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Professor Yago Martins

Prolegômenos: aprendendo a pensar teologicamente


Aula 1 – Você precisa de introdução a teologia
Por que um curso sobre introdução à teologia? Quando eu mesmo comecei a estudar
teologia, não tinha nenhum material introdutório que me ajudasse a chegar em um ponto
de conforto intelectual para começar a estudar teologia sozinho. Comecei a estudar
teologia na internet e comecei a aprender várias coisas difusas. Então, quando fui para o
seminário, percebi que tudo aquilo que julgava ser sabedoria teológica nada mais era
que uma coleção de informações vazia de qualquer poder de concatenação. Eu tinha
ideias difusas e não conseguia encaixar essas ideias no todo do conhecimento de Deus.
E quanto mais eu pesquisava na internet, mais eu recebia materiais muito divergentes.
Fossem materiais com posições contrárias, fossem materiais com níveis teológicos
muito distintos, fossem materiais cujos pressupostos por trás deles fossem os mais
discrepantes e variados. Eu não conseguia entender nem reconhecer isso. Eu sentia falta
de materiais que fossem introdutórios o bastante e amplos o bastante para me dar um
bom panorama do conhecimento de Deus para que eu pudesse a partir disso estudar por
mim mesmo. A questão é que a maioria dos materiais teológicos, mesmo que se diziam
introdutórios, na verdade, ainda pressupõem muito daquele que vai fazer essa leitura. É
muito difícil achar um material para aqueles que estão começando e desejosos de rever
as suas bases.

James Sawyer, em sua Introdução à teologia, diz que muitos dos materiais introdutórios
de hoje são destinados a estudantes mais avançados. Isso faz com que algumas pessoas
sejam escravas de certos tutores para que possam estudar teologia. E deixe-me ser claro:
você precisa de um tutor para estudar teologia! Mas é importante que você em algum
momento também aprenda a caminhar com as próprias pernas. Então, é importante que
os materiais teológicos introdutórios sejam criados por tutores interessados em lhe
progredir no caminho do conhecimento. Uma boa teologia é muito diferente de certos
modelos terapeuticos onde o terapeuta entende que ele é necessário para o seu progresso
e crescimento. Certas teorias de terapia curta, como a teoria cognitivo-comportamental
da psicologia não creem nessas coisas. Já outro movimento, como na psicanálise, crê-se
que o terapeuta é fundamental. Nessa analogia, a boa teologia está mais próxima de uma
terapia curta que de uma psicanálise. O interesse é que você não seja escravo de um
tutor específico.

A palavra de Deus diz que na Nova Aliança somos ensinados por Deus. Não precisamos
de alguém que seja um intermediário entre Deus e homens além de Cristo Jesus. Então
nossa função como mestres, pastores, teólogos e professores é fazê-lo conhecer Deus e
conhecer como conhecer Deus.

Essas questões introdutórias que trataremos aqui no curso em toda a amplitude que
queremos dar a ele é fundamental para que você possa ter os bons fundamentos da
compreensão de Deus. Um bom jogador de futebol não é um craque porque joga muitos
jogos, mas porque está sempre de novo e de novo revendo os fundamentos: treinando
passes, treinando toques de bola de novo, de novo...

Como diz novamente James Sawyer em sua Introdução à teologia, “questões


introdutórias são vitais tanto para o estudante novato quanto para o estudante
experiente” Temos uma história teológica profundamente rica e é importante que
possamos volta a ela e nos posicionarmos em um debate que é muito maior que nós.
Conhecermos os termos, conhecermos a linguagem, entendermos qual é o estado da
questão dos assuntos teológicos e fazermos isso a partir do zero e progredirmos até
chegarmos em algum lugar.

Muitos falam que só podemos ver mais longe ao estarmos nos ombros dos gigantes.
Então é importante que entendamos que estamos numa história que existe a partir de
pelo menos dois mil anos a partir de Cristo. Estamos num bonde teológico que está
andando. A história teológica é um bonde andando, e não tem como fugir disso. Você
não vai reinventar a roda, não vai avançar o saber de Deus enquanto não entender onde
você está.

Temos que preservar a fé bíblica que veio e é passada por nós através dos antigos até
aqui. Por isso temos que dialogar constantemente com o pensamento teológico que veio
antes de nós e estabelecer verdade e doutrina para o nosso tempo. Um curso de
introdução à teologia é fundamental para que possamos nos posicionar a partir da
imaturidade, a partir de um momento inicial da nossa vida e então chegarmos em algum
lugar. O objetivo desse curso é justamente pegar você pela mão e trazê-lo ao
conhecimento de Deus, fazendo com que você possa a partir dessas aulas abrir um livro
de teologia sistemática, abrir um material teológico e entender o que está escrito ali. Só
então avançar para níveis que você nunca tenha imaginado.

Nesse primeiro módulo, falaremos sobre como pensar teologicamente. E introduzí-lo a


algumas questões para que os módulos a seguir sejam ainda mais úteis para sua vida e
você esteja ainda mais preparado para aprender da Palavra de Deus. Temos grupos
secretos e privados, específicos e exclusivos, para você que é nosso aluno. Tanto no
Facebook, como no Telegram, você pode colocar suas perguntas ou mesmo aqui na
plataforma do Hotmart e poderemos interagir e conversar acerca da Palavra de Deus.
Não deixe de assistir seja ao vivo, sejam as gravações de nossas lives onde tentaremos
responder as perguntas de todos os alunos semanalmente para tentarmos então
progredirmos no caminho da palavra da verdade. Seja muito bem-vindo a esse caminho
dessa jornada maravilhosa que queremos desenvolver aqui no Teologia Descomplicada,
o nosso curso de Teologia aqui no Dois Dedos de Teologia.

Aula 2 –Somos todos teólogos

Precisamos de teologia? Às vezes isso pode ser uma coisa esquisita nas igrejas que
desprezam o saber e o conhecimento teológico, como se teologia fosse uma coisa que
você pudesse escolher ter ou não de alguma forma. Conta-se que o famoso evangelista
D.L. Moody foi desafiado por uma senhora que lhe disse “eu não concordo com a sua
teologia! ” e ele respondeu, “mas, senhora, eu nem sabia que tinha uma teologia”. A
palavra teologia vem de théos, do grego, Deus, e logos, estudo, saber ou conhecimento.
Teologia significa conhecimento, saber, ou ciência, talvez, acerca de Deus. É diferente
de teontologia - que vem de théos, que é também Deus, onto, que vem de indivíduo, ser,
a própria pessoa em si, e logos, que é o conhecimento – que é o estudo da pessoa de
Deus propriamente dito. O nosso próximo módulo, teontologia, vai estudar a pessoa de
Deus. Teologia já é tudo aquilo que fala acerca do que é divino. Isso significa que se
você tem algum conhecimento, qualquer ideia acerca da pessoa de Deus, você tem uma
teologia. Qualquer declaração ou saber que diga respeito ao transcendente, à vida da fé,
à espiritualidade, isso é teológico de alguma forma. Para onde vamos quando
morrermos? Qual é a forma correta de viver para agradar a Deus? Como o nosso culto
deve acontecer? Por onde Deus fala? Que texto tenho que ler para conhecer o Senhor?
Tudo isso é teologia. Posso ou não ter essa ou aquela prática? Posso me engajar nesse
ou naquele comportamento? São perguntas que respondemos a partir da teologia cristã.
Sempre que pensamos ou elaboramos uma ideia acerca de Deus, estamos fazendo
teologia.

A teologia é uma ciência porque busca um conhecimento da realidade, no caso, o


conhecimento de Deus. R.C. Sproul diz no seu livro Somos todos teólogos que “a
teologia não poderia ser chamada corretamente de ciência se o conhecimento de Deus
fosse impossível. A busca por conhecimento é a essência da ciência” (SPROUL, 23).
Dessa forma a ciência da teologia é uma tentativa de obter um conhecimento coerente e
consciente de Deus. Nisso podemos entender que a teologia consiste numa sapientia, ou
seja, uma sabedoria; uma ciência; e uma ortopraxia, uma ação correta. Nesse tripé da
teologia temos a teologia como sabedoria como um esforço para dar orientação para o
relacionamento do cristão com a vida e com Deus. Dessa forma, a teologia não se
resume a proposições acerca do transcendental e não envolve somente a aceitação de
crenças abstratas, mas busca um relacionamento pessoal do homem com Deus. A
teologia como ciência é vista como uma síntese do conhecimento acerca de Deus. Ela é
a sistematização da crença que temos acerca dele e daquilo que ele diz a nosso respeito.
E a teologia como ortopraxia, como ação correta, é a síntese das duas verdades
anteriores. Ou seja, tanto a sabedoria quanto a ciência devem produzir no ser humano
uma disposição a obedecer e honrar a Deus.

Em 1 Coríntios 14.20, Paulo exorta a igreja a deixar de ser criança e a pensar como
adultos. Pensar como adulto passa por um processo de conhecer o Senhor, de conhecer
o que ele espera de nós. É a teologia que nos amadurece, é o conhecimento de Deus que
nos faz progredir intelectualmente, emocionalmente e vivencialmente na nossa fé e no
nosso relacionamento com Deus. É verdade que a teologia sozinha pode virar uma
ortodoxia morta, sem prática, sem realidade na nossa vida. Porém, uma ortodoxia, ou
seja, um pensamento correto, vivida de forma profunda cria um relacionamento com
Deus que o mundo não entende e que apenas aqueles que têm essa experiência de fé
realmente podem experimentar. Uma má teologia faz com que vivamos longe de Deus
vidas que não representam aquilo que ele espera de seu povo. O povo de Deus perece,
porque lhe falta conhecimento (Oséias 4.6). Encontrar sabedoria e conhecimento de
Deus é fundamental para que saibamos como viver a vida do Senhor. Não estudamos
Deus como se disseca um sapo em laboratório, mas estudamos Deus como um marido
apaixonado lê e tenta compreender o que agrada a sua noiva.

Teologia faz diferença na nossa vida. Pense na História e na forma como a religião foi
mal-usada muitas vezes para criar catástrofes, mortes e opressão das mais variadas
formas. Uma má teologia pode levar homens a agirem de forma falsa e errada. Uma boa
teologia vai lhe ajudar a viver a vida que Deus espera que você viva. Ainda mais em
tempos como os nossos, em que a Palavra de Deus é deturpada para satisfazer anseios
dos mais variados e onde a Bíblia usada e a igreja é trazida para um relacionamento com
visões de mundo um tanto espúrias, conhecermos bem a Palavra de Deus nos protege
das heresias públicas, das falsidades à nossa volta e nos dá uma fé que realmente
representa o interesse de Deus para a nossa vida.

Teologia não é exclusiva para profissionais, pessoas eruditas, para gente que está
trancada num seminário, para gente em salas e escritórios cheios de livros. A boa
teologia é dada a todo crente. Como diz Deuteronômio 30.14, a palavra de Deus está
próxima, perto do nosso coração, perto da nossa boca. A palavra de Deus está
disponível e é a ela que nós recorremos a nossa vida.

Jesus diz, em Mateus 22.37, que devemos amar o Senhor de todo nosso coração, de toda
nossa alma e de todo nosso entendimento. Pedro diz que devemos estar prontos para
responder a razão da nossa fé (1 Pe 3.15). Uma boa teologia nos ajuda a amar a Deus
com toda nossa mente e nos ajuda a responder aquilo que o mundo realmente
acredita sobre Deus. Então a boa teologia nos afeta horizontalmente e verticalmente -
ela nos afeta nos relacionamentos com os outros e com nosso relacionamento com
Deus.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

SPROUL, R.C. Somos todos teólogos. São José dos Campos: Editora Fiel, 2017

Aula 3- O teólogo como preservador, cientista e contextualizador


O que é um teólogo? Um teológo é um guardião da verdade, um cientista e um
contextualizador. Como guardião da verdade, o teólogo entende que Biblia é a Palavra
de Deus que traz verdades acerca dele ao longo de uma grande narrativa por meio dos
livros que a compõem. A Bíblia não é simplesmente um compêndio de proposições
doutrinárias. As verdades bíblicas são percebidas através do estudo daquilo que Deus
revela ao homem. A tarefa do teólogo é apresentar essas verdades para que as pessoas
possam ser conduzidas à fé em Deus. Essa atitude de fé é a mesma que foi descrita por
Agostinho e Anselmo: uma fé que busca o entendimento, a fides quarem
intellectum. Ao passo que o racionalista compreende para crer – primeiro entende para
depois depositar fé – o teólogo vai à fé para então compreender o objeto de crença.
Conforme desenvolve-se o estudo teológico, a compreensão aumentada do objeto da fé
conduz à maturidade.

Muitas vezes seremos confrontados com elementos de fé que não entendemos bem. Se
você me perguntar sobre todos os detalhes dos mistérios de Deus, as complexas relações
na Trindade, as conciliações entre soberania e responsabilidade, eu mesmo não saberei
lhe dar uma resposta coerente. Entretanto, pela fé, creio naquilo que a Escritura diz e
busco compreensão daquilo que ela diz. A fé não é fideísta. Ela não impede uma
racionalidade que a justifique, mas a fé é anterior à própria capacidade de explicar
logica e filosoficamente muitas coisas. Não porque as coisas não seriam explicáveis
logicamente, mas porque muitas vezes o que Deus cobra de nós é que acreditemos antes
de entender.

Infelizmente, ainda existem aqueles que entendem a teologia como algo puramente frio.
Os sistemas de crença “inertes” são trocados por “experiências de adoração” onde o
individualismo é incentivado. O que mais importa é o que o adorador experimenta, no
lugar do sistema de crenças que ele carrega. Esse é um dos aspectos da heresia. Que trai
o papel do teólogo como um guardião da verdade. Ela satisfaz os desejos do coração
humano, refletindo as coisas como gostaríamos que fosse e não como de fato são. Nesse
sentido, a heresia é mais uma questão de escolha do que de entendimento.
Por causa disso, a ortodoxia deve levar à elaboração de credos que servem como mapas
que norteiam o pensamento correto. Esses mapas, entretanto, não servem como fim em
si mesmos. Eles devem conduzir a uma realidade maior. O papel da tradição nesse
sentido é importante, pois, com base no que já foi dito sobre um assunto antes de
formarmos nossas ideias a respeito de algo podemos trilhar um caminho mais seguro
para a ortodoxia. O apelo cristão às Escrituras não pode ficar isolado. Isso não é um
abandono das Escrituras como única regra de fé, mas é simplesmente considerar e
analisar uma a história da igreja para que possamos constatar com mais segurança que
as posições que temos seguido não são heréticas. É bom lembrar que quando alguém se
desvincula da análise da tradição, é fácil recorrer em erros sob o pretexto de ter recebido
uma nova verdade. Os concílios que transmitem a tradição não inventam novas
doutrinas, mas apenas as preservaram.

O teólogo também é um cientista. Ele é aquele que está em busca da verdade. Ou seja,
ele admite que ela existe e pode ser encontrada. Como cientista ele investiga de forma
analítica e crítica as fontes que estão disponíveis. Seu papel é apontar as fontes de sua
pesquisa para que outras pessoas possam avaliar as conclusões dele e entender a base
sobre a qual os teólogos estão apoiados. Sendo assim, os teólogos olham em três
direções: para o texto das Escrituras; para a revelação geral e para a obra dos teólogos
do passado.

Obviamente, as Escrituras possuem prioridade e primazia nessa análise. Analisando as


Escrituras, os teólogos devem buscar um refinamento do que tem sido proposto ao logo
dos séculos. A ideia não é tanto descobrir algo novo, mas desenvolver corretamente o
que já tem sido proclamado ao longo dos anos. O teólogo irá respeitar o distanciamento
linguístico, cultural e histórico da Bíblia. Ele analisará as línguas originais e caso não
tenha acesso ao grego e ao hebraico, ele vai comparar as várias traduções. E vai agir
com humildade entendendo que as traduções possuem limitações comparadas às línguas
originais. Ele também vai perceber e dar importância aos conceitos culturais que são
distintos para não impor algo de nossa cultura à Bíblia, entendendo bem o que ela quer
dizer ao relatar determinado aspecto.

Através da revelação geral, o teólogo percebe e recebe a grandeza de Deus. E através


das obras dos teólogos do passado analisamos o que já foi proposto com nossas próprias
opiniões podemos traçar um caminho rumo a uma conclusão e a uma conclusão pessoal
mais sólida acerca de determinado problema teológico.

O modo como a teologia avança e se desenvolve é muito próximo daquilo que Thomas
Khun chamou de revolução dos paradigmas científicos. Ele desenvolveu uma
importante contribuição sobre a avaliação e constatação de paradigmas científicos. Ele
sugere que no desenvolvimento de uma ciência existirão vários paradigmas em
competição. O paradigma escolhido, a ideia do momento, por assim dizer, é a que foi
escolhida pela comunidade científica de um tempo porque melhor responde aos
questionamentos feitos pela comunidade. Esse paradigma permanece até que surjam
várias questões que não são respondidas pelo modelo vigente. Assim, o cientista terá
que reavaliar seus estudos para propor um novo paradigma que responda a essas
questões. Dessa forma, se aplicarmos Thomas Khun à teologia, veremos que as
doutrinas se desenvolvem, ou são reformuladas, quando perguntas que continuam sem
resposta e essa busca por novas respostas a questões teológicas pode proporcionar o
desenvolvimento doutrinário, um aperfeiçoamento da teologia, ou uma nova perspectiva
acerca da abordagem de determinado tema. A própria Reforma Protestante é um
exemplo disso. Cria-se em um paradigma teológico – o da Igreja Católica Apostólica
Romana – que os reformadores julgaram que tinha problemas quanto dar respostas
adequadas para as perguntas feitas. Então, algumas proposições foram reavaliadas e um
novo paradigma – o da justificação pela fé somente – o qual foi percebido e crido como
ortodoxia. Os reformadores perceberam que a igreja estava se baseando em paradigmas
errados que consequentemente conduziram sua conduta equivocada. Então, um novo
paradigma surgiu para poder abarcar melhor as questões de ordem teológica.

É por causa disso que o teólogo está constantemente explorando o mundo. Agindo
realmente como um explorador. Ele reconhece que a tradição tem seu papel, mas que
elementos novos podem ser incorporados para desenvolver a teologia, porque ela é
dinâmica, não estática. O teólogo explora elementos que podem aprimorar a teologia
vigente.

Isso está relacionado ao terceiro papel do teólogo. O teólogo como um tradutor, ou um


contextualizador. Ele deve fazer uma viagem de ida ao contexto do autor original e de
volta ao seu contexto. Nem pode se reduzir ao seu nem pode ficar só no do autor. O
teólogo tem que explicar para seus contemporâneos as verdades expostas na Bíblia. Ele
deve analisar também o contexto em que as declarações foram ditas para que elas não
adquiram significados diferentes daquilo que foi intentado originalmente. Algo que
deturparia as doutrinas a serem desenvolvidas.

A contextualização toma aquilo que foi dito em determinado momento, encontra o


âmago do ensinamento e o transporta numa cultura do ouvinte moderno. Se uma cultura
não sabe o papel de um pastor de ovelhas, João 10 não fará muito sentido. Uma cultura
que não entenda o tamanho de uma semente de mostarda e seu crescimento não
entenderá a parábola de Jesus e assim por diante.

É bem conhecido que durante a idade antiga e na Idade Média, a Bíblia ainda era vista
como um livro contemporâneo. Os teólogos não se preocupavam em entender como os
autores bíblicos pensavam em seu tempo. Eles consideravam que os seus pensamentos
eram os mesmos daqueles dos autores antigos e não conseguiam suplantar as barreiras
culturais e as diferenças linguísticas de mentalidade que existia naquele tempo para
entender corretamente como aplicar a Escritura em tempos modernos. Foi somente com
a Renascença e a Reforma que veio a compreensão que o contexto bíblico era diferente
do contemporâneo e que isso precisava ser considerado na interpretação.

O método histórico-crítico do Iluminismo apontou as “digitais humanas num sentido


real e essencial” na Bíblia. Ou seja, os autores estavam imersos em um contexto
diferente e transmitiam isso em sua escrita. Esse método, apesar de suas consequências
desastrosas em algum momento, trouxe em questão de percebemos corretamente a
cultura antiga antes de fazermos nossa interpretação. Dessa forma, uma boa
hermenêutica e uma boa exegese consideram o significado das coisas em seu tempo
enquanto uma boa teologia sistemática traz essas coisas para cá.

Eu disse que o teólogo atua como tradutor, nesse sentido que ele é um contextualizador.
Por tradutor, quero dizer o seguinte: O teólogo atua no mundo da linguística
diferenciando as estruturas superficiais das estruturas profundas da linguagem. Na
estrutura superficial está a gramática, vocabulário, pronúncia ou qualquer outro
elemento que constitui uma língua. Através disso, o significado é transmitido. Porém, a
tradução acontece quando o teólogo percebe a estrutura profunda, aquilo que está para
além da superficial e que fala das teias de significado que fazem parte de uma
mentalidade e de uma cultura. Essas estruturas profundas podem por sua vez serem
transmitidas através de outras estruturas de superfície como, por exemplo, em outra
língua. É nesse nível, abaixo da estrutura superficial que jaz o significado universal. Ele
pode ser comunicado em outras línguas (forma) porque sua estrutura profunda
(conteúdo) foi preservada. Dessa forma, o teólogo é chamado para entender essas
estruturas, pegando a mensagem e o significado de um texto, e traduzir para seu tempo
apresentando a mensagem poderosa do evangelho.

Aula 4 – A pirâmide de Erickson

Todas as doutrinas são iguais? Elas têm a mesma centralidade para a fé? Quero
apresentar para você a pirâmide de Erickson. Chamo assim a classificação das
autoridades teológicas que Millard Erickson dá em sua Teologia Sistemática. Imagine
uma pirâmide. Na base dela, você tem as afirmações diretas da Escritura. Aquilo que a
Bíblia fala diretamente e diz algo a respeito de forma clara e objetiva. São certamente
muito mais centrais e devem ser tratadas como algo muito mais importante, doutrinas
bíblicas que são declaradas diretamente pela Palavra de Deus com clareza. Esses
assuntos são importantes corolários, são nosso núcleo duro – citando o teórico Lakatos
quando fala que toda ideia tem um núcleo duro e um cinturão protetor, onde no cinturão
protetor você tem ideias que são um pouco mais maleáveis, enquanto no núcleo duro
você tem ideias centrais que nunca podem ser negadas por determinada corrente de
pensamento. Se forem, aquela corrente deixa de ser o que realmente é. Declarações
diretas da Escritura fazem parte do núcleo central do cristianismo.

No segundo nível da pirâmide, temos implicações diretas da Escritura. São inferências


que podemos fazer a partir daquilo que está escrito. Aqui precisamos levantar uma
distinção entre implicação necessária e implicação lógica. Implicações lógicas são
muitas vezes ideias que se encaixam com determinada declaração da Escritura, mas que
não derivam necessariamente daquela aplicação. Não é disso que estamos falando.
Estamos falando de inferências necessárias, ou seja, coisas que derivam diretamente
daquilo que é dito no texto bíblico. Não é a declaração do texto em si, mas são
aplicações lógicas claras daquilo que está escrito.

Um nível acima temos implicações prováveis e mais acima conclusões indutivas. Ou


seja, aqui já estamos nos afastando bastante da intenção original do autor quando ele
fala a respeito de determinado assunto para induções que podemos fazer a partir do que
é dito na passagem e conclusões que podemos induzir através de método lógico usando
premissas e conclusões. Nisso já estamos um pouco mais longe do que é dito na
passagem para tentar formular teorias em cima daquilo que é escrito num texto.

Num nível acima, já bem fora do aspecto teológico tradicional, temos conclusões
inferidas da revelação geral, onde podemos ao observar a realidade compreender
alguma coisa acerca do divino. E, por último, questões inteiramente especulativas, as
quais são pontos que devemos discutir a partir de outras ciências, mas que em termo
teológico é especulação. Alguns vão dizer que não é teologia de fato, outros chamarão
de teologia especulativa. São assuntos que estão dentro do tema da teologia, mas que
muitas vezes não são discutidos e nem é possível discutir teologicamente aquele assunto
de forma completa e total.

Essa pirâmide do Erickson é importante porque nos ajuda a ter humildade e consciência
no nosso fazer teológico. Determinada doutrina ou crença é baseada em que?
Declarações diretas da Escritura? Em implicações prováveis? Em conclusões indutivas?
Em conclusões inferidas da revelação geral? Ou é algo profundamente especulativo.
Quando começamos a analisar nossa própria teologia com base nisso, passamos a ter
mais autoconsciência em nossa forma de fazer teologia e ter mais humildade na nossa
própria avaliação teológica e mais capacidade de avaliar certas doutrinas à nossa volta.
É o exercício que você precisa fazer quando estiver lendo um livro, um material
teológico. Essa declaração provém diretamente do que é dito no texto? Era intenção
original do autor ao escrever essa passagem? Isso é só uma explicação provável? É uma
conclusão indutiva? O que é isso? Isso vem como a partir da passagem?

É um bom exercício para ser feito e uma boa lição para, nesse momento, você analisar
alguma doutrina que para você é importante a partir dessa metodologia.

Aula 5 – Teologia bíblica, histórica e sistemática.


Teologia é um termo bem amplo, então quais são as principais divisões no estudo
teológico? Se pensar em uma pirâmide novamente, terá na base pelo menos três
elementos principais: Os idiomas bíblicos, os contextos culturais, elementos
arqueológicos e seus pressupostos hermenêuticos, ou seja, aquilo que vai te levar
diretamente à interpretação do texto. Acima disso, há a exegese do texto bíblico. Ela é
exatamente a interpretação das passagens em suas línguas originais. Subindo na
pirâmide, há pelo menos três grandes tipos ou modos de fazer teologia que compõe a
metodologia para encontrarmos respostas para nossas questões de fé.

Há a teologia bíblica, ao seu lado teologia histórica e acima, no topo da pirâmide,


teologia sistemática. Teologia bíblica é uma forma de fazer teologia que procura
mostrar o modo como certas compreensões acerca de Deus progrediram ao longo da
história da revelação bíblica, mostrando como as coisas eram cridas em determinado
período ou em determinado autor da Escritura. Por isso que se fala de teologoa bíblica
de Paulo ou teologia bíblica de João. É um jeito de respeitar os contextos de cada autor
do livro bíblico e respeitar cada modo como um deles faz teologia.A teologia bíblica,
por exemplo, é quem vai localizar determinado escopo de crença em um período
específico da história da revelação como no período de Adão e Eva, Noé, no judaísmo,
ou em outros momentos. Seja o modo como Isaías ou Jeremias usam determinada
palavra ou a visão que eles têm acerca do Messias. Seja no Novo Testamento quando
você considera cada autor como um centro em si mesmo de doutrina antes de compará-
lo com as doutrinas de outro autor. Assim você consegue respeitar melhor o aspecto
humano da escrita do livro bíblico. Por mais que o autor seja divino, também há um
autor humano que deixou traços de sua literalidade no texto. A teologia bíblica não está
preocupada em responder sobre o que é que esse texto significa para minha vida, ou a
forma correta de agir nessa ou naquela situação. A teologia bíblica está preocupada em
entender como o autor bíblico, em determinado contexto, descreveu algo acerca de Deus
e dos homens.

Foi B.B.Warfield, o téologo famoso de Princeton, que disse que a tarefa da teologia
bíblica é coordenar os dados que nós recebemos no processo exegético. A teologia
bíblica é que dá base e fundamentação para uma boa teologia sistemática, porque dá o
conteúdo teológico mais profundo, visto de forma mais correta dentro de um contexto
específico para que então seja sistematizado todo esse grande escopo de conhecimento
de uma forma que responda às questões filosóficas, teóricas e práticas do nosso tempo.

Ao lado da teologia bíblica temos a teologia histórica. Como o próprio nome já diz, visa
ver como a compreensão de Deus mudou e evoluiu ao longo da história da igreja. Como
cada tempo e cada autor descreveu acerca da ideia do divino e como a igreja com o
passar dos tempos mudou ou continuou no seu processo de interpretação das doutrinas e
das passagens bíblicas. A história da doutrina nos ajuda a perceber muito das formas
como a igreja caiu muitas vezes em erro e evoluiu na sua compreensão acerca de Deus.
Ele nos ajuda a termos argumentos muito mais coerentes para interpretarmos a
passagem bíblica, entendendo que não estamos em um vácuo, mas recebemos de uma
longa tradição de interpretes que nos ajudam a ter material para trabalharmos,
concordarmos ou discordarmos da nossa leitura da Escritura.

Com base na teologia histórica e na teologia bíblica, temos a teologia sistemática. Ela
tenta formar um esquema que junte todos os dados bíblicos dentro de um ponto de
resposta comum. Quando pergunto, “um crente pode comer carne de porco? ”, não
quero saber se um judeu podia ou não comer carne de porco, nem quero saber o que
Paulo quer dizer aos Coríntios quando ele fala sobre carne de porco. Quero uma
resposta que comunique à minha vida, mas, para fazer isso, tenho que ver todo o escopo
da revelação e entender o que posso aprender com o que foi dito no Antigo Testamento,
com o que Jesus tratou do assunto, como os apóstolos levantaram a questão, como a
igreja vivenciou isso no livro de Atos e, a partir disso tudo, criar uma resposta que seja
comum à vida privada ou à vida social. No fim das contas, a teologia sistemática é que
dá as respostas práticas e pastorais para nossa vida. É aqui, na teologia sistemática, que
temos o diálogo com as outas ciências, com a filosofia, sociologia, economia, psicologia
e com outras formas de ver o mundo, as quais daremos respostas, ou os aproveitarmos
de certas compreensões que essas ciências fornecem.
Imagem cedida pelo aluno André Luís Toledo baseada na classificação de James
Sawyer.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS:

SAWYER, M. James. . Uma introdução à teologia: das questões preliminares da


vocação e do labor teológico. São Paulo: Editora Vida, 2009.

Aula 7 – Analogia Fidei e Analogia Entis

Uma das diferenças entre a igreja católica e a protestante é como cada uma vê a forma
como Deus pode ser conhecido. Thomás de Aquino e João Calvino são fundamentais
para essa diferenciação. Ainda que Aquino seja muito citado e referênciado por ambas
teologias católica e protestante, ele se distingue de Calvino na compreensão do
conhecimento de Deus. Tradicionalmente, a Igreja Católica segue o pensamento de
Aquino. Ele seguia aquilo que é chamado de analogia entis ou analogia do ser.

A analogia entis é dita ser a essência do catolicismo por próprios representantes do


catolicismo como Steven Bevans. A analogia do ser está alicerçada na filosofia
aristotélica empregada por Aquino. Ela tem como ponto de partida o princípio da
inteligibilidade, o qual diz que se o ente é o objeto do intelecto, logo ele pode ser
conhecido.Ou seja, o ser humano pode conhecer o ser naturalmente. Isso se dá através
das experiências que o ser humano tem no mundo.

Existe uma continuidade entre o ser de Deus e tudo mais que foi criado. Todas as coisas
têm sua existência derivada a partir de um só ser. Aquino, para se livrar de uma
associação com o panteísmo, fez uma distinção entre forma e matéria, ou ato e potência.
Ele disse que somente uma coisa é o Ser (Deus) e tudo mais tem ser com potenciais
diferentes. As coisas que existem no mundo existem em potência. Uma mesa existe em
potência numa árvore. A árvore precisa ser cortada, trabalhada e transformada em mesa.
Esse processo de “tornar-se”é possivel porque as coisas sõ compostas de ato e potência.
Pode-se dizer que na media que realizamos a potência de uma coisa ela está em ato. De
volta ao exemplo da mesa: a mesa só existe em ato, como mesa, na medida em que sua
potência, o trabalho de transformação, é realizada. Porém, Deus é o ato puro. Deus não
tem potência porque isso o faria mutável, mas Deus como ser criador de tudo e supremo
a tudo não muda. Todas as demais coisas criadas são análogas ao Ser, portanto finitas e
mesclando ato e potência.

Assim, podemos conhecer Deus a partir da observação e experimentação do mundo,


mas sempre por analogia, nunca e totalidade. Podemos dizer que Deus é justiça, amor,
ou santidade por analogia com o que observamos. As cinco vias de Aquino são o
resultado desse pensamento. Através do uso da razão, o ser humano pode fazer
analogias e chegar ao conhecimento de Deus.

Esse conhecimento, porém, nunca é um conhecimento de identidade. Se o fosse, Deus


seria limitado. Assim, podemos conhecer mais Deus pelo que ele não é, do que pelo que
é. Deus não é conhecido em sua esssência, porque ele ainda é transcendente à criatura.

Dessa forma, as Escrituras se tornam apenas mais uma fonte de conhecimento de Deus.
Assim, o catolicismo entende que o homem não precisa da Bíblia para discernir Deus da
criação. A partir desse pressuposto, várias doutrinas católicas surgem. O resultado do
pensamento de Aquino é que Deus é totalmente acessível através da teologia natural,
mas por outro lado ele é desconhecido, porque é ato puro. Isso pode causar uma
confusão. Se falamos que Deus é amor, até que ponto essa afirmação não torna o amor o
próprio Deus em identidade? Até que ponto o amor de Deus é análogo ao de um pai por
um filho, mas em que ponto ele é totalmente diferente? A analogia entis pode levar a
sérios problemas acerca da compreensão de quem Deus é.

Outra abordagem é chamada de analogia fidei. A analogia fidei ou analogia da fé diz


que nunca poderemos chegar ao conhecimento de Deus por si mesmos. Isso só pode
acontecer por meio da revelação que Deus faz e quanto esta nos alcança. O
conhecimento de Deus se dá em sua Palavra, por meio do ES. Ou seja, só podemos
conhecer a Deus a partir da revelação especial que ele faz de si mesmo.

A própria capacidade de perceber as Escrituras como revelação de Deus e um dom


divino e não depende de nós mesmos. A analogia fidei nos leva a não procurar saber
mais do que a própria Bíblia nos fala acerca de Deus. As Escrituras são nossa regra de
fé e nossa única forma de conhecer a Deus conforme ele pretendeu se revelar.

A analogia fidei busca entender o que o autor bíblico falou em seu próprio contexto e
peça literária. Cada autor tem suas características e peculiaridades que o distinguem dos
outros. Ela também advoga que a Escritura é a própria interperte de si mesma. Textos
paralelos complementam a compreensão do que está sendo trabalhado em comum.
Entretanto, um risco que podemos correr aqui é interpretar um autor segundo os termos
outro. Às vezes, na busca de aplicar a analogia da fé cometemos o erro hermeneutico de
não deixar um autor falar dentro de seus próprios termos e acabar misturando categorias
de autores diferentes, causando assim uma confusão doutrinária. Isso não quer dizer que
a Bíblia se contradiz, mas que cada autor abordou temas de uma forma peculiar e que
pode ser distinta em abordagem de outros. De tal forma, que se aplicarmos indistinta e
impensadamente tudo o que Tiago fala sobre fé à Paulo, teremos um problema acerca da
compreensão da justificação. É preciso analisar o propósito, contexto e cotexto dos
autores antes de aplicar a máxima “textos mais claros interpretam textos mais
obscuros”. Devemos entender que pode ser propósito do autor deixar um texto obscuro.
Essa máxima pode ser utilizada para dizer que o NT interpreta o AT. O que pode nos
levar a pensar: “Como os leitores do AT interepretavam seus textos antes do NT? Eles
não precisariam dele?” A resposta de outros é que o AT tem seu contexto próprio e
interpreta a si mesmo, assim como o NT interpreta a si mesmo. A diferença entre os
testamentos se dá na progressão da revelação que torna as coisas mais claras. Portanto,
de forma resumida, a analogia fidei nos aponta que Deus só pode ser conhecido tal qual
ele quer ser conhecido por meio de uma revelação especial. Moisés não deduziu que a
sarça em chamas era Deus se revelando, foi Deus quem se revelou a ele. Da mesma
forma, Deus se revela através das Escrituras hoje para nós. É através dela que
conhecemos quem ele é pelas analogias que estão reveladas.

Aula 8 – O liberalismo teológico

É provável que você já tenha ouvido falar nos termos Liberalismo Teológico e
Neortodoxia. Esses movimentos ocorreram no século XX e muitas vezes são falados de
forma que as pessoas não entendem suas bases filosófico-teológicas. Algumas vezes
chegam até a tratá-los como sinônimos quando na verdade não são. Para isso é preciso
entender suas origens e seus pressupostos.

Primeiro de tudo, o Liberalismo Teológico veio antes da Neortodoxia e suas bases


derivam diretamente do Iluminismo, um movimento filosófico do século XVIII que
visava ser uma resposta ao tradicionalismo religioso da Idade Média e colocou o
homem como o centro da existência. Nessa época, a Razão humana foi elevada ao ponto
de se acreditar que o conhecimento de Deus poderia ser alcançado através do uso dela.

O iluminismo deu origem ao que atualmente entendemos como mentalidade moderna.


A qual tem algumas características:

• Início da história científica


• A Razão pode justificar qualquer verdade
• A natureza é a fonte primária da existência humana
• A liberdade é necessária para o progresso humano
• A herança histórica é legitimada pela crítica literária e histórica, além da
necessidade de uma crítica filosófica.
• A ética independe da religião.
• A autoridade da religião ou de uma tradição de postular uma verdade é posta em
dúvida através da razão
• A ciência é o meio pelo qual o homem pode encontrar a verdade

Um nome bastante importante desse período foi Immanuel Kant. Ele revolucionou a
forma de pensar porque se opôs tanto aos racionalistas – que diziam que o
conhecimento vinha da própria mente – quanto aos empiristas – que diziam que o
conhecimento vinha de fora, de experiências. Kant postulou que o conhecimento surge
da união entre a informação que vem até nós através dos cinco sentidos com categorias
inatas da mente humana. Mais tarde, Kant postulou que a realidade está dividida em
duas categorias: a fenomenal (aquilo que pode ser experimentado) e a numenal (uma
realidade espiritual/metafísica). O ser humano não possui categorias inatas para adquirir
informações do mundo numenal. Dessa forma, tudo que podemos conhecer é o que é
experimentado, por mais que a realidade seja mais do que isso.

Para Kant, Deus estava no mundo numenal, portanto era impossível conhecê-lo através
do uso da razão. Isso não o caracteriza como ateu. Ele acreditava em Deus, mas dizia
que era impossível de conhecê-lo. Assim, Deus deve ser conhecido por meios dos
aspectos morais que podemos experimentar e somente isso.

No século XIX, Georg Wihelm Friedrich Hegel postulou o que é conhecido como
dialética hegeliana. Para ele, a mente ou o espírito se manifesta no processo histórico e a
história carrega um significado próprio. Dessa forma, existe um processo contínuo de
progresso cultural e racional. Esse processo de evolução histórica dependia da solução
do problema entre uma tese e uma antítese que passavam a gerar uma síntese. Por sua
vez, a sintese se torna uma tese que terá sua antítese e dará origem a uma nova sintese e
assim por diante.

Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher é considerado o paid a teologia liberal, ou


moderna. Ele foi um grande teólogo que nasceu em meio o fervor iluminista e kantiano.
Ele foi educado no pietismo dos morávios. [1] Por causa disso, Schleiermacher teve
suas primeiras experiências religiosas. Quando estudava os morávios ele se deparou
com a crítica neologiana [2] sobre a ortodoxia protestante histórica. Ele rejeitou o
substituto racionalista e moralista e nessa época foi apresentado ao movimento
romântico, uma resposta ao racionalista crítico e analítico do século XVIII.

Schleiermacher se baseava em três premissas: 1) a crítica iluminista da ortodoxia


dogmática protestante; 2) a filosofia idealista romântica fundamenta a fé cristã melhor
que o racionalismo superficial do iluminismo; 3) o idealismo pode interpretar a teologia
cristã. A partir desses três pontos, Schleiermacher revolucionou o método teológico
tradicional. Ele entendia que todo homem possui uma consciência de Deus que faz o
homem ser dependente de Deus. Assim, a revelação passou a ser subjetiva onde a
experiência era a causa da doutrina. As afirmações teológicas não descrevem a realidade
objetiva, mas é o meio pelo qual nos relacionamos com Deus e percebemos essa
dependência. A autoridade final passou a ser essa experiência de dependência.

O ser humano precisa lembrar-se de Deus e ter uma experiência com Cristo em
comunidade para ser redimido. Para ele, o sacríficio na cruz não foi expiatório, mas um
grande exemplo no qual o homem toma consciência e é transformado.

Outro nome importante para o liberalismo é Albrecht Ritschl. Ele, por sua vez, via a
religião em termos de moralidade e esforço pessoal para estabelecer o Reino de Deus.
Para Ritschl e seus seguidores, é impossível conhecer a Deus como ele é em sua
essência. Ritschl seguiu uma epistemologia kantiana que entendia que tudo que o ser
humano pode compreender é aquilo que é experimentado. Ele afirmava que ninguém
poderia conhecer as coisas em si mesmas, mas apenas a forma como elas são
apresentadas no fenômeno. Como Deus está fora do domínio teórico, o ser humano não
pode percebê-lo. O homem tem que estar devoto a Jesus Cristo como aquele que revela
Deus. Assim, o empirismo ritschliano passou a investigar a vida de Cristo na história.
Quando alguém era confrontado com Jesus Cristo havia uma comunicação de uma
verdade religiosa que não era teórica. Assim, a verdader religiosa não era mais
encontrada em proposições teológicas, mas em experiências subjetivas. Com isso, a
compreensão de Deus fica sujeita ao homem. Ele não pode entender quem Deus é, mas
pode ter sua manifestação em Jesus. A experiência de Deus, seja ele qual for, é o
conhecimento religioso.

Para Ritschl, Deus era pessoal, mas não era capaz de ser conhecido. O conhecimento
dele era mediado por Cristo, o qual pudesse ser encontrado na Bíblia, a pessoa não
poderia ter conhecimento de sua morte expiatória e segunda vinda. A alma humana não
pode conhecer Deus porque está limitada aos fenômenos. Portanto, a comunhão com
Cristo consiste em imitá-lo num esforço moral em favor de seu Reino.

Um terceiro fator que contribuiu para o desenvolvimento do liberalismo foi o estudo das
religiões comparadas. A filosofia romântica levou à busca por outras religiões e a sua
forma de expressão humana. A colonização pelo mundo e o conhecimento de novos
povos e culturas permitiu o contato com diferentes expressões de religiosidade. Com
isso, a Bíblia foi estudada em seu contexto cultural. As religiões comparadas entendem
que todas as religiões expressam a verdade de formas diferentes aplicadas a seu
contexto cultural. Isso não seria diferente na questão da Bíblia. Deus havia se
manifestado de determinada forma no período do AT e do NT para seu povo localizado
no entorno de Israel, Egito, Mesopotâmia, mas isso não faria as religiões de outros
povos serem menos verdade, mas são expressões diferentes do mesmo Deus.

Adolf von Harnack também é um importante nome na teologia liberal. Ele foi
historiador do cristianismo e escreveu um livro chamado A História do dogma. Ele
operou totalmente na base do liberalismo chegando até mesmo a considerar que o NT
fora deturpado. Na medida em que o cristianismo saia do contexto judaico e entrava no
contexto helenista, essa deturpação aumentava e a religião se perdia. Ele entendia que as
influências helenísticas deveriam ser removidas para que o puro cristianismo surgisse.

Harnarck entendia que Paulo modificou a doutrina a pessoa de Cristo segundo suas
próprias compreensões. Paulo também seria o responsável por postular a morte e
ressurreição de Cristo como fatores fundamentais para a salvação. Harnack defende em
sua obra O que é o cristianismo? a paternidade universal de Deus, a fraternidade
universal do homem e o valor infinito da alma humana individual. Jesus Cristo é um
exemplo supremo e o homem está consciente o tempo todo de Deus, o qual é
perfeitamente imanente. Essas são as três características básicas do liberalismo:

• Paternidade universal de Deus.“Todos são filhos amados de Deus”. Deus está em


comunhão com sua criação. Deus é totalmente imanente e tudo passa a ser um
milagre.
• Fraternidade universal do homem. O ser humano não é visto como um pecador e
não havia distinção qualitativa entre Deus e o homem. Deus poderia ser conhecido
pelo homem e a eternidade era uma questão deimortalidade de espírito, mas não de
uma ressurreição corpórea
• Jesus Cristo é um exemplo.O liberalismo nega que Jesus é Deus. Jesus teria se
tornado o homem perfeito porque tomou consciência de Deus. Assim, ele se torna
o exxemplo perfeito que o homem deve seguir para se relacionar com Deus.

Essas doutrinas geram algumas consequências.


• A autoridade religiosa da Bíblia é desfeita. A autoridade passa a habitar no
indivíduo e não em uma fonte externa de conhecimento. A bíblia é somente um
registro dessas experiências que pode conter imprecisões e erros.
• A salvação tem um aspecto meritório. O homem passa a seguir os passos e vida de
Jesus e entre em comunhão com Deus.
• Deus trabalha no mundo de forma totalmente imanente por meio de pessoas. Isso
significa que ele não é um ser transcendente, mas que passa a ser conhecidos por
meio de princípios morais.

Algumas coisas percisam ser analisadas em relação ao liberalismo. Sua ênfase


exarcebada na imanência divina remove a distinção Deus-criação.Dessa forma, a
imanência levou à negação do sobrenatural para a ênfase só no natural. Por causa disso,
os milagres não foram mais cridos como algo forma do ordinário. Tudo passava a ser
milagre. Por causa da perda do transcendente, houve uma perda da doutrina do pecado.
Deus é distinto de sua criação por essência, fundamentalmente, mas também porque o
homem e a criação estão sob o pecado. Uma vez que essa separação é abolida para dar
lugar a uma ênfase na imanência, o conceito de pecado é perdido, não sendo mais
tratado como um mal que deturpou totalmente o homem, mas meros equívocos.

Se não há pecado, não há necessidade de salvação. O homem só precisa tomar


consciência de Deus e de que já é filho. A perda do aspecto sobrenatural levou a crítica
bíblica a considerar dificuldades interpretativas, ou limitações de revelação como erros
ou imprecisões. A Bíblia é apenas um livro humano que relata as experiências religiosas
de um povo em determinada cultura durante certo tempo. Por fim, o que restava é que a
pessoa de Cristo fosse remodelada. Para os liberais o Cristo da fé é diferente do Cristo
da história. O Cristo da fé é produto das experiências religiosas do povo e que portanto
varia de pessoa para pessoa. A crítica visa buscar o Jesus histórico, o homem que existiu
na terra e o qual devemos seguir. Ela faz isso picotando a Bíblia segundo seus critérios
para dizer quais textos são genuínos ou não para que possamos conhecer o Jesus
histórico. Esse Jesus histórico não era divino, o ser divino é produto da experiência
religiosa pessoal do indivíduo, mas um homem que andou na terra e nos deixou um
grande exemplo de como se relacionar com Deus.

Aula 9 – A neo-ortodoxia

O movimento da Neo-ortodoxia surgiu em 1920 como uma resposta ao Liberalismo. Os


teólogos neo-ortodoxos visaram combater os principais pontos do liberalismo
devolvendo à teologia a noção de transcendência de Deus, pecado do homem, aspecto
sobrenatural da salvação e as Escrituras como fonte e centro da teologia.

As implicações do liberalismo repercutiram no século XIX e início do século XX


conduzindo as pessoas a não estarem restritas às ideias de busca de perfeição moral,
arrependimento, caindo em uma profunda imoralidade e depravação. A Bíblia tornou-se
um livro de profunda análise crítica. Ela passou a ser tratada como um livro humano
passível de interpolações históricas e desprovida de seu caráter sobrenatural. Estudos no
Pentateuco levaram à formulação da hipótese documentária a qual dizia que o
Pentateuco teve sua origem de 4 fontes diferentes e que não foi Moisés que o escreveu.
Isaías foi dividido em dois autores e Daniel foi considerado como tendo escrito no
período intertestamentário. Já no NT, homens como F.C. Baur aplicaram a dialética
hegeliana para interpretar seus textos levando a concluir que as epístolas de Paulo foram
na verdade escritas por seus seguidores. Isso para dizer somente alguns ataques que a
Bíblia sofreu.

Com o advento da 1ª Guerra mundial, a mentalidade do progresso humano encontrou


um entrave. A ideia de que o homem estava progredindo em bondade se tornou vazia.
Se Deus é totalmente imanente na história como ele pode agir de tal forma que aconteça
tal catástrofe? Nesse contexto, surgiram homens como Karl Barth, Emil Brunner,
Reinhold Niebuhr e Dietrich Bonhoeffer.

Karl Barth foi um grande teólogo do século XX.Filho de pastor de uma igreja reformada
suíça estudou a filosofia kantiana, a teologia de Schleiermacher, também estudou com
Adolf von Harnack e com o teólogo bíblico e conservador Adolf Schlatter. Barth foi
exposto à teologia liberal, mas nunca a achou satisfatória. Aos 23 anos foi ordenado
para o ministério o qual durou 10 anos (1911-1921). Durante esse tempo, ele descobriu
um Deus diferente do que aprendera no seminário. Na Bíblia, ele viu Deus como
transcendente. As influências que Barth iam recebendo faziam com ele fosse se
distanciando da teologia liberal cada vez mais.

Em 1918, ele terminou a primeira edição de seu comentário de Romanos. Ele foi
influenciado por Soren Kierjegaard, do qual obteve a metodologia teológica
característica: dialética, paradoxo, decisão e crise. Quando a segunda edição de seu
comentário foi publicado todo liberalismo de Barth havia desaparecido. Em 1927, Barth
publicou a Dogmática Cristã, onde se opôs ao catolicismo e ao liberalismo. Ele
entendia a Palavra de três formas: a Palavra revelada (encarnada), a Palavra escrita e a
Palavra proclamada. A revelação vem apenas por meio de Cristo, a Palavra de Deus
revelada. Porém, o ES é uma necessário para o apreendimento da Palavra de Deus
objetiva. Para Barth, a Trindade se opõe se contrapõe a toda teologia natural e
antropocêntrica. Barth também foi influenciado por Anselmo da Cantuária quando este
diz que a fé progride em conhecimento de Deus. A fé é o começo e o fim. O
conhecimento de Deus do homem é impulsionado pela fé e sempre será incompleto,
sendo fruto da graça divina.

Emil Brunner nasceu em 1889, passou pela Universidade de Zurique e de Berlim,


obtendo seu Ph.D em 1913. Ele seguiu carreira pastoral e chegou a lecionar teologia na
Universidade de Zurique, onde estudou. Seu pensamento foi independente de Barth,
mas seguiu um caminhou similar. Seu pensamento foi moldado por uma perspectiva
socialista cristocêntrica e pelo método dialético. Ele estava convencido que a teologia
dialética tinha origem no ES, diferentemente de qualquer outro sistema filosófico ou
teológico. Brunner estudou Lutero, Calvino e sua teologia foi influenciada por
refomadores.

Ele também foi influenciado pelo filósofo Martin Buber, cujo pensamento estava
baseado em Kierkegaard. A filosofia do “eu-tu” de Buber lançou base para Buber
expressar a sua antropologia. Assim, concluiu que o conceito bíblico de verdade
envolve um encontro necessário com Deus para seu entendimento. Sem isso, é
impossível conhecer a verdade. Brunner divergiu de Barth porque admitiu uma teologia
natural. Ambos debateram. Brunner publicou a obra Nature and Grace: A discussion
with Karl Barth a qual gerou a resposta de Barth: Nein! [Não!]. Brunner passou a
enfatizar o encontro com Cristo como central à fé cristã. Ou seja, a verdade sobre Cristo
não é descoberta em discussões teológicas, mas a partir de um encontro com ele. Ele foi
responsável pela restauração das doutrinas do pecado, encarnação, ressurreição. Ele
também devolveu às Escrituras o papel normativo na Igreja.

Reinhold Niebuhr também foi bastante influente na primeira metade do século XX. Ele
era filho de luteranos e estudou no Seminário Teológico Éden, continuando seus estudos
na Escola de Divindade em Yale. Niebuhr foi bastante influenciado pela teologia liberal,
mas a considerou insuficiente para responder às questões que sua congregação
demandava. Em 1928, deixou o ministério pastoral para se dedicar como professor no
Seminário União em Nova York.

Ele foi influenciado por Kierkegaard e Barth, mas estava insatisfeito no trato deles das
questões éticas. Sua primeira importante obra foi Moral man in Immoral Society, em
1932 e depois escreveu The nature and destiny of man, em 1939. Niebuhr se opôs ao
liberalismo e formulou o que é conhecido como realismo cristão. Para ele, o homem
deveria pensar a si mesmo como pecador e santo, estando sujeito às forças da História,
mas sendo formador delas, era uma criatura de Deus, mas era um criador de coisas. A
cruz foi vista como aquilo que venceu as forças pecaminosas do mundo.

Niebuhr entendia que o pecado era um problema para o homem. O homem era
depravado em sua raiz. Os melhores esforços humanos eram infectados pelo pecado.
Sua doutrina era uma sintese entre o que a Renascença e a Reforma ensinavam.

Outro nome importante da Neo-ortodoxia foi Dietrich Bonhoeffer. Ele nasceu em 1906
e estudou filosofia e teologia em Berlim e Tübingen. Foi educado na teologia liberal
sendo aluno de Harnack, Deissmann e Seeberb, mas rejeitou o liberalismo e defendia
pontos parecidos com Barth. Ele foi ordenado como pastor luterano em Barcelona.
Passou um tempo estudando no Seminário União em Nova York e depois voltou para
ser professor de teologia em Berlim.

Ele tornou-se o líder da igreja confessante, a qual fazia parte da igeja luterana estatal e
se opunha ao programa nazista da época (1934). Bonhoeffer ficou conhecido por sua
oposição ao nazismo e a Hitler. Essa oposição foi tão forte que ele envolveu-se numa
conspiração para assassinar Hitler, mas foi descoberto e condenado à forca poucos dias
antes da queda do Terceiro Reich. Por causa disso, ele é considerado um martir por
muitos.

As características gerais do movimento neo-ortodoxo são as seguintes:

1. Dialética como método teológico. Esse método pressupõe que há uma diferença de
qualidade entre Deus e a criação, e que a verdade não pode ser afirmada de forma
análoga. A verdade é encontrada por meio da dialética (tese-antitese-sintese) das
declarações que são aparentemente paradoxais nas Escrituras: Jesus como Deus e
Homem; Transcendência de Deus e sua autorevelação; seres humanos são pecadores e
livres etc.

2. Deus é totalmente outro. Isso é totalmente diferente do liberalismo. Dizer que Deus é
totalmente outro significa que ele é um ser completamente distinto de toda a sua
criação, ou seja, totalmente transcendente. Essa resposta de ênfase na transcendência foi
dada devido o antropocentrismo evidencidado pelo liberalismo.
3. A Bíblia contém a Palavra de Deus. Isso siginifica dizer que neo-ortodoxos não
criam que a Bíblia é a Palavra de Deus em si mesma. Isto é, eles não defendiam a
inspiração verbal das Escrituras. Para eles, as Escrituras são um registro do encontro de
Deus com os escritores. Assim, Deus usa o texto para ter um encontro com os leitores. É
nesse momento, desse encontro, que Deus se revela ao leitor, é nesse momento que as
Escrituras se tornam a Palavra de Deus. Como livro humano, a Bíblia é falível,
entretanto Deus usa esse registro para proporcionar um encontro com os leitores.

4. Rejeição da teologia natural. A teologia natural – tanto a vertente tomista da igreja


católica, quanto a do liberalismo – foi rejeitada pela tradição neo-ortodoxa. Uma vez
que neo-ortodoxos consideram Deus totalmente transcendente, é impossivel que a
revelação geral comunique algo redentivo a seu respeito. Aquilo que Brunner admitia
era o conhecimento rudimentar de Deus, mas não era salvífico.

5. Cristologia. Jesus é visto como o Deus-homem, 100% Deus, 100% homem. Barth
afirma que a morte de Cristo é expiatória e de fato reconcilia a humanidade com Deus.
Porém, a expiação na visão de Barth tem indícios de universalismo. Ainda que ele tenha
se recusado a afirmar tal doutrina, ela parecia ser a conclusão lógica de suas
considerações.

6. Realismo bíblico. Esse era o conhecido ensino de Reinhold Niebuhr. O ensino


reafirmava a natureza totalmente depravada do ser humano. A neo-ortodoxia reafirmou
que o homem se encontra num estado de rebelião contra Deus e uma separação radical
dele.

7. Teologia Bíblica. A neo-ortodoxia proporcionou o surgimento de estudos na área de


teologia bíblica. Com a publicação de Der Römerbrief de Barth, várias obras foram
publicadas. Esse movimento enfatizava o estudo da Bíblia em suas próprias categorias.
Isso significa entender a cosmovisão por detrás daquele período.

8. Revelação na história. O movimento neo-ortodoxo entendia que a revelação não era


proposicional, mas que era o entendimento humano de como Deus se encontrava com
seu povo. Isso se opõe ao entendimento fundamentalista que vê a Bíblia como um livro
de proposições religiosas e verdades eternas, e ao liberalismo, que vê a Bíblia como
somente uma expressão religiosa de determinado povo.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

SAWYER, M. James. Uma introdução à teologia: das questões preliminares, da


vocação e do labor teológico. SP: Editora Vida, 2009.
Teontologia: o Ser de Deus e seus atributos
Aula 1 – Teorias sobre a existência de Deus

Existem muitas teorias acerca da existência de Deus, as chamadas Teorias de


Divindade, ideias sobre a existência ou não-existência de Deus. E, se Deus existe, como
é que ele existe.

A primeira delas é o teísmo. "Teísmo" vem da palavra grega θεός [theós], "deus".
Teísmo significa acreditar que existe um deus, qualquer deus que seja. O teísmo se
manifesta de muitas formas, como no teísmo cristão, no teísmo islâmico, no teísmo
indígena etc. Existe um teísmo para cada divindade adorada pelos homens.

É justamente do termo "teísmo" que temos a segunda posição que é o ateísmo. A


partícula “a-“ aparece geralmente como uma negação. Ateísmo seria a negação de Deus.
Tecnicamente, todo ser humano é meio ateu. Se sou teísta com relação ao Deus cristão,
sou ateu em relação a deuses hindus, por exemplo. Quem é teísta para um deus é,
geralmente, ateu para outros deuses. Mesmo assim, geralmente alguém se apresenta
como ateu ou se fala do termo ateísmo em referência a uma negação de toda e qualquer
divindade.

Próximo disso, você tem o agnosticismo. No grego, γνοσκω [gnosko] fala de


conhecimento. O agnóstico é alguém que nega o conhecimento – mas não o
conhecimento absoluto. Mais apropriadamente, o agnóstico nega a possibilidade do
conhecimento a respeito de Deus. O agnóstico nega que é possível conhecer se Deus
existe ou não. Esse termo foi usado pela primeira vez por um biólogo e filósofo inglês
chamado Thomas Huxley. Ele usou esse termo para falar sobre a ideia de uma crença
suspensa. Muito chateado com os dogmas da igreja, ele decidiu que não valia a pena
mais fazer alegações a respeito da divindade.

Há quem diga que o agnóstico é o ateu covarde, alguém que não acredita em Deus, mas
não tem muita coragem de falar a respeito. Não é uma forma muito correta (nem muito
educada) de se referir aos agnósticos. Agnósticos são pessoas que duvidam da
possibilidade de discutir o metafísico e de chegar à conclusões válidas a respeito
daquilo que, segundo eles, está fora do campo normal da argumentação. Nós podemos
argumentar sobre assuntos científicos, coisas que podem ser provadas no laboratório,
aquilo que é sensível; questões metafísicas, para além da matéria, são assuntos que não
poderiam chegar, de forma alguma, à mente do ser humano. São assuntos que seria
inócuo discutir e tentar debater a respeito disso.

Dentro dos teísmos mais comuns, nós temos o politeísmo. No grego, o termo πόλυς
[pólus] significa "muitos". Assim, politeísmo seria a ideia que existem várias
divindades, talvez em competição, talvez em harmonia, à nossa volta. Dentro do
politeísmo, existem a monolatria e a polilatria. Uma vez que existam vários deuses
dentro do politeísmo, você pode adorar apenas um desses deuses, que é a monolatria,
onde "mono" vem de "único" e "latria" vem de "adoração", ou adorar vários deuses, que
seria a polilatria. Um politeísta monólatra é alguém que acredita em vários deuses, mas
adora um único deus contra os outros. Enquanto um politeísta que comete polilatria é
um politeísta que acredita na adoração de vários deuses. A monolatria também é
conhecida como henoteísmo, com hen- significando “um”, em grego. Foi Max Miller,
um historiador alemão das religiões, que cunhou esse termo para falar de pessoas que
vivem no contexto da existência de vários deuses, mas que escolhem um único deus
para adorar.

Existe também o panteísmo. No grego, παντα [panta], πας [pas] e πασιν [pasin] muitas
vezes são usados para falar de "tudo" e "todos" de alguma forma. Falar de panteísmo é
falar que deus é tudo, que deus se manifesta através de tudo, que as coisas são deus de
alguma forma. Ou seja, acredita-se numa íntima relação entre a existência e a identidade
de deus e a existência e identidade das coisas. O que as coisas são, o que somos e o que
deus é confundido numa coisa só.

O panteísmo tem uma variação chamada de panenteísmo, que é a ideia que deus está
em tudo. Por mais que não exista uma confusão tão profunda de identidade entre quem
é deus e o que são as coisas, ainda assim deus está contido em todas as coisas.

Muito próximo da ideia de panteísmo, temos o que é chamado de monismo, que vem do
termo grego "apenas", "só" ou "único". O termo foi cunhado pela primeira vez por um
filósofo alemão chamado Christian von Wolff e é uma prática e uma visão muito
comuns no hinduísmo, por exemplo. E é muito próximo do panteísmo como
conhecemos.

Por fim, temos o deísmo. O deísmo é a perspectiva de que existe um deus e esse deus
criou tudo e mesmo assim se afastou do universo. Ele deu o pontapé inicial, colocou as
engrenagens do relógio para girar, mas então não se envolve mais com a criação. O
deísta é um teísta. Ele acredita em deus, mas um deus que está distante, longe e que não
pode ser alcançado.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

Antonio Gilberto (et al.). Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro, RJ: Casa
Publicadora das Assembleias de Deus, 2008, p. 53-55.

Aula 2 – Podemos conhecer Deus?

Daremos início ao nosso curso falando de onde tudo começa: com a pessoa de Deus.
Tudo começa com esse Senhor que criou tudo, segundo a teologia cristã, e deu sentido
para todas as coisas. Quem é Deus? Como percebemos Deus? Como é que Deus cuida
de tudo? Como é que Deus se revela? Esse é o assunto da teontologia, ou da teologia
propriamente dita.

O termo teologia significa, basicamente, o estudo de Deus. “Teo” [θεος], do grego,


significa “Deus”, e logia [λόγος] vem de palavra, estudo, razão,
conhecimento. Teologia virou o nome de todo o estudo sobre Deus, de tudo aquilo que
se fala a respeito de quem é o Senhor. Então, dentro da teologia sistemática, quando
você monta as várias doutrinas que compõe o cristianismo, seja bibliologia – o estudo
da Bíblia – ou cristologia – o estudo de Cristo –, se eu chamar teologia do estudo de
Deus, estarei dizendo que outras coisas não são teologia. Então, muitos teólogos tiveram
que dar um jeito para nomear a matéria que estuda o nome do Senhor. Enquanto
Teologia estuda tudo aquilo que fala a respeito de Deus, Teontologia se tornou um jeito
de chamar essa doutrina dentro da sistemática, ou o que os teólogos também chamam de
teologia propriamente dita – a qual seria teologia como o estudo de Deus diretamente.
Nesse primeiro módulo falaremos justamente de teontologia, a teologia propriamente
dita, do estudo a respeito do nome do nosso Senhor.

