excelente introdução ao estudo da lógica, e sua relação, importância e absoluta necessidade no estudo da teologia e da Palavra de Deus. Embora amplamente desdenhada, é por meio da lógica que podemos nos assegurar de alcançar conclusões corretas, principalmente quando se refere ao estudo da Bíblia. Mesmo que alguns possam achar estranho, o título do livro é apropriado, pois caso rejeitemos a lógica, distinções entre certo e errado, bem e mal, justo e injusto, misericórdia e brutalidade também desapareceriam. Como disse o Dr. John Robbins: Sem lógica, as palavras de Deus, “Não matarás”, realmente significam “Matarás diariamente” ou “Stalin foi Príncipe do País de Gales”. A rejeição da lógica significa o fim da moralidade, pois moralidade e ética dependem do entendimento. Sem entendimento, não pode haver nenhuma moralidade. Uma pessoa deve entender os Dez Mandamentos antes que possa obedecer a eles. Se a lógica é irrelevante ou não religiosa, o comportamento moral é impossível, e a religião “prática” daqueles que menosprezam a lógica não pode ser praticada de forma alguma.[1] No primeiro capítulo, Cheung trata da natureza da existência do bem e do mal, e suas diversas implicações para a vida do cristão, para os ministros do evangelho e para a igreja de Cristo. Este capítulo será de grande ajuda para todos aqueles que lutam contra o anti-intelectualismo, bem como um alerta para aqueles que não estão cientes dos obstáculos que este impõe ao crescimento espiritual do cristão. No segundo capítulo, Cheung chama atenção para um tipo de batalha espiritual totalmente negligenciado e quase desconhecido no meio cristão dos nossos dias: a batalha que é travada no campo da mente. Precisamos pregar e enfatizar a verdade de Deus, pois esta é a arma principal que Deus deu ao seu povo para vencer a sua batalha contra o mundo.[2] Devemos usar a verdade de Deus contra o engano e a mentira de Satanás, pois é com ela que “destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus” (2Co 10.5). Essa é uma luta intelectual, não mística. É este tipo de batalha que o apóstolo Pedro tinha em mente quando disse aos cristãos: “Estejam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês” (1Pe 3.15). O mesmo Pedro, em sua segunda epístola, diz que muitos distorcem a Escritura, e isso para a própria destruição deles (2Pe 3.16). Considerando que a interpretação incorreta da Escritura é algo que Deus leva muito a sério, como está claro nesta afirmação do apóstolo, nenhum cristão deveria menosprezar o estudo da lógica, pois esta é uma das formas de evitarmos a distorção da Escritura, fazendo com que as suas proposições signifiquem coisas que Deus nunca pretendeu. No capítulo 3, o autor apresenta alguns conceitos básicos de raciocínio, para que possamos estar mais preparados para defender o pensamento correto. Em seguida, Cheung mostra vários tipos de falácias comuns, juntamente com alguns exemplos, que será de grande utilidade, visto que ajudará o leitor a perceber com maior eficácia e rapidez os erros lógicos nos argumentos dos oponentes da fé cristã. Aqui vemos um exemplo de como o cristão pode se beneficiar com o estudo da lógica. Por fim, já no quarto e último capítulo, aprendemos a necessidade da lógica nas discussões teológicas, bem como a importância da própria teologia. Esse é um capítulo de importância peculiar, pois a tendência contra o intelectualismo e a teologia é abundante em nossas igrejas. Contudo, tal postura demonstra ignorância quanto ao conteúdo da Escritura, visto que nos discursos dos apóstolos, profetas e do próprio Senhor Jesus vemos uma abundância de conceitos teológicos e argumentos lógicos. Até mesmo os capítulos considerados mais “práticos”[3] nos escritos do apóstolo Paulo estão permeados de teologia.[4] Cristianismo sem teologia é uma contradição de termos. Visto que o estudo da teologia é “o empreendimento mais importante que um cristão pode realizar”,[5] tudo aquilo que nos ajude a entender a Escritura mais corretamente deve ser apreciado e receber a atenção do cristão. Este livro é uma ferramenta que, com a bênção de Deus, ajudará muitos dos seus servos a aprender a valorizar o estudo da teologia e da Palavra de Deus, bem como a defender a fé cristã com eficácia. Como diz o Senhor Deus por meio do profeta Isaías, “venha, vamos refletir juntos!” (Is 1.18).
— Felipe Sabino de Araújo Neto
8 de abril de 2009 PREFÁCIO À EDIÇÃO DE 2002
A Bíblia tem muito a dizer sobre o assunto
do bem e do mal. Deus quer que reconheçamos o bem como bem, o mal como mal, e que nunca confundamos as duas coisas. Indivíduos e sociedades se tornam ímpios aos olhos de Deus quando pervertem a justiça e a ética, ao confundir, ou até mesmo reverter, as definições de bem e mal. A influência da cultura secular tem se tornado tão extensiva que muitos nem mesmo creem na existência do bem e do mal. Eles consideram que todos os padrões morais são baseados em preferências individuais ou fatores sociais. A Bíblia é contra tal pensamento. Como cristãos, devemos aprender a discernir e sustentar os padrões de Deus com respeito a essas questões. O propósito desse livro é auxiliar o leitor a ganhar a capacidade de discernir o bem do mal, e ainda, além disso, a amar sem reservas o bem e odiar o mal, como as Escrituras nos ordenam a fazer. Ao revisar o texto para essa edição de Sobre o Bem e o Mal, fiz muitas mudanças, primariamente para melhorar a precisão teológica e aprimorar a prosa. Algumas deficiências inerentes na edição original não puderam ser remediadas sem reestruturar e reescrever o texto e, assim, tiveram que permanecer na obra. Todavia, as mudanças que foram feitas tornaram a presente edição de Sobre o Bem e o Mal num guia ainda mais legível para o leitor do que o original. CAPÍTULO 1: SOBRE O BEM E O MAL
Quando usamos as palavras bem e mal num
discurso comum, geralmente temos uma ideia geral do que elas significam. Uma pessoa assume que sabe o que ela quer dizer por essas palavras, e que ela não confunde as duas. Se algo se encaixa em sua definição de “bom”, ele não a chamará de “mau”, e vice-versa. Contudo, o que alguém considera ser bom pode não se igualar à definição do termo de outra pessoa e, assim, a última chamaria de mau o que a primeira diz ser bom. Nossos pensamentos e pontos de vista subjetivos influenciam nossas definições de bem e mal. Mesmo assim, normalmente existe muita concordância com respeito ao nosso uso dessas palavras. Se alguém diz que um determinado indivíduo é “bom”, outra pessoa pode comumente afirmar o mesmo. Assim, embora nossas definições de bom possam diferir, há geralmente pontos suficientes de sobreposição à extensão em que a comunicação inteligível é possível. Se nossas definições de bem e mal são totalmente subjetivas e privadas, os conceitos se tornam sem significado, visto que as definições de alguém desses termos podem não coincidir com a de outra pessoa em nenhum ponto, ou em pontos irrelevantes para a situação, e uma pessoa pode nunca saber o que a outra quer dizer quando as palavras são expressas. Embora nossos conceitos de bem e mal sejam parcialmente subjetivos, há alguns padrões objetivos governando nosso uso desses termos, de tal modo que nosso entendimento dessas palavras não é inteiramente subjetivo. Em outras palavras, nossos pensamentos, discursos e ações reconhecem implicitamente a existência de um padrão objetivo de bem, mesmo que nossas definições explícitas e usos dos conceitos de bem e mal nem sempre adiram a ele. Contudo, se há de fato um padrão objetivo do que é bom, nossas definições são equivocadas à extensão em que nos desviamos dele. Simplesmente porque há elementos de subjetividade em nossas definições desses conceitos não significa que isso deveria ser dessa forma. Por exemplo, se nossas definições de quão longa uma polegada deveria ser são diferentes, mas exista um padrão objetivo definindo o comprimento de uma polegada, então nossas definições são erradas à medida que nos desviamos dessa definição objetiva de uma polegada. Se há um padrão objetivo que determina o significado de bondade, então deveríamos descobrir qual é ele, e apresentar o método de conhecer tal padrão de bondade. Nesse ponto, reconhecemos que bem e mal existem, mas devemos descobrir o padrão objetivo de bondade antes de procedermos à discussão da natureza da existência do bem e do mal. Reconhecemos implicitamente um padrão objetivo que define o que é bom. Como cristãos, cremos que Deus tem existido antes de tudo o mais, e que ele é o criador de tudo o que existe. Nós sabemos que ele é um Deus “bom” (Sl 34.8), e, portanto, ele é aquele que define o que é bom. Paulo, em Romanos 1, nos informa que um conhecimento inato de Deus foi colocado na mente do homem, e é a partir disso que derivamos um conceito do que é bom. Contudo, Paulo também nos diz que o pecado distorce o conhecimento de Deus em nossas mentes, o que explica a falta de concordância em se definir o bem e o mal. Para sobrepujar os efeitos do pecado sobre a mente, Deus nos transmite seus pensamentos por revelação verbal e, desse modo, a Escritura é o padrão objetivo de bondade. Visto que a Bíblia é o que Deus tem nos revelado, ela é o que Deus está nos dizendo. Se Deus é o único que determina o que é bom, e o conteúdo da Bíblia é o que Deus está nos comunicando, então tudo o que Deus disser na Bíblia que é bom, é, de fato, bom. Em outras palavras, tudo o que Deus decide ser bom é bom, e ele nos diz o que ele decidiu ser bom através da Escritura. Portanto, nosso padrão objetivo para determinar o que é bom é a Bíblia. Podemos então perguntar como Deus decide o que é bom. Se tudo o que Deus decidiu ser bom é bom, parece possível a bondade ser diferente da forma como ela é atualmente definida. Se amor é bom simplesmente porque Deus o fez assim, então pode ser possível que Deus poderia ter considerado o ódio ser bom, e ele assim seria. Se esse é o caso, parece que a definição de bondade é arbitrária, não necessária. Por outro lado, se há um padrão objetivo de bondade sobre o qual Deus baseie sua definição do que é bom, isso implicaria que Deus está sujeito a um padrão de bondade externo a ele. Isso implicaria que ele não tem autoridade absoluta sobre o universo. Baseado nas considerações acima, parece que a definição de bondade ou é arbitrária, ou Deus é subserviente a algo além dele mesmo, pelo menos nessa questão do que constitui bondade. A última visão é inaceitável; a primeira visão não deve ser descartada, e será discutida adicionalmente mais abaixo. O que a Bíblia ensina é que a bondade é inerente à natureza de Deus, e, portanto, a definição de bondade procede naturalmente dele. Dessa forma, Deus não está sujeito a algum padrão de bondade externa a ele, e a definição de bondade não é arbitrária no sentido de ser sem sentido e trivial, mas é fundamentada na natureza imutável de Deus. Por exemplo, a Bíblia diz que é bom amar. Isso procede a partir da natureza de Deus, visto que “Deus é amor” (1Jo 4.8, 16). A Bíblia diz que “Deus é luz; nele não há treva alguma” (1Jo 1.5). Ela também diz que “Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta” (Tg 1.13), mas que “toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes” (Tg 1.17). Isso significa que a natureza de Deus é inerentemente boa, e ela é o padrão objetivo de bondade sobre o qual todo julgamento sobre esses assuntos deve ser baseado. Deus é bom, e ele é a fonte de toda bondade. E embora ele seja por necessidade a causa última do mal, assim como ele é a causa última de tudo, não há maldade nele. A bondade fundamentada na natureza de Deus é necessária e imutável. Por exemplo, a verdade é uma qualidade inerente na natureza divina. O buscar e o dizer a verdade são coisas boas para nós porque é da natureza de Deus dizer a verdade. Visto que a verdade é a natureza de Deus, esse é o porquê de ela ser boa, pois tudo o que Deus é é bom. Os mandamentos de Deus com respeito à veracidade, portanto, são baseados em sua natureza eterna. Isso significa que Deus nunca aprovará ações tais como perjúrio, ou qualquer tipo de mentira como sendo moral (Êx 20.16; Ef 4.25; Ap 21.8). Os mandamentos de Deus com respeito à verdade são necessários e imutáveis. Esse tipo de bondade está fundamentado na própria natureza de Deus, e ela é imutável, assim como Deus é imutável (Ml 3.6; Hb 13.8). Ora, Deus define a bondade e, assim, o que ele é e faz é ipso facto bom. Tudo o que ele é e tudo o que ele faz é bom, o que significa que nenhum padrão de bondade externa a Deus pode ser usado para julgar um ato de Deus como bom ou mau. Nós derivamos a própria definição de bondade a partir do que Deus é e faz. Como já mencionado, descobrimos o que é bom e moral através da Escritura. E no início foi dito que a visão que diz que a definição de bondade é de certa forma arbitrária não pode ser descartada. Por exemplo, era bom para os crentes do Antigo Testamento ser circuncidados somente porque Deus tinha ordenado isso. Portanto, era bom para um crente do Antigo Testamento ser circuncidado, e mau para ele o não ser. A definição de bondade é, portanto, “arbitrária”, mas somente no sentido de que a vontade de Deus determina tudo, incluindo o padrão de bondade. Por arbitrária, portanto, não queremos dizer “existindo ou sucedendo aparentemente de maneira aleatória ou por acaso, ou como um ato de vontade caprichoso e desarrazoado”; mas, antes, como algo similar a “não restringido ou limitado no exercício de poder: governar com absoluta autoridade” (Merriam- Webster’s Collegiate Dictionary, 10a Edição). A doutrina da simplicidade de Deus exige que consideremos seus atributos como um, o que significa que não pode haver nenhuma separação entre sua vontade e natureza. Todas as coisas, nesse sentido, são arbitrárias por necessidade, visto que não há explicação mais última para algo do que dizer que Deus a desejou, e não há nada anterior à vontade de Deus que dite ou influencie o que ele deseja. Ele é amor e ele desejou ser amor; ele desejou ser amor e ele é amor. A vontade de Deus é a expressão final; não há nenhuma causa anterior.[6] Portanto, o fato de alguém matar outra pessoa não é inerentemente imoral, mas é somente devido ao mandamento de Deus: “Não matarás”. Do mesmo modo, teria sido imoral para Abraão se refrear de preparar Isaque para o sacrifício, uma vez que Deus o tinha ordenado a fazê-lo – em outro contexto, chamaríamos isso de assassinato. Se Deus não tivesse detido a mão de Abraão, ainda teria sido bom para ele ter matado Isaque – simplesmente porque Deus tinha ordenado isso. A justificativa para a pena de morte é derivada da mesma forma. Deus tem soberania completa sobre toda criação, e tudo o que ele ordena é bom por definição. Com tudo isso em mente, estamos prontos agora para discutir ainda mais a natureza da existência do bem e do mal. Como temos mencionado, sabemos que o bem e o mal existem, mas estamos interessados também em conhecer a forma da sua existência. Isso é significante porque alguns sistemas religiosos e filosóficos afirmam que não há tal coisa como bem e mal. Alguns se focam sobre a não existência do mal, mas afirmam a existência do bem. Como cristãos, então, devemos ir além de meramente afirmar a existência do bem e do mal, mas também clarificar nossa posição quanto às formas de sua existência. Os cristãos creem tanto na existência do bem quanto do mal, mas é preciso definir em que sentido se crê que essas coisas existem. Deus tem existido na eternidade; o próprio tempo foi criado por ele. Isso significa que, antes da criação do universo, Deus tinha existido sozinho. E visto que a Escritura ensina que não há mal em Deus, a questão que se levanta é quanto à fonte e origem do mal. Nós não podemos dizer que o próprio Deus, embora não haja mal nele, cometeu o mal; a Escritura nega essa possibilidade. Tiago 1.16, 17 afirma: “Meus amados irmãos, não se deixem enganar. Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não muda como sombras inconstantes”. Se Deus é a fonte de “toda boa dádiva e todo dom perfeito”, e ele “não muda”, isso significa que ele não realiza alguma outra coisa senão aquilo que é bom. Uma resposta consistente com o registro bíblico seria que Deus criou criaturas com a capacidade de escolher, embora ele possua controle completo sobre até mesmo suas vontades, e que foi bom para ele ter feito assim. Mas, essas criaturas, pelo bom decreto soberano de Deus, decidiram fazer escolhas que eram contrárias à bondade de Deus, e, portanto, resultaram no mal. Devemos insistir, contrário ao “livre-arbítrio” do humanismo, que Deus não meramente “permitiu” o mal, mas ele o decretou; de outra forma, ele não poderia ter se originado. Ora, a Bíblia diz que se não houvesse lei moral, então não haveria nenhum pecado. Portanto, pecado é uma transgressão da lei moral. Visto que a lei moral declara o que é bom, o mau é, dessa forma, um desvio dessa bondade objetiva, e não é, portanto, realmente uma coisa em si mesma. O que se segue a partir disso é que a bondade pode existir sem o mau, mas o mau não pode existir sem a bondade objetiva. Se mau, como parece, é um “não deve”, então ele não pode existir sem um “deve”. É possível haver um padrão de bondade objetivo sem qualquer desvio dele, mas não é possível haver um desvio da bondade se a própria bondade não é definida ou não existe. Por exemplo, é concebível ter um limite de velocidade sem qualquer violação dele, mas é impossível violar o limite de velocidade se não existe tal coisa. Da mesma forma, somente é possível existir o mal se houver o bem, mas é possível que haja o bem sem a existência do mal. Deus não precisa de Satanás para defini-lo. O mal, de fato, existe, mas não como uma coisa em si mesma; antes, ele é um desvio do bem. Isso não significa que o mal seja uma ilusão, como alguns sistemas de pensamento não cristãos afirmam, mas que ele não tem existência independente e objetiva, como no caso da bondade. Resumindo, a bondade é definida pela palavra de Deus, e o mau é, consequentemente, definido pela (o desvio da) bondade. O que Deus diz que é bom é bom; o que se desvia ou contradiz o que ele diz é mau. A implicação é que bem e mal são necessariamente diferentes. Eles não são conceitos impostos sobre um mundo moralmente neutro. Algumas coisas são de fato boas, e algumas coisas são de fato más – as duas não são a mesma coisa. A lei moral de Deus não pode ser considerada como relativa. Se ela define um “bom” dentro de uma categoria, então qualquer coisa que se desvia dela é mau. O mal é um desvio do bem, e um desvio de alguma coisa não pode ser o mesmo que a coisa da qual ele se desviou. Portanto, bem e mal são necessariamente diferentes. A Bíblia nos instrui a obedecer à Palavra de Deus, e a “não se desviar dela, nem para a direita nem para a esquerda” (Js 1.7; vd. Dt 28.14; Pv 4.27). Não somente bem e mal são diferentes, mas eles estão um contra o outro. O bem não concorda com o seu desvio, e o desvio do bem não concorda com o padrão objetivo de bondade. Não pode haver concórdia entre o bem e o mal. Como a Escritura diz: “... Pois o que têm em comum a justiça e a maldade? Ou que comunhão pode ter a luz com as trevas? Que harmonia entre Cristo e Belial? Que há de comum entre o crente e o descrente?” (2Co 6.14, 15); “... a amizade com o mundo é inimizade com Deus... Quem quer ser amigo do mundo faz-se inimigo de Deus” (Tg 4.4). E o próprio Jesus diz: “Aquele que não está comigo, está contra mim; e aquele que comigo não ajunta, espalha” (Mt 12.30). Algo que é mau nunca pode ser chamado de bom, e algo que é bom nunca pode ser chamado de mau. Se há um limite de velocidade, então todas as violações do limite de velocidade são consideradas violações. É verdade que há diferentes graus de desvios do bem (Lc 12.47; Êx 21.12, 13), assim como é verdade com as violações de limite de velocidade. Mas quando estamos considerando as próprias categorias de bem e mal, e não meramente o grau de proximidade do padrão objetivo, qualquer desvio do bem pertence à categoria de mal, assim como qualquer desvio do limite de velocidade é uma violação do limite de velocidade. Dado o exposto acima, o crente deve rejeitar as teorias seculares sobre o assunto, que se rebelam contra a lei moral de Deus e sua reivindicação sobre suas vidas. Por exemplo, o subjetivismo declara que a verdade e moralidade são sujeitos ao indivíduo. Ele determina o que é bom e o que é mau, e o que ele decide será verdade até onde lhe disser respeito. O relativismo afirma que a verdade e a moralidade são relativas à situação. O que é bom numa situação pode ser mau em outra. A bondade é relativa, e não objetiva. Essas posições pressupõem a falsidade da cosmovisão cristã. Para seus aderentes serem consistentes, uma pessoa não deve punir outra por fazer algo contra ela enquanto essa outra pessoa considerar o que ela está fazendo como sendo moral, mesmo que isso seja roubo ou assassinato. De outra forma, o subjetivista ou relativista estaria impondo seu próprio padrão moral sobre o outro, o que significa que ele considera seu próprio padrão moral como objetivamente verdadeiro e universalmente obrigatório – um que deveria ser reforçado sobre aqueles que discordam dele sobre o assunto. Isso, consequentemente, significa que seus padrões morais, no final das contas, são objetivos na natureza. O subjetivismo e o relativismo são imediatamente autorrefutadores quando declarados. Se a verdade é subjetiva ou relativa, a afirmação de que a verdade é subjetiva ou relativa é, em si mesma, subjetiva ou relativa – a afirmação se autodestrói. Contra essas e outras oposições, a posição cristã reconhece que bem e mal são reais e estritamente definidos. As linhas são muito claras, e elas são definidas pelas palavras da Escritura. Para resumir, bem e mal são reais – eles existem. A bondade tem existência real no sentido de que ela é baseada na revelação verbal de Deus na Escritura. O mal, por outro lado, é qualquer desvio de sua lei moral. Se a lei de Deus define o que é o “deve”, então o mal é qualquer “não deve”. Nós ganhamos conhecimento do que é bom e mau através da Bíblia. Isto é, através da Escritura, Deus nos diz o que é bom e o que é o desvio da bondade, ou seja, o mau. A Bíblia diz em Isaías 5.20: “Ai dos que chamam ao mal bem e ao bem, mal, que fazem das trevas luz e da luz, trevas, do amargo, doce e do doce, amargo!”. O versículo nos adverte a definir o bem e o mal como Deus os define. Não deveríamos confundir os dois e perverter suas definições dessas duas coisas. Se algo é bom de acordo com Deus, deveríamos chamá-lo de bom. Deveríamos endossá-lo, louvá-lo e persegui-lo. Se algo é mau aos seus olhos, deveríamos chamá-lo como tal. Deveríamos rejeitá-lo, atacá-lo e sobrepujá-lo. A Escritura também tem algo a dizer com respeito ao nível de entendimento que deveríamos ter sobre o bem e o mal. O apóstolo Paulo diz, em Romanos 16.19, que devemos ser “sábios em relação ao que é bom, e sem malícia em relação ao que é mau”. Em outro lugar, a Bíblia registra a atitude de Deus para com os ímpios, dizendo: “O meu povo é tolo, eles não me conhecem. São crianças insensatas que nada compreendem. São hábeis para praticar o mal, mas não sabem fazer o bem” (Jr 4.22). Os ímpios não somente praticam o mal, mas eles também o entendem, de modo que se tornam hábeis em sua busca dele. Por outro lado, eles são ignorantes quando diz respeito a pensar e praticar o bem. Nós não devemos ser hábeis em praticar coisas más, como é verdade com aqueles que são “tolos”, e que são “insensatos”. Aqueles que são “hábeis para praticar o mal” são ditos ser “sem entendimento”. Os cristãos são frequentemente ridicularizados por amigos ou colegas de trabalho quando eles parecem ter carência de conhecimento ou experiência em atividades seculares e pecaminosas. Isso pode incluir alcoolismo, uso de drogas, linguagem obscena, desonestidade, brincadeiras grosseiras, roubo e várias outras coisas. Os cristãos deveriam estar confiantes de que eles estão no caminho correto e os incrédulos no errado. Deus não deseja que sejamos versados na maneira de viver perversa, embora ele queira que sejamos capazes de reconhecer o mal, de modo que possamos evitá-lo. Por outro lado, Deus deseja que sejamos “sábios sobre o que é bom”, de modo que possamos entender e praticar o que é bom. Isso é agradável aos olhos de Deus. Em nossa cultura, o bem é frequentemente perseguido como tendo mente fechada e sendo restritivo, e o mal é frequentemente aprovado como libertador, respeitoso e tolerante. O cristão nunca deveria comprometer os princípios de Deus para se conformar aos conceitos do mundo de bem e mal, visto que os incrédulos pervertem o bom julgamento por meio de suas luxúrias e desafio grosseiro contra Deus. Deveríamos entender o bem e o mal à medida que podemos diferenciar entre eles, mas não deveríamos entender o mal de uma forma que sejamos hábeis e inteligentes em como buscá-lo. Devemos, contudo, ser sábios nas coisas que são boas, para que possamos nos desenvolver nelas. De acordo com a Escritura, não somente devemos evitar o mal, mas devemos ser contra ele – devemos odiá-lo. Romanos 12.9 afirma: “O amor deve ser sincero. Odeiem o que é mau; apeguem-se ao que é bom”. Devemos nos apegar, segurar com força, ao que é bom, mas devemos nos colocar contra o que é mau. Devemos atacá-lo. Outro versículo na Bíblia ecoa esse pensamento, mas também o aplica adicionalmente ao sistema de justiça. Ele diz: “Odeiem o mal, amem o bem; estabeleçam a justiça nos tribunais” (Am 5.15). Os conceitos seculares de unidade e amor esperam que comprometamos até mesmo o sentido de bem e mal para Deus, mas isso nunca deveria ser feito. Assim, não devemos simplesmente preferir o bem de uma maneira passiva, mas devemos ativamente nos apartar do que é mal, e ativamente buscar o que é bom. A Escritura declara em 1 Pedro 3.10-12: “Pois, ‘quem quiser amar a vida e ver dias felizes, guarde a sua língua do mal e os seus lábios da falsidade. Afaste-se do mal e faça o bem; busque a paz com perseverança. Porque os olhos do Senhor estão sobre os justos e os seus ouvidos estão atentos à sua oração, mas o rosto do Senhor volta-se contra os que praticam o mal”. E, em outro lugar, ela diz: “Busquem o bem, não o mal, para que tenham vida. Então o SENHOR, o Deus dos Exércitos, estará com vocês, conforme vocês afirmam” (Am 5.14). Também: “Desvie-se do mal e faça o bem; então você habitará na terra para sempre” (Sl 37.27, NIV). Desvie-se, portanto, do que é mau, e siga aquilo que é bom. Bem e mal são claramente distinguíveis com base nos preceitos divinos registrados na Escritura. Esse é o porquê Deus pode esperar que vejamos aquilo