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Rua Quintino Bocaiuva, 191-4 andar s/41 CEP 01004 - São Pauto - SP - Fone 35-
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Prólogo
Eureka foi escrito em 1847, mas é impossível saber quanto tempo Poe levou para
elaborá-lo. "Desde pequeno - diz Harvey Allen - amava as estrelas, desde os dias do
telescópio em casa de John Allan. Nas páginas de inúmeras revistas lia os artigos
astronômicos e acompanhava as notícias do progresso da ciência conforme este
avançava pelas décadas. E foi isto que o levou a Laplace, a Newton, a Nichol, a
obscuras obras de física e matemática, a Kepler e a Boscovitch." Quase toda sua vida
literária aconteceria antes daquela precoce ansiedade consmogônica alcançar uma força
obsessiva. Poe dedicou-se à redação no triste período posterior à morte de Virgínia
Clemm.
Talvez interesse colocar aqui esta síntese do livro, feita pelo mesmo Poe em uma
carta de 29 de fevereiro de 1848: "A proposição geral é esta: Posto que nada foi, então
todas as coisas são.
Os bons leitores deste poema cosmogônico são aqueles que aceitam, em um plano
poético, o vertiginoso itinerário intuitivo e intelectual que Poe lhes propõe e que
assumem por um momento esse ponto de vista divino a partir do qual ele pretendeu
olhar e medir a criação. Nossa época tem poucos poetas cosmogônicos; a poesia é
sempre coisa sublunar. É raro e vivificante descobrir essa atitude em um ou outro poeta;
e a experiência de ler ao primeiro Jules Laforque, por exemplo, devolve por um instante
o espírito à sua verdadeira situação no cosmos, situação da qual os hábitos mentais o
afastam continuamente. Quando Poe, na talvez mais bonita passagem de Eureka, nos
coloca dentro do imenso Y maiúsculo da Via Láctea e nos mostra que o céu que vemos
mais ou menos estrelado depende somente de que, num caso estamos olhando ao longo
do Y, e no outro, através dele, tem-se por um instante uma vertigem de infinitude,
porque junto com ele estamos olhando com olhos mais que humanos, com olhos abertos
no limite de uma tensão poética e mental à beira da ruptura. Somente assim se deve ler
Eureka, lembrando que ele o dedicou "a aqueles que sentem, mais do que àqueles que
pensam" e o apresentou como um produto de arte.
Poe o fez e acabou consumindo sua inteligência nessa desesperada empresa mais
solitária que todas as outras suas. No ano seguinte, quando errava pela Filadélfia
alucinado e bêbado, escreveria à Sra. Clemm: "Não tenho vontade de viver desde que
escrevi Eureka. Não conseguiria escrever mais nada."
Júlio Cortázar
Com profundo respeito, esse trabalho é dedicado a Alexander Von Humboldt
Prefácio
Aos poucos que me amam e aos quais eu amo; aos que sentem, mais do que
pensam; aos sonhadores e àqueles que confiam nos sonhos como as únicas realidades,
dedico este livro de Verdades, não como Propagador da Verdade, mas pela Beleza que
de sua Verdade brota, tornando-o verdadeiro. A estes apresento a composição como
um produto de Arte apenas: como um Romance, digamos; ou, se não for muita
pretensão de minha parte, como um Poema.
O que proponho aqui é verdadeiro; portanto, não pode morrer. Se, de alguma
forma, estiver sendo calcado agora para a morte, haverá de "erguer-se novamente para
a Vida Eterna".
Contudo, é somente como um Poema que desejo seja esse trabalho julgado depois
de minha morte.
E. A. P.
EUREKA:
Um ensaio sobre o universo material e espiritual
Para começar, permita-me anunciar, da forma mais clara possível, não o teorema
que espero demonstrar - pois, por mais que digam os matemáticos, não há, pelo menos
neste mundo, nada que se assemelhe a uma demonstração - mas antes a idéia condutora
que ao longo deste volume tentarei continuamente sugerir.
Minha proposição geral, portanto, é esta: Na Unidade Original da Primeira Coisa
encontra-se a Causa Secundária de Todas as Coisas, com o Germe de sua Aniquilação
Inevitável.
Não conheço nenhum tratado em que se apresente uma visão do Universo (usando
a palavra em sua concepção mais ampla, a única legítima). Talvez seja oportuno
adiantar aqui que, pelo termo "Universo", sempre que empregado sem qualificação
neste ensaio, quero dizer a maior extensão de espaço concebível, incluindo todas as
coisas, espirituais e materiais, que se podem imaginar como existentes no âmbito desta
extensão. Ao falar no que comumente implica a expressão "Universo", farei uso de uma
frase limitativa: "o Universo dos Astros". Veremos na seqüência por que se considera
necessária essa distinção.
Todavia, até entre os tratados sobre o Universo dos astros - na verdade limitado,
embora sempre considerado como o ilimitado -, não conheço nenhum em que mesmo o
exame deste Universo limitado permita realizar deduções a partir de sua
individualidade. O trabalho mais próximo disto encontra-se no "Cosmos" de Alexander
Von Humboldt. Ele, porém, apresenta o assunto não em sua individualidade, mas em
sua generalidade. Seu tema, em última instância, é a lei de cada parte do Universo
meramente físico, na medida em que esta lei se vincula às leis de todas as outras partes
deste Universo meramente físico. Seu propósito é simplesmente sinerético. Resumindo,
ele discute a universalidade da relação material e revela aos olhos da Filosofia todas as
inferências até então ocultas por trás dessa universalidade.
Mas, por mais admirável que seja a concisão com que ele tratou cada ponto
particular de seu tema, a simples multiplicidade desses pontos ocasiona,
necessariamente, um acúmulo de detalhes e, portanto, uma complexidade de idéias que
impede toda individualidade de impressão. Parece-me que, para atingir esse último
efeito e, através dele, as conseqüências, as conclusões, as sugestões, as especulações ou,
na falta de algo melhor, as meras conjecturas que possam resultar, precisaremos de uma
atitude mental semelhante ao movimento de girar sobre os calcanhares. Precisamos de
uma revolução tão rápida de todas as coisas que cercam o ponto de vista central que,
enquanto as minúcias desaparecessem completamente, até mesmo os objetos mais
distintos se fundissem num único. Entre as minúcias desaparecidas numa visão deste
tipo deveriam constar todas as coisas exclusivamente terrenas. A Terra deveria ser
considerada apenas em suas relações planetárias. Por esse ponto de vista, um homem
torna-se a humanidade; e a humanidade torna-se um membro da família cósmica das
Inteligências.
"Você sabia, meu caro amigo", diz o autor, dirigindo-se, sem dúvida, a um
contemporâneo. "Você sabia que foi somente há oitocentos ou novecentos anos que os
metafísicos consentiram em libertar as pessoas da singular fantasia de que existem
apenas dois caminhos para se chegar à Verdade?
Acredite se quiser! Parece, entretanto, que há muito, muito tempo atrás, na noite
dos tempos, vivia um filósofo turco chamado Aries e apelidado Tottle." (Aqui,
possivelmente o autor da carta se refere a Aristóteles; os melhores nomes
lamentavelmente se corrompem ao fim de dois ou três mil anos). "A fama deste grande
homem vinha principalmente de sua demonstração de que o espirro é um recurso natural
através do qual os pensadores excessivamente profundos podem expelir pelo nariz as
idéias supérfluas; mas ele obteve celebridade quase tão grande como o fundador, ou,
pelo menos, como o principal divulgador, do que se chamou filosofia dedutiva ou a
priori. Ele partia do que considerava axiomas ou verdades evidentes por si mesmas; e o
fato muito conhecido, agora, de que não há verdades evidentes por si mesmas, não afeta
em nenhuma instância as suas especulações - ao seu propósito bastava que as verdades
em questão fossem de algum modo evidentes. Dos axiomas ele prosseguia, logicamente,
aos resultados. Seus mais ilustres discípulos foram um tal Tuclides, geômetra" (quer
dizer Euclides), "e um tal Kant, holandês, criador daquela espécie de
Transcendentalismo que, pela simples troca de um K por um C, (Cant, geringonça. O
transcendentalismo aludido é o de Emerson e seu grupo. (N. do T.) leva agora seu nome
característico. Pois bem, Aries Tottle floresceu, soberano, até aparecer um tal de Hog,
apelidado 'o pastor de Ettrick',(Hog, porco, alude a Bacon (bacon, toicinho). "O pastor
de Ettrick", que o autor da suposta carta menciona por puro disparate, era um poetastro
chamado James Hogg), que pregava um sistema inteiramente diferente, ao qual chamou
de a posteriori ou indutivo. Seu sistema era todo referente à sensação. Procedia através
da observação, da análise e da classificação dos fatos - instantiae Naturae, como, com
certa afetação, eram chamados -, dispondo-os em leis gerais. Em resumo, enquanto o
método de Aries se baseava nos números, o de Hog dependia dos fenômenos; tão
grande foi a admiração despertada por este último método que, desde sua primeira
aparição, Aries caiu em descrédito geral. Ao final, entretanto, ele recuperou terreno e
pôde dividir o império da Filosofia com seu rival mais moderno: os sábios se
contentaram em proscrever qualquer outro competidor presente, passado e futuro;
puseram fim a toda controvérsia sobre o tema, através da promulgação de uma lei
rigorosa, em virtude da qual os caminhos aristotélico e baconiano eram, e por direito
deviam sê-lo, as únicas vias possíveis do conhecimento. 'Baconian', você deve saber,
meu caro amigo" (acrescenta, a essa altura, o autor da carta), "era um adjetivo inventado
para equivaler a Hog-iano e, ao mesmo tempo, mais nobre e eufônico. "Asseguro-lhe,
categoricamente" (continua a epístola), "que exponho essas questões de forma
imparcial; e você pode com facilidade entender quantas restrições realmente absurdas
contribuíram naqueles dias, para retardar o progresso da verdadeira Ciência, a qual
realiza seus avanços mais importantes - como o mostra toda a História - por saltos
aparentemente intuitivos Estas idéias antigas reservaram à investigação o estágio de
arrastar-se; não preciso insinuar-lhe que o arrastar-se, dentre os vários meios de
locomoção, tem muita importância em si mesmo; mas, porque a tartaruga está segura
sob seus pés, devemos cortar as asas das águias? Durante muitos séculos, foi tão grande
a paixão, especialmente por Hog, que houve uma interrupção virtual de todo e qualquer
pensamento digno de assim ser chamado. Nenhum homem ousava proclamar uma
verdade que dissesse respeito somente à sua alma. Não importava que a verdade fosse
demonstrável como tal, pois os filósofos dogmatizantes da época só levavam em conta o
caminho pelo qual aquela verdade alegava ter sido atingida. O fim, para eles, era um
ponto sem importância, um ponto qualquer. 'Os Meios!' - vociferavam - 'Vejamos os
meios!' -; e se, ao conferir os meios, verificavase que não cabiam na categoria Hog, nem
na categoria Aries (que significava carneiro), pois então os sábios não prosseguiam;
pelo contrário, chamavam de louco aquele pensador, taxavam-no de 'teórico' e a partir
dali negavam-se a ter contato com ele ou com suas verdades."Agora, meu caro amigo",
continua o autor da carta, "não se pode afirmar que, pelo sistema do arrastar-se, adotado
com exclusividade, os homens haveriam de chegar ao máximo de verdade, nem mesmo
ao passar de uma longa série de idades, pois a repressão da imaginação é um mal não
compensado por qualquer pela absoluta certeza, nesse passo de caracol. Mas a certeza
de nossos progenitores estava longe de ser absoluta. Seu erro era análogo ao do falso
sábio que acreditava ver necessariamente mais distinto um objeto, quanto mais
aproximasse este objeto de seus olhos. Eles cegavam a si próprios também com o
impalpável, tilitante rapé do detalhe; e assim, os ponderados fatos dos Hog-istas de
modo algum eram sempre fatos -- ponto de pouca importância, a não ser porque eles
sempre os consideravam como tais. A falha vital do Baconismo, entretanto, sua mais
lamentável fonte de erro, encontra-se na tendência de deixar o poder e a consideração
nas mãos de homens meramente perceptivos, desses parasitas minúsculos, os sábios
microscópicos, cavocadores e mascates de fatos miúdos, tomados em sua maior parte da
ciência física, fatos que vendiam ao mesmo preço pela estrada, pois seu valor dependia,
suPoe-se, simplesmente do fato de seu fato, sem referência à sua aplicabilidade ou
inaplicabilidade no desenvolvimento daqueles fatos finais, os únicos legítimos,
chamados Lei.
Jamais existiu sobre a face da Terra - continua dizendo a carta - um grupo mais
intolerante, mais intolerável de fanáticos e tiranos do que esses indivíduos subitamente
elevados pela filosofia Hog-iana a uma situação para a qual não haviam nascido,
transferidos, então, das cozinhas aos salões da Ciência, de suas despensas aos seus
púlpitos. Seu credo, seu texto e seu sermão eram, igual e unicamente, a palavra
'fato'; a maior parte, porém, sequer conhecia o significado desta palavra. Para com
aqueles que se atrevessem a perturbar seus fatos com o objetivo de dar-lhes uma ordem
e um uso, os discípulos de Hog mostravam-se implacáveis. Todas as tentativas de
generalização eram logo recebidas com as alcunhas de 'teórico', 'teoria', 'teorizador';
todo pensamento, em suma, era considerado uma afronta pessoal. Cultivando as
ciências naturais, excluindo-se a Metafísica, a Matemática e a Lógica, muitos destes
engendres baconianos, monomaníacos, unilateral e coxos de uma perna, eram de uma
impotência mais lamentável, de uma ignorância mais miserável a respeito de todos os
objetos possíveis de conhecimento, do que o mais tolo dos camponeses analfabetos, o
qual prova saber pelo menos alguma coisa, ao admitir que não sabe absolutamente nada.
