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Dahl
Um Prefácio à
Teoria Democrática
Ruy Jungmann
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Jorge Zahar Editor
Rio de Janeiro
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Sumário
7 Nota Preliminar
9 Introdução
1
73 A Democracia Madisoniana
2
47 A Democracia Populista
3
67 A Democracia Poiiárquica
4
93 Igualdade, Diversidade e Intensidade
5
723 O Híbrido Americano
749 índice
Lista das ilustrações
JEROME G . KERWIN,
/*rMíd^n<í do Ccm-eMo
C/igrtey A'. AoMndanbft /br íAe
SíMdy o/AoMrò-ün /njíUMfcH
ParaMary
Introdução
.
'
.
capítulo 1
A Democracia Madisoniana
Ou, como disse mais sucintamente Hamilton: "Dêem todo o poder aos
muitos e eles oprimirão os poucos. Dêem todo o poder aos poucos e eles
oprimirão os muitos."^
Passemos agora à prova da Hipótese 1 e, daí, também das Hipóteses 3
c4.
II
Evidentemente, a Hipótese 1 é uma proposição empírica. Sua validade, por
conseguinte, só pode ser submetida a teste pela experiência. Os métodos
que o próprio Madison usou para comprovar a hipótese parecem repre
sentativos do estilo de pensamento americano amplamante aceito que,
neste livro, é denominado de "madisoniano". Seu primeiro método de
prova consiste em enumerar exemplos históricos colhidos, por exemplo, na
história da Grécia e de Roma." O segundo é o de derivar a hipótese de
certos axiomas psicológicos de grande aceitação nos seus dias — c talvez
mesmo agora. Esses axiomas, de carátci hobbcsiano, são mais ou menos do
seguinte teor: Os homens são instrumentos de seus desejos. Se dada a
oportunidade, levá-los-ão até a saciedade. Um deles é o desejo de exercer
poder sobre outros indivíduos, porquanto o poder não só é dirctamente
gratificantc em si, mas possui também grande valor instrumental, uma vez
que grande variedade de satisfações dele dependem. O teor desses axiomas
e u nntndo em observações feitas em convenções estaduais e na federal
tanto por pessoas que apoiavam quanto combatiam a Constituição:
Lenoir, nos debates na Carolina do Norte: "Temos que fcvar cm conta a
depravação da natureza humana, a sede predominante de poder qta- st
esconde no peito de todos os homens, as tentações a que governantes po
dem ser submetidos, e a confiança iiimitada depositada nefes por esse sis
tema.""
Frankfin, na Convenção Federal: "Há duas paixões que exercem pro
funda influência sobre os assuntos humanos. São efas a ambição e a ava
reza; o amor pelo dinheiro e o amor pelo poder.""
Hamilton, na Convenção Federal: "Os homens amam o poder.""
Mason, na Convenção Federal: "Tendo em vista a natureza do homem,
podemos ter certeza de que aqueles que possuem poder nas m ãos... sempre
e quando puderem,... aumentá-lo-ão."'"
m
Se a Hipótese 1 é aceita como confirmada por esses dois métodos (ou por
outros), então as Hipóteses 3 e 4, que são apenas derivadas dela, são tam
bém válidas. Não obstante, aparentemente, a Hipótese 4 desempenha um
papel especial no pensamento madisoniano."
Nem na Convenção Constitucional nem nos "Federalist Papers" de
monstrou ele grande preocupação com os perigos atinentes à tirania da mi
noria; em comparação, o perigo de tirania da maioria parecia lhe despertar
grandes temores. Os "Federalist Papers", por exemplo, não revelam quai-
quer profunda desconfiança do ramo executivo, que era considerado por
seus autores (erroneamente, como se viu) como o ponto forte para a mi
noria da riqueza, do e do poderá Em contraste, um tema básico para
Madison é a ameaça de parte do legislativo, supostamente o baluarte da
maioria. Assim: "É contra a ativa ambição deste departamento que o povo
deva mobilizar todo o seu ressentimento e esgotar todas as suas precau
ções."^
Segue-se da Definição 2, como também da própria definição explícita
de tirania dada por Madison, que a tirania legislativa, ou da maioria, não é
menos tirânica do que a tirania do executivo, ou da minoria. São ambas por
iguaf indesejáveis. Assim: "Os fundadores de nossa república... aparente
mente nunca se lembraram do perigo das usurpações do legislativo que.
reunindo todo o poder nas mesmas mãos, terá que gerar a me.voro tirania
que seria ameaçada por usurpações do executivo."'** Madison reforçou sua
posição invocando Jefferson, que no seu Note.? o/r Firginio, dissera: "Cento
e setenta e três déspotas seriam com certeza tão opressivos como um rim
e o ... c um &.?poíi.?oio eletivo não seria aquilo pelo que lutamos.'"'
f\t tum.i < tüitiotcts, portanto, são pesadas na mesma balança. Isto
)"<mm .. t< t< nhjt-uvo <ta não-tirania não é o tamanho do grupo gover
nam. . um . . <!. .tpi.ilque] q u eforseu tamanho, impõe privações severas
..... .Inmi.. . natm.u ;" (tos cidadãos.
IV
Atr agora, as proposições no sistema madisoniano são definidoras ou
.mpn n as. Com a aceitação de mais uma definição, toma-se possível agora
. anhrlcccr as metas a usar na orientação da opção entre sistemas potíticos
possíveis.
O que se impõe nesta altura é uma definição de "democracia". Note-
se. porém, que nos dias de Madison o termo "democracia" era menos co
mum do que nos nossos. Até certo ponto, ele se vinculava ao igualitarismo
radical; era também ambíguo porquanto muitos autores o definiram de ma
neira a significar o que hoje chamaríamos de democracia "direta", isto é,
democracia não-representativa. O termo "república" era usado com maior
frequência para se referir ao que nós nos sentiriamos mais inclinados a
denominar de democracia "representativa".'^ Não fará mal, portanto, acei
tar o termo "república" como o usava Madison, que ele definiu da seguinte
maneira:
Essa meta foi aceita como um postulado. Uma vez que não foi seria
mente questionada na Convenção Constitucional ou em qualquer outro
foro, nem seriamente posta em dúvida neste país desde aquela época, ela
permaneceu na maior parte como sendo um axioma não-examinado.'* Daí
não podermos afirmar inequivocamente quais os fundamentos lógicos que
possam existir por trás desse postulado. Para Madison e para muitos outros,
porém, o axioma era provavelmente deduzido implicitamente de um postu
lado ótico mais fundamentai com a ajuda de uma premissa empírica, da
seguinte maneira: 1) Os direitos naturais devem ser respeitados (axioma):
2) o respeito aos direitos naturais é não-tirania (derivado da Definição 2);
3) uma república ó uma condição necessária, embora não suficiente, para a
não-tirania (generalização empírica). Q.E.D. — o axioma madisoniano.
Embora as duas primeiras proposições fossem largamente aceitas,
alguns federalistas muito conhecidos, como Hamilton, negavam a validade
da terceira. Hamilton, que na época demonstrava uma clara embora irrea-
lística preferência pela monarquia, disse na verdade que uma república po
dería ser uma condição possível, mas seguramente não necessária, para a
não-tirania. Entre as condições possíveis para esta, ele teria incluído a mo
narquia constitucional. Por sorte para a estabilidade do sistema político
americano, mas infelizmente para a teoria política, o desafio de Hamilton
foi recebido como uma monumental irrelevância.
V
Após esta breve excursão pela teoria ética, o restante do sistema madiso
niano consiste em enunciados proféticos, definições e inferências derivadas
do que foi dito até então. Isto porque, dado o axioma madisoniano, a
questão transforma-se agora no seguinte: Que condições são necessárias
para que seja atingida a meta de uma república não-tirânica?
M/wíere .5. São necessárias pelo menos duas condições para a existência
de uma república não-tirânica:
Pri/n^ira condição.' A acumulação de todos os poderes,
legislativo, executivo e judiciário, nas mesmas mãos, seja de
um, de alguns ou de muitos, e se hereditária, autonomeada ou
eletiva, deve ser evitada.'^
.Segunda conJiçãa.' As facções devem ser controladas dc
tal maneira que não possam agir de forma contrária aos
direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes e
comuns da comunidade.^*
VI
Na tentativa de provar que a primeira condição é um requisito fundamental
de todas as repúblicas não-tirânicas, o sistema madisoniano torna-se tão
ambíguo que é difícil saber exatamente como fazer justiça ao argumento.
20 .1 !eor/3 ciemocráf/ca
VH
Passemos agora à Segunda Condição: As facções devem ser controladas de
ml forma que não consigam atuar contrariamente aos direitos dos demais
cidadãos ou aos interesses permanentes e conjuntos da comunidade.
De que modo pode ser atingido esse estado de coisas? Ao responder a
essa pergunta, Madison formulou um dos mais lúcidos e compactos con
juntos de proposições políticas jamais apresentado por um americano: o
hoje muito conhecido argumento do YVtc Fe&raíist, n° 10/* Aqui tentarei
apenas expor o esboço mais simples possível de seu argumento.
Obviamente, toma-se necessária desde o início uma definição:
Mpoiase & Se uma facção consiste em menos que a maioria, ela pode ser
controlada mediante aplicação do "princípio republicano" de
votação em um corpo legislativo, isto é, a maioria pode, pelo
voto, vencer a minoria.
.Mpótare 9.* O desenvolvimento da facção da maioria pode ser limitado se
o eleitorado for numeroso, variado em composição e diversi
ficado em interesses.
ttvo nxmtm )';x.) usurpar os direitos dos demais cidadãos ou, se tal motivo
mutuui rsisu-. scr;'t mais difícil... que c!a atue em uníssono".^ Mas para-
tt.i remos o qtte (iisse Madison:
vm
Na tentativa de conferir significado à Primeira Condição, já se tomou ne
cessário examinar-lhe a validade. Passemos agora a uma curta análise da
validade de algumas das demais hipóteses e da utilidade de algumas das
definições no estilo madisoniano deliberadamente formalizado que vimos
até então adotando.
A primeira hipótese, cabe lembrar, é mais implícita do que explícita no
argumento madisoniano e foi formulada da seguinte forma:
IX
Antes de aceitarmos a razoabilidade da última sentença, contudo, exami
nemos alguns tipos de controles extemos usados para dominar o compor
tamento. Suponhamos que a conduta seja produto de nossas expectativas
conscientes ou inconscientes de recompensas e penalidades por impulsos
socialmente modificados.^ Que tipos de controle extemos têm em mente
os madisonianos como inibidores da tirania?
Ora, quanto mais analisamos esses trechos, mais eles parecem se dis
solver diante de nossos olhos como um gato Cheshire.* Por que será a se
paração de poderes necessária para impedir a tirania? Porque fomece um
controle externo aos impulsos tirânicos dos servidores públicos. Por que
fomece esse controle? Porque garante que as ambições de indivíduos cm
um departamento serão contrariadas por aqueles em outros. Por que essas
ambições contrárias são efetivas? Presumivelmente porque indivíduos em
um departamento podem invocar a ameaça de recompensas e penalidades
contra indivíduos tirânicos em outro. Quais, então, são essas recompensas e
penalidades?
Neste ponto chegamos ao âmago da questão. Presumivelmente, elas
não são coisas tais como perda de respeito, prestígio e amizade — a
menos que se argumente que o mero fato da prescrição constitucional em si
confere legitimidade ou ilegitimidade a certas ações; que servidores que
pratiquem atos ilegítimos sofrerão perda de sM/us, respeito, prestígio e
amizade; e que essas penalidades são suficientes para impedir a tirania.
Mas este ccrtamente não é o argumento madisoniano. Tampouco podem as
recompensas e penalidades depender de dinheiro, uma vez que a Constitui
ção foi elaborada para restringir esse meio de controle, com receio de que o
legislativo se tomasse poderoso demais.
Envolverão as recompensas e penalidades a ameaça de coerção física?
Nesta categoria poderiam incluir-sc o irnpenr/iMem, a condenação c o em
prego de forças armadas. Neste caso, porém, a república estaria sempre à
beira da violência c da guerra civil. Isto porque se a coerção física é o obs
táculo principal à tirania, e se a tirania é o perigo fundamental que o argu
mento supõe que seja, então a ameaça de coerção física e, por conseguinte,
de violência, jamais poderá estar muito distante da operação da política.
Alcm do mais, se o principal obstáculo é a ameaça de coerção física, por
que os líderes de uma maioria se absteriam de tiranizar uma minoria — no
mínimo se a maioria fosse julgada fisicamente mais poderosa do que a
minoria? Adotando uma visão mais modema da maneira como o controle
coercitivo é distribuído, por que uma minoria que exercesse controle dos
instrumentos de violência e coerção se absteria de tiranizar uma maioria?
O fato é que, em algumas nações, minorias poderosas não se refrearam
e o resultado foi a tirania. Ainda assim, contiveram-sc em outras nações. E
se minorias poderosas ou líderes ditatoriais, com apoio de massa, evitaram
..it u so )ni)i!.)!)i.n ;t tuntna, evidentemente não tem reiação com a presença
. .u .))) .<))( i.i ti< [xatetes constitucionais separados. Numerosas variáveis en-
n.uu <üt m ssa situação, mas não se pode provar que a separação cons
tam tonal tios poderes seja uma delas.
() < .[do madisoniano de argumento, por conseguinte, não proporciona
.o)ut,ao satisfatória às questões fundamentais que coloca. Madison, eviden-
!,'U)t n!(-.. tinha cm mente um conceito básico, isto é, o de controle recíproco
nitit- líderes. Mas de várias maneiras o argumento é inadequado:
I Não demonstra, c acho que não pode ser usado para demonstrar, que o
controle recíproco entre líderes, suficiente para impedir a tirania, re
queira separação de poderes, constitucionalmente estabelecida, como
na Constituição americana.
2. Ou a importância do preceito constitucional como controle extemo é
exagerada ou o argumento interpreta mal as realidades psicológicas
implícitas no conceito de freio ou controle ao comportamento. E são
falsas as inferências tiradas de quaisquer dos dois tipos de premissa
incorreta para as proposições sobre comportamento político ou os re
quisitos de uma democracia não-tirânica.
3. O argumento madisoniano exagera a importância, na prevenção da ti
rania, de freios especificados a servidores públicos, operados por ou
tros servidores igualmente especificados, e subestima a importância de
controles mútuos sociais inerentes em todas as sociedades pluralistas.
Sem esses controles, é duvidoso que os freios a servidores na esfera in-
tragovcmamental operem realmente para impedir a tirania. Com eles,
é discutível que todos os controles intragovemamentais do sistema
madisoniano, da forma como operam nos Estados Unidos, sejam ne
cessários para prevenir a tirania.
X
Na discussão precedente, dei como certo que "tirania" no sistema madi
soniano é um termo com significação clara. Supondo isto, tomou-se pos
sível demonstrar que a Hipótese 1 induz a falsas conclusões. Temos agora
que indagar, porém, se o conceito de "tirania" implícito nesse sistema, e
fundamental para a base lógica da estrutura constitucional americana,
encerra algum significado operacional.
A tirania, vale recordar, foi definida acima como significando toda e
qualquer grave privação de um direito natural. Já expliquei porque essa de
finição é necessária. Realmente, a idéia de tirania da maioria, contra a qual
se levanta o sistema madisoniano, só pode significar que uma tirania que
atue através dos processos regulares & eleições, legislação e governo de
maioria pode, apesar disso, agir de maneira a privar uma minoria de seus
direitos naturais.
Desejo evitar aqui uma discussão do conceito de "direito natural" e de
sua utilidade em teoria política, uma vez que isto implicaria uma digressão
muito grande por um assunto extenso e quase ilimitado. Não obstante, se
tenho razão em pensar que por "tirania" Madison queria incluir "todas as
privações graves de um direito natural", então não podemos realmente a-
quilatar a utilidade dessa definição sem examinar esse conceito. Acho,
porém, que podemos nos extricar desse dilema da seguinte maneira:
Não precisamos resolver a questão de decidir se indivíduos têm direi
tos naturais ou, em caso afirmativo, quais são eles. Tudo o que precisamos
saber é se alguma coisa aproximadamente equivalente à definição de tira
nia que propus (a única alternativa aparentemente nos levaria a uma defesa
basicamente trivial da decisiva Primeira Condição de Madison) constitui
um conceito útil em seu sistema. Se isto não ocorre, então a idéia de tirania,
que é naturalmente fundamental ao argumento de Madison, terá que per
manecer em um estado altamente insatisfatório.
É evidente por si mesmo que a definição de tirania seria inteiramente
vazia, a menos que os direitos naturais pudessem ser, de alguma forma,
definidos. Pode-se demonstrar, acho, que temos que especificar um pro
cesso mediante o qual direitos naturais específicos possam ser definidos no
contexto de alguma sociedade política. Especificar esse processo, porém,
cria alguns dilemas para os madisonianos.
Se um direito natural fosse definido, de maneira muito absurda, como
significando o direito de cada indivíduo de fazer aquilo que deseja, todas as
formas de govemo teriam que ser tirânicas. Isto porque todos os govemos
pelo menos impedem que alguns indivíduos façam o que querem. Neste
sentido, por exemplo, todos os govemos tiranizam os criminosos, sejam
eles definidos pelo nosso govemo ou pelo govemo da URSS. Uma repú
blica não-tirânica, portanto, seria impossível. Em vista disso, tal sig
nificado de tirania deve ser abandonado.
Segue-se que a tirania terá que ser definida como significando que pe
nalidades severas são infligidas a apenas alguns tipos de comportamento.
