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Robcrt A.

Dahl

Um Prefácio à
Teoria Democrática

Ruy Jungmann

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4 .^
Jorge Zahar Editor
Rio de Janeiro
R og. ___ ^ 7

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D Compra Rec- Próprios


D Compra Rec Externos
D Compra Rec- Muita
B D oações

{tu!)ücadaem 1956 por Univeraity of Chicago.


<io d u c a d o , Olinois. EUA

KTyrizht C* 1956, The Univeraity of Chicago


AH ! ighta reservo d.

' 'H*" C 19H9 da edição etn língua portuguesa:


Jor^c Zahar i^dilor ÍJda.

X101! Rwt.lalanaMo, Ml
Sumário

7 Nota Preliminar
9 Introdução
1
73 A Democracia Madisoniana
2
47 A Democracia Populista
3
67 A Democracia Poiiárquica
4
93 Igualdade, Diversidade e Intensidade
5
723 O Híbrido Americano
749 índice
Lista das ilustrações

1. Três possíveis estados da opinião pública


a respeito da alternativa Y 58
2. Consenso forte com preferências fortes 96
3. Consenso forte com preferências fracas 96
4. Desacordo moderado: simétrico 97
5. Desacordo moderado: assimétrico 97
6. Preferências dos eleitores do pleito presidencial de 1952 98
7. Preferências dos eleitores do pleito presidencial de 1952 99
8. Desacordo sério: simétrico 100
9. Desacordo sério: assimétrico 101
10. Votos populares e cadeiras conquistadas na Câmara 143
11. Votos populares c cadeiras conquistadas no Senado 144
Nota Preliminar

Ao apresentar í/nt Pr^/Hcío à íeo ría DewocrátíM, de autoria do professor


Kobcrt Dahl, julga a Walgreen Foundation estar acrescentando mais um
importante trabalho ao número crescente de obras sobre as idéias básicas a
respeito da democracia. A Fundação, aliás, já patrocinou estudos sobre
democracia, do ponto de vista do filósofo e do moralista. N o campo da
teoria política, porém, numerosos teóricos têm submetido a testes
empíricos as idéias democráticas. Por isso mesmo, acolhe com grande
attsfaçáo o trabalho do professor Dahl, como representativo da linha
empuica de indagação. Sua contribuição ao campo da teoria será sem
duvida bem recebida pelos cientistas sociais, quaisquer que sejam as
<";rn)ns a que se filiem.

JEROME G . KERWIN,
/*rMíd^n<í do Ccm-eMo
C/igrtey A'. AoMndanbft /br íAe
SíMdy o/AoMrò-ün /njíUMfcH
ParaMary
Introdução

Dei a estes ensaios o título f/w frg/acio à Teoria Democrática porque, na


sua maioria, formulam questões que precisariam ser solucionadas por uma
teoria satisfatória de política democrática. Não têm a intenção de sugerir
todas as questões que necessitariam de solução, ou mesmo as mais impor­
tantes, mas apenas algumas que julguei interessantes e que, alimento esta
es[x-rança, sejam importantes.
H estranho, talvez, que após tantos séculos de especulação política, a
n-tmn dc democracia continue a ser — se estou certo nesta minha suposi-
,.ti' básica — sumamente insatisfatória, seja ela considerada de caráter es-
.<tn ialmente ético ou basicamente como uma tentativa de descrever o
mundo real.
) )csdc o começo, uma das dificuldades que temos que enfrentar é que
uito há tuna teoria democrática, ou de democracia — mas várias. Sugere
' .!< I.uo que melhor faríamos em estudar algumas teorias representativas
't <t. n m oacia a fim dc descobrir que tipos de problemas colocam; tal o
i'nt<. dimento que adotamos nestes ensaios, embora nenhum esforço tenha
'<]" h-uu para estudar todas ou a maioria das teorias tradicionais.
<' i.uo de Itavcr tantos e tão diferentes enfoques da teoria de demo-
' et. ta <tnr.ntui em [tarte, embora não totalmente, resultado da existência
.i. <n t!... )n< . a vos ângulos dc estudo dc qualquer teoria social. No estudo
a . ! ".<< i.n ia. uma boa argumentação poderia ser formulada para quase
'."t i . t . [ttt . abdidades. Seria rcaímcntc assustadora uma lista das ma­
te tt t. alit iuattva . attavés das quais poderiamos tentar formular uma teoria
"<!" ........ . . t.t Mrnciouoalgumasapcnas para indicaracspantosa faixa
tt )-. ))ttht))ntes

t ' ............. . t. m.tt elalxtrtu uma teoria dc maximização que considc-


< tl, ..o i. <tti[tt t)e etttsas (tal como a igualdade política) como um
)U pr<V.lr<o á <eona democráttca

v;)tot, nu un i;), e perguntar: Que condições são necessárias para atingir


n tnúnunn concrcti/ação dessa meta? Ou, aitemativamente, po-
tl< [)antos tentttr construir uma teoria descritiva, uma que na verdade
dum alguma coisa como: Temos aqui um conjunto de organizações
.<x uns que possuem em comum esta ou aquela característica. Que
t nndtçõcs são necessárias para que existam organizações sociais como
estas?
-Sc escolhéssemos uma teoria de maximização, poderiamos tentar for­
mular uma que fosse essencialmentc ctica no sentido em que procu­
rasse justificar, explicar ou tomar racionais os valores ou metas que
quereriamos que fossem maximizadas. Ou, quem sabe, construir uma
que fosse eticamente neutra no sentido cm que metas ou valores são
tomados como dados, pelo menos para as finalidades da teoria.
3. Se resolvéssemos arquitetar uma teoria eticamente neutra, poderiamos
nos inclinar por uma axiomática ou outra que perguntasse algo como:
Que precondições lógicas posso deduzir da descrição da própria meta?
Ou talvez preferíssemos uma teoria empírica, que indagasse: Obser­
vando o mundo real, em algum sentido, o que posso considerar como
condições necessárias (no mundo real) para a maximização da meta
postulada?
4. Poderiamos nos satisfazer com uma teoria não-operacional ou exigir
que fosse tomada operacional. (Operacional no sentido em que as de­
finições principais na teoria especificam um conjunto de observações
sobre o mundo real, um conjunto de operações a serem realizadas com
base nas observações, ou ambas as coisas.)
5. Poderiamos aceitar como válida uma teoria que não requeresse qual­
quer medição ou exigir que alguns dos fenômenos fossem mensu­
ráveis. (Por medição entendo, no mínimo, o estabelecimento de uma
ordem entre os fenômenos, de modo que se possa dizer que A é maior,
igual ou menor do que B, ou alguma relação lógica equivalente.)
6. Poderiamos, finalmente, construir uma teoria que estabelecesse apenas
requisitos constitucionais básicos ou tentar edificar outra que incluísse
também as necessárias condições sociais e psicológicas.

Tomara que ninguém se assuste e abandone a leitura por causa desse


conjunto enorme de alternativas, porque não é minha intenção sujeitar o
leitor a uma crítica de cada uma delas. Em vez disso, proponho-me a tomar
alguns poucos tipos representativos de teoria de democracia, começando
com uma que é muito conhecida dos americanos: a teoria madisoniana. No
exame desses tipos, estudarei também aigumas das vantagens c delict
ências das principais alternativas mencionadas acima.
Não me proponho a definir rigorosamente o termo "democracia",
porquanto cada um dos capítulos é, até certo ponto, um ensaio em defini
ção — embora todos sejam, segundo espero, muito mais do que isso. Mas.
no mínimo, parece-me, a teoria de democracia diz respeito a processos
através dos quais cidadãos comuns exercem um grau relativamente alto de
controle sobre líderes. Temos aí uma definição mínima, que pode ser
facilmente transposta para uma grande variedade de enunciados mais ou
menos equivalentes, caso o leitor não goste do tipo particular de linguagem
que resolvi usar.
Coloquei em notas de rodapé ou cm apêndices certos detalhes que
acho de interesse e que julgo importantes, mas que prejudicariam o desen­
volvimento do argumento no caso de leitor interessado nos pontos princi­
pais. Na elucidação do argumento, a fim de me satisfazer, julguei útil usar
notação algébrica. Uma vez que alguns leitores podem julgar também es­
clarecedor esse procedimento, incluí parte desse material nas notas de ro­
dapé e nos apêndices. Tal como nos casos das demais notas e apêndices,
elas, também, podem ser ignoradas pelo leitor, sem grandes prejuízos para
a compreensão do argumento principal.
Desejo, na oportunidade, manifestar minha sincera gratidão à Charles
R. Walgreen Foundation for the Study of American Institutions por ter me
convidado a transformar em capítulos estes trabalhos, originariamente
apresentados como Palestras Walgreen. Desejo também registrar aqui mi­
nha dívida com C.E. Lindblom, que não só leu o manuscrito em sua versão
preliminar, mas brindou-me com numerosas críticas detalhadas e su­
gestões, todas as quais muito proveitosas para mim e que, na maior parte,
aceitei, à parte umas poucas que rejeitei com grande risco para mim. Fi­
nalmente, desejo consignar meus agradecimentos à sra. Suzanne Keman
que, com competência e paciência inesgotável, encarregou-se da datilo­
grafia das numerosas versões do manuscrito.
.
.

.
'

.
capítulo 1

A Democracia Madisoniana

A democracia, ouvimos dizer frequentemente, repousa sobre concessões


mútuas. A teoria da democracia, no entanto, também está cheia dessas
concessões — conciliações de princípios que coiidem uns com os outros e
são antagônicos entre si. O que é uma virtude na vida social, porém, não o é
necessariamente na teoria social.
O que vou chamar de teoria "madisoniana" de democracia constitui
um esforço para se chegar a uma acomodação entre o poder das maiorias e
o das minorias, entre a igualdade política de todos os cidadãos adultos, por
um lado, e o desejo de lhes limitar a soberania, pelo outro. Como sistema
político, a transigência mútua, exceto em um interlúdio importante, provou
ser duradoura. E o que é mais, parece que os americanos o apreciam. Como
teoria política, contudo, a concessão mútua cobre delicadamente de papel
certo número de rachaduras, sem as esconder inteiramente. Não é por acaso
que a preocupação com os acertos e erros do govemo da maioria tem sido
uma constante no pensamento político americano desde 1789. Isto porque
se a maioria dos americanos parece ter aceito a legitimidade do sistema
político madisoniano, nunca desapareceu inteiramente a crítica aos seus
)andamentos lógicos, bastante débeis. E como conseqiiência disso, sem
duvida, as teses madisonianas têm que ser constantemente reiteradas ou
"« .mo, como no caso de Calhoun, ampliadas.
4 prctárto .) <íxv/a democrá/ka

Imln/ntt a u m tttribuir dircUrmente ao próprio James Madison todas


a . itmpo .n,(x tpn- se seguem. Isto porque, embora Madison tenha formu­
lado a mann ia dos elementos básicos da teoria, antes e durante a Conven-
t,.tu ( on tutu tott.tl e mais tarde cm alguns dos "Fcdcralist Papcrs", sua re-
fn,.to t om as proposições a seguir discutidas deve ser ressalvada de três
mnncuns.
I ttt ptinteiro lugar, a despeito de dissensões de vários tipos, grande
patn- do que ele formulou ou deixou implícito era amplamente compar­
tilhado por outros líderes políticos de sua época. Madison, contudo, pos­
suía o taro dom — duplamcntc raro entre os líderes políticos — de expo-
stçáo lúcida, lógica e organizada de seu argumento teórico. Talvez em ne­
nhum outro trabalho político de autor americano haja uma peça de teoria
tnats solidamente lógica, quase matemática, do que no YAc Federafíst, n-
10, de Madison. Daí ser tanto conveniente como intelectualmente com-
[x nsador voltar a Madison a fim de descobrirmos os fundamentos lógicos
básicos do sistema político americano.
Segundo, nem mesmo Madison enunciou sempre suas suposições no
tocante a fato, definição ou valor. Em conseqüéncia, julguci necessário
fomecer ocasional mente o que me parecem ser essas suposições básicas.
Trata-se de uma empreitada arriscada e, como defesa, posso apenas dizer
que, em todos os casos, procurei tomar sua posição tão organizada e coe­
rente quanto possível, e não debilitá-la. Em suma, cito Madison nos casos
em que ele me parece tomar sua argumentação a mais lógica, coerente e
explícita, embora, em todos os demais casos, eu tente formular uma pro­
posição que me parece mais lógica, coerente e explícita. É em um estilo de
argumento que estou interessado e não em uma reprodução perfeita das
palavras de Madison.
Terceiro, é um pouco injusto considerá-lo como teórico político. Ele
escrevia e falava para sua cpoca, não para o futuro. Mergulhado ate as
orelhas na política, aconselhava, procurava convencer, abrandava a palavra
áspera, apoucava esta dificuldade ou exagerava aquela, participava de
debates, acesas controvérsias, polêmicas e manobras ardilosas. Foi um
grande homem, inteligente, probo, bem-sucedido. E construiu bem. Des­
montar-lhe as idéias e examiná-las peça por peça é sem dúvida alguma um
pouco injusto. Como admirador de Madison, o homem e o estadista, eu dei­
xaria, contente, que Madison, o teórico, descansasse em paz — não fosse o
tato de ter ele tão profundamente modelado, e modelar ainda hoje, o
pensamento americano sobre democracia.
A proposição fundamental da teoria madisoniana é parcialmente
implícita e até certo ponto explícita, a saber:

//t/f/r.K' /: Na ausência de controles externos, qualquer dado indivíduo,


ou grupo de indivíduos, tiranizara os demais.
Esta proposição, por seu lado, pressupõe pelo menos duas definições
implícitas:

DEFINIÇÃO t: O "controle extemo" no caso do indivíduo consiste na


aplicação de recompensas e penalidades ou na expectativa
de que serão aplicadas por alguma outra fonte que não ele
mesmo.'

DEFINIÇÃO 2: A "tirania" c toda grave privação de um direito natural.

Três comentários precisam ser feitos sobre a definição de tirania pro­


posta aqui. Em primeiro lugar, não é a mesma que a definição explícita de
tirania que Madison dá no TTte Fe&ra/íst, n" 47, onde ele declara que "a
acumulação de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário nas
mesmas mãos, seja de um, de alguns ou de muitos, pode corretamente ser
julgada como a própria definição de tirania"/' Parece-me que a definição
explícita de Madison deriva da Definição 2, mediante inserção de uma pre­
missa empírica, isto é, a acumulação de todos os poderes nas mesmas mãos
levaria ã grave privação de direitos naturais e daí à tirania. Afigura-se ra­
zoável, por conseguinte, reconstruir o seu argumento explícito no seguinte
raciocínio madisoniano:

Mpdtarg 2: A acumulação de todos os poderes, legislativo, executivo e


judiciário nas mesmas mãos implica a eliminação dos con­
troles externos (generalização empírica).
A eliminação dos controles extemos gera tirania (deri­
vado da Hipótese 1).
Por conseguinte, a acumulação de todos os poderes nas
mesmas mãos implica tirania.

Da forma como está, a definição explícita de Madison é desnecessaria­


mente arbitrária e argumentativa, e uma vez que pode ser derivada de uma
definição que não só é altamente compatível com todo o teor do pensa­
mento dele, mas, como veremos dentro em pouco, útil à lógica dc seu argu­
mento, proponho que fiquemos com a Definição 2.
Segundo, os direitos naturais não são claramcnte especificados. Entre
os contemporâneos de Madison, como também entre seus prcdcccssorcs,
não havia absolutamente acordo perfeito sobre que "direitos" são "direitos
naturais". O acordo, que porventura havia, situava-se cm um alto nível de
ahstração e deixava amplas oportunidades dc desacordo cm casos espeed t
' ' Conforme veremos adiante, a falta de uma definição acordaria c aceita
<)< direitos naturais constitui uma das principais dificuldades da teoria
m.tdiwniana.
i . 1 , rim. n .< i a expressão "grave privação" a fim de encobrir uma am-
tugnut.ut.' im p<D atmuto de Madison e de seus contemporâneos. Até que
ptttno )'<nti H.im ii os governos na limitação dos direitos naturais sem se
tuut.u m.umos'' Atiui. mais uma vez, nem Madison nem qualquer outro '
in.iili um.tno. t.mto quanto sei, propuseram critérios inteiramente satisfa-
n ii ms Nau oli .t.mte. Madison sem dúvida concordava com seus contcmpo-
i.tm os em q ur , tio mínimo, qualquer limitação dos direitos naturais sem o
lonsemutiento" do interessado era uma privação suficientemente grave
p.ii.i t onstimir tinuiia.** A ttmbigüidade é tão profunda, porém, que duvido
que quatqucr outro fraseado possa remendá-la.
( 'orno corolários da Hipótese 1, duas hipóteses adicionais precisam ser
estabelecidas:

//í/wfe.sc Na ausência de controles externos, uma minoria de


indivíduos tiranixará uma maioria de indivíduos.
//f/wfe.vc 4.* Na ausência de controles extemos, uma maioria de indivíduos
tiranizara uma minoria de indivíduos.

Ou, como disse mais sucintamente Hamilton: "Dêem todo o poder aos
muitos e eles oprimirão os poucos. Dêem todo o poder aos poucos e eles
oprimirão os muitos."^
Passemos agora à prova da Hipótese 1 e, daí, também das Hipóteses 3
c4.

II
Evidentemente, a Hipótese 1 é uma proposição empírica. Sua validade, por
conseguinte, só pode ser submetida a teste pela experiência. Os métodos
que o próprio Madison usou para comprovar a hipótese parecem repre­
sentativos do estilo de pensamento americano amplamante aceito que,
neste livro, é denominado de "madisoniano". Seu primeiro método de
prova consiste em enumerar exemplos históricos colhidos, por exemplo, na
história da Grécia e de Roma." O segundo é o de derivar a hipótese de
certos axiomas psicológicos de grande aceitação nos seus dias — c talvez
mesmo agora. Esses axiomas, de carátci hobbcsiano, são mais ou menos do
seguinte teor: Os homens são instrumentos de seus desejos. Se dada a
oportunidade, levá-los-ão até a saciedade. Um deles é o desejo de exercer
poder sobre outros indivíduos, porquanto o poder não só é dirctamente
gratificantc em si, mas possui também grande valor instrumental, uma vez
que grande variedade de satisfações dele dependem. O teor desses axiomas
e u nntndo em observações feitas em convenções estaduais e na federal
tanto por pessoas que apoiavam quanto combatiam a Constituição:
Lenoir, nos debates na Carolina do Norte: "Temos que fcvar cm conta a
depravação da natureza humana, a sede predominante de poder qta- st
esconde no peito de todos os homens, as tentações a que governantes po
dem ser submetidos, e a confiança iiimitada depositada nefes por esse sis
tema.""
Frankfin, na Convenção Federal: "Há duas paixões que exercem pro
funda influência sobre os assuntos humanos. São efas a ambição e a ava­
reza; o amor pelo dinheiro e o amor pelo poder.""
Hamilton, na Convenção Federal: "Os homens amam o poder.""
Mason, na Convenção Federal: "Tendo em vista a natureza do homem,
podemos ter certeza de que aqueles que possuem poder nas m ãos... sempre
e quando puderem,... aumentá-lo-ão."'"

m
Se a Hipótese 1 é aceita como confirmada por esses dois métodos (ou por
outros), então as Hipóteses 3 e 4, que são apenas derivadas dela, são tam­
bém válidas. Não obstante, aparentemente, a Hipótese 4 desempenha um
papel especial no pensamento madisoniano."
Nem na Convenção Constitucional nem nos "Federalist Papers" de­
monstrou ele grande preocupação com os perigos atinentes à tirania da mi­
noria; em comparação, o perigo de tirania da maioria parecia lhe despertar
grandes temores. Os "Federalist Papers", por exemplo, não revelam quai-
quer profunda desconfiança do ramo executivo, que era considerado por
seus autores (erroneamente, como se viu) como o ponto forte para a mi­
noria da riqueza, do e do poderá Em contraste, um tema básico para
Madison é a ameaça de parte do legislativo, supostamente o baluarte da
maioria. Assim: "É contra a ativa ambição deste departamento que o povo
deva mobilizar todo o seu ressentimento e esgotar todas as suas precau­
ções."^
Segue-se da Definição 2, como também da própria definição explícita
de tirania dada por Madison, que a tirania legislativa, ou da maioria, não é
menos tirânica do que a tirania do executivo, ou da minoria. São ambas por
iguaf indesejáveis. Assim: "Os fundadores de nossa república... aparente
mente nunca se lembraram do perigo das usurpações do legislativo que.
reunindo todo o poder nas mesmas mãos, terá que gerar a me.voro tirania
que seria ameaçada por usurpações do executivo."'** Madison reforçou sua
posição invocando Jefferson, que no seu Note.? o/r Firginio, dissera: "Cento
e setenta e três déspotas seriam com certeza tão opressivos como um rim
e o ... c um &.?poíi.?oio eletivo não seria aquilo pelo que lutamos.'"'
f\t tum.i < tüitiotcts, portanto, são pesadas na mesma balança. Isto
)"<mm .. t< t< nhjt-uvo <ta não-tirania não é o tamanho do grupo gover­
nam. . um . . <!. .tpi.ilque] q u eforseu tamanho, impõe privações severas
..... .Inmi.. . natm.u ;" (tos cidadãos.

IV
Atr agora, as proposições no sistema madisoniano são definidoras ou
.mpn n as. Com a aceitação de mais uma definição, toma-se possível agora
. anhrlcccr as metas a usar na orientação da opção entre sistemas potíticos
possíveis.
O que se impõe nesta altura é uma definição de "democracia". Note-
se. porém, que nos dias de Madison o termo "democracia" era menos co­
mum do que nos nossos. Até certo ponto, ele se vinculava ao igualitarismo
radical; era também ambíguo porquanto muitos autores o definiram de ma­
neira a significar o que hoje chamaríamos de democracia "direta", isto é,
democracia não-representativa. O termo "república" era usado com maior
frequência para se referir ao que nós nos sentiriamos mais inclinados a
denominar de democracia "representativa".'^ Não fará mal, portanto, acei­
tar o termo "república" como o usava Madison, que ele definiu da seguinte
maneira:

DEtTNiçÀo 3: Uma república é um govemo que: a) deriva todos os seus


poderes direta ou indirctamente do grande corpo do povo e
ò) é administrado por pessoas que exercem seus cargos
enquanto assim agradar ao povo, por um período limitado
ou enquanto tiverem bom comportamento.'^

É possível enunciar agora a meta ética fundamental do sistema madi­


soniano e que, por questão de conveniência, podemos chamar de axioma
madisoniano:

A meta a ser atingida, pelo menos nos Estados Unidos, é a república


não-tirânica.

Essa meta foi aceita como um postulado. Uma vez que não foi seria­
mente questionada na Convenção Constitucional ou em qualquer outro
foro, nem seriamente posta em dúvida neste país desde aquela época, ela
permaneceu na maior parte como sendo um axioma não-examinado.'* Daí
não podermos afirmar inequivocamente quais os fundamentos lógicos que
possam existir por trás desse postulado. Para Madison e para muitos outros,
porém, o axioma era provavelmente deduzido implicitamente de um postu­
lado ótico mais fundamentai com a ajuda de uma premissa empírica, da
seguinte maneira: 1) Os direitos naturais devem ser respeitados (axioma):
2) o respeito aos direitos naturais é não-tirania (derivado da Definição 2);
3) uma república ó uma condição necessária, embora não suficiente, para a
não-tirania (generalização empírica). Q.E.D. — o axioma madisoniano.
Embora as duas primeiras proposições fossem largamente aceitas,
alguns federalistas muito conhecidos, como Hamilton, negavam a validade
da terceira. Hamilton, que na época demonstrava uma clara embora irrea-
lística preferência pela monarquia, disse na verdade que uma república po­
dería ser uma condição possível, mas seguramente não necessária, para a
não-tirania. Entre as condições possíveis para esta, ele teria incluído a mo­
narquia constitucional. Por sorte para a estabilidade do sistema político
americano, mas infelizmente para a teoria política, o desafio de Hamilton
foi recebido como uma monumental irrelevância.

V
Após esta breve excursão pela teoria ética, o restante do sistema madiso­
niano consiste em enunciados proféticos, definições e inferências derivadas
do que foi dito até então. Isto porque, dado o axioma madisoniano, a
questão transforma-se agora no seguinte: Que condições são necessárias
para que seja atingida a meta de uma república não-tirânica?

M/wíere .5. São necessárias pelo menos duas condições para a existência
de uma república não-tirânica:
Pri/n^ira condição.' A acumulação de todos os poderes,
legislativo, executivo e judiciário, nas mesmas mãos, seja de
um, de alguns ou de muitos, e se hereditária, autonomeada ou
eletiva, deve ser evitada.'^
.Segunda conJiçãa.' As facções devem ser controladas dc
tal maneira que não possam agir de forma contrária aos
direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes e
comuns da comunidade.^*

VI
Na tentativa de provar que a primeira condição é um requisito fundamental
de todas as repúblicas não-tirânicas, o sistema madisoniano torna-se tão
ambíguo que é difícil saber exatamente como fazer justiça ao argumento.
20 .1 !eor/3 ciemocráf/ca

t .ono tm uuuo, deparamos duas possibilidades alternativas. A primei-


ta iá t< i.n;n))<<. Imitas atrás, como sendo basicamente trivial. Isto porque,
t .n t it.mui\ a definição explícita de Madison de tirania e se postulamos
que <I.) tleve ser evitada, então a primeira condição é necessária apenas por
dt lu)n,.lo ) ) A tirania significa a acumuiação de todos os poderes, etc.
(delmtção); 2) a tirania d indesejável (axioma); 3) Por conseguinte, a acu-
mulaç.to de totlos os poderes, etc., é indesejável. Contudo, solucionar o
pmblcnta por definição deixa em aberto muitas e importantes questões.
I 'ando um exemplo, se perguntarmos "Por que a tirania, da forma como ele
a drtine, 6 indesejável?", o sistema madisoniano expiícito não fornece res­
posta isto porque certamcntc a "acumulação de todos os poderes, legisla
ovo, executivo e judiciário nas mesmas mãos" não 6 óbvia ou intuitiva­
mente desejável. A indesejabilidade de tal estado de coisas deve, então, de-
rtvar de certas consequências previstas. Quais serão essas consequências?
A fim de manter intacto o sistema madisoniano, tomei a liberdade de espe­
cificar quais devem ser essas conseqiiências, isto é, a "privação grave de
direitos naturais"^'
Outra possibilidade, por conseguinte, consiste em aceitar a definição
implícita de Madison de que tirania é toda grave privação de direitos na­
turais, e formular a hipótese empírica de que a acumulação de todos os po­
deres, etc., eliminará os controles externos (Hipótese 2) e daí gerará tirania
(segundo a Hipótese 1 e a Definição 2).
Contudo, se tentarmos agora salvar o sistema madisoniano da condi­
ção de argumento trivial mediante acréscimo dessas hipóteses e definições
implícitas, enfrentaremos um dilema. Isto porque, se por "poderes" enten­
demos autoridade constitucionalmcntc estabelecida, então a Primeira Con­
dição é demonstravelmente falsa, porque não é evidentemente necessária a
todas as repúblicas não-tirânicas, como revelará prontamente um exame de
sistemas democráticos parlamentares, mas certamente não-tirânicos, como
o da Grã-Bretanha. Suponhamos, então, que por "poderes" queremos des­
crever uma relação mais realista, tal como a capacidade de A de agir de ma­
neira a controlar as reações de B. Neste caso, toma-se claro que "o legis­
lativo, o executivo e o judiciário" de maneira alguma abrangem todas as
relações de poder ou processos de controle em uma sociedade. Os proces­
sos eleitorais, por exemplo, tomam possível que certos indivíduos con­
trolem outros; certamente contribuem para que liderados controlem líderes.
Daí, não é óbvio que a mera acumulação de poderes legislativo, executivo
c judiciário deva forçosamente levar à tirania, no sentido de grave privação
de direitos. As eleições populares (e os partidos que disputam entre si) po­
dem ser suficientes para impedir essas usurpações de direitos básicos. Isto
é, o argumento de Madison parece requerer agora a prova de, pelo menos,
uma hipótese adicional, a saber:
/fípdte.rc 6. Eleições populares frequentes não criarão controles externos
suficientes para impedir a tirania.

Isto porque se esta última hipótese é falsa, e eleições populares fre-


qüentes criam controles externos suficientes para impedir a tirania, então o
argumento de Madison sobre a necessidade de se manter os poderes legis­
lativo, executivo e judiciário separados constitucionalmente, ou de qual­
quer outra maneira, a fim de impedir a tirania, é também patentemente
falso.
Ora, o sistema madisontano explícito tenta, na verdade, provar a vali­
dade dessa hipótese supondo a validade da Hipótese 2, isto é, que a acumu­
lação de todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário nas mesmas
mãos implica a eliminação de controles externos. Se acettamos esta hipó­
tese, então a Hipótese 6, sobre a inadequação de eleições populares, tem
que ser verdadeira. Mas, tendo provado a Hipótese 6 pela aceitação da Hi­
pótese 2, não podemos agora fazer meia-volta e provar a Hipótese 2 su­
pondo a validade da Hipótese 6.
77te Fe&ra/iÍH, n° 49,^ para sermos exatos, tenta de fato provar que o
controle proporcionado pelo processo eleitoral ó inadequado para impedir
que todos os poderes, legislativo, executivo c judiciário, se acumulem nas
mesmas mãos. A respeito deste argumento cabem duas observações. Em
primeiro lugar, mesmo que a proposição seja válida, ela não pode provar a
necessidade da Primeira Condição, exceto pela rota definidora banal, rejei­
tada acima. Isto porque, exceto por definição, não se segue que a acumu­
lação de "todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário" leve à tira­
nia. Em segundo, os argumentos específicos cm apoio à proposição no 77;e
n- 49, parecem-me patentemente infundados ou claramente
inconclusivos. São eles: 1) que apelos frequentes ao povo indicariam de­
feitos no govemo e, por isso, debilitariam a veneração necessária à esta­
bilidade; 2) que a tranquilidade pública seria pengosamente abalada por
evocar exccssivamcntc as paixões populares; 3) que sendo poucos em nú­
meros, os membros do executivo e do judiciário só poderiam ser conhe­
cidos de uma pequena parte do eleitorado, o judiciário estaria distante
demais e o executivo seria objeto de ciumeira e impopularidade. Em con­
traste, os membros do legislativo vivem entre o povo e têm com ele liga­
ções de parentesco e amizade. Daí a luta pelo poder seria desigual c nela o
legislativo engoliria os demais poderes.^
Receio, assim, que não esteja confirmada a validade da Primeira
Condição.
Não obstante, a necessidade dessa condição para uma república não-
tirânica constitui um artigo de fc do credo político americano. Dela Madi-
son e seus sucessores que o ultrapassaram deduziram a necessidade de toda
a complicada rede de controles e contrapesos constitucionais: eleitorados
<i . i .i!.< .'i< )'ri o ['residente, os senadores e os deputados; o poder de
\< !<< pi .n)< tn ial utn congresso bicameral; o controle presidencial sobre
.... .. a<,'h .. i outumaçâo de senadores; e, em parte, o federalismo. Com o
l<a a d"', anos. surgiram ainda outros controles e contrapesos no sistema
potiu. o <- d es têm sido racionalizados com o emprego dos mesmos argu­
ment os a tcvistlo judicial, os partidos políticos descentralizados, as obs-
ntn,òns no Senado, a "cortesia" senatorial, o poder dos presidentes de co-
uu . ao c, na verdade, quase todas as técnicas organizacionais que prome­
tem contribuir com um controle externo adicional de quaisquer grupos
uleutif icávcis de líderes políticos.

VH
Passemos agora à Segunda Condição: As facções devem ser controladas de
ml forma que não consigam atuar contrariamente aos direitos dos demais
cidadãos ou aos interesses permanentes e conjuntos da comunidade.
De que modo pode ser atingido esse estado de coisas? Ao responder a
essa pergunta, Madison formulou um dos mais lúcidos e compactos con­
juntos de proposições políticas jamais apresentado por um americano: o
hoje muito conhecido argumento do YVtc Fe&raíist, n° 10/* Aqui tentarei
apenas expor o esboço mais simples possível de seu argumento.
Obviamente, toma-se necessária desde o início uma definição:

DEFINIÇÃO 4: Uma facção é "certo número de cidadãos, seja equivalente


a uma maioria ou minoria do todo, unidos e motivados por
algum impulso comum de paixão, ou de interesses, contrá­
rio aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses
permanentes e conjuntos da comunidade".^

Dada essa definição, é fácil demonstrar, à vista da Hipótese 1, que a


facção gerará tirania na ausência de controles externos. Desse modo, pro­
va-se que é necessária a Segunda Condição.
De que maneira, então, podem ser controladas as facções? Em resumo,
Madison argumenta com elegante rigor e economia que as causas latentes
da facção são semeadas na natureza do homem: têm origem nas diferenças
de opinião, que se baseiam na falibilidade da razão humana, no apego a
diferentes líderes c nas diferenças no domínio e usufruto de propriedades,
que são por seu lado resultado "da diversidade que se observa nas facul­
dades dos homens". Se as pessoas não podem ser tomadas iguais, as causas
das facções só poderiam ser controladas pela destruição & liberdade —
solução esta obviamente vedada a todos os que lutem por uma república
não tirânica. Daí segue-sc que elas não podem ser controladas pela elimi­
nação de suas causas. Dessa maneira, Madison prova a validade da
/fipdrgse 7; Se queremos que as facções sejam controladas, e evitada a
tirania, isto terá que ser conseguido peto controle dos efeitos
por etas produzidos.

Poderão os efeitos ser controlados de modo a se evitar a tirania? Po­


derão, afirma Madison, contanto que se façam presentes duas outras
condições:

Mpoiase & Se uma facção consiste em menos que a maioria, ela pode ser
controlada mediante aplicação do "princípio republicano" de
votação em um corpo legislativo, isto é, a maioria pode, pelo
voto, vencer a minoria.
.Mpótare 9.* O desenvolvimento da facção da maioria pode ser limitado se
o eleitorado for numeroso, variado em composição e diversi­
ficado em interesses.

A validade da Hipótese 8 deve ter parecido evidente por si mesma a


Madison, uma vez que sequer tentou prová-la. Não obstante, constitui ela
uma suposição de importância crucial para o sistema madisoniano. Isto
porque, se puder ser demonstrado que a aplicação do "princípio republica­
no" não impedirá em todos os casos que graves privações sejam impostas à
maioria pela minoria, o sistema não gerará uma república não-tirânica.
Voltaremos a este ponto mais adiante.
A Hipótese 9 é provada por um argumento que contém certo número
de enunciados extremamente duvidosos e alguns que, se verdadeiros, colo­
cariam questões sérias quanto à validade de outras hipóteses básicas do sis­
tema. Argumenta Madison que só há duas maneiras possíveis de controlar
os efeitos produzidos por uma facção de maioria. Em primeiro lugar, deve
ser impedida a existência da mesma paixão ou interesses na maioria, na
mesma ocasião. Mas como neste caso nenhuma facção de maioria existiria,
Madison parece ter invertido seu argumento anterior, de que não poderiam
ser controladas as causas das facções. Em segundo lugar, mesmo que exis­
tisse uma facção de maioria, seus membros deveriam ser tomados inca­
pazes de agir juntos efetivamente.
Ambas as maneiras de controlar os efeitos, argumenta Madison, são
proporcionadas por uma grande república. Segue-se um conjunto extre­
mamente duvidoso e provavelmente falso de proposições com a intenção
de demonstrar que a representação numa grande república dará origem a
"melhores" políticos e reduzirá a probabilidade de sucesso "das artes vi­
ciosas através das quais as eleições são frequentemente realizadas". Logo
depois, Madison enuncia uma proposição final e de excepcional impor­
tância: "Amplie-se a esfera e obtém-se maior variedade de partidos c inte­
resses e toma-se menos provável que uma maioria do todo tenha um mo-
24 /w /á r/o á íeof/a democráí/ca

ttvo nxmtm )';x.) usurpar os direitos dos demais cidadãos ou, se tal motivo
mutuui rsisu-. scr;'t mais difícil... que c!a atue em uníssono".^ Mas para-
tt.i remos o qtte (iisse Madison:

/O; Na medida em que o eleitorado é numeroso, variado e diver­


sificado em interesses, é menos provávei que exista facção de
maioria e, se existir, é menos provável que atue como uma
unidade.

vm
Na tentativa de conferir significado à Primeira Condição, já se tomou ne­
cessário examinar-lhe a validade. Passemos agora a uma curta análise da
validade de algumas das demais hipóteses e da utilidade de algumas das
definições no estilo madisoniano deliberadamente formalizado que vimos
até então adotando.
A primeira hipótese, cabe lembrar, é mais implícita do que explícita no
argumento madisoniano e foi formulada da seguinte forma:

7.- Na ausência de controles externos, qualquer dado indivíduo,


ou grupo de indivíduos, tiranizará os demais.
DEFINIÇÃO t: O "controle externo", no caso de qualquer indivíduo, con­
siste na aplicação de recompensas e penalidades ou na ex­
pectativa de que serão aplicadas por alguma outra fonte
que não o próprio indivíduo.

/níer alia, a primeira hipótese implica:


1. Que o controle sobre os demais mediante processos governamentais é
um objetivo altamente valioso, isto é, acredita-se que esse controle se­
ja direta ou indiretamente compensador para aqueles que o exercem.
2. Que é impossível mediante educação ou treinamento social criar,
através da consciência, autodomínio suficiente para inibir impulsos
favoráveis à tirania entre líderes políticos. Madison, na verdade, vai a
ponto de dizer: "Sabe-se que a consciência — o único laço restante —
é insuficiente nos indivíduos isoladamente; cm grandes números, pou­
co sc pode esperar dela."^
3. Que a faixa de identificação empática de um indivíduo com outro é es­
treita demais para poder eliminar os impulsos para a tirania.
Numerosos teóricos políticos antes de Madison deram grande ênfase
ao papel da doutrinação social ou formação dos costumes na criação de
atitudes, hábitos e mesmo de tipos de personalidade necessários a um dado
tipo de sistema político. Maquiavel, que de maneira geral não foi um
observador tolerante do comportamento humano, evidentemente acreditava
que o controle fundamental da tirania não se encontrava tanto em um con­
junto de fórmulas legais sobre a distribuição específica de certos controles
— isto é, uma constituição formal — como numa rede de hábitos e atitudes
inculcados na sociedade. Certamente essa opinião é mais compatível com
os conceitos modernos de comportamento do que a implícita no sistema
madisoniano. Um cientista social modemo inclinar-se-ia a supor que o tipo
predominante de relacionamento familiar, por exemplo, seria pelo menos
um determinante tão importante do comportamento político como um sis­
tema constitucionalmente prescrito de controles governamentais. A estru­
tura da família, os sistemas de crenças, os mitos, os heróis, os tipos legí­
timos de comportamento nos grupos primários, os tipos de personalidade
predominantes ou modais, estes e outros fatores semelhantes seriam de im­
portância crucial para determinar as reações prováveis de líderes e lidera­
dos e, daí, a probabilidade de tirania ou não-tirania. Embora mal tenham
começado os estudos científicos nessa área, é claro que alguns tipos dc per­
sonalidade ou de predisposições apresentam muito maior probabilidade
que outros de engendrar atitudes favoráveis ou contrárias em relação a
líderes autoritários. Nos Estados Unidos, essas predisposições podem estar
relacionadas com fatores tais como classe, educação e grupo etário.^
Em outras palavras, a prova ora existente sugere que os "controles
internos" — consciência (superego), atitudes e predisposições básicas —
são cruciais para determinar se qualquer dado indivíduo procurará tiranizar
seus semelhantes; que esses controles intemos variam de um indivíduo pa­
ra outro, de um grupo para outro, e de um momento para outro; c que a
probabilidade de a tirania implantar-se em uma sociedade é uma função da
extensão em que os vários tipos de reações internalizadas se encontram
presentes entre seus membros.
Contudo, faríamos com que Madison e seus atuais seguidores pare­
cessem tolos se supuséssemos que eles desconheciam esses e outros fatos
análogos. Muito antes dos estudos modernos sobre tipos de personalidade
autoritário e democrático, Jefferson, por exemplo, insistia na importância
de um meio predominantemente rural para criar os tipos de comportamento
necessários ao funcionamento de uma democracia. Autores pré-revotu-
cionários insistiram na virtude moral dos cidadãos como condição neces­
sária ao govemo republicano. A virtude entre os cidadãos, acreditavam, por
seu lado requeria "a religião exortativa, a educação sólida, o govemo ho­
nesto e uma economia simples."^ No seu argumento explícito, contudo,
Madison parece ter ignorado ou minimizado o que deve ter sido uma supo-
n;lu t tiniiun na sua éixtca: aqui, sem dúvidrt, como em muitos outros pon­
to . do .)i)'uunum. delrttntamos utna posição simplificada demais para fins
d. d. h.tir c i omrovérsia. (Madison tinha assuntos mais importantes a tratar
do que -.atislazer a ídgica de críticos um sóculo e meio mais tarde.) Em
vi i.i disso, poderemos tentar salvar uma das suas hipóteses implícitas bá-
sn a . va/ando-a cm termos de probabilidade:

/. A probabilidade dc que qualquer dado indivíduo, ou grupo,


tiranize os demais, na ausência de controles extemos, é sufi-
cicntemente alta, de modo que para a tirania ser evitada no
longo prazo a maquinaria constitucionalmente estabelecida,
de qualquer governo, terá que exercer alguns controles ex­
ternos sobre todos os seus servidores.

Isto é, parece razoável sugerir que mesmo que controles internos


possam frequentemente inibir impulsos para a tirania, talvez não o façam
nos casos de todos os indivíduos que, provavelmente, estarão em condições
de tiranizar. Daí, caso se queira que a tirania seja evitada, os controles
extemos são necessários. E esses controles devem ser estabelecidos pela
Constituição.

IX
Antes de aceitarmos a razoabilidade da última sentença, contudo, exami­
nemos alguns tipos de controles extemos usados para dominar o compor­
tamento. Suponhamos que a conduta seja produto de nossas expectativas
conscientes ou inconscientes de recompensas e penalidades por impulsos
socialmente modificados.^ Que tipos de controle extemos têm em mente
os madisonianos como inibidores da tirania?

A simples demarcação em pergaminho dos limites constitucionais dos


vários departamentos (diz ele) não é suficiente para nos defender da­
quelas usurpações que levam à concentração tirânica de todos os
poderes do governo nas mesmas mãos.^'
A que expediente, então, deveremos recorrer a fim de manter na prá­
tica a necessária divisão de poder entre os vários departamentos, da
forma estatuída na Constituição? A única resposta possível é que,
como se julga que todas essas disposições externas são insuficientes, o
defeito deve ser corrigido construindo-se de tal maneira a estrutura
interna do govemo que suas várias partes constituintes possam, por
suas relações mútuas, ser o meio de manter cada outra em seu devido
lugar. -
... A grande salvaguarda contra a concentração gradual dos vários
poderes no mesmo departamento consiste em dar àqueles que os admi
nistram os meios constitucionais e os motivos pessoais necessários
para resistir à usurpação dos dem ais... A ambição deve ser usada para
contrariar a ambição. O interesse do homem deve ser ligado aos
direitos constitucionais dos locais.^

Ora, quanto mais analisamos esses trechos, mais eles parecem se dis­
solver diante de nossos olhos como um gato Cheshire.* Por que será a se­
paração de poderes necessária para impedir a tirania? Porque fomece um
controle externo aos impulsos tirânicos dos servidores públicos. Por que
fomece esse controle? Porque garante que as ambições de indivíduos cm
um departamento serão contrariadas por aqueles em outros. Por que essas
ambições contrárias são efetivas? Presumivelmente porque indivíduos em
um departamento podem invocar a ameaça de recompensas e penalidades
contra indivíduos tirânicos em outro. Quais, então, são essas recompensas e
penalidades?
Neste ponto chegamos ao âmago da questão. Presumivelmente, elas
não são coisas tais como perda de respeito, prestígio e amizade — a
menos que se argumente que o mero fato da prescrição constitucional em si
confere legitimidade ou ilegitimidade a certas ações; que servidores que
pratiquem atos ilegítimos sofrerão perda de sM/us, respeito, prestígio e
amizade; e que essas penalidades são suficientes para impedir a tirania.
Mas este ccrtamente não é o argumento madisoniano. Tampouco podem as
recompensas e penalidades depender de dinheiro, uma vez que a Constitui­
ção foi elaborada para restringir esse meio de controle, com receio de que o
legislativo se tomasse poderoso demais.
Envolverão as recompensas e penalidades a ameaça de coerção física?
Nesta categoria poderiam incluir-sc o irnpenr/iMem, a condenação c o em­
prego de forças armadas. Neste caso, porém, a república estaria sempre à
beira da violência c da guerra civil. Isto porque se a coerção física é o obs­
táculo principal à tirania, e se a tirania é o perigo fundamental que o argu­
mento supõe que seja, então a ameaça de coerção física e, por conseguinte,
de violência, jamais poderá estar muito distante da operação da política.
Alcm do mais, se o principal obstáculo é a ameaça de coerção física, por
que os líderes de uma maioria se absteriam de tiranizar uma minoria — no
mínimo se a maioria fosse julgada fisicamente mais poderosa do que a
minoria? Adotando uma visão mais modema da maneira como o controle
coercitivo é distribuído, por que uma minoria que exercesse controle dos
instrumentos de violência e coerção se absteria de tiranizar uma maioria?
O fato é que, em algumas nações, minorias poderosas não se refrearam
e o resultado foi a tirania. Ainda assim, contiveram-sc em outras nações. E
se minorias poderosas ou líderes ditatoriais, com apoio de massa, evitaram
..it u so )ni)i!.)!)i.n ;t tuntna, evidentemente não tem reiação com a presença
. .u .))) .<))( i.i ti< [xatetes constitucionais separados. Numerosas variáveis en-
n.uu <üt m ssa situação, mas não se pode provar que a separação cons­
tam tonal tios poderes seja uma delas.
() < .[do madisoniano de argumento, por conseguinte, não proporciona
.o)ut,ao satisfatória às questões fundamentais que coloca. Madison, eviden-
!,'U)t n!(-.. tinha cm mente um conceito básico, isto é, o de controle recíproco
nitit- líderes. Mas de várias maneiras o argumento é inadequado:
I Não demonstra, c acho que não pode ser usado para demonstrar, que o
controle recíproco entre líderes, suficiente para impedir a tirania, re­
queira separação de poderes, constitucionalmente estabelecida, como
na Constituição americana.
2. Ou a importância do preceito constitucional como controle extemo é
exagerada ou o argumento interpreta mal as realidades psicológicas
implícitas no conceito de freio ou controle ao comportamento. E são
falsas as inferências tiradas de quaisquer dos dois tipos de premissa
incorreta para as proposições sobre comportamento político ou os re­
quisitos de uma democracia não-tirânica.
3. O argumento madisoniano exagera a importância, na prevenção da ti­
rania, de freios especificados a servidores públicos, operados por ou­
tros servidores igualmente especificados, e subestima a importância de
controles mútuos sociais inerentes em todas as sociedades pluralistas.
Sem esses controles, é duvidoso que os freios a servidores na esfera in-
tragovcmamental operem realmente para impedir a tirania. Com eles,
é discutível que todos os controles intragovemamentais do sistema
madisoniano, da forma como operam nos Estados Unidos, sejam ne­
cessários para prevenir a tirania.