Nossos antepassados não tinham mais direito para falar de certeza quando seguiam, com
cega confiança, a trilha a priori dos axiomas, a trilha do Carneiro. Em inúmeros pontos,
essa trilha era tão pouco reta quanto o chifre de um carneiro. A simples verdade é que os
aristotélicos ergueram seus castelos sobre uma base menos confiável que o ar; pois tais
coisas como os axiomas nunca existiram nem podem de forma alguma existir. Deviam
ser muito cegos, na verdade, para não ver isto ou para pelo menos não suspeitar; porque,
mesmo naquela época, muitos de seus axiomas, aceitos de longa data, foram
abandonados: ex nihilo nihil fit, por exemplo; ou, uma coisa não pode atuar onde ela
não estiver; ou, não pode haver antípodas; e, a escuridão não pode ser proveniente da
luz. Estas e inúmeras outras proposições semelhantes, primeiramente aceitas sem
hesitação como axiomas, ou verdades inegáveis, foram consideradas, mesmo no período
a que me refiro, absolutamente insustentáveis. Que ridículas eram, portanto, essas
pessoas que insistiam em apoiarse numa base cuja pretensa imutabilidade tantas vezes
se revelara mutável! Contudo, mesmo diante das provas que eles colocavam contra si
próprios, é fácil convencer esses raciocinadores a priori da mais gritante semrazão, é
fácil mostrar a futilidade, a inconsistência de seus axiomas em geral. Tenho agora diante
de mim - observe que continuamos com a carta, tenho diante de mim um livro impresso
há cerca de mil anos. Asseguram-me tratar-se da obra antiga mais precisa sobre este
tópico: a Lógica. O autor, muito estimado em seu tempo, era um ta1 de Miller ou Mill;
(John Stuart MUI. (N. do T.) sobre ele, encontramos registrado, como dado de certa
importância, que cavalgava um cavalo moinho, ao qual chamava de 'Jeremy Bentham';
mas, vamos dar uma olhadr no próprio volume... Ah! 'A capacidade ou a incapacidade
de conceder algo - diz Mr. Mill com grande acerto -, em nenhum caso deve ser
considerada como critério de verdade axiomática'.
Bem, ninguém em uso da razão negará que este é um truísmo palpável. Não
admitir esta proposição seria insinuar uma carga de inconstância contra a Verdade, cujo
título em si é sinônimo de Constância. Se a capacide conceber algo fosse tomada como
critério de verdade, então uma verdade para David Hume raramente seria uma verdade
para Joe; e noventa e nove por cento do que é inegável no céu seria uma falsidade
demonstrável na terra. A proposição de Mr. Mill, portanto, é válida. Não aceito que seja
um axioma; e isto, simplesmente porque estou mostrando que não existem axiomas;
porém, com uma distinção que não seria contestada nem pelo próprio Mr. Mill, estou
pronto a aceitar que, se houver um axioma, esta proposição de que falo tem todo o
direito de ser considerada como tal; que não há axioma mais absoluto e, por
conseqüência, que qualquer proposição subseqüente que contradiga a primeira
estabelecida deve ser ou uma falsidade em si mesma - quer dizer, não é axioma -, ou,
uma vez considerada axiomática, deve imediatamente neutralizar-se a si mesma e
neutralizar sua predecessora.E agora, pela lógica de quem os propôs, vamós proceder à
verificação de cada um dos axiomas propostos. Vamos jogar limpo com Mr. Mill. Não
daremos nenhuma solução vulgar a este ponto. Não selecionaremos para a investigação
nenhum axioma trivial, daqueles que ele chama, de maneira não menos absurda por
implícita que esteja, aqueles que ele chama de segunda classe (como se uma verdade
positiva por definição pudesse ser mais ou menos positivamente uma verdade); não
selecionaremos, digo, nenhum axioma de uma inquestionabilidade tão discutível quanto
a que se encontra em Euclides. Não falaremos, por exemplo, de proposições como a de
que duas linhas retas não podem limitar um espaço, ou a de que o todo é maior do que
qualquer uma de suas partes. Concederemos ao lógico todas as vantagens. Chegaremos
então a uma proposição que ele considera o ápice do inquestionável, a quintescência da
incontestabilidade axiomática. Ei-la: 'As contradições não podem ser ambas
verdadeiras, quer dizer, não podem coexistir na natureza.' Aqui, Mr. Mill quer dizer, por
exemplo - e cito o caso de maior eficácia possível -, que uma arvore deve ser uma
árvore ou não ser uma árvore, que não pode ao mesmo tempo ser uma árvore e não sê-
lo; tudo isso é, por si só, bastante razoável e responderá notavelmente como um axioma,
até que o comparemos com um axioma estabelecido algumas páginas atrás, em outras
palavras - palavras que já utilizei anteriormente -, até que o verifiquemos pela lógica
mesma de quem os propôs. 'Uma árvore - afirma Mill - deve ser uma árvore ou não sê-
lo'. Muito bem: e agora permitame preguntar-lhe por quê. Para essa pequena pergunta
há somente uma resposta. Desafio qualquer homem vivente a inventar uma segunda. A
resposta única é esta: 'Porque nos é impossível conceber que uma árvore seja alguma
coisa além de ser uma árvore ou não ser uma árvore'. Esta, repito, é a resposta única de
Mr. Mill; não pretenderá sugerir outra; e, entretanto, conforme sua própria exposição,
sua resposta evidentemente não é resposta alguma; pois, ele já não nos tinha pedido que
admitíssimos, como um axioma, que a capacidade ou incapacidade de conceber não
deve em nenhum caso, ser tomada como critério de verdade axiomática? Logo, toda,
absolutamente toda a sua argumentação faz-se à deriva. Que não se insista em dever-se
fazer uma exceção à regra geral, nos casos em que a 'impossibilidade de conceber' é tão
grande quanto nessa de nos pedirem que concebamos uma árvore que ao mesmo tempo
seja uma árvore e não o seja. Que nenhuma tentativa seja feita para induzir a este
absurdo, pois, em primeiro lugar, não há graus de impossibilidade e, portanto, nenhuma
concepção impossível pode ser mais impossível do que qualquer concepção impossível;
em segundo lugar, o próprio Mr. Mill, sem dúvida depois de muito deliberar, excluiu
com suma clareza e razão toda oportunidade de exceção, ao enfatizar sua proposição de
que em nenhum caso a capacidade ou incapacidade de conceber deva ser tomada como
critério de verdade axiomática; em terceiro lugar, mesmo que as exceções fossem
admissíveis, restaria mostrar qual exceção é admissível aqui. Que uma uma árvore possa
tanto ser uma árvore como não sê-lo é uma idéia que talvez os anjos e os demónios
sustentem e que, sem dúvida, muito louco terreno, ou Transcendentalista, sustenta.
Se discuto com esses antigos - continua o autor da carta -, não é tanto por causa da
transparente frivolidade de sua lógica - a qual, falando com franqueza, carecia de base,
de valor e era absolutamente fantástica -, é por causa de sua pomposa è presunçosa
proscrição de qualquer outro caminho à Verdade que não fosse uma das duas trilhas
estreitas e tortuosas: a do arrastar-se e a outra, do rastejar, às quais, em sua perversidade
ignorante, ousaram confinar a Alma, que nada ama tanto quanto voar por aquelas
regiões de ilimitável intuição, onde absolutamente não se atenta às trilhas.
A propósito, meu caro amigo, não é uma prova da escravidão mental, imposta
àquelas pessoas fanáticas por seus Hogs e seus Rams, (Porcos (por Bacon) e Carneiros
(por Aristóteles, chamado aqui Aries Tottle). (N. do T.) que, apesar do eterno falatório
de seus sábios sobre os caminhos para a Verdade, nenhum deles tenha chegado, sequer
por acaso, naquele que agora vemos tão claramente ser o mais amplo, o mais reto e o
mais acessível de todos os caminhos simples, a grande passagem, a majestosa via do
onsistente? Não é assombroso que tenham falhado em deduzir das obras de Deus a
consideração de importância vital de que uma perfeita consistência não pode ser senão
uma verdade absoluta? Que simples, que rápido nosso progresso desde o recente
anúncio dessa proposição! Graças a ela, a especulação saiu das mãos das toupeiras e foi
entregue como um dever, muito mais que como uma tarefa, aos verdadeiros pensadores,
os únicos verdadeiros, aos homens de cultura geral e de ardente imaginação. Estes
últimos, nossos Keplers, nossos Laplaces, 'especulam', 'teorizam' - são estes os termos -
este últimos, imagine você com que riso de desdém não teriam sido recebidos por
nossos antepassados, se a eles fosse possível espiar agora por sobre meu ombro,
enquanto escrevo. Os Keplers, repito, especulam, teorizam, e suas teorias vão sendo
corrigidas, reduzidas, peneiradas, purificadas pouco a pouco de seus resíduos de
inconsistência, até que, enfim, surja a consistência manifesta e desimpedida, uma
consistência que - por ser consistência - seja admitida até pelo mais estólido como uma
Verdade absoluta e indiscutível. Penso com freqüência, meu amigo, que esses
dogmáticos de há mil anos atrás devem ter quebrado a cabeça para determinar por qual
de seus dois ponderados caminhos consegue o criptógrafo solucionar as chaves mais
complicadas; ou por qual deles Champollion conduziu a humanidade àquelas
importantes e inumeráveis verdades que durante tantos séculos jazeram sepultadas nos
hieróglifos fonéticos do Egito. Não deve, especialmente, ter custado um certo trabalho a
esses fanáticos determinar por qual de seus dois caminhos alcançou-se a mais
importante e sublime de todas as suas verdades: a verdade, o fato da gravitação?
Newton deduziu-a das leis de Kepler. Kepler admitia que advinhara essas leis, leis cuja
investigação revelou ao maior dos astrônomos ingleses aquele princípio, a base de todo
princípio físico (existente), por trás do qual entramos de imediato no nebuloso reino da
Metafísica. Sim, Kepler adivinhou essas leis vitais, ou seja, ele as imaginou. Caso se
tivesse perguntado a ele se as havia alcançado pelo caminho dedutivo ou pelo indutivo,
quem sabe sua resposta teria sido: 'Nada sei sobre caminhos; mas conheço a maquinaria
do Universo. Isto é tudo. Apreendi-a com minha alma; alcancei-a pela simples força da
'intuição'. Ah, pobre velho ignorante! Será que nenhum metafísico poderia ter-lhe dito
que o que chamava 'intuição' nada era senão a convicção resultante de deduções ou
induções tão obscuras em seus processos que escapavam-lhe à consciência, iludiamlhe a
razão ou desafiavam-lhe a capacidade de expressão? Que pena que algum 'moralista'
não o tenha iluminado acerca de tudo isto! Como poderia tê-lo confortado em seu leito
de morte saber que, ao invés de ter caminhado indecorosamente, porque seguindo sua
intuição, na verdade caminhara com decoro, legitimamente, quer dizer, como Hog, ou
pelo menos como Ram, pelos vastos salões onde jaziam resplandecentes, não vigiados e
até então intocados por mãos mortais, invisíveis a olhas mortais, os imperecíveis e
preciosos segredos do Universo!
Sim, Kepler foi essencialmente um teórico; mas esse título, agora tão sagrado, era
naqueles tempos antigos alcunha sobremaneira pejorativa. Somente agora os homens
começam a apreciar aquele divino ancião, a simpatizar com a rapsódia profética e
poética de suas palavras para sempre memoráveis. De minha parte - continua o
correspondente desconhecido - sinto-me arder em fogo sagrado só de pensar nelas e
sinto que nunca me cansarei de ouvi-las (para terminar esta carta, deixe-me ter o
verdadeiro prazer de transcrevê-las mais uma vez): 'Não me importa se minha obra será
lida hoje ou pela posteridade. Posso esperar um século pelos meus leitores, pois se Deus
mesmo esperou seis mil anos por um observador. Triunfo! Roubei o segredo de outro
dos egípcios. Entrego-me à minha fúria sagrada'". Aqui terminam minhas citações desta
epístola tão inexplicável e quiçá algo impertinente; e talvez seja loucura comentar, em
qualquer sentido, as quiméricas, para não dizer revolucionárias, fantasias do autor -
quem quer que seja ele -, fantasias tão radicalmente em pé de guerra com as opinições
bem vistas e bem estabelecidas desta época. Continuemos, pois, com nossa legítima
tese: O Universo. Essa tese admite uma escolha entre dois modos de discussão:
podemos ascender ou descender. Começando por nosso próprio ponto de vista - a Terra,
na qual nos encontramos -, podemos passar aos outros planetas de nosso sistema, em
seguida ao Sol, daí a todo o nosso sistema considerado coletivamente e depois, através
de outros sistemas, mais além, indefinidamente; ou, começando lá no alto, de um ponto
qualquer tão definido quanto nós o entendamos ou o concebamos, podemos descer à
morada do Homem. Geralmente, quer dizer, nos ensaios comuns sobre Astronomia,
adota-se com certa reserva o primeiro destes modos, e isto pela razão óbvia de que,
sendo seu objeto os meros fatos e princípios astronómicos, alcança-se melhor esse
objeto ascendente gradualmente do conhecido, porque próximo, até o ponto em que toda
certeza se perde no remoto. Entretanto, ao meu propósito atual - o de capacitar a mente
a apreender, como se de longe e por uma única olhada, uma distante concepção do
Universo individual -, está claro que uma descida ao pequeno a partir do grande, às
bordas a partir do centro (se pudéssemos estabelecer um centro), ao fim a partir do
princípio (se pudéssemos imaginar um princípio), seria o curso preferível, não fosse a
dificuldade - para não dizer a impossibilidade - de apresentar neste processo, aos que
não são astrónomos, um quadro inteligível das considerações implícitas na idéia de
quantidade, ou seja, em número, magnitude e distância.
Comecemos então com a mais simples das palavras: "Infinito". Esta, como
"Deus", "Espírito" e algumas outras expressões que têm equivalentes em todas as
línguas, de modo algum é a expressão de uma idéia, é, antes, um esforço até ela.
Representa uma tentativa possível para uma concepção impossível. O homem precisava
de um termo para indicar a direção deste esforço, a nuvem por trás da qual encontra-se,
para sempre invisível, o objeto desta tentativa. Enfim, necessitava-se de uma palavra
através da qual um ser humano pudesse colocar-se em relação, de imediato, com outro
ser humano e com certa tendência do intelecto humano. Desta exigência, surgiu a
palavra "infinito", a qual nada representa, pois, senão o pensamento de um pensamento.
Com respeito a este infinito, o infinito espacial, ouvimos dizer com freqüência que "sua
idéia é admitida pela mente, é aceita, é sustentada por conta da dificuldade maior que a
concepção de um limite apresenta". Mas essa é simplesmente uma daquelas frases com
as quais mesmo os pensadores profundos, desde tempos imemoriáveis, gostavam de
enganar-se a si próprios. O sofisma se esconde na palavra "dificuldade". "A mente -
dizem-nos - sustenta a idéia de espaço ilimitado pela grande dificuldade que econtra em
sustentar a de espaço limitado." Bem, se a proposição fosse colocada com franqueza,
seu absurdo logo se tornaria transparente. Para dizer claramente, neste caso não há
dificuldade. A asserção proposta, apresentada de acordo com sua intenção e sem
sofisma, seria assim: "A mente admite a idéia de espaço ilimitado por causa da maior
impossibilidade de sustentar a de espaço limitado."