De que modo devem ser especificados, na prática, esses tipos de compor
tamento cuja restrição é tirânica? Uma das possibilidades seria restringir
apenas os tipos de comportamento que todos os indivíduos (ou todos os
adultos) na comunidade consideram indesejáveis. Mas isto exigiria unani
midade para os atos governamentais e, por isso mesmo, tomaria impossível
o govemo. De acordo com esta regra, por exemplo, se um assassino ne
gasse que o assassinato é indesejável, a comunidade não poderia punir esse
crime. A regra de unanimidade do Conselho de Segurança das Nações Uni
das seria a regra de todas as repúblicas. Evidentemente, o sistema madi
soniano não exige tal coisa.
A situação política típica é aquela em que indivíduos em um grupo ou
na sociedade discordam sobre a desejabilidade de castigar ou premiar
certos tipos de comportamento. Normas de governo são então empregarias
para dirimir a disputa. Mas quando indivíduos discordam, que regra deve
ser empregada para determinar se a punição de aigum ato específico seria
tirânica ou não? Uma das possibilidades consiste cm permitir que a maioria
decida. No capítuio 2, examinarei aiguns dos problemas gerados por esse
preceito. Contudo, uma vez que essa regra operacional é exatamente o que
Madison quis impedir, e além do mais tomaria sem sentido o conceito de
tirania da maioria, temos que rejeitá-la. A única possibilidade restante, en
tão, é que algum grupo especificado da comunidade, não definido como
maioria, mas não necessariamente sempre em oposição a ela, tenha o poder
de decidir. Mas se a Hipótese 1 6 correta, todos os grupos da comunidade
que dispusessem de tal poder usá-lo-iam para tiranizar outros indivíduos.
Daí, na prática, ninguém teria o poder de decidir tal questão. E por isso
também essa definição de tirania aparentemente não possui significado
operacional no contexto do processo decisório político.^ E, naturalmcnte,
segue-se ainda que se tirania não possui significado operacional, tampouco
o tem a tirania da maioria.
Para que não se diga que rejeitei a definição que Madison dá de urania,
substituindo-a deliberadamente por outra que conduz a consequências to
las, e que, portanto, assim fazendo, apenas construí uma ficção a fim de de
moli-la, que se me permita dizer em minha defesa: em primeiro lugar, que
pelas razões já expostas a própria definição de Madison é banal; segundo,
que a definição que propus está implícita em seu sistema; e, terceiro, que
nenhuma definição alternativa compatível e necessária ao argumento de
seu sistema como um todo pode, segundo penso, escapar das dificuldades
implicadas na definição que sugeri.
XI
Se passamos ao conceito explícito de facção proposto por Madison, des
cobrimos que ele enfrenta as mesmas dificuldades que o conceito implícito
de tirania. Mal valcria a pena examinar o conceito explícito, contudo, não
fosse o fato de que idéias desse teor estão implícitas em muitas outras ten
tativas de defender a idéia de limitações constitucionalmentc prescritas às
"maiorias".^ O leitor lembra-se decerto da Definição 4: Uma facção é
"certo número de cidadãos, seja equivalente a uma maioria ou minoria do
todo, unidos e motivados por algum impulso comum de paixão, ou de inte
resses, contrário aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses perma
nentes e conjuntos da comunidade".
A dificuldade enfrentada por essa definição é semelhante à que é en
contrada com a de "tirania". De que modo podemos usar esse conceito? Po
demos interpretá-lo como significando que facção é quaiquer grupo de ci-
datlãos dispostos a usurpar os direitos naturais dos demais. Uma vez que tai
ação é tirânica (por definição, mesmo que esta seja espinhosa), as facções
devem ser obviamente restringidas para que possa existir uma república
não-tirânica. Uma república que evita a tirania tem que evitar a tirania.
A definição, porém, deixaria de ser redundante se pudesse nos ajudar
dc alguma maneira a distinguir entre "certo número de cidadãos" que cons
tituem uma "facção" e qualquer outro número de cidadãos. A menos que
[wssamos estabelecer tal distinção, seriam sem sentido as proposições sub
sequentes importantes que dela dependem. Possuem as facções, pergunto
eu, características reconhecíveis?
É evidente que ficaremos impotentes enquanto não soubermos quais
são "os direitos dos demais cidadãos" e "os interesses permanentes e con
juntos da comunidade". Diante de tal dificuldade, poder-se-ia sugerir um
enfoque diferente. Em vez de pedir as características definidoras de uma
facção, poderiamos tentar imaginar algum processo político através do qual
elas poderiam ser identificadas à medida que surgissem as situações. Ad
mito que isto não era o que Madison tinha em mente, mas talvez seja útil
seguir por esse caminho, uma vez que ele mesmo nos deixou sem um guia.
Ora, se todos sempre concordassem sobre que ações específicas eram
"contrárias aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes
c conjuntos da comunidade", a facção poderia ser identificada por unani
midade. Ambos os critérios, porém, são por demais ambíguos e é suma-
mente improvável a obtenção de unanimidade. Quase todas as ações gover
namentais privam alguns indivíduos de direitos legais antes possuídos, e
quase todos os grupos políticos pleiteiam do governo medidas que privem
alguns indivíduos de certos direitos legais vigentes. Daí, direitos devem ser
interpretados como significando direitos naturais, mas, como demonstra
mos. não há consenso sobre que úpos de comportamento estão incluídos
nos direitos naturais, especialmente em casos concretos. Quanto aos "inte
resses permanentes e conjuntos da comunidade", tanto quanto sei nenhum
grupo político jamais admiúu lhes ser hostil.
Mas se a unanimidade não é obrigatória, então algo menos que ela de
ve ser suficiente. Se, contudo, a maioria puder decidir o que constitui uma
lacção c invocar a maquinaria apropriada contra ela, então, na práúca, a
maioria nunca seria uma facção. Na prática, por exemplo, uma maioria
legislativa poderia ter permissão para determinar que políticas são "contrá-
i ias aos direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes e con-
inntos da comunidade". E poderia então simplesmente, mediante voto, re
pelir a política proposta. Mas é altamente improvável que uma maioria fa-
. "invcl a uma dada política jamais chegue à conclusão de que sua própria
i" 'liiiea c facciosa e por isso a repila no voto. Na verdade, tal ação seria m-
i< u.nncnte inconcebível no contexto madisoniano de comportamento polí-
ni! í
tico e dificilmente seria aceitável em qualquer outro. Daí, se as facções de
maioria são consideradas autênticos perigos, como insistiram Madison e
seus seguidores contemporâneos, então a determinação do significado de
facção pela própria maioria tomaria o conceito inútil no arcabouço madi-
soniano.
Sc a determinação por unanimidade e por voto majoritário são excluí
das, segue-se que a única alternativa restante é a determinação por decisão
de alguma minoria. Mas o argumento precedente contra a entrega desse po
der a uma maioria ccrtamente se aplica a qualquer minoria. Se a Hipótese 1
é cometa, então devemos esperar que qualquer minoria que disponha desse
poder o empregue em interesse próprio, na melhor das hipóteses, e, na pior,
que tiranize todas as demais minorias e mesmo qualquer maioria.
XII
Não faz parte de meu objetivo analisar todos os aspectos detalhados da tese
madisoniana. Não obstante, mais um ponto importante justifica a análise.
A proteção contra as facções e, por conseguinte, contra a tirania, cabe
lembrar, requer duas condições:
Áfipctese & Se uma facção consiste em menos que uma maioria, ela pode
ser controlada pela aplicação do "princípio republicano" de
votação no corpo legislativo, isto é, a maioria pode, pelo
voto, vencer a minoria.
Mpórese 9. O desenvolvimento de uma facção de maioria pode ser con
tido se o eleitorado é numeroso, variado e possui interesses
diversificados.
Uma vez que, como vimos, nenhum significado específico foi atribuí
do aos termos "facções" e "tirania", nas duas hipóteses acima eles tampou
co o possuem, isto é, não há meio concebível através do qual possa ser sub-
metida a teste sua validade. Permanecem, por conseguinte, como meras as
serções incomprováveis.
Mas despachá-los dessa maneira impiedosa deixaria, sem dúvida, os
leitores tão insatisfeitos como me sinto. Isto porque não podemos nos furtar
à impressão de que essas proposições são, pelo menos, dignas de exame, se
puderem, de alguma maneira, ser vazadas de forma a superar as deficiên
cias de seus termos principais. Que meia-sola podemos aplicar a esses con
ceitos a fim de testar as Hipóteses 8 e 9, na medida em que possam ser ab
solutamente submetidas à prova?
Talvez as dificuldades possam ser evitadas da seguinte maneira: va
mos. cm primeiro lugar, supor que as privações de liberdade sejam mini-
mixadas. Definamos em seguida a "liberdade" de um indivíduo como a
oportunidade de atingir seus objetivos sem restrições extemas. Propomos
agora a regra seguinte: o processo decisório governamental será estrutu
rado de tal maneira que todos os grupos de tamanho "significativo" terão
oportunidade de vetar ameaças de privação de sua liberdade. Dessa manei
ra, não é provável que seja limitada a liberdade de qualquer grupo, exceto
])or desconhecimento, perfídia, etc.
Esta formulação implica várias dificuldades, uma das mais impor
tantes das quais é que provavelmente pouquíssimas pessoas considerariam
razoável conceder o poder de veto a todos os grupos de tamanho signi
ficativo. A maioria das pessoas, por exemplo, não o concedería a crimino
sos, mesmo que estes constituíssem um grupo muito numeroso. Sc exce
ções têm que ser feitas, isto cabería obrigatoriamente a alguns indivíduos.
E neste caso voltaríamos ao labirinto de dilemas já examinados nas discus
sões precedentes sobre tirania e facção.
Vamos supor, contudo, que este problema poderia ser de alguma ma
neira solucionado e tornado compatível com os princípios madisonianos e
que algumas, mas não todas, as minorias pudessem ter poder de veto efe
tivo. (Conforme veremos no capítulo 5, algo semelhante aparentemente
acontece no sistema político americano.) Podemos agora submeter a teste a
validade da Hipótese 8. Segundo ela, uma minoria disposta a impor severas
privações a alguma maioria poderia ser simplesmente vencida pelo voto no
corpo legislativo. Daí, nenhuma minoria poderia jamais limitar a liberdade
da maioria mediante ação governamental.
Se deixamos de lado as dificuldades da costumeira passividade polí
tica da maioria no tocante a questões, no estágio de formulação de política,
então a Hipótese 8 é válida, contanto que seja estreitamente interpretada.
Por estreitamente interpretada, quero dizer que a hipótese deve especificar
que a maioria precisa ser maior do que a minoria por apenas uma pessoa.
Sc uma maioria qualificada 6 necessária para aprovar legislação — isto é,
uma maioria maior do que a minoria por mais do que um, como nos casos
cm que são necessárias maiorias de dois terços ou três quartos — então
pode-se facilmente demonstrar que a Hipótese 8 trará ameaças à maioria
apenas se elas decorrerem de proposta ação governamental. Isto porque, se
mais do que uma simples maioria c necessária para promulgar uma polí
tica, então uma minoria de tamanho apropriado pode vetar qualquer polí
tica que combata. Se a liberdade de alguma maioria já é limitada, de ma
neira que só a ação governamental positiva é que elimina a privação, e se
uma minoria com poder de veto combate as medidas propostas para au-
m< ntar a liberdade da maioria, então, ao exercer seu poder de veto, uma
minoria pode manter as privações de liberdade de uma maioria e daí tira-
m/á-la.^
Assim, uma maioria pode jutgar que o trabalho infantil, os baixos salá-
tios, as más condições de habitação, a falta de sindicatos eficazes e de pre
vidência social e a reforma de cortiços representam graves privações de sua
liberdade. Neste caso, as privações imediatas seriam infligidas por indiví
duos privados e não por servidores públicos. Por conseguinte, se a ação go
vernamental é uma condição necessária para eliminar o trabalho infantil, os
baixos salários, as más condições de habitação, para criar sindicatos efi
cazes, instituir a previdência social e prover moradias decentes e se, além
disso, uma minoria composta, digamos, de empregadores (ou servidores
públicos simpáticos ou responsáveis perante os empregadores) puder vetar
todas as medidas do govemo destinadas a eliminar essas privações impos
tas por particulares, então a Hipótese 8 é falsa. Isto porque, neste caso, o
"princípio republicano" não seria suficiente para proteger a maioria contra
as privações impostas por uma minoria.
XHI
A Hipótese 9 assegura que os efeitos produzidos por uma facção de maio
ria podem ser controlados se o eleitorado for numeroso, variado e possuir
interesses diversificados. Neste caso, mais uma vez, a falta de um signifi
cado preciso da palavra facção constitui obstáculo à comprovação do prog
nóstico. Contudo, se analisarmos os argumentos que o próprio Madison
utilizou a fim de provar a validade dessa hipótese, toma-se claro que ela
deve ser interpretada como significando que a eficácia de qualquer que seja
a maioria c scvcramcntc limitada se o eleitorado for numeroso, variado e de
interesses diversificados. Se a maioria 6 faccionária ou não, pouco importa
para a aplicação das restrições decorrentes da existência de um eleitorado
numeroso, variado e de interesses diversificados. Além do mais, tanto
quanto sei, nenhum madisoniano moderno demonstrou que as restrições à
eficácia das maiorias impostas pelas realidades de uma sociedade pluralista
sirvam apenas para limitar as "más" maiorias e não as "boas". E confesso
que não vejo maneira como uma proposição tão engenhosa assim poderia
ser satisfatoriamente provada.*
Por tudo quanto foi dito, o efeito líquido da Hipótese 9 parece ser o
seguinte: uma vez que é provável que as maiorias sejam instáveis e transi
tórias em uma sociedade grande e pluralista, é provável também que sejam
politicamente ineficazes. E aqui se situa a proteção fundamenta! contra a
exploração das minorias por elas. Esta conclusão, claro, dificilmente é
compatível com a preocupação com a tirania da maioria, que constitui a
característica do estilo de pensamento madisoniano.
XIV
A falta de significado específico dc termos como "tirania da maioria" e
"facção", juntamente com a importância fundamenta! desses conceitos no
estilo de pensamento madisoniano, levou a uma teoria política sumamente
tortuosa, mais explicável em termos genéticos do que lógicos. Genetica
mente, a ideologia madisoniana serviu como racionalização conveniente a
todas as minorias que, temendo possíveis privações por iniciativa de
alguma maioria, exigem um sistema político que lhes dê oportunidade de
vetar tais políticas.^
Ao tempo da elaboração da Constituição, o estilo madisoniano de ar
gumentação proporcionou uma ideologia satisfatória, convincente e prote
tora ás minorias de riqueza, síaUcs e poder, que sentiam profunda des
confiança e temor dc seus acerbos inimigos — os artesãos e agricultores,
dc riqueza, smncs* e poder inferiores, que elas julgavam constituir a "maio
ria popular". Atualmente, contudo, afigura-se provável que, por razões his
toricamente explicáveis, um número preponderante de americanos politi
camente ativos se considerem membros, pelo menos durante parte do tem
po, de uma ou mais minorias — minorias, demais disso, cujos objetivos
poderiam ser ameaçados se a autoridade constitucionaimente estabelecida
das maiorias fosse legalmente ilimitada. Por isso mesmo, a despeito de
suas falhas em lógica, definição e utilidade científica, a ideologia madiso
niana provavelmente continuará a ser a mais geral e de mais fundas raízes
dc todos os estilos de pensamento que se poderia denominar corretamente
de "americanos". Seria tolo aquele que pensasse que o exame de sua falta
dc lógica lhe reduziria significativamente a aceitação. As ideologias ser
vem a uma grande variedade de necessidades, psicológicas, socioeconô-
micas, políticas, propagandísticas — que transcendem a necessidade de
coerência cientíítca reclamada pelos pedantes.
Nada obstante, como ciência política, se não como ideologia, o siste
ma madisoniano é claramente inadequado. Em retrospecto, as deficiências
lógicas e empíricas do pensamento de seu autor parecem ter decorrido em
grande parte de sua incapacidade de conciliar dois objetivos diferentes. Por
um lado, Madison aceitava na maior parte a idéia de que todos os cidadãos
adultos de uma república deveriam ter direitos iguais garantidos, incluindo
' - de determinar a direção geral da política pública. Neste sentido, o go-
vono da maioria é o "princípio republicano". Pelo outro, ele desejava cri-
gu um sistema político que assegurasse as liberdades de certas minorias
uins vantagens de jMMs, poder e riqueza, acreditava ele, não seriam pro-
' Imcnte toleradas para sempre por uma maioria não-restringida por lia-
<"< . constitucionais. Daí, as maiorias precisavam ser constitucionaimente
..... .. O madisonianismo, tanto no passado como atualmente, cons
titui uma acomodação entre essas duas metas conflitantes. Ac)to que de
monstrei que os termos explícito e implícito da acomodação não resistem a
uma análise cuidadosa. E talvez fosse to!o esperar isso.
Na busca de uma teoria de democracia que se sustente sob exame,
duas alternativas se sugerem por si mesmas, ambas concentradas na conse
cução de uma das duas metas básicas tão perigosamente aliadas pela aco
modação madisoniana. Uma possibilidade seria a de concentrar-se no argu
mento sobre a preocupação de Madison de que a maioria impediría a mi
noria — ou uma minoria particularmente valiosa — de obter aquilo que
tem o "direito" de obter, seja isso propriedades, sfaítM, poder ou a opor
tunidade de salvar a humanidade. Seguindo essa linha de raciocínio, postu
laríamos que as metas de algum dado conjunto de indivíduos são ineren
temente corretas ou boas e que o processo decisório deveria assegurar a
maximixação dessas metas. Ironicamente, a preocupação com os perigos
gerados pelas maiorias foi compartilhada não só pelas elites aristocráticas
mas também por aventureiros políticos, fanáticos e totalitários de todos os
matizes, de modo que este estilo de pensamento assume um sem-número
de formas e encontra defensores tão diferentes como Platão e Lenin. Se
levarmos um dos aspectos do argumento de Madison ate seu limite lógico,
portanto, podemos facilmente colocá-lo no campo dos grandes teóricos an
tidemocráticos. Mas desde que ele evitou levar suas premissas aos limites
últimos, seria desleal, tolo e sem proveito esticar-lhe o argumento até essas
lonjuras. Além do mais, o que quer que possamos pensar sobre a desejabi-
1idade de um ou de outro dos sistemas políticos propostos por esses teó
ricos, acho que, a menos que queiramos eliminar algumas distinções muito
úteis entre sistemas políticos, não poderemos considerá-los, concentrados
como estão na meta de evitar o controle da maioria, como democráticos.