X
Na discussão precedente, dei como certo que "tirania" no sistema madi­
soniano é um termo com significação clara. Supondo isto, tomou-se pos­
sível demonstrar que a Hipótese 1 induz a falsas conclusões. Temos agora
que indagar, porém, se o conceito de "tirania" implícito nesse sistema, e
fundamental para a base lógica da estrutura constitucional americana,
encerra algum significado operacional.
A tirania, vale recordar, foi definida acima como significando toda e
qualquer grave privação de um direito natural. Já expliquei porque essa de­
finição é necessária. Realmente, a idéia de tirania da maioria, contra a qual
se levanta o sistema madisoniano, só pode significar que uma tirania que
atue através dos processos regulares & eleições, legislação e governo de
maioria pode, apesar disso, agir de maneira a privar uma minoria de seus
direitos naturais.
Desejo evitar aqui uma discussão do conceito de "direito natural" e de
sua utilidade em teoria política, uma vez que isto implicaria uma digressão
muito grande por um assunto extenso e quase ilimitado. Não obstante, se
tenho razão em pensar que por "tirania" Madison queria incluir "todas as
privações graves de um direito natural", então não podemos realmente a-
quilatar a utilidade dessa definição sem examinar esse conceito. Acho,
porém, que podemos nos extricar desse dilema da seguinte maneira:
Não precisamos resolver a questão de decidir se indivíduos têm direi­
tos naturais ou, em caso afirmativo, quais são eles. Tudo o que precisamos
saber é se alguma coisa aproximadamente equivalente à definição de tira­
nia que propus (a única alternativa aparentemente nos levaria a uma defesa
basicamente trivial da decisiva Primeira Condição de Madison) constitui
um conceito útil em seu sistema. Se isto não ocorre, então a idéia de tirania,
que é naturalmente fundamental ao argumento de Madison, terá que per­
manecer em um estado altamente insatisfatório.
É evidente por si mesmo que a definição de tirania seria inteiramente
vazia, a menos que os direitos naturais pudessem ser, de alguma forma,
definidos. Pode-se demonstrar, acho, que temos que especificar um pro­
cesso mediante o qual direitos naturais específicos possam ser definidos no
contexto de alguma sociedade política. Especificar esse processo, porém,
cria alguns dilemas para os madisonianos.
Se um direito natural fosse definido, de maneira muito absurda, como
significando o direito de cada indivíduo de fazer aquilo que deseja, todas as
formas de govemo teriam que ser tirânicas. Isto porque todos os govemos
pelo menos impedem que alguns indivíduos façam o que querem. Neste
sentido, por exemplo, todos os govemos tiranizam os criminosos, sejam
eles definidos pelo nosso govemo ou pelo govemo da URSS. Uma repú­
blica não-tirânica, portanto, seria impossível. Em vista disso, tal sig­
nificado de tirania deve ser abandonado.
Segue-se que a tirania terá que ser definida como significando que pe­
nalidades severas são infligidas a apenas alguns tipos de comportamento.
De que modo devem ser especificados, na prática, esses tipos de compor­
tamento cuja restrição é tirânica? Uma das possibilidades seria restringir
apenas os tipos de comportamento que todos os indivíduos (ou todos os
adultos) na comunidade consideram indesejáveis. Mas isto exigiria unani­
midade para os atos governamentais e, por isso mesmo, tomaria impossível
o govemo. De acordo com esta regra, por exemplo, se um assassino ne­
gasse que o assassinato é indesejável, a comunidade não poderia punir esse
crime. A regra de unanimidade do Conselho de Segurança das Nações Uni­
das seria a regra de todas as repúblicas. Evidentemente, o sistema madi­
soniano não exige tal coisa.
A situação política típica é aquela em que indivíduos em um grupo ou
na sociedade discordam sobre a desejabilidade de castigar ou premiar
certos tipos de comportamento. Normas de governo são então empregarias
para dirimir a disputa. Mas quando indivíduos discordam, que regra deve
ser empregada para determinar se a punição de aigum ato específico seria
tirânica ou não? Uma das possibilidades consiste cm permitir que a maioria
decida. No capítuio 2, examinarei aiguns dos problemas gerados por esse
preceito. Contudo, uma vez que essa regra operacional é exatamente o que
Madison quis impedir, e além do mais tomaria sem sentido o conceito de
tirania da maioria, temos que rejeitá-la. A única possibilidade restante, en­
tão, é que algum grupo especificado da comunidade, não definido como
maioria, mas não necessariamente sempre em oposição a ela, tenha o poder
de decidir. Mas se a Hipótese 1 6 correta, todos os grupos da comunidade
que dispusessem de tal poder usá-lo-iam para tiranizar outros indivíduos.
Daí, na prática, ninguém teria o poder de decidir tal questão. E por isso
também essa definição de tirania aparentemente não possui significado
operacional no contexto do processo decisório político.^ E, naturalmcnte,
segue-se ainda que se tirania não possui significado operacional, tampouco
o tem a tirania da maioria.
Para que não se diga que rejeitei a definição que Madison dá de urania,
substituindo-a deliberadamente por outra que conduz a consequências to­
las, e que, portanto, assim fazendo, apenas construí uma ficção a fim de de­
moli-la, que se me permita dizer em minha defesa: em primeiro lugar, que
pelas razões já expostas a própria definição de Madison é banal; segundo,
que a definição que propus está implícita em seu sistema; e, terceiro, que
nenhuma definição alternativa compatível e necessária ao argumento de
seu sistema como um todo pode, segundo penso, escapar das dificuldades
implicadas na definição que sugeri.

XI
Se passamos ao conceito explícito de facção proposto por Madison, des­
cobrimos que ele enfrenta as mesmas dificuldades que o conceito implícito
de tirania. Mal valcria a pena examinar o conceito explícito, contudo, não
fosse o fato de que idéias desse teor estão implícitas em muitas outras ten­
tativas de defender a idéia de limitações constitucionalmentc prescritas às
"maiorias".^ O leitor lembra-se decerto da Definição 4: Uma facção é
"certo número de cidadãos, seja equivalente a uma maioria ou minoria do
todo, unidos e motivados por algum impulso comum de paixão, ou de inte­
resses, contrário aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses perma­
nentes e conjuntos da comunidade".
A dificuldade enfrentada por essa definição é semelhante à que é en­
contrada com a de "tirania". De que modo podemos usar esse conceito? Po­
demos interpretá-lo como significando que facção é quaiquer grupo de ci-
datlãos dispostos a usurpar os direitos naturais dos demais. Uma vez que tai
ação é tirânica (por definição, mesmo que esta seja espinhosa), as facções
devem ser obviamente restringidas para que possa existir uma república
não-tirânica. Uma república que evita a tirania tem que evitar a tirania.
A definição, porém, deixaria de ser redundante se pudesse nos ajudar
dc alguma maneira a distinguir entre "certo número de cidadãos" que cons­
tituem uma "facção" e qualquer outro número de cidadãos. A menos que
[wssamos estabelecer tal distinção, seriam sem sentido as proposições sub­
sequentes importantes que dela dependem. Possuem as facções, pergunto
eu, características reconhecíveis?
É evidente que ficaremos impotentes enquanto não soubermos quais
são "os direitos dos demais cidadãos" e "os interesses permanentes e con­
juntos da comunidade". Diante de tal dificuldade, poder-se-ia sugerir um
enfoque diferente. Em vez de pedir as características definidoras de uma
facção, poderiamos tentar imaginar algum processo político através do qual
elas poderiam ser identificadas à medida que surgissem as situações. Ad­
mito que isto não era o que Madison tinha em mente, mas talvez seja útil
seguir por esse caminho, uma vez que ele mesmo nos deixou sem um guia.
Ora, se todos sempre concordassem sobre que ações específicas eram
"contrárias aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes
c conjuntos da comunidade", a facção poderia ser identificada por unani­
midade. Ambos os critérios, porém, são por demais ambíguos e é suma-
mente improvável a obtenção de unanimidade. Quase todas as ações gover­
namentais privam alguns indivíduos de direitos legais antes possuídos, e
quase todos os grupos políticos pleiteiam do governo medidas que privem
alguns indivíduos de certos direitos legais vigentes. Daí, direitos devem ser
interpretados como significando direitos naturais, mas, como demonstra­
mos. não há consenso sobre que úpos de comportamento estão incluídos
nos direitos naturais, especialmente em casos concretos. Quanto aos "inte­
resses permanentes e conjuntos da comunidade", tanto quanto sei nenhum
grupo político jamais admiúu lhes ser hostil.
Mas se a unanimidade não é obrigatória, então algo menos que ela de­
ve ser suficiente. Se, contudo, a maioria puder decidir o que constitui uma
lacção c invocar a maquinaria apropriada contra ela, então, na práúca, a
maioria nunca seria uma facção. Na prática, por exemplo, uma maioria
legislativa poderia ter permissão para determinar que políticas são "contrá-
i ias aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes e con-
inntos da comunidade". E poderia então simplesmente, mediante voto, re­
pelir a política proposta. Mas é altamente improvável que uma maioria fa-
. "invcl a uma dada política jamais chegue à conclusão de que sua própria
i" 'liiiea c facciosa e por isso a repila no voto. Na verdade, tal ação seria m-
i< u.nncnte inconcebível no contexto madisoniano de comportamento polí-
ni! í
tico e dificilmente seria aceitável em qualquer outro. Daí, se as facções de
maioria são consideradas autênticos perigos, como insistiram Madison e
seus seguidores contemporâneos, então a determinação do significado de
facção pela própria maioria tomaria o conceito inútil no arcabouço madi-
soniano.
Sc a determinação por unanimidade e por voto majoritário são excluí­
das, segue-se que a única alternativa restante é a determinação por decisão
de alguma minoria. Mas o argumento precedente contra a entrega desse po­
der a uma maioria ccrtamente se aplica a qualquer minoria. Se a Hipótese 1
é cometa, então devemos esperar que qualquer minoria que disponha desse
poder o empregue em interesse próprio, na melhor das hipóteses, e, na pior,
que tiranize todas as demais minorias e mesmo qualquer maioria.

XII
Não faz parte de meu objetivo analisar todos os aspectos detalhados da tese
madisoniana. Não obstante, mais um ponto importante justifica a análise.
A proteção contra as facções e, por conseguinte, contra a tirania, cabe
lembrar, requer duas condições:

Áfipctese & Se uma facção consiste em menos que uma maioria, ela pode
ser controlada pela aplicação do "princípio republicano" de
votação no corpo legislativo, isto é, a maioria pode, pelo
voto, vencer a minoria.
Mpórese 9. O desenvolvimento de uma facção de maioria pode ser con­
tido se o eleitorado é numeroso, variado e possui interesses
diversificados.

Uma vez que, como vimos, nenhum significado específico foi atribuí­
do aos termos "facções" e "tirania", nas duas hipóteses acima eles tampou­
co o possuem, isto é, não há meio concebível através do qual possa ser sub-
metida a teste sua validade. Permanecem, por conseguinte, como meras as­
serções incomprováveis.
Mas despachá-los dessa maneira impiedosa deixaria, sem dúvida, os
leitores tão insatisfeitos como me sinto. Isto porque não podemos nos furtar
à impressão de que essas proposições são, pelo menos, dignas de exame, se
puderem, de alguma maneira, ser vazadas de forma a superar as deficiên­
cias de seus termos principais. Que meia-sola podemos aplicar a esses con­
ceitos a fim de testar as Hipóteses 8 e 9, na medida em que possam ser ab­
solutamente submetidas à prova?
Talvez as dificuldades possam ser evitadas da seguinte maneira: va­
mos. cm primeiro lugar, supor que as privações de liberdade sejam mini-
mixadas. Definamos em seguida a "liberdade" de um indivíduo como a
oportunidade de atingir seus objetivos sem restrições extemas. Propomos
agora a regra seguinte: o processo decisório governamental será estrutu­
rado de tal maneira que todos os grupos de tamanho "significativo" terão
oportunidade de vetar ameaças de privação de sua liberdade. Dessa manei­
ra, não é provável que seja limitada a liberdade de qualquer grupo, exceto
])or desconhecimento, perfídia, etc.
Esta formulação implica várias dificuldades, uma das mais impor­
tantes das quais é que provavelmente pouquíssimas pessoas considerariam
razoável conceder o poder de veto a todos os grupos de tamanho signi­
ficativo. A maioria das pessoas, por exemplo, não o concedería a crimino­
sos, mesmo que estes constituíssem um grupo muito numeroso. Sc exce­
ções têm que ser feitas, isto cabería obrigatoriamente a alguns indivíduos.
E neste caso voltaríamos ao labirinto de dilemas já examinados nas discus­
sões precedentes sobre tirania e facção.
Vamos supor, contudo, que este problema poderia ser de alguma ma­
neira solucionado e tornado compatível com os princípios madisonianos e
que algumas, mas não todas, as minorias pudessem ter poder de veto efe­
tivo. (Conforme veremos no capítulo 5, algo semelhante aparentemente
acontece no sistema político americano.) Podemos agora submeter a teste a
validade da Hipótese 8. Segundo ela, uma minoria disposta a impor severas
privações a alguma maioria poderia ser simplesmente vencida pelo voto no
corpo legislativo. Daí, nenhuma minoria poderia jamais limitar a liberdade
da maioria mediante ação governamental.
Se deixamos de lado as dificuldades da costumeira passividade polí­
tica da maioria no tocante a questões, no estágio de formulação de política,
então a Hipótese 8 é válida, contanto que seja estreitamente interpretada.
Por estreitamente interpretada, quero dizer que a hipótese deve especificar
que a maioria precisa ser maior do que a minoria por apenas uma pessoa.
Sc uma maioria qualificada 6 necessária para aprovar legislação — isto é,
uma maioria maior do que a minoria por mais do que um, como nos casos
cm que são necessárias maiorias de dois terços ou três quartos — então
pode-se facilmente demonstrar que a Hipótese 8 trará ameaças à maioria
apenas se elas decorrerem de proposta ação governamental. Isto porque, se
mais do que uma simples maioria c necessária para promulgar uma polí­
tica, então uma minoria de tamanho apropriado pode vetar qualquer polí­
tica que combata. Se a liberdade de alguma maioria já é limitada, de ma­
neira que só a ação governamental positiva é que elimina a privação, e se
uma minoria com poder de veto combate as medidas propostas para au-
m< ntar a liberdade da maioria, então, ao exercer seu poder de veto, uma
minoria pode manter as privações de liberdade de uma maioria e daí tira-
m/á-la.^
Assim, uma maioria pode jutgar que o trabalho infantil, os baixos salá-
tios, as más condições de habitação, a falta de sindicatos eficazes e de pre­
vidência social e a reforma de cortiços representam graves privações de sua
liberdade. Neste caso, as privações imediatas seriam infligidas por indiví­
duos privados e não por servidores públicos. Por conseguinte, se a ação go­
vernamental é uma condição necessária para eliminar o trabalho infantil, os
baixos salários, as más condições de habitação, para criar sindicatos efi­
cazes, instituir a previdência social e prover moradias decentes e se, além
disso, uma minoria composta, digamos, de empregadores (ou servidores
públicos simpáticos ou responsáveis perante os empregadores) puder vetar
todas as medidas do govemo destinadas a eliminar essas privações impos­
tas por particulares, então a Hipótese 8 é falsa. Isto porque, neste caso, o
"princípio republicano" não seria suficiente para proteger a maioria contra
as privações impostas por uma minoria.

XHI
A Hipótese 9 assegura que os efeitos produzidos por uma facção de maio­
ria podem ser controlados se o eleitorado for numeroso, variado e possuir
interesses diversificados. Neste caso, mais uma vez, a falta de um signifi­
cado preciso da palavra facção constitui obstáculo à comprovação do prog­
nóstico. Contudo, se analisarmos os argumentos que o próprio Madison
utilizou a fim de provar a validade dessa hipótese, toma-se claro que ela
deve ser interpretada como significando que a eficácia de qualquer que seja
a maioria c scvcramcntc limitada se o eleitorado for numeroso, variado e de
interesses diversificados. Se a maioria 6 faccionária ou não, pouco importa
para a aplicação das restrições decorrentes da existência de um eleitorado
numeroso, variado e de interesses diversificados. Além do mais, tanto
quanto sei, nenhum madisoniano moderno demonstrou que as restrições à
eficácia das maiorias impostas pelas realidades de uma sociedade pluralista
sirvam apenas para limitar as "más" maiorias e não as "boas". E confesso
que não vejo maneira como uma proposição tão engenhosa assim poderia
ser satisfatoriamente provada.*
Por tudo quanto foi dito, o efeito líquido da Hipótese 9 parece ser o
seguinte: uma vez que é provável que as maiorias sejam instáveis e transi­
tórias em uma sociedade grande e pluralista, é provável também que sejam
politicamente ineficazes. E aqui se situa a proteção fundamenta! contra a
exploração das minorias por elas. Esta conclusão, claro, dificilmente é
compatível com a preocupação com a tirania da maioria, que constitui a
característica do estilo de pensamento madisoniano.
XIV
A falta de significado específico dc termos como "tirania da maioria" e
"facção", juntamente com a importância fundamenta! desses conceitos no
estilo de pensamento madisoniano, levou a uma teoria política sumamente
tortuosa, mais explicável em termos genéticos do que lógicos. Genetica­
mente, a ideologia madisoniana serviu como racionalização conveniente a
todas as minorias que, temendo possíveis privações por iniciativa de
alguma maioria, exigem um sistema político que lhes dê oportunidade de
vetar tais políticas.^
Ao tempo da elaboração da Constituição, o estilo madisoniano de ar­
gumentação proporcionou uma ideologia satisfatória, convincente e prote­
tora ás minorias de riqueza, síaUcs e poder, que sentiam profunda des­
confiança e temor dc seus acerbos inimigos — os artesãos e agricultores,
dc riqueza, smncs* e poder inferiores, que elas julgavam constituir a "maio­
ria popular". Atualmente, contudo, afigura-se provável que, por razões his­
toricamente explicáveis, um número preponderante de americanos politi­
camente ativos se considerem membros, pelo menos durante parte do tem­
po, de uma ou mais minorias — minorias, demais disso, cujos objetivos
poderiam ser ameaçados se a autoridade constitucionaimente estabelecida
das maiorias fosse legalmente ilimitada. Por isso mesmo, a despeito de
suas falhas em lógica, definição e utilidade científica, a ideologia madiso­
niana provavelmente continuará a ser a mais geral e de mais fundas raízes
dc todos os estilos de pensamento que se poderia denominar corretamente
de "americanos". Seria tolo aquele que pensasse que o exame de sua falta
dc lógica lhe reduziria significativamente a aceitação. As ideologias ser­
vem a uma grande variedade de necessidades, psicológicas, socioeconô-
micas, políticas, propagandísticas — que transcendem a necessidade de
coerência cientíítca reclamada pelos pedantes.
Nada obstante, como ciência política, se não como ideologia, o siste­
ma madisoniano é claramente inadequado. Em retrospecto, as deficiências
lógicas e empíricas do pensamento de seu autor parecem ter decorrido em
grande parte de sua incapacidade de conciliar dois objetivos diferentes. Por
um lado, Madison aceitava na maior parte a idéia de que todos os cidadãos
adultos de uma república deveriam ter direitos iguais garantidos, incluindo
' - de determinar a direção geral da política pública. Neste sentido, o go-
vono da maioria é o "princípio republicano". Pelo outro, ele desejava cri-
gu um sistema político que assegurasse as liberdades de certas minorias
uins vantagens de jMMs, poder e riqueza, acreditava ele, não seriam pro-
' Imcnte toleradas para sempre por uma maioria não-restringida por lia-
<"< . constitucionais. Daí, as maiorias precisavam ser constitucionaimente
..... .. O madisonianismo, tanto no passado como atualmente, cons­
titui uma acomodação entre essas duas metas conflitantes. Ac)to que de­
monstrei que os termos explícito e implícito da acomodação não resistem a
uma análise cuidadosa. E talvez fosse to!o esperar isso.
Na busca de uma teoria de democracia que se sustente sob exame,
duas alternativas se sugerem por si mesmas, ambas concentradas na conse­
cução de uma das duas metas básicas tão perigosamente aliadas pela aco­
modação madisoniana. Uma possibilidade seria a de concentrar-se no argu­
mento sobre a preocupação de Madison de que a maioria impediría a mi­
noria — ou uma minoria particularmente valiosa — de obter aquilo que
tem o "direito" de obter, seja isso propriedades, sfaítM, poder ou a opor­
tunidade de salvar a humanidade. Seguindo essa linha de raciocínio, postu­
laríamos que as metas de algum dado conjunto de indivíduos são ineren­
temente corretas ou boas e que o processo decisório deveria assegurar a
maximixação dessas metas. Ironicamente, a preocupação com os perigos
gerados pelas maiorias foi compartilhada não só pelas elites aristocráticas
mas também por aventureiros políticos, fanáticos e totalitários de todos os
matizes, de modo que este estilo de pensamento assume um sem-número
de formas e encontra defensores tão diferentes como Platão e Lenin. Se
levarmos um dos aspectos do argumento de Madison ate seu limite lógico,
portanto, podemos facilmente colocá-lo no campo dos grandes teóricos an­
tidemocráticos. Mas desde que ele evitou levar suas premissas aos limites
últimos, seria desleal, tolo e sem proveito esticar-lhe o argumento até essas
lonjuras. Além do mais, o que quer que possamos pensar sobre a desejabi-
1idade de um ou de outro dos sistemas políticos propostos por esses teó­
ricos, acho que, a menos que queiramos eliminar algumas distinções muito
úteis entre sistemas políticos, não poderemos considerá-los, concentrados
como estão na meta de evitar o controle da maioria, como democráticos.
Segundo penso, Madison foi até onde era possível, ainda permanecendo
sob o pálio da democracia. Por esse motivo, não me proponho a explorar o
desenvolvimento alternativo de seu argumento.
A outra alternativa consiste em estabelecer a igualdade política como
um fim a ser maximizado, isto é, postular que os objetivos de todos os
cidadãos adultos de uma república devem ser considerados de igual valor
na determinação das políticas públicas. Se tal fosse nosso objetivo, que
condições básicas deveriam existir para a tomada de decisões pelo go­
verno? Esta é a alternativa que nos ocupará a partir de agora.
\)'i Nt)tCE AO C A P ÍT U LO 1

'""wír;'o rá? nrgM/nenío Mará.wnár/jo


I As definições básicas:
i 11 iNtçÃo t: O "controle externo", no caso do indivíduo, consiste na
aplicação de recompensas ou penaüdades, ou na expec­
tativa de que serão aplicadas por alguma fonte que não ele
mesmo.
O) : iMÇÃO 2: A "tirania" é toda grave privação de um direito natural.
t<! ! !NtÇÃQ3: Uma república é um govemo que: a) deriva todos os seus
poderes direta ou indirctamente do grande corpo do povo e
b) é administrado por pessoas que exercem seus cargos
enquanto assim agradar ao povo, por um período limitado
e enquanto tiverem bom comportamento.
!'! I <NtÇÃ0 4: Uma facção c "certo número de cidadãos, seja equivalente
a uma maioria ou minoria do todo, unidos e motivados por
algum impulso comum de paixão, ou de interesses, con­
trário aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses
permanentes e conjuntos da comunidade".

O axioma básico: O objetivo que deve ser colimado, pelo menos nos
Hstados Unidos, é uma república não-tirânica.

!11 () argumento:
//qvítese 7.' Na ausência de controles extemos, qualquer dado indivíduo,
ou grupo de indivíduos, tirani/.ará os demais.
//</Utese2.' A acumulação de todos os poderes, legislativo, executivo e
judiciário, nas mesmas mãos implica a eliminação dos con­
troles extemos.
//< /v í; e .y e N a ausência de controles externos, uma minoria de indiví­
duos tiranizara uma maioria de indivíduos.
//'/Ufcse -7; Na ausência de controles externos, uma maioria de indivíduos
tiranizara uma minoria de indivíduos.
' /'/'dn-se J * São necessárias pelo menos duas condições para a existência
de uma república não-tirânica:
fri/Hgira conJição: A acumulação de todos os poderes,
legislativo, executivo e judiciário, nas mesmas mãos, seja dc
um, de alguns ou de muitos, e se hereditária, autonomeada ou
eletiva, deve ser evitada.
êcçMAíái condíç&r* As facções devem ser controladas dc
tal maneira que não possam agir de forma contrária aos
direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes e
comuns da comunidade.
/Vt/w/eáe d; Eieições populares frequentes não criarão controles extemos
suficientes para impedir a tirania.
M/wt&yc 7.* Se queremos que as facções sejam controladas, e evitada a
tirania, isto terá que ser conseguido pelo controle dos efeitos
por ela produzidos.
Mpdfcse Se uma facção consiste em menos que a maioria, ela pode ser
controlada mediante aplicação do "principio republicano" de
votação em um corpo legislativo, isto é, a maioria pode, pelo
voto, vencer a minoria.
7/tpoíese 9; O desenvolvimento de facções de maioria pode ser limitado
se o eleitorado for numeroso, variado em composição c diver­
sificado em interesses.
//ipót&rc 70* Na medida em que o eleitorado é numeroso, variado e diver­
sificado em interesses, é menos provável que exista facção de
maioria e, se existir, é menos provável que atue como uma
unidade.

N O TA S

I. A Hipótese 1 e a Definição 1 são paráfrases, embora me pareçam razoavelmente pre­


cisas, de numerosas referências encontradas nos trabalhos de Madison. Minha )in
guagem talvez seja mais modema. mas as idéias são, acho, as mesmas expressadas por
Madison, como, por exemplo, em "Obscrvations", de abril de 1787, no 7ite Comp/ei
Madison, M s A n te W riiitgs, Saul K. 1'adover, org. (Nova York: Harpcr & Bros.,
1953), pp. 27-29. Cf. também sua carta a Jcffcrson, 24 de outubro de 1787, pp. 40-43.
2 The Federa/ist, Edward Mead Earle, org. ("The Modem l.ibrary", Nova York: Random
House, s.d), p. 313. Para outra análise da obra de Madison, ver Mark Ashm, "The
Argument of Madison s Eederalist' n* 10", Codegr F/tgiirb, X V (outubro de 1953),
37-45.
3. Clinton Rossiter sumariou o estado do acordo sobre direitos naturais à época da
Revolução no Seedtirne qf ide Repab/ic (Nova York: Harcourt, Brace & Co., 1953),
cap. X III.
4. /bid., p. 383. Rossiter descreve o consenso sobre este ponto.
5. 7de Debutes iw tda devera/ .Rate Convertiian c/t ide Adopiioit qf tde Federai
Cotts/tiatiatt as Fecornrnended by ide Certera/ Canvert/;ar: at Fdi/ade/pdia, át 7787,
tagetder wiid ide daarnat q / Federa/ Canventian, etc., Jonathan Ellrot, org. (2* ed.,
Filadélfia. Lippincott, 1941), V , 203. Doravante mencionado como FMat s Debates.
6. Por exemplo, as observações feitas por Madison na Convenção, ibid.. p. 162.
7. /btd., IV , 204.
8. /bid, V . 145.
9. /bid, V , 200.
10. /bid., V. 294.
II. Por exemplo, ver Padover, op. cit., pp. 28, 37-38, 41, 45-47. Mas ver também o
"comentário" de Madison em 1833. ibid, p. 49. Em anos posteriores, Madison parece
ter sentido uma admiração muito mais afetuosa pelo princípio da maioria. Tal como a
maioria dos americanos, ele aparentemente nunca jtügou haver a menor contradição
lógica cm sua posição.
!' Aparentemente, coube a Hamiiton redigir os documentos reievantes, dc n°s 67-77.
Dadas suas idéias políticas, seria de esperar que ele minimizasse os perigos da tirania
por esse ramo do governo. Além do mais, não devemos nunca esquecer que os
"lederalist Papers" enfeixam trabaihos polêmicos e propagandisticos, refletindo pontos
dc vista altamente partidários.
't /iie Federu/èrr, n° 48, p. 323.
!t /did., p. 322 (grifos do autor).
!1 /hid.. p. 324.
In Sobre essa questão, contudo, ver o oomentário de Elisha P. Douglas, Febe/r and
Drmocrafs (Chapei H ill: University of North Carolina Press, 1955), p. viii.
!' /7ie Federu/úr, n° 49. "É eMencia/ para tal governo que ele derive do grande corpo da
ocicdadc, não dc uma proporção minúscula ou de uma classe por ele favorecida... É
m/icienre para tal governo que as pessoas que o administram sejam indicadas direta ou
indirctamente pelo povo; e que cumpram seus mandatos pelos prazos especificados. . ."
! <t Cf. Ixtuis Hartz, "The Whig Tradition in America and Europe", American Foitricu/
Science Feview, X L V I (dezembro de 1952), 989-1002.
I '' 77re Federa/is/, n° 47. p. 313.
.'() /Se Federa/ísr, n^ 10, pp 57 e segs.
I Embora a definição não seja explícita nos trabalhos de Madison, tanto quanto nos foi
possível descobrir, ela é deixada claramente implícita. Por exemplo, ele argumenta em
numerosos trechos que "em um governo justo e livre... os direitos de propriedade & de
[ressoas devem ser eficazmente protegidos". Mas se houvesse sufrágio universal, e se a
maioria dos cidadãos carecesse dc propriedades, então, os direitos destas talvez não
fossem protegidos. Daí o governo devia ser estruturado de maneira a impedir que os
direitos de propriedade fossem infringidos pela maioria (Padover, op c i/, pp. 37-38).
Dc outra maneira, o governo não seria "justo & livre". Simplesmente, tomei "justo &
livre" equivalente à "não-tirania" e "tirania" igual a "não-justo & livre", isto é, à
privação dos direitos naturais. Se o conceito de "tirania da maioria" de Madison tem
qualquer outro possível significado além deste, não me foi possível descobri-lo.
'' Embora a autoria deste trabalho tenha sido de certa feita contestada, está agora provado
que Madison, e não Hamilton, foi seu autor. (Irving Brant, /a/ner Madéron, Eoi ///.
Fur/rer o/rde Ccns/iridion, 7787-7800 [Nova Yorlt: Bobbs-Merrill Co., 1950], p. 184).
't Madison adiciona também um argumento que é mais comum entre os antidcmocratas,
isto é, que problemas levados às eleições populares não seriam decididos dc acordo
"com os verdadeiros méritos da questão", mas em base partidária. Ao contrário dos três
primeiros, que me parecem visivelmente falsos, este último simplesmente não tem
sentido — pelo menos não sem uma indagação filosófica e empírica muito
considerável, que não foi tentada por Madison. Cf. 77re Federa/is/, n° 49, pp. 327-32.
't Isto representa um refinamento de idéias de Madison, já expostas na Convenção e
ntttcs. Cf., por exemplo, FM'o/'s Deha/es, V , 242-43.
/de Federa/is/, n° 10, p. 54.
n /he Federa/is!, n° 10, p. 61. Cf. também o último parágrafo de 7*de Federa/ir/, n^ 5 1,
pp. 339 e segs.
'/ /'7/iot'y De/rcíer, V , 162.
! Morris Janowitz e Dwainc Marvick, "Authoritarianism and Political Behavior", Frdr/ic
Dpinicn gugr/er/y, X V H (verão de 1953), 185; e também T.W . Adorno et. <d., The
Au/duriraricn Ferronzr/iíy (Nova York: Harper & Bros., 1950). Agradeço a meu
t olcga, professor Robcrt Lane, por me ter chamado a atenção para o fato de qne, se a
i lasse socioeconômica for mantida constante, os demais correlatos não parecem ser
' i.iiisticamente significantcs. Cf. seu "Political Personality and Hlectoral Choice",
t i. ru an Po/dica/ Science Peview, X L ÍX (março dc 1955), 173-90.
'' :iicr, op ci/.. pp. 429-32.
"! ...u c que, quando vazada em termos psicológicos, a distinção entre controles tnter
"" r externos do comportamento toma-se algo vaga. Mesmo na parte de controle
interno peta consciência, o sina] que provoca a expectativa de sentimentos de cutpa
dolorosos ou "um ataque de consciência" pode muito bem ser um objeto, ou ação,
externo. Atém do mais, mesmo quando as recompensas e penalidades são manipuladas
por uma fonte externa a um dado indivíduo, como, por exemplo, no caso de renda ou
respeito, o que controla é a expectativa interior ou sensação concreta de prazer ou
privação. Aqui, mais uma vez, a teoria madisoniana, ao que tudo indica, não pode ser
satisfatoriamente convertida em ciência política moderna sem uma cirurgia tão extensa
que o resultado não seria coerente com o estilo de pensamento que rotulamos de
"madisoniano".
31. ?7tc Fedcra/cM, n° 48, pp. 326.
32. 7Ac 7'c<feraiir:, n° 3 1, pp. 335-37.
* Em A/icc rro /'aA AíaravMrM, de Lcwis Carroll, um gato sorridente que gradual-
mente desaparece atí que só fica o sorriso. (N. do T.)
33. Poder-se-ia dizer que cada pessoa decide por si mesma, após consultar seu próprio
sistema de valores, se um dado ato foi ou não tirânico. Mas isto ê meramente uma
norma para comportamento individual e não proporciona uma regra para uma decisão
coletiva.
34. As aspas refletem minha convicção de que, no sentido habitual, as maiorias raramente,
se é que alguma vez, governam em qualquer país ou organização social em qualquer
época. Assim, o temor do governo da maioria, bem como sua defesa, baseia-se em uma
interpretação errônea das probabilidades permitidas pela realidade política. Para uma
discussão deste ponto, ver cap. 3.
35. Embora, aparentemente, Madison nunca tenha isolado com clareza esta situação, acho
que ele a compreendia e supunha o significado mais limitado da Hipótese 8. Assim, em
1830, ele se opôs à doutrina da anulação, se ela significava que "a decisão do estado
deve ser presumida válida e que derroga a lei dos Estados Unidos, a menos que
derrogada por três quartos dos estados". Isto porque, argumentou ele, "instituir um
preceito positivo e permanente dando tal poder a tal minoria, sobre tal maioria,
invalidaria o primeiro princípio do governo livre..." (Padover, op c it, pp. 157-58) Os
conceitos de "veto de minoria" e de "maiorias coincidentes" não são, rigorosamente
falando, de criação de Madison. Esta idéia, ligada ao nome de John C. Calhoun, parece
ainda assim ter-se tomado um elemento fundamental na ideologia americana c é
frequentemente defendida cm linguagem basicamente madisoniana.
36. Cf. capítulo 4.
37. A clara defesa que Calhoun faz da escravocracia sulista com a doutrina de maiorias
coincidentes parece-nos sensível a todas as fraquezas do ststema madisoniano, ao qual
é paralela em numerosos aspectos. Mas não nic proponho aqui tratar especificamcnte
da variante especial que Calhoun elaborou com fundamento cm Madison. Cf. seu
DtsçMÍsúion zvt Governmeztt, R .K. Cralle, org. (Nova York: Petcr Smith, 1943), esp
pp. 28-38.
capítulo 2

A Democracia Populista*

Referiu-se Madison às decisões da maioria como "o princípio republi­


cano". Isto, conforme demonstramos, era uma das parles de sua grande
acomodação. Perpassando por toda a história das teorias de democracia
encontramos sua equiparação à igualdade política, à soberania poputar c ao
governo das maiorias. Temos, por exempio, no Política, de Aristóteles:

A democracia mais pura é aquela assim chamada principaimentc por


causa da iguatdade que neta prevalece: pois é isto o que a tei nesse
estado determina; que os pobres não fiquem em maior sujeição do que
os ricos; nem que o poder supremo caiba a um ou a outro, mas que
ambos o compartilhem. Isto porque se liberdade e igualdade, como
alguns supõem, são encontradas principalmcnte na democracia, isto
deve ocorrer por estarem todos os departamentos do governo
igualmente abertos a todos; mas como o povo está em maioria, e o que
vota é lei, segue-se que tal estado deve ser uma democracia.

E numerosos outros autores bateram na mesma tecla. Por exemplo:

Porque quando quaisquer números de homens formaram, por consen­


timento de todos, uma comunidade, com essa ação transformaram essa
comunidade cm um único corpo, com o poder de agir como corpo
único, o que ocorre apenas pela vontade e determinação da maioria.
Tendo a maioria... dc homens que se uniram para formar uma
sociedade, todo o poder da comunidade ne!a investido, pode empregá-
lo para, em ocasiões oportunas, eiaborar !cis para si... (Locke,
íreanse.o/! C/ví/ Gaverwnc/it).

Há apenas uma ici que, por sua própria natureza, necessita de con­
sentimento unânime. Esta é o contrato sociai...
À parte esse contrato primitivo, o voto da maioria obriga moral-
mente a todos os demais...
Pressupõe isto, na verdade, que todas as qualidades da vontade ge­
ral residam na maioria; quando elas deixam de fazê-lo, qualquer que
seja o partido que um homem possa tomar, não é mais possível a
liberdade (Rousseau, O Contrato Sócia/).

O primeiro princípio do republicanismo é que a lex-majoris partis é a


lei básica de todas as sociedades de indivíduos de iguais direitos;
considerar a vontade da sociedade expressa pela maioria de um único
voto, tão sagrado como se unânime, é a primeira de todas as lições cm
importância... (Jefferson, Carta ao barão von Humboldt, 1817).

A unanimidade é impossível; o govemo de uma minoria, como arranjo


permanente, é inteiramente inadmissível; de modo que, rejeitando-se o
princípio da maioria, a anarquia ou o despotismo sob alguma forma
são tudo o que resta (Lincoln, Primeiro Discurso dc Posse, 4 de março
dc 1861).

A própria essência do govemo democrático consiste na soberania ab­


soluta da maioria; isto porque nada há nos estados democráticos que a
ela possa resistir (De Tocqucville, Da Democracia /ta America).

Esses preceitos, ou descrições, do funcionamento de governos demo­


cráticos colidem frontalmente com a visão madisoniana. Na prática, con­
tudo, a tentativa de equiparar democracia ao poder ilimitado de maiorias
tem sido em geral acompanhado da tentativa de incluir na definição algum
conceito dc restrições às mesmas. Locke deixou o argumento suficiente­
mente ambíguo para ser considerado como defensor tanto do govemo ma­
joritário ilimitado como do limitado. Jefferson, afinal de contas, era um
"madisoniano' e apoiava o sistema constitucional construído durante sua
ausência. Em 1861, Lincoln julgou útil insistir no direito divino das maio­
rias como alternativa tanto à sucessão como às maiorias "coincidentes" de
Calhoun, mas não questionou basicamente o sistema constitucional madi­
soniano, que procurava preservar. Ao referir-se à soberania absoluta da
maioria, De Tocqueville aludia aos Estados Unidos; o próprio lar do madi-
sonianismo! As palavras citadas acima constituem a frase inicial do capí­
tulo intitulado "O Poder Ilimitado da Maioria nos Estados Unidos e Suas
Conseqüências".
Uma análise das várias formulações dessas posições incompatíveis su­
gere duas conclusões. Em primeiro lugar, a afirmação de "soberania abso­
luta da maioria" ou de "direitos de minoria absolutos" enfrenta um número
imenso de objeções e, por isso mesmo, ideólogos serviram a uma grande
variedade de fins sustentando ambas as posições ao preço da coerência ló­
gica. Nos Estados Unidos, é quase incrível a resultante confusão em maté­
ria de lógica. A longa persistência das incoerências lógicas, porém, sugere
a satisfação de alguma necessidade social profunda. Nos Estados Unidos,
isto talvez seja a minimização dc conflitos graves.
Segundo, tanto quanto sei, ninguém jamais defendeu, e ninguém salvo
seus inimigos jamais definiu, a democracia como significando que uma
maioria quereria ou deveria fazer tudo aquilo que sentisse desejo de rea­
lizar. Todos os defensores da democracia cuja existência conheço e todas
as definições generosas dela feita incluem a idéia de restrições às maiorias.
Um ponto fundamental, porém, é se essas restrições são ou devem ser: 1)
fundamentalmentc restrições internalizadas no sistema de comportamento
individual, tal como a consciência e outros produtos da doutrinação social;
2) fundamentalmente controles sociais recíprocos de vários tipos; ou 3)
fundamentalmente controles constitucionais. Entre os sistemas políticos
aos quais é habitualmente aplicado o termo "democracia" no mundo oci­
dental, há uma diferença importante entre os que confiam principalmente
nos dois primeiros controles e aqueles que, como os Estados Unidos,
empregam também os de natureza constitucional.

Nas páginas que se seguem, tentarei expor um argumento do qual — para


usar a frase de De Tocqueville — é às vezes derivada a "soberania absoluta
da maioria". Em seguida, procederei à respectiva análise. Ainda mais do
que no caso do argumento madisoniano, a tarefa aqui consiste em tomar
explícitas certas suposições e cadeias de raciocínio que são habitualmente
deixadas implícitas ou tangenciais. E isto ocorre com tanta freqüência que
não atribuirei o argumento absolutamente a qualquer dado teórico. ^ Daí, o
que se segue pode ser considerado como uma maneira — e, argumentaria
eu, uma maneira deixada implícita com muita freqüência em teorias de de­
mocracia — de derivar a proposição de que maiorias devem exercer so­
berania ilimitada.
DEFINtçAO t: Uma organização é democrática se, e apenas se, os pro­
cessos para se chegar à formuiaçâo da poiítica púbiica são
compatíveis com a condição de soberania popular e a
condição de igualdade política.
DEFINIÇÃO 2: A condição de soberania popular é satisfeita se, e apenas
se, acontece que quaisquer que sejam as opções de política
identificadas, a alternativa escolhida e posta em prática
como política pública é a que contou com a preferência da
maioria de seus membros.
DEFINIÇÃO 3: A condição de igualdade política é satisfeita se, e apenas
se, o controle sobre as decisões do governo é comparti­
lhado de tal maneira que, quaisquer que sejam as alterna­
tivas de política identificadas, na escolha daquela a ser fei­
ta cumprir como política pública, à preferência de cada
membro é atribuído um valor igual.
Proporção 7. A única regra compatível com o pro­
cesso decisório em uma democracia pluralista é o prin­
cípio da maioria.^
DEHMÇÃo 4: A REGRA: O princípio do governo da maioria preccitua que,
na escolha entre alternativas, a preferida pelo maior núme­
ro é escolhida. Isto é, dadas duas ou mais alternativas x, y,
etc., para que x seja a política do govemo c condição ne­
cessária e suficiente que o número dos que a preferem a
qualquer outra alternativa seja maior do que o número que
prefere qualquer outra alternativa a ela.
Proposição 2; A democracia populista é desejável, pelo
menos para as decisões governamentais, como apelo fina!
quando os demais processos estabelecidos foram esgo­
tados, e entre cidadãos adultos (a condição da "última pa­
lavra").

A Regra, como chamarei a Definição 4 por questão de conveniência,


pode ser considerada como uma norma que realmente govema o compor­
tamento de indivíduos em um dado sistema quando são tomadas decisões
governamentais. Não precisamos decidir se é ou não também uma regra ou
preceito constitucional. Tudo o que precisamos especificar é que, quais­
quer que possam ser os preceitos constitucionais, eles não devem gerar um
comportamento incompatível com a Regra. De idêntica maneira, não ne­
cessitamos decidir se os indivíduos concordam com ela ou, se concordam,
qnc pro[M)rçáo deles o faz. Mais uma vez, tudo o que precisamos espcci-
tn it c que, qualquer que seja o estado de acordo, ele não pode engendrar
. .«npon.ttucmo incompatível com a Regra. Assim, o que se afirma na Pro-
i .n) 1 <- que, para que sejam satisfeitas as condições de soberania po­
pular e igualdade política, os indivíduos que participam do sistema poiítico
devem comportar-se de acordo com a Regra. Coiocando a questão dessa
maneira, acho que evitamos certo número de problemas delicados que, de
outra forma, nos impcdiriam de tratar imediatamente dos pontos funda­
mentais do argumento.

