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SOBRE O BEM E O MAL

VINCENT CHEUNG
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por

EDIÇÕES CALCEDÔNIA
Brasília, DF, Brasil

Título original: On Good and Evil

1a edição, 2010

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto e Marcelo


Herberts
Revisão: Wendell Lessa V. Xaxier

PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,


SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.

Todas as citações bíblicas foram extraídas


da Nova Versão Internacional (NVI), © 2001,
publicada pela Editora Vida,
salvo indicação em contrário.
Sumário
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 2002
CAPÍTULO 1: SOBRE O BEM E O MAL
CAPÍTULO 2: SOBRE O ENGANO MENTAL
CAPÍTULO 3: LÓGICA E FALÁCIAS
CAPÍTULO 4: LÓGICA E TEOLOGIA
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA

O leitor tem em suas mãos uma breve e


excelente introdução ao estudo da lógica, e
sua relação, importância e absoluta
necessidade no estudo da teologia e da
Palavra de Deus. Embora amplamente
desdenhada, é por meio da lógica que
podemos nos assegurar de alcançar
conclusões corretas, principalmente quando
se refere ao estudo da Bíblia.
Mesmo que alguns possam achar
estranho, o título do livro é apropriado, pois
caso rejeitemos a lógica, distinções entre
certo e errado, bem e mal, justo e injusto,
misericórdia e brutalidade também
desapareceriam. Como disse o Dr. John
Robbins:
Sem lógica, as palavras de Deus,
“Não matarás”, realmente significam
“Matarás diariamente” ou “Stalin foi
Príncipe do País de Gales”. A
rejeição da lógica significa o fim da
moralidade, pois moralidade e ética
dependem do entendimento. Sem
entendimento, não pode haver
nenhuma moralidade. Uma pessoa
deve entender os Dez Mandamentos
antes que possa obedecer a eles. Se a
lógica é irrelevante ou não religiosa,
o comportamento moral é impossível,
e a religião “prática” daqueles que
menosprezam a lógica não pode ser
praticada de forma alguma.[1]
No primeiro capítulo, Cheung trata da
natureza da existência do bem e do mal, e
suas diversas implicações para a vida do
cristão, para os ministros do evangelho e para
a igreja de Cristo. Este capítulo será de
grande ajuda para todos aqueles que lutam
contra o anti-intelectualismo, bem como um
alerta para aqueles que não estão cientes dos
obstáculos que este impõe ao crescimento
espiritual do cristão.
No segundo capítulo, Cheung chama
atenção para um tipo de batalha espiritual
totalmente negligenciado e quase
desconhecido no meio cristão dos nossos
dias: a batalha que é travada no campo da
mente. Precisamos pregar e enfatizar a
verdade de Deus, pois esta é a arma principal
que Deus deu ao seu povo para vencer a sua
batalha contra o mundo.[2] Devemos usar a
verdade de Deus contra o engano e a mentira
de Satanás, pois é com ela que “destruímos
argumentos e toda pretensão que se levanta
contra o conhecimento de Deus” (2Co 10.5).
Essa é uma luta intelectual, não mística. É
este tipo de batalha que o apóstolo Pedro
tinha em mente quando disse aos cristãos:
“Estejam sempre preparados para responder a
qualquer pessoa que lhes pedir a razão da
esperança que há em vocês” (1Pe 3.15).
O mesmo Pedro, em sua segunda
epístola, diz que muitos distorcem a
Escritura, e isso para a própria destruição
deles (2Pe 3.16). Considerando que a
interpretação incorreta da Escritura é algo
que Deus leva muito a sério, como está claro
nesta afirmação do apóstolo, nenhum cristão
deveria menosprezar o estudo da lógica, pois
esta é uma das formas de evitarmos a
distorção da Escritura, fazendo com que as
suas proposições signifiquem coisas que
Deus nunca pretendeu.
No capítulo 3, o autor apresenta alguns
conceitos básicos de raciocínio, para que
possamos estar mais preparados para
defender o pensamento correto. Em seguida,
Cheung mostra vários tipos de falácias
comuns, juntamente com alguns exemplos,
que será de grande utilidade, visto que
ajudará o leitor a perceber com maior eficácia
e rapidez os erros lógicos nos argumentos dos
oponentes da fé cristã. Aqui vemos um
exemplo de como o cristão pode se beneficiar
com o estudo da lógica.
Por fim, já no quarto e último capítulo,
aprendemos a necessidade da lógica nas
discussões teológicas, bem como a
importância da própria teologia. Esse é um
capítulo de importância peculiar, pois a
tendência contra o intelectualismo e a
teologia é abundante em nossas igrejas.
Contudo, tal postura demonstra ignorância
quanto ao conteúdo da Escritura, visto que
nos discursos dos apóstolos, profetas e do
próprio Senhor Jesus vemos uma abundância
de conceitos teológicos e argumentos lógicos.
Até mesmo os capítulos considerados mais
“práticos”[3] nos escritos do apóstolo Paulo
estão permeados de teologia.[4] Cristianismo
sem teologia é uma contradição de termos.
Visto que o estudo da teologia é “o
empreendimento mais importante que um
cristão pode realizar”,[5] tudo aquilo que nos
ajude a entender a Escritura mais
corretamente deve ser apreciado e receber a
atenção do cristão. Este livro é uma
ferramenta que, com a bênção de Deus,
ajudará muitos dos seus servos a aprender a
valorizar o estudo da teologia e da Palavra de
Deus, bem como a defender a fé cristã com
eficácia.
Como diz o Senhor Deus por meio do
profeta Isaías, “venha, vamos refletir juntos!”
(Is 1.18).

— Felipe Sabino de Araújo Neto


8 de abril de 2009
PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 2002

A Bíblia tem muito a dizer sobre o assunto


do bem e do mal. Deus quer que reconheçamos o
bem como bem, o mal como mal, e que nunca
confundamos as duas coisas. Indivíduos e
sociedades se tornam ímpios aos olhos de Deus
quando pervertem a justiça e a ética, ao confundir,
ou até mesmo reverter, as definições de bem e mal.
A influência da cultura secular tem se
tornado tão extensiva que muitos nem mesmo
creem na existência do bem e do mal. Eles
consideram que todos os padrões morais são
baseados em preferências individuais ou fatores
sociais.
A Bíblia é contra tal pensamento. Como
cristãos, devemos aprender a discernir e sustentar
os padrões de Deus com respeito a essas questões.
O propósito desse livro é auxiliar o leitor a ganhar a
capacidade de discernir o bem do mal, e ainda,
além disso, a amar sem reservas o bem e odiar o
mal, como as Escrituras nos ordenam a fazer.
Ao revisar o texto para essa edição de Sobre
o Bem e o Mal, fiz muitas mudanças,
primariamente para melhorar a precisão teológica e
aprimorar a prosa. Algumas deficiências inerentes
na edição original não puderam ser remediadas sem
reestruturar e reescrever o texto e, assim, tiveram
que permanecer na obra. Todavia, as mudanças que
foram feitas tornaram a presente edição de Sobre o
Bem e o Mal num guia ainda mais legível para o
leitor do que o original.
CAPÍTULO 1: SOBRE O BEM E O MAL

Quando usamos as palavras bem e mal num


discurso comum, geralmente temos uma ideia geral
do que elas significam. Uma pessoa assume que
sabe o que ela quer dizer por essas palavras, e que
ela não confunde as duas. Se algo se encaixa em
sua definição de “bom”, ele não a chamará de
“mau”, e vice-versa.
Contudo, o que alguém considera ser bom
pode não se igualar à definição do termo de outra
pessoa e, assim, a última chamaria de mau o que a
primeira diz ser bom. Nossos pensamentos e pontos
de vista subjetivos influenciam nossas definições
de bem e mal.
Mesmo assim, normalmente existe muita
concordância com respeito ao nosso uso dessas
palavras. Se alguém diz que um determinado
indivíduo é “bom”, outra pessoa pode comumente
afirmar o mesmo. Assim, embora nossas definições
de bom possam diferir, há geralmente pontos
suficientes de sobreposição à extensão em que a
comunicação inteligível é possível. Se nossas
definições de bem e mal são totalmente subjetivas e
privadas, os conceitos se tornam sem significado,
visto que as definições de alguém desses termos
podem não coincidir com a de outra pessoa em
nenhum ponto, ou em pontos irrelevantes para a
situação, e uma pessoa pode nunca saber o que a
outra quer dizer quando as palavras são expressas.
Embora nossos conceitos de bem e mal
sejam parcialmente subjetivos, há alguns padrões
objetivos governando nosso uso desses termos, de
tal modo que nosso entendimento dessas palavras
não é inteiramente subjetivo. Em outras palavras,
nossos pensamentos, discursos e ações reconhecem
implicitamente a existência de um padrão objetivo
de bem, mesmo que nossas definições explícitas e
usos dos conceitos de bem e mal nem sempre
adiram a ele.
Contudo, se há de fato um padrão objetivo
do que é bom, nossas definições são equivocadas à
extensão em que nos desviamos dele.
Simplesmente porque há elementos de
subjetividade em nossas definições desses
conceitos não significa que isso deveria ser dessa
forma. Por exemplo, se nossas definições de quão
longa uma polegada deveria ser são diferentes, mas
exista um padrão objetivo definindo o comprimento
de uma polegada, então nossas definições são
erradas à medida que nos desviamos dessa
definição objetiva de uma polegada.
Se há um padrão objetivo que determina o
significado de bondade, então deveríamos descobrir
qual é ele, e apresentar o método de conhecer tal
padrão de bondade. Nesse ponto, reconhecemos
que bem e mal existem, mas devemos descobrir o
padrão objetivo de bondade antes de procedermos à
discussão da natureza da existência do bem e do
mal.
Reconhecemos implicitamente um padrão
objetivo que define o que é bom. Como cristãos,
cremos que Deus tem existido antes de tudo o mais,
e que ele é o criador de tudo o que existe. Nós
sabemos que ele é um Deus “bom” (Sl 34.8), e,
portanto, ele é aquele que define o que é bom.
Paulo, em Romanos 1, nos informa que um
conhecimento inato de Deus foi colocado na mente
do homem, e é a partir disso que derivamos um
conceito do que é bom. Contudo, Paulo também
nos diz que o pecado distorce o conhecimento de
Deus em nossas mentes, o que explica a falta de
concordância em se definir o bem e o mal.
Para sobrepujar os efeitos do pecado sobre a
mente, Deus nos transmite seus pensamentos por
revelação verbal e, desse modo, a Escritura é o
padrão objetivo de bondade. Visto que a Bíblia é o
que Deus tem nos revelado, ela é o que Deus está
nos dizendo. Se Deus é o único que determina o
que é bom, e o conteúdo da Bíblia é o que Deus
está nos comunicando, então tudo o que Deus
disser na Bíblia que é bom, é, de fato, bom. Em
outras palavras, tudo o que Deus decide ser bom é
bom, e ele nos diz o que ele decidiu ser bom
através da Escritura. Portanto, nosso padrão
objetivo para determinar o que é bom é a Bíblia.
Podemos então perguntar como Deus decide
o que é bom. Se tudo o que Deus decidiu ser bom é
bom, parece possível a bondade ser diferente da
forma como ela é atualmente definida. Se amor é
bom simplesmente porque Deus o fez assim, então
pode ser possível que Deus poderia ter considerado
o ódio ser bom, e ele assim seria. Se esse é o caso,
parece que a definição de bondade é arbitrária, não
necessária.
Por outro lado, se há um padrão objetivo de
bondade sobre o qual Deus baseie sua definição do
que é bom, isso implicaria que Deus está sujeito a
um padrão de bondade externo a ele. Isso
implicaria que ele não tem autoridade absoluta
sobre o universo.
Baseado nas considerações acima, parece
que a definição de bondade ou é arbitrária, ou Deus
é subserviente a algo além dele mesmo, pelo menos
nessa questão do que constitui bondade. A última
visão é inaceitável; a primeira visão não deve ser
descartada, e será discutida adicionalmente mais
abaixo.
O que a Bíblia ensina é que a bondade é
inerente à natureza de Deus, e, portanto, a definição
de bondade procede naturalmente dele. Dessa
forma, Deus não está sujeito a algum padrão de
bondade externa a ele, e a definição de bondade
não é arbitrária no sentido de ser sem sentido e
trivial, mas é fundamentada na natureza imutável
de Deus. Por exemplo, a Bíblia diz que é bom
amar. Isso procede a partir da natureza de Deus,
visto que “Deus é amor” (1Jo 4.8, 16).
A Bíblia diz que “Deus é luz; nele não há
treva alguma” (1Jo 1.5). Ela também diz que “Deus
não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta”
(Tg 1.13), mas que “toda boa dádiva e todo dom
perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes,
que não muda como sombras inconstantes” (Tg
1.17). Isso significa que a natureza de Deus é
inerentemente boa, e ela é o padrão objetivo de
bondade sobre o qual todo julgamento sobre esses
assuntos deve ser baseado. Deus é bom, e ele é a
fonte de toda bondade. E embora ele seja por
necessidade a causa última do mal, assim como ele
é a causa última de tudo, não há maldade nele.
A bondade fundamentada na natureza de
Deus é necessária e imutável. Por exemplo, a
verdade é uma qualidade inerente na natureza
divina. O buscar e o dizer a verdade são coisas boas
para nós porque é da natureza de Deus dizer a
verdade. Visto que a verdade é a natureza de Deus,
esse é o porquê de ela ser boa, pois tudo o que Deus
é é bom. Os mandamentos de Deus com respeito à
veracidade, portanto, são baseados em sua natureza
eterna. Isso significa que Deus nunca aprovará
ações tais como perjúrio, ou qualquer tipo de
mentira como sendo moral (Êx 20.16; Ef 4.25; Ap
21.8). Os mandamentos de Deus com respeito à
verdade são necessários e imutáveis. Esse tipo de
bondade está fundamentado na própria natureza de
Deus, e ela é imutável, assim como Deus é
imutável (Ml 3.6; Hb 13.8).
Ora, Deus define a bondade e, assim, o que
ele é e faz é ipso facto bom. Tudo o que ele é e tudo
o que ele faz é bom, o que significa que nenhum
padrão de bondade externa a Deus pode ser usado
para julgar um ato de Deus como bom ou mau. Nós
derivamos a própria definição de bondade a partir
do que Deus é e faz.
Como já mencionado, descobrimos o que é
bom e moral através da Escritura. E no início foi
dito que a visão que diz que a definição de bondade
é de certa forma arbitrária não pode ser descartada.
Por exemplo, era bom para os crentes do Antigo
Testamento ser circuncidados somente porque Deus
tinha ordenado isso. Portanto, era bom para um
crente do Antigo Testamento ser circuncidado, e
mau para ele o não ser.
A definição de bondade é, portanto,
“arbitrária”, mas somente no sentido de que a
vontade de Deus determina tudo, incluindo o
padrão de bondade. Por arbitrária, portanto, não
queremos dizer “existindo ou sucedendo
aparentemente de maneira aleatória ou por acaso,
ou como um ato de vontade caprichoso e
desarrazoado”; mas, antes, como algo similar a
“não restringido ou limitado no exercício de poder:
governar com absoluta autoridade” (Merriam-
Webster’s Collegiate Dictionary, 10a Edição).
A doutrina da simplicidade de Deus exige
que consideremos seus atributos como um, o que
significa que não pode haver nenhuma separação
entre sua vontade e natureza. Todas as coisas, nesse
sentido, são arbitrárias por necessidade, visto que
não há explicação mais última para algo do que
dizer que Deus a desejou, e não há nada anterior à
vontade de Deus que dite ou influencie o que ele
deseja. Ele é amor e ele desejou ser amor; ele
desejou ser amor e ele é amor. A vontade de Deus é
a expressão final; não há nenhuma causa anterior.[6]
Portanto, o fato de alguém matar outra
pessoa não é inerentemente imoral, mas é somente
devido ao mandamento de Deus: “Não matarás”.
Do mesmo modo, teria sido imoral para Abraão se
refrear de preparar Isaque para o sacrifício, uma
vez que Deus o tinha ordenado a fazê-lo – em outro
contexto, chamaríamos isso de assassinato. Se Deus
não tivesse detido a mão de Abraão, ainda teria
sido bom para ele ter matado Isaque –
simplesmente porque Deus tinha ordenado isso. A
justificativa para a pena de morte é derivada da
mesma forma. Deus tem soberania completa sobre
toda criação, e tudo o que ele ordena é bom por
definição.
Com tudo isso em mente, estamos prontos
agora para discutir ainda mais a natureza da
existência do bem e do mal. Como temos
mencionado, sabemos que o bem e o mal existem,
mas estamos interessados também em conhecer a
forma da sua existência. Isso é significante porque
alguns sistemas religiosos e filosóficos afirmam
que não há tal coisa como bem e mal. Alguns se
focam sobre a não existência do mal, mas afirmam
a existência do bem. Como cristãos, então,
devemos ir além de meramente afirmar a existência
do bem e do mal, mas também clarificar nossa
posição quanto às formas de sua existência. Os
cristãos creem tanto na existência do bem quanto
do mal, mas é preciso definir em que sentido se crê
que essas coisas existem.
Deus tem existido na eternidade; o próprio
tempo foi criado por ele. Isso significa que, antes
da criação do universo, Deus tinha existido
sozinho. E visto que a Escritura ensina que não há
mal em Deus, a questão que se levanta é quanto à
fonte e origem do mal. Nós não podemos dizer que
o próprio Deus, embora não haja mal nele, cometeu
o mal; a Escritura nega essa possibilidade. Tiago
1.16, 17 afirma: “Meus amados irmãos, não se
deixem enganar. Toda boa dádiva e todo dom
perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes,
que não muda como sombras inconstantes”. Se
Deus é a fonte de “toda boa dádiva e todo dom
perfeito”, e ele “não muda”, isso significa que ele
não realiza alguma outra coisa senão aquilo que é
bom.
Uma resposta consistente com o registro
bíblico seria que Deus criou criaturas com a
capacidade de escolher, embora ele possua controle
completo sobre até mesmo suas vontades, e que foi
bom para ele ter feito assim. Mas, essas criaturas,
pelo bom decreto soberano de Deus, decidiram
fazer escolhas que eram contrárias à bondade de
Deus, e, portanto, resultaram no mal. Devemos
insistir, contrário ao “livre-arbítrio” do humanismo,
que Deus não meramente “permitiu” o mal, mas ele
o decretou; de outra forma, ele não poderia ter se
originado.
Ora, a Bíblia diz que se não houvesse lei
moral, então não haveria nenhum pecado. Portanto,
pecado é uma transgressão da lei moral. Visto que a
lei moral declara o que é bom, o mau é, dessa
forma, um desvio dessa bondade objetiva, e não é,
portanto, realmente uma coisa em si mesma. O que
se segue a partir disso é que a bondade pode existir
sem o mau, mas o mau não pode existir sem a
bondade objetiva. Se mau, como parece, é um “não
deve”, então ele não pode existir sem um “deve”. É
possível haver um padrão de bondade objetivo sem
qualquer desvio dele, mas não é possível haver um
desvio da bondade se a própria bondade não é
definida ou não existe.
Por exemplo, é concebível ter um limite de
velocidade sem qualquer violação dele, mas é
impossível violar o limite de velocidade se não
existe tal coisa. Da mesma forma, somente é
possível existir o mal se houver o bem, mas é
possível que haja o bem sem a existência do mal.
Deus não precisa de Satanás para defini-lo.
O mal, de fato, existe, mas não como uma
coisa em si mesma; antes, ele é um desvio do bem.
Isso não significa que o mal seja uma ilusão, como
alguns sistemas de pensamento não cristãos
afirmam, mas que ele não tem existência
independente e objetiva, como no caso da bondade.
Resumindo, a bondade é definida pela palavra de
Deus, e o mau é, consequentemente, definido pela
(o desvio da) bondade. O que Deus diz que é bom é
bom; o que se desvia ou contradiz o que ele diz é
mau.
A implicação é que bem e mal são
necessariamente diferentes. Eles não são conceitos
impostos sobre um mundo moralmente neutro.
Algumas coisas são de fato boas, e algumas coisas
são de fato más – as duas não são a mesma coisa. A
lei moral de Deus não pode ser considerada como
relativa. Se ela define um “bom” dentro de uma
categoria, então qualquer coisa que se desvia dela é
mau. O mal é um desvio do bem, e um desvio de
alguma coisa não pode ser o mesmo que a coisa da
qual ele se desviou. Portanto, bem e mal são
necessariamente diferentes. A Bíblia nos instrui a
obedecer à Palavra de Deus, e a “não se desviar
dela, nem para a direita nem para a esquerda” (Js
1.7; vd. Dt 28.14; Pv 4.27).
Não somente bem e mal são diferentes, mas
eles estão um contra o outro. O bem não concorda
com o seu desvio, e o desvio do bem não concorda
com o padrão objetivo de bondade. Não pode haver
concórdia entre o bem e o mal. Como a Escritura
diz: “... Pois o que têm em comum a justiça e a
maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as
trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Que há
de comum entre o crente e o descrente?” (2Co 6.14,
15); “... a amizade com o mundo é inimizade com
Deus... Quem quer ser amigo do mundo faz-se
inimigo de Deus” (Tg 4.4). E o próprio Jesus diz:
“Aquele que não está comigo, está contra mim; e
aquele que comigo não ajunta, espalha” (Mt 12.30).
Algo que é mau nunca pode ser chamado de
bom, e algo que é bom nunca pode ser chamado de
mau. Se há um limite de velocidade, então todas as
violações do limite de velocidade são consideradas
violações. É verdade que há diferentes graus de
desvios do bem (Lc 12.47; Êx 21.12, 13), assim
como é verdade com as violações de limite de
velocidade. Mas quando estamos considerando as
próprias categorias de bem e mal, e não meramente
o grau de proximidade do padrão objetivo, qualquer
desvio do bem pertence à categoria de mal, assim
como qualquer desvio do limite de velocidade é
uma violação do limite de velocidade.
Dado o exposto acima, o crente deve rejeitar
as teorias seculares sobre o assunto, que se rebelam
contra a lei moral de Deus e sua reivindicação
sobre suas vidas. Por exemplo, o subjetivismo
declara que a verdade e moralidade são sujeitos ao