Segundo penso, Madison foi até onde era possível, ainda permanecendo
sob o pálio da democracia. Por esse motivo, não me proponho a explorar o
desenvolvimento alternativo de seu argumento.
A outra alternativa consiste em estabelecer a igualdade política como
um fim a ser maximizado, isto é, postular que os objetivos de todos os
cidadãos adultos de uma república devem ser considerados de igual valor
na determinação das políticas públicas. Se tal fosse nosso objetivo, que
condições básicas deveriam existir para a tomada de decisões pelo go
verno? Esta é a alternativa que nos ocupará a partir de agora.
\)'i Nt)tCE AO C A P ÍT U LO 1
O axioma básico: O objetivo que deve ser colimado, pelo menos nos
Hstados Unidos, é uma república não-tirânica.
!11 () argumento:
//qvítese 7.' Na ausência de controles extemos, qualquer dado indivíduo,
ou grupo de indivíduos, tirani/.ará os demais.
//</Utese2.' A acumulação de todos os poderes, legislativo, executivo e
judiciário, nas mesmas mãos implica a eliminação dos con
troles extemos.
//< /v í; e .y e N a ausência de controles externos, uma minoria de indiví
duos tiranizara uma maioria de indivíduos.
//'/Ufcse -7; Na ausência de controles externos, uma maioria de indivíduos
tiranizara uma minoria de indivíduos.
' /'/'dn-se J * São necessárias pelo menos duas condições para a existência
de uma república não-tirânica:
fri/Hgira conJição: A acumulação de todos os poderes,
legislativo, executivo e judiciário, nas mesmas mãos, seja dc
um, de alguns ou de muitos, e se hereditária, autonomeada ou
eletiva, deve ser evitada.
êcçMAíái condíç&r* As facções devem ser controladas dc
tal maneira que não possam agir de forma contrária aos
direitos dos demais cidadãos ou aos interesses permanentes e
comuns da comunidade.
/Vt/w/eáe d; Eieições populares frequentes não criarão controles extemos
suficientes para impedir a tirania.
M/wt&yc 7.* Se queremos que as facções sejam controladas, e evitada a
tirania, isto terá que ser conseguido pelo controle dos efeitos
por ela produzidos.
Mpdfcse Se uma facção consiste em menos que a maioria, ela pode ser
controlada mediante aplicação do "principio republicano" de
votação em um corpo legislativo, isto é, a maioria pode, pelo
voto, vencer a minoria.
7/tpoíese 9; O desenvolvimento de facções de maioria pode ser limitado
se o eleitorado for numeroso, variado em composição c diver
sificado em interesses.
//ipót&rc 70* Na medida em que o eleitorado é numeroso, variado e diver
sificado em interesses, é menos provável que exista facção de
maioria e, se existir, é menos provável que atue como uma
unidade.
N O TA S
A Democracia Populista*
Há apenas uma ici que, por sua própria natureza, necessita de con
sentimento unânime. Esta é o contrato sociai...
À parte esse contrato primitivo, o voto da maioria obriga moral-
mente a todos os demais...
Pressupõe isto, na verdade, que todas as qualidades da vontade ge
ral residam na maioria; quando elas deixam de fazê-lo, qualquer que
seja o partido que um homem possa tomar, não é mais possível a
liberdade (Rousseau, O Contrato Sócia/).
HI
!V
A fim de levar em conta algumas das objeções éticas à teoria populista,
vamos compará-la rapidamente com o argumento madisoniano. A pro
posição essencial do argumento descrito neste capítulo é que, dadas a sobe
rania popular e a igualdade política como únicas metas, deve ser condição
necessária e suficiente à política pública que ela se conforme às preferên
cias do maior número de cidadãos (eleitores ou legisladores). Contra isto, o
argumento madisoniano afirma, como inferência ética de suas suposições
básicas, que a conformidade com as preferências do maior número de ci
dadãos deve ser uma condição necessária, mas não suficiente, à política do
governo. Isto c, o fato de uma dada política ser preferida pela maioria a to
das as alternativas conhecidas não implica que ela seja efetivamente ado
tada pelo govemo, isto porque controles internos impostos à maioria po
dem impedir a alternativa de ser promulgada.
Bem, sobre que fundamentos poderiamos defender a desejabilidade da
Regra em contraste com a proposição madisoniana? Na verdade, a per
gunta é: Por que são desejáveis a igualdade política e a soberania popular?
Situa-se além de meus objetivos neste trabalho empreender uma análise
detalhada dessas questões éticas, que por seu lado exigem alguma teoria
sobre a validação de proposições desse tipo. Isto porque o exame de teorias
democráticas alternativas logo se transformaria em um elemento subordi
nado em uma crítica geral de teorias éticas alternativas. Não obstante,
poderia ser desejável delinear o esboço geral que assumiría, talvez, essa
crítica.
Historicamente, a justificativa da igualdade política e da soberania po
pular tem sido em gera! deduzida da aceitação dos direitos naturais. As
stqatsiçõcs que tornaram a idéia de direitos naturais intelectualmente de-
tensáveis tenderam a dissolver-se nos tempos modernos. A menos que elas
st-jnm simplesmente uma maneira indireta de argumento, que poderia ser
vazado em linguagem mais precisa, a lógica dos direitos naturais aparente
mente requer uma visão transcendental, na qual eles são "naturais" porque
Deus direta ou indiretamente quer que existam. E Deus os quer como di
reitos que os homens tenham permissão (mas não necessariamente) de seus
semelhantes para exercer em sociedade. É fácil compreender que tal ar
gumento envolve inevitavelmente grande variedade de suposições que são,
no mínimo, difíceis e, na pior hipótese, impossíveis de provar para satis
fação de todos os que tenham inclinações positivistas ou cépticas.
A dificuldade de se derivar uma prova mais ou menos inatacável da
desejabilidade da igualdade política e soberania popular diretamente de
uma ótica transcendental sugere a possibilidade de se recorrer a provas de
caráter conveniente. Estas pelo menos adiam o problema de uma justi
ficação final, embora, claro, não o eliminem para aqueles que acreditam na
necessidade da mesma.
Dando um exemplo, se como resultado dc doutrinação social sentir
mos inquietação em situações de desigualdade política e se a democracia
populista alivia essa inquietação e não cria outras dc gravidade igual ou
maior, e se preferimos serenidade à inquietação, seria racional preferi-la à
democracia madisoniana (ou, claro, à ditadura ou a qualquer outro sistema
hierárquico). Uma vez que esse tipo de hedonismo parece, mesmo cm nos
sa cultura, carecer de autoridade psicológica ou da aceitabilidade de uma
ética transcendental, o argumento seria insatisfatório para numerosos indi
víduos. E certamente não adiaria por muito tempo a questão ética básica.
Poderiamos tentar também demonstrar que, cm um dado tempo e lu
gar, por razões históricas e culturais, nenhuma regra ética que não a cor-
porificada na soberania popular c igualdade política conferina legitimidade
às decisões políticas. E se fosse possível demonstrar que essa legitimidade
era necessária a uma grande variedade de metas, tal como a estabilidade, a
democracia populista seria, necessariamente conveniente. Mas se, como vi
mos supondo, a democracia madisoniana é a tese predominante nos Esta
dos Unidos, o argumento dificilmente se aplicaria a este país. O máximo
que se poderia demonstrar é que os americanos foram doutrinados para
acreditar tanto na democracia madisoniana como na populista; que nunca
conciliaram inteiramente as duas; e que essa incapacidade priva as decisões
governamentais de grande parcela de legitimidade. Seria difícil demons
trar, contudo, que uma mudança completa para a democracia populista au
mentaria por esse motivo a legitimidade das decisões do governo.''
Um terceiro argumento conveniente poderia basear-se cm uma ampla
estratégia para consecução dc uma grande variedade de metas do indiví
duo. Deriva-se ele do prognóstico de que, pelo menos para o indivíduo ou
para os grupos que ele apóia, a probabilidade de maximizar grande varie
dade de metas altamente apreciadas é maior na democracia populista do
que em qualquer uma de suas alternativas. Isto pressupõe, claro, algum
tempo e lugar, como os Estados Unidos em 1956, e também alguns dados,
impressionistas ou não, que serviríam de base a uma estimativa aproxima
da de probabilidades. Neste caso, o compromisso do indivíduo com a de
mocracia populista é, do ponto de vista lógico, inteiramente provisório e
contingente à produção de certos resultados (ou da probabiltdade de que
eles ocorram). Na prática real, contudo, um sistema viável de democracia
exigiria, sem dúvida, extensa doutrinação e habituação social.'" Daí, em
bora o compromisso pudesse ser intelectualmente considerado como provi
sório, no que interessa ao comportamento precisaria ser, e provavelmente
seria para a maioria das pessoas, altamcntc estável e fortemente ancorado
no inconsciente. Na verdade, então, seria provisório no sentido da lógica e
muito mais rígido no do comportamento.
Mas prossigamos no exame do terceiro argumento, reformulando nos
sa questão da seguinte maneira: Em primeiro lugar, suponhamos que a Pro
posição 1 proporciona uma regra com alguma probabilidade positiva de ser
usada em decisões governamentais nos Estados Unidos, digamos. Su
ponhamos em seguida que nosso único critério para escolher uma ou outra
regra é o efeito provável da mesma sobre nossas metas ou sobre a de algum
outro grupo identificável. De que modo podemos decidir racionalmente
que uma regra que maximize a soberania popular e a igualdade política é
preferível à "soberania popular limitada" expressa em regras apropriadas à
democracia madisoniana? A resposta obviamente requer um volume muito
considerável de prognósticos sobre as consequências de cada uma delas.
Note-se, porém, que as relações estabelecidas pelas Definições 1-3 e Pro
posição 1 são puramente lógicas e não nos permitem fazer absolutamente
qualquer profecia. Isto é, nada mais fizemos do que elaborar um sistema
lógico que, por mais satisfatória seja sua simetria, nada nos diz sobre o
mundo real. Ainda assim, não podemos sensatamente decidir se preferimos
a democracia populista à madisoniana sem estimar as consequências pro
váveis de cada alternativa, se aplicada em um dado tempo a algum dado
grupo no mundo real. Em consequência, temos que nos voltar para a obser
vação empírica em busca de resposta. Mas passar a ela implica alterar todo
0 problema, de um de estabelecimento de relações puramente lógicas para
outro de estabelecimento também de relações empíricas. Voltaremos a este
ponto na seção V.
Para sermos exatos, o filósofo dirá que não podemos provar a deseja-
bilidade da Proposição 1 baseando-nos inteiramente em proposições empí-
1 n as e que mais cedo ou mais tarde faremos algumas suposições éticas
limilamcntais. Não obstante, não levaremos adiante a análise da ética final
<! t igualdade política e da soberania popular. Em vez disso, voltaremos a
ilgumas questões anteriores.
V
Mesmo supondo que é válido o enfoque sugerido pelo último argumento,
uma das objeções à democracia populista é que ela ignora as diferenças em
intensidade de preferências. Na linguagem da economia, ela rejeita as com
parações interpessoais de utilidades. Suponhamos que nos seja possível
medir ou, pelo menos, graduar as intensidades das preferências. Suponha
mos ainda que %é apenas ligeiramcnte preferido a y por uma maioria e que
y é fortemente preferido a r por uma minoria. A definição de igualdade po
lítica não leva em conta esse fato e a Regra o ignora. Daí, nesse caso, mes
mo que a maioria exceda a minoria por apenas um, a democracia populista,
conforme vimos, exigiría apesar disso que a opção da maioria fosse a polí
tica pública. E talvez o receio de que, ocasionálmcnte, uma meta altamente
apreciada seja postergada por uma maioria modesta que leva até os ameri
canos mais ardentemente democratas a preferir com tanta frequência a de
mocracia madisoniana à populista - pelo menos no caso dosEstados Unidos.
A fim de enfrentar esse problema, teremos que passar brevemente à
Proposição 2, que até agora ignoramos. Esta, a condição da "última pala
vra", sustenta que "a democracia populista é desejável, pelo menos no to
cante a decisões do governo, pelo menos como solução final quando todos
os demais processos preceituados foram esgotados e pelo menos entre ci
dadãos adultos". O argumento que justifica essa condição desenrola-se da
maneira seguinte: embora as regras da democracia populista possam ser
estendidas a numerosos tipos de organização, o governo c a mais impor
tante dc todas elas. A condição, por conseguinte, visa a assegurar que a de
mocracia populista aplica-se pelo menos ao governo. O govemo é crucial
porque dispõe de controles relativamente poderosos. Em uma grande va
riedade de situações, em um choque entre controles governamentais e
outros, os primeiros serão provavelmente mais decisivos do que os segun
dos. Para sermos exatos, a eficácia dos controles governamentais tem li
mites. Seria fácil lhes exagerar a força comparativa mas a história política
constitui um registro dc lutas violentas, e não raro sanguinárias, a fim dc
controlar os controles que denominados de governamentais. É razoável
supor que, em uma grande variedade de situações dc formulação dc polí
tica, quem quer que controle as decisões governamentais terá um poder
significativamente maior sobre ela do que indivíduos que não se encontram
nessas condições. Por isso mesmo, o argumento cm prol da democracia ]xi-
pulista é, pelo menos iniciaimentc, cm favor dela no govemo.
A frase "democracia populista no govemo", porém, ]xxlc induzir a
erro. "Govemo" inclui numerosos tipos dc processos sociais; os depar-
lamentos s;m lúerárquicos, alguns deles operam dentro de um sistema dc
preços e é comum a barganha entre lideres hierárquicos. A exigência de
democracia populista não impiica também a eliminarão dc todos esses pro
cessos alternativos dc controle no governo. Da mesma forma que o go
verno é um sistema crucial de controles na sociedade, s3o de igual im
portância nele os processos que pcrmttem uma vo/, mais ou menos final ou
decisiva na politica. Por isso mesmo, o argumento em favor da democracia
populista apiica-se a esses processos decisivos no governo, onde a "última
palavra" tem que ser dita.
A restrição da "última palavra" a adultos é defendida por uma grande
variedade de razões. Embora a idade limite mais baixa seja motivo de al
gumas controvérsias, o princípio básico desperta tão pouca contestação que
mc dispenso de passar em revista os argumentos que o justificam.
Voltemos agora à questão das intensidades. Mesmo aqueles que jul
gam a Regra razoável, nos casos cm que acredita que é mais ou menos a
mesma a intensidade do desejo entre os membros da minoria e maioria,
consideram-na intolerável no caso do tipo citado acima, em que x é apenas
ligeiramente preferido por uma escassa maioria c y é fortemente preferido
por uma minoria igualmente pequena. Com efeito, provavelmente ninguém
defenderia a aplicação da Regra em todas as situações. A verdadeira ques
tão é sc o indivíduo a defende: d) para o governo, /?) como apelo final, c)
entre adultos, isto é, se a quer mesmo na condição de "palavra final".
Suponhamos que alguém negue a validade da Regra, mesmo sob a
condição de última palavra, alegando que ela não reflete apropriadamente
as intensidades dos desejos. Negá-la implica dizer que ou nenhuma regra é
válida, o que seria dc pouca utilidade no mundo real, ou que uma regra
contrária é válida. A regra contrária teria que afirmar que, em alguns casos
em que o desejo da minoria pory é mais intenso do que o desejo da maioria
por x, a política governamental deve adotar a preferência da minoria e não
da maioria (a Regra Ressalvada da Minoria).
A Um de tomar essa regra aplicável, haveria necessidade de especi
ficar um método para decidir quando um caso particular sc enquadra nesta
categoria. Suponhamos que se permita que a maioria decida. À primeira
vista, isto parecería sem sentido e, na verdade, logicamente contraditório,
mas, na verdade, isto acontece frequentemente nos países democráticos,
seja funcionando de acordo com regras madisonianas ou com algo como o
princípio do governo de maioria. Há uma grande variedade de razões por
que uma maioria que inicialmente demonstra apenas uma ligeira preferên
cia por uma política pode finalmente aceder às exigências de uma minoria
fortemente atuante. A intensidade dos desejos de outras pessoas, e os pro
váveis atos políticos resultantes de diferentes graus de intensidade, figuram
entre os fatores que numerosos indivíduos, e ccrtamente muitos líderes
políticos, poderão levar em conta ao decidir sobre suas próprias prefe
rências cm políticas.
Mas suponhamos que esse tipo de solução, inteiramente compatível
com a Regra, c julgado inadetjuado, uma vez que a decisão finai cabe ainda
à maioria. Neste caso, a Regra Ressaivada da Minoria deve ser tomada
opcraciona), especificando-se uma dada minoria em que se pode confiar
que invocará seu poder nos casos, mas apenas nestes casos, em que a inten
sidade da preferência de uma minoria por y era significativamente maior do
que a intensidade da preferência de uma maioria por x. Infelizmente, con
forme veremos no capítulo 4, no mundo real é difícil estruturar delibera-
damente uma organização oficial apropriada a esta condição. Rcis-fiió-
sofos não são fáceis de encontrar.