HI

As objcçõcs a esse enfoque de democracia podem, um tanto arbitraria­


mente, ser englobadas em três grupos, dependendo de serem elas técnicas,
éticas ou empíricas.
Entre as técnicas, discutiremos quatro delas. Em primeiro lugar, o ar­
gumento aparentemente supõe que cada indivíduo de fato tem preferência
por uma única alternativa. Na verdade, contudo, pode-se objetar que mui­
tos cidadãos podem ser, e gcralmente são, indiferentes ao resultado. Esta,
no entanto, não é uma objeção de peso, uma vez que, dadas as suposições
da Proposição I, o cidadão indiferente pode ser corretamente ignorado e
levados em conta apenas aqueles que manifestam preferências.'* Isto é, a
Proposição aplica-se a indivíduos que têm preferências e não àqueles que
não as possuem. Em consequência, o fato de numerosos indivíduos serem
indiferentes quanto às alternativas não afeta a lógica do argumento: a fim
de satisfazer à Regra é suficiente conhecer o número dos que preferem ca­
da alternativa, uma vez que somar as preferências dos indiferentes eviden­
temente não influenciaria o resultado/
Uma segunda e correta objeção técnica é que o princípio da maioria
não fornece solução para os casos em que cada alternativa é preferida (ou
votada) por igual número de cidadãos. Uma análise da Definição 4 revela
que assim é. Poder-se-ia sugerir que, em todos esses casos, uma interpre­
tação correta da Proposição 1 exigiria a indiferença governamental ou um
impasse. Certamente nenhuma outra solução é compatível com a Regra/
Não obstante, é fácil ser induzido a erro pela palavra "indiferente",
uma vez que, psicologicamente falando, os membros da comunidade e, por
conseguinte, a comunidade, podem scr tudo menos indiferentes. Se o im­
passe ocorre na escolha entre duas alternativas que são ardorosamente de­
fendidas por seus respectivos partidários, disto pode muito bem resultar
violência e guerra civil. Historicamente, esta talvez tenha sido a situação
que rcalmente se configurou nos Estados Unidos nos anos 1850-60, quando
um número substancial de indivíduos com preferências na questão da
escravidão tomou-se polarizado em tomo de duas alternativas mutuamente
exclusivas: extensão vs. exclusão da escravidão nos territórios. O unpnsse
tomou st- imotcrávcl e só foi rompido peia eleição de Lincoln e a Guerra
Civil.
! ).tí. cm todos os casos em que cidadãos se dividem em grupos aproxi­
madamente iguais, cada um preferindo sua própria aitemativa, e a rejeição
da outra, a valores tais como paz social, abstenção da violência, coesão na­
cional, etc., toma-se impossível uma solução compatível com a Regra. Isto
porque neste caso o impasse — a única condição formalmente compatível
— não será aceito e um lado tentará impor suas preferências ao outro por
todos os meios a seu dispor. O princípio da maioria, em consequência, teria
que ser posto de lado.
Ora, pode-se dizer que a objeção fundamenta-se em um caso de ocor­
rência tão improvável que a toma insignificante.^ Não obstante, a objeção
sugere várias conclusões importantes. Para começar, a Regra pressupõe a
existência de certas condições empíricas (como, por exemplo, alto consen­
so no tocante à própria Regra) que não foram especificadas. Na ausência
dessas condições, a Regra não se aplica. E se acreditássemos que as condi­
ções não estavam suficientemente presentes para tomar a Regra aplicável
nos Estados Unidos, por exemplo, então seria de todo coerente argumentar
que as metas de soberania popular e igualdade política, embora rigorosa­
mente possíveis nos Estados Unidos, poderiam chegar a uma aproximação
muito grande graças a alguma outra alternativa que não o princípio da
maioria.
Alcm do mais, no mundo real, e mesmo em um sistema constitucional
baseado no princípio da maioria (como na França), o impasse ou a violên­
cia não requerem a existência de dois grupos de tamanho perfeitamente
igual.
Finalmcntc, se o impasse é a única solução compatível com a Regra
nas condições dadas, sugere-se pelo menos a possibilidade de que, quanto
mais um grupo se aproximar de uma divisão igual, menos válido se toma o
princípio da maioria. Constitui uma inferência necessária da definição do
princípio da maioria que, mesmo que ela exceda a minoria por um único
voto, o princípio ainda assim se aplica. Não obstante, sua aplicação num
caso extremo como esse em que o grupo é grande e a diferença muito pe­
quena, pode nos parecer, na pior das hipóteses, como um absurdo doutri­
nário e, na melhor, como uma mera questão de conveniência.
A terceira objeção à Regra tem origem na precedente. Como acabamos
de demonstrar, nos casos de divisão igual de preferências entre os cida­
dãos, a única solução compatível com a Regra é o impasse no governo.
Mas em alguns desses casos até mesmo essa solução é contraditória em si.
Suponhamos que x é a política em vigor e que y é uma alternativa reque­
rendo ação governamental, como, por exemplo, x c uma política de não-
intcrfcrência pelo governo federal em casos de linchamento e y é uma le­
gislação determinando que o govemo intervenha. Se for adotada a solução
do impasse, nenhuma ação governamental é empreendida, mas se isto não
for feito, então, na realidade, x é a política do governo. Dessa maneira,
preceituando o impasse em casos de igual divisão de preferências (votos),
estamos de fato introduzindo uma tendenciosidade no processo decisório
em favor de todos os indivíduos que preferem políticas que requerem
inação governamental e contra todos os que preferem políticas no sentido
da ação. Ainda assim, se não seguida a solução do impasse, os resultados
seriam igualmcnte arbitrários. Por isso, nesses casos, a solução do impasse
é contraditória em si e não se pode demonstrar que qualquer resultado seja
compatível com a Proposição 1 e com a Regra.
Mais uma vez, a principal conclusão prática é que, quanto mais um
grupo se aproxima de uma divisão igual, mais qualquer regra parece ser
uma mera questão de conveniência, dados os valores subjacentes à Pro­
posição 1.
A terceira objeção pode ser generalizada para abranger todos os casos
em que as preferências (votos) são distribuídas entre grupos iguais.^ Em
todos esses casos, não só a Regra não se aplica, como não pode ser aduzida
qualquer regra satisfatória compatível com as condições de soberania po­
pular c igualdade política.^
A quarta objeção é que mesmo que exista uma maioria, no sentido de
mais legisladores c cidadãos preferirem uma alternativa a outra, talvez seja
impossível descobrir um método de votação que satisfaça à Regra e ao
mesmo tempo atenda a certos requisitos práticos. Seria tedioso demonstrar
as dificuldades dos vários métodos de votação, especialmente porque eles
já foram exaustivamente examinados por vários autores.'" Seja suficiente
dizer que, em todas as ocasiões em que há mais de duas alternativas em
jogo, todos os métodos seguintes de votação podem dar origem a uma
escolha coletiva que viole as preferências da maioria:" o método de voto
único, pelo qual cada eleitor lança um voto indicando a única e mais prefe­
rida opção; o método anterior seguido pela seleção final entre as opções
mais votadas; o método dc dupla votação, pelo qual cada eleitor tem duas
alternativas, c é escolhida aquela que recebe o maior número de votos; o
método de Borda, mediante o qual cada eleitor tem direito a três votos, dois
sendo dados a uma alternativa e um a outra.
O requisito essencial de um sistema de votação que satisfaça à Regra é
que os eleitores, sejam eles cidadãos, legisladores ou membros de comis­
são, tenham oportunidade dc votar em alternativas dispostas duas a duas
em uma série de pares suíicientemente completa para que a alternativa pre­
ferida pela maioria, se houver, seja necessariamente a escolhida. Em alguns
casos, isto requer que um voto seja dado para cada par de alternativas.'^
O requisito de que uma votação seja feita por cada par de alternativas
identificadas, se numa eleição ou na escolha entre moções em um corpo
legislativo ou comissão, só raramente ou nunca é seguido no funcionamen­
to tin\ my.nu/açõcs democráticas. Os requisitos técnicos para se aperfei­
ço.u t apbcaçito aritmética da Regra implicariam altos custos em tempo,
p.n tom a. compreensão e acordo que talvez superem de muito quaisquer
tdmminados benefícios no mundo real. Não obstante, exceto no caso da
representação proporcional, é apenas justo dizer que a aplicação prática de
regras necessárias para aplicar o princípio da maioria é um assunto que não
tem inLcrcssado muito aos cientistas políticos e outros técnicos neste último
meio século. Talvez um estudo mais acurado do assunto revele alguns mé­
todos práticos para atender à quarta objeção.

!V
A fim de levar em conta algumas das objeções éticas à teoria populista,
vamos compará-la rapidamente com o argumento madisoniano. A pro­
posição essencial do argumento descrito neste capítulo é que, dadas a sobe­
rania popular e a igualdade política como únicas metas, deve ser condição
necessária e suficiente à política pública que ela se conforme às preferên­
cias do maior número de cidadãos (eleitores ou legisladores). Contra isto, o
argumento madisoniano afirma, como inferência ética de suas suposições
básicas, que a conformidade com as preferências do maior número de ci­
dadãos deve ser uma condição necessária, mas não suficiente, à política do
governo. Isto c, o fato de uma dada política ser preferida pela maioria a to­
das as alternativas conhecidas não implica que ela seja efetivamente ado­
tada pelo govemo, isto porque controles internos impostos à maioria po­
dem impedir a alternativa de ser promulgada.
Bem, sobre que fundamentos poderiamos defender a desejabilidade da
Regra em contraste com a proposição madisoniana? Na verdade, a per­
gunta é: Por que são desejáveis a igualdade política e a soberania popular?
Situa-se além de meus objetivos neste trabalho empreender uma análise
detalhada dessas questões éticas, que por seu lado exigem alguma teoria
sobre a validação de proposições desse tipo. Isto porque o exame de teorias
democráticas alternativas logo se transformaria em um elemento subordi­
nado em uma crítica geral de teorias éticas alternativas. Não obstante,
poderia ser desejável delinear o esboço geral que assumiría, talvez, essa
crítica.
Historicamente, a justificativa da igualdade política e da soberania po­
pular tem sido em gera! deduzida da aceitação dos direitos naturais. As
stqatsiçõcs que tornaram a idéia de direitos naturais intelectualmente de-
tensáveis tenderam a dissolver-se nos tempos modernos. A menos que elas
st-jnm simplesmente uma maneira indireta de argumento, que poderia ser
vazado em linguagem mais precisa, a lógica dos direitos naturais aparente­
mente requer uma visão transcendental, na qual eles são "naturais" porque
Deus direta ou indiretamente quer que existam. E Deus os quer como di­
reitos que os homens tenham permissão (mas não necessariamente) de seus
semelhantes para exercer em sociedade. É fácil compreender que tal ar­
gumento envolve inevitavelmente grande variedade de suposições que são,
no mínimo, difíceis e, na pior hipótese, impossíveis de provar para satis­
fação de todos os que tenham inclinações positivistas ou cépticas.
A dificuldade de se derivar uma prova mais ou menos inatacável da
desejabilidade da igualdade política e soberania popular diretamente de
uma ótica transcendental sugere a possibilidade de se recorrer a provas de
caráter conveniente. Estas pelo menos adiam o problema de uma justi­
ficação final, embora, claro, não o eliminem para aqueles que acreditam na
necessidade da mesma.
Dando um exemplo, se como resultado dc doutrinação social sentir­
mos inquietação em situações de desigualdade política e se a democracia
populista alivia essa inquietação e não cria outras dc gravidade igual ou
maior, e se preferimos serenidade à inquietação, seria racional preferi-la à
democracia madisoniana (ou, claro, à ditadura ou a qualquer outro sistema
hierárquico). Uma vez que esse tipo de hedonismo parece, mesmo cm nos­
sa cultura, carecer de autoridade psicológica ou da aceitabilidade de uma
ética transcendental, o argumento seria insatisfatório para numerosos indi­
víduos. E certamente não adiaria por muito tempo a questão ética básica.
Poderiamos tentar também demonstrar que, cm um dado tempo e lu­
gar, por razões históricas e culturais, nenhuma regra ética que não a cor-
porificada na soberania popular c igualdade política conferina legitimidade
às decisões políticas. E se fosse possível demonstrar que essa legitimidade
era necessária a uma grande variedade de metas, tal como a estabilidade, a
democracia populista seria, necessariamente conveniente. Mas se, como vi­
mos supondo, a democracia madisoniana é a tese predominante nos Esta­
dos Unidos, o argumento dificilmente se aplicaria a este país. O máximo
que se poderia demonstrar é que os americanos foram doutrinados para
acreditar tanto na democracia madisoniana como na populista; que nunca
conciliaram inteiramente as duas; e que essa incapacidade priva as decisões
governamentais de grande parcela de legitimidade. Seria difícil demons­
trar, contudo, que uma mudança completa para a democracia populista au­
mentaria por esse motivo a legitimidade das decisões do governo.''
Um terceiro argumento conveniente poderia basear-se cm uma ampla
estratégia para consecução dc uma grande variedade de metas do indiví­
duo. Deriva-se ele do prognóstico de que, pelo menos para o indivíduo ou
para os grupos que ele apóia, a probabilidade de maximizar grande varie­
dade de metas altamente apreciadas é maior na democracia populista do
que em qualquer uma de suas alternativas. Isto pressupõe, claro, algum
tempo e lugar, como os Estados Unidos em 1956, e também alguns dados,
impressionistas ou não, que serviríam de base a uma estimativa aproxima­
da de probabilidades. Neste caso, o compromisso do indivíduo com a de­
mocracia populista é, do ponto de vista lógico, inteiramente provisório e
contingente à produção de certos resultados (ou da probabiltdade de que
eles ocorram). Na prática real, contudo, um sistema viável de democracia
exigiria, sem dúvida, extensa doutrinação e habituação social.'" Daí, em­
bora o compromisso pudesse ser intelectualmente considerado como provi­
sório, no que interessa ao comportamento precisaria ser, e provavelmente
seria para a maioria das pessoas, altamcntc estável e fortemente ancorado
no inconsciente. Na verdade, então, seria provisório no sentido da lógica e
muito mais rígido no do comportamento.
Mas prossigamos no exame do terceiro argumento, reformulando nos­
sa questão da seguinte maneira: Em primeiro lugar, suponhamos que a Pro­
posição 1 proporciona uma regra com alguma probabilidade positiva de ser
usada em decisões governamentais nos Estados Unidos, digamos. Su­
ponhamos em seguida que nosso único critério para escolher uma ou outra
regra é o efeito provável da mesma sobre nossas metas ou sobre a de algum
outro grupo identificável. De que modo podemos decidir racionalmente
que uma regra que maximize a soberania popular e a igualdade política é
preferível à "soberania popular limitada" expressa em regras apropriadas à
democracia madisoniana? A resposta obviamente requer um volume muito
considerável de prognósticos sobre as consequências de cada uma delas.
Note-se, porém, que as relações estabelecidas pelas Definições 1-3 e Pro­
posição 1 são puramente lógicas e não nos permitem fazer absolutamente
qualquer profecia. Isto é, nada mais fizemos do que elaborar um sistema
lógico que, por mais satisfatória seja sua simetria, nada nos diz sobre o
mundo real. Ainda assim, não podemos sensatamente decidir se preferimos
a democracia populista à madisoniana sem estimar as consequências pro­
váveis de cada alternativa, se aplicada em um dado tempo a algum dado
grupo no mundo real. Em consequência, temos que nos voltar para a obser­
vação empírica em busca de resposta. Mas passar a ela implica alterar todo
0 problema, de um de estabelecimento de relações puramente lógicas para
outro de estabelecimento também de relações empíricas. Voltaremos a este
ponto na seção V.
Para sermos exatos, o filósofo dirá que não podemos provar a deseja-
bilidade da Proposição 1 baseando-nos inteiramente em proposições empí-
1 n as e que mais cedo ou mais tarde faremos algumas suposições éticas
limilamcntais. Não obstante, não levaremos adiante a análise da ética final
<! t igualdade política e da soberania popular. Em vez disso, voltaremos a
ilgumas questões anteriores.
V
Mesmo supondo que é válido o enfoque sugerido pelo último argumento,
uma das objeções à democracia populista é que ela ignora as diferenças em
intensidade de preferências. Na linguagem da economia, ela rejeita as com­
parações interpessoais de utilidades. Suponhamos que nos seja possível
medir ou, pelo menos, graduar as intensidades das preferências. Suponha­
mos ainda que %é apenas ligeiramcnte preferido a y por uma maioria e que
y é fortemente preferido a r por uma minoria. A definição de igualdade po­
lítica não leva em conta esse fato e a Regra o ignora. Daí, nesse caso, mes­
mo que a maioria exceda a minoria por apenas um, a democracia populista,
conforme vimos, exigiría apesar disso que a opção da maioria fosse a polí­
tica pública. E talvez o receio de que, ocasionálmcnte, uma meta altamente
apreciada seja postergada por uma maioria modesta que leva até os ameri­
canos mais ardentemente democratas a preferir com tanta frequência a de­
mocracia madisoniana à populista - pelo menos no caso dosEstados Unidos.
A fim de enfrentar esse problema, teremos que passar brevemente à
Proposição 2, que até agora ignoramos. Esta, a condição da "última pala­
vra", sustenta que "a democracia populista é desejável, pelo menos no to­
cante a decisões do governo, pelo menos como solução final quando todos
os demais processos preceituados foram esgotados e pelo menos entre ci­
dadãos adultos". O argumento que justifica essa condição desenrola-se da
maneira seguinte: embora as regras da democracia populista possam ser
estendidas a numerosos tipos de organização, o governo c a mais impor­
tante dc todas elas. A condição, por conseguinte, visa a assegurar que a de­
mocracia populista aplica-se pelo menos ao governo. O govemo é crucial
porque dispõe de controles relativamente poderosos. Em uma grande va­
riedade de situações, em um choque entre controles governamentais e
outros, os primeiros serão provavelmente mais decisivos do que os segun­
dos. Para sermos exatos, a eficácia dos controles governamentais tem li­
mites. Seria fácil lhes exagerar a força comparativa mas a história política
constitui um registro dc lutas violentas, e não raro sanguinárias, a fim dc
controlar os controles que denominados de governamentais. É razoável
supor que, em uma grande variedade de situações dc formulação dc polí­
tica, quem quer que controle as decisões governamentais terá um poder
significativamente maior sobre ela do que indivíduos que não se encontram
nessas condições. Por isso mesmo, o argumento cm prol da democracia ]xi-
pulista é, pelo menos iniciaimentc, cm favor dela no govemo.
A frase "democracia populista no govemo", porém, ]xxlc induzir a
erro. "Govemo" inclui numerosos tipos dc processos sociais; os depar-
lamentos s;m lúerárquicos, alguns deles operam dentro de um sistema dc
preços e é comum a barganha entre lideres hierárquicos. A exigência de
democracia populista não impiica também a eliminarão dc todos esses pro­
cessos alternativos dc controle no governo. Da mesma forma que o go­
verno é um sistema crucial de controles na sociedade, s3o de igual im­
portância nele os processos que pcrmttem uma vo/, mais ou menos final ou
decisiva na politica. Por isso mesmo, o argumento em favor da democracia
populista apiica-se a esses processos decisivos no governo, onde a "última
palavra" tem que ser dita.
A restrição da "última palavra" a adultos é defendida por uma grande
variedade de razões. Embora a idade limite mais baixa seja motivo de al­
gumas controvérsias, o princípio básico desperta tão pouca contestação que
mc dispenso de passar em revista os argumentos que o justificam.
Voltemos agora à questão das intensidades. Mesmo aqueles que jul­
gam a Regra razoável, nos casos cm que acredita que é mais ou menos a
mesma a intensidade do desejo entre os membros da minoria e maioria,
consideram-na intolerável no caso do tipo citado acima, em que x é apenas
ligeiramente preferido por uma escassa maioria c y é fortemente preferido
por uma minoria igualmente pequena. Com efeito, provavelmente ninguém
defenderia a aplicação da Regra em todas as situações. A verdadeira ques­
tão é sc o indivíduo a defende: d) para o governo, /?) como apelo final, c)
entre adultos, isto é, se a quer mesmo na condição de "palavra final".
Suponhamos que alguém negue a validade da Regra, mesmo sob a
condição de última palavra, alegando que ela não reflete apropriadamente
as intensidades dos desejos. Negá-la implica dizer que ou nenhuma regra é
válida, o que seria dc pouca utilidade no mundo real, ou que uma regra
contrária é válida. A regra contrária teria que afirmar que, em alguns casos
em que o desejo da minoria pory é mais intenso do que o desejo da maioria
por x, a política governamental deve adotar a preferência da minoria e não
da maioria (a Regra Ressalvada da Minoria).
A Um de tomar essa regra aplicável, haveria necessidade de especi­
ficar um método para decidir quando um caso particular sc enquadra nesta
categoria. Suponhamos que se permita que a maioria decida. À primeira
vista, isto parecería sem sentido e, na verdade, logicamente contraditório,
mas, na verdade, isto acontece frequentemente nos países democráticos,
seja funcionando de acordo com regras madisonianas ou com algo como o
princípio do governo de maioria. Há uma grande variedade de razões por
que uma maioria que inicialmente demonstra apenas uma ligeira preferên­
cia por uma política pode finalmente aceder às exigências de uma minoria
fortemente atuante. A intensidade dos desejos de outras pessoas, e os pro­
váveis atos políticos resultantes de diferentes graus de intensidade, figuram
entre os fatores que numerosos indivíduos, e ccrtamente muitos líderes
políticos, poderão levar em conta ao decidir sobre suas próprias prefe­
rências cm políticas.
Mas suponhamos que esse tipo de solução, inteiramente compatível
com a Regra, c julgado inadetjuado, uma vez que a decisão finai cabe ainda
à maioria. Neste caso, a Regra Ressaivada da Minoria deve ser tomada
opcraciona), especificando-se uma dada minoria em que se pode confiar
que invocará seu poder nos casos, mas apenas nestes casos, em que a inten­
sidade da preferência de uma minoria por y era significativamente maior do
que a intensidade da preferência de uma maioria por x. Infelizmente, con­
forme veremos no capítulo 4, no mundo real é difícil estruturar delibera-
damente uma organização oficial apropriada a esta condição. Rcis-fiió-
sofos não são fáceis de encontrar.

V!
A objeção ctica iinal e que acredito válida à teoria da democracia populista
é que ela postula apenas duas metas a serem maximizadas — a igualdade
política e a soberania popular. Mas ninguém, exceto talvez um fanático,
desejaria maximizar duas metas às expensas dc todas as demais. Daí. qual­
quer ética política que estabeleça regras apropriadas apenas ao atihgimcnto
de uma ou duas metas é inadequada para a maioria de nós.
Isto porque para quase todos nós — e isto pode ser especialmente ver­
dadeiro em países que conseguiram manter democracias durante longos
períodos de tempo — são excessivos os custos de visar a uma ou duas
metas às custas dc todas as demais. Na maior parte, somos marginalistas.
De modo geral, experimentamos utilidade marginal decrescente quanto
mais atingimos uma meta ou, na linguagem da psicologia modema, o atin-
gimento & meta reduz o valor motivador do estímulo. A igualdade política
e a soberania popular não são metas absolutas. Temos que nos perguntar o
quanto de lazer, privacidade, consenso, estabilidade, renda, segurança, pro­
gresso, .smm.s e provavelmente muitos outros objetivos estamos dispostos a
renunciar em troca de um aumento adicional dc igualdade política. E fato
observável que quase ninguém considera a igualdade política e a soberania
popular como valendo o sacrifício ilimitado desses outros objetivos.
Cabe perguntar: a democracia popular impõe custos, digamos, nos ti­
pos de objetivos mencionados acima? Esta é uma questão a qual a teoria
não oferece resposta. Mas certamente uma teoria que não indica os custos
prováveis contra os quais teríamos que medir os ganhos prováveis é incom­
pleta demais para nos ajudar muito no mundo real.
VH
Esta última observação lembra um ponto mencionado antes: a teoria da
democracia popuüsta não é um sistema empírico. Consiste apenas em re-
tações lógicas entre postulados éticos. Nada nos diz sobre o mundo real.
Baseando-nos nela não podemos prever qualquer tipo que seja de compor­
tamento.
E este é um ponto de suprema importância na avaliação da significân-
cia da teoria. Isto porque, conforme já vimos, em certo número de questões
6 difícil ou impossível para nós decidir que regra prefeririamos seguir até
que tenhamos previsto as prováveis consequências do emprego da Regra
no mundo real. Mas aqui a teoria da democracia populista em nada nos
ajuda. Não nos diz como devemos nos aproximar da soberania popular e
igualdade política ou maximizá-la no mundo concreto. Declara simples­
mente que a consecução perfeita dessas condições, supondo-as atingíveis,
exigiria de nós a aplicação da Regra. Mas esta raramente é, se realmente
isto acontece alguma vez, a forma que assume um problema no mundo do
dia-a-dia, e acho que nunca acontece na política.
É grande a variedade de fatos empíricos que precisamos conhecer, ou
sobre eles formar uma idéia, antes de podermos decidir racionalmente so­
bre os tipos de regras políticas que queremos seguir no mundo real. Além
disso, a situação concreta pode muito bem variar de um momento a outro e
de uma organização social a outra. Dessa maneira, mesmo que nossas me­
tas (valores) permaneçam estáveis, um conjunto de regras que maximize a
sua concretização em uma situação pode ser inteiramente inaplicáve! em
outra. Certamente não há razão a prior; para supor que a democracia popu­
lista maximizaria nossas metas (ou as metas dos demais) cm todas as cul­
turas, sociedades e épocas. Por isso mesmo, ainda que acreditemos que a
igualdade política e a soberania popular são metas desejáveis (entre ou­
tras), cvidcntcmcntc a questão relevante precisa ser colocada mais ou me­
nos assim: As propostas específicas (como, por exemplo, a eliminação da
revisão judicial, partidos políticos unificados, mudanças na duração de
mandatos, ou implantação do sistema parlamentar, etc.) se adotados, diga­
mos, nos Estados Unidos, nos aproximariam mais dessas duas metas do
que as sugestões existentes ou outras alternativas, sem impor ao mesmo
tempo custos excessivos e outros valores? A fim de responder a uma per­
gunta como essa, é claro que temos que sair da teoria da democracia po­
pulista c passar à ciência política empírica.
No capítulo 3, examinaremos algumas das mais importantes relações
empíricas que aparentemente existem nos sistemas políticos denominados
de democráticos (pelo menos no Ocidente). No restante deste capítulo,
i< .!:u< i de três objeções á teoria da democracia populista que colocam
u<!]«'t);u))<-s questões empíricas.
Em primeiro lugar, a teoria não indica que indivíduos ou grupos de­
vem ser incluídos no sistema político ao quai a igualdade política, a sobe­
rania popuiar e a Regra devem apiicar-se. Sem dúvida, alguns de seus de­
fensores gostariam de ver todos os seres humanos vivendo em tal sistema,
mas, tanto quanto sei, nenhum teórico político jamais propugnou um sis­
tema único e mundial desse tipo de democracia. Historicamente, a demo­
cracia modema e o nacionalismo desenvo!vcram-se aproximadamente na
mesma cpoca c os modernos teóricos da matéria têm em geral, implícita ou
explicitamcntc, proposto o sistema para a nação-Estado. Alguns, como
Rousseati, aparentemente o consideraram apropriado a grupos pequenos,
mais ou menos do tamanho de um cantão; Jefferson evidentemente consi­
derava a igualdade política e a soberania popular mais praticáveis ao nível
estadual do que no do governo federal, esfera esta cm que ele, na prática,
aceitava o sistema madisoniano. Resta, contudo, a questão: deve um con­
junto de indivíduos ser incluído de preferência a outro? Tanto quanto sei,
nenhum teórico democrata nos fomeceu qualquer resposta sistemática a
esta questão.
Poder-se-ia dizer que as fronteiras apropriadas incluiríam apenas os
indivíduos que concordassem com a Regra. Mas isto certamente tomaria o
sistema impraticável no mundo real. Uma vez que fronteiras geográficas
seriam provavelmente necessárias como assunto prático, seria provável que
qualquer área geográfica significativa incluísse apenas indivíduos que con­
cordam com a Regra. Se, por esse motivo, se insistisse em que as fronteiras
deveriam incluir grupos nos quais a maioria concorda com a Regra, verifi-
car-sc-ia que esta norma não nos daria absolutamente qualquer princípio
operacionalmente útil. De que modo uma decisão desse tipo seria alcança­
da no mundo real? Suponhamos que a área conhecida como Greater Wys-
teria tenha uma maioria de adultos que concorda com a Regra, mas que a
minoria que se opõe a ela na zona de Greater Wystcria conhecida como
South Wysteria seja suficientementc numerosa para formar uma maioria
nessa zona. Nosso princípio experimental nos diria para traçar as fronteiras
em tomo de Greater Wysteria e excluir South Wysteria, isto é, seria uma
instrução contraditória em si mesma.
Os limites de inclusão e exclusão de unidades governamentais geo­
gráficas constituem, no mundo real, alguns dos fenômenos políticos mais
rígidos. Não precisamos recorrer às experiências de nações-Estado cm
busca de prova nesse sentido. Basta que nos lembremos das dificuldades
que quase sempre impedem a aceitação de propostas de consolidação ur­
bana. Em grande parte, todos temos que aceitar as fronteiras de nosso
mundo político tais como foram traçadas pela tradição e os fatos históricos.
E só raramente são elas acessíveis à mudança racional.
Mas mesmo que fossem, no caso de indivíduo que subscrevesse nu­
merosos valores, e não apenas os dois corporificados na igualdade política
r na .utniauia po[iular, a norma mais racionai a seguir seria aproxima-
tiauu-uu' a scg.uuuc: cscoiher uma sociedade poiítica que contivesse indi­
víduos i mus oiijctivos fossem suficicntcmcnte parecidos com os seus para
l)ui]x)[ciouar a mais afia probabifidade de que pudessem maximizar todos
o:- seus principais vaiores. Uma vez que a iguaidade poiítica e a soberania
popuiar siío apenas dois vaiores, seria inteiramente racionai que o indiví­
duo sacrificasse aigum ou aiguns para assegurar a realização dos demais.
Daí, cie poderia juigar racionai escoiher fronteiras que inciuíssem indi­
víduos, taivez uma maioria deies, que fossem favoráveis à democracia ma-
tiisoniana ou mesmo a aigum outro sistema poiítico aiternativo. Por isso
mesmo, o Acordo de Connecticut não constitui necessariamente uma
acomodação toia, mesmo para os americanos que atribuem aito vaior à
iguaidade poiítica e por isso mesmo são contrários à igual representação
estaduai no Senado, isto porque pode ser de ionge a meihor barganha gio-
bai que um americano pode obter no mundo rcai, isto é, todas as aitema-
tivas reaiistas seriam menos satisfatórias.
Não discuto aqui se este é ou não o caso. O importante 6 que a teoria
da democracia populista não proporciona quaisquer critérios satisfatórios
para decidir quem deve ser inciuído no sistema. A eiaboração desses cri­
térios satisfatórios exigiria cuidadosa atenção a um grande número de fatos
empíricos que não estão especificados no sistema e, rcaimente, não pode­
ríam ser sem convcrtc-io de um sistema de iógica pura em uma teoria
empírica.

V1H
Um segundo probiema empírico foi coiocado por Gaetano Mosca, cuja
objeção podemos parafrasear da seguinte maneira: Todas as sociedades
criam uma ciasse dominante. O controie popuiar gerai (e, certamente, o
governo da maioria) é impossível. Não obstante, a extensão em que a
ciasse dominante é sensívei aos desejos populares e aos resultados das
eleições depende até certo ponto do sistema constituciona), da ideoiogia
predominante e da doutrinação social. Doutrinas e preceitos constitucionais
dispondo sobre soberania popular e governo da maioria são os que exercem
os mais fracos de todos os controies sobre os governantes. Isto porque, uma
vez que a maioria não govema cm nenhum caso, as doutrinas e preceitos
desse tipo na verdade conferem poder ilimitado à minoria governante, a
qual. naturalmente, aiega representar a maioria. Por isso mesmo, em parte
.1 um a a tirania é mais provável do que numa sociedade em que o sistema
..... titucionai c a ideoiogia predominante legitimam o poder constitucionai
ilinuiatio da maioria.
A objeção de Mosca, cabe notar, dificilmente pode dar aigum consoio
aos críticos madisonianos da democracia populista. E acontece isto porque
a objeção repousa na suposição cxpiícita de que toda a idéia de tirania da
maioria é absurda; a maioria jamais governa e, portanto, não pode jamais
tiranizar; só as minorias governam e, conseqüentemente, a tirania é sempre
exercida peias minorias.
Neste capítuio, não tentarei chegar a uma conciusão sobre se é váiida
ou não a objeção de M o s c a .O importante é que eia coioca uma serie de
questões empíricas para as quais a teoria da democracia popuiista não pro­
porciona resposta.

IX
O terceiro probiema empírico tem dado origem a grande confusão inte-
iectuai, em grande parte por causa de ambiguidades iingüísticas. O pro­
biema surge da objeção de que, sob um sistema de soberania popuiar,
iguaidade poiítica e governo da maioria, uma maioria pode muito bem
tomar medidas que destruam o sistema e, por isso, taivez seja necessário ai­
gum método de veto de minoria para impedir que isso ocorra. Nos Estados
Unidos, uma grande variedade de eiementos no sistema constitucionai pro­
porciona um veto de minoria, inciuindo o Supremo Tribunai, a composição
do Senado, o sistema de comissões do Congresso, a obstrução e, às vezes,
taivez, a presidência.'"
Tomemos x* como aigum requisito fundamentai à iguaidade política e
à soberania popuiar, digamos, certo grau de iiberdade de expressão. Supo­
nhamos que y é uma aitemativa que a reduziria a um ponto em que a
soberania popuiar seria impossívei, e inevitável a oiigarquia.^ Poder-se-ia
argumentar que um veto de minoria é necessário para impedir a impian-
tação de y c, com eia, a destruição não apenas da democracia popuiista em
si mas de quaiquer aproximação real da mesma.
O probiema é agravado neste ponto peia necessidade de ievar cm conta
o período temporai no quai se espera que as preferências popuiares sejam
transformadas em poiítica púbiica. Nenhum defensor da democracia popu­
iista, tanto quanto sei, exigiu jamais a transformação instantânea das pre­
ferências da maioria cm política púbiica, isto é, supõe-se que uma defasa-
gem temporai exista entre o primeiro aparecimento da preferência tia mai
oria e a ação governamental que a implementa. Propugnadores da demo­
cracia supõem cm gerai que a cscoiha da maioria deve ser uma coisa pon­
derada, pensada; a escolha racionai exige que o indivíduo conheça seus
próprios vaiores, possua conhecimento técnico das aiternativas c saiba
quais as prováveis consequências de cada uma deias. Esse conhecimento,
sustenta se tradicionalmcnte, requer tempo para debate, discussão, tomada
dc depounentos c outros expedientes que consomem tempo.
Atê que ponto um retardamento, ou demora, é compatível com a Re­
g ei' A teoria tia democracia populista não fornece resposta; é um sistema
estático c não construído em uma seqüência temporal. Se um mês 6 com­
patível, por que não dois? Por que não um ano, dois, dez? Dizer que a de­
mora deve ser suficientemente longa para que se faça uma escolha racional
seria inútil porque isto 6 um conselho de perfeição ou, se não isso, opera­
cionalmente não tem sentido. Não obstante, uma resposta como essa sugere
vários tipos de situação e uma teoria precisaria explicá-las.
Surge uma delas quando a opinião em favor de y declina ininter­
ruptamente, de maioria para minoria; outra quando a opinião é transitória
— a maioria em favor de y tem curta duração; e uma terceira quando a
opinião favorável a y aumenta sem cessar no tempo. A figura a seguir re­
presenta essas três possibilidades (Fig. 1).

Ora, se a opinião favorável a y (a política que resultaria cm oligarquia)


está em declínio ou é passageira, então o veto de minoria exercido em favor
de x* geral oligarquia no curto prazo, mas não necessariamente em período
mais longo.'" Mas se, após a devida reflexão, a maioria conclui que se en­
ganou e realmentc prefere x* a y, então, como resultado do veto da minoria,
ela pode continuar a operar sob o sistema de veto, o que certamente não
constitui oligarquia.'^
Contudo, sc a opinião a favor de y está crescendo no longo prazo,
todas as soluções conduzem à oligarquia. Operar sob a democracia popu­
lista levará à oligarquia, porquanto, de acordo com nossas suposições, y é
uma opção & /octo pela oligarquia. Altemativamente, o veto da minoria
redundará também em oligarquia.^
Cabe dizer, contudo, que enquanto o primetro caso poderá resultar em
oligarquia em todas as decisões governamentais, no segundo caso as con­
dições para a mesma talvez se restrinjam ao caso particular. Certamente há
uma diferença importante entre essas duas situações, embora nenhuma de­
las seja de democracia populista.
Até agora neste argumento, vimos trabalhando sem fatos. Contudo,
não podemos analisar a objeção aqui postulada até que tenhamos tentado
prognosticar a probabilidade dos eventos que se diz que o veto da minoria
evitaria. Alcm do mais, quereriamos saber se uma minoria seria capaz dc
exercer seu veto em tais casos, e não simplesmente usar seus poderes para
estabelecer a oligarquia em todas as situações em que esteja sendo con­
testado o statu <7 Mo. Esses prognósticos não podem ser derivados analitica-
mente. Requerem estudo empírico de uma dada cultura, ocasião c lugar.
Os americanos inclinam-se a pensar que o Supremo Tribunal é o den.s
e.x macAina que regularmente salva a democracia dc si mesma. Esta opi­
nião é difícil de sustentar em vista de decisões concretas do Supremo. Ele
se desincumbc de algumas funções indispensáveis através da revisão judi­
cial, mas impedir que minorias nacionais destruam requisitos fundamentais
da democracia política não é uma delas. Presumo aqui que "os requisitos
fundamentais da igualdade política e soberania popular" são o direito ao
voto, à liberdade de expressão, de assembléia e de imprensa. Em toda a sua
história, em 77 ocasiões, o Supremo Tribunal considerou inconstitucionais
leis do Congresso. Nelas, apenas 12 podem ser corretamente caracterizadas
como envolvendo liberdades civis não-econômicas. Entre essas 12, seis en­
volveram medidas do Congresso para defender c ampliar os direitos dos
negros. Em todos os seis casos, o Supremo Tribunal vetou essas tentativas
de conceder aos escravos emancipados aproximadamente os mesmos di­
reitos desfrutados pelos cidadãos brancos. Entre os 12 casos, apenas quatro
— todos tratando dc direitos de negros — podem ser razoavelmente inter­
pretados como envolvendo um ou mais dos requisitos fundamentais referi­
dos acima. Em apenas quatro casos em toda a história do Supremo Tribu­
nal, nos casos de legislação a respeito dos requisitos fundamentais que foi
considerada inconstitucional, as decisões impediram o Congresso não dc
destruir direitos básicos, mas de ampliá-los. Assim, não há um único caso
na história desta nação cm que o Supremo Tribunal tenha repelido le­
gislação de âmbito nacional destinada a reduzir, e não a expandir, os re­
quisitos fundamentais de igualdade e soberania popular.^'
Neste exemplo, como cm todos os demais em que há necessidade dc
informações factuais, a teoria da democracia populista não nos proporciona
coubeeimentos sobre o mundo real. Posso preferir a igualdade à desigual­
dade social c a soberania popular à oligarquia, da mesma maneira que pos­
so quem uma sociedade sem assassinatos a outra cm que viva "cm etemo
medo c perigo de morte violenta". Mas ate que tenha feito um grande con­
junto de previsões sobre fatos no mundo real, minhas preferências não me
dão meios de decidir o que devo fazer, se é que devo, para reduzir o nú­
mero de mortes violentas na sociedade. Nem me confere meios para fazer
opções racionais entre arranjos políticos alternativos, alguns dos quais po­
dem produzir um impacto sobre a igualdade política e a soberania popular.
Significa isto, então, que podemos lavar as mãos no que tange à igual­
dade política? Será ela uma meta estúpida porque grande parte da teoria
política é, quando devidamente analisada, inaplicáve! ao mundo real?
Evidentemente, não é este o caso.
Se a solução madisoniana não satisfaz, não precisamos ser recondu­
zidos em desespero a um corpo axiomático de teoria que é, em última ins­
tância, quase inútil como um guia para a ação. Isto porque nada há inerente
ao conceito de igualdade política que o torne destituído de sentido no mun­
do real.

APÊN D IC E AO C A P ÍT U LO 2

A Provo Proposição ?
Que o princípio do governo da maioria (Proposição 1) já está contido na
definição da democracia populista (Definições 1-3) parece-me intuitiva­
mente óbvio. E é apenas correndo o risco de fazer uma demonstração basi­
camente trivial das relações lógicas envolvidas que submeto a prova se­
guinte.
Continuando com o sistema de notação algébrica das notas de rodapé,
vimos já que a Definição da Regra (Definição 4) pode ser formulada da se-
g.uintc maneira:

!)EHNtçÂ04: NP(x.y)>A'P(yp:) e ^ x P g y .

Vejamos agora qual a nossa tarefa: temos que interpretar de alguma


inam-ua as condições de soberania popular e igualdade política de modo
qi!<' :< iam compatíveis entre si. A Definição 2 nos diz que a condição da
nlh t.ini.t popular é satisfeita se:

x P c y < -n ;P gy, (1)

.... . /'< ' "'mli. a''preferida pelos membros".


Mas de que maneira decidiremos que alternativa é "preferida" ou
"mais preferida" pelos membros? Que regra deveremos seguir para dar
significado operacional à expressão (x f c y) ou ao conceito "alternativa
mais preferida pelos membros"? Poderemos, por exemplo, levar em conta
diferentes intensidades de preferências? No capítulo 4 veremos que surge
um número imenso de dificuldades em qualquer tentativa para estudar
intensidades. Entrcmcntes, é claro que a interpretação que dermos a (1)
deve ser coerente com a condição de igualdade política, ou então não po­
deremos satisfazer às duas condições. Parece ser compatível e, na verdade,
necessária à condição de igualdade política que as preferências devam de
alguma maneira ser manifestadas individualmente pelos cidadãos, de modo
que a elas sejam atribuídos valores e possam ser contadas. Historicamente,
o ato de votar tem sido aceito como indicador apropriado de preferências
individuais. Mas se a votação, ou alguma outra ação individual, são aceitas
como manifestação de preferência, de que modo devem ser contados os
votos? Aqui a condição de igualdade política evidentemente requer que ig­
noremos intensidades porque à preferência de cada membro é atribuído um
valor igual. Isto é, teremos de contar os votos de tal maneira que:

V = y " = y " - ...e t c ., (2)

onde V representa o voto de um indivíduo, y" o de outro, etc. Mas, a fim


de seguir esta regra, as propriedades comuns dos números reais devem ser
invocadas, de modo que a condição seguinte seja satisfeita pelo processo
de contagem:

i y < 2 y < 3 y < 4 y . . .etc. (3)

nV<ín+fjy (4)

n'. ,„ nV (n+l)V (3)


2 ^ 2

Isto é, para ser compatível com a Definição 3, o "mais preferido" deve ser
compatível com (2) e (5). Daí:

W (x,y) > W fy.x) e-? x P c y. (6)

Mas uma vez que, por (1),

xPcy e^xPgy
por substituição

/Vf ( x j ) > j\T (y^t) x f ^ y. (7)

Mas (7) 6 exatamente o significado das Definições 4 e 4'.

Dc/iníçtK? ^ MtHoría
Vaie notar que se (7) é mantida cm tortas as situações, então uma simples
maioria seria suficiente pata estabelecer a política do govemo, isto é,

^ r - P í * ,y ) c

A fim de corresponder à realidade, uma simples maioria pode ser defi­


nida de maneira diferente, dependendo de se o número total de cidadãos
(votos) é ímpar ou par. Parece, pois, conveniente definir "maioria" como
significando:

A/2 + 1 ou maior cm todos os casos onde /V 6 par.


(A + l)/2 ou maior em todos os casos onde A' 6 ímpar.