indivíduo. Ele determina o que é bom e o que é
mau, e o que ele decide será verdade até onde lhe
disser respeito. O relativismo afirma que a verdade
e a moralidade são relativas à situação. O que é
bom numa situação pode ser mau em outra. A
bondade é relativa, e não objetiva.
Essas posições pressupõem a falsidade da
cosmovisão cristã. Para seus aderentes serem
consistentes, uma pessoa não deve punir outra por
fazer algo contra ela enquanto essa outra pessoa
considerar o que ela está fazendo como sendo
moral, mesmo que isso seja roubo ou assassinato.
De outra forma, o subjetivista ou relativista estaria
impondo seu próprio padrão moral sobre o outro, o
que significa que ele considera seu próprio padrão
moral como objetivamente verdadeiro e
universalmente obrigatório – um que deveria ser
reforçado sobre aqueles que discordam dele sobre o
assunto. Isso, consequentemente, significa que seus
padrões morais, no final das contas, são objetivos
na natureza. O subjetivismo e o relativismo são
imediatamente autorrefutadores quando declarados.
Se a verdade é subjetiva ou relativa, a afirmação de
que a verdade é subjetiva ou relativa é, em si
mesma, subjetiva ou relativa – a afirmação se
autodestrói.
Contra essas e outras oposições, a posição
cristã reconhece que bem e mal são reais e
estritamente definidos. As linhas são muito claras, e
elas são definidas pelas palavras da Escritura. Para
resumir, bem e mal são reais – eles existem. A
bondade tem existência real no sentido de que ela é
baseada na revelação verbal de Deus na Escritura.
O mal, por outro lado, é qualquer desvio de sua lei
moral. Se a lei de Deus define o que é o “deve”,
então o mal é qualquer “não deve”. Nós ganhamos
conhecimento do que é bom e mau através da
Bíblia. Isto é, através da Escritura, Deus nos diz o
que é bom e o que é o desvio da bondade, ou seja, o
mau.
A Bíblia diz em Isaías 5.20: “Ai dos que
chamam ao mal bem e ao bem, mal, que fazem das
trevas luz e da luz, trevas, do amargo, doce e do
doce, amargo!”. O versículo nos adverte a definir o
bem e o mal como Deus os define. Não deveríamos
confundir os dois e perverter suas definições dessas
duas coisas. Se algo é bom de acordo com Deus,
deveríamos chamá-lo de bom. Deveríamos
endossá-lo, louvá-lo e persegui-lo. Se algo é mau
aos seus olhos, deveríamos chamá-lo como tal.
Deveríamos rejeitá-lo, atacá-lo e sobrepujá-lo.
A Escritura também tem algo a dizer com
respeito ao nível de entendimento que deveríamos
ter sobre o bem e o mal. O apóstolo Paulo diz, em
Romanos 16.19, que devemos ser “sábios em
relação ao que é bom, e sem malícia em relação ao
que é mau”. Em outro lugar, a Bíblia registra a
atitude de Deus para com os ímpios, dizendo: “O
meu povo é tolo, eles não me conhecem. São
crianças insensatas que nada compreendem. São
hábeis para praticar o mal, mas não sabem fazer o
bem” (Jr 4.22). Os ímpios não somente praticam o
mal, mas eles também o entendem, de modo que se
tornam hábeis em sua busca dele. Por outro lado,
eles são ignorantes quando diz respeito a pensar e
praticar o bem.
Nós não devemos ser hábeis em praticar
coisas más, como é verdade com aqueles que são
“tolos”, e que são “insensatos”. Aqueles que são
“hábeis para praticar o mal” são ditos ser “sem
entendimento”. Os cristãos são frequentemente
ridicularizados por amigos ou colegas de trabalho
quando eles parecem ter carência de conhecimento
ou experiência em atividades seculares e
pecaminosas. Isso pode incluir alcoolismo, uso de
drogas, linguagem obscena, desonestidade,
brincadeiras grosseiras, roubo e várias outras
coisas. Os cristãos deveriam estar confiantes de que
eles estão no caminho correto e os incrédulos no
errado. Deus não deseja que sejamos versados na
maneira de viver perversa, embora ele queira que
sejamos capazes de reconhecer o mal, de modo que
possamos evitá-lo. Por outro lado, Deus deseja que
sejamos “sábios sobre o que é bom”, de modo que
possamos entender e praticar o que é bom. Isso é
agradável aos olhos de Deus.
Em nossa cultura, o bem é frequentemente
perseguido como tendo mente fechada e sendo
restritivo, e o mal é frequentemente aprovado como
libertador, respeitoso e tolerante. O cristão nunca
deveria comprometer os princípios de Deus para se
conformar aos conceitos do mundo de bem e mal,
visto que os incrédulos pervertem o bom
julgamento por meio de suas luxúrias e desafio
grosseiro contra Deus. Deveríamos entender o bem
e o mal à medida que podemos diferenciar entre
eles, mas não deveríamos entender o mal de uma
forma que sejamos hábeis e inteligentes em como
buscá-lo. Devemos, contudo, ser sábios nas coisas
que são boas, para que possamos nos desenvolver
nelas.
De acordo com a Escritura, não somente
devemos evitar o mal, mas devemos ser contra ele
– devemos odiá-lo. Romanos 12.9 afirma: “O amor
deve ser sincero. Odeiem o que é mau; apeguem-se
ao que é bom”. Devemos nos apegar, segurar com
força, ao que é bom, mas devemos nos colocar
contra o que é mau. Devemos atacá-lo. Outro
versículo na Bíblia ecoa esse pensamento, mas
também o aplica adicionalmente ao sistema de
justiça. Ele diz: “Odeiem o mal, amem o bem;
estabeleçam a justiça nos tribunais” (Am 5.15). Os
conceitos seculares de unidade e amor esperam que
comprometamos até mesmo o sentido de bem e mal
para Deus, mas isso nunca deveria ser feito.
Assim, não devemos simplesmente preferir
o bem de uma maneira passiva, mas devemos
ativamente nos apartar do que é mal, e ativamente
buscar o que é bom. A Escritura declara em 1 Pedro
3.10-12: “Pois, ‘quem quiser amar a vida e ver dias
felizes, guarde a sua língua do mal e os seus lábios
da falsidade. Afaste-se do mal e faça o bem; busque
a paz com perseverança. Porque os olhos do Senhor
estão sobre os justos e os seus ouvidos estão atentos
à sua oração, mas o rosto do Senhor volta-se contra
os que praticam o mal”. E, em outro lugar, ela diz:
“Busquem o bem, não o mal, para que tenham vida.
Então o SENHOR, o Deus dos Exércitos, estará com
vocês, conforme vocês afirmam” (Am 5.14).
Também: “Desvie-se do mal e faça o bem; então
você habitará na terra para sempre” (Sl 37.27,
NIV).
Desvie-se, portanto, do que é mau, e siga
aquilo que é bom. Bem e mal são claramente
distinguíveis com base nos preceitos divinos
registrados na Escritura. Esse é o porquê Deus pode
esperar que vejamos aquilo que é mau, e aquilo que
é bom, e então façamos uma decisão consciente de
nos desviar do mau, e buscar o que é bom e
pacífico.
Desviar-se do mal não significa que
devemos ignorar sua presença no mundo. Devemos
sobrepujá-lo e atacá-lo: “Não se deixem vencer
pelo mal, mas vençam o mal com o bem” (Rm
12.21). O bem pode sempre triunfar sobre o mal, e
o certo sempre é mais poderoso do que o errado. A
verdade é sempre mais poderosa do que a falsidade.
A luz é sempre mais poderosa do que as trevas. Por
outro lado, as trevas nunca podem sobrepujar a luz.
Como cristãos, somos filhos da luz (1Ts 5.5), e,
portanto, podemos estar confiantes de que, se
permanecermos verdadeiramente no bem, isto é, se
permanecermos fiéis a Deus, triunfaremos nessa
vida. Como o apóstolo João diz: “Quem é que
vence o mundo? Somente aquele que crê que Jesus
é o Filho de Deus” (1Jo 5.5).
Percebendo a relevância desse assunto, seria
natural alguém perguntar como ele pode clara e
acertadamente discernir entre o bem e o mal. Como
podemos saber o que Deus pode pensar de cada
assunto? Já temos estabelecido a Bíblia como o
padrão objetivo de bondade, e o que se segue
desenvolverá várias implicações desse fato.
Visto que o padrão objetivo de bondade é a
Palavra de Deus, e o mau é tudo aquilo que se
desvia desse padrão objetivo de bondade, sabemos
que se pudermos adquirir conhecimento do
conteúdo da revelação divina, saberemos o que
constitui a bondade, e também o que é mau.
Uma das passagens mais relevantes e
instrutivas da Escritura a este respeito é Hebreus
5.12-14: “Embora a esta altura já devessem ser
mestres, vocês precisam de alguém que lhes ensine
novamente os princípios elementares da palavra de
Deus. Estão precisando de leite, e não de alimento
sólido! Quem se alimenta de leite ainda é criança, e
não tem experiência no ensino da justiça. Mas o
alimento sólido é para os adultos, os quais, pelo
exercício constante, tornaram-se aptos para
discernir tanto o bem quanto o mal”. Agora, o
versículo 12 diz: “Embora a esta altura já devessem
ser mestres, vocês precisam de alguém que lhes
ensine novamente as verdades elementares da
palavra de Deus” (NIV). A primeira parte declara
que, “a esta altura”, alguns dentre a audiência da
Epístola aos Hebreus “já deveriam ser mestres” –
implicando que o tempo deveria ser um fator no
crescimento espiritual. Isso não é dizer que quanto
mais tempo uma pessoa tiver de cristão, mais
espiritualmente madura ela será, mas que quanto
mais tempo uma pessoa tiver de cristão, mais
espiritualmente madura ela deveria ser.
Todavia, devido às suas falhas de caráter e
negligência, uma pessoa pode permanecer um
infante espiritual a despeito de ter sido um cristão
por um longo tempo. Portanto, há aqueles que
deveriam ser mestres sobre outros crentes, visto
que eles têm sido cristãos há muitos anos, mas
permanecem como infantes espirituais, que
“precisam de alguém que lhes ensine novamente as
verdades elementares da palavra de Deus”. Não que
nunca eles tivessem sido ensinados sobre “as
verdades elementares da palavra de Deus”; mas
que, devido à falta de crescimento e aptidão
espiritual deles, eles precisavam ser ensinados
“novamente” sobre essas coisas.
O próximo versículo diz que: “Estão
precisando de leite, e não de alimento sólido! Quem
se alimenta de leite ainda é criança, e não tem
experiência no ensino da justiça”. O versículo
anterior afirma que os leitores tinham permanecido
como infantes espirituais, e embora devessem ter
amadurecido o suficiente para serem mestres na
época em que estavam lendo a epístola, eles não
tinham amadurecido até aquele grau. Portanto, eles
precisavam ser tratados como infantes espirituais,
que se alimentam de leite ao invés de alimento
sólido!
Obviamente, o escritor da epístola não está
se referindo ao leite físico e ao alimento sólido
literal, mas comparando “as verdades elementares
da palavra de Deus” com o leite, e o ensino de
teologia mais avançado com o “alimento sólido”.
Assim, há tal coisa como “verdades elementares”
na Bíblia, enquanto outras podem ser consideradas
como ensinos intermediários ou avançados, ou
“alimento sólido”, apropriado para adultos
espirituais. Aqueles que “[vivem] de leite” são
infantes espirituais, caracterizados pelo fato de que
eles não “têm experiência no ensino da justiça”.
A passagem continua para dizer: “Mas o
alimento sólido é para os adultos, os quais, pelo
exercício constante, tornaram-se aptos para
discernir tanto o bem quanto o mal”. Os adultos se
alimentam de alimento sólido. Visto que estamos
falando do nível de verdades na Escritura, isso
significa que os infantes espirituais se alimentam de
leite, ou “verdades elementares”, e o
espiritualmente adulto de “alimento sólido”, ou de
ensinos mais avançados da Palavra de Deus.
São os espiritualmente adultos, ou aqueles
que se alimentam de verdades mais avançadas da
Palavra de Deus, que “se tornam aptos para
distinguir o bem do mal” (NIV). Isso tem várias
ramificações para a nossa discussão. Primeiro,
significa que os infantes espirituais não são capazes
de “distinguir o bem do mal”, e, como temos
observado, esses são identificados pelo fato de que
eles ainda estão se alimentando de leite espiritual,
ou “verdades elementares”. Simplesmente em razão
de que uma pessoa tem sido um cristão por muitos
anos não significa que ela seja espiritualmente
madura. Antes, devido à falta de iniciativa e
negligência, ela pode “precisar de alguém que lhe
ensine novamente as verdades elementares da
palavra de Deus”.
Por outro lado, o adulto espiritual é alguém
que “pelo exercício constante, tornou-se apto para
distinguir o bem do mal”, significando que essa
pessoa constantemente trabalha com a Palavra de
Deus e, por meio disso, tem treinado a si mesma a
ponto de poder discernir o que é bom e o que é
mau. Tal pessoa não confundirá as duas coisas e
não perverterá o bom julgamento. O
espiritualmente adulto é identificado com aqueles
que podem participar do “alimento sólido”, ou dos
conteúdos maduros e avançados da Palavra de
Deus.
Portanto, nem todo cristão pode discernir o
bem do mal claramente, mas somente aqueles que
são espiritualmente maduros podem ser confiáveis
para tais questões. Infantes espirituais não somente
são ignorantes e inexperientes com a Palavra de
Deus, mas eles comumente são levados por
sentimentalismos, luxúrias, emoções, preferências,
ensinos populares, cultura popular e, de todas as
formas, a pressão sempre lhes está compelindo.
Segue-se que o julgamento dos espiritualmente
imaturos, definido aqui como aqueles que não
avançaram além dos estudos teológicos básicos,
não é confiável.
Esses deveriam tomar iniciativa para serem
treinados de modo que eles eventualmente se
tornem capazes de discernir o bem do mal.
Somente então os seus julgamentos podem ser
considerados confiáveis, e somente então podem
instruir apropriadamente a outros na fé. Visto que
aqueles que não são avançados teologicamente são
necessariamente imaturos, segue-se que todos os
cristãos anti-intelectualistas são apenas infantes
espirituais.
Uma pessoa não pode depreciar o intelecto e
os estudos teológicos e, ao mesmo tempo, ser um
cristão maduro. Aqueles que têm muitas
experiências místicas, ou que são extremamente
emotivos durante o louvor, são normalmente muito
imaturos na fé. Esse é certamente o caso se eles
ainda estão se alimentando de leite espiritual, e
nunca se moveram para se alimentar do alimento
sólido da Palavra de Deus. Em outras palavras,
podemos avaliar a maturidade espiritual de alguém
observando sua dieta espiritual. Ele resiste aos
estudos teológicos como muito “acadêmicos” ou
“intelectuais”? Ele insiste em permanecer com as
verdades “simples” e “práticas” da Palavra de
Deus? Tais coisas são popularmente ditas; mas, de
acordo com a Bíblia, isso reflete uma imaturidade
espiritual.
Ao mesmo tempo, essa passagem nos diz
para aprimorarmos nossa capacidade de discernir o
bem do mal. Deveríamos buscar maior
conhecimento bíblico e entendimento teológico.
Deveríamos buscar entender mais os assuntos
avançados na Escritura. Rejeitar os estudos
doutrinários é autoenganador. Se buscarmos
conhecimento e entendimento por meio da Palavra
de Deus, cresceremos até o estágio em que teremos
treinado a nós mesmos para distinguir o bem do
mal. Baseado nessa passagem, uma pessoa deve
admitir que alguém não está preparado para
discernir o bem do mal se não for versado na
Palavra de Deus. Não há como escapar desse fato –
uma pessoa não é um adulto espiritual se ela nunca
se moveu além da dieta de um infante.
Visto que o caminho para a maturidade e o
discernimento espiritual está fundamentado em
nosso conhecimento de teologia, aí é onde a nossa
estratégia deveria estar baseada. Isto é, devemos
enfatizar o ensino doutrinário na igreja, na família,
e nas vidas dos indivíduos. Não deveríamos
enfatizar a experiência subjetiva ou o
emocionalismo, mas a profundidade e o escopo em
nosso entendimento da Escritura. Não somente isso
envolve um longo processo de estudo e reflexão
cuidadosos, mas também consciência e aplicação
constante dos preceitos de Deus. Somente então há
esperança para uma pessoa se tornar treinada pela
Palavra de Deus e, por meio disso, tornar-se
alguém que seja capaz de discernir o bem do mal.
Requer-se que os ministros enfatizem
doutrinas. Eles nunca deveriam se comprometer
com aqueles que gostam apenas de sermões
emotivos que são sem substância escriturística e
intelectual. O apóstolo Paulo predisse que “virá o
tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao
contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão
mestres para si mesmos, segundo os seus próprios
desejos” (2Tm 4.3).
São aqueles com “coceira nos ouvidos” – e
os ministros que se acomodam a eles – que são
responsáveis pela presente fraqueza espiritual e
intelectual na igreja. Não é nenhum segredo que os
cristãos carecem de discernimento espiritual na
maioria das áreas de suas vidas; todavia, eles
continuam a resistir todo ensino doutrinário que os
ajudará a remediar a situação. Eles se recusam a
ouvir “o que o Espírito [está dizendo] às igrejas”
(Ap 2.7).
Jesus deu “alguns para apóstolos, outros
para profetas, outros para evangelistas, e outros
para pastores e mestres, com o fim de preparar os
santos para a obra do ministério, para que o corpo
de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a
unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus,
e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da
plenitude de Cristo. O propósito é que não sejamos
mais como crianças, levados de um lado para outro
pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo
vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de
homens que induzem ao erro. Antes, seguindo a
verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que
é a cabeça, Cristo” (Ef 4.11-15). O ministro a quem
Deus chama é equipado com dons e habilidades
especiais para educar e treinar os crentes, de modo
que eles “não sejam mais como crianças” que são
“jogados para cá e para lá por todo vento de
doutrina”.
Portanto, os ministros deveriam ser ávidos
em “pregar... corrigir, repreender... encorajar”
(2Tm 4.2, NIV), e “... ensinar... com toda
autoridade. Ninguém o despreze” (Tt 2.15). Eles
podem até mesmo precisar “repreender [alguns]
severamente, para que sejam sadios na fé” (Tt
2.13). Por outro lado, aos cristãos é ordenado:
“Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à
autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem
deve prestar contas. Obedeçam a eles, para que o
trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois
isso não seria proveitoso para vocês” (Hb 13.17).
Como o apóstolo declara em 1 Timóteo 5.17, “Os
presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de
dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho é
a pregação e o ensino”. Aqueles que são capazes de
pregar e ensinar com exatidão doutrinária e
substância intelectual deveriam ser considerados
como os recursos mais preciosos em nossas igrejas,
isto é, aqueles que são capazes de “encorajar outros
pela sã doutrina e de refutar os que se opõem a ela”
(Tt 1.9).
O melhor tempo para começar o treinamento
de alguém na justiça não é quando ela é um infante
espiritual, mas quando é um infante natural. Os pais
deveriam assumir a responsabilidade de treinar seus
filhos nas coisas espirituais, e ajudá-los a adquirir
conhecimento da Palavra de Deus, para que possam
aprender a discernir o bem do mal, o certo do
errado, a sabedoria da tolice, ainda cedo na vida. É
uma lástima que muitos pais cristãos, sendo
fisicamente adultos, sejam eles mesmos infantes
espirituais. Eles deveriam se esforçar para crescer
espiritualmente, de modo que pudessem assumir a
liderança espiritual no lar, e não permitir que a
influência secular o invadisse e sobrepujasse.
Como o início do livro de Provérbios afirma,
“Os provérbios... ajudarão a experimentar a
sabedoria e a disciplina; a compreender as palavras
que dão entendimento; a viver com disciplina e
sensatez, fazendo o que é justo, direito e correto;
ajudarão a dar prudência aos inexperientes e
conhecimento e bom senso aos jovens. Se o sábio
lhes der ouvidos, aumentará seu conhecimento, e
quem tem discernimento obterá orientação para
compreender provérbios e parábolas, ditados e
enigmas dos sábios. O temor do SENHOR é o
princípio do conhecimento, mas os insensatos
desprezam a sabedoria e a disciplina” (Pv 1.1-7).
O temor do Senhor é o “princípio do
conhecimento” – não o objetivo final. Em outro
lugar, as Escrituras dizem que “O temor do SENHOR
é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do
Santo é entendimento” (Pv 9.10). A reverência e a
fé para com Deus é o ponto de partida de uma
educação legítima. Ninguém é sábio, e ninguém
tem verdadeiro conhecimento sem ter primeiro o
temor do Senhor. Os cristãos não deveriam deixar o
mundo convencê-los de que é tolice crer em Deus
ou obedecer aos seus mandamentos.
Paulo afirma com respeito àqueles que
suprimem seu conhecimento inato de Deus e a
evidência dele na criação, que “dizendo-se sábios,
tornaram-se loucos” (Rm 1.22). Não é algo
inteligente ser um ateu; nem é algo inteligente se
rebelar contra Deus; não é algo inteligente zombar
daqueles que se devotam à teologia cristã; antes,
“que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e
perder a sua alma?” (Mc 8.36).
Saiba que existe o bem, e que existe o mal.
Os dois não são a mesma coisa, e Deus não quer
que os confundamos. Ele quer que sejamos capazes
de dizer a diferença entre os dois, e que sejamos
sábios e possuamos discernimento profundo com
respeito à bondade, mas ele não quer que sejamos
hábeis com respeito a como planejar e realizar o
mal. Para que tal coisa ocorra, devemos ser
versados na Palavra de Deus. Os ministros que
amam suas congregações deveriam enfatizar os
sermões doutrinários, ao invés de se
comprometerem com aqueles que têm “coceiras
nos ouvidos”. Os pais que amam os seus filhos
deveriam começar a ensiná-los a teologia cristã
desde a tenra idade, pois se você educar uma
criança com um senso de certo e errado baseado na
revelação da Escritura, “mesmo com o passar dos
anos [ela] não se desviará dele” (Pv 22.6).
CAPÍTULO 2: SOBRE O ENGANO MENTAL

