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Transcrição de uma conferência livre pronunciada em Veneza em 1969. Algo abreviada e sem ter
podido ser revisada pelo autor por razões de urgência. (N. do Ed.)
Tradução do espanhol por Rafael Cordeiro Silva a partir da seguinte edição: HORKHEIMER, Max.
Sociedad en transición: estúdios de filosofia social. Trad. Joan Godo Costa. Barcelona: Península, 1976,
p.55-70. Cotejada com o alemão em casos de dúvida.
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O comerciante Hermann Weil (N. do Ed.)
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Teoria Crítica ontem e hoje (1969-1972)
um de seus primeiros livros importantes, uma obra coletiva que ainda hoje é atual:
Estudos sobre autoridade e família. O sentido da autoridade se criou na família e
todos vocês sabem o abuso de que logo foi objeto este sentido da autoridade por
“líderes” tais como Hitler, Mussolini, Stalin. 1933
Porque nós já nos anos 1920 tínhamos visto claramente os perigos que
representava o nacional-socialismo, nos retiramos oportunamente da Alemanha;
primeiro, fomos para Suíça e logo depois para os Estados Unidos, para a
Universidade Colúmbia. Também nos Estados Unidos falávamos alemão e em
alemão publicamos nossa revista3, porque dizíamos que o que significava cultura
alemã não se achava em tempos do nacional-socialismo na Alemanha, mas entre
nós. Nós a cultivávamos.
Agora bem: como nasceu inicialmente a teoria crítica? Gostaria de, antes de
tudo, explicar a vocês a diferença que existe entre a teoria tradicional e a teoria
crítica. O que é a teoria tradicional? O que é a teoria no sentido da ciência?
Permitam-me que lhes ofereça uma definição de ciência muito simplificada: ciência
é a ordem dos fatos de nossa consciência que finalmente permite esperar
encontrar o correto no lugar correto do espaço e do tempo. Isto tem validez
inclusive para as ciências do espírito (Geisteswissenschaften): quando um
historiador afirma algo com pretensões à exatidão histórica, logo qualquer um
deve poder encontrá-lo confirmado nos arquivos.
A correção neste sentido constitui o fim da ciência; mas (e agora vem o
primeiro motivo da teoria crítica) a ciência mesma não sabe por que ela ordena
precisamente nessa direção os fatos e se concentra em determinados objetos e
não em outros. A ciência carece de autorreflexão para conhecer os motivos sociais
que a impulsionam para um lado, por exemplo, para a lua e não para o bem (57) da
humanidade. Para ser verdadeira, a ciência deveria conduzir-se criticamente para
consigo mesma e para com a sociedade que ela produz. Ainda que não queira dizer
que as coisas que hoje figuram em primeiro termo não sejam necessárias (talvez
para nós, nos Estados nos quais vivemos é necessário que se produzam
instrumentos para ser superiores aos Estados inimigos, para competir com eles),
mas ao menos se deveria ser consciente destes motivos e destas relações.
Quando a teoria crítica nasceu nos anos 1920, surgiu das ideias relativas a
uma sociedade melhor; se comportava criticamente frente à sociedade e
igualmente crítica frente à ciência. O que eu disse da ciência não é válido só para
ela, mas também para o indivíduo. O indivíduo forja em sua mente pensamentos,
mas o que lhe induz a tais pensamentos, por que tem esses pensamentos e não
outros, por que se ocupa apaixonadamente dessas coisas e não de outras, disso
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Revista de Pesquisa Social. Reimpressão, Munique, 1970. (N. do Ed.)
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Teoria Crítica ontem e hoje (1969-1972)
não sabe nada, da mesma maneira que tampouco a ciência não sabe nada acerca
dos motivos que a impulsionam a escolher tal ou qual direção em sua investigação.
Pensem vocês, por exemplo, quão pouco desenvolvida está a psicologia do
ser humano. Sigmund Freud criou a psicanálise, mas até hoje esta ciência não
chegou a um nível muito elevado. Até agora, a universidade não se ocupa
verdadeiramente destes problemas, porque acredita ter outras missões científicas
mais urgentes a cumprir.
Nossa teoria crítica originária, como se pode ver amplamente registrado na
Revista de Pesquisa Social, foi, como acontece com algo no início, muito crítica, em
especial contra a sociedade dominante, porque esta, como já disse, produziu o
anacronismo
horror do fascismo e do comunismo terrorista. Produziu muitíssimos males
desnecessários e púnhamos nossa esperança em que chegaria um tempo em que
esta sociedade se organizaria para o bem de todos, tal como já seria possível hoje.