É possível conhecermos de fato Deus? É possível realmente conhecermos Deus? É


possível entendermos e compreendermos o Senhor? Canções populares chegam a dizer
que ninguém explica Deus e, de fato, em nível último e absoluto, nunca conseguiremos
ter um conhecimento exaustivo do Senhor. É impossível que consigamos entender Deus
em sua completude e totalidade. Ele é eterno, ele é imutável, ele transcendente, ele é
aquilo que teólogos do século XX chamavam de totalmente outro. Ele não é
completamente acessível pela mente humana. É comum que na teologia tenhamos
dúvidas e fiquemos com certas questões não respondidas, e isso justamente mostra o
fato que Deus é muito maior que nós. É normal não termos todas as respostas porque
Deus é a verdade acima de qualquer coisa e está muito acima das nossas compreensões.
Calangos não entendem seres humanos da mesma forma que seres humanos entendem
os calangos (aqui no Ceará, calango é o nome dado para aquelas lagartixas que ficam
nas paredes). Se você tentar imaginar um inseto, uma pulga, por exemplo, tentando
compreender o ser humano, isso não é possível, mas nós compreendemos as pulgas e os
insetos muito melhor do que vice-versa.

Deus nos deu uma revelação e uma mente para compreender as coisas, mas, ainda
assim, não conseguimos compreender tudo de forma completa. Quando lemos 1
Coríntios 13, Paulo diz que hoje vemos as coisas como que por um espelho. Nós vemos
as coisas reveladas num momento pequeno, breve, suficiente, mas haverá um dia em
que conheceremos a Deus como hoje somos conhecidos. Por mais que haja polêmicas
interpretativas em 1 Coríntios 13 – e certamente abordaremos isso em algum momento
do curso – a ideia do texto é que nós hoje, mesmo através da revelação da Escritura,
vemos Deus por meio de um material de bronze que por ser bem polido e brilhoso
conseguimos perceber algum reflexo, mas ainda assim não conseguimos ver Deus em
sua grandeza e totalidade.

Isso entra em uma das grandes polêmicas da teologia sistemática e da revelação de


Deus, que é sobre a teologia positiva e a teologia negativa – respectivamente, a
teologia catafática e teologia apofática. Apofático vem de aposfemi, no grego, que
significa basicamente negar. Portanto, a teologia apofática, também conhecida como
teologia negativa, é a ideia que fazemos teologia basicamente através de negações. É
um estudo de Deus, principalmente, através de suas diferenças. Ela se recusa a
interpretar Deus a partir da realidade e que simplesmente precisa entender o que
Deus não é antes de entender o que Deus é. Ao contrário disso temos a teologia
catafática que é própria da tradição ocidental. Ela tenta encontrar Deus justamente a
partir daquilo que é dito sobre ele, seus nomes e atributos.

A teologia negativa, por mais que tenha alguns intelectuais que a seguiram no ocidente,
é muito próxima de teologias místicas e de pessoas que não seguem uma perspectiva
próxima do cristianismo geralmente. A teologia positiva é a ideia de que há um Deus
que se revela, que se manifesta, que se mostra, que se dá a conhecer através de alguma
revelação. Revelação essa que os cristãos acreditam ser a Palavra de Deus. Nós
estudamos teologia propriamente dita antes de estudar bibliologia porque a revelação é
uma revelação de um Deus. Cometemos um erro metodológico, por assim dizer, porque
a Escritura é a base do que vamos discutir acerca de Deus, mas cometemos uma
coerência lógica, no sentido de que entendemos que Deus vem antes de sua própria
revelação. Ao ler a Bíblia, lemos sobre um Deus que se revela positivamente. Fazemos
teologia propositiva, sim, cremos em uma teologia positiva, mas sem desconsiderar a
grande lição da teologia negativa de que não conseguimos nunca entender Deus em sua
completude e em sua totalidade.

É claro que ninguém explica Deus de forma extensiva e absoluta. Mesmo assim, Deus
se revela, se explica, se mostra, se apresenta e nisso podemos construir teologia de
forma positiva, de forma proposicional, entendendo aquilo que a revelação fala sobre o
nosso Senhor. É claro que Deus se revela a nós fora da Bíblia – falaremos melhor disso
em bibliologia. Temos um Deus que se revela na natureza, que se mostra através das
coisas criadas e que podemos percebê-lo através da criação. Porém, esse mesmo Deus
se revela de forma extensiva, mais clara, justamente na sua revelação especial. Essas são
as diferenças de termos que iremos estudar em Bibliologia. Revelação geral é a
revelação de Deus na natureza e a revelação especial que é a revelação de Deus na
Palavra.

Esse Deus que se revela na palavra permite que o conheçamos para além da simples
manifestação dele na natureza. Se você olhar para natureza, de fato perceberá algumas
coisas sobre Deus. Na carta de Paulo aos romanos, no primeiro capítulo, a partir do
verso 18, diz que Deus se revela de alguma forma nos céus e na coisa criada, mostrando
o seu imenso poder. Se você olha à sua volta, percebe que existe uma divindade, que
existe um Senhor, um Deus que criou tudo e que formou todas as coisas. Ele é criativo
por causa da criatividade da criação. Ele é poderoso por causa do poder dos fenômenos
naturais. Ele é bondoso por causa de todas as coisas maravilhosas que encontramos na
criação. Ele possui uma ira que se manifesta na coisa criada por causa de todo furor que
nós encontramos à nossa volta. Há um Deus que é revelado na criação, mas não de
forma total, completa. Na Escritura, temos muito mais a respeito de quem é esse Deus e
nela podemos fazer uma teologia positiva, uma teologia que se baseia em fazer
proposições acerca do Senhor.

Claro que toda verdade sobre Deus é uma verdade diminuta. Existe um nível de
humildade que tem que nos fazer acreditar que de fato não iremos conseguir mesmo
através das revelações teológicas entender Deus em sua grandeza. É bom entender que
Deus, ao falar na Palavra, balbucia a respeito de si mesmo. Ainda que leiamos que ele é
soberano, bom, justo, isso ou aquilo, no fim das contas estamos ouvindo uma
aproximação da nossa mente daquilo que Deus é. Ele é tão poderoso, incrível e tão além
de nós que de fato ele se diminui para que possamos compreendê-lo. De fato, quando
ele se revela, ele balbucia acerca de si mesmo. É como explicar para uma criança a
complexidade do ser humano: é uma verdade o que é dito, mas é uma verdade dita
numa linguagem infantil. Deus se revela e nos apegamos a essa revelação como verdade
porque ela já é elevada para nosso raciocínio. A doutrina da Trindade é elevadíssima
para nossa compreensão humana, ainda assim é uma verdade mesmo que não
consigamos sequer tocar nas profundidades da grandeza de quem é o Senhor.

Todo pregador, no fim das contas, é um fracassado. Quando um pastor prega num
domingo, por exemplo, ele precisa sair sabendo que fracassou na sua missão em algum
nível. Se a missão dele é mostrar como Deus é grande, como Deus é bom, justo,
maravilhoso, ele pode até falar por horas, e ainda assim ele não terá conseguido mostrar
como Deus é grandioso, bondoso e incrível.
O teólogo, pastor e missionário americano Paul Washer diz que o pregador não é um
microscópio que pega coisas pequenas e aumenta para os outros verem. Pelo contrário,
ele é um telescópio que pega astros, estrelas enormes e deixa pequeno para que nosso
olho entenda. A teologia é uma forma de tentar apreender Deus em sua grandeza. É um
trabalho fracassado, mas é maravilhoso, porque Deus se revelou em um nível que
podemos compreender.

C. S. Lewis, famoso autor protestante escritor de As Crônicas de Nárnia, disse que


Deus não se faz de doutor diante de uma lavadeira. Deus não se fez de doutor diante de
homens pequenos como nós e deixou que nós o compreendêssemos. Ele deixou que nós
o entendêssemos.

Nesse módulo de teologia propriamente dita, entraremos nessa jornada de olhar para
aquilo que Deus revelou si mesmo.

Aula 3 – Os Nomes de Deus

Deus é chamado de muitas formas na Bíblia. O nome mais simples usado para
representar Deus na Bíblia é ’el (‫)לֵא‬, do hebraico. De acordo com a maioria dos
filólogos, aqueles que estudam línguas e palavras, essa palavra significa o Senhor mais
preeminente ou primário, ou aquele que é forte e poderoso. O nome ’eloah (‫)ֹלהֶא‬,
singular de ’elohim (‫)ֹלהִ יםֶא‬, procede da mesma raiz que ’el e aponta para Deus como o
Deus-Forte ou como objeto de temor. O nome no singular é mais poético e raramente
usado, já o plural é o nome comum de Deus.

Alguns argumentam que se referir a Deus no plural, 'elohim, evidenciaria o uso hebraico
chamado de “plural de majestade”, o qual é um plural para se referir a alguém muito
importante. Porém, vários teólogos argumentam que isso nunca é usado na Escritura e
que esse argumento é só uma tentativa de fazer parecer que a Trindade já não estava
manifesta no Antigo Testamento e que não existia nenhuma pluralidade na pessoa de
Deus nas Escrituras hebraicas. 'Elohim, o termo plural para se referir a Deus, evidencia
a Trindade e essa pluralidade dentro da figura divina. Outros argumentam que
como 'Elohim aparece muitas vezes com um adjetivo ou com um verbo no singular,
seria melhor interpretá-lo como um plural de abstração (segundo Ewald) ou como um
plural de quantidade, que é usado para se referir a uma entidade ilimitada (segundo
Oehler), ou como plural intensivo que serviria para expressar a plenitude de poder de
Deus (segundo Delitzch). De fato, poucas vezes 'Elohim aparece na Escritura com um
adjetivo ou verbo no plural (Gn 20.13; 28.13s; 35.7; Êx 32.4, 8; Js 24.19; 1 Sm 4.8;
17.26; 2 Sm 7.23; 1 Rs 12.28; Sl 58.11 [12 TM]; 121.5; Jó 35.10; Jr 10.10). No
singular, aparece apenas 57 vezes no Antigo Testamento hebraico, sendo 41 só no livro
de Jó, enquanto que no plural encontramos 2.570 vezes.

Referências a Deus no plural também ocorrem com outras palavras


como qedoshim (‫דֹושיםְק‬
ִ Pv 9.10; Os 11.12 [12.1 TM]), em ’osim (‫ע ִשים‬, Jó 35.10; Sl
149.2; Is 54.5), em bôr’îm (‫בֹור ִאים‬,
ְ Ec 12.1) em Adonai (‫)דֹ נָיְא‬. Esse último nome é muito
importante para se referir a Deus no Antigo Testamento. A palavra aparece exatamente
449 vezes no Antigo Testamento como referência ao Senhor. Em 134 vezes, aparece
sozinho, e em conexão com YHWH, 3I5 vezes. Por isso, alguns teólogos argumentam
que Adonai é um dos nomes de Deus. O nome que expressa soberania e senhorio sobre
o universo e que não seria apenas um título atribuído a ele. O termo Adonai, no
hebraico, significa literalmente, “meu Senhor”, e nunca é usado como pronome de
tratamento. Para isso, o hebraico usa Adoni ou Adon, nunca Adonai. Todas essas
construções plurais evidenciam Deus como completo, pleno. Sendo ele a plenitude da
vida e do poder. Para muitos teólogos, isso apresenta essa característica mais plural da
pessoa divina, evidenciando já no Antigo Testamento uma Trindade.

A palavra ’elyon (‫ )לִ יֹוןֶע‬também é usada para se referir a Deus, possuindo o prefixo ’el e
significa aquele que é exaltado acima de todas as coisas (Gn 14.18; Nm 24.16; Is
14.14). Porém, esse nome não é usado para se referir somente a Deus no Antigo
Testamento. Essa palavra também é usada para se referir a falsos deuses, e a ídolos,
quando as pessoas cometem idolatria e adoram essas falsas divindades (Gn 33.12; Êx
7.1; 4.16) e autoridades (Êx 12.12; 21.5-6; 22.7; Lv 19.32; Nm 33.4; Jz 5.8; 1 Sm 2.25;
Sl 58.1; 82.1), mas é um nome usual também pelo qual Deus é designado.

El Shaddai (‫ )ל שדיֶא‬designa Deus como aquele que generosamente supre todas as coisas
(Gn 17.1; 28.3; 35.11; 43.14; 48.3; 49.25; Êx 6.3; Nm 24.4). El Shaddai é o Deus que
faz com que todos os poderes da natureza sejam sujeitos e subservientes à obra da graça
no mundo. Esse nome evidencia Deus como aquele que se dá ao seu povo e garante o
cumprimento de suas promessas. É a palavra usada para falar do Deus de Abraão,
Isaque e Jacó (Gn 24.12; 28.13; Êx 3.6), do Deus dos patriarcas (Êx 3.13, 15), dos
hebreus (Êx 3.18), de Israel (Gn 33.20). Significa, literalmente, “Deus todo poderoso”.

Por mais que existam esses nomes que são usados para se referir a Deus e falar sobre
ele, o nome pelo qual ele é mais conhecido no Antigo Testamento é o famoso
tetragrama (‫)יהוה‬. Tetragrama porque são quatro letras que compõe o nomo próprio de
Deus. Ele tem um nome que é descrito em quatro letras. A pronúncia desse nome foi
perdida. Como os antigos judeus não escreviam as vogais das letras, mas o registro da
língua hebraica se dava apenas com as consoantes e o som era passado apenas por
tradição oral, com o tempo as pessoas pararam de falar o nome de Deus, por causa do
medo de falá-lo e pararam de falá-lo de forma total, ao ponto da tradição oral não ter
preservado qual era a pronúncia do nome de Deus. Nós temos quatro consoantes, mas
não as vogais. Essas consoantes, se fossem traduzidas para o português, seriam YHWH.

Um grupo de judeus conhecido por massoretas começou a criar grafias para representar
o som das vogais no hebraico. Se você pegar o texto massorético, notará certas
pequenas marcações abaixo das consoantes que representam o som das palavras. O
motivo que pelo qal aparecem mais acentos nas vogais no hebraico é porque ela não
caberia como uma letra em manuscritos antigos. Eles tinham que conseguir pegar um
manuscrito pronto e adicioná-las. Não tinha como criar um espaçamento maior entre as
letras, então as vogais ficaram como pequenas marcações abaixo de cada consoante. O
que aconteceu é que como ninguém sabia quais eram as vogais do tetragrama,
adicionou-se as vogais de Adonai – que era um nome muito usado para falar de Deus.
Por isso, o nome comum do Senhor é pronunciado como Jeová, Javé ou Yeowah e
algumas derivações que apresentam essa tentativa de reconstruir qual é o nome de
Deus.Muitas bíblias traduzem simplesmente SENHOR apresentando Deus como
alguém que é o Senhor Adonai sobre tudo e sobre todos.

Muitos interpretam que o nome de Deus tem um significado que é compreensível e


encontrado na Escritura. Significaria Deus como aquele que é ontem, hoje e sempre.
Deus se revelou a Moisés através desse nome, justamente como aquele que é. Para
Abraão, esse nome significou provisão para o sacrifício do seu filho Isaque. Ele
apareceu como Jeová Jireh – o SENHOR que provê (Gn 22.14). Prometendo livrar os
filhos de Israel daquelas pragas e daquelas enfermidades que sobrevinham e dos
egípcios, ele se manifestou como Jeová Rafá – o SENHOR que sara/cura (Ex 15.26).
Na época de angústia dos juízes de Israel, ele apareceu a Gideão como Jeová Shalom –
o SENHOR é a paz (Jz 6.24). A todos que peregrinaram na terra, ele se apresentou
como Jeová Ra’a – o SENHOR é meu pastor (Sl 23.1). Yahweh Tskednu significa
SENHOR justiça nossa (Jr 23. 6). e Jeová Nissi significa o SENHOR é a minha
bandeira (Ex 17.15). Ele se revela assim na batalha contra o mal e contra o pecado. E no
futuro – talvez já nos novos céus e nova terra, para os aliancistas, ou no milênio, para os
dispensacionalistas (assunto para o módulo de escatologia) –, ele será chamado
de Jeová Shamá, o SENHOR está ali (Ez 48.35).

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:

Esequias Soares (et al.). Teologia Sistemática Pentecostal. Rio de Janeiro, RJ: Casa
Publicadora das Assembleias de Deus, 2008, p. 53-55.

Aula 4 – O que são atributos de Deus?

Quando falamos sobre quem é Deus, geralmente estamos discutindo sobre os atributos
de Deus. Para definir quem é o Senhor, iremos defini-lo a partir de suas características.
Quando você vai definir alguém, precisa trazer à tona coisas a respeito dele. Ele é alto,
baixo, loiro, negro, branco, feio, gordo que nem eu, magro como você etc. As pessoas
possuem características e o que difere uma pessoa de outra é aquilo que as pessoas são.
Quando falamos sobre quem Deus é, estamos falando sobre os atributos de Deus, esse é
o nome que é dado na teologia, quem Deus é e quais são as suas características.
Definindo atributos de Deus, atributos de Deus, Erickson define como "aquelas
qualidades de Deus que constituem o que ele é – as características exatas de sua
natureza". Ele continua:

Os atributos são qualidades como um todo. Não devem ser confundidos com
propriedades, que, falando tecnicamente, são as características distintivas das diversas
pessoas da Trindade. As propriedades são funções (gerais), atividades (mais
específicas) ou atos (os mais específicos) de cada membro da divindade. (ERICKSON,
256-257).
Isto é, o Deus-Pai teria uma característica, o Filho outra característica, o Espírito Santo
outra característica. Essas características mais distintas não são atributos, mas
propriedades. Por exemplo, quem morreu na cruz? Quem morreu na cruz foi o Deus-
Filho. Quem foi enviado depois do Deus-Filho para a terra? Foi o Espírito Santo. Não
foi o Espírito Santo que morreu na cruz, foi Jesus. Não foi Jesus que foi enviado depois
que Jesus subiu, afinal, ele disse que enviaria o outro consolador depois de sua ascensão
– que seria o Espírito Santo. Esses detalhes serão trabalhados melhor em cristologia e
pneumatologia.

Cada pessoa da Trindade possui características, atos e ações na realidade diferentes


umas das outras. Essas coisas não são atributos distintos, mas propriedades distintas.
Isso está atrelado ao que falaremos posteriormente sobre Trindade econômica e
Trindade ontológica. Existem os atributos ontológicos da Trindade – aqueles que são
próprios de quem a Trindade é. Mas também existe uma economia da Trindade – suas
manifestações em contato com a realidade.

Em seus atributos, Pai, Filho e Espírito Santo são idênticos. Já em suas propriedades,
como disse Erickson acima, eles têm atuações distintas.Ele diz que essas propriedades
são funções, atividades ou atos de cada membro da Trindade e continua dizendo que “os
atributos são essas qualidades intrisecas, que não podem ser adquiridas nem perdidas”
(ERICKSON, 257). Já o teólogo Norman Geisler argumenta que atributo é
a “característica que pode ser atribuída à natureza de Deus – um traço essencial de
Deus. Outros termos para atributo são ‘propriedade’, ‘perfeição’ ou ‘nome’”
(GEISLER, 17). Onde o que é dito sobre o nome de Deus é dito sobre a pessoa em si, a
característica de quem é a pessoa. Quando digo que louvo o nome de Deus, estou
louvando quem Deus é por aquilo que ele se manifesta.

Já Louis Berkhof não gosta muito desse tipo de nomenclatura. Ele é um teólogo
presbiteriano que possui uma sistemática muito famosa no Brasil. Ele diz:

O nome “atributos” não é ideal, desde que transmite a noção de acrescentar ou


consignar alguma coisa a alguém, e , portanto, pode criar a impressão de alguma coisa
é acrescentada ao ser divino. Indubitavelmente o termo “propriedade” é melhor, no
sentido de indicar algo que é próprio de Deus e de Deus somente[...] Os atributos de
Deus podem ser definidos como as perfeições que constituem predicados do Ser divino
na Escritura, ou que são visivelmente exercidas por ele em suas obras de criação,
providência e redenção. (BERKHOF, 51).
Herman Bavinck, que escreveu uma coleção de quatro volumes de sistemática que
temos em português – um texto bem longo e denso acerca do Senhor e dos temas da
teologia –, diz que “cada atributo é idêntico ao ser de Deus; ele é aquilo
que possui” (BAVINCK,121). Não é como se Deus tivesse atributos, como se tivesse
amor, tivesse santidade, tivesse paciência e misericórdia. De fato, um atributo que Deus
possui é um atributo que Deus é. De forma que ao ser definido como alguém amoroso,
significa que ele é amor. Quando Deus é definido como alguém misericordioso,
ele é misericórdia.

É interessante que 1 João diz justamente isso, que Deus é amor. Há até igrejas que
seguem exatamente esse nome. A ideia não só que Deus manifesta amor, mas que ele é
o amor que ele possui. Então para o Bavinck não existe uma divisão muito clara entre
aquilo que Deus tem como atributo e aquilo que ele é como ser.

Isso é bem diferente daquilo que somos como seres humanos. Eu tenho amor, mas não
sou amor. Eu tenho misericórdia, mas não sou misericórdia. Tenho santidade, mas não
sou santidade. Deus, por outro lado, é aquilo que possui, segundo Herman Bavinck,
porque mostra justamente essa grandeza e esse relacionamento absoluto entre as
características que Deus tem e o próprio ser que Deus é.

Tanto que ele vai dizer que “tudo o que Deus é ele o é completa e simultaneamente”
(BAVINCK,121). Um jeito muito bonito de se referir ao Senhor. Considerando o que
são esses atributos, temos que falar sobre as classificações dos atributos, os tipos de
atributos de Deus. Mas isso é assunto para a próxima aula.

Bibliografia utilizada:
BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

GEISLER, Norman. Systematic Theology, Volume two. Minnesota: Bethany House


Publishers, 2003.

Aula 5 – As classificações dos atributos

Antes de explicarmos quais são os atributos de Deus, precisamos falar sobre as suas
classificações. Vamos usar o termo atributo porque ele é o mais comum dentro da
teologia, mas já explicamos sobre terminologias na aula passada. Esses atributos de
Deus também têm sido classificados em tipos dentro da teologia. Geralmente existem
quatro tipos de classificações comuns. Dessas quartas, escolheremos uma.

A primeira classificação – a mais comum e conhecida – é entre aibutos comunicáveis e


atributos incomunicáveis. Segundo Millard Erickson, “atributos comunicáveis são
aquelas qualidades de Deus para as quais se pode encontrar ao menos uma correlação
parcial em suas criaturas humanas” (ERICKSON, 258). Ou seja, são atributos que você
pode encontrar também naquilo que é criado por Deus. Segundo Franklin Ferreira e
Alan Myatt, “os atributos comunicáveis revelam a condescendência de Deus, e são as
virtudes divinas que se refletem, de forma derivada e limitada, em suas criaturas”
(FERREIRA e MYATT, 216). Berkhof se refere aos atributos comunicáveis como “os
quais as propriedades do espírito humano têm alguma analogia como poder, bondade,
misericórdia, retidão etc” (BERKHOF, 54)..

Logo, os atributos incomunicáveis são aqueles que não podem ser atribuídos a nenhuma
criatura. São “aquelas qualidades singulares para as quais não se encontra qualquer
correlação nos seres humanos” (ERICKSON, 258). São aqueles “aos quais nada
análogo existe na criatura” (BERKHOF, 54). Atributos que só Deus possui e que nós
não possuímos.

Outros criam distinções entre atributos naturais e atributos morais. Os primeiros seriam
os atributos que pertencem à natureza constitutiva de Deus, de maneira distinta de sua
vontade (BERKHOF, 53), são os “superlativos não morais de Deus” (ERICKSON,
258). Os outros o qualificam como um ser moral. O problema com essa classificação é
que os atributos ditos naturais também têm características morais. Os atributos naturais
seriam auto-existência, simplicidade, infinidade etc. E os morais seriam bondade,
misericórdia, justiça, santidade etc.

Uma terceira divisão é entre atributos absolutos e atributos relativos. Atributos


absolutos pertencem à existência de Deus, em si mesma, e atributos relativos pertencem
à essência divina, em relação a sua criação (BERKHOF, 54). Os absolutos seriam
eternidade, imensidade, auto-existência etc. Os relativos seriam onipresença, onisciência
e tudo aquilo que diz diretamente sobre a coisa criada.

A quarta classificação fala sobre os atributos imanentes ou intransitivos e os emanentes


ou transitivos. Os primeiros são aqueles que não se expõem nem operam fora da
essência divina, mas permanecem imanentes (BERKHOF, 52), ou seja, pertencem à
própria natureza de Deus (ERICKSON, 258) e estão contidos nele (e.g., imensidade,
simplicidade, eternidade etc.). Ou outros são os que se expõem e produzem efeitos
externos quanto a Deus (BERKHOF,52), isto é, emanam dele (ERICKSON, 258) (e.g.,
onipotência, benignidade, justiça etc).

Bibliografia utilizada:

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

Aula 6 – A pessoalidade de Deus

Pessoalidade é certamente um dos principais atributos de Deus e os vários outros


acabam tocando no tema da pessoalidade. A ideia é que Deus é pessoal. Ele não é uma
força, não é uma energia. Deus é uma pessoa. Existem várias coisas na Escritura que
apresentam justamente essa ideia de um Deus que se relaciona, que fala, que conversa,
que vê, que usa constantemente linguagens antropomórficas para falar a respeito de si
mesmo e se identifica com o ser humano das mais variadas formas. O fato de Deus ser
relacional e viver interagindo com o ser humano apresenta justamente essa ideia de que
nós estamos nos relacionando com um ser autoconsciente, pessoal, que possui
individualidade e uma autoconsciência.

É importante sabermos disso no modo como nos enxergamos e nos relacionamos com o
Deus cristão. Ele não é um totem, uma pedra ou um item de barro. Ele é um ser que
interage porque tem autoconsciência. Ele tem ciência da sua própria consciência. Ele se
conhece, assim como o ser humano se conhece e se entende de alguma forma. Ele
possui identidade, ele sabe quem ele é e o que ele é em diferença ao que os outros são.
Essa identidade é distintiva. Ela não é uma identidade que se confunde com as outras
coisas, mas uma identidade que é própria dele. Ele tem raciocínio, inteligência,
criatividade, comunicação. Temos um Deus que fala e se revela na Escritura
constantemente.

Quando Moisés pergunta quem ele é, ele responde “eu sou o que sou”, porque ele é o
ser perfeito, a ontologia última. Nós somos em referência a algo. Eu sou homem, sou
isso, sou aquilo. Deus é o único que é, porque Deus é a própria existência. E, sendo a
própria existência de quem todas as outras existências derivam, ele é aquele ser pessoal
o qual organizou tudo de acordo com a sua vontade.

Tanto que o termo imagem e semelhança que fala a respeito da criação do homem – isso
será tratado melhor em antropologia – é usado para falar que nós como seres humanos
nos assemelhamos a Deus, refletimos Deus. Imagem e semelhança são termos
intercambiáveis, significam basicamente a mesma coisa. Ser imagem de Deus significa
que somos parecidos com Deus e refletimos Deus. Ser a semelhança de Deus significa
justamente que temos essa imagem assemelhada parecida com a dele. Uma vez que
somos imagem e semelhança podemos por analogia entender que Deus tem algum traço
de humanidade. Não que ele seja homem, mas que ele tem algumas características que
nós possuímos de forma derivada.

Podemos falar de Deus como criador, como alguém criativo, como alguém consciente,
como alguém pessoal. Imagens antigas de um deus totêmico, animalesco, ou um deus
que não tem consciência, raciocínio ou identidade são imagens que não correspondem
ao Deus cristão, o qual chamamos de pessoa. Por isso que dizemos que existem três
pessoas na Trindade. A ideia de pessoa não é uma ideia errada, mas é muito coerente
com esses traços de pessoalidade que aplicamos a Deus. Não que ele seja um ser
humano como somos, mas uma divindade com quem podemos nos relacionar, porque
ele é um ser senciente, inteligente, que compreende as coisas, que entende tudo, que tem
uma identidade própria. E esse é um atributo que faz com que seja possível nos
relacionarmos pessoalmente com esse Deus, orarmos e falarmos com Deus, sabendo
que estamos falando com uma pessoa que nos entende e que nos responde.

Bibliografia utilizada:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999.

Aula 7 – Infinitude e eternidade

O primeiro bloco sobre os atributos de Deus que é bom tratamos são aqueles chamados
por Millard Erickson de atributos de grandeza. O primeiro atributo de grandeza é a
infinitude ou infinidade. Para Berkhof: "É a perfeição de Deus pela qual ele é isento de
toda e qualquer limitação. Ao atribuí-la a Deus, negamos que haja ou que possa haver
quaisquer limitações do Ser divino e dos seus atributos” (BERKHOF, 59). Ou seja,
ninguém pode restringir, controlar, limitar quem Deus é. Erickson continua dizendo que
"Isso não significa que é somente ilimitado, mas é ilimitável[...]Deus é diferente de tudo
o que experimentamos. Mesmo aquilo que o senso comum, antes, afirmava ser infinito
ou sem limites, agora é considerado limitado" (ERICKSON,264), porque ele é a
ilimitação em sua grandeza e totalidade. Bavinck vai dizer o seguinte:

Trata-se de uma ‘infinitude de essência. Deus é infinito em sua essência característica,


absolutamente perfeito, infinito em um sentido intensivo, qualitativo e positivo [...] a
infinitude de Deus é sinônima de perfeição e não tem de ser discutida separadamente
(BAVINCK, 164).
Nós percebemos a infinitude de Deus em certas características que aparecem na
Escritura falando sobre Deus como alguém que é incontrolável, alguém que não pode
ser contido, alguém que está em todos os lugares. A infinitude é um atributo que é
derivado logicamente de outros atributos de Deus. Se você pedir bases bíblicas para
mostrar que Deus é infinito, você encontrará bases bíblicas demonstrando outras
características de Deus que quando juntas mostram justamente esse aspecto de Deus ser
maior do que tudo e de não ser possível contê-lo e limitá-lo de forma alguma.
Um desses atributos é justamente o atributo da eternidade. A Escritura não fala de um
começo ou mesmo de um fim para Deus. E muitas pessoas se opondo ao cristianismo
dizem, “quem criou Deus? ” e a resposta simples é “ninguém”. Se tudo o que criado tem
uma causa, como diz o famoso argumento cosmológico, chega uma hora que é preciso
algo não-criado para dar início a tudo. E esse algo não-criado tem que ser algo que faça
parte da infinidade passada, que está fora dos nossos conceitos de tempo e que sempre
existiu.

A Escritura diz várias vezes que ele é o primeiro e o último (Is 44.6), que ele existia
antes que o mundo existisse (Gn 1.1), que ele é Deus de eternidade à eternidade (Sl
90.2; 93.2), eterno (Is 40.28; Rm 16.26), habita na eternidade (Is 57.15), imortal (Rm
1.23; 1 Tm 6.15).

Sobre a eternidade, Bavinck afirma que “entre eternidade e tempo há uma distinção não
somente em quantidade, e em grau, mas também em qualidade e essência” (BAVINCK,
165). Deus ser eterno não significa simplesmente dizer que ele tem muito tempo,
significa dizer que ele tem um relacionamento diferente com o tempo em nível
qualitativo. Ele tem outra essência de relacionamento. Ele tem outra Além do próprio
tempo, coisas que nem conseguimos entender.

Quando nascemos e vivemos, estamos presos ao tempo. É impossível se compreender e


se interpretar fora do tempo. É difícil que imaginemos como seria esse tipo de
existência. É como um cego de nascença tentando ver. É como alguém que nunca ouviu
nada tentando entender o que é ouvir. É como se tentássemos entender cores acima do
ultra-violeta ou abaixo do infra-vermelho. São coisas que estão além de nossa
capacidade e Deus é alguém que está além do tempo. Bavinck dizer o seguinte:

a natureza essencial do tempo não diz respeito à finitude ou infinitude do antes ou do


depois, mas que ele abrange uma sucessão de momentos, que há nele um período que é
passado, um período que é presente e um período que vem depois. Mas, daí, segue-se
que o tempo – tempo intrínseco – é o modo de existência que é característico de todos
os seres criados e finitos[...] Tempo é duração da existência da criatura [...] Deus não
é um processo de tornar-se, mas um ser eterno[...] Ele não pode ser submetido à
medida ou à contagem de sua duração [...] A eternidade de Deus, portanto, deve ser
imaginada como um presente eterno, sem passado nem futuro (BAVINCK, 166).
Ele continua dizendo que Deus “continua sendo eterno e habita a eternidade, mas usa o
tempo para manifestar seus pensamentos e perfeições eternas. Ele faz que o tempo seja
subserviente à eternidade e, assim, prova ser o Rei das eras (1 Tm 7.17)" (BAVINCK,
167).

Em Cristo, Deus encarnou no tempo. Em Cristo, Deus não somente recebeu essa
natureza humana, mas em Cristo Deus se tornou temporal, uma vez que ele se encarnou,
cresceu e viveu como homem que nem nós.

Bibliografia Utilizada:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.


ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 8 – imutabilidade e unidade

Ainda estamos nos atributos de grandeza e o atributo de agora é imutablidade, ou


constância. A Bíblia fala que Deus sempre permanece o mesmo, ele foi e sempre será o
mesmo. Diz a Escritura que ele não é homem para que minta ou se arrependa. O que
diz, fará (Nm 23.19; 1 Sm 15.29). Seus dons e chamado são irrevogáveis (Rm 11.29).
Nele não há sombra de variação (Tg 1.17). Ele não muda (Ml 3.6).

Há um longo testemunho na Escritura em favor disso. Porém, há certas passagens que


parecem atribuir mudança a Deus de arrependimento (Gn 6.6; 1 Sm 15.11; Am 7.3; Jl
2.3; Jo 3.9; 4.2), mudança de planos (Êx 32.10-14; Jn 3.10), pode ficar irado (Nm 11.1,
10; Sl 106.40; Zc 10.3) e desviar sua ira (Dt 13.17; 2 Cr 12.12; 30.8; Jr 30.8; Jr 18.8, 10;
26.3, 19; 26.3).

Essas passagens muitas vezes são mal-compreendidas. Alguns desses textos sofrem de
péssimas traduções que muitas vezes não respeitam os contextos melhores de cada
palavra. Por exemplo, a palavra usada para arrependimento no Antigo Testamento é
uma palavra que pode ser traduzida por outras coisas. O campo semântico é mais vasto
e pode significar apenas tristeza, pode significar lamento. Traduzir essa palavra como
arrependimento ao atribuí-la a Deus não respeita outras possibilidades mais contextuais
de tradução ao dizer que Deus lamentou por algo. É Berkhof que elucida a ideia de que
dizer que Deus é imutável não quer dizer que ele é imóvel, como se não houvesse
qualquer movimento em relação à criatura (BERKHOF, 58). "Imutabilidade não é
imobilidade rígida. A própria Escritura nos leva a descrever Deus nas relações mais
variadas com todas as suas criaturas” (BAVINCK, 161). E, nesse processo, ele se
manifesta em contato e em adaptação a elas. Uma vez que Deus escolheu ser um ser
relacional, ele escolheu de alguma forma em sua manifestação econômica, em sua
manifestação com aqueles que estão falando e se envolvendo com ele, não ficar estático,
ainda que ele seja estável. Ele é ativo e dinâmico, mas de um modo estável e consistente
com sua natureza” (ERICKSON, 271).

Ou seja, ainda que Deus tenha um núcleo formativo que é imóvel – ele não muda – pois
sendo perfeito não involui nem decresce em nada, Erickson propõe três alternativas de
percepções a essa ideia de Deus mudar de alguma forma.

• Alguns textos bíblicos que dão entender que Deus muda devem ser interpretados
como antropomorfismo ou antropopatismo. São simplesmente descrições das ações
e dos sentimentos de Deus para com as coisas criadas sempre em termos humanos
e de uma perspectiva humana. Isso incluiria as manifestações de Deus
experimentando dor e pesar. “Se a Escritura fala do seu arrependimento, de sua
mudança de intenção, e da alteração que faz de sua relação com pecadores quando
esses arrependem, devemos lembrar-nos de que se trata apenas de um modo
antropopático de falar. Na realidade, a mudança não é em Deus, mas no homem e
nas relações e nas relações do homem com Deus” (BERKHOF, 59).
• O que pode parecer mudança de ideia, na verdade, pode ser um novo estágio na
concretização do plano de Deus. Exemplo disso é a oferta da salvação aos gentios.
Percebemos que no Antigo Testamento a salvação era oferecida ao povo de Israel
como povo escolhido de Deus. Os gentios eram salvos ao se sujeitar ao povo de
Israel. A conversão de fé no Antigo Testamento também era uma conversão étnica
em algum nível. A pessoa se sujeitava de Israel para se sujeitar ao povo de Deus. É
como disse Rute a Noemi: “Seu povo será meu povo e o seu Deus será o meu
Deus”. No Novo Testamento, a salvação é entregue e ofertada aos gentios sem
uma submissão ao povo de Israel. Então, Deus mudou de ideia? De forma
nenhuma! Deus apenas concretizou um novo aspecto do seu plano eterno. Já era
plano de Deus que no avançar das eras os povos tivessem relacionamentos
distintos com ele de acordo com o beneplácito da sua boa vontade.
• Algumas mudanças aparentes de ideia são alterações de orientações resultantes do
avanço dos seres humanos para um relacionamento diferente com Deus. Uma vez
que os homens mudam, aquilo que Deus manifesta aos homens acaba mudando
também.

Muito próximo da ideia de imutablidade temos o atributo da unidade. A ideia de que


Deus é uno. A unidade de Deus se manifesta em sua unidade de singularidade (unitas
singularitatis) e unidade de simplicidade (unitas simplicitatis). Unidade de
singularidade (Dt 6.4; 1 Rs 8.60; 1 Co 8.6) quer dizer que

há apenas um ser divino, que em virtude da natureza desse ser, Deus não pode ser mais
que um ser e, consequentemente, que todos os outros seres existem somente dele, por
ele e para ele. Portanto, esse atributo ensina a absoluta unicidade e exclusividade de
Deus, sua unicidade interior ou qualitativa (BAVINCK, 174).

Isso atrelado à ideia de imanência e transcedência que ainda vamos ver é o que mostra
que Deus é diferente da sua criação. Ele não pode ser confundido com nada na coisa
criada. O que é uma crítica séria ao panteísmo e ao panenteísmo duas doutrinas muito
famosas que dizem que Deus é tudo ou que Deus está em tudo – o que não é verdade. A
gente também tem essa unidade de simplicidade que quer dizer que por causa de sua
absoluta perfeição cada atributo de Deus é idêntico à sua essência (BAVINCK, 177). É
exatamente a ideia que já falamos que Deus é o que possui. É “o estado ou qualidade
que consiste em ser simples, a condição de estar livre de divisão em partes e, portanto,
composição. Quer dizer que Deus não é composto e não é suscetível de divisão em
nenhum sentido da palavra. Isso implica, entre outras coisas, que as três pessoas da
Divindade não são outras tantas partes das quais se compõe a essência divina, que não
há distinção entre essência e as perfeições de Deus, e que os atributos não são
adicionados à sua essência (BERKHOF, 61). Os atributos são a própria essência de
quem Deus é. Ou seja, Deus não é uma composição de partes. Ele não é uma coisa que
pode ser dissecada. Deus é. E ele é o todo de tudo que ele é.

Bibliografia utilizada:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.


Aula 9 – Santidade e Justiça

“A palavra hebraica para “ser santo”, qadosh (‫)דֹושָק‬, deriva da raiz qad, que significa
cortar ou separar” (BERKHOF, 70). Essa palavra é usada em associação com coisas que
são separadas para um fim específico, como, por exemplo, itens que eram santificados
para uso no templo. Algumas coisas no Antigo Testamento eram coisas santas e por
serem santas não poderiam ser usadas na vida comum, elas eram separadas apenas para
o serviço no templo de Deus. (Êx 3.5; 12.16; 19.6; 29;31; 30.25; Lv 16.4; 25.12; 27.14,
30; Nm 5.17; 16.37; 27.30; Dt 23.14; Js 16.37; 2 Cr 35.3; Ed 9.2; Ne 11.1; Dn 11.28
etc). Em primeiro lugar, dizer que Deus é santo significa dizer que Deus “está
totalmente separado de toda a criação (ERICKSON, 277) (Êx 15.11). Significa que ele é
separado do pecado e do mal moral.

Certamente a expressão mais clara e mais profunda da santidade de Deus é encontrada


em Isaías 6.1-4 quando o profeta vê Deus no seu alto e sublime trono e os anjos em sua
volta diziam “Santo, santo, santo” indicando um superlativo de santidade. Esse atributo
de Deus possui tanto uma qualidade relacional e uma qualidade moral. Essa separação
do mal, do pecado e da própria criação que mostram sua glória e sua majestade acima
de tudo e de todos. Essa é justamente intimamente relacionada com a bondade,
fidelidade e sabedoria de Deus (BAVINCK, 222). Norman Geisler vai dizer que a
santidade de Deus representa uma total separação de toda criação e de todo mal
(GEISLER, 314). Ou seja, a santidade expressa a relação de Deus com o mundo.

Mas essa relação é vista diferente dependendo do teólogo que fala a respeito dela.
Herman Bavinck lista vários teólogos e a relação disso na relação com o ser humano.
Menken associou a santidade de Deus com sua bondade condescendente e com sua
graça. Baudissin, porém, cria que era transcendência total de Deus, e foi apoiado, nessa
interpretação, por Ritschl e outros, que recorreram a Números 20.13; Isaías 5.16.
Ezequiel 20.41; 28.25; 36.20-24; e à relação entre glória e santidade em textos como
Isaías 63.15; 64.11; Jeremias 17.12; Ezequiel 20.40 e assim por diante. Estreitamente
relacionada a essa posição está a de Schultz que, baseado em Êxodo 15.11; 1 Samuel
2.2; 6.20; Isaias 6.3; 8.13; 10.17, associa a santidade de Deus com sua majestade
ardente, sua inacessibilidade, a distância infinita que o separa de todas as criaturas.

Na batalha para descobrir qual atributo de Deus poderia representar melhor a ideia de
santidade, muitos interpretavam isso como mero relacionamento com a criatura e
interpretavam isso como um mero termo relacional e não como um atributo divino de
fato, sem ser algo que falasse diretamente sobre sua essência interior. Diestel foi um dos
teólogos famosos que defendeu essa posição.

Apesar das diferentes interpretações acerca da santidade de Deus e de como isso pode
ser percebido no seu relacionamento com as criaturas, todos concordam que isso
significa que Deus é separado da criação e que Deus é separado do pecado. Assim, por
ser santo, Deus está separado de suas criaturas, do mal e Deus nos santifica. Essa
santidade, por mais que seja considerada por muitos teólogos como um atributo
incomunicável, Deus, ainda assim nos concede algo de santificação à medida que
cremos no nome do Messias e seguimos o caminho do salvador.

Por causa de sua santidade, Deus não é manchado nem tocado pelo mal do mundo e não
tem nenhuma participação nesse mal. Deus é totalmente diferente de nós e não procede
de forma má. E tal perfeição é o padrão, o horizonte que seguimos como base moral
para o povo de Deus. Bavinck comenta que a

Santificação de pessoas e coisas pelo Senhor ocorre de duas maneiras: negativamente,


pela escolha de um povo, pessoa, lugar, dia ou objeto e sua separação de todos os
outros; e positivamente, consangrando essas pessoas ou coisas e fazendo-as viver de
acordo com normas específicas” (BAVINCK, 224).

Bavinck então considera que a santificação é algo que é mais do que mera separação.
Ela consiste em que por meio da lavagem, consiste em, por meio da lavagem, da unção,
do sacrifício, do aspergir do sangue (etc.) privar uma coisa do caráter que ela tem em
comum com todas as outras coisas e imprimir sobre ela outro selo, um selo
exclusivamente seu, que ela deve portar e exibir em toda parte” (BAVINCK, 225). Ou
seja, é algo propriamente da pessoa ou coisa santificada. A santidade diz respeito a
plenitude num sentido “religioso, ético, cerimonial, interno e externo” (BAVINCK,
226).

É por isso que Jesus é a manifestação final, última e perfeita da santidade de Deus. A
ideia de santidade vem intimamente relacionada com a ideia de justiça e retidão.
Berkhof vai dizer que “a ideia fundamental de justiça é a de estrito apego à lei”
(BERKHOF, 72). Significa, é claro, a lei de Deus manifestando sua verdadeira natureza,
mostrando que a natureza de Deus é tão perfeita quando ele e que a lei de Deus é tão
perfeita quanto natureza de Deus.

A justiça é o seu instrumento para reger o reino. A justiça dele durará para sempre. Deus
é o juiz de toda terra e ele não vai deixar a injustiça permanecer. Por causa dessa justiça,
Deus não toma por culpado o inocente (Ex 20.7; Ne 1.3ss). Ele nunca vai punir alguém
que não tem culpa do seu mal e do seu erro. E, porque é justo, ele não poupa o ímpio
(Ez 7.4, 9, 27; 8.18; 9.10), porque é justo, ele traz a justa condenação sobre aqueles que
escolheram praticar a maldade. Porque é justo, Deus não faz acepção de pessoas, nem
aceita suborno (Dt 10.17). Ele nunca corromperá sua moral e justiça por causa de
qualquer coisa. Ele é reto em todos os seus caminhos (Sl 119.37; 129.4). Por isso que a
punição do ímpio é mera consequência da justiça e da retidão do Senhor.

Um dos grandes debates teológicos diz respeito do que é justiça de Deus. Como
interpretamos a palavra justiça no Antigo e Novo Testamentos. É muito difícil definir
isso com clareza. Muitos teólogos dizem que justiça nada mais é que a preocupação de
Deus com a sua glória. Outros falam que ela fala de um resultado justo a partir de um
padrão criacional que Deus planeja seguir. Outros dizem que justiça fala de
procedimentos corretos. Apesar de não ser o assunto que queremos tratar aqui, é bom
saber que o conceito de justiça pode mudar de teólogo para teológo. E isso vai afetar o
modo como interpretamos o fato de Deus ser justo e a justificação – algo que trataremos
na doutrina da salvação, sotereologia.

O que importa nesse momento é entender que Deus não é alguém que se corrompe. Ele
é alguém que anda de forma reta, justa, correta. Ele não irá torcer o que é o certo por
causa de nada. Ele age com justiça. Ele pune os ímpios. Ele traz graça aos justos e
corresponde em sua retidão àquilo que a sua lei, aliança e bondade promove aos seus
filhos, aos perdidos e à toda coisa criada que um dia estarão plenamente sujeitos à
justiça do Senhor.
Bibliografia utilizada:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 10 – Ira e Bondade

Dois outros atributos muito importantes para falarmos quem é o Senhor são sua ira
e sua bondade. Geralmente, as pessoas costumam olhar para um desses e ignorar o
outro. Alguns de uma religião mais severa e com o olhar mais duro para vida
interpretam que a ira de Deus é uma coisa muito importante e olham para um Deus que
está sempre com raiva de todo mundo. Outros que interpretam Deus como uma
divindade sempre boazinha, semelhante ao Papai Noel de barba longa no trono do céu,
um Deus que mais parece a Hello Kitty, olham para um Deus que é bondade, amoroso e
que dá tudo, libera tudo e tudo é permitido porque ele é bonzinho conosco.

Porém, aprendemos a partir do autor de Hebreus que devemos considerar tanto a


bondade quanto a severidade de Deus. Temos um Senhor que, sim, é bondoso, mas que
também é severo e o mesmo Deus que criou um céu de glória criou um inferno eterno
para punir aqueles que vão contra o caminho do bem contra o caminho da justiça.
Falaremos melhor sobre o inferno em sotereologia, mas a ira de Deus é um atributo
típico de seu relacionamento com a criação. Wayne Grudem afirma que a ira de Deus
está relacionada à sua santidade e sua justiça. Tanto que ele define a ira de Deus da
seguinte forma, “dizer que a ira é atributo de Deus é dizer que ele odeia intensamente
todo o pecado”. Portanto, a ira é nada mais que uma conclusão lógica de sua santidade e
de sua justiça.

Com isso, entramos em um dos grandes debates da teologia: “Deus odeia o pecado e
ama o pecador”. Isso é verdade? Há um Deus que odeia o pecado de forma abstrata, mas
que ama o pecador que comete o pecado? Isso é uma verdade, mas não é toda verdade.
Por mais que Deus odeie e só odeie o pecado, ele tem um relacionamento complexo
com o homem que escolhe o caminho do pecado. Nós encontramos na Escritura
declarações que falam de um amor de Deus que se dá a todos os homens, então Deus
ama toda a sua criação. Vemos isso em passagens como João 3.16, que diz que Deus
amou o mundo e porque amou o mundo, ele entregou o seu filho. “Mundo” ali no
contexto de João parece se referir ao mundo caído, ao mundo pecador. Quando Jesus
ordena que amemos nossos inimigos, a base que ele dá é que Deus faz cair chuva e sol
sobre justos e injustos. Há um Deus que ama o mundo e porque ama o mundo Deus
ordena que amemos também.

Porém, ao mesmo tempo, há um Deus que manifesta ira contra o homem pecador. Isso é
visto em Salmo 5; 7; João 3. 36, onde diz que “aquele que tem o filho, em a vida, mas
aquele que rejeita o filho já está condenado e a ira de Deus permanece sobre ele”. Isso é
visto em Romanos 9 onde diz que ele “amou Jacó, mas odiou Esaú”. Há um Deus que,
sim, manisfesta não apenas contra o pecado, mas contra aquele que peca. Deus não tem
uma ira contra a figura abstrata do pecado. Ele tem uma ira também contra o agente do
pecado.
“Ora, Yago, mas se Deus ama a todos, como pode odiar alguns? ” A ideia é que de fato
Deus é um ser mais complexo do que nós. Até mesmo nós, seres humanos, temos
sentimentos complexos em relação à existência e muitas coisas. Podemos dizer que
amamos e odiamos algumas coisas. Deus, sim, tem um amor por seus filhos que é muito
especial, Deus também tem um amor que se dá por toda criação e ama também aqueles
que criou. Ainda assim, Deus tem um ódio santo e uma ira justa contra aqueles que
praticam o pecado. Essa ira vai se manifestar em punição contra esses. Porque Deus
ama, ele os traz e os convida a saírem do caminho do pecado e andarem no caminho do
arrependimento, mas, porque Deus tem uma ira, ele trará justiça contra aqueles que
rejeitarem a sua bondade.

A bondade de Deus é o conjunto total de todas as perfeições (bondade metafísica).


Todas as virtudes estão presentes nele em um sentido absoluto” (BAVINCK, 217).
Deus “é o parâmetro definitivo do que é bom, e que tudo o que Deus é e faz é digno de
aprovação” (GRUDEM, 143). Ele é a base do que é moral, do que é certo e errado. Ele é
a própria bondade e justiça. É por isso que várias vezes a Bíblia fala que Deus é bom (Sl
34.8; 36.6; 104.21; Mt 5.45; Mc 10.18; Lc 18.19; At 14.17).

Isso significa que o padrão de avaliação do que é bom e do que não é, é o que Deus diz
que é bom ou não. Deus é bom e, por causa disso, aquilo que ele julga bom é, de fato,
bom para aqueles que encontram em Deus a base moral e epistemológica de toda a
existência. Se Deus não existe, se não há um padrão moral absoluto, a moralidade não
transcende o homem. Ela passa a ser uma mera escolha arbitrária, ou um fruto de
padrões evolutivos.Se Deus existe há uma moralidade acima de todos nós. E essa
moralidade é baseada totalmente em quem Deus é e naquilo que ele considera justo e
correto para nossas vidas.

Nisso Deus nos deu um reflexo do seu próprio padrão de bondade de modo que
podemos avaliar as coisas a partir de um padrão que Deus colocou no nosso coração.
Romanos 1-2 diz que Deus pôs no coração do homem algum senso da lei de Deus, de
forma que temos alguns padrões so que é certo, justo, bom, e que perpassa todos os
seres humanos – sejam religiosos ou não. Isso está intimamente relacionado ao fato de
que todos nós fomos feitos à imagem de Deus.

Por isso, devemos aprovar o que Deus aprova e encontrar prazer nas coisas que Deus
diz que são boas. A graça e a misericórdia de Deus se manisfestam como parte da sua
bondade. A ideia de misericórdia está em não dar algo ruim que você merece. Você
merecia algo ruim e Deus não lhe deu isso – isso é misericórdia. É o oposto negativo de
graça. Graça é entregar algo bom que você não merece. Deus é gracioso e
misericordioso. Por isso que a graça divina é bondade para com aqueles que só
merecem castigo. E paciência divina é a sua bondade para com aqueles que continuam
por muito tempo no pecado.

A ideia de um amor leal de Deus, ou de um amor permanente, que é o termo


hebraico hesed [‫ ]סֶ דֶה‬muito usado na Escritura para falar dessa aliança que Deus faz
com o homem e que permanece em aliança por causa desse amor também é uma das
manifestações da sua bondade para conosco. É um ato de compromisso para aqueles que
participam do seu favor e é o princípio do perdão, o qual foi revelado plenamente em
Cristo Jesus.
Por isso que várias passagens bíblicas falam da misericórdia e fala também da graça de
Deus Gn 6.8; Ex 15.13, 16; 19.4; 33.12, 17, 19; 34.9; Pv 3.34; Is 35.10; 42.10; 43.1, 15,
21; 54.5; 63.9; Jr 3.4, 19; 31.9, 20; Ez 16; Os 8.14; 11.1; Dn 4.27). Tanto que a graça é
constantemente louvada (2 Cr 30.9; Ne 9.17; Sl 86.15; Jn 4.12. Zc 12.10). No Novo
Testamento, ela se mostra mais rica e mais profunda (Lc 4.22; Cl 4.6; Ef 1.6-7; 2.7-
9;4.29; Tt 2.11; 3.4-7). É a graça que se manifesta como um do que salva (At 18.27; Ef
2.8), que nos justifica, nos fazendo justos diante de Deus (Rm 3.24; 4.16; Tt 3.7).

“O amor é uma expressão da bondade de Deus na qual ele se doa eternamente aos
outros” (GRUDEM, 145). Essa definição que é dada pelo Wayne Grudem apresenta o
amor como uma doação de si mesmo e em benefício dos outros. Mostra que faz parte da
natureza de Deus doar-se e distribuir bençãos. A própria Bíblia diz que Deus é amor e
que o amor de Deus é eterno (Sl 136, Jo 17.24). Seu amor é um modelo do nosso amor
(1 Jo 4.10-11). E que Cristo é a prova do amor de Deus ao morrer numa cruz em nosso
lugar (Jo 3.16; 15.13; Rom 5.8).

Deus amou o mundo, Deus amou a igreja e Deus amou os homens de forma individual
(Jo 14.23; 16.27; 17.23). O amor dele não é só ao grupo, mas é também por cada
indivíduo que vive sobre a terra. O amor dele é por mim e é por você.

A longanimidade também é um atributo de Deus que está intimamente relacionado com


a sua bondade. É através dela que ele tolera homens rebeldes e maus a despeito de sua
prolongada desobediência.

Bibliografia utilizada:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 11 – A imanência de Deus

Vamos falar um pouco sobre imanência e transcendência de Deus. O que isso significa?
Já foi falado acerca de Trindade imanente e transcendente. Essas palavras talvez sejam
novidade para você. A ideia é que o cristianismo sempre apresentou Deus como
imanente como transcendente. Muitas religiões têm visões diferentes sobre isso.
Religiões mais panteístas ou panenteístas interpretam que a divindade é totalmente
imanente, tão imanente que a divindade se confunde com a própria criação, porque deus
é tudo ou está em tudo. Já movimentos mais deístas interpretam Deus como algo
totalmente distinto da criação ao ponto de não mais participar da coisa criada. É alguém
que criou tudo, empurrou todas as coisas, girou o motor e então saiu e desapareceu da
criação. O cristianismo apresenta um Deus que tanto é transcendente como é
imanente. Primeiramente, começaremos por imanência.

Por imanência nos referimos ao contato de Deus com toda a criação, com a natureza,
com a história daquilo que ele formou na terra. Por ser imanente, estando em contato
com a coisa criada, ele também é providente – outro termo que é comumente usado na
teologia para falar a respeito do controle de Deus na natureza, na criação e nos corações
dos homens, nos governos e em tudo que está à nossa volta. Deus está em contato com e
guiando a criação de acordo com a sua vontade e de acordo com o poder de sua palavra.
Nisso podemos acreditar que cada coisa que acontece à nossa volta é devida haver um
Deus imanente cuidando de tudo. Ele é o Deus da natureza, da lei natural, ele é o Deus
que criou as regras do universo e sustenta tudo com a palavra de seu poder. Por isso que
até mesmo os eventos naturais podem ser vistos como atuação de Deus. Não existe
acaso, não existem atos aleatórios. Tudo que existe é por causa de um Deus providente,
imanente, próximo de nós, guiando todas as coisas. Deus está presente em todos os
lugares, não apenas naquilo que é espetacular. Deus está lá naquilo que é comum.
Norman Geisler diz que a imanência fala diretamente a respeito do modo como Deus se
relaciona com a sua criação. No sentido de que Deus não está somente sobre ela, mas
que Deus está nela. Ele é tanto Deus de longe quanto de perto. Norman Geisler também
coloca que Deus sendo infinito precisa estar além da criação, no entanto, como sua
causa sustentadora, ele deve estar na criação.

Teologicamente, então, a ideia de imanência significaria que Deus está presente no


universo inteiro. A imanência estaria próxima, por definição, da onipresença. A ideia
que Deus está em todos os lugares também traz a ideia que Deus está presente em todos
os lugares e se faz conhecido e acessível, em todos os lugares. Novamente, isso não
pode ser confundido com panteísmo/panenteísmo. Deus está em todo lugar, se fazendo
presente. Ele se faz acessível às criaturas, mas ele não se confunde com a coisa criada.
Deus não está no universo no sentido de ser parte dele. É o que diz Norman Geisler,
“ele está no universo como sua causa sustentadora, mas não no sentido de ser parte de
sua natureza” (GEISLER, 527).

A Bíblia sustenta a imanência de Deus em muitas passagens (Jr 23.23-24; Sl 104.29-30;


139.7-10; At 17.27-28; 27.3; 33.4; Cl 1.17; Hb 4.13; Ap 4.11). Pense na ideia de que
Deus é aquele que sustenta o universo e em tantos outros textos que mostram Deus
perto que pode ser encontrado pelo seu povo.

Millard Erickson nos dá cinco aplicações práticas da ideia de existir um Deus imanente.
(1) Ele não está limitado a agir diretamente para realizar seus propósitos. Ele pode usar
toda a criação e natureza para fazer isso acontecer, porque ele está controlando e
sustentando toda a natureza. (2) Deus pode usar pessoas e organizações que não são
declaradamente cristãs (Is 44.28; Ed 1.1-4). Pense na história do rei Ciro no Antigo
Testamento. Era um rei ímpio que Deus usou para fazer seu nome conhecido e para
cumprir a sua vontade. Mesmo homens que não servem a Deus são usados por ele
porque há um Deus providente e imanente organizando todas as coisas. (3) Significa
que podemos apreciar o que Deus criou. Podemos receber a benção de tudo aquilo que
está à nossa volta porque há um Deus que se revela e usa aquilo que nos rodeia. (4)
podemos aprender algo de Deus por meio da criação. Lemos em Romanos 1 que há um
Deus que se manifesta através da coisa criada e sim, há algumas características a
respeito do Senhor que nos são acessíveis através da sua revelação na natureza. (5) A
imanência representa o ponto de contato entre o crente e o descrente. Aquele que
acredita em Deus e o que não acredita, estão todos diante de um Deus que está perto e
porque ele está perto é possível se apontem de alguma forma para aquilo que é maior do
que eles. (ERICKSON, 304-305).

Uma vez que Deus não está longe, mas próximo, existe um ponto de contato ali. Até
mesmo o homem caído, o qual ainda tem um senso do divino, como dizia Calvino, e o
homem que encontrou a revelação do Senhor.
Muitos modelos de imanência surgiram ao longo da história da igreja.

Agostinho, por exemplo, um grande teólogo do século IV. Dizia que “a presença de
Deus está em todo canto, mas não é confinada por fronteiras nem limitações, ela é
indivisível e imutável. Sua presença não tem necessidade dos céus nem da terra, mas ele
preenche ambos com sua presença e sei poder”. (AGOSTINHO APUD GEISLER, 530).
Thomás de Aquino, mais à frente, na teologia medieval, fala que costumeiramente se
comenta que “Deus está em todas as coisas por essência, não de fato pela essência de
todas as coisas em si mesmas, como se ele fosse da sua essência, mas pela sua própria
essência; porque sua substância está presente a todas as coisas como a causa de sua
existência”. (APUD GEISLER, 531) Deus é aquele que criou tudo, então ele se
manifesta ainda através de tudo. Mais à frente com a Reforma Protestante, Martinho
Lutero diz que “Deus não descansa, mas trabalha sem cessar, como Cristo diz em João
5, “Meu pai continua trabalhando até hoje e eu continuo trabalhando” (lUTERO APUD
GEISLER, 541). A ideia da Reforma é que havia um Deus que não havia cessado de
sustentar a sua criação e por isso ainda se fazia presente nela. João Calvino dizia que a
imanência de Deus “não significa apenas acionar, mediante determinado movimento
universal, tanto a máquina do orbe, quanto cada uma de suas partes, como também a
sustentar, nutrir, assistir, com determinada providência singular, a cada uma
dessas coisas até o mais insignificante pardal” (Mt 10.29) (Institutas, 1.16.1). A
imanência de Deus é uma doutrina maravilhosa, mas na aula que vem vamos falar da
transcendência de Deus.

Bibliografia utilizada:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

GEISLER, Norman. Systematic Theology, Volume two. Minnesota: Bethany House


Publishers, 2003.

Aula 12 – A transcendência de Deus

O que significa a transcendência de Deus? O fato de Deus ser além da criação. Ele é
maior que qualquer coisa que encontremos à nossa volta. Por transcendência queremos
dizer que Deus é maior e independente da natureza e da humanidade. Ele não está
necessariamente ligado à criação ou envolvido necessariamente com ela. Ele é também
superior à criação das mais diversas formas. Por isso, muitos teólogos não consideram a
transcendência como uma característica inerente de Deus, mas uma característica mais
relacional. Inerentemente, Deus é infinito e em suas relações com a criação ele é
transcendente. A Bíblia testifica a transcendência das mais variadas formas (Gn 1.1; 1
Rs 8.27; Sl 57.5; 113.5-6; Is 6.1-5; 40.12; 55.8-9; 57.15; Jo 8.23; Ef 4.6).