NOTAS
! O termo "democracia populista" me foi sugerido por Edward Shiis em um trabatho
intitulado "Populism and the Rule of Law", apresentado à Univcrsity of Chicago Law
School Conference on Jurisprudence and Politics, abri! de 1954.
2. O trabatho de Wolodymyr Starosolskyz, D a í Afa/ariiã/prinzip (Viena e Lcipzig, 1916),
constituiu uma das poucas tentativas de análtse sistemática dos conceitos implicados no
princípio do govemo da maioria. Representando o estilo grandioso da sociotogia a]emã
da época, ele faz uso intenso de duvidoso matéria] antropológico, e não í dos mais
úteis. Talvez a formulação isolada mais sucinta do argumento do govemo da maioria
seja o de Henty Stce!e Commager no Afa/arày Ade and Aíótorify RigA/c (Nova York:
Oxford University Press, 1943). A anáiise mais exaustiva cabe a Wilmoore Kendall no
fohn Tache and the Dacfriae a / Afa/orriy Rafe (Urbana, 1941); cf. também o debate
entre c!e e Herbert McCIosky publicado no The Tournai a/*Raiiricc, X ! (novembro de
!949), 637-54, e X H (janeiro de 1950), 694-7! 3. Sou grato a e!e e a Austin Ranney pela
generosidade de me permitirem examinar o manuscrito dos primeiros quatro capítu!os
de seu próximo tivro, Dentacracy and lhe American fa r íy Sysrent, que também expõe a
trorta concertrente ao govemo de maiorias, i rancis W. Coker criticou a tese Kendal!-
Ranney no "Some Present-Oay Critics of Liberaüsm", American Raiiricai Science
Rrwrw, X I,V !l (março de !953), ! 27. Atguns dos e!ementos do modelo popuüsta e
algmnas fraquezas do modelo madisoniano foram comentados em meu trabatho
"Mni.miy Rule and C iv il Rights", apresentado na reunião anual da American Poütica!
m m Associatiotr em !948. Oependi muito também dos capítulos retevantes de um
livu. . .. mu em co-autoria por Charles E. Lindblom c este autor. Ro/irics, Rcanantic.r
... < U '//.n r (Nova York: Uarpcr & Bros., 1953). Com sua habitua) lucidez, George H.
Sabine analisou as origens e características da tradição democrática que enfatiza a
"liberdade" e a que destaca a "iguaidade". A teoria madisoniana constitui um exemplo
da primetra e a teoria populista é a essência da segunda. Ver seu "The Two Democratic
Iraditions", 77rc TJuVesopJticui Rcvrerv, L X i (outubro de 1952), 451. Quanto ao
expediente de usar notação aigébrica nas notas e apêndice deste capítulo, e por muitas
iutrovisões sobre o argumento, manifesto minha dívida para com as sugestões
encontradas em Kenneth Arrow, 5ociaí CTrorce and fndtvidMui Vaiues (Nova York:
John Wiley & Sons, 1951).
t Uma prova desta proposição será encontrada no Apêndice a este capítulo.
I Se designarmos pelo símbolo AY "o número de cidadãos que são indiferentes ao
resultado de uma opção entre duas alternativas", e se chamarmos as alternativas de "x"
e "y", podemos escrever o "número de cidadãos indiferentes entre as alternativas x e y"
simplesmente conto AJ/(x,y). De idêntica maneira, podemos escrever AT(x,y) signifi­
cando "o número de cidadãos que preferem x a y". Ora, por definição, AY = Á/(x,y) =
MfyprJ.
Por conseguinte,

AT(x,y) > ATfyxJ N f (x.y) + A'/ > XYYyx) + W (I)

(Os símbolos conecttvos —t e t-t serão usados como significando "implica" e "A
implica B e rcciprocamentc", respectivamente. Podem ser também interpretados como
"A é uma condição suficiente para B" e "A é uma condição suficiente e necessária para
B", respectivamente.)
5. Supondo que a indiferença não reflete simplesmente ignorância das alternativas e de
suas consequências. No mundo real, a indiferença política (apatia) é na verdade
inversamente proporcional à educação e a vários outros índices de posse de
conhecimentos.
6. Simbolicamente, a Regra pode ser formulada da seguinte maneira:

A T (x, y) > A T fy, x) x f g y,

onde x Pg y significa "x d preferido pelo govemo a y " ou 'Y e não y é escolhido como
política do govemo". Mas, ohviamente, se AT(x,y) - AT(y,x), então a Regra não
fornece instruções para uma solução. Mas dc fato nos diz que nenhuma solução deve
levar cm conta x como a política escolhida c também que nenhuma solução deve fazer
o mesmo por y, isto é, a poiítica do govemo deve ser indiferente entre x c y. Ou,
simbolicamente:

AYYx.yJ = ATfy.xJ -a x f g y. (2)

7. Segundo sei, ninguém realizou até hoje uma investigação da ocorrência de empate na
votação em gmpos de vártos tamanhos. Esta tarefa seria gigantesca e não me proponho
a fazê-la. Se supusermos que todas as possíveis combinações de preferências entre duas
alternativas são igualmente prováveis, por exemplo, que entre 10 indivíduos ocorrem
divisões como 10 a favor e 0 contra, 0 a favor e 10 contra, 5 a favor e 5 contra, que são
igualmente prováveis, então a probabilidade de uma divisão de 50-50 sobre qualquer
dada questão seria de apenas l/(.V+l), onde A/ é o número de votos lançados. Mas uma
divisão 50-50 é possível apenas se Ai for par. Se supusermos uma igual probabilidade
de que N seja par ou ímpar, então a probabilidade de uma divisão 50-50 dc modo geral
seria l/2(/V+l). Essas suposições são arbitrárias. No Congresso Americano ou na
Câmara dos Deputados esperaríamos que as divisões se fizessem em iomo de 50 50 c
perto da unanimidade.
S. Este aspecto da terceira objeção, c também da quarta, foi retirado do trabalho de E.J.
Nansen, "Mcthods of Hlection", 7ransacrtons a/td fraceeding.r o/* drr Raya/ Aarre/y o/
Yicroria, X IX (ISS3), 197 240. Kenneth Arrow chamou a atenção paru u importância
da tátjeçáo nu seu 5'ocíoi CAotca anrí fnPAtduui Vu/ues (Nova York: John Wiley &
Sons. 1951), p. 3.
9 Suponhamos três alternativas, x, y e z, e o corpo de cidadãos dividido em três grupos
iguais da seguinte maneira:

O Grupo A prefere x a y, y a z, e x a z.
O Grupo B prefere y a z, z a x, e y a x.
O Gntpo C prefere z a x, x a y. e z a y.

Uma vez que o Grupo A e o Grupo B preferem y a z, e uma vez que juntos compre­
endem dois terços dos cidadãos, poder se-ia pensar que y deveria ser a escolha. Não
obstante, o Grupo A e o Grupo C preferem x a y e daí poder pensar se que x deva ser a
escoiha. O Grupo B e o Grupo C , porém, preferem z a x. Dessa maneira, cada alter-
nativa é preferida por uma combinação de grupos, e ainda outra combinação de grupos
prefere em todos os casos outra aitemativa. Daí não ser possíve) nenhuma soiução
compatfveí com as condições de soberania poputar e igualdade política. Uma vez que
Arrow, op. cu., supõe a "transitividade da escoiha coietiva" como critério de ação
social racionai, vale notar que sob quase todas as teorias de poiítica democrática, e
ccrtamente sob a discutida aqui, o requisito de transitividade serra irracional em muitos
tipos de escolhas coictivas. Por "transitividade" entendemos, com base na analogia das
desiguaidades em matemática, que se um tndivíduo prefere x a y e y a z, ele tem que
preferir também x a z.— pelo menos, se ele quiser comportar-se racionalmente. Mas
quaiquer que seja o caso com escolhas individuais — e mesmo aqui o requisito í algo
tendencioso — evidentemente levaria a resultados irracionais em uma democracia
exigir transitividade cm escolhas coletivas. Por exemplo, entre 101 indivíduos,
suponhamos que

1 indivíduo prefere x a y, e y a z.
50 indivíduos preferem z a x, e x a y,
50 indivíduos preferem y a z, e z a x.

Neste caso, 51 preferem x a y, e 5 ! preferem y a z. Se supomos transitividade em


escolha coletiva, seguir-se-ia que uma maioria de peto menos 51 prefere x a z, também.
Mas, na verdade, 100 indivíduos preferem z a x. H o requisito de transitividade pro­
duziría o resultado anômalo de que as preferências do único excêntrico seriam transfor­
madas em política pública a despeito do fato de 100 indivíduos preferirem a política
oposta. Arrow demonstra que se há mais de duas alternativas, qualquer método para
tomada de decisões sociais que garanta a transitividade nas decisões terá que ser neces­
sariamente ditado por uma única pessoa ou imposto contra as preferências de todos os
tndivíduos (pp. 51-59). A única restrição suposta às escolhas individuais c que sejam:
I) "ligadas", isto í , nenhum indivíduo pode preferir x a y e ao mesmo tempo preferir y a
x, ou ser indiferente entre x e y; e 2) "transitivas" no sentido indicado acima. Contudo,
dadas certas restrições ulteriores às possíveis ordenações de escolhas individuais (elas
têm que ser em curva campanular), o método de governo da maioria resultará em
decisões que são transitivas e, ao mesmo tempo, nem impostas nem ditatoriais (pp. 75-
80). Este argumento brilhantemente desenvolvido e surpreendente, infelixmente, tem
sido até agora inteiramente ignorado pelos cientistas políticos.
10. Especialmente por Nansen, op. cit., que o leitor deve consultar em busca de crítica
técnica do método de voto único, o voto com segundo turno, o voto duplo, o método de
Borda e a própria sugestão de Nansen. Cf. também Alfred de Grazia, "Mathematical
Derivation of an Election System", 7so. Vol. X I.[V (junho de 1953) para uma tradução
e comentário do "Memoir on Elections by Ballot", de Borda, publicado em 1781.
11. A votação por representação proporcional, naturalmente, não soluciona nenhum dos
problemas aqui colocados, pois simplesmente os empurra e a outros para a alçada do
legislativo.
12. Suponhamos, por exemplo, que há três indivíduos ou grupos, A, B e C, e três
alternativas, x, y e z, e que as preferências sejam as seguintes:

A prefere x a y e y a z.
B prefere y a z e z a x.
C prefere z a y e y ax.

Ora, se cada grupo vota de acordo com sua preferência, no par (x,y) a alternativa y será
preferida por 2 -1 ; se y formar par com x, y será favorecido de 2-1 mais uma vez.
Evidentemente, y é a alternativa mais preferida por uma maioria. Daí a escolha de y
estará de acordo com as preferências de uma maioria de 2-1.
Mas suponhamos agora que o Grupo C não vota em cada par de acordo com suas
preferências reais, mas, sim, para manipular o resultado final em seu favor. Dessa
maneira, no par (x,y), embora o Grupo G realmentc prefira y a x, suponhamos que vota
em x, que vence neste par por 2 -1. Ordinariamente, uma vez que x e y foram derrotados
na votação e x emergiu com uma maioria de 2/3, a votação acabaria. Ainda assim,
neste caso, uma maioria de 2/3 prefere realmente a alternativa derrotada, y, à vence­
dora, z. Por conseguinte, a menos que o corpo político tenha oportunidade de votar no
par (y,z), a alternativa que í selecionada, por uma maioria de 2/3, representará na
verdade uma escolha que uma maioria de 2/3 rejeitaria se tivesse oportunidade de votar
no par (y,z). Daí, neste caso, a Regra não ê atendida, a menos que uma votação seja
feita sobre cada par de alternativas.
Mais uma vez, a transitividade leva a conclusões irracionais, conforme acabado
de demonstrar, e deve ser rejeitada no mundo real. Cf. a discussão em Anow, op. cd.,
pp. 80-81, n. 8; Duncan Black, "The Decisions of a Committce Ustng a Special
Majority", ^cortamerr/cs, X V ! (julho de 1948), 245-61; e "On the Rationale of Group
Decision-making", daarna/ of PoM/cn/ Kccmomy, L V I (fevereiro de 1948), 23-34.
13 Legitimidade é empregada aqui não em sentido ético, mas psicológico, isto é, crença na
correção da decisão ou do processo decisório.
14 Cf. cap. 3.
15. Cf. cap. 5, pp. 125 e segs.
16 Uma vez que parte do problema é puramente verbal, permitam me usar mais uma vez
um sistema de notações algébricas simples para sumariar as etapas no argumento. As
condições de soberania popular e igualdade política, vale lembrar, são satisfeitas
apenas se

x P g y e ^ /V ffx .y ) > 5/P(yçr). (!)


A fim de simplificar a discussão que se segue, suponhamos que o símbolo mu
represente o conjunto de todos os eleitores maior que /V/2, e mi o conjunto de todos os
eleitores menor que A//2. (Pelas razões já discutidas, evitaremos sttuações em que a
maioria é indefinida, isto é, em que <VP(x,y) = MP(yçc). Ora, (1) pode ser escrita
simplesmente como

x Pma y t-? x f # y. ( 2)

Definamos a oondiçáo de veto da minoria da seguinte maneira:

x Pma y - * x f g y se e apenas sexPm t y. (3)


É importante distinguir (3) da situação muito diferente que chamarei de candiçda de
chgarçma. Ela é definida da seguinte maneira:
Veto dc minoria e oligarquia não são idênticos, porquanto não é verdadeiro que em
todos os casos, sob a condição de veto da minoria, sua preferência sc tome a política do
governo. Ao contrário, cm alguns casos, a preferência da minoria toma-se a política
apenas sc coincide com a pteferência da maioria, isto é, (3) pode ser também escrita
assim:

x Bmi y —*x fg y se c apenas se x fm a y. (5)

Ora, a objeção que vimos examinando afirma que um veto da minoria a ações da maio­
ria pode às vezes impedir que o governo democrático descambe para a pura oligarquia,
conforme definido por (4). Há, contudo, dificuldades sérias neste argumento.
Km primeiro lugar, embora seja verdade que a condição da oligarquia não é idêntica à
condição dc veto de minoria, cm todas as situações em que esta, com seu veto, prefere a
política em vigor c a maioria prefere uma alternativa a ela, a diferença entre oligarquia
c veto de minoria desaparece. Suponhamos que x* representa a política em vigor. Neste
caso, aplicando (3)

y P/na x* y Pg x* se e apenas se y Pmi x* (6)

Mas se a minoria com poder de veto de fato prefere x*. que é a política cm vigor, e
pode vetar y, que é uma alternativa a ela, então

x * P /H ty —r x * P g y mesmo que yPtnax*. (7)

Uma vez que (7) é idêntica a (4), nessas circunstâncias a condição de veto da minoria é
idêntica à dc oligarquia.
Pode-se, corretamente, formular a seguinte pergunta: Na opinião de quem ocorrerão
essas consequências? Aqui reencontramos algumas das dificuldades intelectuais do
sistema madisoniano discutido acima.
Isto é, no curto prazo:

x* Pmi y —r x* Pg y mesmo que y Pma x*. (81

que é idêntica a (4). ou oligarquia.


No sentido em que (3) e (5) na nota 16 não são equivalentes a (4).
A situação a longo prazo é a da Proposição (7) na nota 16, que é oligarquia.
Cf. Library of Congrcss, Provistons of Federal Law Held Unconstitutionai by the
Suprcme Court of the United States, Washington, 1936. O único caso adicional desde
essa época envolvendo legislação votada no Congresso foi o do processo judicial
(7/táed Sía.'es v. Pove/i, 328 U.S. 303 (1936). Sobre o argumento apresentado acima,
ver especialmente Commager, op. cih, p. 55. John D. Frank chega à mesma conclusão,
embora faça uma tubulação algo diferente dos casos. Descobriu 19 casos que diziam
respeito a ltbcrdades civis. Destes, oito eram "periféricos"; entre os 11 casos restantes,
oito limitavam a liberdade e três a promoviam. Os oito foram decisões envolvendo
direitos dc negros. Frank, contudo, infere desses fatos que o Supremo devia intervir
mais positivamente na legislação envolvendo liberdades civis, uma inferência não
implicada no argumento deste capítulo. Ver "Revicw and Basic Liberties", em
Suprcme Courí a/uí Suprcme Paw, Hdmund N. Cahn, org. (Bloomington: Indiana
University Press, 1954).
capítulo 3

A Democracia Poliárquica

O exame das teorias madisoniana e popuüsta sugere peio menos dois


possíveis métodos que se poderia empregar para construir uma teoria de
democracia. O primeiro, o método de maximização, consiste em especi­
ficar um conjunto de metas a serem maximizadas. Poder-se-ia então definir
democracia cm termos dos processos governamentais específicos neces­
sários para maximizá-las ou algumas delas. As duas teorias que vimos ana­
lisando são basicamente desse tipo: a madisoniana postula uma república
não-tirânica como objetivo a ser maximizado; a teoria populista indica a
soberania popular c a igualdade política. A segunda maneira — cabería
talvez chamá-la de método descritivo — implica considerar como uma
única classe de fenômenos todas essas naçõcs-Estado e organizações so­
ciais que são geralmente classificadas como democráticas pelos cientistas
políticos e em analisar os membros dessa classe com o objetivo de desco­
brir, em primeiro lugar, as características distintivas que têm em comum e,
cm segundo, as condições necessárias e suficientes às organizações sociais
que as possuem.
Estes métodos, contudo, não são mutuamente incompatíveis. E vere­
mos que, se começarmos empregando o primeiro, logo depois tomar-se-á
necessário algo parecido com o segundo, também.

Descobrimos no capítulo 2 que as metas da democracia populista, c a


Regra simples delas deduzida, não nos fomecem nada parecido com uma
[cot i:t completa c acabada. Um dc seus defeitos básicos é que não contribui
com tunia mais que uma redefinição formai dc uma regra processuai ne­
cessária ao atingimento perfeito ou ideai da igualdade poiítica e da sobe­
rania popuiar. Mas porque constitui apenas um exercício em tomo de uma
regra supostamente indiscutível, a teoria nada nos diz sobre o mundo real.
Não obstante, vamos coiocar agora a questão decisiva em uma forma ligci-
ramente diferente: Quais são as condições necessárias c suficientes para
maximizar a democracia no mundo real? Demonstrarei que as paiavras "no
mundo real" alteram fundamentaimente o problema.
Comecemos, no entanto, com um meticuloso interesse peia precisão
do significado. Em primeiro lugar, o que queremos dizer com "democracia
maximizadora"? Evidentemente, aqui como na teoria populista, temos que
proceder considerando a democracia como um estado de coisas que consti­
tui um iimite e que todos os atos que deie se aproximem serão atos maximi-
zadores. Mas de que modo descrever o estado de coisas que constitui o
iimite?
O modelo da democracia populista sugere três possíveis características
que poderiam ser operacionalmente significativas: 1) Em todas as ocasiões
cm que se julgue existirem opções de política, a alternativa selecionada e
feita cumprir como política pública é a mais preferida pelos membros; 2)
em todos os casos em que se considera que há opções de política, no pro­
cesso dc seleção da alternativa que será feita cumprir como política pú­
blica, à preferência dc cada membro c atribuído um valor igual; 3) a Regra:
na escolha de alternativas, a preferida pelo maior número é a escolhida.
A fim dc tomar operacional a primeira dessas caractensticas, ou igno­
ramos o problema de imensidades diferentes de preferência entre indiví­
duos ou nos atolamos num pântano tão profundo de obstáculos à observa­
ção e à comparação que seria quase impossível dizer se, de fato, a caracte­
rística existe. Voltarei a este problema no capítulo seguinte. Mas se ignora­
mos as intensidades, então na verdade adotamos a segunda característica
como nosso critério: que â preferência de cada membro é atribuído igual
valor. Parecería à primeira vista que a questão da preferência de cada mem­
bro de uma organização receber ou não igual valor seria mais ou menos
suscetível de observação. De igual maneira, a terceira característica, a Re­
gra, seria observável. Mas, uma vez que ela é dedutível das duas primeiras
características, não seria suficiente apenas examinar a organização social a
Iim dc descobrir a medida em que a Regra c ou não seguida? Isto é, temos
na Regra uma definição adequada do limite de democracia? Suponhamos
que observamos que a maioria prefere x a y e que o primeiro é selecionado
eetiio [xúítica pública. Ainda assim, podería acontecer que entre a maioria
< .iria um ditador; se ele estivesse na minoria então y é que seria o esco­
lhido. A condição de igualdade política evidentemente requer "intercam-
hi.ihdtdndc", isto ó, o intercâmbio de igual número de indivíduos de um la­
do para o outro não afetaria o resultado da decisão. Mas como podemos sa­
ber se essa intercambiabilidade ocorre? Evidcntcmcnte, nenhuma decisão
isotada nos fornece informações suficientes, pois, na melhor das hipóteses,
ela só pode revelar que a Regra não está sendo seguida e que a igualdade
política, portanto, não existiu durante essa decisão. Só podemos inferir a
intercambiabilidade examinando um grande número de casos. Mas o que
[iodemos rcalmente observar mesmo cm um grande número de decisões?
Suponhamos observar que quando A está com a maioria, a escolha
desta é transformada na política da organização, e que quando está na mi­
noria, a opção desta se toma a política. Claro é que a intercambiabilidade
está sendo violada. Mas o que observamos nada mais foi do que a extensão
cm que a Regra está sendo empregada em mais dc um caso. Até agora,
então, o conceito de "igualdade política" não sugere outro conjunto dc
observações do que as necessárias para determinar se a Regra está sendo ou
não seguida.
Suponhamos agora que A está sempre com a maioria e que a opção
desta é sempre feita cumprir como política. Ainda assim, suspeitamos que
se A estivesse com uma minoria, a opção desta seria a estatuída. Que obser­
vações teremos agora a fazer a fim de verificar se nosso palpite é ou não
correto? Aqui chegamos a uma importante conclusão: se aceitamos qual­
quer ação específica, como o resultado de uma votação, como índice satis­
fatório de preferência, então nenhum teste operacional existe para deter­
minar a igualdade política que não aqueles necessários para determinar se a
Regra está sendo seguida ou não. Isto é, dada a manifestação de prefe­
rências como adequada, o único teste operacional para a igualdade política
é a extensão em que a Regra é seguida em certo número de casos. Daí,
supondo a validade das preferências manifestadas, não podemos nunca
lalar corretamente de uma decisão particular como "democrática", mas
apenas de uma série de decisões. (Podemos, claro, corretamente dizer que
uma dada decisão não foi democrática.) Por tudo isso, nossa questão deci-
iva passa a ser: Que eventos temos que observar no mundo real a fim de
determinar a medida cm que a Regra é empregada numa organização?
Infelizmente, a frase "dada a manifestação dc preferências" encerra
algumas sérias dificuldades. Que tipos de atividade aceitaremos como
índices de preferência? Em um extremo, poderiamos confiar em algum ato
público de escolha, como a votação ou uma declaração pública.' No outro,
.uravés de exame profundo e cuidadoso, poderiamos buscar prova psicoló­
gica. Se o primeiro é frequentemente ingênuo, o segundo é impossível cm
uma escala suficiente. Na prática, a maioria adota um meio-termo e pro-
<ma suas pistas no ambiente predominante cm que a preferência particular
' manifestada. Em um ambiente aceitamos o ato público da votação como
í ííttcc adequado, ainda que imperfeito; cm outro, rcjcitamo-lo inteira-
mentc.
Por conseguinte, é de importância cruciai especificar o estágio parti-
cuiar no processo de tomada de decisão no qual nos propomos a aceitar a
expressão da preferência como dada. É inteiramente coerente dizer que, em
um estágio, a Regra é empregada e dai que a esse nívei a decisão é "demo­
crática" por definição e, ao mesmo tempo, declarar que, em outro estágio,
cia não o é e que a decisão neste estágio não o é. No mundo reai da poiítica
púbiica nos Estados Unidos, o único estágio ao quai se chega absoluta-
mente a uma boa aproximação da Regra parece ocorrer durante a contagem
de votos nas eieições e nos corpos iegisiativos. No estágio pré-votação, nu­
merosas influencias, incluindo as de riqueza superior e controle de recursos
organizacionais, exageram tão absurdamente o poder de aiguns cm compa­
ração com o de muitos, que os processos sociais que cuiminam na votação
poderiam ser chamados corrctamentc de altamente não-igualitários e anti­
democráticos, embora menos do que em uma ditadura.^ Desta maneira, é
possível na teoria democrática uma espécie de regressão finita a diferentes
estágios do processo de tomada de decisões. Mas enquanto estivermos
absolutamente certos do estágio que estamos descrevendo, algumas das
ambiguidades comuns poderão ser evitadas.

O efeito de nosso argumento até agora consistiu em dividir em duas a


questão principal: 1) Que atos consideraremos suficientes para constituir
uma manifestação de preferências individuais em um dado estágio do pro­
cesso decisório? 2) Considerando-os como manifestação de preferências,
que eventos temos que observar a fim de determinar a extensão em que a
Regra é empregada na organização que estamos examinando? Estamos ain­
da procurando, vale a pena lembrar, um conjunto de condições limitadoras
das quais queremos nos aproximar.
No mínimo, dois estágios precisam ser distinguidos: o eleitoraP e o
entre eleições. O estágio eleitoral, por seu lado, consiste em pelo menos
três períodos que é útil distinguir: o período de votação, o anterior a ela e o
posterior. (Seria possível definir a duração desses períodos mais precisa­
mente cm casos particulares, mas nada indica que uma definição geral seria
muito útil. Daí, no que se segue, a duração de cada um deles não é especi­
ficada.)
Durante o período de votação precisaríamos observar em que medida
vigoram pelo menos três condições:
1. Todos os membros da organização praticam atos que supomos consti­
tuírem uma manifestação de preferência entre as alternativas apresen­
tadas, isto é, votam.
2. Na tabulação dessas manifestações (votos) é idêntico o peso atribuído
à opção de cada indivíduo.
3. A alternativa que consegue o maior número de votos é declarada a op­
ção vencedora.

É evidente por si mesma a ligação entre as três condições e a Regra. Se


o ato de manifestar preferências é tomado como dado, então essas condi­
ções parecem ser necessárias e suficientes para a operação da Regra duran­
te o período de votação/ Mas também é evidente por si mesmo que até
agora demos como provada a primeira dc nossas questões, incorrendo em
petição de princípio. Um picbiscito totalitário poderia satisfazer — e
realmente na prática tem frequentemente satisfeito — essas três condições
ainda melhor do que uma eleição nacional ou decisão legislativa em países
que a maioria dos cientistas políticos ocidentais considerariam democrá­
ticos. O ponto crucial do problema está em nossa primeira questão, que jul­
gamos constituir uma manifestação da preferência individual. Não se pode­
ria dizer, sem falsear a verdade, que o camponês que lança seu voto pela
ditadura está expressando suas preferências entre as alternativas apresen­
tadas, conforme as vê? Isto porque, quem sabe, as alternativas que percebe
são votar na ditadura ou fazer uma viagem para a Sibéria. Isto é, em certo
sentido, todas as decisões humanas podem ser consideradas como uma op­
ção consciente ou inconsciente da alternativa preferida entre as que são
percebidas pelo indivíduo. De idêntica maneira, as máquinas políticas
urbanas mais corruptas neste País frequentemente satisfazem a esses requi­
sitos, mesmo quando seus cabos eleitorais não enchem as umas com votos
falsos, ou manipulam os resultados, porque comparecem com um número
suficiente de indivíduos inescrupulosos oferecendo uma alternativa sim­
ples: alguns dólares se você votar cm nossa chapa c nada se votar na outra.
Em sentido grosseiro, a essência dc toda política competitiva consiste
no subomo do eleitorado pelos políticos. De que modo distinguir então o
voto de um camponês soviético, ou dc um vagabundo subornado, do voto
do fazendeiro que apoia um candidato comprometido a manter altos preços
mínimos dos produtos agrícolas, do empresário que vota em um pro-
pugnador de baixos impostos para as empresas, ou do consumidor que vota
cm candidatos que são contrários ao imposto de circulação de merca­
dorias? Suponho que desejamos excluir manifestações de preferência do
primeiro tipo, mas incluir as do segundo. Isto porque, se não excluímos o
primeiro, qualquer distinção entre sistemas totalitários e democráticos é
tola. Mas se excluímos o segundo, certamente nenhum exemplo do que
mais se aproxime de democracia pode ser encontrado em parte alguma. E
dificilmente podemos nos dar ao luxo de excluir a raça humana da política
democrática.
Temos aqui um problema que exige distinções sutis, mas que, tanto
quanto sei, não é muito estudado na literatura especializada. A distinção
que buscamos evidentemente não será encontrada na magnitude das re­
compensas ou privações resultantes da escoiha. O ganho do vagabundo é
pequeno sem dúvida c em comparação com o ganho do acionista da grande
empresa chega a ser microscópico. Se tomamos como critério simples-
mente a magnitude das possíveis privações por se fazer uma opção errô­
n ea / então, para sermos exatos, uma das alternativas percebidas pelo cam­
ponês russo talvez seja mais do que a carne e o espírito humanos possam
suportar; mas, em comparação, o eleitor ocidental que percebe as alternati­
vas entre candidatos como sendo guerra nuclear ou paz fria não está muito
longe da hribulação em que vive o camponês russo.
O que refugamos quando se trata de aceitar o voto do cidadão sovié­
tico como uma manifestação de preferência é que ele não tem permissão
para escolher entre todas as alternativas que nós, como observadores ex-
temos, consideramos como, em certo sentido, potencialmentc disponíveis a
ele. Se ele enfrenta as seguintes alternativas: voto x pela chapa dominante
ou voto y contra ela, sua preferência por x em comparação com y é tão au­
têntica como a que se encontraria em qualquer eleição, em qualquer parte
do mundo. Mas se ele pudesse ordenar as alternativas para incluir z, ou o
voto contra a chapa dominante sem que se siga um castigo previsível, então
é mais provável que aceitemos o resultado de sua escolha entre esse con­
junto de alternativas, mesmo que esse conjunto, de nosso ponto de vista,
esteja longe de perfeito. Podemos agora esperar que ele prefira z a x ou a y,
mas, se ele teimosamente prefere x a z, não temos mais razões sólidas para
rejeitar os resultados do plebiscito, se no restante ele se conforma às três
condições estabelecidas acima.
O que fizemos, então, foi formular uma quarta condição limitadora,
que deve existir no período pré-eleitoral quando se faz a apresentação das
alternativas que serão escolhidas no período de votação.

4. Qualquer membro que percebe um conjunto de alternativas, pelo me­


nos uma das quais considera preferível a qualquer uma das alternativas
na ocasião apresentadas, pode inseri-la(s) entre as apresentadas à
votação.

Mesmo assim, nosso problema não fica inteiramente solucionado. Su­


ponhamos que sabemos que um grupo de eleitores prefere x a y e y a z. A,
porém, que prefere y a z e z a x, possui monopólio de informações e
convence os demais eleitores de que x não é uma alternativa disponível ou
aplicável. Daí, ninguém propõe x e os eleitores escolhem y. Todas as nos­
sas quatro condições foram atendidas, mas a maioria de nós não aceitaria
um período pré-eleitoral dominado por esse tipo de controle monopolista
das informações. Por conseguinte, temos que estabelecer uma quinta con­
dição que opere no período pré-eleitoral.

5. Todos os indivíduos devem possuir informações idênticas sobre as


alternativas.
Talvez três observações precisem ser feitas aqui. Sc ficamos desa­
lentados com o caráter utópico dos dois últimos requisitos, vale notar que
estamos buscando condições que possam ser usadas como limites contra os
quais os sucessos no mundo real possam ser realmente medidos. Além do
mais, mesmo que a quinta condição existisse plenamente, os eleitores
poderiam escolher uma alternativa que teriam rejeitado se possuíssem mais
informações, isto é, a quinta condição certamcntc não constitui garantia de
racionalidade geral. Na melhor das hipóteses, permite-nos dizer que a es­
colha não foi manipulada por controles sobre as informações por qualquer
indivíduo isolado ou grupo. Finalmente, temos que reconhecer que a quarta
c quinta condições não são tão facilmente observáveis como as três primei­
ras. Na prática, o observador seria forçado a aceitar alguns índices gros­
seiros da existência destas duas últimas condições e, nessa medida, o con­
junto de condições limites que tencionávamos propor como observáveis
devem, elas mesmas, ser interpretadas por ainda outros fenômenos não-
especificados suscetíveis de observação.
À primeira vista, poder-se-ia pensar que essas cinco condições são su­
ficientes para garantir a operação da Regra, mas, pelo menos em princípio,
seria possível a um regime permitir que essas condições existissem no
período pré-eleitoral e de votação e depois simplesmente ignorar os resul­
tados. Em consequência, temos que postular pelo menos mais duas con­
dições para o período pós-eleitoral, ambas as quais são suficientemente ób­
vias para dispensar discussão:

6. As alternativas (líderes ou políticas) que tiveram o maior número de


votos substituem quaisquer alternativas (líderes ou políticas) que re­
ceberam um número menor.
7. As ordens dos servidores públicos eleitos são executadas.

Este, então, constitui nosso conjunto de condições limites mais ou me­


nos observáveis que, quando presentes no estágio da eleição, serão consi­
deradas como evidência de operação máxima da Regra, que por seu lado é
considerada como principal evidência para o máximo atingimento da igual­
dade política e da soberania popular. Mas o que dizer do estágio entre as
eleições? Sc nosso argumento até agora é correto, a maximizaçáo da igual­
dade política e da soberania popular no período entre eleições rcqucrcria o
seguinte:
8. I Ou que todas as decisões tomadas entre as eleições sejam subordi­
nadas ou exccutórias das tomadas durante a fase da eleição, isto é, as
eleições são em certo sentido controladoras;
8.2 Ou que novas decisões tomadas durante o período entre eleições sejam
determinadas pelas sete condições precedentes, operando, contudo,
sob circunstâncias institucionais muito diferentes;

8.3 Ou ambas as coisas.

!V
Acho que podemos afirmar dogmaticamente que nenhuma organização
humana — e por certo nenhuma que contenha mais do que um punhado de
pessoas — provavelmente satisfaz ou satisfará essas oito condições. É bem
verdade que a segunda, a terceira e a sexta são muito bem atendidas cm
algumas organizações, embora, nos Estados Unidos, práticas corruptas às
vezes anulem até mesmo estas. Das outras, apenas dificilmente as organi­
zações se aproximam.
Quanto à primeira, evidentemente há nas organizações humanas gran­
des variações no que tange à participação em decisões políticas —
variações que nos Estados Unidos parecem estar funcionalmente relacio­
nadas com variáveis tais como grau de interesse ou envolvimento, capaci­
dades, acesso, socioeconômico, educação, residência, grupo etário,
identificações étnicas e religiosas e algumas características de personalida­
de pouco conhecidas. Como é bem sabido, em média, nas eleições nacio­
nais, cerca de metade de todos os adultos nos Estados Unidos comparecem;
apenas um quarto, porém, faz algo mais do que votar, tal como escrever aos
seus deputados, contribuir financeiramente para a campanha ou tentar
convencer outros a adotarem-lhe as idéias políticas.^ Nas eleições de 1952,
apenas 11% cm uma pesquisa de âmbito nacional ajudaram financeiramen­
te os partidos, compareceram a comícios, ou trabalharam por um dos par­
tidos ou candidatos; apenas 27% conversaram com outras pessoas tentando
convencê-las do motivo por que deviam votar em um dos partidos ou
candidatos.^ As elites políticas ativas, por conseguinte, atuam não raro den­
tro de limites vagos e amplos, ainda que, às vezes, estreitos c bem defini­
dos, estabelecidos por suas expectativas quanto às reações do grupo de
cidadãos politicamente ativos que comparecem às urnas. Outras organiza­
ções, como os sindicatos, que nos seus estatutos preceituam a igualdade
política, operam mais ou menos da mesma maneira, embora suas elites e
membros politicamente ativos constituam amiúde uma proporção ainda
menor do totais
Em nenhuma organização de meu conhecimento prevalece a quarta
condição. Talvez se obtenha uma aproximação mais estreita dela nos gru­
pos muito pequenos. Certamente cm todos os grandes grupos sobre os
<]t)ais dispomos de dados, o controle sobre as comunicações é tão desigual­
mente distribuído que alguns indivíduos exercem muito mais influência
sobre a designação de alternativas programadas para votação do que ou­
tros. Não sei como quantificar esse controle, mas, se isso fosse possível,
acho que não seria exagero dizer que o sr. Hcnry Luce exerce mil ou dez
mil vezes mais controle sobre as alternativas apresentadas a debate e de­
cisão experimental em uma eleição nacional do que eu. Embora se confi­
gure aqui um problema assustador que, tanto quanto sei, jamais foi adequa­
damente analisado, constitui uma hipótese preliminar razoável dizer que o
número de indivíduos qpe exercem controle importante sobre as alterna­
tivas apresentadas é, na maioria das organizações, apenas uma fração mi­
núscula da filiação total das mesmas. Isto parece acontecer no caso mesmo
das organizações mais democráticas se a filiação às mesmas for numerosa.
Grande parte das mesmas observações aplica-sc à quinta condição. O
hiato de informações entre as elites políticas e os membros ativos — para
nada dizer dos inativos — ê sem dúvida alguma sempre considerável. Em
tempos recentes, a brecha foi ainda mais alargada nos governos nacionais
pelas crescentes complexidades tecnológicas e pela rápida disseminação
dos regulamentos de segurança. Como sabem todos os estudiosos da buro­
cracia, a sétima condição é uma fonte de graves dificuldades. Contudo, a
extensão em que essa condição é atendida afigura-se ser a mais enigmática
de todas para medir objetivamente.
Sc as eleições, como os mercados, fossem contínuas, nenhuma neces­
sidade haveria da oitava condição. Mas, claro, elas são apenas periódicas.
Sugere-se às vezes que pressões entre eleições sobre os processos de deci­
são são uma espécie de eleição, mas isto é, na melhor das hipóteses, apenas
uma metáfora falaciosa. Se as eleições, com sua refinada maquinaria,
legislação eleitora! c oportunidades garantidas pelo judiciário, não maxi­
mizam rcalmente a igualdade política e a soberania popular pelas razões
que acabamos de mencionar (bem como por muitas outras), então não acho
que se possa argumentar com seriedade que os processos atuantes entre
eleições maximizem essas metas mesmo em grau aproximado.
Uma vez que as organizações talvez nunca ou apenas raramente atin­
gem o limite estabelecido por essas oito condições, é necessário interpretar
cada uma delas como extremidade dç um continuM/n ou escala com a qua!
qualquer uma das entidades possa ser medida. Infelizmente, não há no pre­
sente maneira conhecida de atribuir pesos significativos às oito condições.
Contudo, mesmo sem eles, se as oito escalas pudessem scr metrificadas,''
srn;i [)ossívcl e la) vez útil estabelecer algumas classes arbitrárias, mas não
destituídas dc significação, entre as quais a porção superior poderia ser
chamada de "poliarquia".*"
É mais do que evidente, contudo, que o que acabamos de descrever
não passa dc um programa, pois nada de semelhante foi tentado, segundo
pensamos. Simplesmente alinho aqui, por conseguinte, as seguintes obser­
vações: as organizações realmente diferem muito na medida cm que se
aproximam dos limites estabelecidos por essas oito condições. Além disso,
as "poüarquias" incluem grande variedade de organizações que os cien­
tistas políticos ocidentais normalmcntc chamariam de democráticas, inclu­
indo certos aspectos dos governos dc nações-Estado como os Estados Uni­
dos, Grã-Bretanha, os Domínios (com exceção possivelmente da África do
Sul), os países escandinavos, México, Itália e França; estados c províncias,
como os estados deste país e as províncias do Canadá; numerosas cidades
grandes e pequenas; alguns sindicatos; um bom número de associações
como as Associações de Pais e Professores, diretórios da Liga das Mu­
lheres Eleitoras e alguns grupos religiosos; e algumas sociedades primiti­
vas. É grande, portanto, o número de poüarquias. (O número de poüarquias
igualitárias é, tudo indica, rclativamente pequeno, ou talvez nenhuma delas
exista.) O número de poüarquias pode muito bem superar uma centena e
provavelmente mais de um milheiro. Entre este número, porém, apenas um
punhado minúsculo foi exaustivamente estudado por cientistas políticos, e
estas foram as mais difíceis de todas, constituídas dos govemos de estados
e, cm alguns casos, de unidades governamentais menores (municípios, con­
dados, etc.).
Alguns críticos insistirão logo em que as diferenças entre tipos parti­
culares de poüarquias, como, por exemplo, entre nações-Estado e sindi­
catos, são tão grandes que provavelmente nenhuma utilidade haverá em
incluí-las na mesma classe. Não acho que tenhamos evidência suficiente
para essa conclusão, De qualquer modo, dado um número tão grande de
casos a estudar, em princípio seria possível responder à pergunta seguinte:
Quais são as condições necessárias e suficientes para que existam poliar-
quiás?
Vémos, destarte, que o primeiro método de formulação de uma teoria
de democracia, o método de maximização descrito no capítulo 1, funda-se
aqui com o que chamei de método descritivo. Começamos procurando
identificar as condições que seriam necessárias e suficientes no mundo real
a fiim de maximizar, tanto quanto fosse possível, a soberania popular e a
igualdade política Descobrimos que podíamos solucionar esta questão me­
dindo a extensão em que a Regra era adotada numa organização. Mas, a
fim de medir essa extensão, tivemos que estabelecer oito condições mais
ou menos observáveis, interpretamos essas condições como limites, que
vimos que não são atingidos no mundo real e que são provavelmente ina­
tingíveis, e em seguida os reintcrpretamos como extremidades de oito
continua ou escalas que, sugerimos, poderiam ser usadas nas medições.
Agora, nossa questão precisa ser refrascada da seguinte maneira: Quais as
condições necessárias e suficientes no mundo real para a existência dessas
oito condições em, pelo menos, o grau mínimo que concordamos em
denominar dc poliarquia? A fim de solucionar essa questão, seria necessá­
rio classificar e estudar um número considerável de organizações do mun­
do real. Fechamos, assim, o círculo entre os métodos de maximização e o
descritivo.

V
Executar rigorosamente esse programa é tarefa muito além dos objetivos
destes ensaios e, com toda a possibilidade, fora do escopo da ciência polí­
tica nos dias atuais. Não obstante, podemos formular algumas hipóteses
para as quais existem evidências em número considerável.
Para começar, cada uma das oito condições pode ser formulada como
uma regra ou, caso prefira o leitor, como uma norma. Da primeira con­
dição, por exemplo, podemos derivar uma norma no sentido em que cada
membro deve ter oportunidade de manifestar suas preferências. Parece um
truísmo que, se todos os membros de uma organização rejeitam a norma
preceituando as oito condições, então as condições não existem; ou, alter­
nativamente, a extensão em que a poliarquia existe deve relacionar-se com
a medida em que as normas são aceitas como desejáveis. Se estamos dis­
postos a supor que a extensão do acordo (consenso) sobre as oito normas
básicas é mensurável, podemos formular as hipóteses seguintes, que têm
sido comuns na literatura da ciência política:

1. Todas as condições da poliarquia aumentam com a extensão do acordo


(ou consenso) sobre a norma aplicável.
2. A poliarquia é uma função do consenso sobre as oito normas, perma­
necendo iguais outras condições.^

Infelizmcntc para a simplicidade das hipóteses, o consenso possui pelo


menos três dimensões: o número de indivíduos que concordam, a intensi­
dade ou profundidade dc suas convicções e a extensão em que a atividade
visível conforma-se a essas convicções. Não obstante, parece valer a pena
expor explicitamente o que, à primeira vista, parece trivial, se não mera
questão de definição, porque constitui um fato curioso e possivelmente im-
ponnntc que. a despeito da respeitabilidade sagrada das hipóteses entre os
dentistas sociais, tanto quanto sei nenhum deies reuniu os dados empíricos
necessários ate mesmo para uma confirmação preiiminar de sua validade.
! etnos dc fato aiguns bons voiumcs de evidência muito indireta no sentido
de que o acordo sobre as oito normas é menor, digamos, na Aiemanha do
que na íngiaterra, mas parece-me aitamente arbitrário deixar nossas hipó­
teses cruciais em tai estado de abandono.
A extensão do acordo, por outro lado, deve ser funcionalmcnte de­
pendente da medida em que os vários processos de treinamento socia! são
empregados, por conta das normas, pc!a família, escolas, igrejas, clubes,
literatura, jornais, e assim por diante. Ora, se fosse possível medir a exten­
são em que esses processos são usados, nossas hipóteses poderiam ser for­
muladas da seguinte maneira:

3. A extensão do acordo (consenso) sobre cada uma das oito normas au­
menta com o grau do treinamento social sobre sua observância.
4. O consenso, por conseguinte, ó uma função do treinamento social total
em todas as normas.

Segue-se das hipóteses precedentes que:

5. A poliarquia c uma função do treinamento social em todas as


normas.'^

Como anteriormente, a variável "treinamento" é altamente complexa.


No mínimo, precisaríamos distinguir entre treinamento favorável ou refor-
çador, compatível (ou neutro) e negativo. É razoável supor que esses três
tipos de treinamento operam nos casos dos membros da maioria, se não de
todas as organizações poliárquicas, e talvez dos membros de numerosas or­
ganizações hierárquicas, também. Mas parece que é muito pouco o conhe­
cimento seguro sobre essa questão."
Em princípio, não precisamos encerrar com o treinamento a cadeia de
relacionamentos. Por que, caberia perguntar, algumas organizações sociais
empenham-se em promover extenso treinamento nessas normas e outras só
o fazem muito pouco, quando não absolutamente? A resposta aparente­
mente se perde nas complexidades dos acidentes históricos, embora uma
útil hipótese subsidiária sugira-se por si mesma, isto é, que a extensão em
que o treinamento é proporcionado nessas normas não c independente da
extensão do acordo existente sobre as opções entre alternativas de polí­
tica." E razoável supor que, quanto menos acordo sobre opções de política,
mais difícil será para qualquer organização treinar seus membros nas oito
normas. Isto porque embora a operação das normas possa conferir bene­
fícios a alguns membros, implicaria também severas restrições a outros. Se
os resultados forem penosos para números relativamente grandes, então é
razoável supor que os que sofrem com a aplicação das regras se oporão a
elas e daí resistirão ao treinamento nelas. Por conseguinte:

6. O treinamento social nas oito normas aumenta com a extensão do


consenso ou acordo sobre as opções entre alternativas de política.

De 5 e 6 segue-se que:

7. Uma ou mais das condições da poliarquia aumentam com o consenso


sobre alternativas de política.

A hipótese 6 sugere, demais disso, que o oposto da Hipótese 4 também


é válido. Seria de esperar que a extensão em que o treinamento social nas
normas ocorre é em si dependente do volume de acordo já existente sobre
elas. Quanto mais desacordo, mais provável é que alguns dos meios de
treinamento social — a família e a escola, principalmente — eduquem o
indivíduo em normas conflitantes. A relação entre treinamento social e
consenso é, portanto, um exemplo perfeito do problema do ovo c da ga­
linha. Daí:

8. A extensão do treinamento social em uma das oito normas aumenta


também com a extensão do acordo sobre ela.