V!
A objeção ctica iinal e que acredito válida à teoria da democracia populista
é que ela postula apenas duas metas a serem maximizadas — a igualdade
política e a soberania popular. Mas ninguém, exceto talvez um fanático,
desejaria maximizar duas metas às expensas dc todas as demais. Daí. qual
quer ética política que estabeleça regras apropriadas apenas ao atihgimcnto
de uma ou duas metas é inadequada para a maioria de nós.
Isto porque para quase todos nós — e isto pode ser especialmente ver
dadeiro em países que conseguiram manter democracias durante longos
períodos de tempo — são excessivos os custos de visar a uma ou duas
metas às custas dc todas as demais. Na maior parte, somos marginalistas.
De modo geral, experimentamos utilidade marginal decrescente quanto
mais atingimos uma meta ou, na linguagem da psicologia modema, o atin-
gimento & meta reduz o valor motivador do estímulo. A igualdade política
e a soberania popular não são metas absolutas. Temos que nos perguntar o
quanto de lazer, privacidade, consenso, estabilidade, renda, segurança, pro
gresso, .smm.s e provavelmente muitos outros objetivos estamos dispostos a
renunciar em troca de um aumento adicional dc igualdade política. E fato
observável que quase ninguém considera a igualdade política e a soberania
popular como valendo o sacrifício ilimitado desses outros objetivos.
Cabe perguntar: a democracia popular impõe custos, digamos, nos ti
pos de objetivos mencionados acima? Esta é uma questão a qual a teoria
não oferece resposta. Mas certamente uma teoria que não indica os custos
prováveis contra os quais teríamos que medir os ganhos prováveis é incom
pleta demais para nos ajudar muito no mundo real.
VH
Esta última observação lembra um ponto mencionado antes: a teoria da
democracia popuüsta não é um sistema empírico. Consiste apenas em re-
tações lógicas entre postulados éticos. Nada nos diz sobre o mundo real.
Baseando-nos nela não podemos prever qualquer tipo que seja de compor
tamento.
E este é um ponto de suprema importância na avaliação da significân-
cia da teoria. Isto porque, conforme já vimos, em certo número de questões
6 difícil ou impossível para nós decidir que regra prefeririamos seguir até
que tenhamos previsto as prováveis consequências do emprego da Regra
no mundo real. Mas aqui a teoria da democracia populista em nada nos
ajuda. Não nos diz como devemos nos aproximar da soberania popular e
igualdade política ou maximizá-la no mundo concreto. Declara simples
mente que a consecução perfeita dessas condições, supondo-as atingíveis,
exigiria de nós a aplicação da Regra. Mas esta raramente é, se realmente
isto acontece alguma vez, a forma que assume um problema no mundo do
dia-a-dia, e acho que nunca acontece na política.
É grande a variedade de fatos empíricos que precisamos conhecer, ou
sobre eles formar uma idéia, antes de podermos decidir racionalmente so
bre os tipos de regras políticas que queremos seguir no mundo real. Além
disso, a situação concreta pode muito bem variar de um momento a outro e
de uma organização social a outra. Dessa maneira, mesmo que nossas me
tas (valores) permaneçam estáveis, um conjunto de regras que maximize a
sua concretização em uma situação pode ser inteiramente inaplicáve! em
outra. Certamente não há razão a prior; para supor que a democracia popu
lista maximizaria nossas metas (ou as metas dos demais) cm todas as cul
turas, sociedades e épocas. Por isso mesmo, ainda que acreditemos que a
igualdade política e a soberania popular são metas desejáveis (entre ou
tras), cvidcntcmcntc a questão relevante precisa ser colocada mais ou me
nos assim: As propostas específicas (como, por exemplo, a eliminação da
revisão judicial, partidos políticos unificados, mudanças na duração de
mandatos, ou implantação do sistema parlamentar, etc.) se adotados, diga
mos, nos Estados Unidos, nos aproximariam mais dessas duas metas do
que as sugestões existentes ou outras alternativas, sem impor ao mesmo
tempo custos excessivos e outros valores? A fim de responder a uma per
gunta como essa, é claro que temos que sair da teoria da democracia po
pulista c passar à ciência política empírica.
No capítulo 3, examinaremos algumas das mais importantes relações
empíricas que aparentemente existem nos sistemas políticos denominados
de democráticos (pelo menos no Ocidente). No restante deste capítulo,
i< .!:u< i de três objeções á teoria da democracia populista que colocam
u<!]«'t);u))<-s questões empíricas.
Em primeiro lugar, a teoria não indica que indivíduos ou grupos de
vem ser incluídos no sistema político ao quai a igualdade política, a sobe
rania popuiar e a Regra devem apiicar-se. Sem dúvida, alguns de seus de
fensores gostariam de ver todos os seres humanos vivendo em tal sistema,
mas, tanto quanto sei, nenhum teórico político jamais propugnou um sis
tema único e mundial desse tipo de democracia. Historicamente, a demo
cracia modema e o nacionalismo desenvo!vcram-se aproximadamente na
mesma cpoca c os modernos teóricos da matéria têm em geral, implícita ou
explicitamcntc, proposto o sistema para a nação-Estado. Alguns, como
Rousseati, aparentemente o consideraram apropriado a grupos pequenos,
mais ou menos do tamanho de um cantão; Jefferson evidentemente consi
derava a igualdade política e a soberania popular mais praticáveis ao nível
estadual do que no do governo federal, esfera esta cm que ele, na prática,
aceitava o sistema madisoniano. Resta, contudo, a questão: deve um con
junto de indivíduos ser incluído de preferência a outro? Tanto quanto sei,
nenhum teórico democrata nos fomeceu qualquer resposta sistemática a
esta questão.
Poder-se-ia dizer que as fronteiras apropriadas incluiríam apenas os
indivíduos que concordassem com a Regra. Mas isto certamente tomaria o
sistema impraticável no mundo real. Uma vez que fronteiras geográficas
seriam provavelmente necessárias como assunto prático, seria provável que
qualquer área geográfica significativa incluísse apenas indivíduos que con
cordam com a Regra. Se, por esse motivo, se insistisse em que as fronteiras
deveriam incluir grupos nos quais a maioria concorda com a Regra, verifi-
car-sc-ia que esta norma não nos daria absolutamente qualquer princípio
operacionalmente útil. De que modo uma decisão desse tipo seria alcança
da no mundo real? Suponhamos que a área conhecida como Greater Wys-
teria tenha uma maioria de adultos que concorda com a Regra, mas que a
minoria que se opõe a ela na zona de Greater Wystcria conhecida como
South Wysteria seja suficientementc numerosa para formar uma maioria
nessa zona. Nosso princípio experimental nos diria para traçar as fronteiras
em tomo de Greater Wysteria e excluir South Wysteria, isto é, seria uma
instrução contraditória em si mesma.
Os limites de inclusão e exclusão de unidades governamentais geo
gráficas constituem, no mundo real, alguns dos fenômenos políticos mais
rígidos. Não precisamos recorrer às experiências de nações-Estado cm
busca de prova nesse sentido. Basta que nos lembremos das dificuldades
que quase sempre impedem a aceitação de propostas de consolidação ur
bana. Em grande parte, todos temos que aceitar as fronteiras de nosso
mundo político tais como foram traçadas pela tradição e os fatos históricos.
E só raramente são elas acessíveis à mudança racional.
Mas mesmo que fossem, no caso de indivíduo que subscrevesse nu
merosos valores, e não apenas os dois corporificados na igualdade política
r na .utniauia po[iular, a norma mais racionai a seguir seria aproxima-
tiauu-uu' a scg.uuuc: cscoiher uma sociedade poiítica que contivesse indi
víduos i mus oiijctivos fossem suficicntcmcnte parecidos com os seus para
l)ui]x)[ciouar a mais afia probabifidade de que pudessem maximizar todos
o:- seus principais vaiores. Uma vez que a iguaidade poiítica e a soberania
popuiar siío apenas dois vaiores, seria inteiramente racionai que o indiví
duo sacrificasse aigum ou aiguns para assegurar a realização dos demais.
Daí, cie poderia juigar racionai escoiher fronteiras que inciuíssem indi
víduos, taivez uma maioria deies, que fossem favoráveis à democracia ma-
tiisoniana ou mesmo a aigum outro sistema poiítico aiternativo. Por isso
mesmo, o Acordo de Connecticut não constitui necessariamente uma
acomodação toia, mesmo para os americanos que atribuem aito vaior à
iguaidade poiítica e por isso mesmo são contrários à igual representação
estaduai no Senado, isto porque pode ser de ionge a meihor barganha gio-
bai que um americano pode obter no mundo rcai, isto é, todas as aitema-
tivas reaiistas seriam menos satisfatórias.
Não discuto aqui se este é ou não o caso. O importante 6 que a teoria
da democracia populista não proporciona quaisquer critérios satisfatórios
para decidir quem deve ser inciuído no sistema. A eiaboração desses cri
térios satisfatórios exigiria cuidadosa atenção a um grande número de fatos
empíricos que não estão especificados no sistema e, rcaimente, não pode
ríam ser sem convcrtc-io de um sistema de iógica pura em uma teoria
empírica.
V1H
Um segundo probiema empírico foi coiocado por Gaetano Mosca, cuja
objeção podemos parafrasear da seguinte maneira: Todas as sociedades
criam uma ciasse dominante. O controie popuiar gerai (e, certamente, o
governo da maioria) é impossível. Não obstante, a extensão em que a
ciasse dominante é sensívei aos desejos populares e aos resultados das
eleições depende até certo ponto do sistema constituciona), da ideoiogia
predominante e da doutrinação social. Doutrinas e preceitos constitucionais
dispondo sobre soberania popular e governo da maioria são os que exercem
os mais fracos de todos os controies sobre os governantes. Isto porque, uma
vez que a maioria não govema cm nenhum caso, as doutrinas e preceitos
desse tipo na verdade conferem poder ilimitado à minoria governante, a
qual. naturalmente, aiega representar a maioria. Por isso mesmo, em parte
.1 um a a tirania é mais provável do que numa sociedade em que o sistema
..... titucionai c a ideoiogia predominante legitimam o poder constitucionai
ilinuiatio da maioria.
A objeção de Mosca, cabe notar, dificilmente pode dar aigum consoio
aos críticos madisonianos da democracia populista. E acontece isto porque
a objeção repousa na suposição cxpiícita de que toda a idéia de tirania da
maioria é absurda; a maioria jamais governa e, portanto, não pode jamais
tiranizar; só as minorias governam e, conseqüentemente, a tirania é sempre
exercida peias minorias.
Neste capítuio, não tentarei chegar a uma conciusão sobre se é váiida
ou não a objeção de M o s c a .O importante é que eia coioca uma serie de
questões empíricas para as quais a teoria da democracia popuiista não pro
porciona resposta.
IX
O terceiro probiema empírico tem dado origem a grande confusão inte-
iectuai, em grande parte por causa de ambiguidades iingüísticas. O pro
biema surge da objeção de que, sob um sistema de soberania popuiar,
iguaidade poiítica e governo da maioria, uma maioria pode muito bem
tomar medidas que destruam o sistema e, por isso, taivez seja necessário ai
gum método de veto de minoria para impedir que isso ocorra. Nos Estados
Unidos, uma grande variedade de eiementos no sistema constitucionai pro
porciona um veto de minoria, inciuindo o Supremo Tribunai, a composição
do Senado, o sistema de comissões do Congresso, a obstrução e, às vezes,
taivez, a presidência.'"
Tomemos x* como aigum requisito fundamentai à iguaidade política e
à soberania popuiar, digamos, certo grau de iiberdade de expressão. Supo
nhamos que y é uma aitemativa que a reduziria a um ponto em que a
soberania popuiar seria impossívei, e inevitável a oiigarquia.^ Poder-se-ia
argumentar que um veto de minoria é necessário para impedir a impian-
tação de y c, com eia, a destruição não apenas da democracia popuiista em
si mas de quaiquer aproximação real da mesma.
O probiema é agravado neste ponto peia necessidade de ievar cm conta
o período temporai no quai se espera que as preferências popuiares sejam
transformadas em poiítica púbiica. Nenhum defensor da democracia popu
iista, tanto quanto sei, exigiu jamais a transformação instantânea das pre
ferências da maioria cm política púbiica, isto é, supõe-se que uma defasa-
gem temporai exista entre o primeiro aparecimento da preferência tia mai
oria e a ação governamental que a implementa. Propugnadores da demo
cracia supõem cm gerai que a cscoiha da maioria deve ser uma coisa pon
derada, pensada; a escolha racionai exige que o indivíduo conheça seus
próprios vaiores, possua conhecimento técnico das aiternativas c saiba
quais as prováveis consequências de cada uma deias. Esse conhecimento,
sustenta se tradicionalmcnte, requer tempo para debate, discussão, tomada
dc depounentos c outros expedientes que consomem tempo.
Atê que ponto um retardamento, ou demora, é compatível com a Re
g ei' A teoria tia democracia populista não fornece resposta; é um sistema
estático c não construído em uma seqüência temporal. Se um mês 6 com
patível, por que não dois? Por que não um ano, dois, dez? Dizer que a de
mora deve ser suficientemente longa para que se faça uma escolha racional
seria inútil porque isto 6 um conselho de perfeição ou, se não isso, opera
cionalmente não tem sentido. Não obstante, uma resposta como essa sugere
vários tipos de situação e uma teoria precisaria explicá-las.
Surge uma delas quando a opinião em favor de y declina ininter
ruptamente, de maioria para minoria; outra quando a opinião é transitória
— a maioria em favor de y tem curta duração; e uma terceira quando a
opinião favorável a y aumenta sem cessar no tempo. A figura a seguir re
presenta essas três possibilidades (Fig. 1).
APÊN D IC E AO C A P ÍT U LO 2
A Provo Proposição ?
Que o princípio do governo da maioria (Proposição 1) já está contido na
definição da democracia populista (Definições 1-3) parece-me intuitiva
mente óbvio. E é apenas correndo o risco de fazer uma demonstração basi
camente trivial das relações lógicas envolvidas que submeto a prova se
guinte.
Continuando com o sistema de notação algébrica das notas de rodapé,
vimos já que a Definição da Regra (Definição 4) pode ser formulada da se-
g.uintc maneira:
!)EHNtçÂ04: NP(x.y)>A'P(yp:) e ^ x P g y .
nV<ín+fjy (4)
Isto é, para ser compatível com a Definição 3, o "mais preferido" deve ser
compatível com (2) e (5). Daí:
xPcy e^xPgy
por substituição
Dc/iníçtK? ^ MtHoría
Vaie notar que se (7) é mantida cm tortas as situações, então uma simples
maioria seria suficiente pata estabelecer a política do govemo, isto é,
^ r - P í * ,y ) c
NOTAS
! O termo "democracia populista" me foi sugerido por Edward Shiis em um trabatho
intitulado "Populism and the Rule of Law", apresentado à Univcrsity of Chicago Law
School Conference on Jurisprudence and Politics, abri! de 1954.
2. O trabatho de Wolodymyr Starosolskyz, D a í Afa/ariiã/prinzip (Viena e Lcipzig, 1916),
constituiu uma das poucas tentativas de análtse sistemática dos conceitos implicados no
princípio do govemo da maioria. Representando o estilo grandioso da sociotogia a]emã
da época, ele faz uso intenso de duvidoso matéria] antropológico, e não í dos mais
úteis. Talvez a formulação isolada mais sucinta do argumento do govemo da maioria
seja o de Henty Stce!e Commager no Afa/arày Ade and Aíótorify RigA/c (Nova York:
Oxford University Press, 1943). A anáiise mais exaustiva cabe a Wilmoore Kendall no
fohn Tache and the Dacfriae a / Afa/orriy Rafe (Urbana, 1941); cf. também o debate
entre c!e e Herbert McCIosky publicado no The Tournai a/*Raiiricc, X ! (novembro de
!949), 637-54, e X H (janeiro de 1950), 694-7! 3. Sou grato a e!e e a Austin Ranney pela
generosidade de me permitirem examinar o manuscrito dos primeiros quatro capítu!os
de seu próximo tivro, Dentacracy and lhe American fa r íy Sysrent, que também expõe a
trorta concertrente ao govemo de maiorias, i rancis W. Coker criticou a tese Kendal!-
Ranney no "Some Present-Oay Critics of Liberaüsm", American Raiiricai Science
Rrwrw, X I,V !l (março de !953), ! 27. Atguns dos e!ementos do modelo popuüsta e
algmnas fraquezas do modelo madisoniano foram comentados em meu trabatho
"Mni.miy Rule and C iv il Rights", apresentado na reunião anual da American Poütica!
m m Associatiotr em !948. Oependi muito também dos capítulos retevantes de um
livu. . .. mu em co-autoria por Charles E. Lindblom c este autor. Ro/irics, Rcanantic.r
... < U '//.n r (Nova York: Uarpcr & Bros., 1953). Com sua habitua) lucidez, George H.
Sabine analisou as origens e características da tradição democrática que enfatiza a
"liberdade" e a que destaca a "iguaidade". A teoria madisoniana constitui um exemplo
da primetra e a teoria populista é a essência da segunda. Ver seu "The Two Democratic
Iraditions", 77rc TJuVesopJticui Rcvrerv, L X i (outubro de 1952), 451. Quanto ao
expediente de usar notação aigébrica nas notas e apêndice deste capítulo, e por muitas
iutrovisões sobre o argumento, manifesto minha dívida para com as sugestões
encontradas em Kenneth Arrow, 5ociaí CTrorce and fndtvidMui Vaiues (Nova York:
John Wiley & Sons, 1951).
t Uma prova desta proposição será encontrada no Apêndice a este capítulo.
