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O que entende por “Filosofia Medieval”?

O conceito de “filosofia medieval” é difícil de definir e, se definição do


mesmo
existir, parte, certamente, da desconstrução da palavra.
Filosofia, o amor à sabedoria, começa com Tales, quando este procura
descobrir
qual é a origem de todas as coisas, a arché (principio). Surge, assim, a
necessidade de distinguir entre sabedoria e filosofia. A sabedoria tem
respostas
para dar, enquanto que a Filosofia é própria de quem procura respostas, de
quem busca (e ama a busca) pela sabedoria. E o termo “medieval” que nos
remonta para um período da história, a Idade Média. Torna-se mais fácil
definirmos filosofia medieval se olharmos para ela como a “filosofia da
Idade
Média”, procurando perceber o que é que, na Idade Média, se fazia “com a
filosofia”, o que é que se pensava e como é que se argumentava. A Idade
Média
(século X a VX) foi caraterizada pela expansão e consolidação do
cristianismo na
Europa. É, contudo, importante referir que mesmo o conceito de “Idade
Média”
é controverso e muitos autores consideram não ter realmente existindo um
período histórico assim.
Segundo José Francisco Meirinho na sua obra “Filosofia Medieval,
conceito em
reconfiguração”, a filosofia Medieval surge num período de trevas e
dogmatismos, mas vê se capaz de se distanciar do mesmo e torna-se um
“conceito positivo”, que descreve a diversidade e as tensões criativas de um
período longo, contraditório e paradoxal, ao longo do qual tudo é
submetido a
discussão e se formam e consolidam os fundamentos da modernidade do
pensamento, das instituições e da política, pelo menos, no mundo ocidental.
Segundo o Professor Mário Santiago de Carvalho, na sua obra “Roteiro
Temático-
Bibliográfico de Filosofia Medieval” existem pelo menos quatro Idades
Médias:
ocidental latina, bizantina, mulçumana e judaica. Assim, também a filosofia
medieval é plural.
O objeto de estudo da Filosofia Medieval começou na Antiguidade, após a
morte
de Jesus Cristo, no ano 30 d.C, numa sociedade onde a Filosofia grega
predominava. Assim, a Filosofia Medieval tem as suas raízes na filosofia
Clássica,
especialmente nas obras de Platão e Aristóteles.
Deste modo, podemos até dizer que a Filosofia Medieval foi caraterizada
pela
procura da união da filosofia grega com a fé Cristã.
A Filosofia Medieval e o estudo da mesma pode ser dividido em duas
partes: a
Patrística e a Escolástica.
A Patrística começa por volta do século V e recebe este nome porque foi
desenvolvida pelos chamados “padres da igreja”, tendo alguns deles sido:
Santo
Agostinho, Santo Irineu de Lyon, Santo Inácio de Antioquia, São João
Crisóstomo
e Santo Ambrósio de Milão. Assim, a patrística assentou na disseminação
do
cristianismo, na defesa da religião cristã e na refutação do paganismo,
preocupando-se em adaptar a filosofia grega, em particular a de Platão.
Para
este, a ideia era algo que existia antes das coisas serem concretizadas. A
Patrística associou o “mundo das ideias” platónicas com a palavra de Deus.
Para
além disso, também utilizou os conceitos de alma e corpo explicados por
Platão.
No entendimento deste, a alma era imortal, porque pertence ao mundo das
ideias, enquanto que o corpo, que é mortal, pertence ao mundo da matéria,
daí
a superioridade da alma em relação ao corpo. Esta ideia é usada pela
Patrística
como fundamento para a ideia de que a alma é pura, porque é espiritual e o
corpo é o lugar do pecado, porque é matéria.
O Cristianismo, porém, também tinha pontos de divergência com a
Filosofia
grega. Para os gregos, o mundo era eterno, sem começo nem fim. Para os
Cristãos, o mundo foi criado por Deus, pelo que tem um começo e um fim.
No
que diz respeito ao caminho para se atingir a “verdade”, os gregos
acreditavam
que tudo devia ser questionado e discutido, à luz da razão, e, dessa forma, a
verdade seria atingida. Já, o Cristianismo assenta a sua filosofia em
dogmas,
verdades imutáveis que não podiam ser discutidas, nem entendidas na sua
totalidade, porque a capacidade humana é limitada.
A Escolástica desenvolveu-se durante os séculos IX e XVI e tem origem no
termo
“escola”, porque a Filosofia passa a ser vista como uma matéria que devia
ser
ensinada aos estudantes. É nesta altura que surgem as primeiras
universidades
na Europa, como Bolonha e Paris. Os grandes Filosofos da Escolástica
foram: São
Tomás de Aquino, São Bernardo de Claraval, Pedro Abelardo, Guilherme
de
Ockham e João Duns Escoto. Tinham como base a filosofia de Aristóteles,
que
afirmava que o objetivo da vida humana é a felicidade. Para alcança-la era
importante alcançar o “justo meio”: a prudência e o conhecimento prático
capaz
de conduzir cada individuo num caminho virtuoso par ao Bem. A
Escolástica
pretendia defender a doutrina cristã das heresias que apareceram na Alta
Idade
Média, como os cátaros. Tendo origem no sul de França, os cátaros
acreditavam
que o mundo material tinha sido criado pelo diabo e estava contaminado
pelo
pecado, por isso, a única maneira de alcançar a salvação era praticar uma
vida
de isolamento e privação.
A Filosofia Medieval teve algumas repercussões, nomeadamente, a
expansão do
Cristianismo no Império Romano, principalmente com Santo Agostinho de
Hipona, mas também, a construção das universidades, porque esta filosofia
pautava pela ideia de que o conhecimento é algo que pode ser ensinado-
escolástica.
Contudo, a Filosofia Medieval foi confrontada com novos questionamentos
surgidos a partir do século XV, com o Renascimento: o Racionalismo e o
Empirismo

