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Gravidade quântica em loop: a teoria em que

espaço e tempo não existem


Para o físico Carlo Rovelli, compreender o mundo muitas vezes significa contrariar a nossa própria intuição

Já parou para pensar que a realidade a sua volta


pode não ser muito… Real? Parece roteiro de
filme do Christopher Nolan, mas a verdade é que
há uma teoria da física que prevê exatamente isso.

Segundo o físico italiano Carlo Rovelli, a teoria


da gravidade quântica em loop reconhece que nós
precisamos mudar nossa noção de tempo e espaço
para entender a física dos primórdios do Universo
e de dentro dos buracos negros. Ou seja, os
conceitos de tempo e espaço simplesmente não
existem para esta teoria. E é por isso que ela é
uma das ideias mais interessantes da física.

No livro A Realidade Não é o que


Parece (Objetiva), Rovelli se dedica a informar os
leitores de modo simples e didático todos os
aspectos deste conceito que parece absurdo, mas
que ganha cada vez mais relevância dentro da
comunidade científica.

Leia também:
+ Simulação de computador: sim, você pode
estar vivendo na matrix
+Entenda a diferença entre os diversos níveis
de universos paralelos

A treta do século
Para entender a gravidade quântica em loop,
primeiro, é preciso entender as desavenças entre a
relatividade geral e a mecânica quântica — pode
chamar de Ruth e Raquel, se preferir. A primeira,
proposta por Einstein, diz respeito aos corpos
gigantescos do Universo, como estrelas e
planetas.

A segunda, é a base da física nuclear, ou seja, é a


física que explica corpos muito, muito pequenos,
partículas menores do que prótons e elétrons. Este
campo possui propriedades que não estão
presentes na teoria de Einstein, a relatividade
geral. Mesmo assim, tanto o conceito do físico
alemão quanto a mecânica quântica parecem
terrivelmente certos.

(Foto: Reprodução)

No livro, Rovelli cita uma antiga piada: “A natureza está se comportando conosco como aquele
rabino idoso consultado por dois homens para resolver uma disputa. Depois de ouvir o primeiro, o
rabino disse: ‘Você tem razão’. O segundo insistiu para ser ouvido. O rabino escutou e lhe disse:
‘Você também tem razão’. Então a mulher do rabino, que escutava a conversa de outra sala, gritou:
‘Mas os dois não podem ter razão ao mesmo tempo’. O rabino pensou um pouco, concordou e
concluiu: ‘Você também está certa’”.

É como se a natureza tivesse duas explicações diferentes para seu funcionamento. Mas os cientistas
sabem que uma das duas deve estar errada — pelo menos da forma como as entendemos hoje.
Logo, se a física do século 20 pudesse ser resumida em um emoji, seria este: ¯\_(ツ)_/¯

O Universo elegante
A questão é que cientistas são atraídos por teorias elegantes, ou seja, simples e funcionais. E essa
falta de compatibilidade entre as duas maiores teorias da física deixa a comunidade científica com o
cabelo mais em pé que o de Einstein.

Várias estudiosos tentaram resolver o problema ao longo dos anos. A busca por uma teoria única
que junte estes dois campos de estudo é o sonho de qualquer cientista. Sim, estamos falando
da Teoria de Tudo. E é aí que surge a Teoria das Cordas, como uma proposta para unificar as
gêmeas briguentas da física teórica.

Mas, enquanto os teóricos das cordas acreditam que o mundo quântico é formado por minúsculos
filamentos de energia (as cordas), os cientistas que defendem a ideia da gravidade quântica em loop
sequer acreditam que haja um mundo infinitamente pequeno que comporte estas cordas. São ideias
tão antagônicas que rendeu até briga em The Big Bang Theory (ative as legendas e veja o vídeo).

Object 1

Diferente de sua rival, a teoria da gravidade quântica em loop nem tem a pretensão de ser uma
Teoria de Tudo. “Acho que estamos bem longe disso porque ainda precisamos compreender muita
coisa sobre o Universo”, disse Rovelli à GALILEU. “A gravidade quântica em loop é ‘apenas’ uma
teoria que busca entender o Big Bang e o interior dos buracos negros. Eu ficaria bem feliz se
entendesse ‘apenas’ isso.”

Vale lembrar que nem a Teoria das Cordas, nem a gravidade quântica em loop têm comprovação em
laboratório. Por isso, são apenas sugestões de visão de mundo. Neste cabo de guerra da física
teórica, cada uma tenta juntar as evidências que pode já que ainda não existe tecnologia capaz de
fazer um tira-teima.

Você pode ler mais sobre a Teoria das Cordas e, depois de terminar este texto, decidir qual das
teorias faz mais sentido para você. (Leia também a entrevista com o especialista Cumrun Vafa, da
Universidade Harvard.)
Surge o loop
Esta tensão entre os dois tipos de física não existe na teoria da gravidade quântica em loop porque,
no fim, as duas conversam entre si. Rovelli explica: “A gravidade quântica em loop combina
relatividade geral e mecânica quântica com muito cuidado, porque não utiliza nenhuma outra
hipótese a não ser essas duas teorias, oportunamente reescritas para se tornarem compatíveis. Mas
suas consequências são radicais”.