Vê-se logo que não é uma questão de dois enunciados acerca de cujas respectivas
credibilidades - ou de dois argumentos acerca de cujas respectivas validades - a razão
deva decidir; trata-se de duas concepções diretamente conflitantes, cada uma das quais
se confessa impossível, embora se supunho que o intelecto é capaz de sustentar uma
delas dada a maior impossibilidade de sustentar a outra. A escolha não se faz entre duas
dificuldades; simplesmente se imagina fazer-se entre duas impossibilidades. Bem, na
primeira há graus; na última, não - exatamente como insinuou o impertinente autor de
nossa carta. Uma tarefa pode ser mais ou menos difícil; entretanto, ou é possível ou é
impossível: aí não existem graus. Pode ser mais difícil derrubar os Andes do que um
formigueiro; mas pode ser igualmente impossível destruir tanto a matéria de um quanto
a do outro. Um homem pode dar um salto de dez pés com menos dificuldade que um de
vinte; porém, a impossibilidade de saltar até a lua não é nem um pouco menor que a de
saltar até Sírio. Uma vez sendo tudo isto inegável; uma vez que a mente deve escolher
entre impossibilidades de concepção; uma vez que uma impossibilidade não pode ser
maior que outra, e uma vez que, portanto, não se pode preferir uma à outra, os filósofos
que sustentam nos terrenos mencionados não somente a idéia humana de infinito, como
também, por conta de tal suposta idéia, a de infinito mesmo, empenham-se francamente
em demonstrar que uma coisa impossível é possível ao mostrar como essa outra coisa é
também impossível. Isto, pode-se dizer, é um contra-senso; e talvez o seja; para dizer a
verdade, acho que é um contra-senso excelente, mas renuncio a reclamá-lo como sendo
meu.
Entretanto, como indivíduo, é-me permitido dizer que não posso conceber o
infinito, e estou convencido de que nenhum ser humano pode fazê-lo. Uma mente que
não tenha uma plena autoconsciência, que não esteja acostumada à análise introspectiva
de suas próprias operações, enganarse-á a si mesma com freqüência, é verdade, supondo
que elaborou a concepção da qual falamos. No esforço por admiti-la, procedemos passo
a passo, imaginamos ponto por ponto; e, à medida que continuamos o esforço, pode-se
dizer, na realidade, que tendemos à formação da idéia proposta; enquanto que a força da
impressão que na verdade concebemos ou pudemos conceber está na razão do período -
durante o qual sustentamos o esforço mental. Mas é no ato de interromper o intento, de
completar (assim pensamos) a idéia, de pôr o toque final (assim supomos) na
concepção, que derrrubamos de um só golpe toda a trama de nossa fantasia descansando
em algum ponto último e portanto definido. Todavia, deixamos de perceber esse fato -
por conta da absoluta coincidência, no tempo, entre a colocação do último ponto e a
interrupção de nosso pensamento. Por outro lado, na tentativa de formar a idéia de um
espaço limitado invertemos simplesmente os processos que envolvem a
impossibilidade.
O fato é que, por trás da enunciação de qualquer uma destas classes de termos,
entre os quais se encontra a palavra "infinito", classes que representam pensamentos do
pensamento, aquele que tem o direito de dizer que pensa sente-se chamado, não a
elaborar uma concepção, mas sim a dirigir sua visão mental para um dado ponto do
firmamento intelectual onde se acha uma nebulosa que nunca se dissipará. Na verdade,
ele não faz nenhum esforço para dissipá-la; pois, com rápido instinto, compreende não
somente a impossibilidade, mas sobretudo o não essencial - no que se refere a todos os
propósitos humanos -, de sua eliminação. Ele percebe que a Divindade não destinou
essa nebulosa a ser eliminada. Ele logo vê que ela se encontra fora da mente do homem
e vê, inclusive, como, ou talvez exatamente por quê, encontra-se fora. Sei que há
pessoas que, no esforço de alcançar o inantingível, muito facilmente adquirem -, graças
ao jargão comum entre aqueles que se crêem pensadores e para quem escuridão é
sinónimo de fundura - uma espécie de sépia reputação de profunidade; entretanto, a
mais bela qualidade do Pensamento é o autoconhecimento; e, de modo algo paradoxal,
pode-se dizer que não há na mente névoa maior que aquela que, ao estender-se até os
próprios limites do domínio intelectual, exclui esses mesmos limites da compreensão.
Até agora, tem-se considerado o universo dos astros como coincidente com o
Universo propriamente dito, como defini no começo deste discurso. Tem-se admitido
sempre, direta ou indiretamente
nos debatemos na palavra "Universo". "É uma esfera - diz ele- cujo centro está em
todas as partes e cuja circunferência está em nenhuma". Embora essa presumida
definição não seja, na realidade, uma definição do universo dos astros, podemos aceitá-
la com certa reserva mental como uma definição (suficientemente rigorosa para
qualquer propósito prático) do universo propriamente dito, ou seja, do universo
espacial. Consideremos, pois, este último como uma esfera cujo centro está em todas as
partes e cuja circunferência está em nenhuma. Na verdade, enquanto achamos
impossível encontrar um fim para o espaço, não temos dificuldade em representar para
nós mesmos qualquer um de seus infinitos começos.
"Teríamos, nós mesmos, que ser Deus\" Com uma frase tão alarmante como esta,
que ainda vibra em meus ouvidos, atrevo-me, entretanto, a perguntar se nossa presente
ignorância da Divindade é uma ignorância à qual a alma está eternamente condenada.
Por Ele, contudo - agora, pelo menos, o Incompreensível -, por Ele, considerado
como Espírito, ou seja, como não-matéria, distinção que, por todos os propósitos da
inteligência, é mais adequada que uma definição, por Ele, então, existente como
Espírito, contentemo-nos esta noite em supor que tenha sido criado ou tirado do Nada,
graças a sua Vontade, em algum ponto do espaço que tomaremos como centro, em
algum período que não pretendemos determinar, mas em todo caso remotíssimo, por
Ele, repito, suponhamos que tenha sido criado o quê? Este é um momento de vital
importância em nossas reflexões. O que é isto que temos o direito de supor (a única
coisa que temos o direito de supor) que foi primeira e unicamente criado?
Será esta a única suposição absoluta de meu discurso. Uso a palavra "suposição"
em seu sentido comum; admito, entretanto, que até mesmo esta primeira proposição está
muito, muito longe mesmo, de ser realmente uma simples suposição. Nada, nenhuma
conclusão humana jamais foi deduzida, de fato, com mais certeza, com mais
regularidade, com mais rigor; mas, meu Deus!, o processo foge à análise humana, em
todos os casos está até das possibilidades da linguagem humana.
Vamos agora tentar conceber o que deve ser a Matéria quando se encontra em
absoluto estado de Simplicidade, ou se se encontra nesse estado. Aqui a Razão logo voa
até o Indiviso, até uma partícula, até a partícula, partícula de um tipo, de um caráter, de
uma natureza, de um tamanho, de uma forma, uma partícula, portanto, "sem forma e
vácuo", uma partícula que o seja efetivamente em todos os pontos, uma partícula
absolutamente única, individual, indivisa e não apenas indivisível, pois Aquele que a
criou, graças a sua Vontade pode, através de um exercício infinitamente menos enérgico
da mesma Vontade, naturalmente, dividi-la.
Que esse algo repulsivo realmente existe, nós o vemos. O homem nem emprega
nem conhece uma força suficiente para pôr dois átomos em contato. Esta não é senão a
bem estabelecida proposição da impenetrabilidade da matéria. Todos os experimentos
provam-na, toda a Filosofia admite-a. Tentei mostrar o desígnio da repulsão, a
necessidade de sua existência; mas abstive-me religiosamente de toda tentativa de
investigar sua natureza, devido a uma convicção intuitiva de que o princípio em questão
é estritamente espiritual, jaz numa profundidade impenetrável a nosso entendimento
presente, implica na consideração de algo que agora - em nosso estado humano - não
cabe considerar, numa consideração do Espírito em si mesmo. Sinto, em resumo, que
aqui somente aqui Deus se interpôs, porque aqui e somente aqui a dificuldade exigiu a
interposição de Deus.
O que a lei de Newton declara? Que todos os corpos se atraem entre si com forças
proporcionais às suas quantidades de matéria, e inversamente proporcionais ao
quadrado de suas distâncias. Propositalmente, acabo de dar aqui, em primeiro lugar, a
versão vulgar da lei; e confesso que nesta, como na maioria das versões vulgares das
grandes verdades, encontramos poucos elementos sugestivos. Adotemos agora uma
fraseologia mais filosófica: Todo átomo de todo corpo atrai todo outro átomo, tanto de
seu corpo quanto de qualquer outro, com uma força que varia na proporção inversa aos
quadrados das distâncias entre o átomo atraente e o átomo atraído. Aqui, uma avalancha
de sugestões irrompe da mente.
Porém, vejamos com clareza o que foi que Newton provou conforme as definições
de prova grosseiramente irracionais, prescritas pelas escolas metafísicas. Newton foi
obrigado a contentar-se em mostrar de que maneira mais justa os movimentos de um
Universo imaginário, composto de átomos atraentes e atraídos, obedientes à lei que ele
enunciou, coincidem com aqueles do Universo realmente existente, na medida em que
este se coloca sob nossa observação. Era este o montante de sua demonstração, ou seja,
era este o montante de acordo com o jargão convencional das "filosofias". Seus êxitos
somaram sucessivas provas, provas admissíveis para uma inteligência sã; contudo, a
demonstração da lei mesma, insistiam os metafísicos não tinha sido reforçada em
nenhum grau. Todavia, a "prova ocular, física" da atração aqui, na Terra, foi enfim
fornecida, conforme a teoria de Newton, para grande satisfação de alguns intelectuais
rasteiros. Esta prova surgiu de modo paralelo e casual (como todas as verdades
importantes), surgiu de uma tentativa feita para medir a densidade média da Terra. Nas
famosas experiências que, com este propósito, fizeram Maskelyne, Cavendish e Bailly,
Vejamos: qual a tendência de uma consideração tão parcial? a que espécie de erro
dá lugar? Na Terra, vemos e sentimos tão somente que a gravidade impele todos os
corpos para o centro da Terra. Nenhum homem, nas caminhadas comuns da vida, pode
estar preparado para ver ou sentir outra coisa, nem para perceber algo, em nenhuma
parte, cuja tendência permanente, gravitante, se faça em qualquer outra direção que não
a do centro da Terra; todavia (exceção que logo será especificada), é fato que todas as
coisas terrenas (para não falar agora em todas as coisas celestiais) apresentam não
somente uma tendência para o centro da Terra mas sim, e além disso, para qualquer
outra direção concebível.
Bem, embora não se possa dizer que o filósofo equivoca-se com o vulgar nesta
questão, ele entretanto deixa-se influenciar, sem mesmo saber, pelo sentimento da idéia
vulgar. "Embora as fábulas pagãs não sejam acreditadas - diz Bryant em sua tão erudita
Mitologia -, nós esquecemos este fato e fazemos referências a elas como se fossem
realidades existentes." Quero dizer que a percepção simplesmente sensível da gravidade
tal como a experimentamos na Terra, que induz a humanidade a imaginar uma
concentração ou uma especialidade referente a ela, desvia continuamente para esta
fantasia até mesmo os intelectos mais aguçados, afastando-os, de forma constante
embora imperceptível, das características reais do princípio, impedindo-o assim, até
hoje, a jamais visualizarem essa verdade vital que se encontra em uma direção
diametralmente oposta - detrás das características essenciais do princípio, as quais são,
não de concentração ou especialidade, são, sim, de universalidade e difusão. Esta
"verdade vital" é a Unidade considerada como -fonte do fenômeno.
É a este que buscam sempre, imediatamente, em todas as direções, onde quer que
possam encontrá-lo, nem que seja parcialmente, apaziguando assim, em certa medida, a
indestrutível tendência, enquanto percorrem o caminho até sua absoluta satisfação
finayDisto conclui-se que todo princípio adequado para explicar a lei ou o modus
operandi da força de atração em geral explicará esta lei em particular; quer dizer, todo
princípio que mostre por que os átomos tendem a seu centro geral de irradiação, com
força inversamente proporcional ao quadrado das distâncias, será admitido como
explicação satisfatória, ao mesmo tempo, da tendência, conforme a mesma lei, desses
átomos entre si; pois a tendência ao centro é simplesmente a tendência dos átomos entre
si e não a tendência a um centro considerado como tal. Assim se verá também que o
estabelecimento de minhas proposições não implica em nenhuma necessidade de
modificar os termos da definição newtoniana de gravidade, a qual declara que cada
átomo atrai a outro átomo e assim sucessivamente, e nada mais do que isto; mas
(supondo sempre que o que proponho seja por fim admitido) parece claro que se poderia
evitar algum erro ocasional, nos futuros processos da ciência, se se adotasse uma
fraseologia mais ampla, por exemplo: "Cada átomo tende a qualquer outro, etc., com
uma força, etc., sendo o resultado geral uma tendência de todos, com força semelhante,
a um centro geral."
Para estes intelectos, bem como para o meu, não há demonstração matemática que
possa trazer a mínima prova adicional verdadeira à grande Verdade que antecipei, a
verdade da Unidade Original como fonte, como princípio dos Fenômenos Universais.
De minha parte, não tenho tanta certeza de que falo e vejo, não tenho tanta certeza de
que meu coração bate e minha alma vive, de que amanhã o sol nascerá - probabilidade
que até agora só se encontra no futuro -, não pretendo ter, a respeito de tudo isto, a
milésima parte da certeza que me inspira o fato irremediavelmente consumado de que
todas as coisas e todos os pensamentos sobre as coisas, com todas as suas inefáveis
multiplicidades de relações, ganharam existência a partir da Unidade primordial e
independente.