que é mau, e aquilo que é bom, e então façamos uma decisão consciente de nos desviar do mau, e buscar o que é bom e pacífico. Desviar-se do mal não significa que devemos ignorar sua presença no mundo. Devemos sobrepujá-lo e atacá-lo: “Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem” (Rm 12.21). O bem pode sempre triunfar sobre o mal, e o certo sempre é mais poderoso do que o errado. A verdade é sempre mais poderosa do que a falsidade. A luz é sempre mais poderosa do que as trevas. Por outro lado, as trevas nunca podem sobrepujar a luz. Como cristãos, somos filhos da luz (1Ts 5.5), e, portanto, podemos estar confiantes de que, se permanecermos verdadeiramente no bem, isto é, se permanecermos fiéis a Deus, triunfaremos nessa vida. Como o apóstolo João diz: “Quem é que vence o mundo? Somente aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus” (1Jo 5.5). Percebendo a relevância desse assunto, seria natural alguém perguntar como ele pode clara e acertadamente discernir entre o bem e o mal. Como podemos saber o que Deus pode pensar de cada assunto? Já temos estabelecido a Bíblia como o padrão objetivo de bondade, e o que se segue desenvolverá várias implicações desse fato. Visto que o padrão objetivo de bondade é a Palavra de Deus, e o mau é tudo aquilo que se desvia desse padrão objetivo de bondade, sabemos que se pudermos adquirir conhecimento do conteúdo da revelação divina, saberemos o que constitui a bondade, e também o que é mau. Uma das passagens mais relevantes e instrutivas da Escritura a este respeito é Hebreus 5.12-14: “Embora a esta altura já devessem ser mestres, vocês precisam de alguém que lhes ensine novamente os princípios elementares da palavra de Deus. Estão precisando de leite, e não de alimento sólido! Quem se alimenta de leite ainda é criança, e não tem experiência no ensino da justiça. Mas o alimento sólido é para os adultos, os quais, pelo exercício constante, tornaram-se aptos para discernir tanto o bem quanto o mal”. Agora, o versículo 12 diz: “Embora a esta altura já devessem ser mestres, vocês precisam de alguém que lhes ensine novamente as verdades elementares da palavra de Deus” (NIV). A primeira parte declara que, “a esta altura”, alguns dentre a audiência da Epístola aos Hebreus “já deveriam ser mestres” – implicando que o tempo deveria ser um fator no crescimento espiritual. Isso não é dizer que quanto mais tempo uma pessoa tiver de cristão, mais espiritualmente madura ela será, mas que quanto mais tempo uma pessoa tiver de cristão, mais espiritualmente madura ela deveria ser. Todavia, devido às suas falhas de caráter e negligência, uma pessoa pode permanecer um infante espiritual a despeito de ter sido um cristão por um longo tempo. Portanto, há aqueles que deveriam ser mestres sobre outros crentes, visto que eles têm sido cristãos há muitos anos, mas permanecem como infantes espirituais, que “precisam de alguém que lhes ensine novamente as verdades elementares da palavra de Deus”. Não que nunca eles tivessem sido ensinados sobre “as verdades elementares da palavra de Deus”; mas que, devido à falta de crescimento e aptidão espiritual deles, eles precisavam ser ensinados “novamente” sobre essas coisas. O próximo versículo diz que: “Estão precisando de leite, e não de alimento sólido! Quem se alimenta de leite ainda é criança, e não tem experiência no ensino da justiça”. O versículo anterior afirma que os leitores tinham permanecido como infantes espirituais, e embora devessem ter amadurecido o suficiente para serem mestres na época em que estavam lendo a epístola, eles não tinham amadurecido até aquele grau. Portanto, eles precisavam ser tratados como infantes espirituais, que se alimentam de leite ao invés de alimento sólido! Obviamente, o escritor da epístola não está se referindo ao leite físico e ao alimento sólido literal, mas comparando “as verdades elementares da palavra de Deus” com o leite, e o ensino de teologia mais avançado com o “alimento sólido”. Assim, há tal coisa como “verdades elementares” na Bíblia, enquanto outras podem ser consideradas como ensinos intermediários ou avançados, ou “alimento sólido”, apropriado para adultos espirituais. Aqueles que “[vivem] de leite” são infantes espirituais, caracterizados pelo fato de que eles não “têm experiência no ensino da justiça”. A passagem continua para dizer: “Mas o alimento sólido é para os adultos, os quais, pelo exercício constante, tornaram-se aptos para discernir tanto o bem quanto o mal”. Os adultos se alimentam de alimento sólido. Visto que estamos falando do nível de verdades na Escritura, isso significa que os infantes espirituais se alimentam de leite, ou “verdades elementares”, e o espiritualmente adulto de “alimento sólido”, ou de ensinos mais avançados da Palavra de Deus. São os espiritualmente adultos, ou aqueles que se alimentam de verdades mais avançadas da Palavra de Deus, que “se tornam aptos para distinguir o bem do mal” (NIV). Isso tem várias ramificações para a nossa discussão. Primeiro, significa que os infantes espirituais não são capazes de “distinguir o bem do mal”, e, como temos observado, esses são identificados pelo fato de que eles ainda estão se alimentando de leite espiritual, ou “verdades elementares”. Simplesmente em razão de que uma pessoa tem sido um cristão por muitos anos não significa que ela seja espiritualmente madura. Antes, devido à falta de iniciativa e negligência, ela pode “precisar de alguém que lhe ensine novamente as verdades elementares da palavra de Deus”. Por outro lado, o adulto espiritual é alguém que “pelo exercício constante, tornou-se apto para distinguir o bem do mal”, significando que essa pessoa constantemente trabalha com a Palavra de Deus e, por meio disso, tem treinado a si mesma a ponto de poder discernir o que é bom e o que é mau. Tal pessoa não confundirá as duas coisas e não perverterá o bom julgamento. O espiritualmente adulto é identificado com aqueles que podem participar do “alimento sólido”, ou dos conteúdos maduros e avançados da Palavra de Deus. Portanto, nem todo cristão pode discernir o bem do mal claramente, mas somente aqueles que são espiritualmente maduros podem ser confiáveis para tais questões. Infantes espirituais não somente são ignorantes e inexperientes com a Palavra de Deus, mas eles comumente são levados por sentimentalismos, luxúrias, emoções, preferências, ensinos populares, cultura popular e, de todas as formas, a pressão sempre lhes está compelindo. Segue-se que o julgamento dos espiritualmente imaturos, definido aqui como aqueles que não avançaram além dos estudos teológicos básicos, não é confiável. Esses deveriam tomar iniciativa para serem treinados de modo que eles eventualmente se tornem capazes de discernir o bem do mal. Somente então os seus julgamentos podem ser considerados confiáveis, e somente então podem instruir apropriadamente a outros na fé. Visto que aqueles que não são avançados teologicamente são necessariamente imaturos, segue-se que todos os cristãos anti-intelectualistas são apenas infantes espirituais. Uma pessoa não pode depreciar o intelecto e os estudos teológicos e, ao mesmo tempo, ser um cristão maduro. Aqueles que têm muitas experiências místicas, ou que são extremamente emotivos durante o louvor, são normalmente muito imaturos na fé. Esse é certamente o caso se eles ainda estão se alimentando de leite espiritual, e nunca se moveram para se alimentar do alimento sólido da Palavra de Deus. Em outras palavras, podemos avaliar a maturidade espiritual de alguém observando sua dieta espiritual. Ele resiste aos estudos teológicos como muito “acadêmicos” ou “intelectuais”? Ele insiste em permanecer com as verdades “simples” e “práticas” da Palavra de Deus? Tais coisas são popularmente ditas; mas, de acordo com a Bíblia, isso reflete uma imaturidade espiritual. Ao mesmo tempo, essa passagem nos diz para aprimorarmos nossa capacidade de discernir o bem do mal. Deveríamos buscar maior conhecimento bíblico e entendimento teológico. Deveríamos buscar entender mais os assuntos avançados na Escritura. Rejeitar os estudos doutrinários é autoenganador. Se buscarmos conhecimento e entendimento por meio da Palavra de Deus, cresceremos até o estágio em que teremos treinado a nós mesmos para distinguir o bem do mal. Baseado nessa passagem, uma pessoa deve admitir que alguém não está preparado para discernir o bem do mal se não for versado na Palavra de Deus. Não há como escapar desse fato – uma pessoa não é um adulto espiritual se ela nunca se moveu além da dieta de um infante. Visto que o caminho para a maturidade e o discernimento espiritual está fundamentado em nosso conhecimento de teologia, aí é onde a nossa estratégia deveria estar baseada. Isto é, devemos enfatizar o ensino doutrinário na igreja, na família, e nas vidas dos indivíduos. Não deveríamos enfatizar a experiência subjetiva ou o emocionalismo, mas a profundidade e o escopo em nosso entendimento da Escritura. Não somente isso envolve um longo processo de estudo e reflexão cuidadosos, mas também consciência e aplicação constante dos preceitos de Deus. Somente então há esperança para uma pessoa se tornar treinada pela Palavra de Deus e, por meio disso, tornar-se alguém que seja capaz de discernir o bem do mal. Requer-se que os ministros enfatizem doutrinas. Eles nunca deveriam se comprometer com aqueles que gostam apenas de sermões emotivos que são sem substância escriturística e intelectual. O apóstolo Paulo predisse que “virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos” (2Tm 4.3). São aqueles com “coceira nos ouvidos” – e os ministros que se acomodam a eles – que são responsáveis pela presente fraqueza espiritual e intelectual na igreja. Não é nenhum segredo que os cristãos carecem de discernimento espiritual na maioria das áreas de suas vidas; todavia, eles continuam a resistir todo ensino doutrinário que os ajudará a remediar a situação. Eles se recusam a ouvir “o que o Espírito [está dizendo] às igrejas” (Ap 2.7). Jesus deu “alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro. Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo” (Ef 4.11-15). O ministro a quem Deus chama é equipado com dons e habilidades especiais para educar e treinar os crentes, de modo que eles “não sejam mais como crianças” que são “jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina”. Portanto, os ministros deveriam ser ávidos em “pregar... corrigir, repreender... encorajar” (2Tm 4.2, NIV), e “... ensinar... com toda autoridade. Ninguém o despreze” (Tt 2.15). Eles podem até mesmo precisar “repreender [alguns] severamente, para que sejam sadios na fé” (Tt 2.13). Por outro lado, aos cristãos é ordenado: “Obedeçam aos seus líderes e submetam-se à autoridade deles. Eles cuidam de vocês como quem deve prestar contas. Obedeçam a eles, para que o trabalho deles seja uma alegria e não um peso, pois isso não seria proveitoso para vocês” (Hb 13.17). Como o apóstolo declara em 1 Timóteo 5.17, “Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino”. Aqueles que são capazes de pregar e ensinar com exatidão doutrinária e substância intelectual deveriam ser considerados como os recursos mais preciosos em nossas igrejas, isto é, aqueles que são capazes de “encorajar outros pela sã doutrina e de refutar os que se opõem a ela” (Tt 1.9). O melhor tempo para começar o treinamento de alguém na justiça não é quando ela é um infante espiritual, mas quando é um infante natural. Os pais deveriam assumir a responsabilidade de treinar seus filhos nas coisas espirituais, e ajudá-los a adquirir conhecimento da Palavra de Deus, para que possam aprender a discernir o bem do mal, o certo do errado, a sabedoria da tolice, ainda cedo na vida. É uma lástima que muitos pais cristãos, sendo fisicamente adultos, sejam eles mesmos infantes espirituais. Eles deveriam se esforçar para crescer espiritualmente, de modo que pudessem assumir a liderança espiritual no lar, e não permitir que a influência secular o invadisse e sobrepujasse. Como o início do livro de Provérbios afirma, “Os provérbios... ajudarão a experimentar a sabedoria e a disciplina; a compreender as palavras que dão entendimento; a viver com disciplina e sensatez, fazendo o que é justo, direito e correto; ajudarão a dar prudência aos inexperientes e conhecimento e bom senso aos jovens. Se o sábio lhes der ouvidos, aumentará seu conhecimento, e quem tem discernimento obterá orientação para compreender provérbios e parábolas, ditados e enigmas dos sábios. O temor do SENHOR é o princípio do conhecimento, mas os insensatos desprezam a sabedoria e a disciplina” (Pv 1.1-7). O temor do Senhor é o “princípio do conhecimento” – não o objetivo final. Em outro lugar, as Escrituras dizem que “O temor do SENHOR é o princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é entendimento” (Pv 9.10). A reverência e a fé para com Deus é o ponto de partida de uma educação legítima. Ninguém é sábio, e ninguém tem verdadeiro conhecimento sem ter primeiro o temor do Senhor. Os cristãos não deveriam deixar o mundo convencê-los de que é tolice crer em Deus ou obedecer aos seus mandamentos. Paulo afirma com respeito àqueles que suprimem seu conhecimento inato de Deus e a evidência dele na criação, que “dizendo-se sábios, tornaram-se loucos” (Rm 1.22). Não é algo inteligente ser um ateu; nem é algo inteligente se rebelar contra Deus; não é algo inteligente zombar daqueles que se devotam à teologia cristã; antes, “que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8.36). Saiba que existe o bem, e que existe o mal. Os dois não são a mesma coisa, e Deus não quer que os confundamos. Ele quer que sejamos capazes de dizer a diferença entre os dois, e que sejamos sábios e possuamos discernimento profundo com respeito à bondade, mas ele não quer que sejamos hábeis com respeito a como planejar e realizar o mal. Para que tal coisa ocorra, devemos ser versados na Palavra de Deus. Os ministros que amam suas congregações deveriam enfatizar os sermões doutrinários, ao invés de se comprometerem com aqueles que têm “coceiras nos ouvidos”. Os pais que amam os seus filhos deveriam começar a ensiná-los a teologia cristã desde a tenra idade, pois se você educar uma criança com um senso de certo e errado baseado na revelação da Escritura, “mesmo com o passar dos anos [ela] não se desviará dele” (Pv 22.6). CAPÍTULO 2: SOBRE O ENGANO MENTAL
Nos anos recentes, tem havido muita
discussão sobre batalha espiritual. O que segue aborda um aspecto particular da batalha espiritual que encontramos todos os dias; mas, ao mesmo tempo, é normalmente negligenciado. Muitos cristãos que estão interessados neste assunto não estão suficientemente cientes desta área da batalha espiritual, nem entendem o constante ataque feito contra eles. Naturalmente, eles não têm as estratégias bíblicas para resistir e sobrepujar esses ataques. A batalha espiritual pode ser distinguida em dois tipos. O primeiro ocorre nos “ares”, ou lugares celestiais. Existe o mundo natural e o mundo espiritual. Os seres humanos existem e vivem no mundo natural, e os seres espirituais, tais como Deus, anjos e demônios existem no mundo espiritual, embora eles também estejam envolvidos nas atividades do natural. Por batalha espiritual que ocorre nos “ares”, referimo-nos a batalhas travadas entre seres espirituais, tais como anjos e demônios. A Bíblia se refere a esse tipo de batalha espiritual em vários lugares. Por exemplo, quando Daniel orou para que Deus o iluminasse com respeito à sua promessa, falada por meio do profeta Jeremias, da restauração de Israel, Deus enviou o anjo Gabriel em resposta. Quando Gabriel finalmente foi até Daniel, ele explicou que tinha sido impedido por outro ser, bem possivelmente um ser espiritual hostil a Deus. Ele disse: “Não tenha medo, Daniel. Desde o primeiro dia em que você decidiu buscar entendimento e humilhar-se diante do seu Deus, suas palavras foram ouvidas, e eu vim em resposta a elas. Mas o príncipe do reino da Pérsia me resistiu durante vinte e um dias. Então Miguel, um dos príncipes supremos, veio em minha ajuda, pois eu fui impedido de continuar ali com os reis da Pérsia” (Dn 10.12, 13). Deus tinha respondido a Daniel no primeiro dia em que ele tinha orado, mas o mensageiro que trazia a resposta foi impedido por vinte e um dias por um ser que estava contra Deus e os seus propósitos. Foi devido à ajuda do anjo Miguel que Gabriel foi capaz de alcançar Daniel sem demora adicional. Isso retrata a figura de uma luta bem real no mundo espiritual – um lado em submissão a Deus, enquanto o outro é hostil a Deus. De outras partes da Escritura, entendemos que o poder de Deus é infinitamente maior que o de Satanás, e isso sendo assim, não existe nenhum ser que possa apresentar um impedimento genuíno aos propósitos de Deus. Mesmo a luta nos lugares celestiais, portanto, ocorre somente porque Deus decretou que fosse assim, como meios pelos quais seus planos seriam cumpridos. Mesmo a própria existência de Satanás é devida somente ao decreto de Deus; ninguém pode resistir ou se opor à vontade divina. Ora, quando nos tornamos cientes da luta real que está ocorrendo constantemente nos ares – embora nada esteja além do controle absoluto de Deus – ficaremos mais prontos ao senso de urgência da oração intercessória, que é um dos meios pelos quais Deus escolhe cumprir os seus propósitos, embora ele não necessite de ninguém para ajudá-lo ou que coopere com ele. O cristão não deveria ficar excessivamente ansioso sobre este tipo de batalha espiritual, como se de alguma forma fosse possível as forças de Satanás vencer Deus no mundo espiritual. A Bíblia nos ensina que todos os poderes e principados já foram sujeitados ao nosso Senhor Jesus Cristo. No primeiro capítulo de Efésios, somos informados de que, quando Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos, ele o fez “assentar-se à sua direita, nas regiões celestiais, muito acima de todo governo e autoridade, poder e domínio, e de todo nome que se possa mencionar, não apenas nesta era, mas também na que há de vir”, e que Deus “colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja” (Ef 1.20- 22). Não há dúvida quanto a quem vencerá esta batalha. Jesus Cristo já ganhou uma vitória decisiva sobre as forças de Satanás; contudo, a Bíblia nos informa que Satanás não será permanentemente detido até um tempo futuro. Portanto, ainda há um inimigo com o qual devemos contender, mas fazemos isso a partir de um lugar e confiança de vitória, e não com incerteza e temor. O apóstolo Paulo afirma, em Efésios 6.12, que “a nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra os poderes e autoridades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra as forças espirituais do mal nas regiões celestiais”. Participamos na luta nos lugares celestiais, e o fazemos com armas poderosas que Deus nos deu. Efésios 6.13-18: “Por isso, vistam toda a armadura de Deus, para que possam resistir no dia mau e permanecer inabaláveis, depois de terem feito tudo. Assim, mantenham-se firmes, cingindo-se com o cinto da verdade, vestindo a couraça da justiça e tendo os pés calçados com a prontidão do evangelho da paz. Além disso, usem o escudo da fé, com o qual vocês poderão apagar todas as setas inflamadas do Maligno. Usem o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus. Orem no Espírito em todas as ocasiões, com toda oração e súplica; tendo isso em mente, estejam atentos e perseverem na oração por todos os santos”. Deus nos equipou plenamente para esse tipo de batalha espiritual, e não precisamos temer o que Satanás pode fazer para nos atacar. O apóstolo Paulo nos instrui a sermos “sábios em relação ao que é bom, e sem malícia em relação ao que é mau”, e “o Deus da paz esmagará Satanás debaixo dos [nossos] pés” (Rm 16.19, 20). Romanos 8.31 pergunta: “Se Deus é por nós, quem será contra nós”? Tendo introduzido o primeiro tipo de batalha espiritual, nosso foco para o restante do capítulo será sobre um segundo tipo – isto é, o campo de batalha da mente. Mas, numa análise mais minuciosa, torna-se claro que toda batalha espiritual depende da mente; a batalha espiritual é intelectual em natureza. Lembre a passagem acima, procedente de Efésios 6, onde somos instados a estar prontos para lutar contra “as forças espirituais do mal nas regiões celestiais” (Ef 6.12). Paulo também discute a batalha espiritual em outro lugar: “Pois, embora vivamos na carne, não lutamos segundo os padrões humanos. As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo” (2Co 10.3-5). Em vez de se opor a “forças espirituais” ou entidades malignas gritando para o ar, que é o que equivale ao que se passa hoje em dia como “batalha espiritual”, Paulo coloca a ênfase na destruição de “argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus”. Na guerra contra o mal, devemos levar “cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. A batalha espiritual é uma questão intelectual, lidando com pensamentos e argumentos. As forças satânicas são propagadoras de cosmovisões anticristãs, e usam instrumentos humanos para espalhar suas ideias ímpias. E, dessa forma, o campo de batalha está em nossas mentes. A arma primária usada contra nós é a argumentação antibíblica – raciocínio que leva a conclusões que são hostis a Deus. Considerando que essa estratégia busca afastar os homens da verdade, a arma de Satanás é, portanto, o engano. Satanás tem utilizado essa sua arma favorita desde o começo. Quando Deus criou o homem, ele lhe disse: “E o SENHOR Deus ordenou ao homem: ‘Coma livremente de qualquer árvore do jardim, mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela comer, certamente você morrerá’” (Gn 2.16, 17). Então veio o diabo para tentar a mulher: “Foi isto mesmo que Deus disse: ‘Não comam de nenhum fruto das árvores do jardim’?” Respondeu a mulher à serpente: “Podemos comer do fruto das árvores do jardim, mas Deus disse: ‘Não comam do fruto da árvore que está no meio do jardim, nem toquem nele; do contrário vocês morrerão’”. Disse a serpente à mulher: “Certamente não morrerão! Deus sabe que, no dia em que dele comerem, seus olhos se abrirão, e vocês, como Deus, serão conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.1-5). O diabo contradisse a Palavra de Deus, que é a verdade, e convenceu Eva disso. Então, Adão também sucumbiu. Isso levou à Queda da raça humana. Quando confrontado por Deus com respeito a isso, a mulher disse: “A serpente me enganou, e eu comi” (Gn 3.13). Nossos problemas são o resultado direto de termos crido nas mentiras de Satanás. Jesus nos deu discernimento sobre a natureza de Satanás quando disse: “Ele foi homicida desde o princípio e não se apegou à verdade, pois não há verdade nele. Quando mente, fala a sua própria língua, pois é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). É natural e fácil para Satanás enganar, e aqueles que pertencem a ele seguem o seu exemplo. Deus, por outro lado, é sempre verdadeiro, e aqueles que pertencem a ele estão do lado da verdade. A verdade é a linguagem nativa do regenerado, nossa resposta instintiva, enquanto o engano é a linguagem do diabo e daqueles que o seguem. O engano é a arma primária deles, e sua forma de vida. Se estamos cientes dos métodos e estratégias de ataques de Satanás, estaremos mais preparados para antecipar e sobrepujá-los. Como Paulo diz, “não ignoramos as suas intenções” (2Co 2.11). É para esse fim que analisaremos o assunto. Satanás está constantemente tentando minar a integridade da cosmovisão cristã, e ele faz isso distorcendo o nosso pensamento. Por intermédio de vários meios, ele deseja impor sobre nós falsas visões com respeito à natureza de Deus, da realidade e de nós mesmos. Nem toda ideia sobre Deus é correta. Deus existe, na realidade, numa forma definida e de uma maneira definida, e qualquer ideia dele contraditória a essa realidade deveria ser considerada falsa. Ele comunica informação sobre sua natureza e caráter a nós por meio da Escritura. O conceito correto de Deus é que ele é o Criador trino, autoexistente, eterno, onipotente, onisciente, onipresente, amoroso e justo do universo. Quando a ideia de uma pessoa sobre Deus não corresponde a isso, seu pensamento inteiro e sua percepção da realidade se tornam distorcidos. É a estratégia de Satanás enganar as pessoas, fazendo-as adotar uma visão falsa da natureza e do caráter de Deus. Deus se revelou verbalmente, e o agregado dessas proposições forma um sistema de pensamento, ou uma cosmovisão, a que chamamos de Cristianismo. Sendo o Cristianismo a única cosmovisão verdadeira, entender sua natureza e doutrinas é base necessária para o nosso relacionamento com Deus. É impossível manter um conceito correto de Deus sem, ao mesmo tempo, afirmar o Cristianismo. Por exemplo, o teísmo do Islã é muito diferente daquele que o Cristianismo ensina, e, desse modo, uma pessoa não chegou à verdade simplesmente por reconhecer o teísmo. Dentro da cosmovisão cristã, não é suficiente simplesmente afirmar uma divindade teísta, visto que estão integrados a esse sistema de pensamento o que uma pessoa entende e o que crê sobre aspectos históricos, cristológicos e outros do ensino bíblico. O Cristianismo ensina que o homem precisa de salvação, e que ele é salvo pela fé em Jesus Cristo. Uma pessoa que não entende a soteriologia bíblica não pode senão ter um senso da relidade distorcido e uma vida cristã sem sucesso. Alguns veem o Cristianismo como sendo anticientífico e anti-inteligente. Eles pensam que uma pessoa deve negar as crenças e descobertas científicas legítimas caso creia em todas as coisas que a Bíblia alega ser verdade. Esse engano faz as pessoas se apartarem das crenças cristãs autênticas; desse modo, existem aqueles que se chamam evolucionistas teístas, o que é biblicamente impossível. Alguns desejam manter suas crenças cristãs, mas são incapazes de negar as acusações contra a fé deles, de modo que simplesmente aceitam o conceito de Cristianismo como sendo anticientífico e absurdo, e tomam a decisão de carregar esse estigma. O método de contra-ataque deles é o anti-intelectualismo, negando o intelecto, dizendo que o Cristianismo está além do conhecimento, além da compreensão mental, contrário à razão e à evidência. De acordo com esses cristãos professos, as doutrinas bíblicas parecem conter inúmeras contradições e falsas alegações, mas isso tudo é irrelevante, visto que é um equívoco usar nossas capacidades mentais limitadas para entender Deus. Esse é o efeito de Satanás tendo sucesso em enganar cristãos professos no processo de desafiar a fé deles. Contudo, o Cristianismo não é apenas intelectualmente defensável, mas qualquer pessoa