Com a relatividade geral, aprendemos que o espaço não é mais uma caixa rígida e inerte, como um
recipiente em que você joga suas coisas. Ele é mais parecido com o campo eletromagnético (por
onde se propagam coisas como as ondas de rádio ou a luz que chega aos nosso olhos, que também é
onda): um imenso molusco imóvel em que estamos imersos, um molusco que se comprime e se
retorce, como escreveu Rovelli.

Já a mecânica quântica nos ensina que campos como este são feitos de “quanta”. Isso quer dizer que
o espaço seria formado por pequenos pacotinhos, como os fótons que formam a luz – a isso damos
o nome de estrutura granular. A diferença entre os fótons e os pacotinhos de espaço, ou “quanta de
espaço” (para dar um nome chique), é que, enquanto os fótons vivem no espaço, os pacotinhos de
espaço são eles próprios o espaço. Doido, né?

Ou como Rovelli explica no livro: “O espaço como recipiente amorfo das coisas desaparece da
física com a gravidade quântica. As coisas (os quanta) não habitam o espaço, habitam uma os
arredores da outra, e o espaço é o tecido de suas relações de vizinhança.“

Assim, entende-se que, em uma escala muito, muito pequena, o espaço não é mais algo contínuo,
ele tem um limite, que é o limite dos pacotinhos que o formam. E essa é um dos pilares da teoria da
gravidade quântica em loop.

Leia também:
+ Físicos encontram evidência de que o Universo já foi um holograma

Quanto tempo o tempo tem


Outro ponto crucial da teoria é a forma como entendemos o tempo. E, se precisamos abandonar a
ideia de que o espaço é um “recipiente que contém as coisas”, também precisamos parar de ver o
tempo como uma linha na qual as coisas fluem. Aqui, em uma escala minúscula, o tempo não é uma
sucessão de acontecimentos formados por passado, presente e futuro.

Einstein já havia sugerido que o tempo e o espaço formam um todo único. E deu a isso o criativo
nome de “espaço-tempo”. Ou seja, não podemos vê-los como coisas separadas. E as teorias do
físico alemão também só ajudam a reforçar que o que entendemos por tempo é bastante limitado.

Segundo esta ideia, é errado, por exemplo, pensar que o tempo é o mesmo em todos os lugares. Ele
não é. Um relógio que está sob um móvel não vai marcar o mesmo horário de um outro que esteja
sob o chão, assim como o tempo de quem está na praia é diferente daquele de quem não está em
uma cidade litorânea. Isso porque quando mais próximo da Terra, onde a gravidade é mais intensa,
mais devagar o tempo passa.
Nossos relógios de pulso e celulares não são capazes de perceber essa diferença de infinitésimas
frações de segundo, mas instrumentos mais precisos de laboratório são.
Rovelli explica que, para entendermos a teoria da gravidade quântica, não devemos pensar que
exista um gigantesco relógio cósmico que marque o tempo do Universo. Pense em um recorte de
tempo como o “ano”, por exemplo. Um ano nada mais é do que o período de tempo em que a Terra
dá uma volta em torno do Sol. Ou seja, o “ano” é uma medida que só faz sentido para os terráqueos.

Possíveis alienígenas que vivessem em Plutão não teriam a mesma ideia de ano que nós, já que o
“ano” lá corresponde a 248 anos na Terra. Eles seriam obrigados a inventar uma outra forma de
comemorar aniversários ou de organizar a previdência. Assim, é possível perceber que o nosso
conceito de tempo nada mais é do que uma espécie de “acordo”, uma convenção que pouco tem a
ver com as leis do Universo como um todo.

Aprendemos com Einstein, há mais de um século, que cada objeto do Universo possui um tempo
próprio. Se na Terra, em altitudes diferentes, o tempo já muda, imagina em Marte ou em Proxima
B. É isso mesmo o que você está pensando, fã de Interestelar, foi exatamente essa ideia que
permitiu com que Matthew McConaughey ficasse mais novo do que a própria filha.

Antes do alemão, o próprio Newton já havia afirmado que não podíamos medir o “verdadeiro”
tempo, mas, se assumíssemos sua existência, teríamos uma forma eficaz de descrever vários
fenômenos da natureza. De fato. O problema é que em uma escala muito pequena, uma escala
quântica, o tempo como o conhecemos não funciona.

“Trata-se de uma mudança simples, mas, de um ponto de vista conceitual, o salto é grande. Temos
de aprender a pensar o mundo não como algo que muda no tempo, mas de alguma outra maneira. As
coisas mudam apenas uma em relação a outra. No nível fundamental, o tempo não existe”, escreveu
Rovelli.

Resumindo: o espaço é um campo e o tempo nasce dos processos desse mesmo campo. Logo, o
Universo inteiro seria formado por campos quânticos. E estes campos quânticos não viveriam no
espaço-tempo, já que eles seriam o próprio espaço-tempo, ou seja, tudo o que nos cerca seria
formado por campo sobre campo.