Nos anos recentes, tem havido muita


discussão sobre batalha espiritual. O que segue
aborda um aspecto particular da batalha espiritual
que encontramos todos os dias; mas, ao mesmo
tempo, é normalmente negligenciado. Muitos
cristãos que estão interessados neste assunto não
estão suficientemente cientes desta área da batalha
espiritual, nem entendem o constante ataque feito
contra eles. Naturalmente, eles não têm as
estratégias bíblicas para resistir e sobrepujar esses
ataques.
A batalha espiritual pode ser distinguida em
dois tipos. O primeiro ocorre nos “ares”, ou lugares
celestiais. Existe o mundo natural e o mundo
espiritual. Os seres humanos existem e vivem no
mundo natural, e os seres espirituais, tais como
Deus, anjos e demônios existem no mundo
espiritual, embora eles também estejam envolvidos
nas atividades do natural. Por batalha espiritual que
ocorre nos “ares”, referimo-nos a batalhas travadas
entre seres espirituais, tais como anjos e demônios.
A Bíblia se refere a esse tipo de batalha
espiritual em vários lugares. Por exemplo, quando
Daniel orou para que Deus o iluminasse com
respeito à sua promessa, falada por meio do profeta
Jeremias, da restauração de Israel, Deus enviou o
anjo Gabriel em resposta. Quando Gabriel
finalmente foi até Daniel, ele explicou que tinha
sido impedido por outro ser, bem possivelmente um
ser espiritual hostil a Deus. Ele disse: “Não tenha
medo, Daniel. Desde o primeiro dia em que você
decidiu buscar entendimento e humilhar-se diante
do seu Deus, suas palavras foram ouvidas, e eu vim
em resposta a elas. Mas o príncipe do reino da
Pérsia me resistiu durante vinte e um dias. Então
Miguel, um dos príncipes supremos, veio em minha
ajuda, pois eu fui impedido de continuar ali com os
reis da Pérsia” (Dn 10.12, 13).
Deus tinha respondido a Daniel no primeiro
dia em que ele tinha orado, mas o mensageiro que
trazia a resposta foi impedido por vinte e um dias
por um ser que estava contra Deus e os seus
propósitos. Foi devido à ajuda do anjo Miguel que
Gabriel foi capaz de alcançar Daniel sem demora
adicional. Isso retrata a figura de uma luta bem real
no mundo espiritual – um lado em submissão a
Deus, enquanto o outro é hostil a Deus.
De outras partes da Escritura, entendemos
que o poder de Deus é infinitamente maior que o de
Satanás, e isso sendo assim, não existe nenhum ser
que possa apresentar um impedimento genuíno aos
propósitos de Deus. Mesmo a luta nos lugares
celestiais, portanto, ocorre somente porque Deus
decretou que fosse assim, como meios pelos quais
seus planos seriam cumpridos. Mesmo a própria
existência de Satanás é devida somente ao decreto
de Deus; ninguém pode resistir ou se opor à
vontade divina.
Ora, quando nos tornamos cientes da luta
real que está ocorrendo constantemente nos ares –
embora nada esteja além do controle absoluto de
Deus – ficaremos mais prontos ao senso de
urgência da oração intercessória, que é um dos
meios pelos quais Deus escolhe cumprir os seus
propósitos, embora ele não necessite de ninguém
para ajudá-lo ou que coopere com ele.
O cristão não deveria ficar excessivamente
ansioso sobre este tipo de batalha espiritual, como
se de alguma forma fosse possível as forças de
Satanás vencer Deus no mundo espiritual. A Bíblia
nos ensina que todos os poderes e principados já
foram sujeitados ao nosso Senhor Jesus Cristo. No
primeiro capítulo de Efésios, somos informados de
que, quando Deus ressuscitou Jesus dentre os
mortos, ele o fez “assentar-se à sua direita, nas
regiões celestiais, muito acima de todo governo e
autoridade, poder e domínio, e de todo nome que se
possa mencionar, não apenas nesta era, mas
também na que há de vir”, e que Deus “colocou
todas as coisas debaixo de seus pés e o designou
cabeça de todas as coisas para a igreja” (Ef 1.20-
22).
Não há dúvida quanto a quem vencerá esta
batalha. Jesus Cristo já ganhou uma vitória decisiva
sobre as forças de Satanás; contudo, a Bíblia nos
informa que Satanás não será permanentemente
detido até um tempo futuro. Portanto, ainda há um
inimigo com o qual devemos contender, mas
fazemos isso a partir de um lugar e confiança de
vitória, e não com incerteza e temor.
O apóstolo Paulo afirma, em Efésios 6.12,
que “a nossa luta não é contra carne e sangue, mas
contra os poderes e autoridades, contra os
dominadores deste mundo de trevas, contra as
forças espirituais do mal nas regiões celestiais”.
Participamos na luta nos lugares celestiais, e o
fazemos com armas poderosas que Deus nos deu.
Efésios 6.13-18: “Por isso, vistam toda a armadura
de Deus, para que possam resistir no dia mau e
permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo.
Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o
cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça e
tendo os pés calçados com a prontidão do
evangelho da paz. Além disso, usem o escudo da
fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas
inflamadas do Maligno. Usem o capacete da
salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de
Deus. Orem no Espírito em todas as ocasiões, com
toda oração e súplica; tendo isso em mente, estejam
atentos e perseverem na oração por todos os
santos”.
Deus nos equipou plenamente para esse tipo
de batalha espiritual, e não precisamos temer o que
Satanás pode fazer para nos atacar. O apóstolo
Paulo nos instrui a sermos “sábios em relação ao
que é bom, e sem malícia em relação ao que é
mau”, e “o Deus da paz esmagará Satanás debaixo
dos [nossos] pés” (Rm 16.19, 20). Romanos 8.31
pergunta: “Se Deus é por nós, quem será contra
nós”?
Tendo introduzido o primeiro tipo de batalha
espiritual, nosso foco para o restante do capítulo
será sobre um segundo tipo – isto é, o campo de
batalha da mente. Mas, numa análise mais
minuciosa, torna-se claro que toda batalha
espiritual depende da mente; a batalha espiritual é
intelectual em natureza.
Lembre a passagem acima, procedente de
Efésios 6, onde somos instados a estar prontos para
lutar contra “as forças espirituais do mal nas
regiões celestiais” (Ef 6.12). Paulo também discute
a batalha espiritual em outro lugar: “Pois, embora
vivamos na carne, não lutamos segundo os padrões
humanos. As armas com as quais lutamos não são
humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para
destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda
pretensão que se levanta contra o conhecimento de
Deus, e levamos cativo todo pensamento, para
torná-lo obediente a Cristo” (2Co 10.3-5).
Em vez de se opor a “forças espirituais” ou
entidades malignas gritando para o ar, que é o que
equivale ao que se passa hoje em dia como “batalha
espiritual”, Paulo coloca a ênfase na destruição de
“argumentos e toda pretensão que se levanta contra
o conhecimento de Deus”. Na guerra contra o mal,
devemos levar “cativo todo pensamento, para
torná-lo obediente a Cristo”. A batalha espiritual é
uma questão intelectual, lidando com pensamentos
e argumentos.
As forças satânicas são propagadoras de
cosmovisões anticristãs, e usam instrumentos
humanos para espalhar suas ideias ímpias. E, dessa
forma, o campo de batalha está em nossas mentes.
A arma primária usada contra nós é a argumentação
antibíblica – raciocínio que leva a conclusões que
são hostis a Deus. Considerando que essa estratégia
busca afastar os homens da verdade, a arma de
Satanás é, portanto, o engano. Satanás tem utilizado
essa sua arma favorita desde o começo.
Quando Deus criou o homem, ele lhe disse:
“E o SENHOR Deus ordenou ao homem: ‘Coma
livremente de qualquer árvore do jardim, mas não
coma da árvore do conhecimento do bem e do mal,
porque no dia em que dela comer, certamente você
morrerá’” (Gn 2.16, 17). Então veio o diabo para
tentar a mulher:
“Foi isto mesmo que Deus disse: ‘Não
comam de nenhum fruto das árvores do
jardim’?” Respondeu a mulher à serpente:
“Podemos comer do fruto das árvores do
jardim, mas Deus disse: ‘Não comam do
fruto da árvore que está no meio do
jardim, nem toquem nele; do contrário
vocês morrerão’”. Disse a serpente à
mulher: “Certamente não morrerão! Deus
sabe que, no dia em que dele comerem,
seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus,
serão conhecedores do bem e do mal” (Gn
3.1-5).
O diabo contradisse a Palavra de Deus, que
é a verdade, e convenceu Eva disso. Então, Adão
também sucumbiu. Isso levou à Queda da raça
humana. Quando confrontado por Deus com
respeito a isso, a mulher disse: “A serpente me
enganou, e eu comi” (Gn 3.13). Nossos problemas
são o resultado direto de termos crido nas mentiras
de Satanás.
Jesus nos deu discernimento sobre a
natureza de Satanás quando disse: “Ele foi
homicida desde o princípio e não se apegou à
verdade, pois não há verdade nele. Quando mente,
fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da
mentira” (Jo 8.44). É natural e fácil para Satanás
enganar, e aqueles que pertencem a ele seguem o
seu exemplo. Deus, por outro lado, é sempre
verdadeiro, e aqueles que pertencem a ele estão do
lado da verdade. A verdade é a linguagem nativa do
regenerado, nossa resposta instintiva, enquanto o
engano é a linguagem do diabo e daqueles que o
seguem. O engano é a arma primária deles, e sua
forma de vida. Se estamos cientes dos métodos e
estratégias de ataques de Satanás, estaremos mais
preparados para antecipar e sobrepujá-los. Como
Paulo diz, “não ignoramos as suas intenções” (2Co
2.11). É para esse fim que analisaremos o assunto.
Satanás está constantemente tentando minar
a integridade da cosmovisão cristã, e ele faz isso
distorcendo o nosso pensamento. Por intermédio de
vários meios, ele deseja impor sobre nós falsas
visões com respeito à natureza de Deus, da
realidade e de nós mesmos.
Nem toda ideia sobre Deus é correta. Deus
existe, na realidade, numa forma definida e de uma
maneira definida, e qualquer ideia dele
contraditória a essa realidade deveria ser
considerada falsa. Ele comunica informação sobre
sua natureza e caráter a nós por meio da Escritura.
O conceito correto de Deus é que ele é o Criador
trino, autoexistente, eterno, onipotente, onisciente,
onipresente, amoroso e justo do universo. Quando a
ideia de uma pessoa sobre Deus não corresponde a
isso, seu pensamento inteiro e sua percepção da
realidade se tornam distorcidos. É a estratégia de
Satanás enganar as pessoas, fazendo-as adotar uma
visão falsa da natureza e do caráter de Deus.
Deus se revelou verbalmente, e o agregado
dessas proposições forma um sistema de
pensamento, ou uma cosmovisão, a que chamamos
de Cristianismo. Sendo o Cristianismo a única
cosmovisão verdadeira, entender sua natureza e
doutrinas é base necessária para o nosso
relacionamento com Deus. É impossível manter um
conceito correto de Deus sem, ao mesmo tempo,
afirmar o Cristianismo. Por exemplo, o teísmo do
Islã é muito diferente daquele que o Cristianismo
ensina, e, desse modo, uma pessoa não chegou à
verdade simplesmente por reconhecer o teísmo.
Dentro da cosmovisão cristã, não é
suficiente simplesmente afirmar uma divindade
teísta, visto que estão integrados a esse sistema de
pensamento o que uma pessoa entende e o que crê
sobre aspectos históricos, cristológicos e outros do
ensino bíblico. O Cristianismo ensina que o homem
precisa de salvação, e que ele é salvo pela fé em
Jesus Cristo. Uma pessoa que não entende a
soteriologia bíblica não pode senão ter um senso da
relidade distorcido e uma vida cristã sem sucesso.
Alguns veem o Cristianismo como sendo
anticientífico e anti-inteligente. Eles pensam que
uma pessoa deve negar as crenças e descobertas
científicas legítimas caso creia em todas as coisas
que a Bíblia alega ser verdade. Esse engano faz as
pessoas se apartarem das crenças cristãs autênticas;
desse modo, existem aqueles que se chamam
evolucionistas teístas, o que é biblicamente
impossível. Alguns desejam manter suas crenças
cristãs, mas são incapazes de negar as acusações
contra a fé deles, de modo que simplesmente
aceitam o conceito de Cristianismo como sendo
anticientífico e absurdo, e tomam a decisão de
carregar esse estigma. O método de contra-ataque
deles é o anti-intelectualismo, negando o intelecto,
dizendo que o Cristianismo está além do
conhecimento, além da compreensão mental,
contrário à razão e à evidência.
De acordo com esses cristãos professos, as
doutrinas bíblicas parecem conter inúmeras
contradições e falsas alegações, mas isso tudo é
irrelevante, visto que é um equívoco usar nossas
capacidades mentais limitadas para entender Deus.
Esse é o efeito de Satanás tendo sucesso em
enganar cristãos professos no processo de desafiar a
fé deles. Contudo, o Cristianismo não é apenas
intelectualmente defensável, mas qualquer pessoa
honesta, mediante análise dos argumentos e
evidências relevantes, deve chegar à conclusão de
que o Cristianismo é a única revelação verdadeira
do único Deus verdadeiro. Quando os cristãos
abandonam a arena intelectual e se refugiam no
irracionalismo, eles se tornam desnecessariamente
o alvo de riso do mundo.
Satanás também tenta nos enganar com
respeito à estrutura e operações da sociedade. A
sabedoria secular nos informa que o sistema
econômico do mundo funciona de certa forma, e
que somente a aderência a essa visão pode trazer
sucesso financeiro. O problema é que as visões
deles sobre como o mundo opera e o que é
necessário para ser bem-sucedido nisso são
normalmente antibíblicas. O cristão é desafiado a
manter sua lealdade aos princípios bíblicos, e
fracassar, ou comprometer e ser como o restante do
mundo, e provavelmente ter sucesso. Se Satanás
pode enganar os cristãos para crer neste falso
dilema, o mais fraco entre nós pode ser pressionado
a colocar de lado os princípios e valores bíblicos,
para ser mais bem sucedido neste mundo.
A sabedoria secular contradiz e compete
contra a sabedoria de Deus. Nas áreas da ciência,
política, criação de filhos, casamento, educação e
todas as outras de pensamento e vida, o mundo
abraça ideias que são hostis ao Cristianismo. O
cristão deve perceber que os princípios bíblicos são
preceitos ordenados por Deus, e somente eles são
acurados. Os crentes devem ser instruídos para ter
confidência na sabedoria divina que Deus deu por
meio das palavras da Escritura.
O mundo, cujo pensamento tem sido
amplamente permeado por Satanás, mantém noções
indefensáveis com respeito à epistemologia e à
metafísica – isto é, as teorias do conhecimento e da
realidade. Nossa sociedade tem grande confidência
em descobrir a verdade por meio das investigações
científicas. Embora uma discussão sobre a filosofia
da ciência resulte na conclusão de que a ciência
nunca descobre a verdade, mas é sempre
experimental e mutável, a confiança infundada do
mundo sobre uma epistemologia científica e
empírica resulta nas conclusões antibíblicas com
respeito ao escopo inteiro do pensamento e
conhecimento. Se, por exemplo, Satanás pode
enganar um indivíduo a fim de que ele adote o
naturalismo como sua visão da realidade – isto é,
somente o mundo material existe – o próprio
conhecimento é destruído, e a ética torna-se sem
sentido.
Satanás é ávido também para enganar as
pessoas com respeito à antropologia e à psicologia.
Ele contradiz o ensino bíblico com respeito à
natureza do homem. Desse modo, muitos hoje estão
convencidos de que o homem é essencialmente
bom, e que, por meio da educação humanista, ele
alcançará a perfeição. O homem, de acordo com
essa falsa visão, pode se salvar, e ele não precisa de
nenhuma intervenção divina. Isso é contrário ao
que a Escritura ensina sobre o homem. A Bíblia diz
que o homem é essencialmente perverso, e que ele
precisa de um salvador que seja qualificado para
pagar por suas muitas transgressões.
A estratégia do diabo é a propaganda.
Televisão, cinema, música e mesmo nosso sistema
educacional tem sido infiltrado com ideias
anticristãs. A visão do mundo sobre religião,
política, ciência, história e outros assuntos está
sendo bombardeada nas mentes daqueles que estão
sob sua influência. Conheci uma criança que tinha
sido educada como um cristão, crendo que Deus
tinha criado todas as coisas e que continuava
sustentando o universo. Ele começou a negar o
ensino bíblico da criação com a idade de oito ou
nove anos, quando sua escola começou a ensiná-lo
a teoria da evolução. Isso, como um resultado,
distorceu seus conceitos de todas as áreas que
temos mencionado, tais como a natureza da
religião, conhecimento, realidade e o homem.
Outra forma de as pessoas serem enganadas
é por meio de experiências interpretadas
erroneamente. Mas o axioma da cosmovisão cristã
é a revelação, não a experiência. Contra a
epistemologia popular, mas ingênua do empirismo,
a experiência torna o conhecimento impossível.
Uma visão falsa da ciência tem sido a causa de
muita confusão e engano. Uma pessoa pode
observar a suposta evidência basilar da teoria da
evolução, e, se a evidência for interpretada
erroneamente, pode chegar à conclusão de que a
evolução é mesmo correta e explica a origem do
homem. Visto que este não é o lugar para expor a
respeito de uma filosofia apropriada da ciência,
simplesmente observaremos que todas as
experimentações e conclusões científicas são
governadas por pressuposições anteriores. A
ciência nunca é a forma objetiva e neutra de
descobrir a verdade, como muitos alegam.
A despeito de como alguém pode ser
enganado, crer numa falsa versão de Deus é
espiritualmente destrutivo. Devido ao falso
raciocínio e a experiências mal-interpretadas, uma
pessoa pode chegar a uma visão deísta do universo.
Um deísta pode não sentir nenhuma necessidade de
orar ou esperar respostas às suas orações, mesmo
quando a Bíblia diz que “a oração de um justo é
poderosa e eficaz” (Tg 5.16). Ele pode não ter um
senso de urgência para pregar o evangelho, dizendo
aos outros para crer e adorar a Deus. A salvação e o
sucesso do deísta neste mundo residem somente em
si mesmo, visto que Deus lhe deixou aos seus
próprios artifícios. Em última instância, o princípio
da sobreviência do mais apto será sustentado em tal
universo. A intervenção divina está fora de questão.
Os seres humanos devem ajudar uns aos outros,
visto que Deus não os ajudará; desse modo, o
deísmo pode também levar uma pessoa a uma
forma de humanismo.
Deus não nos deixou sem defesa contra as
estratégias de engano do diabo. Se a arma de ataque
de Satanás é o engano intelectual, nossa defesa e
contra-ataque consistem na verdade. Como Jesus
disse, “se vocês permanecerem firmes na minha
palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E
conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (Jo
8.31, 32). Satanás tenta nos manter presos às suas
mentiras, mas podemos ser libertos por meio da
verdade que Deus nos revelou. Conhecer a verdade
é conhecer os pensamentos de Deus.
A cosmovisão de alguém não deveria ser
meramente uma questão de escolha subjetiva ou
preferencial. Algumas crenças são verdadeiras;
outras, falsas. Dentro da cosmovisão cristã, a
Escritura é o teste único e final da verdade. Deus
nos deu um sistema de verdade por meio da
Escritura. Visto que a Bíblia é a revelação de Deus,
ela nunca pode estar errada sobre qualquer assunto
que aborda. Um conhecimento e entendimento
completo da Escritura, então, é a nossa salvaguarda
final contra o engano satânico de todos os tipos.
Visto que a Bíblia é totalmente confiável e
abrangente, não precisamos de outros testes para a
verdade – e nem é possível qualquer outro teste
para a verdade. Ora, o teste da lógica, e
especificamente a lei da não contradição, pode
parecer ser um teste legítimo para a verdade, mas a
lógica em si é parte integrante da revelação verbal
de Deus, e, desse modo, não é um teste estritamente
separado. A lógica é a forma como Deus pensa, e
ela não existe à parte dele. Se a partir do nosso
estudo da Escritura chegamos a duas proposições
contraditórias, teremos que concluir que uma delas
está equivocada, e que precisamos examinar o
registro bíblico novamente para assegurar o
entendimento apropriado. Em outras palavras, o
cristão não precisa de outro teste para a verdade
além da Escritura.
O mundo não aceita a autoridade da
Escritura, e, por causa disso, alguém pode ser
tentado a pensar que devem existir outros testes
para a verdade ao qual o incrédulo pode apelar.
Além disso, sem outros testes para a verdade, como
pode um incrédulo chegar a conhecer alguma
verdade, afinal? Mas isso é o que afirmamos: que, a
menos que o pensamento de uma pessoa comece
com o todo da Escritura como a verdade infalível,
nenhum conhecimento é possível de forma alguma.
Isso é o mesmo que dizer que todos os sistemas de
pensamento que se iniciam a partir de
pressuposições não cristãs falham em fazer o
conhecimento possível, e colapsam em total
ceticismo.
Ora, o ceticismo é autocontraditório, pois
dizer que a verdade é incognoscível é alegar
conhecimento sobre a própria natureza da verdade
em si. Visto que todas as cosmovisões não cristãs
colapsam em ceticismo, e o ceticismo por sua vez é
autocontraditório, segue-se que todas as
cosmovisões não cristãs devem ser abandonadas.
Tendo fornecido argumentos elaborados em outros
lugares[7] para demonstrar essa posição,
procederemos com a suposição de que somente o
Cristianismo tem sucesso em assegurar a
possibilidade de conhecimento.
Os não cristãos consideram falsamente o
teste da experiência ou observação como o mais
confiável. Desafortunadamente, muitos cristãos têm
sido enganados nessa questão, de modo que eles
têm chegado a aceitar essa visão como verdadeira.
Contudo, a experiência ou observação são
completamente desconfiáveis. Para dizer o mínimo,
as sensações são mais sujeitas à má interpretação;
mas, mesmo antes disso, podemos dizer que sobre a
base do empirismo, nenhum conhecimento é
possível de forma alguma. É impossível, por
experiência, provar que a experiência é confiável
antes que a experiência tenha sido primeiramente
provada ser confiável. A epistemologia do
empirista corre num círculo vicioso. O
empreendimento científico inteiro está sujeito a
esse defeito fatal, e não pode produzir nenhum
argumento legítimo contra a revelação.
A sabedoria mundana, a qual a Bíblia chama
de tolice, ensina os seus seguidores a depender
primeiramente da experiência ou observação como
uma forma de descobrir a verdade e realidade; ela
presta homenagem, pelo menos no papel, à
funcionalidade da razão. Mas ela ridiculariza
totalmente a Escritura e a revelação. Muitos
cristãos têm sido enganados a fim de adotarem essa
perspectiva mundana sobre a verdade. E, desse
modo, eles olham primeiro para a experiência, a
qual normalmente eles interpretaram erroneamente;
depois, para a razão, da qual têm pouco; e,
finalmente, para a Escritura, da qual não têm
conhecimento com respeito ao seu conteúdo e
métodos de interpretação. É de admirar que tantos
cristãos estejam sob o engano de Satanás?
Suponha que um cristão deseje romper com
um hábito imoral antigo. Ele ora com perseverança
e afinco, mas acha impossível abandoná-lo. A partir
de sua experiência, ele infere que, embora Deus
possa existir, ele não está interessado nos assuntos
do homem. Ele se tornou uma espécie de deísta.
Mais tarde, ele conhece vários indivíduos que
romperam com o mesmo hábito como um resultado
da fé cristã deles. Desse modo, observando a
experiência de outros, destruiu sua crença no
deísmo, e agora ele passa a crer uma vez mais num
Deus teísta – mas um que é injusto! Esse é o
caminho para o qual a experiência conduz; um
número infinito de proposições pode ser derivado
de uma determinada experiência, e não há como
dizer, com certeza, qual é a verdadeira sobre a base
do empirismo. A revelação verbal da parte de Deus
é requerida.
A verdade pode ser que a falta reside com a
pessoa, que há algo errado com ela que não está
presente nesses outros cristãos que tiveram sucesso
em abandonar o hábito. Por meio de conclusões
formadas por experiências mal-interpretadas, essa
pessoa mudou sua cosmovisão duas vezes, mas
nunca chegou à verdade, que o teísmo é verdadeiro,
e que Deus não é injusto, mas que há algo de errado
com ela, com o que deve lidar primeiro. Será a
Escritura também que identificará esse obstáculo.
Sujeitemos o deísmo ao teste da Escritura.
Rapidamente descobriremos que a revelação divina
o rejeita. A Bíblia ensina que Deus não somente
“criou os céus e a terra” (Gn 1.1), mas desde então
vem “sustentando todas as coisas por sua palavra
poderosa” (Hb 1.3). A Bíblia rejeita a visão de que
Deus tem deixado o mundo correr por conta própria
após a criação, mas ensina que a própria existência
e operação normal do universo dependem dele:
“Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo
subsiste” (Cl 1.17). O apóstolo Paulo afirma que
tudo da vida e da atividade humana é dependente
de Deus: “Pois nele vivemos, nos movemos e
existimos” (At 17.28).
De acordo com as passagens bíblicas citadas
acima, o sustento originado em Deus é necessário
para tudo da existência humana. Outras indicações
bíblicas do envolvimento de Deus com a vida
humana são os seus milagres, suas proclamações,
por meio dos profetas, e, mais importante de tudo, a
encarnação da segunda pessoa da Trindade, Jesus
Cristo. A Escritura não dá a ideia de que Deus está
desinteressado; mas, antes, tão preocupado
conosco, que ele tomou uma natureza humana em
seus planos com respeito à nossa história e ao nosso
destino.
Jesus Cristo era Deus na carne, realizando
milagres de cura, perdoando pecados, morrendo e
ressuscitando dentre os mortos para a nossa
redenção. A Bíblia diz que, mesmo agora, ele está
intercedendo por nós à mão direita de Deus.
Hebreus 4.15, 16 afirma: “Pois não temos um sumo
sacerdote que não possa compadecer-se das nossas
fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou
por todo tipo de tentação, porém, sem pecado.
Assim, aproximemo-nos do trono da graça com
toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia
e encontrarmos graça que nos ajude no momento da
necessidade”. Se isso é verdade, então o deísmo
não pode ser verdade.
Podemos apresentar um argumento ad
hominem contra o deísmo; isto é, podemos mostrar
que mesmo sobre a base de pressuposições falhas,
tais como o empirismo científico, o teísmo deve ser
verdade. Sabemos que o universo físico existe, e
que, para todo efeito, ou para tudo que tem um
princípio, deve existir uma causa. Sobre a base dos
primeiros princípios científicos, podemos mostrar
que o universo tem um princípio, o que significa
que ele é um efeito, e, dessa forma, deve ter uma
causa para explicar sua existência. Visto que uma
regressão infinita de causas não é possível, deve
existir uma primeira causa que começou tudo.
Visto que o próprio tempo tem um princípio, a
primeira causa deve ser eterna, significando que ela
sempre existiu, e que ela existe fora do tempo. Essa
primeira causa não tem princípio, mas sempre
esteve em existência. Portanto, essa primeira causa
não requer uma causa que a preceda. Visto que o
efeito não pode ser qualitativamente maior que a
causa, e o universo contém e reflete inteligência,
essa primeira causa deve ter inteligência.
Deus tem o poder de autoexistência,
significando que sua existência não depende de
nada nem ninguém, pois não havia nada além dele
no princípio. Por outro lado, os seres neste mundo
físico são dependentes, significando que devemos
depender de outras coisas para nossa existência
contínua. Essas coisas das quais dependemos
dependem de outras coisas. É impossível que os
elementos dependam um do outro de uma maneira
que formem um sistema fechado, não requerendo
nenhum envolvimento eterno, pois nem os
elementos individuais nem a soma dos elementos
têm o poder de autoexistência. Mesmo se os
elementos formam um círculo fechado – A é
dependente de B, que é dependente do elemento C,
que por sua vez é dependente de A – a soma desses
elementos não tem o poder de autoexistência, e,
portanto, deve requerer um elemento eterno para
sustentá-la.
Para resumir, deve existir uma primeira
causa, e essa primeira causa deve ser autoexistente.
A primeira causa não deve ser dependente. Todas
as coisas criadas não são independentes, nem são
autoexistentes, e devem, em última instância, ser
dependente de algo que é independente, e, portanto,
deve ainda ser constantemente dependente dessa
primeira causa. A essa causa primeira chamamos
de Deus.
Ora, a autoexistência de Deus é
explicitamente ensinada na Bíblia: “Pois, da mesma
forma como o Pai tem vida em si mesmo, ele
concedeu ao Filho ter vida em si mesmo” (Jo 5.26).
Somente Deus tem o poder de existência inerente
em seu próprio ser; ele não é dependente de outro
para a sua existência. A criação não é dessa forma –
ela requer o constante poder sustentador de Deus.
Portanto, de acordo com o teste da Escritura,
é um engano dizer que Deus não está envolvido na
vida humana, pois seu constante poder ativo de
sustento é requerido para que nós continuemos
existindo.
Embora a experiência seja totalmente sem
confiança, e não possa fornecer nenhum
conhecimento, seja qual for, até ela pode ser usada
para formular argumentos ad hominem em favor da
cosmovisão bíblica. A experiência tem
primariamente a ver com o mundo físico no qual
vivemos. Muitas pessoas podem chegar a crer em
falsas ideias devido às experiências ou observações
mal-interpretadas. Se o deísmo significa que Deus
não está envolvido nas questões humanas, tudo o
que temos a fazer é refutá-lo, para mostrar que
temos razão em crer que Deus está, de fato,
envolvido em nossas vidas, quer citemos exemplos
da vida da pessoa em questão ou não. Podemos
documentar como Deus respondeu orações de
algumas pessoas, de maneiras que não estão
sujeitas ao acaso ou fraude. Tendo feito isso, a
pessoa em questão não pode usar mais sua própria
experiência como prova em favor do deísmo. Se
temos evidência para crer que Deus tem participado
na vida de uma pessoa, o deísmo não é correto.
Existem várias estratégias para ajuadr a
preparar alguém no discernimento bíblico.
Implementar essas estratégias ajudará alguém a se
tornar mais capaz de empregar a revelação bíblica
como o teste para a verdade. É impossível aplicar o
teste da Escritura contra uma proposição se a
pessoa não conhece o que a Bíblia tem a dizer
sobre o assunto. Os procedimentos que seguem
ajudarão a pessoa a se mover na direção correta.
Essas são estratégias a curto e longo termo que
fortalecerão a habilidade de uma pessoa a discernir
e expor as mentiras do diabo.
Recordamos que a arma de Satanás é o
engano, que o oposto do engano é a verdade, e que
a verdade deve ser a nossa arma contra o engano de
Satanás. Nosso conhecimento da verdade vem da
Palavra de Deus, e nosso único teste para a verdade
é a Escritura. Segue-se que devemos ser instruídos
quando diz respeito às doutrinas bíblicas. Sem um
conhecimento da teologia sã, é fácil para uma
pessoa ser “levada de um lado para outro pelas
ondas, jogada para cá e para lá por todo vento de
doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que
induzem ao erro” (Ef 4.14).
A estratégia da igreja contra o engano é,
portanto, uma ênfase no ensino doutrinário. A
igreja deveria constantemente informar e esclarecer
às pessoas o que o Cristianismo afirma por meio de
uma exposição clara e sistemática da Escritura.
Jesus nos designou ministros para trabalhar em
direção a esse fim. Efésios 4.11-13 afirma: “E ele
designou alguns para apóstolos, outros para
profetas, outros para evangelistas, e outros para
pastores e mestres, com o fim de preparar os santos
para a obra do ministério, para que o corpo de
Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a
unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus,
e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da
plenitude de Cristo”.
Paulo admoesta Tito que um presbítero deve
ser alguém que “se apegue firmemente à mensagem
fiel, da maneira como foi ensinada, para que seja
capaz de encorajar outros pela sã doutrina e de
refutar os que se opõem a ela” (Tt 1.9). O ministro
deve “apegar-se firmemente” às doutrinas
apostólicas que, de acordo com Judas, foram “de
uma vez por todas confiadas aos santos” (Jd 3). Ele
deve implementar um procedimento de duas partes
para assegurar a segurança e o crescimento
espiritual da congregação – isto é, ele deve
transmitir a “sã doutrina” bem como ser capaz de
“refutar os que se opõem a ela”. Em outras
palavras, um ministro deve ser proficiente em
teologia e apologética, e ser capaz de ensinar esses
assuntos. Alguém que é capaz de fazer isso deixará
claro no que o Cristianismo e o mundo creem, onde
eles diferem, e porque o primeiro é correto
enquanto o último não.
Paulo repetidamente enfatiza esse tipo de
ministério em suas cartas, e particularmente a
Timóteo e Tito. Ele escreveu a Timóteo, dizendo:
“e as palavras que me ouviu dizer na presença de
muitas testemunhas, confie-as a homens fiéis que
sejam também capazes de ensinar outros” (2Tm
2.2). Os ministros devem aprender as doutrinas
apostólicas puras, e passá-las adiante, sem
adulteração, a “homens fiéis” que continuarão a
passá-las às gerações futuras. Quando fazemos isso,
a revelação de Deus será preservada.
Paulo ordena assim a Timóteo: “Pregue a
palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo,
repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e
doutrina” (2Tm 4.2). Quando os pensamentos e as
ações das pessoas não estão de acordo com a
Escritura, os pregadores devem corrigi-las,
repreendê-las, e encorajá-las a seguir a verdade
com “grande paciência e instrução cuidadosa”.[8]
Contudo, Paulo adverte que “virá o tempo em que
não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo
coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si
mesmos, segundo os seus próprios desejos” (2Tm
4.3). O ministro normalmente descobre que os
inimigos da verdade não são encontrados
exclusivamente entre os não cristãos, mas entre
cristãos professos em sua própria congregação.
Isso não deveria nos desencorajar de
proclamar, com insistência, as verdades exclusivas
do Cristianismo, mas deveria nos incitar a “batalhar
pela fé de uma vez por todas confiada aos santos”,
ousadamente (Jd 3). Se, como Paulo afirma, “a
igreja do Deus vivo [é a] coluna e fundamento da
verdade” (1Tm 3.15), então não existe nenhum
padrão de verdade fora do Cristianismo, e é nossa
responsabilidade ser a “coluna e o fundamento da
verdade” numa sociedade que é hostil à verdade de
Deus.
Paulo admoestou Tito, dizendo: “você,
porém, fale o que está de acordo com a sã doutrina”
(Tt 2.1); e afirmou que ele deveria “exortar e
repreender com toda a autoridade. Ninguém o
despreze” (Tt 2.15). Os ministros têm autoridade e
dever dados por Deus para que encorajem a crença
na verdade e repreendam o desobediente e
incrédulo “com toda a autoridade”. Não devemos
deixar que “ninguém [nos] despreze”.
A estratégia da pregação doutrinária é
primariamente empregada pelos ministros de Deus,
mas todo cristão precisa estar envolvido pelo fato
de ter a responsabilidade de aprender deles as
verdades de Deus, estar seguros dessas verdades, e
contemplar suas implicações. Então, quando a
oportunidade surgir, ele deve “reter firmemente a
palavra da vida” (Fp 2.16) nesta “geração
corrompida e depravada, na qual [nós] brilhamos
como estrelas no universo” (Fp 2.15). Dessa forma,
a educação doutrinária é nossa arma dominante de
defesa e ataque; ela é “a espada do Espírito, que é a
palavra de Deus” (Ef 6.17). É sábio que os cristãos
investam seu tempo, energia e dinheiro na busca de
conhecimento teológico.
É importante estarmos cientes dos nossos
pensamentos. Algumas vezes, especialmente
quando não socializamos com outros, podemos
abrigar certos pensamentos sem traduzi-los em
palavras. Por exemplo, se Satanás bombardeia uma
pessoa com várias ideias antibíblicas, provocando o
medo na sua mente, ele pode ser agarrado por esse
medo sem estar ciente do motivo desse temor. É
útil, então, que essa pessoa verbalize seus temores
para que se torne possível comparar esses
pensamentos que induzem ao medo com as
palavras da Escritura. Essa é uma estratégia de
autoconsciência – traduzir nossos pensamentos em
palavras, e, então, julgá-los pela Escritura.
Intimamente relacionada com a verbalização
está a comunhão com outros crentes. Como
mencionado, quando somos deixados a nós
mesmos, muitos pensamentos podem cruzar nossas
mentes sem que coloquemos os mesmos em
palavras. Sem verbalização, alguns podem aceitar
certas ideias antibíblicas sem estar ciente delas.
Aqueles que são mais instruídos e disciplinados
nesta área podem não necessitar de comunhão
constante com outros para alcançar a
conscientização, mas aqueles que são mais fracos
podem precisar usar o seu tempo com outros
crentes para examinar o que está acontecendo
dentro deles. É quando traduzimos nossos
pensamentos em palavras que podemos avaliá-los
pela Escritura.
Os cristãos não devem somente se defender
na batalha espiritual, mas espera-se que se engajem
ativamente contra o inimigo. Todas as vezes em
que uma pessoa fala a alguém sobre Jesus Cristo,
ele está participando na batalha espiritual. Paulo
afirmou em 2 Coríntios 4.4-6 que “o deus desta era
cegou o entendimento dos descrentes, para que não
vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é
a imagem de Deus. Mas não pregamos a nós
mesmos, mas a Jesus Cristo, o Senhor, e a nós
como escravos de vocês, por causa de Jesus. Pois
Deus, que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele
mesmo brilhou em nossos corações, para
iluminação do conhecimento da glória de Deus na
face de Cristo. Todas as vezes em que pregamos a
Jesus Cristo, estamos fazendo luta contra o
maligno, e as ideias com as quais ele tem cegado
aqueles que o seguem.
Essa é uma guerra na qual devemos
participar ativamente, e Deus nos deu os meios
pelos quais podemos alcançar a vitória. Como
Paulo afirmou em 2 Coríntios 10.3-5, “pois,
embora vivamos como homens, não lutamos
segundo os padrões humanos. As armas com as
quais lutamos não são humanas; ao contrário, são
poderosas em Deus para destruir fortalezas.
Destruímos argumentos e toda pretensão que se
levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos
cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a
Cristo”. Nós nos engajamos na batalha espiritual
com as armas que Deus nos deu. Elas têm “poder
divino” para “destruir argumentos” e “levar cativo
todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”.
Não devemos evitar a batalha espiritual, mas
participar nela brava e inteligentemente, tanto no
nível pessoal como global.
CAPÍTULO 3: LÓGICA E FALÁCIAS