Agostinho, no século IV, tinha um modelo de transcendência que falava de um Deus


que não criou nada fora da sua própria vontade. E que seu conhecimento da coisa criada
nunca sofreu alteração ou mesmo adição (AGOSTINHO APUD GEISLER, 522). Deus
não fez as criaturas por alguma nova vontade de seu coração onde ele precisava de
alguma coisa. Ele é transcendente porque é superior e criou tudo de forma deliberada e
amorosa. Da mesma forma, Thomás de Aquino dizia que “Deus está acima de todas as
coisas pela excelência de sua natureza” (AQUINO APUD GEISLER, 522). Na Reforma
Protestante, Martinho Lutero dizia que “Deus não deve ser excluído de, ou limitado a
qualquer lugar. Ele está em todos os lugares e em lugar nenhum”, porque Deus não
pode ser contido nem mesmo no tudo. E diz ainda que Deus estaria em todos os lugares
por causa do exercício do seu poder para isso, ou de acordo com a sua essência de estar
em todo lugar. Diz que “Deus não opera através de seu atributo, mas através de sua
essência”. É da essência de Deus ser transcendente a tudo. Calvino de forma semelhante
acusa algumas concepções grosseiras a cerca de Deus que desconsideram que Deus é
muito maior que as suas criaturas. Ele vai dizer que mesmo que mar, terra, que tudo
pareça vasto em sua extensão não é nada comparado com Deus. Ainda hoje quando
olhamos para as canções, músicas e tratamentos que damos ao Senhor, às vezes o
tratamos como se ele fosse muito pequeno, ou muito próximo de nós. Aqui no Ceará
dizemos que isso é tratar Deus como se fosse nosso pariceiro, levamos Deus a pagode.
Mas não fazemos isso com o Senhor que é transcendente e que está acima de todos nós.

Foi um teólogo do século XX chamado Karl Barth que disse que Deus é totalmente
outro, justamente chamando atenção para a sua transcendência. Ele dizia que “Deus não
é um aspecto da natureza humana Ele está separado da humanidade por uma distinção
qualitativa infinita”. A qualidade de Deus é infinitamente maior que a nossa. Mas Karl
Barth é conhecido por seus exageros acerca da transcendência de Deus. Ele chega a
dizer então que “nos seres humanos, não há centelha de afinidade com o divino,
nenhuma capacidade de produzir revelação divina, nenhum resíduo de semelhança com
Deus. Além disso, Deus não está envolvido na natureza, tampouco condicionado a ela.
Ele é o que se oculta, não pode ser descoberto pelos nossos esforços, demonstrado pelas
nossas provas intelectuais, nem compreendido em termos de nossos conceitos”
(ERICKSON, 307).

Essa resposta extremada de Karl Barth foi uma resposta ao imanentistas do século XIX.
A partir do século XIX e em parte do XX. Houve muitos movimentos que deram ênfase
exagerada na imanência de Deus. O liberalismo teológico chegava a dizer que não há
âmbito sobrenatural fora do âmbito natural. E que Deus está na natureza não além ou
fora dela. O Liberalismo, então, perceberia Deus atuando apenas dos fenômenos
naturais excluindo até mesmo a possibilidade de milagres. Para eles, Jesus era diferente
dos seres humanos apenas em grau, não em espécie. Jesus era um homem melhor do
que nós com um senso mais elevado do divino. E não um homem diferente, superior e
realmente divino, realmente Deus. Uma visão que certamente não representa aquilo que
o cristianismo fala sobre Jesus.

Bibliografia utilizada:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 13 – As vontades de Deus

Deus tem vontades, talvez mais de uma. Esse é um assunto que tem chamado atenção de
teólogos. O que aprendemos teologicamente é que tudo deriva da vontade de Deus.
Criação e preservação (Ap 4.11), governo (Pv 21.1; Dn 4.35; Ef 1.11), eleição e
reprovação (Rm 9.15-16), os sofrimento de Cristo (Lc 22.42; At 2.23) e dos crentes (1
Pe 3.17), a vida e o destino do homem (At 18.21) e os menores detalhes da vida (Mt
10.29) estão debaixo da vontade do Senhor. Esse é o atributo pelo qual ele decide
praticar todo e qualquer ato, seja para si mesmo ou concernente à criação. Nós vivemos
sujeitos à vontade de Deus e não temos como viver fora dela. Ele é aquele que tem
controle e soberania sobre tudo. Mas essa vontade possui alguns aspectos comumente
descritos na teologia. Muitos teólogos falam da vontade necessária. Wayne Grudem
explica isso muito bem quando diz que "a vontade necessária de Deus abarca tudo o que
ele tem obrigatoriamente de desejar conforme a sua natureza. E o que Deus
necessariamente deseja? Deseja a si próprio. Deus eternamente deseja ser, ou quer ser,
quem ele é e o que ele é (GRUDEM,156).".

Deus não tem conflitos de identidade ele é um ser completamente satisfeito em si


mesmo. Ele diz: “Eu Sou o que Sou” ou “Eu Serei o que Serei” (Êx 3.14). Ele está
convicto de quem é. “Deus não pode decidir ser diferente do que é, nem deixar de
existir” (GRUDEM,156). Não por uma questão de possibilidades, mas uma questão
moral. Ele simplesmente não precisa disso e não quer isso, porque a sua vontade
corresponde à plenitude da sua natureza. Por isso que Bavinck fala de uma vontade de
Deus com relação a si mesmo como uma propensão em relação a si mesmo como
“objetivo[...] Deus não pode fazer outra coisa a não ser amar a si mesmo. Ele,
eternamente e com necessidade divina, tem prazer em si mesmo. Portanto, sua vontade é
isenta de arbitrariedade, mas não é sujeita a coerção” (BAVINCK, 239). Deus tem
prazer em si mesmo e glorifica o próprio nome para sempre.

O teólogo e pastor americano John Piper no seu livro Em busca de Deus que descreve a
paixão de Deus pela sua glória e o interesse de Deus em glorificar o seu nome para
sempre. A vontade livre de Deus, ou até mesmo o livre arbítrio de Deus, encerra todas
as coisas que Deus decidiu desejar sem ter que desejá-las de forma necessária por causa
de sua vontade. Aqui temos que enquadrar a decisão divina de criar o universo, além de
toda decisão ligada aos detalhes da criação, sem falar de todos os esforços redentivos de
Deus. Não era necessário que ele assim agisse, mas escolheu livremente agir dessa
forma em nosso favor.

Outra divisão comum com relação à vontade de Deus fala de uma vontade secreta e uma
vontade revelada, também conhecidas como vontade decretiva e vontade preceptiva. A
vontade secreta é a vontade de decreto de Deus. Já a vontade preceptiva é a vontade
revelada é a vontade dos mandamentos de Deus, ou seus preceitos. A vontade
preceptiva fala diretamente sobre nossa conduta moral, também conhecida como
vontade de mandamento. É a vontade declarada acerca do que devemos ou não devemos
fazer. Basicamente, é a vontade da lei de Deus. É o que Deus espera que façamos ou
não a partir do que é ordenado por ele. Segundo Berkhof, a vontade revelada/preceptiva
é justamente a regra moral que Deus deu aos seus filhos e a regra de vida que ele
entregou às suas criaturas morais indicando os deveres que lhes impõe. E essa vontade é
desobedecida com frequência (BERKHOF, 74).. Muitas vezes fugimos e abandonamos
a vontade de Deus. Não vivemos como Deus ordena que vivamos. Bavinck ainda chama
essa vontade de preceptiva/revelada de vontade expressa/sinalizada. Ele diz que essa
vontade é o “preceito de Deus, concretamente afirmada na lei e no evangelho, o preceito
que serve como regra de conduta” (BAVINCK, 250).

A vontade decretiva/secreta/de beneplácito é a vontade de Deus que inclui seus decretos


ocultos, o modo como Deus guia a história e organiza tudo para seguir o rumo que ele
determinou desde o princípio. É uma vontade que fala diretamente sobre a soberania de
Deus e o modo como ele organiza todo o universo de acordo com a sua vontade. Ele não
nos revela normalmente quais são esses decretos e como funciona sua vontade a não ser
que seja por meios de profecias acerca do futuro. É por isso que ela é conhecida como
vontade secreta de Deus. O modo como Deus decidiu organizar todo o mundo é uma
coisa que nós não conhecemos. A vontade revelada que é da lei de Deus é conhecida,
mas não conhecemos a vontade do decreto de Deus e do modo como ele organizou
todas as coisas. A vontade decretiva é a qual não podemos fugir. Podemos fugir dos
mandamentos de Deus, mas não podemos fugir do decreto de Deus. Há uma soberania
do Senhor que guia todas as coisas, montando toda a história para um rumo específico.
Não temos como fugir do modo como Deus organizou o mundo.

Se for perguntado: “é possível fugir da vontade de Deus? ” é preciso ser dito “Depende,
de qual vontade você se refere? A vontade do mandamento. Nesse caso, sim. Porém,
fugir do decreto de Deus e da soberania de Deus de forma nenhuma”. Nenhum de nós
pode fugir da vontade desse Senhor.

Os luteranos geralmente rejeitam a divisão entre essas duas vontades apesar de Lutero
em The bondage of the will publicado em português como nascido escravo, fazer uma
distinção entre as duas coisas. Entretanto, sua compreensão não é bem a compreensão
reformada, a qual apresentamos aqui.

Os teólogos católicos mantiveram formalmente essa distinção, mas falam em termos de


vontade antecedente e consequente. Teólogos reformados geralmente rejeitam esse tipo
de pensamento.

Bibliografia utilizada:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 14 – A glória de Deus


Você já deve ter ouvido alguém gritar em um culto protestante: “Glória a Deus! ” Mas o
que isso realmente significa? O que a palavra “glória” representa? Podemos falar de
uma glória que é atribuída a Deus e uma que é inerente a Deus. A glória que é atribuída
a Deus é a que lhe entregamos, é a glorificação do nome de Deus. A glória que lhe é
inerente é a que ele já possui. Porém, para entender a divisão entre essas duas coisas,
temos que entender o que a palavra glória significa.

O teólogo americano John Piper diz que a glória é o resplandecer dos atributos de Deus.
Aquilo que Deus é aparece a nós. Através da sua glória. Se uma lâmpada ou uma vela
tem a característica de ser luminescente, a glória é aquilo que enxergamos ao olhar para
vela ou lâmpada. A glória é o emanar dos atributos de Deus. A palavra hebraica para
glória [kavod – ‫ ]כָבֹוד‬também é usada para falar de peso. Para os autores do Antigo
Testamento a ideia de glória era justamente um peso que aparecia e que enchia o
ambiente quando Deus estava lá. Esse peso que era sentido emocionalmente também
poderia ser sentido fisicamente diante da majestade de quem Deus é. “A perfeição de
Deus, então, que é inerentemente o fundamento da sua bem-aventurança traz, por assim
dizer, a sua glória consigo” (BAVINCK, 259). O equivalente no NT é δοζα que
transmite uma ideia subjetivamente do reconhecimento que alguém recebe ou é
designado para receber. Doxologia é justamente palavras de adoração ao Senhor. Deriva
da palavra doxa e logia, que seria palavra.

Objetivamente, a glória de Deus é sua aparência, seu esplendor, sua forma e seu
prestígio. Esta glória é manifesta em todas as atividades de Deus. (1 Cr 16.27; Sl
29.4;96.6; 104.1; 111.3; 113.4 etc) e na sua criação (Sl 8; Is 6.3), apareceu para Israel
(Ex 16.7, 10; 24.16; 33.18ss; lv 9.6, 23; Nm 14.10; 16.19; Dt 5.24) , encheu o
tabernáculo e o templo (Ex 40.34; 1 Rs 8.11), foi comunicada ao povo (Ex 29.43; Ez
16.14ss). Ela é manifesta ultimanente em Cristo (Jo 1.14), e por meio dele, à igreja (Rm
15.7; 2 Co 3.18) que aguarda a sua volta, a manifestação da sua glória (Tt 2.13). Sua
glória é descrita como fogo (Ex 24.17; Lv 9.24).

Então esta glória intrínseca ao ser de Deus é justamente essa característica de emanação
de todos os seus atributos. Dar glória a Deus é aumentar essa glória que Deus possui.
Seria propagar a sua fama. Seria fazer seu nome glorificado no mundo através de
mostrar para as outras pessoas como ele é grandioso. É como espalhar a fama de
alguém, como se diz em inglês sobre espalhar o nome de Jesus. Nós espalhamos a fama
de Deus. Falamos sobre Deus para as outras pessoas porque queremos que ele receba
mais glória, que os corações que ainda não o glorificam deem a ele a honra e o nome
que ele merece. Porque ele é grande e bondoso e porque ele tem todas essas
características e atributos que nós conversamos.

Nada é mais glorioso do que pararmos para estudar os atributos de Deus. Sabermos
quem Deus é. Conhecermos profundamente o nome do Senhor e sermos tocados por
isso.

Bibliografia utilizada:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

Aula 15 – A trindade –Deus-pai, Deus-filho, Deus-espírito

Certamente uma das coisas mais importantes a se dizer sobre Deus é a doutrina da
Trindade. Certamente uma doutrina muito disputada que sofre muitos ataques de
pessoas de muitas teologias variadas, mas que é certamente uma das coisas mais claras
que a Escritura fala a respeito de Deus. Sem medo de exagero, podemos dizer que a
doutrina da Trindade é uma das doutrinas mais fundamentais da fé cristã. Trindade vem
do latim trinitas que significa tríade. É a doutrina que temos um único Deus que se
manifesta com três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. De forma que cada um dos três
é totalmente Deus, mas que eles não são um ao outro. Ou seja, o Pai não é o Filho, o
Filho não é o Pai, o Pai não é o Espírito e o Espírito não é o Filho, mas cada um deles é
completamente Deus e um está contido no outro. “O Pai está em mim e eu estou no
Pai”, diz Jesus. O Espírito está no Pai e o Pai no Espírito. O Espírito está no Filho e o
Filho no Espírito. Eles não são confudidos, mas não são separáveis. A forma mais
simples de definir a doutrina é dizer que o único Deus existe em três pessoas distintas.
Embora constituam uma única essência divina, uma substância unificada. É o tipo de
coisa que não temos como comparar na realidade. Com o que compararemos a
Trindade? Com a água que tem três estados? Com o ovo que tem clara, gema e casca?
Nenhuma dessas ilustrações é suficiente para dizer quem Deus realmente é. Não temos
nada na criação que uma parte sozinha represente o todo. Uma vez que Jesus é
totalmente Deus, o Espírito é totalmente Deus, o Pai é totalmente Deus, mas que os três
compunham o próprio Deus. Um não é o outro, mas um esteja contido no outro. Como
isso funciona na criação? Não temos nada a assemelhar Deus em sua triunidade.

É por isso que muitos teólogos sistemáticos dizem que a doutrina da trindade é aquela
que se você tenta entender, você perde a cabeça; mas que se negar, perde a alma. É uma
doutrina muito bem descrita na Escritura, mas certamente confunde mentes que não se
sentem satisfeitas em não entender todas as profundidades e os mistérios daquilo que é
possível entender sobre Deus. Já falamos que não podemos conhecer Deus
extensivamente, os detalhes da Trindade é uma coisa que está além da nossa capacidade
humana de compreensão, mas que a Escritura defende com muita clareza.

O credo atanasiano, um documento antigo da história da igreja, diz que a fé católica


consiste em venerar um só Deus na Trindade e a Trindade na unidade, sem confundir as
pessoas e sem dividir a substância. O famoso teólogo do século XX, Karl Barth,
escreveu contrapondo um filósofo rival, Scheleimacher, o qual dizia que a Trindade era
a última coisa que deveria ser dita sobre Deus, dizendo que a Trindade era a primeira
doutrina que deveria ser exposta a respeito do Senhor. Era a primeira palavra que
deveria ser dita até mesmo antes da possibilidade de revelação. Tanto que 220 páginas
de sua dogmática são dedicadas para descrever a Trindade. É de se esperar que Karl
Barth, assim como Thomás de Aquino, tratasse a Trindade como o primeiro assunto de
sua obra, uma vez, que segundo Karl Barth, é a Trindade que torna a dogmática
possível. Berkhof diz que “a forma original da pessoalidade não está no homem, mas
em Deus; sua personalidade é arquetípica, ao passo que a do homem é ectípica”. Ou
seja, a personalidade de Deus é o que dá o padrão de nossas personalidades. A
personalidade do homem é apenas derivada da personalidade de Deus. Somos feitos à
imagem e semelhança de Deus e não o contrário. Assim, é o ser de Deus que dá a base
do que somos. Nossa identidade "não é idêntica à identidade do Senhor, mas contém
tênues traços de similaridade com ela” (BERKHOF, 81). Dessa forma, também
espelhamos algo de Deus ser relacional. A Trindade, como algo que existe eternamente,
apresenta um Deus que desde antes da fundação do mundo se relacionava consigo
mesmo. Temos, desde a eternidade, o Pai amando o Filho, o Filho amando o Pai, o
Espírito amando a ambos. Toda a Trindade estava naquilo que chamamos de pericorese.
Esse termo vem do grego e significa dança. É a ideia de que a Trindade está dançando
em volta um do outro. Foi C.S. Lewis que usou muito esse termo para se referir ao fato
de que o Pai gira em torno do Filho, o Filho em torno do Pai, o Espírito em torno no Pai
e do Filho. Eles ficam nessa centralidade um do outro por toda a eternidade. Deus não
teve que aprender a amar com o ser humano, porque o amor interno da Trindade já se
manifestou eternamente.

Nós somos seres relacionais justamente porque a Trindade é relacional. A própria


divindade nunca esteve sozinha e isolada. Ela é autossuficiente até na sua
multiplicidade. Isso mostra uma das grandes belezas dessa doutrina. Claro, antes de
falar de Trindade, temos que considerar a unicidade de Deus. A Trindade não é a ideia
de que existem três deuses, mas que há três manifestações visíveis pessoais de
autoconsciência nessa divindade que é uma.
Deus é único (Dt 6.4). A Bíblia fala que não há outros deuses (Êx 20.2,3; Dt 32;37;; Is
40,13. Jr 29.8). Israel não seguia um tipo de monolatria, como seguiam os outros povos
à sua volta, onde entre os vários deuses à sua volta, eles escolhiam o seu. Eles eram
monoteístas, acreditando em um único Deus. Os outros deuses eram deuses falsos que
não eram poderosos nem tinham função nenhuma no mundo. Eram só deuses de pedra e
de barro. É por isso que Deus zomba dos deuses que os homens criam. De forma que
Deus zomba dos deuses que os homens criam (Is 44), não há outros que ele compartilhe
sua glória (42.8), e antes dele nenhum existia (Is 43.10). Não há outro deus (Is 45.6).
Deus é primeiro e o último (Is 48.12-16). Jesus cita Deuteronômio 6.4 lembrar que Deus
é um (Mc 12.29), lembrou que só há um que bom (Mt 19.16-22; Mc 10.17-22). Paulo
afirma a unidade de Deus diante dos deuses gregos (1 Co 8.4-6). É por isso que tudo
aquilo que concerne à natureza divina deve ser expresso de forma exata no singular já
que a natureza de Deus é única. A Trindade possui uma única e indivisível razão “uma
única e indivisível ação e uma única vontade” (FERREIRA e MYATT, 180), um único
e indivisível ato na eternidade e na história onde ele se coloca.

Essa unidade também apresenta uma diversidade. As pessoas da Trindade são


distinguíveis. O Pai não é o Filho, o Filho não é o Pai e assim por diante. No batismo de
Jesus, o Pai fala ao Filho e o Espírito Santo se mostra sem ser o Pai ou o Filho. Você
tem uma manifestação nas três pessoas da Trindade ao mesmo tempo em três lugares
diferentes fazendo três coisas distintas. Na grande comissão, Jesus cita as três pessoas
da Trindade na forma de batizar. Pessoas estas que também são na atuação da igreja. O
Filho é tratado como unigênito do Pai (Jo 3.16), o Espírito Santo é enviado pelo Pai e
pelo Filho (Jo 15.26). No Antigo Testamento, YHWH é revelado como redentor e
salvador (Jó 19.25; Sl 19.14; 78.35; Is 41.14; 43.3, 11, 14; Jr 14.3; 50.14; Os 13.3). No
Novo Testamento, o Filho recebe essas atribuições (Mt 1.21; Lc 1.76-79; 2.17; Jo 4.42;
At 5.3; Gl 3.13; 4.5; Fp 3.30; Tt 2.13-14). No Antigo Testamento, YHWH é aquele que
habita em Israel e nos corações dos que o temem (Sl 74.2; 135.21; Is 8.18; 57.15; Ez
43.7-9; Jl 3.17, 21; Zc 2.10-11). No Novo Testamento, o Espírito Santo habita na igreja
(At 2.4; Rm 8.9,11; 1 Co 3.16; Gl 4.6; Ef 2.22). Deus envia seu Filho ao mundo (Jo
3.16; Gl 4.4; Hb 1.6; 1 Jo 4.9) . O Pai e o Filho enviam o Espírito (Jo 14.26; 15.26;
16.7; Gl 4.6). O Pai dirige-se ao Filho (Mc 1.11; Lc 3.22) e o Filho comunicando-se
com o Pai (Mt 11.25-26; 26.39; Jo 11.41; 12.27-28) e o Espírito orando ao Pai no
coração dos crentes (Rm 8.26).

É impossível que Pai, Filho e Espírito sejam a mesma pessoa, o mesmo ser pura e
simplesmente de forma indistinguível. Existe, sim, uma unidade na Trindade, mas existe
também uma diversidade de pessoas e de autoconsciências. Se Jesus e o Pai fossem a
mesma pessoa, quando Jesus orou no Getsemani, ele estaria só falando consigo mesmo.
Se o Espírito e o Filho fossem a mesma pessoa, o Filho não diria que estaria enviando o
outro consolador. Os termos bíblicos que são usados para se referir a essas três pessoas
é Pai, Filho e Espírito.

Vamos falar primeiro do Deus-Pai. O termo Deus-Pai é usado para descrever Deus
como criador de todas as coisas e da humanidade (Nm 16.22; Mt 7.11; Lc 3.38; Jo 4.21;
At 17.28; 1 Co 8.6; Ef 3.15; Hb 12.9). No Antigo Testamento, esse nome tem
significado teocrático. Deus é Pai de Israel porque criou e preservou o seu povo (Dt
32.6; Is 63.16; 64.8;Ml 1.6; 2.10; Jr 3.19; 31.9; Sl 193.13; Rom 9.4). No Novo
Testamento, isso tem um significado ético da relação na qual Deus é o Pai de uma
multitude de filhos (Mt 6.4, 8, 9; Rm 8.15 etc). Em um sentido metafísico, Deus-Pai tem
por filho único Jesus, que é seu primogênito, seu primeiro filho, o filho principal do Pai.
Dessa forma temos o estabelecimento uma distinção entre Pai e Filho. Jesus o chamou
de Pai (Jo 5.18), o nome Pai é visto em primeiro lugar em relação a Jesus (Jo 14.6-13;
17.25,26). O Pai ama o Filho (Jo 5.19ss; 10.17; 17.24, 26), e esse amor ao Filho é
trasmitido aos outros (Jo 16.27; 17.26), tanto que o Pai entregou o Filho. A relação Pai-
Filho é eterna (Jo 1.14; 8.38; 17.5, 24). Deus é chamado “Pai de nosso Senhor Jesus
Cristo” (Rm 15.6; 1 Co 15.24; 2 Co 1.3; Gl 1.1; Ef 1.3). Tratá-lo por Deus-Pai é nada
mais que considerar importante aquilo que a Escritura diz. Do Pai é o reino e poder (Mt
6.13; Rm 1.20; Ef 1.19), o beneplácito (Mt 11.26, Ef 1.9), propósito (At 4.28; Ef 1.11),
justiça (Gn 18.25; Dt 32.4; Jo 17.25; Rm 3.26; 2 Tm 4.8), bondade, sabedoria,
imortalidade, luz inacessível (Mt 19.17; Rm 16.27; 1 Tm 6.16). Ele é Elohim, YHWH,
El-Elyon, El-Shadai, o único Deus verdadeiro (Jo 17.3), o único Deus (1 Co 8.6; 1 Tm
2.5). Ele tem muitos nomes.Ele é chamado de muitas formas. Ele é o Deus salvador. Ele
é o Pai do nosso Senhor Jesus Cristo. Ele que enviou seu Filho em nosso lugar.

Se temos o Deus-Pai, temos também o Deus-Filho. O apóstolo João chama Cristo de


Logos porque é por meio dele e através dele que todo mundo é criado e sustentado. O
termo Logos era um termo muito usado na filosofia pré-socrática, que tinha voltado
muito com os estóicos na região de Éfeso onde João escrevia o seu livro. E vem de
Heráclito a ideia que o Logos é aquilo que dá força para tudo. João diz Ἐν ἀρχῇ ἦν ὁ
λόγος , no princípio era o Logos, na criação de todas as coisas o Logos eterno existia e
que esse Logos era Deus e dava sustentação e sentido para todas as coisas. Esse Logos
era Deus e esse Logos estava com Deus. João 1.1 já nos dá a ideia de unidade e
diversidade entre Pai e Filho. O Filho era Deus e o Filho estava com Deus. Para ele
“estar com” precisa estar separado, mas ele era Deus também. A doutrina da Trindade
não é uma formulação posterior do cristianismo, mas é algo que salta de forma ululante
das páginas da Escritura. Esse Filho estava no início de todas as coisas. Ele é o próprio
Deus e é o objeto de amor e autocomunicação eterna dentro da Trindade. Ele é o Filho
amado em quem o Pai se apraz (Mt 3.17; Mc 1.11), ele mantém uma relação exclusiva
com Deus (Mt 11.27), é o Filho Unigênito (Jo 1.18; 3.16; 1 Jo 4.9), o Filho eterno (Jo
17.5, 24; Hb 1.5ss; 5.5-6),a quem o Pai concede vida em si mesmo (Jo 5.26), tem poder
criador e recriador (Jo 1.3; 5.21, 27), domínio (Lc 10.22; 22.29; Jo 16.15; 17.10) e foi
condenado à morte por causa da sua filiação (Jo 10.33; Mt 26.63ss) como sacrifício de
Deus em nosso lugar. O Filho também é “a imagem de Deus” em sentido absoluto.
Antes de encarnar, o Filho já existia na forma de Deus (Fp 2.6), era rico (2 Co 8.9),
vestido de glória (Jo 17.5) e retornou a esse estado depois da ressurreição e ascensão.
Jesus é a imagem do Deus invisível (Cl 1.15; 2 Co 4.4), o reflexo de sua glória e “a
expressão exata do seu ser” (Hb 1.3), o primogênito de toda criação (Cl 1.15) em quem
todas as coisas foram criadas (Cl 1.16), preeminente sobre todas as coisas (Cl 1.18 cf
Ap 1.5-6). À sua imagem, os crentes são transformados (2 Co 3.18; Fp 3.21). Ele está
acima de todos e é bendito para sempre (Jo 1.1; 20, 28; Rm 9.5; Hb 1.8-9; 2 Pe 3.18; 1
Jo 5.20; Ap 1.8, 17, 18). Seu papel na Trindade econômica é ocupar o lugar de redimir
as pessoas que o Pai elegeu. Ele executa isso na encarnação, sofrimentos e morte (Ef
1.3-14).

O Antigo Testamento geralmente emprega o termo ‘espírito’ sem qualificativos, ou fala


do ‘Espírito de Deus’ ou ‘Espírito do Senhor’, e utiliza a expressão ‘Espírito Santo’
somente em Sl 51.11; Is 63.10-11, enquanto o Novo Testamento esta veio a ser uma
designação da terceira pessoa da Trindade” (BERKHOF, 90). Não que isso não pudesse
ser percebido no Antigo Testamento, mas se torna mais claro no Novo Testamento,
nesse progresso da revelação de Deus.

O Espírito Santo falou por meio dos profetas (Mt 22.43; Mc 12.36; At 1.16; 28.25; Hb
3.7; 10.15; 1 Pe 1.10-11; 2 Pe 1.21), testificou nos dias de Noé (1 Pe 3.19-20), sofreu
resistência por parte de Israel (At 7.51) e produziu fé (2 Co 4.13). O Espírito desceu
sobre o Messias e habita na igreja (Mt 12.18; Lc 4.18-19; At 2.16-18). Ele está diante
do trono de Deus e do Cordeiro (Ap 1.4; 3.1; 4.5; 5.6). Ele é dado por Deus e por Cristo
(Nm 11.29; Ne 9.20; Is 42.1; Jo 3.34; 1 Jo 3.24; 4.13). O Espírito capacitou Cristo para
o ofício (Is 11.2; 61.1; Mt 3.16; 12.18, 28; Rm 1.4; Hb 9.14), capacitou os apóstolos
para sua missão especial (Mt 10.20; Lc 12.12; 21.15; 24.49; Jo 14.16ss; 15.26 etc),
distribui dons aos crentes (1 Co 12.4-11), é instrumento para que a plenitude de Cristo
habite na igreja (Ef 5.18). Ele dá convicção do pecado (Jo 16.8-11), regeneração (Jo
3.3), selagem (Rm 8.23; 2 Co 1.22; 5.5; Ef 1.13; 4.30). Ele é o próprio Deus vivendo em
nós (Jo 14.23ss; 1 Co 3.16; 6.19; 2 Co 6.16; Gl 2.20; Cl 3.11; Ef 3.17; Fp 1.8, 21). Em
nome dele somos batizados (Mt 28.19). E a blasfêmia contra ele é imperdoável (Mt
12.31,32). Isso será melhor sobre isso e porque que esse pecado é imperdoável no nosso
módulo sobre pneumatologia, a doutrina do Espirito.

Bibliografia utilizada

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 16 – Trindade Ontológica e econômica

Nas conversas acerca da Trindade, existe um tema que surge, o qual já foi mencionado
anteriormente, mas que é bom explicar um pouco melhor. É a diferença entre Trindade
econômica e imanente.

Karl Rahner, um teólogo do século 20, escreveu o livro The Trinity, em 1970, onde ele
traz, talvez, uma das grandes contribuições à teologia moderna que é a divisão que
chamou de Trindade economica e Trindade essencial, ou Trindade econômica e
Trindade imanente.Alguns teólogos usam essa terminologia de forma um pouco
diferente, até mesmo oposta. Eles falam de Trindade transcendente e Trindade
imanente, porém, o que é Trindade imanente em contraposição à transcendente não é a
mesma coisa da Trindade imanente em oposição à Trindade econômica. Ou seja,
quando falamos de Trindade imanente podemos estar falando de duas coisas
completamente diferentes e precisamos saber ao que o termo imanente está se
opondo.Se a Trindade imanente se opõe à transcendente, ou se a Trindade imanente está
se opondo à econômica.

Outros, usam o termo Trindade econômica e Trindade ontológica. Sendo a Trindade


ontológica a Trindade em si e a Trindade econômica a que está em contato com a sua
criação. No fim das contas, a divisão do Karl Rahner é justamente essa. Ou seja, a
Trindade que é conhecida como imanente ou transcendente, dependendo do teólogo, ou
essencial seria a Trindade em si. É a Trindade com suas características nela mesma, em
sua essência. Já a Trindade imanente, dependendo do teólogo, ou econômica, é a que
está em contato com a coisa criada.

Para facilitar a linguagem, gosto de usar Trindade ontológica e Trindade econômica. Se


você ouve a palavra econômica e acha estranho, é porque ela vem do grego oikonomia,
que fala de governo, a administração de Deus para com o mundo. Isso não fala de
dinheiro, recursos ou de ministério da economia, Paulo Guedes, nem nada disso. Fala
diretamente do modo como Deus se relaciona com a criação. Isso não significa que você
tem duas Trindades distintas. Não é que são duas Trindades, mas são duas
manifestações da Trindade e duas formas de olhar para a Trindade.

Uma Trindade ontológica seria uma tentativa de considerá-la fora de suas relações com
os indivíduos e fora das limitações do tempo e do espaço. A econômica, por sua vez, é a
forma como a Trindade se torna conhecida em sua atuação na história, justamente na
economia da salvação, como os teólogos colocam. Apesar dessa divisão, Karl Rahner
mesmo coloca dizendo que a Trindade imanente é a Trindade econômica e vice-versa.
Ou seja, não são Trindades em oposição, mas que são apenas formas didáticas de
arrazoar a respeito das coisas de Deus.

Por que isso é importante? Isso fará muita diferença em vários assuntos da teologia
como se o Filho é eternamente subordinado ao Pai ou não, se essa subordinação do
Filho ao Pai foi apenas em sua economia, ou seja, em sua relação trinitária para com a
criação, ou se isso é intrínseco de quem Deus é. Isso também é muito importante para
falar dos sentimentos de Deus. Deus sofre? Deus tem sentimentos? Entender essa
divisão entre Trindade econômica e Trindade ontológica é fundamental para dar uma
resposta coerente se Deus tem ou não sentimentalizações.

Quando dizemos que Deus ama ou sofre, isso é apenas uma antropopatia e Deus é
impassível, ou seja, Deus não possui sentimentos?Ou se isso realmente representa Deus
sofrendo em sua ontologia em contato com a criação? Não há como responder bem
essas questões se não tiver uma divisão clara sobre o que é Trindade ontológica e
econômica.

Aula 17 – As primeiras polemicas quanto a trindade

O termo Trindade não aparece nenhuma vez na Bíblia Sagrada. Ele aparece como um
desenvolvimento posterior na doutrina Bíblica. Não porque seja algo que não provém da
Escritura, mas porque a sistematização da doutrina veio de forma um pouco mais à
frente daquilo que está escrito na revelação bíblica. É bom lembrar que a Bíblia sagrada
geralmente apresenta cartas e livros feitos ad hoc, ou seja feito como formulações para
momentos específicos. Não temos na Escritura um grande manual de teologia
sistemática ou um grande Vade Mecum com incisos e leis, ou algo do tipo. Temos
teologia produzida diretamente para a igreja. Encontramos nessas formulações
teológicas verdades que serviam para a comunidade. Não temos em nenhum lugar da
Escritura algo que desenvolva de forma muito rebuscada a doutrina da Trindade, mas
está ao longo de toda a Bíblia.

Trindade é o termo que sistematiza várias verdades da Escritura. Esse termo foi
atribuído a Deus por um homem chamado Tertuliano de Cartago no segundo volume de
um livro chamado Contra praxias. Depois da metade do segundo século, começou a
surgir um movimento muito forte em torno do monoteísmo cristão conhecido como
monarquianismo. Esse movimento se dividia em dois grupos: os dinâmicos e os
modalistas. Os dinâmicos diziam que Cristo é Filho de Deus por adoção. Enquanto os
modalistas diziam que Cristo era apenas uma das manifestações possíveis e temporárias
do próprio Deus. Ou seja, enquanto alguns diziam que Cristo nem sempre foi Cristo e
foi adotado por Deus em algum momento, outros diziam que havia apenas Deus-Pai e
ele se mostrou como Deus-Filho em um momento posterior quando encarnou.
Tertuliano os chamou de monarquianistas justamente porque monarquia era o termo
grego que significava governo de um só. Alguns homens defenderam essa ideia do
monarquianismo dinâmico como Teodoro de Bizâncio e Paulo de Samosata. Porém, o
primeiro nome famoso ao seguir essa perspectiva foi um homem conhecido como
Teodoro, o curtidor, provavelmente porque trabalhava com curtição de couro.

Paulo de Samosata ele chegou a ser bispo de Antioquia por volta do fim do século III.
Eusébio de Cesaréia escreveu um livro muito famoso chamado História
Eclesiástica, talvez o maior livro de história da igreja no período antigo, certamente o
mais importante, escreve a respeito do Paulo de Samosata dizendo que ele cria que
Jesus era apenas um homem comum. Suas ideias foram analisadas por três sínodos e ele
foi excomungado no terceiro deles.

Já os modalistas tinham muitos nomes também conhecidos como Sabélio, Noeto e


Práxias. Foi Hipólito num livro chamado Contra todas as heresias que refutou a
maioria dessas ideias no período antigo que hoje são defendidas por homens conhecidos
como unicistas. Logo após esse período surgiu o chamado arianismo, que vem
diretamente de um homem chamado Ário. Ele foi considerado herege no período
primitivo e tem uma doutrina muito próxima daquilo que hoje é a doutrina dos
Testemunhas de Jeová. Tanto que muitos Testemunhas de Jeová são chamados na
teologia, principalmente pelos seus críticos, de neo-arianos. Ário fundou um movimento
em Alexandria no Egito, no começo do século IV quando sua controvérsia teve mais
vulto. Ela girava em torno da eternidade de Cristo. Há aí a famosa distinção
do homoousios e do homoiousios, ou seja, de natureza igual ou de natureza semelhante.
Ário dizia que Jesus tinha uma natureza semelhante à natureza do Pai. Enquanto
Atanásio de Alexandria, talvez o maior inimigo de Ário naquele momento, dizia que
Jesus tinha a mesma substância do Pai. Esse debate só foi resolvido no Concílio de
Nicéia que deu causa ganha para Atanásio de Alexandria.

Mesmo depois do Concílio de Niceia houve ainda muita briga com relação a isso.
Muitos eram meio arianos, meio atanasianos. O imperador Constantino chegou a enviar
mensageiros para tentar conciliar, mas foi em vão. Em Nicéia, o credo aprovado era
claramente antiarianista e apenas dois dos bispos presentes não assinaram. Até Eusébio
de Nicoméia, que era um ariano, assinou o credo niceno. Surge mais à frente, o
chamado credo atanasiano que era também um documento que defendia essa doutrina,
também conhecido como credo niceno-atanasiano. Hoje temos esses documentos que
surgem como fruto de todas essas confusões a respeito da Trindade e essa é uma
doutrina muito bem estabelecida no cristianismo. Ela vem diretamente da Escritura, mas
que teve muita polêmica no período primitivo para que chegasse a nós com formulações
claras e concisas que são úteis para o serviço da igreja até hoje.
Aula 18 – Podemos chamar Deus de mãe?

Deus é homem ou mulher? Existe aquela velha piada sobre discutir o sexo dos anjos.
Hoje, queremos discutir qual o sexo de Deus. Deus tem sexo?

Se o Deus-Pai não é homem, no sentido de não ser humano, então ele não tem uma
sexualidade como a nossa. Isso pode parecer bobo e sem muito sentido, mas a grande
questão aqui é que a Escritura sempre apresenta Deus de forma masculina. Lemos
constantemente que ele é "Deus Pai", o que revela o Senhor de forma masculina.

O famoso livro “A Cabana”, que até foi adaptado em filme, trouxe em pauta a discussão
sobre como deveríamos nos reportar a Deus. Nele, Deus também é retratado como
sendo uma mulher, logo “Deus-Mãe”. Para muitos movimentos de feminismo religioso,
até mesmo de feminismo-cristão, a figura de “Pai” retrata um modelo familiar patriarcal
que consideram relacionado com um conceito machista a respeito de Deus. Por
"patriarcal", estes movimentos atribuem todo um conjunto de significados ligados à
machismo, opressão e de dominação das mulheres pelos homens. Alguns até acusam o
Antigo Testamento de seguir este tipo de padrão. Para o movimento, a retratação da
Divindade como Pai, Filho e Espírito Santo daria mais força à autoridade patriarcal.

Segundo muitas teólogas do movimento feministas, como Reuther, Fiorenza e outras,


nós deveríamos abandonar a imagem de Deus como uma figura masculina, como a de
Deus Pai, para que se ponha um fim aos valores patriarcais da sociedade que tanto
oprimem a mulher.

De fato, essa nova teologia exige uma nova imagem de Deus, que, no final, dificilmente
poderia ser reconhecida como o Deus confessado pela fé evangélica e ortodoxa, como
comentam Franklin Ferreira e Alan Myatt, e uma reconfiguração do modo como nós
interpretamos a pessoa divina. De fato, muito dificilmente podemos acreditar que esta é
uma posição compatível com a fé ortodoxa.

Alister Macgrath tem uma resposta para isso:

Falar em Deus como pai é dizer que o papel do pai no antigo Israel permite que
compreendemos melhor a natureza de Deus. Isso não significa dizer que Deus seja do
gênero masculino. Nem a sexualidade masculina, nem a sexualidade feminina devem
ser atribuídas a Deus. Pois a sexualidade é um atributo que pertence à ordem da
criação, sendo inadmissível aceitar uma correspondência direta entre esse tipo de
polaridade (homem/mulher), conforme se observa na criação, e o Deus criador.
Na verdade, o Antigo Testamento evita atribuir funções sexuais a Deus, devido à
ocorrência de fortes traços pagãos nesses tipos de associações. Os cultos à fertilidade
dos cananeus davam ênfase às funções sexuais tanto dos deuses quanto das deusas;
portanto, o Antigo Testamento recusa-se a endossar a ideia de que o gênero ou a
sexualidade de Deus seja uma questão importante.
Ou seja, qualquer atribuição específica de sexualidade a Deus é uma volta a um tipo
muito primitivo de paganismo. A Escritura apresenta Deus como Pai justamente para
representar a autoridade e o cuidado pastoral para com a família divina. Deus escolheu
deliberadamente se revelar desta forma, e se ele o desejou, quem somos nós para
impedir que ele seja tratado de acordo como seu desejo?
É claro que isso não significa que uma revelação como "mãe" seja algo inferior. O
próprio Deus se revela de formas muitas vezes maternais ao longo da Escritura, por
mais que ele nunca use o título "Deus-Mãe". Dizem Franklin Ferreira e Alan Myatt:

Na verdade, existem imagens maternais de Deus na Escritura. Deus é revelado como


uma mãe-pássaro (Rt 2.12; Sl 17.8; Mt 23.37), uma mãe-ursa que luta para proteger
seus ursinhos (Os 13.8) e como uma mãe que consola seus filhos (Is 66.13).
Agora, da mesma forma que não podemos chamar Deus de "Deus-ave" ou "Deus-ursa",
seria errado tratá-lo por "Deus-mãe". É imprescindível notar que a Escritura não chama
Deus de mãe, portanto, não é sábio ir além do que a Bíblia fala para nos reportar a Deus.
Chamar Deus de Pai não é apoiar figuras masculinas ruins ou um tipo de patriarcado
que ofende e oprime as mulheres, mas é mostrar um padrão muito maior do que
significa ser realmente pai. Ser pai é ser como Deus. Ser esse pai provedor é ser aquele
que entrega a si mesmo em sacrifício e em cuidado. "A Cabana" não é uma
representação fiel de como a Escritura trata Deus. Ele é Deus-Pai porque foi assim que
ele escolheu ser revelado.

BIBLIOGRAFIA UTILIZADA

Franklin Ferreira; Alan Myatt. Teologia Sistemática: Uma análise histórica, bíblica e
apologética para o contexto atual. São Paulo, SP: Vida Nova, 2007, p. 237, 248-249.

Alister Macgrath. Teologia sistemática, histórica e filosófica. São Paulo, SP: Shedd
Publicações, p. 315-316.

Aula 19 – As obras de Deus

Já vimos quem Deus é, mas o que ele faz? Claro que não tem como falar
extensivamente sobre as obras de Deus, porque ele age e agiu de muitas formas no
mundo inteiro de muitas maneiras, mas existem aspectos específicos das obras de Deus
que sempre chamam muita atenção quando discutimos teologia, principalmente teologia
sistemática.

A primeira obra de Deus é conhecida como a obra da providência. O mundo não é


governado pelo acaso, como diziam os filósofos epicureus. Muito menos por um destino
impessoal, como diziam os estóicos. Segundo a teologia cristã, Deus governa e guia o
mundo de acordo com a sua providência. Falamos de providência quando falamos um
pouco sobre imanência de Deus. Agostinho, no século IV, dava atenção ao fato que
todas as coisas são preservadas e governadas pela soberana, sábia e bondosa vontade de
Deus, mas afirmava o domínio de Deus igualmente sobre o bem e sobre o mal no
mundo. Da mesma forma, Thomás de Aquino defende que é justamente a vontade de
Deus, como determinada pelas suas perfeições, que preserva e governa todas as coisas.
Já os nominalistas Duns Scotus, Occam e Biel declaram que tudo depende da vontade
arbitrária de Deus. Os reformadores seguiram a ideia de Agostinho, embora pudesse
diferir em pormenores.

Berkhof define providência como “o permanente exercício da energia divina, pelo qual
o Criador preserva todas as suas criaturas, opera em tudo que se passa no mundo e
dirige todas as coisas para o seu determinado fim” (BERKHOF, 154). Alguns erros
comuns a respeito da providência são:

• O erro de limitá-la à presciência ou à presciência mais predestinação. Os


primeiros pais da igreja costumavam cometer esse erro. Quando fala-se em
providência não tem-se em mente a presciência nem a predestinação, mas apenas
a sua continua atividade no mundo para efetuar o seu plano. Isso não se separa
de seu decreto eterno, mas deve-se distinguir ambos.
• O conceito deísta da providência divina. Como já foi dito, o deísmo vai dizer
que Deus criou tudo, mas então se afastou do universo. O mundo é como uma
máquina que opera segundo suas próprias engrenagens e essa divindade apenas
observaria tudo de longe. Esse tipo de providência não é o modelo cristão, mas
sim a ideia de que Deus está continuamente agindo e sustentando o mundo.
• A ideia panteísta da providencia divina. No panteísmo, não há distinção entre
Deus e o mundo.Ou o mundo é absorvido por Deus, ou Deus pelo mundo. Em
qualquer umas das duas possibilidades não há lugar para a criação e não há lugar
para a providência. Ainda que panteístas falem de providência, esta não passa do
curso da natureza e neste ponto, aquilo que é natural e o que é sobrenatural são
completamente idênticos.

Quais são os objetos dessa providência divina? Esse governo providencial de Deus
abrange algumas coisas como o universo em geral (Sl 103.19; Dn 5.30-31; Ef 1.11); (2)
o mundo físico (Jó 37.5; Sl 104;14; 135.6; Mt 5.45); (3) a criação inferior (Sl 104.21,
28; Mt 6.26; 10.29); (4) Nações (Jó 12.23; Sl 22.28; 66.7; At 17.6); (5) Nascimento e
vida do homem (1 Sm 16.1; Sl 139.16; Is 45.5; Gl 1.15-16); (6) vitórias e fracassos que
sobrevêm às vidas dos homens(Sl 75.6-7; Lc 1.52); (7) coisas aparentemente acidentais
(Pv 16.33; Mt 10.30); (8) proteção dos justos (Sl 4.8; 5.12; 63.8; 121.3; Rm 8.28); (9)
suprimento das necessidades do povo de Deus (Gn 22.8,14; Dt 8.3; Fp 4.19); (10) nas
respostas à oração (1 Sm 1.19; Is 20.5; 2 Cr 33.13; Sl 65.2; Mt 7.7; Lc 18.7-8) e (11) no
desmacaramento e castigo dos ímpios (Sl 7.12; 11.6). A soberania afeta todas essas
áreas.

Muitos teólogos fazem diferença entre providência geral e providência especial.


Providência geral seria o governo de Deus sobre universo todo e providência especial
sobre seu cuidado de cada parte dele em relação ao todo. O que diferencia não é que são
duas providências, mas é a mesma providência em relações diferentes. Providência
especial pode se referir ao cuidado de Deus com suas criaturas, com seus filhos, com
seus eleitos, com seu povo e cuidados específicos no cuidado com seus filhos. Alguns
falam até de uma providência muito especial, porque estaria relacionada diretamente
com seus eleitos. Muitos acreditam uma providencia geral, mas negam a existência de
uma providência especial, dizendo que Deus não se interessa pelos pormenores da
história.

O segundo ato de Deus muito famoso é o ato da preservação. A divina preservação é


muito clara Escritura (Dt 33.12, 25-28; 1 Sm 2.9; Ne 2.9; Sl 107.9; Sl 127.1; 145. 14-
15; Mt 10.29; At 7.28; Cl 1.17; Hb 1.3) e fala diretamente da preservação do seu povo (
Gn 28.15; 49.24;Êx 14.29,30; Dt 1.30,31; Is 40.11; Jr 30.7-8; Ez 34.11-12; Lc 21.18;
Ap 3.10). A preservação é inferida da soberania de Deus. Tudo o que acontece está
debaixo da soberania de Deus e daí deriva-se também a ideia da intrinseca dependência
da criatura.
Berkhof diz que

A doutrina da preservação parte do pressuposto que todas as substâncias criadas, quer


espirituais quer materiais, têm existência real e permanente, distinta da existência de
Deus, e só possuem propriedades ativas e passivas derivadas de Deus (BERKHOF,
157).

Mas existem também alguns conceitos errôneos sobre a preservação de Deus,


principalmente duas que devem sempre ser evitadas.

• A percepção deísta, pois segundo o deísmo a preservação baseia-se unicamente


em Deus não destruir aquilo que ele criou. Isso vem diretamente da ideia deísta
de tudo aquilo que é criado se sustenta por si só e que Deus preserva tudo
simplesmente não destruindo as coisas.
• O erro do panteísmo onde há a ideia de uma criação contínua onde as coisas
nunca estão prontas e acabadas, mas que Deus ainda está criando e formando.
Tudo que existe não é nada mais do que emanações constantes desse Deus real e
absoluto que é a base de todas as coisas.

A terceira obra de Deus é a concorrência, também conhecida como concursos. É a obra


do poder divino em agir de forma concorrente, ou seja, em parceria com os outros
poderes que lhe são subordinados. É a ideia de cooperação. Ou seja, isso significa que
as forças da natureza não funcionam por si próprias, mas que Deus está controlando-as,
crer no contrário seria crer num tipo de deísmo. É bom lembrar que ações que não são
diretamente ações de Deus também existem e ignorar ou negar isso é acreditar de
panteísmo como se as pessoas não existissem de fato e não pudessem tomar decisões
que, claro, estão debaixo da soberania de Deus, mas que acontecem também como auto
consciências debaixo desse concurso, dessa cooperação entre Deus e o homem.

A Bíblia fala constantemente dessa concorrência divina, que é justamente a relação


entre soberania de Deus e responsabilidade do homem. José entende que foi Deus que o
enviou para o Egito (Gn 45.5), ainda que os irmãos foram os que o venderam. Deus diz
que será com Moisés (Ex 4.11-12) e dá a Josué a certeza da vitória sobre os inimigos (Js
11.6). Existe uma soberania divina e uma responsabilidade humana que agem em
concurso.

Jesuítas, socianos e muitos arminianos sustentam que a concorrência divina é apenas


uma cooperação geral, uma mera comunicação de poder, sem comunicar de forma
alguma a ação específica. Isso, segundo intérpretes mais reformados seria tirar Deus do
controle e dar ao homem o governo absoluto sobre a existência. Outro erro é a ideia que
o homem realiza parte da obra e Deus realiza a outra parte. Quando um ato acontece, o
homem faz uma parte o homem faz uma parte daquele ato e Deus faz a outra parte
daquele ato. Isso não condiz com a ideia de concurso, de cooperação. Os atos são
totalmente divinos, mas também totalmente humanos e há um mistério que se dá que
muitas vezes não entendemos, nem temos como descobrir, mas que Deus está no
controle agindo dessa forma enquanto ainda somos livres.

Características importantes da concorrência divina:


• É prévia e predeterminante em um sentido lógico. Não há na criatura nenhum
sentido de atividade autônoma. O impulso para ação e para o movimento sempre
procede de Deus. Agimos sob influência divina. Deus faz com que todas as
coisas existam justamente para o seu propósito.
• Essa concorrência também é simultânea. As criaturas não agem de forma
independente de Deus. Assim como Deus está agindo, nós estamos agindo.
• Essa concorrência também é imediata. Deus está usando os seus meios para
fazer isso acontecer nesse momento na vida de todos nós.

Como ficaria a questão do pecado nisso tudo? Pelagianos, semipelagianos e arminianos


levantam a objeção de que isso significaria que Deus está no controle também do nosso
pecado. Uma concorrência que não seja meramente geral, mas Deus agindo junto com o
homem em tudo que a gente faz faria Deus o autor do pecado e o responsável por ele.
Em resposta a isso, teólogos mais reformados argumentam que os atos pecaminosos
estão sim debaixo do governo de Deus, mas apenas de forma negativa, não de forma
ativa. Ou seja, Deus permite que isso aconteça, Deus não age em direção a isso. Não é
Deus que leva os homens a pecar. Também argumentam que Deus por muitas vezes
reprime obras pecaminosas do pecador, impedindo muito mal moral que poderia ser
cometido por ele. E que Deus, no intercurso do seu propósito, dirige o mal para o bem.
No final das contas, apenas o homem é responsável por seu pecado.

Outra obra de Deus é a criação. Deus é o criador de todas as coisas. Passaremos mais
tempo falando sobre isso em antropologia, porque a ideia da criação de Deus fala muito
sobre a criação do homem e da mulher e sobre as formas como Deus fez isso. Sabemos
que Deus é o criador de todas as coisas. Ele criou o mundo ex-nihilo, ou seja, a partir do
nada. “Do nada, nada vem” dizem muitos filósofos antigos, mas na verdade Deus fez
que do nada surgisse tudo. Através do poder de sua voz, ele criou todas as coisas.
Segundo a teologia cristã, ele teria criado o mundo em seis dias e descansado no sétimo.
Há muita discussão sobre o número de dias. Se eles são literais ou não. Muitos
argumentam que os dias não podem ser literais porque a palavra “dia” pode ser
interpretada também como “era”, segundo o hebraico.Essa é a interpretação de
Agostinho no século IV. Outros vão argumentar que existe uma estrutura chamada
“vav-consecutivo”, o “vav” seria o “e”no hebraico. De forma que sempre que o texto
diz “e isso”, ou “e Deus”, isso é uma estrutura de narrativa. Dessa forma, os teólogos
discutem muito a respeito de como se interpreta Gênesis 1 e esse processo de criação.

A última obra que queremos chamar atenção é o governo de Deus. Esse governo tem
uma natureza muito específica. É justamente a atividade de Deus de reger todas as
coisas, de ter autoridade sobre tudo, de ser o soberano na criação. Através de seu
governo, ele faz com que tudo atinga o seu propósito. É Deus guiando tudo para a glória
do seu nome. É justamente esse governo de Deus como o rei do universo. O Novo
Testamento mostra muitas vezes a realeza de Deus (Mt 11.25; At 17.24; 1 Tm 1.17; Ap
1.6; 19.6) porque ele é o Pai, o Rei, o Senhor dos senhores, o Rei sobre todos os reis.
Esse governo muitas vezes é adaptado para o bem das criaturas que ele governa. Ele
exerce esse governo no mundo físico através de leis que criou. Foi ele quem criou as
leis da física. As leis da natureza vêm diretamente dele. Ele pode usar circunstâncias,
motivos, persuasão, o exemplo do mundo moral e o Espírito Santo para o
convencimento dos corações. Esse governo tem uma extensão universal (Sl 22.28-29;
103. 17-19; Dn 4.34-35; 1 Tm 6.15). Ele engloba as grandes coisas (Mt 10.29-31) e as
pequenas (Pv 16.33), as boas (Fp 2.13) e as más ações (At 14.16). Ele é o rei de Israel
(Is 33.22) e o rei das nações (Sl 47.9). Ele é aquele cujo governo domina tudo.

Bibliografia utilizada

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula - 20 Jeová e Allah são o mesmo Deus

O Deus cristão e o Deus muçulmano são o mesmo Deus? Falamos que o que define um
Deus e o que define algo não seja outra coisa são seus atributos, suas características será
que se fizermos o comparativo entre o Deus cristão e o muçulmano teríamos a mesma
divindade? Até porque muitos argumentam que não existe motivo para um lado
evangelizar o outro ou que haja diferenças entre as religiões, afinal se eles adoram o
mesmo Deus, por que deveriam se ver como pessoas de religiões diferentes? Claro que
ser de religião diferente não dá base para ódio, guerra, terrorismos, ofensas gratuitas e
coisas assim. O ambiente de debate religioso deve ser um ambiente de respeito. Mas
será que é necessariamente o mesmo Deus? Será que o Deus revelado na Bíblia é o
mesmo Allah revelado no Corão?

Na Bíblia, Yahweh é o nome de Deus para sempre (Ex 3.13-15). É o seu nome próprio.
No Corão, Deus também tem um nome próprio, Allah. Na Bíblia, o mal não vem
diretamente de Deus, mas o mal é fruto da nossa rebelião e da nossa imoralidade. Jeová
é constantemente trazido como o autor do bem não do mal (Dt 32.4; Sl 92.15; 1 Jo 1.5).
Por mais que Jeová guie certas situações que necessariamente calamidades e
problemáticas, pois ele é soberano até mesmo sobre situações difíceis, o mal moral, o
pecado, não provem diretamente de Deus. Já no Corão, Allah é visto como a origem
tanto do bem quanto do mal (Q91:7-10). O que gera uma divisão entre a visão cristã a
respeito de Deus e a visão que os muçulmanos têm da sua divindade. Na Bíblia, Jeová
pode se fazer presente com e nas pessoas. Ele pode se fazer presente dentro das pessoas,
com o Espírito Santo. Pode se fazer presente através das pessoas e nos lugares também.
Isso acontece graças à sua onipresença (Gn1:2;3.8;18.1; Ex 3.11-12; 33.14-15; Sl 51.11;
Jl 2.27-29).Já no Corão, Allah está presente tanto em todos os lugares, como em lugar
nenhum, ele não está em nenhum lugar particular, porque ele não habita em nada
(Q2:109; Q4:126; Q50:16). Quando no Corão lemos que Allah está próximo, não é
porque ele está presente, ou próximo de verdade, mas porque ele está ciente daquilo que
acontece. Na Bíblia, Jeová é considerado santo e quer que seus adoradores sejam santos
como ele é (Lv 19.1-2). Já a santidade de Allah é referenciada muito raramente no
Corão e parece ser um atributo menor, ou até mesmo secundário de Allah. Uma coisa
que é recorrente na narrativa bíblica é que Jeová alcança pecadores, os salva e os traz
para perto (1 Jo 4.19) mesmo quando antes eles eram os seus inimigos. O amor de Jeová
dura para sempre (Sl 136) e ele nunca abandona seu povo. Por causa de sua graça, ele
perdoa pecadores (Jr 31.3; Jo 3.16; Rm 5.6-8; Ef 2.4-5). Já no Corão temos uma
revelação bem diferente de quem é o Deus islâmico, de quem é Allah. Ele irá
tipicamente odiar aqueles o odeiam e amar aqueles que o amam e ele quer que as
pessoas sigam isso e se importem com ele. E os que os seguem também odeiem aqueles
que o odeiam e também amem aqueles que o amam (Q3:31-32; Q3.76, 148; Q22:38;
Q5:87). O Corão revela o amor de Allah como condicional e que ele não ama seus
inimigos e nem qualquer transgressor (Q3:31-32; Q3.76, 148; Q22:38; Q5:87). Na
Bíblia, é revelado que Jeová não mente. Ele cumpre a sua palavra e é fiel (Nm 23.19).
Apesar de Deus poder fazer promessas condicionais – incluindo alianças – sua
fidelidade inerente não é dependente da fidelidade humana. (Gn 9.11-12; 17.7-8; Sl
89.3-4; Hb 6.17-19; 13.20-21). Já no Corão lemos que Allah age como quiser e que ele
é “melhor em estrategemas” (Q3:54), ele pode, sem impugnar sua perfeição, abrogar
algo que disse antes e substituir por uma palavra contraditória (Q2:106; Q16:101;
Q17:86). Ele não é obrigado a seguir alianças, nem se obriga a pessoas de qualquer
forma (Q17:86). Ele não tem obrigação de ser verdadeiro ou justo com seres humanos
(Q14.4; Q32:13; Q5:18). Na grande história da redenção, lemos na Bíblia que o grande
problema do homem é o problema do pecado e da alienação de Deus. A solução para
isso seria o perdão e a presença salvífica do Senhor que vem em nossa direção para nos
salvar. Então a resposta ou o resultado disso é a nossa salvação e a nossa reconciliação
com Deus. Já no mundo muçulmano e na revelação do Corão, o grande problema do
homem é a ignorância quanto às leis de Allah, não dele como pessoa simplesmente, mas
daquilo que ele ordena como prática de vida. A solução seria seguir e se submeter, não é
um encontro gracioso, mas uma prática daquilo que é estabelecido. O resultado é
sucesso nessa vida e na próxima.

Se você parar para prestar atenção é muito difícil dizer que o Deus que é revelado na
Escritura e o Deus que é revelado no Corão são o mesmo Deus, a mesma divindade,
porque suas características são muito diferentes.
Bibliologia: Como a bíblia chegou a nós

Aula 1 – Revelação Geral

Revelação Geral [transc]

Conversamos sobre a doutrina de Deus, sobre o Deus-Pai. Logo em sequência o ideal é


conversamos sobre bibliologia, a doutrina da Bíblia, da Palavra de Deus. Você pode
achar isso um pouco estranho. Falamos do Deus-Pai, então era melhor seguirmos
falando do Deus-Filho e do Deus-Espírito Santo, mas há um motivo metodológico por
começar com o Deus-Pai e então partir para bibliologia. Claro, tudo o que estudamos a
respeito do Deus-Pai, a respeito do Deus-Filho e a respeito do Deus-Espírito tem que vir
da Bíblia, da Palavra de Deus. Geralmente muitas sistemáticas começam o arrazoado
teológico com bibliologia, já que é de lá que vai sair toda a informação a respeito de
Deus. Nós começamos com Deus-Pai justamente porque queremos deixar claro que a
Bíblia provém de um revelador. A Escritura é a revelação, mas ela é a revelação de
alguém: a revelação do próprio Deus. Começamos com Deus e então partimos para falar
da Bíblia.

Ora, poderíamos também falar do Deus-Espírito, do Deus-Cristo em sequência, logo


depois de falar do Deus-Pai. Não haveria problema algum com isso. Porém, para sermos
mais bem servidos em nosso esforço teológico para falar do Deus-Filho, para falar do
Deus-Espírito e de todo resto da teologia sistemática é bom que começemos já
discutindo bibliologia, de onde ela veio, como foi construída, porque damos atenção a
esse livro, quais os modelos de inspiração e de autoridade, porque biblias católicas e
evangélicas são diferentes, como a bíblia surgiue tudo mais. Nesse módulo de
bibliologia gastaremos bastante tempo olhando diretamente para a Palavra de Deus.
Então, olha para esse módulo com cuidado, dá atenção ao que vamos discutir, porque é
muito importante conhecermos a revelação do Senhor.

Quando falamos de revelação, estamos falando de um Deus que fala de alguma forma.
Ele se expressa e fala a nós daquilo que é do seu interesse. Se Deus existe e quer ter
contato com sua criatura. Ele precisa por necessidade se revelar, manifestar-se e fazer-se
conhecido aos seres humanos. Deus escolheu se revelar através de um livro. Esse livro é
a Bíblia. Um livro que na sua versão evangélica possui 66 documentos que falam quem
é Deus, qual sua vontade para seu povo, da história da criação, da história do fim dos
tempos que ainda virá e várias outras coisas.

Essa Bíblia é conhecida como revelação especial. É o nome que os teólogos dão para
este documento. Ele tem esse nome justamente para contrapô-lo à revelação geral. São
dois tipos de revelação de Deus que possuímos. A revelação geral é a que “Deus faz de
si mesmo a todas as pessoas, em todas as épocas e em todos os lugares” (ERICKSON,
140) e fala a respeito daquilo que é “é revelado sobre Deus por meio da criação, da
história e da lei moral no coração humano” (FERREIRA e MYATT, 55).Essa revelação

ocorre, antes de tudo, por intermédio dos céus e da terra. Deus se manifesta nas
maravilhas dos céus – Sol, Lua e estrelas – e nos prodígios da terra – céus e mares,
montanhas e florestas, tempo de plantio e colheita [...] Segundo, no próprio homem
Deus também é revelado. De acordo com a Escritura, o homem é feito à ‘imagem’ e
‘semelhança’ de Deus (WILLIAMS, 28-29).
Nós refletimos quem Deus é e nisto ele é revelado através do próprio ser humano. O
fato de existirmos do modo como existimos já revela uma força superior que é criativa
bondosa e poderosa em formar seres como nós.