Santo Agostinho:
Principais obras: Confissões e Cidade de Deus (Confissões mais
importante, porque essa está como avaliação.). O que se passa em
Agostinho é que, basicamente ele é o primeiro Filósofo na História à
colocar o Eu em questão. Ou seja, com os gregos não existia essa
perspectiva, já que para eles a Ideia de Pólis (Cidade) era uma coletividade.
Para eles não fazia sentido falar em um Eu, pois eles se sentiam parte do
Todo. Com isso, Agostinho integra à Ideia de Liberdade, que aqui significa
muito mais uma autonomia da Vontade, do que o uso da Razão; ela
(Vontade) não é facilmente conciliável porque às Vontades entram em
guerra e justamente por isso, o Indivíduo encontra-se em conflito e precisa
de uma salvação; eis Cristo. Aqui já vemos uma diferença entre Cristãos e
Gregos; os primeiros buscam com a Razão uma salvação, ou seja, motivos
para crer ao mesmo tempo que crêem sem motivos. Nos Gregos, era a
Virtude que interessava; a Razão não cria, apenas apreende o que já existe.
Em Agostinho o que importa é o advento sentido linear da História, do Eu,
do Tempo medido pela Alma (Kairós) que conta sua história Individual, da
Iluminação Divina (sendo está o motivo de conhecermos e apreendermos
os Universais e Particulares), e a Teoria da Predestinação (Que alguns
recebem a graça divina e podem ser salvos, enquantos outros não)
Boécio (Séc. V):
dificulta mais. Isso porque se para Agostinho, numa fase distante de sua
Vida, a Liberdade já se confunde com Predestinação. Ou seja, para ele, há
pessoas que não podem de forma alguma serem salvas, mesmo que tentem,
essas estão sob tal efeito do pecado que já não conseguem ser socorridas.
Isso gerou uma certa confusão pois, se estamos predestinados à esse e não
aquele fim, então significa que não existe Liberdade. E é aí que Boécio
entra; com efeito, ele faz uma distinção entre Predestinação e Presciência.
Para ele, Deus sabe de todas às coisas, mas não significa que ele interfira;
ele sabe, mas não determina. Outra importante colaboração de Boécio foi
ter dado continuidade à Teologia Natural de Agostinho (O que é Deus? Para
Agostinho, a substância de Deus era Simples, dizer que Deus é Simples é a
melhor forma de descrevê-lo). Aqui, ele vai falar da diferença Ôntico-
Ontologico, ou seja, Ôntico é aquilo que é adjetivado, complexo, uma
madeira que vira cadeira já deixou de ser madeira. O Ontológico é aquilo
que é simples e não tem nenhum adjetivo. Deus é essa Bondade Simples,
que não é bom por conta de ser outra coisa (como a madeira é boa por ser
Mesa ou possível Mesa), mas sim porque é simplesmente, só existe.
No campo da lógica, Boécio deu importante contribuição para as 3
perguntas que Porfirio deixou no seu texto Isagoge; diz respeito à natureza
dos Universais. Porfirio perguntou: 1⁰ existem nas coisas ou na mente?
Para Boécio estão nas coisas. 2⁰ são corpóreas ou incorporeas?
Incorporeas. 3⁰ Existem nas coisas perceptíveis pelos sentidos ou estão fora
dela? Estão nas coisas e não se separam pela mente. Outro contributo dele
para à Lógica é a teoria dos futuros contingentes. Para ele, uma afirmação
contigente: haverá ou não uma batalha naval amanhã? Não pode ser nem
verdadeira nem falsa, ainda que se concretize; isso porque para ele o que é
indefinido não tem valor de Verdade. Para Boécio há uma importante
distinção entre um silogismo hipotético - baseado em premissas hipotéticas,
como: Se é de dia, o sol brillha. E afirmações Categóricas: Ora, é de dia;
logo, o Sol brilha. Apesar de terem afirmações categoricas seu valor de
verdade é menos perfeito por ser baseado em probabilidades. Enquanto o
silogismo Categórico tem premissas Categóricas e afirmações Categóricas:
Todo Homem é Mortal; Sócrates é Homem; Sócrates é Mortal.
É o que há de mais importante nele.
São Tomás de Aquino (1225-1274):
diferente da perspetiva Agostiniana de Liberdade, essa não assenta mais na
Vontade, e sim na Razão Prática. Para ele, a Verdadeira Liberdade é aquela
atingida pela Razão. Outra coisa que muda, é que para Aquino - isso com
influência Aristotélica, lembra-se? Motor Imóvel que sempre existiu -,
Deus não cria o mundo e sim a Existência (esse), e essa existe desde de
sempre. Tomás também dá continuidade ás Ideias de Boécio e Agostinho,
ou seja, para ele, Deus é Simples, e falamos dele por analogia. Todas ás
coisas provêm de Deus, parecem com ele, mas não são ele.
Tomás também tenta refutar os Averróistas, porque esses dizem que só há
uma Alma, e todas elas não pensam, mas são pensadas por uma Divindade
que, possuindo um Intelecto Agente, dota todas as pessoas de pensamento.
Tomás de Aquino temia que com essa teoria ás pessoas não pudessem ser
responsabilizadas, já que não são o agente eficiente daquilo que pensam e
portanto daquilo que fazem.