A relação que provoca ocasional confusão é a existente entre poliar­


quia e diversidade social. Frequentemente ouvimos dizer que "democracia
exige diversidade de opiniões". Certamente é verdade que a diversidade de
opiniões constitui um fato da sociedade humana. Em nenhuma sociedade
conhecida todos os membros concordam sobre todas as políticas durante
todo tempo, e isto toma necessário que todas as organizações sociais pos­
suam algum meio, por mais primitivo que seja, de solucionar conflitos
sobre metas. Poder-se-ia mesmo sustentar a proposição de que, uma vez
que conflitos sobre metas são inevitáveis cm organizações, as poliarquias
são necessárias para maximizar o bem-estar humano — se este termo pu­
desse ser convenientemente definido. Na opinião de muitas pessoas, a di
versidade, até algum ponto mal definido, inclui outros valores — estéticos,
emocionais e intelectuais. Talvez seja também verdade, como alegou Mil),
que alguma diversidade de opinião seja condição necessária ao cálculo ra
cional de políticas alternativas. Mas todas essas proposições são inteira
mente diferentes da asserção de que diversidade de opinião, ou conflito
sobre metas, constitui uma condição necessária à poliarquia.'' Sc ttosso
itrgumcnto até agora é correto, não pode ser inteiramente verdadeiro que a
poliarquia requer desacordo sobre a vaiidade das oito normas básicas ou
sobre determinadas poiíticas públicas. Dc qualquer maneira, a relação não
d simples.
Nos Estados Unidos, glorificamos certa inevitabilidade histórica como
virtude. (Minha esperança é que isto continue.) Ainda assim, não se deve
permitir que a glorificação da diversidade nos confunda sobre relaciona­
mentos sociais importantes. Não há então coisa alguma em nossa opinião
tradicional? O que dizer da frequentemente repetida hipótese de Madison
no 7V;g fg& rahsf, n" 10?

Estenda-se a esfera e abrange-se uma maior variedade de partidos e


interesses; tomamos menos provável que uma maioria do todo tenha
motivo comum para usurpar os direitos dc outros cidadãos ou, se esse
motivo comum existe, será mais difícil para todos os que dele compar­
tilham descobrir sua própria força e agir em uníssono.

A fim de enfrentar essa questão da relação, se alguma, entre diversi­


dade e democracia, impõe-se distinguir com todo o cuidado entre duas ca­
tegorias muito diferentes — ou, como prefiro chamá-las — contínua.
a) O primeiro é o coníinMM/n do acordo ao desacordo sobre metas.
Aqui temos ainda que distinguir entre acordo sobre metas política e não-
política. A primeira é qualquer objetivo que indivíduos procurem promover
ou inibir por meio de ação governamental.^ Nas Hipóteses 1 a 5 distingui-
mos, na realidade, entre dois tipos de metas políticas: as corporificadas nas
oito normas básicas c as metas da política. O argumento até agora é que a
poliarquia exige um acordo relativamente alto sobre ambos os tipos de
metas políticas.
(?) O segundo é o coniinMMM! da autonomia ao controle. Um grupo é
autônomo na medida em que suas políticas não são controladas por indiví­
duos extemos a ele.
O argumento dc Madison na verdade declara que um nível relativa­
mente alto de autonomia de grupo, combinado com um grau também rela­
tivamente alto de desacordo sobre metas, servirá como importante limita­
ção à capacidade dc qualquer maioria putativa de controlar a política do
govemo. Mas se estamos interessados, como neste ensaio, nas condições
em que a existência da Regra pode ser maximizada, não achamos das me­
lhores essa solução. Por isso, precisamos reconstruir o argumento de Ma­
dison e embora ele fizesse esse trabalho com uma elegância, força de con­
vencimento e precisão que estão além de nossos poderes, não achamos que
ele teria discordado desta análise.
Imaginemos dois grupos de indivíduos. O Grupo A prefere a política x
â y c o outro prefere a y à x. Ora, lembrando-nos de que a autonomia social
completa de um grupo é (por definição) idêntica à completa ausência de
controle por quaisquer indivíduos ou grupos externos, se o Grupo A e o
Grupo B são inteiramente autônomos com relação um ao outro em todas as
políticas, então nenhuma relação governamental existe entre eles e por isso
não podem ser membros da mesma poliarquia. Dadas essas condições
extremas, nenhuma questão política surgirá por causa do desacordo entre
cles.^ Reciprocamente, se todos os membros dos Grupos A e B não são
autônomos na questão das opções, incluindo x e y, então, em princípio, a
poliarquia é possível entre eles, isto é, a Regra pode ser aplicada para
resolver a questão de x ou y. À parte outras questões que podem ser
imaginadas, se não há autonomia e se o desacordo sobre x e y é muito forte
— como, por exemplo, numa questão como a escravatura, que penetra no
próprio âmago da estrutura social e da ideologia — então, conforme
sugerido em conexão com a Hipótese 4, o acordo sobre c o treinamento nas
oito normas básicas necessárias á poliarquia serão provavelmente muito re­
duzidos, talvez drasticamente. Isto é, o desacordo acrescido de não-auto-
nomia solapa a poliarquia.
Se, contudo, os dois grupos são autônomos entre si, pelo menos no to­
cante à escolha entre x e y, então a decisão não é mais de natureza política,
para a qual os mecanismos da poliarquia teriam de ser empregados. Toma-
se, como a tolerância religiosa, uma questão não-política, e diferentes op­
ções podem ser compatíveis com um alto grau de acordo e treinamento so­
bre e nas oito normas básicas necessárias à poliarquia. Em vista disso, for­
mulamos a seguinte hipótese:

Além de certo ponto, quanto mais forte o desacordo sobre políticas


dentro de uma organização social, e maior a proporção de indivíduos
envolvidos no desacordo, maior o volume de autonomia social reque­
rido para que a poliarquia exista em qualquer dado nível.

Ora, a extensão do acordo não pode ser de todo considerada indepen­


dentemente da extensão da atividade política na organização. A medida em
que algumas das condições necessárias á poliarquia — 1, 4 c 5 — são sa­
tisfeitas é também a medida da atividade política de seus membros, isto é, a
extensão em que eles votam em eleições gerais e primárias, participam dc
campanhas e buscam e disseminam informações e propaganda. Em vista
disso, por definição:

9. A poliarquia é uma função da atividade política de seus membros."'

Muito se sabe agora sobre as variáveis às quais está ligada a atividade


política. Na verdade, na próxima década deve surgir um conjunto bem pre­
ciso de proposições sobre essas relações. Atualmente, sabemos que a ativi-
dadc ]])))tticj, pelo menos nos Estados Unidos, está positivamente associa-
da cm grau importante com variáveis como renda, s/nlur socioeconômico c
educação c que também se rciaciona de formas complexas com sistemas de
crenças, expectativas e estruturas de personalidade. Sabemos agora que os
tnembros das massas ignorantes e destituídas de propriedades que Madison
e seus cotcgas tanto temiam são muito menos ativos pobticamente do que
os educados e abastados. Devido à sua propensão para a passtvidade polí-
tica, os pobres e ignorantes se privam de seus direitos políticos.'" Desde
que têm também menos acesso do que os ricos aos recursos organizacio­
nais, financeiros e propagandísticos, e não menos às decisões executivas,
qualquer coisa como controle igual sobre a política pública é triplamente
vedada aos membros das classes sem propriedades de que falava Madison.
E são excluídas por sua inatividade relativamente maior, pelo acesso relati­
vamente limitado aos recursos e pelo sistema clcgantcmcnte montado de
controles governamentais que ele defendeu.

Vi

F.stas, então, são algumas das relações que nós, cientistas políticos, precisa­
mos examinar com a ajuda de nossos colegas das demais ciências sociais.
Dificilmente se poderia negar que elas são apenas algumas das relações
cruciais. Uma relação, por exemplo, mesmo que complexa, indubitavel­
mente existe entre a extensão da igualdade política possível em uma socie­
dade e a distribuição da renda, riqueza, stams e controle sobre os recursos
organizacionais. Além do mais, é cada vez mais provável que existam
algumas relações entre a extensão da poliarquia e as estruturas de persona­
lidade dos membros da organização. Referimo-nos neste instante aos tipos
de personalidade autoritário c democrático, mesmo que nosso conheci­
mento desses tipos hipotéticos e da sua distribuição concreta em socieda­
des diferentes ainda seja muito fragmentário. É ainda muito cedo para di­
zer, pensamos, que foi provada uma alta correlação entre a poliarquia e a
presença ou ausência relativas de tipos particulares de personalidade. Mas,
decerto, a eficácia do treinamento social nas normas básicas, mencionado
acima, tem que depender parcialmcntc das inclinações mais profundas do
indivíduo.
Uma vez que a preocupação com as precondições sociais de diferentes
ordens políticas é tão antiga como a especulação política, nenhuma alega­
ção dc novidade podemos fazer para as hipóteses bosquejadas neste capí-
tufo Expns apenas, ocasionalmente com mais rigor científico que o costu­
m eiro. um conjunto de proposições insinuadas, sugeridas, inferidas e não
raro publicamente manifestadas por numerosos cientistas políticos, de Só­
crates até o presente. Não obstante, talvez seja útil separar este enfoque, se
apenas em grau, do madisoniano e do populista.
A solução conciliatória de Madison entre o poder das maiorias e o das
minorias repousou em grande parte, embora não de todo, na existência de
freios constitucionais à ação da maioria. Em contraposição ao madisoni-
anismo, a teoria da poliarquia focaliza-se principalmente não em requisitos
constitucionais prévios, mas nas condições preliminares a uma ordem de­
mocrática. A diferença é de grau: Madison, como vimos, não era indiferen­
te às necessárias condições sociais para sua república não-tirânica. Mas
certamente não será injusto dizer que sua maior preocupação era com os
controles constitucionais prescritos e não com os controles sociais ope-
rantes, com os controles constitucionais recíprocos e não com os controles
sociais mútuos. Afinal de contas, a Convenção Constitucional tinha que
elaborar uma Constituição e não projetar uma sociedade. Os convencionais
aceitaram a natureza humana e a estrutura social principalmente como se
apresentavam, e seu trabalho, como o interpretavam, consistia cm redigir a
Constituição mais harmoniosa possível com a natureza humana e a estru­
tura social, e com a meta de uma república que respeitasse os direitos na­
turais, particularmente os dos bem-nascidos e dos poucos.
Não obstante, acho que a inclinação dada ao pensamento americano
pela Convenção Constitucional e a apoteose subsequente de seu produto
impediram o estudo realístico e preciso dos requisitos de democracia. É
importante lembrar que, até a queda do Fort Sumter, a disputa entre Norte e
Sul era vazada, com algumas poucas exceções importantes, quase inteira­
mente na linguagem do direito constitucional. A tragédia da decisão no
caso Dred Scott não foi tanto seu resultado como o estado de espírito que
pressagiava.
Uma vez que somos educados para acreditar na necessidade de contro­
les constitucionais recíprocos, pouca fc depositamos nos seus correspon­
dentes sociais. Admiramos a eficácia da separação constitucional de po­
deres no freio às maiorias e minorias, mas frequentemente ignoramos a im­
portância das restrições impostas pela dimensão social no particular. Ainda
assim, se a teoria da poliarquia c aproximadamente válida, segue-se que, na
ausência de certas condições sociais prévias, nenhum arranjo constitu­
cional pode criar uma república não-tirânica. A história de numerosos Es­
tados latino-americanos constitui, acho eu, evidência suficiente. Rccipro-
camcnte, um aumento na extensão em que está presente uma das prccon-
dições sociais talvez seja muito mais importante no fortalecimento da de­
mocracia que qualquer dada elaboração constitucional. Estejamos preo­
cupados com uma tirania da maioria ou da minoria, a teoria da poliarquia
sugere que as primeiras e cruciais variáveis para as quais os cientistas polí­
ticos devem dirigir sua atenção são sociais e não constitucionais.
Verificamos (]uc a teoria populista delineada no último capítulo é for­
mal e axiomática, mas que carece de informações sobre o mundo real. Di­
zer que a consecução perfeita da igualdade política e da soberania popular
ó. [x)r definição de termos, compatível apenas com o princípio de maioria
não implica enunciar uma proposição inteiramente inútil, mas tampouco 6
muito útil. Pois o que queremos desesperadamente saber (se nos preocu­
pamos com a igualdade política) é o que podemos fazer para maximizá-la
cm alguma situação real, dadas as condiç&s existentes.
Se queremos voltar a atenção para o caos do mundo real sem nos per­
dermos inteiramente em fatos destituídos de sentido ou de empirismo ba­
nal, precisamos de uma teoria que nos ajude a ordenar o conjunto incrível e
enigmático dos eventos. A teoria da poliarquia, uma ordenação inadequa­
da, incompleta e primitiva do repositório comum de conhecimentos sobre
democracia, é formulada na convicção de que, em alguma dimensão entre
o caos ç a tautologia, podemos, no futuro, construir uma teoria satisfatória
sobre a igualdade política.

A PÊN D IC E AO C A P ÍT U LO 3

A. Ay caracterfsricay dc/Iuidora.S' da padar^MÍa


A poliarquia é frouxamente definida como um sistema político em que as
condições seguintes existem em nível relativamente alto:

Durante o períado de votação:


1. Todos os membros da organização praticam atos que supomos consti­
tuir uma manifestação de preferências entre alternativas apresentadas,
isto c, votando.
2. Na tabulação dessas manifestações (votos), c idêntico o peso atribuído
à escolha de cada indivíduo.
3. A alternativa com o maior número de votos é declarada vencedora.

Durante a período entre votaçõey:


4. Cada membro que considera um conjunto de alternativas, pelo menos
uma das quais acha preferível a qualquer das alternativas apresentadas,
pode inserir sua(s) altemativa(s) preferida(s) entre as apresentadas à
votação.
5. Todos os indivíduos possuem informações idênticas sobre as alterna­
tivas.
Durante o períoJo pd^-v<?Mção.'
6. As alternativas (líderes ou políticas) com o maior número de votos
vencem todas as demais (líderes ou políticas) contempladas com me­
nos.
7. As ordens dos servidores eleitos são executadas.

Duranfe o crMgio entre vata^âe.?;


8.1 Todas as decisões tomadas entre eleições são subordinadas ou execu-
tórias àquelas tomadas durante o período de eleição, isto é, as eleições
são, em certo sentido, controladoras;
8.2 Ou as novas decisões, tomadas durante o período entre eleições, são
pautadas pelas sete condições precedentes, operando, no entanto, sob
circunstâncias institucionais muito diferentes;
8.3 Ou ambas as coisas.

B. <4 /neJiçác cia pciiar<?MÍa


A fim de chegarmos a um conjunto de escalas com as quais possamos
medir quantitativamente a poliarquia, todas essas condições podem ser
consideradas como indicando certos atos cuja frequência pode, em prin­
cípio, ser determinada. Se podem sê-lo, podemos converter as condições ou
cm declarações sobre frequências passadas, digamos, ao longo de uma
escala de 0 a 100, ou sobre futuras frequências esperadas, ,isto é, proba­
bilidades ordenadas ao longo de uma escala de 0 a 1.
Assim, a primeira condição pode ser convertida no enunciado de que a
poliarquia é uma função da variável seguinte: A fração da filiação total que
realiza (ou, altemativamente, a probabilidade de que qualquer número
aleatoriamente selecionado realize) o ato que supomos constituir uma ma­
nifestação de preferência entre alternativas apresentadas. (Esta fração pode
ser designada como f ,.) Acontece, contudo, que a primeira condição
presta-se muito a este tratamento, pois existem dados excelentes na maioria
das organizações sobre a extensão da participação na votação, o ato que, de
maneira geral, sem dúvida, seria usado como índice de preferência. Infc-
lizmcntc, porém, à medida que descemos na lista, surgem numerosas difi­
culdades. Nos casos de algumas condições, nossos conhecimentos não es­
tão, como no caso das eleições, já em forma quantitativa nem é provável
que isso venha a acontecer. Não temos tabelas de frcqücncia, por exemplo,
no tocante à Condição 7, e é claro que haveria problemas enormes na ten­
tativa de determinar essas frequências. Nestes casos, as frequências, ou
probabilidades, poderiam ser estabelecidas pelo observador de uma ma­
neira intuitiva e bastante arbitrária. Além do mais, algumas das condições
,áo complexas c não fariam sentido se seu ordenamento ignorasse essas
complexidades. No caso da Condição 2, por exemplo, quereriamos ievar
cm conta ntais do que a frequência com que, ou a probabiiidade de que,
atgmts votos ou votantes teriam uma ponderação maior que outros. Até
rcccntcmcnte na Grã-Bretanha, cerca de 375.000 pessoas dispunham de um
voto extra (ou porque possuíam um dipioma universitário ou porque
possuíam negócios em zonas eicitorais diferentes da de sua residência).
Daí, a Condição 2 era certamcnte vioiada em todas as cieiçõcs. Mas era
uma vioiação reiativamente pequena se considerarmos a magnitude do
eteitorado, uma vez que, em 1945, esses votos extras representaram apenas
1,2% de todo o eleitorado. O que isto sugere, contudo, é que quereriamos
que uma medição da Condição 2 levasse em conta tanto a proporção de
votos como de votantes ponderados excessivamente e os pesos relativos.
Talvez fosse possível elaborar uma escala para levar em conta esses
fatores, embora valha notar que entre uma meia dúzia mais ou menos que,
inicialmente, me pareceram promissoras, todas se revelaram defeituosas de
uma ou outra maneira. A melhor poderia ser alguma coisa mais ou menos
assim:
AT ,
X W — W; N;
i= 1

Ai
X
<= l

onde IV é o peso do voto, 7/ é o número de cidadãos ou eleitores que


depositam esse voto particular, e IV é a média do voto ponderado. Esta
fórmula proporcionaria valores que se aproximariam de O à medida que
aumentassem os desvios e seria igual a 1 no caso em que todos os cidadãos
tivessem votos de igual peso. No caso britânico mencionado acima, o
resultado seria de mais ou menos 0,98.
As Condições 4 e 5 são talvez ainda mais difíceis, porque embora seja
muito fácil detectar a presença ou ausência bruta dessas condições,
surgiriam numerosos problemas para ordenar os diferentes estados de
coisas possíveis e, na verdade, prováveis, ao longo do coniiHMM/n. Dispensa
dizer que impor uma escala média a tal ordenação seria ainda mais difícil
- se não, na verdade, absurdo.

C. óiMiórM & yànções Aípotcdcas rc/acionaado a pa/ianyMia co/n suas


precondíçãcs

A forma específica das funções seguintes não é conhecida, exceto que


se supõe que a variável dependente seja uma função positiva e crescente da
variável independente quando todos os demais fatores são fixos. Supo­
nhamos, daí, que f signifique essa relação.
!) f ,TC, quando f , é uma das características definidoras dapoliarquia
e C, é o consenso sobre a norma relevante.

F2 T C 2

2) f , t ( C , , C,, ..., C,, X), onde X significa todas as demais


precondiçõcs das quais depende a poliarquia.
3) C,TX,, onde 3, é 0 treinamento social nessa norma.

C2t$2

CgtSg

4) C t(3 ,,3 ,< ...< 3 ,^ )


5 ) f ,? 3 ,.e t c .
c P t(5X J

6) $?Ca, onde Ca é o consenso sobre alternativas de política.


7) P tC a
8 ) 3,TfCa. C7j

^ 2 t (C a ,C 2 )

3 g t ( C a ,C g )

e
StfC a, C,, C,...... c,;
9) f t(A . X), onde A é a atividade política.
1 0 )ft(C a ,C ,.,, 3.A .X )

D. C/na /M.MÍWÍ ciajjí/ícaçãa de po/iarquíaj

1. Poliarquias são definidas como: organizações em que todas as oito


condições são representadas numa escala cm valores iguais ou maiores
que 0,5.
! I As ]X)li;)t'(]uias igualitárias são definidas como: poiiarquias em que
uxlas as oito condições são representadas numa escala em valores
iguais ou maiores do que 0,75.
) .2 Poiiarquias não-igualitárias são definidas como todas as demais.
2. As hierarquias são definidas como: organizações em que todas as oito
condições são representadas em uma escala cm valor de menos de 0,5.
2.1 As oligarquias são definidas como: hierarquias nas quais algumas
condições são reduzidas a escala em valores iguais ou maiores que
0,25.
2.2 Ditaduras são definidas como: hierarquias nas quais nenhuma
condição c reduzida a escala em valor igual a 0,25.
3. Corpos políticos mistos são definidos como: o resíduo, isto é, organi­
zações em que pelo menos uma condição é reduzida a escala cm valor
maior que ou igual a 0,5 e pelo menos uma em um valor de menos que
0,5.

E. .w&rg a rgíaçtã? entre acordo e atividade paiitica


Tanto quanto sei, poucos conhecimentos seguros existem sobre a rela­
ção entre acordo e atividade política e, por conseguinte, sobre as relações
entre as variáveis das hipóteses 2), 7) c 10) acima. Francis Wilson argu­
mentou, na verdade, que a atividade política tende a relacionar-sc inversa­
mente com o acordo sobre alternativas de política.^" Simbolicamente:
!1)AT-Ca
De onde se seguiria, se nossa hipótese 9) for correta, que
12) f T-Ca
Mas, evidentementè, 7) e 12) não podem ser verdadeiras, uma vez que a
poliarquia não pode aumentar e diminuir com a extensão do consenso
sobre a faixa total.
V.O. Key, segundo penso, demonstrou que a hipótese de Wilson não é
apoiada pela evidencia empírica de que hoje dispomos e que, de fato, a re­
cíproca podería ser mantida com tanta ou melhor razão. Por isso, não pode­
mos razoavelmente argumentar que o consenso é menor na Nova Zelândia,
onde 90% da população adulta frequentemente votam em eleições na­
cionais, do que nos Estados Unidos, onde votam de 50-60%.
Não obstante, não é absurdo supor que, em uma dada nação ou outra
organização social, ocorra com o tempo uma associação disccmível entre a
extensão da atividade política e a do desacordo sobre alternativas de políti­
ca. Numa situação hipotética em que apenas duas alternativas são perce­
bidas, o caso mais simples seria mais ou menos o seguinte:
MAIOR PERCENTAGEM DE ACORDO EM UMA ALTERNATIVA ISOLADA

Claro que a linha reta é arbitrária. Enquanto a inclinação da curva for


sempre positiva, cada aumento no consenso ou na atividade política deve
estar associado a aumento na poliarquia. Ora, é razoável supor que nos
casos cm que o consenso é muito baixo, isto é, nos casos em que há pouco
acordo sobre qualquer alternativa e, daí, grande dificuldade em se escolher
uma delas, a apatia pode ser o resultado. De idêntica maneira, é razoável
supor que, nos casos em que é muito alto o consenso, numerosos indiví­
duos sentirão pouca necessidade de votar ou de outra maneira influenciar
as decisões políticas. Se estas suposições são corretas, seria de esperar que,
até certo ponto, a atividade aumentasse com o aumento do acordo c daí cm
diante declinasse como no diagrama seguinte.
De A a 7? nenhum problema surge. D e # a C, contudo, a atividade poh
tica decresce à medida que aumenta o acordo sobre a política. Mas a att
vidade política decrescente significaria que os valores de f , , c dreti
nariam, isto é, a poliarquia diminuiria. Ainda assim, de acordo com a hipo
tese 7), a poliarquia tenderia a aumentar.
Se tivéssemos dados suficientes, a contradição poderia provavetmeme
scr resolvida. Em primeiro lugar, poderiamos, nesse caso. espeeduat a
área dentro da qual se aplicam as várias funções. Em segundo lugat. pode
ríamos introduzir o fator tempo, que é ignorado na hipótese, mas tem m
too

O ______________________________________________
O 100
MAIOR PERCENTAGEM DE ACORDO EM UMA ALTERNATIVA ISOLADA

dubitavclmcnte importância cruciai. Assim, um aumento ou diminuição do


acordo taivc/. apenas ientamente surja com o aumento ou diminuição do
treinamento sociai, ao passo que taivc/. apareça muito mais rapidamente na
atividade poiítica. Finalmente, poderiamos determinar se as reiações são
reversíveis. Não precisam ser. Um aumento do acordo talvez não reduza a
atividade poiítica em um voiume tão grande como uma diminuição equiva-
iente no acordo a aumentaria. Daí, são imensos os probiemas do conheci­
mento empírico e, com toda a possibiiidade, inteiramente insolúveis, ex­
ceto de uma forma muito imprecisa.
As mesmas dificuldades aplicam-se à reiação entre poiiarquia, ativi­
dade política e consenso sobre normas básicas. Mas aqui podemos deparar
um problema adicional, pois a evidencia corrente sugere que, nos Estados
Unidos, quanto mais baixa a classe socioeconômica do indivíduo, mais au­
toritárias suas predisposições e menos ativo politicamente ele provavel­
mente será. Dessa maneira, se um aumento da atividade política traz os in­
divíduos de mente autoritária para a arena política, o consenso sobre as
normas básicas entre os politicamente ativos deve estar declinando. Na me­
dida em que o consenso declinar, cabe esperar à vista da hipótese 1) que,
após algum retardo, decline também a poiiarquia.
À iuz de tudo isto, não podemos supor que um aumento da atividade
poiítica esteja sempre associado ao aumento da poiiarquia, conforme indi­
cado pela hipótese 9). A reiação é evidentemente muito compiexa e neces­
sita de muito mais pesquisas cuidadosas e elaboração de teorias.

N O TA S

1. Mais exatamente, na utilização da votação e de pesquisas de opinião geralmcntc con­


fiamos mais nas declarações publicadas dos indivíduos que compilam os resultados.
2. É concebível que a recíproca possa existir, isto é, uma ditadura que rejeitou a Regra no
estágio de eleição, mas organizou a sociedade de modo que as fases de pré-votação do
processo de tomada de decisões fossem altamente democráticas. Mas desconheço a
existência de tal sociedade. Intérpretes simpatizantes do comunismo soviético sugerem
às vezes que tal relação existe na URSS, embora a evidência esmagadora pareça sugerir
que a estrutura social e o processo dccisório na política sejam extremamente náo-
igualitários. Alguma coisa nesse sentido, porém, parece saturar o curioso retrato que os
Webb traçam da URSS no Sovieí Corwnunisrn. A Aetv Civiiizm ion?
3. Eleição é usada aqui em sentido amplo. Aplicar a análise ao funcionamento interno de
uma organização que é em si constituída através de eleições, como um corpo
legislativo, consideraria o voto sobre medidas como "a fase eleitoral".
4. A Condição 1 tem que ser interpretada com cuidado, uma vez que a palavra "ato" dá
margem à ambigiiidade. Suponhamos que os membros de uma organização têm que
escolher entre as alternativas x e y; todos os membros preferem uma ou outra, c o índice
dos que preferem x aos que preferem y é a/b. Neste caso, enquanto os que realmente
votam o fizerem de acordo com esse índice, a magnitude do voto não é rigorosamente
importante. Tudo o que é necessário para a aplicação da Regra é que os eleitores sejam
plenamente representativos de todos os membros. Realmente, em uma escolha entre
apenas duas alternativas, a Regra seria satisfeita ainda mais facilmente, pois requcrcria
apenas que se o/b > 1, então a /b^ > 1, e se a/b < 1, então a^/b^ < 1, onde a^ é o número
de eleitores que preferem x e Iq o número dos que preferem y. Contudo, em termos de
fatos observáveis, através de que "ato" conhecemos o índice a/b. se não por votação ou
algum processo equivalente? De modo que se estamos interessados em fatos obscr
váveis, e não exigimos a Condição 1 para o processo de votação cm si, então temos que
exigi-lo para algum ato anterior que "supomos constituir uma expressão de preferência
entre as alternativas postuladas" e da qual o resultado da própria eleição depende
parcialmente.
3. Poderão alguns sugerir que o teste seja baseado na qualidade da escolha, pública vs.
privada ou social vs. egoísta. A análise, porém, demonstraria ou que essa distinção não
faz sentido ou que são poucos, se é que existem, os casos da primeira alternativa, isto é,
se não sem sentido, a distinção seria irrelevante para o nosso problema.
6. Por exemplo, ver Julian L. Woodward e Elmo Ropcr, "Political Activity of American
Citizens", American fo ià ic a i Science Review, dezembro de 1950.
7. Angus Campbell, Gcrald Gurin c Warren E. Miller, Tbe Poier Decides (Evanston:
Row, Peterson & Co, 1954), p. 30. Tabela 3.1.
8. S.M. Lipset, "The Political Process in Tradc Unions: A Theoretical Statcmcnt", em
freedem and Centrei in Afodern Xocieiy. M. Bergcr. T. Abel e C.H. Page, orgs. (Nova
York: D. Van Nostrand Co., Inc., 1954). Joseph Goldstein, Tbe Govcrn/n- nf o /ibm sb
Trade Unione. A 5'mdy o/* Apatby and íbe Demccraíic Procee.t in <be Tran.t/wr< arai
General IPorbers Union (Londres: Allen & Unwin, 1952). Hctuntd llatgrt,
"Participation and Mass Apathy in Associations", $radie.! in i.cadrrrb</), A W
Goudncr, org. (Nova York: llarper & Bros., 1950).
9 ) I i qtir.latt é discutida rapidamente no Apêndice B deste capítuio.
X) () A[" inlu )) .1 este capítuio sugere um possível esquema de classificação.
I! t ) A p m iu c !-. a este capítulo cotoca aigumas questões sobre o tratamento da poliarquia
f "no valor positivo e que aumenta com o consenso e a atividade política.
1.1 l'ata um "Sumário de funções hipotéticas relacionando a poliarquia com suas precon-
diçòcs", ver o Apêndice C a este capítulo.
1 1 Sem dúvida alguma, o trabalho pioneiro neste particular é A República, dc Platão. Nos
tempos modernos, a tentativa mais ambiciosa dc analisar este problema parece ter sido
a inspirada por Charles Memam, incluindo seu próprio 7he Maãing o/* Citizens
(Chicago: University of Chicago Press, 1931). Cf. também Elizabeth A. Weber, 7he
77a/: OaUs, Rrintitive and Tfcstaric 7ypey qi CHÍzensitíp(Chicago: University of Chicago
Press, 1929).
14. Uma análise altamente interessante, factual, e especulativa do consenso sobre
problemas controversos, como os encontrados na cidade de Elmira, Nova York, consta
do trabalho de B.R. Berelson, Paul F. Uazarsfcld e William N. McPhcc, Vafing
(Chicago: University of Chicago Press, 1954), cap. IX . Na verdade, todo esse volume é
relevante para o estudo empírico da poliarquia.
15. A proposição é válida, claro, no sentido trivial seguinte: a sociedade humana é neces­
sária para a poliarquia. Uma característica fundamental das sociedades humanas c o
conflito sobre objetivos. Erga. .
16. Não quero fazer uma regressão interminável de definições. Nestes ensaios, o signi­
ficado de "governo" pode ser aceito como mais ou menos claro intuitivamente ou a
definição seguinte pode ser usada, a despeito de suas limitações: governo é o grupo de
indivíduos que dispõe de monopólio suficiente de controle para fazer cumprir a solução
pacífica dc litígios.
17 Nas condições expostas, mesmo a guerra é eliminada.
18. No tocante a uma complexidade importante nesta função hipotética, ver o Apêndice E
deste capítulo, "Uma nota sobre a relação entre acordo e atividade política".
19. Cf. especialmente B.R. Berelson, P.F. Laxarsfeld e W.N. McPhee, op. cú.; S.M. Lipset
et a/., "lhe Psychology of Voting: An Analysis of Political Behavior", Tfandbaai: of
Saciai Rsycitaiagy (Cambridge: Addison-Wesley, 1954).
20. "lh e Inactive Électorate and Social Revolution", Soatinvesiern Raiàica/ Science
<2uurteriy, X V I, No. 4 (1936), citado em V.O. Key, Roiitics and Rressure Groaps (3*
ed., Nova York: Thomas Y. Crowell, 1952), p. 58.
capítulo 4

Igualdade, Diversidade e Intensidade

Não haverá por acaso uma soiução ciara e nítida para o problema com que
lutou Madison e para o qual propôs uma conciliação? Será possível cons­
truir um sistema para se chegar a decisões que sejam compatíveis com a
igualdade política e, simultaneamente, defenda os direitos das minorias? A
solução de Madison, conforme vimos, está inçada de suposições e argu­
mentos que não resistem à crítica. No que resolvemos chamar de teoria
populista — partindo das premissas de soberania popular e de igualdade
política — deduzimos com rigorosa lógica que a única regra processual
compatível com essas duas metas é o princípio da maioria. Transformando
o "mais preferido" no equivalente ao "preferido pela maioria" ladeamos
deliberadamente um problema crucial: O que acontecerá se a minoria pre­
ferir sua alternativa muito mais ardentemente do que a maioria prefere a
alternativa contrária? Fará ainda sentido o princípio da maioria?
Coloca-se aqui o problema da intensidade. Conforme podemos enten­
der facilmente, intensidade é quase uma moderna versão psicológica dos
direitos naturais. Da mesma forma que Madison acreditava que o governo
deve ser construído de modo a impedir que maiorias usurpem os direitos
naturais das minorias, um Madison modemo poderia argumentar que ele
deveria ser planejado para impedir uma maioria relativamentc apática de
enfiar sua política pela goela de uma minoria de convicções relativamentc
intensas.
H

Inleli/inente, não é fácil definir intensidade. Como definição preliminar,


]M)dcríamos dizer que c o grau em que o indivíduo quer ou prefere alguma
alternativa.' Sc, contudo, queremos nos restringir àquilo que podemos
observar, o que concordaremos em entender quando dizemos que A prefere
x a y? Sc A é Jones, %"a companhia das louras" e y "a companhia das
morenas", temos que entender que, quando Jones tem oportunidade de es­
colher, escolhe louras e não morenas. Ou, no mínimo, alguma parte de seu
comportamento observado — neste caso, talvez, o que o próprio Jones nos
diz — permite-nos prever que ele escolherá louras e não morenas.
Note-se que não podemos dizer o quanto ele prefere louras a morenas.
O próprio Jones não precisa saber o quanto prefere umas às outras. Ainda
assim, o fato básico de que não podemos medir a intensidade de suas prefe­
rências cria alguns problemas interessantes e, na verdade, sérios para a
teoria democrática. Isto porque, se não podemos medir o quanto Jones pre­
fere louras a morenas, ou o quanto Smith prefere o inverso, o que podemos
possivelmente entender quando dizemos que o primeiro prefere as louras e
o segundo as morenas? Surpreendente como possa parecer, no caso geral
(se não neste caso específico), a questão é altamente incômoda.^ Pois de
que maneira poderemos jamais saber que alguma minoria prefere mais
intensamente sua alternativa do que acontece com a maioria? Será acaso
destituída de sentido a antítese entre a minoria intensa e a maioria apática?
Poder-se-ia argumentar que, mesmo que a antítese não fosse destituída
de sentido, seria irrelevante. Ainda assim, há duas razões pelas quais seria
importante estimar intensidades — porque poderiamos querer saber se uma
alternativa é apenas ligeiramente preferida por uma maioria e intensamente
rejeitada por alguma minoria.
A primeira razão é de caráter essencialmente ético e nem todos con­
cordarão com sua importância. Suponhamos que A prefere %a y, B prefere
y a x e a escolha de uma exclui a outra. A maioria de nós gostaria de saber
se A prefere mais x a y do que B prefere y a x. Sendo iguais as demais cir­
cunstâncias, muitos de nós quereriam que A tivesse sua alternativa como
vencedora, se sua preferência ibsse muito mais intensa. Claro, frequente­
mente, as demais circunstâncias não são as mesmas e neste caso talvez
queiramos ignorar as intensidades. Mas se o resultado é, à parte isso, uma
questão indiferente, parcccria justo estabelecer a regra que o indivíduo com
preferência mais intensa deveria ganhar.
Sc está em jogo uma decisão coletiva, envolvendo votação, seria pos­
sível elaborar regras no sentido em que uma maioria apática, preferindo
apenas ligeiramente uma alternativa, não deveria predominar sobre uma
minoria que prefira fortemente outra? Não tentarei provar que essas regras
seriam desejáveis, mas, se pudessem ser formuladas, evidentemente solu­
cionariam um problema que, de uma maneira ou de outra, perturba muitas
vezes os teóricos da democracia, partieularmente nos Estados Unidos. A
inovação modema da idéia de Calhoun, de "maiorias coincidentes", cons­
titui talvez um esforço para provar a necessidade de tais regras e a maneira
como elas poderiam ser elaboradas.
A segunda razão por que a comparação de intensidades de preferências
é importante decorre do desejo de prever a estabilidade de um sistema de­
mocrático e, quem sabe, mesmo elaborar regras que a garantam. Como
ilustração, suponhamos uma situação bipolar simples cm que os cidadãos
têm que escolher ou rejeitar alguma alternativa. Vamos presumir ainda que
fizemos um cuidadoso inquérito de opinião dos cidadãos, a fim de deter­
minar, após excluir os indiferentes e indecisos, as proporções dos que são
contra e a favor da política. Cada um desses grandes grupos é, por seu tur­
no, subdividido entre os que são fortemente, moderadamente ou ligeira­
mente a favor ou contra. Podemos imaginar agora seis diferentes tipos de
distribuição.
Primeiro, as opiniões podem ser preponderantemente a favor (ou con­
tra) a política, com o maior número sentindo forte preferência, como na
Figura 2. Ou pode ser predominantemente a favor (ou contra) a alternativa,
com o maior número apenas ligeiramente a favor (ou contra), como na
Figura 3. Terceiro, as opiniões podem ser mais ou menos igualmcnte divi­
didas a favor e contra, mas com os números preponderantes preferindo ape­
nas ligeiramente sua alternativa, como nas Figuras 4 e 5.
Ora, na organização social poliárquica que utiliza a Regra durante o
processo de escolha da política, nenhuma dessas distribuições ocasiona
problemas sérios. Na medida cm que estamos interessados em inten­
sidades, a aplicação da Regra não é eticamente repugnante^ nem é provável
que acarrete instabilidade.
Embora os dados sejam, na verdade, muito fragmentários, constitui
uma hipótese razoável dizer que a opinião sobre grandes questões nas poli-
arquias estáveis tende a variar entre esses quatro grupos. Assim, cm respos­
ta à pergunta "Você acha que faria muita diferença para o país se demo­
cratas ou republicanos ganhassem a eleição... ou que não faria muita dife­
rença qualquer que fosse o lado vencedor?", numa amostra nacional de
pessoas entrevistadas nas semanas anteriores à eleição de 1952, cerca de
apenas um quinto julgou que faria muita diferença, ao passo que quase um
terço pensou que não teria a menor importância. As respostas estão distri­
buídas mais ou menos como cm nossa distribuição hipotética na Figura 5.
Isto é, a eleição de 1952 foi evidentemente um caso de desacordo mode­
rado, assimétrico (ver Fig. 6). Nessa pesquisa, como em muitas outras, con­
tudo, o fraseado da pergunta fax uma grande diferença. Por isso mesmo,
quando foi feita a pergunta "Você diria que se importa pcssoalmcntc muito
mm o [tartido que ganhar a eleição presidencial neste outono, ou pouco lhe
impotta que partido vença?", muda a distribuição (ver Fig. 7). Um pouco
mais dc um quarto disse que "se importava muito" e apenas um oitavo de­
clarou que "não se importava absolutamente". Contudo, os moderados que
"sc importavam um pouco" (39%), juntamente com os relativamente indi­
ferentes que não se importavam muito ou em absoluto, ainda constituíam
mais de dois terços do total. Parece provável que a primeira pergunta for-

----- A FAVOR------- ------CONTRA


Fig. 2 - C o n se n so forte com preferên cias fortes

------A FAVOR------- ------CONTRA


Fig. 3 - C o n se n so forte com preferên cias fracas
neceria uma base mais segura para prever possível descontentamento após
a eleição do que a segunda, mas como, em ambos os casos, a proporção nos
extremos aumentou, deveriamos esperar que a aceitação tranqüiia do resul­
tado da eleição se tomaria cada vez menos provável.
Isto é, vamos supor que cada lado vem a considerar a vitória do outro
como uma ameaça séria a alguns valores altamente estimados. Na década
anterior à Guerra Civil americana a luta sobre o destino a ser dado às terras

40

30

o
: ?0
u
cr
LU
CL
10

8
-A FAVOR- '— CONTRA-
Fig. 4 - D esacordo m oderado: sim étrico

Fig. 5 - D esacordo m oderado: assim étrico


20

UJ t5 -
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LU
O
tu )0
LU
CL

& 8 C C B A
PREFEREM EISENHOWER . PREFEREM STEVENSON
Fonte: Angus Campbell, Gerald Gurin e Warren E. Mliller. íh e l/ofer Oec/des. p 38.
Tabola 3.9. A resposta "Depende ' não passou do 1 por cento om cada categoria
"Não sabe ou não tem certeza" variou de 4 a 11 por cento. Ambas estão ausentes
na figura 6.
Fig. 6 - P referências d o s eleito res no pleito p residencial d e 1952. R e sp o sta s à
pergunta "Você ach a que seria muito diferente para o p aís s e g a n h a sse m a s
eleições o s D em ocratas ou o s R epublicanos ..l ou nenhum d o s d o is faria
diferença?

do Oeste tomou-se cada vez mais intensa. Conquanto no começo dessa dc-
cada aziaga sotuções conciiiatórias ainda fossem possíveis, ao seu término
nenhuma acomodação aceitáve) pôde ser encontrada. Isto porque tornara-
se cada vez mais claro para os líderes sutistas que, se a escravidão fosse
proibida nos territórios, e essas enormes áreas se incorporassem à União
como estados livres, estes, com o passar do tempo, controlariam a política
pública c alterariam a própria Constituição. Para sermos exatos, mais tarde,
muitos autores concluiriam que a instituição da escravatura teria sido anti­
econômica nos territórios do Oeste e, por conseguinte, não poderia ter
sobrevivido neles ou talvez mesmo no Sul. Mas o relevante aqui é que nu­
merosas pessoas no Norte evidentemente acreditaram que se a escravatura
fosse permitida nos territórios isto alteraria o equilíbrio político contra os
estados livres e, em última análise, frustraria a pressão crescente por terras
isentas de escravidão. Dessa maneira, qualquer eleição interpretada como
uma nítida vitória de um lado era ccrtamente tão intolerável para o outro
que ele recusaria aceitar-lhe o resultado. Achamos que, em 1860, ocorreu
PREFEREM EISENHOWER PREFEREM STEVENSON

Fonte: Campbell et al, op. cA. As respostas tabuladas como 'Depende* e *Náo sa b e
ou não tem certeza" não chegaram a 5 por cento nas três categorias e ficaram
ausentes da figura 7
Fig. 7 - P referências d o s eleito res no pfeito presidência) d e 1952. "Você dlria
que a vitória de um ou d e outro partido n e sta eleição tem significado p esso a)
para você, ou não lhe im porta muito quaf d e le s ven cer?"

uma eleição assim. Não significa isto que numerosos eleitores consideras­
sem proeminente essa questão quando foram às umas, pois é mteiramente
possível que eta tenha stdo decidida principaimente com base em outras
questões que não a escravidão e as tenras livres. Não obstante, ela prcopi-
tou uma série de decisões, cada uma das quais evidentemente excluiu cer­
tas alternativas. Por volta da primavera de 1861, elas estavam rapidamente
reduzindo-se a um pequeno número, todas as quais eram intoleráveis para
um dos lados. A Guerra Civil talvez não tenha sido inevitável. Mas uma
poliarquia estável incluindo o Norte e o Sul havia se tomado altamente im­
provável.
A resistência à aplicação da regra da maioria pode assumir várias
formas, dependendo do tamanho retativo da minoria derrotada c da maioria
vitoriosa, sua localização geográfica, seu acesso aos recursos, seus siste­
mas de convicções e a natureza das questões que as separam. A Rebelião
do Uísque, por exemplo, não foi uma revolução, mas apenas uma rcsistèn
cia aos coletores dc impostos. Outra possibilidade c um conp ríémr como
aconteceu na Espanha com Franco, na Checo-Eslováquia com os comunis­
tas, ou na França com Louis Napoléon. A secessão c uma terceira possi
bilidade. Podemos mesmo incluir a aceitação aparente c a rejeição secreta
da legitimidade da ordem política como quarta possibilidade. De qualquer
--------A FAVOR----------- ---------CO N TRA ----------
Fig. 8 - D esacordo sério : sim étrico

modo, nos casos cm que um iado é numeroso c considera a vitória do outro


como grande ameaça a vaiores aitamente apreciados, 6 razoável esperar
dificuldades serias na continuação de*um regime poiiárquico.
Este caso é sugerido na Figura 8. Quando alguma coisa que se apro­
xima dessa distribuição persiste, não é provável que nenhuma maquinaria
constitucional garanta a aplicação da regra. A sua rejeição pode surgir sob
a recusa em aceitar o império da lei, a revolução, a secessão, a retirada da
legitimidade antes conferida ao governo poiiárquico, ou outros meios. E
podemos ter certeza do seguinte: o sistema de controles recíprocos da
Constituição madisoniana não impediu uma das mais sangüinolcntas guer­
ras civis da história do homem ocidental. Nenhum dos numerosos remédios
constitucionais sugeridos na época revelou-se aceitável e mesmo em re­
trospecto é impossível descobrir uma solução puramente constitucional
para o que era um conflito social profundamente enraizado.
Por conseguinte, embora as primeiras quatro distribuições não criem
problemas especiais para as poliarquias, podemos dizer que a da Figura 8
situa-se além de sua capacidade de as solucionar. Ela, portanto, pode ser
ignorada também na discussão que se segue. Não obstante, é útil escla­
recer, com base na distribuição da Figura 8, um tipo de desacordo muito di­
ferente, isto é, o caso em que uma grande minoria sente forte preferência
por uma de duas alternativas e a maioria contrária exibe apenas ligeira pre­
ferência pela outra (ver Fig. 9). Se há algum caso que poderia ser consi­
derado o análogo modemo do conceito implícito de tirania de Madison,
acho que é este. Na verdade, sustenta-se freqüentemente que os vários as­
pectos do sistema político americano que modificam a operação direta da
regra da maioria são de importância fundamentai na solução de situações
deste tipo.