I Se designarmos pelo símbolo AY "o número de cidadãos que são indiferentes ao
resultado de uma opção entre duas alternativas", e se chamarmos as alternativas de "x"
e "y", podemos escrever o "número de cidadãos indiferentes entre as alternativas x e y"
simplesmente conto AJ/(x,y). De idêntica maneira, podemos escrever AT(x,y) signifi
cando "o número de cidadãos que preferem x a y". Ora, por definição, AY = Á/(x,y) =
MfyprJ.
Por conseguinte,
(Os símbolos conecttvos —t e t-t serão usados como significando "implica" e "A
implica B e rcciprocamentc", respectivamente. Podem ser também interpretados como
"A é uma condição suficiente para B" e "A é uma condição suficiente e necessária para
B", respectivamente.)
5. Supondo que a indiferença não reflete simplesmente ignorância das alternativas e de
suas consequências. No mundo real, a indiferença política (apatia) é na verdade
inversamente proporcional à educação e a vários outros índices de posse de
conhecimentos.
6. Simbolicamente, a Regra pode ser formulada da seguinte maneira:
onde x Pg y significa "x d preferido pelo govemo a y " ou 'Y e não y é escolhido como
política do govemo". Mas, ohviamente, se AT(x,y) - AT(y,x), então a Regra não
fornece instruções para uma solução. Mas dc fato nos diz que nenhuma solução deve
levar cm conta x como a política escolhida c também que nenhuma solução deve fazer
o mesmo por y, isto é, a poiítica do govemo deve ser indiferente entre x c y. Ou,
simbolicamente:
7. Segundo sei, ninguém realizou até hoje uma investigação da ocorrência de empate na
votação em gmpos de vártos tamanhos. Esta tarefa seria gigantesca e não me proponho
a fazê-la. Se supusermos que todas as possíveis combinações de preferências entre duas
alternativas são igualmente prováveis, por exemplo, que entre 10 indivíduos ocorrem
divisões como 10 a favor e 0 contra, 0 a favor e 10 contra, 5 a favor e 5 contra, que são
igualmente prováveis, então a probabilidade de uma divisão de 50-50 sobre qualquer
dada questão seria de apenas l/(.V+l), onde A/ é o número de votos lançados. Mas uma
divisão 50-50 é possível apenas se Ai for par. Se supusermos uma igual probabilidade
de que N seja par ou ímpar, então a probabilidade de uma divisão 50-50 dc modo geral
seria l/2(/V+l). Essas suposições são arbitrárias. No Congresso Americano ou na
Câmara dos Deputados esperaríamos que as divisões se fizessem em iomo de 50 50 c
perto da unanimidade.
S. Este aspecto da terceira objeção, c também da quarta, foi retirado do trabalho de E.J.
Nansen, "Mcthods of Hlection", 7ransacrtons a/td fraceeding.r o/* drr Raya/ Aarre/y o/
Yicroria, X IX (ISS3), 197 240. Kenneth Arrow chamou a atenção paru u importância
da tátjeçáo nu seu 5'ocíoi CAotca anrí fnPAtduui Vu/ues (Nova York: John Wiley &
Sons. 1951), p. 3.
9 Suponhamos três alternativas, x, y e z, e o corpo de cidadãos dividido em três grupos
iguais da seguinte maneira:
O Grupo A prefere x a y, y a z, e x a z.
O Grupo B prefere y a z, z a x, e y a x.
O Gntpo C prefere z a x, x a y. e z a y.
Uma vez que o Grupo A e o Grupo B preferem y a z, e uma vez que juntos compre
endem dois terços dos cidadãos, poder se-ia pensar que y deveria ser a escolha. Não
obstante, o Grupo A e o Grupo C preferem x a y e daí poder pensar se que x deva ser a
escoiha. O Grupo B e o Grupo C , porém, preferem z a x. Dessa maneira, cada alter-
nativa é preferida por uma combinação de grupos, e ainda outra combinação de grupos
prefere em todos os casos outra aitemativa. Daí não ser possíve) nenhuma soiução
compatfveí com as condições de soberania poputar e igualdade política. Uma vez que
Arrow, op. cu., supõe a "transitividade da escoiha coietiva" como critério de ação
social racionai, vale notar que sob quase todas as teorias de poiítica democrática, e
ccrtamente sob a discutida aqui, o requisito de transitividade serra irracional em muitos
tipos de escolhas coictivas. Por "transitividade" entendemos, com base na analogia das
desiguaidades em matemática, que se um tndivíduo prefere x a y e y a z, ele tem que
preferir também x a z.— pelo menos, se ele quiser comportar-se racionalmente. Mas
quaiquer que seja o caso com escolhas individuais — e mesmo aqui o requisito í algo
tendencioso — evidentemente levaria a resultados irracionais em uma democracia
exigir transitividade cm escolhas coletivas. Por exemplo, entre 101 indivíduos,
suponhamos que
1 indivíduo prefere x a y, e y a z.
50 indivíduos preferem z a x, e x a y,
50 indivíduos preferem y a z, e z a x.
A prefere x a y e y a z.
B prefere y a z e z a x.
C prefere z a y e y ax.
Ora, se cada grupo vota de acordo com sua preferência, no par (x,y) a alternativa y será
preferida por 2 -1 ; se y formar par com x, y será favorecido de 2-1 mais uma vez.
Evidentemente, y é a alternativa mais preferida por uma maioria. Daí a escolha de y
estará de acordo com as preferências de uma maioria de 2-1.
Mas suponhamos agora que o Grupo C não vota em cada par de acordo com suas
preferências reais, mas, sim, para manipular o resultado final em seu favor. Dessa
maneira, no par (x,y), embora o Grupo G realmentc prefira y a x, suponhamos que vota
em x, que vence neste par por 2 -1. Ordinariamente, uma vez que x e y foram derrotados
na votação e x emergiu com uma maioria de 2/3, a votação acabaria. Ainda assim,
neste caso, uma maioria de 2/3 prefere realmente a alternativa derrotada, y, à vence
dora, z. Por conseguinte, a menos que o corpo político tenha oportunidade de votar no
par (y,z), a alternativa que í selecionada, por uma maioria de 2/3, representará na
verdade uma escolha que uma maioria de 2/3 rejeitaria se tivesse oportunidade de votar
no par (y,z). Daí, neste caso, a Regra não ê atendida, a menos que uma votação seja
feita sobre cada par de alternativas.
Mais uma vez, a transitividade leva a conclusões irracionais, conforme acabado
de demonstrar, e deve ser rejeitada no mundo real. Cf. a discussão em Anow, op. cd.,
pp. 80-81, n. 8; Duncan Black, "The Decisions of a Committce Ustng a Special
Majority", ^cortamerr/cs, X V ! (julho de 1948), 245-61; e "On the Rationale of Group
Decision-making", daarna/ of PoM/cn/ Kccmomy, L V I (fevereiro de 1948), 23-34.
13 Legitimidade é empregada aqui não em sentido ético, mas psicológico, isto é, crença na
correção da decisão ou do processo decisório.
14 Cf. cap. 3.
15. Cf. cap. 5, pp. 125 e segs.
16 Uma vez que parte do problema é puramente verbal, permitam me usar mais uma vez
um sistema de notações algébricas simples para sumariar as etapas no argumento. As
condições de soberania popular e igualdade política, vale lembrar, são satisfeitas
apenas se
x Pma y t-? x f # y. ( 2)
Ora, a objeção que vimos examinando afirma que um veto da minoria a ações da maio
ria pode às vezes impedir que o governo democrático descambe para a pura oligarquia,
conforme definido por (4). Há, contudo, dificuldades sérias neste argumento.
Km primeiro lugar, embora seja verdade que a condição da oligarquia não é idêntica à
condição dc veto de minoria, cm todas as situações em que esta, com seu veto, prefere a
política em vigor c a maioria prefere uma alternativa a ela, a diferença entre oligarquia
c veto de minoria desaparece. Suponhamos que x* representa a política em vigor. Neste
caso, aplicando (3)
Mas se a minoria com poder de veto de fato prefere x*. que é a política cm vigor, e
pode vetar y, que é uma alternativa a ela, então
Uma vez que (7) é idêntica a (4), nessas circunstâncias a condição de veto da minoria é
idêntica à dc oligarquia.
Pode-se, corretamente, formular a seguinte pergunta: Na opinião de quem ocorrerão
essas consequências? Aqui reencontramos algumas das dificuldades intelectuais do
sistema madisoniano discutido acima.
Isto é, no curto prazo:
A Democracia Poliárquica
!V
Acho que podemos afirmar dogmaticamente que nenhuma organização
humana — e por certo nenhuma que contenha mais do que um punhado de
pessoas — provavelmente satisfaz ou satisfará essas oito condições. É bem
verdade que a segunda, a terceira e a sexta são muito bem atendidas cm
algumas organizações, embora, nos Estados Unidos, práticas corruptas às
vezes anulem até mesmo estas. Das outras, apenas dificilmente as organi
zações se aproximam.
Quanto à primeira, evidentemente há nas organizações humanas gran
des variações no que tange à participação em decisões políticas —
variações que nos Estados Unidos parecem estar funcionalmente relacio
nadas com variáveis tais como grau de interesse ou envolvimento, capaci
dades, acesso, socioeconômico, educação, residência, grupo etário,
identificações étnicas e religiosas e algumas características de personalida
de pouco conhecidas. Como é bem sabido, em média, nas eleições nacio
nais, cerca de metade de todos os adultos nos Estados Unidos comparecem;
apenas um quarto, porém, faz algo mais do que votar, tal como escrever aos
seus deputados, contribuir financeiramente para a campanha ou tentar
convencer outros a adotarem-lhe as idéias políticas.^ Nas eleições de 1952,
apenas 11% cm uma pesquisa de âmbito nacional ajudaram financeiramen
te os partidos, compareceram a comícios, ou trabalharam por um dos par
tidos ou candidatos; apenas 27% conversaram com outras pessoas tentando
convencê-las do motivo por que deviam votar em um dos partidos ou
candidatos.^ As elites políticas ativas, por conseguinte, atuam não raro den
tro de limites vagos e amplos, ainda que, às vezes, estreitos c bem defini
dos, estabelecidos por suas expectativas quanto às reações do grupo de
cidadãos politicamente ativos que comparecem às urnas. Outras organiza
ções, como os sindicatos, que nos seus estatutos preceituam a igualdade
política, operam mais ou menos da mesma maneira, embora suas elites e
membros politicamente ativos constituam amiúde uma proporção ainda
menor do totais
Em nenhuma organização de meu conhecimento prevalece a quarta
condição. Talvez se obtenha uma aproximação mais estreita dela nos gru
pos muito pequenos. Certamente cm todos os grandes grupos sobre os
<]t)ais dispomos de dados, o controle sobre as comunicações é tão desigual
mente distribuído que alguns indivíduos exercem muito mais influência
sobre a designação de alternativas programadas para votação do que ou
tros. Não sei como quantificar esse controle, mas, se isso fosse possível,
acho que não seria exagero dizer que o sr. Hcnry Luce exerce mil ou dez
mil vezes mais controle sobre as alternativas apresentadas a debate e de
cisão experimental em uma eleição nacional do que eu. Embora se confi
gure aqui um problema assustador que, tanto quanto sei, jamais foi adequa
damente analisado, constitui uma hipótese preliminar razoável dizer que o
número de indivíduos qpe exercem controle importante sobre as alterna
tivas apresentadas é, na maioria das organizações, apenas uma fração mi
núscula da filiação total das mesmas. Isto parece acontecer no caso mesmo
das organizações mais democráticas se a filiação às mesmas for numerosa.
Grande parte das mesmas observações aplica-sc à quinta condição. O
hiato de informações entre as elites políticas e os membros ativos — para
nada dizer dos inativos — ê sem dúvida alguma sempre considerável. Em
tempos recentes, a brecha foi ainda mais alargada nos governos nacionais
pelas crescentes complexidades tecnológicas e pela rápida disseminação
dos regulamentos de segurança. Como sabem todos os estudiosos da buro
cracia, a sétima condição é uma fonte de graves dificuldades. Contudo, a
extensão em que essa condição é atendida afigura-se ser a mais enigmática
de todas para medir objetivamente.
Sc as eleições, como os mercados, fossem contínuas, nenhuma neces
sidade haveria da oitava condição. Mas, claro, elas são apenas periódicas.
Sugere-se às vezes que pressões entre eleições sobre os processos de deci
são são uma espécie de eleição, mas isto é, na melhor das hipóteses, apenas
uma metáfora falaciosa. Se as eleições, com sua refinada maquinaria,
legislação eleitora! c oportunidades garantidas pelo judiciário, não maxi
mizam rcalmente a igualdade política e a soberania popular pelas razões
que acabamos de mencionar (bem como por muitas outras), então não acho
que se possa argumentar com seriedade que os processos atuantes entre
eleições maximizem essas metas mesmo em grau aproximado.
Uma vez que as organizações talvez nunca ou apenas raramente atin
gem o limite estabelecido por essas oito condições, é necessário interpretar
cada uma delas como extremidade dç um continuM/n ou escala com a qua!
qualquer uma das entidades possa ser medida. Infelizmente, não há no pre
sente maneira conhecida de atribuir pesos significativos às oito condições.
Contudo, mesmo sem eles, se as oito escalas pudessem scr metrificadas,''
srn;i [)ossívcl e la) vez útil estabelecer algumas classes arbitrárias, mas não
destituídas dc significação, entre as quais a porção superior poderia ser
chamada de "poliarquia".*"
É mais do que evidente, contudo, que o que acabamos de descrever
não passa dc um programa, pois nada de semelhante foi tentado, segundo
pensamos. Simplesmente alinho aqui, por conseguinte, as seguintes obser
vações: as organizações realmente diferem muito na medida cm que se
aproximam dos limites estabelecidos por essas oito condições. Além disso,
as "poüarquias" incluem grande variedade de organizações que os cien
tistas políticos ocidentais normalmcntc chamariam de democráticas, inclu
indo certos aspectos dos governos dc nações-Estado como os Estados Uni
dos, Grã-Bretanha, os Domínios (com exceção possivelmente da África do
Sul), os países escandinavos, México, Itália e França; estados c províncias,
como os estados deste país e as províncias do Canadá; numerosas cidades
grandes e pequenas; alguns sindicatos; um bom número de associações
como as Associações de Pais e Professores, diretórios da Liga das Mu
lheres Eleitoras e alguns grupos religiosos; e algumas sociedades primiti
vas. É grande, portanto, o número de poüarquias. (O número de poüarquias
igualitárias é, tudo indica, rclativamente pequeno, ou talvez nenhuma delas
exista.) O número de poüarquias pode muito bem superar uma centena e
provavelmente mais de um milheiro. Entre este número, porém, apenas um
punhado minúsculo foi exaustivamente estudado por cientistas políticos, e
estas foram as mais difíceis de todas, constituídas dos govemos de estados
e, cm alguns casos, de unidades governamentais menores (municípios, con
dados, etc.).
Alguns críticos insistirão logo em que as diferenças entre tipos parti
culares de poüarquias, como, por exemplo, entre nações-Estado e sindi
catos, são tão grandes que provavelmente nenhuma utilidade haverá em
incluí-las na mesma classe. Não acho que tenhamos evidência suficiente
para essa conclusão, De qualquer modo, dado um número tão grande de
casos a estudar, em princípio seria possível responder à pergunta seguinte:
Quais são as condições necessárias e suficientes para que existam poliar-
quiás?
Vémos, destarte, que o primeiro método de formulação de uma teoria
de democracia, o método de maximização descrito no capítulo 1, funda-se
aqui com o que chamei de método descritivo. Começamos procurando
identificar as condições que seriam necessárias e suficientes no mundo real
a fiim de maximizar, tanto quanto fosse possível, a soberania popular e a
igualdade política Descobrimos que podíamos solucionar esta questão me
dindo a extensão em que a Regra era adotada numa organização. Mas, a
fim de medir essa extensão, tivemos que estabelecer oito condições mais
ou menos observáveis, interpretamos essas condições como limites, que
vimos que não são atingidos no mundo real e que são provavelmente ina
tingíveis, e em seguida os reintcrpretamos como extremidades de oito
continua ou escalas que, sugerimos, poderiam ser usadas nas medições.
Agora, nossa questão precisa ser refrascada da seguinte maneira: Quais as
condições necessárias e suficientes no mundo real para a existência dessas
oito condições em, pelo menos, o grau mínimo que concordamos em
denominar dc poliarquia? A fim de solucionar essa questão, seria necessá
rio classificar e estudar um número considerável de organizações do mun
do real. Fechamos, assim, o círculo entre os métodos de maximização e o
descritivo.
V
Executar rigorosamente esse programa é tarefa muito além dos objetivos
destes ensaios e, com toda a possibilidade, fora do escopo da ciência polí
tica nos dias atuais. Não obstante, podemos formular algumas hipóteses
para as quais existem evidências em número considerável.
Para começar, cada uma das oito condições pode ser formulada como
uma regra ou, caso prefira o leitor, como uma norma. Da primeira con
dição, por exemplo, podemos derivar uma norma no sentido em que cada
membro deve ter oportunidade de manifestar suas preferências. Parece um
truísmo que, se todos os membros de uma organização rejeitam a norma
preceituando as oito condições, então as condições não existem; ou, alter
nativamente, a extensão em que a poliarquia existe deve relacionar-se com
a medida em que as normas são aceitas como desejáveis. Se estamos dis
postos a supor que a extensão do acordo (consenso) sobre as oito normas
básicas é mensurável, podemos formular as hipóteses seguintes, que têm
sido comuns na literatura da ciência política:
3. A extensão do acordo (consenso) sobre cada uma das oito normas au
menta com o grau do treinamento social sobre sua observância.
