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Material Didático de Filosofia - Prof.

Bruna Diedrich

SÃO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274) 1

Nasceu na Itália, formou-se na Universidade de Nápoles e se juntou à Ordem


Dominicana. Em Paris, formou-se mestre em teologia, lecionando durante muitos
anos. Em 1273, sofreu um episódio, que não se sabe ao certo o que foi. Especula-se
que tenha sido um derrame ou uma visão mística (sim, as hipóteses são essas).
Nesse momento, ele teve um momento de epifania ou iluminação, no qual lhe foi
revelado que toda sua produção era insignificante.Nesse instante ele encerrou sua
produção, morrendo em com 49 anos. A Igreja Católica o santifica em 1323. Suas
principais obras são A Suma Teológica e O Ente e a Essência.
Sua Filosofia é representante da chamada escola Escolástica, sendo o
principal expoente. Essa vertente filosófica é posterior à Patrística. Embora defenda
o cristianismo e busque conciliar fé e razão, assim como a Patrística, há diferenças
importantes. As teses teológicas, que pregavam a defesa do cristianismo, já haviam
sido fundadas pela escola anterior. Para a Escolástica, cabia o desenvolvimento e
manutenção dessa fundamentação. O método também muda, posto que costuma
ser uma apresentação de questões, objeções e respostas. A Influência é
marcadamente aristotélica. Inclusive, São Tomás refere-se a Aristóteles como “o
Filósofo”. Abaixo, segue um quadro comparativo entre as escolas:

Patrística Escolástica
“Pais” da Igreja (primeiros padres) Posterior à Patrística
Defesa do Cristianismo Defesa do Cristianismo
Conciliação entre fé e razão Conciliação entre fé e razão
Elaboração da Teologia Desenvolvimento e manutenção teológica
Método: apresentação de questões,
Lógica e retórica grega
objeções e respostas
Influência platônica (mundo material x
Influência aristotélica
mundo espiritual - “das ideias”)
Principal expoente: Santo Agostinho Principal expoente: São Tomás de Aquino

São Tomás buscava analisar Deus como objeto de estudo dentro da Filosofia.
Segundo ele: “O objeto das virtudes teológicas é o próprio Deus, que é a última
finalidade de tudo e acima do conhecimento da nossa razão. Por outro lado, o objeto
das virtudes morais e intelectuais é algo compreensível à razão humana.” (São
Tomás de Aquino)
Sua filosofia carregava uma forte negação do racionalismo platônico,
rejeitando completamente o mundo das ideias. Para ele, apenas podemos conhecer
o mundo a partir da realidade sensível (ou seja, das nossas experiências no mundo
real). Essa seria nossa única fonte possível de conhecimento.

1
Todos os materiais presentes foram adaptados de:
AQUINO, São Tomás. A Suma Teológica.
BUCKINGHAM, Will. et al. O Livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011.
COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2017.
A formação do universo
Sua preocupação fundamental era sobre a questão da formação do universo.
Como ele se formou? Ele sempre existiu? Foi criado? Como? Por quem? Para
explicar a existência do universo, ele utiliza uma analogia entre as marcas de pés na
areia da praia. Vamos pensar na seguinte situação: estamos andando na praia e
vemos pegadas. Mesmo que a praia esteja deserta, pelas pegadas sabemos
algumas coisas. São elas:
1. A marca foi causada por um pé ou pata.
2. Ao observarmos o formato, temos uma ideia do que causou a marca (se foi
uma criança, um adulto, um cachorro, uma tartaruga…).
3. A marca foi causada por algo que, mesmo que não esteja ali, sabemos que
ela não causou a si própria.

De maneira semelhante, o universo seria como uma pegada. Não


precisaríamos ver Deus ou rastrear o início da criação para saber que Deus criou o
universo. São Tomás apresenta a ideia de que Deus poderia sim ter criado algo que
exista eternamente e, para ele, não há uma aparente inconsistência nesse fato:
“Devemos considerar se há uma contradição entre algo ser criado por Deus e seu
existir perpétuo.” (São Tomás de Aquino).

Princípios filosóficos
O autor é grandemente inspirado na Filosofia de Aristóteles. Inclusive,
refere-se a ele apenas como “o Filósofo", tão inquestionável é sua autoridade. Para
construir seus princípios filosóficos, necessários para a compreensão de sua
argumentação, recorre a alguns princípios da Filosofia aristotélica. São eles:

1. Princípio da não-contradição (lógica aristotélica): o ser é ou não é. Não é


possível ser e não ser algo ao mesmo tempo. Ou é X ou é não-X.
Exemplo: Sócrates é mortal ou não é mortal. (Sócrates não pode ser mortal e
imortal ao mesmo tempo).