honesta, mediante análise dos argumentos e evidências relevantes, deve chegar à conclusão de que o Cristianismo é a única revelação verdadeira do único Deus verdadeiro. Quando os cristãos abandonam a arena intelectual e se refugiam no irracionalismo, eles se tornam desnecessariamente o alvo de riso do mundo. Satanás também tenta nos enganar com respeito à estrutura e operações da sociedade. A sabedoria secular nos informa que o sistema econômico do mundo funciona de certa forma, e que somente a aderência a essa visão pode trazer sucesso financeiro. O problema é que as visões deles sobre como o mundo opera e o que é necessário para ser bem-sucedido nisso são normalmente antibíblicas. O cristão é desafiado a manter sua lealdade aos princípios bíblicos, e fracassar, ou comprometer e ser como o restante do mundo, e provavelmente ter sucesso. Se Satanás pode enganar os cristãos para crer neste falso dilema, o mais fraco entre nós pode ser pressionado a colocar de lado os princípios e valores bíblicos, para ser mais bem sucedido neste mundo. A sabedoria secular contradiz e compete contra a sabedoria de Deus. Nas áreas da ciência, política, criação de filhos, casamento, educação e todas as outras de pensamento e vida, o mundo abraça ideias que são hostis ao Cristianismo. O cristão deve perceber que os princípios bíblicos são preceitos ordenados por Deus, e somente eles são acurados. Os crentes devem ser instruídos para ter confidência na sabedoria divina que Deus deu por meio das palavras da Escritura. O mundo, cujo pensamento tem sido amplamente permeado por Satanás, mantém noções indefensáveis com respeito à epistemologia e à metafísica – isto é, as teorias do conhecimento e da realidade. Nossa sociedade tem grande confidência em descobrir a verdade por meio das investigações científicas. Embora uma discussão sobre a filosofia da ciência resulte na conclusão de que a ciência nunca descobre a verdade, mas é sempre experimental e mutável, a confiança infundada do mundo sobre uma epistemologia científica e empírica resulta nas conclusões antibíblicas com respeito ao escopo inteiro do pensamento e conhecimento. Se, por exemplo, Satanás pode enganar um indivíduo a fim de que ele adote o naturalismo como sua visão da realidade – isto é, somente o mundo material existe – o próprio conhecimento é destruído, e a ética torna-se sem sentido. Satanás é ávido também para enganar as pessoas com respeito à antropologia e à psicologia. Ele contradiz o ensino bíblico com respeito à natureza do homem. Desse modo, muitos hoje estão convencidos de que o homem é essencialmente bom, e que, por meio da educação humanista, ele alcançará a perfeição. O homem, de acordo com essa falsa visão, pode se salvar, e ele não precisa de nenhuma intervenção divina. Isso é contrário ao que a Escritura ensina sobre o homem. A Bíblia diz que o homem é essencialmente perverso, e que ele precisa de um salvador que seja qualificado para pagar por suas muitas transgressões. A estratégia do diabo é a propaganda. Televisão, cinema, música e mesmo nosso sistema educacional tem sido infiltrado com ideias anticristãs. A visão do mundo sobre religião, política, ciência, história e outros assuntos está sendo bombardeada nas mentes daqueles que estão sob sua influência. Conheci uma criança que tinha sido educada como um cristão, crendo que Deus tinha criado todas as coisas e que continuava sustentando o universo. Ele começou a negar o ensino bíblico da criação com a idade de oito ou nove anos, quando sua escola começou a ensiná-lo a teoria da evolução. Isso, como um resultado, distorceu seus conceitos de todas as áreas que temos mencionado, tais como a natureza da religião, conhecimento, realidade e o homem. Outra forma de as pessoas serem enganadas é por meio de experiências interpretadas erroneamente. Mas o axioma da cosmovisão cristã é a revelação, não a experiência. Contra a epistemologia popular, mas ingênua do empirismo, a experiência torna o conhecimento impossível. Uma visão falsa da ciência tem sido a causa de muita confusão e engano. Uma pessoa pode observar a suposta evidência basilar da teoria da evolução, e, se a evidência for interpretada erroneamente, pode chegar à conclusão de que a evolução é mesmo correta e explica a origem do homem. Visto que este não é o lugar para expor a respeito de uma filosofia apropriada da ciência, simplesmente observaremos que todas as experimentações e conclusões científicas são governadas por pressuposições anteriores. A ciência nunca é a forma objetiva e neutra de descobrir a verdade, como muitos alegam. A despeito de como alguém pode ser enganado, crer numa falsa versão de Deus é espiritualmente destrutivo. Devido ao falso raciocínio e a experiências mal-interpretadas, uma pessoa pode chegar a uma visão deísta do universo. Um deísta pode não sentir nenhuma necessidade de orar ou esperar respostas às suas orações, mesmo quando a Bíblia diz que “a oração de um justo é poderosa e eficaz” (Tg 5.16). Ele pode não ter um senso de urgência para pregar o evangelho, dizendo aos outros para crer e adorar a Deus. A salvação e o sucesso do deísta neste mundo residem somente em si mesmo, visto que Deus lhe deixou aos seus próprios artifícios. Em última instância, o princípio da sobreviência do mais apto será sustentado em tal universo. A intervenção divina está fora de questão. Os seres humanos devem ajudar uns aos outros, visto que Deus não os ajudará; desse modo, o deísmo pode também levar uma pessoa a uma forma de humanismo. Deus não nos deixou sem defesa contra as estratégias de engano do diabo. Se a arma de ataque de Satanás é o engano intelectual, nossa defesa e contra-ataque consistem na verdade. Como Jesus disse, “se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (Jo 8.31, 32). Satanás tenta nos manter presos às suas mentiras, mas podemos ser libertos por meio da verdade que Deus nos revelou. Conhecer a verdade é conhecer os pensamentos de Deus. A cosmovisão de alguém não deveria ser meramente uma questão de escolha subjetiva ou preferencial. Algumas crenças são verdadeiras; outras, falsas. Dentro da cosmovisão cristã, a Escritura é o teste único e final da verdade. Deus nos deu um sistema de verdade por meio da Escritura. Visto que a Bíblia é a revelação de Deus, ela nunca pode estar errada sobre qualquer assunto que aborda. Um conhecimento e entendimento completo da Escritura, então, é a nossa salvaguarda final contra o engano satânico de todos os tipos. Visto que a Bíblia é totalmente confiável e abrangente, não precisamos de outros testes para a verdade – e nem é possível qualquer outro teste para a verdade. Ora, o teste da lógica, e especificamente a lei da não contradição, pode parecer ser um teste legítimo para a verdade, mas a lógica em si é parte integrante da revelação verbal de Deus, e, desse modo, não é um teste estritamente separado. A lógica é a forma como Deus pensa, e ela não existe à parte dele. Se a partir do nosso estudo da Escritura chegamos a duas proposições contraditórias, teremos que concluir que uma delas está equivocada, e que precisamos examinar o registro bíblico novamente para assegurar o entendimento apropriado. Em outras palavras, o cristão não precisa de outro teste para a verdade além da Escritura. O mundo não aceita a autoridade da Escritura, e, por causa disso, alguém pode ser tentado a pensar que devem existir outros testes para a verdade ao qual o incrédulo pode apelar. Além disso, sem outros testes para a verdade, como pode um incrédulo chegar a conhecer alguma verdade, afinal? Mas isso é o que afirmamos: que, a menos que o pensamento de uma pessoa comece com o todo da Escritura como a verdade infalível, nenhum conhecimento é possível de forma alguma. Isso é o mesmo que dizer que todos os sistemas de pensamento que se iniciam a partir de pressuposições não cristãs falham em fazer o conhecimento possível, e colapsam em total ceticismo. Ora, o ceticismo é autocontraditório, pois dizer que a verdade é incognoscível é alegar conhecimento sobre a própria natureza da verdade em si. Visto que todas as cosmovisões não cristãs colapsam em ceticismo, e o ceticismo por sua vez é autocontraditório, segue-se que todas as cosmovisões não cristãs devem ser abandonadas. Tendo fornecido argumentos elaborados em outros lugares[7] para demonstrar essa posição, procederemos com a suposição de que somente o Cristianismo tem sucesso em assegurar a possibilidade de conhecimento. Os não cristãos consideram falsamente o teste da experiência ou observação como o mais confiável. Desafortunadamente, muitos cristãos têm sido enganados nessa questão, de modo que eles têm chegado a aceitar essa visão como verdadeira. Contudo, a experiência ou observação são completamente desconfiáveis. Para dizer o mínimo, as sensações são mais sujeitas à má interpretação; mas, mesmo antes disso, podemos dizer que sobre a base do empirismo, nenhum conhecimento é possível de forma alguma. É impossível, por experiência, provar que a experiência é confiável antes que a experiência tenha sido primeiramente provada ser confiável. A epistemologia do empirista corre num círculo vicioso. O empreendimento científico inteiro está sujeito a esse defeito fatal, e não pode produzir nenhum argumento legítimo contra a revelação. A sabedoria mundana, a qual a Bíblia chama de tolice, ensina os seus seguidores a depender primeiramente da experiência ou observação como uma forma de descobrir a verdade e realidade; ela presta homenagem, pelo menos no papel, à funcionalidade da razão. Mas ela ridiculariza totalmente a Escritura e a revelação. Muitos cristãos têm sido enganados a fim de adotarem essa perspectiva mundana sobre a verdade. E, desse modo, eles olham primeiro para a experiência, a qual normalmente eles interpretaram erroneamente; depois, para a razão, da qual têm pouco; e, finalmente, para a Escritura, da qual não têm conhecimento com respeito ao seu conteúdo e métodos de interpretação. É de admirar que tantos cristãos estejam sob o engano de Satanás? Suponha que um cristão deseje romper com um hábito imoral antigo. Ele ora com perseverança e afinco, mas acha impossível abandoná-lo. A partir de sua experiência, ele infere que, embora Deus possa existir, ele não está interessado nos assuntos do homem. Ele se tornou uma espécie de deísta. Mais tarde, ele conhece vários indivíduos que romperam com o mesmo hábito como um resultado da fé cristã deles. Desse modo, observando a experiência de outros, destruiu sua crença no deísmo, e agora ele passa a crer uma vez mais num Deus teísta – mas um que é injusto! Esse é o caminho para o qual a experiência conduz; um número infinito de proposições pode ser derivado de uma determinada experiência, e não há como dizer, com certeza, qual é a verdadeira sobre a base do empirismo. A revelação verbal da parte de Deus é requerida. A verdade pode ser que a falta reside com a pessoa, que há algo errado com ela que não está presente nesses outros cristãos que tiveram sucesso em abandonar o hábito. Por meio de conclusões formadas por experiências mal-interpretadas, essa pessoa mudou sua cosmovisão duas vezes, mas nunca chegou à verdade, que o teísmo é verdadeiro, e que Deus não é injusto, mas que há algo de errado com ela, com o que deve lidar primeiro. Será a Escritura também que identificará esse obstáculo. Sujeitemos o deísmo ao teste da Escritura. Rapidamente descobriremos que a revelação divina o rejeita. A Bíblia ensina que Deus não somente “criou os céus e a terra” (Gn 1.1), mas desde então vem “sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa” (Hb 1.3). A Bíblia rejeita a visão de que Deus tem deixado o mundo correr por conta própria após a criação, mas ensina que a própria existência e operação normal do universo dependem dele: “Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste” (Cl 1.17). O apóstolo Paulo afirma que tudo da vida e da atividade humana é dependente de Deus: “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17.28). De acordo com as passagens bíblicas citadas acima, o sustento originado em Deus é necessário para tudo da existência humana. Outras indicações bíblicas do envolvimento de Deus com a vida humana são os seus milagres, suas proclamações, por meio dos profetas, e, mais importante de tudo, a encarnação da segunda pessoa da Trindade, Jesus Cristo. A Escritura não dá a ideia de que Deus está desinteressado; mas, antes, tão preocupado conosco, que ele tomou uma natureza humana em seus planos com respeito à nossa história e ao nosso destino. Jesus Cristo era Deus na carne, realizando milagres de cura, perdoando pecados, morrendo e ressuscitando dentre os mortos para a nossa redenção. A Bíblia diz que, mesmo agora, ele está intercedendo por nós à mão direita de Deus. Hebreus 4.15, 16 afirma: “Pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado. Assim, aproximemo-nos do trono da graça com toda a confiança, a fim de recebermos misericórdia e encontrarmos graça que nos ajude no momento da necessidade”. Se isso é verdade, então o deísmo não pode ser verdade. Podemos apresentar um argumento ad hominem contra o deísmo; isto é, podemos mostrar que mesmo sobre a base de pressuposições falhas, tais como o empirismo científico, o teísmo deve ser verdade. Sabemos que o universo físico existe, e que, para todo efeito, ou para tudo que tem um princípio, deve existir uma causa. Sobre a base dos primeiros princípios científicos, podemos mostrar que o universo tem um princípio, o que significa que ele é um efeito, e, dessa forma, deve ter uma causa para explicar sua existência. Visto que uma regressão infinita de causas não é possível, deve existir uma primeira causa que começou tudo. Visto que o próprio tempo tem um princípio, a primeira causa deve ser eterna, significando que ela sempre existiu, e que ela existe fora do tempo. Essa primeira causa não tem princípio, mas sempre esteve em existência. Portanto, essa primeira causa não requer uma causa que a preceda. Visto que o efeito não pode ser qualitativamente maior que a causa, e o universo contém e reflete inteligência, essa primeira causa deve ter inteligência. Deus tem o poder de autoexistência, significando que sua existência não depende de nada nem ninguém, pois não havia nada além dele no princípio. Por outro lado, os seres neste mundo físico são dependentes, significando que devemos depender de outras coisas para nossa existência contínua. Essas coisas das quais dependemos dependem de outras coisas. É impossível que os elementos dependam um do outro de uma maneira que formem um sistema fechado, não requerendo nenhum envolvimento eterno, pois nem os elementos individuais nem a soma dos elementos têm o poder de autoexistência. Mesmo se os elementos formam um círculo fechado – A é dependente de B, que é dependente do elemento C, que por sua vez é dependente de A – a soma desses elementos não tem o poder de autoexistência, e, portanto, deve requerer um elemento eterno para sustentá-la. Para resumir, deve existir uma primeira causa, e essa primeira causa deve ser autoexistente. A primeira causa não deve ser dependente. Todas as coisas criadas não são independentes, nem são autoexistentes, e devem, em última instância, ser dependente de algo que é independente, e, portanto, deve ainda ser constantemente dependente dessa primeira causa. A essa causa primeira chamamos de Deus. Ora, a autoexistência de Deus é explicitamente ensinada na Bíblia: “Pois, da mesma forma como o Pai tem vida em si mesmo, ele concedeu ao Filho ter vida em si mesmo” (Jo 5.26). Somente Deus tem o poder de existência inerente em seu próprio ser; ele não é dependente de outro para a sua existência. A criação não é dessa forma – ela requer o constante poder sustentador de Deus. Portanto, de acordo com o teste da Escritura, é um engano dizer que Deus não está envolvido na vida humana, pois seu constante poder ativo de sustento é requerido para que nós continuemos existindo. Embora a experiência seja totalmente sem confiança, e não possa fornecer nenhum conhecimento, seja qual for, até ela pode ser usada para formular argumentos ad hominem em favor da cosmovisão bíblica. A experiência tem primariamente a ver com o mundo físico no qual vivemos. Muitas pessoas podem chegar a crer em falsas ideias devido às experiências ou observações mal-interpretadas. Se o deísmo significa que Deus não está envolvido nas questões humanas, tudo o que temos a fazer é refutá-lo, para mostrar que temos razão em crer que Deus está, de fato, envolvido em nossas vidas, quer citemos exemplos da vida da pessoa em questão ou não. Podemos documentar como Deus respondeu orações de algumas pessoas, de maneiras que não estão sujeitas ao acaso ou fraude. Tendo feito isso, a pessoa em questão não pode usar mais sua própria experiência como prova em favor do deísmo. Se temos evidência para crer que Deus tem participado na vida de uma pessoa, o deísmo não é correto. Existem várias estratégias para ajuadr a preparar alguém no discernimento bíblico. Implementar essas estratégias ajudará alguém a se tornar mais capaz de empregar a revelação bíblica como o teste para a verdade. É impossível aplicar o teste da Escritura contra uma proposição se a pessoa não conhece o que a Bíblia tem a dizer sobre o assunto. Os procedimentos que seguem ajudarão a pessoa a se mover na direção correta. Essas são estratégias a curto e longo termo que fortalecerão a habilidade de uma pessoa a discernir e expor as mentiras do diabo. Recordamos que a arma de Satanás é o engano, que o oposto do engano é a verdade, e que a verdade deve ser a nossa arma contra o engano de Satanás. Nosso conhecimento da verdade vem da Palavra de Deus, e nosso único teste para a verdade é a Escritura. Segue-se que devemos ser instruídos quando diz respeito às doutrinas bíblicas. Sem um conhecimento da teologia sã, é fácil para uma pessoa ser “levada de um lado para outro pelas ondas, jogada para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro” (Ef 4.14). A estratégia da igreja contra o engano é, portanto, uma ênfase no ensino doutrinário. A igreja deveria constantemente informar e esclarecer às pessoas o que o Cristianismo afirma por meio de uma exposição clara e sistemática da Escritura. Jesus nos designou ministros para trabalhar em direção a esse fim. Efésios 4.11-13 afirma: “E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo”. Paulo admoesta Tito que um presbítero deve ser alguém que “se apegue firmemente à mensagem fiel, da maneira como foi ensinada, para que seja capaz de encorajar outros pela sã doutrina e de refutar os que se opõem a ela” (Tt 1.9). O ministro deve “apegar-se firmemente” às doutrinas apostólicas que, de acordo com Judas, foram “de uma vez por todas confiadas aos santos” (Jd 3). Ele deve implementar um procedimento de duas partes para assegurar a segurança e o crescimento espiritual da congregação – isto é, ele deve transmitir a “sã doutrina” bem como ser capaz de “refutar os que se opõem a ela”. Em outras palavras, um ministro deve ser proficiente em teologia e apologética, e ser capaz de ensinar esses assuntos. Alguém que é capaz de fazer isso deixará claro no que o Cristianismo e o mundo creem, onde eles diferem, e porque o primeiro é correto enquanto o último não. Paulo repetidamente enfatiza esse tipo de ministério em suas cartas, e particularmente a Timóteo e Tito. Ele escreveu a Timóteo, dizendo: “e as palavras que me ouviu dizer na presença de muitas testemunhas, confie-as a homens fiéis que sejam também capazes de ensinar outros” (2Tm 2.2). Os ministros devem aprender as doutrinas apostólicas puras, e passá-las adiante, sem adulteração, a “homens fiéis” que continuarão a passá-las às gerações futuras. Quando fazemos isso, a revelação de Deus será preservada. Paulo ordena assim a Timóteo: “Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina” (2Tm 4.2). Quando os pensamentos e as ações das pessoas não estão de acordo com a Escritura, os pregadores devem corrigi-las, repreendê-las, e encorajá-las a seguir a verdade com “grande paciência e instrução cuidadosa”.[8] Contudo, Paulo adverte que “virá o tempo em que não suportarão a sã doutrina; ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos, juntarão mestres para si mesmos, segundo os seus próprios desejos” (2Tm 4.3). O ministro normalmente descobre que os inimigos da verdade não são encontrados exclusivamente entre os não cristãos, mas entre cristãos professos em sua própria congregação. Isso não deveria nos desencorajar de proclamar, com insistência, as verdades exclusivas do Cristianismo, mas deveria nos incitar a “batalhar pela fé de uma vez por todas confiada aos santos”, ousadamente (Jd 3). Se, como Paulo afirma, “a igreja do Deus vivo [é a] coluna e fundamento da verdade” (1Tm 3.15), então não existe nenhum padrão de verdade fora do Cristianismo, e é nossa responsabilidade ser a “coluna e o fundamento da verdade” numa sociedade que é hostil à verdade de Deus. Paulo admoestou Tito, dizendo: “você, porém, fale o que está de acordo com a sã doutrina” (Tt 2.1); e afirmou que ele deveria “exortar e repreender com toda a autoridade. Ninguém o despreze” (Tt 2.15). Os ministros têm autoridade e dever dados por Deus para que encorajem a crença na verdade e repreendam o desobediente e incrédulo “com toda a autoridade”. Não devemos deixar que “ninguém [nos] despreze”. A estratégia da pregação doutrinária é primariamente empregada pelos ministros de Deus, mas todo cristão precisa estar envolvido pelo fato de ter a responsabilidade de aprender deles as verdades de Deus, estar seguros dessas verdades, e contemplar suas implicações. Então, quando a oportunidade surgir, ele deve “reter firmemente a palavra da vida” (Fp 2.16) nesta “geração corrompida e depravada, na qual [nós] brilhamos como estrelas no universo” (Fp 2.15). Dessa forma, a educação doutrinária é nossa arma dominante de defesa e ataque; ela é “a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 6.17). É sábio que os cristãos investam seu tempo, energia e dinheiro na busca de conhecimento teológico. É importante estarmos cientes dos nossos pensamentos. Algumas vezes, especialmente quando não socializamos com outros, podemos abrigar certos pensamentos sem traduzi-los em palavras. Por exemplo, se Satanás bombardeia uma pessoa com várias ideias antibíblicas, provocando o medo na sua mente, ele pode ser agarrado por esse medo sem estar ciente do motivo desse temor. É útil, então, que essa pessoa verbalize seus temores para que se torne possível comparar esses pensamentos que induzem ao medo com as palavras da Escritura. Essa é uma estratégia de autoconsciência – traduzir nossos pensamentos em palavras, e, então, julgá-los pela Escritura. Intimamente relacionada com a verbalização está a comunhão com outros crentes. Como mencionado, quando somos deixados a nós mesmos, muitos pensamentos podem cruzar nossas mentes sem que coloquemos os mesmos em palavras. Sem verbalização, alguns podem aceitar certas ideias antibíblicas sem estar ciente delas. Aqueles que são mais instruídos e disciplinados nesta área podem não necessitar de comunhão constante com outros para alcançar a conscientização, mas aqueles que são mais fracos podem precisar usar o seu tempo com outros crentes para examinar o que está acontecendo dentro deles. É quando traduzimos nossos pensamentos em palavras que podemos avaliá-los pela Escritura. Os cristãos não devem somente se defender na batalha espiritual, mas espera-se que se engajem ativamente contra o inimigo. Todas as vezes em que uma pessoa fala a alguém sobre Jesus Cristo, ele está participando na batalha espiritual. Paulo afirmou em 2 Coríntios 4.4-6 que “o deus desta era cegou o entendimento dos descrentes, para que não vejam a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus. Mas não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo, o Senhor, e a nós como escravos de vocês, por causa de Jesus. Pois Deus, que disse: ‘Das trevas resplandeça a luz’, ele mesmo brilhou em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo. Todas as vezes em que pregamos a Jesus Cristo, estamos fazendo luta contra o maligno, e as ideias com as quais ele tem cegado aqueles que o seguem. Essa é uma guerra na qual devemos participar ativamente, e Deus nos deu os meios pelos quais podemos alcançar a vitória. Como Paulo afirmou em 2 Coríntios 10.3-5, “pois, embora vivamos como homens, não lutamos segundo os padrões humanos. As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. Nós nos engajamos na batalha espiritual com as armas que Deus nos deu. Elas têm “poder divino” para “destruir argumentos” e “levar cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. Não devemos evitar a batalha espiritual, mas participar nela brava e inteligentemente, tanto no nível pessoal como global. CAPÍTULO 3: LÓGICA E FALÁCIAS
Para discernir o bem do mal, uma pessoa
deve ser capaz de entender a Escritura, e aplicá-la para avaliar vários argumentos que possa encontrar. Esse capítulo introduz alguns dos conceitos básicos de raciocínio. Aprender o material que segue fará a pessoa tornar-se mais consciente dos pensamentos e ideias com os quais ela se depara diariamente, o que significa que será capaz de se proteger do pensamento errôneo, e estar mais preparada para defender o pensamento correto. Definições: Deveríamos primeiro definir vários termos importantes que usaremos neste capítulo: Argumentos: Um argumento consiste de uma série de proposições das quais uma está sendo afirmada como verdadeira formando a base das outras proposições. Algumas vezes, um argumento pode aparecer como apenas uma simples declaração. Em tais casos, o argumento pode conter suposições, que, se declarado explicitamente, formará uma série de declarações correspondendo à definição acima. Premissas: As premissas são as proposições de suporte que, quando tomadas juntas, supostamente levam à conclusão. Conclusão: A conclusão é a afirmação que o argumento é suposto provar sobre a base das premissas. Validade: Um argumento válido é um no qual as premissas levam inevitavelmente à conclusão. Em tal argumento, a conclusão é verdadeira somente se as premissas forem verdadeiras. Contudo, é possível um argumento ser válido e, todavia, falso. Se as premissas são falsas, mas o argumento é estruturado de uma forma que, se as premissas forem assumidas como verdadeiras, levaria inevitavelmente à conclusão, então o argumento seria falso, mas válido. Podemos tomar o seguinte exemplo para ilustrar as palavras definidas acima: 1. Todos os cães são mamíferos. 2. Todos os mamíferos são homeotermos. 3. Portanto, todos os cães são homeotermos.
