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AULA 19 – INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO DE SANTO

AGOSTINHO – A EXISTÊNCIA DE DEUS


Veni, Sancte Spíritus,
reple tuórum corda fidélium,
et tui amóris in eis ignem accénde.
Emítte Spirítum tuum et creabúntur;
Et renovábis fáciem terrae.
Orémus: Deus, qui corda fidélium Sancti Spíritus illustratióne docuísti:
da nobis in eódem Spíritu recta sápere,
et de eius semper consolatióne gaudére.
Per Christum Dóminum nostrum.
Ámen.

1. A existência de Deus

Todo homem tem o profundo desejo de


encontrar a vida feliz. Para Agostinho, possuir a
Beatitude pressupõe possuir a sabedoria, que
está ligada a Deus, tema este que ocupa um lugar
especial no pensamento do autor. Alguns
comentadores chegam a dizer inclusive que este
é o ponto principal em torno do qual gravitam
todas as outras temáticas.
O desejo de encontrar a Beatitude, que
culmina na contemplação de Deus, leva
Agostinho não apenas a questionar no que
consiste a vida feliz, mas também a verificar o
correto caminho que leva o homem a encontrá-
la. E, além de discutir isso, a procura sobre quem
é Deus e o desejo de possuí-Lo, como dito,
aparecem constantemente em sua obra.
Isso pode levar a pensar que a questão da
natureza do Criador, e principalmente Sua
existência, seja um problema para Santo
Agostinho. No entanto, isto nunca aconteceu,
pois ele nunca duvidou da existência de Deus, Santo Agostinho, Galeria de arte e museu de Higgins,
Bedford
mesmo passando por correntes céticas e apesar
de ter tido concepções inadequadas, como quando chegou a pensar que Ele fosse uma
substância corpórea como qualquer outra.
Para o autor, é pertinente mostrar que o ato de crer em Deus (Seu descobrimento pela Fé)
não significa contradizer a razão. Não se encontra nos escritos de Agostinho muitos argumentos
em favor da existência de Deus porque, de fato, para ele, colocar isso em dúvida não contraria
apenas a Fé, mas também nega a própria razão, visto ser forte a ideia de que as criaturas não
oferecem aquilo que o ser humano tanto almeja (Beatitude). Além disso, o próprio modo do
homem julgar o certo e o errado, para o Santo, também mostra nele mesmo a presença do
Criador. Portanto, mesmo racionalmente a existência de Deus pode ser concebida.
Em sua obra livre-arbítrio, no livro I, Agostinho discute com seu amigo Evódio a
problemática do mal: se Deus é bom e criou todas as coisas, por que Ele permite o mal? Nesta
discussão, seu interlocutor interroga até que ponto convém que o Criador desse ao homem o
livre-arbítrio.
Antes de responder, o Santo pergunta ao seu amigo se ele concebe claramente que Deus
existe, não apenas pela Fé e pela autoridade da Revelação, mas também pelo exercício racional.
Ele diz que acredita que Deus exista, porém não de forma intelectual. O que vinha sendo
discutido era o problema do mal, mas é de extrema importância conceber quem é o Criador,
pois só se consegue ter uma compreensão minimamente satisfatória a respeito do mal na medida
em que há uma reflexão sobre quem é Deus, visto que isso tem uma implicação na concepção
da problemática da mal. Não é por acaso que Santo Agostinho faz isso, já que não se pode tratar
dos predicados, dos atributos ou de tantas outras coisas se não se entende que Deus existe. E é
assim porque se o Criador fosse uma ilusão da cabeça do homem, toda a criação também não
existiria, pois tudo depende Dele: se fosse possível provar que Deus não existe, nada poderia
existir; percebe-se claramente que isso não procede.
Ao ler o livro II da mesma obra, vê-se que Agostinho não quer apenas discutir com Evódio
se convinha que Deus tivesse dado ou não o livre-arbítrio ao homem, em vista do mal-uso que
este fez com o que recebeu. Antes disso, porém, pede que ele diga se tem claro pela via racional,
como dito, que Deus existe. Com isso, surgem dois temas de extrema importância: a questão de
Deus, como já apresentado, e também a existência da verdade, presente no interior do ser
humano.
O primeiro ponto sobre o qual Agostinho edifica seu argumento sobre a existência de Deus
mostra que é altamente razoável afirmar que Ele existe. Ele, para isso, apresenta três
interrogações elementares: se seu interlocutor tem alguma dúvida sobre se ele mesmo existe;
se ele sabe que está vivo; por fim, se ele tem consciência de tudo isso. Pode-se dizer, a partir
disso, que há três certezas inegáveis: há coisas que simplesmente existem; outras, existem e
vivem; e outras, além de serem e viverem, compreendem. Sendo assim, uma pedra
simplesmente é; um cachorro, além de ser, vive; e um ser humano, além de ser e viver,
compreende.