Citei a observação do doutor Nichol nem tanto para discutir sua filosofia mas
antes para chamar atenção sobre o fato de que, enquanto todos os homens admitem a
existência de algum princípio para além da Lei de Gravidade, nenhuma tentativa foi
feita ainda para assinalar que princípio, em particular, é este; excetuando-se, talvez, os
esforços ocasionais e fantásticos de nos referirmos a ele como magnetismo,
mesmerismo, swedenborgismo, transcendentalismo ou qualquer outro ismo igualmente
delicioso e invariavelmente patrocinado por uma mesma espécie de gente. A grande
inteligência de Newton, ao mesmo tempo que abarcou com ousadia a lei, recuou diante
do princípio da mesma. A sagacidade de Laplace, senão mais paciente e profunda, pelo
menos mais fluida e compreensiva, não teve a coragem de atacá-lo. Mas a hesitação
destes dois astrónomos talvez não seja muito difícil de compreender. Eles, como todos
os matemáticos de primeira linha, foram somente matemáticos; pelo menos seu
intelecto tinha um torn físico-matemático muito acentuado. O que não participava
claramente do domínio da Física ou da Matemática parecia-lhes uma Inexistência ou
uma Sombra. Todavia, podemos muito bem estranhar que Leibinitz - que era uma
notável exceção à regra neste caso, e cujo temperamento mental era uma mistura
singular do matemático com o físico-metafísico - não tenha imediatamente investigado
e determinado o ponto em questão. Tanto Newton quanto Laplace, ao buscar um
princípio e não encontrar nenhum físico, contentaram-se com a conclusão de que não
havia absolutamente nenhum; porém, fica quase impossível imaginar que Leibnitz,
depois de esgotar em sua busca os domínios da Física, não tenha logo avançado, com
audácia e esperança, pelos velhos caminhos familiares no reino da Metafísica. Aqui, é
claro, deve ele ter-se aventurado em busca do tesouro; se não o encontrou enfim, foi
talvez porque seu guia legítimo, a Imaginação, não estava suficientemente amadurecida
ou. treinada para dirigi-lo "corretamente". Observei, há pouco, que, na verdade; certas
vagas tentativas foram feitas no sentido de remeter a Gravidade a alguns ismos muito
incertos. Mas essas tentativas, embora consideradas audaciosas, e justamente por isto,
não apontaram mais do que a generalidade, a simples generalidade, da Lei de Newton.
Que eu saiba, nunca se abordou seu modus operandi com o objetivo de se alcançar uma
explicação. Por isso declaro, com justificado temor de ser considerado louco desde o
início, e antes de expor minha proposição ao olhar daqueles que são os únicos
competentes para julgá-la, declaro que o modus operandi da Lei de Gravidade é
extremamente simples e perfeitamente explicável, isto é, quando nos aproximamos dela
de forma gradual e na verdadeira direção, quando a consideramos a partir do ponto de
vista adequado.
A expressão da lei pode ser generalizada assim: o número de partículas de luz (ou,
se se preferir, o número de impressões de luz) recebidas pelo plano móvel serão
inversamente proporcionais aos quadrados das distâncias do plano. Generalizando mais
uma vez, podemos dizer que a difusão, ou a dispersão, ou a irradiação é, em resumo,
diretamente proporcional aos quadrados das distâncias.
Um rápido exame do céu nos assegura que as estrelas estão distribuídas com certa
uniformidade, igualdade ou equidistância geral, nessa região do espaço onde,
coletivamente e de forma mais ou menos esférica, estão situadas; esta espécie de
igualdade muito geral, mais do que absoluta, encontra-se em total acordo com minha
dedução da diferença de distâncias, dentro de certos limites, entre os átomos
originariamente difusos, como conseqüência do evidente propósito de infinita
complexidade de relação a partir da independência. Comecei, você deve lembrar, com a
idéia de uma distribuição de átomos - em geral uniforme, mas em particular não
uniforme - com a idéia de uma distribuição dos átomos que um exame dos astros, tal
como existem, confirma.
Entretanto, mesmo na simples igualdade geral de distribuição, no que se refere aos
átomos, surge uma dificuldade que sem dúvida pode ter sido levantada entre alguns dos
meus leitores que se lembrem que suponho esta igualdade de distribuição operada
através da irradiação a partir de um centro. A primeira olhada à idéia de irradiação nos
obriga a admitir a idéia - até aqui não separada e aparentemente inseparável - da
aglomeração em torno de um centro, juntamente com uma dispersão na medida em que
nos afastamos dele; ou, em resumo, a idéia da desigualdade de distribuição no que diz
respeito à matéria irradiada.
Muito bem, certa manifestação do poder de difusão (que se suPoe ser a Vontade
Divina), em outras palavras, certa força cuja medida é a quantidade de matéria, ou seja,
o número de átomos emitidos, emite por irradiação os átomos, impulsionando-os em
todas as direções a partir do centro, e sendo que a proximidade entre eles diminue na
medida em que avançam, até distribuírem-se enfim, separados, sobre a superfície
interior da esfera.
inferior do mesmo caráter, emite do mesmo modo - ou seja, por irradiação, como
antes - um segundo estrato de átomos que vão depositar-se sobre o primeiro; o número
65
Quando este segundo estrato alcança seu destino, ou enquanto se aproxima dele,
uma terceira manifestação de força ainda mais inferior, ou, uma terceira força inferior
através do único processo em que é concebível sua satisfação simultânea. Por esta
razão, tenho a esperança de achar, investigando essa condição dos átomos tal como
Pois bem, a reação, até onde sabemos, é ação invertida. Sendo o princípio geral de
Gravidade entendido, em primeiro lugar, como a reação de um ato, como a expressão de
um desejo por parte da Matéria - enquanto ela existe em estado de difusão - de retornar
à unidade de onde se difundiu; e, em segundo lugar, ficando a mente obrigada a
determinar o caráter do desejo, a forma pela qual haverá de manifestar-se naturalmente,
ou seja, ficando obrigada a conceber uma lei provável ou modus operandi para o
retorno, não pode chegar senão à conclusão de que esta lei de retorno seria precisamente
o inverso da lei de partida. Qualquer um teria razão de sobra para assegurar que assim é
que ocorre, até o momento em que alguém possa apontar uma razão plausível de que
não é assim, até quando se venha a imaginar uma lei de retorno que o espírito possa
considerar preferível.
Cabe supor, pois, a priori, que a matéria irradiada no espaço com uma força que
varia conforme os quadrados das distâncias retorna até o centro de irradiação com uma
força que varia inversamente aos quadrados das distâncias; e já mostrei que qualquer
princípio que explique por que os átomos tendem, segundo uma lei qualquer, ao centro
geral, deve ser admitido ao mesmo tempo como explicação satisfatória de que, segundo
a mesma lei, tendam um ao outro. Porque, na verdade, a tendência ao centro geral não é
tendência a um centro em si, mas a um ponto que, ao tender para ele, cada átomo tende
mais diretamente para seu essencial e verdadeiro centro, a Unidade, a união absoluta e
final de tudo.
A consideração aqui exposta não me apresenta nenhuma dificuldade, mas este fato
não me impede de ver a possibilidade de que seja obscura para aqueles que estejam
menos acostumados a lidar com abstrações; talvez fosse melhor considerar o assunto a
partir de um ou dois outros pontos de vista.
Pode-se dizer, primeiro: "Que a prova de que a força de irradiação (no caso
descrito) é diretamente proporcional aos quadrados das distâncias baseia-se na
injustificada suposição de que o número de átomo em cada estrato é a medida da força
com que são emitidos."
Respondo não somente que minha suposição é justificada como que qualquer
outra seria absolutamente injustificada. O que suponho é, simplesmente, que um efeito é
a medida de sua causa, que toda manifestação da Vontade Divina será proporcional a
aquilo que exige a manifestação, que os meios da Onipotência ou da Onisciência estarão
exatamente adaptados a seus propósitos. Nem um defeito nem um excesso de causa
pode produzir qualquer efeito. Se a força que irradiou cada estrato até sua posição
tivesse sido maior ou menor que a necessária para seu propósito, ou seja, não
diretamente proporcional a seu propósito, então esse estrato não teria sido irradiado a
sua posição. Se a força com que - visando à uniformidade geral de distribuição - emitiu
a adequada quantidade de átomos para cada estrato não tivesse sido diretamente
proporcional ao número, então o número não teria sido o exigido pela distribuição
uniforme. A segunda objeção suposta merece mais que uma resposta.
Pode-se objetar, em terceiro lugar, que o modo peculiar de distribuição que sugeri
para os átomos é uma "hipótese e nada mais".
Muito bem, entendo que a palavra hipótese é uma verdadeira marreta que logo
agarram, ou mesmo erguem, os pensadores menores à primeira apresentação de
qualquer proposição,
Mas, aqui, brandir a hipótese não levará a nada, nem mesmo para aqueles que
conseguem
72
Reafirmo, em primeiro lugar, que somente pelo modo descrito é concebível que a
Matéria se tenha difundido de modo a preencher ao mesmo tempo as condições de
irradiação
e de distribuição geralmente uniforme. Reafirmo, em segundo lugar, que essas
condições impuseram-se a mim como necessidades numa linha de raciocínio íão
rigorosamente
a explicar nove décimos dos fenômenos universais, lei que, simplesmente porque
nos habilita a explicar esses fenômenos, estamos perfeitamente dispostos a admitir
foi investigada pela análise humana, lei, em suma, que nem em seus detalhes nem
em suas linhas gerais foi considerada suscetível de nenhuma explicação, pode-se ver,
enfim, que é perfeitamente explicável em cada ponto, contanto que aceitemos ou nos
rendamos a quê? A uma hipótese? Se uma hipótese, se a mais simples hipótese, se uma
hipótese a cuja conjectura não se pode atribuir nenhuma sombra de razão a priori -
como no caso dessa pura hipótese, a Lei de Newton em si -, se mesmo uma hipótese tão
absoluta como tudo o que esta implica, permite-nos perceber um princípio para a Lei de
Newton, permite-nos entender como satisfatórias condições tão milagrosas,
inefavelmente complexas e aparentemente inconciliáveis como estas implícitas nas
relações de que a Gravidade nos fala, então, que ser racional poderia expor-se ao
ridículo de chamar até mesmo essa hipótese absoluta de nada mais que uma hipótese,
senão apenas porque sabe que o faz simplesmente por uma questão de coerência das
palavras?
Mas qual o estado de nosso caso particular? Qual é o fato? Não somente que não é
uma hipótese que temos de adotar para admitir o princípio em questão, mas também que
não é uma conclusão lógica que temos de adotar, uma vez que possamos evitá-la; somos
simplesmente convidados a negá-la se pudermos - uma conclusão lógica tão exata que
discuti-la seria superior a nossas forças, duvidar de sua validade estaria além de nosso
poder; uma conclusão a que não vemos escapatória, por mais voltas que demos; um
resultado com que nos defrontamos ao fim de uma viagem indutiva a partir dos
fenômenos da própria Lei discutida, ou ao fim de um caminho dedutivo a partir da mais
rigorosamente simples de todas as suposições concebíveis, a suposição, enfim, da
Simplicidade em si mesma.
E se aqui, pelo simples gosto de contestar, alega-se que, embora meu ponto de
partida seja, como afirmo, a suposição da absoluta Simplicidade, ainda assim a
Simplicidade, considerada meramente em si mesma, não é um axioma, e que somente as
deduções de axiomas são indiscutíveis, então respondo:
Qualquer outra ciência que não seja a Lógica é ciência de certas relações
concretas. A Aritmética, por exemplo, é a ciência das relações numéricas; a Geometria,
das relr>cões de forma; a Matemática em geral, das relações de quantidade em geral, de
tudo o que pode aumentar ou diminuir.
Agora será fácil compreender que nenhuma idéia axiomática, nenhuma idéia
fundada no flutuante princípio da evidência de relação, pode ser uma base tão segura,
tão firme para uma estrutura erguida pela Razão quanto esta idéia (qualquer que seja,
onde quer que a encontremos, ou possível de ser encontrada), idéia absolutamente
independente, que não somente não apresenta nenhuma evidência de relação ao
entendimento, seja ela considerada grande ou pequena, como também que não sujeita o
intelecto, nem mesmo no menor grau, à necessidade de sequer buscar qualquer relação.
Se tal idéia não é o que descuidadamente chamamos um "axioma", é pelo menos
preferível, como base lógica, do que qualquer axioma já proposto, ou que todos os
axiomas imagináveis juntos; é precisamente com esta idéia que meu processo dedutivo,
tão inteiramente comprovado por indução, começa. Minha partícula propriamente dita
não é senão a absoluta independência. Para resumir o que antecipei: como ponto de
partida, dei por estabelecido que simplesmente o Começo não tinha nada atrás ou diante
de si, que era um Começo de fato, que não era outra coisa senão um começo; enfim, que
este começo era aquilo que era. Se isto for uma "mera suposição", então que seja uma
"mera suposição".
Para concluir esta parte do tema: estou plenamente justificado para afirmar que a
Lei que estamos habituados a chamar de Gravidade existe em razão da Matéria que foi
irradiada, em sua origem, atomicamente, numa limitada esfera de Espaço ("Esfera
limitada". Uma esfera é necessariamente limitada. Prefiro a tautologia à possibilidade de
um mal-entendido.), a partir de uma partícula propriamente ' dita, uma individual,
incondicional, independente e absoluta, através do único processo capaz de satisfazer,
ao mesmo tempo, as duas condições: a irradiação e a distribuição, geralmente uniforme
em toda a esfera, ou seja, através de uma força que varia na proporção direta aos
quadrados dás distâncias entre os átomos irradiados e o centro particular de irradiação.
Já dei minhas razões para presumir que a Matéria se difundiu antes por uma força
determinada do que por uma força contínua ou infinitamente continuada. Ao supor uma
força contínua, seríamos incapazes, em primeiro lugar, de compreender uma reação; e
seria necessário, em segundo lugar, admitir a impossível concepção de uma extensão
infinita de Matéria. Sem nos determos na impossibilidade dessa concepção, a infinita
extensão de Matéria é uma idéia que, embora não esteja positivamente refutada, pelo
menos não é autorizada em nenhum sentido pela observação telescópica dos astros,
ponto que logo explicarei em detalhe; esta razão empírica para crer na finitude original
da Matéria é confirmada por via não empírica. Por exemplo: admitindo, por enquanto, a
possibilidade de compreender o Espaço como sendo repleto de átomos irradiados, ou
seja, admitindo, na medida de nossas possibilidades, e em benefício da demonstração,
que a sucessão de átomos irradiados não tivesse fim, então fica bastante claro que,
mesmo quando a Vontade de Deus já não atuasse sobre eles - e assim a tendência de
retorno à Unidade pudesse (em abstrato) ser satisfeita -, esse poder seria ineficaz e
inútil, sem nenhum valor e sem efeito prático. Não poderia ter havido nenhuma Reação;
nenhum movimento em direção à Unidade poderia ter sido realizado; nenhuma Lei de
Gravidade teria sido obtida.