Esta série de proposições consiste de três
declarações, das quais (3) é afirmada como verdadeira sobre a base de (1) e (2), que torna essa série de declarações um argumento. As declarações (1) e (2) são as proposições de suporte, que deveriam levar logicamente à conclusão (3), fazendo delas as premissas. A declaração sendo afirmada como verdadeira é (3), que faz dela a conclusão do argumento. Se as premissas, declarações (1) e (2), levam inevitavelmente à conclusão [a declaração (3)], então este argumento é dito ser um argumento válido. Isto significa que a conclusão deve ser verdadeira se as premissas forem verdadeiras. Contudo, um argumento válido não é o mesmo que um argumento sólido ou verdadeiro. Um argumento válido pode ser falso. A validade indica meramente se as premissas levam inevitavelmente à conclusão ou não. A conclusão seria verdadeira se as premissas fossem verdadeiras. Por outro lado, num argumento inválido, a conclusão pode não ser verdadeira, mesmo que as premissas sejam verdadeiras. Eu posso dizer: 1. Todos os cães têm cinco patas. 2. Ralph é um cão. 3. Portanto, Ralph tem cinco patas.
Este é um argumento válido, pois se todos
os cães tivessem cinco cães, e se também fosse verdade que Ralph é um cão, a conclusão que Ralph tem cinco patas é inevitável. Se as declarações (1) e (2) são verdadeiras, então (3) tem que ser verdadeira. Este é um argumento válido, mas a conclusão não é verdadeira. Um argumento válido é também verdadeiro se as premissas forem verdadeiras, significando que a conclusão deve ser verdadeira por necessidade lógica se as premissas forem verdadeiras. Resumindo, um argumento é uma série de proposições das quais uma é afirmada ser verdadeira. A declaração afirmada como sendo verdadeira é a conclusão, com as declarações restantes como premissas, que deveriam levar à conclusão. As premissas levam inevitavelmente à conclusão se o argumento for válido. Num argumento válido, a conclusão é verdadeira se as premissas forem verdadeiras. Formas de argumento: A forma como um argumento é estruturado torna-o válido ou inválido. Embora não abordarei as formas de argumento extensivamente neste livro, introduzirei vários deles, que serão úteis para nossa discussão iminente. Existem outras formas de argumento além daquelas apresentadas aqui. A primeira forma de argumento é a seguinte: 1. Todo A é B. 2. Todo B é C. 3. Portanto, todo A é C.
Estamos usando as letras A, B e C para
representar palavras e termos diferentes. Essa é a forma de argumento usada num exemplo acima. O argumento diz: 1. Todos os cães são mamíferos. 2. Todos os mamíferos são homeotermos. 3. Portanto, todos os cães são homeotermos. Neste caso, A representa cães, B mamíferos e C homeotermos. Essa é uma forma de argumento válida, significando que se um argumento segue essa estrutura, ele produzirá uma conclusão logicamente certa. Se as premissas (1) e (2) são verdadeiras, então a conclusão (3) deve ser verdadeira. Eis outra forma de argumento: 1. Se A, então B. 2. A. 3. Portanto, B.
Podemos aumentar a forma levemente, para
torná-la mais clara: 1. Se A é verdadeiro, então B é verdadeiro. 2. A é verdadeiro. 3. Portanto, B é verdadeiro.
Essa forma de argumento declara como sua
primeira premissa que, se A é verdadeiro, então B deve ser verdadeiro. Se você descobre que a condição A está satisfeita, então não há possibilidade de B ser falso. Então, (2) nos diz que A de fato é verdadeiro, o que torna (3) a conclusão necessária, que B é verdadeiro. Esse é um argumento válido; pois, dada sua estrutura, a verdade da conclusão é logicamente inevitável se as premissas forem verdadeiras. A última forma de argumento que examinaremos é chamada dilema. Ela é declarada da seguinte forma: 1. X ou Y. 2. Não X. 3. Portanto, Y.
Essa forma de argumento também pode ser
expandida e declarada como: 1. Ou X é verdade, ou Y é verdade (mas não ambos). 2. X não é verdadeiro. 3. Portanto, Y é verdadeiro.
A primeira premissa nos dá duas
possibilidades – declara que ou X é verdade, ou Y é verdade, mas é impossível que ambos sejam verdade. A segunda premissa nega uma das duas possibilidades, tornando logicamente necessário que a outra seja verdade. Se concordarmos que uma pessoa deve ser casada ou não casada, e que ela não pode ser casada e não casada ao mesmo tempo, se negarmos que seja casada, então deve ser não casada. Avaliando argumentos: Com o acima exposto em mente, introduziremos agora um procedimento básico para avaliar argumentos. Avaliar um argumento é examiná-lo com o propósito de descobrir sua força ou fraqueza, e se o argumento deve ser aceito ou não. Aqui estão os seis passos da estratégia para avaliar argumentos: 1. Defina o assunto. 2. Avalie a conclusão. 3. Avalie as premissas. 4. Avalie as definições. 5. Avalie a forma do argumento. 6. Procure falácias.
Exploremos o significado e a importância de
cada passo. (1) Defina o assunto. Quer alguém esteja lendo um livro, assistindo televisão ou engajando-se num debate com outra pessoa, a primeira coisa que deve ser feita é definir o assunto da discussão. É o mesmo que responder à pergunta “Sobre o que estamos falando?”. Pode parecer óbvio que duas pessoas não podem ter uma conversa com sentido, a menos que ambos estejam cientes do assunto; contudo, muitas falsas concordâncias e discordâncias resultam de definições ambíguas dos assuntos sob discussão. Muitas vezes, os participantes de um debate podem concordar ou discordar de várias questões essenciais; mas, se o assunto não tiver sido claramente definido, as concordâncias e discordâncias podem parecer maiores do que realmente são. Muito tempo pode ser gasto na discussão, e, se for bem-sucedido, apenas levará a um esclarecimento do assunto envolvido e a posição básica dos dois lados. Isso deveria ter sido feito no começo, de modo que mais tempo e esforço pudessem ser gasto abordando os pontos que estão sendo verdadeiramente disputados. Algumas vezes, discórdias desaparecem quando o assunto é explicitamente definido por ambos os lados do argumento. Sem dúvida, muitas discórdias podem permanecer mesmo após o assunto ter sido esclarecido, mas esses são os pontos que o debate intenta resolver. De modo oposto, duas pessoas que parecem concordar a princípio descobrem que discordam fortemente após o assunto ter sido claramente definido. Por exemplo, alguns afirmam que todas as religiões, ou pelo menos duas religiões sob comparação num determinado momento, são essencialmente a mesma coisa. Mas quanto mais claro o assunto e o conteúdo forem definidos, mais aparente se tornará as discórdias entre as religiões. Ao avaliar um argumento, uma pessoa deve, primeiramente, verificar o assunto que o argumento está abordando. Se ele toma o argumento para se referir a algo que o argumento não pretendia abordar, tal pessoa pode se encontrar discordando do argumento, quando poderia concordar se o avaliasse como abordando o assunto que o mesmo pretendia abordar. Às vezes, o contrário pode acontecer, de modo que uma pessoa pode se encontrar concordando com um argumento, mas imediatamente discordar dele, uma vez que o mesmo é entendido. Mesmo que um argumento seja entendido incorretamente, uma pessoa não será capaz de expor sua fraqueza se não entender o propósito de tal argumento. (2) Avalie a conclusão. Uma vez que uma pessoa descobriu o assunto que o argumento em questão está abordando, ela deveria verificar sua conclusão. Isso é o mesmo que responder a seguinte pergunta: “O que esse argumento está afirmando ser verdadeiro?”. Ele ainda não está tentando localizar as premissas do argumento, ou julgar se o argumento é verdadeiro ou não. Está somente tentando descobrir o que o argumento está afirmando ser verdade, quer concorde com isso ou não. A conclusão pode não ser declarada explicitamente, mas pode estar implicada. Em tal caso, a pessoa deve observar o argumento inteiro para determinar o que o autor ou orador está afirmando como verdade. Algumas vezes pode parecer existir mais de uma conclusão. Contudo, um bom autor ou orador geralmente não é ambíguo, e uma pessoa deve ser capaz de descobrir a conclusão com um alto nível de precisão se levar em conta o contexto dentro do qual o argumento se encontra. Uma vez que a pessoa descobriu e entendeu a conclusão, ele pode concordar ou discordar dela, ou pode ficar indeciso sobre a questão. Um bom argumento não assume que o leitor ou ouvinte sempre concordará e, portanto, fornece algumas declarações de suporte para endossar a conclusão. Essas são as premissas, sobre as quais iremos falar agora. (3) Avalie as premissas. Se alguém rejeita a conclusão de um argumento, ele deveria ser capaz de declarar a razão para tal. Mesmo se ele concordar com a conclusão, isso não significa que o argumento é sólido. Tanto ele quanto a pessoa que está apresentando o argumento podem estar enganados. Portanto, precisamos determinar se temos boas razões para crer na conclusão. Para fazer isso, devemos observar as premissas que estão sendo apresentadas, que supostamente levam de maneira inevitável à conclusão. Quanto à conclusão, algumas vezes uma ou mais premissas estão implícitas. Em argumentos simples, geralmente fica óbvio quais são elas; mas, em argumentos mais complexos, as premissas implícitas nem sempre podem ser óbvias, e é possível inferir premissas errôneas a partir do argumento, fazendo assim injustiça ao mesmo. Contudo, como mencionado acima, bons autores e oradores não são ambíguos, e, portanto, ao examinar o contexto dentro do qual o argumento se encontra, uma pessoa deveria ser capaz de descobrir as premissas implícitas com alto grau de exatidão. Ao procurar as premissas num argumento, estamos tentando responder a pergunta: “Quais razões são dadas para apoiar a afirmação de que a conclusão é verdadeira?”. Ao encontrar as proposições explícitas ou implícitas no argumento que responderão isso, a pessoa terá encontrado suas premissas. Então, uma pessoa deve tentar determinar se as premissas são verdadeiras ou não. Se as premissas são falsas, o argumento ainda pode ser válido se as premissas levarem inevitavelmente à conclusão quando as premissas forem assumidas como verdadeiras, sendo que, nesse caso, elas são falsas. O argumento ainda é válido, mas a conclusão será falsa; ele é um argumento válido, mas não é sólido. (4) Avalie as definições. Já extraímos a conclusão e as premissas do argumento. Devemos continuar para nos assegurarmos que as palavras e termos usados estejam claramente definidos e usados consistentemente por todo o argumento. Como vimos, se o assunto do argumento não é conhecido, a confusão pode resultar em dois lados equivocadamente concordando ou discordando um do outro, quando a situação pode ser outra, uma vez que o assunto tenha sido definido com precisão. Após ter sido definido o assunto da discussão, os pontos de concordância e discordância se tornarão mais óbvios, e a discussão poderá continuar com maior produtividade. O significado das palavras e termos dentro de um argumento também é importante. Se o significado deles é ambíguo, o ouvinte pode tomar o argumento como significando algo diferente do que o autor ou orador tencionava, ou o argumento pode parecer ser sólido, quando não o é. Devemos fazer a pergunta: “O significado das palavras e termos é claro e consistente durante todo o argumento?”. Muitas palavras possuem mais de uma definição, e precisamos conhecer que significado particular é tencionado dentro do argumento em questão. O contexto do argumento geralmente restringe o significado das palavras usadas para eliminar a maioria dos possíveis significados. Assim, o leitor deve procurar determinar como o uso das palavras pode se encaixar no contexto da discussão. Após termos determinado as definições das palavras e termos, devemos examinar se eles estão sendo usados consistentemente. Algumas vezes, uma palavra pode carregar um significado no princípio do argumento, e pode ser usada novamente com um significado diferente mais adiante e, então, o argumento continua para formar o que parece ser uma conclusão válida. Contudo, se o significado da palavra ou do termo fosse permanecer o mesmo durante todo o argumento, a conclusão não se seguiria. Resumindo, assegure-se de que o autor ou orador não muda o significado de uma palavra ou termo dentro de um argumento. (5) Avalie a forma do argumento. Assumindo que entendemos a conclusão e as premissas de um argumento, e assegurando-nos de que as palavras e termos usados são claros e consistentes durante todo o tempo, estamos prontos para avaliar a forma do argumento. Ao avaliar a forma do argumento, estamos tentando responder a pergunta: “As premissas levam inevitavelmente à conclusão?” ou “Dadas as premissas, é possível a conclusão ser verdadeira?”. Embora possam ser úteis, não são suficientes para nos ajudar a decidir se deveríamos ser convencidos pelo argumento ou não, visto que um argumento que é possivelmente correto é também possivelmente errado, e não carrega força lógica suficiente. Contudo, um argumento válido pode somente ser provavelmente verdadeiro, e não absolutamente verdadeiro, pois o argumento é verdadeiro somente se as premissas forem verdadeiras. Às vezes, as premissas são apenas provavelmente verdadeiras, mas já avaliamos a força das premissas num passo anterior. Se as premissas levam inevitavelmente à conclusão, ele é válido; de outra forma, é inválido. (6) Procure falácias. Quando completar o passo anterior, provavelmente a pessoa já determinou a veracidade ou falsidade de um argumento. Terminamos agora o procedimento verificando uma lista de falácias para ver se o argumento em questão cometeu uma ou mais delas. Falácias são erros lógicos que alguns argumentos cometem, desqualificando-os de serem argumentos válidos ou persuasivos. Ser capaz de reconhecer alguns dos erros mais comuns capacitará uma pessoa a fazer julgamentos úteis sobre os argumentos apresentados. Introduzirei várias falácias adiante neste capítulo. Para resumir, quando avaliamos um argumento, devemos primeiro nos certificar sobre o assunto que o argumento está abordando. Mesmo um argumento forte pode parecer fraco para uma pessoa que entende incorretamente seu propósito, e vice-versa. Então, devemos identificar no que o argumento está tentando fazer que creiamos; isto é, o que o argumento está afirmando ser verdadeiro. A despeito de concordarmos com a conclusão ou não, devemos continuar a fim de localizar as razões ou premissas dadas para apoiá-la, e devemos nos perguntar se são verdadeiras ou não. Para avaliar apropriadamente as premissas e a conclusão, devemos entender as palavras sendo usadas, e nos assegurar de que elas carregam o mesmo significado ao longo do argumento. Se o argumento segue uma estrutura que torna a conclusão necessária, ele deve ser aceito como verdadeiro se as premissas forem verdadeiras. Examinaremos agora vários argumentos usando os procedimentos acima, que esclarecerão o processo e os problemas envolvidos. Eu posso dizer que: 1. Se X é uma mulher, ela teria duas pernas. 2. X tem duas pernas. 3. Portanto, X é uma mulher. Mesmo tal argumento simples apresenta vários desafios. Por exemplo, encontramos ambiguidade no primeiro passo do nosso procedimento, que é definir claramente o assunto sob discussão. Simplesmente porque (1) diz que “se X é uma mulher, ela teria duas pernas” não significa necessariamente que a discussão é apenas sobre seres humanos, embora isso seja possível. É também possível que estejamos falando de algum X que pode não ser um ser humano. A conclusão neste argumento é clara, que X é afirmado ser uma mulher – um ser humano que é do sexo feminino. Ao examinar as premissas, vemos que este argumento não é convincente, pois as premissas não levam necessariamente à conclusão; elas deixam muitas possibilidades abertas. Por exemplo, uma galinha também tem duas pernas, de modo que se X fosse uma galinha, ela também teria duas pernas. Uma mulher não pode ser também uma galinha e, portanto, o argumento como proposto falha em estabelecer X como uma mulher. Podemos dizer também que todo homem tem duas pernas e, portanto, X, mesmo que humano, pode ser macho ou fêmea. A conclusão não segue necessariamente das premissas. Agora mudemos o argumento da seguinte forma: 1. Se e somente se X é uma mulher, ela teria duas pernas. 2. X tem duas pernas. 3. Portanto, X é uma mulher. Este é um argumento válido, e a conclusão deve ser verdadeira se as premissas forem verdadeiras. A primeira premissa diz que X pode ter duas pernas somente se for uma mulher. Se X tem duas pernas, ela deve ser uma mulher. Sem dúvida, embora o argumento seja válido neste caso, a conclusão é errônea, pois a premissa (1) é falsa. Outros seres, tais como os pássaros, também têm duas pernas. Quanto às definições de palavras e termos, parece que elas são consistentes durante todo este argumento. As palavras “mulher” e “pernas” carregam o mesmo significado do princípio ao fim deste argumento. Não há problemas nessa área. Tomemos M para representar “mulher”, D para representar “duas pernas”, e X para representar os seres cuja natureza estamos tentando determinar. Podemos colocar a primeira versão deste argumento assim: 1. Se M, então D. 2. D. 3. Portanto, M. Este argumento contém a falácia formal de afirmar o consequente, no qual o argumento afirma o resultado da condição declarada na primeira premissa, mas a primeira premissa não exclui outras condições de produzir o mesmo resultado. “Se M, então D” não é o mesmo que “Se e somente se M, então D”. Se tomarmos o último como a primeira premissa do argumento, isso faria dele um argumento válido. Isso é o que fizemos com a segunda versão do argumento, conforme abaixo: 1. Se e somente se X é uma mulher, ela teria duas pernas. 2. X tem duas pernas. 3. Portanto, X é uma mulher. Se X tem duas pernas, ele não pode ser outra coisa senão uma mulher. Na primeira versão, X pode ou não ser uma mulher, mas não podemos determinar isso a partir desse argumento. Esse argumento falha em nos persuadir de sua conclusão, que X é uma mulher. Sabemos que o argumento está provavelmente abordando o assunto do sexo de X, e a conclusão proposta é que X é uma mulher. O exposto acima é uma ilustração simples, e talvez até mesmo tola. A maioria das pessoas deveria ser capaz de dizer que o argumento é imediatamente não convincente. Mas sem conhecer os procedimentos para avaliar os argumentos, eles podem ser capazes de explicar o motivo de o argumento estar errado, e exatamente que mudanças são necessárias para torná-lo um argumento válido. Se o argumento fosse mais complexo, a pessoa não treinada poderia não ser capaz de avaliá-lo. Olhemos outro exemplo: 1. Se chover, o chão ficará molhado. 2. Está chovendo. 3. Portanto, o chão está molhado. O assunto é se o chão está molhado ou não, e a conclusão declara que sim. As duas primeiras premissas nos dizem sobre que fundamentos o autor deste argumento tenta nos levar à sua conclusão. A declaração (1) afirma que se chover, o chão ficará molhado. Essa premissa pode ser ou não verdadeira. Se estamos falando de um pedaço particular de chão que tem uma cobertura, ele pode não ficar molhado, mesmo que chova. Assumindo que tanto o orador quanto o ouvinte estão pensando num pedaço particular de chão que não tenha uma cobertura, então podemos assumir com segurança que a primeira premissa é verdadeira. Além disso, devemos concordar também sobre a localização onde a chuva pode cair, pois chover numa parte do mundo não molhará um pedaço de chão na outra parte do mundo. Assim, assumimos que estamos falando de um pedaço particular de chão, com a primeira premissa declarando que se chove sobre esse pedaço de chão, então ele ficará molhado. A segunda premissa afirma que “está chovendo”. Para os nossos propósitos, a segunda premissa poderia ser também “choveu”. Se tomarmos a última como nossa segunda premissa, devemos assumir que a chuva não ocorreu muito antes do argumento ser apresentado, fazendo com que o chão já esteja seco. Podemos assumir que o argumento é feito imediatamente após a chuva parar, ou enquanto ainda está chovendo. Se entendemos as premissas nas formas declaradas acima, parece inevitável a conclusão de que o chão está presentemente molhado, e não seco. Esse é um argumento válido. Ele toma a forma de argumento que examinamos no começo, a saber: 1. Se A, então B. 2. A. 3. Portanto, B. A definição das palavras e termos tais como “chovendo”, “chão” e “molhado” parece ser clara e consistente durante todo este argumento. Nas situações do dia-a-dia, as definições usadas pelo orador e o ouvinte neste caso deveriam ser bem similares. Em nome da precisão, tivemos que esclarecer que a palavra “chão” significa um pedaço de chão sem qualquer cobertura, e que o “chovendo” ocorre sobre o “chão”. O argumento é apresentado logo após a chuva, ou enquanto está chovendo. Não definimos claramente “molhado” que, para pessoas diferentes, pode significar “úmido” ou “ensopado”. Pode parecer excessivo examinar um simples argumento dessa forma. Isso pode ser verdadeiro se estamos lidando com uma situação sem importância na qual a verdade do argumento não importa. Contudo, quando chegamos à teologia, ética, ciência, história e outras áreas importantes, precisamos ser mais cuidadosos no modo de usar os argumentos. Há várias formas de entender incorretamente mesmo o mais simples dos argumentos. Podemos não considerar o exemplo acima ambíguo, mas os argumentos que ouvimos não são sempre claros, nem captamos sempre o significado pretendido pelo orador. A ambiguidade apresenta um grande obstáculo para a comunicação, e não ocorre somente em argumentos técnicos. A seguir, analisaremos um argumento cujas premissas e conclusões estão implícitas. O argumento é curto, e se apresenta assim: “Se você é um homem, por que está chorando?”. Inicialmente, parece não haver nenhuma conclusão. Visto que é declarado como uma pergunta, alguns podem nem mesmo considerá-lo um argumento. Dependendo do tom e contexto da declaração, o argumento pode ser de fato uma pergunta. Contudo, assumindo que a intenção é que ele seja uma declaração, o assunto seria se a pessoa mencionada é “um homem” ou não, e a conclusão implícita seria “Você não é um homem”. As premissas também estão implícitas. A primeira premissa pode ser “Se você for um homem, não ficará chorando” e a segunda premissa é mais clara, qual seja, “Você está chorando”. O argumento inteiro, quando declarado de forma explícita, seria como segue: 1. Se você for um homem, não ficará chorando. 2. Você está chorando. 3. Portanto, você não é um homem. Da forma como se apresenta, o argumento não parece ser verdadeiro. A primeira premissa declara que se o ouvinte é um homem, ele não estaria chorando. Nossa primeira reação é rejeitar essa premissa, e, desse modo, a conclusão proposta não se segue. Se o autor ou orador insiste na primeira premissa, o peso da prova está sobre ele, para convencer a audiência de sua verdade. As palavras e termos desse argumento são ambíguos. Quando o orador diz “se você for um homem”, ele está se referindo a um ser humano do sexo masculino, ou ao caráter de uma pessoa, como no ser “másculo”? Também, a palavra “homem” na conclusão pode carregar um significado diferente. Assim, uma versão do argumento pode ser: 1. Se você for um ser humano do sexo masculino, não ficará chorando. 2. Você está chorando. 3. Portanto, você não é um ser humano do sexo masculino. Chamaremos essa de versão A. Outra versão pode ser: 1. Se você for um ser humano do sexo masculino, não ficará chorando. 2. Você está chorando. 