2. Graus do ser e graus do conhecimento

Estabelece-se, portanto, graus do ser: existir, viver e compreender. Com isso, impõe-se
uma pergunta: qual é o superior? Evidentemente, o que entende é superior aos outros, porque é
como que se colocasse um princípio de integração, ou seja, é superior aquele que inclui e
pressupõe todos os outros anteriores, e este é o ser humano, que além de entender, vive e é.
Além do mais, Agostinho procura mostrar no texto também que, além dos graus do ser, que
mostram uma hierarquia presente no mundo de acordo com o grau de perfeição e da atividade
realizada, existem diferentes níveis de conhecimento.
2.1. Sentidos externos
Para se estabelecer esses graus, o Santo parte da dimensão externa e diz que o corpo tem
cinco sentidos externos, que captam qualidades das coisas e suas formas: a visão apreende a
cor; o tato capta o formato etc. Igualmente importante é mencionar que cada um desses sentidos
tem o seu próprio modo de ser e funcionar, apesar de poderem agir sobre a mesma realidade
material. O paladar pode sentir o sabor de uma refeição saborosa, o olfato sentir o seu cheiro,
e, ainda assim, a comida ser a mesma, por exemplo.

2.2. Sentido interno


O olho e a mão, porém, por eles mesmos, não conseguem discernir que as formas
apreendidas tratam-se da mesma realidade. Por isso, Agostinho diz que se os sentidos externos
são desta maneira, seria preciso admitir que existe outro sentido – chamado de sentido interno
– que recebe as informações dos primeiros e faz um processo de comparação e correlação entre
elas.

2.3. Razão
Mas ainda há algo a mais: é necessário admitir que existe ainda a instância do conhecimento
racional. E é assim porque o homem não só apreende qualidades e formas e as compara entre
si, mas também compreende todo este processo. O ser humano, por exemplo, tem plena
compreensão que os ouvidos não veem cores e os olhos não veem sons e não os podem sentir.
Sendo assim, concebendo a realidade dos sentidos externos, internos e o exercício racional,
impõe-se novamente a mesma pergunta já feita: dentre estes graus de conhecimento, qual seria
o superior? Nesse caso, porém, não se pode aplicar novamente o princípio da integração: se há
o entendimento, necessariamente há algo anterior e em um nível mais baixo (se algo entende, é
porque vive e existe).
O sentido interno é superior aos externos, e, apesar de tudo, ambos estão no mesmo nível
de conhecimento, que é o sensível. A razão da superioridade nestas questões há de ser buscada
a partir de outro princípio, não o da integração, mas o de regulação: o sentido externo em sua
atividade depende totalmente do interno, e, por isso, é inferior, e é assim porque nada daquilo
que é julgado é melhor do que aquele que julga. Assim posto, como a razão compreende todo
esse processo, é fácil ver que ela julga o sentido interno, e, portanto, é o grau supremo do
conhecimento e está ligada a alma do ser humano.

3. Desfecho
Esta é a primeira etapa do argumento agostiniano que se encontra no livro II da obra livre-
arbítrio. O ser humano, portanto, realiza um processo de ascensão a Deus, e, conforme atinge
a consciência clara da razão, aproxima-se mais do Criador. Mas neste momento do diálogo
aparece uma outra questão entre Santo Agostinho e seu interlocutor: há ou não algo superior à
razão?
Desta forma, a segunda etapa do argumento será a de mostrar a resposta para esta questão.
No entanto, ainda na problemática sobre a existência de Deus, bastaria demonstrar isso para
concluir que Ele existe ou não? Esta indagação, pois, será vista na próxima exposição.

Glória Patri, et Fílio, et Spirítui Sancto.


Sicut erat in princípio, et nunc, et semper,
et in saécula saeculórum.
Ámen.

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