Em seu alto posto de domínio sobre o mundo; em sua capacidade de pensar, imaginar e
sentir; em sua liberdade de ação e muito mais, o homem é feitura singular de Deus. A
isso se deve acrescentar o fato do senso humano do certo e do errado, o mover da
consciência interna. (WILLIAMS, 28-29).

Por isso que muitos juristas falam de um jus naturalismo: um jurismo que se baseia na
natureza do ser humano, na natureza das coisas e que entende que existe uma lei moral
escrita no coração dos seres humanos. A lei não é simplesmente positivada, ela não é
simplesmente escolhida de forma arbitrária por seres humanos que tentam de alguma
forma criar regras entre eles, como lobos criando regras para lobos. Uma vez que se crê
que existe uma regra moral alheia aos seres humanos se crê que existe uma força moral
que transcende todos nós e que é inata a todos nós. Nossas leis deveriam ser baseadas
justamente nessa revelação de Deus que encontramos dentro de cada um de nós.

Deus também se manifesta através das obras da história. E história nesse aspecto possui
um caráter intimamente teológico. Toda história carrega uma marca da atividade divina
no mundo. Deus é revelado, dessa forma, através da ascensão e queda de nações, países,
reinos e impérios, mostrando, no fim das contas, que ainda existe uma justiça que
prevalece contra a injustiça e que há um progesso histórico em curso ao longo da
história da humanidade.

Claro que conforme vamos lendo a Escritura, não lemos a própria Bíblia fazendo uma
distinção teológica clara entre revelação natural e sobrenatural. No caso, a revelação
natural, a revelação de Deus na história e na natureza, enquanto a revelação sobrenatural
seria a revelação de Deus na Escritura. De fato, se olharmos com cuidado, toda a
revelação de Deus, incluindo a revelação de Deus na natureza, é uma revelação
sobrenatural. A palavra revelação, por si só, não diz nada sobre a naturalidade ou o meio
pelo qual ela acontece. Comunica a ideia de algo que estava escondido e que agora vem
à luz (BAVINCK, 307). Falando sobre cristianismo, falar de revelação significa dizer
que Deus tem uma vida independente da nossa que é distinta da natureza e que de uma
forma ou de outra se apresenta diante dos olhos das suas criaturas. A distinção entre
uma revelação natural e uma sobrenatural não fala sobre o tipo de ação de Deus que se
expressa tanto de uma forma quanto de outra, mas sim pelo modo como a revelação
ocorre. Em sua origem, toda revelação é sobrenatural, porque toda revelação procede de
Deus. A questão é qual é o limite de cada uma dessas revelações, o que elas duas
revelam e quais os efeitos disso na vida de quem percebe e recebe essa revelação.

Por mais que essa revelação natural traga um senso do divino no coração de cada pessoa
– aquilo que Calvino chamava de sensus divinitatis, um senso pelo divino, uma lei de
Deus escrita no coração de cada um que faz com que os homens tenham esse senso de
transcendência de alguma forma –a Escritura nunca indica que alguém possa encontrar
salvação simplesmente pela revelação natural, ou que alguém pode conhecer Deus de
forma pessoal ao ponto de ter um relacionamento íntimo com ele simplesmente através
da revelação de Deus na natureza. Essa revelação natural, ou geral, pode indicar que
Deus existe, que ele é nosso criador, que devemos obediência e que pecamos contra ele
de alguma forma. Mostra um Deus que é criativo, poderoso, presente, sustentador, justo,
santo, severo e irado contra o pecado.

A presença sempre constante de sistemas de sacrifícios nas religiões antigas e nas


manifestações primitivas do homem ao longo da história confirmam claramente que
essas coisas poderiam ser percebidas até mesmo sem a Bíblia (GRUDEM, 82-83).. Em
Atos 14.17 o texto diz que Deus por trazer chuvas e colheitas sobre todos está
manifestando de forma natural que ele é gracioso e bondoso com todos os homens. Mas
o modo como a santidade e a justiça de Deus podem se interrelacionar e se conciliar
com sua disposição para perdoar pecados é um conflito que apenas a Escritura pode
oferecer resposta, de fato, para os homens. Não teríamos esperança se não tivéssemos
encontrado uma revelação especial de Deus para que saibamos como seguir seus
caminhos de forma coerente para agradar o seu nome eternamente.

Ou seja, a revelação geral pode no máximo comunicar algumas verdades acerca de


Deus, mas não pode comunicar fatos teológicos nem a história da nossa salvação, que
são justamente as bases e elementos da nossa fé. Essa revelação geral restringe o
pecado, ilumina a mente, mas não regenera a natureza de seres humanos caídos. Essa
revelação natureza inspira dentro de nós temor diante da grandeza daquele que criou
essa coisa imensa que é a natureza, a criação, mas nunca pode inspirar amor e redenção
na pessoa de Jesus. Fora que esse conhecimento que a revelação geral pode fornecer não
é apenas escasso e. às vezes, até inadequado ou insuficiente, mas também incerto,
constantemente misturado com erro e com impressões falsas a respeito de Deus. Para
grande parte das pessoas é um conhecimento inatingível que muitos interpretam de
forma errada e acabam adorando a natureza ao invés de adorar o criador de todas as
coisas.

Pense em tribos antigas que adoravam o céu, o sol, as estrelas e as tempestades achando
que o instrumento da criação era o próprio Senhor de todas as coisas porque eles não
conseguiam interpretar corretamente essa revelação de Deus por causa da maldade do
coração ao invés de se submeter à grandeza do Senhor. Eles preferiam ignorar essa
revelação e adorar as coisas criadas ao invés de adorar um criador acima de tudo isso.
Essa insuficiência da revelação natural pode ser encontrada também no fato que de
nenhum ser humano consegue se contentar com ficar no mínimo da revelação da
natureza. Essa religião baseada apenas em revelação geral gera apenas deístas. É a
religião da razão moral de Imanuel Kant, da piedade e obediência de Baruc Spinoza, e
são todas meras abstrações que não existem de fato na realidade. Mesmo que os cinco
artigos de Hebert ou a trilogia racionalista de Kant fossem completamente certos e
demonstráveis por rigorosos padrões científicos, ainda seriam incapazes de fundar uma
verdadeira religião ou plantar uma igreja de fato.

A religião é diferente da ciência porque ela tem outro fundamento, ela tem outra base.
Enquanto a ciência tenta estudar o livro de Deus e entender a natureza, a religião cristã,
a teologia bíblica, tenta entender uma revelação especial do Senhor que é encontrada na
palavra. É na própria Bíblia que a criação revela a glória de Deus, mas que para o
descrente isso é mera condenação. Romanos 1.18-20 dizem que uma ira de Deus se
revela do céus contra a impiedade. O Salmo 104, que fala da revelação de Deus na
criação, nem fala sobre aquilo que revelado ou o quanto é revelado, mas sim sobre os
efeitos da revelação sobre aqueles que a recebem de alguma forma. E este observador
do Salmo é também alguém que crê em Deus, ou seja, recebeu antes de tudo uma
revelação especial. Ou seja, nas palavras do Erickson “quando a revelação especial é
dada, ela desperta a percepção da autenticidade da revelação geral” (ERICKSON, 146).
Entendemos melhor a revelação geral quando recebemos a revelação especial. Ou seja,
o livro da Escritura explica o livro da natureza.

Bibliografia utilizada:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.


FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,
bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

WILLIAMS, J. Rodman. Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. São Paulo:


Editora Vida, 2011.

Aula 2 – Teologia Natural

A revelação geral acaba gerando teologia natural. Mas o que é teologia natural? Já
falamos que Salmos e Romanos apresentam a ideia de que podemos conhecer Deus na
natureza, mas que tipo de conhecimento é esse? Que tipo de teologia podemos criar a
partir da natureza? Os proponentes da teologia natural dizem que não apenas existe uma
revelação de Deus na natureza, revelação essa válida e objetiva, mas que também é
objetivamente possível obter algum conhecimento verdadeiro de Deus com base na
natureza, na história e na personalidade humana. Ou seja, é possível construir teologia
sem a Bíblia. Uma das premissas fundamentais da teologia natural é a integridade da
pessoa que observa e recebe a revelação natural. Nem as limitações inatas da
humanidade, nem os efeitos da queda em nosso corpo e em nossa mente impediriam que
os seres humanos reconhecessem e interpretassem corretamente as obras do criador.
Outra premissa é que existe uma harmonia muito íntima entre a coisa criada e a mente
da criatura. Essa coerência entre a mente e a ordem criacional permitiria que
concluíssemos coisas corretas com base nos dados observados à nossa volta.

Nisto a teologia natural apresenta a ideia que podemos conhecer Deus com base na
razão, unicamente na razão. A razão seria suficiente para nos fazer interpretar o mundo
corretamente e chegar à conclusões de fé que são válidas e verdadeiras. Sem
necessidade de compromisso de fé real que seja anterior baseado numa revelação
especial encontrada na Palavra. A razão aqui é justamente essa capacidade do ser
humano. De descobrir, compreender, interpretar e avaliar a realidade de forma
suficiente. Um dos grandes proponentes da teologia natural foi um dos grandes nomes
do catolicismo romano, e do cristianismo de forma geral: Thomás de Aquino. Talvez
um dos maiores filósofos da história da fé cristã e um dos teólogos que escreveu obras
de mais vulto dentro do começo da Idade Média. Ele acreditava que a racionalidade da
mente humana era capaz de produzir uma teologia natural mesmo após a queda do ser
humano. De forma que a capacidade do ser humano de interpretar e compreender as
coisas não havia sofrido prejuízo o suficiente com o pecado para impedir que
conhecêssemos Deus na criação.
Ele defendia um conflito entre natureza e graça, que seriam duas realidades distintas e
dois caminhos distintos de conhecimento de Deus. Um caminho natural e um caminho
revelado e dois métodos para conhecer e saber: o método da razão e o da fé.

É por isso que Thomás de Aquino utilizou o método filosófico e natural, o qual
podemos reconhecer como indutivo e racional, para dizer que o Deus poderoso e
infinito existe. E com isso ele pode elaborar cinco vias ou cinco caminhos que são
basicamente cinco argumentos para tentar provar que Deus existe, os quais são baseados
unicamente na razão. Uma vez que ele acreditava que através do uso natural da mente
humana poderíamos chegar à revelação da existência de Deus.

Martinho Lutero com a Reforma Protestante rejeitou a teologia natural de Thomás de


Aquino e foi profundamente influenciado por Agostinho, que é muito anterior a Aquino
e que era a linha religiosa que Lutero seguia. Lutero reconheceu a revelação geral como
um tipo de conhecimento inato da existência de Deus. Conhecimento esse que todo ser
humano possui e do qual ninguém pode realmente fugir. Essa lei moral de Deus estaria
escrita no coração das criaturas de forma que todo ser humano dê testemunho daquilo
que é certo e errado.

A teologia de João Calvino também retornou à de Agostinho em muitos pontos,


seguindo algo do caminho de Lutero. Ele enfatizou os efeitos do pecado na mente
humana. Chamamos isso na teologia de noéticos do pecado. Noéticos não vem de Noé,
mas de nous do grego que é a palavra para mente. Os efeitos noéticos do pecado seriam
os efeitos na mente do ser humano. O pecado, segundo Calvino, teria afetado a mente
do homem ao ponto de ser difícil que ele percebesse Deus de forma perfeita ou dentro
dos limites daquilo que seria possível ao mundo criado pela simples revelação natural.
Ele diz que Deus colocou na mente humana essa semente de religião. Ainda que Deus
tivesse se revelado de alguma forma na natureza, os homens não podem abrir seus olhos
para essa revelação sem que Deus abra os olhos deles para isso. Por sorte que a natureza
de Deus transcende a própria criação e a grandeza da sua divindade acaba escapando
aos sentidos humanos.

Ainda que, segundo Calvino, Deus tivesse impresso em sua criação marcas digitais de
sua grandeza, nós somos incapazes de perceber a grandeza daquilo que Deus fez na
criação. Ele também diz que existe na mente humana uma disposição natural por aquilo
que é a divindade, o que traduzimos por senso de divindade, conhecido como sensus
divinitatis, do latim. O objetivo disso é para que ninguém se refugie no pretexto da
ignorância. Esse Deus estaria constantemente renovando a lembrança de sua existência
a todos os homens. Ninguém conseguiria fugir da existência de Deus de forma
confortável e isso traria justamente condenação àqueles que rejeitam a grandeza dessa
revelação, que na verdade é o destino de todos os homens, porque todos os homens
rejeitam por causa da própria maldade a revelação natural de quem é Deus.

É por isso que Calvino também discordou da teologia natural. O conhecimento de Deus
que vem pela natureza é ineficaz para a salvação justamente por causa da má moral do
ser humano, por causa do pecado que nos rodeia e que nos define.

Bibliografia utilizada:

CALVINO, João. Institutas da religião cristã.Volume 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2006

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

Aula 3 – Revelação Natural é suficiente?

Existem pelo menos 5 posições básicas sobre o destino daqueles que não têm acesso à
revelação especial de Deus. Pessoas que recebem apenas a revelação natural, ou seja,
tribos distantes, países, pessoas que nunca ouviram a pregação do evangelho. Não seria
injusto que Deus condenasse pessoas porque, simplesmente, um missionário não chegou
até elas? Elas não tiveram nem a chance de rejeitar o cristianismo, mas simplesmente
nunca ouviram falar do cristianismo.
A primeira posição é conhecida como universalismo. A ideia de todas as pessoas, no
fim das contas, serão salvas por Cristo Jesus e que ninguém é condenado eternamente.
Eles usam muito Romanos 5.18; 1 Coríntios 15.22-28 e 1 Jo 2.2 como argumentos para
estabelecer isso. Representantes de vulto dessa posição foram Orígenes, William
Barclay, G.C. Berkouwer, Jacques Ellul e Karl Barth.

A segunda posição é a da perseverança divina, ou do evangelismo post-mortem. É a


ideia que os não evangelizados recebem uma chance de crer em Jesus após a sua morte.
Eles usam como argumento João 3.18 e 1 Pedro 3.18-4.6. Defenderam essa posição
Clemente de Alexandria, George Macdonald, Donald Bloesch, George Lindeberg e o
Stephen Davis.

A terceira posição, a mais intermediária, é conhecida como inclusivismo. A ideia é que


os não-evangelizados poderiam vir a ser salvos se responderem a Deus em fé baseado
no nível de revelação que eles possuem. Eles usam como textos-base para isso Jo 12.32;
Atos 10.43; 1 Timóteo 4.10. Defenderam essa posição Justino Martir, John Wesley,
C.S.Lewis, Clark Pinnock, Wolfhart Pannenberg, o famoso sistemático, e John Sanders.

A quarta posição é a oportunidade universal antes da morte. A ideia é que todas as


pessoas recebem uma oportunidade de serem salvas porque Deus lhes envia o evangelho
ou no momento da morte ou por um conhecimento intermediário, nem que seja por
meio de sonhos ou de anjos. Os textos que usam como base para isso são Daniel 2 e
Atos 8. Defenderam isso Thomás de Aquino, Jacó Armínio, John Henry Newman e
Norman Geisler, por exemplo.

E a quinta posição é o restritivismo. É a ideia que Deus não provê salvação para aqueles
que não ouvem especificamente sobre Cristo Jesus, consequentemente, não creem nele
antes da morte. Textos-base para isso são João 14.6; Atos 4.12 e 1 Jo 5.11-12. Grandes
proponentes disso foram Agostinho, João Calvino, Jonanthan Edwards, Carl Henry,
R.C. Sproul, Ronald Nash e vários outros teólogos protestantes principalmente.

Alguns blocos teológicos conhecidos têm posições a respeito desse assunto. Por
exemplo, a teologia liberal do século XX quando dizia que o Deus não pode ser
conhecido racionalmente pode ser representado por meio de símbolos religiosos e que
todas as religiões são tentativas de entender essa manifestação de Deus na natureza
numa tentativa de representar o mistério que é inefável e que toda teologia é uma
construção de mundos simbólicos para tentar representar a realidade. Uma vez que Deus
está em algum nível oculto, todas as religiões seriam de alguma forma um esforço para
encontrar esse Deus. Então, o conhecimento de Deus seria uma experiência mistica,
irracional e inexprimível. Nisso a teologia liberal pressupõe que Deus está de forma
completa e total imanente no mundo. Isso seria uma forma que os homens das mais
variadas religiões encontrassem salvação, já que cada religião seria um esforço por
representar e encontrar quem é essa divindade oculta.

Já os neo-ortodoxos foram uma resposta ao liberalismo teológico que teve como grande
proponente o homem Karl Barth, o qual nega essa ideia de salvação através da
revelação natural ao ponto de dizer que não existe revelação geral, somente a revelação
de Deus na pessoa de Jesus Cristo. Deus só pode ser reconhecido quando encontra o
homem ou quando Jesus Cristo é revelado a ele. Não existe essa revelação por meio da
racionalidade, ou mesmo da história. Nisso, Karl Barth rejeitou a analogia entis, a qual
diz que o ser de Deus pode ser conhecido pelo simples fato dele existir, para abraçar a
analogia fidei, que o ser de Deus só pode ser conhecido por meio da revelação.

O Concílio do Vaticano II, um concílio católico romano muito famoso, foi muito
influenciado pelo liberalismo teológico fazendo com que a teologia católico-romana
tivesse que assumir que o papel da igreja é reunir todos os povos. De forma que a
revelação geral é suficiente para salvar as pessoas que não são católicas. O Catolicismo
seguiria um caminho de que a revelação geral tem poder para trazer as pessoas à fé.
Ainda que elas em vida em nenhum momento assumam crer em Cristo Jesus.
Bibliografia utilizada:

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

Aula 4 – As cinco vias de Aquino

Vimos que Thomás de Aquino apresenta um caminho natural de chegar a Deus. Esse
caminho é conhecido como cinco vias, ou cinco caminhos, de Thomás de Aquino.
Nosso propósito não é apresentar uma analise detalhada de cada um dos argumentos,
mas simplesmente fazê-lo conhecer quais são os cinco argumentos de Thomás de
Aquino para a existência de Deus pela via da revelação natural.

O primeiro caminho é o da mutação. Segundo ele, o mundo não é estático. No mundo,


tudo que se move é movido por outro ser. Esse outro ser é movido por outro ser até
chegar infinitamente a um ser que fosse imóvel. Como a hipótese de algo movendo algo
infinitamente no passado não parece muito coerente, a ideia é que existe, em algum
momento, um motor imóvel: algo que não é movido e que foi o primeiro a mover tudo.
Ou seja, seria justamente a figura de Deus.

O segundo caminho é o da causalidade eficiente. Todas as coisas existentes no mundo


não possuem a causa eficiente de sua existência em si mesmas e devem ser consideradas
sendo efeitos de outra coisa. Dessa forma é preciso admitir a existência de
uma Primeira Causa eficiente que fosse responsável pela sucessão de efeitos, a qual
seria Deus.

O terceiro caminho é o da contingência. Todo ser que é contingente pode existir e


deixar de existir. Se todas as coisas podem deixar de existir, em algum momento, nada
existiu. Mas, se nada existia, nada existiria até agora. Então é preciso admitir um ser que
sempre existiu, que nunca deixou de existir e que não pode deixar de existir, não tenha
fora de si a causa de sua existência, mas ele é a causa da necessidade de todos os seres
contingentes. Esse Ser Necessário é Deus.

O quarto caminho é o dos graus de perfeição. Das coisas existentes podemos notar
graus de perfeição. Isto é, existem coisas mais belas, perfeitas e melhores que outras.
Dessa forma, podemos supor um ser que possua um alto grau de qualidade ao ponto de
ser, de fato, o máximo da perfeição possível. Esse ser perfeito seria Deus. Ele seria o
padrão e a base de qualquer outro grau de perfeição existente.

O quinto caminho seria o do finalismo. Tudo que existe na criação tem um propósito.
Porém, de onde viria o propósito das coisas? Para Aquino precisaríamos assumir um ser
que desse, ou concedesse, propósito para cada criatura. Senão, as coisas não teriam
razão de existir. Para ele, esse ser ordenador é Deus.

Bibliografia utilizada:

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,

Aula 5 – Revelação especial Natureza e modo histórico

Já vimos sobre revelação geral, mas e a revelação especial? A revelação especial


significa “a automanifestação de Deus a pessoas em particular, em momentos e lugares
específicos, dando-lhes condiçõespara que tenham um relacionamento redentor com
ele” (ERICKSON, 163). Isso significa que a revelação especial é, antes de tudo,
particular. Deus revela a si mesmo para um povo específico. Justamente o povo que
forma a história da Bíblia. Assim, Deus pode se fazer conhecido de forma real e
verdadeira, de forma adequada. Não através de uma revelação geral, na natureza, na
história e no ser humano, mas por meio de sua relação com o povo escolhido. Essa
revelação está arraigada no plano da redenção de Deus e é dirigida ao homem
justamente em sua qualidade de pecador. Essa revelação só pode ser adequadamente
compreendida e assimilada através da fé e serve para assegurar o fim para o qual o
homem foi criado, a despeito de toda a perturbação que foi produzida pelo pecado
(BERKHOF, 36).

Essa revelação especial, ou revelação específica, possui algumas naturezas. A primeira é


a sua natureza antrópica. Isso significa que Deus falou em linguagem humana. Deus não
falou com uma linguagem desconhecida, ou alheia aos indivíduos, mas se manifestou
através de recursos que nós conhecemos. Ele falou em linguagem humana por meios de
categorias de pensamento que também são humanas e usou aspectos comuns da
experiência humana para que pudéssemos compreendê-lo.

Essa revelação especial também tem uma natureza analógica onde Deus faz uso
daqueles elementos universais do conhecimento humano que podem apontar para
semelhanças ou transmitir parcialmente as verdades da dimensão divina. Ao usarmos o
termo analógico, estamos nos referindo a algo da mesma qualidade. Ou seja, a diferença
se faz pelo grau, não pelo tipo ou pela categoria (ERICKSON, 167). Essa revelação que
é tanto antrópica quanto analógica também tem tipos de manifestação a nós, ou modos
de revelação especial.

O primeiro desses modos seria a revelação histórica. Essa revelação que se dá por
eventos históricos é justamente essa autorrevelação de Deus que pode ser encontrada em
atos pessoais de Deus na história em seus grandiosos feitos ao longo dos tempos. Ernest
Wright argumenta que a autoridade da Bíblia está nas narrativas, que devem ser
entendidas como uma exposição dos eventos históricos professados pelo povo de Israel
(no AT) e pela igreja cristã (no NT). Wright é enfático ao distinguir entre a revelação da
Bíblia como uma coleção de doutrinas e como uma narrativa histórica. A Bíblia, a rigor,
não é a Palavra de Deus, e sim um registro dos atos de Deus e da resposta humana a
esses atos. As doutrinas bíblicas são inferidas a partir das narrativas históricas. Os
chamados atributos de Deus não são verdades eternas que nos são transmitidas através
da Palavra. Ao invés disso, seriam conclusões inferidas do modo que Deus agiu. Assim,
o próprio conceito de Deus é visto não em termos de sua essência e ser, mas de seus
atos (ERICKSON, 169).

Por mais que essa visão tenha verdade no modo como olha as histórias bíblicas e dá a
elas verdadeira atenção, erra ao ignorar como a verdade de Deus se manifesta na
Escritura e apesar de existir, sim, história, essas histórias têm significados
proposicionais e verdadeiros a respeito de quem Deus é. Seguir a perspectiva do Wright
seria acreditar que aquilo que os autores bíblicos escreveram estaria sujeito à revisão de
alguma forma. Já que tudo era simplesmente fenomenologia de como se percebia Deus
e toda a linguagem descrevia nada mais do que percepções sobre como Deus agiu no
mundo.

Millard Erickson contra-argumenta Wright dizendo que a tarefa do teólogo é averiguar a


história como descrita nos relatos bíblicos para de “determinar quais características de
Deus podem ser inferidas com base na história real. Portanto, a revelação está contida
na história e não pode ser igualada à história” (ERICKSON, 170). Por mais que Deus
fale através da história, ela não é toda a revelação de Deus. Por mais coisas tenham
acontecido, Deus também descreve, julga e explica os acontecimentos através de seus
profetas, dos autores bíblicos, do próprio Cristo, dos apóstolos e pessoas ligadas aos
apóstolos. Não temos apenas história. Temos as histórias para revelar a grandeza de
Deus e o seu poder em seus atos no mundo. Deus se revela através da história bíblica.
Devemos considerá-la importante, mas não considerá-la como tudo o que existe. A
Escritura não é só história, ela também é doutrina e verdade sobre o Deus vivo. Ela não
é só a descrição de percepções de um povo a respeito de seus acontecimentos divinos,
mas é o próprio Deus falando e se revelando através de sua interpretação dos atos
históricos.
O pessoal da neo-ortodoxia segue de perto a perspectiva do Wright quando entende que
os eventos históricos são apenas meios pelos quais aconteceu a revelação divina. É uma
apresentação que Deus faz de si mesmo. Para eles, a revelação não é vista como uma
ocorrência histórica, mas é Deus que se encontra diretamente com alguém por meio
daquele evento. Sem essa manifestação direta de Deus, o evento é neutro. A Bíblia é um
registro da revelação que ocorreu. Quando alguém lê a Bíblia ou ouve a sua
proclamação, o Deus que se revelou a uma pessoa no registro bíblico pode renovar a sua
revelação e repetir o que fez na situação descrita no texto. Ele pode se revelar em um
encontro na pessoa que está lendo ou estudando a Bíblia. Nesse momento, poderia se
dizer que Bíblia é palavra de Deus para os neo-ortodoxos, mas não fora disso. A Bíblia
só é Palavra de Deus quando Deus se revela através da Bíblia para o homem. Quando
Deus não se revela, o texto simples não seria Palavra de Deus. Por isso que os neo-
ortodoxos vão dizer que a Bíblia não é a Palavra de Deus, mas que ela contém Palavra
de Deus. Assim a Bíblia não seria Palavra de Deus por alguma qualidade que lhe é
inerente, porque quando Deus se retira não haveria palavra naquele documento.

Outra posição acerca dessa relação entre revelação especial e a história é aquela que
acredita que os atributos de Deus podem ser concretamente vistos em seus atos na
história. E não apensas deduzido a partir dessa história. Ou seja, a ideia é considerar
toda a história como revelação de Deus e não apenas os acontecimentos registrados na
Escritura. Essa posição diz que os eventos históricos não apenas contém revelação, ou
prometem revelação, ou se tornam revelação, mas, de fato, são revelação.

Bibliografia utilizada:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015

Aula 6 – Revelação especial: modo discursivo e encarnacional

A revelação especial também pode ser vista como o discurso divino. Ou seja, a
revelação é o próprio discurso de Deus. Repetidamente, lemos “a Palavra do Senhor
veio a mim” pela boca em vários lugares da Escritura. Esse discurso divino pode
assumir várias formas, pode assumir, por exemplo, a forma de um discurso audível,
pode ser uma experiência interior em que se escuta e se sente de forma inaudível a
mensagem de Deus. Talvez fosse nesse processo que os profetas ouviam Deus falar nos
seus corações. Eles ouviam, mas ninguém mais no recinto ouvia além deles. Existe
também a ideia de uma revelação concursiva – já falamos sobre concursos no modo
sobre teontologia – onde temos uma fusão entre revelação e inspiração. Conforme os
autores bíblicos escreviam suas cartas, Deus inspirava aqueles textos para que fossem
exatamente o que Deus queria que fosse dito. Ou seja, no processo de escrita de cartas
comuns em que apóstolos escreviam às igrejas, Deus usava esse processo para escrever
exatamente aquilo que ele queria através do seu povo justamente para falar ao seu povo.
Ou seja, conforme os autores bíblicos escreviam, Deus colocava na cabeça deles os
pensamentos e dava a eles a oportunidade de usar exatamente as palavras que Deus quer
fossem usadas. O autor poderia ter ou não consciência do que estava acontecendo.
Nesse caso, eles poderiam simplesmente achar que as ideias lhe ocorriam enquanto
escreviam. Paulo é muitas vezes categórico e deixa claro que quem estava dizendo
aquilo era o próprio Senhor na mensagem que ele transmitia nas suas cartas. Em outros
momentos, como na epístola a Filemom, Paulo tinha plena consciência de que sua
escrita era guiada pelo próprio Deus.
Não só o evento da revelação, mas também a interpretação da revelação é guiada pelo
próprio Deus. Quando os autores interpretavam eventos, ou mesmo interpretavam a
palavra de Deus revelada no Antigo Testamento, Deus não permitia que essas
interpretações fossem mero pensamento direto das mentes deles, mas o próprio Deus
comunicava através desse processo quando foi registrado na Palavra. Assim, a revelação
direta da vontade de Deus é uma modalidade de revelação tão autêntica quanto os seus
atos na história. É justamente dentro dessa categoria que temos a profecia. A profecia
como um ato presente, isto é, se ela ocorre ainda hoje ou não, será dito no módulo sobre
pneumatologia – a doutrina do Espírito Santo. A profecia como um ato histórico e a
profecia como algo que é registrado na Escritura faz parte do processo revelacional de
Deus e representa justamente a comunicação dos pensamentos de Deus à mente
humana. Esses pensamentos de Deus que são revelados através de profecia podem se
referir ao passado – coisas que já aconteceram – , ao presente – coisas que estão
acontecendo – e ao futuro – chamado de videntismo, os profetas também eram videntes
no sentido de pessoas que viam e interpretavam elementos futuros a partir dos
momentos que Deus queria lhes revelar isso.

Lemos na Escritura que Deus fala de forma audível e de forma humana. Deus usou
outras formas de revelação profética como tirar sortes, o urim e o tumim – pedras que os
sacerdotes usavam para saber qual era a vontade de Deus (Jz 1.1; 20.18; 1 Sm 5.23; 1
Cr 24.14). Ainda que a Escritura fale da futilidade dos sonhos(Sl 73.20; Jó 20.8; Is 29.7)
e atribuir certos sonhos a falsos profetas (Jr 23.25; 29.8; Mq 3.6; Zc 10.2), Deus muitas
vezes usava sonhos para fazer sua vontade conhecida (Nm 12.6; Dt 13.1-6; 1 Sm 28.6;
Jl 2.28). Eles também ocorriam com quem não era israelita (Gn 20; 31; 40; 41; Jz 7; Dn
2; 4) e tinham a função de transmitir uma comunicação de Deus (Gn 20.3; 31.9; Mt
1.20; 2.12, 19, 22; 27.19).

Deus também falava por visões (Gn 15.1; 11; 20.7; Nm 12.6). Elas são retratadas desde
Gênesis até Apocalipse (Gn 15.1; 46.2; Nm 12.6; 22.8-13; 24.3; 1 Rs 22.17-23; Is 6;
21.6; Jr 1.11-14; 24.1; Ez 1-3; 8-11; 40; Dn 1.17; 2.19; 7; 8; 10; Am 7-9; Zc 1-6; Mt
2.13, 19; Lc 1.22; 24.23; At 7.55; 9.3; 10.3, 10; 16.9; 22.17; 1 Co 12-14; 2 Co 12.1; Ap
1.10). Muitas dessas revelações se davam em estado de extase (Nm 24.3; 2 Rs 9.11; Jr
29.26; Ez 1.28; 3.23; 43.3; Dn 10.8-10; At 9.4; Ap 1.17; 11.16; 22.8) onde o conselho
de Deus era entregue a algum de seus profetas. “No entanto, esses estados nunca eram
um ambiente em que a consciência era suprimida ou perdida” (BAVINCK, 333). Eles
tinham plena consciência da revelação que estavam recebendo.

Uma terceira modalidade de revelação seria a encarnacional. Ela é a modalidade mais


completa de revelação a qual encontramos em Cristo Jesus. Lemos isso em Hebreus 1.1
quando diz que antigamente Deus falou através dos profetas muitas vezes, e de muitas
maneiras, mas que hoje ele se revela de uma vez por todas através de Cristo Jesus. Ele é
o ápice da revelação de Deus. Ele é justamente a imagem do Deus invisível. Ele é
aquele que quando olhamos vemos o próprio Deus-Pai no máximo de sua revelação. Ao
encarnar, Deus se mostrou ao mundo no ápice daquilo que ele poderia se mostrar aos
homens criados. Isso significa que a vida e as palavras de Jesus foram uma revelação
muito especial de Deus. Jesus é o ápice dos atos de Deus. O próprio Cristo comparou
sua mensagem com aquilo que estava na Escritura tanto expandindo, quanto
apronfundando a compreensão dela.
Quando os profetas falavam, eles eram portadores de uma mensagem que tinha tanto
conteúdo divino quanto origem divina. Quando Jesus falava, ele era o próprio Deus
falando. Sua mensagem era divina de uma forma direta e exclusiva. Jesus é a união da
revelação como ato e como Palavra. Ele é tanto história da revelação quanto discurso
divino na revelação. Ele fala as palavras do Pai e mostra os seus atributos divinos. Por
isso, Jesus é a mais completa revelação de Deus.

Bibliografia utilizada:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015

Aula 7 – Inspiração

A palavra “inspiração” vem de dois vocábulos gregos: theo, “Deus”;


e pneustos, “sopro”. Dessa forma, inspiração significaria “aquilo que é dado pelo sopro
de Deus”. Uma definição preliminar de inspiração, segundo Erickson, é “a influência
sobrenatural do Espírito Santo, exercida sobre os autores da Bíblia, que fez com que
seus textos fossem um registro preciso da revelação ou resultassem, de fato, na Palavra
de Deus” (ERICKSON, 189). Ou seja, É a “ação sobrenatural do Espírito Santo sobre os
escritores sagrados, que os levou a produzir, de maneira inerrante, infalível, única e
sobrenatural, a Palavra de Deus — a Bíblia Sagrada” (Dicionário Teológico, de
Claudionor de Andrade, CPAD). É a partir da inspiração que inferimos a autoridade da
Bíblia. “A autoridade das Escrituras significa que todas as palavras nas Escrituras são
palavras de Deus, de modo que não crer em alguma palavra da Bíblia ou desobedecer a
ela é não crer em Deus ou desobedecer a ele” (GRUDEM, 44). “Enquanto a revelação é
a comunicação da verdade de Deus aos seres humanos, a inspiração está mais
relacionada com a retransmissão da verdade do(s) primeiro(s) destinatário(s) a outras
pessoas, seja na mesma época, seja posteriormente” (ERICKSON, 190).

Os profetas sabiam que estavam sendo chamados por Deus (Êx 3; 1 Sm 3; Jr 1; Ez 1-3;
Am 3.7, 8; 7.15). Em Israel, havia uma convicção que os profetas eram enviados por
Deus (Jr 26.5; 27.15; 29.15; Dt 18.15; Nm 11.29; 2 Cr 36.15). Os profetas estavam
conscientes que Deus havia falado com eles. YHWH diz o que eles têm que dizer (Êx
4.12; Dt 18.18), colocando as palavras em sua boca (Nm 22.38; 23.5; Dt 18.18), falando
com eles (Os 1.2; Hc 2.1; Zc 1.9, 13; 2.2, 8; 4.1, 4, 13, 14; 5.5, 10; 6.4; Nm 12.2; 1 Rs
22.28).As fórmulas “Assim diz o Senhor” ou “veio a mim a palavra do Senhor” são
muito utilizadas pelos profetas. Os profetas tem uma consciência firme que podem dizer
o lugar e momento em quem Deus falou com eles e quando não falou (Is 16.13, 14; Jr
3.6; 13.3; 26.1; 27.1; 28.1; 33.1; 34.1; 35.1;49.34; Ez 3.16; 8.1; 12.8; Zc 1.1) . Eles se
distinguem de YHWH, porque ele fala com eles (Is 8.1; 51.16; 59.21; Jr 1.9; 3.6; 5.14;
Ez 3.26) e eles ouvem e veem (Is 5.9; 6.8; 21.3, 10; 22.14; 28.22; Ez 2.8; 3.10, 17; 33.7;
40.4; Hc 3.2). Os profetas faziam distinção entre o que Deus havia revelado e o que
surgia em seu coração (Nm 16.28; 1 Rs 12.33; Ne 6.8; Sl 41.6-7), se diferindo assim dos
falsos profetas que faziam aquilo que estava dentro de seus corações (Ez 13.2,3; Jr
14.14; 23.16) sem serem chamados (Jr 29.9; Ez 13.6). Os profetas, por fim, tinham a
consciência de não proclamar a própria palavra, mas a do Senhor. Eles tinham que falar
(Jr 20.7; Am 3.8; Jn 1.2) e não falavam para obter estima humana (Is 56.10; Mq 3.5,11),
mas apenas a aprovação do Senhor.
O Novo Testamento também testemunha da autoridade divina. Os escritores do NT
tinham certeza que o AT era de origem divina. Jesus cita um livro do AT pelo nome do
autor (e.g., Moisés – Mt 8.4; 19.8; Mc 7.10; Jo 5.45; 7.22; Isaías – Mt 15.7; Mc 7.6;
Davi – Mt 22.46, 45; Daniel – Mt 24.15) e usa a fórmula “está escrito” (Mt 4.4ss; 11.10;
Lc 10.26; Jo 6.45; 8.47), ou “diz a Escritura” (Mt 21.42; Lc 4.21; Jo 7.38; 10.35). Os
evangelistas geralmente usam a expressão “que falou pela boca do profeta” (cf. Mr
1.22; 2.15, 17, 23, 3.3 etc), ou “pelo Senhor”, ou “pelo Espírito Santo” (Mt 1.22; Lc
1.70; At 1.16; 4.25). João costuma citar o material pelo nome do autor secundário (1.23;
12.38) e Paulo fala da Escritura (Rm 4.3; 9.17; 10.11; 11.2; Gl 4.30; 1 Tm 5.18). Jesus e
os apóstolos afirmavam e ensinavam a autoridade divina do AT (Mt 5.17; Lc 16.17, 29;
Jo 10.35; Rm 15.4; 1 Pe 1.10-12; 2 Pe 1.19, 21; 2 Tm 3.16). Jesus e os apóstolos
aceitaram o AT por completo, tanto nos pronunciamentos religiosos, quanto nos
componentes históricos. Jesus atribui Isaías 6 a Isaías (Mt 13.14), Salmo 110 a Davi (Mt
22.34), a profecia de Mt 24.15 a Daniel e lei a Moisés (Jo 5.46). As narrativas do AT
são citadas várias vezes no NT (dilúvio- Mt 24.37-39; história dos patriarcas – Mt
22.32; destruição de Sodoma – Mt 11.23; Lc 17.28-33; sarça ardente – Lc 20.37;
histórias de Elias e Naamã – Lc 4.25-27, Jonas – Mt 12.39-41 etc). Jesus e os apóstolos
justificam sua conduta utilizando o AT (Mt 12.3; 22.32; Jo 10.34; Rm 4; 1 Co 15). Há
também uma diversidade de citações e alusões do AT no NT (Mt 4.4, 7, 10; Jo 10.34;
At 15.16; Rm 1.17; 8.36; 1 Co 5.7; 2 Co 6.16 etc).

Bibliografia utulizada:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 8 – Teorias e alcance da inspiração

Existem pelo menos cinco grandes teorias da inspiração da Escritura. A primeira é


a teoria da intuição. Ela diz que a inspiração é uma perspicácia de alto grau. Ela é o
exercício de um dom privilegiado, como uma habilidade artística. Assim, os autores
foram “gênios religiosos”. A Bíblia seria uma importante literatura religiosa do povo
hebreu que reflete suas experiências através das penas de homens extremamente
inteligentes. Essa, claro, é uma visão muito naturalista da interpretação divina e não
considera a Bíblia como realmente um documento inspirado de fato. Uma vez que a
inspiração estaria disponível aos mais variados tipos de atividade artística e cultural

Em segundo lugar, temos a teoria da iluminação. Essa teoria diz que há uma influência
do Espirito Santo sobre os autores bíblicos, mas ela envolve apenas um aperfeiçoamento
de suas competências normais. Não há comunicação de verdade especial nem de
orientação para o que é escrito, apenas uma sensibilidade maior nas questões espirituais.
A Bíblia seria fruto do aumento da capacidade desses homens de perceber a verdade.

Em terceiro lugar, temos a teoria da inspiração dinâmica. Ela enfatiza a relação entre
elementos divinos e humanos no processo de inspiração e redação do texto bíblico. O
Espírito de Deus atua dirigindo o autor aos pensamentos e conceitos, mas permite que
personalidade do autor participe da escolha de palavras e expressões. O autor, dessa
forma, exprime pensamentos divinamente dirigidos de uma forma que lhe é particular.
Em quarto lugar, temos a teoria da inspiração verbal. Nesse modelo, a influência do
Espírito Santo se estende além da direção dos pensamentos do autor e abrange a seleção
de palavras usadas para transmitir a mensagem. Cada palavra é a palavra exata que
Deus queria que fosse empregada naquele momento de expor a mensagem que Deus
gostaria.

Em quinto lugar, temos a teoria do ditado. Essa teoria defende que Deus ditou
exatamente aquilo que os autores bíblicos deveriam escrever. As passagens em que os
autores dizem que Deus disse o que eles deveriam revelar se aplicaria a toda a Bíblia e
cada trecho bíblico porque Deus falou as palavras certas em seus ouvidos e eles
transmitiram isso para o texto escrito.

Os teólogos protestantes da atualidade geralmente seguem a teoria de uma inspiração


verbal, isto é, uma inspiração de Deus que dá ideias corretas aos autores e que guia
exatamente as palavras que Deus gostaria que fossem usadas. Uma característica
interessante que os autores bíblicos acreditavam em uma inspiração verbal é porque no
livro de Gálatas quando Paulo vai falar a respeito do evangelho através da figura de
Abraão e de Isaque, ele diz que a promessa que Deus faz a Abraão é a promessa de um
descendente e diz que ali há um singular, não um plural (Gl 3.15-16). Se houvesse um
plural, haveria descendentes, mas a promessa é para um singular e porque é para um
singular a promessa é para um descendente específico que Paulo vai aplicar à pessoa de
Jesus. Paulo tinha a consciência de que o uso de um singular ou de um plural em um
texto do Antigo Testamento dizia verdade a respeito de Deus. Paulo se sentia seguro de
fazer teologia com base em uma letra, ou duas letras, de um texto do hebraico, porque
ele sabia que se o autor escolhera um singular ao invés de um plural aquilo tinha
significado divino e ele entendia que as palavras foram escolhidas por Deus até no
modo como elas foram postas.

Se esses são os modelos de inspiração, então qual é o seu alcance? Em 2 Timóteo 3.16,
Paulo diz que “toda a Escritura é inspirada por Deus”, mas há quem tente fugir desse
texto dizendo que no grego não existe o verbo de ligação “é” e que a melhor tradução
seria “Toda a Escritura inspirada por Deus é útil para o ensino...”. A ideia seria que
apenas as partes da Escritura que são inspiradas é que seriam úteis, mas isso não parece
ser muito coerente com a teologia de Paulo e pelo modo como ele diz que toda a palavra
deve ser pregada quando diz que prega todo o conselho de Deus. Quando ele ordena que
Timóteo pregue, ele fala da utilidade e suficiência na Escritura. A ideia de Paulo talvez
seja dizer justamente toda a Escritura é inspirada pelo Senhor.

Em 2 Pedro 1.19-21 e em João 10.34-35, também lemos declarações sobre a inspiração


de toda a Escritura. Textos esses que falam justamente da Escritura como algo que foi
inspirado por Deus em sua totalidade. Claro que alguns tentam fugir dessas passagens
dizendo que Pedro está falando apenas dos profetas e João está falando apenas da Lei,
mas, em vários locais da Escritura, o termo “Lei e os profetas” aparece de forma
intercambiável para falar diretamente de toda a Palavra de Deus. O termo “Lei e os
profetas”, ou o termo “Lei” e “os profetas” aparecem na Escritura várias vezes como
sinônimo do termo “Escritura”.Tanto que, em João 10.34, Jesus diz que vai citar a Lei e
cita um Salmo. O Salmo não está no livro da Lei, mas “Lei” era uma palavra que servia
para falar de todo o Antigo Testamento. Em João 15.25, novamente ele descreve uma
oração do Salmo 35.19 como “a palavra escrita na lei deles”. Um salmo não é um livro
da lei, mas lei era um resumo de toda a Escritura. Em 1 Coríntios 14.21, Paulo usa o
termo “Lei” para citar Isaías (cf. Is 28.11-12). Assim, fica evidente que “Lei e os
profetas”, ou só “Lei” ou só “os profetas”, ou “Moisés” eram termos que eram usados
para falar de todo o AT.2 Pedro 1.19-21 e João 10.34-35 são textos que estão falando
que toda a Escritura é inspirada por Deus.

É por isso que os reformados não falam apenas de Sola Scriptura, mas também de Tota
Scriptura. No Sola Scriptura, a Escritura é suficiente e apenas ela, mas no Tota
Scriputra é que toda a Escritura é suficiente e inspirada por Deus. É interessante que
Pedro – em 2 Pedro 3.16 – se refere às cartas de Paulo como textos da Escritura
equiparando os Escritos de Paulo a escritos do AT como palavra do próprio Deus. Em 1
João 4.6, João também coloca em pé de igualdade o seu texto com os textos inspirados
do AT. Em Apocalipse 22.16, há punições para aqueles que alterarem o que está escrito
naquele livro, muito próximo do que se ouve a respeito do AT como um livro inspirado
que deveria ser tratado com autoridade sem deturpações. Paulo diz que escreve sobre
orientação do Espírito e que eles deveriam aceitá-lo porque ele escrevia Palavra de
Deus.

Aula 9 – Teoria de inerrância

Inerrância significa dizer que a Escritura nunca erra. De forma um pouco mais
estendida, é dizer que a Escritura sempre diz a verdade e que sempre diz a verdade a
respeito de todas as coisas que ela trata. Isso não significa que a Bíblia nos comunica
todos os fatos que podem ser conhecidos, mas significa que tudo aquilo que ela diz
sobre determinado assunto é verdade (GRUDEM, 59). Como diz Erickson, “a inerrância
é o fechamento da doutrina das Escrituras, pois, se Deus nos deu uma revelação especial
de si mesmo e inspirou seus servos a registrá-la, desejamos ter certeza de que a Bíblia é,
verdadeiramente, uma fonte confiável dessa revelação” (ERICKSON, 209).

Mesmo assim, alguns teólogos têm fornecido um modelo um tanto quanto limitado de
inspiração. Muitos acreditam que essa ideia de inspiração apresenta uma revelação um
tanto estática que ignora os aspectos humanos da revelação, o fato de que gente
escreveu. Muitos dizem que a inerrância acaba tirando a dinâmica da Escritura e faz
com que se torne irrelevante às questões mais atuais. Já que estamos presos a padrões de
séculos passados. Esses teólogos preferem localizar a Escritura aos seus destinatários
habituais, ou seja, aquele primeiro público que recebeu a mensagem e prefere deixar
aberta à ideia de que ela possui erros para poder adaptá-la a contextos e questões mais
contemporâneas.Esses acabam seguindo a ideia que a Escritura contém a Palavra de
Deus e não que ela é a Palavra de Deus. O texto que não é Palavra seria passível de erro,
mas quando a Palavra se manifesta através do Espírito Santo não teríamos erro na
Escritura. A crença é que a mensagem de Deus seria comunicada até mesmo através de
um livro falho como a Escritura. Então, podemos considerar pelo menos quatro grandes
modelos de inerrância.

O primeiro modelo é a inerrância plena. Ela foi proposta por John Stott, J.I. Packer,
Francis Schaeffer, Millard Erickson, R.C. Sproul e o famoso Concílio internacional
sobre inerrância bíblica. Esse modelo diz que a Bíblia é plena e veraz em tudo aquilo
que afirma e isso se estenderia tanto a áreas da história quanto da ciência. Isso não
significa que a Escritura tem o propósito de trazer informações exatas sobre história ou
ciência, por isso ela faz uso de expressõe populares, aproximações e linguagem
fenomenológica para se referir a certas coisas científicas ou históricas. Isso não tiraria a
sua total inspiração nessas coisas e a veracidade do que é dito. Assim, as aparentes
discrepâncias entre questões históricas ou científicas que conhecemos hoje seriam
facilmente explicadas por esse tipo de uso de linguagem.

O segundo modelo é o da inerrância limitada. Ele foi proposto por Daniel Fuller,
Stephen Davis e William LaSor. A Bíblia seria inerrante apenas nos seus ensinos
doutrinários. Seria um tipo de inerrância kerigmática – kerygma se refere a pregação.
Dessa forma, a inerrância estaria exclusiva nas suas doutrinas e mensagem de fé.Uma
vez que a Bíblia não foi concebida para ensinar ciência ou história, Deus não teria
revelado questões históricas ou científicas aos seus escritores. Nessas áreas, a Bíblia
reflete questões simplesmente questões de sal cultura e poderia conter “erros” e
imprecisões.

Em terceiro lugar, existe a inerrância de propósito. Defendida por Jame Orr, Jack
Rogers, G.C. Berkouwer e Donald McKim. A Bíblia seria isenta de erros no sentido de
concretizar seu propósito primário, o qual seria justamente o de levar as pessoas a uma
comunhão pessoal com Cristo. Portanto, a Escritura seria verdadeiramente inerrante
somente na medida em que realiza seu propósito fundamental e não por ela ser factual
ou realmente precisa naquilo que ela assevera.

E, em último lugar, temos a posição da irrelevância da inerrância. É um termo dado


por Franklin Ferreira e Alan Myatt para falar da posição de David Hubbard. A
inerrância é tratada de forma irrelevante por uma série de razões. Primeiro porque seria
um conceito negativo e que a nossa concepção da Escritura deveria ser positiva. Em
segundo lugar, a inerrância não é um conceito bíblico. Em terceiro lugar, na Escritura o
erro é uma questão moral, ou espiritual, e não intelectual. Em quarto lugar, a inerrância
nos concentraria nos detalhes da Escritura e não em sua mensagem geral. Em quinto
lugar, a inerrância impediria uma análide honesta da Escritura. E em sexto lugar, a
inerrância produziria desunião na igreja, já que uns concordam com ela e outros não.

Qual seria então a relevância da inerrância? Primeiro, a inerrância tem uma importância
teológica. Se Deus é onisciente, ele conhece todas as coisas. Deus não pode cometer
erros nem pode desconhecer certos assuntos. Se Deus é onipotente, ele é capaz de
influenciar a redenção dos autores humanos no processo de redação do texto sagrado e
ele deve fazê-lo para que não haja erros. A inerrância é justamente um corolário da
inspiração plena da Escritura.Se alguns textos bíblicos podem estar errados, nosso
contato com a Escritura certamente sofre muito.

Também há uma séria importância histórica nisso. A ideia de inerrância bíblica não é
recente. Até mesmo Agostinho no século IV que possuia uma visão um tanto quanto
alegórica da Escritura, o qual usava muita alegoria para vencer alguns erros teológicos
ou doutrinários na própria compreensão da fé, cria que a Escritura não possuia erros. Ele
diz com plena certeza que os autores bíblicos estavam isentos de erro naquilo que
escreviam. Ele diz que não se eximia em pressupor, ao achar alguma coisa estranha no
texto bíblico, que a culpa talvez fosse do manuscrito que ele estava lendo, que poderia
ser ruim, ou que o tradutor não captou bem o sentido do que foi lido, ou ainda que ele
mesmo não conseguiu compreender bem aquilo que estva sendo escrito. Cabe lembrar
que o que é inerrante são os textos originais, não são os manuscritos, nem as traduções,
mas o original revelado por Deus na Escritura.
O próprio Martinho Lutero segue a mesma ideia quando diz que a Palavra de Deus não
pode mentir nem errar. Ele diz, “disso estou certo”. Ele cria plenamente na inspiração
da Escritura e na sua inerrância absoluta. Existe também uma séria importância
epistemológica – epistemes vem de conhecimento, mente. A questão é que na medida
em que nós, como cristãos que acreditam na autoridade da Escritura, começamos a
abandonar a ideia que a Escritura é inerrante, precisaremos de algum outro fundamento
para a nossa teologia. Se nosso fundamento é de palha e tem erros, como poderemos
acreditar que há segurança naquilo que declaramos a partir da Palavra de Deus? Abrir
mão da inerrância significa nos abrirmos a adotar conceitos doutrinários que vão contra
aquilo que está escrito na Escritura que muitas vezes podem ir em total oposição àquilo
que está revelado. Considerando que um texto diz A, posso crer em não-A, ou anti-A, e
considerar que o texto da Escritura não foi inspirado de fato. Se uma única afirmação na
Bíblia é falsa, todas as outras informações são incertas.Por isso que a inerrância garante
e a assegura a veracidade da Escritura e a certeza das afirmações bíblicas.

Primeiro, a inerrância tem relação com o que é afirmado ou defendido e não


simplesmente com o que é relatado na Escritura.A Bíblia registra declarações falsas de
homens ímpios. A presença dessas declarações na Escritura não significa que sejam
verdadeiras. A inerrância apenas garante que elas estão verdadeiramente relatadas.
Dessa forma, quando o autor bíblico cita uma fonte extra-bíblica, isso também não
garante à fonte um caráter canônico, mas veracidade no uso daquilo que o autor faz
daquele texto ou expressão específico daquela fonte. Pessoas podem cometer atos
errados e pecaminosos, e isso está relatado na Escritura. Inerrância não significa que
isso está aprovado pela Escritura, mas que está corretamente relatado por ela.

Em segundo lugar, é preciso julgar a inerrância e a veracidade da Escritura no sentido


em que ela se propôs ao público original que recebeu aquele texto justamente no sentido
que possuíam no ambiente que aquelas declarações foram feitas. Não devemos usar
termos, considerações ou estruturas anacrônicas de um outro tempo para julgar as
estruturas do tempo em que as coisas foram propostas.

Em terceiro lugar, as declarações bíblicas sempre são verdadeiramente consideráveis


quando são julgadas no propósito para o qual se propõe. Um dos grandes exemplos
disso está na contagem de pessoas ou na descrição de dimensões de elementos ou de
extensões de terra. Quando o contexto exige precisão, a coisa dever ser considerada
como está escrita. Porém, se o contexto exige nada mais que uma aproximação, também
pode ser considerado como verdadeiro. Isso também fala de algumas ordens
cronológicas, ou em genealogias que saltam gerações para trazer um propósito didático
específico.

Em quarto lugar, os relatos de eventos históricos de questões científicas estão em uma


linguagem que é própria dos fenômenos e não em uma linguagem científica pelos
moldes contemporâneos. Ou seja, os autores relatam as coisas como eles às veem e não
como um texto técnico e acadêmico relataria.

Em último lugar, as dificuldades para entender ou interpretar um texto bíblico não


devem ser prejulgadas como um erro no próprio texto. Pode haver alguma limitação
humana. Às vezes, pode ser uma omissão clara do próprio Deus, mas não um erro em si.
Também pode ser uma omissão do autor bíblico porque não era do seu interesse relatara
aquele fato naquele momento. Alguns dos dados nunca estarão ao nosso alcance.
Referências bibliográficas:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 10 – Necessidade das Escrituras

Não podemos deixar de considerar que a Escritura é necessária. A ideia de necessidade


da Escritura é um conceito filosófico muito interessante e fala que a Bíblia é necessária
para que possamos conhecer o Evangelho, para conservar a vida espiritual e para
conhecermos a vontade de Deus. Ela não é necessária para você saber que Deus existe,
ou para saber algo sobre o caráter de Deus e suas leis morais, mas ela é necessária para
conhecermos de fato toda a sua revelação e o ápice da sua revelação que é a pessoa de
Jesus.

As Escrituras são a autoridade final que revelam a Palavra de Deus e a pessoa de Cristo.
Por isso que Paulo diz “a fé vem pelo ouvir e o ouvir a Palavra de Deus” (Rom 10.17).
As Escrituras são autoridade final que nos revelam e trazem essa fé na pessoa de Deus.
A Bíblia é necessária para nossa salvação. É por isso que para ser salva a pessoa precisa
ouvir a mensagem do Evangelho sendo transmitida por uma leitura própria da Escritura,
ou mesmo pela mensagem transmitida por alguém da Palavra de Deus.

Mesmo os crentes de linha judaica que creram e foram salvos no Antigo Testamento, na
Antiga Aliança, foi devido crerem na Palavra de Deus e acreditarem de fato no Messias
que viria ser Jesus.Cremos que a Escritura é Palavra de Deus e o próprio Jesus diz que
“nem só de pão viverá o homem, mas viverá de toda palavra que sai da boca do nosso
Senhor” (Mt 4.4). A Escritura é nosso alimento, nosso pão. Ela é o que nos nutre e nos
dá motivo para a vida. Ela é necessária para o cristão quando Deus ordena que devemos
seguí-la e meditar nela de dia e de noite. A Bíblia é necessária para que possamos viver
espiritualmente. É a Escritura que nos dá crescimento espiritual.

Dessa forma, a Bíblia é necessária tanto para nosso crescimento, quanto para o
desenvolvimento em vida espiritual. Nós crescemos na vida de Deus ao meditarmos e
aprendermos da Palavra de Deus. Por isso que nós falamos sobre vida devocional. Por
isso que ler a Escritura em um plano anual de leitura é uma coisa importante. Por isso
que olhar para a Escritura com cuidado e com carinho, trazê-la para sua vida, pensar a
vida biblicamente e usar a Palavra de Deus para interpretar a realidade são coisas tão
importantes.

A Bíblia revela a Palavra de Deus para que sejamos integros e irrepreensíveis. O Salmo
1 diz que é bem aventurado aquele que segue a Palavra de Deus e medita na Bíblia de
dia e de noite. Jesus diz que quem o ama guarda os seus mandamentos. Para
conhecermos esses mandamentos, precisamos ler a Escritura. Davi diz que os
mandamentos do Senhor são o tema de sua canção. Ele cantava a Deus sobre seus
mandamentos. A Escritura é necessária para que possamos conhecer a vontade de Deus
e seguir a vontade do nosso Senhor.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999
Aula 11 – A autoridade das escrituras

A autoridade da Escritura se refere ao caráter autoritativo da Escritura, isto é, ela tem


uma força moral e imperativa sobre aqueles que se propõe a seguí-la. “A autoridade da
Escritura sempre foi reconhecida na igreja cristã. Jesus e os apóstolos criam no Antigo
Testamento como a Palavra de Deus e atribuíam a ele autoridade divina. A igreja cristã
nasceu e floresceu sob a autoridade da Escritura” (BAVINCK, 455).

A questão que surge é como Deus exerce essa autoridade. É de forma direta ou indireta?
Iremos explicar isso. Se existe um ser superior aos seres humanos, criador de tudo e que
fala a nós, ele tem o direito de determinar no que devemos crer e quem devemos seguir.
Do ponto de vista cristão, Deus é essa autoridade suprema justamente por causa de
quem ele é. Ele é o ser supremo. Ele é aquele que sempre existiu mesmo antes de nós ou
de qualquer outro ser ter sido formado. Ele é o único com poder de existir em si mesmo,
portanto não depende de algo nem depende de ninguém para poder exercer autoridade
sobre a sua igreja. Por isso que nós tratamos de Teontologia antes de Bibliologia,
porque Deus é aquele que tem autoridade para nos ordenar e comissionar ao que ele
quiser. Além do mais, ele é autoridade por causa daquilo que realizou. Ele nos criou,
bem como tudo o que existe. Ele fez tudo que há no mundo e ele nos redimiu. Além
disso, ele é a autoridade legítima. Ele tem o direito de prescrever no que devemos crer e
como devemos agir. Por causa de sua atividade em nossa vida, ele sustenta a criação,
nos vivifica, cuida de nós, supre as nossas necessidades. Através da Escritura, Deus
manifesta a sua autoridade. Então, a autoridade das Escrituras significa que todas suas
palavras são de Deus de modo que não crer na Escritura é não crer no próprio Deus que
nos comissiona.

Já falamos disso quando falamos da inspiração da Escritura. Porque a Palavra de Deus é


inspirada, ela é autoritativa. Essa autoridade de Deus é exercida por um ato direto de
revelação. Que é justamente o encontro não mediado entre Deus e o seu povo em um
exercício direto de autoridade. No Antigo Testamento, a fórmula “assim diz o Senhor”
era uma forma de manifestar esse poder absoluto de Deus em nos ordenar a sua vontade.
Por isso, ele falava por meio dos profetas. Ou seja, aquilo que ele falava por meio dos
profetas, era o que ele próprio queria falar ao seu povo. Quando um profeta falava era
como se o próprio Deus falasse. Desobedecer o profeta era desobedecer o próprio Deus.

O mesmo nós encontramos no Novo Testamento quando Paulo diz que devemos seguir
suas cartas como ordem de Deus. Quando Jesus fala “em verdade, em verdade vos
digo”, se coloca como autoridade e o ápice da revelação de Deus aos homens. Temos
que seguir tanto o Antigo quanto o Novo Testamento no modo como nos submetemos
ao Senhor.

Os grupos mais espiritualistas acreditam que essa vontade de Deus é exercida de forma
bem direta. De forma que alguns esperam alguma palavra ou orientação divina que seja
parte da Escritura e que esse guiar direto de Deus se daria através de visões ou
sentimentos no coração. Outros ainda acreditam que essa autoridade divina através da
sua Palavra foi delegada através de alguma pessoa ou instituição, como é o caso, por
exemplo, da Igreja Católica Romana que acredita que foi a igreja que criou a Escritura e
que delegou autoridade de alguma forma à Escritura. Por mais que acreditem em
alguma autoridade intríseca ao texto, foi a igreja que através do seu exercício de
autoridade fez a Bíblia ser conhecida e reconhecida como ela é. O argumento é que foi a
igreja que nos deu a Bíblia, porque a igreja existia antes da Bíblia e essa igreja compilou
essa tradição oral que foi preservada também pela própria igreja e então nos deu o texto
da palavra que agora ela reconhece, confirma, preserva, explica, defende e assim por
diante. Atrelado a isso estaria a ideia de que a igreja é quem fornece a interpretação
oficial e autorizada acerca do texto em um tripé de autoridade onde a tradição, a
Escritura e o magistério da igreja juntos formam aquilo que é a autoridade de Deus
sobre os homens.

Para a teologia romana, a igreja, a Escritura e a tradição estariam em pé de igualdade em


autoridade sobre o povo de Deus, porque seria a igreja quem fornece integridade
autoridade, inspiração e canonicidade ao texto. Algumas características da autoridade da
Bíblia são as seguintes: Somos convencidos a aceitar a autoridade da Bíblia como
Palavra de Deus na medida em que nós a lemos. Uma coisa é afirmar que Bíblia alega
ser a Palavra de Deus outra coisa é ser convencido de que essas afirmações são
verdadeiras. A convicção real de que a Bíblia realmente é aquilo que alega ser vem
justamente quando o Espírito Santo nos toca através da nossa leitura das palavras do
texto sagrado. Quando o Espírito Santo toca em nós nas palavras da Bíblia, pelas
palavras da Bíblia, encontramos uma segurança mais íntima de que há um Deus falando
conosco. É interessante perceber o milagre que é a Escritura ser um documento cheio de
coerência interna a Bíblia é um documento historicamente preciso com profecias que se
cumpriram milhares de anos depois que foram feitase influenciou os rumos da história
mais que qualquer outro livro. A Escritura durou mais que civilizações, mais que países,
cidades, reinos e que impérios e vem mudando a vida de milhares de indivíduos ao
longo da história. As pessoas têm encontrado salvação por meio dela. Elas têm
encontrado em seus ensinos beleza majestosa e profundidade que nenhum outro livro
pode superar. Ou seja, as palavras da Escritura são autocorroborantes. Elas não são
comprovadas como Palavra de Deus simplesmente por uma análise anterior a ela, em
nível intelectual ou racional ou apologético. Ela é, de fato, se você analisar a Escritura
como um documento, você certamente terá que se submeter à veracidade do que está
escrito, mas ela por si só tem a autoridade de ser a Palavra do Senhor transmitida por
Deus. A sua autoridade é grandiosa porque ela justamente se define assim e eomo ela é
o próprio Deus falando a nós, a sua autoridade é instriseca. Não precisaríamos de provas
externas a ela para prová-la porque ela está acima de qualquer coisa. Ela é o próprio
Deus se comunicando conosco. Quando submetemos às Escrituras às provas, também
saímos convencidos intelectualmente que há ali a verdade de Deus.