3. Portanto, você não é másculo. Chamaremos essa de versão B. A versão A é correta se a primeira premissa for correta. Podemos rejeitar esse argumento se tivermos razão para crer que essa primeira premissa é falsa; isto é, seres humanos do sexo masculino podem chorar. A conclusão na versão B pode ou não ser correta; mas, visto que a palavra “másculo”[9] é usada com um significado diferente na conclusão do que aquele usado na primeira premissa, a conclusão não segue das premissas, quer sejam verdadeiras ou não. Em todo o caso, podemos uma vez mais rejeitar a premissa (1), vendo como ela é falsa com respeito aos seres humanos do sexo masculino. Podemos criar outras versões desse argumento se alterarmos as definições da palavra “homem”. A palavra pode significar “não másculo” tanto na premissa (1) como na conclusão, em cujo caso podemos ter a melhor versão possível desse argumento, quer a conclusão seja verdadeira ou não. Ou podemos ter a primeira ocorrência da palavra “homem” significando “másculo” e, então, significando seres humanos do sexo masculino na conclusão. Isso produz outro argumento pobre. Mesmo num argumento simples como esse, ambiguidade e inconsistência podem causar muitos problemas, e o problema é ainda maior com argumentos mais complexos. O argumento toma a forma de: 1. Se X, então Y. 2. Não Y. 3. Portanto, não X. “Não chorando” é representado por Y, embora tenha a palavra “não” nele; portanto, “não Y” significaria “chorando”. Esse argumento nega o resultado da condição na primeira premissa; negar o consequente forma um argumento válido. Embora esse argumento não declare a conclusão ou as premissas explicitamente, esses elementos ainda estão presentes. Alguns argumentos podem ser tão longos quanto vários parágrafos e ter a conclusão e as premissas implícitas, em vez de explicitamente declaradas. Estudaremos mais um exemplo antes de discutir falácias lógicas. Ele é como segue: 1. Se eu bato em Tom, ele ficará machucado. 2. Tom está machucado. 3. Portanto, eu bati em Tom. O assunto é se eu bati ou não em Tom; isso é o que o argumento pretende determinar. A conclusão declara que eu de fato bati nele. As premissas apóiam essa conclusão? A primeira premissa declara que “se eu bato em Tom, ele ficará machucado”. Não há possibilidade de eu bater em Tom e ele não ser machucado. A premissa não deixa nenhuma possibilidade para alternativas. A segunda premissa declara que Tom foi machucado. As palavras e termos parecem ser claras e consistentes ao longo desse argumento, assumindo que o orador e o ouvinte não possuem definições diferentes sobre os conceitos de bater e ser machucado. Alguns podem concluir que se segue logicamente que eu bati em Tom; contudo, a primeira premissa não elimina a possibilidade de Tom ser machucado de outras formas. Tom pode ter caído de uma escada, ou outra pessoa pode ter- lhe machucado. Portanto, as premissas dadas são insuficientes para concluir que fui eu o causador de sua injúria. Ela é uma conclusão possível, mas não necessária. O argumento toma a forma: 1. Se A, então B. 2. B. 3. Portanto, A. Isso afirma o consequente e gera um argumento inválido. Ele ignora explicações alternativas. Se fôssemos mudar esse argumento para um válido, poderíamos alterar a primeira premissa para que o argumento ficasse assim: 1. Se e somente se eu bati em Tom, ele ficará machucado. 2. Tom está machucado. 3. Portanto, eu bati em Tom. Considerando que as premissas são verdadeiras, a conclusão deve ser verdadeira. A primeira premissa afirma que eu sou o único que poderia machucar Tom; portanto, se Tom está machucado, isso significa que eu bati nele. Para resumir nosso procedimento sugerido para avaliar um argumento, devemos passar por esses seis passos: (1) Defina o assunto; isto é, faça a pergunta “Sobre o que estamos falando?”. (2) Avalie a conclusão; isto é, faça a pergunta “O que esse argumento está afirmando ser verdade?”. (3) Avalie as premissas; isto é, faça a pergunta “Quais razões são dadas para apoiar a afirmação que a conclusão é verdadeira?”. (4) Avalie as definições; isto é, faça a pergunta “O significado das palavras e termos é claro e consistente durante todo o argumento?”. (5) Avalie a forma de argumento; isto é, faça a pergunta “As premissas levam inevitavelmente à conclusão?”. (6) Procure falácias. Para formar um bom argumento, uma pessoa aplica esses passos ao construir seu caso. Ele deveria primeiro definir claramente o assunto ou a questão que o seu argumento pretende resolver. Então, ele deve declarar a conclusão com precisão. Após isso, deve fornecer razões, ou premissas, para apoiá-la. As premissas devem estar relacionadas de tal modo que conduzam, inevitavelmente, à conclusão que ele afirma. Ele deve se assegurar de que está usando as palavras e os termos clara e consistentemente durante todo o argumento, e que evita a ambiguidade. Então, deverá verificar se o seu argumento cometeu alguma falácia lógica. Tendo feito isso ao construir o seu caso, é provável que o argumento resultante seja muito forte. Não há necessidade de sempre declarar um argumento de uma maneira rígida ou ponto a ponto, embora essa seja a forma mais clara. Numa situação na qual a conversa demande uma expressão mais flexível, ele pode formular seu argumento de um modo que reflita um bom estilo de escrita, no entanto, retendo a clareza e a força lógica. A pessoa deve verificar se não é difícil ou mesmo impossível descobrir a conclusão e as premissas, e que ele não altera o significado dos termos sendo usados no meio de um argumento. Agora que o leitor aprendeu alguns princípios básicos na análise e formulação de argumentos, introduzirei várias falácias comuns. Onde for possível e conveniente, também fornecerei alguns exemplos que podem lembrar algo que alguém como um cristão pode encontrar. Não cristãos normalmente argumentam falaciosamente contra o Cristianismo. Se o cristão está ciente disso, ele estará numa posição melhor para refutá-los. Tipos de falácia. Existem dois tipos de falácias, e discutiremos somente falácias que se enquadram em um dos dois tipos. Falácias formais dizem respeito mais à estrutura do argumento do que ao conteúdo. Como mencionado, um argumento pode ser válido em termos de estrutura, mas pode se tornar falso quando o conteúdo é levado em conta. Por outro lado, se a estrutura do argumento é inválida – se ele comete uma falácia formal – então, a conclusão do argumento não se segue das premissas, significando que o argumento deve ser rejeitado. Para ilustrar uma falácia formal, revisaremos o argumento que acabamos de mencionar mais acima. Uma vez mais, o argumento é o seguinte: 1. Se eu bato em Tom, ele ficará machucado. 2. Tom está machucado. 3. Portanto, eu bati em Tom.
Em termos de estrutura de argumento, ele
pode ser algo assim:
1. Se A, então B. 2. B. 3. Portanto, A.
A segunda premissa afirma o consequente
como listado na primeira premissa. Afirmar o consequente, a menos que a primeira premissa diga “se e somente se”, em vez de apenas “se”, ignora outras causas possíveis que podem levar a B. Em outras palavras, C e D (não mencionados no argumento) podem levar também a B, e não apenas A; portanto, afirmar B não implica necessariamente A. Esse argumento contém uma falácia formal; ele é falacioso baseado em sua estrutura inválida. Neste capítulo, estudaremos apenas falácias informais. Enquanto as falácias formais estão preocupadas com a validade do argumento, as falácias informais levam em consideração o conteúdo do argumento. Algumas falácias comuns. O que segue são vinte e seis falácias informais que regularmente aparecem em argumentos. Saber como reconhecê-las equipará alguém a debater com outras pessoas, e o protegerá de ser afetado por falsas ideias, teológicas ou não. Existem outras falácias informais além daquelas que listei abaixo. Alguns livros-texto de lógica podem listar quarenta e cinco falácias, ou mesmo mais de sessenta. Uma determinada ação dentro do contexto da argumentação pode ser chamada de um movimento, e as falácias que seguem podem ser consideradas como movimentos ilegítimos na argumentação. Usarei este termo às vezes quando me referindo a elas. Alguns dos seguintes exemplos podem estar relacionados a mais de uma falácia, mas cada um será visto à luz daquela sob consideração. Para manter este capítulo breve, definirei as falácias, mas não fornecerei exemplos para todas elas. Como se observará na explanação seguinte das falácias informais, alguns desses movimentos na argumentação são falaciosos somente dentro de certos contextos. Apelo à Autoridade. O apelo à autoridade cita uma figura ou fonte proeminente como suporte de sua afirmação. Ele se torna uma falácia informal quando essa autoridade é um especialista num campo diferente. Seria um engano citar um físico para se referir à questão da economia, como se ele fosse um especialista neste campo também, e seria um engano citar um especialista em biologia num debate sobre religião. Muitos são ignorantes quando diz respeito a áreas não relacionadas com a sua especialidade, e suas visões sobre aqueles assuntos são frequentemente inferiores às dos profissionais medíocres daqueles campos. Normalmente, a visão de celebridades, tais como estrelas de cinema ou cantores, é citada ao se referir a assuntos tais como religião, ciência, política e economia. Assumindo que eles não têm nenhum treinamento ou qualificação relevante, o que eles pensam sobre um determinado assunto pode ser uma questão de interesse para alguns, mas não carrega nenhum poder persuasivo quando diz respeito à argumentação. Uma autoridade nem sempre está correta, mesmo no campo no qual é um especialista. Embora citar uma autoridade no campo sob consideração possa não ser uma falácia no sentido de tornar o argumento do orador mais crível, o argumento pode ainda estar incorreto. Tanto o orador quanto a autoridade citada podem estar errados. Em discussões sérias, é melhor não apoiar o caso todo sobre o testemunho de figuras de autoridade apenas. Ao defender a fé, o crente demonstra que a cosmovisão cristã inteira deve ser pressuposta para que o conhecimento e a inteligibilidade sejam possíveis, e que a autoridade da Escritura, sendo a Palavra de Deus, é o nosso primeiro princípio autoatestador. Apelar à autoridade da Escritura, portanto, não é uma falácia, pois ela é a autoridade última, com nada superior ou anterior para autenticar a sua verdade. A tarefa da apologética envolve articular e defender esse ponto. Apelo à Força. Essa falácia usa ameaças para persuadir o rival a realizar uma ação ou adotar certa posição. Ela tenta convencer por meio da ameaça de consequências danosas, ao invés do raciocínio lógico. Não somente uma ameaça pode tomar a forma de violência física, mas pode ser também uma que pertença às finanças ou relacionamentos sociais. A ameaça de ostracismo seria uma ameaça pertencente à última categoria. Ela pode frequentemente ser bem-sucedida no domínio da situação, mas não alcança nenhuma persuasão intelectual. Alguns podem usar esse movimento na argumentação por diversas razões. O orador pode estar confuso sobre que fundamentos racionais existem para persuadir o outro a tomar sua posição. Ou pode parecer ao orador que seria mais rápido e convincente ameaçar o outro, em vez de dialogar pacientemente com ele. Apelo à Evidência Futura. Quando alguém apela à evidência futura, ele está dizendo que, embora a evidência atualmente disponível não substancie ou seja insuficiente para substanciar a visão do orador, as descobertas futuras justificarão suas afirmações. Geralmente ela carrega pouca força lógica, pois a verdade dessa predição não pode ser conhecida até um tempo futuro, significando que não existe nenhuma base real para aceitar o argumento do orador no presente. Contudo, se tem havido várias descobertas que apontam para uma direção definida, tornando provável que certa visão seja confirmada sobre a base de evidência futura que possa aparecer, então esse movimento não deve ser considerado uma falácia. Todavia, o argumento ainda não pode ser provado como verdadeiro baseado na evidência não disponível imediatamente. Ao debater a questão da origem do homem, os evolucionistas frequentemente cometem essa falácia dizendo que as descobertas futuras de registros fósseis ou outros achados confirmarão a teoria da evolução. Mas, baseado na evidência que temos até aqui, não é provável que a evidência futura confirme a evolução. Parece que, quanto mais evidência descobrirmos, mas improvável a evolução parecerá. Portanto, o apelo à evidência futura pelos evolucionistas deve ser considerado uma falácia. Em todo o caso, esse movimento deveria ser usado moderadamente na argumentação, se é que devesse mesmo. Apelo à Ignorância. Uma pessoa está apelando à ignorância ao insistir que sua posição é verdadeira sobre a base que seu oponente não pode refutá-la. Algumas crenças não podem ser provadas como falsas, mas isso não significa que sejam verdadeiras. Talvez o orador esteja meramente enfrentando um oponente que não tenha o recurso, treinamento ou a inteligência para refutar a sua posição, mas isso em si não implica que o orador esteja certo. Crenças verdadeiras não podem ser provadas como falsas, mas o que não pode ser provado como falso não deveria ser automaticamente aceito como verdadeiro. Apelo à Opinião Popular. Essa falácia comum tenta estabelecer sua posição como crível sobre a base que ela é aceita por muitos indivíduos, ou mesmo pela maioria. Vivemos numa geração confusa, irracional e tola. Por exemplo, muitos estudantes colegiais têm orgulho de se apresentar como pensadores independentes (embora, mesmo o valor de ser isso tenha sido ensinado a eles por outros); mas, na argumentação e discussões, eles rapidamente apelam à opinião popular como forma de fortalecer suas opiniões. Esse movimento é uma falácia, porque a maioria pode estar errada. Quando diz respeito a certos assuntos, a maioria pode estar mais frequentemente errada do que certa. Portanto, simplesmente porque uma posição é sustentada pela maioria não prova nada sobre a verdade de uma posição, exceto o fato que ela é sustentada pela maioria. Esse movimento na argumentação pode ter o efeito de pressionar o ouvinte a aceitar a afirmação proposta, a que é supostamente acreditada pela maioria. Ao rejeitar a afirmação do orador, o ouvinte se arrisca em se isolar intelectual e socialmente. O apelo à opinião pública produz mais pressão emocional do que força lógica. Apelo à Prática Popular. Essa é a falácia do “todo mundo faz isso”. Similar ao apelo à opinião popular, ele julga o que é bom ou correto baseado na disposição da maioria. Se a maioria faz algo, ou faz algo de certa forma, então, de acordo com essa falácia, isso adiciona credibilidade à prática. O apelo à prática popular sofre das mesmas críticas que o apelo à opinião popular, ou seja, a maioria pode estar errada. Na maioria dos argumentos, a disposição da maioria não deveria ser levada em conta tão seriamente. Contudo, em algumas discussões, crenças populares podem adicionar certa credibilidade a uma posição – depende de a que o argumento se refere. Apelo a Ditos Populares. Essa falácia apela a ditos populares para formar uma ou mais premissas num argumento. Declarações como “nenhuma dor, nenhum ganho”, “o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, “errar é humano”, “ver é crer”, “as ações falam mais alto que as palavras”, e “uma imagem vale mais do que mil palavras” são declarações sem prova, ambíguas e normalmente tolas, que não podem contribuir em discussões racionais. Uma pessoa deve aprender a questionar esses ditos populares. É sempre verdade que quando a dor não é experimentada, nunca há algum ganho? É verdade que o poder corrompe todo o mundo? Podemos provar que todas as pessoas que já tiveram algum poder foram corrompidas? Onde está a evidência para isso? “Ver é crer” é uma posição de crença epistemológica, não uma declaração de fato. De que forma uma imagem vale mais do que mil palavas? Podemos reduzir nossos dicionários, enciclopédias, antologias literárias, ou mesmo a Bíblia, transformando todos em livros de imagens, e ainda reter a mesma quantidade de informação, com o mesmo nível de precisão? Pode-se não pretender uma aplicação literal e universal para essas declarações, de modo que o acima exposto possa parecer injusto; contudo, muitas pessoas usam tais ditos populares como se eles pudessem ser interpretados dessa forma, e como se estivessem na mesma categoria de verdades estabelecidas. Ao lidar com tais pessoas, precisaremos desafiar as premissas fazendo perguntas similares às que apresentamos. Uma declaração tal como “nenhuma dor, nenhum ganho” é somente uma observação que parece ser verdade em algumas situações altamente específicas. Pode haver inúmeras ocasiões nas quais muito ganho é alcançado sem qualquer dor, de modo que é tolo usar tal declaração assim: 1. “Nenhuma dor, nenhum ganho”. 2. Você não está experimentando nenhuma dor. 3. Portanto, você não obterá nenhum ganho.
Embora soe ridículo, muitas pessoas
argumentam dessa forma, mesmo dentro do contexto de discussões e debates sérios. Além do mais, muitos ditos populares contradizem outros ditos populares, e não podem ser todos corretos ou aplicáveis. Apelo à Compaixão. O apelo à compaixão é especialmente vil e desonesto. O orador tenta focar a atenção sobre o apuro e desespero no qual ele ou outros estão, não na tentativa de estabelecer a credibilidade racional de sua posição, mas para influenciar as emoções do oponente ou da audiência, ganhar a compaixão deles, e assim adquirir a vantagem no debate. Esse tipo de argumento é usado com frequência, e em todos os tipos de situações – desde relacionamentos pessoais a ocasiões tais como negociações políticas entre duas nações. Algumas vezes, um partido forte que não está especialmente numa desvantagem pode fingir ser a vítima, ou o “azarado”, para induzir culpa e compaixão no oponente ou audiência. Uma pessoa cometendo essa falácia não tenta arrazoar, mas manipular. Uma mãe pode tentar induzir culpa em seu filho dizendo-lhe o quanto ela tem se sacrificado por ele, e o quanto se importa com ele. Se isso é verdade ou não, tem pouca relevância para o assunto sob discussão, de modo que não é uma tentativa de diálogo, mas de controlar e suprimir o outro. Os cristãos geralmente apelam à compaixão. A Bíblia ensina que devemos andar em amor, e ter compaixão pelos outros. Conhecendo parte do que ela ensina, incrédulos e mesmo cristãos professos tentam se aproveitar da nossa fé. Contudo, além do ensino para sermos “inofensivos como a pomba”, a Bíblia também nos admoesta a sermos “prudentes como as serpentes” (Mt 10.16). Um cristão pode confrontar um incrédulo sobre um pecado particular. O último pode dizer que, embora ele possa estar errado (algumas vezes eles podem não admitir isso), o cristão tem o mandamento de “amá-lo” e, portanto, deveria tolerar seu comportamento. Às vezes, um incrédulo que não gosta do comportamento de um cristão, mesmo quando o cristão está certo, pode tomar a iniciativa contra ele, acusando-o de ser hipócrita por não andar em amor. O cristão que não conhece a Bíblia muito mais do que seu acusador pode sucumbir a esse engano e se render. Essa estratégia é um movimento imoral, irracional e manipulador, e não deveríamos ser dominados por ele. O amor, quando usado nesse contexto, é falsamente definido como sendo polido, de voz suave, obediente, que faz concessões e não confronta; enquanto que, de acordo com a Bíblia, o próprio ato de confrontar o pecado pode ser um ato de amor. A Escritura diz: “Melhor é a repreensão franca do que o amor encoberto” (Pv 27.5). E que deveríamos falar “a verdade em amor” (Ef 4.15). Somos instruídos a “não nos comunicar com as obras infrutuosas das trevas; mas, antes, condená- las” (Ef 5.10, 11). Mesmo cristãos professos manipulam outros crentes mediante uma distorção do ensino bíblico sobre o amor, mas somos obrigados a andar em amor nos termos de Deus, não nos termos daqueles que distorcem a Escritura para tentar nos controlar. Não devemos deixar os outros fazerem os cristãos de tolos, deixando que eles roubem a nossa energia, tempo e dinheiro por meio de engano. Devemos exercer sabedoria e ceticismo saudável quando formos confrontados. Um apelo à compaixão pode tomar a forma de “Supostamente vocês cristãos devem andar em amor. Você não me ama? Por que está falando dessa forma comigo?”. O orador não respondeu ao conteúdo do que foi dito; mas, em vez disso, questiona a atitude com a qual o crente afirma sua posição. Pode ser que o cristão não tenha sido muito duro em suas declarações, mas a outra pessoa está protegendo a área sendo questionada, e, ao mesmo tempo, recusa responder diretamente aos seus argumentos. O orador está evitando a questão ao apelar a fatores irrelevantes ao conteúdo real da discussão. Se o crente deu um argumento pobre, a outra pessoa deveria apontar sua fraqueza em termos de seu conteúdo ou estrutura, não a atitude com a qual ele apresentou tal argumento. Se o cristão ama a pessoa com a qual está falando, às vezes ele pode até mesmo precisar ser especialmente duro em sua confrontação, para expor as obras das trevas, como Paulo ordena. Há tempos quando os ministros precisam “repreender [suas congregações] severamente, para que sejam sãs na fé” (Tt 1.3). A definição de amor de muitas pessoas não tolera esse mandamento bíblico. O conceito de amor deles é antibíblico, tendo sua origem nos ideais humanísticos e não no entendimento correto da Escritura. O verdadeiro amor bíblico é às vezes gentil e submisso; mas, em outros momentos, duro, sem concessões e confrontador. Não está nas mãos dos incrédulos ditar para nós o que significa andar em amor numa determinada situação. Pais, cristãos ou não, podem às vezes usar o mandamento bíblico “honra a teu pai e a tua mãe” (Êx 20.12) para manipular seus filhos. Se a ação solicitada é de fato antibíblica, o cristão não está sob obrigação de obedecer. Antes, ele tem um dever para com Deus de resistir aos seus pais nessa questão. O mandamento bíblico para honrar nossos pais não se estende a pedidos antibíblicos. Por exemplo, Mateus 10.33-37; 19.29, Marcos 3.32-35 e Lucas 9.59-60 nos instruem a considerar Jesus Cristo e o evangelho como mais importante que a família. Qualquer declaração bíblica deve ser entendida à luz e no contexto de outras partes da Escritura, e cristãos e não cristãos manipuladores não têm o direito de interpretar a Bíblia para nós, usando a maneira distorcida de pensamento deles. Novamente, precisamos honrar nossos pais somente nos termos de Deus – isto é, como definido por Deus, e não por pais manipuladores. Sem dúvida, isso não significa dizer que não precisamos prestar atenção aos nossos pais. Esse exemplo é usado meramente para ilustrar que existem aqueles que distorcem o significado da Escritura na tentativa de fazer com que os cristãos façam o que eles querem. Devemos ser cuidadosos para que, como aqueles que temem a Deus e aos seus mandamentos, não nos tornemos brinquedos daqueles que não têm tal reverência por ele. Outra forma de apelar à piedade relaciona o argumento de uma pessoa ao sofrimento de mães solteiras, crianças famintas, aleijados, pobres, doentes e outros grupos desprivilegiados. O orador relaciona os desprivilegiados com a sua posição, de um modo que o futuro deles dependerá do sucesso do seu argumento. Ele pode reformular seu argumento de tal modo que discordar dele é ser contra o bem-estar dos desprivilegiados. Se o argumento está de fato relacionado com os desprivilegiados, isso não seria um apelo à compaixão e, assim, não seria uma falácia. Contudo, a menos que a relação seja autoevidente, o peso da prova está sob o orador, para fazer a conexão entre o povo desprivilegiado e o seu argumento. Quando há um apelo à compaixão sem fundamento, a outra parte deveria reconhecer e expor isso. Num apelo à compaixão, o orador pode se referir a um grupo em necessidade, ou pode se apresentar como vítima. Em geral, uma referência a grupos desprivilegiados não é falacioso somente se esse movimento contribuir para a lógica do argumento. O apelo à piedade é um movimento muito comum na argumentação – não seja enganado!