--------A FAVOR----------- --------C O N TR A ----------


Fig. 9 - D esacordo sério: assim étrico

IH
Sugerimos acima duas razões por que seria útil ao desenvolvimento de uma
teoria de democracia se pudéssemos supor a existência de alguma maneira
de comparar intensidades de preferência. Mas existe acaso tal meio?
Se por "intensidade" entendemos as sensações de outra pessoa, então
estamos derrotados desde o começo. É óbvio que não podemos nunca ob­
servar diretamente as sensações de outro indivíduo. O que quer que experi­
mentemos diretamente ou observemos por introspecção será sempre nossas
próprias sensações. De nenhuma maneira concebível, portanto, podemos
observar diretamente e comparar a intensidade das preferências sentidas
por outros indivíduos. Mais do que isso: uma vez que nunca podemos ob­
servar diretamente as sensações dos demais, tampouco podemos tratá-las
como variáveis observáveis com as quais, dado um número suficiente de
casos, poderiamos correlacionar mudanças em expressão facial, palavras,
postura ou mesmo a química do corpo. Podemos correlacionar estas com as
palavras que nosso sujeito usa a respeito de suas sensações, mas csttts em si
mesmas sempre nos escaparão. Podemos e de fato postulamos que os de­
mais têm sensações, mas não podemos observá-las diretamente. Neste sen
tido, de medir intensidades de sentimentos ou sensações, carece de sentido
dizer que A prefere x a y mais do que B prefere y a x.
Anuía assim, quase todos continuamos a dizer isso e a acreditar que
faz semido. Discutiremos se Ellen reatmente quer mais seu vestido do que
t'eter quer seu "Transformer" ou Eric sua bicicíeta e nem por um momento
duvidaremos que a discussão faz sentido. Continuamos a acreditar que não
só [xidcmos formar paípites intcíigentcs mas também palpitar inteligcnte-
mente sobre essas coisas. Acho que o âmago do significado é encontrado
na suposição de que as uniformidades que observamos nos seres humanos
podem ser transportadas, em parte, para as não-observáveis, como senti­
mentos e sensações. Supor que a sensação é autônoma e não seguramente
íigada a comportamento visfvei parece mais arbitrário e menos sensato do
que o postufado aftemativo. Em certo sentido, estamos negando que todos
os indivíduos sejam excepcionais, únicos, e, por conseguinte, incognoscí-
veis. Estamos presumindo que há uniformidades. Pretendemos ainda que
atgumas uniformidades no comportamento aparente são aproximadamente
associadas com outras nos estados interiores, embora !ogo cheguemos à
concíusão de que uma vida inteira será insuficiente para examinar todas as
sutis reiações entre o comportamento observável e a vida intenor que pos­
tulamos nos demais.
Entre todos os tipos dc comportamento aparente que observamos, es­
colhemos alguns como possíveis critérios de mensuração. Mas ainda quan­
do aplicamos cada um deles com o maior cuidado, no fim não podemos
ainda escapar do fato que não sabemos se esses critérios realmcnte medem
a intensidade das sensações. Contudo, uma vez que temos que fazer algu­
ma coisa, nós os usamos como palpites ou postulados. Em seguida, tenta­
mos reduzir uma situação dc escolha a esses critérios considerados como
postulados. Se grandes discrepâncias surgem em nossos critérios, con­
cluímos que as intensidades diferem.**
Suponhamos que um grupo de cidadãos em uma cidade quer mais es­
colas, mesmo que isso signifique impostos prediais mais altos para si mes­
mos, e outro os quer baixos, mesmo que isto signifique escolas congestio­
nadas. Os membros dc ambos os grupos, suponhamos, acham que têm uma
possibilidade de 50-50 de vitória em uma reunião dos eleitores do municí­
pio se não fizerem nada antes do encontro. Vamos presumir ainda que os
propugnadores de mais escolas sacrificam tempo, energia, lazer e conve­
niências para tomar sua plataforma conhecida. Os discursos e as maneiras
se caracterizam por tensão, frustração, irritação, raiva, ansiedade. Os parti­
dários dos impostos mais baixos, contudo, estão tranqüiíos e mesmo apá­
ticos e se ouviu quando disseram privadamente que o aumento dos im­
postos não vai lhes causar dificuldades, mas que acham que devem pro­
testar, quando não para evitar que o pessoal da Associação de Pais e Pro­
fessores domine a cidade. Acho que quase todos nós concluiriamos que,
embora certo número dc explicações alternativas se apresentem (tal como a
possibilidade de que os defensores das escolas gostem realmente de agitar
r organizar movimentos), não seria absurdo dizer que o grupo da APP pre­
tere mais escolas a impostos baixos do que seus adversários preferem bai­
xos impostos a escolas.
De nossa discussão até agora achamos que várias conclusões se
sugerem:

1. A maioria parece acreditar que podemos fazer comparações de imen­


sidades.
2. Fazemos isso postulando certos tipos de comportamento aparente
como medidas aproximadas das intensidades.
3. Mas não podemos fazer mais do que postular. Não podemos nunca ob­
servar diretamente intensidades sentidas de vontade ou preferência.
Daí, não podemos nunca saber o que o comportamento visível que
usamos como critério rcalmente mede, a menos que meça outros tipos
de comportamento visível.
4. Mesmo nas melhores circunstâncias, cm que uma grande variedade de
nossos postulados critérios parecem revelar diferenças aproximadas
em intensidade sentida, explicações alternativas são geralmente plau­
síveis.
5. Não obstante, a "intensidade" pode ser definida simplesmente com
referência a alguma reação observável, como a declaração do que a
pessoa sente, a disposição de renunciar ao lazer, etc.
6. Sc a intensidade é restringida a reações observáveis, então, em prin­
cípio, a intensidade de A pode ser comparada com a de B.
7. Se isto é ou não é uma solução satisfatória do problema da intensidade,
contudo, dependerá do tipo de decisão que formos chamados a tomar.

O que dizer, então, a respeito de nossos dois problemas? Quanto ao


primeiro, o problema ético, evidentemente o tipo de intensidade em jogo é
a sentida. Daí, rigorosamente falando, não podemos elaborar método ne­
nhum para medir ou comparar intensidades diferentes nesse sentido. Só se
concordarmos em considerar algum comportamento observável como
equivalente â intensidade sentida, poderemos absolutamente começar a tra­
tar do problema. Mas muitas pessoas indubitavelmente julgarão que, neste
caso, a solução do problema com que começamos realmente nos escapou e
que o emprego do comportamento visível apenas dá como verdadeiro o que
ainda precisa ser provado (petição de princípio).
Nosso segundo problema, o da estabilidade, é de tipo diferente. Isto
porque estamos interessados cm saber como pessoas se "sentem" no siste­
ma político apenas para podermos prever como possivelmente agirão. Sc
pudéssemos prever como elas provavelmente agiríam, com base em obser­
vações de outros tipos dc comportamento visível, então não precisaríamos
nos preocupar com a situação, se realmente sabemos como elas se sentem.
Io) [irincípio, então, o problema parece capaz de solução,^ embora valha a
pena deixar registrado aqui que a ciência social ainda não tratou dele de
maneira satisfatória. A questão de como a estabilidade varia em um sistema
democrático com as diferentes distribuições de preferências e intensidades
é uma questão quase virgem de estudo, salvo talvez em uma forma alta-
mente especulativa.

IV

Suponhamos agora que:

1. Podemos, de algum modo, determinar intensidades visíveis, isto é, de­


rivar uma espécie de "escala de intensidade" com base em comporta­
mento visível que nos permitirá prever certos tipos de futura atividade
política que influencia a estabilidade do sistema democrático.
2. Existe um caso de "grave desacordo assimétrico"; isto é, uma maioria
prefere ligeiramente uma alternativa e uma minoria prefere fortemente
outra mutuamente exclusiva.
3. Desejamos elaborar um conjunto de regras ou procedimentos que fa­
cilitem a escolha entre as alternativas.
4. As regras devem levar em conta não só os números de indivíduos —
como na regra pura da maioria — mas também a intensidade de suas
preferências.
5. As regras devem aplicar-se de modo a permitir o veto da minoria à
maioria apenas nos casos em que unia maioria relativamente apática
poderia, por operação da regra pura da maioria, vencer uma minoria de
desejos relativamente mais intensos. Isto é, a regra deve ser elaborada
de maneira a distinguir o caso de "grave desacordo assimétrico" das
demais distribuições e permitir apenas neste caso o veto da minoria.

Uma palavra a respeito desta última condição. Sc uma decisão tomada


por uma maioria relativamente indiferente contra as preferências relativa­
mente fortes de uma minoria for considerada perigosa para a estabilidade
(ou eticamente indesejável), então teremos que considerar também como
perigosa (ou eticamente indesejável) qualquer decisão em que, 1) a minoria
consegue o que quer bloqueando a maioria e 2) o número de pessoas na
maioria com fortes preferências é igual ou maior do que o número delas na
minoria com preferências igualmente fortes.
Sem necessidade de estabelecer um conjunto de condições utópicas, é
possível elaborar um conjunto de valores que atendam a essas especifica-
çõcs, peto menos de maneira aproximada?^ Uma vez que, para começar, 6 a
Regra da teoria popuiista que cria o probicma, caberia talvez pensar que
uma solução podcria ser encontrada numa espccic de posição neomadi-
soniana. A pergunta "De que modo podemos impedir que uma maioria
quase indiferente imponha suas preferências a uma minoria com prefe­
rências intensas?", a teoria ncomadisoniana podcria ser formulada mais ou
menos nestes termos:
Em primeiro lugar, através de regras constitucionais estabelecidas, su­
plementadas por práticas e procedimentos organizacionais em fases cru­
ciais do processo decisório — nos partidos políticos, eleições, atividade le­
gislativa e recurso ao judiciário, por exemplo — de maneira que uma mi­
noria influente, em qualquer uma dessas fases, possa vetar a alternativa
preferida pela maioria.
Segundo, através de um sistema social de interesses tão diversificados
que seja improvável o aparecimento de grave desacordo assimétrico.
Examinemos rapidamente estas condições. Quanto à primeira, que ga­
rantia fornece ela de que a quinta condição seria atendida — que o veto
será usado apenas em casos de grave desacordo assimétrico?
Seria estimulante elaborar conjuntos alternativos de procedimentos em
um esforço para descobrir se algum deles diferenciaria o caso de desacordo
assimétrico grave de todos os demais. Vamos, porém, contentar-nos com a
questão mais modesta de saber se o conjunto de procedimentos constitucio­
nais e políticos usados na tomada de decisões no governo nacional dos Es­
tados Unidos realmente se aplica para identificar esse caso. A única manei­
ra de solucionar essa questão formidável — se, na verdade, pudermos ab­
solutamente solucioná-la — consiste em fazer um breve exame de algumas
das disposições básicas c de seus beneficiários. Voltaremos a este proble­
ma na seção V.
A segunda proposição tem sido defendida de três maneiras. A primei­
ra, a própria defesa de Madison, parece implicar que, dada uma suficiente
diversidade de interesses e uma área geográfica suficientemente ampla, ne­
nhuma maioria pode ser organizada e tomada efetiva em decisões nacio­
nais. Se isto fosse verdadeiro, porém, não seriam necessárias regras e pro­
cedimentos adicionais: os controles sociais recíprocos seriam o bastante,
sem acrescentar outros de natureza constitucional. A segunda linha de
defesa, porém, desenvolve-se no sentido de que, embora um sistema social
de interesses diversificados tome muito difícil organizar maiorias per
sistentes, não as toma de fato impossíveis. Por conseguinte, uma garantia
mais forte é proporcionada contra a tirania da maioria se controles pro
cessuais suficientes forem acrescentados, de modo que qualquer maioria
provisória se esfacelará contra sucessivas barreiras constitucionais c ])o
líticas. Aqui, mais uma vez, temos que perguntar se essas barreiras cons­
titucionais separam dos demais o caso de grave desacordo assimétrico ou
sc das beneficiam arbitrariamente algumas minorias às expensas de outras
ou de possíveis maiorias. Só podemos chegar a uma conclusão a este res-
petto examinando os arranjos particulares e seus respectivos beneficiários.
A terceira defesa, popular aliás entre os cientistas políticos america­
nos, recorre à hipótese de filiações coincidentes e simultâneas. Se a maioria
dos indivíduos na sociedade se identifica com mais de um grupo, então há
alguma probabilidade positiva de que qualquer maioria contenha indiví­
duos que fazem causa comum, para certos fins, com a minoria ameaçada.
Membros da minoria ameaçada que preferem fortemente sua alternativa
tomarão seus sentimentos conhecidos desses membros da maioria provi­
sória que também, em algum nível psicológico, se identificam com a mino­
ria. Alguns desses simpatizantes retirarão seu apoio à alternativa da mai­
oria e esta desmoronará.
Embora, tanto quanto sei, nada senão a evidencia mais fragmentária
exista para esta hipótese engenhosa, ela é altamente plausível e tenho espe­
rança de que antes que se tome um axioma incontestável da ciência política
americana seja pelo menos examinada com algum rigor empírico. Para
nossas finalidades, é importante notar que se a hipótese é verdadeira, então
em todos os casos á que se aplica nem regras nem procedimentos adicio­
nais são necessários. Se, contudo, houver casos de desacordo assimétrico
grave aos quais não se aplique, será correto perguntar se o conjunto par­
ticular de regras e procedimentos que constituem a política americana pro­
porciona uma solução. Passemos agora a esta questão.

Entre as claras disposições constitucionais com que concordam os ameri­


canos, três se sugerem por si mesmas como possíveis soluções de nosso
problema. A primeira c a revisão judicial da legislação, combinada com o
veto da minoria a emendas constitucionais. A segunda toma a forma da
estrutura do Senado. A terceira consiste em certas relações entre o Presi­
dente, as duas casas do Congresso e o eleitorado. Neste capítulo, examina­
remos apenas as duas primeiras.
Vale observar aqui que todas as três disposições são em geral defendi­
das por um estilo de argumento tão fundamentalmente madisoniano que, ao
longo dc todos estes ensaios, denominei-as como tais. Não obstante, na
convenção o próprio Madison combateu fortemente a igual representação
dos estados no Senado, mesmo que íinalmente aquiescesse como única
solução conciliatória possível; e suas sugestões para revisão constitucional
previam um conselho de revisão que poderia ser derrotado por voto sim­
ples de maioria do Congresso. Ainda assim, há certa justiça em chamar de
madisoniano todo o sistema de limitações constitucionais. Isto porque se
cie podia indignar-se com o poder dc minorias quando pensava no grande
estado da Virgínia no mesmo pé que Deiawarc no Senado, desde que suas
tinas distinções eram, no fundo, arbitrárias, tomou-se inevitáve! que seu
argumento gerai, com a passagem do tempo, adicionasse estatura a todas as
defesas contra a regra ilimitada da maioria que era inciuída e embutida na
Constituição. ,
A revisão judiciai tem sua extrema importância nas dificuitiadcs de
alterar a Constituição por emenda formai. Como é bem sabido, um terço
mais um dos membros votantes de qualquer das casas do Congresso pode
impedir a passagem de uma emenda. E, se eia uitrapassa esta barreira, um
quarto mais um dos estados podem vetá-ia. Em consequência, se o Supre­
mo Tribunal veta icgislação apoiada mesmo que por maiorta substancial do
cieitorado, não se segue absolutamente daí que a maioria desapontada po­
de, então, emendar a Constituição. Reciprocamente, se eia permitisse c-
mendas fáceis por iniciativa de maiorias, desaparecería também a maioria
das vantagens & revisão judicia! preconizada por seus defensores. Por isso
mesmo não podemos considerar a revisão como independente do poder de
apresentar emendas.
Embora raramente possamos ter certeza de que a maioria do eleitorado
é realmente favorável a uma dada política controversa, no caso da legisla-
ção sobre trabalho infantil, a indicação de que a maioria queria uma le­
gislação de âmbito nacional era tão convincente como a que provaveimente
poderiamos querer. Em 1916, um Congresso dominado petos democratas
aprovou a primeira lei de trabaiho infantii na história da nação por um voto
dc 337-46 na Câmara e 51-12 no Senado. Dois anos depois, o Supremo
Tribunal deciarou inconstitucional a lei por uma votação de 5-4. Dentro de
oito meses, um Congresso recém-eleito com maioria repubiicana aprovou
nova lei de trabalho infantii por 312-11 votos na Câmara e 50-12 no
Senado7 Três anos depois, o Supremo Tribunai, mais uma vez, dectarou-a
inconstitucional por uma votação dc 8-1. Em vista disso, uma emenda á
Constituição foi apresentada ao Congresso. Em 1924, eia passou na Câ­
mara por uma votação de 297-69 e no Senado de 61-23. Após algumas re­
jeições iniciais e dc algumas regressões subsequentes, doze anos depois os
legisiativos de 24 estados, com mais de 50% da popuiação dos Estados
Unidos, aprovaram a emenda. Em 1938, 28 estados, com 55,6% da poptt
iaçâo, referendaram-na.s Nesse ano, o Congresso votou a Lei dc Práticas
Trabalhistas Justas, que incluía disposições proibindo o trabalho infantd.
Em 1942, o Supremo Tribuna! sustentou-lhe a validade. Dessa maneira,
empregando todos os testes que podemos provavelmente usar, parece cor
reto dizer que, durante mais de 20 anos, a maioria legislativa manifestou se
favorável a uma legislação sobre o trabalho infantil c, conquanto a inte.
rcncia seja mais duvidosa, é provável também que a maioria do eleitorado
pensasse da mesma maneira. Ainda assim, por que uma mmoria dc
legislativos nacionais e, provavelmente, uma minoria do eleitorado, tinham
o apoio de decisões do Supremo Tribunal, puderam vetar efetivamente
legislação sobre o trabalho infantil.
O poder de veto do Supremo Tribunal à legislação aprovada pelo Con­
gresso proporcionará por acaso uma solução ao nosso problema de de­
fender uma minoria de preferências intensas de uma maioria apática?"
Cabe dizer, de início, que os defensores do Supremo não estabelecem essa
distinção. Muito ao contrário, na opinião do Supremo e de seus defensores,
é precisamente contra a intensa maioria lcgisladora que os direitos das mi­
norias devem ser defendidos. Joscph Choate enunciou uma concepção co­
mum do correto papel do Supremo quando, durante seu ataque ao imposto
de renda em 1895, afirmou:
... Se c verdade, como disse meu culto amigo em sua peroração, que as
paixões do povo foram despertadas por este assunto, se é verdade que
um poderoso exército de 60 milhões de cidadãos ficará provavelmente
irritado com esta decisão, mais vital ainda é para o bem-estar futuro
deste país que este Tribunal, mais uma vez, resoluta e corajosamente,
declare, como fez Marshall, que tem o poder de derrogar uma lei do
Congresso que viole a Constituição, e que não hesitará em fazer valer
esse poder, não importa quais possam ser as ameaçadoras consequên­
cias & ira popular ou populista.'"

Não obstante, será razoável dizer que o processo de revisão judicial de


legislação de âmbito nacional tem de fato assegurado proteção eficaz a
minorias com intensas preferências contra as usurpações de maiorias apá­
ticas e, ao mesmo tempo, não impedido maiorias de preferências relativa­
mente intensas de realizarem seus objetivos? Se fosse assim, o Supremo
constituiría uma excelente solução do problema do grave desacordo assi­
métrico.
Ora, é claro que não há como resolver essa questão a menos que
possamos, em primeiro lugar, estabelecer uma distinção entre maioria apá­
tica e fortemente interessada. Mas de que modo podemos fazer isso? Em
primeiro lugar, de que maneira podemos ter certeza do quê constitui a pre­
ferência da maioria? Até bem pouco tempo não tínhamos pesquisas de
opinião — ou pelo menos não de caráter científico. Na ausência de pes­
quisas de opinião científicas no período pré-eleitoral, o voto popular depo­
sitado em eleições nacionais pouco indica, uma vez que as questões abor­
dadas nas campanhas são sempre tão complexas que apenas através das
mais absurdas inferências poderiamos relacionar a percentagem de votos
diretamente para Presidente com, digamos, uma peça específica de legis­
lação." Se mesmo hoje — com as técnicas refinadas de consulta da opinião
pública que temos — não podemos absolutamente ter certeza da impor­
tância relativa das várias questões, candidatos e hábitos de votação na
eleição imediatamente precedente, o quanto mais isto teria se aplicado a
eleições realizadas há uma geração ou há um século?
Acredito, por isso mesmo, que no presente só em raros casos podemos
falar com alguma segurança sobre preferências de maioria em eleições
nacionais das décadas anteriores. Ceralmcnte tudo o que podemos dizer
corretamente é que determinada legislação foi aprovada ou derrotada em
cada Casa por uma dada percentagem de votos e promulgada ou vetada pe­
lo Presidente. Por isso mesmo, no que se segue, falaremos a[)enas da maio­
ria legisladora no sentido muito restrito que acabamos de indicar, isto é,
uma maioria de membros votantes de ambas as Casas, mais a aquiescência
presidencial.
Se é difícil determinar as preferências da maioria cm uma peça espe­
cífica de legislação, mais difícil ainda é apurar se a hipotética maioria foi
relativamcnte intensa em suas preferências ou apática. Talvez o único teste
disponível seja a extensão cm que foram feitos esforços para reapresentar a
legislação, emendar a Constituição, alterar a jurisdição do Supremo Tribu­
nal, nomear juizes manobráveis para o Supremo ou de qualquer outra ma­
neira conseguir um novo resultado. Neste sentido limitado apenas, pode­
mos dizer corretamente que as maiorias legisladoras favoráveis ao imposto
de renda ou contra o trabalho infantil provavelmente não foram apáticas.
No mesmo sentido restrito caberia falar de uma minoria lcgisladora,
sem saber sempre se expressa apenas preferências de minoria entre o elei­
torado, e tentar verificar a intensidade de suas preferências pelas atividades
e persistência que desenvolve.
É mais do que claro, lamento dizer, que quando nos restringimos ape­
nas a inferências seguras, não podemos falar com muita confiança de nosso
problema. Esta é, na realidade, talvez a conclusão mais importante a que
podemos chegar. Isto porque, se estamos à procura de um conjunto de pro­
cedimentos que protejam minorias de fortes preferências contra maiorias
apáticas, se um desses possíveis conjuntos é defendido por apelo à expe­
riência passada, e se esta é mostrada como inaplicável porque não podemos
interpretá-la com segurança, então somos forçados a considerar as tentati­
vas de defendê-los como, principalmente, preconceitos arbitrários.
Não obstante, talvez seja útil verificar que conclusões provisórias po
demos tirar de nossa experiência histórica com o Supremo Tribunal. Ao
longo de toda a sua história, o Supremo considerou legislação aprovada
pelo Congresso como inconstitucional em 77 casos." Em quase um terço
desses casos, os objetivos da legislação foram subsequentemente atingidos
por outros meios; em um quinto dos casos, a ação subsequente oconeu em
quatro anos ou menos." Em pelo menos quatro casos, foram precisos mais
de 20 anos. O caso mais extremo de veto judicial é o da legislação sohte
trabalho infantil, quando transcorreu um intervalo de 26 anos entie a ação
da primeira maioria legisladora e a aquiescência final do Supremo. A legis
Uç.m n;n tmi;![ sobre indcm/ações a estivadores e a trabaihadorcs de portos
<m al precisou de 25 anos e de três !eis diferentes, uma por uni Con-
g.iesso democrata em 1917, outra por um rcpubiicano cm 1922 e a terceira
por outro Congresso com maioria republicana em 1927. A questão do im­
posto dc renda só foi resolvida depois de 19 anos, duas leis diferentes e
uma emenda à Constituição."*
Nos restantes dois terços dos casos em que os objetivos não foram
posteriormente alcançados por outros meios, um número considerável en­
volveu legislação de natureza temporária c grande número implicou aspec­
tos esscncialmentc banais ou secundários de legislação. Não há, acho, caso
conhecido em que uma maioria legisladora persistente não tenha, mais ce­
do ou mais tarde, conseguido o que queria.
As grandes vantagens da maioria legisladora persistente estão na ve­
lhice e na morte. O Supremo Tribuna! perdura; os ministros são simples
mortais. Na história do Supremo, em módia, um novo ministro é nomeado
a cada 23 meses. Em vista disso, a maioria legisladora tem possibilidade
razoável dc nomear dois tiovos membros em utn mandato presidencial e
quatro membros em dois mandatos. Mais dc 30% de todos os ministros ser­
viram durante oito anos ou menos. A média é de 15 anos (ver Tabela 1).
Uma vez que o Presidente e o Senado examinam cuidadosamente as opi­
niões dos indicados, e uma vez que eles são gcralmente membros do parti­
do dominante ou simpáticos ao seu programa, não é de surpreender que,
mais cedo ou mais tarde, "o Supremo Tribunal siga os resultados da elei­
ção".*- O surpreendente é que, em alguns casos, seja tão longo o intervalo.

TA BELA 1
Período de Exercício no Cargo de
Ministros do Supremo Tribunal

A ncí P e r c e n la je /n
AcMMíãaAí

1-4 9,2 9 .2
5-8 21.8 3 1,0
9 - t2 14,9 45,9
13-16 14.9 60,8
17-20 8,1 68,9
2 ! -2 4 H ,5 80,4
25-28 9 ,2 89,6
2 9 -3 2 3.8 95,4
3 3 -3 6 46 100,0
100,0
Voltando ao problema com que iniciamos nossa indagação, a que
conciusões podemos razoavelmente chegar? Acho que a evidência indica o
seguinte:
1. Em cerca de dois terços dos casos cm que o Supremo Tribunai consi
derou inconstitucional iegisiação federal, podemos inferir que a maio­
ria legisladora não sentia fortes preferências. De qualquer modo, não
realizou esforços subsequentes para atingir de outras maneiras os fins
da legislação.
2. Mesmo nestes casos, contudo, não temos maneira de saber se a mino­
ria protegida pelo Supremo sentia cm algum sentido preferências mais
intensas, a menos estejamos dispostos a dizer que, por definição, levar
o caso aos tribunais constitui indicação suficiente de intensidade rela­
tiva de preferências.
3. Em todos os casos restantes, ou cerca dc um terço do total, os efeitos
do veto foram eliminados por outros meios — em um caso, por guerra
civil.
4. Em alguns desses casos, incluindo o do imposto dc renda, do trabalho -
infantil, de indenização a trabalhadores, da regulamentação de horas
dc trabalho e salários para as mulheres e outros, porem, o Supremo
Tribunal retardou eficientemente uma maioria legisladora, aparen­
temente motivada por fortes preferências, por até um quarto de século.
Em vista disso, não podemos concluir que um sistema de revisão judi­
cial com restrições a emendas constitucionais seja um processo que efeti­
vamente impeça que preferências de minorias rclativamcnte intensas em
seus desejos sejam vencidas por maiorias relativamente apáticas, sem que
ao mesmo tempo restrinja também maiorias relativamente intensas em suas
preferências — isto é, ele não atende ao nosso quinto requisito. Não po­
demos, então, voltarmo-nos para o Supremo Tribunal cm busca de uma
solução.

VI

Provavelmente ninguém argumentou com maior poder de convicção couu:i


a desejabilidade dc representação igual dos estados no Senado do que
James Madison na Convenção constitucional. Ele disse praticamrntr imlo
o que poderia ser dito sobre a contradição fundamental entre o ...... . ii""
republicano" c a representação igual não de indivíduos mas de eniid.idi
geográficas. No fim, aceitou a representação igual couto so)tu,uo <ou, do
tória necessária para obter a adesão dos pequenos estados ;to it<o . . i i. m i
federal. E considerou a acomodação como uma questão n.m tf [mu ipu .
mas de conveniência desesperada. Com o transcorro dos tuo . .t o < iuod.t
ção de conveniência foi convertida em princípio c sc utdi/ou u pi 'pn.i i. ..
n:t ]X)lnm) dc Madison para justificá-lo. A representação igual no Senado,
aigumenta-se, constitui um expediente para proteger as minorias contra
maiorias tirânicas. No contexto destes ensaios, poderemos acaso interpretar
isso como significando que a representação iguai no Senado fornece uma
solução ao nosso problema de grave desacordo assimétrico, quando uma
minoria de preferências relativamente fortes enfrenta uma minoria rcla-
tivamente indiferente?"*
Como no caso da revisão judicial, a tentativa de responder a essa per­
gunta na base da prova enfrenta obstáculos formidáveis. Toma-sc logo cla­
ro que não se aplicam mais os critérios que usamos para estabelecer a dis­
tinção entre intensidade de sentimentos e indiferença relativa, c não estou
absolutamente certo de que quaisquer outros possam ser descobertos. Até
mesmo o trabalho de identificar situações em que o Senado protege uma
minoria (presumivelmente contra políticas apoiadas pelo Presidente ou por
maioria de votos da Câmara) toma-se muito difícil. Em vista disso, a única
conclusão a que podemos chegar com certeza é que, quaisquer que possam
ser os fatos do caso, a tentativa de defender o Senado, como um mecanis­
mo para resolver o problema da intensidade de preferências, forçosamente
terá que repousar sobre argumentos altamente duvidosos e incapazes,
mesmo na melhor das hipóteses, de despertar até o acordo mais provisório.
Talvez a única maneira de ir adiante seja examinando, tanto quanto
isto seja possível, os tipos de minorias que são em algum sentido "super-rc-
presentadas" no Senado, a fim de descobrir, se pudermos, se igual repre­
sentação de fato funciona para solucionar, ou pelo menos aliviar, o pro­
blema do desacordo assimétrico grave. Três observações, porém, precisam
ser feitas logo. Em primeiro lugar, o argumento em favor da igual repre­
sentação dos estados no Senado parece repousar frequentemente em uma
falsa equação psicológica, na qual os pequenos estados são equiparados a
"pequenos interesses" e pequenos interesses a pessoas "pequenas" e iner-
mes. Nossos desejos humanitários de proteger pessoas relativamente iner-
mes de agressão de indivíduos mais poderosos são dessa maneira invo­
cados em favor dos pequenos estados. Mas estados consistem em pessoas e
são os interesses delas que nos interessam. O que queremos saber, portanto,
é que tipos de pessoas são beneficiadas ou prejudicadas por igual repre­
sentação no Senado.
Suponho que não desejamos endossar o princípio de que todos os pe­
quenos grupos de interesses devem ter poder de veto sobre a política. Isto
porque, neste caso, jamais poderiamos especificar qualquer situação que
não fosse dc unanimidade, na qual a maioria legisladora teria condições
para agir. Dessa maneira, tornaríamos impossível não só a aplicação do
"princípio republicano" mas do próprio govemo. Os primeiros a exercer o
poder dc veto poderiam ser os quadrilheiros, os assassinos, os ladrões —
cm suma, a população de criminosos. Quanto a nós restantes, não ficaria-
mos muito ionge: capitalistas, trabalhadores braçais, agricultores, mesmo
professores universitários, os exploradores e os explorados, os sociais e os
anti-sociais, os donos de empresas que tiram o couro dos empregados, os
pelegos sindicais, os que fogem à convocação para o serviço militar, os
sonegadores dc impostos e milhares dc outros grupos que vetariam também
a política pública. Antes dc muito tempo, não teríamos mais "nem artes,
nem letras, nem sociedade e, pior que tudo, viveriamos todos em medo per­
pétuo e perigo de morte violenta, e a vida do homem seria solitária, pobre,
vil, brutal c curta".
Em segundo lugar, temos que evitar também a falácia de supor que, se
o Senado representa ou super-representa algumas minorias situadas cm
certas áreas geográficas dos Estados Unidos, ele necessariamente o fa/ no
tocante a todas as localizadas nessas áreas. Isto é manifestameute falso, t lá
minorias dentro de minorias. O grupo regional dominante pode ser repre­
sentado no Senado enquanto a minoria regional subordinada não o é. Daí,
um veto do Senado pode simplesmente preservar ou ampliar o controle tio
grupo regional dominante sobre a minoria subordinada. Os negros do Sul,
os bóias-frias do Oeste, os migrantes clandestinos do Sudoeste, não são
evidentemente minorias que se beneficiem com igual representação no Se­
nado. E é bom lembrar que mesmo em uma situação dc plena igualdade
política, uma minoria regional protegida por representação igual dc unida­
des geográficas em um corpo legislativo seria maioria na sua própria área e
que as minorias derrotadas nessa região não seriam protegidas pela igual
representação. Realmente, se a minoria na região consistisse cm indivíduos
com preferências semelhantes às da maioria cm todo o eleitorado, a repre­
sentação igual de áreas geográficas, paradoxalmente, privaria essa minoria
regional de proteção em todos os casos em que ação positiva do governo
fosse necessária para impedir que a maioria regional a tiranizasse.
Em terceiro lugar, a representação igual de unidades geográficas su­
per-representa algumas minorias concentradas em áreas esparsas, mas sub-
representa as concentradas em áreas densamente povoadas. Além do mais,
na medida em que não c geograficamente concentrada, a minoria não re­
cebe proteção per re da representação estadual igual. Em uma sociedade
em que todas as minorias fossem distribuídas em iguais proporções entre
os eleitores de todos os estados, nenhuma delas recebcria qualquer prote
ção per da representação estadual igual. Por que, então, esse carmho
todo especial por minorias concentradas geograficamente em áreas espar
sas? Embora uma resposta histórica perfeitamente aceitável possa ser eu
contrada, não é uma resposta que se possa facilmente tornar racional como
solução de nosso problema de desacordo assimétrico grave.
Sc estamos interessados simplesmente na medida cm que o eleitorado,
e não toda a população, é representado, então talvez seja meltioi classificar
os estados por número de eleitores.^ Na Tabela 2 (p. 114). todos os estados
sáo ordenados tlc acordo com o número de votos depositados a favor de
candidatos à Câmara dos Representantes dos Estados Unidos na eleição de
MU.'. Mor cia se vê que os oito maiores estados, com 54% dos eleitores,
têm o mesmo número de votos no Senado que os oito menores, com menos
dc 5% rios eleitores. Uma maioria de votos no Senado pode ser obtida por
senadores que representam menos de 15% dos eleitores. Dessa maneira,
uma política preferida pelos representantes de 85% dos eieitores pode ser
vetada peios representantes de apenas 15%. Nevada tem quase 15 vezes
mais representação do que teria se a representação fosse rigorosamente
proporcional ao número de eleitores. Nova York dispõe de apenas um sex­
to da representação que teria se todos os eleitores fossem igualmente repre­
sentados. Dessa maneira, um voto típico depositado em Nevada tem 85
vezes tanto peso quanto o voto típico de Nova York, permanecendo iguais
outras condições. Trinta e cinco estados estão super-representados'* e treze
sub-representados. Vinte e três estados têm mais de duas vezes sua repre­
sentação proporcional e cada um dos oito maiores tem metade ou menos da
metade.
Mas basta do tamanho da discrepância. Que grupos poderiam ser
beneficiados ou prejudicados pela representação igual? Na Tabela 3 (p.
116) há três grupos que, seria correto dizer, não figuram entre as forças
dominantes em seus estados e que não foram protegidos — na verdade
foram prejudicados — pela representação estadual igual. Na Tabela 3.1 (p.
116), porém, há grupos cujos interesses podem ter sido promovidos pela
super-representação. Na Tabela 3.2 p. 116), temos outro conjunto de gru­
pos cujos interesses talvez tenham sido prejudicados por sub-represen-
tação.

TA BELA 2

Eleitorado Berre/Uagern /nJtce df


Estadual* da Eleitorado Cawa/aítva van/age/n**
7díai

t. Nevada 81 0,14 0,14 14,8


2. Wyoming )27 0,22 0,36 9.4
3. Vermont 153 0,27 0,63 7.8
4. Dclaware !70 0,30 0.93 7.0
5. Norlh Dakota 231 0,40 1,33 5.2
6. New México 233 0,41 1.74 5.1
7. Maúic 234 0,41 2.15 5,1
8. Mississippi 240 0,42 2,57 5,0
9. Arizona 24S 0,43 3,00 4.8
tO. Montatia 236 0,43 3,43 4,7
tt. NcwHampshire 258 0,45 3,90 4,6
12. Idaho 264 0,46 4,36 4.5
)3. Sou Oi Carolina 284 0,49 4,83 4,2
td. Soulh Dakota 287 0,30 5,35 4.2
]5. Utah 326 0,57 3,92 3,7
TA13HLA 2 (com.)

Eieitorada Percentagem ffrcfníagc/n índice de


Estadaai* * do E/eitarada Civ/nM/a/iWJ
7'otaí
16. Alabama 342 0,59 6,51 3.5
17. Arkansas 361 0,63 7.) 4 3.3
18. Khode island 407 0,71 7,85 2.9
19. Louisiana 416 0,72 8.57 2,9
20. Virginia 447 0,78 9,35 2.7
2 1. Geórgia 547 0,95 10,30 2.2
22. Ncbraska 566 0,98 11,28 2.1
23. Colorado 606 1,06 12,34 2.0
24. Orcgon 666 1,16 13,50 1.8
25. Tennessee 700 1,22 14,72 1.7
26. Florida 739 1,28 16,00 1.6
27. Kansas S24 1.43 17,43 1,46
28. Maryland 841 1,46 18,89 1,43
29. West Virginia 874 1.52 20,41 1,37
30. Oklahoma 933 1.63 22,04 1.28
3 1. Kcntucky 951 1,66 23,70 1,26
32. Washington 1016 1,77 25,47 1.18
33. Connccticut 1093 1,90 27,37 1.'
34. North Carolina 1122 1,95 29,32 1,08
35. Iowa 1143 1,99 31,31 1,05
36. Minnesota 1388 2,41 33,72 0,86
37. Wisconsin 1568 2,73 36,45 0,76
38. Texas 1719 2,99 39,44 0,70
39. Missouri 1361 3,24 42.68 0,64
40. Indiana 1935 3,37 46,15 0,62
41. Massachusetts 2289 3,98 50,03 0,52
42. New Jersey 2315 4,03 54,06 0,52
43. Michigan 2772 4,82 58,88 0,43
44. Ohio 3382 5.88 64,76 0,36
45. Illinois 4352 7,57 72,33 0,28
46. Pennsylvania 4507 7,84 80,17 0,27
47. Califórnia 4563 7,93 88.10 0,26
48. New York 6910 12,01 100,11 *** 0,17

Total 57.559
M ídia 1.199

* Votos para deputados federais, 1952. Fonte: Statirticr tAe Pre.ridentiai and
Cangreasiotaf Eiection o/*Aievem6er4, V952(Washington, D.C.: U.S. Government Printin);
Office. 1953).
^ , representação efetiva__ 1 eleitorado estadual
n tee e vantagem proporcional 48 eleitorado total
media do eleitorado estadual 1.199.000
eleitorado estadual eleitorado estadual
Se a representação efetiva - representação proporcional, então o índice dc vuntagt-m !

*** O total 6 mais dc 100% pelo arredondamento.


TA BU LA 3
CJ 12) P) W P) W
A" de ferceniagent Teeceningent Vantagem Grupo Percentagem
Estados de Estados do Tola! de Relativa** do Grupo nesses
Eleitores* Estados***

9+D.C. 18.8 7.8 2.4 Negros 50,0


1) 22,8 13,2 L7 Meeiros 68.0
8 16,7 12,5 1,3 Trabalh. 33,0
migrantes:}:

* Votos depositados para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, 1952.

,* CpJ, (2).,
Coi. (3)
*** Ponte: Censo de 1950: Bioestatística e censo agrícola,
t Os que trabalharam mais de 150 dias fora das fazendas.

T A B E L A 3.1
AP de Pgrcen/agp/n Percentagem Vantagem Grupo Percentagem
Estados Ry/a do Pota/ de Relativa do Grupo nesses
Eleitores Estados

8 16,7 9,2 1.8 Agricultores 35,4


7 14,6 62 2.4 Tosquiadores 57.6
6 12,5 5,0 2.5 Cotoni cultores 67,0
4 8.3 1.9 4.4 Mineiros (prata) 84,4

Fontes: Censo de 1950; censo da agricultura; Burcau of Mines, Minerais Tearhoot:.

T A B E L A 3.2
AP de Percentagem Percentagem Vantagem Grupo Percentagem do
Estados de Estados do Total de Relativa Grupo nesses
Elelíores Estados

12 25,0 51,0 0,49 Assalariados 53,7


2 4,2 9,4 0,45 Mineiros (carvão) 58,8

Pentes: Censo de 1950: Características da população.

Ora, o interessante a respeito dessas tabelas é que os grupos beneficia­


dos e prejudicados pela igual representação parecem inteiramente arbitrá­
rios. Seria difícil argumentar que ou os direitos naturais ou as intensidades
relativas de preferências requerem sub-representação de negros, meeiros,
trabalhadores migrantes, assalariados e mineiros e a super-representação de
fazendeiros e produtores de lã, algodão e prata.
Em suma:

1. As únicas minorias protegidas por iguat representação estadual, como


tais, são minorias geográficas concentradas cm áreas esparsas.
2. Algumas minorias nelas, porém, são deixadas sem proteção. Na ver­
dade, representantes do grupo dominante podem eletivamente usar sua
super-representação no Senado para impedir ação destinada a proteger
os desprotegidos.
3. Minorias em áreas densamente povoadas são sub-rcprcscntndas cm um
sistema de igual representação estadual.
4. É impossível determinar as imensidades de preferências relativas des­
ses vários grupos, mas parece inevitável a conclusão dc que os bene­
fícios c desvantagens são distribuídos de modo inteiramente aleatório
e não se pode demonstrar que derivem dc algum princípio geral.

Não quero sugerir que o Acordo dc Connccticut deva ser desfeito, mas
afirmo que é uma grande estupidez romancear uma barganha necessária,
transformando-a em um nobre princípio de política democrática.

VII
A que conclusão, então, podemos chegar sobre o problema da intensidade?
Primeiro, por mais que acreditemos que a intensidade sentida de prefe­
rências c um fato, não podemos diretamente observar e medir diferenças dc
sensações entre pessoas. Por isso mesmo, não podemos ter esperança dc
estabelecer quaisquer regras políticas que tratem desse problema, embora
elas possam ser eticamente desejáveis.
Segundo, na medida em que pudermos nos contentar em definir inten­
sidade em termos dc atividades que possamos observar, em princípio deve
ser possível comparar as intensidades relativas de preferências entre indiví
duos diferentes.
Terceiro, dadas várias possíveis distribuições de intensidades difereu
tes entre uma minoria e uma maioria, várias delas aparentemente não crtatn
problemas importantes para a teoria da democracia. Para pelo menos num
distribuição, nenhuma solução democrática parece possível. Um caso Una),
porém, de fato coloca algumas questões interessantes, isto é. qualquer si
tuação em que uma minoria relativamente intensa prefere tuna alternativa
combatida por uma maioria rclativamente apática.
Quarto, embora tenha sido ocasionalmente sugerido que o sistema
constitucional americano foi peculiarmente construído para lidar com este
cast'. nctn a revisão judicia! nem a igual representação dos estados no Se­
nado lornecc uma solução.
! malmcntc, a análise sugere convincentemente, embora não prove,
que nenhuma solução do problema da intensidade de preferências através
tle normas constitucionais ou processuais é possível.

A fC N D IC H AO C A P ÍT U LO 4

A. As Maiorias e o processo & apresentação ãe enrenãas


Releva notar que a apresentação de emendas por alguma proporção das
unidades geográficas de um país, como, por exemplo, os estados, nem
proíbe uma mera maioria do eleitorado de propor emendas à Constituição
nem assegura que ela será suficiente para tanto. A fim de demonstrar isso,
vamos supor que: a) os legislativos dc todos os estados estão perfeitamente
sincronizados com as preferências de uma maioria do eleitorado de cada
um, ir) a população 6 igualmente distribuída entre os estados, c) os legis­
lativos de três quartos dos estados devem aprovar a emenda para que ela
seja adotada e ã) três quartos dos legislativos estaduais aprovam a emenda
c um quarto desaprova. Neste caso, uma fórmula pode ser facilmente cons­
truída, demonstrando todas as situações cm que uma maioria do eleitorado
nacional é ou não favorável à emenda. Vamos supor que x é a percentagem
do eleitorado favorável à emenda em cada um dos três quartos dc estados
cujos legislativos a aprovaram, e y a percentagem do eleitorado favorável à
emenda no restante quarto de estados cujos legislativos são contrários à
emenda. Sob a suposição a) acima, x deve ser sempre maior e y menor que
50. Neste caso, para que uma maioria dc todo o eleitorado fosse favorável à
emenda seria necessário que:

y > 200 - 3 x.