Estávamos convencidos de que um fator principal nas relações dos seres humanos 1940
teoria dos rackets - atualização da luta de classes
e em seu pensamento é a circunstância de que há dominadores e dominados,
como se viu de um modo especialmente claro no nacional-socialismo. Por isso,
naquele tempo pusemos então nossa esperança na revolução, porque a Alemanha,
ideia equivocada
depois de uma revolução, não ficaria pior do que no tempo do nacional-socialismo.
Se se realizasse a “sociedade correta”, por meio de uma revolução dos dominados,
como o havia imaginado Marx, também o pensar (58) se converteria em um pensar
mais correto. Pois ele não dependeria mais da luta de classes, consciente ou
inconsciente, entre si. Todavia, compreendíamos claramente, e isto é um fator
decisivo na teoria crítica de então e de hoje: compreendíamos que a sociedade
impossivel descrever o que é uma sociedade correta
correta não pode ser determinada de antemão. Poder-se-ia dizer o que é mal na
sociedade atual, mas não se poderia dizer o que será bom, porém trabalhar
unicamente para que o mal desaparecesse finalmente. proibição de imagens *****
Havia, pois, duas ideias básicas na teoria crítica inicial; em primeiro lugar, a
de que a sociedade havia se tornado ainda mais injusta que antes por meio do
fascismo e do nacional-socialismo e que um número infindável de pessoas tinha
que sofrer terrivelmente e sem necessidade disso, e que nós tínhamos esperança
na revolução, porque na guerra não nos atrevíamos a pensar então. A segunda
ideia básica era a de que somente uma sociedade melhor pode estabelecer a
condição para um pensar verdadeiro, já que somente em uma sociedade correta
ninguém estaria determinado em seu pensar pelos fatores coativos da sociedade
má.
Agora devo descrever-lhes como se chegou da teoria crítica de então à
teoria crítica de hoje. Aqui, o primeiro motivo constitui a ideia de que Marx esteve
equivocado em muitos pontos. Só mencionarei uns poucos: Marx afirmou que a
revolução seria um resultado das crises econômicas, cada vez mais agudas, unidas
à progressiva miséria da classe trabalhadora em todos os países capitalistas. Isto
passagem da primeira teoria crítica para a segunda - características que fizeram abandonar Marx 3
Teoria Crítica ontem e hoje (1969-1972)
induziria finalmente o proletariado a pôr fim a este estado e a criar uma sociedade
justa. Começamos a nos dar conta de que esta teoria era falsa, porque a classe
trabalhadora está muito melhor agora do que nos tempos de Marx. Muitos
trabalhadores se convertem de simples operários manuais em empregados com
uma categoria social mais elevada e com melhor padrão de vida. Ademais, o
número de empregados aumenta constantemente em relação ao dos
trabalhadores. Em segundo lugar, é evidente que as crises econômicas são cada vez
menos frequentes. Em grande parte, podem ser impedidas mediante intervenções
de tipo econômico-político. Em terceiro lugar, o que Marx esperava
definitivamente da sociedade correta é provavelmente falso pelo mero fato de que
(e este princípio é importante para a teoria crítica) liberdade e justiça estão tão
unidas como que constituem coisas opostas; quanto mais justiça, menos liberdade.
Para que as (59) coisas se efetuem com justiça, devem-se proibir às pessoas muitas
coisas, sobretudo o não se impor aos demais. Mas quanto mais liberdade há, tanto
mais aquele que desenvolve suas forças e está mais preparado que o outro poderá
ao final submeter o outro e, por conseguinte, haverá menos justiça.
O caminho da sociedade que por então começamos a vislumbrar e que
agora julgamos é completamente diferente. Chegamos à convicção de que a
sociedade se desenvolverá para um mundo administrado totalitariamente. Que
tudo será regulado, tudo! Precisamente quando se tenha chegado ao ponto de que
os homens dominem a natureza, e todos tenham comida suficiente e ninguém
necessite viver melhor ou pior que o outro, porque cada qual poderá viver de um
modo bom e agradável, então tampouco não significará nada se alguém é ministro
e o outro simplesmente secretário, então acabará sendo tudo igual. Tudo poderá
regular-se automaticamente, tanto se se trata da administração do Estado, como
da regulamentação do trânsito e a regulação do consumo. Esta é uma tendência
imanente ao desenvolvimento da humanidade, tendência que, todavia, pode ser
interrompida por catástrofes. Estas podem ser de natureza terrorista. Hitler e Stalin
são sintomas disso. De certo modo, quiseram realizar a unificação demasiado
depressa e exterminaram os que não se ajustavam a ela. Tais catástrofes podem
ser ocasionadas pela competição, a qual passou dos indivíduos aos Estados e
finalmente aos blocos e conduz a guerras que interrompem por completo todo o
desenvolvimento. Pensem vocês na bomba de hidrogênio e tudo o mais, por
exemplo, bombas capazes de infectar com bactérias países inteiros.