Raciocínio Circular. Essa falácia é chamada
também de “petição de princípio”, na qual a conclusão de um argumento é assumida numa de suas premissas. Visto que o argumento está tentando provar que a conclusão é verdadeira, ele não deveria usar a própria conclusão como uma de suas premissas, nem usar uma premissa que primeiro requeira que a conclusão seja verdadeira. Os cristãos normalmente são ridicularizados por provar a existência de Deus com um argumento circular: 1. A Bíblia é a Palavra de Deus. 2. A Bíblia diz que Deus existe. 3. Portanto, Deus existe. O argumento como declarado é circular, pois assume a existência de Deus na primeira premissa, enquanto isso é precisamente o ponto debatido. Contudo, toda cosmovisão é baseada num primeiro princípio, ou axioma, do qual o sistema inteiro de pensamento é supostamente deduzido. Um argumento transcendental pode ser construído, de modo que a cosmovisão cristã se torne a precondição da inteligibilidade e racionalidade. Assim, embora a premissa “A Bíblia é a Palavra de Deus” apareça como a primeira premissa autoautenticadora, o argumento ainda é sólido e logicamente irrefutável, pois tal premissa é usada como o primeiro princípio da cosmovisão cristã, e afirmada como sendo a precondição de todo pensamento e conhecimento. Quanto a como demonstrar tal afirmação na argumentação, a pessoa deve consultar meus outros escritos.[10] Dito isso, a falácia do raciocínio circular é geralmente cometida por argumentos e cosmovisões não cristãos. Por exemplo, uma pessoa que afirme ser cientificamente imparcial pode favorecer uma epistemologia empírica, na qual a experiência ou sensação como uma forma de descobrir a verdade é tida como confiável. Contudo, a experiência em si não é autoatenticadora; uma pessoa não pode, por experiência, provar que a experiência é uma forma confiável de investigação antes que a experiência seja demonstrada como confiável. Se uma pessoa não mostrou ainda que a experiência é confiável, ela não pode usar a experiência como um teste para ver se a experiência é confiável. Fazê-lo é argumentar em círculo vicioso. Mas tal pensamento falacioso permeia o pensamento não cristão. Por outro lado, dentro da cosmovisão cristã, um Deus onipotente e onisciente nos manifesta a verdade por revelação verbal. Deus, sendo o que é, autentica sua própria afirmação. Como a Escritura diz, ele não pode jurar por ninguém maior. O conteúdo do nosso primeiro princípio – isto é, a cosmovisão cristã inteira – contém o elemento necessário para torná-lo autoautenticador, enquanto o empirismo e outras teorias seculares falham em fazê-lo. Questão Complexa. Isso é também chamado de “pergunta capciosa”. Ela apresenta ao ouvinte uma pergunta “capciosa” com uma suposição com a qual ele pode discordar. Esse tipo de pergunta contém suposições não justificadas ou não provadas. Um exemplo comum usado para ilustrar isso é quando um advogado pergunta ao réu: “Você parou de bater em sua esposa?”. Solicita-se que o reú responda no afirmativo ou negativo, mas as duas opções produzem uma admissão de culpa. Se o réu responder no afirmativo, que ele já parou de bater em sua esposa, implica que ele já bateu nela alguma vez. Se responder no negativo, implica que ele está atualmente batendo em sua esposa. Pode ser que ele nunca tenha batido em sua esposa, mas a formulação da pergunta não permite essa possibilidade. A mesma pergunta não seria capciosa se, no processo do interrogatório, o advogado já tivesse estabelecido que o réu tivesse batido em sua esposa. Se o advogado perguntasse: “Você já bateu alguma vez em sua esposa?”, e o reú respondesse no afirmativo, o advogado poderia continuar e perguntar: “Você parou de bater em sua esposa?”. A última seria uma pergunta honesta quando tal contexto foi estabelecido. Algumas perguntas parecem mais acusações do que inquirições. A pergunta “que horas são?” soa como uma pergunta natural, enquanto “você é muito inteligente, não é?” seria um elogio, se estivesse num contexto apropriado e não fosse mencionado num tom sarcástico. Contudo, “você fracassou de novo, não é?” pode ser o mesmo que dizer “você fracassou de novo”, mas acusações que são camufladas como perguntas podem, frequentemente, ser mais sutis do que isso. Não somente as perguntas podem ser carregadas de significado, mas declarações podem também conter palavras e frases que carregam conotações negativas. Elas podem ser estruturadas de modos que pareçam ser amigáveis, mas são ataques verbais na realidade. Em tais casos, o leitor deveria expor a linguagem carregada, e exigir que a pergunta ou declaração seja refraseada de modo a não carregar nenhuma insinuação negativa injustificada. Contudo, uma vez que uma posição tenha sido demonstrada como negativa, uma pessoa pode ser justificada em usar palavras e frases que reflitam isso quando se referindo a ela. Correlação e Causação. Essa falácia confunde correlação com causação. Simplesmente porque o evento X acontece antes do evento Y, não significa que o primeiro seja a causa do último. Há um exemplo típico usado para ilustrar essa falácia. Um homem bebeu um tipo diferente de bebida alcoólica bem como leite em três noites consecutivas, e ficou bêbado todas essas três noites. Depois disso, ele diz às pessoas que ficou intoxicado por beber leite! O leite parece ser o fator comum em seu embebedar-se, pois ele tinha tipos diferentes de bebida alcoólica todas as noites, mas tinha leite em todas elas. Mas nós pensamos que foi o álcool que fez com que ele ficasse bêbado. O leite foi meramente uma correlação à sua intoxicação, mas não a causa. Se o homem parasse de beber leite, ele teria continuado a ficar bêbado. O leite não é uma causa da intoxicação, e não é nem mesmo uma condição necessária para isso. Algumas vezes, há condições necessárias para algo acontecer, mas elas podem não constituir a causa suficiente. Quando alguém alega um fator ser a causa de algo, o leitor deveria considerar se isso é assim ou não, ou se é meramente uma correlação. O empreendimento científico inteiro sofre dos problemas descritos por essa falácia. É muito difícil, se não impossível, isolar a causa em alguma determinada operação. Não tendo uma fundamentação na filosofia da ciência, muitos estudantes e mesmo cientistas profissionais possuem uma confidência ingênua na ciência que é totalmente injustificada. Diversão. Essa falácia é também chamada de “red herring”, segundo a qual uma pessoa lança declarações que podem ganhar atenção, mas são irrelevantes para o assunto da discussão. Uma pessoa deveria sempre ter o assunto da discussão definido em mente ao falar com outras pessoas. Dessa forma, ele irá, com maior probabilidade, perceber uma red herring quando outra pessoa tentar distraí-lo, ou a audiência, usando tal tática. Ao observar uma red herring, uma pessoa pode expor a falácia e tentar forçar o oponente de volta à questão real. Por outro lado, se o oponente pode fazer a relação entre o que alguém percebe como uma diversão e o tópico corrente, ela não é uma red herring, e ele terá que lidar com os seus argumentos. Em todo caso, uma pessoa não deve permitir que um oponente desesperado crie uma distração por seus esforços para relacionar uma red herring à discussão corrente, de modo que a pessoa terá menos tempo para apresentar os seus argumentos. Se uma red herring for detectada, extermine-a rapidamente. Equívoco. Já mencionamos a falácia do equívoco neste capítulo sem usar seu nome. Isso acontece quando um argumento muda o significado do que parece ser a mesma palavra ou termo dentro do argumento. Considere a declaração: “Tom é um estudante brilhante, tão brilhante que nunca liga as lâmpadas quando está no quarto”. Esse tipo de mudança no significado das palavras usadas pode ser chamado de trocadilho, em certos contextos; mas é uma falácia de equívoco quando usada num argumento. A primeira ocorrência da palavra “brilhante” pode significar “inteligente”, mas a segunda ocorrência da palavra é usada da mesma forma que quando estamos descrevendo a quantidade de luz vinda do sol ou de uma lâmpada. O que parece ser a mesma palavra significa coisas diferentes na declaração. Equívoco é também chamado a falácia de quatro termos. Um argumento válido pode conter três termos: 1. Todos os cães são animais. 2. Todos os animais são seres vivos. 3. Portanto, todos os cães são seres vivos. Se A representa cães, B animais, e C seres vivos, o argumento pode aparecer na seguinte forma: 1. Todo A é B. 2. Todo B é C. 3. Portanto, todo A é C. O B na declaração (1) carrega o mesmo significado que quando usado na declaração (2), que capacita uma relação ser formada entre A e C. Há três termos neste argumento – cães, animais e seres vivos, com o segundo ou “meio” termo servindo como a relação entre o primeiro e o terceiro. Agora, olhe para este argumento: 1. Tom é uma pessoa brilhante. 2. Um objeto brilhante irradia luz. 3. Portanto, Tom irradia luz. Deixemos que A represente Tom, B brilhante, e C luz radiada de. Então, esse argumento parecerá estar na mesma forma que o anterior: 1. Todo A é B. 2. Todo B é C. 3. Portanto, todo A é C. Contudo, o B na declaração (1) e o B em (2) carregam significados diferentes. O primeiro significa “inteligente”, e o segundo refere-se à quantidade de luz que algo emite, de modo que deveríamos usar letras diferentes para representar os dois. Deixemos que I represente inteligente, de modo que possamos declarar o argumento novamente da seguinte forma: 1. Todo A é I. 2. Todo B é C. 3. Portanto, todo A é C. Se usarmos palavras em vez de letras, o argumento apareceria agora como segue: 1. Tom é uma pessoa inteligente. 2. Um objeto brilhante irradia luz. 3. Portanto, Tom irradia luz. Há quatro termos neste argumento em vez de três, e não há nada relacionando as declarações (1) com (2), ou A com C. Visto que não há nada que relacione A com C, a conclusão não segue das premissas. Essa falácia aparece com frequência no ensino de seitas religiosas que tentam roubar termos cristãos. Alguns membros de seitas podem insistir que eles aderem a muitas ou mesmo à maioria das crenças cristãs tradicionais, mas eles usam os termos de maneiras vastamente diferentes. Eles podem alterar as definições dos termos à medida que falam, algumas vezes até dentro da mesma sentença. Os cristãos que não estão alertas podem ser confundidos, e se sentirem perplexos em como responder. Aprender sobre essa falácia nos ajuda a entender o que eles estão fazendo, e porque a posição é logicamente indefensável. Falácia de Composição. Essa falácia pensa erroneamente que o que é verdadeiro das partes é necessariamente verdadeiro do todo. Por exemplo, os jogadores de esportes que são altamente habilidosos como indivíduos podem não trabalhar bem o suficiente para formar um time vencedor. Resultados melhores são possíveis se esses jogadores forem misturados com aqueles que são menos habilidosos, mas que podem trabalhar melhor com eles. Falácia da Divisão. Essa falácia assume que o que é verdadeiro do todo é também verdadeiro das partes. Alguns jogadores de um time vencedor podem ser relativamente incompetentes, mas eles são capazes de trabalhar com outros jogadores de tal modo que o time pode derrotar outro time composto de jogadores melhores. Falácia da Regra Geral. Essa falácia assume que uma regra geral se aplicará a uma situação específica. Qualquer regra geral merecendo tal nome deveria ser aplicável na maioria dos casos, mas talvez não em todas as ocasiões. Quando aplicando uma regra geral a uma situação específica num argumento, certifique-se de que a regra se aplica; de outra forma, uma pessoa pode, no máximo, argumentar que sua aplicabilidade à situação é pelo menos provável. Falácia das Generalizações Rápidas. Essa falácia forma falsamente uma regra geral a partir de uma quantidade insuficiente de dados ou uma interpretação incorreta dos dados. Baseado na observação de vários eventos, uma pessoa pode formar a regra geral que a maioria ou todas as situações similares ocorrerão ou resultarão numa forma similar. Contudo, os eventos observados podem ser a exceção da forma como as coisas geralmente acontecem, e, portanto, o observador pode ter derivado um princípio geral errado. Uma pessoa pode concluir que a maioria ou todas as pessoas na profissão X são desonestas, mas ele pode ter encontrado somente quatro ou cinco membros das dezenas de milhares dentro dessa profissão. Indivíduos desonestos podem ser apenas uma minoria. O observador fez uma generalização rápida. Mesmo que o observador esteja correto, não há forma de dizer isso baseado em sua observação, e a regra geral não deveria ser aceita baseada em seus dados. A indução é sempre uma falácia formal, pois é impossível formular logicamente certos princípios universais observando particulares. Sendo assim, toda ciência é falaciosa, e nunca pode descobrir nenhuma verdade de forma alguma. A ciência não pode ser vista como algo mais que um empreendimento pragmático. Quanto a descobrir a natureza verdadeira das coisas, ela é completamente impotente. Os universais podem apenas ser conhecidos por meio da revelação na Escritura, ou o conhecimento inato que Deus colocou na mente do homem. Falsa Analogia. Analogias são perigosas, pois são geralmente muito ambíguas. Uma boa analogia inclui similaridades relevantes para a situação sob discussão, com diferenças que não são essenciais para a posição sendo afirmada. Se a analogia é similar à posição sendo afirmada somente em áreas irrelevantes, ou se é diferente nas partes essenciais, ela falha em defender a posição sendo afirmada. Eu posso dizer: “Assim como você agradeceria X por fazer algo por você, você deveria também agradecer Y por fazer algo por você”. Essa analogia é similar na parte essencial, que é a apropriabilidade de agradecer a outro, mas é diferente na parte supostamente irrelevante ao argumento, que é a identidade da pessoa. O argumento assume que o ouvinte concorda comigo em agradecer X, e afirma que a diferença entre X e Y não justifica o tratamento diferente entre os dois; portanto, assim como o ouvinte agradeceria X, ele deveria agradecer também Y sob circunstâncias similares. Falso Dilema. Um dilema existe quando há duas escolhas, em que a negação de uma necessita da afirmação da outra. Um verdadeiro dilema poderia ser: 1. Ou você é um homem, ou é uma mulher. 2. Você não é uma mulher. 3. Portanto, você é um homem. A premissa (1) propõe duas opções. As duas opções não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Assim, assumindo que uma pessoa não seja macho e fêmea ao mesmo tempo e no mesmo sentido, esse exemplo gera um dilema verdadeiro, no qual a negação de um gera a necessidade da afirmação do outro. Um dilema vem na forma de: 1. Ou X ou Y. 2. Não Y. 3. Portanto, X. Por causa da clareza, podemos expandi-lo para: 1. Ou X é verdade ou Y é verdade, mas não ambos. 2. Y não é verdade. 3. Portanto, X é verdade. Um falso dilema pode ser um onde a primeira premissa não dá duas opções mutuamente exclusivas. Por exemplo: 1. Ou você é um contador, ou você é casado. 2. Você não é casado. 3. Portanto, você é um contador. Sob circunstâncias usuais, isso seria um falso dilema, pois ser casado não impede alguém de ser também um contador, e os contadores geralmente não são compelidos a permanecer solteiros. Um argumento que falha em exaurir todas as opções possíveis pode produzir também um falso dilema. Por exemplo, considerando um estudante que teve uma nota boa num exame, podemos propor o seguinte dilema: 1. Ou o estudante é inteligente, ou ele é um trapaceiro. 2. O estudante não é inteligente. 3. Portanto, ele é um trapaceiro. A forma do argumento é válida, mas as premissas não são necessariamente verdadeiras. Assumindo que a premissa (2) seja verdadeira, que o estudante carece de inteligência, o argumento apenas permite a possibilidade de desonestidade. Contudo, outras explicações podem ser sugeridas, tais como a possibilidade de que, embora o estudante não seja inteligente, ele tivesse estudado diligentemente para o exame, e, portanto, obteve uma nota alta. Essa é uma explicação possível não considerada no argumento. Portanto, o argumento produz um falso dilema. Ao encontrar um falso dilema, uma pessoa pode neutralizá-lo mostrando que as opções não são mutuamente exclusivas, ou que o argumento ignora outras possibilidades. Falácia da Aposta. A falácia da aposta é interessante. Ela falsamente assume que o resultado de um evento afeta a futura probabilidade do resultado de um evento semelhante, quando a probabilidade dos resultados é independente em cada ocorrência. No contexto de apostas, alguém imagina que, quanto mais vezes alguém perder, mais provável é que ganhe na próxima vez. Isso não é verdade se a probabilidade de ganhar e perder, em cada ocorrência, é independente das outras ocorrências. Após perder várias vezes num jogo, a probabilidade de ganhar no próximo jogo permanece a mesma se as cartas forem independentes das outras. Culpa por Associação. Essa falácia atribui características a objetos ou pessoas baseada nas pessoas, eventos ou coisas com as quais estão relacionadas. Assumir que uma pessoa de um grupo exibe certas características pode ser um exemplo dessa falácia. Uma falácia similar é a falácia da genética, segundo a qual, por exemplo, uma ideia pode ser criticada por causa de sua origem. Embora uma fonte confiável possa produzir ideias que recebem automaticamente maior credibilidade, isso não significa que essas ideias sejam corretas, e as ideias se originando de uma fonte não confiável não são necessariamente incorretas. Xingamento. Essa é uma falácia comum cujo uso é, com frequência, afirmado equivocadamente e considerado como constituindo um argumento. Uma pessoa cometendo essa falácia pode tomar uma afirmação usando palavras carregadas com conotações negativas contra as outras pessoas ou sua posição sem oferecer um argumento lógico. Em outras palavras, em vez de tentar persuadir por meio do uso da argumentação racional, o debatedor rotula a outra pessoa ou sua posição com nomes que carregam conotações negativas. Por exemplo, alguém pode fazer uma consideração com respeito à outra pessoa, suas crenças, ou suas ações, e quando o último tentar fazer uma defesa racional, o primeiro pode chamar o último de “sensível” ou “defensivo”. Essa é a forma covarde de interação social. O primeiro se comprometeu a um debate por suas considerações iniciais. O último não precisava tolerá-las em silêncio, especialmente se os comentários forem hostis, acusatórios e falsos. O acusado deveria receber a permissão para responder. Se ele responde, deveria ser permitido também que ele o faça bem. Se fizer bem, isso significa que seu discurso seria latente de argumentos fortes, lógica irrefutável e evidência sólida. A menos que a pessoa que traz o assunto seja algum tipo de tirano social, ele deveria ter a cortesia de permitir que a pessoa que ele acusou ou ridicularizou responda e refute suas alegações. Se a pessoa faz uma defesa racional, usando argumentos lógicos e citando evidência em apoio, o primeiro deveria ou aceitar a resposta e retratar os seus comentários, ou, se discordar, deveria apresentar um contra-argumento. Chamar alguém que responda bem de “sensível” ou “defensivo” não responde ao argumento, e mostra desrespeito grosseiro para com aqueles que tomam o tempo, cuidado e esforço para responder às considerações feitas com respeito a ele. A pessoa é de fato sensível ou defensiva, ou é o caso de a pessoa ter respondido tão bem que esmagou o seu acusador? O acusador, tentando evitar o embaraço, evita a questão com essa falácia do xingamento. Aqueles que usam o xingamento podem dizer que não é o caso de eles não permitirem que a outra pessoa responda, mas que a pessoa forneceu uma resposta muito extensa a alguns comentários inocentes. Isso é dizer que a resposta é desproporcional às simples considerações. Contudo, foi a primeira pessoa que trouxe a questão, e, portanto, ela é responsável por responder qualquer contra-argumento que o último apresente. Em vez de acusar a última pessoa com nomes ambíguos e sem fundamentação, eles são obrigados a continuar com uma resposta à refutação, ou devem retratar os comentários originais. Uma pessoa que não está preparada para suportar as consequências de suas palavras deveria permanecer calada. Estou lidando com essa falácia com certo detalhe, como fiz com o apelo à piedade, pois como o apelo à piedade, essa falácia é frequentemente usada contra o cristão. Em vez de responder nossos argumentos, os incrédulos nos chamam de “mente fechada”, “intolerantes”, “rígidos”, “dogmáticos”, e assim por diante. Embora a ação de xingar não apresente de fato um argumento, uma pessoa pode pegá-lo e analisar tal xingamento. A acusação de ser “mente fechada”, por exemplo, pode ser formulada neste argumento: 1. Todos aqueles que têm mente fechada estão errados. 2. O Cristianismo é mente fechada. 