O que desejo que fique gravado na memória do leitor é a certeza de que (ao
retirar-se a força difusiva ou a Vontade Divina) a partir da condição dos átomos tal
como a descrevemos, em inumeráveis pontos de toda a esfera universal, surgem em
seguida inumeráveis aglomerações caracterizadas por inumeráveis diferenças
específicas de forma, tamanho, natureza essencial e distância mútua. O
desenvolvimento da Repulsão (Eletricidade) deve ter começado, é claro, com os
primeiríssimos esforços particulares em direção à Unidade, e deve ter continuado
constantemente em razão da Reunião, ou seja, da Condensação ou, novamente, da
Heterogeneidade.
Pois bem, a condição desta massa implica numa rotação em torno de um eixo
imaginário, rotação que, começando pelo princípio absoluto da agregação, foi
adquirindo velocidade. Os dois primeiros átomos que se encontraram, aproximando-se a
partir de pontos não diametralmente opostos, formariam - ao precipitarem-se
parcialmente atrás um do outro - um núcleo para o movimento rotatório descrito. Como
isto aumentaria a velocidade, é fácil de ver. Aos dois átomos, juntaram-se outros;
formou-se uma agregação. A massa continua em rotação enquanto se condensa. Mas os
átomos da circunferência têm, é lógico, um movimento mais rápido do que aqueles que
se acham mais próximos do centro. O átomo externo, entretanto, com sua velocidade
superior, aproxima-se do centro, levando consigo essa velocidade superior à medida que
avança. Assim, cada átomo que caminha para dentro e finalmente se une ao centro
condensado, adiciona algo à velocidade original desse centro, ou seja, aumenta o
movimento rotatório da massa. Suponhamos agora essa massa condensada até o ponto
de ocupar precisamente o espaço circunscrito pela órbita de Netuno, e que a velocidade
com que a superfície da massa se move na rotação geral é precisamente a mesma com
que Netuno realiza sua volta em redor do sol. Neste momento, então, compreendemos
como a força centrífuga em constante aumento, tendo superado a centrípeta não
crescente, soltou e separou um ou alguns dos estratos exteriores e menos condensados,
no equador da esfera, onde predominava a velocidade tangencial, de modo que esses
estratos formaram, ao redor do corpo principal, um anel independente envolvendo as
regiões equatoriais - da mesma forma que aconteceria, não fosse pela solidez do
material de superfície, quando a parte exterior de um cilindro se soltasse pela excessiva
velocidade de rotação e formasse um anel em volta dele; se fosse de borracha ou algo de
consistência semelhante, teríamos exatamente o fenômeno que descrevo.
Ao soltar um anel de seu equador, o sol restabeleceu esse equilíbrio entre suas
forças centrípeta e centrífuga, o qual havia sido perturbado no processo de condensação;
mas, ao continuar esta condensação, o equilíbrio foi de novo imediatamente perturbado
pelo aumento da rotação. Enquanto a massa se reduzia a ponto de ocupar o espaço
esférico circunscrito pela órbita de Urano, somos levados a compreender que a força
centrífuga tenha, então, obtido uma influência grande o bastante para necessitar de um
novo alívio; conseqüentemente, desprendeu-se uma segunda faixa equatorial que, sendo
de constituição não uniforme, rompeu-se como antes, no caso de Netuno.
Reduzindo-se cada vez mais até ocupar exatamente o espaço circunscrito pela
órbita de Júpiter, o sol agora precisou de um esforço maior para recobrar o equilíbrio de
suas duas forças continuamente desequilibradas pelo contínuo aumento de rotação. Em
conseqüência, Júpiter foi desprendido, passando da condição de anel à de planeta;
e, ao atingir esta última, soltou, por sua vez, em quatro épocas diferentes, quatro
anéis, que finalmente se transformaram em outras tantas luas.
Reduzindo-se ainda, até que sua esfera ocupasse o espaço definido pela órbita dos
asteróides, o sol desprendeu então um anel que parece ter tido oito centros de solidez
superior; e que, ao romperse, soltou oito fragmentos, nenhum dos quais tinha massa
suficiente para absorver os outros. Em conseqüência, todos, como planetas distintos,
embora comparativamente pequenos, prosseguiram a girar em órbitas cujas distâncias
respectivas podem ser consideradas, em certo grau, a medida da força que as conduziu
separadamente - todas as órbitas, entretanto, encontram-se tão próximas que podemos
considerá-las uma única, em comparação com as outras órbitas planetárias.
Reduzindo-se mais ainda, o sol tornou-se tão pequeno até ocupar a órbita de
Marte e soltar também este planeta, pólo mesmo processo várias vezes descrito. Por não
ter nenhuma lua, Marte não pode ter soltado nenhum anel. Na verdade, realizava-se
portanto uma fase na carreira do corpo originário, centro do sistema. A diminuição de
sua nebulosidade, que é o aumento de sua densidade, e novamente a diminuição de sua
condensação, de onde surge depois a constante perturbação do equilíbrio, deve ter
alcançado neste período um ponto em que os esforços para recobrá-lo foram cada vez
mais ineficazes, na medida em que precisava-se deles cada vez menos. Assim, os
processos de que falamos mostram em todas as partes, sinais de esgotamento, primeiro
nos planetas e depois nas massas originárias. Não devemos cair no erro de supor que o
aumento de intervalo observado entre os planetas, à medida que nos aproximamos do
sol, indique em nenhum sentido um aumento de freqüência no período em que foram
desprendidos. Deve-se entender exatamente o inverso. O mais longo intervalo de tempo
deve ter ocorrido entre o lançamento dos dois interiores; e o mais curto, entre os dois
planetas exteriores. A diminuição do intervalo de espaço é, todavia, a medida da
densidade e, portanto, inversa à da condensação do sol, ao longo dos processos
detalhados.
Entretanto, tendo-se reduzido até ocupar somente a órbita de nossa Terra, a esfera
originária desprendeu outro corpo, a Terra, em condição tão nebulosa que permitiu que
por sua vez outro corpo, nossa Lua, se desprendesse; mas aqui termi•navam as
formações lunares.
Portanto, de seu volume original - ou, para dizer mais exatamente, da condição em
que primeiro o consideramos, de uma massa nebulosa parcialmente esférica, com um
diâmetro certamente muito maior que 5.600 milhões de milhas -, a grande esfera central,
origem de nosso sistema planetário-lunar, descendeu gradualmente por condensação,
obedecendo à lei da Gravidade, até um globo de apenas 882,00 milhas de diâmetro;
porém, de maneira alguma concluiu-se disto que sua condensação esteja terminada, ou
que ele não seja capaz de ainda desprender de si outro planeta.
Dei aqui, em esboço, mas com todos os detalhes necessários para seu
esclarecimento, uma visão da Teoria Nebular tal como seu próprio autor a concebeu. De
onde quer que a observemos, vamos achá-la belamente verdadeira. É bela o bastante, de
fato, para que não possua a Verdade como essência; e digo isto com profunda seriedade.
Os corpos projetados nos processos descritos trocariam, como foi visto, a rotação
superficial das esferas de onde se originaram, por uma revolução de igual velocidade em
torno dessas esferas como centros distantes; e a revolução assim arranjada deve
continuar enquanto a força centrípeta - ou aquela com a qual o corpo desprendido
gravita até sua origem - não seja nem maior nem menor do que aquela que o
desprendeu, ou seja, do que a força centrífuga, ou, mais propriamente, do que a
velocidade tangencial. Todavia, a unidade de origem destas duas forças podia nos fazer
supor o que elas são: uma é a exata compensação da outra. Foi mostrado, de fato, que o
ato de desprender é, em todos os casos, simplesmente um ato para preservar o
equilíbrio.
De minha parte, não tenho paciência para fantasias tão tímidas, tão ociosas e tão
inadequadas ao mesmo tempo. São típicas de uma absoluta covardia de pensamento.
Que a Natureza e o Deus da Natureza são distintos é algo sobre o qual nenhum
pensamento pode duvidar. Pela primeira entendemos simplesmente as leis da segunda.
Mas com a mesma idéia de Deus, onipotente, onisciente, admitimos também a idéia da
infalibilidade de suas leis. Para Ele não há Passado nem Futuro, para ele tudo é Agora;
não o insultamos supondo suas leis concebidas de tal modo a não preverem toda
contingência possível? Ou melhor, que idéia podemos fazer de qualquer possível
contingência, exceto aquela que seja ao mesmo tempo um resultado e uma manifestação
de suas leis? Aquele que, livrando-se de preconceitos, tenha a rara coragem de pensar
absolutamente por si mesmo, não pode deixar de chegar, enfim, à condensação das leis
na Lei, não pode deixar de alcançar a conclusão de que cada lei da Natureza depende
em todos os pontos de todas as outras leis, e que todas não são senão conseqüências de
um exercício primário da Vontade Divina. É este o princípio da Cosmogonia que, com
todo respeito necessário, atrevo-me a sugerir e a admitir aqui.
Segundo este ponto de vista - deixando de lado, por sua frivolidade e sua
irreverência, a fantasia de que a força tangencial foi diretamente conferida aos planetas
pelo "dedo de Deus" - se verá que considero esta força como originada na rotação dos
astros, sendo esta rotação produzida pelo influxo dos átomos primários até seus
respectivos centros de agregação; este influxo como sendo a consequência da lei de
Gravidade; esta lei como sendo o modo através do qual manifesta-se necessariamente a
tendência dos átomos a retornar a sua indivisibilidade; esta tendência ao retorno como
sendo a inevitável reação do primeiro e mais sublime dos Atos - aquele ato através do
qual um Deus, existente por si mesmo e único ser existente, tornou-se todas as coisas de
uma só vez, graças à sua vontade, enquanto todas as coisas se constituíram, portanto,
numa parte de Deus.
de desprender seus anéis deve ter sido materialmente facilitada pela leve
incrustação de sua superfície, conseqüência do resfriamento. Qualquer experimento
comum nos mostra com que rapidez uma crosta do tipo indicado se separa, por sua
heterogeneidade, da massa interior. Porém, em cada rejeição sucessiva da crosta, a nova
superfície apareceria incandescente como antes; e o período em que estaria novamente
tão incrustada a ponto de afrouxar e soltar uma parte, pode muito bem ser imaginado
como coincidindo exatamente com aquele em que seria necessário um novo esforço de
toda a massa para restaurar o equilíbrio de suas duas forças, perturbadas pela
condensação. Em outras palavras: enquanto a influência elétrica (Repulsão) prepara a
superfície para a expulsão, deve-se entender que a influência da gravitação (Atração)
está exatamente pronta para expulsá-la. Aqui, pois, como em todo lugar, o Corpo e a
Alma caminham de mãos dadas.
Estas ideias são confirmadas empiricamente em todos os pontos. Uma vez que a
condensação nunca pode ser considerada como totalmente concluída em nenhum corpo,
estamos autorizados a antecipar que, quando quer que tenhamos a oportunidade de
testar a questão, encontraremos indicações de luminosidade permanente em todos os
corpos estelares, tanto nas luas e nos planetas quanto nos sóis. Que nossa Lua tem uma
forte luminosidade própria nós a vemos em cada eclipse total, pois senão ela
desapareceria.
Na parte escura do satélite freqüentemente observamos também, durante suas
fases, lampejos como os da aurora; e é evidente que estes últimos, junto com vários
outros fenómenos ditos elétricos, sem falar em qualquer irradiação mais estável, darão a
nossa Terra, vista por um habitante da Lua, certa aparência de luminosidade. De fato,
deveríamos considerar todos os fenómenos citados como meras manifestações, em
diferentes modos e graus, da condensação da Terra, que debilmente continua.
Se meus pontos de vista são admissíveis, deveríamos nos preparar para encontrar
os planetas próximos do sol, mais luminosos que os mais antigos e distantes. O extremo
brilho de Vénus (em cujas partes escuras, durante suas fases, as auroras são
freqüentemente visíveis) não parece de modo algum explicada por sua simples
proximidade da esfera central. Vénus sem dúvida tem uma intensa luminosidade
própria, embora menor que a de Mercúrio; ao passo que, por comparação a estas, a de
Netuno é nula.
Admitindo-se o que expus, fica claro que, a partir do momento em que o Sol
desprendeu um anel, deve ter havido uma contínua diminuição de seu calor e de. sua
luz, por causa da contínua incrustação de sua superfície; e fica claro que chegou um
período - o período imediatamente anterior a uma nova descarga - em que surgiu uma
diminuição muito substancial de luz e calor. Muito bem, sabemos que os sinais dessas
alterações são de fácil reconhecimento. Nas ilhas Melville - para citar apenas um entre
uma centena de exemplos achamos sinais de vegetação ultratropical, de plantas que
nunca poderiam ter florescido sem uma luz e um calor muitíssimo mais intensos do que
o fornecido hoje pelo sol a qualquer parte da superfície da Terra. Estará essa vegetação
relacionada a uma época imediatamente posterior ao desprendimento de Vénus? Nessa
época devemos ter recebido o maior acréscimo de influência solar; e, de fato, essa
influência deve então ter atingido o seu máximo - sem considerar, é claro, o período em
que a própria Terra foi desprendida, o período de sua simples organização.
Por outro lado, sabemos que existem sóis não luminosos, ou seja, cuja existência
determinamos pelo movimento dos outros, mas cuja luminosidade não é suficiente para
nos impressionar. Serão esses sóis invisíveis simplesmente por causa do espaço de
tempo transcorrido desde que desprenderam um planeta? Além disso, não podemos,
pelo menos em certos casos, explicar o súbito aparecimento de sóis onde antes não se
suspeitava sobre nenhum, através da hipótese de que, tendo girado com as superfícies
incrustadas durante os poucos milhares de anos de nossa história astronômica, cada um
desses sóis, ao desprender outro secundário, pôde enfim exibir os esplendores de seu
interior ainda incandescente? Quanto ao fato bem verificado do aumento proporcional
de calor à medida que descemos ao interior da Terra, limito-me a mencioná-lo; trata-se
da mais firme comprovação de tudo o que eu disse sobre o tema que abordamos.