Assim, nossa teoria crítica mais moderna já não defende a revolução,
porque, depois da queda do nacional-socialismo nos países do Ocidente, a
revolução se converteria de novo em um terrorismo, em uma nova situação
terrível. Trata-se, ao contrário, de conservar aquilo que é positivo, como, por
exemplo, a autonomia do indivíduo, o significado do indivíduo, sua psicologia
diferenciada, certos fatores da cultura, sem pôr obstáculos ao progresso. Naquilo
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que é necessário e que nós não podemos impedir, devemos levar conosco o que
nós não queremos perder, a saber: a autonomia do indivíduo.**
A juventude protesta com razão contra uma série de fatores da universidade
que devem ser reformados. Mas, se meu mestre Cornelius não tivesse tido tanto
poder para nos ajudar, para permitir-se fazer caso omisso de muitas regras, para
não ter que simplesmente ater-se a elas, se tivesse (60) tido que se guiar
meramente por um programa prescrito, nunca haveria adiantado grande coisa em
nossa atividade de pensar. O poder do professor tem sua parte má e sua parte boa.
Com razão exigem os estudantes que se chegue a renovar a universidade, já que
dela dependem em grande parte a jovem geração, as escolas e muitas outras
coisas. A renovação da universidade é necessária, mas não no sentido de que, por
exemplo, se cerceie a liberdade do professor.
Vou citar outro problema sobre o qual é preciso que vejamos claro e ao
redor do qual gira a teoria crítica. Exatamente o mesmo que ocorre com a
autoridade do indivíduo, que pouco a pouco vai se perdendo, ocorre a outra coisa
completamente distinta, na qual vocês talvez nem pensem e sobre a qual vocês
jamais esperariam que eu fosse lhes falar: do destino da teologia e da religião em
nossa sociedade. A teologia e a religião não se encontram hoje tão só em crise, mas
em muitos países quase se extinguiram. Agora se tenta conservar a religião através
de uma paz artificial costurada com a ciência. Aqui gostaria de lhes dizer algumas
frases que formulei em outro lugar. Atualmente, as igrejas fazem, entre si e com a
ciência, todas as concessões possíveis e os homens se dão conta de que não se
portam muito seriamente com aquilo em que sempre acreditaram. Escrevi o
seguinte:
As conversações das confissões entre si e com os marxistas e representantes
de qualquer outra ideologia merecem todos os respeitos. Todavia, eu pergunto
se não deveria incluir-se outro meio, concretamente o de fazer ressaltar que
todos os sistemas e conceitos teológicos, em sentido puramente positivo, já
não são sustentáveis. As religiões, inclusive o judaísmo, se baseiam na ideia de
um Ser eterno, de sua onipotência e justiça. Todavia, o que os órgãos humanos
podem reconhecer é o infinito, aí incluído o homem. O eu, a própria
consciência, o que chamamos alma, na medida em que nós mesmos podemos
julgar disso, já na vida mesma são suscetíveis facilmente de transtornar-se,
confundir-se, interromper-se; acidentes, enfermidade grave, inclusive o
consumo de álcool e de outros estimulantes podem fazer isso. Que na terra,
em muitos lugares reinam a injustiça e a crueldade e os seres felizes que não
têm que sofrer se aproveitam de que sua felicidade depende do infortúnio de
outras criaturas, tanto hoje como no passado, o chamado pecado original é
evidente: os (61) que, em sentido próprio, pensam, são conscientes de tudo
isso, e sua vida, também nos momentos felizes, inclui a tristeza. Quando a
tradição, as categorias religiosas, em especial a justiça e a bondade de Deus já
não se apresentam como dogmas, como verdade absoluta, mas como o anseio
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Esse trecho não consta na tradução espanhola. (Nota do tradutor brasileiro)
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Max HORKHEIMER. Sobre a dúvida (Über den Zweifel) In: ________. Gesammelte Schriften, B.7, S.222f.