Alguns podem argumentar que esse é um argumento circular. Como posso usar como
prova que a Bíblia é verdade o que a Bíblia diz a respeito de si mesma? Porém, a
verdade é que todos nós precisamos nos basear em algum argumento de autoridade, a
pergunta é se esse ponto de autoridade se sustenta ou se ele é falho. Se você tentar
provar a ciência pela ciência, você não consegue. É preciso pressupor que a ciência
funciona para acreditar nela. Se você vai provar que a Filosofia é verdadeira, terá que
usar a Filosofia. Você terá de cometer um argumento circular para fazer isso. O modo
como você vao provar que a ciência é verdadeira é usando argumentos científicos e
mostrando resultados científicos. Isso também é um argumento circular. Se você tenta
defender a eficácia da linguagem, você usará a linguagem para isso. Sempre precisamos
de alguns fundamentos de autoridade, de alguns pressupostos fundamentais. A grande
questão é se esse pressuposto se sustenta através de uma análise coerente e racional.A
Escritura, com certeza, é um excelente pressuposto de análise para a vida. Se pensarmos
corretamente na natureza da realidade, certamente encontraria na Escritura uma fonte de
revelação para aceitar, seguir e amar. É por causa do pecado que entrou no mundo que
nossa mente tem dificuldade de entender que temos Deus falando conosco e nos
ensinando.

Geralmente, um filho não precisa de provas ou análises para saber que algo é a voz de
seu pai. Quando ele ouve aquele que é o seu progenitor lhe mandando fazer alguma
coisa, mas por causa do pecado precisamos, muitas vezes, buscar provas e ferramentas
que nos indiquem que realmente a Escitura é real. Não é errado fazer isso, mas a
autoridade da Escritura não está nisso. Precisamos de provas por causa de nossas
incapacidades, mas a autoridade do texto não está nas provas que são dadas a ele. A sua
autoridade é intrinseca, porque Deus está falando por meio da Escritura.

Essa autoridade se dá sobre nós principalmente por causa da atuação do Espírito Santo.
É ele que faz com que entendamos as Escrituras e que ela se aplique à nossa vida de
forma eficaz, inteligente, útil para que possamos existir de acordo com a Palavra de
Deus. É o Espírito Santo quem ilumina o nosso entendimento produzindo compreensão
para o sentido do texto e gerando certeza quanto à sua verdade e origem divina. Isso não
significa que o testemunho da Igreja não tem importância, ou que explicações de
teólogos e mestres devem ser descartadas, mas sim que o Espírito Santo usa vários
instrumentos e ele é a causa efetiva da compreensão da palavra. Há algumas razões
pelas quais o Espírito Santo é necessário para que possamos entender a Escritura. Deus
e os humanos são diferentes ontologicamente, em primeiro lugar. Já falamos que Deus é
transcendente e que está além de nossas capacidades de compreensão. Ele nunca será
totalmente compreendido dentro das capacidades do ser humano. Ele pode, sim, ser
compreendido, mas nunca de forma total e isso diz respeito a própria capacidade natural
do ser humano e da própria natureza de Deus. Mesmo que o homem não tivesse caído
no pecado e tido sua mente afetada pela queda, ainda assim, Deus seria completamente
transcendente a ele. Essa é uma limitação inerente. Teremos limitações inerentes da
compreensão de Deus pelo simples fato de sermos humanos.

Como se isso não bastasse, ainda temo o pecado. É isso que faz com que as distinções
entre home e Deus sejam ainda mais acentuadas. O pecado rompe o relacionamento e
piora nossa capacidade de compreensão a respeito das coisas espirituais. Paulo diz em
Romanos 1 que a mente do homem está obscurecida, por isso ele é incapaz de
compreender corretamente a Deus. Nos evangelhos, Jesus fala daqueles que ouvem, mas
não entendem e isso mostra que é necessário um ato espiritual que possa trazer
entendimento ao ser humano. É justamente o Espirito Santo que nos dá certeza com
relação às questões divinas. A percepção da Palavra de Deus como um texto inspirado e
a voz do próprio Senhor não é algo simplesmente natural, mas é algo espiritual. Vida e
morte, destino eterno, redenção, fé, arrependimento, obras de Cristo, tudo isso está na
Bíblia, mas só são compreendidas através do Espírito e não simplesmente através da
razão. É o Espírito Santo quem abre o nosso entendimento para que possamos
compreender a grandeza desses assuntos.

Jesus diz em João 14 que é o Espírito Santo que trará entendimento sobre todas as
coisas. É ele quem nos ensina e quem nos faz lembrar da fé. É esse Espírito que dá
testemunho do Pai e nós testemunhamos do Pai se estamos juntos do Espírito. Ele
convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo (16.8). E ele guia os crentes em
toda a verdade (16.14). Paulo diz que o evangelho chegou através do Espírito. Ele
também ora para que os crentes sejam fortalecidos no Espírito para compreender a
verdade do Evangelho (Ef 3.14-19).

Referências bibliográficas:

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

Aula 12 – Fontes e autoridades na teologia

Quais são as fontes de autoridade teológica? Ou seja, quais são os instrumentos que
usamos para criar nossas posições e ideias a respeito de quem Deus é e do que ele
espera de nós? Muitas coisas que não são encontradas na Escritura, por vezes, fazem
parte do imaginário e das crenças que guiam a própria comunidade cristã. Sempre há
um “algo mais” que muitas vezes guia os imaginários teológicos e as práticas
doutrinárias. Nessa aula, falaremos de alguns modelos de autoridade teológica que
guiam o imaginário aceca da compreensão de fé das pessoas. Lidaremos com Sola
Scriptura, credos, confissões e coisas assim.

Talvez seja bom começarmos falando do quadrilátero de Wesley e sobre o trilátero


luterano. Por muitos anos John Wesley foi visto apenas como um grande pregador, e
não com um grande teólogo. Como resultado disso, muitas pessoas demoraram para
fazer avaliações teológicas mais profundas acerca daquilo que o próprio John Wesley
escreveu. A questão é que apenas modernamente o método teológico do Wesley ganhou
nome. Ele é chamado de quadrilátero wesleyano, referindo-se às quatro fontes as quais
Wesley apelou a fim de construir as fontes de autoridade teológica. Essas fontes seriam:
As Escrituras, a razão, a tradição e a experiência.

Ao apelar para quatro fontes, Wesley interpretou o Sola Scriptura reformado em sua
forma anglicana típica, fazendo da Bíblia sua autoridade primária e as outras três
autoridade como submissas, mas fundamentais na própria compreensão da Escritura e
em sua aplicação à vida de fé. Ou seja, para o Wesley a Escritura era a autoridade
primária, mas não a única autoridade. A Bíblia seria Deus falando diretamente com a
Igreja se seria o principal modo como ele fala conosco. A razão, em sequencia, não uma
fonte primária de conhecimento, mas um processador que recebe e deriva as
informações que vêm da Escritura. Porém, não confunda Wesley com as ideias
iluministas de teologia natural. Ele rejeitava isso expressamente.

Então vem a tradição, o que seria para Wesley a norma normatizada e não uma norma
normatizadora. O que é isso? A tradição é sim uma fonte de autoridade, ela é uma
norma, uma regra para a igreja, mas é uma regra que é normatizada por outra coisa, que
é a norma normatizadora: a Escritura. Ainda que para Wesley a tradição ainda tivesse
um poder de autoridade, essa autoridade estava submissa à autoridade da Escritura. A
tradição nos diz alguma coisa, nós devemos ter um nível de submissão à tradição, mas
apenas naquilo que ela está de acordo com o texto sagrado e nunca quando ela está em
oposição ao texto. Para Wesley, toda nova doutrina estava errada por definição
simplesmente por ser nova e não ser tradicional. Para ele, a velha religião era a única
religião verdadeira.

E no último ponto do quadrilátero wesleyano temos a experiência. Wesley não usava a


experiência como uma autoridade independente alheia à Escritura, mas sim como um
teste de viablidade para as várias interpretações do texto bíblico. Uma interpertação do
texto que não faz sentido na experiência comum, não pareceria ser uma interpretação
válida da passagem bíblica.

Martinho Lutero, o refomador, seguia uma ideia levemente parecida, mas era chamada
de trilátero luterano.Nesse trilátero, temos a Escritura, a razão e a experiência que estão
dividas em dois andares. No andar de cima temos a Escritura, no andar de baixo temos a
razão e a experiência. Assim temos algo muito parecido com o que Wesley propôs.
Temos a Escritura como uma autoridade fundamental normatizadora acima de tudo e
autoridades secundárias que estariam abaixo da autoridade da Escritura, as quais seriam
a razão e a experiência.

Em um ambiente mais reformado, mais próximo de João Calvino, as coisas foram um


pouco diferentes. O termo Sola Scriptura ganha o seu auge justamente nesse tipo de
tradição, mas é interessante como os reformados não negam a tradição, a razão ou a
experiência quando eles dizem Sola Scriptura. A ideia é que Sola Scriptura não significa
Nuda Scriptura, ou seja, dizer que temos só a Bíblia não significa dizer que não temos
outras autoridades que são sujeitas à Bíblia. Uma liderança religiosa local é uma
autoridade sobre aqueles que se congregam em torno daquela liderança, mas ainda
assim é liderança que está submissa à liderança da Escritura. Mesmo cristãos
protestantes modernos que não acreditam na autoridade do magistério da igreja ou de
uma tradição apostólica, acreditam que as crenças históricas são valiosas e devem ser
respeitadas. A diferença é o nível de autoridade que a tradição e o magistério possuem
em referência à Escritura sagrada.

É por isso que, mesmo crendo no Sola Scriptura, protestantes se apegam a credos
históricos, a confissões de fé. Não porque acreditamos que temos qualquer outra fonte
de autoridade infalível, última e final sobre nós. A Escritura é a maior fonte de
autoridade porque é a revelação direta de Deus, mas as confissões de fé como a de
Westminster, a Belga ou qualquer uma que sua igreja acredite, siga e se submeta, ou os
grandes credos históricos da igreja como o credo niceno-constantinoplano, o niceno-
constatinonapolitano, ou o credo dos apóstolos são documentos aos quais nos
sujeitamos porque acreditamos que esses documentos são normatizados pela Escritura
que é a única regra máxima de fé sobre todos.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS:

SAWYER, M. James. Uma introdução à teologia: das questões preliminares da


vocação e do labor teológico. São Paulo: Editora Vida, 2009.

Aula 13 – Cânon da escritura

O termo cânon significa “vara de medir” e foi usado para descrever a lista de livros
inspirados tanto do Antigo quanto do Novo Testamento. Por que os documentos que
fazem parte da nossa Bíblia são esses e não outros? Esse é um debate que fala
diretamente sobre o cânon, sobre a lista desses livros autorizados para fazerem parte da
Escritura Sagrada.

Quando falamos de cânon, falamos tanto sobre o Antigo, quanto o Novo Testamento. A
questão do cânon do Antigo Testamento que vem diretamente da mão do povo judeu,
como diz Paulo “a eles pertencem as Escrituras“ diz muito sobre certos debates
envolvendo católicos e protestantes, evangélicos de forma geral. A Bíblia católica e a
protestante são diferentes por causa do cânon do Antigo Testamento. Exatamente
porque católicos e protestantes alegam usar cânones diferentes do Antigo Testamento
vindo diretamente dos judeus. Protestantes acreditam usar um tipo de cânon que provém
diretamente dos judeus, os católicos alegam usar um tipo de cânon que é cristão, o qual
é uma interpretação melhor acerca de como os judeus usavam o Antigo Testamento.

Católicos argumentam que não existia realmente um cânon no Antigo Testamento e que
ele foi montado depois de Cristo com o Sínodo de Jamnia como um esforço para
defender o judaísmo dos cristãos. Por isso, o cânon dos judeus é diferente do cânon dos
cristãos. Já os protestantes argumentam que era natural dos fariseus, o cânon que
provém do corpo judaico e existia sim um cânon fixo do Antigo Testamento e que ele
deve ser usado hoje pela igreja cristã.

A diferença desses dois cânones é uma coleção de livros conhecidos como


deuterocanônicos, ou segundo cânon, que foram livros encontrados entre 400 e 1 a.C
antes de Cristo, na chamada literatura do segundo templo. Eles são textos que os
católicos possuem em suas Bíblias, mas os cristãos evangélicos não possuem. O debate
sobre o cânon que geralmente chama atenção é sobre o cânon da igreja primitiva, o
cânon do novo testamento. Esse é um dos grandes problemas da igreja do primeiro
século. Os apóstolos não receberam uma lista de livros inspirados do Novo Testamento
para apresentar para igreja. A Bíblia não diz quais são os seus próprios livros. Eles
foram reconhecidos através de um processo lento e gradual.

Um bom exemplo disso é Pedro ao considerar que as cartas de Paulo eram também
Escritura (2 Pe 3.15-16) e Paulo usar trechos de Lucas como parte da Escritura (1 Tm
5.7), por exemplo. Os apóstolos consideravam seus escritos como textos sagrados
equiparáveis ao Antigo Testamento. Policarpo, Clemente e Justino de Roma, pais da
igreja do século seguinte, aceitavam os livros do Antigo e textos do Novo Testamento
como Escritura em pé de igualdade. Parecia ser uso comum nas igrejas textos do Novo
Testamento, os textos que compõem hoje o Novo Testamento, assim como textos
autoritativos que falavam à vida da Igreja.

Se fizermos uma pequena cronologia de como a igreja antiga reconhecia o Novo


Testamento, teremos em datas aproximadas o seguinte. Até 100 d.C, muitas partes do
Novo Testamento já haviam sido escritas, mas não tinham sido coletadas, catalogadas e
definidas como Escritura. Antigos Escritores cristãos como Policarpo, por exemplo,
citavam a Escritura em pé de igualdade com texttos escritos pelos apóstolos e pessoas
ligadas aos apóstolos. Inácio citava Paulo, os evangelhos e outras fontes orais como
sendo Palavra de Deus. As epístolas de Paulo, por outro lado já foram coletadas até o
fim do primeiro século. Mateus, Marcos e Lucas só foram reunidos pela metade do
século segundo por volta de 150 d.C. Por volta de 200 d.C, o cânon do Novo
Testamento começou a se definir perto de Roma com o Cânon Muratoriano. Esse cânon
era parecido com o nosso atual, mas a diferença principal era que possuiam o
Apocalipse de Pedro e Sabedoria de Salomão como livros canônicos. Um livro chamado
“O pastor de Hermas”, que era uma carta escrita naquela época, também era usado
como parte do cânon, mas para uso privado e não para uso público. Era um texto um
pouco diferente.

Em 250 d.C, Orígenes defende também um tipo de cânon um tanto diferente do Cânon
Muratoriano. A epístola aos Hebreus e a Epístola a Tiago eram cartas disputadas que
ainda não eram certeza se estavam no cânon ou não. Assim como 2 e 3 João, Judas, o
pastor de Hermas, a epístola de Barnabé, o Didaquê, um texto que acreditava-se ter sido
escrito pelos apóstolos, e o evangelho aos hebreus. Por volta de 300 d. C, tivemos o
cânon definido por Eusébio. Nesse cânon, o Apocalipse de João tinha sua autoria posta
em dúvida – se realmente foi João que o escreveu – Tiago, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas
eram epístolas bem disputadas, mas muito conhecidas na igreja. Foram excluídos do
cânon: o pastor de Hermas, a Epístola de Barnabé, o Evangelho aos Hebreus, o
Apocalipse de Pedro, os Atos de Pedro e o Didaquê.

Só em 400 d.C que tivemos um fechamento oficial e mais formal do cânon na vida da
igreja quando houve o Concílio de Cartago que reconheceu quais eram os livros
permitidos para uso na vida da igreja.

Três critérios principais foram usados para definir quais livros eram reconhecidos no
cânon do Novo Testamento. O primeiro era a apostolicidade, a testificação que um livro
possuía autoria apostólica. Alguns livros, realmente, quase foram incluídos no cânon
bíblico, como o Didaquê, o pastor de Hermas, ou Apocalipse de Pedro. Alguns livros
que hoje estão no cânon demoraram para ser inclusos como: 2 e 3 João, Judas e 2 Pedro.
Porém, todo esse processo de encontrar e definir esses livros foi de encontrar os traços
de apostolicidadde. Esses livros foram escritos pelos apóstolos ou por pessoas
intimamente ligadas aos apóstolos. Não poderia ser uma carta de alguém que não fosse
um desses homens inspirados por Deus, usados por Deus para transmitir a mensagem do
evangelho sendo o fundamento da igreja como diz o livro de Efésios.

O segundo critério era o uso comum nas igrejas, o reconhecimento pela igreja promitiva
de que aquele material não era algo escondido ou oculto, mas materiais reconhecidos,
conhecidos, os quais todos sabiam que haviam sido enviados pelos apóstolos e não eram
coisas escondidas que alguém tirou do bolso. Tinha que ser materiais de uso comum das
igrejas.

Em terceiro lugar está a harmonia interna e externa. O livro teria que ter uma coerência
interna, não poderia ser sem pé nem cabeça, e ele teria que ter coerência e harmonia
com os outros textos que estavam sendo reconhecidos. Isso seguiria justamente a
pressuposição de que a inspiração e que o corpo apostólico não vivia em conflito
teológico. Essa autoridade apostólica àqueles que foram comissionados pelo próprio
Jesus e esse foi o processo de formação do cânon do Novo Testamento.

Referências bíblicas:

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007
Aula 14 – Entendendo o que são manustritos

A imprensa só foi inventada no século XVI e até então todas as cópias da Bíblia eram
feitas à mão. Isso demandava o trabalho de muitos copistas e ao longo da história vários
materiais e formas de manuscritos foram utilizados para servirem de cópias para as
Bíblias.

Papiro
As primeiras cópias do NT eram papiros. Papiro é uma espécie de junco que poderia
atingir de 2 a 4m de altura, com a expessura de um braço. Essa vegetação crescia ao
redor de rios ou lagos como o Lago Huleh, na Fenícia, no vale do Jordão e
principalmente junto ao Nilo, onde foi usado desde 3000 anos a.C (PAROCHI, 26). A
folha de papiro era feita da medula do caule que passava por um processo de preparo
para estar pronta para servir de material de escrita. O tamanho das páginas variava de
acordo com a finalidade que tinham e estas páginas eram enroladas. O texto era disposto
em colunas nas folhas e geralmente só se escrevia de um lado do papiro, o interior do
rolo. A tinta era uma mistura de fuligem, goma e água, e o instrumento de escrita era
uma pequena cana.

Ainda que o papiro tenha sido utilizado como material de escrita até 641, quando os
árabes conquistaram o Egito dificultando sua exportação, desde o século IV seu uso
para o NT estava em desuso, sendo utilizado apenas para literatura secular. De que se
tem notícia, existem cerca de 96 papiros do NT, sendo a maioria desses representado em
códices, espécie de livros. Identificamos a testemunha de um papiro pela representação
da letra P com o número do papiro sobrescrito, por exemplo: P5, P50, P70 etc. Dos
papiros conhecidos, apenas P12, P13, P18, e P43 são apresentados em rolos. Os mais
importantes papiros são:

P45 (Papiro Chester Beatty I).Data do século III e contém secções dos Evangelhos e de
Atos. Foi achado em Dublim, Viena. Esse papiro consiste de 30 folhas de um códice
com originalmente 220 folhas.

P46 (Papiro Chester Beatty II). É datado do começo do século III. É um compêndio em
códice de 86 folhas das epístolas paulinas de um total de 104 folhas.

P47 (Papiro Chester Beatty III). Datado do final do século III contém trechos de
Apocalipse. Não é o melhor escrito, mas é o mais antigo manuscrito de Apocalipse.

P52 (Papiro Rylands 457). É um pequeno fragmento que contém parte de João 18.31-33
de um lado e os versos 37 e 38 do outro lado. Ele pode ser datado no século II, sendo
portanto o mais mais antigo manuscritos de João. Sua importância está ligada ao
testemunho da sua datação mais do que ao texto. Ele prova que no século II já existiam
cópias de João.

P66(Papiro Bodmer II). É um importante papiro porque contém todo o evangelho de


João. Ele é datado do começo do século III, ou no final do século II. Ele apresenta um
texto com várias correções, mas é muito importante por causa da sua antiguidade e
contéudo do evangelho.
P72 (Papiros Bodmer VII e VIII). É um papiro do século III/IV que contém o mais
antigo texto preservado de 1 e 2 Pedro e Judas.

P75 (Papiros Bodmer XIV e XV). Um manuscrito bastante importante datado do começo
do século III que contém secções de Lucas (3-18 e 22-24) e João (1-15).Esse papiro
mostra o começo de João depois do término de Lucas, um fator que corrobora para a
canonicidade dos evangelhos.

Pergaminho
Outro material de escrita era o pergaminho. Ele era mais durável e melhor que o papiro.
Ele é confeccionado a partir de pelo de carneiro ou ovelha submetidas a um processo de
preparo. Por causa disso, o pergaminho é mais caro que o papiro e só veio a superá-lo
no século IV d.C. Ele foi predominante até o fim da Idade Média quando enfim foi
suplantado pelo papel. A escrita era feita com penas de bronze ou cobre, ou remígio de
ganso – as grandes penas das asas de aves. A tinta era feita era uma combinação de
substâncias vegetais e minerais podendo serem feitas de várias cores, como dourada ou
prateada, ainda que as mais utilizadas fossem as preta e vermelha. Por ser um material
caro, muitas vezes o pergaminho cuja obra não tinha mais valor tinha a tinta raspada e
escreviam por cima. Quando submetido a esse processo o pergaminho era chamado de
palimpsesto.

O nome dos manuscritos em pergaminho se chama uncial. Eles foram utilizados do


século IV ao XI. Os principais unciais são:

‫ א‬ou 01 (Códice Sinaítico). Foi descoberto na metade do século XIX por L. F.


Constantin Tischendorf. O pergaminho de 347 folhas contém boa parte do AT e todo o
NT. Foi escrito por cerca de 8 escribas no Egito por volta da primeira metade do século
IV. Esse manuscrito é importante porque é o mais antigo que é completo e de boa
qualidade textual. Esse manuscrito omite a doxologia do Senhor (Mt 6.13), o final longo
de Marcos (Mc 16.9-20) e a narrativa da mulher adúltera (Jo 7.53 – 8.11).

A ou 02 (Códice Alexandrino). Datado do século V possui 773 folhas contendo


praticamente todo o AT e o NT (faltando Mateus 1.1-25.6; João 6.50-8.52; 2 Coríntios
4.13-12.6). Aparentemente, cinco escribas trabalharam no seu texto e há várias
correções posteriores.

B ou 03 (Códice Vaticano). Datado do início do século IV, é um pergaminho de


excelente qualidade. Contém 759 páginas de 820 originais. Contém quase todo o AT e
maior parte do NT (faltando Hebreus 9.14-13.25; 1 e 2 Timóteo, Tito, Filemom e
Apocalipse).

C ou 04 (Códice Efraimita). É um palimpsesto datado do século V. É o palimpsesto


mais importante do NT. Originalmente continha toda a Bíblia, mas nem tudo foi
preservado. Todo o NT com excessão de 2 Tessalonicenses e 2 João estão
representados, porém de forma imperfeita. Ele é uma das principais testemunhas para a
segunda parte de Mateus 20.16: “porque muitos serão chamados, mas poucos
escolhidos”.

D ou 05 (Códice Beza). Datado do final do século V e é o mais antigo códice bilingue


do NT (grego-latim). Contém os Evangelhos, Atos e Epístolas Gerais com algumas
faltas. Ele aprensenta variações em relação aos grandes unciais anteriores. Uma de suas
características é a livre adição e umas poucas omissões de palavras, frases e até
incidentes.

D2 ou 06 (Códice Claromontano). Outro manuscrito bilíngue (grego-latim), sendo


datado do século VI. O texto grego porém é superior e o latim inferior. Contém todas as
epístolas paulinas e Hebreus.

E2 ou 06 (Códice Laudino). É um manuscritos de Atos do final século VI. Também é


bilingue (grego-latim).

Minúsculos
Esse termo se refere aos manuscritosem escrita minuscula desde o século IX até o
século XVI, quando começaram a surgir os textos impressos. A maior parte dos
minúsculos está em pergaminho e poucos em papel.

f1 (Família 1 ou Lake). Parte de uma família de manuscritos que datam os séculos XII e
XIV. Uma análise do texto de Marcos mostrou que o texto preservado coincide
frequentemente com o Códice Korideto, e parece vir de um tipo de texto corrente nos
século III e IV.

f13 (Família 13 ou Ferrar). Família de manuscritos identificada por William H. Ferrar


todos copiados entre os séculos XI e XIII. Uma importante caracteristica dessa família
de manuscritos que é o episódio da mulher adúltera não aparece em João 7.53 – 8.11,
mas depois de Lucas 21.38.

33. Manuscrito que apresenta um excelente texto com muitas afinidades com o Códice
Vaticano. Contém os Evangelhos, Atos e as epistolas. Ele é datado do século IX.

Lecionários
São os manuscritos gregos com porções destinadas à leitura nos serviços de culto. Esta é
uma prática herdada das sinagogas judaicas onde porções da Lei eram lidas.Eles liam
porções dos Evangelhos, Atos e Epístolas. Lecionários também são confeccionados a
partir de pergaminhos.Eles são representados com um “l” com o número do lecionário
sobrescrito.

Um quarto dos lecionários são de Atos e das epístolas, cerca de 100 combina os
Evangelhos, Atos e as epístolas. O mais antigo fragmento de lecionário data do século
V (l1043), sendo provável que tenham surgido no século III ou IV.

Outros materiais
Além dos materiais citados acima, também havia os ostracos, que eram fragmentos de
jarros quebrados ou louça e os talismãs, que eram preparados de madeira, cerâmica,
papiro ou pergaminho, contendo pequenas porções das Escrituras.

Versões
Ainda que os mais importantes manuscritos sejam os em grego, há manuscritos na
língua siríaca, que era falada na Mesopotâmia, Síria e na Palestina com algumas
variações. Há também cópias em latim, copta, uma representação do ultimo estágio da
antiga língua egípcia.
Além disso, há citações nos escritos patrísticos suficiente para remontar o NT. Justino
Mártir citou o NT 387 vezes, Irineu, 1819; Clemente de Alexandria, 2406 e Orígenes
17922 vezes. Algumas dessas citações são inexatas porque foram feitas de memória,
mas ainda assim são um importante testemunho.

Aula 15 – Panorama das traduções biblicas

Quais as melhores traduções bíblicas para você conseguir ler as Escrituras? É necessário
ver os tipos de tradução. Há traduções que pensam em equivalência dinâmica e outras
que pensam em equivalência formal. O que isso quer dizer? Traduções em equivalência
dinâmica estão mais preocupadas em trazer o significado, o sentido interpretativo da
frase que é dita nos originais do que se prender à estrutura formal no original. Enquanto
traduções de equivalência formal estão preocupadas em trazer aquilo que foi dito nos
originais, não importando se o sentido se perde de alguma forma. Essas traduções estão
mais preocupadas em dar uma estrutura e forma mais aproximada da intenção original
do autor no fraseado do que em clarificar o sentido. Cada um dos dois modelos tem suas
vantagens e desvantagens. Uma tradução de equivalência formal, por exemplo, tem a
ordem das palavras mais próxima a dos originais e se prende a questões do original que
você pode ter mais segurança em acreditar que esses textos são o equivalente ao que foi
escrito de fato pela pena do autor inspirado. Traduções de equivalência dinâmica não
darão tanto auxílio para exegese para imaginar o que estava ali no original, mas ajudam
num sentido mais interpretativo.

Ou seja, cada tradução tem uma utilidade para um determinado tipo de leitor. Se você é
uma pessoa que não tem treinamento nos originais e que sabe fazer uma exegese
bíblica, ou algo do tipo, ler um texto de equivalência dinâmica talvez seja mais útil para
sua vida. Talvez a Bíblia em equivalência dinâmica mais dinâmica que temos em
português é a Bíblia A Mensagem do Eugene Peterson, que é basicamente interpretação
do texto. Muitos nem dizem que é uma tradução, mas seria uma interpretação de cada
passagem, um jeito de estender o significado de cada versículo. O próprio Eugene
Peterson diz isso sobre o seu livro. Ele fez isso para ler a Bíblia para seus filhos
pequenos. Isso é muito útil para pessoas que têm dificuldades com leitura e que
preferem ler o texto mais claro e diluído, mas simples, mas certamente útil e verdadeiro
para a sua vida.

Traduções de equivalência dinâmica que já podem ser chamadas mesmo de tradução são
algumas Bíblias que parafraseam mais. Paráfrase é, basicamente, reescrever o
significado para deixá-lo mais claro. As melhores que fazem isso são a Nova Tradução
na Linguagem de Hoje (NTLH), a Nova Versão Transformadora (NVT) e a Bíblia Viva.
Elas são ótimas traduções de entrada para quem tem dificuldade com a leitura da Bíblia

Traduções mais intermediárias, as quais estão no caminho entre equivalência dinâmica e


formal são certamente a Nova Versão Internacional (NVI), a versão King James em
português e a Almeida do século 21. Uma tradução muito boa, também muito próxima
da equivalência formal, a que eu uso em minhas leituras, é a Nova Almeida Atualizada
(NAA). A tradução que foi feita por João Ferreira de Almeida, mas que foi atualizada
por vários eruditos até chegar a nós.

Traduções de equivalência formal geralmente são as Almeida Corrigida e Fiel (ACF) e


a Almeida Corrigida. As quais têm traduções bem difíceis e textos bastante arcaicos,
mas podem ser um auxílio para quem começa no mundo do grego e quer um texto que
lhe lembre para ajudar na exegese.

Aula 16 – Cosmovisão Cristã e Teologia pública

A Bíblia é um livro maravilhoso e que fala sobre nossa realidade. Ela não fala apenas
sobre livros voltados à oração e jejum, questões devocionais. Ela também fala sobre
nossa vida e a vida pública. Existe aquilo que chamamos de cosmovisão cristã ou de
teologia pública. O que são essas duas coisas? A cosmovisão cristã é basicamente um
jeito de falar sobre a forma cristã de interpretar o mundo. É uma forma de dizer que a
teologia não diz respeito apenas sobre coisas interiores, mas também fala sobre
educação, pedagogia, economia, política, cuidado com o meio ambiente. A teologia fala
sobre as mais variadas áreas e isso é muito próximo da ideia de teologia pública, a ideia
de construir o pensamento teológico para a sociedade. A teologia fala sobre as mais
variadas áreas da nossa vida.Como nós construímos uma teologia pública? Como
construímos uma cosmovisão cristã? É exatamente baseando nossa vida, nossa fé,
nossas compreensões das coisas na Escritura. É olhando para a Palavra de Deus e
aplicando as verdades da Palavra de Deus às mais variadas áreas da nossa vida.

Geralmente, não fazemos isso. Muitas vezes, como cristãos, preferimos partimentalizar
a vida, fragmentar a existência. Olhamos para a Bíblia, indo a um domingo na igreja,
onde quer que você congregue e celebre a sua fé. Você lê sua Bíblia, acredita no que é
dito, acredita naquilo que seu líder religioso fala e você é um cristão. Porém, na
segunda-feira, você não é mais cristão. Na segunda-feira, seu cristianismo é uma
matéria privada que fica guardada dentro do seu coração que ficou numa estante da sua
casa. Você agora é um psicólogo, um professor, um empresário, um médico, você não é
mais um cristão, mas alguém que guardou seu cristianismo e agora tem que pensar o
mundo com as lentes do pensamento secular.

Quando, na verdade como cristãos, acreditamos que os princípios da Palavra de Deus


afetam toda a nossa existência, moldam toda a nossa vida e podemos viver nossos
princípios de fé justamente para formar um pensamento para a sociedade. O ateu, o
materialista, o homem que não em fé, possui seus pressupostos religiosos, ou
areligiosos, ou antireligiosos e leva isso para a sociedade, leva isso para a sua
construção acadêmica, ele transforma isso numa visão de mundo, aplicando isso no que
quer que faça.Cristãos geralmente são constrangidos a não levar elementos da sua fé à
vida pública, mas ainda que num debate comum nossa linguagem não seja uma
linguagem religiosa, nosso modo de interpretar a vida, nossos pressupostos, o modo
como tentamos construir Filosofia, pensamento social e o que for, tem que ser a partir
da Palavra de Deus. Quando pensamos em política, precisamos olhar o que a Bíblia fala
sobre política, se você estuda psicologia, você vai ser alguém que tem que pensar o que
a Palavra de Deus tem a dizer sobre a mente humana, sobre responsabilidade pessoal,
sobre questões do corpo, sobre antropologia o ser humano. Se vamos construir um
pensamento sobre qualquer área do conhecimento, como cristãos, temos compromissos
teóricos diferentes. Não trazemos à leitura da Escritura nossas ideias preconcebidas a
respeito de certos elementos da vida. Nós levamos para a vida nossa leitura da Escritura.
Muitas pessoas acreditam que fazer uma teologia que seja relevante no século XXI se dá
em trazer à leitura da Bíblia elementos da sociedade so século XXI. Isso é muito
próximo, por exemplo, da teologia da libertação. Esse é um movimento próximo da
Igreja Católica Apostólica Romana. É um amálgama entre catolicismo e socialismo e
diz que o modo como lemos a Escritura é através de mediações. Uma dessas mediações
é a sócio-cultural, onde você pega a ciência do social e usa como um jeito de ler a
Escritura. Ou seja, é uma leitura mediada com a Escritura, por isso que se chama
mediação. Você não usa a Escritura para ler a realidade social, pelo contrário, você usa
uma leitura da realidade socialpara ler a Escritura. Você usa uma metodologia que é
ateísta e ela vai sendo levada para a sua leitura da Palavra.

Você já pode ter ouvido umas pessoas dizerem assim: “Leio a bíblia com as lentes da
luta de classes”, “leio a Bíblia como um liberal”, “leio a Bíblia como um socialista”. O
problema é que deveríamos ler a luta de classes com Bíblia e não o contrário.
Deveríamos ler as questões à nossa volta a partir da Escritura. Você não deve fazer uma
leitura psicanalítica da Bíblia. Você deve ler a psicanálise através da Bíblia. Construir
cosmovisão cristã e teologia pública é usar a Escritura para analisar e entender a
realidade à nossa volta. É nunca rebaixar a Escritura a um mero elemento em
subserviência às questões que estão à nossa volta, mas sempre submeter a nossa mente,
nossos interesses, as questões políticas, as questões científicas, sociais e econômicas à
Escritura. Isso não significa que você vai citar versículos bíblicos no seu TCC. Ou que
você precisa ficar pregando o evangelho quando vai dar aula, mas significa montar toda
a sua estrutura de pensamento a partir da Palavra de Deus.

Muitas vezes, achamos que ser cristão no nosso trabalho significa trazer elementos
religiosos para o trabalho, ou elementos devocionais para o trabalho. Então você tem
uma facção, não a de crimes, mas a que faz roupas e ser cristão no trabalho é parar na
hora do almoço para orar, ou só tocar louvor no rádio. Porém, muitas vezes, ser cristão
no nosso trabalho, ser cristão no pensamento econômico, científico e profissional é
começar a pensar as coisas com as lentes da fé. É ter um ateliê de roupas e imaginar
como o cristianismo afeta o modo como você produz roupas. É como professor, ver
como o cristianismo afeta o modo como você dá aula. É como médico, o cristianismo
afetar as escolhas éticas que você faz e a qualidade do seu serviço para quem chega até
você. Isso só é feito através de leitura da Escritura e de usarmos a Escritura para ler o
mundo.
Muitas pessoas fizeram isso ao longo da história. Se você pensar em pedagogia cristã,
política segundo a Bíblia, em economia a partir da Palavra de Deus, tem feito com que
muitas pessoas construam um pensamento cristão da sociedade, teologia pública e
cosmovisão cristã.

Aula 17 – A tese de Bauer

A tese de Bauer é uma das perspectivas de formação do Novo Testamento e temos que
lidar com ela se quisermos entender uma das questões mais atuais a respeito disso.
Tradicionalmente, entende-se que as heresias surgem depois das ortodoxias, ou seja, que
a deturpação da boa doutrina surge depois da criação da boa doutrina. A chamada tese
de Bauer, no entanto, diz o contrário. Ela alega que as heresias eram anteriores às
ortodoxias do cristianismo e o que hoje chamamos de ortodoxia é nada mais que a
heresia que ganhou. Haviam várias heresias em competição e a heresia dominante se
tornou a ortodoxia para as igrejas que vieram à frente. Ou seja, hoje, o que as igrejas
acreditam como ortodoxia não é diretamente aquilo que Jesus ensinou ou o que os
apóstolos ensinaram, mas nada mais que um consenso hierárquico que se deu entre as
igrejas entre os séculos IV e VI.

Walter Bauer nasceu na Prússia Oriental. Foi teólogo, lexógrafo e um estudioso da


história da igreja, além de ser especialista em Patrística. As obras que o tornaram mais
famoso foi u, léxico do Novo Testamento e a obra que realmente apresenta essa tese de
Bauer, cujo o título traduzido é “Ortodoxia e heresia do Cristianismo Primitivo”. A sua
tese é baseada no estudo um tanto meticuloso sobre os quatro principais ambientes
geográficos onde o cristianismo floresceu: Ásia Menor, Egito, Edessa (atuais Turquia e
Síria) e Roma. Ele foi influenciado por outros teólogos que apresentavam conflitos entre
Paulo e Pedro na Escritura, ele defendeu, a partir de Gálatas, um conflito que era
constante no contexto de igreja, principalmente esse que se dá em Gálatas 2 entre Paulo
e Pedro. Assim como as referências às heresias nas epístolas gerais, tanto quanto as
cartas às igrejas do Apocalipse. Bauer observa que no Egito já haviam cristãos
gnósticos antes da chegada que qualquer cristianismo ortodoxo. Ele apontou que, em
Edessa, o ensino do herege Marcião, que acreditava em algumas heresias sobre Jesus e o
Antigo Testamento, já havia chegado a muito tempo e que a ortodoxia só chegou lá a
partir do século V. Segundo ele, a igreja de Roma, uma igreja que teve muito vulto
naquele período, tentou impor a outras comunidades a sua visão da ortodoxia. O próprio
Clemente de Roma teria imposto aos Coríntios uma aceitação de suas doutrinas. Assim,
no século IV, a ortodoxia estava consolidada, mas seria um mito que ela precedeu as
heresias, porque não havia ortodoxia de fato até o século IV e a ideia vencedora virou a
da igreja.

Várias pessoas usaram a tese de Bauer para dar fundamento para suas próprias heresias
e propostas. Um dos mais famosos a fazer isso foi um teólogo chamado Rudolf
Bultmann. Uma vez que Bultmann rejeitava o caráter histórico para o exercício da fé,
ele aproveitou da tese de Bauer para propor que uma ortodoxia histórica era irrelevante.
Arnold Ehrhardt, por sua vez, estudou os credos primitivos da igreja e interpretou que
eles eram diferentes daquilo que dizia o Novo Testamento. Usando a tese de Bauer, ele
apontou uma diversidade primitiva no cristianismo. Hemult Koester e James M
Robinson foram alunos de Bultmann e proporam, usando a tese de Bauer, que as
categorias teológicas do Novo Testamento eram obsoletas. Por isso, os termos
“heresia”, “ortodoxa” e até o termo “cânon” precisavam ser reavaliados. James Dunn
um dos grandes nomes da Nova Perspectiva em Paulo, falaremos melhor sobre isso
mais à frente, propôs uma diversidade de pontos de vistas diferentes acerca de Jesus ao
longo da história do cristianismo e fez isso usando a tese de Bauer também.

Essa tese foi popularizada através de dois grandes nomes: Elaine Pagels e Bart Ehrman.
Pagels aplicou a tese de Bauer para falar de alguns escritos gnósticos que forma
descobertos em 1945 e argumentou que esses escritos vieram a contribuir para o
cristianismo que só veio a homogeneizar depois. Ele também analisou o Evangelho de
Tomé para dizer que os cristãos deveriam ser mais plurais, visto que os cristãos
primitivos não eram tão monolíticos assim. A visão que hoje é considerada ortodoxa foi
nada mais que um sobrepujar de uma visão concorrente contra a visão dos gnósticos. Já
Bart Ehrman argumenta que a consolidação da ortodoxia se deu pelo que chamou de
proto-ortodoxos, que seriam justamente aqueles que triunfaram no debate de crenças.

Não obstante, várias críticas já foram feitas à tese de Bauer. Henry E.W. Turner, por
exemplo, diz que muitos teólogos têm subestimado a firmeza e a unidade doutrinária da
igreja primitiva e que Bauer cometeu um erro ao a acreditar que havia abertura e
flexibilidade naquele período. Turner comentou que, em primeiro lugar, o cristianismo
primitivo cobrava uma série de coisas e uma série de crenças que eram fundamentais.
Uma experiência realistica com a Ceia, a chamada eucaristia, a crença em Deus como
um Pai criador, a crença em Jesus Cristo como redentor histórico, uma crença na
divindade de Jesus etc. Em segundo lugar, cristãos primitivos reconheciam a
centralidade da revelação escriturística. Essa revelação que era bíblica. Em terceiro
lugar, já havia resumos estilizados de resumos e regras de fé que eram usados na
Escritura já no período primitivo. Eram declarações que manifestavam uma crença
comum da Igreja. Turner também reconhece que haviam elementos flexíveis nas
crenças cristãs. Um desses elementos, por exemplo, era a coerência entre escatologia e
metafísica, que era um ponto muito disputado no período primitivo. Existiam também
diferenças em perspectivas filosóficas ou coisas assim. Turner percebeu que o conceito
de ortodoxia de Bauer era exageradamente estreito.

Jerry Flora foi um teólogo muito competente ao mostrar uma continuidade histórica
entre uma ortodoxia primitiva e a crença atual dos cristãos. Ele mostrou que havia um
conceito de ortodoxia já primativamente estabelecido nas primeiras comunidades de
cristãos. Howard Marshall percebeu que havia, sim, uma crença fundadora, clara e bem
estabelecida no começo da igreja primitiva. Ele concorda que havia uma variedade de
crenças naquele período, mas mostra que havia uma mensagem oficial que partia de
Jesus e dos apóstolos contra as crenças que eram consideradas falsas e deturparções
daquilo que era ortodoxia. A existência de várias crenças naquele período não significa
que uma dessas crenças não era verdadeira. Enquanto Bauer propunha uma ortodoxia da
heresia, Andreas Kostenberger e Michael Kruger escrevam a “Heresia da ortodoxia”,
uma obra maravilhosa que refuta a tese de Bauer e certamente é uma excelente leitura
para você entender mais sobre cânon, inspiração da Escritura e sobre como há, sim, uma
ortodoxia que cresceu e que virou fundante para nós hoje no cristianismo.

Referência bibliográfica:

KOSTENBERGER, Andreas. KRUGER, Michael. A heresia da ortodoxia.


Aula 18 – Continuidade e usos do Antigo Testamento

Para entender o papel do Antigo Testamento (AT) hoje temos que considerar os padrões
de continuidade e de descontinuidade. Ou seja, os níveis em que o AT continua para nós
hoje e os níveis em que o AT não continua para nós hoje. Existe uma série de posições.
Desde o antinomismo, que é a posição mais radical de descontinuidade, onde o AT é
tratado como algo errado, feio, ruim, mentiroso e que Cristo veio para nos livrar dele.
Até o judaísmo que seria um elemento de continuidade extrema onde o AT se mantém e
se perpetua até hoje de forma absoluta. Entre o antinomismo e o judaísmo, há uma
escala sobre o relacionamento entre o AT e NT.

Dos mais descontínuos aos mais contínuos, temos, vindo do antinomismo, o


dispensacionalismo clássico, que divide a Escritura em dispensações, ou seja, em
períodos de administração de Deus. Alguns dispensacionalistas clássicos chegam a
argumentar que no AT a salvação era por obras e no NT é pela fé. O pensamento
dispensacionalista acabou avançando para outros modelos como o dispensacionalismo
revisado, que é menos descontínuo, e o dispensacionalismo progressivo, que por mais
que veja descontinuidades entre Israel e a Igreja, entre Antiga Aliança e Nova Aliança,
ainda vê certos padrões de continuidade que faz com que a Lei seja tratada ainda como
um elemento positivo a ser considerada de alguma forma.

Há então a teologia da nova aliança, depois o aliancismo progressivo, ou convenant true


theology, ou kingdom true theology, como também é conhecido, depois o próprio
aliancismo, o qual seria uma visão menos focada em dispensações e mais focada na
continuidade das alianças. Há também aliancismos mais extremos como a teonomia, por
exemplo, que acredita que as leis civis de Israel ainda devem existir hoje. Cada uma
dessas perspectivas possui uma visão diferente acerca do relacionamento entre o AT e o
NT.

Dependendo de cada um desses modelos de interpretar o AT e o NT isso vai gerar


interpretaçoes variadas do que concerne o papel da Lei, as alianças, as dispensações, a
volta de Cristo, Israel, Igreja e vários outros fatores.

E sobre o uso do AT no NT? Isso é outra pergunta. Não é só sobre a validade do AT,
mas como o usamos. Existem pelo menos cinco debates importantes que é bom ter em
mente quando for estudar a respeito desses dois assuntos. O primeiro debate é sobre a
influência da interpretação judaica sobre os autores do NT. A questão é quanto da
interpretação e exegese judaica afetaram os autores do NT no seu esforço por
compreender os elementos da fé. Quanto do judaísmo influenciou o cristianismo no
processo de interpertação do próprio judaísmo. Em segundo lugar, temos o debate sobre
o livro testemunho. Esta é a hipótese que os autores do NT citavam o AT com base em
um documento que era uma citação de vários versos bíblicos que tinha o objetivo de
fundamentar alguma doutrina específica. A visão mais equilibrada diz que essas listas
excertos realmente existia, mas que os autores do NT também tinham conhecimento do
todo da Escritura. Usa-se essa hipótese para justificar certos usos do AT no NT que não
parecem respeitar muito o contexto do texto no AT. Em terceiro lugar, temos o debate
cristocêntrico. Alguns teólogos argumentam que o uso que os autores do NT fazem do
AT era sempre no esforço por trazer um significado cristológico que explicasse e
aludisse a pessoa de Jesus de forma mais profunda. Por isso ele saia um pouco do
contexto original do texto com o objetivo de apresentar mais claramente a própria
pessoa do Senhor Jesus Cristo. Existe também, em quarto lugar, o debate retórico. É a
hipótese que os autores do NT não estavam preocupados em citar os autores do AT
respeitando necessariamente cada detalhe da teologia original, mas apenas no intuito de
dar peso retórico aquilo que era estabelecido. Por fim temos o debate pós-moderno. Ele
consiste em uma linha bem mais recente de estudos bíblicos. Seus proponentes
argumentam através de visões hermeneuticas bem esquisitas que era impossível que os
autores do NT entender bem os autores do AT, porque era impossível chegar ao sentido
original do autor. Por isso, eles conferiam sentido aos textos do AT na medida em que
iam lendo a respeito deles.

Aula 19 – Tipologia

Existem alguns debates sobre a definição do que é uma tipologia, que vem diretamente
da palavra τυπος [typós] e que tem seu antônimo “antítipo”. O tipo é uma representação
no AT de algo que possui seu cumprimento, ou o seu antítipo, no NT. Quando dizemos
que algo é um tipo de Cristo, por exemplo, estamos dizendo que no AT alguma figura,
algum elemento, ou história, tipifica a pessoa de Jesus, que é o antítipo daquele
elemento. Então, por exemplo, se falamos do sacrifício do animal que sempre morria
para tirar e expiar os pecados do povo no AT, dizemos que o sacríficio dos animais era
o tipo do sacrifício de Cristo, que era o antítipo do sacrifíciodos animais.

Uma questão importante na definição de tipo e tipologia é saber se tipologia consiste


essencialmente de uma analogia entre o AT e o NT, ou se possui um elemento
prospectivo, ou prenunciativo, que de alguma forma prenuncia aquilo que acontecerá.
Ou seja, qual é o grande debate? Uma coisa acontece no AT. Posso dizer que isso é um
tipo de Cristo quando? É quando aquele elemento profetiza conscientemente a respeito
de Cristo? Ou quando aquele elemento possui alguma caracteristica de analogia com o
ministério e a obra de Cristo? Por mais que se acredite na ideia pronunciativa, de
prospecção, ou de profecias – se quiser falar de forma mais simples – muitos vão
argumentar que o tipo geralmente é percebido dessa forma pelos autores do NT, não
pela perspectiva dos autores do AT. Ou seja, entender algo como tipo de Cristo é uma
interpretação posterior da revelação que se deu no NT e não uma percepção que os
próprios autores do AT tinham acerca do que aconteceria.

Outros argumentam que ainda que o autor do AT não tivesse a intenção de demonstrar
algo a respeito de Cristo claramente, o autor divino que escreveu através do autor
humano, esse autor divino que era Deus, tinha a intenção plena de comunicar dessa
forma através da pena do autor do AT. Outros argumentam que, na verdade, essa
percepção do AT que falam de Jesus, não como profecias diretas a respeito do Cristo
que viria, mas de histórias e elementos que simbolizam Cristo de alguma forma, não
seria uma intenção original do autor, não estaria no plano da inspiração do AT, mas que
foi um progresso de revelação dado por Deus no NT. São coisas que não poderiam ter
sido percebido na leitura simples AT, mas que são percebidas quando Deus revela a
interpretação real dessas coisas no NT.

É por isso que alguns vão argumentar que uma interpretação tipológica do AT não
precisa, necessariamente, considerar o significado original do texto do AT. Outros
0intérpretes, que geralmente são liberais ou que não acreditam na inspiração da
Escritura, acham que a interpretação cristológica é sempre uma deturpação do
significado original do texto sagrado.
Uma definição de tipologia pode ser a seguinte: “um estudo das correspondências
analógicas entre verdades reveladas acerca de pessoas, fatos, instituições e outros
elementos no âmbito do plano histórico de Deus em sua revelação especial”.
Correspondências, essas, que do ponto de vista retrospectivo, ou seja, olhando de hoje
para antes, do agora para o anterior, possuem uma natureza profética e têm o seu sentido
intensificado.

Dentro dessa definição, podemos perceber alguns pontos essenciais que definem algo
como um tipo. (1) Uma correspondência analógica, a identificação de uma analogia ou
de uma interrelação entre as coisas – assim como Jesus morreu na cruz para tirar nosso
pecado, os cordeiros eram sacrificados para tirar o pecado do povo. (2) Um aspecto de
historicidade, a coisa tem que ter acontecido realmente no passado, ela não é uma mera
ideia na cabeça de alguém, mas é um elemento histórico do AT. Ae for apenas um
prenúncio profético não é tipologia, é profecia pura e simplesmente. (3) Tem que existir
um caráter prenunciativo, tem que existir na analogia algo que prenuncie a respeito da
pessoa de Jesus ou de um elemento que há de ser prenunciado. (4) Há um aspecto de
intensificação. Isso significa que o antítipo, o cumprimento do tipo, intesifica de alguma
forma o próprio tipo. Se o tipo é uma sombra e o antítipo é coisa em si, como diz Paulo
aos Gálatas, então aquilo que era o tipo tem que ser menor que o antítipo. A revelação
de Deus no AT não pode ser um tipo para vestes clericais, ou algo parecido, tem que ser
o contrário. O ritual, o símbolo, ou aquilo que é menor, tem que tipificar algo que é
sempre maior. (5) Temos a retrospecção. Ou seja, é possível olhar para trás e encontrar
esses elementos que simbolizam algo que acontece posteriormente fazendo sempre isso
através da atuação do Espírito Santo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BEALE, G.K. Manual do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento. São Paulo,
Vida Nova, 2013.

Aula 20 – o que é hermenêutica e seus 6 abismos

Se a Bíblia é a palavra de Deus revelada ao homem, como podemos conhecê-la e


interpretá-la de modo correto? A ciência da interpretação bíblica é conhecida
como Hermenêutica. Ela deriva do nome do deus grego, Hermes, que era o deus grego
da comunicação. A hermenêutica existe como uma ciência também secular de
interpretação de texto. A hermenêutica bíblica é um modo de olhar para a Escritura que
possui regras comuns a toda boa hermeneutica, mas também regras específicas na
tentativa de interpretar um texto de origem divina. Uma boa hermenêutica nos dá
capacidade de interpretar tanto as passagens mais simples da Escritura, como nos dá
coerência e métodos claros para interpretarmos aquelas passagens um pouco mais
difíceis e polêmicas. Qualquer pessoa com boas regras de interpretação de texto
consegue interpretar bem a Esscritura e entender bem o que Deus quer dizer para o seu
povo.

A palavra “hermenêutica” vem do grego [hermeneuo], que significa “entender”,


“interpretar” ou mais apropriadamente, às vezes, “traduzir”. Muitos vão definir
hermenêutica como a ciência e a arte de apurar o sentido bíblico. Dessa forma, a
hermenêutica é tanto uma ciência quanto uma arte. Como ciência, investiga princípios,
enuncia leis de pensamento, leis de linguagem e possui metodologias de classificação de
fatos e resultados. Como arte, ensina a forma como esses princípios devem realmente
ser aplicados e comprova a sua própria validade, mostrando todo o valor prático da
elucidação de passagens mais difíceis. Por isso que a hermenêutica precisa tanto de um
método exegético que seja válido.

A palavra “exegese” pode ser interpretada como a compreensão dos textos dentro de
seus próprios contextos. Se a hermenêutica é a receita de um prato de cozinha, a
exegese é seu próprio modo de preparo. A exegese consiste em ir no texto
hebraico/grego para interpretar cada palavra mo seu contexto, ver o significado
morfológico de cada palavra, o sentido pragamático em uso de cada uma dessas
palavras, qual é a sintaxe entre elas e entender o significado então daquilo que é dito
pelo autor inspirado.

Claro que isso não exclui o papel do Espírito Santo. Uma pessoa com boas regras de
hermenêutica e muito capacitada na exegese só poderá viver as coisas de fato em sua
vida, se o Espírito guiá-la nisso. A mensagem só irá transformar alguém e dar a esse
alguém o sentido pleno do significado do texto, a partir do momento em que o Espírito
isso na vida da pessoa. O conhecimento de Deus não é meramente teórico, mas é
recebido também pelo poder do Espírito Santo. Paulo diz que aquele que não é salvo é
um cego espiritual. É alguém que não aceita as coisas do Espírito, porque essas coisas
do Espírito lhe são loucura. Nós, salvos, temos a mente de Cristo e por isso podemos
entender as coisas espirituais. Ou seja, ainda que alguém, um descrente, entenda a frase
“Deus salva pecadores”, ela só vai ter o sentido todo e pleno para essa pessoa quando
ela for um pecador verdadeiramente salvo.

Nisso, existem pelo menos seis grandes desafios da boa hermenêutica. Que é o princípio
que leva as bases para a boa exegese. O primeiro desafio é o abismo temporal. O
pentateuto, por exemplo, os primeiros livros a serem escritos no Antigo Testamento,
foram escritos pelo menos a 1400 a.C, uns 3400 anos atrás. Todo o NT foi escrito cerca
de 2000 anos atrás. Existe um abismo temporal enorme entre os textos sagrados e nós
como público leitor. Assim não temos mais acesso aos autores originais para perguntar
o que eles queriam dizer. Temos acesso apenas aos textos que eles deixaram. Nós
analisamos esses textos analisando justamente esse lapso temporal, por isso que boas
regras de hermenêutica nos ajudam a suplantar esse lapso.

O segundo grande desafio da hermenêutica é vencer o abismo geográfico. A Bíblia foi


escrita na região qe compreende do Iraque ao Egito até Roma. Esse distanciamento
geográfico é um empecilho para nós entendermos algumas coisas que são ditas na
Palavra e muitas vezes nos levam a acreditar que existem contradições no texto bíblico,
porque não entendemos bem certas questões geográficas que surgiram naquele tempo.
Boas regras de hermenêutica nos ajudam a compreender bem textos que foram escritos
em períodos muito diferentes dos nossos e em ambientes muito distantes.

O terceito grande desafio da hermenêutica é vencer o lapso cultural. Nos tempos de


hoje, já existem imensas diferenças culturais até mesmo dentro do próprio país.Alguns
costumes aqui do Ceará não são os mesmos costumes de Curitiba. Quanto mais a
diferença cultural entre nós e os autores do tempo bíblico. Já existem muita diferenças
culturais entre os próprios autores do período bíblico. Entender bem esses padrões
culturais dos tempos antigos para poder suplantá-los e compreender como a palavra se
aplica hoje também é um grande desafio da hermenêutica.
O quarto lapso é o linguístico. A Bíblia não foi escrita em português, mas em hebraico
majoritariamente no AT – com um pouco de aramaico também – e grego no NT; Essas
línguas possuem particularidades muito diferentes do português. Isso inclui sintaxe,
morfologia, semântica, gramáticas distintas. Temos que entender isso se quisermos
entender o texto bíblico. É muito comum aplicarmos estruturas próprias de uma língua a
outras línguas, ao invés de aplicarmos os princípios de uma língua àquela própria
língua. É comum muitas pessoas aplicarem princípios gramaticais do hebraico ao grego
do NT. É muito natural aplicarmos princípios gramaticais do português ao grego e ao
hebraico na interpretação do texto bíblico. Uma boa hermenêutica nos ajuda a suplantar
essas dificuldades na exegese.

O quinto grande desafio da hermenêutica é vencer o lapso literário. Os estilos bíblicos


de literatura são, às vezes, muito diferentes dos nossos. Salmos, parábolas, epístolas,
livros de profecia, possuem estruturas que muitas vezes não estamos acostumados a
interpretar e entender as regras próprias dentro daquele estilo. Só uma boa hermenêutica
nos ajuda a entender quais são os significados de estruturas que são usadas dentro de
cada estilo literário que existe dentro da Escritura – e são muitos os que lá existem.

E o sexto lapso que a boa hermenêutica nos ajuda a vencer é o lapso espiritual. Não
podemos esquecer que a Bíblia é um livro que possui um autor divino. Todos os lapsos
anteriores podem ser encontrados em literaturas humanas que são antigas, mas o lapso
espiritual é algo que nós só encontramos na leitura da Palavra de Deus. O que torna a
leitura bíblica peculiar é justamente o fato de que ela é um livro inspirado pelo divino.
De fato, Deus usou autores diferentes, em tempos diferentes, em geografias diferentes,
com línguas diferentes, com estilos literários diferentes, manifestando uma
espiritualidade diferente e tudo isso tem que ser levado em conta na nossa interpretação
bíblica. Boa hermenêutica nos leva a isso.

Dicas de literatura:

Entendes o que lês – Douglas Stuart e Gordon Fee – edições Vida Nova

Hermenêutica avançada – Henry Virkler – Vida Academica

Há um significado nesse texto – Kevin Vanhoozer – edições Vida Nova

Tríade hermenêutica – Andreas Kostengerber – edições Vida Nova

A Espiral Hermenêutica. Uma Nova Abordagem A Interpretação Bíblica – Grant


Osborne – edições Vida Nova

Aula 21 – Hermenêutica no Judaísmo

Ao longo da história tivemos várias histórias de interpretação que tiveram visões


diferentes acerca de como a Bíblia deveria ser lida. Aquilo que forma justamente o que
chamamos de história da interpretação bíblica, ou seja, a história da hermenêuntica. As
escolas mais antigas nos remetem às antigas escolas de interpretação judaicas. É
provável que os judeus falassem aramaico devido à miscigenação com os outros povos.
Por isso, foi necessária uma tradução bíblica para o aramaico quando Esdras leu a Lei
para o povo. Isto é visto no livro de Neemias. Ou seja, os levitas tinham que interpretar
o texto para que o povo pudesse entender aquilo que estava sendo lido. Até a época de
Cristo, eram justamente os escribas que interpretavam copiavam, preservavam e
explicavam muitas vezes a Escritura. A reverência deles ao texto bíblico, no entanto,
caiu no exagero. O famoso rabino Aquiba, por exemplo, ensinava que até mesmo a
forma da letra no hebraico tinha um significado, assim como cada fibra da perna de uma
mosca tinha a sua importância. Ou seja, eles literalmente amavam a letra da Lei. Eles
interpretavam os textos, contavam seus números, viam qual era a palavra do meio de
cada coisa, interpretavam, memorizavam, guardavam tudo em um nível muito além de
tentar aprender o significado em sua vida.

Aqui temos a briga entre Hilel e Shamai dentro das escolas de interpretação rabínicas. O
rabino Hilel foi um importante rabino entre os judeus. Ele fundou uma escola de
interpretação que dividia em seis tópicos as famosas 613 leis do judaísmo antigo. Ele
também estabeleceu sete regras de interpretação para o AT. Essas regras falavam de
muitas coisas, como as interpretações sobre o que era menos e mais importante na Lei,
as inferências por analogia, sobre a formação de famílias de passagens, ou seja, quando
as passagens possuiam o mesmo significado e eram agrupadas em famílias mesma
natureza. Assim, o que era mais difícil era interpretado dentro daquele grupo para que a
família interpretativa ajudasse a interpretar passagens mais complicadas. Ele falava das
relações entre genérico e específico.Deduções a partir do contexto e coisas assim.

Shamai era outro rabino que era da mesma época de Hilel, mas tinah visões bem
diferentes sobre a interpretação dos textos bíblicos. Para Shamai, a personalidade do
indivíduo é que afetava, de fato, a interpretação. Por exemplo, um indivíduo violento
interpretaria a Lei com muito mais rigor que o pacífico. Depois da queda de Jerusalém,
em 70 d.C, a escola de Hilel ganhou mais proeminência. Tanto que sabemos mais sobre
ela do que a escola de Shamai, que foi perdendo espaço dentro das escolas judaicas.

Os judeus eram muito conhecidos pela alegorização e o modo como eles usavam
alegoria dentro de seus métodos interpretativos. Alegorizar é buscar um sentido obscuro
ou oculto por trás daquilo que é a camada de interpretação normal de um texto. Ou seja,
o sentido literal de um texto é um tipo de código que precisa ser desvendado para
encontrarmos o sentido oculto e real do texto. O sentido literal de um texto é superficial,
mas o sentido alegórico é que é o sentido de fato de uma passagem bíblica. Mais
modernamente a alegorização judaica sofreu influência da alegorização grega. Os
gregos costumavam alegorizar muito os seus textos para tentar fugir das cobranças que
as passagens traziam no seu sentido literal. Os judeus e Alexandria acabaram sendo
muito influenciados por esse tipo de perspectiva e de hermeneutica. Então, para
conseguir aceitar o AT, eles passaram a alegorizá-lo.Essa era uma forma muito esperta
de conseguir defender a relevancia doAT diante dos gregos sem ter que se submeter a
padrões muitos esquisitos, às vezes, do próprio AT. Até mesmo os antropomorfismos
foram alegorizados.