Daí, se y é igual ou menor que esse valor, a emenda será aprovada mesmo
que a favor dela haja apenas uma minoria do eleitorado nacional.
A Tabela 4 sugere alguns dos possíveis valores:
TABULA 4

% FdVúrávg/ 6/M % Mgcf&Mríd 6/n


Ry/gJg.y geravam
M Ai

50,01 49,97
50, t 49,7
51,0 47,0
52,0 44,0
53,0 4t,0
66.0 2,0
66,66 0

Assim, se uma maioria simples, digamos 5 i % do eleitorado dc 36 estados,


s3o favoráveis a uma emenda, de acordo com nossas suposições, cia será
aprovada. Ainda assim, essa aprovação é coerente com a possibilidade dc
que uma maioria simples de todo o eleitorado nacional apóic a emenda c
com a possibilidade de que uma maioria de todo o eleitorado nacional seja
contrário a ela. Isto é, se mais de 47% dos eleitorados dos restantes 12
estados apoiarem a emenda, então a maioria do eleitorado nacional a apoia.
Mas se menos de 47% dos eleitorados dos 12 estados restantes apoiam a
emenda, então ela será aprovada, mesmo que apenas uma minoria do elei­
torado nacional a apóie. (As percentagens podem ser consideradas como
percentagens do eleitorado em cada um dos estados, como médias arit­
méticas ou como percentagens do eleitorado total nos estados a favor e nos
estados contra, respectivamente.)
O mesmo argumento pode ser usado para demonstrar que mesmo que
o requisito fosse abandonado para uma maioria simples dos estados (n/2 +
1), a situação seria igualmente indeterminada, isto é, a emenda poderia ser
aprovada com apoio da maioria, ou com menos que ela, ou não ser apro­
vada mesmo que contasse com apoio da maioria.
Se eliminarmos nossa suposição altamente artificial de população
igual ou eleitorados iguais em cada um dos estados, a situação torna-se
ainda mais errática. Por exemplo, dados os resultados dc maioria simples
nas eleições de 1952 em 36 estados com 31,3% do eleitorado poderíam, cm
princípio, emendar a Constituição. Desta maneira, uma emenda constitu­
cional precisaria ter o apoio de apenas 16% do eleitorado total. Por outro
lado, os 63% do eleitorado concentrados cm 11 estados nem emendariam a
Constituição nem poderiam opor um veto à emenda proposta.
O objetivo dc tudo isto não é demonstrar que esses fatos realntente
ocorreram ou que provavelmente ocorrerão, mas simplesmente que um nu
todo dc apresentação de emendas baseado em aprovação de unidades gen
gráficas não leva por si mesmo a qualquer resposta clara se uma maioria
pode ou não emendar a Constituição.
3. 0 ÓMpre/MO g o.? 3os negros

Podc-se argumentar que os seis casos que trataram de legislação am­


pliando e protegendo os direitos dos negros no período que se seguiu à
Guerra Civil devem ser citados como o exemplo notável de frustração de
uma maioria legisladora persistente às mãos do Supremo Tribunal. É
impossível, porém, demonstrar que havia uma maioria congressional a
frustrar. Toda essa legislação foi aprovada durante os dois mandatos presi­
denciais de Grant, quando os democratas sulistas estavam ainda excluídos
do Congresso e os republicanos radicais constituíam uma força poderosa.
A primeira das decisões do Supremo ocorreu em 1876 e todas as demais
aconteceram depois: duas em 1883 e uma cada em 1887,1903 e 1906. Que
a eleição de 1876 constituiu o ponto crucial na "estrada para a reunião" é
fato há muito reconhecido pelos historiadores. A partir daquele ano, o
poder do Sul branco no Congresso foi virtualmente restaurado. A barganha
que levou à solução, e a natureza da própria solução, foram recentemente
estudadas em detalhe por C. Vann Woodward no Egimíon anJ Eeacdcn.'
27ig Co/nprwMise o/* 7377 arai r/íc End qfEgconjtrMcdon (Boston: Little,
Brown & Co., 1951). O ano de 1876, então, assinala o ponto aproximado
cm que as forças dominantes do Partido Republicano chegaram a um
acordo com as forças dominantes no Sul c concordaram em tolerar, se não
realmcnte apoiar, a restauração da supremacia branca. A última peça de
legislação a proteger os direitos dos negros sulistas foi aprovada por um
Congresso sem chance de se reeleger, em fevereiro de 1875, e promulgada
pelo Presidente no dia 1" de março. Três dias depois, expirou o mandato da
Casa dominada pelos republicanos. Só 15 anos depois recuperaram eles o
controle efetivo da Casa. A liderança republicana meramente aquicsceu à
supremacia branca. Os líderes do Partido Democrata exigiram que ela fosse
reconhecida. No período de 1875 a 1897, em todos menos quatro anos, os
democratas controlaram pelo menos um dos ramos do legislativo. Em qua­
tro das cinco eleições presidenciais realizadas de 1876 a 1892, o candidato
democrata conseguiu mais votos populares do que o republicano, embora
só duas vezes fosse eleito um democrata. A decisão de 1877, por conse­
guinte, tomou-se uma parte estável de uma penca de acomodações básicas
das quais os políticos americanos sempre dependeram. Só depois da 11
Guerra Mundial é que o ajuste foi rompido (se é que foi). Nessa ocasião,
como é bem conhecido, democratas sulistas utilizaram a técnica de obstru­
ção no Senado para vetar as tentativas do que poderia ter equivalido a uma
maioria legislativa de votar legislação destinada a proteger os direitos de
cidadãos negros e outros. Diante desse veto por obstrução, foi o próprio
Supremo Tribunal que, em sua histórica decisão de 1954, trouxe de volta
os direitos dos negros para a Constituição. Assim, paradoxalmente, o Su­
premo Tribuna! não parece ter sido contrário a uma maioria tegistativa seja
quando retirou seja quando restituiu os direitos dos negros.

C. í/ma noM sobre a coMparação de in/en.ddadcr de pre/erêaeia

Suponhamos que existe um eo/MnMam de intcnsidadcs expcr.men


táveis, de tai modo que elas possam ser ordenadas de menores a maiores:

^ * !i ^ ! 1 s intensidade experimentada
1 >
Por conseguinte, se a intensidade da preferência do indivíduo A está em x,
eia é menos intensa do que a do indivíduo B em y.
Mas uma vez que não podemos observar a intensidade, de que modo
podemos saber que o indivíduo A está em x e o B em y? Construamos uma
escata, consistindo, por exemplo, em respostas à questão: "Você sente forte
interesse por este objetivo? Moderado? Indiferente?"

indiferente moderado forte


escala
x' y'
Se esta escala puder ser ligada a outro conjunto de fatos ou eventos de
maneira que a ordem relativa de um ponto (ou de uma faixa) na escala
indique inequivocamente a ordem relativa de um ponto (ou de uma faixa)
no conjunto de fatos, então a escala "mede" o conjunto de fatos:

2 -_______ -_____^ escala

x conjunto de eventos

Suponhamos que descobrimos empiricamcnte que nossa escala nos


permite prever algum outro conjunto de fatos ordenados, como, por exem­
plo, o volume relativo de lazer renunciado por um indivíduo para atingir o
objetivo. Isto é, se o indivíduo A está cm x' na escala, ele estará em x" no
ccniMMMM de "lazer renunciado"; c se B estiver em y', ele estará também
em y":
escala
4
(B)

conjunto dc evento:
Vários passos são agora possíveis:
]. limbora não possamos observar intensidades experimentadas,
[iodemos concordar em ir adiante como se e)as fossem medidas por
esta cscaia (ou outras):

intensidade experimentada
(não observável)

v' z' escala (observável)

conjunto de eventos (observável)

Mas note-se que, embora a escaía e o conjunto de eventos sejam am­


bos observáveis e reíacionados por observação, não temos observa­
ções para relacionar nossa escala, ou o conjunto de fatos observáveis,
com a intensidade experimentada. Mcramcnte concordamos em que:
a) intensidade experimentada existe e í?) nossa escala a mede. Estreita­
mente interpretado, tudo o que fizemos, na verdade, foi tratar a inten­
sidade experimentada como um constructo consistente do resultado de
um conjunto de medições de alguns itens observáveis.
2. Em vista disso, podemos concordar em abandonar o constructo "inten­
sidade experimentada", isto c, para nossos objetivos, abandonamos as
suposições a) e (?). Tratamos então nossa escala como simplesmente
um previsor de um conjunto observável de eventos: se o indivíduo A
está em x', ele também estará em x" ou há alguma probabilidade co­
nhecida, f , de que estará em x"). Poderemos, se quisermos, chamá-la
de escala de "intensidade", contanto que não vejamos nada mais no
rótulo do que um conjunto de medidas.
Sc nosso interesse c ético e estamos preocupados com intensidades ex­
perimentadas, então 2 é insatisfatório, mas todas as soluções, acho, o
serão também. Se nosso interesse c empírico, como, por exemplo, se
estamos interessados em prever a estabilidade de uma organização so­
cial, então 2 pode ser satisfatório, contanto que possamos descobrir
uma escala para o conjunto de eventos que desejamos prever.
N O TA S

1. O leitor compreenderá ccrtamcntc que querer uma alternativa inclui não aceitar outra.
Isto é. não querer ser forçado a aceitar a alternativa x implica querer a alternativa "não
x". Na discussão que se segue, "querer" e "preferir" são usados como intercambiáveis.
2. Note-se que estamos excluindo aqui duas outras questões de menor relevância para a
teoria da democracia:
1) Se A c B preferem x e y, A prefere x a y mais do que B7
2) Se A prefere x a y e B prefere p a ç, A prefere ntais x a y do que B prefere p a <??
Um momento de reflexão mostrará, penso eu, por que essas questões não têm grande
importância para a teoria de democracia.
3. No sentido limitado do problema aqui estudado. Isto ê, nestes casos a maioria, quando
existe, contêm pelo menos tantos indivíduos que são fortemente a favor ou contra a
política como a minoria.
4. Para um enunciado mais formal, consultar o Apêndice C a este capitulo, Em alguns
aspectos, meu argumento corre paralelo ao de I.D.M. Little, A Cri/rque vf IVeZ/dre
iteonornres (Oxford: Oxford University Press, 1950) Não obstante, compare as pp. 57.-
59 com meu argumento acima e o contido no Apêndice C.
5. Cf. S.A. Stoufler eí a / , Afe<MMremenr <anz/ fredrciton, Vol. IV de .Síndrcr rrt -Socar/
/NycAo/ogy úi Ifor/d H*'nr // (Princcton. Princcton Untversity Press, 1950), caps. [[, III.
VI, VH. VH1.
6. O economista, interessado como está em "maximizar" comportamento, começaria pro­
vavelmente de forma contrária, isto ê, passaria logo a descrever a realização perfeita e
em seguida, talvez, aceitaria alguma grosseira aproximação. Mas, como sugeriu
Herbert Simon, um conceito mais útil de escolha racional pode ser descoberto no
conceito de "resultado satisfatório", distinto do resultado máximo, ou ótimo. C f seu "A
Behavioral Model of Rational Choice", guzrrrer/y fenrna/ a / Ecortomrc.s-, Í.IX
(fevereiro de 1955), pp. 99-118, esp. 108 c segs.
7. No Senado, foi votada a emenda sobre trabalho infantil ao projeto de orçamento de
1919. A votação no tocante a todo o orçamento foi de 41-22. Na Câmara, a votação foi
sobre todo o projeto, não se fazendo votação separada sobre a emenda.
8. Cf. Apêndice A a este capítulo para um comentário sobre a importância do processo de
apresentação de emendas como indicador da existência de uma maioria.
9. No que se segue, excluí deliberadamente a questão do veto judicial a qualquer
legislação. Isto envolve um conjunto muito diferente de questões e um exame dos anais
do Tribunal, que poderia levar a um conjunto diferente de conclusões.
10. Citado ern Carl Brent Swisher, American Con.!fiítrtion<3/ Dcvc/opmenr (2* ed , Boston:
Uoughton Mifflin Co., 1954), p. 448.
11. Este argumento ê ainda mats desenvolvido no capítulo 5, pp. 125 e scgs Poder-se ia
dizer que estudos cuidadosos das eleições, empregando dados do censo e outros, e tmli
zando técnicas estatísticas boas. se não refinadas, poderíam contribuir muito para nos
dar uma reconstrução bastante segura de alguns dc!cnninamcs decisivos de eleições
passadas. Alguns estudos dessa natureza estão sendo realizados no Bureau of Applied
Social Research, Columbia University. Duvido que a maioria das explicações hisló
ricas padronizadas de vitórias c derrotas eleitorais resista a este tipo de indagação.
12. Estados Unidos, Uibrary of Congress, Lcgislative Rcfercnce Service, Brovistons .<1
Federal l.aw Hcld Unconstituttonal by thc Suprcmc Court (Washington. 193b). p 94
Desde essa compilação, a única decisão judicial adiciona] que se conhece c o proci so
Urtrícd .SMM.t v. Covcr/, 328 U.S. 303 (194b).
13. Meus cálculos neste particular divergem um pouco dos que constam das pp. 1 14 1b do
documento da Biblioteca do Congresso citado na nota 12. Contudo, muitos do . .i <
que o autor daquele documento inclui sob outros títulos deviam, na vcidadc, .i i
considerados como exemplos em que o objetivo original foi atingido. Assim,
conquanto seja tecnicamente correto dizer que "não houve ação leg.tsl diva mino
reação â decisão" após o caso Dred Sco/t v. /f:,',/. seria falso di/t r que os eleitos
dessa decisão não foram posteriormente anulados.
14 Paia tuna discussão dos casos de direitos civis, ver Apêndice B a este capitulo.
)3 t I l .tt! tenham. "The Suprcme Court and thc Suprcme People", Uour/MÍ o/*Pohrics,
X V) (maio de 1954), 207; Cortez A-M- Bwing, 7*Ae 7ndg&í o / ;Ae Suprema CoMcr.
/7 W /937 (Minneapolis: Univcrsity of Minnesota Press, 1938), cap. II, analisa as
maneações mais controvertidas. Um resoluto ataque à revisão judiciai, como meio de
proteger direitos de minorias, encontra-se no trabalho de Hcnry Steele Contmager,
Afn/orúy Rtde a/trf M itordy (Nova York: Oxford Univcrsity Press, 1943). Fred
Cattill, Umfrcta/ fegislaíio/t (Nova York: Ronald Press. 1932), analisa os principais
esforços intelectuais que tentaram reconciliar o fato patente de que o Supremo Tribunal
é um corpo legislativo, com a teoria de que não o é. Cf. especialmente o cap. 111.
16. listou supondo que, como no caso da revisão judicial, a tentativa de defender as
disposições com fundamento em direitos naturais enfrenta as dificuldades indicadas no
capítulo 1.
17. As classificações seriam signiíicativamcntc diferentes.
18. Significando mais representação do que o estado teria se os eleitores fossem igualmente
representados.
capítulo 5

O Híbrido Americano

Tal como um dente que dói, o problema da tirania da maioria, postulado


por Madison, tem nos perturbado através de todos estes ensaios. Conforme
descobrimos desde o início, não é simples nem mesmo definir-lhe os ter­
mos satisfatoriamente. Se, por algum tempo, pareceu que um exame da
"intensidade" das preferências podcria fomecer-nos a solução, a verdade é
que ao fim de nosso estudo do assunto não chegamos a uma solução clara.
Não obstante, com base no que foi dito antes, sete proposições impor­
tantes e pertinentes para esta questão podem, acho, ser elaboradas. Se elas
são um tanto especulativas, são não só meramente compatíveis com tudo o
que foi argumentado até agora, mas, em grau importante, estão também
implícitas no argumento.

A primeira dessas proposições dix respeito a assuntos de política que a


maioria raramente decide.
Analisando a democracia poliárquica, achamos necessário estabelecer
sete condições necessárias separadas para a consecução da Regra durante, o
período eleitoral, isto é, descrevemos sete confirma contra os quais prxlcrin
ser medido o atingimento relativo da Regra durante o período cm causa.
Essa ênfase nas condições reinantes no período é importante, pois acho que
nenhum dos fatos ocorridos no entendimento, no último século c meio, rio
Iinnmn.unento das srtcicdadcs democráticas, c certa mente nenhum dos fa­
tos recentes na ciência política empírica, devem ser interpretados como
reduzindo o pape! fundamental das eleições na maxitnização da igualdade
política c a soberania popular. Embora esteja na moda em alguns círculos
sugerir que tudo o que se acreditava sobre política democrática antes da I
Guerra Mundial e, talvez, 11 Guerra Mundial era absurdo, estou inclinado a
pensar que os democratas radicais que, ao contrário de Madison, insistem
na importância do processo eleitoral em toda a grande estratégia da demo­
cracia, estão basicamente certos. Para sermos exatos, se os requisitos fun­
damentais da poliarquia não existem, então o processo eleitoral não pode
aliviar, evitar ou substitua o governo hierárquico. Mas se essas condições
fundamentais de fato existem, a eleição é a técnica decisiva para garantir
que os líderes do governo serão rclativamcntc responsáveis perante os lide­
rados. Outras técnicas dependem para ter eficácia principalmentc da
realização de eleições e de condições sociais fundamentais.
Posto isto, é importante notar o quão pouco uma eleição nacional nos
diz sobre as preferências das maiorias. Rigorosamente falando, tudo o que
uma eleição revela são as primeiras preferências de alguns cidadãos entre
os candidatos que se apresentam aos cargos. Vejamos agora o que ela não
faz.
Deixemos de lado o fato de que, por causa da existência da maquinaria
eleitoral, o resultado pode ser rcalmente contrário às preferências manifes­
tadas por uma pluralidade de eleitores. Em três eleições nos Estados Uni­
dos, por exemplo, o candidato preferido pela maioria dos eleitores não foi
eieito Presidente. Ponhamos de lado também o fato de que quando mais de
dois candidatos disputam um cargo, o vencedor pode ter uma pluralidade
mas não uma maioria dos votos. E é geralmentc impossível dizer qual seria
0 resultado se houvesse uma eleição cm segundo tumo com os dois candi­
datos mais votados. Assim, em nove eleições presidenciais americanas, os
candidatos vencedores tiveram uma pluralidade mas não maioria dos votos
populares. Daí, cm mais de doze casos, ou mais de um terço das eleições
presidenciais desde os dias de Jackson,' o candidato vencedor não foi a pri­
meira escolha da maioria dos eleitores.
Muito mais importante é o fato de que, mesmo quando um candidato
constitui evidentemente a primeira escolha da maioria dos eleitores, não
podemos ter certeza em uma eleição nacional que ele foi também a pri­
meira escolha da maioria dos adultos ou de eleitores no gozo de seus di­
reitos.^ Embora o caso americano seja extremo, em todas as naçõcs-Estado
onde não existe o voto compulsório a proposição básica se sustenta. Em
qualquer eleição quase nunca estamos em condições de saber com certeza
qual teria sido o resultado sc alguns ou todos os não-eleitores votassem.
1 emos uma leve razão para supor que o resultado teria sido o mesmo. Em
uma eleição apertada, um pequeno aumento no último minuto na proporção
dos eleitores tirados daqueles favoráveis a um dos tados pode mudar o
resultado. Alguma coisa parecida com isto parece ter acontecido nas duas
últimas semanas da campanha de 19487 Alcm disso, um dos lados é
frequentemente mais prejudicado pela abstenção do que o outro. Dando um
exemplo, quando a abstenção é inversamente relacionada com a renda,
educação e outros fatores correlatos, em uma apertada divisão de opiniões
o candidato dos pobres e incultos com maior probabilidade será o derro­
tado, mesmo que ele seja a primeira preferência de todos os adultos ou elei­
tores quaüficáveis do que o candidato dos educados e abastados. Na elei­
ção presidencial de 1952, parece que cerca de 20% dos que queriam Bisen-
hower não votaram, contra 29% que preferiam Stevenson e também não
votaram." Numa divisão de opinião apertada, a diferença nas proporções
dos não-votantes teria sido crucial.'
Ora, se todos os não-votantes fossem indiferentes aos resultados, en­
tão, de acordo com nosso argumento no capítulo 2, suas preferências, ou a
falta delas, poderiam ser ignoradas na determinação do que a maioria dos
adultos preferia. Mas, infelizmente, não é verdade que todos os não-votan­
tes sejam indiferentes. Em uma amostra nacional realizada em 1952, por
exemplo, entre 450 pessoas que disseram que tinham muito interesse no
partido que ganhou a eleição presidencial, 76 (ou 17%) evidentemente não
votaram. Entre os correligionários de Stevenson que "se interessavam
muito" pelo resultado, uma percentagem muito maior (28%) deixou de
votar do que entre os correligionários altamente motivados de Eisenhower
(10%).'
Finalmcnte, na avaliação da importância de eleições como indicação
de primeiras escolhas, é preciso lembrar que muitos eleitores não percebem
rcalmcnte que existe uma opção entre os candidatos A e U. Para muitas
pessoas, as únicas alternativas são votar por um dos candidatos ou não
votar absolutamente7
Mesmo que pudéssemos eliminar todas essas dificuldades, ainda seria
verdade que raramente podemos interpretar uma maioria de primeiras es­
colhas entre candidatos em uma eleição nacional como sendo o equivalente
a uma maioria de primeiras escolhas no tocante a uma política específica.
Algumas pessoas evidentemente votam em um candidato embora se mos­
trem inteiramente indiferentes a respeito das questões em jogo. Outras
apoiam utn candidato que é contrário a elas em algumas questões. Na a
mostra de 1952 já mencionada, 29% dos que tomaram uma posição de­
mocrática sobre a Lei Taft-Hartley apesar disso votaram cm Eisenhower.
Além disso, os correligionários de um candidato âs vezes divergem mmto
cm suas preferências no tocante a questões cruciais. Em uma amostra entre
os que apoiaram Eisenhower em 1952, cerca de 64% pensavam que os Es
tados Unidos haviam ido longe demais em seu envolvimento cm problemas
de outras partes do mundo, aproximadamente 27% achavam que. não, e uns
9% dcdaraiam-sc indecisos.^ Dessa maneira, toma-se possível que uma
csmttgatlom maioria eieja um candidato cujas principais políticas são as
[trinteiras escolhas apenas de uma minoria.
Imaginemos, por exemplo, que os eleitores têm que escolher entre dois
candidatos que discordam sobre três políticas, como na forma mostrada na
Tabela 5. Suponhamos agora que cada uma dessas minorias constitui um
grupo distinto, de modo que as três representam 75% dos eleitores. Vamos
presumir ainda que a primeira minoria considera a política extema como a
questão crucial e classifica suas opções assim: M, x, z, w, y, v. Isto é, esses
eleitores preferem o candidato A porque ele lhes oferece uma política ex­
tema que aprovam, embora sejam contrários à sua política agrícola e fiscal.
Suponhamos ainda que a segunda minoria de eleitores considera a política
agrícola como crucial c classifica suas preferências na ordem seguinte: w,
z, v, M, y, x. Isto é, esses eleitores preferem o candidato A porque ele lhes
oferece uma política agrícola que aprovam, mesmo que desaprovem sua
postura cm política extema c política fiscal. Aplicando o mesmo tipo de
raciocínio à terceira minoria, podemos facilmente perceber que o candidato
A poderia conquistar 75% dos votos, mesmo que cada uma de suas políti­
cas fosse desaprovada por 75% dos eleitores. Este é um exemplo não de
governo de maioria ou mesmo de minoria, mas de governo de w íw rías.

TA BELA 5

Condidafo A Apoiada por Candidato R Apoiado por


prefere a prefere a
alternativa alternativa

Potítica extema M 2 5 % dos V 7 5 % dos


eleitores eteitores
Poliüca agrícota W 2 5 % dos X 7 5 % dos
eteitores eteitores
Política fiscal y 2 5 % dos z 7 5 % dos
eteitores eteitores

Além do mais, na medida em que os eleitores preferem um candidato


por causa de suas políticas, frequentemente o apoio representa aprovação
ou desaprovação de uma política já em vigor, mesmo que pouco ou nada
possa ser feito para mudar-lhe as consequências. Sem dúvida nenhuma,
muitas pessoas votaram contra Stevenson em 1952 porque Truman não
detivera os comunistas chineses em 1947.^ O voto foi mais um castigo por
atos passados do que uma escolha de política futura. Líderes políticos re­
conhecem esse aspecto das eleições e frequentemente procuram evitar uma
decisão até que a eleição passe, de modo que possam agir relativamente
livres dos compromissos de campanha. Assim, paradoxalmente, a eleição
pode realmente mais impedir do que facilitar a escolha de políticas pcio
eieitorado.
Ora, o estudante desatento das democracias modemas pode apressada­
mente concluir que as deficiências nas eleições a que aludi são caracterís­
ticas apenas dos Estados Unidos, mas, excetuadas as peculiaridades que
concordei em pôr de lado, considerando-as em princípio remediáveis, o
que eu disse aplica-se com igual força, acredito, à política de qualquer
grande nação-Estado. Embora cientistas políticos pareçam às vezes acredi­
tar que muitas das virtudes e alguns dos defeitos da política americana sáo
encontrados no sistema parlamentar inglês, que funciona com dois partidos
altamente unificados e disciplinados, sinto-me inclinado a pensar que elei­
ções sob esse sistema são, no mínimo, ainda menos controladoras do que as
nossas.'" O único ponto importante a salientar aqui 6 que cm nenhuma
grande nação-Estado as eleições podem nos dizer muito sobre as prefe­
rências das maiorias e minorias, alêm dos fatos crus de que entre os que fo­
ram às umas uma maioria, pluralidade ou minoria indtcou suas primeiras
opções por algum candidato ou grupo de candidatos. O que são as primei­
ras opções dessa maioria eleitoral, além da manifestada por candidatos par­
ticulares, é quase impossível dizer com muita confiança.
O que é verdade a respeito de eleições deve ser ainda mais verdadeiro
no período entre elas. Nosso modelo poliárquico tentou explicar esse perío­
do através de sua oitava condição:

8.1 Ou todas as decisões tomadas entre as eleições são subordinadas ou


cxecutórias às tomadas durante a fase de eleição;
8.2 Ou as novas decisões tomadas durante o período entre eleições são de­
terminadas pelas sete condições precedentes, operando, contudo, sob
circunstâncias institucionais muito diferentes;
8.3 Ou ambas as coisas.

O leitor pode ter pensado na ocasião que esta era uma triste maneira de
ladear um problema formidável. Eu mesmo pensei isso, mas não podemos
dizer tudo na mesma ocasião.
Acabamos de demonstrar que a condição 8.1 é, na prática, apenas mc
diocremente satisfeita. A ligação entre eleições c opções de política não c
débil. Mas se elas raramente revelam as preferências de uma maioria cm
questões de política, não há preferência de maioria a qual decisões entre as
eleições possam ser subordinadas ou executórias. A outra possível condt
ção (8.2) enfrenta dificuldades igualmente grandes, porquanto a maior par
te da política entre as eleições parece ser determinada pela ação de mi
norias rclativamcntc pequenas mas rclativamcntc ativas. Acho que não há
caso em toda a história da política americana em que a atividade entre
ciciçócs tosse qualquer coisa parecida com o nível que atinge em uma elei­
ção eotimm. Se examinarmos com cuidado qualquer decisão de política,
mesmo muito importante, descobriremos sempre, acho, que apenas uma
minúscula proporção do eleitorado exerceu ativamente sua influência sobre
os ]X)líticos. Em uma área tão crítica como a política externa, é conclusiva
a evidência de que ano após ano a maioria esmagadora dos cidadãos ame­
ricanos manifesta sua preferência, se isto acontece, por nenhum outro meio
que não indo às umas c depositando um voto. Em uma pesquisa recente
sobre atitudes no tocante a organizações mundiais, as percentagens de vá­
rios grupos de opinião que comunicaram que haviam feito alguma coisa
para disseminar seus pontos de vista, tais como ingressando em organi­
zações, empenhando-se em atividade política ou mesmo discutindo suas
idéias com amigos, foram as seguintes:"

Entre "isolacionistas": 87%


Entre os favoráveis às Nações Unidas, como são: 84%
Entre os que querem uma Organização das Nações Unidas mais forte: 80%
Entre os que apoiam algum tipo de aliança entre as democracias: 84%

Não estou sugerindo que as eleições e a atividade entre elas são sem
importância para a determinação da política.'^ Muito ao contrário, são
processos cruciais para assegurar que os líderes políticos se mostrem um
pouco sensíveis às preferências de alguns cidadãos comuns. Mas nem as
eleições nem as atividades entre elas dão muita garantia de que as decisões
se conformarão às preferências de uma maioria de adultos ou de eleitores.
Daí não podermos corretamente descrever as operações concretas das
sociedades democráticas cm termos dos contrastes entre maiorias c mino­
rias. Podemos apenas distinguir grupos de vários tipos de tamanho, todos
procurando de várias maneiras promover seus objetivos, geralmente às
expensas, pelo menos em parte, dos demais.'^

u
Demonstramos que as eleições são meios cruciais para controlar líderes e
também inteiramente ineficazes como indicadores das preferências da
maioria. Estas palavras não encerram realmente uma contradição. Boa par­
te da teoria tradicional de democracia leva-nos a esperar mais de eleições
nacionais do que elas possivelmente podem dar. Alimentamos a esperança
de que elas revelem a "vontade" ou as preferências de uma maioria no to­
cante a um grupo de problemas. Isto c algo que elas raramente fazem,
exceto da maneira mais uivial. A despeito desta limitação, o processo
eleitora! é um dos dois métodos fundamentais de controle social que, fun­
cionando juntos, tomam líderes governamentais tão responsáveis perante
liderados que a distinção entre democracia c ditadura ainda faz sentido. O
outro método é a competição políLica contínua entre indivíduos, partidos,
ou ambos. Eleições e competição política não significam governo de maio­
rias cm qualquer maneira significativa, mas aumentam imensamente o ta­
manho, número e variedade das minorias, cujas preferências têm que ser
levadas cm conta pelos líderes quando fazem opções de política. Sinto-me
inclinado a pensar que é nesta característica das eleições não o governo
de uma minoria, mas de minorias — que temos que procurar algumas das
diferenças fundamentais entre ditaduras c democracias.

H!

Mas há outra característica das eleições que c importante para nosso


estudo. Se a maioria raramente decide cm questões de política específica,
não obstante, as que são escolhidas em um processo de "decisão de mi­
norias" situam-se provavelmente durante a maior parte do tempo dentro
dos limites de consenso estabelecidos pelos valores importantes de mem­
bros politicamente ativos da sociedade, entre os quais os eleitores consti­
tuem um grupo importante. Esta, então, é a nossa terceira proposição e,
neste sentido, a maioria (pelo menos dos politicamente ativos) quase sem­
pre "decide" no sistema poliárquico. Isto porque políticos sujeitos a elei­
ções têm que atuar dentro dos limites estabelecidos por seus próprios valo­
res, como membros doutrinados da sociedade, c por suas expectativas so­
bre que políticas podem adotar c ainda serem reeleitos.
Em certo sentido, o que habitualmcnte descrevemos como "política"
democrática é meramente a casca, a manifestação superficial, representan­
do contlitos superficiais. Anterior à política, por baixo dela, envolvendo-a,
restringindo-a, condicionando-a, está o consenso subjacente sobre política
que, cm geral, existe na sociedade entre a parte predominante dos membros
politicamente ativos. Sem esse consenso nenhum sistema democrático
sobreviveria muito tempo às irritações intermináveis e frustrações de clci
ções e competição entre partidos. Com ele, as disputas sobre alternativas dc
política são sempre sobre um conjunto de alternativas que já foram joc:
radas e reduzidas àquelas que cabem dentro da ampla área do acordo ba
sico.
Que ninguém conclua que esses acordos básicos são triviais: há um
século nos Estados Unidos, um dos assuntos do debate político ern sc a
escravr/ação tie seres humanos era ou não desejável. Hoje a questão nao
admite mais debate.

IV
Se as maiorias nas democracias quase sempre governam no significado
ampio do termo, raramente o fazem em termos madisonianos, porquanto
vimos que poiíticas específicas tendem a ser produtos de "governo de mi­
norias". No sentido em que Madison se preocupava com o probiema, então,
o governo da maioria c principaimente um mito. Isto nos !eva à nossa
quarta proposição: Se o govemo da maioria c na maior parte uni mito,
então a sua tirania, na maior parte, também o é. Isto porque se uma maioria
não pode governar, cia tampouco pode ser tirânica.
O probiema no mundo reai não é se a maioria, c muito menos "a"
maioria, atuará de forma tirânica, através de processos democráticos para
impor sua vontade a uma (ou à) minoria. Em vez disso, a questão mais im­
portante é a medtda em que várias minorias na sociedade frustram as am­
bições dc outra com aquiescência passiva ou indiferença de uma maioria de
aduitos ou eicitorcs.
O fato de algumas minorias frustrarem e, nesse sentido, tiranizarem os
demais é inerente numa sociedade onde pessoas discordam, isto é, na
sociedade humana. Mas se a frustração é inerente a eia, não o é a ditadura.
Contudo, se há aigo a ser dito peios processos que efetivamente distinguem
ou diferenciam democracia (ou poiiarquia) de ditadura, eie não será desco­
berto na nítida distinção entre govemo peia maioria e govemo por uma
minoria. A distinção aproxima-sc muito mais dc ser entre governo por uma
minoria e govemo por wiwviu.s. Em comparação com os processos poií-
ticos das ditaduras, as características da poiiarquia aumentam muito o nú­
mero, tamanho e diversidade dc minorias, cujas preferências influenciarão
o resuitado das decisões governamentais. Aicm do mais, essas caracte­
rísticas evidentemente exercem influência recíproca sobre certo número dc
aspectos importantes da poiítica: os tipos dc iíderes recrutados, os tipos le­
gítimos c iiegítimos de atividade política, a faixa de opções e tipos de po­
líticas abertas aos líderes, os processos sociais para disseminação de infor­
mações e de comunicação — na verdade, sobre todo o et/io.s da sociedade.
São nestes e cm outros efeitos, mais do que na soberania da maioria, que
encontramos os valores do processo democrático.

V
Nossa quinta proposição é que na medida em que há aiguma proteção gerai
na sociedade humana contra a privação por um grupo da iiberdade desejada
por outro, ela provavelmente não será encontrada em formas constitucio­
nais. Será descoberta, se isso acontecer, cm fatores extraconstitucionais.
Tomemos o probiema da intensidade das preferências, por exempio. Nosso
curto exame das normas constitucionais para proteger dc privação um
grupo de preferências rclativamcntc intensas por um grupo mais numeroso
mas reiativamente apático em nada resuitou. Ainda assim, pode muito bem
haver formas de proteção situadas atem do formato constitucionai. Sem
tentar chegar a uma conclusão se intensidades dc preferências rciativas po­
dem ser rcalmcnte medidas, podemos dizer que, se isto for absolutamente
possível, algum tipo de comportamento visível terá que ser aceito como in­
dicador. Sc aceitarmos como tal a própria declaração do indivíduo sobre
como se sente, então a importante hipótese seguinte parece válida:

A atividade política 6, em uma medida importante, função da inten-


sidade relativa de preferências.''*

Ora, parece também claro que o provável resultado de uma decisão dc polí
tica d, cm parte, função do volume relativo dc atividade política empreen­
dida a favor ou contra as alternativas. Daí:

Sendo iguais todas as demais condições, o resultado de uma decisãc téQ


política será determinado pela intensidade relativa das preferência:
entre os membros de um grupo.

O corpo principal das proteções, contudo, será encontrado nas precondi-'


ções e características da poiiarquia. Quanto mais plcnamente existirem os
requisitos fundamentais da poiiarquia, menos provável será que qualquer
dada minoria tenha suas liberdades mais apreciadas reduzidas por ação go­
vernamental. A extensão do consenso sobre as normas poliárquicas, o trei­
namento social nelas, a concordância geral sobre alternativas de política e a
atividade política na medida cm que estas c outras condições estiverem
presentes, determinarão a viabilidade da própria poiiarquia e darao prote­
ção às minorias. Parece-me esmagadora a prova de que nas várias poli ar
quias do mundo modemo a extensão em que minorias são maltratadas pela
ação governamental depende quase inteiramente de fatores não-consti
tucionais. Na verdade, se eles não são inteiramente irrelevantes, sua impor
tãncia é banal em comparação com os não-constitucionais.

V!
Qual c, então, a importância dos fatores constitucionais?
Até agora, evitei uma definição de "constitucional". Como salxan todos os
cientistas políticos, é reaimente difícil especificar rigorosamente o signifi­
cado dc "constitucionai". É provávc! que comecemos com uma definição e
terminemos com um We/MtMc/taMM/q?. Embora não deposite muita confian­
ça na utiiidade de minha definição, por "constitucionai" proponho identifi­
car os determinantes de decisões do governo (deixo estes termos indefi­
nidos) consistindo em normas prescritas que influenciam a distribuição, os
tipos c métodos iegítimos de controie entre servidores públicos. As regras
ou normas podem ser baixadas por grande variedade dc autoridades aceitas
como iegítimas peios servidores públicos: a Constituição escrita, se hou­
ver, decisões dc um tribunal aceito como autoridade em interpretação cons­
titucional, comentários respeitados e coisas assim. Por fatores não-consti-
tucionais, por conseguinte, entendo todos os demais determinantes das de­
cisões do govemo.
Neste sentido, todas as poliarquias modemas parecem possuir consti­
tuições tão notavelmente semelhantes que o elenco de variáveis constitu­
cionais é ainda mais limitado do que poderiamos pensar à primeira vista.
São duas as causas dessa semelhança. Em primeiro lugar, as características
c condições básicas da poüarquia impõem uma limitação definida aos tipos
constitucionais à disposição dc qualquer grande sociedade desse tipo. Em
segundo lugar, dadas essas características e requisitos, a eficiência decor­
rente da divisão do trabalho impõe mais uma e altamente importante limi­
tação. Há necessidade de um corpo mais ou menos representativo para le­
gitimar decisões básicas através de algum processo de assentimento — por
mais ritualixado que seja. A menos que o processo seja inteiramente ritual,
porém, há necessidade nos legislativos pelo menos dc líderes, de comissões
e de organizações partidárias. E também de burocracias constituídas de
especialistas permanentes a fim dc formular alternativas e assegurar o má­
ximo proveito do estonteante número de decisões que o governo modemo
forçosamente tem que tomar. Essas burocracias precisam ser altamente es­
pecializadas entre si, uma vez que realizam tarefas altamente diferenciadas:
competem e colidem entre si e com outros grupos oficiais no sistema. Os
servidores burocráticos devem, entre outras coisas, tomar decisões que in­
fluenciam diretamente atos de indivíduos particulares. Daí uma burocracia
especializada ser necessária para julgar apelações decorrentes dessas
decisões preliminares. Outra de suas tarefas é adjudicar conflitos entre
indivíduos, ambas as tarefas às vezes combinadas na mesma burocracia es­
pecializada, isto é, o judiciário. Decisões burocráticas, judiciais e legisla­
tivas precisam ser de alguma maneira coordenadas, e por isso é necessário
um grupo especializado de coordenadores. Uma vez que a tarefa de coor­
denação é com tanta frequência de importância crucial, envolvendo deci­
sões básicas entre alternativas de política, ela exige líderes de grande stam.?
e poder que possam competir com sucesso na época dc eleições. O pro­
cesso eleitoral em si requer especialização adicional; indivíduos dedicados
principalmente à tarefa dc ganhar eleições dirigem organizações partidárias
de âmbito naciona).
Com o passar do tempo, totios esses múttipios grupos espcciaiizados
transformam-se em direitos adquiridos, dependendo os líderes e liderados
da permanência, da renda, do prestígio c da legitimidade de suas organiza­
ções. Tornam-se parte da urdidura c trama da sociedade. Neste sentido, to­
dos os sistemas poliárquicos se caracterizam peta separação dc poderes:
possuem legislativo, executivo, burocracia administrativa c judiciário.
Cada um dos quais, por seu tumo, divide-se e subdividc-sc. Neste sentido,
também, todos eles são um sistema de controles recíprocos, numerosos
grupos de servidores competindo e se chocando entre si.
Dados esses limites ã faixa de variáveis constitucionais, qual a impor­
tância das normas constitucionais no funcionamento da política democrá­
tica? Até agora demonstramos que elas não são cruciais, nem fatores inde­
pendentes na manutenção da democracia. Ao contrário, elas próprias pare­
cem ser funções de fatores não-constitucionais subjacentes. Demonstramos
também que as normas constitucionais não são importantes como garan-
tidoras do govemo por maiorias ou de isenção de tirania por parte delas.
Nossa sexta proposição vem a ser a seguinte: os preceitos constitucio­
nais são principalmcnte importantes porque contribuem para determinar a
que grupos particulares devem caber as vantagens ou desvantagens das lu­
tas políticas. Em nenhuma sociedade as pessoas entram cm igualdade de
condições na luta política. O efeito das normas constitucionais é o de pre­
servar, adicionar ou subtrair das vantagens e desvantagens com que elas
iniciam a disputa. Daí, por mais triviais as realizações dos preceitos cons­
titucionais quando medidos pelas aspirações ilimitadas do pensamento
democrático tradicional, eles são cruciais para o s/ams e poder dc grupos
particulares que ganham ou perdem com sua aplicação. Por essa razão,
entre outras, os preceitos têm sido amiúde causa de luta violenta e mesmo
fratricida.