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Arthur Schopenhauer. (Nota do Ed.)
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poder escolher algumas coisas da teoria crítica e pelo fato de que esta escolha é
muito fortuita.
A última vez eu falei acerca de coisas teológicas e, sobretudo, da tristeza. Se
eu olho ao meu redor, no mundo de ontem e de hoje, tenho que pensar
forçosamente que em cada instante, em diversos lugares da terra, há pessoas que
são torturadas e que têm que viver em condições horríveis, no medo e na miséria.
A fome não é sequer o pior, mas o medo ante a violência. E seguramente constitui
uma das tarefas da teoria crítica declarar isto. demagogia - lideres democráticos posando ao
lado de opressores
Permitam-me que lhes diga ainda outra coisa que me dá a pensar:
periódicos e revistas, rádio e televisão, quando é questão do trato com homens de
Estado, sempre costumam fazer ressaltar os sentimentos amistosos que esses
cavalheiros abrigam uns para com os outros. Sempre saem fotografados sorrindo,
inclusive os representantes dos chamados Estados civilizados, os quais conversam
com assassinos de massas, que, entretanto, chegaram a ministros. Em raríssimas
ocasiões lemos palavras tais como canalhas ou assassinos de massas. E, todavia,
todo mundo sabe que em uma série de Estados, alguns ministros chegaram ao
poder graças a ter encarcerado inúmeras pessoas inocentes ou havê-las
assassinado de forma horrível; isto também ainda acontece hoje. tom dissumulado da política
(63) Não em cada um de nós surge o anseio de que estes horrores já sejam
suficientes, que deve haver Alguém que compense as vítimas inocentes ao menos
depois de sua morte, que lhes faça bem, especialmente quando morreram por
defender suas próprias convicções. Por isso, fiz alusão à teologia, que é a que
cultiva este anseio, e com isso quero justificar-me perante aqueles dentre vocês
que, no sentido do esclarecimento, se sentem descontentes por eu haver dito que
devemos, de certo modo, conservar a religião.
Estou falando da crítica da sociedade, segundo o aspecto que oferece hoje,
quando menciono esses indignantes sentimentos de amizade para com alguns
representantes de Estados terroristas. Esta amabilidade tem a ver, certamente,
com a situação internacional, posto que se não se é amável com estes assassinos,
então serão amáveis com eles outros Estados e as coisas andarão ainda pior.
Devemos compreender claramente que uma das teorias mais importantes da
filosofia, a chamada teoria crítica, é a que afirma que o “progresso” se paga com
coisas horríveis, negativas. Pensem vocês por um momento que os Estados que
fizeram a Segunda Guerra Mundial contra Hitler e nos libertaram jamais teriam
iniciado uma guerra pelo fato de Hitler haver atormentado e assassinado seres
humanos, mas o fizeram devido a conflitos do poder político.
Permitam-me que fale de problemas mais simples. Mas antes que comece a
fazê-lo, gostaria ainda de dizer, devo ainda dizer, que se os Estados civilizados não
investissem muito dinheiro em armamento, já estaríamos há muito tempo sob o
domínio daquelas potências totalitárias. Quando alguém critica, deve saber
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Esse trecho não consta na tradução espanhola (Nota do tradutor brasileiro)
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Retradução alemã de uma tradução italiana da passagem, que Horkheimer utilizou em sua palestra
proferida em italiano. Na edição alemã: José Ortega y Gasset. Schuld und Schuldigkeit. Munique, 1952,
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Isto tem muito a ver com a especialização. Eu queria aqui repetir para vocês
uma frase que resulta especialmente característica para a teoria crítica nos tempos
atuais, a de que a sociedade deixou para trás a era burguesa, o liberalismo. Mas a
universidade como um todo ainda não entrou, por muitas razões, nesta nova fase.