A estes campos que vivem sobre si mesmos sem a necessidade de um “suporte” damos o nome de
“campos quânticos covariantes”. O nome é assustador, mas a ideia é bem simples. “A substância de
que é feito o mundo simplificou bastante nestes últimos anos. O mundo, as partículas, a energia, o
espaço e o tempo, tudo isso é apenas a manifestação de um único tipo de entidade: os campos
quânticos covariantes.”

A ideia fica mais clara quando a comparamos com a luz, que é formada por fótons e ondas. Se você
se afastar o suficiente de um punhado de fótons vai conseguir enxergar as ondas. Ou seja, os fótons
são a maneira como as ondas interagem.

Da mesma forma, o espaço e o tempo seriam formados por quantas de gravidade. Como os fótons
que permitem a interação entre as ondas de luz, os quanta de gravidade possibilitam a interação
entre espaço e tempo.

Basta olhar para si mesmo. O que forma os seres humanos? Um braço? Uma célula? Um átomo?
Não. O que forma um ser humano é o conjunto de todas estas coisas. Se você se afastar o suficiente
de uma molécula do corpo humano vai poder ter uma visão geral do humano que ela forma.

Como coloca Rovelli: “Pense nas montanhas. Onde ela começa? Onde ela termina? Quanto ela
continua sob a terra? São perguntas sem sentidos, porque uma montanha não é um objeto em si, é só
uma maneira que temos de dividir o mundo para falar dele mais facilmente. Seus limites são
arbitrários, convencionais, cômodos. São maneiras de organizar a informação que dispomos, ou
melhor, formas da informação que dispomos”.

Tudo bem, é complexo, mas não é difícil. Segundo Rovelli, o preço conceitual pago para entender a
teoria da gravidade quântica em loop é a renúncia à ideia de espaço e tempo como estruturas gerais
para enquadrar o mundo. Ninguém pode chegar para você, dizer esse absurdo e fingir que não
aconteceu nada. Aconteceu, sim.

Talvez, a dificuldade em entender o conceito se deva ao fato de que é praticamente impossível


pensar em um mundo sem tempo e sem espaço. Isso porque essa ideia coloca em risco a própria
realidade a nossa volta — daí para o niilismo de Nietzsche é um pulo. Mas, como alertou o físico
italiano, “compreender o mundo muitas vezes significa contrariar a nossa própria intuição”.

Tire alguns segundos para refletir sobre o que você acabou de ler e assimilar o assunto. Ninguém
vai te culpar.

No fim, uma das maiores contribuições da gravidade quântica em loop é a nova forma de visão de
mundo que ela oferece. Por definir que existe um limite para o espaço e o tempo, a tensão entre
Ruth e Raquel, quer dizer, entre a relatividade geral e a mecânica quântica não existe mais.

Não precisamos tentar entender o que se passa em um universo infinitamente pequeno, em que as
leis de Einstein não fazem sentido, porque simplesmente não existe um universo infinitamente
pequeno, ele tem um limite: os quanta de gravidade. Ao eliminar essa ideia de espaço contínuo,
conseguimos encaixar as peças.

Surra de física quântica


Ninguém sai ileso de uma surra de física quântica. Mas é preciso deixar isso muito claro na mente:
a teoria da gravidade quântica em loop — assim como a Teoria das Cordas — não passa de uma
tentativa de explicar o mundo. Como vários conceitos clássicos da ciência, esta é só uma proposta
sem comprovação em laboratório. Mas nem por isso tem menos valor.

Até as ondas gravitacionais serem confirmadas em 2016, por exemplo, elas também não passavam
de uma hipótese de Einstein. A mesma coisa aconteceu com o bóson de Higgs e as ondas
eletromagnéticas.

Ou seja, não é porque se trata de uma ideia sem comprovação que não devemos dar bola para ela.
Tem sempre a chance de que o problema seja dos seres humanos (e de sua incapacidade
tecnológica), não da teoria.

"Na física, nós não conseguimos provar de fato uma teoria, o que fazemos é excluir teorias
alternativas. De qualquer forma, você pode pesquisar mais e descobrir que aquela teoria que
julgavam ser fundamental tem estruturas mais fundamentais ainda. Então, não podemos afirmar que
nenhuma teoria da física é absolutamente correta (ou incorreta) porque não temos acesso a todos os
níveis de informação", afirmou a física teórica Lisa Randall, da Universidade Harvard, em uma
conferência.

Com esta teoria da física, ironicamente, ganhamos uma maneira mais filosófica de ver o mundo, já
que vem da filosofia essa ideia de deixar de ver o espaço como um “recipiente”. “Quanto mais
aprendemos de forma interdisciplinar, melhor compreendemos as coisas. Einstein lia muita
filosofia; Kant, Milton e Borges foram muito influenciados pela física... Manter a educação
separada nos faz mais ignorantes”, diz Rovelli à GALILEU.

Talvez, a questão mais interessante da ciência seja a de que quanto mais desvendamos o mundo,
mais descobrimos coisas a desvendar. Parafraseando o italiano, a única coisa realmente infinita no
Universo é a nossa ignorância.

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