2. Princípio da substância (física aristotélica): distinção entre substância e


acidente. A substância é associada à essência (aquilo que torna o objeto ele
mesmo) e o acidente é associado à qualidade não essencial, acessória. É
importante lembrar que a perda de propriedades (qualidades, características)
acidentais não altera a essência (e, portanto, a substância). Porém, a perda
de propriedades (qualidades, características) essenciais altera a essência (e,
portanto, a substância). O ser deixa de existir.

3. Princípio do ato e potência (metafísica aristotélica): Todo ser possui duas


dimensões (ato e potência).
O ato é tudo aquilo que representa a existência atual do ser (o que ele é
neste momento).É como se fosse uma foto de um dado instante, com as
propriedades que existem no ser.
A potência, por sua vez, é tudo aquilo que o ser pode se tornar, sua
capacidade. É uma espécie de projeção, toda a sua possibilidade de
existência.
(Lembrete: uma propriedade em potência não existe em ato.)
Exemplo: “Ser um cachorro adulto” é uma propriedade em potência do filhote.
(A não ser que algo muito triste ocorra, ele vai se tornar um cachorro adulto.
Agora, ele não pode crescer e virar uma árvore ou um leão. Ao crescer, se
tornará necessariamente um cachorro adulto. Ele só pode se tornar em ato
aquilo que ele é em potência.

As cinco vias
São Tomás de Aquino buscou provar a existência de Deus através de cinco
vias. O modelo são as questões teológicas, baseadas no modelo de perguntas,
objeções e respostas.

Primeira via - o movimento


1. Por observação, constatamos que há coisas que se movem.
“Nossos sentidos atestam, com toda a certeza, que neste mundo algumas
coisas se movem.” (São Tomás). Essa premissa é baseada no conceito de
Aristóteles de mudança. É importante lembrar que a perda e ganho de
propriedades também é movimento.

2. Tudo que se move, é movido por algo outro.


Baseia-se no princípio da física aristotélica de motor e movido. Há algo que
move e algo que gera movimento. É crucial lembrarmos que as coisas só se
tornam em ato aquilo que são em potência e que movimento também é tornar
potência em ato (mudança)

3. Objetos inanimados não podem causar movimento a si próprios.


Os objetos inanimados (e, portanto, sem intelecto) precisam de uma
inteligência que os mova. Eles não podem ser causa do próprio movimento.
Exemplo: caneta, arco e flecha, copo, argila

4. A série causal não pode ocorrer infinitamente.


Se o que se move é movido, esse movimento é causado por outro (e assim,
sucessivamente). Porém, precisamos achar uma causa primeira, que inicie o
“efeito dominó”.

Conclusão: Logo, é necessário que haja um primeiro motor, que mova sem ser
movido por algo anterior. Esse primeiro motor seria Deus.
Essa conclusão baseia-se no Princípio do Primeiro Motor, da física de Aristóteles. É
a ideia da necessidade de um primeiro motor, que criou o primeiro movido (primeira
coisa a ser criada ou sofrer mudança, a saber, ser movimentada). Por definição, a
primeira mudança não pode vir de um movimento anterior, tem que ser causa sem
ser consequência. Princípio do Primeiro Motor Imóvel (Aristóteles): a primeira coisa
causa mudança mas não muda (imóvel).

Segunda via - a causa eficiente


Vamos utilizar, nesse caso, um exemplo para ilustrar a argumentação.
Podemos pensar em um confeiteiro ou um escritor.

1. Por observação, constatamos que cada coisa no mundo sensível é


causada por outra.
Por observação, sabemos que o bolo que vemos na vitrine ou o livro da
livraria foram causados por alguém, certo? Sabemos que eles não se criaram.

2. Por definição, as causas acontecem antes dos efeitos (consequência).


Sabemos que eles não se criaram. Sabemos que a escrita e a preparação do
bolo acontecem antes do resultado (bolo e livro na vitrine). Então, a causa
acontece antes do efeito (resultado final).

3. As coisas não podem ser causadas por si próprias.


Sabemos que o bolo ou o livro não se criam sozinhos, é necessário que
alguém os crie.

4. A série de causas não pode ser infinita.


Se o que se move é movido, esse movimento é causado por outro (e assim,
sucessivamente). Porém, precisamos achar uma causa primeira, que inicie o
“efeito dominó”.

Conclusão: Portanto, deve haver uma primeira causa, a causa eficiente, que
não é consequência de algo anterior. Esta seria Deus e causaria todas as
outras coisas.
Assim como a primeira via, é fundamentada na ideia do Primeiro Motor Imóvel de
Aristóteles. É necessário que encontremos o confeiteiro ou o escritor, precisamos
rastrear a origem. Esse seria uma metáfora para Deus.