VH

Considerado desta perspectiva, podemos ver o sistema político americano à


luz de suas características especiais. Aqui chegamos à sétima e última
proposição sobre o problema da tirania da maioria. Um fio condutor ccnti al
do desenvolvimento constitucional americano tem sido a evolução dc um
sistema político no qual todos os grupos ativos e legítimos da população
podem se fazer ouvir cm algum estágio crucial do processo dc tomada dc
decisões. No restante deste capítulo, desenharemos cm largas pinceladas o
desenvolvimento c caráter deste sistema, ao quai chamarei de processo po­
lítico americano "normal".
Não obstante, antes de passar à maneira como se desenvoiveu esse
sistema, talvez seja prudente especificar o que queremos dizer por "ativo e
legítimo". Por tudo o que foi dito antes, é claro que os membros politica­
mente inativos de uma organização poliárquica não podem influenciar di-
rctamente o resultado de decisões.^ Portanto, se um grupo é inativo, seja
isto ocasionado por livre opção, violência, intimidação ou cominaçõcs da
lei, o sistema necessariamente não lhe fornece um ponto de controle em
parte alguma do processo. Por "legítimos" entendo aqueles cujas atividades
são aceitas como certas c corretas por uma parcela preponderante dos ati­
vos. No Sul, até recentemente, os negros não constituíam um grupo ativo.
Evidentemente, os comunistas não são agora um grupo legítimo. Em com­
paração com o que esperaríamos do sistema normal, os negros foram rclati-
vamente impotentes no passado, exatamente como são hoje os comunistas.
Um grupo excluído da arena política normal por proibições contra ati­
vidades normais pode, apesar disso, ganhar frequentemente acesso. Pode
conseguir isso: I) participando ou ameaçando participar de atividade polí­
tica "anormal" — violência, por exemplo; 2) ameaçando impor privações a
grupos que já funcionam na arena de sua legitimidade, ou adquirindo
legitimidade e, daí, motivando grupos in a aceitar grupos om. A ampliação
do direito de votação no período da Revolução Americana até Jackson
constitui um exemplo dos três métodos. A proteção atrasada do direito le­
gal de votar concedido aos negros, pelo Supremo Tribunal, constitui um
exemplo do terceiro método. Contudo, à medida que os negros se tomam
uma parte maior do eleitorado ativo e legítimo, as oportunidades normais
do sistema tornam-se acessíveis a eles e proteção ulterior do direito de voto
dependerá mais e mais do emprego de pontos de controle no sistema nor­
mal. A plena assimilação dos negros no sistema já ocorreu em numerosos
estados nortistas c parece que agora se espalha lentamcnte pelo Sul.
O sistema "normal" desenvolveu-se através de vários estágios. Ex­
cetuados Connecticut e Rhode Island, que mantiveram suas cartas coloniais
relativamentc democráticas, todos os estados elaboraram novas Cons­
tituições entre 1776 e 1781. Certo número de fatores — entre os quais as
idéias democráticas eram apenas um deles — modelaram essas Constitui­
ções. Em um aspecto, contudo, tenderam à semelhança: "nos termos da
maioria das Constituições revolucionárias, o legislativo era rcalmente oni­
potente e o executivo correspondentemente fraco."'*' Em oito estados, o
legislativo escolhia um conselho, que por seu lado escolhia um presidente
entre seus membros. Exceto em três estados, o executivo era eleito para o
mandato dc um único ano; em seis estados sulistas ele não podia ser
reeleito e de modo geral não podiam os titulares do executivo prorrogar,
suspender os trabalhos ou dissolver o legislativo. O poder de nomeação ca­
bia na maior parte ao legislativo; com exceção de dois estados, o executivo
não tinha poder dc veto à !egis!ação; cm todos os estados, havia um con-
seiho executivo para fiscalizá-lo e, em dez, este conseiho era eleito peio le-
gisiativo.
Devido à supremacia do legislativo, essas constituições estaduais fo­
ram às vezes consideradas como triunfos da democracia populista.'? Mas
isto está muito longe da verdade. Porque a falha do sistema residia no fato
de os próprios legislativos serem muitas vezes bem pouco representativos.
Em, muitos estados, a supremacia do legislativo significava não tanto o do­
mínio do povo como o controle sobre a política por elites rclativamcntc pe­
quenas de iMfMJ e riqueza que podiam controlar um ou os dois ramos do le­
gislativo. Quer isto dizer que as regras eram viciadas cm favor dc alguns
grupos e contra outros. Em termos gerais, eram manipuladas cm favor dos
velhos centros de população na costa e contra os novos colonos que se esta­
beleciam nas zonas ocidentais dos estados e tambóm dos ricos contra os
pobres.
Assim, em Massachussetts, a Constituição revolucionária estabeleceu
o controle dos interesses comerciais sobre a política estadual em detri­
mento do poder dos fazendeiros; através de rigorosa qualificação de posse
de bens para servidores e eleitores, os ricos obtiveram poder às custas dos
grupos de classe média c dos pobres; o Senado, no qual a representação
dependia de impostos pagos, era um baluarte dos abastados; ate mesmo a
câmara baixa era viciada em favor das cidades comerciais do Leste. O
legislativo e os tribunais, como seria de se esperar, funcionavam a favor
dos credores e contra os devedores. Os critérios de dívida e propriedade,
porém, foram longe demais: explodiu a rebelião; Daniel Shays durante
curto espaço de tempo tomou-se herói dos endividados e para sempre o
símbolo dos perigos da tirania da massa para os bem-nascidos c os poucos.
Finalmente, a repressão implacável foi seguida por uma débil reforma. Mas
permaneceu imutável o equilíbrio básico de benefícios e prejuízos im­
postos pela Constituição.'*
Do primeiro ao último, os participantes da Convenção Constitucional
reunida cm Filadélfia eram realistas. Quando cometeram cincadas não foi
por falta dc realismo, mas de conhecimentos. Como realistas, entendiam
sobre a Constituição que estavam elaborando o seguinte: que os preceitos
constitucionais teriam inevitavelmente que beneficiar alguns grupos c pe­
nalizar outros; que os preceitos seriam por conseguinte altamente polê­
micos e sujeitos a violento conflito; que deviam ser aplicados dentro dos
limites estabelecidos pelo predominante equilíbrio de forças sociais; que
elas, por seu turno, trariam conseqüências para o equilíbrio social; e que,
para durar, a Constituição exigiria o assentimento dc mais do que os 55
ilustres cavalheiros reunidos cm Filadélfia, mas, por sorte, muito menos
que de toda a população adulta.
Os homens da Convenção formaram talvez uma assembléia tão bri­
lhante como jamais tenha havido alguma para elaborar uma Constituição
duradoura para uma grande nação. Constituiu apenas uma indicação das
deploráveis limitações dos conhecimentos humanos que, realistas e talen­
tosos como tenham sido, muitas de suas suposições básicas tenham resul­
tado falsas, e a Constituição que criaram sobreviveu não por causa de suas
previsões, mas a despeito delas.
A teoria madisoniana proporcionou uma brilhante e duradoura defesa
— sentimos a tentação de dizer racionalização — dos preceitos acordados
pelos convencionais. Já vimos em que aspectos o enfoque madisoniano é
deficiente. Mais importante para nossas atuais finalidades, porém, é a ex­
tensão em que os membros dessa histórica assembléia desconheciam o que
estavam realizando. Pensavam eles que a Câmara de Representantes, po­
pular, seria dinâmica, populista, igualitária, nivcladora e, por conseguinte,
um centro de poder perigoso que precisava de restrições, e também que o
Presidente representaria os bem-nascidos e os poucos c que utilizaria seu
poder de veto contra as minorias populares alojadas na Câmara. Enga­
naram-se porque acabou por se descobrir que o centro dinâmico de poder
era a presidência e, após Jackson, o Presidente pôde reivindicar, e frequen­
temente reivindicou, ser o único representante da maioria nacional cm todo
o sistema constitucional. Entrementes, a Câmara de Representantes dificil­
mente mostrou ser o instrumento das maiorias apaixonadas que os homens
da Convenção tão desesperadamente temiam. Hoje a relação que imagina­
ram foi, de modo geral, invertida. E o Presidente o formulador da política,
o originador de legislação, o porta-voz autonomeado da maioria nacional,
ao passo que o poder do Congresso se reduz cada vez mais ao veto — um
veto exercido, quase sempre, em nome de grupos cujos privilégios são
ameaçados pela política presidencial.
Se os homens da Convenção previram ou não a revisão judicial é
questão que provavelmente nunca será resolvida, mas não há uma única
palavra nos anais da assembléia ou nos "Federalist Papers" que sugira te­
rem eles antevisto o papel fundamental que o Supremo Tribunal assumiría
ocasionalmentc como formulador de política e legislador independente.
Não prognosticaram claramente, se é que absolutamente o fizeram, a gran­
de função organizadora que os partidos políticos desempenhariam c as ma­
neiras como esses instrumentos transformariam as disposições constitu­
cionais formais. A representação igual dos estados no Senado, que tanto
contribuiu para descentralizar os partidos, o executivo e, na verdade, todo o
processo de formulação de política, não constituiu questão de altos princí­
pios constitucionais, mas uma barganha necessária e combatida por muitas
das melhores mentes presentes á Convenção, incluindo o próprio Madison.
Acima de tudo, porém, os homens da Convenção interpretaram mal a
dinâmica de sua própria sociedade. Não conseguiram prever corretamente
o equilíbrio de poder social que prevalecería mesmo ao tempo em que
ainda viviam. Não compreenderam rcalmente que, cm uma sociedade rural
carente de instituições feudais e que possuía uma fronteira aberta e em ex­
pansão, a democracia radical quase ccrtamcnte se tomaria a opinião domi­
nante e convencional, quase inevitavelmente prcvalcccria na política e qua­
se indubitavelmente seria conservadora no tocante à propriedade.
A despeito de suas falsas esperanças, contudo, as instituições que seu
trabalho contribuiu para criar sobreviveram na maior parte. Três razões
podem explicar este fato. Em primeiro lugar, por uma grande variedade de
motivos, a apoteose da Constituição começou muito cedo c em um tempo
espantosamente curto a controvérsia sobre o arcabouço constitucional bá­
sico foi praticamente eliminada. Até mesmo o debate constitucional que
precedeu a Guerra Civil tratou ostensivamente da questão das intenções
reais da Convenção. Em segundo, talvez cm nenhuma outra sociedade as
condições da poliarquia estiveram tão plcnamcnte presentes como nos Es­
tados Unidos no período anfe-MÍM??! (salvo, naturalmentc, no tocante aos
negros). Supor que este país continuou democrático por causa da Consti­
tuição parece-me uma inversão óbvia da relação que havia. E muito mais
plausível supor que a Constituição permaneceu porque nossa sociedade c
essencialmente democrática. Se as condições necessárias à poliarquia não
tivessem existido, teria sobrevivido qualquer Constituição destinada a
limitar o poder de líderes. Talvez uma grande variedade de formas consti­
tucionais pudessem ter sido facilmente adaptadas ao mutável equilíbrio de
poder social. Vale enfatizar mais uma vez que o sistema constitucional não
funcionou quando finalmente tratou da questão da escravatura, uma ques­
tão que, temporariamente, solapou as principais condições fundamentais da
poliarquia.
Em terceiro lugar, a Constituição sobreviveu apenas porque foi fre­
quentemente adaptada para ajustar-se ao balanço de poder social cm mu­
tação. Medida pela sociedade que se seguiu, a Constituição imaginada
pelos homens da Convenção distribuiu seus benefícios e prejuízos aos
grupos errados. Por sorte, quando se verificou que era ilusório o equilíbrio
social de poderes que previra, o sistema constitucional foi modificado para
conferir benefícios c alocar prejuízos mais em consonância com o balanço
que então prevalecia.
Vemos estes fatos de maneira notavelmente clara tanto nas fases de
desenvolvimento jacksoniana quanto congrcssional. Tivessem as constitui
ções estaduais do período revolucionário conferido mais benefícios aos
pequenos fazendeiros c artesãos e menos ao comércio e às [xipulaçocs da
costa, é pelo menos possível que, quando a disseminação quase iuevttável
do sufrágio universal para os homens adultos desse mais controle aos
representantes dos pequenos fazendeiros e artesãos, eles teriam adotado o
sistema constitucional nacional de uma maneira muito diferente daquela
que, de fato, selecionaram. Acidentes históricos ajudaram também a afastar
a democracia rurai da supremacia legislativa. Em um governo partidário
aitamente unificado liderado pelo Presidente, Jefferson inventara um
expediente que poderia ter justamente permitido que o mito da supremacia
legislativa sobrevivesse lado a lado com uma vigorosa liderança executiva.
O sistema de Jefferson, porem, requeria o controle pelos líderes, reunidos
no Congresso, das nomeações e política c liderança desse grupo pelo Presi­
dente. Após Jefferson, a assembléia de líderes parece ter escapado gradual­
mente da liderança presidencial. Por volta de 1824, as forças que apoiavam
Jackson não puderam utilizar o sistema e a sua eleição em 1828 marcou o
fim do sistema jeffersoniano.
Mais do que isso, a presidência de Jackson assinalou o fim real neste
país da identificação clássica de governo democrático com supremacia
legislativa. Os democratas radicais haviam temido o poder executivo. Os
interesses conservadores nos estados eram favoráveis à supremacia legis­
lativa porque podiam controlar as assembléias. Seus porta-vozes na Con­
venção Constitucional, por seu lado, temeram um legislativo nacional que
não podiam ter certeza de controlar e procuraram como defesa própria um
executivo com poderes de veto. Trabalhando de mãos dadas com o colégio
de líderes do Congresso, Jefferson superou a barreira entre executivo e
legislativo. Jackson, porém, construiu um novo padrão de relações, um no­
vo sistema constitucional e, desde seus dias, esse sistema tem prevalecido
na maior parte, e não mais o jeffersoniano. o madisoniano ou o revolucio­
nário. O sistema jacksoniano pode ser interpretado como afirmando que:"
1. Grupos não efetivamente representados no legislativo e no judiciário
podem sê-lo, e plenamente, pelo executivo.
2. O processo eleitoral confere pelo menos tanta legitimidade à represen-
tatividade do executivo quanto à do legislativo.
3. O Presidente tem talvez maior reivindicação a representar a maioria
nacional.
E o crescimento do terceiro princípio que, acredito, separa o período
pós-Jackson daquele que o precedeu, porquanto a idéia de que o executivo
eleito poderia ser o autentico representante da maioria teve uma impor­
tância revolucionária.
No período pojf-íteÜM/n o Congresso consolidou sua posição. Ou
melhor, seria mais exato dizer que grupos sociais altamente poderosos,
ativos e ambiciosos, possuidores de crescente riqueza e jtams, consolida-
ram-se através do Congresso. Mas o poder dos novos interesses comerciais
e industriais não foi absolutamente ilimitado; os dois partidos políticos
eram inevitavelmente uma mixórdia de delicadas acomodações; e, como
mostrou o destino que tiveram os republicanos radicais, era impossível al­
guma coisa como uma política nacional abrangente e coordenada. A aco­
modação foi mantida, por conseguinte, por um sistema de formulação de
poiítica altamcntc dcsccntraiizado e que funcionou basicamente através de
barganhas. O controie efetivo dos partidos potíticos foi desccntraiizado pa­
ra os estados c as máqutnas políticas municipais; o controie do Congresso
dcsccntra!izou-se sob a forma de comissões; c o executivo foi tão desccn­
traiizado que o Presidente se tornou pouco mais que um membro da dire­
toria de uma companhia controiadora de outras (/ic/ding co/upnny).
O subsequente crescimento de organizações burocráticas sob o contro­
le nominai do Presidente, ou do Presidente e do Congresso juntos, foi em
grande parte modeiado peio iegatio do governo congrcssionai c os hábitos e
pontos de vista potíticos a que deu origem. No contexto de partidos bar-
ganhadores dcsccntraiizados c de um iegisiativo barganhador também des-
ccntraiizado, era taivez inevitável que, a despeito da ação poderosa de
numerosos Presidentes e dos anetos algo utópicos de muitos reformadores
administrativos, a imensa máquina que cresceu para administrar os assun­
tos do Estado de bem-estar social americano se tomasse uma burocracia
barganhadora descentralizada. Isto é apenas outra maneira de dizer que a
burocracia tornou-se parte do que antes chamei de processo político ameri­
cano "normal".

VIII
Defini o processo político americano "normal" como aquele em que há aita
probabilidade de que um grupo ativo e legítimo tia população possa se
fazer efetivamente ouvido em algum estágio crucial do processo de tomada
de decisões. Ser "ouvido" abrange ampla faixa de atividades e não c minha
intenção definir rigorosamente a palavra. Evidentctncnte, não significa que
todos os grupos exercem igual controle sobre o resultado.
Na política americana, como aliás em todas as sociedades, o controle
sobre decisões é desigualmente distribuído. Nem indivíduos nem grupos
são politicamente iguais. Quando digo que um grupo c ouvido "efetiva­
mente" entendo mais do que o simples fato de fazer barulho; entendo que
um ou mais servidores estão não só prontos para escutar o barulho mas
esperam sofrer de alguma maneira dolorosa se não aplacarem o grupo, seus
líderes, ou seus membros mais vocifcrantes. A fim de satisfazer o grupo, o
líder responsável pode tomar uma ou mais de uma grande variedade de
medidas: pressão cm prol de políticas substantivas, nomeações, suborno,
respeito, manifestação das emoções apropriadas ou a combinação certa de
barulhos recíprocos.
Assim, a tomada de decisões pelo governo não constitui uma marcha
majestosa de grandes maiorias unidas a respeito de certos assuntos de po­
lítica. E o apttziguamento permanente dc grupos rclativamente pequenos.
Mesmo que esses grupos se somem em uma maioria numérica na época dc
eleição, cm gerai não é útil interpretar essa maioria como mais do que uma
expressão aritmética. Isto porque numa medida que teria agradado imensa-
mente a Madison, a maioria numérica é incapaz de empreender qualquer
ação coordenada. Os vários componentes dela é que dispõem de meios de
ação.
Uma vez que tudo isto c assunto conhecido, permita-me o ieitor suma­
riar breve c dogmaticamente alguns aspectos bem sabidos dos preceitos
constitucionais: os grupos que eles beneficiam, aqueles que prejudicam, e o
resultado líquido. Quando analisamos o Congresso, descobrimos que cer­
tos grupos são super-representados, no sentido em que possuem mais re­
presentantes (ou mais representantes em lugares decisivos) e, por conse­
guinte, mais controle sobre o resultado de decisões do Congresso do que
teriam se os preceitos tivessem sido elaborados para maximizar igualdade
política formal.^ A representação igual no Senado levou à super-
representação de estados menos densamente povoados. Na prática, isto sig­
nifica qué fazendeiros e certos outros grupos — interesses de mineradores
dc metais, por exemplo — são super-representados. Os legislativos esta­
duais super-representam áreas agrícolas e de pequenas cidades e daí não
redistribuem as cadeiras na Câmara de Representantes de acordo com as
mudanças na composição da população. A aplicação do princípio de anti­
guidade e o poder dos presidentes de comissão têm levado os eleitores em
estados de um único partido ou de partido único modificado a serem signi-
ficativamcnte super-representados. Dc acordo com uma estimativa recente,
há 22 desses estados.^' Geograficamente, eles incluem o sólido Sul, os
estados de fronteira, a zona norte da Nova Inglaterra, quatro estados do
Meio-Oestc, o Oregon e a Pensilvânia. Entre estes, apenas a Pcnsilvânia é
altamente urbanizada e industrializada. Devido à aplicação do sistema de
um único membro por distrito na Câmara, em média uma mudança líquida
de 1% do eleitorado de um partido para o outro resulta em um ganho
líquido de cerca de 2,5% de cadeiras da Câmara para o partido beneficiado.
E por causa da aplicação do sistema de dois membros por distrito no
Senado uma mudança de 1% resultará cm um ganho líquido para o partido
beneficiado de cerca dc 3% das cadeiras no Senado. Por conseguinte,
quando grandes grupos heterogêneos, como os agricultores, mudam seu
apoio a partidos, os efeitos legislativos serão provavelmente muito
exagerados. (Cf. Figs. 10 e 11, pp. 143 e 144).
Todos esses políticos e servidores interessados na eleição ou reeleição
de um Presidente e, daí, nos caprichos do colégio eleitoral, têm necessaria­
mente que ser sensíveis a um conjunto algo diferenciado de grupos. Repe­
tindo, o quadro geral é tão conhecido que basta enumerar alguns pontos.
De modo geral, os políticos presidenciais precisam ser sensíveis a estados
popuiosos com grande número de votos cieitorais; a estados que sejam
marginais entre os partidos, isto é, estados de dois partidos; aos cstados-
"chaves", isto é, os marginais e densamente povoados; a grupos decisivos
em estados decisivos — étnicos, rciigiosos, ocupacionais; a grupos rciati-
vamente grandes de âmbito naciona); e a áreas urbanas e industriais densa-
mente povoadas. Um exame cuidadoso desses requisitos demonstrará, acho
eu, que eies são diferentes e frequentemente têm objetivos contrários aos
grupos que predominam no Congresso.
y

PARA CANDIDATOS À CÂMARA


Fig. 10 - V otos p o p u iares e c a d e ira s c o n q u ista d a s no C o n g resso : Os
D em ocratas na Câm ara d o s R ep resen tan tes, 1928-54
As tmrocracias são muito mais complexas. Em graus variáveis, eias
precisam ser sensíveis aos poiíticos presidenciais e congressionais. Mas
estes são cm si um grupo muito estreito e especializado. No Congresso,
tipicamente, trata-se dos presidentes das Comissões Orçamentárias da Câ­
mara e do Senado, das subcomissões relevantes, e das comissões substan­
tivas importantes. Entre os políticos presidenciais, os administradores de­
vem em geral ser responsáveis ao Departamento de Orçamento, aos

PERCENTAGEM DEMOCRÁTICA DE VOTOS DO PARTIDO MAJORITÁRIO


PARA CANDIDATOS AO SENADO

Fig. 11 - Votos p o p u tares e cad eiras c o n q u ista d a s no C o n g re sso : Os


D em ocratas no S en ad o , 1928-52.
secretários de departamento (ministros) e, naturalmentc, ao próprio Pre­
sidente. E tem que ser sensíveis tamhcm às suas próprias ciienteias especia­
lizadas. A mais efetiva entre estas será obviamentc uma como a dos fazen­
deiros, que é também bem representada no Congresso c mesmo no execu­
tivo. As vezes, burocracia e ciientcta se misturam tanto que não se pode
determinar quem é responsável perante quem.

!X
Este é o sistema normai. Não tentei nestas páginas conciuir se é um sistema
desejávei de govemo, nem o farei agora. Isto porque a avaliação de seus
méritos e defeitos exigiria uma discussão penetrante e longa que se situaria
além do escopo destes ensaios.
Mas o seguinte pode ser dito a respeito do sistema: se não é o próprio
auge da realização humana, um modelo para o resto do mundo copiar ou
modificar por sua própria conta e risco, como nossos apologistas naciona­
listas c politicamente analfabetos tão cansativamente insistem em dizer,
tampouco, acho eu, é um sistema tão obviamente defeituoso como alguns
de seus críticos sugerem.
Para sermos exatos, reformadores dotados de um fino senso de ordem
antipatizam com ele. Observadores estrangeiros, mesmo simpáticos, ficam
amiúde atônitos e confusos com ele. Numerosos americanos se mostram
desalentados com seus paradoxos. Na verdade, alguns que examinam aten­
tamente nosso processo político podem, às vezes, sentir profunda frustra­
ção e irado ressentimento com um sistema que, superficialmente, tão pouco
tem de ordem c tanto de caos.
isto porque é um sistema acentuadamente descentralizado. As deci­
sões são tomadas por barganhas intermináveis. Talvez cm nenhum outro
sistema político nacional no mundo a barganha seja um componente tão
básico do processo político. Numa era em que as cficicncias da hierarquia
foram enfatizadas em todos os continentes, sem dúvida nenhuma o sistema
político americano normal constitui como que uma anomalia, se não, às
vezes, um anacronismo. Isto porque, como meio para chegar a decisões
altamente integradas, coerentes, em algumas áreas importantes política
externa, por exemplo — ele parece frequentemente funcionar de tnaueua
frágil, beirando o colapso total.
Ainda assim, não devemos ser apressados demais cm nossa avahaçn".
isto porque, nos casos em que seus defeitos sobressaem, suas viumlt s li
cam ocultas ao olho demasiado rápido. Por sorte, o sistema nooual irm .t.
virtudes de seus vícios. Com todos os seus defeitos, ele ainda a ;-mi pm
))t)trif)t)a alto probabilidade de que todos os grupos ativos c legítimos se fa­
rão ouvir cfctivamente cm algum estágio do processo de tomada de
decisões. E isto não é uma vantagem banaf em um sistema político.
E também não é estático. O sistema americano evoluiu, e por isso so­
brevive. Evoluiu c sobreviveu passando da aristocracia para a democracia
de massa, atravessando a escravidão, a guerra civil, a difícil reconciliação
entre Norte e Sul, a repressão dos negros c sua emancipação vacilante; duas
grandes guerras dc âmbito mundial, mobilização, ações militares em todos
os quadrantes do mundo e volta a uma paz instável; passou por numerosos
períodos de instabilidade econômica e uma depressão prolongada, com de­
semprego cm massa, "ferias" agrícolas, marchas de veteranos, gás lacri­
mogêneo e mesmo balas; dois períodos de cinismo no pós-guerra, excessos
demagógicos, usurpação de liberdades tradicionais, c tenteantes, desa­
jeitadas, não raro selvagens tentativas de enfrentar os problemas da sub­
versão, medo e tensão civil.
Provavelmente este estranho híbrido, o sistema político americano,
não serve para exportar. Mas enquanto as condições sociais fundamentais
da democracia estiverem substancialmcntc intactas neste país, parece que o
sistema será rclativamente eficiente para reforçar o acordo, encorajar a mo­
deração e manter a paz social cm um povo inquieto c exagerado, que faz
com que funcione uma sociedade gigantesca, poderosa, diversificada e
incrivelmente complexa.
Não c, portanto, uma contribuição mesquinha, a que os americanos
deram às artes do governo — e àquele ramo que entre todas as artes da
política é a mais difícil: a arte do governo democrático.

N O TAS

t. Antes de Jackson, os eleitores presidenciais eram em geral escolhidos pelos legislativos


estaduais. Por conseguinte, c difícil estimar o número dc eleitores que apoiavam um
dado candidato. As compilações de votos populares em eleições presidenciais
começaram em geral nas eleições de 1828.
2. Não obstante, pesquisas modernas dc opinião por amostragem são hoje útets neste
particular.
3. Ver 77ta Pre f?/ection PoiN of /945 (Nova York: Social Science Research Gounctl.
1949); Angus Campbell e R.L. Kahn, 77ií Pcop/c PYccí a Pre.súfcnt (Ann Arbor:
Institutc for Social Research, 1952); Angus Camphcll, Gerald Gurin e Warrcn H.
Miller, '/& Poter Oíctdes (Evanston: Row, Peterson & Co., 1954).
4. Campbell et g/., <?p. cit., p. 3 1, Tabela 3.2.
5. Pode-se facilmente demonstrar que para que o candidato vencedor seja a primeira
opção de uma maioria de eleitores em condições de votar, ele deve ser também a
primeira opção de uma percentagem de não eleitores maior que (X-21V)/22, onde X é o
número de eleitores em condições de votar, W é o número de votos obtidos pelo
candidato vencedor c Z é o número de não-eleitores. Por exemplo, em 1948, Truman
foi a primeira opção de uma maioria de todos os eleitores em condições dc votar apenas
se foi também a primeira dc mais de 50,7% dos não-eleitores; em 1952, por outro lado,
Eiscnhower teria precisado apenas do ajxtio He mais dc 4 ],2 % dos não-eleitores. Estas
estimativas baseiam-se cm dados constantes de tabelas cm 7'!te Política! Abnonac o/
7932 (Nova York: Forbes & Sons, 1952), p. 22; StalíMÍa: o / tia? Prg.rídmhal and
Congreyjtonaí Plec/toa.s o / Nov. 4, 1932 (\Vashington: Government Printing Office.
1953), p. 52; e V.O. Kcy, <4 Prirncr o/ .SYarírtícs /b r Política! icicotíst.? (Nova York:
Thomas Y. Crowell & Co., 1953), p. 197.
6. Minhas estimativas baseiam-se nos dados da Tabela 3.8, Campbell er <3 /., op. cá . p. 37.
7. Na eleição de 1948, em uma amostra de eleitores, 7 3 % disseram que nunca pensaram
em votar em outro candidato durante qualquer tempo da campanha. Na eleição de
1952, em outra amostra, o número foi de 7 8 % , tbid., p. 23, Tabela 2.7. Isto sugere o
limite superior. Os dados não indicam quantos consideraram não votar como alter
nativa a votar em seus candidatos.
8. Minhas estimativas baseiam se na Tabela 8.1, ibíd.
9. 7 1 % daqueles que achavam que "era culpa dc nosso governo que a China se tivesse
tornado comunista" apoiavam Eiscnhower, iótd.
10. A Grã-Bretanha fornece uma interessante confirmação do fato que matonas eleitorais
raramente determinam políticas específicas. O sistema político britânico tem poucas
das barreiras constitucionais e políticas ao governo da maioria, características do
sistema americano. Não obstante, é relativamente raro que o partido no poder tenha
sido a primeira preferência da maioria dos eleitores — muito menos de todo o
eleitorado — na eleição anterior. Desde 1923, houve nove eleições. Apenas duas delas
indicaram uma maioria dc primeiras preferências pelo governo que se segutu. Mas ate
as duas exceções são politicamente aberrantes. Na eleição de 1931, os candidatos que
endossavam a coaiisão nacional de Ramsay MacDottald ganharam por uma maioria de
votos, tendo sido o Partido Trabalhista duramente atingido pela retirada de MacDonald.
Em 1935, os candidatos do Partido Conservador tiveram apenas 4 7,7% dos votos, mas
os candidatos que endossavam o governo nacional ganharam por 54,7%. Em nenhuma
ocasião desde 1945 qualquer governo foi a primeira preferência da maioria dos
eleitores. Realmente, em 1945, 10,4 milhões de pessoas em condições de votar não o
fizeram ou votaram em candidatos que não os trabalhistas e conservadores,
comparados com os 9,6 milhões que votaram nos candidatos conservadores e os 12
milhões nos trabalhistas. Em 1950, este grupo chegou a 8,2 milhões, comparados com
12,1 milhões de eleitores conservadores c 13,2 mtlhõcs de trabalhistas. Cf. 7'lic
CortutitMfionn! Tear Roa/:, 7926 (Londres: Harrison, 1938), Vol. Lfl; D.E. Butler, 7'lic
Elcctora! System ia Prifam, 7976-1957 (Oxford: Clarcndon Press, 1953), p 173; John
Bonham, YL" Míddlc Class Pare (Londres: Fabcr & Fabcr, 1955), p. 120.
11. Elmo Roper, "American Attitudes on World Organization", Public Opition Qu^rrcrly,
X V II (inverno de 1953-54). pp. 405-20.
12. A este respeito, a análise de outra forma excelente que Joscph A. Schumpeter faz da
democracia no seu CapítalEat, Pocialisai and Dc/rtacracy (2* ed.: Nova York: Harper
& Bros., 1947), parece-me algo defettuosa.
13. Aitlmr F Bentley, 7!tc ProceM o( Government (Chicago: Univcrsity of Chicago Press,
1908); Davtd Truman, Tlm Covcr/Mnenra! Proccss (Nova York: A.A. Knopf, Inc.,
1951); Earl Latham, Tire Groupa Pa.su- o/Politic.?.* a Ptady in Pasing Point Lcgr-slarion
(Ithaca: Comell Lnivcrsity, 1952).
14. Por exemplo, como se poderia esperar, a atividade de votar decai rapidamente daqueles
que estavam "muito interessados" em acompanhar uma campanha para aqueles qur
"não estavam muito interessados", ou daqueles que "estão muito interessados no
resultado da eleição" para os que "não estão absolutamente interessados". Camphrll <t
a!., op. cir. Tabelas 3.6 e 3.8, pp. 35-37. Por outro lado, avaliada por opinião quanto t
importância do resultado para o país, uma diferença interessante e não-expluad.i .
revelada pela amostra. Entre os correligionários dc Eiscnhower votou um nuuu to
consideravelmente maior dos que achavam que o resultado fazia grande diferença
o país do que aqueles que julgavam que o resultado não faria diferença Entn ..
correligionários de Stevenson, as diferenças não foram estatisticamente -.iguitu.iun-
Na verdade, na amostra votou uma percentagem ligeiramente menor dos que pensavam
que o resultado teria muita importância para o pais do que os que pensavam que não
seria importante.
15. Ruas aparentes exceções a isto são as seguintes: 1) Se membros ativos incluem entre
seus objetivos a proteção ou progresso de membros inativos; 2 ) se no presente,
membros ativos esperam que membros atualmente inativos se tomem ativos no futuro.
Esses dois casos são importantes no mundo real. O primeiro, contudo, pode ser
corretamente considerado um caso de influencia indireta, c não direta, sobre o resul­
tado. O segundo meramente requer que, em princípio, a dimensão temporal seja de al­
guma forma especificada. Este assunto, porém, tomar-se-ia complexo demais para uma
exposição e talvez seja preferível que permaneça como está nossa proposição, embora
excessivamente simplificada.
16. H.G. Webster, "A Comparative Study of tbe State Constitutions of tlie American
Revolution". American Academy 3/ Po/itica/ and Sacia/ Science, Anna/s, Vol. IX
(1897).
17. Cf. J. Allen Smith, 77te Spiri/ of American Gavernmenr (Nova York: Macmillan Co.,
19 11), caps. 11 e IX .
18. Cf. Oscar e Mary Flug Handlin, Cammanwea/fA.' A Siac/y af i/te Raie a/Government ia
i/te American Tsconomy. MassacAassetts, 7774-7867 (Nova York: New York
University Press, 1947), pp. 26-27, 41, 44. 45, 49-52 e Apêndice II. p. 267. Em
numerosos aspectos, a Constituição de Massachussetts era atípica, isto é, o governador
dispunha de poder absoluto de veto. "Embora elaborada por uma convenção eleita de
sufrágio masculino, foi não só uma das mais aristocráticas do período revolucionário,
mas que também assegurou mais o governo pelas classes superiores do que a
Constituição de 1778, rejeitada pelo mesmo eleitorado". Hlisha P. Douglas, ReAe/s and
Dcmacrars* 7*Ae Stragg/e /a r É<?aa/ Po/irica/ RigAis and Ma/oriiy Ride daring íAe
American Revo/rdion (Chape) H ill: University of North Carolma Press, 1955), p. 2 11.
Na Carotina do Sul, como seria de esperar, a Constituição fortaleceu o litoral contra o
interior, /hid , pp. 43-44. Cf. também Fletcher M. Green, Constitationa/ Deve/opment
in dte RoaíA Atlantic States, 7776-7866 (Chapei H ill: University of North Carolina
Press, 1930). Km uma dissertação de doutoramento inédita, Norman Stamps demonstra
que a Constituição de Connecticut, que era a velha carta de fundação colonial, era
altamente democrática cm aparência e fora habilmente elaborada para permitir rigoroso
controle por uma oligarquia fechada. Norman Stamps, "Political Partics m
Connecticut, 1789-1819" (dissertação de Ph D. inédita, Yale Universtty, 1950). Na
Pcnsilvânia. o modelo foi excepcional. O sufrágio universal era virtualmente lato
consumado por volta de 1790, quarenta anos antes que se tomasse geral nos Estados
Unidos. Bvidentemente, por causa disto. 0 equilíbrio permaneceu mais ou menos quase
favorável ao agricultor comum c ao artesão do que nos outros estados, mesmo depois
de ter sido substituída a Constituição adotada sob o ímpeto da democracia radical
durante a Revolução cm 1789. Douglas, op. cit., caps X ü X IV ; e Louis Hertz,
/tcorMwtic Pa/icy and TIemocraiic 7*AoagAt. Pennsy/vania, 7776-/860 (Camhridge:
Harvard University Press, 1948), pp. 23 e scgs. Em anos recentes, a ascensão e queda
dessas constituições estaduais deixou de atrair a atenção dos cientistas políticos, ft uma
pena. Elas são uma mina de informações para o estudo das instituições políticas, c seu
declínio nunca foi satisfatoriamente explicado. Contudo, para conhecer um aspecto da
mudança, vale consultar Leslie Lipson, /Ac American Governor; /vom 7*igrrreAead to
Ceader (Chicago: University of Chicago Press, 1939).
19. Por exemplo, ver W.B. Binkley, President and Congress (Nova York: A.A. Knopf,
Jnc., 1947), caps. IV e V .
20. "Formal" porque se as regras destinadas a maximizar a igualdade política formal real
mente fazem ou não mais do que as regras atuais é uma dura questão empírica que
desejo evitar.
2 1. Austin Ramney e Willmoorc Kendall. "The American Party System", American
Po/iticai Science Reviorv, X l.V n i (junho de 1954), p. 477.
índice Analítico e Onomástico

Adorno, T.W ., 39/t.28 Canadá, 76


acordo, 79-80 Checo-Eslováquia, 99
Acordo de Connecticut, 56, ) 17 Choate, J., 108
África do Sul, 76 Coker, F.W., 62rt.2
Alemanha, 78 Commager, H.S., 62n.2, 66rt.21, 124n.!5
competição política, 131
argumento madisontano, 36; Apêndice, comunistas, 99. 136
37-8 Congresso, 57, 59, 106
Aristóteles, 41 consctêncta. 25, 43
Arrow, K., 63n 2, /t.8, 65rt.l2 Conselho de Segurança das Nações Unidas,
Ashin, M., 38n.2 29
atividade política, 82, 88-89 consenso, 77, 78, 96, 131
autonomia, 80-81 Constituição, 35, 83. 100, 107, 109, 134,
axioma dc Madison, 18 137, 139; controle constitucional, 43;
ver Mfnóêm Convenção Constitucional
controle externo, 15, 2 1, 22, 24, 27
Barber, B., 91n.8
controles sociais, 43
Bentfey, A . F , 147rr.l3
Convenção Constitucional, 17, 18, 83, 107,
Berclson, B .R..92rr.l4,92/t.l9
Binkley, W .E.. 148n.l9 1 1 1 , 137-38
cotonicultorcs, 116
Black, D., 65n 12
bóias-frias, 113
"decisão de minorias", 131
Bonham, J., 147/t.l29
de Crazia, A., 64n.l0
Borda, 47, 64n.l0
democracia poliárquica, 67-91, definição
Brant, I., 39n.22
de, 84; medição da, 85 88
burocracia, 141, Í44
democracia populista, 41-62
Butler, D E ., 147n.l0
desacordo, 79-80,96, 100, 101
de Tocqueville, 42
Cahill, F., 124n.l5 direito dos negros, 59, 120
Calhoun, J.C., 40n.35, n.37,95 direitos iguais, 35-36
Câmara dos Representantes, 142 direitos naturais, 15, 19, 29, 31, 48 49
Campbell, A., 91n.7, 98, 99, !46t.3, ditadura, 131
147n.l4 diversidade, 79
Douglas, E.P., 39n.l6, 148rt.l8 Kahn, R.L., 146a.3
Dred 3co<t v. 123/t.l3 KendaU, W., 62n.2, 148n.21
Key, V .O , 88, 92n.20
Riscnhowcr, D., 98, 99, 127, 146 47n.5,
Lane, R., 39n.28
/t.9,n,14
eleições. 20. 70 -1,73-4 , 75, 93-96,97,98, l^tham. E., !24n.l5, 147/t.l3
99. 126,128-29 l^zarsfeld, P.F., 9 2 n .l4 , 1 . 19
Legislativo, 20
eleitorado, 106
Elliot, J., Debares. 38n.5, 39/t.24, rt.27 legitimidade. 49, 136
le i das Práticas Trabalhistas Justas, 107
emendas, apresentação de, ver processo de
Lcnin, 36
apresentação de emendas
Lenoir,17
escravidão, 98
Espanha,99 liberdade,32-33
Lincoln, A., 42, 46
estabilidade, 93,103-4
Ewing, C.A.M ., 124n.l5 Lindblom. G.E., 62n.2
Executivo,20 Lipset. S.M., 91n.8, 92n.l9
Lip so n ,L .,!4 8 n .l8
Little, J.D.M., 123rt.4
facção, 19 ,22, 3 0 -3 1,3 2, 34 Locke, 42
facção da maioria. 22-23 Louis Napoleón, 99
fazendeiros, 116
FeásraléM, 77te. 14, 15, 1 7 . 2 1 , 39m l7, MacDonald, Ratnsay, 147
a. 19. n.20, n.23, rt.25. rt.26, 40n.31, Madison, James, 4-38, 38n.l, n .ll, 39n.21,
t.32, 80 n.22, 40n.35, 41, 48, 80. 83.100, 112,
França, 46,76,99 125, 132; argumento de, 36;
Franco, 99 Apêndice, 37-38; axioma de, 18
Frank, J.D., 66rt.21 maioria. 16 ,27, 30, 31, 3 2.3 3 ,3 4 . 33, 36,
Franklin, B., 17 43. 37, 62, 68 69, 9 4 -9 3 ,10 7 -8 ,112.
128, 129. 130. 132; facção da, 22-23;
Goldstcin, J., 91m8 princípio da, 44; tirania da. 17
Grã-Bretanha, 76, 86, 147/t.lO maiorias coincidentes, 40n.35, 95
Green, F.M., 148/t.l8 Maquiavel, 25
Guerra Civtl, 45 46, 97-98, 99, 120 Marvick, D., 39/r.28
M ason,17
Hamilton, 16. 17, 19,39/t.l2 Massachusetts, 137
Handlin, O.. 148ml8 McGlosky, H., 62n.2
Hartz, 1.., 39m l8,148m l8 McPhec, W.N., 92ml4. m l9
meeiros, 116
Mcrriam, C , 92n.l3
Igualdade política, 36, 44,46, 48, 53. 54,57 México, 76
tmpasse,46 minetros, 116
mdenizações a trabalhadores, 110 minoria, 16. 2 7 ,3 0 .3 1, 32,33, 34. 35, 36,
índice de vantagem, 113 43,37,68-69,94 95,107-8, 112 ,12 8 ,
indiferença, 44. 45 129, 13 0 ,13 2; decisão de, 131; tirania
Inglaterra, 78 da, 17; veto de, 57, 40a.35
intensidade, 5 1.5 2 ,9 3 , 94, 120, 133 Mosca, G-, 56-57
Itália. 76

Jackson, A., 12 6 ,13 6 ,13 8 , 14 0 ,146ml negros, 39, 113, 116 .13 6 ; direito dos, 59,
Janow itz,M ,30n.28 120
Jcfferson, T.. 17, 25. 42,33, 140 Nansen, E.J., 63n.8, 64n.lÓ
Judiciário,20, 106 Voíes <?n Frrçmiu CJeffersonl, 17
obstrução, 57 Shils. 1:.. 62rt. 1
oligarquia. 58-59 Simon, H., 123rt.6
opinião púbtica, 58,59 sistema nomtnl, 136
Organização das Nações Unidas, 130 ststema político atuetteano, 134 35
Sm itb.JA H cn .14H n.17
1'adover, S.K., 38n.l, rt.l 1 , 39n.21 soltcrama po)tular, 43 44, 46, 48, 53, 54, 57
participação, 74 Sócrates,83
partidos políticos. 54 Stamps, N., 148n.l7
Platão. 36, 9 2 t.l3 Starosolskyz, W., 62rt 2
poderes, 20. 21 Stcvcnson, A., 98,99, 127, 128
poliarquta, ver democracia poliárquica Stouffer, S.A., 123rt 5
preferências, 69 Supremo Tribunal (dos Estados Unidos),
presidência, 57, 106, 108-9, 126, 138, 140 5 7 ,5 9 ,10 7 , 108, 109, 110, 1 1 1 ,1 3 6
princípio da maioria, 44 S w ish er,C .B .,123n .l0
princípio republicano, 23, 32
processo de apresentação de emendas, 118 tirania. 15, 20, 22. 23. 2 4 .2 5 .2 6 .2 7 .2 8 .
processo político americano "normal", 136, 2 9 ,3 0 -3 1 ,3 2 ,1 0 0 .1 2 5 .13 2
141 tirania da m aioria,17
produtores de algodão. 116 tirania da mtnorta.17
tosquiadores, 116
Ranncy, A., 62t.3, 148n.2t trabalhadores migrantes, 116
Rebelião do Uísque, 99 trabalho infantil, 107, 109
Regra. a. 44, 45. 46, 47.55. 58, 68,69.70, transitividadc,64n.9
7 1,7 3 .10 5 , 125 treinamento sociai, 78, 79
Regra Ressalvada da Minoria, 52 Trum an.D., 147n.l3
representação, 113 , 114, 115 , 116 Trnrnan, H.. 146rt.5. 128
representação efetiva, 115
representação igual, 1 1 1 -1 2 "última palavra". 51
república, 18; princípio republicano, 23, 32 ê/niíed ShMer v. ícrvet/, 66n.21
revisão judicial. 54, 106, 107, 138
Revolução Americana, 136
Roper, E.. 91tt.6, 147rt.ll veto, 57, 105
veto da minoria. 40n.35, 57
Rossiter, C.. 38n.3, 39rt.29
Rousseau, 42, 55 votação, 47, 94

Sabine, C.M., 62-3rt.2 W c b b ,S .e B ..9 1n .2


Schumpeter, J.A., 147rt.!2 Weber, E.A., 92n.l3
Secessão, 99, 100 Webster, H.G., 148n.l6
Senado. 56. 5 7 .1 0 6 ,1 1 1 ,1 1 2 , 113, 137, W ilson.F.,88
142 Woodward, C .V ., 120
Shays, D., 137 Woodward, J.L., 91rt.6
UM PREFÁCIO
À TEORIA DEMOCRÁTICA

Considerado uma obra-prima de análise


política, este livro apresenta uma visão
nova de teorias geralmente aceitas que
tratam do funcionamento dos mecanis­
mos da soberania popular. Suas edições
se sucedem ano após ano desde sua pu­
blicação, tendo inílufdo decisivamente
na formação do pensamento político
norte-americano contemporâneo.
Leva o título de "Prefácio" exatamente
porque pretende ser uma introdução à
mais ampla discussão da teoria democrá­
tica, propondo questões que precisariam
ser respondidas por uma teoria política
democrática satisfatória. Para o autor,
professor catedrático de Ciências Políti­
cas da Universidade de Yale, "é talvez
uma circunstância anômala que, após
tantos séculos de especulações políticas,
a teoria democrática continue a ser —se
minha premissa básica é correta —tão in­
satisfatória, quer a teoria seja encarada
como essencialmente ética em seu cará­
ter, ou essencialmente uma tentativa de
descrever o mundo como ele é".
Para dar conta desse caráter "insatisfató­
rio", o professor Dahl examina as duas
teorias-"modelo" mais influentes: a ma-
disoniana, representando a doutrina pre­
dominante nos EUA, e sua rival mais
constante, a teoria populista. Segundo
sua argumentação, essas duas teorias não
conseguem mais explicar como funciona
a modema democracia. Mas, "uma das
dificuldades que devem ser enfrentadas
de saída é que não existe uma teoria de­
mocrática - existem apenas teorias de­
mocráticas. (...) E a lista de alguns dos
modos alternativos com os quais se pode
tentar desenvolver uma teoria sobre a
democracia é intimidante". Daí a escolha
desses tipos representativos mais espe­
ciais para, através da análise, conduzi­
rem seu raciocínio. *
Na sequência dc sua argumentação, de­
monstra-se que essas duas teorias não
conseguem mais explicar com o funciona
a moderna democracia. A partir dessa
noção, eie constrói um m odelo mais con­
sistente com a moderna ciência política;
e, ao fazê-lo, desenvolve alguns pontos
de vista singulares sobre a soberania po­
pular e o sistema constitucional norte-
americano.

Como são poucos os estudos teóricos de


análise política aqui publicados, este li­
vro constituirá por certo uma contribui­
ção importante para o desenvolvim ento
do estudo da teoria política no Brasil.

"C m Prq/iácK? d ?g<2n<3 DernocráíicH


realmente merece atenção especial de
qualquer pessoa que se interesse pela
democracia. Porque ele irá exercer in­
fluência importante tanto sobre a teoria
democrática quanto sobre a prática efeti­
va das democracias em todo o mundo."
BERNARD BARBER, Po/ftãxr/ -Science
Qunferíy

"Livro de leitura impositiva para os teó­


ricos da democracia."
J. ROLAND PENNOCK.VoMTVM/ qf Pof:'íi'c.y

iJ-Z-El JorgeZaharEditor
UM P R M i A o o A l u m t t t . .,t^, < t* .

Roberí A- DíhJ
p t o h l e t n a s a t . a g . o m t . f t . . ....... . t.t oot (
c io n a l. S e u a u t o r . o p t.,1 . i 'ttt — ;
d e Y a)c, ex a m in a as duu.. t . o t t a .
tn a d iso n ia n a , r e p te s r n t.m d .... d . - . t t . t . w ^ . t
su a riv a l m ais c o n s ta u tr. n t . t t u. <
m e n ta ç ã o , e s sa s r l u i . s t r . n n . , . . . ^
tim e io n a a m o d e rn a d ru x x to. ta A ) ...tt. u .
tró i um m o d e lo m ais r o n s t s t ................... .
e , ao fa z ê -lo , d e s e ttv o lv r a l f u u , ).....t. - t t.t^
a so b e ra n ia p o p u la r e o -a-.t.................................. .. .
U m liv ro in d isp e n sá v e l nao o)x t.,.,. )..aa a o ... .
cia s p o lític a s cm g e ra l, n .a - .n )...)..
p e n s a m e q u e stio n a m um m o .lrlo d. ..x . ...

OUTRAS OBRAS D!1 ! Nt t )<t '. i M t

H istó ria das Id éias P oifticas (ttu.tnt' .tt,


F . C H Â T E L E T , O. D U H A M E L e t..,'..,.'..-.
E .P IS IE R -K O U C H N E R r, ,,...v.t<, .t..
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P a ria m e n ta rism o - F*M/!rfame/t- r lt t.UAtttttt
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A C o n stitu iç ão N o rte -A m e ri­ ..w'.*'t.t
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UM PREFACIO
A TEORIA
DEMOCRÁTICA

Jorge Zahar Editor

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