Duns Scoto (1266-1308):


Para ele, a Razão Prática de Tomás não exprimia bem à natureza da
Liberdade. E por isso, muito influenciado pelo Agostinho, ele volta à dizer
que Liberdade consiste em querer e não querer. Em um conflito, mas o que
muda é a natureza desse conflito; para Scoto, à Vontade é Irracional e pode
querer e não querer ao mesmo tempo. Ou seja, não é que eu quero tomar
um sorvete agora e depois não quero mais, é que a Natureza da Vontade me
faz querer no exato momento em que desejo, nutro em mim o sentimento
de não querer. Para ele, só assim a Liberdade tinha plena expressão.
Outra coisa que muda com Scoto é o problema lógico da Individuação -
fica atento aqui, porque acho que isso vai cair no exame, por ser um
conceito que, segundo o Santiago, é o mais importante dele. Ou seja, como
somos Individuados? Averróis e Aristóteles disseram que era pela matéria,
Tomás disse que era pelo espaço-tempo, mas Scoto vai dizer que cada um
carrega dentro de si uma haecceitas (aquilo que singulariza cada um, sendo
essa uma mera possibilidade para se determinar, uma potência.)
Para ele, dizer que Deus é simples não é a melhor maneira de exprimir sua
natureza, e sim, dizer que ele é Infinito. Aqui ele muda em relação à Boécio
e Agostinho. O segundo afirma que Deus é a Simplicidade. Boécio, em seu
texto Hebdómadas, descreve a natureza dessa simplicidade e por isso
distingue o ôntico (complexo, toda existência adjetivada, representada pelo
que é) do ontológico (simplicidade, o ser puro, sem adjetivo). Em Scoto, à
Natureza de Deus é a Infinitude.
Tomás de Aquino disse que só podíamos falar de Deus em sentido analógo.
Mas Scoto diz que tudo é Deus, e todas as coisas exprimem o que Deus é
por unívocidade, ou seja: a lagoa azul é tão serena como Deus (Aquino),
para Scoto seria: a lagoa azul é serena tal qual Deus.
Potentia Absoluta e Potentia Ordinata são dois conceitos muito
importantes nele, vejamos.
Potentia Absoluta é aquela que é atributo de Deus. Ou seja, sendo Deus o
único que pode criar apartir do Nada, ele está sempre em posse do possível
absoluto; pode criar realidades alternativas; pensa em Aristóteles por
exemplo, que acreditava que a Potência (contingência) era apenas um
estado de ignorância momentâneo, para Scoto, a Potência Absoluta é a
completa indefinição de Deus, ele está sempre criando e o que cria atinge
toda a existência, não apenas uma parte dela. A Potência Ordinata está na
Ordem do Mundo e por isso ela é limitada apenas às contingências dos
acontecimentos humanos. Ela reflete a Potência Absoluta de Deus, mas não
é ela; reflete porque os acontecimentos são decididos no exato instante da
situação, por isso é sincronico (está em sincronia com o instante
derradeiro), tal como na Potência Absoluta, mas ao invés de ter implicação
em toda existência, tem apenas no Mundo. Nosso nascimento foi fruto de
uma ordem sincronica de nossos pais, e não um acontecimento necessário
já planejado (Aristóteles e Aquino).