Então, na septuaginta (LXX), a tradução do AT do hebraico para o grego, eles


traduziram “o Senhor é homem de guerra” (Êx 15.3) como “o Senhor esmaga a guerra”,
porque para eles o significado alegórico poderia ser até mesmo oposto do significado
literal.

Filo de Alexandria e Aristobuto são dois nomes muito importantes para essas escolas de
interpretação. Aristobuto acreditava que a filosofia grega estava baseada realmente no
AT. Por isso, esses entendimentos do AT tinham que ser alegorizados para ser
corretamente entendidos de acordo com a filosofia grega. Filo de Alexandria é bem
mais famoso que Aristobuto. Temos mais acesso aos textos dele do que do outro. Ele
também foi profundamente influenciado pela filosofia grega. Seu esforço pareceu até
muito bonito. Ele tentava evitar que as pessoas blasfemassem contra o AT. Não só os
inimigos da fé, mas até mesmo pessoas de origem judaica. O nível interpretação
alegórica dele era muito mais profundo. Por exemplo, ele vai dizer que Sara e Hagar
representavam virtude e cultura. Jacó e Esaú não eram personagens históricos, mas eram
pessoas que representavam a prudência e a insesatez. Claro, ele não descartava o sentido
literal dos textos, mas, para ele, o sentido literal era um nível de interpretação imatura
enquanto a leitura alegórica era uma leitura mais madura. As comunidades judaicas dos
essênios sofriam com esse mesmo tipo de interpretação alegórica.Sabemos disso,
porque eles copiavam a Escritura e faziam comentários a alguns textos.

Aula 22 – Hermenêutica da patrística á idade media

Nós também temos os métodos de hermenêuticos patrísticos que são os métodos dos
pais da igreja primitiva, os primeiros líderes religiosos do século primeiro e segundo.
Clemente de Roma viveu entre 30 e 39 d.C. Ele é famoso por fazer muitas citações do
AT e NT naquilo que escrevia. Inácio de Antioquia viveu entre 35 e 107 d.C e escreveu
sete cartas endereçadas à Roma que continham alusões ao AT e que exaltavam a pessoa
de Cristo. Policarpo de Esmirna viveu de 70 a 155 d.C e escreveu a Epístola aos
Filipenses também com muitas citações do AT. Percebemos que o pessoal da igreja
primitiva tinha muita vontade e com muita frequência, citava trechos e muitas passagens
do AT. O AT era muito respeitado e amado pelos Pais da Igreja. Eles tinham métodos
de interpretação muito claros, hermeneuticas muito conscientes acerca de suas leituras
do AT.

Nós encontramos o mesmo na epístola de Barnabé, que fazia muitas alusões ao AT. E
isso era feito com muitas alegorias. Uma das mais famosas é quando ele usa a técnica da
gematria, a atribuição de números às letras, aos 318 servos de Abraão e em séculos dá o
nome de Jesus na cruz. Justini Martir seguia o mesmo método alegórico, ele viveu entre
100 e 164 d.C. Ele fazia várias citaçoes do AT na tentativa de provar algum prenúncio
da pessoa de Jesus. Em seus textos, ele chegou a alegorizar Lia, Raquel e Jacó para
dizer que representavam Cristo, a igreja e os judeus. Na sua época, ele se opôs ao
herege Marcião, o qual dizia que o AT não possuia mais nenhuma validade. Irineu de
Lion viveu num lugar conhecido como Lion entre 130e 202 d.C. Ele escreveu uma obra
muito famosa chamada Contra as Heresias, onde ele se opõe à seita gnóstica. Ele
defendeu que Bíblia deveria ser interpretada no seu sentido mais cláro e óbvio, que seria
justamente o seu sentido mais verdadeiro. Ele acreditava que o único modo correto de
interpretar a Escritura seria através do que a igreja preservou por tradição apostólica.
Tertuliano de Cartago, que morreu em 220 d.C, dizia que a única solução contra a
heresia era a regra de fé, isto é, os ensinos ortodoxos que eram sustentados pela igreja.
Ele defendia que as passagens bíblicas deveriam ser interpretadas no seu sentido
original de acordo com seus contextos originais, porém, assim como Irineu, ele
alegorizou textos bíblicos nas suas interpretações. Você deve perceber que algumas
coisas não batem e que pessoas têm visões diferentes mesmo no período patrístico. É
muito comum que na história da Igreja muitos homens discordem uns dos outros. A
questão da hermenêutica no período patrístico criou divergência entre duas escolas: A
Escola de Alexandria e a Escola de Antioquia
Essas duas escolas de interpretação floresceram duzentos anos depois de Cristo. Cada
uma tinha uma perspectiva diferente acerca da interpretação da Escritura. A Escola da
Alexandria contava com nomes Pateno, Clemente de Alexandria – não é o mesmo
Clemente de Roma –e a figura famosa de Orígenes. Essa Escola de Alexandria era
muito conhecida pela sua forte ênfase na alegoria. Clemente, por exemplo, acreditava
que qualquer passagem poderia ter pelo menos cinco significados: o histórico, o
doutrinário, o profético, o filosófico e o mistico. Orígenes foi um nome importante
porque fez muitas contribuições relevantes para a igreja, como a famosa Hexapla, que
era uma compilação de várias versões gregas do NT, do texto hebraico do AT. Esse foi
talvez o primeiro grande trabalho de crítica textual da história do mundo, mas seguia
escolas extremamente alegóricas de interpretação. Ele acreditava que Bíblia exigia que
os fiéis fizessem esse tipo de interpertação alegórica. Ele acredita que os textos tinham
três significados: O literal, o moral e um sentido espiritual, que era o sentido da alegoria
mais profunda. Já a Escola de Antioquia defendia uma interpretação mais literal da
Escritura. Ela contou com vários nomes conhecidos como Doroteu, Teodoro, João
Crisóstomo e Teodoreto.

João Crisóstomo é conhecido por ter proferido mais de 600 homilias, que eram
discursos cristãos de aplicação prática da Lei. Suas obras possuem mais de 7 mil
citações do AT, mais de 11 mil do NT. Teodoreto escreveu comentários sobre a maioria
do AT. Essas duas escolas representamum debate muito importante acerca da
hermenêutica, do papel da interpretação literal, do papel da leitura alegórica da
Escritura.

Se avançarmos um pouco na Patristica mais tardia, por volta do século V-VI. Temos
nome como Jerônimo, Agostinho de Hipona, Cassiano e Adriano de Antioquia.
Jerônimo é conhecido por ter adotado a alegorização de Orígenes no começo do seu
ministério, mas acabou assumindo uma posição mais literal após ser influenciado pela
Escola de Antioquia. Mas ele continuou acreditando que um sentido mais profundo era
encontrado na alegorização. Ele foi o responsável pela tradução latina da Bíblia,
conhecida como Vulgata, ou Vulgata Latina. Agostinho, que inicialmente era um
maniqueísta, seguidor da seita de Maniqueu, foi profundamente influenciado por
Ambrósio de Milão e acabou seguindo uma escola de interpretação bem alegórica da
Escritura. Segundo ele, a regra de fé, que a tradição da própria Igreja acerca da
Escritura, deveria ser usada para dizer se uma passagem tinha sentido alegórico ou não.
Porém, ele acreditava que nenhum sentido alegórico poderia contradizer o sentido literal
do texto. O que é bem diferente de outras escolas de alegoria.

João Cassiano ensinava que Bíblia tinha um sentido quádruplo: histórico, alegórico,
tropológico, que seria um sentido moral, e o anagógico, que seriasentido oculto.
Adriano de Antioquia, Euquério de Lião e Junilho, outros nomes desse período também
seguiram uma visão alegórica de interpretação Bíblica. Na Idade Média, o principal
intérprete da Escritura foi um homem chamado Tomás de Aquino. Ele nasceu em 1225
e morreu em 1274, e foi certamente um dos maiores nomes da história da Igreja. Ele
acreditava que um sentido literal era fundamental, mas que outros tipos de leitura
também poderiam se apoiar no texto e na leitura literal. Ele dizia que o texto tem um
lado espiritual porque possuem um autor divino por trás do autor humano. Assim, o
sentido literal era o sentido que o autor humano tentou transmitir no texto, mas o
sentido espiritual era o sentido que Deus imprimiu àquilo que foi escrito e era aquilo
que Deus, de fato, queria transmitir. Deus poderia expressar o que ele queria por meio
das palavras dos homens, mas ele também intentava trazer significados mais profundos
através dos elementos da linguagem. Ele também considerava esse signicado quádruplo
dos textos: o histórico, alegórico, tropológico e o anagógico.

Outro nome importante nesse perído é John Wycliff, que nasceu em 1330 e morreu em
1384. Ele foi o primeiro tradutor da Bíblia para o inglês. Ele é muito conhecido por ter
contextado as interpretações da igreja e proposto suas próprias regras de interpretação
bíblica. Sua própria hermenêutica. Ele foi o homem que enfatizou uma hermenêutica
literal e histórica.

Aula 23 – Hermeneutica da Reforma a modernidade

Como a Reforma Protestante inflenciou a percepção sobre hermenêutica e interpretação


bíblica? Os reformadores se basearam majoritariamente na Escola de Antioquia e na
interpretação literal da Escritura. Martinho Lutero denunciou profundamente o método
alegórico de interpretação bíblica, segundo ele, a alegoria era uma escória colocada
sobre a Escritura Sagrada. Ele também rejeitou aquele sentido quádruplo da Escritura
exaltando o sentido literal. O argumento dele é que as passagens mais obscuras não
deveriam ser interpretadas pela alegoria, mas que as passagens mais obscuras deveriam
ser interpretadas pelas passagens mais claras. Ou seja, um texto mais simples lançaria
luz sobre o texto mais difícil. Segundo ele, qualquer cristão tinha a capacidade de
chegar à Escritura e entender o seu significado, o que era bem diferente do que era
proposto pela Igreja Católica Apostólica Romana.

Lutero seguia o que chamamos de hermenêutica cristocêntrica. Ele sempre ia ao AT


tentando encontrar o que de lá falava e testemunhava a respeito de Jesus. Phillip
Melanchton era um amigo de Lutero que seguia um método histórico-gramatical de
interpretação da Escritura. Apesar de algumas vezes cair também em alegoria.João
Calvino também rejeitou as interpretações alegóricas frisando a interpretação do texto
bíblico também interpretava a si mesmo de acordo com seu próprio contexto. Ele fez
comentários e fez longos textos sobre todos os livros da Bíblia, verso a verso, com
exceção de alguns poucos do AT e NT. Na sua grande obra, as Institutas ele citou 1755
vezes o AT e 3098 vezes o NT.Ulrich Zwinglio. Por sua vez, que foi o grande
reformador que encabeçou a reforma em Zurique repudiava tirar o texto de seu contexto
e se opôs diretamente à Igreja Católica acusando-a de fazer isso.

Wylliam Tyndale é famoso por sua tradução bíblica do grego para o inglês. Enquanto
Wycllif traduziu a Bíblia do latim para o inglês, também defendia um método literal de
interpretação da Escritura. Não entenda mal. Por literal, não significa que não existem
alegorias, ou analogias, ou linguagem metafórica no texto. Uma hermenêutica literal
considera o fato de que o significado primário quando ele se propõe a uma alegoria é
alegorizá-lo. Quando ele se propõe a uma metáfora, metaforizá-lo. Agora textos de
sentido literal que não são analogia ou histórias para serem tratadas como metáforas
devem ser tratados no seu significado natural.

Em resposta à Reforma Protestante, a Igreja Católica organizou o chamado Concílio de


Trento e deu início ao que foi conhecido como Contra-Reforma, dizendo que a verdade
se encontrava livros escritos e em tradições não escritas. Essas tradições incluiriam os
pais da igreja e o magistério da Igreja até hoje.
Depois da Reforma surgiram tanto apoiadores de Calvino, como o famoso Jean Alfonse
Turretin, mas também surgiram vários opositores como o famoso Jacó Armínio. Nesse
período, o misticismo e um tipo muito radical de pietismo deixaram de lado a
interpretação bíblica e sua hermenêutica literal para dar ênfase à coisas que o homem
poderia sentir diretamente com Deus sem a Escritura, ao usarem algum tipo místico de
espiritualidade. Essa comunhão por experiência subjetiva do pietismo tinha como
objetivo se opor ao rigor doutrinário dos teólogos e dos intérpretes bíblicos, enfatizando
uma busca bem privada por uma experiência com Deus.

Mais à frente, homens como Thomas Hobbes e Baruc Espinosa empregaram o


racionalismo como norteador para a vida. Hobbes via a Bíblia como um mero livro de
princípios e regras. Espinosa dizia que a razão estava desconectada da teologia. Por
causa disso, por exemplo, ele contestava os milagres bíblicos. Era uma hermenêutica
muito liberal e bem materialista.

No século XIX, podemos destacar nomes como o de Schleiermacher, Kiekergaard e de


Wellhausen, três grandes nomes da teologia e hermenêutica. Friedrich Schleiermacher
destacava o papel da percepção subjetiva e individual da religião desprezando a
autoridade bíblica. Ele enfatizava o papel das emoções para o entendimento do
cristianismo. Soren Kiekergaard é conhecido como o pai do existencialismo moderno.
Ele enfatizava que a fé era uma experiência subjetiva, vivida quase exclusivamente em
momentos de angústia. Julius Wellhausen desenvolveu a concepção da hipótese
documental, dizendo que o Pentateuco foi um coleção de vários autores. Essa ideia
remete a um homem chamado Karl Graf. Ele acreditava que o Pentateuco havia surgido
como uma evolução do politeísmo para o animismo para o monoteísmo. Foi nesse
período que F.C. Baur começou a desenvolver sua teoria de oposição entre Pedro e
Paulo.Nesse período houve grandes teólogos conservadores se opondo a esse tipo de
hermenêutica de interpretação bíblica. Nomes conhecidos são Charles Hodge, John
Broadus, Carl Keil e vários outros.

No século XX, o liberalismo se tornou bastante forte. Nesse período, a Bíblia


certamente foi vista como um livro meramente humano por muitos teólogos. Em
oposição ao liberalismo, surgiu a neo-ortodoxia com nomes como Karl Barth, Emil
Brunnere Reihold Neibuhr. Porém, esses neo-ortodoxos, por mais que se opusessem aos
liberais, estavam tentando de alguma forma preservar a Escritura, mas caindo em negar
ainda que ela fosse de fato infalível como Palavra de Deus. Eles negavam dois
conceitos: Inerrância e infalibilidade. Criação, queda, ressurreição eram tratados como
meros fatores mitológicos, alegóricos. Eram princípios que Deus nos deu para nos
comunicar a fé num nível kerigmático, mas não num nível literal. Era mitologia, e não
história. Foi Rudolf Bultmann que ensinou a demitização do evangelho. Ou seja, ele
rejeitava elementos que julgava míticos como ressurreição e milagres. Esses elementos
talvez fossem importantes nos tempos de Jesus, mas hoje não são mais importantes
serem considerados literais.Por mais que possuissem verdades espirituais, não eram
realidades históricas.

O pensamento de Bultmann era muito influenciado por Martin Heidegger, enfatizando


uma perspectiva bem existencialista do ser humano. Nomes famosos como Hans-Georg
Gadamer e Ernest Fuchs são muito influentes nesse movimento. Gadamer dizia que o
ser humano não podia mais ter acesso ao intentado pelo autor de um texto quando o
escrevia, justamente por causa dos horizontes de interpretações que eram diferentes
entre aquele que lê um texto e os autores bíblicos que escreveram o texto.

O que podemos concluir de tudo isso? Vimos vários períodos na história da


interpretação bíblica. Um brevíssimo panorama para você conhecer os principais temas
e as principais polêmicas. É bom você perceber como essas várias correntes de
interpretação influenciaram no modo como o homem chegava à Escritura. Isso afetava
diretamente, ou às vezes indiretamente, o resultado da exegese e da compreensão do
texto bíblico. É por causa disso que é importante estarmos firmados naquilo que a Bíblia
realmente diz e para isso levar em conta ótimos métodos hermenêuticos para
conseguirmos ir bem na leitura ecompreensão da Escritura.

Aula 24 – A septuaginta

Septuaginta (ou LXX) é o nome dado à versão da Bíblia hebraica na língua grega. Isso
vem de uma lenda foi atribuída à versão grega da Lei que dizia que ela resultou do
trabalho de 70 ou 72 anciãos de Israel que foram trazidos de Alexandria para executar
isso. Por causa desse número, 70 ou 72, é que o nome foi atribuído primeiramente a Lei
e com o tempo foi expandido para falar de todo o AT. Essa lenda diz que todos os
anciãos traduziram o Pentateuco de forma concordante sem terem contato um com outro
em 72 dias. O historiador Filo de Alexandria conta como esses anciãos foram isolados
em câmaras, mas escreveram o mesmo texto palavra por palavra e produziram a versão
grega do Pentateuco. E foram os escritores cristãos que estenderam a nomenclatura para
que falasse também de todo o restante do AT e até mesmo para os livros que nunca
fizeram parte da Bíblia hebraica.

À parte da lenda, o que sabemos é que em 331 a.C, havia um forte processo de
helenização – propagação da língua grega – por causa da dominação de Alexandre, o
Grande, e sua consquente fundação da cidade de Alexandria, situada no Egito. Os
judeus estavam espalhados na maioria do terrítorio que Alexandre dominou, inclusive
na capital do império, Alexandria. Com o passar do tempo, os judeus da cidade
deixaram de falar hebraico e passaram a falar grego. Isso significaria não poder ler as
Escrituras nem poder recitar as orações se não houvesse ocorrido uma tradução para a
língua grega. Por causa disso, a tradução das Escrituras para o grego foi sendo
propagada durante os séculos III e II a.C, onde a secção da Lei foi a primeira a ser
traduzida.

Além da necessidade do AT na lingua grega, outras razões possíveis que são alvo de
debate são: a necessiade de educação dos mais jovens; necessidade de um documento
jurídico; necessidade de uma herança cultural para a biblioteca real que estava sendo
montada em Alexandria; a nova edição dos poemas homéricos produzida por Aristarco
fez uso de crítica textual para fazer um texto autoritativo e isso serviu de incentivo para
preparar um modelo de texto oficial grego da Bíblia para os judeus. Depois da
Alexandria, o uso da LXX se espalhou por outras comunidades judaicas de fala grega.
Com isso, os próprios cristãos produziram manuscritos da LXX ainda que tenham sido
poucos.

A LXX é dividida em quatro partes. A primeira parte são os livros da Lei, o Pentateuco.
A segunda parte são os livros de Josué, Juízes, Rute, Samuel, Reis, Crônicas, 1 Esdras
(que é equivalente a 2 Cr 25.1 a Ne 8.13), 2 Esdras (equivalente a Esdras e Neemias),
Ester, Judite e Tobias, apesar de Judite e Tobias não estarem inclusos na bíblia hebraica,
porque a LXX tende também a traduzir documentos hebraicos importantes e existiam
ainda listas de livros diferentes dentro dela. A terceira divisão contém Salmos,
Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos cânticos, Jó, Sabedoria e Eclesiástico. Esses dois
últimos não se encontam na bíblia hebraica. A quarta divisão corresponde aos profetas
menores e os profetas maiores. Nessa porção, Jeremias é seguido por Baruque e Daniel
é ampliado com duas histórias que não estão no texto hebraico – a história de Susana e a
de Bel e o dragão. Os livros de Macabeus formam uma espécie de apêndide à LXX e
não pertencem a nenhuma das divisões principais. Essas obras que aparecem a mais na
LXX são chamadas de apócrifos.

É possivel encontrar algumas diferenças entre a LXX e o texto hebraico que serviu de
base para tradução. Isso se dá devido o processo de tradução. Durante esse processo, a
tradução pode ser estritamente literal, traduzindo palavra por palavra e pode ser muito
rígida sem respeitar o contexto atual da lingua receptora. Por outro lado, há traduções
mais dinâmicas que visam traduzir o sentido da palavra ou expressão, mas da mesma
forma, essas traduções podem favorecer a lingua receptora deixando de transmitir um
siginificado particular, um jogo de palavras, ou algo específico da língua original.
Muitas das citações do NT provêm da LXX, ou de revisões dela (At 4.11 cf Sl 118.22; 2
Co 6.18a cf. 2 Sm 7.14). Já em outros momentos, os autores do NT preferem citar a
Bíblia hebraica e traduzirem eles mesmos considerando que nem sempre a LXX
representa a tradução ideal (1 Co 14.21 cf 28.11-12; Ef 4.30 cf. Is 63.10). Mateus (Mt
1.23) usa a LXX para citar a profecia de Isaías (Is 7.14). A versão grega de Amós
forneceu a Tiago a autoridade para falar da missão aos gentios (At 15.15-18 cf Am
9.11-12). Entretanto, Paulo e o autor de Hebreus constantemente mudam a tradução da
LXX. É interessante que, tanto em Romanos quanto em Hebreus, a LXX não é utilizada
ao citar Deuteronômio 32.35 (Rm 12.19; Hb 10.30). Mateus também muda a versão
grega de Isaías (Mt 12.18-21; Is 42.1-4).

Assim como hoje existem as variantes textuais, na época de Jesus e dos apóstolos
também havia as variantes da LXX e da Bíblia hebraica. Não obstante, isso não é
demérito para a doutrina da inspiração porque eles confirmaram a autoridade divina por
utilizarem esses textos. Os judeus propuseram uma série de revisões na LXX para
conformá-la mais ao texto hebraico. As mais importantes foram a de Teodócio (50 a.C –
50 d.C; literal), a de Áquila (c. 120 d.C; extremamente literal) e a de Símaco (c. 180;
dinâmica).

Portanto, podemos destacar algumas importâncias da LXX:

• Ela apresenta um testemunho para o texto original. As versões hebraicas de


manuscritos completos das Escrituras datam de 1000 d.C e os manuscritos do Mar
Morto são por volta de 200 a.C a 68 d.C. A LXX é mais antiga e pode nos
aproximar mais do texto original. Além disso, ela é completa, ao passo que os
manuscritos do Mar Morto, não.
• Ela fornece uma compreensão de textos hebraicos difíceis. Considerando que ela é
uma tradução antiga dos textos do AT. Logo, ela é uma forma de entender como
aqueles tradutores perceberam o sentido de certas passagens.
• Ela é uma testemunha muito importante para o período do Segundo Templo (c.
516 a.C – 70 d.C), o qual nem sempre temos material histórico o bastante para
conhecer sobre a cultura judaica da época. Ainda mais considerando que a LXX
traduz textos que não eram necessariamente do AT, mas que narravam
acontecimentos daquele período, como os livros de macabeus.
• Ela foi adotada como Bíblia comum na igreja servindo de citação para os apóstolos
e para ser apresentada a totais pagãos que não tinham acesso à lingua hebraica,
mas somente à grega. É possivel dizer que a LXX influenciou a linguagem dos
apóstolos assim como João Ferreira de Almeida influenciou a linguagem cristã de
hoje em dia.

Referências bibliográficas

BRUCE, F. F. O cânon das Escrituras.SP: Hagnos, 2011.

GENTRY, Peter J. A Septuaginta. In: GRUDEM, Wayne, COLLINS, C.


John, SCHREINER, Thomas R (org.). Origem, confiabilidade e significado da Bíblia.
SP: Vida Nova, 2013.
Cristologia: a doutrina de Cristo

Aula 1- As heresias sobre Cristo

Cristo é o centro. Ele é aquilo de mais importante que há na Bíblia. O Evangelho é o


centro de toda relação entre Deus e o homem. É porque Jesus viveu, morreu e
ressuscitou que nós encontramos o caminho para Deus. Nesse panorama de cristologia
queremos apresentar várias posições acerca de Jesus, explicar as terminologias dos
debates acerca da pessoa de Cristo e te fazer saber quais são as grandes polêmicas da
história acerca do Messias e conseguir, então, caminhar com as próprias pernas num
estudo autodidata acerca dessas questões.

Cristologia, como toda área do conhecimento bíblico, gera os mais variados debates.
Não vamos esgotá-los, mas abrí-los para que você possa escolher as portas para entrar,
estudar e caminhar por si só. Para começar a falar sobre a pessoa de Jesus, temos que
começar a falar das heresias acerca de pessoa de Jesus. Ao longo das épocas, várias
visões erradas acerca da pessoa de Cristo foram surgindo, ganhando espaço e morrendo
– graças a Deus – ao longo da história da Igreja.Talvez a heresia mais antiga acerca de
Jesus é o Docetismo. Ela surge em meados do fim do primeiro século. É uma heresia já
criticada por apóstolos como Paulo (Colossenses) e João (1 João). O docetismo era
muito próximo dos gnósticos e dos protognósticos do século 1. O docetismo era a ideia
que Cristo não encarnou completamente, pois a matéria é má. Se a matéria é má, então
Jesus não pode ser matéria, nem ter corpo. Isso vem diretamente das ideias gnósticas e
da teogonia gnóstica -o modo como os gnósticos pensavam sobre a criação do mundo e
dos deuses. Dentro dessa teologia, a matéria era sempre considerada como algo
pecaminoso e inferior. Então, como Deus poderia virar matéria? Cristo não poderia ser
carne, logo Cristo não poderia ser humano encarnado. Ele tinha que ser aparentemente
encarnado, aparentemente físico, talvez uma fantasminha camarada, mas não poderia
ser matéria de fato.

Paulo fala muito contra eles em Colossenses e 1 João fala muito contra os docetistas.
Quando João fala que está dizendo a respeito do que viu, ouviu e tocou; quando ele diz
que encostou a cabeça no peito do Messias, ele está falando que pode perceber a
fisicalidade do Cristo, de fato, indo contra a ideia docetista de que Jesus não era carne
de verdade.

A segunda heresia que temos que tratar é o Apolinarismo, a qual advém justamente de
Apolinário, um bispo da região de Laodicéia. Ele dizia que a alma divina (Logos)
tomou lugar da alma humana daquele que seria o Cristo. Gregório de Nazianzo, que
também foi um pai da Igreja, se opôs a ele dizendo “o que não é assumido não é
redimido”, isto é, se Cristo não tem uma alma humana, ele não nos representa, logo, não
nos redime. Essa heresia foi condenada em 431 no Concílio de Constantinopla. O
problema do Apolinarismo era acreditar que Jesus não era realmente humano, porque se
ele era humano apenas em corpo, mas não em suas partes materiais, ele não era um
contato absoluto entre Deus e homens. Ele precisava, sim, ser plenamente humano,
tanto na sua parte material como imaterial, mas também ser revestido e completamente
absorvido nessa natureza divina.

A próxima heresia é o Eutiquianismo. Ela vem de Eutiques, um monge em


Constantinopla. Ele dizia que a natureza divina de Cristo absorveu sua natureza
humana. Assim, uma vez que houve esse processo de encarnação, Jesus possuia apenas
uma natureza, a qual era a divina revestida por uma carne humana. Flaviano se opôs a
Eutiques e o baniu de Constantinopla. Essa heresia foi condenada no Concílio de
Calcedônia, mas continuou a exercer influência em vários outros lugares como Egito,
Etiópia, Síria, Armênia e outras regiões. Essa heresia é do tipo monofisista (monos,
“uma”; physis, “natureza”). Ou seja, é a heresia que diz que Jesus tem uma natureza só.
A contraposição de calcedônia era diofisista (duas naturezas).

A próxima heresia é o Ebionismo. Seu nome deriva do hebraico [‫‘( ]בְ יֹוןֶא‬ebion) que
quer dizer “pobre”, “necessitado”, “mendigo”. Eles ensinavam que Jesus era um profeta
formidável, que se indentificava com os pobres, mas não era Deus. Para eles, Jesus era
filho natural de José e Maria. Alguns teólogos liberais e teólogos da libertação parecem
sugerir essa ideia.

A visão mais comum que pessoas secularizadas ou afastadas da fé tem acerca de Jesus.

Temos também os Adocinistas, também conhecidos como modalistas. Diziam que Jesus
era um homem tão submisso ao Pai que por ele foi adotado como o seu Cristo e
salvador da humanidade, dessa forma possuindo uma posição exaltada e divina, mas
que não era sua natureza original. É como se o processo de divinização de Jesus surgisse
por meio que uma adoção por conta de sua vida extremamente elevada.

Talvez a heresia mais famosa acerca de Jesus é o arianismo. Ário era diácono em
Alexandria e ensinava que Cristo fora criado por Deus, mas não era o Deus eterno.
Houve um período que o Pai não era Pai, porque o Filho não era Filho. O arianismo foi
condenado como heresia pelo Concílio de Niceia em 325, mas permanece como
doutrina dos Husselitas, ou Testemunhos de Jeová. Atanásio é um nome muito
conhecido pela sua ferrenha oposição à doutrina dos arianos.

O Nestorianismo também é uma doutrina muito conhecida. Nestório era bispo em


Constantinopla e ensinou que Maria não deu luz ao verdadeiro Deus, mas ao Jesus
humano que serviu como uma espécie de veículo de Deus. Ele se opôs ao
termo Theotókos (geradora de Deus), isto é, Maria, sendo humana, não poderia ter
portado Deus. Nestório cria que o homem Jesus se tornou divino em algum momento da
sua vida. O nestorianismo como é entendido adveio das declarações dos críticos de
Nestório. Então, só conhecer uma ideia a partir de quem a critica não é uma boa coisa,
mas remontar históricamente o nestorianismo acaba sendo dificultoso porque não temos
tudo o que Nestório escreveu. Essa heresia foi condenada em 431 no Concílio de Éfeso.
Porém, não sabemos muito bem se isso foi feito com justiça porque os escritos de
Nestório são um tanto confusos e difíceis. Por mais que pareça implicar realmente que
havia uma divisão entre a natureza humana e divina de Jesus, ele nunca diz isso com
total clareza. São seus críticos que dizem isso. Então, entendemos o nestorianismo, mas
devemos ter um pouco de cetiscismo sobre a figura do próprio Nestório, se ele
realmente acreditava nisso.

O Quenoticismoé uma heresia um pouco mais atual acerca da pessoa de Jesus. Surgido
no século 19, esse pensamento se baseou em Fp 2.7 para dizer que “Jesus esvaziou-se
(κενόω – esvaziar) de si mesmo”, querendo dizer que Jesus abandonou seus atributos
divinos infinitos, além de abrir mão de sua autoconsciência e natureza divinas.
A última heresia é o Modalismo, também conhecido como Sabelianismo. Sabélio era
presbítero de Ptolemaida e cria que só existe uma pessoa divina, o Deus Pai, que se
manifesta nas três formas, Pai, Filho e Espírito Santo em períodos distintos ao longo da
história. No AT, ele aparecia como Pai, no NT como Filho e agora no período da Igreja
como o Espírito. De forma que quando ele se manifesta está simplesmente mudando a
sua forma de se apresentar ao mundo. Não são três pessoas distintas simultâneamente –
três autoconsciências simultâneas – mas simplesmente uma única autoconsciência se
manifestando de formas distintas ao longo da história. Tertuliano e Epifânio se
opuseram e refutaram essa posição no entre o fim do século III e começo do IV. O
Modalismo teve inicio com Paulo de Samosata, bispo de Antioquia, que entendia que
Deus se apresentou em três modos, mas não existe eternamente como três pessoas. O
Sabelianismo é um tipo de Modalismo e vice-versa.

Aula 2 – A divindade de Jesus

A divindade de Jesus certamente é um dos temas mais claros no NT. Poucos assuntos
são tão óbvios, chamam tanta atenção e saltam tão claramente das páginas do NT do que
o fato que Jesus é Deus. Se você ler todo o NT, verá a divindade de Jesus sendo
apresentada várias vezes. Nessa aula, faremos um pequeno panorama de toda a questão
da divindade do Cristo. Claro que esse é um assunto muito amplo e dá para passar
várias horas, escrever livros inteiros sobre isso. A ideia é introduzí-lo à questão de como
a Escritura apresenta Cristo como Deus.

Primeiramente, Jesus é apresentado como alguém que tinha autoconsciência da sua


divindade. Ele sabia que era o Filho de Deus (Mt 11.27; 21.37, 38; 22.41-46; 24.36;;
28.19;Mc 12.6; 13.35-37; Lc 10.22; 20.13, 41-44). Constantemente ele se apresentou
dessa forma no NT. O termo “Filho” fala de alguém que é igual, semelhante, à outra
pessoa. Por exemplo, quando Jesus se apresenta como filho de Abraão, os judeus
interpretam, principalmente os fariseus, que ele estava se apresentando como alguém
igual a Abraão. Quando ele se apresenta como Filho de Deus, ele está se apresentando
como alguém que é igual a Deus. E quando usa esse título cristológico está justamente
apresentando a sua divindade. Não apenas assim, mas ele também agiu de uma forma
que só era coerente a alguém que era divino. Por exemplo, Jesus perdoa pecados (Mc
2.5,7) mesmo sabendo que essa era uma prerrogativa apenas do Deus vivo. Ele se
coloca como alguém que se assentará ao lado do Pai cumprindo a profecia do Salmo
110 (Mt 25.31-36). Estar ao lado do Pai não é simplesmente a descrição de um local
físico, mas fala de uma posição de autoridade ao lado do Deus-Pai. Ele se coloca como
alguém que é superior ao Sábado (Mc 2.27,28) que foi uma criação de Deus para o
homem. O sábado era o centro da aliança mosaica, e Jesus se coloca superior a isso
tomando a prerrogativa de redefinir o seu significado. Isso era uma coisa que apenas o
legislador poderia fazer, o próprio Deus.Ele chega a dizer que era um com o Pai (Jo
10.30) e que ele está no Pai e o Pai nele em um relacionamento de interpenetração em
que ele está dentro do Deus-Pai e o Deus-Pai dentro dele. Eles vivem uma unidade
plena e profunda. É por isso que em outro lugar ele diz que conhecê-lo é conhecer o Pai
(Jo 14.7-9).Olhar para ele é olhar para o Pai. Ir a ele é ir ao Pai. Jesus comparava suas
palavras com a mesma autoridade daquilo que Deus falava por meio de Moisés (Mt
5.21, 22, 27, 28). Ele reivindica poder sobre a vida e a morte (Jo 5.21; 11.25). Jesus
sabia que era Deus. A divindade de Jesus não era algo oculto à sua mente. Ele tinha
plena convicção de sua divindade.
Quando lemos os relatos de Lucas, tudo indica que Jesus sabia disso desde a sua
infância. Quando vai ao templo e discute com os sacerdotes, ele diz que convém que
estivesse na casa de seu Pai (Lc 2.49). A impressão que dá é que Jesus já se entendia
como o Filho do Deus vivo desde a sua tenra idade.

O evangelho de João certamente é aquele que é mais cristológico. Ele apresenta Jesus
como um ser divino mais claramente. Esse evangelho começa assim. João 1.1 é um dos
famosos textos do NT. En arche en ho lógos, no princípio era a Palavra. O Lógos estava
com Deus e o Lógos era Deus. João 1.1 já apresenta a divindade de Jesus em sua
unidade com Deus e em suas divisões de pessoas de forma clara, o Lógos estava com
Deus. Assim, o Lógos e Deus são duas pessoas distintas, duas autoconsciências
distintas. Ali, Deus se refere ao Deus-Pai do AT. Porém, o Lógos era Deus. Ou seja, ao
mesmo tempo em que o Lógos estava com Deus – sendo uma pessoa distinta – ele era o
mesmo Deus, mostrando esse grande mistério da Trindade. A divindade do Espírito não
é trazida em pauta aqui ainda, mas temos o Filho que é plenamente Deus, mas que
também era uma autoconsciência distinta da consciência do Deus-Pai. (Jo 1.1-3, 14, 18;
2.24, 25; 3.16-18, 35, 36; 4.14, 15; 5.18, 20-22, 25-27; 11.41-44; 20.28; 1 Jo 1.3; 2.23;
4.14, 15; 5.5, 10, 13-20)

Um dos pontos mais interessantes do evangelho de João é quando ele interpreta Isaias 6,
onde o Deus-Pai é revelado e Isaías o vê em sua glória. Em João 12.37, no entanto, nos
é apresentado que o Deus-Filho é que foi visto por Isaías mostrando que, para João,
Jesus era tão Deus quanto YHWH no AT. Em Atos 28.25, é maravilhoso porque
apresenta o Espírito Santo como aquele que foi visto por Isaías. Temos, então, o NT
claramente interpretando Isaías 6 de forma trinitariana. Isaias 6 fala do Deus-Pai, mas
João 12 fala que era o Deus Filho e em Atos 28 que era o Deus-Espírito Santo sendo
visto ali. Uma clara manifestação que para os autores do NT Jesus e o Espírito Santo
também eram tão Deus quanto YHWH.

Nos ensinos de Paulo, encontramos a mesma coisa. Ele reforça constantemente que
Jesus é Deus (1 Co 1.1-3; 2.8; 2 Co 5.10; Cl 1.15-20; Fp 2.5-11; 1 Tm 3.16; Rm 1.7;
9.5; Gl 2.20). Jesus é o próprio Senhor dos céus e da terra.

O livro de Hebreus é um dos mais divinizadores da pessoa de Jesus. Hebreus é


maravilhoso e apresenta uma alta cristologia profundamente divina. Em Hebreus, Jesus
é visto como o máximo da revelação, sua imagem perfeita e aquilo de mais alto que
Deus tem a mostrar para o mundo. Ele é o resplendor exato da glória de Deus, a
representação exata da sua natureza. Ele é maior que anjos (1.4-2.9), maior que Moisés
(3.1-6), maior que Abraão, maior de Arão, maior de Josué (4.8), maior que o sacerdote
(4.14-5-10), maior que Lei (Hb 7.18), maior que os rituais (Hb 9.11-12, 23-28), maior
que o sábado. Jesus é maior do que tudo e é apresentado como Deus a cada um de nós.

Um termo bíblico que é usado para falar de Jesus que é profundamente forte é o termo
“Senhor” (Kyrios). Várias vezes os autores bíblicos usam o termo Senhor (κυριος) para
se referir à divindade de Jesus, em particular em seu estado ressurreto e exaltado. A
Septuaginta (LXX) – a tradução do VT para o grego – traduz o termo (‫)ח ָוהְי‬, que é
Yahweh, e o termo (‫)דֹ נָיְא‬, que é Adonai, como (κυριος). Ambos os termos hebraicos se
referem a Deus como Senhor, a mesma palavra atribuída a Jesus como Senhor.O NT
não tem vergonha de usar essa terminologia que era própria de YHWH à pessoa de
Jesus. (At 20.21 e Rm 10.13 [cf. Jl 2.23]; 1 Pe 3.15 [cf. Is 8.13]). O termo também se
refere ao Deus Pai (Mt 1.20; 9.38; 11.25; At 17.24; Ap 4.11) e a Jesus (Lc 2.11; Jo
20.28; At 10.36; 1 Co 2.8; Fo 2.11; Tg 2.1; Ap 19.16).

Os teólogos geralmente mostram cinco pontos que mostram como o NT apresenta Jesus
como Senhor. Não porque só temos cinco evidências, mas porque temos 5 tipos de
evidências que mais se repetem.

• As obras da criação são atribuídas a Cristo. Ele é criador como Deus é criador (Hb
1.10; Cl 1.16; Jo 1.3)
• O anjo do Senhor era Jesus pré-encarnado ( Gn 16.7; 18.1; 22.11-12 cf Jo 8 58)
• Os títulos de Jesus apontam para sua divindade: “Alfa e Ômega”, “Deus conosco”,
“Senhor da Glória”. Essas são terminologias próprias da pessoa de Deus. O próprio
AT dizia que Jesus seria Deus-Forte (Is 9.6)
• A pré-existência e eternidade do Filho são implicadas no fato que ele tem atributos
divinos: Vida (Jo 1.4); autoexistência (Jo 5.26); imutabilidade (Hb 13.8), verdade
(Jo 14.6), amor (1 Jo 3.16); onipresença (Mt 28.20); onisciência (1 Cor 4.5; Cl 2.3)
e onipotência (Mt 28.18. Ap 1.8).
• Ele é adorado como Deus (Jo 20.28; At 7.59-60; Hb 1.6) e Jesus não os repreende
por isso. Quando tentam adorar apóstolos, eles repreendem isso (At 14.15)

Aula 3 – Por que Deus homem? A humanidade de Jesus

Jesus foi plenamente homem e essa é uma das grandes maravilhas do ministério da
encarnação. Falar que Deus virou homem é quase uma heresia, uma coisa muito
absurda. Se isso não fosse pregado claramente pelo NT, seria uma coisa chocante para
nossos corações. Como é que o Deus eterno se torna gente? Como o autor da vida nasce
e morre? Como o eterno passa a ter um início? Como aquele que é o verbo eterno
aprende a falar? Como o onipotente e onisciente é contido no espaço em fraqueza?

Muita gente já no período primitivo ficava com a ideia de um Deus que se faz carne. Há
os gnósticos como uma heresia muito famosa no século II que argumentava que a
matéria era má. Se a matéria era má, se a carne era sempre pecaminosa, Deus não
poderia virar carne. No século I, temos um movimento conhecido como
protognosticismo. Eram pessoas ligadas a certas escolas de filosofia que já adiantavam
algo do gnosticismo que seria um pouco mais posterior. Eles diziam que Jesus não era
humano de verdade. Ele poderia parecer humano, mas não tinha forma física como nós
temos. É por isso que João fala daquilo que “vimos, ouvimos e tocamos” (1 Jo 1.1). Por
isso que João fala que recostou a cabeça no peito de Jesus. Ele não queria dizer que
tinha mais intimidade com Jesus, mas que tocou nele. Eles estavam lá e confirmamos
que ele era Deus encarnado.

Jesus tinha limitações humanas. Jesus tinha Fome (Mt 4.2); sede (Jo 19.28); fadiga (Jo
4.6), morte (19.34), corpo físico (Lc 24.39; Gl 4.4; 1 Jo 1.1; 4.2-3; 1 Tim 3.16),
ignorância em aguns aspectos (Mc 13.32). Ele se deixou limitar em um não-exercício de
seus atributos divinos. É por isso que ele referiu a si mesmo como homem (Jo 8.44; At
2.22; Rm 5.15; 1 Co 15.21) e como filho do homem, que é também um título
cristológico da divindade de Jesus que remonta a Daniel, porque ele viu que o Messias
era alguém semelhante a um homem. Então, Jesus se coloca como filho do homem,
como o Messias prometido, mas alguém à semelhança da humanidade. Ele foi
reconhecido como homem por outras pessoas.
Chafer, o famoso teólogo sistemático, propões 7 motivos para cremos piamente na
humanidade de Cristo:

• Sua humanidade era proposta desde antes a fundação do mundo (Ef 1.4-7; 3.11;
Ap 13.8) – seu sacrifício requer um corpo.
• Todo tipo e profecia do AT acerca de Cristo era uma antecipação de sua
encarnação (Is 53)
• Seu nascimento (Lc 1.31-35)
• Sua vida na terra
• Ele morreu, sofrendo na cruz, e ressuscitou em corpo (Mt 27.45-28.20; Mc
15.33-16.8; Lc 23. 44-24.12; Jo 19.28-30; 38-42; 20.1-9)
• Ele ascendeu em corpo glorificado (At 1.9-11)
• Ele retornará com o mesmo corpo glorificado (At 1.9-11).

Mas quais são as razões da encarnação? Essa é uma pergunta muito antiga. Anselmo da
Cantuária escreveu um livro chamado “Cur Deo Homo” – Por que Deus Homem? –
onde ele tenta dar respostas para ideia de porque Deus teve que virar gente. A Escritura
nos apresenta um dos motivos para isso.

• A encarnação de Jesus era uma revelação de Deus para os Homens (Mt 11.27; Jo
1.18; 14.9; Rom 5.8; 1 Jo 3.16; Hb 1.1-3). Ele agora se torna a imagem do Deus
invisível. Agora nós podemos ter uma figura que representa visivelmente quem
Deus é.Através de Jesus, Deus se revela à humanidade em figura e forma
humana
• Ele é o homem ideal (1 Pe 2.21). Um modelo de homem que possamos olhar e
ter como padrão a seguir para nossas próprias vidas. Nós podemos tentar imitar
o próprio Deus através desse processo de ter um Deus que encarnou e viveu a
mesma vida a nós. Ele enfrentou a mesma luta contra o pecado e então
permaneceu fiel.
• Ele é o sacrifício pelo pecado (Hb 10.1-10). Ele não poderia morrer como Deus
não encarnado. Ele não poderia deixar de existir, mas como Deus encarnado, ele
morre, sofre, como homem e então pode ser um sacrifício em nosso lugar.
• A destruição das obras do mal (Jo 12.31; 16.11; Cl 2.13-15; Hb 2.14) procedem
e que afetam a humanidade. Ele participa conosco da vida humana. Nisso ele
pode ser uma união entre homem e Deus. Uma vez que no seu próprio corpo, ele
une a divindade e a humanidade, ele pode representar essa ponte de contato entre
quem Deus é e quem somos, unindo divindade e humanidade no seu próprio
corpo.
• Ele é um sumo-sacerdote fiel plenamente a Deus (Hb 2.16-17; 4.15-16; 8.1;
9.11-12, 24) em nosso favor sendo alguém que vai diante de Deus representando
a humanidade ao Senhor. Ao ser parte de nós, ele pode interceder por nós e ele
pode ser o primeiro da nossa comunidade a estar junto de Deus e ser recebido
por ele através dos méritos de Jesus, passando esses méritos a cada um de nós
pela fé. Assim ele cumpre a aliança davídica. Uma vez que foi prometido que
viria da família de Davi aquele que cumpriria as promessas de Deus, por Jesus
ser homem da descendência de Davi faz com que ele seja o cumpridor perfeito
das alianças. Cumpre também a promessa de Gênesis 3.15 que diz que sairia do
ventre da mulher aquele que pisaria na cabeça da serpente. A humanidade cai em
Adão, que era nosso representante federal, e é redimida em Cristo quando pela
fé cremos no seu sacrifício. Adão pecou como homem e do ventre de Eva veio
aquele homem que também nos reconcilia com Deus. Por causa disso, ele pode
ser o cabeça da igreja. Ele pode ser dentre todos os homens, aquele que é
perfeito. O líder sobre todos nós como povo de Deus.

É por isso que Jesus tinha que ser homem e Deus.

• O Pecado entrou por meio de um Homem e deve ser punido e sair por meio de
um Homem (Jo 12.27; At 3.18; Hb 2.14; 9.22).
• Era preciso que Jesus assumisse a natureza humana para poder representar a
humanidade, porém sem pecar (Hb 2.17,18; 7.26)
• Identificação com o ser humano (Hb 4.15-5.2) para que pudesse interceder no
nosso lugar.
• Exemplo perfeito para o ser humano (Mt 11.29; Mc 10.39; Jo 13.13-15; Fp 2.5-
8; 1 Pe 2.21)
• Precisava ser Deus para poder expiar o pecado de valor infinito contra o Pai
• Poder resistir à ira de Deus redentivamente
• Ser perfeitamente obediente a Deus

As duas naturezas, human e divina, juntas é o que faz com que o sacrifício de Jesus
represente tanto para nossa salvação.

Aula 4 – Filipenses 2 e Kenosis de Jesus

Filipenses 2 é um texto muito problemático. As pessoas lêem e ficam confusas. Elas se


perguntam o que significa “forma de Deus”, que “Cristo se esvaziou”. Jesus deixou de
ser Deus? Ele abandonou sua divindade ao encarnar? Realmente, Filipenses 2.6-10 é um
daqueles textos marcantes de Paulo. É um escrito carregado de teologia e emoção,
principalmente porque quem está sendo exaltado nessa passagem é o próprio Cristo.

Paulo descreve o movimento do que aconteceu com Cristo como uma parábola com
concavidade para baixo, onde o ponto mais baixo é a cruz. Ele estava numa situação de
exaltação, então ele se humilha, ao descer para um estado de morte de cruz, então volta
ao estado de exaltação. O ponto baixo da humilhação de Jesus, a cruz, não é o fim da
história, pois sabemos que existe uma exultação depois da morte dele. Nós somos
levados juntos com Cristo levados à altura com essa afirmação da ressurreição de Jesus.

Apesar de sua imensa beleza, essa passagem possui alguns pontos muito sérios de
dificuldade que têm levado pessoas às mais variadas interpretações. As duas principais,
as quais trataremos nessa aula, são “o que significa que Cristo estava na forma de Deus”
e o que Paulo quer dizer quando afirmar que Cristo se esvaziou. Isso significa que Jesus
deixou de ser Deus para ser homem? Significa que ele perdeu seus poderes divinos?

A passagem inicia afirmando que Jesus estava “na forma de Deus” no grego é ἐν μορφῇ
θεοῦ ὑπάρχων [en morphê Theou hyparchon]. Essa afirmação marca a primeira de
várias declarações acerca sobre o status de Jesus. Entender isso nos leva a várias
questões. Qual é o significado da preposição ἐν nessa frase – em forma de Deus? O que
a palavra morphê significa – a palavra forma? Como a expressão “forma de Deus” deve
ser interpretada em contraste com seu paralelo “forma de servo” em Filipenses 2.7?
Como a frase “em forma de Deus” se relaciona com a frase “igual a Deus” do último
verso? Não precisamos responder cada uma dessas questões individualmente.Basta
explicar o que “forma de Deus” significa que isso vai deixar de estar nublado na nossa
cabeça.

Acerca disso, duas grandes posições surgem. Posições que enfatizam questões externas
e posições que enfatizam questões internas. Os que enfatizam o ponto de vista interno,
como Barton, afirmam que morphê se refere a mais do que a aparência de um objeto
para os sentidos humanos. Ou seja, a frase “forma de Deus” significa que Cristo
expressa a própria natureza e caráter de Deus (Philippians 2:6” Life Application Bible
Commentary, Philippians, Colossians & Philemon). Da mesma forma, Garland enfatiza
a importância de interpretar a “forma de Deus” em relação à idéia de que Cristo não
considerava a igualdade com Deus algo a se “apegar”, relacionando “igualdade com
Deus” com “forma de Deus”, onde ambos se referem ao status divino e preexistente
Cristo possuía, mas se recusou a agarra para benefício próprio (“Philippians 2:6” The
Expositor’s Bible Commentary, Volume 12: Ephesians— Philemon (Revised Edition).

Poderíamos listar muitos outros que enfatizam o fator interno da expressão “forma de
Deus”, como Gordon Fee que sustenta que a expressão significa o estado pré-existente
de Cristo; Hansen que enfatiza a preposição “em” para falar que o termo significa esse
estado de pré-existência; Hellerman que relaciona o termo a realidade ontológica de
Cristo; Horne que relaciona morphē a absoluta deidade de Cristo, da mesma forma
Macleod e outros.

A outra posição, os que enfatizam o externo, afirma que forma de Deus está relacionado
não tanto com a natureza, mas com a expressão dessa natureza, como O’Brien que
conclui que "forma de Deus" refere-se à forma que Cristo estava "que expressa
verdadeiramente e totalmente o ser que lhe é intrínseco". Ele interpreta a frase à luz da
noção judaica do AT e do Segundo Templo da glória de Deus – o período de Zorobabel,
contemporâneo a Esdras e Neemias, até 70 d.C, quando o templo foi destruído. Como
João 17: 5 e Hb 1: 3, ele sugere que “forma de Deus” descreve o Cristo preexistente
vestido com “as vestes da divina majestade e esplendor. A evidência para essa posição
está em relacionar “forma de Deus” a noção de “igualdade com Deus”, ele é igual a
Deus e possui as mesmas características visuais de Deus. Assim, a forma de Deus
estaria assosciado a seu comportamento externo, ou seja, a visão que as pessoas terão
dele como Deus. Ele não se apegou a essa forma para se manifestar em imagem
humana.

Essas duas posições não estão em oposição, podemos com Moises Silva afirmar que
forma de Deus significa aquilo que é distintivo da divindade, mas a ênfase não é tanto a
sua essência divina, mas toda a sua expressão visível gloriosa.

Se no início da passagem declara que Cristo compartilhava de toda a expressão de glória


da natureza ou essência Divina, porque ele é Deus, Filipenses 2:7 descreve o próximo
estágio na narrativa: “Mas [Ele] esvaziou-se tomando a forma (morphē) de um escravo,
tornando-se à semelhança dos homens.”O contraste entre esses dois versos é aumentado
pela conjunção alla —Cristo estava na forma de Deus, “mas” Ele “esvaziou-se” (kenoō)
e tomou a forma de um escravo.

A questão principal que os estudiosos abordam é do que exatamente Cristo se esvaziou.


Hansen (2009, 146) observa três possíveis interpretações do que significou para Cristo
“esvaziar-se”. Primeiro, há a “teoria kenótica” (tirando seu nome do verbo em Phil 2: 7,
kenoō), que sustenta que Cristo esvaziou-se entregando Seus atributos e poderes
divinos, como Anders, ele defende que Cristo não deixou de lado sua "divindade" ao se
tornar um humano. Em vez disso, ele sugere que o ato de Cristo de "esvaziar-se" se
refere à sua escolha de não usar alguns de seus atributos divinos.

Segundo, outros interpretam Fl 2:7 como uma referência a noção de encarnação; Cristo
esvaziou-se tornando-se para se tornar humano. Como na visão de Thielman, Ele
argumenta que as duas construções participiais no resto do versículo explicam o
significado real de Cristo estar se esvaziando. Em outras palavras, Cristo “esvaziou-se”
ao “tomar a própria natureza de um servo” e “ser feito à semelhança humana. Ou seja,
não por se desfazer, mas por assumir.

Terceiro, alguns estudiosos sugerem que o hino está pegando a linguagem das
passagens do servo sofredor de de Isaías que falam do servo do Senhor que “derramou”
(paradidōmi) sua vida até a morte (Is 53:12). Hansen defende essa posição, mas, afirma
que a frase contém elementos de cada uma das outras interpretações - Cristo entregou
Seus direitos divinos e “encobriu” Sua glória assumindo a forma de um escravo; este
ato de "auto-esvaziamento" deve ser tomado como uma descrição da encarnação; e Fl 2:
6 - 7 descreve o próprio Cristo esvaziando-se, baseando-se na Canção do servo sofredor
de Isaías 53.

Do ponto de vista textual, Thielman está correto. A construção grega indica que Cristo
se “esvaziou por assumir”, não se esvaziou e assumiu. O grande problema é que ao
lermos a tradução “esvaziar”, que é palavra grega para kenosis, acharmos que ela indica
realmente o conceito contextual e teológico da passagem. A melhor forma de evitar esse
erro é observa bem a construção no texto grego e analisar a palavra que está ligada a
essa construção. Logo, o esvaziamento tem como foco o assumir sem se desfazer de
alguma coisa ou de tudo, no caso, assumir a forma de servo.

É claro, que assumir a forma de servo teve implicações profundas em como sua forma
de Deus em todo o seu esplendor iria aparecer. Por isso, o conceito de nulificação
ou kenodoxia de Gordon Fee cabe bem nesse ponto.Cristo não se esvaziou de alguma
coisa, mas em si mesmo, a nulificação de si. O que Paulo deseja dos Filipenses é a
mesma nulificação de si, por servir aos outros, ou como falou alguém, Paulo deseja que
eles experimentem a benção do auto-esquecimento.

Ou seja, Filipenses 2 não está falando que Jesus deixou de ser Deus, ou abandonou a
sua divindade, mas está falando desse ato de humildade de assumir atributos
características e forma visual humana através desse processo de humilhação na
encarnação e na sua morte de cruz.

Aula 5 – Nascimento virginal

A teologia cristã tem ensinado tradicionalmente que Jesus teve um nascimento virginal,
ele nasceu de uma virgem. Isso é claramente expresso, tanto no AT, na profecia de
Isaias de que a virgem conceberia (Is 7.14), quanto no livro de Mateus que fala
claramente acerca de Maria (Mt 1.23) sendo virgem concebendo a pessoa de Jesus.
Maria concebeu Jesus sendo virgem e sua gravidez veio por meio da atuação
sobrenatural do Espírito Santo. Segundo o evangelho de Mateus, ela só veio a ter
relações sexuais com José após o nascimento do seu filho, Jesus nasceu de uma mulher
que era virgem.

Esse apecto é disputado dentro da teologia católica, que diz que Maria é eternamente
virgem, mas essa não é a leitura que temos feito do NT e não parece ser a mais coerente
com os textos bíblicos. James Orr[1] afirma que o nascimento virginal é indispensável
para a impecabilidade, no sentido que Jesus nunca pecou porque nasceu de uma virgem,
mas nem todo teólogo sistemático concorda com isso. Franklin Ferreira e Alan Myatt,
por exemplo, argumentam que a impecabilidade de Jesus não depende da virginidade de
Maria. Eles elencam a pergunta que é tão importante: Se toda humanidade está
manchada pelo pecado, como Jesus não nasceu com o pecado de Maria? Foi por causa
da sua virgindade? Foi porque ela era impecável? Eles vão dizer que não citando Lucas
1.35 para nos lembrar que o Espírito Santo veio sobre Maria. E a criança veio através de
uma atuação sobrenatural dele. Jesus não recebeu o pecado de Maria, porque o Espírito
estava lá protegendo Jesus em todo esse processo. O mérito não é da figura de Maria,
mas da atuação do Espírito Santo que protegeu o Cristo de qualquer pecado ou falha que
houvesse em Maria. Assim como o primeiro Adão teria sido criado sem pecado, Cristo,
que é o segundo Adão, também foi concebido sem nenhum pecado. Esse nascimento
virginal é a prova que Jesus é uma figura singular, única, sem igual ao longo da história
do mundo. Ele evidencia seu poder como Deus, como Senhor, como homem superior a
qualquer homem que já existiu.

De fato, Jesus poderia ter encarnado a partir do nada. Assim como Adão foi criado a
partir do nada. Porém, ele foi gerado de uma mulher justamente para mostrar o poder
sobrenatural de Deus nesse estabelecimento de uma nova criação e de vir ao mundo
através do ventre de uma mulher. Esse nascimento virginal também representa uma
afirmação da natureza sobrenatural da nossa salvação que ocorre sem qualquer
intervenção humana, assim como a própria gavidez de Maria do Cristo. A salvação não
depende do esforço humano nem de qualidades humanas uma vez que o próprio Deus
escolheu vir de uma família de origem humilde. Do começo ao fim, da encarnação à
morte, a salvação vem como um ato de origem divina e é sustentado pelo próprio Deus.
É um ato inteiro recheado de graça.

Isaías 7.14 diz que essa virgem conceberia e já era uma profecia acerca do que viria na
pessoa de Jesus. Mateus 1.18-25 e Lucas 1.26-38 atestam acerca dessa virgindade da
pessoa de Maria. É em Mateus 1.23 que Isaías é citado como o cumprimentodaquilo que
foi profetizado acerca da pessoa do Messias. O cristianismo fala desse nascimento
virginal e se apega a isso como uma doutrina muito importante para mostrar a grandeza
de quem Jesus é.

Infelizmente, muitos inimigos sejam pessoas pretensamente de dentro da fé, sejam


pessoas de fora da fé, possuem respostas diferentes acerca do nascimento virginal.
Desde zombarias bobas dizendo que José foi traído por Maria e coisas desse tipo, que
não possuem nenhuma base histórica ou textual, a pessoas que dizem que essa
linguagem “nascimento de uma virgem” não condiz de fato com o nascimento literal de
uma mulher que nunca teve relações sexuais. Mas que é uma linguagem metafórica para
falar do poder e da grandeza da pessoa de Jesus. Porém, isso também não condiz com a
leitura correta do grego do NT, não existe nenhuma base para issona literatura à nossa
volta. Há muitos mitos acerca de outras religiões que são espalhadas por documentários
falsos, livros que transmitem inverdades históricas acerca de outras religiões, que dizem
que várias divindades de outras religiões também nasceram de virgens e isso não é
verdade. Jesus foi aquele que nasceu de uma virgem e não existem paralelos a issoem
outras religiões ou na linguagem comum do grego não bíblico para falar de guerreiros
ou herois. Jesus nasceu de uma virgem atestando a grandeza da obra de Deus em
encarnar sem a participação do esforço do ser humano. Isso mostra a grandeza e a
beleza daquilo que Deus faz em nosso lugar.

Referências:

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

[1] The virgin birth of Christ, 190-201.

Aula 6 – A pessoa e as naturezas de Jesus

Precisamos falar agora da pessoa e da natureza de Jesus. Ele era uma pessoa com duas
naturezas: uma humana e uma divina. A Bíblia não fala de uma personalidade dupla.
Isto significa dizer que Jesus não era uma pessoa humana e uma pessoa divina, mas uma
pessoa humano-divina, ou teantrópica. As Escrituras fazem referência a uma pessoa
com suas naturezas (Jo 1.1-18; Rom 1.3-4; Gl 4.4-5). Significa que ele não tinha
problemas de multiplas personalidades, ou que tinha conflitos internos entre suas
naturezas divino e humana, mas que havia uma unidade indissociável entre aquilo que
era humanidade de Jesus e o que era divino de Jesus. Ou seja, Jesus era uma pessoa com
duas hipostasis. Esse termo grego significa literalmente substância, ou natureza. Ele era
muito usado a respeito das controvérsias cristológicas e trinitarianas nos séculos III e
IV. O Credo de Caldecedônia, por exemplo, de 451 d.C afirma que Deus possuia uma
única pessoa, mas duas naturezas[1].

Em várias passagens na Escritura encontramos justamente isso. Louis Berkhof chama


atenção para o fato que

Em parte nenhuma a Bíblia ensina que a divindade, no abstrato, ou algum poder divino
estava unido a uma natureza humana ou nesta manifestado, mas sempre ensina que a
natureza divina no concreto, isto é, a pessoa divina do Filho de Deus, estava unida a
uma natureza humana (Jo 1.14; Rom 8.3; Gl 4.4; 9.5; 1 Tm 3.16; Hb 2.11-14; 1 Jo 4.2-
3).

Repetidamente os atributos de uma natureza são mencionados com relação à pessoa, ao


passo que a pessoa é tratada com um título derivado de outra natureza. De um lado,
atributos e ações humanas são proferidos como pertecentes à pessoa, enquanto ele é
tratado com um título divino, At 20.28; 1 Co 2.8; Cl 1.13-14. E doutro lado, atributos e
ações divinos são proferidos como pertencentes à pessoa, enquanto ele é tratado com
um título humano (Jo 3.13; 6.62; Rom 9.5) (Berkhof, 296-297).

O que mostra que não tem como separarmosa natureza humana e divina de Cristo
quando ele vive aqui humanamente. Berkhof também nos chama atenção para o fato que
que a natureza divina não sofreu nenhuma mudança essencial na encarnação. Significa
também que ela permaneceu impassível, isto é, sem possibilidade de sofrer e morrer,
livre de ignorância e não suscetível de fraqueza e queda na tentação [...] É melhor dizer
que a pessoa do Filho de Deus encarnou-se do que dizer a natureza divina assumiu
carne humana.