Um futuro professor que tenha que ensinar em um instituto alemão deve conhecer
grego, grego antigo. Mas não necessita ter nenhuma ideia de medicina, pois se
encarregam dela os colégios médicos; o médico deve parecer com alguém que só
dá receitas, que só ele sabe tudo. O pobre estudante de instituto, nem sequer nas
classes superiores, chega a saber o que significa o câncer. Os métodos mais simples
da medicina, a definição corrente das enfermidades, a relação das enfermidades
entre si, de tudo isso não se fala nada na escola. Os mesmos médicos se convertem
cada vez mais em especialistas, e aqueles dentre eles que sabem algo acerca do ser
humano inteiro, são cada vez mais escassos. O decano de uma Faculdade de
Medicina disse certa vez: sempre se afirma que o médico prático já não constitui
propriamente uma profissão atual, só há especialistas. Naturalmente, explicava ele,
que temos necessidade do médico prático, afinal quem deveria enviar os doentes
ao especialista? Esta é sua missão.
O estudante, que mais tarde será professor de ensino secundário, deve, na
Alemanha, como dissemos, estudar grego, mas das disciplinas que ele logo
ensinará, não necessita, (68) por exemplo, nada de pedagogia. Em grande parte,
com razão, já que a psicologia, da qual ele também teria necessidade, se encontra
em uma mísera situação nas universidades, figura entre as disciplinas que há muito
tempo não se cultivam como se deveriam cultivar.
Permitam-me agora que eu fale de um tema que me parece especialmente
importante, o tema relativo à demagogia. Na universidade se ensina história;
todavia, o estudante não aprende nada acerca do que é especialmente importante
para o mundo em que vivemos, acerca do que chamam demagogia e sobre a forma
como esta opera. Desde Pedro, o Eremita, na primeira Cruzada até a era de Hitler,
Stalin e seus sucessores, os ardis demagógicos seguem sendo essencialmente os
mesmos. Ofereço-lhes alguns exemplos. O demagogo se designa como herói, que é
um mártir ao mesmo tempo, cuja vida está continuamente ameaçada. Fala sempre
no superlativo, mas, sobretudo, ele repete incansavelmente que “nós” somos os
bons e os demais são os maus. Os demais (as pessoas de outras nações ou na nação
mesma, quando estão contra ele ou quando só figuram em outro partido) nunca
têm razão, só ele a tem. Ele diz que pertence ao número das pessoas simples; não
obstante, é um homem refinadamente hábil, que conscientemente usa todo um
p.68. Nota parcial de Alfred Schmidt e Gunzelin Schmid-Noer editores das obras completas de Max
Horkheimer. (Nota do tradutor brasileiro).
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não tem mais o significado que uma vez ela teve. O professor pode lutar por
reformas que eu indiquei, se comprometer com a aproximação entre psicologia e
sociologia, pois ambas têm uma tendência nas universidades alemãs a serem
consideradas perigosas. O individuo isolado pode tentar, ao menos se preocupar
por isso, que nas escolas se ensine algo sobre as mudanças do cristianismo ou
sobre as deformações que a doutrina de Marx sofreu na história dos partidos que
se denominam marxistas. Todas essas coisas foram extremamente negligenciadas,
e assim há ainda muitos exemplos de como o indivíduo pode atuar praticamente
em prol de sua ideia. Todavia, nisso deve renunciar à cooperação entre os
chamados ativistas, que tanto se parecem com os demagogos, porque não querem
ver na (70) sociedade atual o que vale a pena conservar e o que possivelmente
pode ser transformado. Também os conceitos e os valores mudam seu significado,
temos um exemplo na diferença entre conservadorismo e mentalidade
revolucionária. O verdadeiro conservador se encontra, em muitos casos, mas nem
sempre, mais próximo do verdadeiro revolucionário do que do fascista, e o
verdadeiro revolucionário mais próximo do verdadeiro conservador do que do que
agora chamam comunismo. Eu poderia agora oferecer-lhes exemplos de como
muitos conservadores na Alemanha tiveram coragem de protestar contra o
nacional-socialismo.
Permitam-me, para finalizar, algumas palavras sobre a diferença entre
otimismo e pessimismo. Pessimista é, efetivamente, minha ideia sobre a culpa do
gênero humano, pessimista em relação para onde corre a história, a saber, para o
mundo administrado, ou seja, que o que chamamos espírito (Geist) e imaginação
desaparecerá continuamente. Certa vez escrevi: “O grande e necessário sentido do
pensar é fazer-se supérfluo a si mesmo”. Mas, em que consiste o pessimismo, que
compartilho com Adorno, meu falecido amigo? Consiste, apesar de tudo isso, em
tentar realizar aquilo que se considera como verdadeiro e bom. E assim nosso lema
sempre foi: ser pessimistas teóricos e otimistas práticos.
Esse trecho não consta na tradução espanhola. (Nota do tradutor brasileiro)
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