Isto entra exatamente em acordo com o que conhecemos sobre a sucessão dos
animais na Terra. À medida em que prosseguia a condensação, apareciam raças cada
vez mais aprimoradas. Será impossível que as sucessivas revoluções geológicas que
pelo menos acompanharam - se não tiverem sido a causa imediata - estes sucessivos
primoramentos da condição vital, será improvável, digo, que estas revoluções tenham
sido produzidas pelas sucessivas descargas planetárias do sol, isto é, pelas sucessivas
variações da influência solar sobre a Terra? Se esta idéia fosse defensável, não seria
injustificado imaginar que o desprendimento de outro novo planeta, mais próximo do
centro que Mercúrio, pudesse dar origem a outra modificação da superfície terrestre,
modificação da qual pudesse surgir uma raça tanto material quanto espiritualmente
superior ao Homem. Estes pensamentos me impressionam com a força da verdade, mas
é claro que os utilizo aqui a título de simples sugestão.
Essa fantasia surgiu do relato sobre as últimas observações feitas no que até aqui
se costumava chamar de "nebulosas", através do grande telescópico de Cincinnati e do
instrumento mundialmente conhecido de Lord Rosse. Certas manchas do firmamento
que apresentavam, mesmo para os velhos telescópios mais potentes, a aparência de
nebulosidade ou de bruma, foram consideradas por muito tempo como uma
confirmação da Teoria de Laplace. Eram tidas como estrelas no mesmo processo de
condensação que tenho tentado descrever. Supunha-se, então, que "tínhamos prova
ocular" - prova, aliás, sempre considerada bastante discutível - da verdade da hipótese;
e, mesmo que certos melhoramentos do telescópio nos tenham permitido perceber, de
vez em quando, que uma mancha classificada entre as nebulosas era na realidade um
grupo de estrelas que deviam seu caráter nebuloso somente à enorme distância,
continuou-se a pensar que não havia nenhuma dúvida quanto à verdadeira nebulosidade
de outras numerosas massas, os baluartes dos "nebulistas" que desafiavam toda tentativa
de segregação. A mais interessante destas últimas era a grande "nebulosa" da
constelação de Órion; mas esta, como tantas outras chamadas erroneamente de
"nebulosas", quando examinadas pelos magníficos telescópios modernos não passou de
um simples conjunto de estrelas. Este fato foi amplamente considerado como
consumado contra a Hipótese Nebular de Laplace; ao anunciar a descoberta em questão,
o defensor mais entusiasta e divulgador mais eloqüente da teoria, q doutor Nichol,
chegou ao extremo de "admitir a necessidade de abandonar" uma idéia que constituíra o
material de seu livro mais digno de elogio.( Views of the Architecture of the Heavens.
Uma carta a um amigo na América, atribuída ao doutor Nichol, circulou em nossos
jornais, há cerca de dois anos, eu acho, admitindo a "necessidade" a que me refiro.
Entretanto, numa conferência posterior, o doutor N. parece ter, de certa forma, resolvido
a questão e não renuncia de modo algum à teoria, embora pareça menosprezá-la por ser
uma "pura hipótese". Que outra coisa era a Lei de Gravidade antes dos experimentos de
Maskelyne? E quem discutiu a Lei de Gravidade até então?) Muitos de meus leitores
estarão sem dúvida inclinados a dizer que o resultado destas novas investigações tem
pelo menos uma forte tendência a derrubar a hipótese; entretanto alguns deles, mais
precavidos, sugerirão que, embora a teoria de modo algum seja refutada pela segregação
das "nebulosas" particulares a que nos t referimos, a simples impossibilidade de
segregá-las com tais telescópios poderia muito bem ser entendida como uma brilhante
comprovação da teoria; e estes últimos talvez se surpreendessem se me ouvissem dizer
que nem sequer com eles estou de acordo. Se a proposição de meu discurso foi
compreendida, pode-se ver que, em minha opinião, a impossibilidade de segregar as
"nebulosas" tende a ser antes uma refutação do que uma comprovação da hipótese
nebular.
Entretanto, para dar a César somente o que é de César, permita-me assinalar aqui
que a suposição da hipótese que parece ter levado Laplace a tão glorioso resultado,
para ter se insinuado a ele através de uma falsa concepção - a mesma falsa
concepção de que acabamos de falar -, através de um mal-entendido geralmente aceito
sobre o caráter das erroneamente chamadas nebulosas. Laplace supunha que estas eram,
na verdade, o que sua designação implica. O fato é que este grande homem tinha, com
toda justiça, pouca fé em suas aptidões meramente perceptivas. A respeito, portanto, da
real existência de nebulosas - uma existência tão confiantemente admitida pelos
telescópios de seus contemporâneos -, ele se apoiava menos no que via do que no que
ouvia. Pode-se ver que as únicas objeções válidas a sua teoria são aquelas feitas à
hipótese como tal, àquilo que a sugeriu, não àquilo que ela sugere, a suas proposições
mais do que a seus resultados. Sua suposição mais injustificada foi a de atribuir aos
átomos um movimento em direção ao centro, contradizendo sua idéia evidente de que
esses átomos se estendiam, em ilimitada sucessão, por todo o espaço universal. Já
mostrei que, em tais circunstâncias, movimento algum poderia ter sido realizado; e
Laplace, portanto, supôs esse movimento sem outra base filosófica que não a
necessidade de algo para estabelecer o que ele queria estabelecer.
Sua idéia original parece ter sido uma mescla dos verdadeiros átomos epicúreos
com as falsas nebulosas de seus contemporâneos; e assim sua teoria se nos apresenta
com a singular anomalia de uma verdade absoluta deduzida, como um resultado
matemático, de um dado híbrido da imaginação antiga mesclado a uma ignorância
moderna.
Imaginemos agora, por um momento, que o primeiro anel desprendido pelo sol -
ou seja, o anel de cuja ruptura surgiu Netuno - na verdade não se rompeu até lançar o
anel a partir do qual nasceu Urano; que este anel permaneceu também perfeito até a
descarga daquele outro anel de onde saiu Saturno; que este último permaneceu inteiro
até a descarga daquele que originou Júpiter, e assim sucessivamente. Imaginemos, em
resumo, que não ocorreu dissolução dos anéis até o desprendimento final daquele que
deu origem a Mercúrio. Temos então, pintado na mente, um quadro composto de uma
série de círculos concêntricos coexistentes; considerando-os em si mesmos - assim
como nos processos que, segundo a hipótese de Laplace, os originaram -, logo
percebemos uma analogia bastante singular com os estratos atômicos e o processo da
irradiação original tal como a descrevi. Será impossível que - medindo as respectivas
forças através das quais cada sucessivo círculo planetário foi desprendido, ou seja,
medindo os sucessivos excessos da rotação sobre a gravitação que ocasionaram as
sucessivas descargas -, será impossível que encontremos a analogia em questão
confirmada de modo mais decisivo? É impossível que descubramos que essas forças
variaram, como na radiação original, proporcionalmente aos quadrados das distâncias?
Nosso sistema solar, composto principalmente por um sol com dezesseis planetas
certos, e possivelmente alguns mais, girando ao seu redor a distâncias variadas,
acompanhados com certeza por dezessete luas, mas muito provavelmente por várias
outras, deve ser considerado agora como um exemplo das inúmeras aglomerações que
se produziram em toda a Esfera Universal de átomos, ao retirar-se a Vontade Divina.
Quero dizer que nosso sistema solar deve ser entendido como um caso genérico dessas
aglomerações, ou, mais corretamente, das condições ulteriores às quais elas chegaram.
Se fixarmos nossa atenção na idéia do máximo possível de Relação como desígnio do
Onipotente, e nas precauções adotadas para cumpri-lo através da diferença de forma
entre os átomos originais e da particular diferença de distância, acharemos impossível
supor sequer por um momento que mesmo duas das incipientes aglomerações atingiram
exatamente o mesmo resultado final. Somos mais inclinados a pensar que não há dois
corpos estelares no Universo - quer sejam sóis, planetas ou luas - semelhantes em
particular, embora todos o sejam em geral (Não é impossível que qualquer
aperfeiçoamento ótico imprevisto nos possa revelar, entre inúmeras variedades de
sistemas, um sol luminoso rodeado de anéis luminosos e não-luminosos, dentro, fora e
entre os quais girariam planetas luminosos e não-luminosos, acompanhados por luas
que, por sua vez, teriam luas, sendo que mesmo estas últimas teriam também outras
luas. Menos ainda, então, podemos imaginar duas reuniões quaisquer desses corpos --
dois "sistemas" quaisquer com uma semelhança mais que geral). Nossos telescópios,
neste ponto, confirmam amplamente nossas deduções. Tomando nosso sistema solar
como tipo aproximado ou geral de todos os outros, avançamos o suficiente em nosso
tema para examinar o Universo sob o aspecto de um espaço esférico no qual existe,
disperso em uniformidade geral, certo número de sistemas similares somente em sentido
geral.
Quando olhamos para cima ou para baixo, ou seja, quando lançamos olhar em
direção da espessura da letra, vemos menos estrelas do que quando o lançamos em
direção de seu comprimento, ou ao longo das três linhas componentes. É claro que, no
primeiro, as estrelas aparecem dispersas e no último, compactas. Para inverter esta
explicação: Quando um habitante da Terra olha, como dizemos habitualmente, para a
Galáxia, ele então a contempla em algumas das direções de seu comprimento, olha ao
longo das linhas do Y; mas quando, ao olhar para o Céu em geral, retira seus olhos da
Galáxia, então ele a observa na direção da espessura da letra; e, por causa disto, as
estrelas lhe parecem espalhadas, quando na verdade estão, em média, tão juntas quanto
na massa do grupo. Nenhuma consideração poderia servir melhor para dar uma idéia da
espantosa extensão deste grupo.
Assim como as estrelas espalhadas que, ao olhar a partir da Galáxia, vemos no céu
geral são na realidade somente uma parte da Galáxia em si - e tão intimamente
mescladas a ela como qualquer dos pontos telescópicos em que parece a porção mais
densa de sua massa-também as "nebulosas" espalhadas que, ao olhar a partir do cinturão
universal, percebemos em todos os pontos do firmamento, também essas "nebulosas"
espalhadas somente devem ser consideradas espalhadas por razões de perspectivas, e
como parte integrante da única esfera suprema e universal.
Não existe falácia astronômica mais inadmissível - e nenhuma tem sido apoiada
com mais persistência - do que a absoluta ilimitação do Universo dos Astros. As razões
para a ilimitação, conforme já as anunciei, parecem-me a priori irrefutáveis; mas, para
não falar mais sobre elas, a observação nos assegura que há, em numerosas direções a
nossa volta, senão em todas, um limite positivo - ou que, pelo menos, não temos base
alguma para pensar de outra maneira. Se a sucessão de estrelas fosse infinita, então o
pano de fundo do céu nos apresentaria uma luminosidade uniforme, como aquela
revelada pela Galáxia - uma vez que não poderia haver absolutamente nenhum ponto,
em todo esse pano de fundo, no qual não existisse uma estrela. Em tal estado de coisas,
a única maneira de compreender os vazios que nossos telescópios encontram em
inúmeras direções seria supor tão imensa a distância entre o fundo invisível e nós que
nenhum raio deste tivesse entretanto podido atingir-nos. Quem ousará negar que pode
ser assim? Admito, simplesmente, que não temos nenhuma sombra de razão para crer
que seja assim.
Temos algum direito de fazer deduções, temos algum motivo que justifique visões
como estas? Se temos, em alguma instância, esse direito, podemos também estendê-lo
infinitamente.
Todavia, minha pergunta continua sem resposta: temos algum direito de inferir -
digamos melhor: de imaginar - uma interminável sucessão de "grupos de grupos" ou de
"universos" mais ou menos semelhantes?
Respondo que o "direito", num caso como este, dependente inteiramente da
ousadia da imaginação que se aventura a reclamá-lo Permita-me declarar apenas que,
como indivíduo, sinto-me impelido a imaginar - não me atrevo a dizer mais - que existe
uma ilimitada sucessão de universos mais ou menos semelhantes ao que conhecemos,
ao único que para sempre conheceremos, pelo menos até o retorno de nosso próprio
Universo particular à Unidade. Se, entretanto, esses grupos de grupos existirem - e, de
fato, existem - fica bastante claro que, por não terem participado de nossa origem,
não participam de nossas leis. Nem eles nos atraem, nem nós a eles. Sua matéria, seu
espírito, não são os nossos; não são aqueles que vemos em parte alguma de nosso
Universo. Não poderiam impressionar nossos sentidos nem nossa alma. Entre eles e nós
- considerando todos, nesse momento, coletivamente - não há influências em comum.
Cada um existe, à parte e independente, no seio de seu Deus próprio e particular. No
desenvolvimento deste discurso, aponto menos para a ordem física do que para a
metafísica. A clareza com que mesmo os fenómenos materiais se apresentam ao
entendimento depende muito pouco - há muito aprendi a perceber- de uma disposição
simplesmente natural mas sim, quase sempre, de uma disposição moral. Se, então,
pareço avançar de modo excessivamente discursivo, de um ponto a outro de meu
tema, permita-me colocar que somente o faço na esperança de manter intacta essa
cadeia de impressões graduadas, a única que pode levar o intelecto do homem a abarcar
as grandezas das quais falo e a compreendê-las em sua majestosa totalidade.