4. O consenso, por conseguinte, ó uma função do treinamento social total
em todas as normas.
De 5 e 6 segue-se que:
Vi
F.stas, então, são algumas das relações que nós, cientistas políticos, precisa
mos examinar com a ajuda de nossos colegas das demais ciências sociais.
Dificilmente se poderia negar que elas são apenas algumas das relações
cruciais. Uma relação, por exemplo, mesmo que complexa, indubitavel
mente existe entre a extensão da igualdade política possível em uma socie
dade e a distribuição da renda, riqueza, stams e controle sobre os recursos
organizacionais. Além do mais, é cada vez mais provável que existam
algumas relações entre a extensão da poliarquia e as estruturas de persona
lidade dos membros da organização. Referimo-nos neste instante aos tipos
de personalidade autoritário c democrático, mesmo que nosso conheci
mento desses tipos hipotéticos e da sua distribuição concreta em socieda
des diferentes ainda seja muito fragmentário. É ainda muito cedo para di
zer, pensamos, que foi provada uma alta correlação entre a poliarquia e a
presença ou ausência relativas de tipos particulares de personalidade. Mas,
decerto, a eficácia do treinamento social nas normas básicas, mencionado
acima, tem que depender parcialmcntc das inclinações mais profundas do
indivíduo.
Uma vez que a preocupação com as precondições sociais de diferentes
ordens políticas é tão antiga como a especulação política, nenhuma alega
ção dc novidade podemos fazer para as hipóteses bosquejadas neste capí-
tufo Expns apenas, ocasionalmente com mais rigor científico que o costu
m eiro. um conjunto de proposições insinuadas, sugeridas, inferidas e não
raro publicamente manifestadas por numerosos cientistas políticos, de Só
crates até o presente. Não obstante, talvez seja útil separar este enfoque, se
apenas em grau, do madisoniano e do populista.
A solução conciliatória de Madison entre o poder das maiorias e o das
minorias repousou em grande parte, embora não de todo, na existência de
freios constitucionais à ação da maioria. Em contraposição ao madisoni-
anismo, a teoria da poliarquia focaliza-se principalmente não em requisitos
constitucionais prévios, mas nas condições preliminares a uma ordem de
mocrática. A diferença é de grau: Madison, como vimos, não era indiferen
te às necessárias condições sociais para sua república não-tirânica. Mas
certamente não será injusto dizer que sua maior preocupação era com os
controles constitucionais prescritos e não com os controles sociais ope-
rantes, com os controles constitucionais recíprocos e não com os controles
sociais mútuos. Afinal de contas, a Convenção Constitucional tinha que
elaborar uma Constituição e não projetar uma sociedade. Os convencionais
aceitaram a natureza humana e a estrutura social principalmente como se
apresentavam, e seu trabalho, como o interpretavam, consistia cm redigir a
Constituição mais harmoniosa possível com a natureza humana e a estru
tura social, e com a meta de uma república que respeitasse os direitos na
turais, particularmente os dos bem-nascidos e dos poucos.
Não obstante, acho que a inclinação dada ao pensamento americano
pela Convenção Constitucional e a apoteose subsequente de seu produto
impediram o estudo realístico e preciso dos requisitos de democracia. É
importante lembrar que, até a queda do Fort Sumter, a disputa entre Norte e
Sul era vazada, com algumas poucas exceções importantes, quase inteira
mente na linguagem do direito constitucional. A tragédia da decisão no
caso Dred Scott não foi tanto seu resultado como o estado de espírito que
pressagiava.
Uma vez que somos educados para acreditar na necessidade de contro
les constitucionais recíprocos, pouca fc depositamos nos seus correspon
dentes sociais. Admiramos a eficácia da separação constitucional de po
deres no freio às maiorias e minorias, mas frequentemente ignoramos a im
portância das restrições impostas pela dimensão social no particular. Ainda
assim, se a teoria da poliarquia c aproximadamente válida, segue-se que, na
ausência de certas condições sociais prévias, nenhum arranjo constitu
cional pode criar uma república não-tirânica. A história de numerosos Es
tados latino-americanos constitui, acho eu, evidência suficiente. Rccipro-
camcnte, um aumento na extensão em que está presente uma das prccon-
dições sociais talvez seja muito mais importante no fortalecimento da de
mocracia que qualquer dada elaboração constitucional. Estejamos preo
cupados com uma tirania da maioria ou da minoria, a teoria da poliarquia
sugere que as primeiras e cruciais variáveis para as quais os cientistas polí
ticos devem dirigir sua atenção são sociais e não constitucionais.
Verificamos (]uc a teoria populista delineada no último capítulo é for
mal e axiomática, mas que carece de informações sobre o mundo real. Di
zer que a consecução perfeita da igualdade política e da soberania popular
ó. [x)r definição de termos, compatível apenas com o princípio de maioria
não implica enunciar uma proposição inteiramente inútil, mas tampouco 6
muito útil. Pois o que queremos desesperadamente saber (se nos preocu
pamos com a igualdade política) é o que podemos fazer para maximizá-la
cm alguma situação real, dadas as condiç&s existentes.
Se queremos voltar a atenção para o caos do mundo real sem nos per
dermos inteiramente em fatos destituídos de sentido ou de empirismo ba
nal, precisamos de uma teoria que nos ajude a ordenar o conjunto incrível e
enigmático dos eventos. A teoria da poliarquia, uma ordenação inadequa
da, incompleta e primitiva do repositório comum de conhecimentos sobre
democracia, é formulada na convicção de que, em alguma dimensão entre
o caos ç a tautologia, podemos, no futuro, construir uma teoria satisfatória
sobre a igualdade política.
A PÊN D IC E AO C A P ÍT U LO 3
Ai
X
<= l
F2 T C 2
C2t$2
CgtSg
^ 2 t (C a ,C 2 )
3 g t ( C a ,C g )
e
StfC a, C,, C,...... c,;
9) f t(A . X), onde A é a atividade política.
1 0 )ft(C a ,C ,.,, 3.A .X )
O ______________________________________________
O 100
MAIOR PERCENTAGEM DE ACORDO EM UMA ALTERNATIVA ISOLADA
N O TA S
Não haverá por acaso uma soiução ciara e nítida para o problema com que
lutou Madison e para o qual propôs uma conciliação? Será possível cons
truir um sistema para se chegar a decisões que sejam compatíveis com a
igualdade política e, simultaneamente, defenda os direitos das minorias? A
solução de Madison, conforme vimos, está inçada de suposições e argu
mentos que não resistem à crítica. No que resolvemos chamar de teoria
populista — partindo das premissas de soberania popular e de igualdade
política — deduzimos com rigorosa lógica que a única regra processual
compatível com essas duas metas é o princípio da maioria. Transformando
o "mais preferido" no equivalente ao "preferido pela maioria" ladeamos
deliberadamente um problema crucial: O que acontecerá se a minoria pre
ferir sua alternativa muito mais ardentemente do que a maioria prefere a
alternativa contrária? Fará ainda sentido o princípio da maioria?
Coloca-se aqui o problema da intensidade. Conforme podemos enten
der facilmente, intensidade é quase uma moderna versão psicológica dos
direitos naturais. Da mesma forma que Madison acreditava que o governo
deve ser construído de modo a impedir que maiorias usurpem os direitos
naturais das minorias, um Madison modemo poderia argumentar que ele
deveria ser planejado para impedir uma maioria relativamentc apática de
enfiar sua política pela goela de uma minoria de convicções relativamentc
intensas.
H
40
30
o
: ?0
u
cr
LU
CL
10
8
-A FAVOR- '— CONTRA-
Fig. 4 - D esacordo m oderado: sim étrico
UJ t5 -
O
LU
O
tu )0
LU
CL
& 8 C C B A
PREFEREM EISENHOWER . PREFEREM STEVENSON
Fonte: Angus Campbell, Gerald Gurin e Warren E. Mliller. íh e l/ofer Oec/des. p 38.
Tabola 3.9. A resposta "Depende ' não passou do 1 por cento om cada categoria
"Não sabe ou não tem certeza" variou de 4 a 11 por cento. Ambas estão ausentes
na figura 6.
Fig. 6 - P referências d o s eleito res no pleito p residencial d e 1952. R e sp o sta s à
pergunta "Você ach a que seria muito diferente para o p aís s e g a n h a sse m a s
eleições o s D em ocratas ou o s R epublicanos ..l ou nenhum d o s d o is faria
diferença?
do Oeste tomou-se cada vez mais intensa. Conquanto no começo dessa dc-
cada aziaga sotuções conciiiatórias ainda fossem possíveis, ao seu término
nenhuma acomodação aceitáve) pôde ser encontrada. Isto porque tornara-
se cada vez mais claro para os líderes sutistas que, se a escravidão fosse
proibida nos territórios, e essas enormes áreas se incorporassem à União
como estados livres, estes, com o passar do tempo, controlariam a política
pública c alterariam a própria Constituição. Para sermos exatos, mais tarde,
muitos autores concluiriam que a instituição da escravatura teria sido anti
econômica nos territórios do Oeste e, por conseguinte, não poderia ter
sobrevivido neles ou talvez mesmo no Sul. Mas o relevante aqui é que nu
merosas pessoas no Norte evidentemente acreditaram que se a escravatura
fosse permitida nos territórios isto alteraria o equilíbrio político contra os
estados livres e, em última análise, frustraria a pressão crescente por terras
isentas de escravidão. Dessa maneira, qualquer eleição interpretada como
uma nítida vitória de um lado era ccrtamente tão intolerável para o outro
que ele recusaria aceitar-lhe o resultado. Achamos que, em 1860, ocorreu
PREFEREM EISENHOWER PREFEREM STEVENSON
Fonte: Campbell et al, op. cA. As respostas tabuladas como 'Depende* e *Náo sa b e
ou não tem certeza" não chegaram a 5 por cento nas três categorias e ficaram
ausentes da figura 7
Fig. 7 - P referências d o s eleito res no pfeito presidência) d e 1952. "Você dlria
que a vitória de um ou d e outro partido n e sta eleição tem significado p esso a)
para você, ou não lhe im porta muito quaf d e le s ven cer?"
uma eleição assim. Não significa isto que numerosos eleitores consideras
sem proeminente essa questão quando foram às umas, pois é mteiramente
possível que eta tenha stdo decidida principaimente com base em outras
questões que não a escravidão e as tenras livres. Não obstante, ela prcopi-
tou uma série de decisões, cada uma das quais evidentemente excluiu cer
tas alternativas. Por volta da primavera de 1861, elas estavam rapidamente
reduzindo-se a um pequeno número, todas as quais eram intoleráveis para
um dos lados. A Guerra Civil talvez não tenha sido inevitável. Mas uma
poliarquia estável incluindo o Norte e o Sul havia se tomado altamente im
provável.
A resistência à aplicação da regra da maioria pode assumir várias
formas, dependendo do tamanho retativo da minoria derrotada c da maioria
vitoriosa, sua localização geográfica, seu acesso aos recursos, seus siste
mas de convicções e a natureza das questões que as separam. A Rebelião
do Uísque, por exemplo, não foi uma revolução, mas apenas uma rcsistèn
cia aos coletores dc impostos. Outra possibilidade c um conp ríémr como
aconteceu na Espanha com Franco, na Checo-Eslováquia com os comunis
tas, ou na França com Louis Napoléon. A secessão c uma terceira possi
bilidade. Podemos mesmo incluir a aceitação aparente c a rejeição secreta
da legitimidade da ordem política como quarta possibilidade. De qualquer
--------A FAVOR----------- ---------CO N TRA ----------
Fig. 8 - D esacordo sério : sim étrico
IH
Sugerimos acima duas razões por que seria útil ao desenvolvimento de uma
teoria de democracia se pudéssemos supor a existência de alguma maneira
de comparar intensidades de preferência. Mas existe acaso tal meio?
Se por "intensidade" entendemos as sensações de outra pessoa, então
estamos derrotados desde o começo. É óbvio que não podemos nunca ob
servar diretamente as sensações de outro indivíduo. O que quer que experi
mentemos diretamente ou observemos por introspecção será sempre nossas
próprias sensações. De nenhuma maneira concebível, portanto, podemos
observar diretamente e comparar a intensidade das preferências sentidas
por outros indivíduos. Mais do que isso: uma vez que nunca podemos ob
servar diretamente as sensações dos demais, tampouco podemos tratá-las
como variáveis observáveis com as quais, dado um número suficiente de
casos, poderiamos correlacionar mudanças em expressão facial, palavras,
postura ou mesmo a química do corpo. Podemos correlacionar estas com as
palavras que nosso sujeito usa a respeito de suas sensações, mas csttts em si
mesmas sempre nos escaparão. Podemos e de fato postulamos que os de
mais têm sensações, mas não podemos observá-las diretamente. Neste sen
tido, de medir intensidades de sentimentos ou sensações, carece de sentido
dizer que A prefere x a y mais do que B prefere y a x.
Anuía assim, quase todos continuamos a dizer isso e a acreditar que
faz semido. Discutiremos se Ellen reatmente quer mais seu vestido do que
t'eter quer seu "Transformer" ou Eric sua bicicíeta e nem por um momento
duvidaremos que a discussão faz sentido. Continuamos a acreditar que não
só [xidcmos formar paípites intcíigentcs mas também palpitar inteligcnte-
mente sobre essas coisas. Acho que o âmago do significado é encontrado
na suposição de que as uniformidades que observamos nos seres humanos
podem ser transportadas, em parte, para as não-observáveis, como senti
mentos e sensações. Supor que a sensação é autônoma e não seguramente
íigada a comportamento visfvei parece mais arbitrário e menos sensato do
que o postufado aftemativo. Em certo sentido, estamos negando que todos
os indivíduos sejam excepcionais, únicos, e, por conseguinte, incognoscí-
veis. Estamos presumindo que há uniformidades. Pretendemos ainda que
atgumas uniformidades no comportamento aparente são aproximadamente
associadas com outras nos estados interiores, embora !ogo cheguemos à
concíusão de que uma vida inteira será insuficiente para examinar todas as
sutis reiações entre o comportamento observável e a vida intenor que pos
tulamos nos demais.
Entre todos os tipos dc comportamento aparente que observamos, es
colhemos alguns como possíveis critérios de mensuração. Mas ainda quan
do aplicamos cada um deles com o maior cuidado, no fim não podemos
ainda escapar do fato que não sabemos se esses critérios realmcnte medem
a intensidade das sensações. Contudo, uma vez que temos que fazer algu
ma coisa, nós os usamos como palpites ou postulados. Em seguida, tenta
mos reduzir uma situação dc escolha a esses critérios considerados como
postulados. Se grandes discrepâncias surgem em nossos critérios, con
cluímos que as intensidades diferem.**
Suponhamos que um grupo de cidadãos em uma cidade quer mais es
colas, mesmo que isso signifique impostos prediais mais altos para si mes
mos, e outro os quer baixos, mesmo que isto signifique escolas congestio
nadas. Os membros dc ambos os grupos, suponhamos, acham que têm uma
possibilidade de 50-50 de vitória em uma reunião dos eleitores do municí
pio se não fizerem nada antes do encontro. Vamos presumir ainda que os
propugnadores de mais escolas sacrificam tempo, energia, lazer e conve
niências para tomar sua plataforma conhecida. Os discursos e as maneiras
se caracterizam por tensão, frustração, irritação, raiva, ansiedade. Os parti
dários dos impostos mais baixos, contudo, estão tranqüiíos e mesmo apá
ticos e se ouviu quando disseram privadamente que o aumento dos im
postos não vai lhes causar dificuldades, mas que acham que devem pro
testar, quando não para evitar que o pessoal da Associação de Pais e Pro
fessores domine a cidade. Acho que quase todos nós concluiriamos que,
embora certo número dc explicações alternativas se apresentem (tal como a
possibilidade de que os defensores das escolas gostem realmente de agitar
r organizar movimentos), não seria absurdo dizer que o grupo da APP pre
tere mais escolas a impostos baixos do que seus adversários preferem bai
xos impostos a escolas.
De nossa discussão até agora achamos que várias conclusões se
sugerem:
IV
TA BELA 1
Período de Exercício no Cargo de
Ministros do Supremo Tribunal
A ncí P e r c e n la je /n
AcMMíãaAí
1-4 9,2 9 .2
5-8 21.8 3 1,0
9 - t2 14,9 45,9
13-16 14.9 60,8
17-20 8,1 68,9
2 ! -2 4 H ,5 80,4
25-28 9 ,2 89,6
2 9 -3 2 3.8 95,4
3 3 -3 6 46 100,0
100,0
Voltando ao problema com que iniciamos nossa indagação, a que
conciusões podemos razoavelmente chegar? Acho que a evidência indica o
seguinte:
1. Em cerca de dois terços dos casos cm que o Supremo Tribunai consi
derou inconstitucional iegisiação federal, podemos inferir que a maio
ria legisladora não sentia fortes preferências. De qualquer modo, não
realizou esforços subsequentes para atingir de outras maneiras os fins
da legislação.
2. Mesmo nestes casos, contudo, não temos maneira de saber se a mino
ria protegida pelo Supremo sentia cm algum sentido preferências mais
intensas, a menos estejamos dispostos a dizer que, por definição, levar
o caso aos tribunais constitui indicação suficiente de intensidade rela
tiva de preferências.
3. Em todos os casos restantes, ou cerca dc um terço do total, os efeitos
do veto foram eliminados por outros meios — em um caso, por guerra
civil.
4. Em alguns desses casos, incluindo o do imposto dc renda, do trabalho -
infantil, de indenização a trabalhadores, da regulamentação de horas
dc trabalho e salários para as mulheres e outros, porem, o Supremo
Tribunal retardou eficientemente uma maioria legisladora, aparen
temente motivada por fortes preferências, por até um quarto de século.
