Você está na página 1de 2

O argumento cosmológico

O argumento cosmológico, ao contrário do ontológico, baseia-se em alguma


informação acerca do modo como o mundo é. Ou seja, trata-se de um argumento a
posteriori. Há várias versões do argumento cosmológico. Todas partem de uma
característica particular do mundo para concluir que Deus existe – pois só a existência
de Deus poderá explicar essa característica do mundo.
O argumento de S. Tomás
O argumento cosmológico de S. Tomás parte da premissa a posteriori de que no
mundo tudo tem uma causa. Se olharmos à nossa volta, constatamos que todas as
coisas dependem de outras para existirem. Nós existimos porque os nossos pais
existem, e foram eles que num certo sentido causaram a nossa existência. Os nossos
pais, por sua vez, existem porque os pais deles os «causaram» e assim sucessivamente.
Este tipo de relação causal é algo que parece verificar-se em todas as coisas e
acontecimentos. Ou seja, tudo tem uma causa. Chama-se cadeias causais às
sequências de causas e efeitos. A ideia é que as cadeias causais não podem regredir
infinitamente; logo, há uma causa primeira que é a causa de tudo o resto. A conclusão
final é a de que essa causa é Deus — logo, Deus existe. Por razões óbvias, este
argumento também é conhecido por argumento da causa primeira e por argumento
causal.
O argumento cosmológico tem, portanto, a seguinte estrutura:
Premissa 1: No mundo, todas as coisas têm uma causa.
Premissa 2: Nada pode ser a causa de si próprio.
Premissa 3: As cadeias causais não podem regredir infinitamente.
Conclusão: Logo, existe uma causa primeira que é Deus.
Objeções
 Para evitar a contradição entre a principal premissa do argumento (tudo tem
uma causa) e a sua conclusão, Deus terá de estar fora do âmbito de tudo, terá
de ser sobrenatural, o que torna o argumento ininteligível.
 Defende simultaneamente que não pode haver uma causa não causada e que
há uma causa não causada (Deus).
 Não quer dizer que tudo tem uma causa, mas apenas que tudo, exceto Deus,
tem uma causa.
 Mesmo que se possa resistir a estas críticas, o argumento não prova que a
causa primeira seja o deus teísta.
As duas primeiras premissas parecem bastante plausíveis. Já a terceira premissa não é
assim tão clara. Por que razão as cadeias causais não podem regredir infinitamente?
Na passagem citada, S. Tomás oferece um argumento adicional a favor da ideia de que
as cadeias causais não podem regredir infinitamente. O argumento consiste numa
redução ao absurdo. Primeiro, começamos por supor como hipótese absurda (a
hipótese a rejeitar) que existem cadeias causais que regridem infinitamente. Depois
mostramos as consequências desta hipótese e concluímos que são absurdas, o que nos
permite rejeitar a hipótese inicial. S. Tomás argumenta que se as cadeias causais
regredissem infinitamente, então nada existiria no início da cadeia que originasse a
cadeia causal.
Sucintamente, o argumento a favor da ideia de que as cadeias causais não podem
regredir infinitamente (a terceira premissa do argumento cosmológico) é o seguinte:
Premissa 1: Se as cadeias causais regridem infinitamente, não existe uma primeira
causa.
Premissa 2: Mas se não existe uma primeira causa, também não existe qualquer dos
seus efeitos.
Premissa 3: Se não existem efeitos, é porque nada existe.
Premissa 4: É óbvio que existem coisas.
Conclusão: Logo, as cadeias causais não podem regredir infinitamente.
Uma cadeia causal que regride infinitamente não tem, por definição, uma causa
primeira. De modo que é falso que se retirarmos a causa primeira (ou seja, se esta não
existir), os seus efeitos deixam de existir. E isto é falso pela simples razão de que não
há qualquer causa primeira que possa deixar de existir.
Outro problema que o argumento cosmológico enfrenta é o seguinte: aceitemos que
todas as cadeias causais que observamos no mundo têm de ter um início; mesmo
assim, isso não mostra que todas essas cadeias causais têm o mesmo início como
causa. É falacioso inferir de «tudo tem uma causa» que há uma causa única para tudo.
Inferir tal coisa é como inferir de «todas as pessoas têm uma cabeça» que há uma
cabeça única para toda a gente – o que é claramente absurdo.
Finalmente, esta versão do argumento cosmológico não estabelece a existência do
Deus teísta, mesmo que seja bem sucedido. Para isso seria necessário fornecer um
argumento complementar para mostrar que a causa primeira é Deus; ou seja, um ser
pessoal, omnisciente e sumamente bom. Tal como é apresentado, o argumento
apenas poderia estabelecer que uma certa força, que poderia até ser o Big Bang, é a
origem última do universo.

Você também pode gostar