais de meio milhão de partos com o ciclo lunar. Os partos realizados na
Carolina do Norte entre os anos de 1997 e 2001 foram correlacionados com 62 ciclos lunares e
a análise estatística também não conseguiu demonstrar alguma relação entre as fases da Lua e
o número de partos.

Outra tentativa de conectar a Lua com o trabalho de parto é em função da sua influência sobre
as marés. A maré sobe mais na Lua Cheia e de maneira semelhante a Lua poderia, de alguma
forma interferir nos líquidos corporais. De acordo com o exposto nas seções anteriores,
compreendemos que os efeitos da maré somente ocorrem porque o campo gravitacional, que
tanto a Lua quanto o Sol exercem sobre pontos diferentes da Terra, é variável em intensidade
e orientação. Mas não há efeito de maré numa região de volume tão pequeno quanto o de
uma bacia ou mesmo de uma piscina, pois pontos distintos dessas regiões estão praticamente
equidistantes do astro atrator, sofrendo, como qualquer massa, um campo gravitacional
constante em todo o volume de líquido sendo, portanto, incapaz de o deformar. Da mesma
forma, o líquido no útero da mãe não sofre os mesmos efeitos que a maré, ocorrendo apenas
uma desprezível variação no seu peso aparente (inferior a uma parte em seis milhões).
É também muito discutido, no que toca a mitos relacionados com a Lua, os efeitos que nosso
satélite tem sobre o desenvolvimento das plantas, sendo que estas crenças são tão antigas
quanto globais. Os agricultores das primeiras civilizações do Oriente e do Ocidente já
consideravam o ritmo dos ciclos lunares na agricultura, e, ainda hoje, muitos agricultores
planeam as suas plantações de acordo com o calendário de semeadura lunar. Cientistas e
investigadores dos séculos XX e XXI mostraram interesse pela influência da Lua na agricultura,
e consequentemente, este assunto tem sido objeto de diversos estudos e projetos de
pesquisa. Embora a ciência não tenha conseguido demonstrar todos os postulados defendidos
pela chamada «agricultura sensível» sobre a influência lunar nas plantas, muitos dos efeitos da
Lua no movimento das marés e precipitação, fisiologia vegetal ou comportamento animal têm
sido provados cientificamente.

Uma das principais provas científicas da influência da Lua nas plantações é a relação entre a
posição da Lua e o campo eletromagnético da Terra, que por sua vez influencia o movimento
da seiva da planta e o seu crescimento. Vários estudos têm mostrado que a gravidade ou força
de atração da Lua e do Sol na superfície da Terra exerce um poder de atração sobre todos os
líquidos que estão na superfície da Terra. Esse fenômeno, para além das águas dos oceanos
(que sofrem subidas e descidas), também influencia o surgimento da seiva que circula no
interior das plantas, que é maior quando a Lua está mais próxima da Terra (perigeu) do que
quando está na área mais distante da órbita lunar (apogeu). Além disso, sabe-se que os
movimentos da seiva são cíclicos e que durante as fases de Lua Crescente e Cheia são
predominantemente ascendentes, enquanto durante as fases de Minguante e Lua Nova a seiva
desce mais e concentra-se na zona da raiz.

Outro exemplo da influência lunar já demonstrado é a relação entre as diferentes fases e a


fotossíntese. Sabe-se que, em todas as plantas, a fotossíntese é muito mais intensa da Lua
Crescente à Lua Cheia, e este fenômeno é cientificamente atribuído ao aumento do luar na
Terra. A luminosidade lunar pode ser favorável ou desfavorável nos estágios de
desenvolvimento dos insetos, já que há aqueles que se desenvolvem totalmente no escuro e
outros que são favorecidos pela luz da Lua, o que obviamente também influencia o
desenvolvimento das culturas agrícolas.

A Lua, em toda a sua simplicidade e familiaridade, continua a ser uma fonte de mistérios e um
dos elementos mais estudados em toda a ciência. Como demonstramos ao longo deste
trabalho, este satélite natural influencia múltiplos aspetos na vida humana, ditando os
movimentos das marés e contribuindo mesmo para elucidar os agricultores sobre qual a
melhor época de cultivo. Consequentemente, é alvo de inúmeras elaboradas superstições,
como aquela que desmentimos neste trabalho e são precisamente estes aspetos curiosos que
lhe são inerentes que levaram à temática escolhida. Para além disto, e talvez o mais
importante, foi um notável objeto de estudo para as maiores mentes da ciência, incluindo,
para além de muitos outros não referidos, Galileo e Newton, personagens imprescindíveis na
história da Física.

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