3. Portanto, o Cristianismo é errado. Quando formulado de uma forma semelhante a esta, o argumento exibe vários defeitos fatais: (1) A primeira premissa precisa ser provada, e a expressão “mente fechada” precisa ser definida. Por que é errado ser mente fechada? Após a pessoa articular claramente seu argumento sobre a razão para rejeitar as visões de mente fechada, ele deve proceder para demonstrar que o Cristianismo é mente fechada. (2) O argumento de mente fechada não aborda a questão da verdade. Os cristãos sustentam certas crenças porque consideram-nas verdadeiras. Ser aberto a possibilidades que não a verdade é o mesmo que ser aberto à falsidade e engano, que é tolice. Se alguém deseja desafiar o Cristianismo, a pessoa deve refutar os argumentos e a evidência em nosso favor, em vez de tentar fugir da questão real nos chamando de nomes feios. (3) Os crentes afirmam a cosmovisão cristã porque eles creem que ela é exclusivamente verdadeira. Sobre essa base, podemos chamar os indivíduos de “mente aberta” de ingênuos e estúpidos, pois eles aceitam a primazia da “tolerância” à custa da verdade. (4) Aqueles que nos chamam de mente fechada são eles mesmos mente fechada, pois não permitem a possibilidade de que ser mente aberta seja errado. Eles são fechados para a visão que uma pessoa que tenha descoberto a verdade deve ser mente fechada. (5) O ato de xingar meramente coloca rótulos derrogatórios sobre as pessoas – ele não oferece argumentos reais. O que alguém chama de mente fechada, outro pode chamar de decisivo, resoluto, firme, preciso e específico. O que alguém chama de sensível, outro pode chamar de observador. O que alguém chama de defensivo, outro pode chamar de responsivo. Pode ser possível substituir cada rótulo negativo com cinco positivos, e o processo inteiro não equivale a muito. Precisamos mais do que xingar para defender ou refutar argumentos. Aqueles que apoiam a homossexualidade podem chamar aqueles que se opõem a ela de “homofóbicos”. Se isso é apenas um som para identificar aqueles que se opõem à homossexualidade sem qualquer significado inerentemente negativo, e a palavra serve a mesma função que X ou Y, então tudo bem. Mas esse não é o caso, assim como a palavra “estuprador” não pode ser neutra. Muitos tomam a palavra “homofóbicos” como significando aqueles que temem ou odeiam homossexuais. O termo implica que nem sempre aqueles que sejam contra a homossexualidade temem ou odeiam os homossexuais. Isso precisa ser estabelecido, em vez de assumido sem argumento. Chamar alguém de homofóbico não é o mesmo que estabelecer um argumento quanto a por que a homossexualidade é uma orientação sexual aceitável. Aqueles que se opõem à homossexualidade podem tão facilmente rotular os homossexuais e aqueles que apóiam os mesmos de “heterofóbicos”, e os cristãos podem chamar todos aqueles que se opõem ao Cristianismo de “cristofóbicos” ou “teofóbicos”. Contudo, nenhum desses argumentos é legítimo; eles são apenas nomes. Quando uma pessoa está sendo confrontada com um movimento de xingamento na argumentação, ela deveria expô-lo como tal, e demandar ouvir um argumento usando linguagem não carregada, apoiado, em vez disso, pela razão e evidência. Ataque Pessoal. Pessoas que podem não parecer qualificadas para abordar certo tópico podem às vezes fazer declarações verdadeiras com respeito ao mesmo. O movimento de ataque pessoal na argumentação dirige o assalto para a pessoa, em vez de suas visões. Isso é geralmente falacioso, especialmente quando alguém está atacando o outro sobre áreas não relacionadas ao tópico. Se a discussão tem a ver com política econômica, atacar o casamento de uma pessoa falha em abordar a questão. Mesmo quando alguém tem atacado o outro com sucesso sobre uma questão relacionada ao tópico, é ainda possível para a pessoa fazer contribuições valiosas para a discussão. Um doutor que fuma, ou que pratica algum outro hábito usualmente considerado não saudável, pode, todavia, ter muito a oferecer em termos de advertência sobre a saúde de alguém. O doutor pode fracassar em aderir às suas próprias sugestões, mas isso não significa que suas visões sobre o assunto sejam necessariamente erradas ou desinformadas. Algumas pessoas usam seus fracassos e deficiências como credenciais que as qualificam como autoridades. Uma pessoa pode tentar dar a outra pessoa um conselho de casamento. Quando o último protesta que o primeiro fracassou em seu próprio casamento, a pessoa alega que são os fracassos e os problemas em seu casamento que lhe concedem experiência valiosa, qualificando-o a dar conselhos a outros. Uma pessoa precisa considerar essa afirmação cuidadosamente. Por esse tipo de raciocínio, alguém que tenha falhado no negócio uma vez está qualificado para aconselhar outro que está apenas iniciando, mas implica também que uma pessoa que tenha fracassado no negócio cinquenta vezes é ainda mais qualificada? O fracasso numa área não torna alguém um expert; todavia, alguém que tenha fracassado, mas agora teve sucesso, pode, de fato, ser capaz de dar algumas sugestões valiosas. Em todo caso, deveríamos avaliar qualquer conselho de outros com cautela. Ataques pessoais não deveriam ser rejeitados sempre como falaciosos, especialmente quando a credibilidade da pessoa é importante para a força do argumento. Num tribunal de julgamento, o testemunho de um perjuro condenado deveria provavelmente ser considerado menos crível que o de alguém com nenhum registro, e que não tenha motivo ou disposição aparente para mentir. Contudo, mesmo um mentiroso compulsivo pode dizer a verdade. Portanto, embora possamos determinar a razoabilidade de crer em certa pessoa baseado em sua credibilidade, não podemos julgar se o que ele diz é verdade ou mentira sobre essa base. Quando confrontado com um ataque pessoal irrelevante, o leitor deveria expor isso como tal, e declarar que a acusação pessoal não tem nada a ver com a disputa em progresso. Contudo, quando o leitor é confrontado com um ataque pessoal relevante, ele deveria ou mostrar que o ataque não é factual, ou que seu argumento deveria ser aceito neste caso particular a despeito do ataque pessoal. Evidência Seletiva. Essa falácia é também chamada de “petição especial”. Uma pessoa vê frequentemente esse tipo de falácia em argumento em favor da evolução. Eles podem apresentar argumentos que parecem, pelo menos para eles, apoiar suas visões sobre o assunto, mas fracassam em apresentar e reconciliar todas as outras evidências. Mas essa falácia não aparece apenas na ciência, mas em todos os tipos de argumentos, tais como discussões sobre eventos históricos. Derrapagem. Um argumento derrapagem[11] diz que se algo é verdadeiro, ou é aceito como verdadeiro, ele começará uma cadeia de eventos que leva a algumas consequências lógicas ou reais negativas. Isto é, se A é verdade, ele conduzirá a B, que conduzirá a C, que, por sua vez, conduzirá a D, e assim por diante. Esse movimento é uma falácia quando o debatedor exagera os resultados da premissa desafiada e força o argumento para um fim negativo, mas não é uma falácia lógica se a premissa de fato levar às consequências projetadas. Um exemplo de um argumento derrapagem pode ser: 1. Se Tom não dormir o suficiente, ele ficará irritadiço. 2. Se Tom ficar irritadiço, ele baterá em alguém. 3. Se Tom bater em alguém, a pessoa ficará seriamente machucada. 4. Se a pessoa ficar seriamente machucada, Tom irá para a cadeia. 5. Se Tom for para a cadeia, ele não terminará a faculdade. 6. Se Tom não terminar a faculdade, ele não se tornará um cientista. 7. Se Tom não se tornar um cientista, ele não inventará o dispositivo que salvará o planeta. 8. Se Tom não inventar o dispositivo que salvará o mundo, este planeta será destruído. 9. Portanto, se Tom não dormir o suficiente, este planeta será destruído. O cenário acima é logicamente possível, mas parece tão improvável que fracassa em persuadir. Se o debatedor verdadeiramente crê no argumento, ele deveria trazer argumentos para apoiar suas premissas. Espantalho. A falácia espantalho ocorre quando uma pessoa propõe uma versão falsa e geralmente mais fraca da visão do oponente, e procede para demolir essa má representação. Mesmo que a pessoa tenha sucesso em destruir o espantalho, ela não refutou o seu oponente. Esta falácia ocorre quer em razão de o debatedor ter entendido incorretamente o seu oponente, ou ter achado uma má representação mais fácil de refutar do que a posição real do oponente. Se a audiência não é astuta o suficiente, ela pode pensar que o debatedor refutou com sucesso seu oponente quando não fez tal coisa de forma alguma. Ao debater com um membro de uma religião ou seita não cristã, o cristão pode ser acusado de cometer a falácia espantalho. Isso acontece por várias razões: (1) o cristão pode ter de fato representado incorretamente a posição da seita; (2) a pessoa está mentindo; isto é, o cristão refutou claramente as crenças da seita, e o membro da seita está agora se escondendo por detrás de uma escusa espantalho, esperando que isso o proteja da injúria; (3) o cristão não representou incorretamente a posição da seita, mas o membro da seita nem mesmo entende a posição de seu próprio grupo, e, ao ver sua posição derrotada, ele pensa que sua visão deve ter sido má representada; (4) comparado ao Cristianismo, a maioria das seitas colocam pouca ênfase sobre os detalhes e técnicas do seu ensino, com o resultado que os membros são normalmente muito diferentes em suas visões, mesmo com respeito às suas crenças centrais. O cristão pode ter representado corretamente as crenças que algumas pessoas dentro do grupo sustentam, provavelmente mesmo a versão oficial, mas não as crenças pessoais do seu oponente imediato. As razões acima para ser acusado de cometer a falácia espantalho não se aplicam somente às conversas com membros de seitas, mas também em muitas outras situações. Por exemplo, correspondendo a (3), uma pessoa pode nunca ter verbalizado suas próprias crenças, nem mesmo para si mesmo; portanto, quando sua visão, como percebida por outro, foi refutada, ele sente que deve ter sido mal representado, quando isso pode ou não ser o caso. Ao ser acusada de cometer a falácia espantalho, a pessoa deve examinar se ela de fato representou incorretamente o oponente. Se sim, peça que o oponente esclareça sua visão e declare novamente o argumento para que possa encará-lo com honestidade. Quando lidando com seitas, um membro pode insistir: “Meu grupo não crê nisso”. Quando isso acontecer, peça ao membro da seita: “Tudo bem, diga-me no que você crê”. Faça perguntas para ajudar a entender o que ele está dizendo. Então, repita para fazê-lo se comprometer a uma posição, dizendo: “Simplesmente para assegurar que entendi no que você crê, você está dizendo que…”. Quando o oponente confirmar que sua visão foi corretamente entendida, a pessoa pode passar a refutá-la. Às vezes é preferível que uma terceira parte esteja presente, de modo que o membro da seita não será capaz de alterar sua visão quando ela for refutada, ou se esconder por detrás de uma falácia tipo espantalho novamente. Embora isso possa parecer drástico, às vezes pode ser necessário, para o membro da seita, comprometer-se com certa posição escrevendo, de modo que ele não possa alterar o que disse logo após ter sido derrotado pelo cristão. Embora o membro de seita esteja sendo discutido aqui, o mesmo se aplica a todos os não cristãos – muitos tendem a usar a falácia espantalho como uma desculpa quando não podem suportar os argumentos do cristão. Quando os membros de seita acusam os cristãos de terem cometido uma falácia espantalho, deveríamos tomá-la seriamente, sabendo que nós também somos com frequência mal representados. Deveríamos dar-lhes a oportunidade de esclarecer sua posição, e refutar as versões oficiais e pessoais do que eles creem, assim como aqueles que representam incorretamente o Cristianismo devem nos dar a mesma oportunidade. Contudo, podemos também ser falsamente acusados de ter cometido esta falácia, de modo que não deveríamos admitir isso mui rapidamente quando acusados de tal, especialmente quando tivermos feito uma pesquisa extensiva sobre as crenças do oponente.
Conclusão. Estudamos vinte e seis falácias lógicas
comuns. Alguns dos exemplos dados acima podem parecer simplistas, mas os princípios ensinados neste capítulo podem ser aplicados a argumentos muito mais complexos. Argumentos são geralmente mais complicados, mas trabalhamos com exemplos simples neste capítulo para assegurar que os próprios princípios foram entendidos. Existem dois princípios que devemos lembrar quando aplicando a lógica às conversações do dia-a-dia. Esses podem ser chamados de o princípio da probabilidade e o princípio da cortesia.
O Princípio da Probabilidade. Com frequência,
vemos argumentos dedutivos tais como o seguinte:
1. Todos os homens são mortais.
2. Tom é um homem. 3. Portanto, Tom é mortal.
Esse é um argumento válido. Se for verdade
que todos os homens são mortias, e Tom é verdadeiramente um homem, não há conclusão possível além da que Tom é mortal. Contudo, mesmo com argumentos tão obviamente verdadeiros como esse, a verdade da conclusão pode às vezes ser somente provável, ou, às vezes, mesmo extretamente provável, mas ainda não certa. Para ilustrar, a premissa (1) é geralmente tomada como certa; mas, na verdade, não podemos estar certos sobre sua verdade baseados na experiência somente. Para estabelecer uma declaração tal como (1) baseado na experiência e observação com certeza, devemos observar a morte de todo ser humano na história, a morte daqueles vivos no presente, e o próprio observador deve morrer. Premissas baseadas na experiência ou observação, como nas investigações científicas, são, na melhor das hipóteses, suposições, e nunca podem chegar a conhecer a verdade absoluta sobre nenhuma questão. Mas, visto que a ciência não pode nem mesmo provar o empirismo, estritamente falando ela não pode nem mesmo formar afirmações que sejam suposições. A única epistemologia que torna o conhecimento possível é a cosmovisão cristã, na qual um Deus Todo- poderoso e Todo-conhecedor é dito revelar verdades a nós por meio da revelação verbal. A menos que a cosmovisão cristã seja pressuposta, nenhum argumento é certo ou mesmo provável. Todavia, se formos, bem ilegitimamente, conceder que a verdade possa ser conhecida sem primeiro pressupor a cosmovisão cristã, o princípio de probabilidade nos diz que muitos argumentos são prováveis, mas não certos; porém, para propósitos práticos, aceitamos as premissas como verdadeiras, bem como as conclusões que necessariamente seguem delas. Mas numa situação em que a certeza é requerida, podemos desafiar as premissas que são apenas prováveis. Portanto, isso não é dizer que nunca desafiamos premissas prováveis, mas que geralmente não o fazemos por propósitos práticos. Alguns argumentos podem ser considerados como certos. Por exemplo, se eu digo que: 1. Todas as dez moedas em meu bolso são de 25 centavos. 2. Estou tirando uma moeda do meu bolso. 3. Portanto, a moeda que estou tirando deve ser de 25 centavos.
Esse é um argumento válido. A conclusão
deve ser verdadeira se as premissas são verdadeiras, e a premissa (1) pode ser verificada. Eu mesmo coloquei as moedas no bolso, sabendo que todas elas eram de 25 centavos, ou posso tirá- las e examinar cada uma delas para confirmar a primeira premissa. Mas, sem dúvida, sem pressupor a cosmovisão cristã, mesmo tais procedimentos estão condenados pelos defeitos inerentes no empirismo. Outro exemplo de um argumento que é baseado em certas premissas e fornece certa conclusão pode ser: 1. Um solteiro é um homem não casado. 2. Tom é solteiro. 3. Portanto, Tom é um homem não casado.
Parece que não há forma de esse argumento
ser errado – ele é verdadeiro por definição. Todavia, mesmo definições, lógica e gramática são incertas, a menos que a cosmovisão cristã seja pressuposta, de modo que a mente do Deus onipotente e onisciente possa garantir que as leis do pensamento são uniformes e constantes. O Princípio da Cortesia. Há vezes quando alguém ouvirá um argumento pobre dado em suporte de uma posição, mas ele é capaz de construir um mais forte para ele, talvez devido ao conhecimento e recursos superiores. O oponente pode estar endossando a visão correta, ou pelo menos uma provável, mas ele não sabe como melhor argumentar a favor dela. Em tais casos, o argumento fraco que a pessoa dá não deveria ser usado contra ele, a menos que aconteça dentro do contexto de um debate. A menos que esteja num debate, uma pessoa não deve humilhar a outra simplesmente quando observa uma falácia em seu raciocínio. Mesmo os experts podem cometer falácias lógicas, às vezes, por várias razões, tais como a predisposição para com uma determinada posição, ou pura negligência. Se a pessoa não estiver numa situação hostil, ele deveria gentilmente apontar a falácia, e dar à outra pessoa uma oportunidade para modificar o argumento antes que uma refutação seja oferecida. O oponente pode escolher retratar o seu argumento, ou revisá-lo para eliminar a falácia, se possível. É razoável oferecer esta oportunidade ao outro quando estivermos numa discussão amigável, e não num debate acalorado. A proficiência com os princípios da lógica começa se familiarizando com o material deste capítulo. Ao analisar agumentos que encontramos por meio do procedimento sugerido e procurando por falácias, a pessoa alcançará um ponto no qual o processo inteiro se tornará natural e intuitivo. Ela será capaz de lidar logicamente com argumentos mesmo durante uma conversaçao ou debate acalorado com outra pessoa. Uma pessoa pode extrair exemplos de argumentos se praticar escrutiná-los a partir de textos, rádio e conversações pessoais. CAPÍTULO 4: LÓGICA E TEOLOGIA
Por meio de vários exemplos, tenho
demonstrado nos capítulos anteriores como o cristão pode se beneficiar do estudo da lógica. Neste último capítulo, explorarei adicionalmente a necessidade da lógica nas discussões teológicas, e enfatizarei a importância da própria teologia. De acordo com a Escritura, para discernir o bem do mal, nós devemos ser treinados na Palavra de Deus. Para nos engajarmos na batalha espiritual contra o engano de Satanás, devemos conhecer a verdade, e conhecê-la com acurácia, precisão e abrangência, para sermos capazes de comunicá-la e defendê-la. O estudo da lógica nos ajuda a esclarecer e organizar nossos pensamentos. Ela nos ajuda a entender os argumentos que os outros nos apresentam, quer sejam bons ou maus, corretos ou errados. Deus escolheu falar conosco usando a linguagem humana, e o que ele revelou foi registrado na Escritura. As declarações na Bíblia, embora sejam declarações teológicas e espirituais, ainda são declarações da linguagem humana, e, como tal, seguem as regras de gramática e lógica. Dizer que as declarações sobre Deus seguem as regras da lógica pode produzir a objeção de que estamos dizendo que o próprio Deus está sujeito à lógica. Se sim, estaríamos implicando que há um padrão objetivo à parte de Deus, ao qual ele mesmo deve se submeter. Talvez essa seja uma forma carregada de declarar a questão. Se perguntarmos se Deus está “sujeito” à lógica, uma resposta afirmativa, além de ser enganosa, induziria à objeção subsequente já declarada; uma resposta negativa, por outro lado, pode implicar a alguém que Deus mesmo, as declarações que ele faz, e as declarações sobre ele, não precisam aderir às leis da lógica. Mas nós estamos, na verdade, perguntando se Deus é consistentemente lógico em sua natureza e em sua comunicação conosco. Por exemplo, a lei da não contradição diz “X não é não X” – que algo não pode ser verdadeiro e falso ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Dizer que Deus é lógico significa que não existe nenhuma contradição no ser divino, e as leis da lógica são uma descrição de como ele pensa. Isso tem implicações tremendas para a teologia, como mostraremos abaixo. Dizer que sua comunicação conosco adere às leis da lógica implica que as proposições bíblicas e suas implicações nunca são contraditórias. A cosmovisão cristã sustenta que Deus é lógico em sua natureza – não que ele está “sujeito” à lógica, mas que sua natureza é lógica. Assim como a sua natureza é verdade, a verdade procede de sua própria natureza, mas não há ninguém nem nada fora dele que possa obrigá-lo a dizer a verdade. Quando Deus diz a verdade, ele não está fazendo isso em obediência a alguém externo a si mesmo, mas está meramente agindo por sua própria natureza. Da mesma forma, as leis da lógica não foram inventadas pelo homem, mas procedem da mente de Deus. Sua natureza é não contraditória, e sua comunicação conosco é lógica e coerente. Desse modo, Deus é sempre lógico, e declarações verdadeiras feitas por e sobre ele são sempre lógicas. Isso responde a uma objeção algumas vezes levantada contra usar lógica na teologia. Ela declara que se definirmos milagres como uma suspensão temporária, ou mesmo violação, das leis da natureza, parece que Deus mesmo deveria ser capaz de violar as leis da lógica em seu próprio ser, comunicação e ações. Embora essa definição de milagres seja duvidosa, nós a aceitaremos em razão da discussão presente. Ignoraremos também o conceito questionável de “leis da natureza” por ora. Visto que Deus criou o universo, as leis da natureza estão sujeitas a ele. De acordo com a nossa definição presente de um milagre, sempre que um ocorre, Deus temporariamente suspende, ou mesmo trabalha contra, as leis da natureza, e ele pode fazê-lo sempre que quiser. A questão é se o mesmo pode ser dito com respeito às leis da lógica. A resposta é que Deus criou o universo, e tem também ordenado as leis da natureza. Contudo, essas leis que descobrimos são meramente descritivas do modo como a natureza geralmente opera. Elas não procedem do próprio ser de Deus. Em outras palavras, Deus poderia ter designado as leis da natureza de uma forma diferente daquela que elas presentemente existem. Contudo, o mesmo não pode ser dito das leis da lógica. Se a própria natureza de Deus é lógica, as leis da lógica válidas que temos descoberto são leis que não poderiam ser diferentes, pois Deus é imutável. Brevemente, as leis da natureza e as leis da lógica são diferentes pelo fato que as primeiras foram criadas, e as últimas procedem de Deus mesmo, e, portanto, não podem ser alteradas ou mesmo suspensas. A Escritura diz que “[Deus] não pode negar-se a si mesmo” (2Tm 2.13). Se a própria natureza de Deus é não contraditória, como estamos afirmando aqui, ele não pode falar ou agir de uma maneira contraditória, pois ele não negará sua própria natureza. As leis da lógica descrevem a forma como Deus pensa. Visto que a Bíblia não é um livro-texto sobre lógica,[12] podemos encontrar pouca coisa que afirme diretamente as leis da lógica da maneira que estamos fazendo neste livro. Contudo, toda declaração deve aderir às leis da lógica para que tenham sentido, e encontramos muitas declarações bíblicas que explicitamente empregam argumentos lógicos, e muitas que implicam a necessidade da lógica. Por exemplo, Jesus disse, em Mateus 5.37: “Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do Maligno”. Embora ele não estivesse abordando o assunto da lógica, isso é precisamente o que a lei da não contradição afirma. Se Jesus não endossasse a lei da não contradição, ele não poderia ter dito isso e esperar a declaração ser verdadeira e significativa. “Sim” deve significar precisamente isso, e “não” deve significar precisamente isso. Então, a partir da lei da não contradição procedem todas as outras regras da lógica. Todavia, muitos pensam que as leis da lógica não deveriam ser reforçadas na intepretação da Bíblia, ou sobre declarações teológicas. Eles até mesmo consideram a racionalidade ímpia e não espiritual. Contudo, nenhuma declaração pode ter sentido sem as leis da lógica. Uma pessoa não pode nem argumentar contra o uso da lógica em declarações teológicas sem usar a lógica, mas é autorrefutador usar a lógica na tentativa de destruir a própria lógica. A Bíblia contém vários exemplos de uso explícito de raciocínio lógico. Um desses exemplos é 1 Coríntios 15.12-18: “Ora, se está sendo pregado que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como alguns de vocês estão dizendo que não existe ressurreição dos mortos? Se não há ressurreição dos mortos, nem Cristo ressuscitou; e, se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa pregação, como também é inútil a fé que vocês têm. Mais que isso, seremos considerados falsas testemunhas de Deus, pois contra ele testemunhamos que ressuscitou a Cristo dentre os mortos. Mas se de fato os mortos não ressuscitam, ele também não ressuscitou a Cristo. Pois, se os mortos não ressuscitam, nem mesmo Cristo ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e ainda estão em seus pecados. Neste caso, também os que dormiram em Cristo estão perdidos”. Alguns estavam negando a ressurreição dos mortos. Nesta passagem, Paulo usa uma série de declarações “se… então” para demonstrar o absurdo e as consequências negativas dessa crença. Para apreciar plenamente o argumento de Paulo, devemos primeiro entender o silogismo hipotético. Tal argumento toma a forma de: 1. Se X, então Y. 2. X. 3. Portanto, Y.
Para o propósito de esclarecimento,
podemos estendê-lo dessa forma: 1. Se X é verdade, então Y é verdade. 2. X é verdade. 3. Portanto, Y é verdade.