Bruce Ware diz:

O Filho eterno do Pai, a segunda pessoa da Trindade, não teve começo e não terá fim,
mas o Filho encarnado — o filho de Davi, o filho de Maria, o Messias — teve um
começo no tempo e no espaço. Este Filho, Jesus Cristo, foi trazido à existência por meio
do poder do Espírito Santo, quando a natureza divina do Filho eterno foi unida
miraculosamente com a natureza humana criada, no ventre de Maria.[2]

Essa referência que a Escritura faz de uma pessoa com duas naturezas não apresenta
uma personalidade dividida, mas unida de uma forma só. Franklin Ferreira e Alan Myatt
lembram que o uso da palavra “forma”, em Filipenses 2, indica que a única pessoa de
Jesus possuia essas duas naturezas. É daí que vem o termo união hipostática. Essa união
de duas naturezas em uma única pessoa significa, segundo Franklin Ferreira e Alan
Myatt dizem que

Em primeiro lugar, que o Filho de Deus é uma pessoa. Em segundo lugar, que essa
pessoa é preexistente na pessoa eterna do Filho. Em terceiro, que a união de suas duas
naturezas; a divina e a humana, “surge do fato que elas pertencem a uma e a mesma
pessoa, o Filho encarnado”. Em quarto lugar, que essa uma e mesma pessoa, o Filho de
Deus, “é o Agente por detrás de todas as ações do Senhor, o Porta-voz de todas as suas
elocuções e o sujeito de todas as suas experiências”. Por causa da união hipostática, à
pessoa única de Jesus Cristo deve ser atribuída toda a sua obra, não se atribuindo nada
exclusivamente a uma das suas naturezas. “A Pessoa é o agente, e a natureza é o órgão
ou o meio através do qual a Pessoa age. Por isso é dito que os milagres são operados por
Jesus Cristo e os sofrimentos são suportados por Jesus Cristo. O que é próprio de cada
natureza é atribuído à Pessoa do Redentor que é a que age”[3].

Jesus sofreu e morreu. É difícil dizer que foi apenas a natureza humana que morreu ou
que apenas a natureza divina realizou milagres. Sabemos que algo é mais próprio da
humanidade ou da divindade, mas separar essas coisas é separar o que não está dividido
em Deus. Aquilo que é próprio de cada natureza é atribuído ao redentor de forma
completa por meio do que ele age.

Referências:

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

[1] Errata: o correto é “uma única pessoa e duas naturezas”


[2] Ware, Bruce. Cristo Jesus, Homem: Reflexões teológicas sobre a humanidade de
Cristo . Editora FIEL. Kindle Edition.

[3] Heber Carlos de Campos, A união das naturezas do Redentor, p.55, 92.

Aula 7- A comunicação dos Atributos

A posição calvinista afirma que a comunicação de atributos que ocorre diz respeito ao
que as naturezas comunicam à pessoa, mas nunca das naturezas entre si. Portanto, “a
pessoa de Jesus Cristo possuía todos os atributos da divindade, assim como todos os
atributos da humanidade, mas cada uma das naturezas permanece distinta” (CAMPOS,
2004, p 322-323). De forma que a natureza divina não possui atributos da humanidade e
a natureza humana não possui atributos da divina. Do contrário, o ser divino receberia
algo da humanidade de alguma forma e Deus teria uma adição a si. Desta forma
podemos dizer que “a pessoa é toda-poderosa, onisciente, onipresente, e assim por
diante, mas também se pode dizer que é um varão de dores, de conhecimento e poder
limitados, e sujeito às necessidades e misérias humanas” (BERKHOF, 2007, p 297).
Essa é a distinção que fundamentalmente difere a posição calvinista da luterana é que “a
natureza humana não participa da fraqueza humana, assim como a natureza humana não
compartilha das perfeições essenciais de Deus” (FERREIRA, MYATT, 2007, 519), pois
ainda que a posição luterana também defenda que as naturezas comunicam atributos à
pessoa, isso advém do entendimento de que a natureza humana pode receber atributos
da natureza divina.

As bases bíblicas que são usadas para falar a respeito desse assunto estão divididas em
pelo menos cinco grupos de passagens que é importante observarmos. O primeiro grupo
de passagens falam sobre um predicado que pertence à pessoa completa, de algo acerca
do Cristo que pertence à pessoa total. Ou seja, são passagens bíblicas que tratam Jesus
como um ser teantrópico, isto é, divino-humano, e não apenas no que diz respeito à
natureza humana ou divina de forma distinta. Nesse ponto, Hebreus 1.2-4, pode servir
de exemplo:

mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de
todas as coisas e por meio de quem fez o universo. O Filho é o resplendor da glória de
Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra
poderosa. Depois de ter realizado a purificação dos pecados, ele se assentou à direita da
Majestade nas alturas, tornando-se tão superior aos anjos quanto o nome que herdou é
superior ao deles.

Podemos notar nesse texto que o Filho é o Verbo, porém o Verbo só se deu a conhecer
na encarnação. O Filho também é o criador, porém a ação foi executada pelo Verbo que
é anterior a tudo o quanto existe. O Filho também é o resplendor da glória do Pai,
portanto é Deus e está assentado à sua direita, após a morte e ressurreição, fato que leva
em conta a natureza humana de Jesus Cristo. Portanto, concluímos que toda a pessoa
divino-humana de Cristo está envolvida sendo impossível dividir o que pertence à
natureza humana e o que pertence à divina.

O segundo critério a ser analisado é quando o predicado pertence à natureza divina,


mas a pessoa inteira é o sujeito, isto é, a qualidade da ação é própria da natureza divina,
mas a atribuição é feita à pessoa inteira. A passagem “Respondeu Jesus: "Eu lhes afirmo
que antes de Abraão nascer, Eu Sou!" (João 8:58) ilustra perfeitamente isso pois a
eternidade, atributo divino, é atribuída a pessoa como um todo.

O terceiro critério é quando o predicado pertence à natureza humana, mas a pessoa


inteira é o sujeito, isto é, a qualidade é própria da natureza humana, mas a atribuição é
feita à pessoa inteira, como quando Jesus chorou (Jo 11.35), ou quando morreu.
Obviamente chorar é algo caracteristicamente humano, assim como morrer, mas quem
chora ou morre não é a natureza humana, mas a pessoa inteira.

O quarto critério é quando as propriedades da natureza humana são atribuídas à


pessoa inteira sendo designada por um título divino, ou seja, algo que é próprio da
natureza humana é dito como tendo sido realizado pela pessoa referenciada por um
título divino. A passagem que ilustra isso é “Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem
os anjos no céu, nem o Filho, senão somente o Pai” (Mc 13:32), onde ignorância acerca
dos eventos futuros é próprio da natureza humana, mas nos é dito que é o Filho, um
título divino, que não sabe.

O quinto critério é quando as propriedades da natureza divina são atribuídas à pessoa


inteira sendo designada por um título humano, e é análogo à posição acima
mencionada. Podendo ser citada a passagem de João 6:62 quando diz que o Filho do
homem, um título humano, subiu para o lugar onde primeiro estava, isto é, junto com
Pai, descrevendo uma propriedade da natureza divina, mas deve ser notado que isso é
atribuído à pessoa como um todo.

O que aprendemos com isso é que é impossível separar as naturezas do Cristo e que por
mais que não haja comunicação entre as naturezas, a pessoa recebe a comunicação
inteira dessas naturezas e Jesus é Deus-Homem. Não há como separar para dividir onde
mora uma coisa e outra em Jesus. Isso é maravilhoso porque mostra a completude da
pessoa do Messias.

Acerca da comunicação das operações (communicatio apotelesmatum) dizemos que


termo é usado para identificar que a “obra redentora de Cristo, e particularmente o
resultado final dessa obra, o apotelesma, leva a um caráter divino-humano”(BERKHOF,
2007, 297). Ou seja, com isso queremos dizer a obra redentora de Jesus é uma
cooperação das naturezas onde cada uma contribui com sua particularidade, mas o
resultado final é sempre atribuído à pessoa de Jesus. Assim é que podemos dizer que a
pessoa divino-humana morreu e ressuscitou. É com base nessa união hipostática, nessa
comunicação de atributos e operações que podemos responder à pergunta: “quem
morreu na cruz? Jesus homem ou Jesus Deus?” E a resposta é nenhum nem outro. Essa
pergunta considera que foi apenas uma das naturezas que sofreu na cruz, mas a resposta
foi que a pessoa do Filho sofreu na cruz e assim, a resposta para isso seria “quem sofreu
na cruz foi a pessoa teantrópica de Cristo”. Jesus de forma completa sofreu na cruz.
Ainda que isso envolva uma dose de mistério, essa é a resposta correta.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007

CAMPOS, Heber Carlos de. A união das naturezas do redentor. São Paulo: Cultura
Cristã, 2005
FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,
bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

Aula 8 – Duas posições sobre subordinacionismo

A questão do subordinacionismo é uma das mais polêmicas acerca do relacionamento


do Filho com o Deus-Pai. FERREIRA & MYATT afirmam que “a Bíblia ensina que, ao
se tornar humano, o Filho assumiu uma posição de subordinação ao Pai na economia da
Trindade (Fl 2.5-8)”. Ou seja, para eles, o Filho só se tornou submisso ao Pai quando
encarnou e que na Trindade, de forma ontológica, têm exatamente a mesma função.
Ninguém está submisso a ninguém. Os três estão em harmonia, em uma dança como
diria C.S. Lewis.

Porém, existem teólogos que acreditam numa subordinação eterna do Filho ao Pai, onde
na Trindade ontológica o Filho sempre esteve sujeito ao Deus-Pai. Bruce Ware comenta
que:

O ensino que Paulo apresenta aqui está relacionado com o tipo e a extensão da
obediência que o Filho do Pai teve de prestar para cumprir sua missão. Observe que
Paulo não diz apenas que Cristo, agora em forma humana, “a si mesmo se humilhou,
tornando-se obediente” (vírgula) — como se agora, pela primeira vez, na experiência do
Filho, ele tenha demonstrado obediência ao Pai. Certamente, não é isso Paulo está
dizendo, visto que tudo que o Filho fez antes da encarnação foi uma consequência da
vontade e da obra do Pai que ele devia fazer.[1]

Quem segue essa posição além do Ware é o Wayne Grudem. Ele argumenta que

Se não há igualdade ontológica, nem todas as pessoas são plenamente Deus. Mas se não
há subordinação econômica, então não existe diferença inerente no modo como as três
pessoas se relacionam umas com as outras, e consequentemente não temos as três
pessoas distintas que existem como Pai, Filho e Espírito Santo por toda eternidade. Por
exemplo, se o Filho não está eternamente subordinado ao Pai no seu papel, então o Pai
não é eternamente “Pai”, nem o Filho eternamente Filho. Isso significaria que a
Trindade não existe desde a eternidade.

Discordando de Ware e Grudem, Franklin e Myatt, comentam que:

O problema começa quando Grudem confunde a idéia de distinção com submissão, de


modo que ele não consegue entender como uma pode existir sem a outra. Mas não há
razão lógica para levar alguém a supor que a distinção de papéis não possa existir sem
uma subordinação de uma pessoa à outra. Tais relações são comuns. A confusão de
Grudem ocorre pela aplicação errônea da analogia da família humana. Porém, mesmo
essa analogia serve para ilustrar que é perfeitamente normal existir distinção de papéis
sem subordinação. É verdade que, numa família bem ajustada, os filhos são submissos
ao pai. Numa família saudável o pai orienta e o filho obedece, enquanto ainda é criança.
Ao se tornar adulto, a natureza do relacionamento entre o pai e o filho muda de
submissão e obediência para respeito e cooperação mútua. Como criança, o filho tem a
responsabilidade de obedecer. Como adulto, essa cadeia de comando não existe mais,
embora a relação entre ambos ainda permaneça como uma relação de pai e filho. O filho
não é menos filho por ser adulto. A existência da relação paternal e filial não depende
de obediência e submissão. Portanto, a analogia mostra que é perfeitamente possível
uma relação eterna de paternidade e filiação entre Deus Pai e Deus Filho sem
subordinação etema. (FERREIRA E MYATT, 526).

Segundo eles, a relação entre Pai e Filho se daria da seguinte forma:

a criação do mundo pelo Pai, por intermédio do Filho, não exige que o Filho fosse
subordinado ao Pai, nem quando o mundo foi feito e muito menos na eternidade. Uma
interpretação melhor dos textos é que há uma cooperação mútua entre o Pai e o Filho
para cumprir um alvo comum. Mesmo que o Pai seja o iniciador da obra, isso não exige
logicamente que haja uma cadeia de comando ou hierarquia e submissão.

Uma vez que Grudem e próprio Ware chamam atenção para o fato de que mundo foi
criado pelo Pai por intermédio do Filho como um referência à submissão e autoridade.

[1] Ware, Bruce. Cristo Jesus, Homem: Reflexões teológicas sobre a humanidade de
Cristo . Editora FIEL. Kindle Edition.

Aula 9 – Homoousios ou homoiousios?

Uma discussão que aconteceu na história da Igreja foi a relação da essência de Jesus.
Ele teria a mesma essência do Pai (ομοούσιος – homoousios), ou seria só semelhante a
ele (ομοιούσιος – homoiousios) ? A disputa tem início quando Ário começou a pregar
que Cristo era uma criatura, mas não Deus como o Pai. “Para Ário, quando os cristãos
chamavam Cristo de Deus, não queriam dizer que ele era uma divindade, salvo em um
sentido aproximado, pois ele era um ser inferior, não o Criador eterno e imutável; era
um Ser criado — o primeiro e o maior Ser, mas, ainda assim, criado. Ao explicar sua
posição a Eusébio, o bispo da capital imperial de Nicomédia, Ário escreveu: ‘O Filho
tem um começo, mas […] Deus, não’”[1]. A posição ariana acabou atraindo muitos
gnósticos por causa da proximidade com seus ensinos. Como os gnósticos creem que o
mundo foi criado por um único ser divino e abaixo dele há vários seres inferiores, eles
achavam dificil entender como Jesus poderia ser igualmente Deus. Assim, o arianismo
foi atraente para eles. Uma das formas que Ário achou para propagar suas ideias foi
através de canções. Através delas, várias pessoas eram ensinadas sobre sua heresia.

Por volta de 320, Ário foi excomungado através de um sínodo em Alexandria. Porém,
Ário recorreu ao bispo Eusébio de Nicomédia – não confudir com o de Cesaréia – o
qual reavivou e deu força à disputa.Devido a isso, em 325, Constantino conclamou um
concílio em Nicéia onde cerca de 300 bispos foram convocados.

A doutrina de Ário sofreu sua primeira derrota ali, sendo banida dos ensinos ortodoxos.
O bispo Eusébio de Nicomédia deu muita força ao lado ariano e foi preciso a elaboração
de um credo que esclarece a disputa. Nesse contexto surge o Credo Niceno o qual diz
em determinado trecho:

“Creio em um só Senhor Jesus Cristo, o Filho unigênito de Deus, nascido do Pai antes
de todos os séculos. Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro,
gerado, não criado, consubstancial (ομοούσιος – homoousios) ao Pai, por ele todas as
coisas foram feitas.”
Todos os bispos, com exceção de dois, assinaram o credo. Esses dois, juntamente com
Ário, foram exilados. Porém, as disputas do arianismo ainda aconteciam e Atanásio – o
anão negro, como é conhecido – foi um importante nome na preservação da ortodoxia.
Ele escreveu De incarnatione Verbi [ A encarnação do Verbo] onde defendeu a ideia
que o próprio Deus encarnou na pessoa de Jesus. Ou seja, Atanásio advogou a favor da
ideia que Cristo era homoousios ao Pai, porque era o próprio Deus encarnado. Atanásio
ressaltou que se Jesus não é Deus seria impossível a salvação da humanidade, pois uma
criatura não tem autoridade nem poder para salvar eternamente outra. Outro ponto é que
ao adorar Jesus, a igreja estaria caindo em idolatria porque estaria adorando uma
criatura. O que seria um absurdo. Uma vez que Jesus é Deus, estamos corretos em
adorar seu nome.

Nesses anos de disputa, um grupo de arianos mais moderados começou a dizer que
Cristo era somente semelhante (ομοιούσιος – homoiousios) ao Pai. A importante
disputa para a doutrina cristã residia na presença ou não de uma letra. Sobre isso, Bruce
Shelley comnenta:

Se os semiarianos tivessem conseguido acrescentar seu iota no Credo, seu ponto de


vista teria se tornado o cristianismo ortodoxo, o que significa que o cristianismo teria se
transformado em uma forma de paganismo e a fé cristã teria dois deuses e um Jesus que
não era nem Deus nem homem. Além disso, o próprio Deus seria inacessível e
totalmente separado do homem, e o resultado teria sido um cristianismo semelhante a
uma série de religiões pagãs[2]

Arianos baseavam essa interpretação por causa de textos como João 14.28 que diz que
“o Pai é maior que eu”. Textos como Marcos 13.32 – “contudo, quanto ao dia e à hora,
ninguém sabe, nem os anjos no céu nem o Filho, mas somente o Pai” – são vistos como
prova de fraqueza e inferioridade de Jesus. Outro texto utilizado é João 17.3 quando diz
“o único Deus verdadeiro”. Segundo os arianos, isso seria uma prova que só o Pai é
Deus, não Jesus, afinal foi o próprio Jesus que orou isso.

O problema é que eles não parecem considerar que quando Jesus fala essas coisas, ele
está falando na ótica da encarnação e o fato de ser Deus encarnado o coloca em contato
com o Pai. Isso faz com que ele converse com Deus e, encarnado na economia da
Trindade, ele está em sujeição à missão do Deus Pai. Por exemplo, quando fala do Deus
Pai como o único Deus verdadeiro, ele não está se colocando em contraste com o Pai,
mas o Pai em contraste com outras divindades pagãs, os falsos ídolos, não com ele
mesmo como parte da Trindade.

Ele mesmo diz na mesma passagem que a vida eterna é conhecer a ele que foi enviado
pelo Pai. Ele se coloca como aquele que é necessário ser recebido para alcançar a vida
eterna. Ao se colocar como um caminho para conhecer o Pai e o único caminho de
salvação, ele se coloca como igual a Deus, porque somente Deus pode nos conceder
vida eterna.

Quanto às passagens que falam sobre uma ignorância, limitação ou fraqueza de Jesus,
estas foram ditas enquanto ele estava encarnado, no estado de humilhação. Jesus era
completamente humano, por isso era limitado a tudo que somos limitados como ser
humano. De fato, enquanto encarnado, Jesus não sabia o tempo de sua volta. Porém,
isso implica uma limitação temporária e não uma finitude permanente.
Bibliografia utilizada

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

MCGRATH, Alister E.Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à


teologia cristã. São Paulo: Shedd Publicações, 2005

SHELLEY, Bruce. História do cristianismo. Thomas Nelson Brasil. Kindle Edition

[1] Shelley, Bruce. História do cristianismo (Kindle Locations 2428-2430). Thomas


Nelson Brasil. Kindle Edition

[2] Shelley, Bruce. História do cristianismo (Kindle Locations 2518-2521). Thomas


Nelson Brasil. Kindle Edition.

Aula 10 – Jesus desceu ao Hades?

Alguns dizem que Jesus foi ao inferno depois de morrer por interpretarem a declaração
do Credo Apostólico como uma afirmação que os apóstolos criam nisso, interpretando
“hades” como “inferno”. A declaração do Credo diz: “Desceu ao inferno (hades)”.
Berkhof diz que a expressão foi usada pela primeira vez na forma do Credo de Aquiléia
(cerca de 390 d.C),

Entre os gregos, alguns traduziram “inferno” por “hades”, e outros por “partes
inferiores”. Algumas formas de Credo, nas quais se acham essas palavras, não
mencionam o sepultamento de Cristo, enquanto a forma romana e a forma oriental
geralmente mencionam o sepultamento e omitem a descida ao hades” (313).

A discussão é se a ideia da descida ao hades está incluída na ideia do sepultamento.


Então, Jesus desceu ao inferno ou simplesmente desceu à terra, onde descer ao hades
seria descer à morte.

Passagens a serem analisadas:

• Efésios 4.9 – A expressão “regiões inferiores da terra” é tomada como o inferno


por aqueles que defendem a descida ao hades. Porém, o apóstolo argumenta que a
subida de Cristo pressupõe uma descida, assim o oposto da ascensão seria a
encarnação, não a descida ao hades. “A maioria dos comentadores entende que a
expressão se refere simplesmente à terra. A expressão pode derivar de Sl 139.15 e
se refere mais particularmente à encarnação” (BERKHOF, 313).Bavinck diz que
“a descida ‘às regiões inferiores da terra’ da qual Paulo fala em Efésios 4.9, parece
– em virtude do contraste com sua ascensão – apontar para a encarnação de Cristo,
no curso da qual ele desceu ao inferno da terra” (BAVINCK, 415).
• 1 Pedro 3.18-19 – a expressão “pregou aos espíritos em prisão” é tomada como
Jesus indo ao inferno para pregar para os que lá estavam. Essa pregação teria
acontecido entre sua morte e ressurreição por aqueles que entendem que Jesus foi
ao inferno anunciar seu triunfo. Porém, “o Espírito mencionado não é a alma de
Cristo, mas o Espírito vivificante, e foi com esse mesmo Espírito que dá vida que
Cristo pregou. A interpretação comum que os protestantes fazem dessa passagem é
que, no Espírito, Cristo pregou (BERKHOF, 313). Bavinck diz que “Pedro, de
qualquer forma, não está falando sobre aquilo que Cristo fez entre sua morte e
ressurreição ou depois de ter revivido seu corpo. Sem dúvida, as palavras
‘vivificado no espírito’ indicam que Cristo, que foi morto em corpo, reviveu
novamente da ressurreição em virtude do espírito que era seu, de forma que sua
vida, depois da ressurreição, não foi do corpo ( sarkética), mas do espírito
(pneumática). Está igualmente fora de disputa, em segunda lugar, que não se faz
qualquer referência, nesta perícope, à descida de Cristo ao inferno com o propósito
de conduzir os crentes ao Antigo Testamento do Hades para o céu, ou, em geral de
pregar o juízo a todos aqueles que morreram em desobediência ou ignorância”
(BAVINCK, 416)
• 1 Pedro 4.4-6 – Em especial o verso 6. Os mortos a quem o evangelho foi pregado
são pessoas do passado que não estavam mais vivas no momento da pregação
presente.
• Salmos 16.8-10. Como um salmo messiânico, alguns entendem que Cristo desceria
ao inferno, mas não sofreria corrupção, sendo deixada lá. Porém, a palavra para
alma (nepesh) pode ser usada como pronome pessoal e sheol pode ser entendido
como o estado de morte.A ideia seria que Jesus não foi deixado no estado da
morte. O argumento é a favo da ressurreição, não da descida ao inferno.

Aqueles que argumentam a favor da descida de Jesus ao inferno toma 1 Pedro como
fundamentação, em especial os versos 18 a 22 do capítulo 3. O verbo “sofrer” e o
substantivo “sofrimento” aparencem respectivamente em 2.19, 20, 21, 23; 3.14, 17;
4.15, 19; 5.10 e 1.11; 4.13; 5.1, 9. Dessa forma parece haver uma proeminência
temática. Ligado a isso, temas relacionados à “viva esperança”, “revelação de Jesus
Cristo e “glória” aparecem em 1.3-9, 13, 17, 21; 2.11, 12; 3.9, 15; 4.5, 7, 13, 19. 5.1, 4,
10.

Albuquerque comenta que “o sofrimento por Cristo é entendido como uma realidade da
qual os primeiros cristãos não podem escapar” (p. 110). Não obstante, sofremos por
Cristo porque ele sofreu humilhação por nós. Para Albuquerque, “o apóstolo usa a vida
de Jesus para explicar como passar pelas tribulações” (p. 111), mas além disso mostra as
glórias que seguiram os sofrimentos de Cristo. Ele diz que “à luz de que os sofrimentos
cristãos presentes precedem a glória futura, tal como aconteceu com Cristo” (p. 111).

Dessa forma, uma vez que o sofrimento cristão antecede a glória futura, tal como
aconteceu com Cristo nós podemos encontrar motivação. Assim, existiria um discurso
específico dentro da epístola de Pedro de 2.11-4.11 que deseja chamar atençã dos
leitores

O argumento da descida ao inferno está justamente incluído nesse trecho, segundo ele,
como uma ilustração de sofrimento e humilhação que Cristo passou, servindo ainda
mais de argumentação para a esperança cristã, pois Cristo ascendeu à destra do Pai
depois desse sofrimento extremo.

Assim, a descida de Jesus ao inferno não é um argumento central para Pedro, mas uma
ilustração que serve de apoio para o tema central, o sofrimento. Os cristãos devem olhar
para Cristo para suportar os seus sofrimentos. Cristãos que estão sofrendo bem menos
que o inferno poderão encontrar uma glória maior mais à frente.
Referências:

ALBUQUERQUE, Tiago. Suportes discursivos para a interpretação do descendit ad


inferos: mudança coesiva em 1 Pedro 3.18-22. In: Hermenêutica: Fundamentos,
linguistíca e testamentos. CE: Peregrino, 2018

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

Aula 11 – A impecabilidade de Cristo

Jesus poderia ter pecado? Como Deus ele era passível de poder ter pecado? O que
aconteceria com sua natureza divina se ele tivesse pecado? A natureza de sua tentação
foi real?

A Bíblia fala que ele foi tentado em todas as coisas, mas não pecou (Hb 4.15), é santo,
inocente, imaculado e separado de pecadores (7.26; 9.14), não há pecado nele (1 Jo 3.5;
2 Co 5.21). Ele obedeceu a todos os mandamentos do Pai (Jo 15.10). Sabemos que Jesus
não pecou e que foi tentado ao pecado. O próprio Satanás no deserto tenta Jesus a fim
de levá-lo a pecar. Mas Jesus poderia pecar?

Berkhof afirma que a impecabilidade “significa que não apenas Cristo pode evitar o
pecado (potuit non peccare), e que de fato evitou, mas também que lhe era impossível
pecar (non potuit peccare), devido à ligação essencial entre as naturezas humana e
divina.

Heber Carlos de Campos afirma que Jesus:

não somente não era manchada pelo pecado,como não poderia ser manchada por
ele.Portanto, a natureza humana de Jesus Cristo, que o torna sujeito a tentação, não traz
a possibilidade de ele ser sujeito ao pecado. Essa Pessoa não poderia pecar em hipótese
alguma.Aquele que não conheceu pecado não poderia conhecer o pecado.Ele nada tinha
a ver com o príncipe deste mundo, que o tentou sobremaneira. Não havia algo, dentro
ou fora de Jesus, pudesse levá-lo a pecar. Deus não deu Jesus Cristo o que havia dado
ao primeiro Adão, a saber, a possibilidade de agir de forma contrária à sua natureza
Santa, se o fizesse, Deus daria a Cristo a possibilidade de deixar de ser aquilo que desde
o ventre materno ele foi: e ente santo (Lc 1. 35), e ele não poderia ser o objeto de nossa
Santa adoração.[1]

Bruce Ware comenta:

Jesus era genuinamente impecável devido ao fato de que, na encarnação, ele era a
própria segunda pessoa da Trindade, eterna e imutavelmente santa, que uniu a si mesma
uma natureza plenamente humana. No entanto, esta impecabilidade de sua pessoa não
tornou suas tentações inautênticas ou suas lutas artificiais.[2]

Para explicar isso, ele usa uma ilustração bastante interessante:


Imagine um nadador que deseja quebrar o recorde mundial do mais longo nado
contínuo. À medida que o nadador treina, além de seus nados diários de 8 a 16
quilômetros, ele inclui nados semanais de maior distância. Em alguns dos nados mais
longos de 48 e 64 quilômetros, ele observa que seus músculos podem começar a
contrair-se e ter um pouco de cãibra. O nadador se preocupa com o fato de que na
tentativa de quebrar o recorde mundial, seus músculos poderiam ter cãibra severa, e ele
poderia, então, se afogar. Por isso, ele consulta seus amigos, e eles decidem
providenciar um barco para acompanhá-lo a uma distância de sete a dez metros atrás
dele, mantendo-se suficientemente próximos para pegá-lo, se surgir algum problema
sério, e apropriadamente distantes para não interferirem na tentativa histórica de nado.
No dia designado, estando as condições ideais, o nadador pula e começa sua tentativa de
quebrar o recorde mundial. À medida que ele nada, o barco segue tranquilamente atrás,
pronto para pegá-lo, se necessário. Mas nenhuma ajuda é necessária; com determinação
e resolução, o nadador continua incansavelmente. Ele nada, nada e, no devido tempo,
consegue quebrar o recorde mundial. Agora, considere estas duas perguntas: (1) por que
o nadador não poderia ter-se afogado neste evento de quebra de recorde? A resposta é
que o barco estava lá o tempo todo, pronto para resgatá-lo, se necessário. Mas (2) por
que o nadador não se afogou? A resposta é que ele se manteve nadando! Observe que a
resposta da segunda pergunta não tem nada a ver com o barco, ou seja, ela não tem nada
a ver com a resposta da primeira pergunta. De fato, se você desse a resposta do “barco”
à segunda pergunta, o nadador ficaria admirado e desapontado. Não é verdade
simplesmente que o nadador não se afogou porque o barco estava lá. O barco,
literalmente, não teve nada a ver com a razão por que o nadador não se afogou. Além
disso, embora o nadador soubesse que poderia não ter-se afogado, porque o barco
seguia atrás dele, esse conhecimento não teve nada a ver com a razão por que ele não se
afogou, porque também sabia que, se tivesse dependido do barco, sua missão de quebrar
o recorde mundial seria frustrada. Portanto, embora ele soubesse que poderia não se
afogar, por causa do barco, também sabia que só poderia atingir seu alvo por meio de
nadar como se não houvesse nenhum barco.[3]

E conclui dizendo:

Embora Cristo fosse plenamente Deus e, nesta condição, não podia pecar, ele não
apelou deliberadamente, por assim dizer, à sua natureza divina em lutar contra as
tentações com que se deparou. Como um ser humano, ele não somente podia ser
tentado, mas foi tentado nas maiores maneiras em que qualquer ser humano já foi
tentado, em toda a história. No entanto, em cada tentação, ele lutou e resistiu plena e
totalmente sem qualquer uso de ou apelo à sua natureza divina intrínseca.[4]

Assim, a imposssibilidade de pecar não implica que ele não poderia ser tentado.

O pecado não é uma condição essencial à humanidade, mas acidental. Jesus pode ser
verdadeiramente humano sem pecar. Sobre a relação da impecabilidade com a
humanidade, Erickson comenta:

Houve somente três seres humanos puros: Adão e Eva (antes da Queda) e Jesus. Todos
os outros são nada mais que versões desfiguradas e corrompidas de humanidade. Jesus
não é somente tão humano quanto nós; ele é mais humano. A nossa humanidade não é o
padrão pelo qual devamos medi-lo. A humanidade dele, verdadeira e não alterada, é o
padrão pelo qual devemos ser medidos (ERICKSON, 693).
Ele é o ser humano perfeito que devemos nos espelhar e tentar buscá-lo, sendo
semelhante a ele nessa luta contra o pecado.

Referências:

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

[1] Heber Carlos de Campos, A pessoa de Cristo; união das naturezas do Redentor, p.
370

[2] Ware, Bruce. Cristo Jesus, Homem: Reflexões teológicas sobre a humanidade de
Cristo . Editora FIEL. Kindle Edition.

[3] Ware, Bruce. Cristo Jesus, Homem: Reflexões teológicas sobre a humanidade de
Cristo . Editora FIEL. Kindle Edition.

[4] Ibid

Aula 12 – O tríplice oficio de Cristo

É muito comum falar sobre esse tríplice ofício de Cristo: Sacerdotal, real e profético.
Jesus é rei, profeta e sacerdote. Por mais que alguns dos chamados primeiros pais da
Igreja já falassem dos diferentes ofícios de Cristo, Calvino foi o primeiro a reconhecer a
importância de distinguir os três ofícios de Jesus e chama atenção num capítulo
específico das Institutas e mostra como isso está atrelado a seu papel como mediador.

A partir daí que essa terminologia começou a ser usada muito comumente na teologia
para falar do ministério de Jesus. Calvino diz que é preciso notar que esse título
“Cristo”, “Messias”, “Ungido”, fala desses três ofícios. Principalmente porque os
ungidos do AT eram principalmente reis, sacerdotes e os profetas. Eles eram aspergidos
com óleo quando era separado para suas funções. Quando Jesus é O Ungido, ele não é
só ungido como rei, ou como sacerdote, ou como profeta. Mas era ungido como esses
três em um só. Por isso, ele carrega o nome de Messias.

Primeiro, Cristo é rei. O termo Cristo se refere a “ungido” assim como no AT os reis
eram ungidos (Jz 9.8; 15; 1 Sm 9.16; 10.1; 16.13; 2 Sm 2.4; 5.3; 19.10; 1 Rs 1.34, 39; 2
Rs 9.13; 11.12;23.30). Jesus é tido como rei (Salmo 2.7; 89.19-21; 110.1-4). Ele é o
cumprimento da aliança davídica (2 Sm 7.12-16). O profeta Isaías previu seu reinado (Is
9.7). O autor de Hebreus aplica o Salmo 45.6-7 a Jesus (Hb 1.8). Jesus afirmou sobre si
mesmo que se assentaria num trono de Glória (19.28) e que o reino do céu lhe pertence
(Mt 13.41). Ele é nosso rei para sempre cujo trono estará conosco por toda a eternidade.

Ele também é nosso sacerdote. Jesus intercede por seus discípulos (Jo 17), ele é nosso
sumo sacerdote perfeito segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 4.14-5.10). Esse é um
assunto bem difícil da teologia, mas que é muito interessante perceber que Jesus vem
como uma nova classe sacerdotal. Havia o sacerdócio do povo de Levi que vem de
Arão, o primeiro sacerdote da classe de Levi. Quando Jesus surge, ele vem de uma
classe anterior à classe de Levi que é a de Melquisedeque. Jesus é apresentado
delongadamente como sacerdote e não só isso, mas como nosso grande sumo sacerdote
que nos leva diante de Deus para um trono de graça onde encontramos ajuda e
misericórdia em tempo oportuno. Com um sacerdote, entramos diante de Deus através
dele, através do partir do seu corpo, por nós. Por causa dele, encontramos o caminho
diante de Deus de perdão, salvação e de segurança. Ele não é só um sacerdote humano,
mas é aquele que é perfeito. Ele não é um sacerdote que tem que oferecer sacrifício, por
si mesmo, por seus pecados, não tem que oferecer sacrifícios repetidos, mas que de uma
vez por todas se entrega em sacrifício uma única vez por todos nós. Ele é o grande sumo
sacerdote que nos leva diante de Deus.

Ele também é profeta. Jesus se reconhece como profeta (Mt 13.57). As pessoas o
reconheciam como profeta (Mt 21.11, 46; Lc 24.19; Jo 6.14; 7.40; 9.40). Pedro faz uma
identificação entre Jesus e a predição de Moisés (cf. Dt 18.15) como profeta (At 3.22).
Os profetas revelam a palavra e algo sobre Deus, assim também Jesus, mas este com o
diferencial que estava ao lado do Pai (Jo 1.18), é a imagem do Pai (Jo 14.9) e veio do
Pai (3.13). Ele e o Pai são um. Ele fala claramente as palavras do Pai. A mensagem de
Jesus era muito semelhante a dos profetas. O povo da região de Cesaréia de Filipe (Mt
16) o interpreta como um profeta de fala dura e forte. Os “ais” contra Corazim, Betsaida
e Cafarnaum se assemelham aos “ais” de Amós contra Damasco, Gaza, Tiro, Moabe e
outros lugares (Mt 11.20-24 cf. Am 1-3). Assim como Isaías, Jesus proclamou as boas
novas do reino de Deus (Mt 13 cf Is 40.9; 52.7). Jesus fala que irá para o Pai, mas
voltará e isso é motivo de consolo, semelhantemente ao consolo que Isaias proferiu (Jo
14 cf Is 40). Jesus se apresenta como um profeta que manifesta quem Deus é e que nos
dá uma comunicação perfeita como revelação máxima do Pai. Essa obra de revelação
continua através da Igreja por intermédio do Espírito Santo (Jo 14.26; 16.13-15). A obra
de revelação mais completa e definitiva será na volta de Cristo, quando o veremos
diretamente (1 Co 13.12), como ele é (1 Jo 3.2).

Alguns teólogos modernos tem dificuldades de criar esse tipo de divisão e argumentam
que não temos como dividir o ministério de Jesus em três partes separadas. Mas é claro
que nenhuma atividade de Jesus acontece isolada de seus outros atributos ou ofícios.
Jesus é um todo integrado e seu trabalho como profeta sacerdote e rei é o único trabalho
em nosso favor. Como diz o Herman Bavinck,

suas palavras são uma proclamação da lei e do evangelho e, assim, apontam para o
ofício profético, mas ele fala como quem tem autoridade e todas as coisas obedecem seu
comando (Mc 1.22; 4.41; Lc 4.32; etc); ele se chama rei e vem ao mundo para dar
testemunho da verdade (Jo 18.37). Seus milagres são sinais de seu ensino (Jo 2.11);
10.37 etc), mas também uma revelação de compaixão sacerdotal (Mt 8. 17) e de seu
poder real (Mt 9.6, 8; 21.23) (BAVINCK, 370).

Millard Erickson vai dizer que mesmo que nós façamos ou não uma divisão entre
sacerdote profeta e rei, “é importante conservar a verdade de que Jesus revela Deus para
a humanidade, reconcilia ambos, reina e reinará sobre toda a criação incluindo os seres
humanos”. (ERICKSON, 733).

O ponto do Erickson e do Bavinck é que não podemos nos sujeitar a essa tendência
particular do escolatiscismo protestante de ver os ofícios em muita distinção, ou com
isolamento. Temos que concordar que ele possui os três ofícios ao mesmo tempo e
exerce todos os três consistente e simultaneamente. Fosse antes ou depois da
encarnação, tanto no estado de humilhação como no de exaltação.
Pneumatologia: a personalidade, o ministério e os dons do Espirito
Santo

Aula 1 – A personalidade do espirito santo

O nome pneuma (πνευμα) do grego fala de sopro, ou respiração, e de espírito. A palavra


pneumo na nossa língua é usada para falar de coisas que envolvem ar como o nosso
pulmão. Quando você pega pneumonia, fala diretamente do seu pulmão. Ao falar do
Espírito Santo (ES, doravante) no grego, a palavra é a mesma, porque o Espírito é
conhecido como o sopro de Deus, ou o Espírito do Senhor. A doutrina do ES é
importante porque é através dele que Deus fala, age e se comunica conosco hoje no
período do NT. Ela é a principal manifestação divina hoje, no período da igreja, porque
é a partir do ES que Deus age e atua nas nossas vidas agora.

Sabemos que no AT a glória de Deus foi muitas vezes manifestada em nuvens que
representavam a sua glória, ou mesmo em teofanias: manifestações do próprio Deus de
alguma forma à vista das pessoas. Nos evangelhos, Jesus aparece como a principal
manifestação de Deus naquele período. Porém, quando sobe aos céus, ele envia o ES,
que é a principal manifestação de Trindade para todos nós (GRUDEM, 530)

Já falamos em módulos passados que o Pai, o Filho e o ES não são a mesma pessoa se
manifestando de formas distintas ao longo da história, mas que eles coexistem em três
pessoas e que em cada período da história, cada um dos três se manifestou de forma
principal. Se no AT tínhamos o Deus-Pai, YHWH, aparecendo mais, se no NT Cristo
aparece e se manifesta fisicamente como Deus aqui, quando ele sobe, o Outro
Consolador vem e é o ES que atua hoje presencialmente na vida da igreja. É claro que o
Pai e o Filho se manifestam, mas justamente do ES. Ferreira e Myatt afirmam que

No Antigo Testamento, a revelação do Espírito de Deus como uma pessoa divina


distinta não é tão clara quanto no Novo Testamento. A ênfase do Antigo Testamento
está na unidade de Deus, realçando o monoteísmo, em contraste com o politeísmo, que
era normal nas culturas que circundavam o povo de Israel. Não obstante, o Espírito
Santo está presente no Antigo Testamento fazendo sua obra distintiva na administração
da criação e no plano da redenção (FERREIRA E MYATT, 676)

É por isso que o ES é entendido na teologia cristã como uma pessoa divina. Não como
uma força ativa, não como uma energia, mas sim como uma pessoa tanto quanto Cristo
e o Deus-Pai. O ES é descrito na Bíblia como tendo atributos que só seriam possíveis se
ele fosse realmente uma pessoa. Ele reprova o mundo (Jo 16.8); ele ensina (Jo 14.26;
16.13-15; 1 Jo 2.27); ele clama em nossos corações (Gl 4.6); ele intercede (Rom 8.26);
ele direciona (Gl 5.18; At 8.29; 10.19; 13.2; 16.6-7; 20.23; Rom 8.14); ele regenera (Jo
3.6); ele é chamado de “outro consolador” o que indica que ele é uma pessoa como
Cristo (Jo 14.16-17, 26; 16.7; cf. 1 Jo 2.1-2); ele pode ser entristecido (Ef 4.30);
resistido (1 Ts 5.19); blasfemado (Mt 12.31), podem mentir para ele (At 5.3) e
desrespeitá-lo (Hb 10.29). Por isso que ele é Deus tanto quanto o Deus-Pai e o Deus-
Filho. Ele faz as obras que Deus faz. Ele é apresentado como um objeto de fé tanto
quanto o Pai e o Filho. Ele é apresentado junto do Pai e do Filho como o nome no qual
somos batizados. O ES não é só uma força, mas é o próprio Deus, uma pessoa divina
que age a favor da igreja.
Bibliografia:
FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,
bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 2- A divindade do Espirito Santo

Se a doutrina da divindade de Cristo só passa a ser desenvolvida no NT, por mais que
existam muitos vislumbres dela no AT na figura do Messias redentor, a divindade do ES
mais ainda. É fato que o AT enfatiza a unidade e a exclusividade da adoração a Deus
frente a adoração das religiões politeístas dos gentios. Porém, o ES sempre aparece na
administração e na providência do povo de Israel.

A palavra hebraica que é traduzida por espírito é ruah. Essa palavra também pode ser
traduzida como sopro ou vento como já vimos acerca do termo pneuma – vento, sopro,
espírito. A noção do ruah de Deus é o poder ativo de Deus no mundo e entre os homens
na sua criação. Esse Espírito seria invisível, mas evidente pelos seus resultados e ação.
A imagem é de poder e energia. Ou seja, o Espírito de Deus deve ser entendido como o
poder de Deus agindo no seu povo. Como terceira pessoa da Trindade, o ES mostra essa
ação de Deus na vida daqueles que ele ama.

O termo espírito – ruah- também fala do espírito dos homens. A força vital sem a qual
as pessoas estão mortas. De forma geral, o espírito no AT está relacionado à vida e à sua
manutenção e inclusive o próprio Espírito de Deus que traz vida sobre os indivíduos.
Você pode lembrar da criação do homem quando Deus sopra o espírito dentro de Adão
e Eva dando a eles vida.

O ES também atuava no AT capacitando os homens a fim de que eles cumprissem


certas atividades determinadas por Deus.No NT, temos o ES sendo manifestado como
uma divindade de forma muito mais clara do que no AT. Os vislumbres do AT nos
ajudam a interpretar que o ES seria uma força divina, uma vez que ele é a força da
atuação de Deus e um ser pessoal que pairava sobre a face das águas, por exemplo, mas
que capacita os homens para certas atividades. Ele é a própria manifestação de Deus nas
pessoas.

Já no NT as coisas são ainda mais claras. A divindade do ES pode ser encontrada no


fato de que ele desce sobre o próprio Cristo no seu rito batismal (Mt 3. 13-17) como
uma manifestação de Deus sobre Jesus.Isso também pode ser reparado na fórmula
batismal quando somos batizados em o nome do Pai, do Filho e do ES (Mt 28.19). Esse
“em o” fala de ser imerso em alguma coisa, é uma introdução. Somos então colocados
em um relacionamento com o Pai, o Filho e o ES mostrando os três como uma força só,
como uma divindade só a quem nós nos comprometemos quando somos batizados. Em
1 Coríntios 12.4-6, lemos que o ES possui a mesma autoridade do Pai e do Filho na
distribuição de dons à igreja. Paulo se refere à nós como santuário de Deus quando diz
que o ES habita em nós (1 Co 6. 19). Porque o ES mora em nós, então Deus mora em
nós. Isso evidencia que o ES é Deus. Paulo reconhece que suas habilidades eram
entregues a ele pelo ES como uma pessoa que entregava dons a ele. O autor de Hebreus
atribui ao ES atributos divinos (Hb 9.14). Uma vez que só Deus é eterno e o Espírito é
tratado como alguém que é eterno, vemos o ES como alguém que é semelhante a Deus.
Foi o ES que inspirou os homens a escreverem as Escrituras segundo Paulo (2 Tm
3.16).

Em Isaías 6, o profeta vê o próprio Deus. Já em João 12.37, quando o evangelista vai se


referir a esse caso, diz que Isaías viu Jesus, fazendo uma equivalência entre o Deus-Pai
e o próprio Cristo como aquele que foi visto por Isaías. Em Atos 28.25, em referências
ainda a Isaías 6 o que é dito é que Isaías viu o Espírito de Deus de forma que o Filho, o
ES e o Pai são tratados como a mesma divindade nas interpretações de Isaías.Fora todos
os fatores de pessoalidade do ES que evidenciam que ele é uma pessoa muito próxima
da divindade justamente porque ele é uma pessoa divina. Essas atividades do ES com
atividades, atributos e capacitações do proprio Deus identificam o ES como divindade.
Se o ES faz as coisas que Deus faz isso evidencias que ele é Deus.

Aula 3 – O Espirito Santo procede do filho? (a questão da Filioque)

O credo niceno-constantinonapolitano afirma que “Cremos no Espírito Santo, o Senhor,


o Doador da vida, o que procede do Pai e do Filho, o qual juntamente com o Pai e o
Filho é adorado e glorificado, o qual falou através dos profetas”. A Bíblia nos informa
que o Filho assim como o Pai envia o Espírito Santo (ES, doravante) (Jo 15.26; 16.17).
Ele é o Espírito de Cristo a que Paulo se refere em Romanos 8.9 assim comoé o Espírito
que o levantou dos mortos (Rm 8.11). Ele é o Espírito do Filho (Gl. 4.6; Fp 1.19).

Já vimos que o ES é igualmente é uma pessoa divina como o Filho e o Pai. Ferreira e
Myatt afirmam que o “conceito de processão, que não poderia ser mais misterioso, é
uma tentativa de entender a maneira com que o Espírito, como aquele que foi enviado, é
distinto das outras pessoas da Trindade”. (FERREIRA e MYATT, 687).

Por proceder do Pai e do Filho, o ES possui uma estreita relação possível (cf. 1 Co 2.10-
11; 2 Co 3.17). Ele é o outro consolador que veio à Igreja para dar continuidade à obra
de Deus. Ele não fala de si mesmo, mas falará apenas o que ouvir e anunciará as coisas
futuras (Jo 16.13).

Essa questão da procedência do ES ficou conhecida como filioque e no período


medieval causou uma divisão entre a igreja ocidental e oriental. Ao passo que a parte
ocidental reconheceu a procedência do ES do Filho, assim como do Pai, a parte oriental
reconheceu somente a procedência do Pai. Para a igreja oriental o conceito de governo
único do Pai causaria a rejeição da doutrina filioque porque o Pai seria a única fonte e a
causa da divindade. As igrejas orientais concordam que o ES procede do Pai por
meio do Filho, mas não que procede diretamente do Filho. Por outro lado, as igrejas
ocidentais defendem a doutrina filioque. Em 589*, essa doutrina foi acrescida no credo
de constantinopla durante o Terceiro Concílio de Toledo e já no século VIII era a
posição que prevalecia por toda a igreja ocidental.

Agostinho, durante a escolástica medieval, também afirmou a doutrina filioque. Os


Concílios de Latrão IV, em 1215, e de Lion II, em 1274, também afirmaram a doutrina.

BIBLIOGRAFIA:
SHELLEY, Bruce L. História do cristianismo: uma obra completa e atual sobre a
trajetória da igreja cristã desde as origens até o século XXI / Bruce L. Shelley; tradução
Giuliana Niedhardt. — 1. ed. — Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018.

Aula 4 – O ministério do Espirito Santo no Antigo testamento

No Antigo Testamento, o Espírito Santo capacitava os homens de Deus para trabalhos


específicos: José foi capacitado com habilidades de liderança e sabedoria (Nm 27.18; Dt
34.9); Bezalel foi capacitado pelo Espírito para construção do tabernáculo (Êx 31.3-5).
Otoniel, Gideão, Jefté e Sansão foram capacitados pelo Espírito na época dos Juízes
para libertar o povo dos povos que dominavam Israel (Jz 3.10; 6.34; 11.29; 13.25; 14.6,
19; 15.14), Saul foi capacitado pelo Espírito para vencer uma batalha (1 Sm 11), mas
também foi retirado dele, impedindo que ele reinasse (1 Sm 16.14) e se apossou de Davi
quando ele foi ungido como rei (1 Sm 16.13). Os profetas falavam pelo poder do
Espírito (Ez 2.2; Mq 3.8; Zc 7.12). O profeta Isaías predisse que o Espírito ungiria o
Messias (Is 11.2-3; 61.1 cf. Lc 4.18).

Isso significa que o ministério do ES no AT estava relacionado principalmente com


aquilo que o ele preparava para um trabalho específico ao reino de Deus. O ES não
tinha uma função fundamentalmente salvífica, mas ministerial. Os homens não
recebiam o ES simplesmente porque foram salvos, mas o recebiam para que fizessem
coisas a Deus. Tanto é que o ES os deixava quando eles não eram mais aprovados para
este ministério. As orações no AT para que Deus não retire de um homem o seu espírito
está relacionado à oração para que Deus não tire dele certos ministérios e atuações.

Quando Davi ora para que o ES não seja retirado, ele ora para que não deixe de ser rei
de Israel. Quando o ES deixa certos homens, ele está deixando a aprovação e a
capacitação de Deus para certas atividades. Quando o ES toma conta de alguém,
geralmente é para fazer alguma coisa para Deus.

Isso não significa que não existia nenhuma obra do ES dentro das pessoas no AT. João
14.17 é um texto muito legal para falar dessa relação entre testamentos no minstério do
ES. “Ele habita convosco e estará em vós”. Fala primeiro que o ES já habita na naquelas
pessoas, mas que agora ele estará naquelas pessoas. Exitem textos bíblicos que falam do
ES habitando de alguma forma nas pessoas no AT. Ainda que essa não seja a principal
linguagem acerca no ministério do ES. Josué é descrito como homem que tem o Espírito
(Nm 27.18; Dt 34.9), assim como Ezequiel (Ez 2.2; 3.24), Daniel (Dn 4.8-9, 18; 5.11) e
Miquéias (Mq 3.8). Isso significa que quando Jesus diz que ES que já habita nele estaria
neles é que não existe uma ruptura radical daquilo que o ES fazia antes e faz agora por
mais que hajam diferenças. Isso também siginifica que quando João diz que o Espírito
ainda não havia sido dado (Jo 7.39), uma vez que Jesus ainda não havia sido
glorificado, isso não representa que o ES não tinha nenhuma atividade no AT. Essas
passagens só dizem que essa obra agora é diferente, mais central, mais poderosa, mais
duradoura e seu ministério atua diferente nos santos do NT. O ES ainda não tinha
chegado a eles da forma como fora prometido que seria na Nova Aliança,
principalmente no livro do profeta Ezequiel (Ez 36.26, 27; 37.14). Nem o ES havia sido
derramado de forma plena e em abundância como é dito por Joel (J1 2.28-29). Nesse
sentido da Nova Aliança, o ES ainda não estava trabalhando dentro do coração dos
indivíduos, mas existia sim um trabalho no coração nos crentes do AT ainda que não
fosse com a mesma intensidade força e poder que se deu no NT. Não devemos concluir
como lembram Franklin Ferreira e Alan Myatt:

Não devemos, porém, concluir que a ação do Espírito, na antiga aliança, é igual à sua
ação na nova aliança. O batismo do Espírito Santo é um fenômeno inédito na antiga
aliança, e a ação interior do Espírito é um dos elementos de descontinuidade entre
ambas as alianças (FERREIRA E MYATT, 678).

Na nova aliança, a lei é escrita no nosso coração e nosso coração de pedra é


transformado por um coração de carne. É por isso que o testemunho do AT fala sempre
de um tempo vindouro onde a atuação do ES sempre seria mais profunda e duradoura,
onde o ministério do ES seria mais completo.

Isso está relacionado, em parte, à vinda do Messias, sobre o qual o ES habitaria e agiria
de formas extraordinárias como escreveu o profeta Isaías. Joel lembra que esse ES
chegaria a todos os povos, nações, carne, porque agora o ES não estava restrito à
atuação de Deus em operar ministérios no povo de Israel. Ele está como um selo da
aliança, um selo da promessa da salvação no coração de qualquer povo que tenha Jesus
como seu Senhor e salvador.

Sobre a plenitude do Espírito, Jeremias e Ezequiel profetizaram:

"Esta é a aliança que farei com a comunidade de Israel depois daqueles dias", declara o
Senhor: "Porei a minha lei no íntimo deles e a escreverei nos seus corações. Serei o
Deus deles, e eles serão o meu povo. Ninguém mais ensinará ao seu próximo nem ao
seu irmão, dizendo: ‘Conheça ao Senhor’, porque todos eles me conhecerão, desde o
menor até o maior", diz o Senhor. "Porque eu lhes perdoarei a maldade e não me
lembrarei mais dos seus pecados. " (Jeremias 31.33-34)

Porei o meu Espírito em vocês, e vocês viverão, e eu os estabelecerei em sua própria


terra. Então vocês saberão que eu, o Senhor, falei, e o fiz seus companheiros, palavra do
Senhor’ ". (Ezequiel 37.14)

O próprio AT está dizendo que havia uma atuação do ES na antiga aliança, mas que
essa atuação era inferior à que viria que era prometida à essa nova aliança. Uma dessas
promessas era o derramamento do ES sobre todos, além do retorno à terra, a restauração
das bençãos sobre a terra da promessa, pleno perdão dos pecados e união dos reinos de
Israel e Judá.

Como já falamos, a principal atuação do ES no AT era de capacitação. Isso também não


implica dizer que havia perda de salvação no AT porque o ES não havia sido dado como
selo. A sua atuação ainda é interna porque todos os crentes são salvos pela fé e pela
atuação do ES.

Franklin Ferreira e Alan Myatt afirmam que:

Na antiga aliança, a obra do Espírito foi mais limitada, porque a sua pessoa não estava
plenamente revelada. No Novo Testamento, o Espírito será revelado como o
Consolador, que levará a cabo a obra inédita de chamar um povo para Deus em meio a
todas as nações, tribos e povos (FERREIRA E MYATT, 680).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 5 – O ministério do espirito Santo no novo testamento

Durante o ministério de Jesus, a obra do Espírito Santo foi intensa. O próprio Espírito
foi quem o gerou (Mt 1.18, 20). O Espírito capacitaria todo o seu ministério (Lc 1.35).
O Espírito veio sobre o seu batismo (Mt 3.16; Mc 1.10; Lc 3.22; Jo 1.32). Jesus estava
na plenitude do Espírito (Lc 4.1). Foi o Espírito que o levou ao deserto para ser tentado
(Mt 4.1; Lc 4.1-2). Porém era pelo poder do Espírito também que ele voltou para
Galiléia (Lc 4.14). E também era pelo Espírito Santo que ele expulsava demônios (Mt
12.28). Jesus disse que precisava ir ao Pai para que o outro Consolador, o Espírito,
viesse sobre os discípulos (Jo 14.16-17). Fato que viria a ocorrer no Pentecoste. O
Espírito foi atuante durante o ministério de Jesus e esse mesmo Espírito desce sobre a
Igreja em Atos 2 de acordo com a promessa do próprio Cristo.

No Pentecoste (At 2), o Espírito é derramado como cumprimento da profecia de Joel


2.28-29 para o florescimento dos dons, fruto e vida do Espírito Santo na igreja. O
Espírito passa a habitar dentro do corpo do crente. Agora o ES tabernacula no crente,
somos como que seu tabernáculo. Assim, o Espírito aplica os benefícios da salvação aos
eleitos. Ele justifica, santifica, edifica a igreja e cumpre o plano de Deus na história. Ele
é quem foi dado para convencer o mundo do pecado, justiça e juízo (Jo 16.8-11). É ele
quem converte e salva o homem. Quando Pedro confrssa que Cristo é Filho do Deus
vivo (Mt 16.16), Jesus diz que aquilo foi dado a ele pelo Pai. Foi o Pai que revelou a
identidade do Cristo a um de seus filhos. Hoje, o Pai faz isso através do ES e ele é o
instrumento para convencer os homens de quem Jesus é. Ele vem justamente para tirar
os homens de sua situação de morte e trazê-los a uma situação de vida, convencendo os
homens do pecado. Ele transforma corações e traz salvação aos necessitados.

Na vida do crente, é o Espírito quem regenera (Jo 3.3, 5-6). Assim como no AT, ele é
quem capacita o cristão a fazer as obras (Jo 14.12), só que dessa vez ele também habita
no crente. Ele é quem nos faz poder clamar “Aba, Pai” (Rom 8.15). Por meio dele não
vivemos mais segundo a carne (Rm 8.4), porque ele habita em nós (v.9, 11) e testifica
que estamos verdadeiramente em Cristo (v.15-17). No Espírito, o crente frutifica e o seu
fruto é “o amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, amabilidade,
domínio próprio” (Gl 5.22-23). Não são “frutos” do Espírito, mas “fruto” no singular.
Não são coisas que você escolhe, mas aquilo que recebemos do ES quando ele habita no
nosso coração. Essa é uma resposta às obras da carne que são “a imoralidade sexual,
impureza, libertinagem, idolatria e feitiçaria; ódio, discórdia, ciúmes, ira, egoísmo,
dissenções, facções e inveja; embriaguez, orgias e coisas semelhantes” (v. 19-20).
Grudem acrescenta:

Outros elementos da atmosfera que o Espírito Santo pode transmitir são verdade (Jo
14.17; 15.26; 16.13; IJo 5.7), sabedoria (Dt34.9; Is 11.2), conforto (At 9.31), liberdade
(2Co 3.17), justiça (Rm 14.17), esperança (Rm 15.13; cf. G15.5), consciência de
filiação ou adoção (Rm 8.15-16; G1 4.5-6) e até glória (2Co 3.8). O Espírito Santo traz
também unidade (Ef 4.3) e poder (At 1.18; ICo 2.4; 2Tm 1.7; cf. At 1.8). Todos esses
elementos da atividade do Espírito Santo indicam os vários aspectos de uma atmosfera
em que ele dá às pessoas a consciência de sua presença — e, desse modo, do seu caráter
(GRUDEM, 539).

Quando vemos o fruto do ES, vemos a atuação do próprio Deus. Quando faltam essas
características da atuação do ES, entendemos que Deus não está operando naquele
lugar.

Paulo relata que o Espírito confere dons à igreja para edificação mútua. Existem 3 listas
feitas por Paulo (Rom 12.6-8; 1 Co 12.4-11; Efésios 4.11). Eles não são para o auto-
engradecimento, mas para que um sirva ao outro. Assim como não existe um crente que
tenha todos os dons (1 Co 12.8-10, 29-30), não existe um crente que não possua
nenhum (1 Co 12.6-7). É curioso perceber que essas listas falam de dons diferentes,
portanto podemos supor que não sejam listas exaustivas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 6 – A blasfêmia contra o Espirito Santo

A blasfêmia contra o Espírito Santo (ES, doravante) é um tema que pode causar muitas
dúvidas porque as pessoas possuem visões muito distintas do que seria essa blasfêmia
contra o ES. Se você for ler vários teólogos, cada um deles terá uma posição muito
diferente. Vários teólogos ao ler a passagem de Mt 12.30-32 podem chegar a pensar que
a blasfêmia se trata de um pecado específico, um ato, que uma vez feito causa que a
pessoa não possa ser perdoada para sempre. Pessoas podem achar que um pensamento
pecaminoso que veem à mente contra o ES pode ser esse pecado e por causa disso elas
não terem mais perdão. Mas será que isso que o texto quer dizer?

Existem 3 formas que alguns teólogos têm interpretado a passagem. A primeira é que a
blasfêmia contra o ES é atribuir ao diabo uma obra do ES. Os fariseus tinham visto
Jesus curar um endemoniado e disseram que era por meio de Belzebu que ele expulsava
demônios (Mt 12.24). Jesus então argumenta que isso não faz sentido, porque Satanás
estaria contra Satanás, porque uma casa dividida contra si mesma não pode sobreviver.
Como Satanás iria expulsar os seus? Que reino das trevas é esse que está contra ele
mesmo? O esperado é que Satanás deixasse o demônio continuar agindo contra a vida
daquela pessoa, e não o impedir de agir ao expulsá-lo. Então, Jesus conclui falando
acerca da blasfêmia contra o ES e “falar algo contra o ES” (v.32). A ideia seria que os
fariseus estavam vendo uma obra que era do Espírito (expulsar demônios) e dizendo: “é
de Satanás”. Isso seria a blasfêmia contra o ES. Por extensão, o contrário também
entraria como essa blasfêmia: tomar uma obra de Satanás e dizer que é do ES. Agora,
uns vão argumentar que essa blasfêmia contra o ES não seria imperdoável quando ele é
arrependido. Enquanto a pessoa está nesse pecado, ela não seria perdoada. A questão é
que ela precisaria de arrependimento e se ela fizer isso será perdoada desse pecado.
Seria permanecer nessa blasfêmia que seria então sem perdão.

A segunda forma que teólogos têm interpretado é dizer que a blasfêmia diz respeito à
incredulidade. Ou seja, os fariseus eram incrédulos quanto à ação do ES, justamente
porque não acreditavam que Cristo estava realmente realizando milagres e expulsando
demônios. Logo, se a pessoa é incrédula daquele que traz o arrependimento, ela nunca
poderá ser salva. Se ela está incrédula acerca da pessoa do ES, então a incredulidade a
levaria à condenação. Essa visão tem como base o que Jesus diz que “todos os pecados
dos homens serão perdoados, mas a blasfêmia contra o ES não”. Ora, não serão todos os
pecados que serão perdoados. Os pecados que serão perdoados são os que são
arrependidos. O homem incrédulo, sem arrependimento, não tem seus pecados
perdoados. Logo, essa seria a blasfêmia contra o ES. Todos os pecados são perdoados,
exceto a incredulidade na obra de Jesus. Essa seria a blasfêmia contra o ES: a
incredulidade na obra que o ES quer realizar naqueles que precisam se arrepender. Ao
não crer naquele que é o perdoador de pecados, os homens estariam condenados e
imperdoáveis.

Uma terceira posição, não tanto conhecida, é que Jesus está usando uma hiperbole para
mostrar que o ES também é Deus. O ES ainda não havia sido derramado sobre as
pessoas e Jesus já estaria antevendo isso ao colocar uma ofensa contra ES como mais
grave do que uma ofensa contra o Filho. Sendo o Filho uma pessoa divina, o ES seria
tão divino quanto o Filho. Essa é uma visão que não é tão famosa e nem tão aceita na
academia.

Extra – Panorama das posições sobre dons espirituais


Aula 7 – O batismo no Espirito Santo na visão pentecostal

A visão pentecostal das Escrituras certamente sofre muitos ataques. Muitos deles são
indevidos porque provém de uma má compreensão, ou uma perspectiva estereotipada
acerca do que a visão representa. Por isso, é importante entender algumas de suas
doutrinas para que uma avaliação correta seja feita. Uma coisa muito importante que
precisamos aprender acerca da visão pentecostal é o seu entendimento acerca do
batismo no ES.