Em vista disso, não podemos concluir que um sistema de revisão judi
cial com restrições a emendas constitucionais seja um processo que efeti
vamente impeça que preferências de minorias rclativamcnte intensas em
seus desejos sejam vencidas por maiorias relativamente apáticas, sem que
ao mesmo tempo restrinja também maiorias relativamente intensas em suas
preferências — isto é, ele não atende ao nosso quinto requisito. Não po
demos, então, voltarmo-nos para o Supremo Tribunal cm busca de uma
solução.
VI
TA BELA 2
Total 57.559
M ídia 1.199
* Votos para deputados federais, 1952. Fonte: Statirticr tAe Pre.ridentiai and
Cangreasiotaf Eiection o/*Aievem6er4, V952(Washington, D.C.: U.S. Government Printin);
Office. 1953).
^ , representação efetiva__ 1 eleitorado estadual
n tee e vantagem proporcional 48 eleitorado total
media do eleitorado estadual 1.199.000
eleitorado estadual eleitorado estadual
Se a representação efetiva - representação proporcional, então o índice dc vuntagt-m !
* Votos depositados para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, 1952.
,* CpJ, (2).,
Coi. (3)
*** Ponte: Censo de 1950: Bioestatística e censo agrícola,
t Os que trabalharam mais de 150 dias fora das fazendas.
T A B E L A 3.1
AP de Pgrcen/agp/n Percentagem Vantagem Grupo Percentagem
Estados Ry/a do Pota/ de Relativa do Grupo nesses
Eleitores Estados
T A B E L A 3.2
AP de Percentagem Percentagem Vantagem Grupo Percentagem do
Estados de Estados do Total de Relativa Grupo nesses
Elelíores Estados
Não quero sugerir que o Acordo dc Connccticut deva ser desfeito, mas
afirmo que é uma grande estupidez romancear uma barganha necessária,
transformando-a em um nobre princípio de política democrática.
VII
A que conclusão, então, podemos chegar sobre o problema da intensidade?
Primeiro, por mais que acreditemos que a intensidade sentida de prefe
rências c um fato, não podemos diretamente observar e medir diferenças dc
sensações entre pessoas. Por isso mesmo, não podemos ter esperança dc
estabelecer quaisquer regras políticas que tratem desse problema, embora
elas possam ser eticamente desejáveis.
Segundo, na medida em que pudermos nos contentar em definir inten
sidade em termos dc atividades que possamos observar, em princípio deve
ser possível comparar as intensidades relativas de preferências entre indiví
duos diferentes.
Terceiro, dadas várias possíveis distribuições de intensidades difereu
tes entre uma minoria e uma maioria, várias delas aparentemente não crtatn
problemas importantes para a teoria da democracia. Para pelo menos num
distribuição, nenhuma solução democrática parece possível. Um caso Una),
porém, de fato coloca algumas questões interessantes, isto é. qualquer si
tuação em que uma minoria relativamente intensa prefere tuna alternativa
combatida por uma maioria rclativamente apática.
Quarto, embora tenha sido ocasionalmente sugerido que o sistema
constitucional americano foi peculiarmente construído para lidar com este
cast'. nctn a revisão judicia! nem a igual representação dos estados no Se
nado lornecc uma solução.
! malmcntc, a análise sugere convincentemente, embora não prove,
que nenhuma solução do problema da intensidade de preferências através
tle normas constitucionais ou processuais é possível.
A fC N D IC H AO C A P ÍT U LO 4
y > 200 - 3 x.
Daí, se y é igual ou menor que esse valor, a emenda será aprovada mesmo
que a favor dela haja apenas uma minoria do eleitorado nacional.
A Tabela 4 sugere alguns dos possíveis valores:
TABULA 4
50,01 49,97
50, t 49,7
51,0 47,0
52,0 44,0
53,0 4t,0
66.0 2,0
66,66 0
^ * !i ^ ! 1 s intensidade experimentada
1 >
Por conseguinte, se a intensidade da preferência do indivíduo A está em x,
eia é menos intensa do que a do indivíduo B em y.
Mas uma vez que não podemos observar a intensidade, de que modo
podemos saber que o indivíduo A está em x e o B em y? Construamos uma
escata, consistindo, por exemplo, em respostas à questão: "Você sente forte
interesse por este objetivo? Moderado? Indiferente?"
x conjunto de eventos
conjunto dc evento:
Vários passos são agora possíveis:
]. limbora não possamos observar intensidades experimentadas,
[iodemos concordar em ir adiante como se e)as fossem medidas por
esta cscaia (ou outras):
intensidade experimentada
(não observável)
1. O leitor compreenderá ccrtamcntc que querer uma alternativa inclui não aceitar outra.
Isto é. não querer ser forçado a aceitar a alternativa x implica querer a alternativa "não
x". Na discussão que se segue, "querer" e "preferir" são usados como intercambiáveis.
2. Note-se que estamos excluindo aqui duas outras questões de menor relevância para a
teoria da democracia:
1) Se A c B preferem x e y, A prefere x a y mais do que B7
2) Se A prefere x a y e B prefere p a ç, A prefere ntais x a y do que B prefere p a <??
Um momento de reflexão mostrará, penso eu, por que essas questões não têm grande
importância para a teoria de democracia.
3. No sentido limitado do problema aqui estudado. Isto ê, nestes casos a maioria, quando
existe, contêm pelo menos tantos indivíduos que são fortemente a favor ou contra a
política como a minoria.
4. Para um enunciado mais formal, consultar o Apêndice C a este capitulo, Em alguns
aspectos, meu argumento corre paralelo ao de I.D.M. Little, A Cri/rque vf IVeZ/dre
iteonornres (Oxford: Oxford University Press, 1950) Não obstante, compare as pp. 57.-
59 com meu argumento acima e o contido no Apêndice C.
5. Cf. S.A. Stoufler eí a / , Afe<MMremenr <anz/ fredrciton, Vol. IV de .Síndrcr rrt -Socar/
/NycAo/ogy úi Ifor/d H*'nr // (Princcton. Princcton Untversity Press, 1950), caps. [[, III.
VI, VH. VH1.
6. O economista, interessado como está em "maximizar" comportamento, começaria pro
vavelmente de forma contrária, isto ê, passaria logo a descrever a realização perfeita e
em seguida, talvez, aceitaria alguma grosseira aproximação. Mas, como sugeriu
Herbert Simon, um conceito mais útil de escolha racional pode ser descoberto no
conceito de "resultado satisfatório", distinto do resultado máximo, ou ótimo. C f seu "A
Behavioral Model of Rational Choice", guzrrrer/y fenrna/ a / Ecortomrc.s-, Í.IX
(fevereiro de 1955), pp. 99-118, esp. 108 c segs.
7. No Senado, foi votada a emenda sobre trabalho infantil ao projeto de orçamento de
1919. A votação no tocante a todo o orçamento foi de 41-22. Na Câmara, a votação foi
sobre todo o projeto, não se fazendo votação separada sobre a emenda.
8. Cf. Apêndice A a este capítulo para um comentário sobre a importância do processo de
apresentação de emendas como indicador da existência de uma maioria.
9. No que se segue, excluí deliberadamente a questão do veto judicial a qualquer
legislação. Isto envolve um conjunto muito diferente de questões e um exame dos anais
do Tribunal, que poderia levar a um conjunto diferente de conclusões.
10. Citado ern Carl Brent Swisher, American Con.!fiítrtion<3/ Dcvc/opmenr (2* ed , Boston:
Uoughton Mifflin Co., 1954), p. 448.
11. Este argumento ê ainda mats desenvolvido no capítulo 5, pp. 125 e scgs Poder-se ia
dizer que estudos cuidadosos das eleições, empregando dados do censo e outros, e tmli
zando técnicas estatísticas boas. se não refinadas, poderíam contribuir muito para nos
dar uma reconstrução bastante segura de alguns dc!cnninamcs decisivos de eleições
passadas. Alguns estudos dessa natureza estão sendo realizados no Bureau of Applied
Social Research, Columbia University. Duvido que a maioria das explicações hisló
ricas padronizadas de vitórias c derrotas eleitorais resista a este tipo de indagação.
12. Estados Unidos, Uibrary of Congress, Lcgislative Rcfercnce Service, Brovistons .<1
Federal l.aw Hcld Unconstituttonal by thc Suprcmc Court (Washington. 193b). p 94
Desde essa compilação, a única decisão judicial adiciona] que se conhece c o proci so
Urtrícd .SMM.t v. Covcr/, 328 U.S. 303 (194b).
13. Meus cálculos neste particular divergem um pouco dos que constam das pp. 1 14 1b do
documento da Biblioteca do Congresso citado na nota 12. Contudo, muitos do . .i <
que o autor daquele documento inclui sob outros títulos deviam, na vcidadc, .i i
considerados como exemplos em que o objetivo original foi atingido. Assim,
conquanto seja tecnicamente correto dizer que "não houve ação leg.tsl diva mino
reação â decisão" após o caso Dred Sco/t v. /f:,',/. seria falso di/t r que os eleitos
dessa decisão não foram posteriormente anulados.
14 Paia tuna discussão dos casos de direitos civis, ver Apêndice B a este capitulo.
)3 t I l .tt! tenham. "The Suprcme Court and thc Suprcme People", Uour/MÍ o/*Pohrics,
X V) (maio de 1954), 207; Cortez A-M- Bwing, 7*Ae 7ndg&í o / ;Ae Suprema CoMcr.
/7 W /937 (Minneapolis: Univcrsity of Minnesota Press, 1938), cap. II, analisa as
maneações mais controvertidas. Um resoluto ataque à revisão judiciai, como meio de
proteger direitos de minorias, encontra-se no trabalho de Hcnry Steele Contmager,
Afn/orúy Rtde a/trf M itordy (Nova York: Oxford Univcrsity Press, 1943). Fred
Cattill, Umfrcta/ fegislaíio/t (Nova York: Ronald Press. 1932), analisa os principais
esforços intelectuais que tentaram reconciliar o fato patente de que o Supremo Tribunal
é um corpo legislativo, com a teoria de que não o é. Cf. especialmente o cap. 111.
16. listou supondo que, como no caso da revisão judicial, a tentativa de defender as
disposições com fundamento em direitos naturais enfrenta as dificuldades indicadas no
capítulo 1.
17. As classificações seriam signiíicativamcntc diferentes.
18. Significando mais representação do que o estado teria se os eleitores fossem igualmente
representados.
capítulo 5
O Híbrido Americano
TA BELA 5
O leitor pode ter pensado na ocasião que esta era uma triste maneira de
ladear um problema formidável. Eu mesmo pensei isso, mas não podemos
dizer tudo na mesma ocasião.
Acabamos de demonstrar que a condição 8.1 é, na prática, apenas mc
diocremente satisfeita. A ligação entre eleições c opções de política não c
débil. Mas se elas raramente revelam as preferências de uma maioria cm
questões de política, não há preferência de maioria a qual decisões entre as
eleições possam ser subordinadas ou executórias. A outra possível condt
ção (8.2) enfrenta dificuldades igualmente grandes, porquanto a maior par
te da política entre as eleições parece ser determinada pela ação de mi
norias rclativamcntc pequenas mas rclativamcntc ativas. Acho que não há
caso em toda a história da política americana em que a atividade entre
ciciçócs tosse qualquer coisa parecida com o nível que atinge em uma elei
ção eotimm. Se examinarmos com cuidado qualquer decisão de política,
mesmo muito importante, descobriremos sempre, acho, que apenas uma
minúscula proporção do eleitorado exerceu ativamente sua influência sobre
os ]X)líticos. Em uma área tão crítica como a política externa, é conclusiva
a evidência de que ano após ano a maioria esmagadora dos cidadãos ame
ricanos manifesta sua preferência, se isto acontece, por nenhum outro meio
que não indo às umas c depositando um voto. Em uma pesquisa recente
sobre atitudes no tocante a organizações mundiais, as percentagens de vá
rios grupos de opinião que comunicaram que haviam feito alguma coisa
para disseminar seus pontos de vista, tais como ingressando em organi
zações, empenhando-se em atividade política ou mesmo discutindo suas
idéias com amigos, foram as seguintes:"
Não estou sugerindo que as eleições e a atividade entre elas são sem
importância para a determinação da política.'^ Muito ao contrário, são
processos cruciais para assegurar que os líderes políticos se mostrem um
pouco sensíveis às preferências de alguns cidadãos comuns. Mas nem as
eleições nem as atividades entre elas dão muita garantia de que as decisões
se conformarão às preferências de uma maioria de adultos ou de eleitores.
Daí não podermos corretamente descrever as operações concretas das
sociedades democráticas cm termos dos contrastes entre maiorias c mino
rias. Podemos apenas distinguir grupos de vários tipos de tamanho, todos
procurando de várias maneiras promover seus objetivos, geralmente às
expensas, pelo menos em parte, dos demais.'^
u
Demonstramos que as eleições são meios cruciais para controlar líderes e
também inteiramente ineficazes como indicadores das preferências da
maioria. Estas palavras não encerram realmente uma contradição. Boa par
te da teoria tradicional de democracia leva-nos a esperar mais de eleições
nacionais do que elas possivelmente podem dar. Alimentamos a esperança
de que elas revelem a "vontade" ou as preferências de uma maioria no to
cante a um grupo de problemas. Isto c algo que elas raramente fazem,
exceto da maneira mais uivial. A despeito desta limitação, o processo
eleitora! é um dos dois métodos fundamentais de controle social que, fun
cionando juntos, tomam líderes governamentais tão responsáveis perante
liderados que a distinção entre democracia c ditadura ainda faz sentido. O
outro método é a competição políLica contínua entre indivíduos, partidos,
ou ambos. Eleições e competição política não significam governo de maio
rias cm qualquer maneira significativa, mas aumentam imensamente o ta
manho, número e variedade das minorias, cujas preferências têm que ser
levadas cm conta pelos líderes quando fazem opções de política. Sinto-me
inclinado a pensar que é nesta característica das eleições não o governo
de uma minoria, mas de minorias — que temos que procurar algumas das
diferenças fundamentais entre ditaduras c democracias.
H!
IV
Se as maiorias nas democracias quase sempre governam no significado
ampio do termo, raramente o fazem em termos madisonianos, porquanto
vimos que poiíticas específicas tendem a ser produtos de "governo de mi
norias". No sentido em que Madison se preocupava com o probiema, então,
o governo da maioria c principaimente um mito. Isto nos !eva à nossa
quarta proposição: Se o govemo da maioria c na maior parte uni mito,
então a sua tirania, na maior parte, também o é. Isto porque se uma maioria
não pode governar, cia tampouco pode ser tirânica.
O probiema no mundo reai não é se a maioria, c muito menos "a"
maioria, atuará de forma tirânica, através de processos democráticos para
impor sua vontade a uma (ou à) minoria. Em vez disso, a questão mais im
portante é a medtda em que várias minorias na sociedade frustram as am
bições dc outra com aquiescência passiva ou indiferença de uma maioria de
aduitos ou eicitorcs.
O fato de algumas minorias frustrarem e, nesse sentido, tiranizarem os
demais é inerente numa sociedade onde pessoas discordam, isto é, na
sociedade humana. Mas se a frustração é inerente a eia, não o é a ditadura.
Contudo, se há aigo a ser dito peios processos que efetivamente distinguem
ou diferenciam democracia (ou poiiarquia) de ditadura, eie não será desco
berto na nítida distinção entre govemo peia maioria e govemo por uma
minoria. A distinção aproxima-sc muito mais dc ser entre governo por uma
minoria e govemo por wiwviu.s. Em comparação com os processos poií-
ticos das ditaduras, as características da poiiarquia aumentam muito o nú
mero, tamanho e diversidade dc minorias, cujas preferências influenciarão
o resuitado das decisões governamentais. Aicm do mais, essas caracte
rísticas evidentemente exercem influência recíproca sobre certo número dc
aspectos importantes da poiítica: os tipos dc iíderes recrutados, os tipos le
gítimos c iiegítimos de atividade política, a faixa de opções e tipos de po
líticas abertas aos líderes, os processos sociais para disseminação de infor
mações e de comunicação — na verdade, sobre todo o et/io.s da sociedade.
São nestes e cm outros efeitos, mais do que na soberania da maioria, que
encontramos os valores do processo democrático.
V
Nossa quinta proposição é que na medida em que há aiguma proteção gerai
na sociedade humana contra a privação por um grupo da iiberdade desejada
por outro, ela provavelmente não será encontrada em formas constitucio
nais. Será descoberta, se isso acontecer, cm fatores extraconstitucionais.
Tomemos o probiema da intensidade das preferências, por exempio. Nosso
curto exame das normas constitucionais para proteger dc privação um
grupo de preferências rclativamcntc intensas por um grupo mais numeroso
mas reiativamente apático em nada resuitou. Ainda assim, pode muito bem
haver formas de proteção situadas atem do formato constitucionai. Sem
tentar chegar a uma conclusão se intensidades dc preferências rciativas po
dem ser rcalmcnte medidas, podemos dizer que, se isto for absolutamente
possível, algum tipo de comportamento visível terá que ser aceito como in
dicador. Sc aceitarmos como tal a própria declaração do indivíduo sobre
como se sente, então a importante hipótese seguinte parece válida:
Ora, parece também claro que o provável resultado de uma decisão dc polí
tica d, cm parte, função do volume relativo dc atividade política empreen
dida a favor ou contra as alternativas. Daí:
V!
Qual c, então, a importância dos fatores constitucionais?