POTENTIA ORDINATA E POTENTIA ABSOLUTA


Na filosofia escolástica e na teologia medieval, as noções de "potentia
ordinata" e "potentia absoluta" foram desenvolvidas pelo filósofo e teólogo
escocês João Duns Scotus (c. 1266-1308). Esses conceitos estão
relacionados à compreensão de Deus e ao seu poder.
A "potentia ordinata" refere-se ao poder ordenado de Deus, ou seja, sua
capacidade de agir dentro das limitações estabelecidas por sua própria
natureza e pelas leis que ele criou. Segundo Scotus, Deus exerce sua
vontade dentro dos limites do que é moralmente bom, justo e coerente com
sua natureza divina. Ele age de acordo com suas leis e princípios
estabelecidos.

Por outro lado, a "potentia absoluta" se refere ao poder absoluto e ilimitado


de Deus, que não está restrito por nenhuma lei externa ou princípio moral.
É a capacidade de Deus de fazer qualquer coisa que seja possível, mesmo
que possa parecer contrária à razão ou aos princípios éticos. Scotus
argumentava que Deus poderia agir além das limitações da ordem
estabelecida por ele mesmo, se assim o desejasse.

Esses conceitos são importantes dentro da teologia escotista, pois eles


ajudam a articular a relação entre a vontade de Deus, sua natureza divina e
a criação. A "potentia ordinata" destaca a ideia de que Deus age em
conformidade com seus próprios princípios e leis estabelecidas, enquanto a
"potentia absoluta" enfatiza o poder ilimitado de Deus para agir além
dessas limitações se assim escolher.

O Capítulo 1 de "A Unidade do Intelecto Contra os Averroístas" de São


Tomás de Aquino estabelece o contexto e a importância da questão da
unidade do intelecto humano na controvérsia com os averroístas. Aquino
inicia a obra destacando a necessidade de abordar essa questão para evitar
implicações problemáticas que podem surgir da posição averroísta.

Aquino ressalta que a doutrina averroísta da existência de um único


intelecto separado e comum a todos os indivíduos tem implicações
significativas. Se houvesse apenas um intelecto comum a todos os seres
humanos, isso resultaria em duas consequências problemáticas: a negação
da imortalidade individual da alma e a negação da responsabilidade moral.

Primeiro, Aquino argumenta que a imortalidade individual da alma é


fundamental para a teologia e para a compreensão da natureza humana. Se
o intelecto fosse uma entidade separada e comum, ele não estaria
intrinsecamente ligado à alma individual, o que levaria à negação da
imortalidade individual. Isso iria contra a crença cristã de que a alma
individual é imortal e sobrevive à morte física.

Além disso, Aquino destaca a importância da responsabilidade moral e da


liberdade humana. Se o intelecto fosse uma entidade separada e comum,
determinando o conhecimento e a vontade de todos os indivíduos, isso
significaria que as escolhas e ações humanas não seriam resultado de uma
vontade livre e responsável, mas sim determinadas pelo intelecto separado.
Isso teria implicações profundas na noção de moralidade, removendo a
responsabilidade pessoal e a possibilidade de liberdade de escolha.

Portanto, Aquino argumenta que é necessário refutar a posição averroísta


da existência de um único intelecto separado e comum a todos os
indivíduos. Ele busca demonstrar que o intelecto humano é uma faculdade
da alma individual e está intrinsecamente ligado à pessoa em si,
preservando, assim, a imortalidade individual e a responsabilidade moral.

O Capítulo 1, portanto, estabelece a importância da questão da unidade do


intelecto e sinaliza a direção da argumentação de Aquino contra os
averroístas ao longo da obra. Ele estabelece os fundamentos para a
refutação da posição averroísta e a defesa da visão de que o intelecto
humano é uma faculdade da alma individual.

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