Para discernir o bem do mal, uma pessoa


deve ser capaz de entender a Escritura, e aplicá-la
para avaliar vários argumentos que possa encontrar.
Esse capítulo introduz alguns dos conceitos básicos
de raciocínio. Aprender o material que segue fará a
pessoa tornar-se mais consciente dos pensamentos
e ideias com os quais ela se depara diariamente, o
que significa que será capaz de se proteger do
pensamento errôneo, e estar mais preparada para
defender o pensamento correto.
Definições: Deveríamos primeiro definir vários
termos importantes que usaremos neste capítulo:
Argumentos: Um argumento consiste de uma série
de proposições das quais uma está sendo afirmada
como verdadeira formando a base das outras
proposições. Algumas vezes, um argumento pode
aparecer como apenas uma simples declaração. Em
tais casos, o argumento pode conter suposições,
que, se declarado explicitamente, formará uma
série de declarações correspondendo à definição
acima.
Premissas: As premissas são as proposições de
suporte que, quando tomadas juntas, supostamente
levam à conclusão.
Conclusão: A conclusão é a afirmação que o
argumento é suposto provar sobre a base das
premissas.
Validade: Um argumento válido é um no qual as
premissas levam inevitavelmente à conclusão. Em
tal argumento, a conclusão é verdadeira somente se
as premissas forem verdadeiras. Contudo, é
possível um argumento ser válido e, todavia, falso.
Se as premissas são falsas, mas o argumento é
estruturado de uma forma que, se as premissas
forem assumidas como verdadeiras, levaria
inevitavelmente à conclusão, então o argumento
seria falso, mas válido.
Podemos tomar o seguinte exemplo para
ilustrar as palavras definidas acima:
1. Todos os cães são mamíferos.
2. Todos os mamíferos são homeotermos.
3. Portanto, todos os cães são
homeotermos.

Esta série de proposições consiste de três


declarações, das quais (3) é afirmada como
verdadeira sobre a base de (1) e (2), que torna essa
série de declarações um argumento. As declarações
(1) e (2) são as proposições de suporte, que
deveriam levar logicamente à conclusão (3),
fazendo delas as premissas. A declaração sendo
afirmada como verdadeira é (3), que faz dela a
conclusão do argumento. Se as premissas,
declarações (1) e (2), levam inevitavelmente à
conclusão [a declaração (3)], então este argumento
é dito ser um argumento válido. Isto significa que a
conclusão deve ser verdadeira se as premissas
forem verdadeiras. Contudo, um argumento válido
não é o mesmo que um argumento sólido ou
verdadeiro. Um argumento válido pode ser falso. A
validade indica meramente se as premissas levam
inevitavelmente à conclusão ou não. A conclusão
seria verdadeira se as premissas fossem
verdadeiras. Por outro lado, num argumento
inválido, a conclusão pode não ser verdadeira,
mesmo que as premissas sejam verdadeiras.
Eu posso dizer:
1. Todos os cães têm cinco patas.
2. Ralph é um cão.
3. Portanto, Ralph tem cinco patas.

Este é um argumento válido, pois se todos


os cães tivessem cinco cães, e se também fosse
verdade que Ralph é um cão, a conclusão que
Ralph tem cinco patas é inevitável. Se as
declarações (1) e (2) são verdadeiras, então (3) tem
que ser verdadeira. Este é um argumento válido,
mas a conclusão não é verdadeira. Um argumento
válido é também verdadeiro se as premissas forem
verdadeiras, significando que a conclusão deve ser
verdadeira por necessidade lógica se as premissas
forem verdadeiras.
Resumindo, um argumento é uma série de
proposições das quais uma é afirmada ser
verdadeira. A declaração afirmada como sendo
verdadeira é a conclusão, com as declarações
restantes como premissas, que deveriam levar à
conclusão. As premissas levam inevitavelmente à
conclusão se o argumento for válido. Num
argumento válido, a conclusão é verdadeira se as
premissas forem verdadeiras.
Formas de argumento: A forma como um
argumento é estruturado torna-o válido ou inválido.
Embora não abordarei as formas de argumento
extensivamente neste livro, introduzirei vários
deles, que serão úteis para nossa discussão
iminente. Existem outras formas de argumento
além daquelas apresentadas aqui.
A primeira forma de argumento é a seguinte:
1. Todo A é B.
2. Todo B é C.
3. Portanto, todo A é C.

Estamos usando as letras A, B e C para


representar palavras e termos diferentes. Essa é a
forma de argumento usada num exemplo acima. O
argumento diz:
1. Todos os cães são mamíferos.
2. Todos os mamíferos são homeotermos.
3. Portanto, todos os cães são
homeotermos.
Neste caso, A representa cães, B mamíferos
e C homeotermos. Essa é uma forma de argumento
válida, significando que se um argumento segue
essa estrutura, ele produzirá uma conclusão
logicamente certa. Se as premissas (1) e (2) são
verdadeiras, então a conclusão (3) deve ser
verdadeira.
Eis outra forma de argumento:
1. Se A, então B.
2. A.
3. Portanto, B.

Podemos aumentar a forma levemente, para


torná-la mais clara:
1. Se A é verdadeiro, então B é verdadeiro.
2. A é verdadeiro.
3. Portanto, B é verdadeiro.

Essa forma de argumento declara como sua


primeira premissa que, se A é verdadeiro, então B
deve ser verdadeiro. Se você descobre que a
condição A está satisfeita, então não há
possibilidade de B ser falso. Então, (2) nos diz que
A de fato é verdadeiro, o que torna (3) a conclusão
necessária, que B é verdadeiro. Esse é um
argumento válido; pois, dada sua estrutura, a
verdade da conclusão é logicamente inevitável se as
premissas forem verdadeiras.
A última forma de argumento que
examinaremos é chamada dilema. Ela é declarada
da seguinte forma:
1. X ou Y.
2. Não X.
3. Portanto, Y.

Essa forma de argumento também pode ser


expandida e declarada como:
1. Ou X é verdade, ou Y é verdade (mas
não ambos).
2. X não é verdadeiro.
3. Portanto, Y é verdadeiro.

A primeira premissa nos dá duas


possibilidades – declara que ou X é verdade, ou Y é
verdade, mas é impossível que ambos sejam
verdade. A segunda premissa nega uma das duas
possibilidades, tornando logicamente necessário
que a outra seja verdade. Se concordarmos que uma
pessoa deve ser casada ou não casada, e que ela não
pode ser casada e não casada ao mesmo tempo, se
negarmos que seja casada, então deve ser não
casada.
Avaliando argumentos: Com o acima exposto em
mente, introduziremos agora um procedimento
básico para avaliar argumentos. Avaliar um
argumento é examiná-lo com o propósito de
descobrir sua força ou fraqueza, e se o argumento
deve ser aceito ou não.
Aqui estão os seis passos da estratégia para
avaliar argumentos:
1. Defina o assunto.
2. Avalie a conclusão.
3. Avalie as premissas.
4. Avalie as definições.
5. Avalie a forma do argumento.
6. Procure falácias.

Exploremos o significado e a importância de


cada passo.
(1) Defina o assunto. Quer alguém esteja lendo um
livro, assistindo televisão ou engajando-se num
debate com outra pessoa, a primeira coisa que deve
ser feita é definir o assunto da discussão. É o
mesmo que responder à pergunta “Sobre o que
estamos falando?”. Pode parecer óbvio que duas
pessoas não podem ter uma conversa com sentido,
a menos que ambos estejam cientes do assunto;
contudo, muitas falsas concordâncias e
discordâncias resultam de definições ambíguas dos
assuntos sob discussão.
Muitas vezes, os participantes de um debate
podem concordar ou discordar de várias questões
essenciais; mas, se o assunto não tiver sido
claramente definido, as concordâncias e
discordâncias podem parecer maiores do que
realmente são. Muito tempo pode ser gasto na
discussão, e, se for bem-sucedido, apenas levará a
um esclarecimento do assunto envolvido e a
posição básica dos dois lados. Isso deveria ter sido
feito no começo, de modo que mais tempo e
esforço pudessem ser gasto abordando os pontos
que estão sendo verdadeiramente disputados.
Algumas vezes, discórdias desaparecem
quando o assunto é explicitamente definido por
ambos os lados do argumento. Sem dúvida, muitas
discórdias podem permanecer mesmo após o
assunto ter sido esclarecido, mas esses são os
pontos que o debate intenta resolver. De modo
oposto, duas pessoas que parecem concordar a
princípio descobrem que discordam fortemente
após o assunto ter sido claramente definido. Por
exemplo, alguns afirmam que todas as religiões, ou
pelo menos duas religiões sob comparação num
determinado momento, são essencialmente a
mesma coisa. Mas quanto mais claro o assunto e o
conteúdo forem definidos, mais aparente se tornará
as discórdias entre as religiões.
Ao avaliar um argumento, uma pessoa deve,
primeiramente, verificar o assunto que o argumento
está abordando. Se ele toma o argumento para se
referir a algo que o argumento não pretendia
abordar, tal pessoa pode se encontrar discordando
do argumento, quando poderia concordar se o
avaliasse como abordando o assunto que o mesmo
pretendia abordar. Às vezes, o contrário pode
acontecer, de modo que uma pessoa pode se
encontrar concordando com um argumento, mas
imediatamente discordar dele, uma vez que o
mesmo é entendido. Mesmo que um argumento
seja entendido incorretamente, uma pessoa não será
capaz de expor sua fraqueza se não entender o
propósito de tal argumento.
(2) Avalie a conclusão. Uma vez que uma pessoa
descobriu o assunto que o argumento em questão
está abordando, ela deveria verificar sua conclusão.
Isso é o mesmo que responder a seguinte pergunta:
“O que esse argumento está afirmando ser
verdadeiro?”. Ele ainda não está tentando localizar
as premissas do argumento, ou julgar se o
argumento é verdadeiro ou não. Está somente
tentando descobrir o que o argumento está
afirmando ser verdade, quer concorde com isso ou
não.
A conclusão pode não ser declarada
explicitamente, mas pode estar implicada. Em tal
caso, a pessoa deve observar o argumento inteiro
para determinar o que o autor ou orador está
afirmando como verdade. Algumas vezes pode
parecer existir mais de uma conclusão. Contudo,
um bom autor ou orador geralmente não é ambíguo,
e uma pessoa deve ser capaz de descobrir a
conclusão com um alto nível de precisão se levar
em conta o contexto dentro do qual o argumento se
encontra.
Uma vez que a pessoa descobriu e entendeu
a conclusão, ele pode concordar ou discordar dela,
ou pode ficar indeciso sobre a questão. Um bom
argumento não assume que o leitor ou ouvinte
sempre concordará e, portanto, fornece algumas
declarações de suporte para endossar a conclusão.
Essas são as premissas, sobre as quais iremos falar
agora.
(3) Avalie as premissas. Se alguém rejeita a
conclusão de um argumento, ele deveria ser capaz
de declarar a razão para tal. Mesmo se ele
concordar com a conclusão, isso não significa que o
argumento é sólido. Tanto ele quanto a pessoa que
está apresentando o argumento podem estar
enganados. Portanto, precisamos determinar se
temos boas razões para crer na conclusão. Para
fazer isso, devemos observar as premissas que
estão sendo apresentadas, que supostamente levam
de maneira inevitável à conclusão.
Quanto à conclusão, algumas vezes uma ou
mais premissas estão implícitas. Em argumentos
simples, geralmente fica óbvio quais são elas; mas,
em argumentos mais complexos, as premissas
implícitas nem sempre podem ser óbvias, e é
possível inferir premissas errôneas a partir do
argumento, fazendo assim injustiça ao mesmo.
Contudo, como mencionado acima, bons autores e
oradores não são ambíguos, e, portanto, ao
examinar o contexto dentro do qual o argumento se
encontra, uma pessoa deveria ser capaz de
descobrir as premissas implícitas com alto grau de
exatidão.
Ao procurar as premissas num argumento,
estamos tentando responder a pergunta: “Quais
razões são dadas para apoiar a afirmação de que a
conclusão é verdadeira?”. Ao encontrar as
proposições explícitas ou implícitas no argumento
que responderão isso, a pessoa terá encontrado suas
premissas.
Então, uma pessoa deve tentar determinar se
as premissas são verdadeiras ou não. Se as
premissas são falsas, o argumento ainda pode ser
válido se as premissas levarem inevitavelmente à
conclusão quando as premissas forem assumidas
como verdadeiras, sendo que, nesse caso, elas são
falsas. O argumento ainda é válido, mas a
conclusão será falsa; ele é um argumento válido,
mas não é sólido.
(4) Avalie as definições. Já extraímos a conclusão e
as premissas do argumento. Devemos continuar
para nos assegurarmos que as palavras e termos
usados estejam claramente definidos e usados
consistentemente por todo o argumento.
Como vimos, se o assunto do argumento não
é conhecido, a confusão pode resultar em dois lados
equivocadamente concordando ou discordando um
do outro, quando a situação pode ser outra, uma vez
que o assunto tenha sido definido com precisão.
Após ter sido definido o assunto da discussão, os
pontos de concordância e discordância se tornarão
mais óbvios, e a discussão poderá continuar com
maior produtividade.
O significado das palavras e termos dentro
de um argumento também é importante. Se o
significado deles é ambíguo, o ouvinte pode tomar
o argumento como significando algo diferente do
que o autor ou orador tencionava, ou o argumento
pode parecer ser sólido, quando não o é. Devemos
fazer a pergunta: “O significado das palavras e
termos é claro e consistente durante todo o
argumento?”.
Muitas palavras possuem mais de uma
definição, e precisamos conhecer que significado
particular é tencionado dentro do argumento em
questão. O contexto do argumento geralmente
restringe o significado das palavras usadas para
eliminar a maioria dos possíveis significados.
Assim, o leitor deve procurar determinar como o
uso das palavras pode se encaixar no contexto da
discussão.
Após termos determinado as definições das
palavras e termos, devemos examinar se eles estão
sendo usados consistentemente. Algumas vezes,
uma palavra pode carregar um significado no
princípio do argumento, e pode ser usada
novamente com um significado diferente mais
adiante e, então, o argumento continua para formar
o que parece ser uma conclusão válida. Contudo, se
o significado da palavra ou do termo fosse
permanecer o mesmo durante todo o argumento, a
conclusão não se seguiria. Resumindo, assegure-se
de que o autor ou orador não muda o significado de
uma palavra ou termo dentro de um argumento.
(5) Avalie a forma do argumento. Assumindo que
entendemos a conclusão e as premissas de um
argumento, e assegurando-nos de que as palavras e
termos usados são claros e consistentes durante
todo o tempo, estamos prontos para avaliar a forma
do argumento.
Ao avaliar a forma do argumento, estamos
tentando responder a pergunta: “As premissas
levam inevitavelmente à conclusão?” ou “Dadas as
premissas, é possível a conclusão ser verdadeira?”.
Embora possam ser úteis, não são suficientes para
nos ajudar a decidir se deveríamos ser convencidos
pelo argumento ou não, visto que um argumento
que é possivelmente correto é também
possivelmente errado, e não carrega força lógica
suficiente.
Contudo, um argumento válido pode
somente ser provavelmente verdadeiro, e não
absolutamente verdadeiro, pois o argumento é
verdadeiro somente se as premissas forem
verdadeiras. Às vezes, as premissas são apenas
provavelmente verdadeiras, mas já avaliamos a
força das premissas num passo anterior. Se as
premissas levam inevitavelmente à conclusão, ele é
válido; de outra forma, é inválido.
(6) Procure falácias. Quando completar o passo
anterior, provavelmente a pessoa já determinou a
veracidade ou falsidade de um argumento.
Terminamos agora o procedimento verificando uma
lista de falácias para ver se o argumento em questão
cometeu uma ou mais delas.
Falácias são erros lógicos que alguns
argumentos cometem, desqualificando-os de serem
argumentos válidos ou persuasivos. Ser capaz de
reconhecer alguns dos erros mais comuns
capacitará uma pessoa a fazer julgamentos úteis
sobre os argumentos apresentados. Introduzirei
várias falácias adiante neste capítulo.
Para resumir, quando avaliamos um
argumento, devemos primeiro nos certificar sobre o
assunto que o argumento está abordando. Mesmo
um argumento forte pode parecer fraco para uma
pessoa que entende incorretamente seu propósito, e
vice-versa. Então, devemos identificar no que o
argumento está tentando fazer que creiamos; isto é,
o que o argumento está afirmando ser verdadeiro. A
despeito de concordarmos com a conclusão ou não,
devemos continuar a fim de localizar as razões ou
premissas dadas para apoiá-la, e devemos nos
perguntar se são verdadeiras ou não. Para avaliar
apropriadamente as premissas e a conclusão,
devemos entender as palavras sendo usadas, e nos
assegurar de que elas carregam o mesmo
significado ao longo do argumento. Se o argumento
segue uma estrutura que torna a conclusão
necessária, ele deve ser aceito como verdadeiro se
as premissas forem verdadeiras.
Examinaremos agora vários argumentos
usando os procedimentos acima, que esclarecerão o
processo e os problemas envolvidos.
Eu posso dizer que:
1. Se X é uma mulher, ela teria duas
pernas.
2. X tem duas pernas.
3. Portanto, X é uma mulher.
Mesmo tal argumento simples apresenta
vários desafios. Por exemplo, encontramos
ambiguidade no primeiro passo do nosso
procedimento, que é definir claramente o assunto
sob discussão. Simplesmente porque (1) diz que “se
X é uma mulher, ela teria duas pernas” não
significa necessariamente que a discussão é apenas
sobre seres humanos, embora isso seja possível. É
também possível que estejamos falando de algum X
que pode não ser um ser humano. A conclusão
neste argumento é clara, que X é afirmado ser uma
mulher – um ser humano que é do sexo feminino.
Ao examinar as premissas, vemos que este
argumento não é convincente, pois as premissas
não levam necessariamente à conclusão; elas
deixam muitas possibilidades abertas. Por exemplo,
uma galinha também tem duas pernas, de modo que
se X fosse uma galinha, ela também teria duas
pernas. Uma mulher não pode ser também uma
galinha e, portanto, o argumento como proposto
falha em estabelecer X como uma mulher.
Podemos dizer também que todo homem tem duas
pernas e, portanto, X, mesmo que humano, pode ser
macho ou fêmea. A conclusão não segue
necessariamente das premissas.
Agora mudemos o argumento da seguinte
forma:
1. Se e somente se X é uma mulher, ela
teria duas pernas.
2. X tem duas pernas.
3. Portanto, X é uma mulher.
Este é um argumento válido, e a conclusão
deve ser verdadeira se as premissas forem
verdadeiras. A primeira premissa diz que X pode
ter duas pernas somente se for uma mulher. Se X
tem duas pernas, ela deve ser uma mulher. Sem
dúvida, embora o argumento seja válido neste caso,
a conclusão é errônea, pois a premissa (1) é falsa.
Outros seres, tais como os pássaros, também têm
duas pernas.
Quanto às definições de palavras e termos,
parece que elas são consistentes durante todo este
argumento. As palavras “mulher” e “pernas”
carregam o mesmo significado do princípio ao fim
deste argumento. Não há problemas nessa área.
Tomemos M para representar “mulher”, D
para representar “duas pernas”, e X para
representar os seres cuja natureza estamos tentando
determinar. Podemos colocar a primeira versão
deste argumento assim:
1. Se M, então D.
2. D.
3. Portanto, M.
Este argumento contém a falácia formal de
afirmar o consequente, no qual o argumento afirma
o resultado da condição declarada na primeira
premissa, mas a primeira premissa não exclui
outras condições de produzir o mesmo resultado.
“Se M, então D” não é o mesmo que “Se e
somente se M, então D”. Se tomarmos o último
como a primeira premissa do argumento, isso faria
dele um argumento válido. Isso é o que fizemos
com a segunda versão do argumento, conforme
abaixo:
1. Se e somente se X é uma mulher, ela
teria duas pernas.
2. X tem duas pernas.
3. Portanto, X é uma mulher.
Se X tem duas pernas, ele não pode ser outra
coisa senão uma mulher.
Na primeira versão, X pode ou não ser uma
mulher, mas não podemos determinar isso a partir
desse argumento. Esse argumento falha em nos
persuadir de sua conclusão, que X é uma mulher.
Sabemos que o argumento está provavelmente
abordando o assunto do sexo de X, e a conclusão
proposta é que X é uma mulher.
O exposto acima é uma ilustração simples, e
talvez até mesmo tola. A maioria das pessoas
deveria ser capaz de dizer que o argumento é
imediatamente não convincente. Mas sem conhecer
os procedimentos para avaliar os argumentos, eles
podem ser capazes de explicar o motivo de o
argumento estar errado, e exatamente que
mudanças são necessárias para torná-lo um
argumento válido. Se o argumento fosse mais
complexo, a pessoa não treinada poderia não ser
capaz de avaliá-lo.
Olhemos outro exemplo:
1. Se chover, o chão ficará molhado.
2. Está chovendo.
3. Portanto, o chão está molhado.
O assunto é se o chão está molhado ou não,
e a conclusão declara que sim.
As duas primeiras premissas nos dizem
sobre que fundamentos o autor deste argumento
tenta nos levar à sua conclusão. A declaração (1)
afirma que se chover, o chão ficará molhado. Essa
premissa pode ser ou não verdadeira. Se estamos
falando de um pedaço particular de chão que tem
uma cobertura, ele pode não ficar molhado, mesmo
que chova. Assumindo que tanto o orador quanto o
ouvinte estão pensando num pedaço particular de
chão que não tenha uma cobertura, então podemos
assumir com segurança que a primeira premissa é
verdadeira. Além disso, devemos concordar
também sobre a localização onde a chuva pode cair,
pois chover numa parte do mundo não molhará um
pedaço de chão na outra parte do mundo. Assim,
assumimos que estamos falando de um pedaço
particular de chão, com a primeira premissa
declarando que se chove sobre esse pedaço de chão,
então ele ficará molhado.
A segunda premissa afirma que “está
chovendo”. Para os nossos propósitos, a segunda
premissa poderia ser também “choveu”. Se
tomarmos a última como nossa segunda premissa,
devemos assumir que a chuva não ocorreu muito
antes do argumento ser apresentado, fazendo com
que o chão já esteja seco. Podemos assumir que o
argumento é feito imediatamente após a chuva
parar, ou enquanto ainda está chovendo.
Se entendemos as premissas nas formas
declaradas acima, parece inevitável a conclusão de
que o chão está presentemente molhado, e não
seco. Esse é um argumento válido. Ele toma a
forma de argumento que examinamos no começo, a
saber:
1. Se A, então B.
2. A.
3. Portanto, B.
A definição das palavras e termos tais como
“chovendo”, “chão” e “molhado” parece ser clara e
consistente durante todo este argumento. Nas
situações do dia-a-dia, as definições usadas pelo
orador e o ouvinte neste caso deveriam ser bem
similares. Em nome da precisão, tivemos que
esclarecer que a palavra “chão” significa um
pedaço de chão sem qualquer cobertura, e que o
“chovendo” ocorre sobre o “chão”. O argumento é
apresentado logo após a chuva, ou enquanto está
chovendo. Não definimos claramente “molhado”
que, para pessoas diferentes, pode significar
“úmido” ou “ensopado”.
Pode parecer excessivo examinar um
simples argumento dessa forma. Isso pode ser
verdadeiro se estamos lidando com uma situação
sem importância na qual a verdade do argumento
não importa. Contudo, quando chegamos à
teologia, ética, ciência, história e outras áreas
importantes, precisamos ser mais cuidadosos no
modo de usar os argumentos. Há várias formas de
entender incorretamente mesmo o mais simples dos
argumentos. Podemos não considerar o exemplo
acima ambíguo, mas os argumentos que ouvimos
não são sempre claros, nem captamos sempre o
significado pretendido pelo orador. A ambiguidade
apresenta um grande obstáculo para a comunicação,
e não ocorre somente em argumentos técnicos.
A seguir, analisaremos um argumento cujas
premissas e conclusões estão implícitas. O
argumento é curto, e se apresenta assim: “Se você é
um homem, por que está chorando?”. Inicialmente,
parece não haver nenhuma conclusão. Visto que é
declarado como uma pergunta, alguns podem nem
mesmo considerá-lo um argumento. Dependendo
do tom e contexto da declaração, o argumento pode
ser de fato uma pergunta. Contudo, assumindo que
a intenção é que ele seja uma declaração, o assunto
seria se a pessoa mencionada é “um homem” ou
não, e a conclusão implícita seria “Você não é um
homem”.
As premissas também estão implícitas. A
primeira premissa pode ser “Se você for um
homem, não ficará chorando” e a segunda premissa
é mais clara, qual seja, “Você está chorando”. O
argumento inteiro, quando declarado de forma
explícita, seria como segue:
1. Se você for um homem, não ficará
chorando.
2. Você está chorando.
3. Portanto, você não é um homem.
Da forma como se apresenta, o argumento
não parece ser verdadeiro. A primeira premissa
declara que se o ouvinte é um homem, ele não
estaria chorando. Nossa primeira reação é rejeitar
essa premissa, e, desse modo, a conclusão proposta
não se segue. Se o autor ou orador insiste na
primeira premissa, o peso da prova está sobre ele,
para convencer a audiência de sua verdade.
As palavras e termos desse argumento são
ambíguos. Quando o orador diz “se você for um
homem”, ele está se referindo a um ser humano do
sexo masculino, ou ao caráter de uma pessoa, como
no ser “másculo”? Também, a palavra “homem” na
conclusão pode carregar um significado diferente.
Assim, uma versão do argumento pode ser:
1. Se você for um ser humano do sexo
masculino, não ficará chorando.
2. Você está chorando.
3. Portanto, você não é um ser humano do
sexo masculino.
Chamaremos essa de versão A. Outra versão
pode ser:
1. Se você for um ser humano do sexo
masculino, não ficará chorando.
2. Você está chorando.
3. Portanto, você não é másculo.
Chamaremos essa de versão B.
A versão A é correta se a primeira premissa
for correta. Podemos rejeitar esse argumento se
tivermos razão para crer que essa primeira premissa
é falsa; isto é, seres humanos do sexo masculino
podem chorar. A conclusão na versão B pode ou
não ser correta; mas, visto que a palavra
“másculo”[9] é usada com um significado diferente
na conclusão do que aquele usado na primeira
premissa, a conclusão não segue das premissas,
quer sejam verdadeiras ou não. Em todo o caso,
podemos uma vez mais rejeitar a premissa (1),
vendo como ela é falsa com respeito aos seres
humanos do sexo masculino.
Podemos criar outras versões desse
argumento se alterarmos as definições da palavra
“homem”. A palavra pode significar “não másculo”
tanto na premissa (1) como na conclusão, em cujo
caso podemos ter a melhor versão possível desse
argumento, quer a conclusão seja verdadeira ou
não. Ou podemos ter a primeira ocorrência da
palavra “homem” significando “másculo” e, então,
significando seres humanos do sexo masculino na
conclusão. Isso produz outro argumento pobre.
Mesmo num argumento simples como esse,
ambiguidade e inconsistência podem causar muitos
problemas, e o problema é ainda maior com
argumentos mais complexos.
O argumento toma a forma de:
1. Se X, então Y.
2. Não Y.
3. Portanto, não X.
“Não chorando” é representado por Y,
embora tenha a palavra “não” nele; portanto, “não
Y” significaria “chorando”. Esse argumento nega o
resultado da condição na primeira premissa; negar
o consequente forma um argumento válido.
Embora esse argumento não declare a
conclusão ou as premissas explicitamente, esses
elementos ainda estão presentes. Alguns
argumentos podem ser tão longos quanto vários
parágrafos e ter a conclusão e as premissas
implícitas, em vez de explicitamente declaradas.
Estudaremos mais um exemplo antes de
discutir falácias lógicas. Ele é como segue:
1. Se eu bato em Tom, ele ficará
machucado.
2. Tom está machucado.
3. Portanto, eu bati em Tom.
O assunto é se eu bati ou não em Tom; isso
é o que o argumento pretende determinar. A
conclusão declara que eu de fato bati nele. As
premissas apóiam essa conclusão? A primeira
premissa declara que “se eu bato em Tom, ele
ficará machucado”. Não há possibilidade de eu
bater em Tom e ele não ser machucado. A premissa
não deixa nenhuma possibilidade para alternativas.
A segunda premissa declara que Tom foi
machucado. As palavras e termos parecem ser
claras e consistentes ao longo desse argumento,
assumindo que o orador e o ouvinte não possuem
definições diferentes sobre os conceitos de bater e
ser machucado.
Alguns podem concluir que se segue
logicamente que eu bati em Tom; contudo, a
primeira premissa não elimina a possibilidade de
Tom ser machucado de outras formas. Tom pode
ter caído de uma escada, ou outra pessoa pode ter-
lhe machucado. Portanto, as premissas dadas são
insuficientes para concluir que fui eu o causador de
sua injúria. Ela é uma conclusão possível, mas não
necessária.
O argumento toma a forma:
1. Se A, então B.
2. B.
3. Portanto, A.
Isso afirma o consequente e gera um
argumento inválido. Ele ignora explicações
alternativas.
Se fôssemos mudar esse argumento para um
válido, poderíamos alterar a primeira premissa para
que o argumento ficasse assim:
1. Se e somente se eu bati em Tom, ele
ficará machucado.
2. Tom está machucado.
3. Portanto, eu bati em Tom.
Considerando que as premissas são
verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira. A
primeira premissa afirma que eu sou o único que
poderia machucar Tom; portanto, se Tom está
machucado, isso significa que eu bati nele.
Para resumir nosso procedimento sugerido
para avaliar um argumento, devemos passar por
esses seis passos: (1) Defina o assunto; isto é, faça
a pergunta “Sobre o que estamos falando?”. (2)
Avalie a conclusão; isto é, faça a pergunta “O que
esse argumento está afirmando ser verdade?”. (3)
Avalie as premissas; isto é, faça a pergunta “Quais
razões são dadas para apoiar a afirmação que a
conclusão é verdadeira?”. (4) Avalie as definições;
isto é, faça a pergunta “O significado das palavras e
termos é claro e consistente durante todo o
argumento?”. (5) Avalie a forma de argumento; isto
é, faça a pergunta “As premissas levam
inevitavelmente à conclusão?”. (6) Procure falácias.
Para formar um bom argumento, uma pessoa
aplica esses passos ao construir seu caso. Ele
deveria primeiro definir claramente o assunto ou a
questão que o seu argumento pretende resolver.
Então, ele deve declarar a conclusão com precisão.
Após isso, deve fornecer razões, ou premissas, para
apoiá-la. As premissas devem estar relacionadas de
tal modo que conduzam, inevitavelmente, à
conclusão que ele afirma. Ele deve se assegurar de
que está usando as palavras e os termos clara e
consistentemente durante todo o argumento, e que
evita a ambiguidade. Então, deverá verificar se o
seu argumento cometeu alguma falácia lógica.
Tendo feito isso ao construir o seu caso, é provável
que o argumento resultante seja muito forte.
Não há necessidade de sempre declarar um
argumento de uma maneira rígida ou ponto a ponto,
embora essa seja a forma mais clara. Numa
situação na qual a conversa demande uma
expressão mais flexível, ele pode formular seu
argumento de um modo que reflita um bom estilo
de escrita, no entanto, retendo a clareza e a força
lógica. A pessoa deve verificar se não é difícil ou
mesmo impossível descobrir a conclusão e as
premissas, e que ele não altera o significado dos
termos sendo usados no meio de um argumento.
Agora que o leitor aprendeu alguns
princípios básicos na análise e formulação de
argumentos, introduzirei várias falácias comuns.
Onde for possível e conveniente, também
fornecerei alguns exemplos que podem lembrar
algo que alguém como um cristão pode encontrar.
Não cristãos normalmente argumentam
falaciosamente contra o Cristianismo. Se o cristão
está ciente disso, ele estará numa posição melhor
para refutá-los.
Tipos de falácia. Existem dois tipos de falácias, e
discutiremos somente falácias que se enquadram
em um dos dois tipos. Falácias formais dizem
respeito mais à estrutura do argumento do que ao
conteúdo. Como mencionado, um argumento pode
ser válido em termos de estrutura, mas pode se
tornar falso quando o conteúdo é levado em conta.
Por outro lado, se a estrutura do argumento é
inválida – se ele comete uma falácia formal –
então, a conclusão do argumento não se segue das
premissas, significando que o argumento deve ser
rejeitado.
Para ilustrar uma falácia formal, revisaremos
o argumento que acabamos de mencionar mais
acima. Uma vez mais, o argumento é o seguinte:
1. Se eu bato em Tom, ele ficará
machucado.
2. Tom está machucado.
3. Portanto, eu bati em Tom.