A distância média da Terra à Lua, ou seja, ao corpo celeste mais próximo de nós,
é de 237.000 milhas. Mercúrio, o planeta mais próximo do Sol, dista dele 37 milhões de
milhas. Vénus, o seguinte, gira a uma distância de 68 milhões de milhas; a Terra, que
vem depois, a uma distância de 95 milhões; Marte, o próximo, a uma distância de 144
milhões. Em seguida vêm os oito asteróides (Ceres, Juno, Vesta, Palas, Astrea, Flora,
íris e Hebe), a uma distância média de uns 250 milhões de milhas. Depois vem Júpiter,
distante 490 milhões; a seguir, Saturno, 900 milhões; depois Urano, 1.900 milhões; e
finalmente Netuno, descoberto recentemente, e girando a uma distância aproximada de
2.800 milhões. Deixando Netuno de lado - a respeito do qual pouco sabemos de certo e
que, possivelmente, pertence a um sistema de asteróides, logo veremos que, dentro de
certos limites, existe uma ordem de intervalos entre os planetas. Falando mais
amplamente, podemos dizer que cada planeta exterior está duas vezes mais longe do Sol
do que aquele interior que o precede. A ordem mencionada aqui, a lei de Bode, não
pode ser deduzida da consideração da analogia que sugeri entre a descarga solar dos
anéis e o modo da irradiação atômica? É uma locura tentar compreender os números
apressadamente mencionados neste resumo de distâncias, a não ser à luz dos fatos
aritiméticos abstratos. Não são palpáveis na prática. Não dão idéias precisas. Afirmei
que Netuno, o planeta mais afastado do Sol, gira a seu redor a uma distância de 2.800
milhões de milhas. Até aqui, tudo vai bem - estabeleci um fato matemático; e, sem
compreendê-lo quase nada, podemos usá-lo matematicamente. Mas ao mencionar que a
Lua gira em torno da Terra à distância comparativamente insignificante de 237.000
milhas, não alimentei nenhuma esperança de que alguém entenda, saiba ou sinta quão
distante da Terra a Lua realmente está. 237.000 mühasl Deve haver muito de meus
leitores que já tenham cruzado o oceano Atlântico; entretanto, quantos deles têm uma
idéia clara das 3.000 milhas que separam uma costa da outra? Para dizer a verdade,
duvido que exista um homem capaz de pôr na cabeça a mais vaga concepção do
intervalo entre um pedágio e outro da estrada. Em certa medida, ajuda-nos, todavia, em
nossa concepção da distância, o fato de combinarmos essa concepção com a de
velocidade, relacionada a ela. O som percorre 1.100 pés de espaço em um segundo de
tempo. Se fosse possível a um habitante da Terra enxergar o fogo de um canhão
disparado na Lua e ouvir a detonação, ele teria de esperar, após perceber o primeiro,
mais de treze dias e noites antes de receber algum indício do segundo.
Por mais débil que seja a impressão, assim obtida, da verdadeira distância entre a
Terra e a Lua, terá pelo menos a utilidade de mostrar-nos a futilidade de tentar conceber
intervalos tais como o de 2.800 milhões de milhas entre nosso Sol e Netuno, ou mesmo
o de 95 milhões entre o Sol e a Terra que habitamos. Uma bala de canhão, movendo-se
a uma velocidade jamais imaginada para uma bala, não poderia atravessar o último
intervalo em menos de 20 anos; enquanto que, para percorrer o primeiro, levaria 590
anos.
O diâmetro de nosso globo é de 7.912 milhas; mas que idéia concreta podemos
tirar da enunciação destes números?
O que pensar, então, da força que seria necessária, sob circunstâncias semelhantes,
para fazer mover o maior de nossos planetas, Júpiter? Este tem um diâmetro de 86.000
milhas e incluiria em sua periferia mais de mil globos da grandeza do nosso. Contudo,
este imenso corpo move-se realmente ao redor do Sol a uma velocidade de 29.000
milhas por hora, ou seja, com uma velocidade de quarenta vezes maior que a de uma
bala de canhão! Não se pode dizer que pensar um fenómeno como este surpreende
Neste ponto, entretanto, parece adequado sugerir que temos falado de relativas
insignificâncias. Nosso Sol - a esfera central e diretora do sistema ao qual Júpiter
pertence - não somente é maior que Júpiter como é muitíssimo maior que todos os
planetas do sistema juntos. Este fato, para dizer a verdade, é uma condição essencial da
estabilidade do sistema em si. O diâmetro de Júpiter já foi mencionado: é de 86.000
milhas; o do Sol é de 882.000 milhas. Um habitante deste último, caminhando 90
milhas por dia, levaria mais de 80 anos para percorrer um círculo maior de sua
circunferência. Ele ocupa um volume de 681 quadrilhões e 472 trilhões de milhas. A
Lua, como já foi colocado, gira em torno da Terra a uma distância de 237.000 milhas,
numa órbita, portanto, de quase um milhão e meio. Se o Sol fosse colocado sobre a
Terra, e os dois centros coincicidissem, o corpo do primeiro se estenderia em todas as
direção não somente até a linha da órbita da Lua, como também para além dela, a uma
distância de 200.000 milhas.
E aqui, uma vez mais, permita-me sugerir que realmente ainda estamos falando de
relativas insignificâncias. Já foi mencionada a distância de Netuno ao Sol: é de 2.800
milhões de milhas; o perímetro de sua órbita, portanto, é de cerca de 17 bilhões.
Tenhamos isto em mente enquanto damos uma olhada em uma das estrelas mais
brilhantes. Entre esta e a estrela de nosso sistema (o Sol), há um abismo tão grande de
espaço que para fazermos qualquer idéia dele seria preciso a língua de um arcanjo. A
partir de nosso sistema, então, e de nosso sol ou estrela, a estrela que supomos olhar é
uma coisa inteiramente distinta; mesmo assim, imaginemos por enquanto que essa
estrela esteja colocada sobre nosso Sol, os dois centros coincidindo, como acabamos de
imaginar o próprio Sol colocado sobre a Terra. Imaginemos essa estrela em que
pensamos estendendo-se em todas as direções para além da órbita de Mercúrio, de
Vénus, da Terra; e mais além ainda, da órbita de Marte, de Júpiter, de Urano, até que,
finalmente, possamos imaginá-la fechando o círculo - cuja circunferência é de 17
bilhões de milhas - descrito pela revolução do planeta de Leverrier. Quando tivermos
concebido tudo isto, não teremos realizado nenhuma concepção extravagante. Há muito
boas razões para acreditar que muitas estrelas são até maiores do que esta que
imaginamos. Quero dizer que temos a melhor base empírica para acreditar nisto; ao
rever as disposições atómicas originais que têm por objetivo a diversidade, e que se
suPoe serem uma parte do plano Divino na constituição do Universo, poderemos
facilmente compreender e admitir a existência de desproporções ainda maiores no
tamanho das estrelas do que qualquer uma a que me referi até agora. Fica claro que
devemos encontrar os globos maiores girando nos mais vastos vazios do Espaço.
Acabo de observar que, para dar uma idéia do intervalo entre nosso Sol e qualquer
uma das outras estrelas, precisaríamos da eloqüência de um arcanjo. Não posso ser
acusado de exagerado ao dizer isto; a simples verdade é que, nestes temas, é
praticamente impossível exagerar. Mas coloquemos o assunto mais claramente aos
olhos do espírito.
Presumo que, ao concluir minha última frase, poucos de meus leitores tenham
notado alguma coisa especialmente objetável ou particularmente errada. Eu disse que,
considerando que a distância da Terra ao Sol seja de um pé, a distância de Netuno seria
de 40 pés, e a de Alfa de Lira, 159. A proporção entre um pé e 159 parece dar uma
impressão bastante clara da proporção entre os dois intervalos: o da Terra ao Sol e o de
Alfa de Lira também ao Sol. Mas meu cálculo deveria ter sido feito assim: sendo
considerada como de um pé a distância da Terra ao Sol, então a distância de Netuno
seria de 40, e a de Alfa de Lira, 150... milhas; ou seja, atribuí a Alfa de Lira, em minha
primeira afirmação sobre o caso, somente 5.280 avos da distância, que é a menor
distância possível em que pode ser encontrada.
Prossigamos: por mais distante que um simples planeta esteja, quando o olhamos
por um telescópio podemos vê-lo sob certa forma, com certo tamanho razoável. Já dei
algumas indicações sobre o volume provável de muitas estrelas; entretanto, quando
observamos qualquer uma delas, mesmo através do mais possante telescópio,
descobrimos que se apresentam a nós sem forma alguma e, portanto, sem qualquer
grandeza. Nós a vemos como um ponto e nada mais.
O fato é que, com respeito à distância das estrelas fixas, de qualquer dos milhões
de sóis que brilham no lado mais distante desse terrível abismo que separa nosso
sistema de seus irmãos no grupo a que pertence, até muito recentemente a ciência
astronômica só podia falar com uma certeza negativa. Supondo que as mais brilhantes
são as mais próximas, somente podemos dizer, mesmo delas, que há uma certa distância
inconcebível dentro da qual não podem ser encontradas; em nenhum caso podemos
assegurar a que distância para além deste limite elas se encontram. Observamos, por
exemplo, que Alfa de Lira não pode estar a menos de 19 trilhões e 200 bilhões de
milhas de nós; porém, por tudo o que sabíamos, e de fato por tudo o que sabemos agora,
pode distar de nós o quadrado, ou o cubo, ou qualquer outra medida do número
mencionado. Contudo, por meio de observações maravilhosamente minuciosas e
cuidadosas realizadas com novos instrumentos, durante muitos anos de trabalho, Bessel
- morto há pouco tempo conseguiu determinar a distância de seis ou sete estrelas: entre
outras, a da estrela número 61 da constelação do Cisne. A distância verificada neste
último caso é 670.000 vezes a do Sol, a qual, deve-se lembrar, é de 95 milhões de
milhas. A estrela 61 do Cisne está, portanto, a 64 trilhões de milhas de nós, ou seja, três
vezes mais que a distância apontada como a menor possível, a de Alfa de Lira.
Tendo em mente a concepção que possamos ter formado, por mais frágil que seja
ela, do intervalo entre o Sol e a estrela 61 de Cisne, recordemos que este intervalo,
embora inconcebivelmente vasto, pode ser considerado como o intervalo médio entre as
incontáveis multidões de estrelas que comPoem aquele grupo, ou "nebulosa", ao qual
nosso sistema, bem como a estrela 61 de Cisne, pertence. Na realidade, abordei o caso
com bastante moderação; temos excelentes razões para crer que a estrela 61 de Cisne é
uma das mais próximas e, portanto, para concluir, pelo menos por enquanto, que sua
distância em relação a nós é menor que a distância média entre estrela e estrela do
magnífico grupo da Via Láctea.
E aqui, uma vez mais, a última, parece oportuno sugerir que, mesmo neste caso,
estivemos falando de insignificâncias. Deixando de nos admirar com o espaço entre
estrela e estrela, tanto de nosso grupo quanto de qualquer outro particular, voltemos
nosso pensamento para os intervalos entre grupo e grupo, no grupo todo-abrangente do
Universo.
Já disse que a luz se move a uma velocidade de 167.000 milhas por segundo, isto
é, a umas 10 milhões de milhas por minuto, ou a uns 600 milhões de milhas por hora;
entretanto, algumas nebulosas estão tão distantes de nós que mesmo a luz, movendo-se
a essa velocidade, não nos pode alcançar, vindo daquelas misteriosas regiões, em menos
de 3 milhões de anos. Este cálculo, além do mais, foi feito pelo mais velho dos
Herschel, e se refere a esses grupos relativamente próximos que se encontram ao
alcance do telescópio. Há nebulosas, porém, que graças ao tubo mágico de Lord Rosse,
neste instante sussurram segredos aos nossos ouvidos, segredos de um milhão de
séculos atrás. Em resumo, os fenômenos que contemplamos neste momento, naqueles
mundos, são os mesmos que interessaram seus habitantes há um milhão de séculos
atrás. Em intervalos, em distâncias como as que esta sugestão impõe a nossa alma -
mais que a nossa inteligência -, encontramos enfnn um clímax adequado para todas as,
até agora, frívolas considerações de quantidade.
Graças a tudo isto, não temos nenhuma dificuldade para entender a absoluta
agudeza da adaptação Divina. A densidade das estrelas aumenta respectivamente à
medida em que sua condensação diminui; a condensação e a heterogeneidade caminham
juntas; através da última, que é o índice da primeira, calculamos o desenvolvimento
vital e espiritual. Assim, a densidade dos globos nos dá a medida do cumprimento de
seus propósitos. Quanto mais a densidade avança, quanto mais se cumprem as intenções
divinas, quanto menos restam delas para sempre cumpridas, mais devemos esperar uma
aceleração do Fim; e assim a mente filosófica facilmente compreenderá que os
propósitos divinos que determinam a constituição das estrelas avançam
matematicamente até seu cumprimento; e mais: logo dará a este progresso uma
expressão matemática; decidirá que é inversamente proporcional aos quadrados das
distâncias de todas as coisas criadas entre o ponto de partida e a meta de sua criação.
Mas não somente esta adaptação divina é matematicamente exata, como também,
há nela o selo do divino, para distingui-la das simples obras humanas. Refiro-me à total
reciprocidade de adaptacão. Por exemplo: nas construções humanas, uma causa
particular tem um efeito particular; uma intenção particular aponta a um objeto
particular; mas isto é tudo, não vemos reciprocidade. O efeito não reage sobre a causa; a
intenção não troca relações com o objeto. Nas construções divinas, o objeto é ao mesmo
tempo propósito e objeto, conforme escolhemos olhá-lo; e, em qualquer momento,
podemos tomar uma causa por um efeito, ou o contrário, de forma tal que absolutamente
nunca podemos definir qual é um e qual é outro.
Para dar um exemplo: nos climas polares, o organismo do homem requer, para
manter o calor animal, para a combustão no sistema capilar, uma farta provisão de
alimento muito azotado, como o óleo de baleia. Por outro lado, nesses mesmos climas
polares, quase que o único alimento disponível ao homem é o óleo de foca e baleia. Pois
bem: o óleo está assim, à mão, por causa de sua imperativa necessidade, ou é a única
coisa exigida por ser a única que se pode obter? É impossível decidir. Há uma absoluta
reciprocidade de adaptação.
Talvez valha a pena escarnecer das fantasias de Fourrier, mas muito se tem dito
ultimamente da hipótese de Madler, de que existe, no centro da Galáxia, um globo
imenso em torno do qual giram todos os sistemas do grupo. O período donosso já foi
mesmo determinado: 117 milhões de anos.
algum direito lógico. Madler, todavia, foi longe o suficiente para apontar uma
estrela particular, Alcíone das Plêiades, como o ponto em torno do qual se realiza a
revolução geral.
Muito bem, posto que a "analogia" nos conduziu, no primeiro caso, a estes
sonhos, não deixa de ser correto utilizarmos a analogia, pelo menos em certa medida,
durante seu desenvolvimento esta analogia que sugere a revolução sugere ao mesmo
tempo uma órbita central ao redor da qual ela deveria realizar-se; até este ponto o
astrónomo foi coerente. Essa órbita central, porém, deveria ser dinamicamente maior
que todas a órbitas que a rodeiam tomadas em conjunto. Destas há cerca de 100
milhões.