Quando as premissas (1) e (2) são
verdadeiras, esse tipo de argumento forma logicamente certas conclusões. Isso é similar à forma que toma o argumento de Paulo, embora algumas das premissas óbvias sejam assumidas. Por exemplo, eu posso fazer um argumento dizendo que “eu sei que Tom não estava casando; pois, em vez de descansar, ele foi correr”. Esse argumento assume que uma pessoa cansada escolheria descansar em vez de correr. Visto que essa é uma suposição amplamente reconhecida, pode não ser necessário declará-la explicitamente, a menos que seja desafiada. Da mesma forma, o argumento “se não há ressurreição dos mortos, nem Cristo ressuscitou” contém algumas suposições óbvias. Se formos tornar esse argumento explícito, ele pode ser declarado da seguinte forma: “Se não há ressurreição dos mortos, ninguém jamais ressuscitou ou será ressuscitado. Se ninguém jamais ressuscitou ou será ressuscitado, Cristo não ressuscitou”. O argumento de Paulo continua para dizer que se Cristo não ressuscitou, e a fé cristã depende da verdade de sua ressurreição, então se segue logicamente várias consequências negativas: (1) nossa pregação é inútil; (2) sua fé é inútil; (3) somos falsas testemunhas sobre Deus – dizendo que Cristo ressuscitou, quando de fato não; (4) vocês ainda estão em seus pecados, pois nossa justificação diante de Deus depende da ressurreição de Cristo; (5) aqueles cristãos que morreram estão perdidos para sempre, pois não há nenhuma ressurreição e eles não serão ressuscitados. Após demonstrar o absurdo, desespero e desesperança que resulta de negar a ressurreição, Paulo faz a afirmação que “de fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dentre aqueles que dormiram. Visto que a morte veio por meio de um só homem, também a ressurreição dos mortos veio por meio de um só homem. Pois da mesma forma como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão vivificados” (1Co 15.20-22). Se Cristo de fato ressuscitou dentre os mortos, a ressurreição é possível, pois uma única ressurreição provaria que a própria ressurreição é possível. A Bíblia revela que a ressurreição de Cristo é a indicação das coisas que hão de vir, que nele “todos serão vivificados”. Contudo, como mostramos acima, isso não seria possível se Cristo nunca tivesse ressuscitado, e não seria possível Cristo ter ressuscitado se nenhuma ressurreição fosse possível de forma alguma. No começo de 1 Coríntios 15, Paulo argumenta em favor da verdade da ressurreição de Cristo da seguinte forma: “Pois o que primeiramente lhes transmiti foi o que recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze. Depois disso apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive, embora alguns já tenham adormecido. Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os apóstolos; depois destes apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de tempo” (vs. 3-8). Não somente a ressurreição de Cristo está de acordo com a profecia da Escritura, mas houve testemunhas oculares do Cristo ressurreto, incluindo todos os apóstolos e mais de quinhentos outros. Dessa forma, Paulo primeiro apresenta um caso para se crer na ressurreição de Cristo, e passa a expor o absurdo de negar a mesma. Esse é um exemplo de como a Escritura comunica conosco de uma forma lógica e coerente. Não há lugar para irracionalidade e apelo à “fé cega”. Jesus usou com frequência argumentos lógicos. Por exemplo, ele parecia gostar de um argumento a fortiori, segundo o qual a pessoa começa a partir de uma premissa comumente reconhecida, e usa outra premissa normalmente óbvia para estabelecer uma conclusão que parece ser ainda mais certa que a primeira premissa. Um exemplo de tal argumento é este: “Se um infante pode levantar esta caixa, com certeza você (como um adolescente) pode!”. Esse argumento está sendo dirigido a um adolescente. Para tornar esse argumento explícito, poderemos declará-lo novamente da seguinte forma: 1. Um infante pode levantar esta caixa. 2. Um adolescente é fisicamente mais forte que um infante. 3. Portanto, um adolescente como você pode levantar esta caixa. Podemos selecionar um infante e dar uma caixa para ele levantar. Se for bem-sucedido, teremos estabelecido a primeira premissa. A segunda premissa é amplamente reconhecida, e não precisa ser provada, ou mesmo explicitamente declarada, a menos que desafiada. Visto que as duas primeiras premissas são verdadeiras, segue-se que a terceira premissa é verdadeira também. Jesus usa tal argumento em Mateus 7.7-11, onde lemos: “Peçam, e lhes será dado; busquem, e encontrarão; batam, e a porta lhes será aberta. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, encontra; e àquele que bate, a porta será aberta. Qual de vocês, se seu filho pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou se pedir peixe, lhe dará uma cobra? Se vocês, apesar de serem maus, sabem dar boas coisas aos seus filhos, quanto mais o Pai de vocês, que está nos céus, dará coisas boas aos que lhe pedirem!”. Podemos declarar novamente o argumento acima como segue: 1. Os pais humanos dão bons presentes aos seus filhos quando solicitados. 2. Deus é um pai superior comparado aos pais humanos. 3. Portanto, Deus dará bons presentes àqueles que lho pedem. O argumento começa com uma primeira premissa comumente reconhecida, então leva à conclusão lógica usando uma segunda premissa óbvia. É claro que a Bíblia, e mesmo o próprio Jesus, não é contra usar a lógica quando diz respeito a questões teológicas, mas antes tomam plena vantagem dela. Eu não bombardearei o leitor com os muitos outros exemplos disponíveis na Bíblia, mas recomendo que você olhe as seguintes passagens para apreciar a questão melhor: Mateus 6.24-34, 12.8-13, 22.31-33, Marcos 12.35-37, Lucas 13.10-17, Gálatas 3.16, e Hebreus 2.1-4. A verdadeira razão para algumas objeções de cristãos contra a primazia da lógica na teologia é que muitos deles falham em reconciliar verdades bíblicas, ou o que eles pensam ser verdades bíblicas, com as leis da lógica. Eles creem falsamente que a Bíblia contém proposições contraditórias, e têm medo de que se a lógica for reforçada, ficará provado que a Bíblia é falsa. Contudo, esse é um caso de incompetência no pensamento lógico e entendimento teológico, e não evidência de que as declarações teológicas podem ser ilógicas. São as seitas e os hereges que formulam doutrinas que provam ser contraditórias. Devemos, portanto, aprender a pensar com lógica e sem ambiguidade, “pois Deus não é o autor de confusão” (1Co 14.33, NIV). Ao dizer que a racionalidade deveria receber o seu lugar devido nos estudos teológicos, não estou dizendo que as declarações teológicas devem ser exaustivamente entendidas antes que alguém possa entrar numa discussão, mas que as declarações sobre Deus ou as coisas espirituais devem aderir aos mesmos princípios da lógica como as discussões sobre outros assuntos. Nossas declarações devem ser lógicas e não falaciosas. O problema em falar com seitas é que eles geralmente ignoram a lógica e falam sobre Deus de uma forma que não tem sentido. Eles podem mudar a palavra “Deus”, fazendo com que, em vez de se referirem ao conceito cristão de um ser pessoal, transcendente e supremo, refiram-se a si mesmos, ou à palavra “Cristo”, referindo-se a uma ideia abstrata, e não a uma pessoa histórica e à segunda pessoa da Trindade, e tudo isso na mesma sentença! Para conduzir uma discussão e debate inteligente e com significado, devemos manter nós mesmos e aos outros responsáveis em obedecer às regras do raciocínio e da comunicação corretos. As falsas doutrinas e as seitas são irracionais, sem sentido e incoerentes. Devemos dissipar a impressão de que as verdadeiras doutrinas bíblicas também são assim. Racionalidade e coerência pertencem ao Cristianismo, e isso nos ajuda a defender as verdadeiras doutrinas bíblicas e a derrotar as heresias. Eu urjo que o leitor não abandone o reino da razão para abraçar o irracional, como se isso fosse de alguma forma mais espiritual ou piedoso. Alguns que se chamam cristãos rejeitam a importância da própria teologia. Devido à influência de teólogos hereges e filósofos seculares, muitos cristãos contemporâneos têm adotado a visão de que o conhecimento de Deus consiste principalmente de experiência, tal como no louvor ou oração, e não se refere a qualquer conteúdo ou informação intelectual. Eles dizem que a revelação espiritual é intuitiva ou experimental, e não intelectual. A revelação, de acordo com eles, não carrega nenhum conteúdo intelectual, nenhuma informação para a mente. Eles dizem que conhecer Deus não é o mesmo que conhecer sobre Deus;[13] que conhecer Deus na mente é diferente de conhecer Deus no coração, e o que precisamos fazer é conhecer Deus, sendo o conhecimento sobre ele algo, na melhor das hipóteses, secundário em importância, ou mesmo algo que deva ser evitado. Essa é uma posição antibíblica, e o Cristiansimo ortodoxo por toda a história tem sido contra tal anti- intelectualismo. Há duas formas que muitos entendem as palavras “conhecer” e “conhecimento” na Bíblia. A primeira denota um conhecimento intuitivo, íntimo, pessoal e experimental, tal como a relação física entre marido e esposa. Gênesis 4.1 na versão Almeida Corrigida e Fiel afirma: “e conheceu Adão a Eva”, o que a NVI traduz em “Adão teve relações com Eva, sua esposa”. O segundo tipo é intelectual, significando que ele envolve a mente. Os cristãos modernos normalmente consideram o primeiro tipo uma espécie superior de conhecimento, além do tipo acadêmico e intelectual. Eles consideram que seja qual for o papel do conhecimento intelectual de Deus, ele é secundário em importância ao conhecimento experimental de Deus. Contudo, quando a Bíblia usa a palavra “conhecimento”, ou quando se refere ao conceito de conhecer Deus, ela quer dizer o conhecimento intelectual ou mental. Por exemplo, Oséias 4.6 diz: “Meu povo foi destruído por falta de conhecimento. Uma vez que vocês rejeitaram o conhecimento, eu também os rejeito como meus sacerdotes; uma vez que vocês ignoraram a lei do seu Deus, eu também ignorarei seus filhos”. Deus diz que o povo em questão tinha “rejeitado o conhecimento”. A que tipo de conhecimento ele está se referindo, e sobre qual tipo de conhecimento ele se preocupa, sem o qual ele rejeitará o seu povo? O versículo continua para dizer que o povo tinha rejeitado o conhecimento pelo fato de terem “ignorado a lei do seu Deus”. Deus não está condenando o povo por não ter um conhecimento íntimo, experimental ou mesmo místico dele, mas que eles têm ignorado a lei de Deus, que estava escrita num livro, cheio de conteúdo intelectual, não experiências místicas. Aqueles que dizem que conhecer Deus não tem relação com informação sobre Deus estão perigosamente enganados. Conhecer a Deus é ganhar informação sobre ele. Concordamos que alguém possa estudar teologia e a Bíblia puramente como uma questão de interesse pessoal, e não ter nenhuma intenção de se comprometer com a informação que adquiriu dos seus estudos. Também, há aqueles que estão familiarizados com as crenças cristãs, mas que as têm rejeitado como falsas, e mesmo lutado contra elas publicamente. É ainda errôneo, contudo, dizer que conhecer Deus e conhecer sobre Deus são coisas diferentes; antes, deveríamos dizer que uma pessoa pode chegar a conhecer as proposições bíblicas sem dar assentimento a elas. Mas as duas operações são intelectuais em natureza. Alguns rejeitam a noção de que o Cristianismo consiste de um corpo de verdades na forma de proposições inteligíveis. Eles podem citar João 5.39, 40: “Vocês estudam cuidadosamente as Escrituras, porque pensam que nelas vocês têm a vida eterna. E são as Escrituras que testemunham a meu respeito; contudo, vocês não querem vir a mim para terem vida”. Para eles, essa passagem significa que os fariseus eram sérios em seu estudo da Escritura, e consequentemente negligenciaram a Cristo. Eles dizem que o nosso foco não deveria ser na Escritura, mas na pessoa de Cristo. A Escritura é meramente um apontador para Cristo, e não deveríamos colocar muita ênfase em credos e doutrinas. Contudo, Jesus nunca condenou as pessoas por examinar a Escritura, e nunca negou que é na Escritura que eles podem encontrar a vida eterna. Não é o caso de elas terem tomado a Escritura tão seriamente que falharam em reconhecer Cristo, mas que elas não a tomaram o suficiente com seriedade. Se eles estivessem examinando a Escritura, e, como Jesus disse, a mesma Escritura testifica sobre ele, as pessoas deveriam ter reconhecido Cristo se eles tomassem a Escritura seriamente. Eles estavam condenados não porque tinham estudado a Escritura intelectual ou formalmente, mas por sua recusa em obedecer à Escritura, que é “vir a [Cristo] para terem vida”. Em outras palavras, não deveríamos estudar menos teologia, mas mais, apenas lembrando que precisamos também crer no que lemos na Bíblia, de modo que possamos chegar a conclusões mais corretas do que aquelas dos fariseus. Deveríamos conhecer mais do que eles, e quando ganharmos um entendimento acurado de certas verdades, deveríamos nos entregar a essas verdades. Para confirmar o entendimento acima, de que a vida eterna pode de fato ser encontrada na Escritura, podemos nos referir a 2 Timóteo 3.14-17, onde o apóstolo Paulo declara: “Quanto a você, porém, permaneça nas coisas que aprendeu e das quais tem convicção, pois você sabe de quem o aprendeu. Porque desde criança você conhece as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra”. Aqui, Paulo afirma que as Escrituras “são capazes de torná-lo sábio para a salvação mediante a fé em Cristo Jesus”. Jesus disse aos fariseus: “vocês estudam cuidadosamente as Escrituras, porque pensam que nelas vocês têm a vida eterna”. Eles estavam corretos em pensar que o estudo da Escritura traria a eles vida eterna, mas eles rejeitaram o ensino da própria Escritura. Assim, o estudo da Escritura não estava em falta; mas, uma rejeição do que uma pessoa estuda é o problema. É a recusa em aceitar o conteúdo da teologia que impede alguém de obter a vida eterna, não o estudo da teologia em si. Isso significa que deveríamos estar mais comprometidos com a teologia que os fariseus, e não menos. Em outro lugar, o apóstolo Paulo exorta Timóteo: “Atente bem para a sua própria vida e para a doutrina, perseverando nesses deveres, pois, agindo assim, você salvará tanto a si mesmo quanto aos que o ouvem” (1Tm 4.16). Como cristãos, deveríamos atentar para como vivemos; contudo, Paulo também diz para “atentar bem… para a doutrina”. Não somente isso, mas devemos “perseverar” na doutrina, porque se o fizermos, salvaremos tanto os nossos ouvintes como a nós mesmos. A teologia sã é uma questão de salvação eterna. Paulo orava, freqüentemente, pelas igrejas, para que elas pudessem conhecer mais sobre Deus. Em Colossenses 1.9, 10, lemos: “Por essa razão, desde o dia em que o ouvimos, não deixamos de orar por vocês e de pedir que sejam cheios do pleno conhecimento da vontade de Deus, com toda a sabedoria e entendimento espiritual. E isso para que vocês vivam de maneira digna do Senhor e em tudo possam agradá-lo, frutificando em toda boa obra, crescendo no conhecimento de Deus”. Em Filipenses 1.9-11, a Escritura afirma: “Esta é a minha oração: Que o amor de vocês aumente cada vez mais em conhecimento e em toda a percepção, para discernirem o que é melhor, a fim de serem puros e irrepreensíveis até o dia de Cristo, cheios do fruto da justiça, fruto que vem por meio de Jesus Cristo, para glória e louvor de Deus”. “Conhecimento e toda a percepção” não pode ser interpretado como significando um tipo experimental de conhecimento, mas trata-se de uma compreensão intelectual. Paulo ora para que o “amor [deles] aumente… mais em conhecimento”. Em outro lugar, Paulo diz que ele é um “conhecimento da verdade que conduz à piedade” (Tt 1.1). Visto que Paulo está se referindo a um conhecimento “da verdade”, ele não está se referindo a experiências místicas ou um sentido não intelectual de “conhecer” a Deus adquirido por oração e louvor. Um caráter piedoso está, dessa forma, necessariamente, relacionado a um conhecimento intelectual sobre Deus. De acordo com Colossenses 3.9, 10, “não mintam uns aos outros, visto que vocês já se despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador”. Este versículo indica que somos espiritualmente renovados não somente por alguma experiência espiritual, oração, louvor, ou a revigoração do Espírito Santo, mas que somos renovados “em conhecimento”. Em ainda outro versículo Paulo declara: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.2). Aqui, fica claro que a transformação espiritual não vem de alguma experiência mística, mas somos “transformados pela renovação [das nossas mentes]”. Para aqueles que enfatizam a experiência mística, examinemos o relato que Paulo faz do seu encontro com o Jesus ressurreto: “Em sua viagem, quando se aproximava de Damasco, de repente brilhou ao seu redor uma luz vinda do céu. Ele caiu por terra e ouviu uma voz que lhe dizia: ‘Saulo, Saulo, por que você me persegue?” Saulo perguntou: “Quem és tu, Senhor?’ Ele respondeu: ‘Eu sou Jesus, a quem você persegue’” (At 9.3-5). Mesmo numa experiência tão dramática, a informação inteligível teve que ser dada para que a visão tivesse significado. Paulo pede à pessoa que estava falando com ele na visão para se identificar. Foi uma pergunta, usando linguagem humana, conforme às leis da gramática, sujeita às leis da lógica, declarada na forma de uma pergunta. Jesus se identifica, dando o seu nome, e o qualifica por uma breve descrição do seu relacionamento com Paulo, que ele é “a quem [Paulo] persegue”. Finalmente, Paulo diz em Efésios 1.17-23: “Peço que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o glorioso Pai, lhes dê espírito de sabedoria e de revelação, no pleno conhecimento dele. Oro também para que os olhos do coração de vocês sejam iluminados, a fim de que vocês conheçam a esperança para a qual ele os chamou, as riquezas da gloriosa herança dele nos santos e a incomparável grandeza do seu poder para conosco, os que cremos, conforme a atuação da sua poderosa força. Esse poder ele exerceu em Cristo, ressuscitando-o dos mortos e fazendo-o assentar-se à sua direita, nas regiões celestiais, muito acima de todo governo e autoridade, poder e domínio, e de todo nome que se possa mencionar, não apenas nesta era, mas também na que há de vir. Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer circunstância”. Não somente a oração pede a Deus para conceder à igreja mais conhecimento com respeito a ele, mas contém tremendos insights doutrinários. Por exemplo, ela discute a ressurreição de Cristo e sua exaltação – duas das doutrinas centrais na teologia sistemática. Dessa forma, mesmo na oração, as verdades doutrinárias com conteúdo intelectual são enfatizadas. Paulo não poderia ter feito esta oração sem um entendimento intelectual dessas verdades teológicas. Para nós, isso significa que um entendimento rico das verdades bíblicas e teológicas aprimorará nossas vidas de oração. À luz do que já temos lido, quando a Escritura nos diz para obter conhecimento, ela não pode estar se referindo a um conhecimento experimental, mas a um corpo de conhecimento que é intelectual em natureza. A Escritura nos diz que deveríamos “clamar por entendimento e por discernimento gritar bem alto” (Pv 2.3), advertindo-nos de que os “tolos odeiam o conhecimento” (Pv 1.22, NIV). Ela nos intrui a fazer o seguinte: “Dedique à disciplina o seu coração, e os seus ouvidos às palavras que dão conhecimento” (Pv 23.12). Existem bem mais passagens sobre este assunto; mas, para manter esta discussão breve, eu simplesmente listarei as referências. Quando a palavra “conhecimento” é usada nestas passagens, ela não se refere a um conhecimento experimental, mas à informação que pertence ao intelecto: 2 Crônicas 1.10-12; Salmos 119.66; Provérbios 1.1-7, 22, 29-33, 2.1-11, 5.1, 2, 8.7-14, 9.10-12, 10.14, 11.9, 12.1, 13.16, 14.6, 7, 18, 15.2, 7, 14, 18.15, 19.2, 20.15, 22.12, 23.12, 24.3, 4, 5, 28.2; Jeremias 3.15; Daniel 5.12; Oséias 4.6; Malaquias 2.7; Lucas 1.76, 77; Romanos 10.1, 2; 2 Coríntios 2.14, 4.4-6, 11.4-6; Efésios 4.11-15; Filipenses 1.9-11; Colossenses 1.9, 10, 2.2, 3, 3.5-10; 1 Timóteo 2.3, 4; Tito 1.1-3; 2 Pedro 1.2-4, 3.17, 18. A maioria dos cristãos professos é ignorante na doutrina e inepta no raciocínio. Parar de desprezar um estudo acadêmico da teologia é uma questão urgente para os cristãos. Efésios 4.11-14 afirma: “E ele designou alguns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja edificado, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, e cheguemos à maturidade, atingindo a medida da plenitude de Cristo. O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro”. Sem o “conhecimento do Filho de Deus”, os cristãos permanecerão infantes espirituais que são fracos e instáveis. Esse conhecimento se refere à informação intelectual comunicada pela Escritura. Jesus diz em Mateus 22.37: “Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento”. Este capítulo foca-se no intelecto negligenciado, e serve como um encorajamento para redescobri-lo e preservá-lo. O desenvolvimento intelectual é, num sentido muito real, equivalente ao desenvolvimento espiritual. Um entendimento intelectual de física pode não contribuir diretamente para o crescimento espiritual, mas uma compreensão e um assentimento intelectual às proposições bíblicas são a essência do desenvolvimento espiritual. Jesus diz para amarmos a Deus com todo o nosso coração, alma e mente, mas o uso bíblico desses termos todos se refere ao intelecto do homem. Para compreender, articular e defender o conhecimento de Deus como revelado a nós por meio da Bíblia, nós devemos praticar o pensamento lógico, pois Deus é lógico em si mesmo, e ele sempre se comunica de uma forma lógica e coerente. Devemos aprender a Escritura, e aprender a argumentar a partir da Escritura (veja At 17.2; 18.4, 19; 24.25).
[1] Retirado do prefácio ao excelente livro do Dr. Gordon H. Clark,
Logic, publicado pela Trinity Foundation. [2] Confira Apologética no Diálogo, de Vincent Cheung, publicado pela Editora Monergismo, a fim de perceber a apologética bíblica posta em ação. [3] Efésios 4.1-16, por exemplo. [4] Outra opinião infundada e irracional é aquela que diz que teologia não é algo prático, e é por isso que devemos relegá-la a um segundo plano. Nada poderia ser mais tolo, e mesmo blasfemo, pois, visto que teologia é o estudo da Palavra de Deus, as pessoas estão dizendo, em última instância, que estudar a Palavra de Deus não é algo prático. Essas pessoas precisam definir o que é algo “prático”, e provar que somente as coisas práticas são valiosas. Supondo que por prático eles querem dizer algo que transforma e dá direção à nossa vida, como o estudo da Palavra de Deus pode não ser prático? Ela prescreve o que devemos pensar, agir, orar, adorar, como devemos trabalhar, criar os nossos filhos, etc. [5] Vincent Cheung, Introdução à Teologia Sistemática, Arte Editorial, p. 13. [6] João Calvino apresenta esse ensino de maneira magistral: “… quão grande improbidade é meramente indagar as causas da vontade divina, quando ela mesma é a causa de tudo quanto existe, e com razão deve ser assim. Ora, se houvesse algo que fosse a causa da vontade de Deus, seria preciso que fosse anterior e que estivesse atada a tal causa, o que não é procedente imaginar-se. Pois a vontade de Deus é a tal ponto a suprema regra de justiça, que tudo quanto queira, uma vez que o queira, tem de ser justo. Quando, pois, se pergunta por que o Senhor agiu assim, há de responder-se: Porque o quis. Porque, se prossigas além, indagando por que ele o quis, buscas algo maior e mais elevado que a vontade de Deus, o que não se pode achar. Portanto, contenha-se a temeridade humana e não busque o que não existe, para que não venha, quem sabe, a acontecer que aquilo que existe não ache” (Institutas, I, xxiii, 2) [N. do T.]. [7] Veja Introdução à Teologia Sistemática e Reflexões sobre as Questões Últimas da Vida, publicados pela Arte Editoral [N. do T.]. [8] Na NIV, versão do autor [N. do T.]. [9] Segundo o dicionário Aurélio, a palavra másculo tem dois sentidos [1. Relativo ao homem, ou a animal macho; masculino. 2. Vigoroso, varonil, viril]. Apenas na acepção 1 o termo tem o mesmo sentido que masculino, que não é o caso da versão B do argumento apresentado [N. do T.]. [10] Vide Introdução à Teologia Sistemática e Reflexões sobre as Questões Últimas da Vida, publicados pela Arte Editorial, bem como Apologética no Diálogo, publicado por Publicações Monergismo [N. do T.]. [11] Ou bola de neve [N. do T.]. [12] A Bíblia não é um livro-texto sobre lógica, pois não é exclusivamente sobre lógica, mas ela é a única autoridade sobre o assunto [N. do T.]. [13] Mesmo teólogos ortodoxos fazem afirmações semelhantes. Por exemplo, J. I. Packer, em seu famoso livro “O Conhecimento de Deus”, faz o seguinte comentário: “Um pequeno conhecimento de Deus vale bem mais que um grande conhecimento a respeito dele” (Mundo Cristão, pág. 29) [N. do T.].