Em termos de estrutura de argumento, ele


pode ser algo assim:

1. Se A, então B.
2. B.
3. Portanto, A.

A segunda premissa afirma o consequente


como listado na primeira premissa. Afirmar o
consequente, a menos que a primeira premissa diga
“se e somente se”, em vez de apenas “se”, ignora
outras causas possíveis que podem levar a B. Em
outras palavras, C e D (não mencionados no
argumento) podem levar também a B, e não apenas
A; portanto, afirmar B não implica necessariamente
A. Esse argumento contém uma falácia formal; ele
é falacioso baseado em sua estrutura inválida.
Neste capítulo, estudaremos apenas falácias
informais. Enquanto as falácias formais estão
preocupadas com a validade do argumento, as
falácias informais levam em consideração o
conteúdo do argumento.
Algumas falácias comuns. O que segue são vinte e
seis falácias informais que regularmente aparecem
em argumentos. Saber como reconhecê-las
equipará alguém a debater com outras pessoas, e o
protegerá de ser afetado por falsas ideias,
teológicas ou não. Existem outras falácias
informais além daquelas que listei abaixo. Alguns
livros-texto de lógica podem listar quarenta e cinco
falácias, ou mesmo mais de sessenta.
Uma determinada ação dentro do contexto
da argumentação pode ser chamada de um
movimento, e as falácias que seguem podem ser
consideradas como movimentos ilegítimos na
argumentação. Usarei este termo às vezes quando
me referindo a elas. Alguns dos seguintes exemplos
podem estar relacionados a mais de uma falácia,
mas cada um será visto à luz daquela sob
consideração. Para manter este capítulo breve,
definirei as falácias, mas não fornecerei exemplos
para todas elas. Como se observará na explanação
seguinte das falácias informais, alguns desses
movimentos na argumentação são falaciosos
somente dentro de certos contextos.
Apelo à Autoridade. O apelo à autoridade cita uma
figura ou fonte proeminente como suporte de sua
afirmação. Ele se torna uma falácia informal
quando essa autoridade é um especialista num
campo diferente. Seria um engano citar um físico
para se referir à questão da economia, como se ele
fosse um especialista neste campo também, e seria
um engano citar um especialista em biologia num
debate sobre religião. Muitos são ignorantes
quando diz respeito a áreas não relacionadas com a
sua especialidade, e suas visões sobre aqueles
assuntos são frequentemente inferiores às dos
profissionais medíocres daqueles campos.
Normalmente, a visão de celebridades, tais
como estrelas de cinema ou cantores, é citada ao se
referir a assuntos tais como religião, ciência,
política e economia. Assumindo que eles não têm
nenhum treinamento ou qualificação relevante, o
que eles pensam sobre um determinado assunto
pode ser uma questão de interesse para alguns, mas
não carrega nenhum poder persuasivo quando diz
respeito à argumentação.
Uma autoridade nem sempre está correta,
mesmo no campo no qual é um especialista.
Embora citar uma autoridade no campo sob
consideração possa não ser uma falácia no sentido
de tornar o argumento do orador mais crível, o
argumento pode ainda estar incorreto. Tanto o
orador quanto a autoridade citada podem estar
errados. Em discussões sérias, é melhor não apoiar
o caso todo sobre o testemunho de figuras de
autoridade apenas.
Ao defender a fé, o crente demonstra que a
cosmovisão cristã inteira deve ser pressuposta para
que o conhecimento e a inteligibilidade sejam
possíveis, e que a autoridade da Escritura, sendo a
Palavra de Deus, é o nosso primeiro princípio
autoatestador. Apelar à autoridade da Escritura,
portanto, não é uma falácia, pois ela é a autoridade
última, com nada superior ou anterior para
autenticar a sua verdade. A tarefa da apologética
envolve articular e defender esse ponto.
Apelo à Força. Essa falácia usa ameaças para
persuadir o rival a realizar uma ação ou adotar certa
posição. Ela tenta convencer por meio da ameaça
de consequências danosas, ao invés do raciocínio
lógico. Não somente uma ameaça pode tomar a
forma de violência física, mas pode ser também
uma que pertença às finanças ou relacionamentos
sociais. A ameaça de ostracismo seria uma ameaça
pertencente à última categoria. Ela pode
frequentemente ser bem-sucedida no domínio da
situação, mas não alcança nenhuma persuasão
intelectual.
Alguns podem usar esse movimento na
argumentação por diversas razões. O orador pode
estar confuso sobre que fundamentos racionais
existem para persuadir o outro a tomar sua posição.
Ou pode parecer ao orador que seria mais rápido e
convincente ameaçar o outro, em vez de dialogar
pacientemente com ele.
Apelo à Evidência Futura. Quando alguém apela à
evidência futura, ele está dizendo que, embora a
evidência atualmente disponível não substancie ou
seja insuficiente para substanciar a visão do orador,
as descobertas futuras justificarão suas afirmações.
Geralmente ela carrega pouca força lógica, pois a
verdade dessa predição não pode ser conhecida até
um tempo futuro, significando que não existe
nenhuma base real para aceitar o argumento do
orador no presente.
Contudo, se tem havido várias descobertas
que apontam para uma direção definida, tornando
provável que certa visão seja confirmada sobre a
base de evidência futura que possa aparecer, então
esse movimento não deve ser considerado uma
falácia. Todavia, o argumento ainda não pode ser
provado como verdadeiro baseado na evidência não
disponível imediatamente.
Ao debater a questão da origem do homem,
os evolucionistas frequentemente cometem essa
falácia dizendo que as descobertas futuras de
registros fósseis ou outros achados confirmarão a
teoria da evolução. Mas, baseado na evidência que
temos até aqui, não é provável que a evidência
futura confirme a evolução. Parece que, quanto
mais evidência descobrirmos, mas improvável a
evolução parecerá. Portanto, o apelo à evidência
futura pelos evolucionistas deve ser considerado
uma falácia. Em todo o caso, esse movimento
deveria ser usado moderadamente na
argumentação, se é que devesse mesmo.
Apelo à Ignorância. Uma pessoa está apelando à
ignorância ao insistir que sua posição é verdadeira
sobre a base que seu oponente não pode refutá-la.
Algumas crenças não podem ser provadas como
falsas, mas isso não significa que sejam
verdadeiras. Talvez o orador esteja meramente
enfrentando um oponente que não tenha o recurso,
treinamento ou a inteligência para refutar a sua
posição, mas isso em si não implica que o orador
esteja certo. Crenças verdadeiras não podem ser
provadas como falsas, mas o que não pode ser
provado como falso não deveria ser
automaticamente aceito como verdadeiro.
Apelo à Opinião Popular. Essa falácia comum
tenta estabelecer sua posição como crível sobre a
base que ela é aceita por muitos indivíduos, ou
mesmo pela maioria. Vivemos numa geração
confusa, irracional e tola. Por exemplo, muitos
estudantes colegiais têm orgulho de se apresentar
como pensadores independentes (embora, mesmo o
valor de ser isso tenha sido ensinado a eles por
outros); mas, na argumentação e discussões, eles
rapidamente apelam à opinião popular como forma
de fortalecer suas opiniões.
Esse movimento é uma falácia, porque a
maioria pode estar errada. Quando diz respeito a
certos assuntos, a maioria pode estar mais
frequentemente errada do que certa. Portanto,
simplesmente porque uma posição é sustentada
pela maioria não prova nada sobre a verdade de
uma posição, exceto o fato que ela é sustentada
pela maioria.
Esse movimento na argumentação pode ter o
efeito de pressionar o ouvinte a aceitar a afirmação
proposta, a que é supostamente acreditada pela
maioria. Ao rejeitar a afirmação do orador, o
ouvinte se arrisca em se isolar intelectual e
socialmente. O apelo à opinião pública produz mais
pressão emocional do que força lógica.
Apelo à Prática Popular. Essa é a falácia do “todo
mundo faz isso”. Similar ao apelo à opinião
popular, ele julga o que é bom ou correto baseado
na disposição da maioria. Se a maioria faz algo, ou
faz algo de certa forma, então, de acordo com essa
falácia, isso adiciona credibilidade à prática.
O apelo à prática popular sofre das mesmas
críticas que o apelo à opinião popular, ou seja, a
maioria pode estar errada. Na maioria dos
argumentos, a disposição da maioria não deveria
ser levada em conta tão seriamente. Contudo, em
algumas discussões, crenças populares podem
adicionar certa credibilidade a uma posição –
depende de a que o argumento se refere.
Apelo a Ditos Populares. Essa falácia apela a ditos
populares para formar uma ou mais premissas num
argumento. Declarações como “nenhuma dor,
nenhum ganho”, “o poder corrompe, e o poder
absoluto corrompe absolutamente”, “errar é
humano”, “ver é crer”, “as ações falam mais alto
que as palavras”, e “uma imagem vale mais do que
mil palavras” são declarações sem prova, ambíguas
e normalmente tolas, que não podem contribuir em
discussões racionais.
Uma pessoa deve aprender a questionar
esses ditos populares. É sempre verdade que
quando a dor não é experimentada, nunca há algum
ganho? É verdade que o poder corrompe todo o
mundo? Podemos provar que todas as pessoas que
já tiveram algum poder foram corrompidas? Onde
está a evidência para isso? “Ver é crer” é uma
posição de crença epistemológica, não uma
declaração de fato. De que forma uma imagem vale
mais do que mil palavas? Podemos reduzir nossos
dicionários, enciclopédias, antologias literárias, ou
mesmo a Bíblia, transformando todos em livros de
imagens, e ainda reter a mesma quantidade de
informação, com o mesmo nível de precisão?
Pode-se não pretender uma aplicação literal
e universal para essas declarações, de modo que o
acima exposto possa parecer injusto; contudo,
muitas pessoas usam tais ditos populares como se
eles pudessem ser interpretados dessa forma, e
como se estivessem na mesma categoria de
verdades estabelecidas. Ao lidar com tais pessoas,
precisaremos desafiar as premissas fazendo
perguntas similares às que apresentamos.
Uma declaração tal como “nenhuma dor,
nenhum ganho” é somente uma observação que
parece ser verdade em algumas situações altamente
específicas. Pode haver inúmeras ocasiões nas
quais muito ganho é alcançado sem qualquer dor,
de modo que é tolo usar tal declaração assim:
1. “Nenhuma dor, nenhum
ganho”.
2. Você não está experimentando
nenhuma dor.
3. Portanto, você não obterá
nenhum ganho.

Embora soe ridículo, muitas pessoas


argumentam dessa forma, mesmo dentro do
contexto de discussões e debates sérios. Além do
mais, muitos ditos populares contradizem outros
ditos populares, e não podem ser todos corretos ou
aplicáveis.
Apelo à Compaixão. O apelo à compaixão é
especialmente vil e desonesto. O orador tenta focar
a atenção sobre o apuro e desespero no qual ele ou
outros estão, não na tentativa de estabelecer a
credibilidade racional de sua posição, mas para
influenciar as emoções do oponente ou da
audiência, ganhar a compaixão deles, e assim
adquirir a vantagem no debate. Esse tipo de
argumento é usado com frequência, e em todos os
tipos de situações – desde relacionamentos pessoais
a ocasiões tais como negociações políticas entre
duas nações. Algumas vezes, um partido forte que
não está especialmente numa desvantagem pode
fingir ser a vítima, ou o “azarado”, para induzir
culpa e compaixão no oponente ou audiência.
Uma pessoa cometendo essa falácia não
tenta arrazoar, mas manipular. Uma mãe pode
tentar induzir culpa em seu filho dizendo-lhe o
quanto ela tem se sacrificado por ele, e o quanto se
importa com ele. Se isso é verdade ou não, tem
pouca relevância para o assunto sob discussão, de
modo que não é uma tentativa de diálogo, mas de
controlar e suprimir o outro.
Os cristãos geralmente apelam à compaixão.
A Bíblia ensina que devemos andar em amor, e ter
compaixão pelos outros. Conhecendo parte do que
ela ensina, incrédulos e mesmo cristãos professos
tentam se aproveitar da nossa fé. Contudo, além do
ensino para sermos “inofensivos como a pomba”, a
Bíblia também nos admoesta a sermos “prudentes
como as serpentes” (Mt 10.16).
Um cristão pode confrontar um incrédulo
sobre um pecado particular. O último pode dizer
que, embora ele possa estar errado (algumas vezes
eles podem não admitir isso), o cristão tem o
mandamento de “amá-lo” e, portanto, deveria
tolerar seu comportamento. Às vezes, um incrédulo
que não gosta do comportamento de um cristão,
mesmo quando o cristão está certo, pode tomar a
iniciativa contra ele, acusando-o de ser hipócrita
por não andar em amor. O cristão que não conhece
a Bíblia muito mais do que seu acusador pode
sucumbir a esse engano e se render.
Essa estratégia é um movimento imoral,
irracional e manipulador, e não deveríamos ser
dominados por ele. O amor, quando usado nesse
contexto, é falsamente definido como sendo polido,
de voz suave, obediente, que faz concessões e não
confronta; enquanto que, de acordo com a Bíblia, o
próprio ato de confrontar o pecado pode ser um ato
de amor. A Escritura diz: “Melhor é a repreensão
franca do que o amor encoberto” (Pv 27.5). E que
deveríamos falar “a verdade em amor” (Ef 4.15).
Somos instruídos a “não nos comunicar com as
obras infrutuosas das trevas; mas, antes, condená-
las” (Ef 5.10, 11).
Mesmo cristãos professos manipulam outros
crentes mediante uma distorção do ensino bíblico
sobre o amor, mas somos obrigados a andar em
amor nos termos de Deus, não nos termos daqueles
que distorcem a Escritura para tentar nos controlar.
Não devemos deixar os outros fazerem os cristãos
de tolos, deixando que eles roubem a nossa energia,
tempo e dinheiro por meio de engano. Devemos
exercer sabedoria e ceticismo saudável quando
formos confrontados.
Um apelo à compaixão pode tomar a forma
de “Supostamente vocês cristãos devem andar em
amor. Você não me ama? Por que está falando
dessa forma comigo?”. O orador não respondeu ao
conteúdo do que foi dito; mas, em vez disso,
questiona a atitude com a qual o crente afirma sua
posição. Pode ser que o cristão não tenha sido
muito duro em suas declarações, mas a outra pessoa
está protegendo a área sendo questionada, e, ao
mesmo tempo, recusa responder diretamente aos
seus argumentos. O orador está evitando a questão
ao apelar a fatores irrelevantes ao conteúdo real da
discussão. Se o crente deu um argumento pobre, a
outra pessoa deveria apontar sua fraqueza em
termos de seu conteúdo ou estrutura, não a atitude
com a qual ele apresentou tal argumento. Se o
cristão ama a pessoa com a qual está falando, às
vezes ele pode até mesmo precisar ser
especialmente duro em sua confrontação, para
expor as obras das trevas, como Paulo ordena.
Há tempos quando os ministros precisam
“repreender [suas congregações] severamente, para
que sejam sãs na fé” (Tt 1.3). A definição de amor
de muitas pessoas não tolera esse mandamento
bíblico. O conceito de amor deles é antibíblico,
tendo sua origem nos ideais humanísticos e não no
entendimento correto da Escritura. O verdadeiro
amor bíblico é às vezes gentil e submisso; mas, em
outros momentos, duro, sem concessões e
confrontador. Não está nas mãos dos incrédulos
ditar para nós o que significa andar em amor numa
determinada situação.
Pais, cristãos ou não, podem às vezes usar o
mandamento bíblico “honra a teu pai e a tua mãe”
(Êx 20.12) para manipular seus filhos. Se a ação
solicitada é de fato antibíblica, o cristão não está
sob obrigação de obedecer. Antes, ele tem um
dever para com Deus de resistir aos seus pais nessa
questão. O mandamento bíblico para honrar nossos
pais não se estende a pedidos antibíblicos. Por
exemplo, Mateus 10.33-37; 19.29, Marcos 3.32-35
e Lucas 9.59-60 nos instruem a considerar Jesus
Cristo e o evangelho como mais importante que a
família. Qualquer declaração bíblica deve ser
entendida à luz e no contexto de outras partes da
Escritura, e cristãos e não cristãos manipuladores
não têm o direito de interpretar a Bíblia para nós,
usando a maneira distorcida de pensamento deles.
Novamente, precisamos honrar nossos pais
somente nos termos de Deus – isto é, como
definido por Deus, e não por pais manipuladores.
Sem dúvida, isso não significa dizer que não
precisamos prestar atenção aos nossos pais. Esse
exemplo é usado meramente para ilustrar que
existem aqueles que distorcem o significado da
Escritura na tentativa de fazer com que os cristãos
façam o que eles querem. Devemos ser cuidadosos
para que, como aqueles que temem a Deus e aos
seus mandamentos, não nos tornemos brinquedos
daqueles que não têm tal reverência por ele.
Outra forma de apelar à piedade relaciona o
argumento de uma pessoa ao sofrimento de mães
solteiras, crianças famintas, aleijados, pobres,
doentes e outros grupos desprivilegiados. O orador
relaciona os desprivilegiados com a sua posição, de
um modo que o futuro deles dependerá do sucesso
do seu argumento. Ele pode reformular seu
argumento de tal modo que discordar dele é ser
contra o bem-estar dos desprivilegiados.
Se o argumento está de fato relacionado com
os desprivilegiados, isso não seria um apelo à
compaixão e, assim, não seria uma falácia.
Contudo, a menos que a relação seja autoevidente,
o peso da prova está sob o orador, para fazer a
conexão entre o povo desprivilegiado e o seu
argumento. Quando há um apelo à compaixão sem
fundamento, a outra parte deveria reconhecer e
expor isso.
Num apelo à compaixão, o orador pode se
referir a um grupo em necessidade, ou pode se
apresentar como vítima. Em geral, uma referência a
grupos desprivilegiados não é falacioso somente se
esse movimento contribuir para a lógica do
argumento. O apelo à piedade é um movimento
muito comum na argumentação – não seja
enganado!