"Por que, então - naturalmente perguntou-se - não vemos esse vasto sol central
pelo menos com massa igual a 100 milhões de sóis como o nosso; por que não o vemos,
especialmente nós, que ocupamos a região central do grupo, o lugar mesmo perto do
qual, em todo caso, deve estar situado esse astro incomparável?" A resposta estava
pronta: "Deve ser não-luminoso, como nossos planetas." Aqui, então, por conveniência
do argumento, omite-se de repente a analogia. "De modo algum pode-se dizer - sabemos
da real existência de sóis não-luminosos." Temos razões para pelo menos supor assim;
mas certamente não temos razão alguma para supor que os sóis não-luminosos em
questão estejam rodeados por sóis luminosos enquanto estes, por sua vez, estão
cercados por planetas não-luminosos; e justamente pede-se a Madler que encontre
alguma coisa análoga a tudo isto nos céus, pois na vardade é isto que ele imagina para o
caso da Galáxia. Admitindo-se que seja assim, não podemos deixar de imaginar que
triste quebra-cabeça a pergunta "Por que é assim?" deve representar para todos os
filósofos aprioristas.
Pode-se dizer que Madler verificou realmente uma curvatura na direção da famosa
marcha de nosso sistema pelo Espaço. Se é necessário admitir que isto é
verdadeiramente um fato, afirmo que nada se conclui disto, exceto a realidade do fato
em si: o fato da curvatura. Para sua inteira determinação, seriam necessárias séculos; e,
mesmo quando determinado, indicaria uma relação binária ou múltipla entre nosso Sol e
uma ou mais das estrelas próximas. Não corro nenhum risco, entretanto, em predizer
que, após a passagem de muitos séculos, todos os esforços em determinar o caminho de
nosso Sol pelo Espaço seriam abandonados como infrutíferos. É fácil conceber isto
quando consideramos a infinita perturbação que deve experimentar em suas
permanentes relações de troca com outras órbitas, quando todos se aproximam do
núcleo da Galáxia.
"É difícil - diz Sir John Herschel - fazer-se uma idéia do estado dinâmico de tais
sistemas. Por um lado, sem um movimento de rotação e uma força centrífuga, é quase
impossível não considerá-lo como em estado de colapso progressivo. Por outro,
admitindo tal movimento e tal força, não é menos difícil reconciliar suas formas com a
rotação de todo o sistema (quer dizer, grupo) em torno de um único eixo, sem o qual
uma colisão interna pareceria inevitável."
Se eu tivesse que descrever com minhas própria palavras qual deve ser
necessariamente a condição atual de cada nebulosa na hipótese de que matéria, como
sugiro, retorna agora a sua Unidade original, repetiria quase que textualmente a
linguagem empregada aqui pelo doutor Nichol, sem ter a menor suspeita dessa
espantosa verdade que é a chave destes fenômenos nebulares.
E aqui reforçarei ainda mais minha posição, com o testemunho de alguém maior
que Madler, alguém, além disso, para quem todos os dados de Madler foram coisas
familiares por longo tempo, todas cuidadosamente examinadas. Referindo-se aos
elaborados cálculos de Argelander - pesquisas que constituem a base mesma de Madler
-, Humboldt, cujas capacidades generalizantes talvez nunca tenham sido igualadas, faz a
seguinte observação: "Quando olhamos os movimentos reais, próprios, não de
perspectivas, da estrelas, encontramos muitos grupos que se movem em direções
opostas; e os dados que temos em mão de modo algum nos obrigam a conceber que os
sistemas que comPoem a Via Láctea, ou os grupos que comPoem em geral o Universo
giram em torno de algum centro particular desconhecido, seja ou não luminoso.
Somente o desejo do homem por uma Primeira Causa fundamental inclina seu intelecto
e sua fantasia a adotar uma hipótese como esta."
Acabei de citar aqui as seguintes palavras de John Herschel sobre os grupos: "De
um lado, sem um movimento de rotação e uma força centrífuga, é quase impossível não
considerá-los em estado de colapso progressivo." O fato é que, examinando as
"nebulosas" com um telescópio de alta potência, acharíamos absolutamente impossível,
uma vez admitida essa idéia do "colapso", não recolher em todos os sentidos
comprovações da idéia. Sempre há um núcleo aparente em direção ao qual as estrelas
parecem precipitar-se; estes núcleos não podem ser confundidos com meros fenômenos
de perspectiva; os grupos são realmente mais densos nas proximidades do centro e mais
dispersos nas regiões mais afastadas dele. Quer dizer, vemos todas as coisas como as
veríamos se um colapso estivesse acontecendo; mas pode-se em geral dizer destes
grupos que, enquanto os observamos, só podemos admitir a idéia de movimento orbital
em torno de um centro se admitirmos a existência possível, nos distantes domínios do
espaço, de leis dinâmicas que desconhecemos.
Todavia, talvez seja nossa nem tão pequena tendência pelo contínuo, pelo
analógico - e, particularmente nesse caso, pelo simétrico - o que nos tem desviado do
caminho.
Podemos tomar como seguro, então, que o homem não pode errar muito ou por
longo tempo se se permite guiar por este instinto poético, este que afirmei ser
verdadeiro por ser simétrico. Ele deve, porém, ter cuidado ao perseguir com excessiva
imprudência a simetria superficial de formas e movimentos, para não perder de vista a
simetria realmente essencial dos princípios que os determinam e governam.
Que os corpos estelares devam finalmente fundir-se em um, que por fim tudo deva
submergir na substância de uma magnífica órbita central já existente é uma idéia que há
tempo parece dominar, de modo vago e indeterminado, a fantasia da humanidade. É
uma idéia que na verdade pertence à classe das excessivamente óbvias. Surge no
momento de uma observação superficial dos movimentos cíclicos, e aparentemente
giratórios ou vertiginosos, daquelas partes individuais do Universo que se colocam sob
nossa observação mais imediata e próxima. Talvez não haja um ser humano de
educação comum e de capacidade reflexiva média a quem alguma vez não tenha
ocorrido a fantasia em questão, de forma espontânea e intuitiva, e com todas as
características de uma concepção muito profunda e original. Mas essa concepção tão
comumente aceita nunca surgiu, que eu saiba, de nenhuma consideração abstrata. Pelo
contrário, surgindo sempre, como digo, pelos movimentos vertiginosos ao redor dos
centros, buscava-se naturalmente uma razão para isto, uma causa para a reunião de
todas as órbitas em uma imaginada como já existente, nesses mesmos movimentos
cíclicos.
final, universal, que o homem, repito, movido pelo instinto analógico, simétrico
ou poético tomou como algo mais que uma simples hipótese.
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ciente da aglomeração final, existia em um meio raro, mas material, que invadia o
espaço, espaço que, retardando em certo grau a marcha do cometa, debilitava
perpetuamente
Tudo isto era estritamente lógico, admitindose o meio ou éter; mas o éter foi
suposto sem nenhuma razão lógica, com base na impossibilidade de descobrir qualquer
outro modo de explicá-la. Está claro que inúmeras causas podiam atuar
combinadas para diminuir a órbita sem que tivéssemos sequer a possibilidade de
conhecer uma
delas. Além disso, nunca se mostrou corretamente por que o retardo ocasionado
pelos arredores da atmosfera do Sol, através dos quais o cometa passa no periélio,
Deve-se lembrar que eu mesmo supus isso que chamamos de um éter. Falei de
uma sutil influência que sempre acompanha a matéria, embora se manifeste somente
através da heterogeneidade da mesma matéria. A essa influência - sem atrever-me a
tocá-la numa esforço de explicar sua terrível natureza - relacionei os vários fenômenos
de eletricidade, calor, luz, magnetismo; e mais: de vitalidade, consciência e pensamento;
em resumo, de espiritualidade. Logo se verá, então, que o éter assim concebido é
radicalmente distinto do éter dos astrónomos, visto que o deles é matéria e o rneu não.
Com a idéia do éter material parece desaparecer por inteiro a idéia dessa
aglomeração universal, há tanto tempo preconcebida pela fantasia poética da
humanidade, aglomeração em que uma filosofia sã podia permitir-se acreditar, pelo
menos até certo ponto, mesmo que fosse pela razão de ter sido preconcebida por esta
fantasia poética. Mas até hoje, para a Astronomia, para a Física, os ciclos do Universo
são perpétuos, o Universo não tem um fim concebível. Se se tivesse demonstrado um
fim a partir de uma causa tão colateral como o éter, o instinto humano da capacidade
divina de adaptação teria se rebelado contra a demonstração. Estaríamos obrigados a
considerar o Universo com aquela insatisfação que experimentamos ao contemplar uma
obra de arte humana desnecessariamente complexa. A criação nos afetaria como uma
trama imperfeita numa novela, onde o desenlace surge desajeitado através de incidentes
externos e alheios ao tema principal, ao invés de surgir do seio da tese, do coração da
idéia condutora, ao invés de nascer como resultado da primeira proposição, como parte
inseparável e inevitável da concepção fundamental do livro.
Agora pode-se compreender com mais clareza o que quero dizer com simetria
meramente superficial. Foi seduzido por essa simetria que chegamos à idéia geral da
qual a hipótese de Madler é somente uma parte: a idéia da atração vortiginosa dos
globos. Deixando de lado esta concepção claramente física, a simetria do princípio vê o
fim de todas as coisas matematicamente implícito no pensamento de um começo;
procura e acha nesta origem de todas as coisas o rudimento do fim e percebe
aimpiedade de supor que esse fim pudesse surgir de forma menos simples, menos direta,
menos evidente, menos artística que pela reação do Ato originador.
Segundo esse ponto de vista podemos conceber a Matéria como um Meio, não
como um Fim. Pode-se ver, então, que seus propósitos estão implícitos em sua difusão;
e, com o retorno à Unidade, estes propósitos cessam. O globo de globos absolutamente
consolidado não teria objetivos; portanto, não poderia continuar existindo nem por um
momento. A Matéria, criada com um fim, indiscutivelmente não seria mais Matéria ao
cumprir-se esse fim. Tentemos entender que ela desapareceria e que somente Deus
restaria, único e total.
Parece-me evidente que toda obra da concepção divina deve coexistir e coexpirar
com seu desígnio particular; e não duvido que ao afirmar que o globo de globos final
está sem objetivos, a maioria de meus leitores ficou satisfeita com meu "portanto não
poderia continuar existindo nem por um momento". Entretanto, com a surpreendente
idéia de seu instantâneo desaparecimento é algo que o mais potente intelecto não é
capaz de conceber em bases tão decididamente abstratas, tentemos considerar a idéia a
partir de algum outro ponto de vista mais comum; vejamos como a comprova, total e
magnificamente, uma consideração a posteriori da Matéria como a encontramos de fato.
Mas será que devemos nos deter aqui? De modo algum. Cabe conceber facilmente
que da aglomeração e dissolução universal pode resultar uma série nova e talvez
totalmente distinta de condições, outra criação e irradiação que retorne a si mesma,
outra ação e reação da Vontade Divina. Guiando nossa imaginação pela
onipredominante lei de leis, a lei da periodicidade, não estamos mais do que justificados
quando alimentamos a crença - ou melhor, quando alimentamos a esperança - de que os
processos que nos atrevemos a contemplar aqui serão renovados para sempre e sempre;
de que um novo Universo irromperá em existência e logo se fundirá no nada, a cada
pulsação do Coração Divino?
Mas esse Coração Divino, o que é? É nosso próprio coração. Não permitamos que
a aparente irreverência desta idéia amedronte nossas almas por parte daquele frio
exercício de consciência, daquela profunda tranqüilidade de auto-análise, a única
através da qual podemos ter a esperança de alcançar a presença da mais sublime das
verdades e de contemplá-la cara a cara.
Mas logo vem o período em que uma Razão convencional e mundana nos
desperta da verdade de nosso sonho. A dúvida, a surpresa, o incompreensível chegam ao
mesmo tempo.
Dizem: "Vives e houve um tempo em que não vivias. Foste criado. Existe uma
Inteligência maior que a tua; e somente graças a essa Inteligência vives." Lutamos por
compreender estas coisas e não conseguimos; não conseguimos porque, por serem
falsas, essas coisas são necessariamente incompreensíveis.
Não existe ser pensante que, em algum ponto luminoso de sua vida intelectual,
não tenha se sentido perdido entre ondas de esforços fúteis por compreender ou crer que
existe algo maior que sua própria alma. A absoluta impossibilidade de que uma alma se
sinta inferior a outra; a intensa, a total insatisfação e rebelião que ocorre no pensamento
desse fato; isto, junto com as aspirações universais à perfeição, não são senão as lutas
espirituais coincidindo com as materiais para chegar à Unidade original; são, pelo
menos no meu entender, uma espécie de prova muito superior ao que o homem chama
de demonstração de que nenhuma alma é inferior a outra, de que nada pode ser superior
a nenhuma alma, de que cada alma é em parte seu próprio Deus, seu próprio Criador;
em resumo, que Deus, o Deus material e espiritual, existe agora somente na Matéria
difusa e no Espírito difuso do Universo; e que a reunião dessa Matéria e desse Espírito
difuso não será senão a reconstrução do Deus puramente Espiritual e Individual.
Falei de Memórias que nos obcecam durante a juventude. Às vezes elas nos
perseguem mesmo na Idade Adulta; assumem gradualmente formas cada vez menos
indefinidas; de vez em quando nos falam em voz baixa dizendo:
"Houve uma época, na Noite dos Tempos, em que existia um Ser eternamente
existente, um entre o absolutamente infinito número de Seres semelhantes que
habitavam os domínios absolutamente infinitos do espaço absolutamente infinito.* Não
estava como não está nas mãos desse Ser - como não está nas tuas - o poder de
expandir, através de um aumento real, a alegria de sua Existência; mas assim como
está em tuas mãos o poder de expandir ou de concentrar teus prazeres (sendo a soma
absoluta de felicidade sempre igual), também uma capacidade semelhante pertence e
pertenceu a esse Ser Divino que, portanto, passa sua Eternidade em perpétua variação
entre Auto-Concentração e quase que infinita Auto-Difusão. O que chamas Universo
não é senão sua presente existência expansiva. Ele sente agora sua vida através de uma
infinidade de prazeres imperfeitos - os prazeres parciais e mesclados de dor dessas
coisas inconcebivelmente numerosas a que chamas de suas criaturas mas que são, na
verdade, infinitas individualizações Dele Mesmo. Todas essas criaturas, todas, a que
chamas de animadas, bem como aquelas a que negas vida por não vê-las em ação, todas
essas criaturas têm, em maior ou menor grau, uma capacidade para a dor; mas a soma
geral de suas sensações é precisamente esse total de Felicidade que pertence por Direito
próprio ao Ser Divino quando concentrado em Si Mesmo.