Terceira via – Ser necessário e contingente (Retomada dos resultados da segunda


via):
1. Para cada coisa, ou ela é causa de si mesma (Primeira causa, ou seja,
Deus) ou é causada por algo.
Quando chegamos em casa, por exemplo, depois de um dia de aula e vemos
uma bagunça feita pelo nosso cachorro, sabemos rastrear perfeitamente a
causa. Sabemos, sem sombra de dúvida, quem causou o caos (nosso
cachorro). Da mesma maneira, funcionam as causas para São Tomás. Ao
olharmos as marcas na areia, sabemos que elas não causaram a si (não são
a causa primeira), foram causadas por algo.

2. Por observação, constatamos que há coisas no mundo que começam a


existir e acabam.
Por exemplo, sabemos que há edições de produtos exclusivos ou ingressos
de show que esgotam. Observamos que nossos animais de estimação
(infelizmente) não duram para sempre. Além disso, experienciamos a morte
de entes queridos (que, também, infelizmente não duram para sempre).

3. Se há coisas que deixam de existir, é possível que todas as coisas


deixem de existir em algum momento.
Uma vez que as coisas param de existir (por exemplo, animais que são
extintos), não temos nenhuma garantia de que as coisas sigam
existindo.Cada uma das coisas poderia, perfeitamente, cessar sua existência.
4. Se é possível que todas as coisas não existam, há um dado momento no
qual nada existiu.
Uma vez que as coisas são criadas, é necessário que haja um momento
anterior à criação.

5. Se houve um momento no qual nada existia, nada existiria agora. (O que


seria um absurdo!)
Aqui estamos supondo que não haveria uma força criadora

Conclusão: Assim, há algo que existe, um ser absolutamente necessário


(Deus).
Quando pensamos no conceito de contingência e necessidade, eles já nos dão uma
pista da ideia de São Tomás. Contingente é, por definição, algo que pode ou não
acontecer, com um teor de imprevisão. Necessário é algo que, em todos os casos,
acontece. Se há seres contingentes (que podem vir a existir, parar de existir, etc), é
indispensável, para o autor, que exista um ser necessário, que exista sempre e crie
esses seres.

Quarta via - graus de perfeição


1. Por observação, constatamos que há graus comparativos de diversas
qualidades acidentais (belo, poderoso, verdadeiro, etc), inclusive a
perfeição.
Observamos, em diversos exemplos de nosso cotidiano, o uso de
comparativos. Em relação a algumas pessoas somos mais baixas e, em
comparação com outras somos mais altas. Para realizar nossos juízos diários
(de beleza, sabor, etc), utilizamos de comparações para estabelecer graus.
Por exemplo, dizemos que o bolo que comemos na padaria não está tão bom
quanto o que nossa mãe faz.

2. Se há graus comparativos, precisamos de um critério máximo que


justifique e explique essas comparações.
Retomemos o exemplo do bolo da mãe. Esse virou o nosso grau absoluto e
máximo da perfeição.
“Ora, mais e menos se dizem de coisas diversas conforme elas se aproximam
diferentemente daquilo que é em si o máximo. Assim, mais quente é o que
mais se aproxima do que é sumamente quente.” (São Tomás)

3. O grau máximo (ou seja, a perfeição em absoluto) é a causa de todas as


coisas dentro desse gênero.
Para compreender a linha de raciocínio do autor, é importante que utilizemos
o exemplo do fogo. Para ele:“[...] assim o fogo, que é quente, no mais alto
grau, é causa do calor de todo e qualquer corpo aquecido.” (São Tomás)
Ou seja, tudo aquilo que é quente é causado pelo fogo. Aqui, é importante
lembrar o contexto da Idade Média, no qual o conhecimento e compreensão
de teorias físicas e com relação ao calor eram diferentes.

4. Todas as qualidades (beleza, verdade, justiça, honestidade) são


manifestações da mesma causa.
Conclusão: Portanto, existe um ser que é o grau máximo deste gênero, que é a
causa de todas as qualidades nas coisas. Este é Deus.
“Existe então algo que é, para todos os outros entes, causa de ser de bondade e de
toda perfeição: nós o chamamos Deus.” (São Tomás). Para ele, é necessário que
haja um ser, que cause todas as qualidades, um critério máximo de regulação e
perfeição.

Quinta via – Finalidade do ser (tudo se move em direção a um fim):


1. Há coisas brutas, as quais não possuem inteligência (ou intelecto) por si
próprias, servindo a um objetivo.
Exemplo: caneta, arco e flecha.

2. Estas coisas não dirigem a si próprias, precisando de uma inteligência


que as guie.
Precisamos de um escritor ou um arqueiro, uma inteligência que guie o
objeto.

Conclusão: Se há coisas que são dirigidas por um ser inteligente, é necessário


que haja um ser que dirija todas as coisas. Esse ser é Deus.

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