Raciocínio Circular. Essa falácia é chamada


também de “petição de princípio”, na qual a
conclusão de um argumento é assumida numa de
suas premissas. Visto que o argumento está
tentando provar que a conclusão é verdadeira, ele
não deveria usar a própria conclusão como uma de
suas premissas, nem usar uma premissa que
primeiro requeira que a conclusão seja verdadeira.
Os cristãos normalmente são ridicularizados
por provar a existência de Deus com um argumento
circular:
1. A Bíblia é a Palavra de Deus.
2. A Bíblia diz que Deus existe.
3. Portanto, Deus existe.
O argumento como declarado é circular,
pois assume a existência de Deus na primeira
premissa, enquanto isso é precisamente o ponto
debatido. Contudo, toda cosmovisão é baseada num
primeiro princípio, ou axioma, do qual o sistema
inteiro de pensamento é supostamente deduzido.
Um argumento transcendental pode ser construído,
de modo que a cosmovisão cristã se torne a
precondição da inteligibilidade e racionalidade.
Assim, embora a premissa “A Bíblia é a
Palavra de Deus” apareça como a primeira
premissa autoautenticadora, o argumento ainda é
sólido e logicamente irrefutável, pois tal premissa é
usada como o primeiro princípio da cosmovisão
cristã, e afirmada como sendo a precondição de
todo pensamento e conhecimento. Quanto a como
demonstrar tal afirmação na argumentação, a
pessoa deve consultar meus outros escritos.[10]
Dito isso, a falácia do raciocínio circular é
geralmente cometida por argumentos e
cosmovisões não cristãos. Por exemplo, uma
pessoa que afirme ser cientificamente imparcial
pode favorecer uma epistemologia empírica, na
qual a experiência ou sensação como uma forma de
descobrir a verdade é tida como confiável.
Contudo, a experiência em si não é
autoatenticadora; uma pessoa não pode, por
experiência, provar que a experiência é uma forma
confiável de investigação antes que a experiência
seja demonstrada como confiável. Se uma pessoa
não mostrou ainda que a experiência é confiável,
ela não pode usar a experiência como um teste para
ver se a experiência é confiável. Fazê-lo é
argumentar em círculo vicioso. Mas tal pensamento
falacioso permeia o pensamento não cristão.
Por outro lado, dentro da cosmovisão cristã,
um Deus onipotente e onisciente nos manifesta a
verdade por revelação verbal. Deus, sendo o que é,
autentica sua própria afirmação. Como a Escritura
diz, ele não pode jurar por ninguém maior. O
conteúdo do nosso primeiro princípio – isto é, a
cosmovisão cristã inteira – contém o elemento
necessário para torná-lo autoautenticador, enquanto
o empirismo e outras teorias seculares falham em
fazê-lo.
Questão Complexa. Isso é também chamado de
“pergunta capciosa”. Ela apresenta ao ouvinte uma
pergunta “capciosa” com uma suposição com a
qual ele pode discordar. Esse tipo de pergunta
contém suposições não justificadas ou não
provadas.
Um exemplo comum usado para ilustrar isso
é quando um advogado pergunta ao réu: “Você
parou de bater em sua esposa?”. Solicita-se que o
reú responda no afirmativo ou negativo, mas as
duas opções produzem uma admissão de culpa. Se
o réu responder no afirmativo, que ele já parou de
bater em sua esposa, implica que ele já bateu nela
alguma vez. Se responder no negativo, implica que
ele está atualmente batendo em sua esposa. Pode
ser que ele nunca tenha batido em sua esposa, mas
a formulação da pergunta não permite essa
possibilidade.
A mesma pergunta não seria capciosa se, no
processo do interrogatório, o advogado já tivesse
estabelecido que o réu tivesse batido em sua
esposa. Se o advogado perguntasse: “Você já bateu
alguma vez em sua esposa?”, e o reú respondesse
no afirmativo, o advogado poderia continuar e
perguntar: “Você parou de bater em sua esposa?”.
A última seria uma pergunta honesta quando tal
contexto foi estabelecido.
Algumas perguntas parecem mais acusações
do que inquirições. A pergunta “que horas são?”
soa como uma pergunta natural, enquanto “você é
muito inteligente, não é?” seria um elogio, se
estivesse num contexto apropriado e não fosse
mencionado num tom sarcástico. Contudo, “você
fracassou de novo, não é?” pode ser o mesmo que
dizer “você fracassou de novo”, mas acusações que
são camufladas como perguntas podem,
frequentemente, ser mais sutis do que isso.
Não somente as perguntas podem ser
carregadas de significado, mas declarações podem
também conter palavras e frases que carregam
conotações negativas. Elas podem ser estruturadas
de modos que pareçam ser amigáveis, mas são
ataques verbais na realidade. Em tais casos, o leitor
deveria expor a linguagem carregada, e exigir que a
pergunta ou declaração seja refraseada de modo a
não carregar nenhuma insinuação negativa
injustificada. Contudo, uma vez que uma posição
tenha sido demonstrada como negativa, uma pessoa
pode ser justificada em usar palavras e frases que
reflitam isso quando se referindo a ela.
Correlação e Causação. Essa falácia confunde
correlação com causação. Simplesmente porque o
evento X acontece antes do evento Y, não significa
que o primeiro seja a causa do último.
Há um exemplo típico usado para ilustrar
essa falácia. Um homem bebeu um tipo diferente de
bebida alcoólica bem como leite em três noites
consecutivas, e ficou bêbado todas essas três noites.
Depois disso, ele diz às pessoas que ficou
intoxicado por beber leite! O leite parece ser o fator
comum em seu embebedar-se, pois ele tinha tipos
diferentes de bebida alcoólica todas as noites, mas
tinha leite em todas elas. Mas nós pensamos que foi
o álcool que fez com que ele ficasse bêbado. O leite
foi meramente uma correlação à sua intoxicação,
mas não a causa.
Se o homem parasse de beber leite, ele teria
continuado a ficar bêbado. O leite não é uma causa
da intoxicação, e não é nem mesmo uma condição
necessária para isso. Algumas vezes, há condições
necessárias para algo acontecer, mas elas podem
não constituir a causa suficiente. Quando alguém
alega um fator ser a causa de algo, o leitor deveria
considerar se isso é assim ou não, ou se é
meramente uma correlação.
O empreendimento científico inteiro sofre
dos problemas descritos por essa falácia. É muito
difícil, se não impossível, isolar a causa em alguma
determinada operação. Não tendo uma
fundamentação na filosofia da ciência, muitos
estudantes e mesmo cientistas profissionais
possuem uma confidência ingênua na ciência que é
totalmente injustificada.
Diversão. Essa falácia é também chamada de “red
herring”, segundo a qual uma pessoa lança
declarações que podem ganhar atenção, mas são
irrelevantes para o assunto da discussão. Uma
pessoa deveria sempre ter o assunto da discussão
definido em mente ao falar com outras pessoas.
Dessa forma, ele irá, com maior probabilidade,
perceber uma red herring quando outra pessoa
tentar distraí-lo, ou a audiência, usando tal tática.
Ao observar uma red herring, uma pessoa
pode expor a falácia e tentar forçar o oponente de
volta à questão real. Por outro lado, se o oponente
pode fazer a relação entre o que alguém percebe
como uma diversão e o tópico corrente, ela não é
uma red herring, e ele terá que lidar com os seus
argumentos. Em todo caso, uma pessoa não deve
permitir que um oponente desesperado crie uma
distração por seus esforços para relacionar uma red
herring à discussão corrente, de modo que a pessoa
terá menos tempo para apresentar os seus
argumentos. Se uma red herring for detectada,
extermine-a rapidamente.
Equívoco. Já mencionamos a falácia do equívoco
neste capítulo sem usar seu nome. Isso acontece
quando um argumento muda o significado do que
parece ser a mesma palavra ou termo dentro do
argumento.
Considere a declaração: “Tom é um
estudante brilhante, tão brilhante que nunca liga as
lâmpadas quando está no quarto”. Esse tipo de
mudança no significado das palavras usadas pode
ser chamado de trocadilho, em certos contextos;
mas é uma falácia de equívoco quando usada num
argumento. A primeira ocorrência da palavra
“brilhante” pode significar “inteligente”, mas a
segunda ocorrência da palavra é usada da mesma
forma que quando estamos descrevendo a
quantidade de luz vinda do sol ou de uma lâmpada.
O que parece ser a mesma palavra significa coisas
diferentes na declaração.
Equívoco é também chamado a falácia de
quatro termos. Um argumento válido pode conter
três termos:
1. Todos os cães são animais.
2. Todos os animais são seres vivos.
3. Portanto, todos os cães são seres vivos.
Se A representa cães, B animais, e C seres
vivos, o argumento pode aparecer na seguinte
forma:
1. Todo A é B.
2. Todo B é C.
3. Portanto, todo A é C.
O B na declaração (1) carrega o mesmo
significado que quando usado na declaração (2),
que capacita uma relação ser formada entre A e C.
Há três termos neste argumento – cães, animais e
seres vivos, com o segundo ou “meio” termo
servindo como a relação entre o primeiro e o
terceiro.
Agora, olhe para este argumento:
1. Tom é uma pessoa brilhante.
2. Um objeto brilhante irradia luz.
3. Portanto, Tom irradia luz.
Deixemos que A represente Tom, B
brilhante, e C luz radiada de. Então, esse
argumento parecerá estar na mesma forma que o
anterior:
1. Todo A é B.
2. Todo B é C.
3. Portanto, todo A é C.
Contudo, o B na declaração (1) e o B em (2)
carregam significados diferentes. O primeiro
significa “inteligente”, e o segundo refere-se à
quantidade de luz que algo emite, de modo que
deveríamos usar letras diferentes para representar
os dois.
Deixemos que I represente inteligente, de
modo que possamos declarar o argumento
novamente da seguinte forma:
1. Todo A é I.
2. Todo B é C.
3. Portanto, todo A é C.
Se usarmos palavras em vez de letras, o
argumento apareceria agora como segue:
1. Tom é uma pessoa inteligente.
2. Um objeto brilhante irradia luz.
3. Portanto, Tom irradia luz.
Há quatro termos neste argumento em vez
de três, e não há nada relacionando as declarações
(1) com (2), ou A com C. Visto que não há nada
que relacione A com C, a conclusão não segue das
premissas.
Essa falácia aparece com frequência no
ensino de seitas religiosas que tentam roubar
termos cristãos. Alguns membros de seitas podem
insistir que eles aderem a muitas ou mesmo à
maioria das crenças cristãs tradicionais, mas eles
usam os termos de maneiras vastamente diferentes.
Eles podem alterar as definições dos termos à
medida que falam, algumas vezes até dentro da
mesma sentença. Os cristãos que não estão alertas
podem ser confundidos, e se sentirem perplexos em
como responder. Aprender sobre essa falácia nos
ajuda a entender o que eles estão fazendo, e porque
a posição é logicamente indefensável.
Falácia de Composição. Essa falácia pensa
erroneamente que o que é verdadeiro das partes é
necessariamente verdadeiro do todo. Por exemplo,
os jogadores de esportes que são altamente
habilidosos como indivíduos podem não trabalhar
bem o suficiente para formar um time vencedor.
Resultados melhores são possíveis se esses
jogadores forem misturados com aqueles que são
menos habilidosos, mas que podem trabalhar
melhor com eles.
Falácia da Divisão. Essa falácia assume que o que
é verdadeiro do todo é também verdadeiro das
partes. Alguns jogadores de um time vencedor
podem ser relativamente incompetentes, mas eles
são capazes de trabalhar com outros jogadores de
tal modo que o time pode derrotar outro time
composto de jogadores melhores.
Falácia da Regra Geral. Essa falácia assume que
uma regra geral se aplicará a uma situação
específica. Qualquer regra geral merecendo tal
nome deveria ser aplicável na maioria dos casos,
mas talvez não em todas as ocasiões. Quando
aplicando uma regra geral a uma situação
específica num argumento, certifique-se de que a
regra se aplica; de outra forma, uma pessoa pode,
no máximo, argumentar que sua aplicabilidade à
situação é pelo menos provável.
Falácia das Generalizações Rápidas. Essa falácia
forma falsamente uma regra geral a partir de uma
quantidade insuficiente de dados ou uma
interpretação incorreta dos dados. Baseado na
observação de vários eventos, uma pessoa pode
formar a regra geral que a maioria ou todas as
situações similares ocorrerão ou resultarão numa
forma similar. Contudo, os eventos observados
podem ser a exceção da forma como as coisas
geralmente acontecem, e, portanto, o observador
pode ter derivado um princípio geral errado.
Uma pessoa pode concluir que a maioria ou
todas as pessoas na profissão X são desonestas, mas
ele pode ter encontrado somente quatro ou cinco
membros das dezenas de milhares dentro dessa
profissão. Indivíduos desonestos podem ser apenas
uma minoria. O observador fez uma generalização
rápida. Mesmo que o observador esteja correto, não
há forma de dizer isso baseado em sua observação,
e a regra geral não deveria ser aceita baseada em
seus dados.
A indução é sempre uma falácia formal, pois
é impossível formular logicamente certos princípios
universais observando particulares. Sendo assim,
toda ciência é falaciosa, e nunca pode descobrir
nenhuma verdade de forma alguma. A ciência não
pode ser vista como algo mais que um
empreendimento pragmático. Quanto a descobrir a
natureza verdadeira das coisas, ela é
completamente impotente. Os universais podem
apenas ser conhecidos por meio da revelação na
Escritura, ou o conhecimento inato que Deus
colocou na mente do homem.
Falsa Analogia. Analogias são perigosas, pois são
geralmente muito ambíguas. Uma boa analogia
inclui similaridades relevantes para a situação sob
discussão, com diferenças que não são essenciais
para a posição sendo afirmada. Se a analogia é
similar à posição sendo afirmada somente em áreas
irrelevantes, ou se é diferente nas partes essenciais,
ela falha em defender a posição sendo afirmada.
Eu posso dizer: “Assim como você
agradeceria X por fazer algo por você, você deveria
também agradecer Y por fazer algo por você”. Essa
analogia é similar na parte essencial, que é a
apropriabilidade de agradecer a outro, mas é
diferente na parte supostamente irrelevante ao
argumento, que é a identidade da pessoa. O
argumento assume que o ouvinte concorda comigo
em agradecer X, e afirma que a diferença entre X e
Y não justifica o tratamento diferente entre os dois;
portanto, assim como o ouvinte agradeceria X, ele
deveria agradecer também Y sob circunstâncias
similares.
Falso Dilema. Um dilema existe quando há duas
escolhas, em que a negação de uma necessita da
afirmação da outra. Um verdadeiro dilema poderia
ser:
1. Ou você é um homem, ou é uma
mulher.
2. Você não é uma mulher.
3. Portanto, você é um homem.
A premissa (1) propõe duas opções. As duas
opções não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo
e no mesmo sentido. Assim, assumindo que uma
pessoa não seja macho e fêmea ao mesmo tempo e
no mesmo sentido, esse exemplo gera um dilema
verdadeiro, no qual a negação de um gera a
necessidade da afirmação do outro.
Um dilema vem na forma de:
1. Ou X ou Y.
2. Não Y.
3. Portanto, X.
Por causa da clareza, podemos expandi-lo
para:
1. Ou X é verdade ou Y é verdade, mas
não ambos.
2. Y não é verdade.
3. Portanto, X é verdade.
Um falso dilema pode ser um onde a
primeira premissa não dá duas opções mutuamente
exclusivas. Por exemplo:
1. Ou você é um contador, ou você é
casado.
2. Você não é casado.
3. Portanto, você é um contador.
Sob circunstâncias usuais, isso seria um
falso dilema, pois ser casado não impede alguém de
ser também um contador, e os contadores
geralmente não são compelidos a permanecer
solteiros.
Um argumento que falha em exaurir todas as
opções possíveis pode produzir também um falso
dilema. Por exemplo, considerando um estudante
que teve uma nota boa num exame, podemos
propor o seguinte dilema:
1. Ou o estudante é inteligente, ou ele é
um trapaceiro.
2. O estudante não é inteligente.
3. Portanto, ele é um trapaceiro.
A forma do argumento é válida, mas as
premissas não são necessariamente verdadeiras.
Assumindo que a premissa (2) seja verdadeira, que
o estudante carece de inteligência, o argumento
apenas permite a possibilidade de desonestidade.
Contudo, outras explicações podem ser sugeridas,
tais como a possibilidade de que, embora o
estudante não seja inteligente, ele tivesse estudado
diligentemente para o exame, e, portanto, obteve
uma nota alta. Essa é uma explicação possível não
considerada no argumento. Portanto, o argumento
produz um falso dilema.
Ao encontrar um falso dilema, uma pessoa
pode neutralizá-lo mostrando que as opções não são
mutuamente exclusivas, ou que o argumento ignora
outras possibilidades.
Falácia da Aposta. A falácia da aposta é
interessante. Ela falsamente assume que o resultado
de um evento afeta a futura probabilidade do
resultado de um evento semelhante, quando a
probabilidade dos resultados é independente em
cada ocorrência.
No contexto de apostas, alguém imagina
que, quanto mais vezes alguém perder, mais
provável é que ganhe na próxima vez. Isso não é
verdade se a probabilidade de ganhar e perder, em
cada ocorrência, é independente das outras
ocorrências. Após perder várias vezes num jogo, a
probabilidade de ganhar no próximo jogo
permanece a mesma se as cartas forem
independentes das outras.
Culpa por Associação. Essa falácia atribui
características a objetos ou pessoas baseada nas
pessoas, eventos ou coisas com as quais estão
relacionadas. Assumir que uma pessoa de um grupo
exibe certas características pode ser um exemplo
dessa falácia.
Uma falácia similar é a falácia da genética,
segundo a qual, por exemplo, uma ideia pode ser
criticada por causa de sua origem. Embora uma
fonte confiável possa produzir ideias que recebem
automaticamente maior credibilidade, isso não
significa que essas ideias sejam corretas, e as ideias
se originando de uma fonte não confiável não são
necessariamente incorretas.
Xingamento. Essa é uma falácia comum cujo uso é,
com frequência, afirmado equivocadamente e
considerado como constituindo um argumento.
Uma pessoa cometendo essa falácia pode tomar
uma afirmação usando palavras carregadas com
conotações negativas contra as outras pessoas ou
sua posição sem oferecer um argumento lógico. Em
outras palavras, em vez de tentar persuadir por
meio do uso da argumentação racional, o debatedor
rotula a outra pessoa ou sua posição com nomes
que carregam conotações negativas.
Por exemplo, alguém pode fazer uma
consideração com respeito à outra pessoa, suas
crenças, ou suas ações, e quando o último tentar
fazer uma defesa racional, o primeiro pode chamar
o último de “sensível” ou “defensivo”. Essa é a
forma covarde de interação social. O primeiro se
comprometeu a um debate por suas considerações
iniciais. O último não precisava tolerá-las em
silêncio, especialmente se os comentários forem
hostis, acusatórios e falsos. O acusado deveria
receber a permissão para responder. Se ele
responde, deveria ser permitido também que ele o
faça bem. Se fizer bem, isso significa que seu
discurso seria latente de argumentos fortes, lógica
irrefutável e evidência sólida.
A menos que a pessoa que traz o assunto
seja algum tipo de tirano social, ele deveria ter a
cortesia de permitir que a pessoa que ele acusou ou
ridicularizou responda e refute suas alegações. Se a
pessoa faz uma defesa racional, usando argumentos
lógicos e citando evidência em apoio, o primeiro
deveria ou aceitar a resposta e retratar os seus
comentários, ou, se discordar, deveria apresentar
um contra-argumento.
Chamar alguém que responda bem de
“sensível” ou “defensivo” não responde ao
argumento, e mostra desrespeito grosseiro para com
aqueles que tomam o tempo, cuidado e esforço para
responder às considerações feitas com respeito a
ele. A pessoa é de fato sensível ou defensiva, ou é o
caso de a pessoa ter respondido tão bem que
esmagou o seu acusador? O acusador, tentando
evitar o embaraço, evita a questão com essa falácia
do xingamento.
Aqueles que usam o xingamento podem
dizer que não é o caso de eles não permitirem que a
outra pessoa responda, mas que a pessoa forneceu
uma resposta muito extensa a alguns comentários
inocentes. Isso é dizer que a resposta é
desproporcional às simples considerações.
Contudo, foi a primeira pessoa que trouxe a
questão, e, portanto, ela é responsável por
responder qualquer contra-argumento que o último
apresente. Em vez de acusar a última pessoa com
nomes ambíguos e sem fundamentação, eles são
obrigados a continuar com uma resposta à
refutação, ou devem retratar os comentários
originais. Uma pessoa que não está preparada para
suportar as consequências de suas palavras deveria
permanecer calada.
Estou lidando com essa falácia com certo
detalhe, como fiz com o apelo à piedade, pois como
o apelo à piedade, essa falácia é frequentemente
usada contra o cristão. Em vez de responder nossos
argumentos, os incrédulos nos chamam de “mente
fechada”, “intolerantes”, “rígidos”, “dogmáticos”, e
assim por diante. Embora a ação de xingar não
apresente de fato um argumento, uma pessoa pode
pegá-lo e analisar tal xingamento. A acusação de
ser “mente fechada”, por exemplo, pode ser
formulada neste argumento:
1. Todos aqueles que têm mente fechada
estão errados.
2. O Cristianismo é mente fechada.
3. Portanto, o Cristianismo é errado.
Quando formulado de uma forma
semelhante a esta, o argumento exibe vários
defeitos fatais:
(1) A primeira premissa precisa ser
provada, e a expressão “mente fechada”
precisa ser definida. Por que é errado ser
mente fechada? Após a pessoa articular
claramente seu argumento sobre a razão
para rejeitar as visões de mente fechada,
ele deve proceder para demonstrar que o
Cristianismo é mente fechada.
(2) O argumento de mente fechada não
aborda a questão da verdade. Os cristãos
sustentam certas crenças porque
consideram-nas verdadeiras. Ser aberto a
possibilidades que não a verdade é o
mesmo que ser aberto à falsidade e
engano, que é tolice. Se alguém deseja
desafiar o Cristianismo, a pessoa deve
refutar os argumentos e a evidência em
nosso favor, em vez de tentar fugir da
questão real nos chamando de nomes
feios.
(3) Os crentes afirmam a cosmovisão
cristã porque eles creem que ela é
exclusivamente verdadeira. Sobre essa
base, podemos chamar os indivíduos de
“mente aberta” de ingênuos e estúpidos,
pois eles aceitam a primazia da
“tolerância” à custa da verdade.
(4) Aqueles que nos chamam de mente
fechada são eles mesmos mente fechada,
pois não permitem a possibilidade de que
ser mente aberta seja errado. Eles são
fechados para a visão que uma pessoa que
tenha descoberto a verdade deve ser mente
fechada.
(5) O ato de xingar meramente coloca
rótulos derrogatórios sobre as pessoas –
ele não oferece argumentos reais. O que
alguém chama de mente fechada, outro
pode chamar de decisivo, resoluto, firme,
preciso e específico. O que alguém chama
de sensível, outro pode chamar de
observador. O que alguém chama de
defensivo, outro pode chamar de
responsivo. Pode ser possível substituir
cada rótulo negativo com cinco positivos,
e o processo inteiro não equivale a muito.
Precisamos mais do que xingar para
defender ou refutar argumentos.
Aqueles que apoiam a homossexualidade
podem chamar aqueles que se opõem a ela de
“homofóbicos”. Se isso é apenas um som para
identificar aqueles que se opõem à
homossexualidade sem qualquer significado
inerentemente negativo, e a palavra serve a mesma
função que X ou Y, então tudo bem. Mas esse não é
o caso, assim como a palavra “estuprador” não
pode ser neutra. Muitos tomam a palavra
“homofóbicos” como significando aqueles que
temem ou odeiam homossexuais. O termo implica
que nem sempre aqueles que sejam contra a
homossexualidade temem ou odeiam os
homossexuais. Isso precisa ser estabelecido, em vez
de assumido sem argumento.
Chamar alguém de homofóbico não é o
mesmo que estabelecer um argumento quanto a por
que a homossexualidade é uma orientação sexual
aceitável. Aqueles que se opõem à
homossexualidade podem tão facilmente rotular os
homossexuais e aqueles que apóiam os mesmos de
“heterofóbicos”, e os cristãos podem chamar todos
aqueles que se opõem ao Cristianismo de
“cristofóbicos” ou “teofóbicos”. Contudo, nenhum
desses argumentos é legítimo; eles são apenas
nomes.
Quando uma pessoa está sendo confrontada
com um movimento de xingamento na
argumentação, ela deveria expô-lo como tal, e
demandar ouvir um argumento usando linguagem
não carregada, apoiado, em vez disso, pela razão e
evidência.
Ataque Pessoal. Pessoas que podem não parecer
qualificadas para abordar certo tópico podem às
vezes fazer declarações verdadeiras com respeito
ao mesmo. O movimento de ataque pessoal na
argumentação dirige o assalto para a pessoa, em
vez de suas visões. Isso é geralmente falacioso,
especialmente quando alguém está atacando o outro
sobre áreas não relacionadas ao tópico.
Se a discussão tem a ver com política
econômica, atacar o casamento de uma pessoa falha
em abordar a questão. Mesmo quando alguém tem
atacado o outro com sucesso sobre uma questão
relacionada ao tópico, é ainda possível para a
pessoa fazer contribuições valiosas para a
discussão. Um doutor que fuma, ou que pratica
algum outro hábito usualmente considerado não
saudável, pode, todavia, ter muito a oferecer em
termos de advertência sobre a saúde de alguém. O
doutor pode fracassar em aderir às suas próprias
sugestões, mas isso não significa que suas visões
sobre o assunto sejam necessariamente erradas ou
desinformadas.
Algumas pessoas usam seus fracassos e
deficiências como credenciais que as qualificam
como autoridades. Uma pessoa pode tentar dar a
outra pessoa um conselho de casamento. Quando o
último protesta que o primeiro fracassou em seu
próprio casamento, a pessoa alega que são os
fracassos e os problemas em seu casamento que lhe
concedem experiência valiosa, qualificando-o a dar
conselhos a outros.
Uma pessoa precisa considerar essa
afirmação cuidadosamente. Por esse tipo de
raciocínio, alguém que tenha falhado no negócio
uma vez está qualificado para aconselhar outro que
está apenas iniciando, mas implica também que
uma pessoa que tenha fracassado no negócio
cinquenta vezes é ainda mais qualificada? O
fracasso numa área não torna alguém um expert;
todavia, alguém que tenha fracassado, mas agora
teve sucesso, pode, de fato, ser capaz de dar
algumas sugestões valiosas. Em todo caso,
deveríamos avaliar qualquer conselho de outros
com cautela.
Ataques pessoais não deveriam ser
rejeitados sempre como falaciosos, especialmente
quando a credibilidade da pessoa é importante para
a força do argumento. Num tribunal de julgamento,
o testemunho de um perjuro condenado deveria
provavelmente ser considerado menos crível que o
de alguém com nenhum registro, e que não tenha
motivo ou disposição aparente para mentir.
Contudo, mesmo um mentiroso compulsivo pode
dizer a verdade. Portanto, embora possamos
determinar a razoabilidade de crer em certa pessoa
baseado em sua credibilidade, não podemos julgar
se o que ele diz é verdade ou mentira sobre essa
base.
Quando confrontado com um ataque pessoal
irrelevante, o leitor deveria expor isso como tal, e
declarar que a acusação pessoal não tem nada a ver
com a disputa em progresso. Contudo, quando o
leitor é confrontado com um ataque pessoal
relevante, ele deveria ou mostrar que o ataque não é
factual, ou que seu argumento deveria ser aceito
neste caso particular a despeito do ataque pessoal.
Evidência Seletiva. Essa falácia é também chamada
de “petição especial”. Uma pessoa vê
frequentemente esse tipo de falácia em argumento
em favor da evolução. Eles podem apresentar
argumentos que parecem, pelo menos para eles,
apoiar suas visões sobre o assunto, mas fracassam
em apresentar e reconciliar todas as outras
evidências. Mas essa falácia não aparece apenas na
ciência, mas em todos os tipos de argumentos, tais
como discussões sobre eventos históricos.
Derrapagem. Um argumento derrapagem[11] diz
que se algo é verdadeiro, ou é aceito como
verdadeiro, ele começará uma cadeia de eventos
que leva a algumas consequências lógicas ou reais
negativas. Isto é, se A é verdade, ele conduzirá a B,
que conduzirá a C, que, por sua vez, conduzirá a D,
e assim por diante. Esse movimento é uma falácia
quando o debatedor exagera os resultados da
premissa desafiada e força o argumento para um
fim negativo, mas não é uma falácia lógica se a
premissa de fato levar às consequências projetadas.
Um exemplo de um argumento derrapagem
pode ser:
1. Se Tom não dormir o suficiente, ele
ficará irritadiço.
2. Se Tom ficar irritadiço, ele baterá em
alguém.
3. Se Tom bater em alguém, a pessoa
ficará seriamente machucada.
4. Se a pessoa ficar seriamente machucada,
Tom irá para a cadeia.
5. Se Tom for para a cadeia, ele não
terminará a faculdade.
6. Se Tom não terminar a faculdade, ele
não se tornará um cientista.
7. Se Tom não se tornar um cientista, ele
não inventará o dispositivo que salvará o
planeta.
8. Se Tom não inventar o dispositivo que
salvará o mundo, este planeta será
destruído.
9. Portanto, se Tom não dormir o
suficiente, este planeta será destruído.
O cenário acima é logicamente possível,
mas parece tão improvável que fracassa em
persuadir. Se o debatedor verdadeiramente crê no
argumento, ele deveria trazer argumentos para
apoiar suas premissas.
Espantalho. A falácia espantalho ocorre quando
uma pessoa propõe uma versão falsa e geralmente
mais fraca da visão do oponente, e procede para
demolir essa má representação. Mesmo que a
pessoa tenha sucesso em destruir o espantalho, ela
não refutou o seu oponente. Esta falácia ocorre quer
em razão de o debatedor ter entendido
incorretamente o seu oponente, ou ter achado uma
má representação mais fácil de refutar do que a
posição real do oponente. Se a audiência não é
astuta o suficiente, ela pode pensar que o debatedor
refutou com sucesso seu oponente quando não fez
tal coisa de forma alguma.
Ao debater com um membro de uma religião
ou seita não cristã, o cristão pode ser acusado de
cometer a falácia espantalho. Isso acontece por
várias razões: (1) o cristão pode ter de fato
representado incorretamente a posição da seita; (2)
a pessoa está mentindo; isto é, o cristão refutou
claramente as crenças da seita, e o membro da seita
está agora se escondendo por detrás de uma escusa
espantalho, esperando que isso o proteja da injúria;
(3) o cristão não representou incorretamente a
posição da seita, mas o membro da seita nem
mesmo entende a posição de seu próprio grupo, e,
ao ver sua posição derrotada, ele pensa que sua
visão deve ter sido má representada; (4) comparado
ao Cristianismo, a maioria das seitas colocam
pouca ênfase sobre os detalhes e técnicas do seu
ensino, com o resultado que os membros são
normalmente muito diferentes em suas visões,
mesmo com respeito às suas crenças centrais. O
cristão pode ter representado corretamente as
crenças que algumas pessoas dentro do grupo
sustentam, provavelmente mesmo a versão oficial,
mas não as crenças pessoais do seu oponente
imediato.
As razões acima para ser acusado de
cometer a falácia espantalho não se aplicam
somente às conversas com membros de seitas, mas
também em muitas outras situações. Por exemplo,
correspondendo a (3), uma pessoa pode nunca ter
verbalizado suas próprias crenças, nem mesmo para
si mesmo; portanto, quando sua visão, como
percebida por outro, foi refutada, ele sente que deve
ter sido mal representado, quando isso pode ou não
ser o caso.
Ao ser acusada de cometer a falácia
espantalho, a pessoa deve examinar se ela de fato
representou incorretamente o oponente. Se sim,
peça que o oponente esclareça sua visão e declare
novamente o argumento para que possa encará-lo
com honestidade. Quando lidando com seitas, um
membro pode insistir: “Meu grupo não crê nisso”.
Quando isso acontecer, peça ao membro da seita:
“Tudo bem, diga-me no que você crê”. Faça
perguntas para ajudar a entender o que ele está
dizendo. Então, repita para fazê-lo se comprometer
a uma posição, dizendo: “Simplesmente para
assegurar que entendi no que você crê, você está
dizendo que…”. Quando o oponente confirmar que
sua visão foi corretamente entendida, a pessoa pode
passar a refutá-la.
Às vezes é preferível que uma terceira parte
esteja presente, de modo que o membro da seita
não será capaz de alterar sua visão quando ela for
refutada, ou se esconder por detrás de uma falácia
tipo espantalho novamente. Embora isso possa
parecer drástico, às vezes pode ser necessário, para
o membro da seita, comprometer-se com certa
posição escrevendo, de modo que ele não possa
alterar o que disse logo após ter sido derrotado pelo
cristão. Embora o membro de seita esteja sendo
discutido aqui, o mesmo se aplica a todos os não
cristãos – muitos tendem a usar a falácia espantalho
como uma desculpa quando não podem suportar os
argumentos do cristão.
Quando os membros de seita acusam os
cristãos de terem cometido uma falácia espantalho,
deveríamos tomá-la seriamente, sabendo que nós
também somos com frequência mal representados.
Deveríamos dar-lhes a oportunidade de esclarecer
sua posição, e refutar as versões oficiais e pessoais
do que eles creem, assim como aqueles que
representam incorretamente o Cristianismo devem
nos dar a mesma oportunidade. Contudo, podemos
também ser falsamente acusados de ter cometido
esta falácia, de modo que não deveríamos admitir
isso mui rapidamente quando acusados de tal,
especialmente quando tivermos feito uma pesquisa
extensiva sobre as crenças do oponente.