Até agora, evitei uma definição de "constitucional". Como salxan todos os
cientistas políticos, é reaimente difícil especificar rigorosamente o signifi
cado dc "constitucionai". É provávc! que comecemos com uma definição e
terminemos com um We/MtMc/taMM/q?. Embora não deposite muita confian
ça na utiiidade de minha definição, por "constitucionai" proponho identifi
car os determinantes de decisões do governo (deixo estes termos indefi
nidos) consistindo em normas prescritas que influenciam a distribuição, os
tipos c métodos iegítimos de controie entre servidores públicos. As regras
ou normas podem ser baixadas por grande variedade dc autoridades aceitas
como iegítimas peios servidores públicos: a Constituição escrita, se hou
ver, decisões dc um tribunal aceito como autoridade em interpretação cons
titucional, comentários respeitados e coisas assim. Por fatores não-consti-
tucionais, por conseguinte, entendo todos os demais determinantes das de
cisões do govemo.
Neste sentido, todas as poliarquias modemas parecem possuir consti
tuições tão notavelmente semelhantes que o elenco de variáveis constitu
cionais é ainda mais limitado do que poderiamos pensar à primeira vista.
São duas as causas dessa semelhança. Em primeiro lugar, as características
c condições básicas da poüarquia impõem uma limitação definida aos tipos
constitucionais à disposição dc qualquer grande sociedade desse tipo. Em
segundo lugar, dadas essas características e requisitos, a eficiência decor
rente da divisão do trabalho impõe mais uma e altamente importante limi
tação. Há necessidade de um corpo mais ou menos representativo para le
gitimar decisões básicas através de algum processo de assentimento — por
mais ritualixado que seja. A menos que o processo seja inteiramente ritual,
porém, há necessidade nos legislativos pelo menos dc líderes, de comissões
e de organizações partidárias. E também de burocracias constituídas de
especialistas permanentes a fim dc formular alternativas e assegurar o má
ximo proveito do estonteante número de decisões que o governo modemo
forçosamente tem que tomar. Essas burocracias precisam ser altamente es
pecializadas entre si, uma vez que realizam tarefas altamente diferenciadas:
competem e colidem entre si e com outros grupos oficiais no sistema. Os
servidores burocráticos devem, entre outras coisas, tomar decisões que in
fluenciam diretamente atos de indivíduos particulares. Daí uma burocracia
especializada ser necessária para julgar apelações decorrentes dessas
decisões preliminares. Outra de suas tarefas é adjudicar conflitos entre
indivíduos, ambas as tarefas às vezes combinadas na mesma burocracia es
pecializada, isto é, o judiciário. Decisões burocráticas, judiciais e legisla
tivas precisam ser de alguma maneira coordenadas, e por isso é necessário
um grupo especializado de coordenadores. Uma vez que a tarefa de coor
denação é com tanta frequência de importância crucial, envolvendo deci
sões básicas entre alternativas de política, ela exige líderes de grande stam.?
e poder que possam competir com sucesso na época dc eleições. O pro
cesso eleitoral em si requer especialização adicional; indivíduos dedicados
principalmente à tarefa dc ganhar eleições dirigem organizações partidárias
de âmbito naciona).
Com o passar do tempo, totios esses múttipios grupos espcciaiizados
transformam-se em direitos adquiridos, dependendo os líderes e liderados
da permanência, da renda, do prestígio c da legitimidade de suas organiza
ções. Tornam-se parte da urdidura c trama da sociedade. Neste sentido, to
dos os sistemas poliárquicos se caracterizam peta separação dc poderes:
possuem legislativo, executivo, burocracia administrativa c judiciário.
Cada um dos quais, por seu tumo, divide-se e subdividc-sc. Neste sentido,
também, todos eles são um sistema de controles recíprocos, numerosos
grupos de servidores competindo e se chocando entre si.
Dados esses limites ã faixa de variáveis constitucionais, qual a impor
tância das normas constitucionais no funcionamento da política democrá
tica? Até agora demonstramos que elas não são cruciais, nem fatores inde
pendentes na manutenção da democracia. Ao contrário, elas próprias pare
cem ser funções de fatores não-constitucionais subjacentes. Demonstramos
também que as normas constitucionais não são importantes como garan-
tidoras do govemo por maiorias ou de isenção de tirania por parte delas.
Nossa sexta proposição vem a ser a seguinte: os preceitos constitucio
nais são principalmcnte importantes porque contribuem para determinar a
que grupos particulares devem caber as vantagens ou desvantagens das lu
tas políticas. Em nenhuma sociedade as pessoas entram cm igualdade de
condições na luta política. O efeito das normas constitucionais é o de pre
servar, adicionar ou subtrair das vantagens e desvantagens com que elas
iniciam a disputa. Daí, por mais triviais as realizações dos preceitos cons
titucionais quando medidos pelas aspirações ilimitadas do pensamento
democrático tradicional, eles são cruciais para o s/ams e poder dc grupos
particulares que ganham ou perdem com sua aplicação. Por essa razão,
entre outras, os preceitos têm sido amiúde causa de luta violenta e mesmo
fratricida.
VH
VIII
Defini o processo político americano "normal" como aquele em que há aita
probabilidade de que um grupo ativo e legítimo tia população possa se
fazer efetivamente ouvido em algum estágio crucial do processo de tomada
de decisões. Ser "ouvido" abrange ampla faixa de atividades e não c minha
intenção definir rigorosamente a palavra. Evidentctncnte, não significa que
todos os grupos exercem igual controle sobre o resultado.
Na política americana, como aliás em todas as sociedades, o controle
sobre decisões é desigualmente distribuído. Nem indivíduos nem grupos
são politicamente iguais. Quando digo que um grupo c ouvido "efetiva
mente" entendo mais do que o simples fato de fazer barulho; entendo que
um ou mais servidores estão não só prontos para escutar o barulho mas
esperam sofrer de alguma maneira dolorosa se não aplacarem o grupo, seus
líderes, ou seus membros mais vocifcrantes. A fim de satisfazer o grupo, o
líder responsável pode tomar uma ou mais de uma grande variedade de
medidas: pressão cm prol de políticas substantivas, nomeações, suborno,
respeito, manifestação das emoções apropriadas ou a combinação certa de
barulhos recíprocos.
Assim, a tomada de decisões pelo governo não constitui uma marcha
majestosa de grandes maiorias unidas a respeito de certos assuntos de po
lítica. E o apttziguamento permanente dc grupos rclativamente pequenos.
Mesmo que esses grupos se somem em uma maioria numérica na época dc
eleição, cm gerai não é útil interpretar essa maioria como mais do que uma
expressão aritmética. Isto porque numa medida que teria agradado imensa-
mente a Madison, a maioria numérica é incapaz de empreender qualquer
ação coordenada. Os vários componentes dela é que dispõem de meios de
ação.
Uma vez que tudo isto c assunto conhecido, permita-me o ieitor suma
riar breve c dogmaticamente alguns aspectos bem sabidos dos preceitos
constitucionais: os grupos que eles beneficiam, aqueles que prejudicam, e o
resultado líquido. Quando analisamos o Congresso, descobrimos que cer
tos grupos são super-representados, no sentido em que possuem mais re
presentantes (ou mais representantes em lugares decisivos) e, por conse
guinte, mais controle sobre o resultado de decisões do Congresso do que
teriam se os preceitos tivessem sido elaborados para maximizar igualdade
política formal.^ A representação igual no Senado levou à super-
representação de estados menos densamente povoados. Na prática, isto sig
nifica qué fazendeiros e certos outros grupos — interesses de mineradores
dc metais, por exemplo — são super-representados. Os legislativos esta
duais super-representam áreas agrícolas e de pequenas cidades e daí não
redistribuem as cadeiras na Câmara de Representantes de acordo com as
mudanças na composição da população. A aplicação do princípio de anti
guidade e o poder dos presidentes de comissão têm levado os eleitores em
estados de um único partido ou de partido único modificado a serem signi-
ficativamcnte super-representados. Dc acordo com uma estimativa recente,
há 22 desses estados.^' Geograficamente, eles incluem o sólido Sul, os
estados de fronteira, a zona norte da Nova Inglaterra, quatro estados do
Meio-Oestc, o Oregon e a Pensilvânia. Entre estes, apenas a Pcnsilvânia é
altamente urbanizada e industrializada. Devido à aplicação do sistema de
um único membro por distrito na Câmara, em média uma mudança líquida
de 1% do eleitorado de um partido para o outro resulta em um ganho
líquido de cerca de 2,5% de cadeiras da Câmara para o partido beneficiado.
E por causa da aplicação do sistema de dois membros por distrito no
Senado uma mudança de 1% resultará cm um ganho líquido para o partido
beneficiado de cerca dc 3% das cadeiras no Senado. Por conseguinte,
quando grandes grupos heterogêneos, como os agricultores, mudam seu
apoio a partidos, os efeitos legislativos serão provavelmente muito
exagerados. (Cf. Figs. 10 e 11, pp. 143 e 144).
Todos esses políticos e servidores interessados na eleição ou reeleição
de um Presidente e, daí, nos caprichos do colégio eleitoral, têm necessaria
mente que ser sensíveis a um conjunto algo diferenciado de grupos. Repe
tindo, o quadro geral é tão conhecido que basta enumerar alguns pontos.
De modo geral, os políticos presidenciais precisam ser sensíveis a estados
popuiosos com grande número de votos cieitorais; a estados que sejam
marginais entre os partidos, isto é, estados de dois partidos; aos cstados-
"chaves", isto é, os marginais e densamente povoados; a grupos decisivos
em estados decisivos — étnicos, rciigiosos, ocupacionais; a grupos rciati-
vamente grandes de âmbito naciona); e a áreas urbanas e industriais densa-
mente povoadas. Um exame cuidadoso desses requisitos demonstrará, acho
eu, que eies são diferentes e frequentemente têm objetivos contrários aos
grupos que predominam no Congresso.
y
!X
Este é o sistema normai. Não tentei nestas páginas conciuir se é um sistema
desejávei de govemo, nem o farei agora. Isto porque a avaliação de seus
méritos e defeitos exigiria uma discussão penetrante e longa que se situaria
além do escopo destes ensaios.
Mas o seguinte pode ser dito a respeito do sistema: se não é o próprio
auge da realização humana, um modelo para o resto do mundo copiar ou
modificar por sua própria conta e risco, como nossos apologistas naciona
listas c politicamente analfabetos tão cansativamente insistem em dizer,
tampouco, acho eu, é um sistema tão obviamente defeituoso como alguns
de seus críticos sugerem.
Para sermos exatos, reformadores dotados de um fino senso de ordem
antipatizam com ele. Observadores estrangeiros, mesmo simpáticos, ficam
amiúde atônitos e confusos com ele. Numerosos americanos se mostram
desalentados com seus paradoxos. Na verdade, alguns que examinam aten
tamente nosso processo político podem, às vezes, sentir profunda frustra
ção e irado ressentimento com um sistema que, superficialmente, tão pouco
tem de ordem c tanto de caos.
isto porque é um sistema acentuadamente descentralizado. As deci
sões são tomadas por barganhas intermináveis. Talvez cm nenhum outro
sistema político nacional no mundo a barganha seja um componente tão
básico do processo político. Numa era em que as cficicncias da hierarquia
foram enfatizadas em todos os continentes, sem dúvida nenhuma o sistema
político americano normal constitui como que uma anomalia, se não, às
vezes, um anacronismo. Isto porque, como meio para chegar a decisões
altamente integradas, coerentes, em algumas áreas importantes política
externa, por exemplo — ele parece frequentemente funcionar de tnaueua
frágil, beirando o colapso total.
Ainda assim, não devemos ser apressados demais cm nossa avahaçn".
isto porque, nos casos em que seus defeitos sobressaem, suas viumlt s li
cam ocultas ao olho demasiado rápido. Por sorte, o sistema nooual irm .t.
virtudes de seus vícios. Com todos os seus defeitos, ele ainda a ;-mi pm
))t)trif)t)a alto probabilidade de que todos os grupos ativos c legítimos se fa
rão ouvir cfctivamente cm algum estágio do processo de tomada de
decisões. E isto não é uma vantagem banaf em um sistema político.
E também não é estático. O sistema americano evoluiu, e por isso so
brevive. Evoluiu c sobreviveu passando da aristocracia para a democracia
de massa, atravessando a escravidão, a guerra civil, a difícil reconciliação
entre Norte e Sul, a repressão dos negros c sua emancipação vacilante; duas
grandes guerras dc âmbito mundial, mobilização, ações militares em todos
os quadrantes do mundo e volta a uma paz instável; passou por numerosos
períodos de instabilidade econômica e uma depressão prolongada, com de
semprego cm massa, "ferias" agrícolas, marchas de veteranos, gás lacri
mogêneo e mesmo balas; dois períodos de cinismo no pós-guerra, excessos
demagógicos, usurpação de liberdades tradicionais, c tenteantes, desa
jeitadas, não raro selvagens tentativas de enfrentar os problemas da sub
versão, medo e tensão civil.
Provavelmente este estranho híbrido, o sistema político americano,
não serve para exportar. Mas enquanto as condições sociais fundamentais
da democracia estiverem substancialmcntc intactas neste país, parece que o
sistema será rclativamente eficiente para reforçar o acordo, encorajar a mo
deração e manter a paz social cm um povo inquieto c exagerado, que faz
com que funcione uma sociedade gigantesca, poderosa, diversificada e
incrivelmente complexa.
Não c, portanto, uma contribuição mesquinha, a que os americanos
deram às artes do governo — e àquele ramo que entre todas as artes da
política é a mais difícil: a arte do governo democrático.
N O TAS
Jackson, A., 12 6 ,13 6 ,13 8 , 14 0 ,146ml negros, 39, 113, 116 .13 6 ; direito dos, 59,
Janow itz,M ,30n.28 120
Jcfferson, T.. 17, 25. 42,33, 140 Nansen, E.J., 63n.8, 64n.lÓ
Judiciário,20, 106 Voíes <?n Frrçmiu CJeffersonl, 17
obstrução, 57 Shils. 1:.. 62rt. 1
oligarquia. 58-59 Simon, H., 123rt.6
opinião púbtica, 58,59 sistema nomtnl, 136
Organização das Nações Unidas, 130 ststema político atuetteano, 134 35
Sm itb.JA H cn .14H n.17
1'adover, S.K., 38n.l, rt.l 1 , 39n.21 soltcrama po)tular, 43 44, 46, 48, 53, 54, 57
participação, 74 Sócrates,83
partidos políticos. 54 Stamps, N., 148n.l7
Platão. 36, 9 2 t.l3 Starosolskyz, W., 62rt 2
poderes, 20. 21 Stcvcnson, A., 98,99, 127, 128
poliarquta, ver democracia poliárquica Stouffer, S.A., 123rt 5
preferências, 69 Supremo Tribunal (dos Estados Unidos),
presidência, 57, 106, 108-9, 126, 138, 140 5 7 ,5 9 ,10 7 , 108, 109, 110, 1 1 1 ,1 3 6
princípio da maioria, 44 S w ish er,C .B .,123n .l0
princípio republicano, 23, 32
processo de apresentação de emendas, 118 tirania. 15, 20, 22. 23. 2 4 .2 5 .2 6 .2 7 .2 8 .
processo político americano "normal", 136, 2 9 ,3 0 -3 1 ,3 2 ,1 0 0 .1 2 5 .13 2
141 tirania da m aioria,17
produtores de algodão. 116 tirania da mtnorta.17
tosquiadores, 116
Ranncy, A., 62t.3, 148n.2t trabalhadores migrantes, 116
Rebelião do Uísque, 99 trabalho infantil, 107, 109
Regra. a. 44, 45. 46, 47.55. 58, 68,69.70, transitividadc,64n.9
7 1,7 3 .10 5 , 125 treinamento sociai, 78, 79
Regra Ressalvada da Minoria, 52 Trum an.D., 147n.l3
representação, 113 , 114, 115 , 116 Trnrnan, H.. 146rt.5. 128
representação efetiva, 115
representação igual, 1 1 1 -1 2 "última palavra". 51
república, 18; princípio republicano, 23, 32 ê/niíed ShMer v. ícrvet/, 66n.21
revisão judicial. 54, 106, 107, 138
Revolução Americana, 136
Roper, E.. 91tt.6, 147rt.ll veto, 57, 105
veto da minoria. 40n.35, 57
Rossiter, C.. 38n.3, 39rt.29
Rousseau, 42, 55 votação, 47, 94
iJ-Z-El JorgeZaharEditor
UM P R M i A o o A l u m t t t . .,t^, < t* .
Roberí A- DíhJ
p t o h l e t n a s a t . a g . o m t . f t . . ....... . t.t oot (
c io n a l. S e u a u t o r . o p t.,1 . i 'ttt — ;
d e Y a)c, ex a m in a as duu.. t . o t t a .
tn a d iso n ia n a , r e p te s r n t.m d .... d . - . t t . t . w ^ . t
su a riv a l m ais c o n s ta u tr. n t . t t u. <
m e n ta ç ã o , e s sa s r l u i . s t r . n n . , . . . ^
tim e io n a a m o d e rn a d ru x x to. ta A ) ...tt. u .
tró i um m o d e lo m ais r o n s t s t ................... .
e , ao fa z ê -lo , d e s e ttv o lv r a l f u u , ).....t. - t t.t^
a so b e ra n ia p o p u la r e o -a-.t.................................. .. .
U m liv ro in d isp e n sá v e l nao o)x t.,.,. )..aa a o ... .
cia s p o lític a s cm g e ra l, n .a - .n )...)..
p e n s a m e q u e stio n a m um m o .lrlo d. ..x . ...
l-l Z Ej J b q ^ Z a h a rE d ittx
Robert A.Dah]
UM PREFACIO
A TEORIA
DEMOCRÁTICA