Conclusão. Estudamos vinte e seis falácias lógicas


comuns. Alguns dos exemplos dados acima podem
parecer simplistas, mas os princípios ensinados
neste capítulo podem ser aplicados a argumentos
muito mais complexos. Argumentos são geralmente
mais complicados, mas trabalhamos com exemplos
simples neste capítulo para assegurar que os
próprios princípios foram entendidos.
Existem dois princípios que devemos
lembrar quando aplicando a lógica às conversações
do dia-a-dia. Esses podem ser chamados de o
princípio da probabilidade e o princípio da
cortesia.

O Princípio da Probabilidade. Com frequência,


vemos argumentos dedutivos tais como o seguinte:

1. Todos os homens são mortais.


2. Tom é um homem.
3. Portanto, Tom é mortal.

Esse é um argumento válido. Se for verdade


que todos os homens são mortias, e Tom é
verdadeiramente um homem, não há conclusão
possível além da que Tom é mortal. Contudo,
mesmo com argumentos tão obviamente
verdadeiros como esse, a verdade da conclusão
pode às vezes ser somente provável, ou, às vezes,
mesmo extretamente provável, mas ainda não certa.
Para ilustrar, a premissa (1) é geralmente
tomada como certa; mas, na verdade, não podemos
estar certos sobre sua verdade baseados na
experiência somente. Para estabelecer uma
declaração tal como (1) baseado na experiência e
observação com certeza, devemos observar a morte
de todo ser humano na história, a morte daqueles
vivos no presente, e o próprio observador deve
morrer.
Premissas baseadas na experiência ou
observação, como nas investigações científicas,
são, na melhor das hipóteses, suposições, e nunca
podem chegar a conhecer a verdade absoluta sobre
nenhuma questão. Mas, visto que a ciência não
pode nem mesmo provar o empirismo, estritamente
falando ela não pode nem mesmo formar
afirmações que sejam suposições. A única
epistemologia que torna o conhecimento possível é
a cosmovisão cristã, na qual um Deus Todo-
poderoso e Todo-conhecedor é dito revelar
verdades a nós por meio da revelação verbal.
A menos que a cosmovisão cristã seja
pressuposta, nenhum argumento é certo ou mesmo
provável. Todavia, se formos, bem ilegitimamente,
conceder que a verdade possa ser conhecida sem
primeiro pressupor a cosmovisão cristã, o princípio
de probabilidade nos diz que muitos argumentos
são prováveis, mas não certos; porém, para
propósitos práticos, aceitamos as premissas como
verdadeiras, bem como as conclusões que
necessariamente seguem delas. Mas numa situação
em que a certeza é requerida, podemos desafiar as
premissas que são apenas prováveis. Portanto, isso
não é dizer que nunca desafiamos premissas
prováveis, mas que geralmente não o fazemos por
propósitos práticos.
Alguns argumentos podem ser considerados
como certos. Por exemplo, se eu digo que:
1. Todas as dez moedas em meu bolso são
de 25 centavos.
2. Estou tirando uma moeda do meu bolso.
3. Portanto, a moeda que estou tirando
deve ser de 25 centavos.

Esse é um argumento válido. A conclusão


deve ser verdadeira se as premissas são
verdadeiras, e a premissa (1) pode ser verificada.
Eu mesmo coloquei as moedas no bolso, sabendo
que todas elas eram de 25 centavos, ou posso tirá-
las e examinar cada uma delas para confirmar a
primeira premissa. Mas, sem dúvida, sem pressupor
a cosmovisão cristã, mesmo tais procedimentos
estão condenados pelos defeitos inerentes no
empirismo.
Outro exemplo de um argumento que é
baseado em certas premissas e fornece certa
conclusão pode ser:
1. Um solteiro é um homem não casado.
2. Tom é solteiro.
3. Portanto, Tom é um homem não casado.

Parece que não há forma de esse argumento


ser errado – ele é verdadeiro por definição.
Todavia, mesmo definições, lógica e gramática são
incertas, a menos que a cosmovisão cristã seja
pressuposta, de modo que a mente do Deus
onipotente e onisciente possa garantir que as leis do
pensamento são uniformes e constantes.
O Princípio da Cortesia. Há vezes quando alguém
ouvirá um argumento pobre dado em suporte de
uma posição, mas ele é capaz de construir um mais
forte para ele, talvez devido ao conhecimento e
recursos superiores. O oponente pode estar
endossando a visão correta, ou pelo menos uma
provável, mas ele não sabe como melhor
argumentar a favor dela.
Em tais casos, o argumento fraco que a
pessoa dá não deveria ser usado contra ele, a menos
que aconteça dentro do contexto de um debate. A
menos que esteja num debate, uma pessoa não deve
humilhar a outra simplesmente quando observa
uma falácia em seu raciocínio. Mesmo os experts
podem cometer falácias lógicas, às vezes, por
várias razões, tais como a predisposição para com
uma determinada posição, ou pura negligência.
Se a pessoa não estiver numa situação hostil,
ele deveria gentilmente apontar a falácia, e dar à
outra pessoa uma oportunidade para modificar o
argumento antes que uma refutação seja oferecida.
O oponente pode escolher retratar o seu argumento,
ou revisá-lo para eliminar a falácia, se possível. É
razoável oferecer esta oportunidade ao outro
quando estivermos numa discussão amigável, e não
num debate acalorado.
A proficiência com os princípios da lógica
começa se familiarizando com o material deste
capítulo. Ao analisar agumentos que encontramos
por meio do procedimento sugerido e procurando
por falácias, a pessoa alcançará um ponto no qual o
processo inteiro se tornará natural e intuitivo. Ela
será capaz de lidar logicamente com argumentos
mesmo durante uma conversaçao ou debate
acalorado com outra pessoa. Uma pessoa pode
extrair exemplos de argumentos se praticar
escrutiná-los a partir de textos, rádio e
conversações pessoais.
CAPÍTULO 4: LÓGICA E TEOLOGIA

Por meio de vários exemplos, tenho


demonstrado nos capítulos anteriores como o
cristão pode se beneficiar do estudo da lógica.
Neste último capítulo, explorarei adicionalmente a
necessidade da lógica nas discussões teológicas, e
enfatizarei a importância da própria teologia.
De acordo com a Escritura, para discernir o
bem do mal, nós devemos ser treinados na Palavra
de Deus. Para nos engajarmos na batalha espiritual
contra o engano de Satanás, devemos conhecer a
verdade, e conhecê-la com acurácia, precisão e
abrangência, para sermos capazes de comunicá-la e
defendê-la. O estudo da lógica nos ajuda a
esclarecer e organizar nossos pensamentos. Ela nos
ajuda a entender os argumentos que os outros nos
apresentam, quer sejam bons ou maus, corretos ou
errados.
Deus escolheu falar conosco usando a
linguagem humana, e o que ele revelou foi
registrado na Escritura. As declarações na Bíblia,
embora sejam declarações teológicas e espirituais,
ainda são declarações da linguagem humana, e,
como tal, seguem as regras de gramática e lógica.
Dizer que as declarações sobre Deus seguem
as regras da lógica pode produzir a objeção de que
estamos dizendo que o próprio Deus está sujeito à
lógica. Se sim, estaríamos implicando que há um
padrão objetivo à parte de Deus, ao qual ele mesmo
deve se submeter. Talvez essa seja uma forma
carregada de declarar a questão. Se perguntarmos
se Deus está “sujeito” à lógica, uma resposta
afirmativa, além de ser enganosa, induziria à
objeção subsequente já declarada; uma resposta
negativa, por outro lado, pode implicar a alguém
que Deus mesmo, as declarações que ele faz, e as
declarações sobre ele, não precisam aderir às leis da
lógica.
Mas nós estamos, na verdade, perguntando
se Deus é consistentemente lógico em sua natureza
e em sua comunicação conosco. Por exemplo, a lei
da não contradição diz “X não é não X” – que algo
não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo e
no mesmo sentido. Dizer que Deus é lógico
significa que não existe nenhuma contradição no
ser divino, e as leis da lógica são uma descrição de
como ele pensa. Isso tem implicações tremendas
para a teologia, como mostraremos abaixo. Dizer
que sua comunicação conosco adere às leis da
lógica implica que as proposições bíblicas e suas
implicações nunca são contraditórias.
A cosmovisão cristã sustenta que Deus é
lógico em sua natureza – não que ele está “sujeito”
à lógica, mas que sua natureza é lógica. Assim
como a sua natureza é verdade, a verdade procede
de sua própria natureza, mas não há ninguém nem
nada fora dele que possa obrigá-lo a dizer a
verdade. Quando Deus diz a verdade, ele não está
fazendo isso em obediência a alguém externo a si
mesmo, mas está meramente agindo por sua própria
natureza. Da mesma forma, as leis da lógica não
foram inventadas pelo homem, mas procedem da
mente de Deus. Sua natureza é não contraditória, e
sua comunicação conosco é lógica e coerente.
Desse modo, Deus é sempre lógico, e declarações
verdadeiras feitas por e sobre ele são sempre
lógicas.
Isso responde a uma objeção algumas vezes
levantada contra usar lógica na teologia. Ela
declara que se definirmos milagres como uma
suspensão temporária, ou mesmo violação, das leis
da natureza, parece que Deus mesmo deveria ser
capaz de violar as leis da lógica em seu próprio ser,
comunicação e ações. Embora essa definição de
milagres seja duvidosa, nós a aceitaremos em razão
da discussão presente. Ignoraremos também o
conceito questionável de “leis da natureza” por ora.
Visto que Deus criou o universo, as leis da
natureza estão sujeitas a ele. De acordo com a
nossa definição presente de um milagre, sempre
que um ocorre, Deus temporariamente suspende, ou
mesmo trabalha contra, as leis da natureza, e ele
pode fazê-lo sempre que quiser. A questão é se o
mesmo pode ser dito com respeito às leis da lógica.
A resposta é que Deus criou o universo, e
tem também ordenado as leis da natureza. Contudo,
essas leis que descobrimos são meramente
descritivas do modo como a natureza geralmente
opera. Elas não procedem do próprio ser de Deus.
Em outras palavras, Deus poderia ter designado as
leis da natureza de uma forma diferente daquela
que elas presentemente existem. Contudo, o mesmo
não pode ser dito das leis da lógica.
Se a própria natureza de Deus é lógica, as
leis da lógica válidas que temos descoberto são leis
que não poderiam ser diferentes, pois Deus é
imutável. Brevemente, as leis da natureza e as leis
da lógica são diferentes pelo fato que as primeiras
foram criadas, e as últimas procedem de Deus
mesmo, e, portanto, não podem ser alteradas ou
mesmo suspensas. A Escritura diz que “[Deus] não
pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13). Se a
própria natureza de Deus é não contraditória, como
estamos afirmando aqui, ele não pode falar ou agir
de uma maneira contraditória, pois ele não negará
sua própria natureza. As leis da lógica descrevem a
forma como Deus pensa.
Visto que a Bíblia não é um livro-texto
sobre lógica,[12] podemos encontrar pouca coisa
que afirme diretamente as leis da lógica da maneira
que estamos fazendo neste livro. Contudo, toda
declaração deve aderir às leis da lógica para que
tenham sentido, e encontramos muitas declarações
bíblicas que explicitamente empregam argumentos
lógicos, e muitas que implicam a necessidade da
lógica.
Por exemplo, Jesus disse, em Mateus 5.37:
“Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’; o que
passar disso vem do Maligno”. Embora ele não
estivesse abordando o assunto da lógica, isso é
precisamente o que a lei da não contradição afirma.
Se Jesus não endossasse a lei da não contradição,
ele não poderia ter dito isso e esperar a declaração
ser verdadeira e significativa. “Sim” deve significar
precisamente isso, e “não” deve significar
precisamente isso. Então, a partir da lei da não
contradição procedem todas as outras regras da
lógica.
Todavia, muitos pensam que as leis da
lógica não deveriam ser reforçadas na intepretação
da Bíblia, ou sobre declarações teológicas. Eles até
mesmo consideram a racionalidade ímpia e não
espiritual. Contudo, nenhuma declaração pode ter
sentido sem as leis da lógica. Uma pessoa não pode
nem argumentar contra o uso da lógica em
declarações teológicas sem usar a lógica, mas é
autorrefutador usar a lógica na tentativa de destruir
a própria lógica.
A Bíblia contém vários exemplos de uso
explícito de raciocínio lógico. Um desses exemplos
é 1 Coríntios 15.12-18: “Ora, se está sendo pregado
que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como
alguns de vocês estão dizendo que não existe
ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos
mortos, nem Cristo ressuscitou; e, se Cristo não
ressuscitou, é inútil a nossa pregação, como
também é inútil a fé que vocês têm. Mais que isso,
seremos considerados falsas testemunhas de Deus,
pois contra ele testemunhamos que ressuscitou a
Cristo dentre os mortos. Mas se de fato os mortos
não ressuscitam, ele também não ressuscitou a
Cristo. Pois, se os mortos não ressuscitam, nem
mesmo Cristo ressuscitou. E, se Cristo não
ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e ainda
estão em seus pecados. Neste caso, também os que
dormiram em Cristo estão perdidos”.
Alguns estavam negando a ressurreição dos
mortos. Nesta passagem, Paulo usa uma série de
declarações “se… então” para demonstrar o
absurdo e as consequências negativas dessa crença.
Para apreciar plenamente o argumento de Paulo,
devemos primeiro entender o silogismo hipotético.
Tal argumento toma a forma de:
1. Se X, então Y.
2. X.
3. Portanto, Y.

Para o propósito de esclarecimento,


podemos estendê-lo dessa forma:
1. Se X é verdade, então Y é verdade.
2. X é verdade.
3. Portanto, Y é verdade.

Quando as premissas (1) e (2) são


verdadeiras, esse tipo de argumento forma
logicamente certas conclusões.
Isso é similar à forma que toma o argumento
de Paulo, embora algumas das premissas óbvias
sejam assumidas. Por exemplo, eu posso fazer um
argumento dizendo que “eu sei que Tom não estava
casando; pois, em vez de descansar, ele foi correr”.
Esse argumento assume que uma pessoa cansada
escolheria descansar em vez de correr. Visto que
essa é uma suposição amplamente reconhecida,
pode não ser necessário declará-la explicitamente, a
menos que seja desafiada.
Da mesma forma, o argumento “se não há
ressurreição dos mortos, nem Cristo ressuscitou”
contém algumas suposições óbvias. Se formos
tornar esse argumento explícito, ele pode ser
declarado da seguinte forma: “Se não há
ressurreição dos mortos, ninguém jamais
ressuscitou ou será ressuscitado. Se ninguém jamais
ressuscitou ou será ressuscitado, Cristo não
ressuscitou”.
O argumento de Paulo continua para dizer
que se Cristo não ressuscitou, e a fé cristã depende
da verdade de sua ressurreição, então se segue
logicamente várias consequências negativas: (1)
nossa pregação é inútil; (2) sua fé é inútil; (3)
somos falsas testemunhas sobre Deus – dizendo
que Cristo ressuscitou, quando de fato não; (4)
vocês ainda estão em seus pecados, pois nossa
justificação diante de Deus depende da ressurreição
de Cristo; (5) aqueles cristãos que morreram estão
perdidos para sempre, pois não há nenhuma
ressurreição e eles não serão ressuscitados.
Após demonstrar o absurdo, desespero e
desesperança que resulta de negar a ressurreição,
Paulo faz a afirmação que “de fato Cristo
ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias
dentre aqueles que dormiram. Visto que a morte
veio por meio de um só homem, também a
ressurreição dos mortos veio por meio de um só
homem. Pois da mesma forma como em Adão
todos morrem, em Cristo todos serão vivificados”
(1Co 15.20-22).
Se Cristo de fato ressuscitou dentre os
mortos, a ressurreição é possível, pois uma única
ressurreição provaria que a própria ressurreição é
possível. A Bíblia revela que a ressurreição de
Cristo é a indicação das coisas que hão de vir, que
nele “todos serão vivificados”. Contudo, como
mostramos acima, isso não seria possível se Cristo
nunca tivesse ressuscitado, e não seria possível
Cristo ter ressuscitado se nenhuma ressurreição
fosse possível de forma alguma.
No começo de 1 Coríntios 15, Paulo
argumenta em favor da verdade da ressurreição de
Cristo da seguinte forma: “Pois o que
primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que
Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as
Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro
dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e
depois aos Doze. Depois disso apareceu a mais de
quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos
quais ainda vive, embora alguns já tenham
adormecido. Depois apareceu a Tiago e, então, a
todos os apóstolos; depois destes apareceu também
a mim, como a um que nasceu fora de tempo” (vs.
3-8).
Não somente a ressurreição de Cristo está de
acordo com a profecia da Escritura, mas houve
testemunhas oculares do Cristo ressurreto,
incluindo todos os apóstolos e mais de quinhentos
outros. Dessa forma, Paulo primeiro apresenta um
caso para se crer na ressurreição de Cristo, e passa
a expor o absurdo de negar a mesma. Esse é um
exemplo de como a Escritura comunica conosco de
uma forma lógica e coerente. Não há lugar para
irracionalidade e apelo à “fé cega”.
Jesus usou com frequência argumentos
lógicos. Por exemplo, ele parecia gostar de um
argumento a fortiori, segundo o qual a pessoa
começa a partir de uma premissa comumente
reconhecida, e usa outra premissa normalmente
óbvia para estabelecer uma conclusão que parece
ser ainda mais certa que a primeira premissa. Um
exemplo de tal argumento é este: “Se um infante
pode levantar esta caixa, com certeza você (como
um adolescente) pode!”. Esse argumento está sendo
dirigido a um adolescente. Para tornar esse
argumento explícito, poderemos declará-lo
novamente da seguinte forma:
1. Um infante pode levantar esta caixa.
2. Um adolescente é fisicamente mais forte
que um infante.
3. Portanto, um adolescente como você
pode levantar esta caixa.
Podemos selecionar um infante e dar uma
caixa para ele levantar. Se for bem-sucedido,
teremos estabelecido a primeira premissa. A
segunda premissa é amplamente reconhecida, e não
precisa ser provada, ou mesmo explicitamente
declarada, a menos que desafiada. Visto que as
duas primeiras premissas são verdadeiras, segue-se
que a terceira premissa é verdadeira também.
Jesus usa tal argumento em Mateus 7.7-11,
onde lemos: “Peçam, e lhes será dado; busquem, e
encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta. Pois
todo o que pede, recebe; o que busca, encontra; e
àquele que bate, a porta será aberta. Qual de vocês,
se seu filho pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se
pedir peixe, lhe dará uma cobra? Se vocês, apesar
de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus
filhos, quanto mais o Pai de vocês, que está nos
céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem!”.
Podemos declarar novamente o argumento
acima como segue:
1. Os pais humanos dão bons presentes aos
seus filhos quando solicitados.
2. Deus é um pai superior comparado aos
pais humanos.
3. Portanto, Deus dará bons presentes
àqueles que lho pedem.
O argumento começa com uma primeira
premissa comumente reconhecida, então leva à
conclusão lógica usando uma segunda premissa
óbvia.
É claro que a Bíblia, e mesmo o próprio
Jesus, não é contra usar a lógica quando diz
respeito a questões teológicas, mas antes tomam
plena vantagem dela. Eu não bombardearei o leitor
com os muitos outros exemplos disponíveis na
Bíblia, mas recomendo que você olhe as seguintes
passagens para apreciar a questão melhor: Mateus
6.24-34, 12.8-13, 22.31-33, Marcos 12.35-37,
Lucas 13.10-17, Gálatas 3.16, e Hebreus 2.1-4.
A verdadeira razão para algumas objeções
de cristãos contra a primazia da lógica na teologia é
que muitos deles falham em reconciliar verdades
bíblicas, ou o que eles pensam ser verdades
bíblicas, com as leis da lógica. Eles creem
falsamente que a Bíblia contém proposições
contraditórias, e têm medo de que se a lógica for
reforçada, ficará provado que a Bíblia é falsa.
Contudo, esse é um caso de incompetência no
pensamento lógico e entendimento teológico, e não
evidência de que as declarações teológicas podem
ser ilógicas. São as seitas e os hereges que
formulam doutrinas que provam ser contraditórias.
Devemos, portanto, aprender a pensar com lógica e
sem ambiguidade, “pois Deus não é o autor de
confusão” (1Co 14.33, NIV).
Ao dizer que a racionalidade deveria receber
o seu lugar devido nos estudos teológicos, não
estou dizendo que as declarações teológicas devem
ser exaustivamente entendidas antes que alguém
possa entrar numa discussão, mas que as
declarações sobre Deus ou as coisas espirituais
devem aderir aos mesmos princípios da lógica
como as discussões sobre outros assuntos. Nossas
declarações devem ser lógicas e não falaciosas.
O problema em falar com seitas é que eles
geralmente ignoram a lógica e falam sobre Deus de
uma forma que não tem sentido. Eles podem mudar
a palavra “Deus”, fazendo com que, em vez de se
referirem ao conceito cristão de um ser pessoal,
transcendente e supremo, refiram-se a si mesmos,
ou à palavra “Cristo”, referindo-se a uma ideia
abstrata, e não a uma pessoa histórica e à segunda
pessoa da Trindade, e tudo isso na mesma sentença!
Para conduzir uma discussão e debate inteligente e
com significado, devemos manter nós mesmos e
aos outros responsáveis em obedecer às regras do
raciocínio e da comunicação corretos.
As falsas doutrinas e as seitas são
irracionais, sem sentido e incoerentes. Devemos
dissipar a impressão de que as verdadeiras
doutrinas bíblicas também são assim.
Racionalidade e coerência pertencem ao
Cristianismo, e isso nos ajuda a defender as
verdadeiras doutrinas bíblicas e a derrotar as
heresias. Eu urjo que o leitor não abandone o reino
da razão para abraçar o irracional, como se isso
fosse de alguma forma mais espiritual ou piedoso.
Alguns que se chamam cristãos rejeitam a
importância da própria teologia. Devido à
influência de teólogos hereges e filósofos seculares,
muitos cristãos contemporâneos têm adotado a
visão de que o conhecimento de Deus consiste
principalmente de experiência, tal como no louvor
ou oração, e não se refere a qualquer conteúdo ou
informação intelectual. Eles dizem que a revelação
espiritual é intuitiva ou experimental, e não
intelectual. A revelação, de acordo com eles, não
carrega nenhum conteúdo intelectual, nenhuma
informação para a mente.
Eles dizem que conhecer Deus não é o
mesmo que conhecer sobre Deus;[13] que conhecer
Deus na mente é diferente de conhecer Deus no
coração, e o que precisamos fazer é conhecer Deus,
sendo o conhecimento sobre ele algo, na melhor
das hipóteses, secundário em importância, ou
mesmo algo que deva ser evitado. Essa é uma
posição antibíblica, e o Cristiansimo ortodoxo por
toda a história tem sido contra tal anti-
intelectualismo.
Há duas formas que muitos entendem as
palavras “conhecer” e “conhecimento” na Bíblia. A
primeira denota um conhecimento intuitivo, íntimo,
pessoal e experimental, tal como a relação física
entre marido e esposa. Gênesis 4.1 na versão
Almeida Corrigida e Fiel afirma: “e conheceu Adão
a Eva”, o que a NVI traduz em “Adão teve relações
com Eva, sua esposa”. O segundo tipo é intelectual,
significando que ele envolve a mente. Os cristãos
modernos normalmente consideram o primeiro tipo
uma espécie superior de conhecimento, além do
tipo acadêmico e intelectual. Eles consideram que
seja qual for o papel do conhecimento intelectual
de Deus, ele é secundário em importância ao
conhecimento experimental de Deus.
Contudo, quando a Bíblia usa a palavra
“conhecimento”, ou quando se refere ao conceito
de conhecer Deus, ela quer dizer o conhecimento
intelectual ou mental. Por exemplo, Oséias 4.6 diz:
“Meu povo foi destruído por falta de conhecimento.
Uma vez que vocês rejeitaram o conhecimento, eu
também os rejeito como meus sacerdotes; uma vez
que vocês ignoraram a lei do seu Deus, eu também
ignorarei seus filhos”. Deus diz que o povo em
questão tinha “rejeitado o conhecimento”. A que
tipo de conhecimento ele está se referindo, e sobre
qual tipo de conhecimento ele se preocupa, sem o
qual ele rejeitará o seu povo? O versículo continua
para dizer que o povo tinha rejeitado o
conhecimento pelo fato de terem “ignorado a lei do
seu Deus”. Deus não está condenando o povo por
não ter um conhecimento íntimo, experimental ou
mesmo místico dele, mas que eles têm ignorado a
lei de Deus, que estava escrita num livro, cheio de
conteúdo intelectual, não experiências místicas.
Aqueles que dizem que conhecer Deus não tem
relação com informação sobre Deus estão
perigosamente enganados. Conhecer a Deus é
ganhar informação sobre ele.
Concordamos que alguém possa estudar
teologia e a Bíblia puramente como uma questão de
interesse pessoal, e não ter nenhuma intenção de se
comprometer com a informação que adquiriu dos
seus estudos. Também, há aqueles que estão
familiarizados com as crenças cristãs, mas que as
têm rejeitado como falsas, e mesmo lutado contra
elas publicamente. É ainda errôneo, contudo, dizer
que conhecer Deus e conhecer sobre Deus são
coisas diferentes; antes, deveríamos dizer que uma
pessoa pode chegar a conhecer as proposições
bíblicas sem dar assentimento a elas. Mas as duas
operações são intelectuais em natureza.
Alguns rejeitam a noção de que o
Cristianismo consiste de um corpo de verdades na
forma de proposições inteligíveis. Eles podem citar
João 5.39, 40: “Vocês estudam cuidadosamente as
Escrituras, porque pensam que nelas vocês têm a
vida eterna. E são as Escrituras que testemunham a
meu respeito; contudo, vocês não querem vir a mim
para terem vida”. Para eles, essa passagem significa
que os fariseus eram sérios em seu estudo da
Escritura, e consequentemente negligenciaram a
Cristo. Eles dizem que o nosso foco não deveria ser
na Escritura, mas na pessoa de Cristo. A Escritura é
meramente um apontador para Cristo, e não
deveríamos colocar muita ênfase em credos e
doutrinas.
Contudo, Jesus nunca condenou as pessoas
por examinar a Escritura, e nunca negou que é na
Escritura que eles podem encontrar a vida eterna.
Não é o caso de elas terem tomado a Escritura tão
seriamente que falharam em reconhecer Cristo, mas
que elas não a tomaram o suficiente com seriedade.
Se eles estivessem examinando a Escritura, e, como
Jesus disse, a mesma Escritura testifica sobre ele,
as pessoas deveriam ter reconhecido Cristo se eles
tomassem a Escritura seriamente.
Eles estavam condenados não porque tinham
estudado a Escritura intelectual ou formalmente,
mas por sua recusa em obedecer à Escritura, que é
“vir a [Cristo] para terem vida”. Em outras
palavras, não deveríamos estudar menos teologia,
mas mais, apenas lembrando que precisamos
também crer no que lemos na Bíblia, de modo que
possamos chegar a conclusões mais corretas do que
aquelas dos fariseus. Deveríamos conhecer mais do
que eles, e quando ganharmos um entendimento
acurado de certas verdades, deveríamos nos
entregar a essas verdades.
Para confirmar o entendimento acima, de
que a vida eterna pode de fato ser encontrada na
Escritura, podemos nos referir a 2 Timóteo 3.14-17,
onde o apóstolo Paulo declara: “Quanto a você,
porém, permaneça nas coisas que aprendeu e das
quais tem convicção, pois você sabe de quem o
aprendeu. Porque desde criança você conhece as
Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio
para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus.
Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o
ensino, para a repreensão, para a correção e para a
instrução na justiça, para que o homem de Deus
seja apto e plenamente preparado para toda boa
obra”.
Aqui, Paulo afirma que as Escrituras “são
capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante
a fé em Cristo Jesus”. Jesus disse aos fariseus:
“vocês estudam cuidadosamente as Escrituras,
porque pensam que nelas vocês têm a vida eterna”.
Eles estavam corretos em pensar que o estudo da
Escritura traria a eles vida eterna, mas eles
rejeitaram o ensino da própria Escritura. Assim, o
estudo da Escritura não estava em falta; mas, uma
rejeição do que uma pessoa estuda é o problema. É
a recusa em aceitar o conteúdo da teologia que
impede alguém de obter a vida eterna, não o estudo
da teologia em si. Isso significa que deveríamos
estar mais comprometidos com a teologia que os
fariseus, e não menos.
Em outro lugar, o apóstolo Paulo exorta
Timóteo: “Atente bem para a sua própria vida e
para a doutrina, perseverando nesses deveres, pois,
agindo assim, você salvará tanto a si mesmo quanto
aos que o ouvem” (1Tm 4.16). Como cristãos,
deveríamos atentar para como vivemos; contudo,
Paulo também diz para “atentar bem… para a
doutrina”. Não somente isso, mas devemos
“perseverar” na doutrina, porque se o fizermos,
salvaremos tanto os nossos ouvintes como a nós
mesmos. A teologia sã é uma questão de salvação
eterna.
Paulo orava, freqüentemente, pelas igrejas,
para que elas pudessem conhecer mais sobre Deus.
Em Colossenses 1.9, 10, lemos: “Por essa razão,
desde o dia em que o ouvimos, não deixamos de
orar por vocês e de pedir que sejam cheios do pleno
conhecimento da vontade de Deus, com toda a
sabedoria e entendimento espiritual. E isso para que
vocês vivam de maneira digna do Senhor e em tudo
possam agradá-lo, frutificando em toda boa obra,
crescendo no conhecimento de Deus”.
Em Filipenses 1.9-11, a Escritura afirma:
“Esta é a minha oração: Que o amor de vocês
aumente cada vez mais em conhecimento e em toda
a percepção, para discernirem o que é melhor, a fim
de serem puros e irrepreensíveis até o dia de Cristo,
cheios do fruto da justiça, fruto que vem por meio
de Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus”.
“Conhecimento e toda a percepção” não pode ser
interpretado como significando um tipo
experimental de conhecimento, mas trata-se de uma
compreensão intelectual.
Paulo ora para que o “amor [deles]
aumente… mais em conhecimento”. Em outro
lugar, Paulo diz que ele é um “conhecimento da
verdade que conduz à piedade” (Tt 1.1). Visto que
Paulo está se referindo a um conhecimento “da
verdade”, ele não está se referindo a experiências
místicas ou um sentido não intelectual de
“conhecer” a Deus adquirido por oração e louvor.
Um caráter piedoso está, dessa forma,
necessariamente, relacionado a um conhecimento
intelectual sobre Deus.
De acordo com Colossenses 3.9, 10, “não
mintam uns aos outros, visto que vocês já se
despiram do velho homem com suas práticas e se
revestiram do novo, o qual está sendo renovado em
conhecimento, à imagem do seu Criador”. Este
versículo indica que somos espiritualmente
renovados não somente por alguma experiência
espiritual, oração, louvor, ou a revigoração do
Espírito Santo, mas que somos renovados “em
conhecimento”.
Em ainda outro versículo Paulo declara:
“Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas
transformem-se pela renovação da sua mente, para
que sejam capazes de experimentar e comprovar a
boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm
12.2). Aqui, fica claro que a transformação
espiritual não vem de alguma experiência mística,
mas somos “transformados pela renovação [das
nossas mentes]”.
Para aqueles que enfatizam a experiência
mística, examinemos o relato que Paulo faz do seu
encontro com o Jesus ressurreto: “Em sua viagem,
quando se aproximava de Damasco, de repente
brilhou ao seu redor uma luz vinda do céu. Ele caiu
por terra e ouviu uma voz que lhe dizia: ‘Saulo,
Saulo, por que você me persegue?” Saulo
perguntou: “Quem és tu, Senhor?’ Ele respondeu:
‘Eu sou Jesus, a quem você persegue’” (At 9.3-5).
Mesmo numa experiência tão dramática, a
informação inteligível teve que ser dada para que a
visão tivesse significado. Paulo pede à pessoa que
estava falando com ele na visão para se identificar.
Foi uma pergunta, usando linguagem humana,
conforme às leis da gramática, sujeita às leis da
lógica, declarada na forma de uma pergunta. Jesus
se identifica, dando o seu nome, e o qualifica por
uma breve descrição do seu relacionamento com
Paulo, que ele é “a quem [Paulo] persegue”.
Finalmente, Paulo diz em Efésios 1.17-23:
“Peço que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o
glorioso Pai, lhes dê espírito de sabedoria e de
revelação, no pleno conhecimento dele. Oro
também para que os olhos do coração de vocês
sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a
esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da
gloriosa herança dele nos santos e a incomparável
grandeza do seu poder para conosco, os que
cremos, conforme a atuação da sua poderosa força.
Esse poder ele exerceu em Cristo, ressuscitando-o
dos mortos e fazendo-o assentar-se à sua direita,
nas regiões celestiais, muito acima de todo governo
e autoridade, poder e domínio, e de todo nome que
se possa mencionar, não apenas nesta era, mas
também na que há de vir. Deus colocou todas as
coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de
todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a
plenitude daquele que enche todas as coisas, em
toda e qualquer circunstância”.
Não somente a oração pede a Deus para
conceder à igreja mais conhecimento com respeito
a ele, mas contém tremendos insights doutrinários.
Por exemplo, ela discute a ressurreição de Cristo e
sua exaltação – duas das doutrinas centrais na
teologia sistemática. Dessa forma, mesmo na
oração, as verdades doutrinárias com conteúdo
intelectual são enfatizadas. Paulo não poderia ter
feito esta oração sem um entendimento intelectual
dessas verdades teológicas. Para nós, isso significa
que um entendimento rico das verdades bíblicas e
teológicas aprimorará nossas vidas de oração.
À luz do que já temos lido, quando a
Escritura nos diz para obter conhecimento, ela não
pode estar se referindo a um conhecimento
experimental, mas a um corpo de conhecimento
que é intelectual em natureza. A Escritura nos diz
que deveríamos “clamar por entendimento e por
discernimento gritar bem alto” (Pv 2.3),
advertindo-nos de que os “tolos odeiam o
conhecimento” (Pv 1.22, NIV). Ela nos intrui a
fazer o seguinte: “Dedique à disciplina o seu
coração, e os seus ouvidos às palavras que dão
conhecimento” (Pv 23.12).
Existem bem mais passagens sobre este
assunto; mas, para manter esta discussão breve, eu
simplesmente listarei as referências. Quando a
palavra “conhecimento” é usada nestas passagens,
ela não se refere a um conhecimento experimental,
mas à informação que pertence ao intelecto: 2
Crônicas 1.10-12; Salmos 119.66; Provérbios 1.1-7,
22, 29-33, 2.1-11, 5.1, 2, 8.7-14, 9.10-12, 10.14,
11.9, 12.1, 13.16, 14.6, 7, 18, 15.2, 7, 14, 18.15,
19.2, 20.15, 22.12, 23.12, 24.3, 4, 5, 28.2; Jeremias
3.15; Daniel 5.12; Oséias 4.6; Malaquias 2.7; Lucas
1.76, 77; Romanos 10.1, 2; 2 Coríntios 2.14, 4.4-6,
11.4-6; Efésios 4.11-15; Filipenses 1.9-11;
Colossenses 1.9, 10, 2.2, 3, 3.5-10; 1 Timóteo 2.3,
4; Tito 1.1-3; 2 Pedro 1.2-4, 3.17, 18.
A maioria dos cristãos professos é ignorante
na doutrina e inepta no raciocínio. Parar de
desprezar um estudo acadêmico da teologia é uma
questão urgente para os cristãos.
Efésios 4.11-14 afirma: “E ele designou
alguns para apóstolos, outros para profetas, outros
para evangelistas, e outros para pastores e mestres,
com o fim de preparar os santos para a obra do
ministério, para que o corpo de Cristo seja
edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé
e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos
à maturidade, atingindo a medida da plenitude de
Cristo. O propósito é que não sejamos mais como
crianças, levados de um lado para outro pelas
ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento
de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens
que induzem ao erro”. Sem o “conhecimento do
Filho de Deus”, os cristãos permanecerão infantes
espirituais que são fracos e instáveis. Esse
conhecimento se refere à informação intelectual
comunicada pela Escritura.
Jesus diz em Mateus 22.37: “Ame o Senhor,
o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua
alma e de todo o seu entendimento”. Este capítulo
foca-se no intelecto negligenciado, e serve como
um encorajamento para redescobri-lo e preservá-lo.
O desenvolvimento intelectual é, num sentido
muito real, equivalente ao desenvolvimento
espiritual. Um entendimento intelectual de física
pode não contribuir diretamente para o crescimento
espiritual, mas uma compreensão e um
assentimento intelectual às proposições bíblicas são
a essência do desenvolvimento espiritual. Jesus diz
para amarmos a Deus com todo o nosso coração,
alma e mente, mas o uso bíblico desses termos
todos se refere ao intelecto do homem. Para
compreender, articular e defender o conhecimento
de Deus como revelado a nós por meio da Bíblia,
nós devemos praticar o pensamento lógico, pois
Deus é lógico em si mesmo, e ele sempre se
comunica de uma forma lógica e coerente.
Devemos aprender a Escritura, e aprender a
argumentar a partir da Escritura (veja At 17.2; 18.4,
19; 24.25).

[1] Retirado do prefácio ao excelente livro do Dr. Gordon H. Clark,


Logic, publicado pela Trinity Foundation.
[2] Confira Apologética no Diálogo, de Vincent Cheung, publicado
pela Editora Monergismo, a fim de perceber a apologética bíblica
posta em ação.
[3] Efésios 4.1-16, por exemplo.
[4] Outra opinião infundada e irracional é aquela que diz que
teologia não é algo prático, e é por isso que devemos relegá-la a um
segundo plano. Nada poderia ser mais tolo, e mesmo blasfemo,
pois, visto que teologia é o estudo da Palavra de Deus, as pessoas
estão dizendo, em última instância, que estudar a Palavra de Deus
não é algo prático. Essas pessoas precisam definir o que é algo
“prático”, e provar que somente as coisas práticas são valiosas.
Supondo que por prático eles querem dizer algo que transforma e
dá direção à nossa vida, como o estudo da Palavra de Deus pode
não ser prático? Ela prescreve o que devemos pensar, agir, orar,
adorar, como devemos trabalhar, criar os nossos filhos, etc.
[5] Vincent Cheung, Introdução à Teologia Sistemática, Arte
Editorial, p. 13.
[6] João Calvino apresenta esse ensino de maneira magistral: “…
quão grande improbidade é meramente indagar as causas da
vontade divina, quando ela mesma é a causa de tudo quanto existe,
e com razão deve ser assim. Ora, se houvesse algo que fosse a
causa da vontade de Deus, seria preciso que fosse anterior e que
estivesse atada a tal causa, o que não é procedente imaginar-se.
Pois a vontade de Deus é a tal ponto a suprema regra de justiça, que
tudo quanto queira, uma vez que o queira, tem de ser justo.
Quando, pois, se pergunta por que o Senhor agiu assim, há de
responder-se: Porque o quis. Porque, se prossigas além, indagando
por que ele o quis, buscas algo maior e mais elevado que a vontade
de Deus, o que não se pode achar. Portanto, contenha-se a
temeridade humana e não busque o que não existe, para que não
venha, quem sabe, a acontecer que aquilo que existe não ache”
(Institutas, I, xxiii, 2) [N. do T.].
[7] Veja Introdução à Teologia Sistemática e Reflexões sobre as
Questões Últimas da Vida, publicados pela Arte Editoral [N. do
T.].
[8] Na NIV, versão do autor [N. do T.].
[9] Segundo o dicionário Aurélio, a palavra másculo tem dois
sentidos [1. Relativo ao homem, ou a animal macho; masculino. 2.
Vigoroso, varonil, viril]. Apenas na acepção 1 o termo tem o
mesmo sentido que masculino, que não é o caso da versão B do
argumento apresentado [N. do T.].
[10] Vide Introdução à Teologia Sistemática e Reflexões sobre as
Questões Últimas da Vida, publicados pela Arte Editorial, bem
como Apologética no Diálogo, publicado por Publicações
Monergismo [N. do T.].
[11] Ou bola de neve [N. do T.].
[12] A Bíblia não é um livro-texto sobre lógica, pois não é
exclusivamente sobre lógica, mas ela é a única autoridade sobre o
assunto [N. do T.].
[13] Mesmo teólogos ortodoxos fazem afirmações semelhantes.
Por exemplo, J. I. Packer, em seu famoso livro “O Conhecimento
de Deus”, faz o seguinte comentário: “Um pequeno conhecimento
de Deus vale bem mais que um grande conhecimento a respeito
dele” (Mundo Cristão, pág. 29) [N. do T.].

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