Antes de discutirmos o que é o batismo no ES, é melhor avaliarmos passagens de


promessas e relacionadas a isso. A teologia pentecostal entende duas passagens em
especial como muito importantes para o desenvolvimento dessa doutrina: Ezequiel
36.25-27 e Joel 2.28-29. A passagem de Ezequiel fala de uma limpeza espiritual de
todas as imundícias através de uma água pura. Nela vemos que o Senhor dará um
coração novo ao seu povo, um coração que seja de carne, e colocará nele um novo
espírito. Essa concessão do Espírito Santo fará o povo de Deus andar nos seus estatutos
e guardar os seus juízos. Essa promessa está relacionada ao conceito de regeneração no
NT. Jesus ecoa a necessidade de “nascer da água e do Espírito” (Jo 3.5). Essa
regeneração propocionada pelo ES transforma o estilo de vida da pessoa. Ou seja, não
existe crente sem o ES. Ele habita nos crentes (Rm 8.9-14-16; 1 Co 6.19).

A profecia de Joel não fala de uma limpeza causada pelo ES, mas que ele será
derramado sobre toda carne e como consequência as pessoas profetizarão, terão sonhos
e visões. Os resultados das duas profecias são diferentes. A profecia de Ezequiel resulta
em conversão, ao passo que a de Joel em profecias e certos dons. Isso não significa que
haveria duas vindas do ES, mas que devemos entender que a sua vinda implica em dois
aspectos diferentes.

No NT, cada aspecto tem suas passagens relacionadas. Há passagens que dizem respeito
a ser batizado pelo ES significando uma incorporação (Jo 3.3-6; 14.17; Tt 3.5; 1 Co
6.19) e passagens que falam acerca de ser batizado no ES significando uma concessão
de poder (Lc 24.29; At 1.8; 2.4).

O livro de Atos utiliza várias expressões para se referir ao derramamento do ES. Lucas
usa batizados no Espírito (1.5; 11.16), ele se refere ao Espírito vindo, descendo
sobre (1.8; 8.16; 10.44; 19.6) indicando uma imagem espacial indicando movimento.
Lucas fala do Espírito derramado (2.17-18; 10.45) a qual é mesma terminologia usada
em Joel 2.28-29 e Zacarias 12.10. Promessa do Pai (1.4), onde “do Pai” é sujeito que é
a fonte da promessa. Promessa do Espírito (2.33, 39), onde o Espírito é a
promessa. Dom do Espírito (2.38; 10.45; 11.17), onde o Espírito é o dom. Dom de
Deus (8.20), Deus sendo a fonte do dom. Recebendo o Espírito (8.15-20; 10.47; 19.2),
na qual a interpretação depende do contexto no qual está inserido e no autor que a
utilizou. Cheio do Espírito (2.4; 9.17). Batizado no Espírito Santo pode ser levado em
conta se acrescentarmos os Evangelhos (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33) e é o
equivalente verbal da experssão substantival “batismo no Espírito Santo”, a qual não
ocorre no NT.

Isso nos mostra de várias perspectivas o que está acontecendo. O evento não pode ser
descrito por meio de um só termo, mas precisa de vários.
É preciso analisar se o NT diferencia ser batizado no ES e ser batizado pelo ES. A bíblia
fala de batismo pelo ES (1 Co 12.13), o qual incorpora a pessoa ao corpo de Cristo e
batismo no ES (Mt 3.11; Mc 1.8; Lc 3.16; Jo 1.33; At 1.5; 11.16), o qual dá poder à
pessoa. Esta é a referida como a experiência pentecostal. A preposição “em” como
tradução preferível reflete a ideia de que a pessoa está imersa. Já a situação de ser
batizado pelo ES deve ser discutida. Em 1 Coríntios 12.13, apesar da preposição grega
no texto ser a en, a tradução optou por traduzir como “pelo”. Isso acontece porque é o
contexto que influencia pessoas a traduzirem determinado termo. Como todo o capítulo
está falando sobre a atividade do ES, a tradução “pelo” faz mais sentido. Ainda assim,
há outras opções de tradução apresentadas:

• Batizado pelo Espírito no corpo (visão da maioria dos pentecostais e muitos não
pentecostais)
• Batizado pelo Espírito para (propósito de) o corpo
• Batizado em (esfera de) o Espírito no corpo
• Batizado em (esfera de) o Espírito para o corpo
• Batizado (de forma carismática) no Espírito para (propósito de) o corpo

Essa questão continua a ser debatida. Assim, as duas frases de 1 Coríntios 12.13 podem
significar as seguintes coisas:

• A primeira frase se refere ao batismo nas águas e a segunda à Ceia do Senhor.


• Ambas as frases se referem à conversão e expressam o mesmo pensamento de duas
formas distintas.
• As frases se referem à conversão, mas não se referem ao batismo de João Batista.
• A primeira frase se refere a conversão e a segunda a uma obra subsequente do ES.
• Ambas as frases se referem a uma obra do ES que acontece em seguida à
conversão.

REFERÊNCIA:

PALMA, Anthony D. O batismo no Espírito Santo e com fogo. RJ: CPAD, 2002

Aula 8 – Leituras pentecostais do recebimento do Espirito em Atos

É preciso avaliar o que a teologia pentecostal tem a dizer sobre uma experiência
posterior à conversão na qual haja evidências carismáticas. Para isso, analisaremos as
passagens de Atos por ser o que melhor registra a história da Igreja Primitiva.

Dia de Pentecostes (At 2.1-4)

O que ocorreu nesse dia foi predito pelo profeta Joel (Jl 2.28-29). Foi algo sem
precedentes e sem repetição. Esse evento ressalta a história de Deus na salvação. Esse
evento também funciona como paradigma para os posteriores eventos do derramar do
ES em Atos. Assim como a morte de Jesus coincidiu com Páscoa, o Pentecostes
coincidiu com a festa das colheitas. Isso nos mostra como esses eventos de salvação
coincidiram com as festas dos judeus de forma que o evento de Pentecostes adquire um
significado tipológico. Dessa forma, não é que as pessoas só foram regeneradas naquele
momento, mas já eram salvas e o evento de Pentecostes trouxe uma benção
subsequente. Benção que também estaria disponível a todos os crentes hoje.
Pentecostes samaritano (At 8.14-20)

Essa passagem mostra que Pedro e João oraram pelos samaritanos para que eles
recebessem o ES depois de Filipe ter pregado lá. A teologia pentecostal diz que
enquanto Paulo usa o termo “receber o ES” como uma experiência de salvação, Lucas
usa como experiência carismática. Entretanto, Lucas não nega a obra do ES na
regeneração, mas não é esse o destaque que ele dá. Assim, conclui-se que a mensagem
de Filipe aos samaritanos foi clara (At 8.5, 12), seu ministério foi atestado pelos sinais
que fazia (v.6). Os samaritanos que creram foram batizados. Filipe não os teria batizado
se não tivessem passado por uma conversão genuína. O termo “receber a Palavra”
(v.14) é sinônimo para ser convertido (At 2.41; 11.1; 17.11-12). O endosso da liderança
de Jerusalém foi necessário por causa da rixa que havia com os samaritanos. As
Escirturas não ensinam que salvação vem pela imposição de mãos, mas isso seria uma
experiência posteior à salvação.

Saulo de Tarso (At 9.17)

Segundo a teologia pentecostal, seria difícil que esse momento em Damasco


simbolizasse sua conversão, a qual teria ocorrido na estrada para Damasco. Ananias não
chamou Paulo ao arrependimento, mas apenas impôs suas mãos e disse para ele ser
cheio do ES. A imposição de mãos em nenhum lugar na Bíblia implica em salvação,
nem o termo “ser cheio do Espírito Santo”é sinônimo para salvação. Dentre a conversão
na estrada e o momento que ele foi cheio do ES houve um período de três dias. Esses
fatores parecem apontar que se tratam de coisas diferentes.

Cornélio e sua casa (At 10.44-48)

Cornélio era um homem que tinha abraçado o judaísmo ao ponto de temer a Deus. Ele
veio a se converter depois da pregação de Pedro e simultaneamente a isso o ES foi
derramado de forma especial sobre ele. A terminologia que Lucas usou para descrever o
que houve não é utilizada para descrever a experiência de salvação (10.44-45), mas são
intercambiáveis com “ser cheio do ES” (2.4; 9.17) e “receber o Espírito” (8.15, 17, 19).

Homens de Éfeso (At 19.1-7)

O termo discípulos que aparece na passagem ocorre 30 vezes ao longo do livro de Atos
e somente uma vez não se refere que os discípulos são de Jesus, mas de Paulo (9.25).
Várias conclusões podem ser tiradas acerca da natureza desses discípulos, mas Anthony
D. Palma aponta que é mais provável que sejam cristãos de fato que precisassem de
mais instruções. Ele também aponta que a construção gramatical dos verbos
“recebestes” e “crestes” denota que os homens foram batizados no nome de Jesus
depois que escutaram (v.5) e o ES veio sobre eles depois que Paulo lhes impôs as mãos
(v.6)

Conclusão

Através desses acontecimentos é possivel perceber que Lucas não nega que o ES esteja
ligado à conversão – isso seria mais enfatizado em Paulo. Porém, não limita que a ação
do ES à conversão, mostrando também que ele concede uma benção posteior à
conversão que em alguns dos casos está associada à imposição de mãos.
REFERÊNCIA:

PALMA, Anthony D. O batismo no Espírito Santo e com fogo. RJ: CPAD, 2002

Aula 9 – Visões Pentecostais sobre Linguas estranhas

O fenômeno das línguas estranhas (glossolalia) é bastante vinculado ao meio evangélico


e também da renovação carismática da igreja católica apostólica romana. Muitas igrejas
baseiam-se fortemente nisso ao ponto de dizerem que quem não “fala em línguas” não
recebeu o Espírito Santo (ES, doravante), ou precisa receber uma espécie de segunda
benção para testificar, por meio do falar em línguas. Esse dom de líbguas representa em
muitas comunidades um tipo de selar do ES. Por outro lado, igrejas que não concordam
com isso costumam fazer estereótipos como se todas as comunidades que creem no falar
em línguas também classificassem crentes em nível A ou B, associando todos aqueles
que acreditam na atualidade do dom de línguas ou que acreditam que o dom de línguas
não são apenas idomas humanos, mas também linguagens mais espirituais dentro do
mesmo balaio, como se todos fossem neopentescostais. Como se não existessem
pessoas pentecostais e não pentecostais que acreditam no dom de línguas com alguma
base bíblica.

É inegável que vemos a manifestação de línguas estranhas ao longo do livro de Atos.


Isso aconteceu no Pentecostes (2.4), antes de Pedro falar à multidão (2.14-36).
Aconteceu em Cesária quando Pedro pregou aos gentios (10.45-46). Aconteceu quando
Paulo impôs mãos sobre os efésios (19.6). Claramente, nessas passagens houve
manifestação de línguas estranhas. Alguns ainda inferem que no caso de Samaria (8.17-
19) também houve manifestação de línguas estranhas. Em três das narrativas citadas,
todas as pessoas estavam cheias do ES e falaram em línguas. Assim, muitos concluem,
incluindo boa parte dos pentecoistais, quefalar em línguas estranhas era a principal
evidência desse recebimento do batismo no ES.

Rodman Williams, na sua Teologia Sistemática Pentecostal, argumenta que “o falar em


línguas era o mesmo fenômeno em todos os casos registrados. Foi inclusive ‘o mesmo
dom’ do Espírito Santo tanto em Cesaréia quanto em Jerusalém, por isso o falar em
línguas deveria ter sido igualmente o mesmo fenômeno em Jerusalém, Cesaréia e em
outros lugares” (WILLIAMS, 539). Ele define essas ocorrências como glossolalia, ou
seja, eram estranhas no sentido de serem “diferentes dos idomas que os participantes
ordinariamente falavam” (WILLIAMS, 539).

O ES era a fonte, aquilo que capacitava as pessoas a falarem, mas propriamente dito
quem falou foram as pessoas que estavam presentes nessas circunstâncias. Uma visão
diz que Pedro não faz nenhuma distinção do que foi falado em Jerusalém do que foi
falado em Cesaréia. Portanto, distinguir as línguas faladas em Jerusalém como idomas e
em Cesaréia como angeliciais não faria muito sentido e não condiz com o relato bíblico.

Uma segunda visão diz que todos os casos de glossolalia eram expressões emocionais,
ou seja, não eram cognitivas. Aqueles que esperavam o ES ficaram tão empolgados com
sua vinda que ficaram frenéticos e puramente emotivos. Porém, essa visão não se
sustenta porque os demais puderam ouvir sua língua cada um em seu idioma (2.6, 11).
Portanto, seu conteúdo era inteligivel. E uma terceira posição diz que eram outras
línguas no sentido de serem idomas existentes, mas que eram estranhos aos que falaram
porque não os conheciam. Para Williams, a ideia de uma lingua estranha ser extática
significa uma“êxtase não no sentido do irracional, mas do supraracional” (WILLIAMS,
541). Isso significa que havia um conteúdo inteligivel nas linguas, mas que poderia ser
interpretado como embriaguez. Para ele, “as línguas faladas não eram como qualquer
outra língua humana, mas a própria autoexpressão do Espírito Santo” (WILLIAMS,
541).

Assim, Williams responde que simultaneamente ao falar em outras linguas houve a


tradução para as línguas correspondentes das outras pessoas presentes, o que seria o
fenômeno da interpretação de línguas (1 Co 12.10, 30; 14. 5, 13). Dessa forma, a língua
pneumática falada pelos homens era traduzida pelo ES para outros entendessem.

Resumindo, (1) é o ES que provê a linguagem para além das capacidades humanas, mas
é o homem que fala; (2) O conteúdo da linguagem é inteligível, não é algo irracional ou
absurdo; (3) é algo novo e peculiar porque a descida do ES veio acompanhada de um
novo sinal.

Quanto ao conteúdo falado era o louvor a Deus. Atos informa que ouviram falar as
maravilhas de Deus (2.11). Williams entende que o falar em línguas não era para
comunicar o evangelho, porque logo depois da manifestação Pedro pregou a todos o
evangelho (At 2.14). Assim, não se trata de línguas missionárias, mas línguas de louvor
a Deus por suas obras maravilhosas. Ele também entende que Paulo chama os crentes
em Éfeso para fazerem isso (5.18) quando fala de encher-se do ES e falar entre si com
salmos, hinos e canticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor. O louvor flui de
um coração cheio do ES. Em Cesaréia, isso parece ter ocorrido (At 10.46) quando é
mencionado “falando em línguas e exaltando a Deus”. Dessa forma, isso estaria em
conformidade com o Pentecostes.

Esse louvor seria um que é transcendente e que vai além das capacidades humanas
normais, porque algo terreno jamais poderia captar as dimensões espirituais de Deus.
Apenas o próprio Deus-ES poderia proferir palavras de tamanha magnitude que
louvassem a Deus em excelência.

A importância de falar em línguas seria essa comunicação com Deus. O anseio de todo
cristão deve ser estar tão conectado com Deus que possa louvá-lo engrandecendo-o pelo
que ele é. O ES, então, capacitaria para que os crentes falassem línguas para que isso
ocorra.

BIBLIOGRAFIA:

WILLIAMS, J.Rodman. Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal São Paulo:


Editora Vida, 2011.

Aula 10 - Visões sobre o dom de profecia

Geralmente, quando ao pensar em profeta, imagina-se uma pessoa na igreja revelando


detalhes inescrupulosos sobre a vida de alguém ou prevendo alguma coisa sobre o
futuro. Mas a profecia no AT não era necessariamente isso. O profeta tinha algumas
funções que eram manifestas no seu ministério veterotestamentário. Ele era um
aplicador da lei, um vidente e um comunicador direto da Palavra de Deus.
Primeiramente, o profeta era alguém que aplicava a Lei. Ele pegava as verdades que
eram descritas na Lei de Israel e aplicava ao povo – isso é fundamentalmente o
ministério de um pregador.

O profeta também era alguém que trazia uma mensagem de Deus. Ele não estava
necessariamente revelando o futuro, mas eles estavam trazendo aquilo que Deus queria
trazer sobre o povo. Fosse uma mensagem de juízo, de graça de misericórdia. Deus
falava com seu povo através do ministério do profeta. O profeta também era um vidente.
Ele descrevia algo do futuro. Deus o revelava alguma informação acerca daquilo que
viria. Os falsos profetas eram pessoas que aplicavam mal a Lei, trazendo falsas
mensagens de Deus e que diziam sobre o futuro coisas mentirosas, impressões do
coração, nada que veio da mão e do coração de Deus. O ofício profético foi muito
importante para o povo de Israel e quando Jesus encarna, ele vem justamente cumprindo
o ofício de profeta também. Ele falava da parte de Deus ao seu povo.

Dito isso, podemos estabelecer que o profeta no AT era fundamentalmente um


mensageiro do Senhor. É dessa forma que o profeta Ageu se define (Ag 1.13). Podemos
ver também que o Senhor enviou o profeta Natã com uma mensagem (2 Sm 11.25).
Vemos que a Isaías foi dada uma mensagem para o rei Ezequias (2 Rs 20.1-11).
Jeremias é descrito como o verdadeiro enviado do Senhor (Jr 28.9), por outro lado, os
falsos profetas profetizavam mentiras sobre quem o Senhor diz que não os enviou (Jr
29.9). Assim, os profetas não tinham autoridade em si mesmos, eles não falavam o que
queriam e nem tinham um poder sobrenatural de profetizar na hora que eles bem
entendessem. Eles profetizavam aquilo que Deus os dizia. Dessa forma, ir contra o que
profeta dizia era ir contra o Senhor. Deus falava indubitavelmente por meio deles. De
forma que se o profeta trouxesse uma profecia errada, ele deveria ser morto e tirado do
povo de Israel porque uma única profecia falsa representava alguém que estava ins
contra a vontade de Deus. Em várias passagens podemos ver esse compromisso de não
dizer nada além do que o Senhor ordenava que fosse falado (Êx 4.12; Nm 22.38; Dt
18.18; Jr 1.9; Ez 2.7).

Assim, o povo do AT ouvia o próprio Deus quando ouvia o profeta e era punido se o
desobedecesse. O que esses profetas falaram é fundamentalmente o temos escrito na
Bíblia.

No NT, temos a figura dos apóstolos como aquilo que segue o ofício profético do AT. O
NT fala de profetas, mas o próprio NT equipara profetas e apóstolos quando vai falar
acerca dos fundamentos da igreja. E o modo como os apóstolos eram reconhecidos no
NT era muito próximo do modo como os profetas eram reconhecidos no AT. Os
apóstolos eram esses novos mensageiros de Deus, os quais falavam especificamente
acerca dos mistérios de Cristo.

O autor de Hebreus (Hb 1.1) nos lembra que Deus falou através dos profetas no AT e
agora fala através do Filho. Porém, mais na frente (Hb 3.1), ele faz uma ligação entre os
profetas do AT e Jesus como um apóstolo que traz esse ensino em algum nível de
comparação com os profetas. Assim como Cristo, os apóstolos são colocados como
correspondentes dos profetas. Pedro (2 Pe 3.2) cria um paralelo entre os profetas e os
apóstolos. Lucas (Lc 11.49) fala que profetas, num contexto do AT, e apóstolos foram
enviados ao povo, estabelecendo assim uma comparação entre ambos. Paulo mesmo diz
que a Igreja é fundamentada na doutrina e nos ensinos dos profetas e dos apóstolos (Ef
2.20). Por isso que Paulo poderia dizer constantemente que quem não o seguisse estaria
desobedecendo a Deus. Por isso que Pedro pode dizer que as cartas de Paulo são
equivalentes ao resto da Escritura e os ensinos proféticos do AT. Paulo recebeu os
ensinos de Deus e transmitiu diretamente à igreja. Ele era o aplicador da Lei. Deus
comunicava através deles, através do corpo dos apóstolos aquilo que deveríamos
aprender sobre a vontade do Senhor.

Os pais apostólicos entendiam que profetas e apóstolos faziam parte de um corpo unido.
Inácio de Antioquia, por exemplo, escreveu que “Cristo é a porta pela qual Abraão,
Isaque e Jacó e os profetas e apóstolos da Igreja haviam anunciado”. Ele une profetas e
apóstolo num corpo formativo do que era o cristianismo de forma geral. Policarpo de
Esmirna encorajou a igreja de Filipo dizendo assim: “Portanto, sirvamos a ele com todo
temor e respeito, como ele mesmo nos ordenou e também os apóstolos que nos
anunciaram o evangelho e os profetas que prenunciaram a vinda do nosso Senhor”.
Então, profetas e apóstolos estão unidos como se fizessem um só ofício, segundo os pais
da igreja.

Se os apóstolos eram equivalentes aos profetas, porque não usar logo esse termo?
Porque não chamamos logo de profeta? Os motivos podem ser os mais variados. Um
deles pode ser uma tentativa de demonstrar descontinuidade entre o antigo e o novo
pacto e mostrar que havia uma nova ambiência de manifestação de fé através da obra de
Jesus com a sua nova aliança. Outra explicação possível pode estar relacionada ao fato
de que ser um profeta segundo a profecia de Joel (Jl 2.28-32) diz respeito a ser uma
autoridade sobre o povo de Israel. Isso não acontece no novo pacto, já que o
cristianismo é para todos os povos. A profecia não estaria mais atrelada a um ofício
especial, uma vez que o ES desce a todos os povos. O de que “quem me dera que todo o
povo fosse profeta” (Nm 11.29) poderia ter se cumprido através de Joel 2 quando o ES
desce sobre toda a carne e então todos os homens podem ter profecias, visões e
revelações como é declarado em Joel 2. Não era somente o povo de Israel e uma casta
especial.

Ao invés de chamarmos os apóstolos de profetas como no AT, todo o povo salvo estaria
aberto a receber do dom de profecia se Deus o quisesse dar. Os apóstolos continuariam
o ofício profético como autoridade sobre o povo, mas em outro nível esse ofício
profético estaria disponívelà toda a igreja.

Outra explicação possível é que a palavra “profeta” foi mudando de significado ao


longo da história. Aquilo que profeta significava no AT não é muito próximo do que
profeta significaria para o mundo helênico do NT. No grego secular, há vários usos para
a palavra que estão muito distantes dos usos que temos no AT. Por exemplo, um
professor, um filósofo seriam chamados de profetas. A mudança de linguagem poderia
ser uma mudança do uso contextual das palavras naquele tempo.

A história escrita seria chamada de profecia da verdade. A palavra profeta passou,


assim, a ter muitos usos diferentes do uso do AT. Então, se usam a palavra no NT para
significar simplesmente o que diziam no AT, haveria um conflito de linguagem. Talvez,
eles tenham escolhido usar a palavra apóstolo para evitar conflitos maiores de
informação. Essa mudança de palavras pode ter como foco mostrar que a Nova Aliança
é superior à Antiga.
O que isso faz com o ofício profético no NT? Os teólogos vão debater muito. Isso
significa, no mínimo, que os profetas no NT não representavam exatamente a mesma
coisa que os profetas no AT. Tanto que os profetas eram julgados pela igreja, por
exemplo (1 Co 14.29). Não apenas os profetas, mas as suas profecias eram julgadas pela
comunidade. A autoridade dos profetas parecia ser inferior à dos apóstolos. Isso mostra
que a profecia no NT era bem diferente da profeciado AT. Os profetas tinham
autoridade bem mais limitada que os profetas do período do AT.

Muitos teólogos vão argumentar que os profetas hoje são nada mais que aplicadores da
lei. Um pregador poderia ser chamado de profeta porque ele é alguém que está
aplicando a lei para o povo, assim como um profeta fazia. Outros vão argumentar que os
profetas têm profecias que prevêem o futuro e revelam coisas ocultas da parte de Deus,
mas que ainda seria falível. A ideia de profecias falíveis vem principalmente através do
livro “o dom de profecia” de Wayne Grudem, onde alguém usado por Deus para
entregar profecias poderia tanto entregar profecias verdadeiras como profecias falsas, às
vezes, e que cabe à igreja julgar isso com cuidado. Ninguém teria autoridade de dizer
“assim diz o Senhor” senão através da Escritura. Esses profetas poderiam trazer
revelações, iluminações com cuidado e humildade da parte de Deus estando passíveis de
erro, por isso evitando falar de forma cabal em nome de Deus. Outros, em círculos mais
neopentescotalizados acreditam que o profeta hoje ainda cumpre o mesmo ministério do
AT e que ele falaria com autoridade perfeita e plena da parte de Deus e aquilo que ele
diz tem que ser seguido cabalmente e pronto.

Aula 11 – A plenitude e o enchimento do Espirito Santo

O ensino de uma segunda capacitação do Espírito pode levar a igreja a criar subdivisões
entre os cristãos dizendo que há aqueles que estão em níveis de espiritualidade maior
porque possuem a atuação de certos dons e outros que são “carnais” porque não
receberam aquilo que o ES quer dar para eles. Porém, isso é algo que não é ensinado
pela Bíblia.

A única distinção que a Bíblia faz é entre cristãos e não-cristãos. Não há cristãos mais
espirituais que outros, todos eles possuem o ES morando no seu interior. Não há como
criar classes e níveis de crentes. Entretanto, a vida dos cristãos pode apresentar níveis
diferentes de maturidade e de plenitude da ação do Espírito de Deus. Existem cristãos
que ainda estão no começo da caminhada e o ES está no processo de tratá-los e fazê-los
vencer certos comportamentos pecaminosos. Existem cristãos que pelo tempo que
vivem no caminho da fé e por aquilo que aprenderam da palavra de Deus, são cheios
desse ES e têm aplicado a verdade do ES a mais áreas da sua vida do que cristãos
novos. Isso não quer dizer que os cristãos estão em níveis qualificáveis de
espiritualidade distinta, mas que alguns cristãos estão mais à frente dos outros nesse
progresso gradual e nesse crescimento gradual na fé.

Constantemente, a Bíblia fala de pessoas que foram cheias do ES (4.8; 6.3,5; 7.55;
11.24 etc) e Paulo nos exorta a sermos cheios do Espírito (Ef 5.18). Primeiramente, há
uma diferença entre o que Lucas fala por “ser cheio do Espírito” e do que Paulo fala de
“ser cheio do Espírito”. As passagens de Atos falam sobre o ES existe no grego o caso
genitivo. Sempre que esse caso aparece como uma referência a recebermos o ES, ele é
aquele que enche, no sentido que ele é o conteúdo que enche a pessoa. É como se ele
fosse a água que alguém ingere. Nesse caso, esse enchimento permite que a pessoa
execute determinadas ações. Ou seja, elas são capacitadas por Deus para eecutar algo
que não eram antes. Seja para glorificar a Deus na morte de Estevão, seja para executar
um bom juizo em Atos 6, ou para proclamar as verdades de Deus em Atos 2. Esse
enchimento do ES levava as pessoas a agirem de uma forma que glorificava o nome de
Deus de modo específico.

Então Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes

Τότε Πέτρος πλησθεὶς πνεύματος ἁγίου εἶπεν πρὸς αὐτούς

Atos 4.8

cheios do Espírito e de sabedoria

πλήρεις πνεύματος καὶ σοφίας,

Atos 6.3

Mas Estêvão, cheio do Espírito Santo, levantou os olhos para o céu e viu a glória de
Deus, e Jesus de pé, à direita de Deus,

ὑπάρχων δὲ πλήρης πνεύματος ἁγίου ἀτενίσας εἰς τὸν οὐρανὸν εἶδεν δόξαν θεοῦ καὶ
Ἰησοῦν ἑστῶτα ἐκ δεξιῶν τοῦ θεοῦ

Atos 7.55

Ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé

ὅτι ἦν ἀνὴρ ἀγαθὸς καὶ πλήρης πνεύματος ἁγίου καὶ πίστεως

Atos 11.24

Mas quando Paulo fala em Efésios 5.18 usa outro caso de declinação da lingua grega, o
dativo. Quando ligado ao verbo principal da oração (deixar-se encher [πληροῦσθε]), o
caso traz a ideia que Espírito é o instrumento por meio do qual somos cheios, e não o
conteúdo que nos enche. Ele é o “agente pessoal ou meio do enchimento” (Andy
Naselli). Ou seja, o ES tanto é o conteúdo enche, como aparece em Atos, como é o
instrumento que nos enche de alguma outra coisa, como vemos em Efésios.

mas deixem-se encher pelo Espírito,

ἀλλὰ πληροῦσθε ἐν πνεύματι

Efésios 5.18

Se você usar Colossenses como a carta paralela de Efésios, ela diz que somos cheios da
Palavra de Deus. A ideia é de sermos cheios pelo ES em Efésios 5 é que somos cheios
por ele da Palavra. Ele nos enche com a Escritura. Ele trabalha com a verdade da
Bíbliaque Deus nos deu. A ideia de sermos cheios [το πληρομα] fala de completude, um
enchimento completo. Esse enchimento completo da Palavra vem do que? Efésios 4.13
nos dá a resposta: ser enchido é alcançar a unidade de fé, do conhecimento e chegar à
maturidade. Efésios 1.23 nos dá a resposta: quem enche é Jesus. Efésios 3.19 nos dá a
resposta: somos cheios da plenitude de Deus. Ou seja, Jesus nos enche por meio do ES
da sua Palavra para alcançarmos a plenitude essa maturidade, conhecimento do Senhor.

Existe uma plenitude do ES que alcançamos quando somos salvos, quando somos
guiados pela Palavra e amadurecemos no caminho da fé. Não podemos criar entre crente
A e crente B, mas existem crentes mais madurose menos maduros. Tudo isso é um
processo de sermos cheios e completos do ES todos os dias.
Antropologia: a doutrina do homem

Aula 1 – A importância da doutrina antropológica

Antropologia deriva das palavras αντρωπρός [homem] e λόγος[palavra, estudo]. Assim,


antropologia é o estudo do homem. Há vários caminhos para fazer isso: sociologia, obra
missionária, psicologia etc. O que faremos aqui é antropologia teológica. Ou seja, o que
a Palavra de Deus tem a nos dizer acerca do homem. O estudo do que é o homem é
essencial para a forma como vivemos, pois, a forma como vivemos é determinada pela
forma como nos compreendemos como seres humanos. Quem nós somos? Para que
Deus nos criou? Qual é o nosso propósito no mundo? O que nos constitui? Se não
tenhamos consciência da nossa concepção acerca do homem, nossa vida será uma
consequência disso. Assim, é fundamental que tenhamos uma compreensão bíblica
acerca do homem para que não nos entendamos de forma errada.

Millard Erickson, em sua teologia sistemática, dá pelo menos cinco motivos pelos quais
a antropologia é uma doutrina tão importante para aquele que deseja conhecer a Palavra
de Deus.

• A antropologia é importante porque está relacionada com temas teológicos que


são centrais para fé cristã. A criação, a pessoa de Deus, a salvação, o pecado, o
destino eterno...tudo isso deriva de forma direta da forma como entendemos
antropologia. Pense no fato que Deus se tornou homem. Entender a humanidade
é importante para entendermos a encarnação do verbo, por exemplo. Se somos
imagem e semelhança de Deus, o que podemos ver sobre Deus a partir de nós?
Como alguém pode ser salvo da ira eterna? E o que a relação do homem com o
Senhor tem a dizer sobre isso? Todas essas doutrinas são centrais e precisamos
entender quem é o homem se queremos entender essas coisas.
• É nela que temos uma convergência entre revelação bíblica e preocupações
humanas. A antropologia vai ser um caminho de aplicação direta da Bíblia para
a prática da existência, porque a antropologia é um objeto de estudo muito
próximo de nós. Não estamos estudando metafísica, mas quem nós somos
diretamente e como isso afeta de maneira clara nosso próprio comportamento.
Então nossas precocupações e questões acerca do dia-a-dia são afetadas pela
antropologia.
• A atenção dada à antropologia nas mais variadas disciplinas acadêmicas hoje em
dia. As pessoas discutem muito sobre o ser humano principalmente nas
psicologias, quando se discute psiquiatria, biologia, identidade de gênero e todas
essas coisas...tudo isso está dentro de antropologia. Termos uma boa
antropologia bíblica nos dará respostas à questões urgentes do nosso tempo.
Essas respostas podem ser dadas pela palavra de Deus. É muito complicado
termos uma má teologia pública por termos uma má teologia do homem. Se não
temos uma boa leitura de quem o homem é a partir da Palavra de Deus, podemos
crer em outras pregações acerca do que o homem é contido nas ciências à nossa
volta.
• A presente crise de autoentendimento do homem moderno. Os dramas da
modernidade em que o homem não sabe mais quem é e qual seu propósito no
mundo, para que ele foi criado e quem nós somos, qual nosso senso de
identidade, nossa identidade deriva da nossa biologia ou não. Todas essas
questões são importantes e devem ser respondidas a partir da palavra de Deus.
As pessoas vivem em busca de identidade, propósito e imagem. As pessoas não
sabem onde depositar seu próprio senso de identidade de valor. A palavra de
Deus pode fornecer isso através de uma boa antropologia.
• Essa doutrina afeta no modo como servimos no ministério e como ensinamos o
evangelho à outras pessoas. Se interpretamos os seres humanos como
emocionais, volitivos ou intelectuais. Como interpretamos a forma como as
pessoas entendem e aprendem coisas. Como entendemos a relação do homem
com o ambiente. Tudo isso afeta nosso serviço, pregação e nosso ensino. Ter
uma boa antropologia nos ajuda a pregar o Evangelho e servir no ministério de
forma mais eficaz.

REFERÊNCIAS

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 2 – Imagem da humanidade

• Uma máquina

O homem é interpretado em visões de eficiência e daquilo que ele consegue produzir e


fazer em si mesmo. Essa visão se tornou muito famosa nas críticas que eram feitas à
revolução industrial onde o homem era sempre visto como uam força de trabalho cujas
capacidades são sempre criar e formar alguma coisa. Homens que devem sempre render
dentro de certas questões de produtividade. Isso muitas vezes é trazido para dentro do
ministério em que o homem tem que ser uma máquina de produção disso ou daquilo. Se
sua saúde não está bem, o único problema é que efeitos isso pode gerar na sua
produção.

• Um animal

Ele é visto como um animal racional que cresceu nas escalas evolutivas e que subiu ao
topo da cadeia alimentar. Seríamos tão animais quanto cachorros, gatos e cavalos. A
única coisa que seria diferente é a capacidade de abstração e de racicínio mais
avançado. Essa é uma visão profundamente evolucionista do ser humano e que reduz o
ser humano ao mesmo nível dos outros seres da criação. As pessoas defensoras dos
direitos dos animais e os veganos geralmente argumentam que maltratar um animal,
usá-lo como força de trabalho, comê-lo, estaria no mesmo nível de fazer isso com o ser
humano. Claro que, em algum nível, temos semelhanças com alguns animais, mas não
das mais profundas, não de forma total. Não fomos criados como animais, mas como
parte especial da criação.

• Um ser sexual

Essa ideia vem das ideias de Sigmund Freud e, principalmente, da má interpretação das
ideias de Freud. Ele falava que a sexualidade era uma das principais chaves para
interpretar quem é o ser humano. E ele vai tratar toda punção de desejo como
sexualidade em sua linguagem. Claro que a sexualidade é algo que move o ser humano
e os evolucionistas dizem que a evolução foi em parte, de forma muito central até, uma
evolução sexual. Evoluíram e os genes foram transmitidos daqueles que melhor se
adaptaram sexualmente, estes conseguiram mais parceiras e propagar mais seus genes
através de sua prole. O modo como as pessoas vivem suas vidas hoje é intimamente
sexual.Nossa cultura é altamente pornificada. As pessoas vivem como animais sexuais e
interpretam que tudo o que fazem é por causa de um parceiro ou parceira sexual que
justifique a própria existência.

• Um ser econômico

Ele é fundamentalmente alguém dentro desse processo de troca. Essa visão muito
próxima do materialismo dialético de Karl Marx, que acreditava que o homem na sua
superestrutura, nos seus valores, na sua moral, no seu comportamento, era intimamente
influenciado pela infraestrutura, ou seja, os fatores econômicos à sua volta, são ideias
que também são incoporadas por ideias mais liberais que interpretam o ser humano
como nada mais que alguém dentro de um sistema de troca constante. O que faz muitas
pessoas acreditarem que influências econômicas é aquilo de mais importante na
formação de quem é o indivíduo.

• Um peão do universo

É uma ideia particularmente moderna que seres humanos nada mais são do que a
congruência de forças do universo que o controlam e o definem.Berthrand Russel, o
famoso cético, defendia essa ideia ao ponto do desespero com a ideia que somos
simplesmente predestinados por forças que estão além do nosso controle. Essas forças
não provêm de Deus, mas são simplesmente forças da própria existência. Jean Paul
Sartre, o famoso existencialista, leva essas ideias ao ponto de chegarmos no desespero
pessoal de acreditar que não temos qualquer valor ou significado. Albert Camus
defendeu essa mesma ideia e hoje em dia pessoas defendem ideia muito parecidas ao
dizer que o homem nada mais é do que um fruto do meio. Talvez não sejam forças
cósmicas que de alguma forma nos definem, mas sempre é a circusntância em que nós
estamos inseridos que define quem nós somos. Não somos nada mais em termos de
ideias, religião, valores, vontades, senão frutos do meio onde a gente está inserida.

• Um ser social

Não somos nada além que membros de um meio da sociedade. O modo como
interagimos em grupo é aquilo que define quem somos. Essa percepção costuma
defender que o homem não possui uma natureza, uma essencia, mas ele é puramente
aquilo que existe. Ele é só a sua interação. Não há nada interior ao ser humano, não
existem valores essenciais que provém da criação de Deus. Somos nada mais que
interações constantes.

• Um ser livre

Homens que possuem vontade plena e absoluta para definir quem são, o que querem ser
até mesmo uma liberdade contra suas imposições biológicas, o seu sexo. Nada pode
impedir o ser humano de ser o que ele é e o que deseja ser.Exercemos nossa liberdade
de acordo com nossos interesses.

REFERÊNCIA

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.


Aula 3- A crianção da humanidade

1. Evolução naturalista. Essa teoria rejeita qualquer ação sobrenatural na criação do


homem. “Os processos imanentes na natureza produziram os seres humanos e tudo
o que existe” (Erickson, 470). Isto significa que o Homem, assim como todas as
criaturas, surgira de processos naturais e não há qualquer ser divino que tenha
participado na criação do que é natural.A evolução naturalista considera que os
processos físico-quimicos dos átomos e partículas subatômicas deram origem à
vida, e assim ao processo biológico. Esses processos são aleatórios e causais, sem
um propósito de ser, e aqueles seres que surgiram desses processos são
selecionados pelo meio externo a eles. Os que são selecionados positivamente
podem perpetuar sua geração, reproduzindo-se. Por outro lado, aqueles que são
selecionados negativamente podem chegar à extinção. Novamente, esse processo
de seleção natural é arbitrário e sem propósito de ser. O homem existe como tal
hoje simplesmente porque ele foi selecionado positivamente e se reproduziu.Essa
posição não encontra respaldo bíblico, pois desde seu início considera que Deus
não existe.
2. Evolução Deísta. Essa teoria ainda aceita a evolução como descrita na evolução
naturalista. Entretanto, o processo criativo não foi originado na própria natureza,
mas por um ser divino que depois de dar início abandonou a criação, deixando-a
entregue aos processos físico-quimico-biológicos que estebelecera. Tal ser divino,
portanto, não atua no desenvolvimento do mundo e dos seres que nele existem. Ele
é meramente um espectador. Pode-se ainda dizer que tal ser divino nem sequer se
comunica com o homem por meio de algum tipo de revelação especial. Por causa
disso, também está em desacordo com a Bíblia. Uma vez que a Bíblia mostra um
Deus providente que está dentro da criação através de sua ação soberana.
3. Evolução Teísta. A diferença dessa teoria para a anterior é a pessoalidade do ser
que criou o mundo. Esta afirma que foi o Deus Triúno da Bíblia que criou o
mundo. Porém, igualmente com a anterior, acredita que o homem, assim como os
demais seres, é fruto de um processo evolutivo de milhares de anos, a
macroevolução. Dessa forma, o aspecto material do homem teria sido fruto da
evolução, enquanto o espiritual teria sido infundido por Deus em algum momento.
Essa posição surge de uma tentativa por tentar conciliar o que o meio científico
afirma – a evolução – mas dando uma resposta cristã – não é naturalista, mas foi
Deus que criou.
4. Criacionismo progressivo. Essa teoria difere da anterior quando rejeita a
macroevolução, mas aceita a microevolução. Isto é, essa teoria defende que o Deus
Triúno criou o homem como ele é e os demais cabeças de família dos demais seres
(animais e vegetais). Esses cabeças de espécie sofreram variabiliade genética e
deram origem a todas as distinções dentro das famílias de animais. Por exemplo,
Deus criou o cabeça da família dos cachorros, o qual chamaremos de Canídeo.
Esse Canídeo continha em seu DNA a informação genética de todas as espécies de
cachorros que hoje existem. O processo de mutação e seleção foi dando origem às
variações dentro da família de determinado animal ou vegetal. Ou seja, Deus não
criou o poodle, o Rusky, o Rotweiller e o lobo, mas criou um Canídeo que pode
dar origem a todos estes. Não obstante, o homem foi criado de modo especial e
distinto, não derivando de um ser anterior. A interpretação dessa posição surge
porque da palavra hebraica ‫[ ִמין‬min], que é traduzida como “espécie”, é vaga “de
modo que não é necessário idenficá-lo com as espécies biológicas” (ERICKSON,
473). Ou seja, quando a Bíblia fala que Deus criou os animais segundo suas
espécies, ela não quer dizer o mesmo sentido científico que espécie adquiriu, mas
pode significar Deus criou os animais segundo suas “famílias”.
5. Criacionismo fiat. Esse é o extremo oposto da evolução naturalista. Essa teoria
afirma que “Deus, em um ato direto, trouxe à existência, de modo praticamente
instantâneo, tudo o que existe” (ERICKSON, 471). Ou seja, Deus criou cada
espécie, cada raça em suas particularidades e distinções, e o homem como ele é
hoje.

Dentro dessas visões sobre a criação do ser humano, existem visões sobre a criação da
terra. Alguns vão argumentar acerca de uma terra jovem e outros uma terra
antiga.Existem pelo menos 3 visões sobre a idade da terra dentro dessas visões sobre a
criação do homem.

• A terra teria sido criada dentro do criacionismo fiat como uma terra jovem. Assim,
a terra teria cerca de 6 mil anos e a medida que Deus criou o ser humano, ele criou
também tudo da forma como existe hoje.
• Há também a ideia que temos uma terra antiga, mas é assim porque Deus a criou
parecendo velha. Assim, a terra teria sido criada a 6 mil anos mais ou menos,
juntamente com o início da humanidade nos seis dias literais da criação, mas que
foi criada com aparência de velha, por isso as datações parecem apontar para uma
terra mais antiga.
• Uma terceira posição, que seria oposta à visão da terra jovem, seria a de que Deus
criou a terra a milhoes de anos e ela chegou a o que é hoje através do processo
evolutivo.

REFERÊNCIA

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 4 – O significado teológico da criação da humanidade


1. Dizer que o Homem é criado é dizer que temos existência
dependente.
2. Nossa existência não existe em si mesma, mas ela depende da criação do Senhor.
Existimos em submissão a ele e porque ele existe e porque ele nos criou. Ele tem
uma existência plena e contida em si mesma. Quando ele diz que “é o que é” está
demonstrando a sua soberania, grandeza e autoridade. Sua existência é soberana,
mas nós existimos em sujeição a Deus. Somos limitados por aquilo que Deus é e o
que ele intentou para nós.
3. O ser humano faz parte da
criação.
Somos parte do que Deus fez. Não estamos acima da criação, mas somos parte
dela ainda que sejamos coroa dela. Então, somos criados de forma especial, mas
somos parte desse meio ambiente. Isso fala alguma coisa sobre ecologia, cuidado
com o meio ambiente, sobre nossa relação com o meio e tudo mais. Assim,
também somos afetados pelo que acontece com ela
4. O ser humano tem um lugar distinto. Não podemos interpretar que somos tão
importantes quanto o resto da criação, mas somos mais importantes que outras
coisas que foram criadas. Somos mais importantes que os animais, as plantas, que
as belezas naturais. Como seres humanos, fomos criados por Deus como coroa,
como aquilo que há de mais belo e elevado em tudo aquilo que ele fez. A vida
humana vale mais que qualquer outra coisa.
5. Existe um sentimento de fraternidade entre humanos. O simples fato de
sermos seres humanos criados por Deus nos faz irmãos. Somos pessoas que podem
ter relacionamento umas com as outras. O termo irmão é usado no NT para falar
diretamente da igreja, uma unidade muito maior que qualquer outra coisa. Porém,
mesmo fora dessa linguagem eclesiástica, principalmente, nós somos irmãos
também. Não no sentido de sermos filhos de Deus, mas no sentido de sermos
criados por Deus. A ideia de Deus ser pai de todos não é que ele é pai de todos no
sentido espiritual, mas Deus é o criador de todos e que fez todos. Qualquer ser
humano é parte dessa irmandade da raça. De forma que racismo, desprezo por
outras etnias, escravidão, tráfico de gente, essas coisas não cabem dentro de uma
antropologia e cosmovisão cristã, pois como parte do gênero humano somos todos
criados pelo mesmo Deus e devemos todos viver em harmonia.
6. A humanidade não é o que há de mais valioso no universo. Não somos o centro
da existência nem do universo, mas Deus que é. Deus é centro de tudo e é em
torno de Deus que tudo se move. Tudo é dele, por ele e para ele. É nele nos
movemos, vivemos e existimos. É apenas pelo Senhor que existimos. Como seres
humanos, não podemos nos interpretar como aquilo de mais importante na
existência, porque Deus está na existência e é maior que nós. Somos criados por
ele, logo somos menores do que ele.
7. Como parte da criação, temos limitações. Não somos infinitos, onipontentes,
não somos Deus. E porque não somos Deus temos que interpretar a nossa
pequenez como algo inerente ao que somos. Todos nós vamos morrer.
Enfrentamos também a fome, o sono, a fraqueza. Este corpo de carne foi entregue
por Deus a nós e tem o objetivo de nos lembrar que estamos sempre sujeitos às
forças de um Deus que é maior que nós.
8.
9. Precisamos entender nossas limitações. Para viver de forma apropriada,
precisamos entender nossas limitações e quem nós somos dentro desse grande
propósito criador de Deus. Se nos interpretarmos como mais do que somos e
acharmos que temos capacidades e poderes muito maiores do que aquilo que
realmente temos, viveremos uma vida muito triste e frustrada. A cultura do nosso
tempo quer nos fazer acreditar que podemos tudo. Ela diz que se vencermos os
pensamentos limitantes e reprogamarmos o DNA através de pensamento positivo,
ou sei lá, conseguiremos coisas das mais variadas. Mas nem todos nós
conseguimos muitas coisas, nem todos nós estaremos no topo ou algo assim. Não
somos o centro do universo. Temos limitações e viver de forma correta muitas
vezes depende de entendermos que somos limitados, onde somos limitados, como
somos limitados e qual a forma de vencermos ou não certas limitações para
podermos viver de forma coerente com esse propósito criacional de Deus.
10. Ser um humano é uma coisa incrível. Deus nos criou como a coroa de sua
criação, como aquilo que há de mais elevado em tudo o que foi criado. Isso nos faz
acreditar que Deus tinha um propósito especial para nós e que ser um humano é
maravilhoso, incrível, criada por Deus justamente para refletir a sua glória e
grandeza. Não podemos desprezar o ser humano, porque Deus nos fez grandes,
gloriosos, um pouco menor do que os anjos (Sl 8) e apesar de destruídos pelo
pecado, ainda seremos resgatados pela obra perfeita de Cristo Jesus. Deus nos
criou à sua imagem e semelhança justamente para refletir a sua glória a esse
mundo caído.
REFERÊNCIA:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 5 – Imago Dei: história das interpretações

No relato da criação do homem, a Bíblia diz que fomos criados à imagem de Deus, no
latim, Imago Dei. Isso fala sobre essa representação de Deus que temos nesse mundo.
Lemos isso em Gênesis 1.26-27 onde é dito que somos criados à sua imagem [‫ ]לְ ֵמצ‬e
semelhança [‫]מּותְד‬.
ֵ

Berkhof (BERKHOF, 187) afirma que

Irineu e Tertuliano traçavam uma distinção entre a “imagem” e a “semelhança” de Deus


vendo a primeira nas características corporais e a última na natureza espiritual do
homem. Clemente de Alexandria e Orígenes, porém, rejeitaram a ideia de qualquer
analogia corporal e sustentavam que a palavra “imagem” indica as características do
homem como tal, e a palavra “semelhança”, qualidades não essenciais do homem, mas
que podem ser perdidas.

Segundo Ferreira e Myatt, Irineu entendia que a semelhança foi perdida na queda, mas a
imagem permaneceu. Eles citam-no:

Se, porém, falta o Espírito à alma, este homem será verdadeiramente psíquico e moral,
mas imperfeito, porque possuiria a imagem de Deus enquanto criatura modelada, mas
não teria recebido a semelhança por meio do Espírito. (IRINEU apud FERREIRA e
MYATT, 389)

Ele continua dizendo

Segundo Pelágio e seus seguidores, a imagem consistia apenas em que o homem foi
dotado de razão, para que pudesse conhecer a Deus; de livre arbítrio, para que fosse
capaz de escolher o bem e praticá-lo; e do necessário poder para governar a criação
inferior.

Mesmo com o passar do tempo, alguns escolásticos continuaram com a ideia dos Pais
da Igreja.

Concebia-se que a imagem incluía as faculdades intelectuais da razão e da liberdade, e


que a semelhança consistia da justiça social. A isto acrescentou-se outro ponto de
distinção, a saber, a distinção entre a imagem de Deus como dom natural ao homem,
algo pertencente à própria natureza do homem como tal, e a semelhança de Deus, ou a
justiça original como dom sobrenatural, que servia de controle da natureza inferior do
homem (BERKHOF, 387).

Ferreira e Myatt afirmam que

Para ajudar o homem a controlar os desejos inferiores (o sexo, por exemplo) Deus
concedeu-lhe o domum superadditum (dom adicional), ou seja, a semelhança, que é a
justiça e a graça de amar a Deus sobrenaturalmente. Na queda, o homem perdeu a
semelhança com Deus, mas a imagem permaneceu[1] (FERREIRA e MYATT, 390)

Já os reformadores rejeitaram a ideia da distinção entre imagem e semelhança.


Entretanto, Lutero considerava que a Imagem de Deus havia sido destruída por causa do
pecado, restando apenas vestígios do que constituía a semelhança com Deus e buscava
simplesmente a justiça original que haveria de ser restaurada por Cristo. Calvino, por
outro lado, entendia que a Imagem de Deus diz respeito à totalidade do que o homem é
e aquilo que o diferencia dos animais. Não obstante, essa imagem foi contaminada pelo
pecado. Calvino afirma que

Deus decretou criar o homem à sua imagem, porque não era tão claro,
explicativamente o reitera nesta breve locução: à semelhança, como se estivesse a dizer
que iria fazer um homem no qual, mediante marcas impressas de semelhança, haveria
de representar-se a si próprio como uma imagem. Por isso, referindo o mesmo pouco
depois, Moisés repete duas vezes a frase imagem de Deus, omitindo a menção da
semelhança (CALVINO apud FERREIRA e MYATT, 393)

Ele também diz que

Embora concordemos que a imagem de Deus não foi nele [no homem] aniquilada e
apagada de todo, todavia foi corrompida a tal ponto que, qualquer coisa que lhe reste,
não passa de horrenda deformidade (As institutas, I.15.4).

Ainda segundo FERREIRA e MYATT

Os teólogos arminianos, a partir do século XVII, de modo geral, concordam com os


reformados sobre a imagem de Deus, a não ser na questão da liberdade da vontade. Os
arminianos entendem que ainda permanece, por causa da graça preveniente, algum tipo
de liberdade residual no ser humano, no sentido de uma capacidade de agir sem
qualquer predeterminação, seja ela divina ou natural, o que seria um aspecto essencial
da imagem de Deus no homem (FERREIRA e MYATT, 394).

No século XX, o teólogo neo-ortodoxo Emil Brunner propôs que a Queda não teria sido
um evento histórico, mas que a condição atual do homem é diferente da condição em
que ele foi criado. Para ele, a Queda teria sido um aspecto em outra categoria. Como
esse “evento” implica na concepção do que a Imagem de Deus, Brunner vai dizer que:

Uma vez mais, ambos [Deus e o Homem] estão correlacionados e conectados, estar
consciente do santo Amor de Deus e estar consciente do fato que minha natureza é
criada por Deus, resulta a mesma coisa. É assim, e não de outra maneira, que sou
planejado ser pelo Criador (BRUNNER, 85).

Brunner ainda acrescenta que existe uma diferença entre aspecto material e aspecto
formal da imagem de Deus.

No Antigo Testamento, a Bíblia descreve esse aspecto formal da natureza humana pelo
conceito de “ser criado à imagem de Deus”. No pensamento do Antigo Testamento, o
fato de que o homem foi “feito à imagem de Deus” significa algo que o homem nunca
pode perder, mesmo quando peca não pode perdê-la. Esta concepção não está, portanto,
afetada pelo contraste entre pecado e graça ou pecado e obediência, precisamente
porque descreve o aspecto “formal” ou “estrutural”, e não o “material” da natureza
humana. Então, como é possível perceber refletida similaridade nesta semelhança
formal com Deus? A similaridade consiste em existir como “sujeito”, existir como
“pessoa”, liberdade. Seguramente, o homem tem apenas uma liberdade limitada, porque
é responsável, mas tem liberdade; só assim pode ser responsável. Assim, o aspecto
formal da natureza do homem, como um ser “feito à imagem de Deus”, denota sua
existência como Sujeito, ou sua liberdade; é isto que diferencia o homem da criação
inferior; isto constitui sua qualidade humana especificamente; é isto que é comunicado
a ele – e somente a ele – e sob todas as circunstâncias – por ordem Divina (BRUNNER,
88).

Karl Barth, que também era um teólogo neo-ortodoxo, apresenta três estágios do que
pensava ser a imagem de Deus. No primeiro, ele não usava a expressão “imagem de
Deus”, mas falava de uma unidade entre Deus e os seres humanos. Tal unidade foi
perdida com a Queda, apesar dele também não considerar a Queda um evento temporal.
No segundo estágio, devido à controvérsia com Brunner, ele negou qualquer ligação
entre Deus e o homem, e a capacidade do homem de receber palavra de Deus. No seu
terceiro estágio, ele se refere à imagem de Deus como algo que ainda é presente no
homem. Ele entende que a imagem consiste não apenas no relacionamento do homem
com Deus, mas do homem com seu semelhante. Para Barth, compreenderíamos mais o
ser humano estudando Cristo, não os homens, pois este é aquele que reflete
perfeitamente o que Deus pensou para a humanidade.

Aula 6 – Imago Dai: três principais visões

Gênesis 1.26-27 descreve que o homem foi criado à “imagem” e “semelhança” de Deus.
Os termos não significam coisas diferentes, ao contrário, a estrutura de paralelismo
nesses versículos aponta que eles descrevem a mesma coisa, e um termo reitera o outro
(BERKHOF, 188). Em Gênesis 5.1, a Bíblia reitera que Deus criou o homem segundo
sua semelhança [‫]מּותְד‬,
ֵ mas no verso 3 somos informados que Adão gerou um filho à
sua semelhança [‫]מּותְד‬.
ֵ Ao contrário do que alguns podem pensar, isso não quer dizer
que a Imago Dei foi perdida, mas que ela foi maculada. Isto é, uma vez que Adão pecou
a Imago Dei foi deturpada. Dessa forma, todo descendente que nasce de homem e
mulher hoje herda essa semelhança com Adão: a semelhança deturpada de como ele
havia sido criado. A prova que o ser humano continua portando a imagem de Deus
depois da Queda é que tanto Gn 9.6, quanto Tg 3.9 apresentam o homem como ainda
dotados da imagem e semelhança do Senhor. Em Tiago, não deveríamos falar mal
porque eles ainda são imagem e semelhança de Deus. Tanto no AT quanto no NT,
continuamos imagem e semelhança de Deus mesmo após a Queda. Essa imagem foi
maculada, mas não foi totalmente destruída.

Millard Erickson diz que a Imago Dei tem 3 concepções

• Concepção essencial

Segundo Erickson, “as concepções mais comuns da imagem de Deus distinguem-na


como uma qualidade espiritual ou psicológica na natureza humana, principalmente a
razão” (ERICKSON, 489). Porém, não podemos isolar que a semelhança com Deus se
restrinja somente à razão pois “certamente, a onisciência e a sabedoria constituem uma
dimensão importante da natureza divina, mas não são, de forma alguma, a essência da
divindade” (ERICKSON, 489). O ponto de síntese dessa concepção é que a imagem de
Deus está presente no homem “como uma qualidade ou capacidade intrínseca”
(ERICKSON, 489). Somos imagem e semelhança porque temos coisas em nós que nos
fazem assim, seja racionalidade ou o que for.

Essa concepção não vê a imagem de Deus como algo intrínseco à natureza do homem.
Os teólogos que defendem essa posição entendem que“a imagem de Deus está nos
relacionamentos que experimentamos” (ERICKSON, 491). Os seres humanos seriam ou
manifestariam a imago dei quando vivenciassem um relacionamento. Emil Brunner e
Karl Barth defendiam variações dessa concepção. Apesar de suas diferenças, Barth e
Brunner tinham os seguintes elementos[1] em comum:

• A imagem de Deus e a natureza são mais bem compreendidas por meio do estudo
da pessoa de Jesus, não da natureza humana per se.
• Obtemos nosso entendimento da imagem de Deus por meio da revelação divina
• A imagem de Deus não deve ser entendida como qualidades estruturais intrisecas
aos seres humanos; não se trata de algo que o homem é ou tem. Antes, a imagem é
uma questão de relacionamento da pessoa com Deus; é algo que o ser humano
experimenta. Assim, ela é dinâmica, não estática.

• Concepção funcional

A terceira concepção talvez seja a mais popular e diz que a imagem de Deus não é algo
da concepção do ser humano, nem sua experiência de relacionamentos, mas algo que ele
foi designado para fazer. A Imago Dei seria o exercício humano do domínio da criação.

Essa concepção se baseia na declaração de Gênesis 1.26 “Façamos o homem à nossa


imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar...” e também
nos versos 27 e 28 quando Deus ordena que homem e mulher exerçam domínio. A ideia
seria que o homem reflete a Imago Dei porque assim como Deus exerce controle da
criação, o homem exerceria domínio sobre ela.

Outra passagem que fala a respeito é Salmo 8.5-6: “Pois pouco menor o fizeste do que
os anjos, e de glória e de honra o coroaste. Fazes com que ele tenha domínio sobre as
obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés”

A intenção de Deus ao fazer o homem à sua imagem seria que este exercesse domínio –
nisto consistiria a Imago Dei. Essa ênfase acompanhou o entendimento do mandato
cultural. O mandato cultural seria o exercício do domínio da criação conforme Deus
prentendeu.

Erickson analisa as implicações positivas e negativas de cada uma das concepções.


Quanto à concepção relacional, ele entende que, de fato, só o homem se relaciona
conscientemente com Deus e suas outras criaturas. O homem foi feito para se
relacionar. Porém, até que ponto pode-se dizer que uma pessoa que é descrente, que está
em rebelião contra Deus, exerce esse relacionamento que seria a imagem de Deus? Se
até mesmo os descrentes são imagem de Deus como lemos na Escritura não faz sentido
que ele dependa de relacionamentos corretos com os outros e com Deus para poder ser
essa imagem.
Quanto à concepção funcional, ele observa que realmente há uma ligação entre a
imagem de Deus e o exercício do domínio sobre a criação. Porém, isso seria visto como
uma consequência da Imago Dei e não propriamente ela. Berkhof comenta que “Deus
menciona a criação do homem à imagem divina e seu domínio sobre a criação inferior
no mesmo compasso, cGênesis 1. 26, isto indica a glória e a honra com que o homem é
coroado, Salmo 8.5-6” (BERKHOF, 190). Isso indica que ser aquele que domina e ser
imagem de Deus não é a mesmoa coisa. Um decorre do outro, mas não se confundem.

Por fim, a concepção essencial carece em apontar precisamente quais características são
as que constituem a imagem de Deus e pode reduzir a um elemento do ser humano toda
a imagem de Deus (ex: razão).

[1] Retirados de ERICKSON, 493.

Aula 7 – Imago Dei: definições bíblicas

• A imagem de Deus é universal. Todo ser humano, pecador ou cristão, é imagem


de Deus. Isso não é próprio de uma pessoa de determinada classe social, língua,
etnia, ou nascido de um país. A imagem de Deus é algo dado a todo ser humano
seja ele salvo ou não.
• A imagem de Deus não se perdeu, mas foi maculada. Temos uma imagem
quebrada e não refletimos Deus de forma absoluta. Mesmo assim ainda temos
algo dessa imagem em nós e ainda somos valiosos por causa dessa imagem.
• Não há grau de imagem de Deus nas pessoas. Ninguém é mais imagem de Deus
que outra pessoa. Apesar dos pecados se manifestarem de formas distintas, o
pecado afeta cada indivíduo da mesma forma e todo homem é maculado do
mesmo jeito pelo pecado. A imagem de Deus permanece e é corrompida em
cada homem do mesmo nível. Não existem gradações e nínguem pode se achar
imagem de Deus mais que outra pessoa.
• A imagem de Deus não está correlacionada a nenhuma variável. Não há texto
bíblico que aponte a imagem de Deus sendo dependente exclusivamente de
relacionamento ou do exercício do domínio, ou de alguma habilidade que
manifestemosna vida.
• Portanto, considera-se que a Imago Dei é basicamente essencial. É algo que o
ser humano é, não algo que ele tem ou faz. Ainda que não se possa precisar um
elemento, não se deva, a imagem de Deus diz respeito à própria constituição
humana. As dimensões funcional e relacional seriam consequências da Imago
Dei.

Como diz Erickson, “a imagem propriamente dita é o conjunto de características


necessárias para o desenvolvimento dos relacionamentos e para o exercício do domínio”
(ERICKSON, 499). Tais características são as coisas que “tornam possíveis a adoração,
a interação social e o trabalho” (500).

O teólogo arminiano Norman Geisler diz o seguinte que a imagem de Deus “inclui
características tanto morais quanto espirituais.”(GEISLER, 451)

Imagem inclui semelhança intelectual com Deus.Deus é um ser inteligente; na verdade,


ele conhece tudo (Sl 139. 1-6). Apesar dos humanos serem finitos, não obstante, eles
são como Deus no que se refere à sua inteligência (cf. Jó 35. 11). Paulo fala do ser
"renovado em conhecimento à imagem de Deus" (Cl 3. 10). Judas declara que os
humanos estão acima dos "animaisirracionais" (Jd 10).

Imagem inclui semelhança moral com Deus.Deus é santo (Is 6. 1-3); ele é amor (1 Jo
4.16); ele tem muitosoutros atributos Morais também.Já que humanos foram criados
como Deus, esperado que eles compartilhem essas características morais. Portanto,
Deus nos ordena "sedesperfeitos, portanto como o pai celestial é perfeito (Mt 5. 48). O
senhor disse a Israel "sedes santos, porque eu sou santo" (Lv 11.45). [1]

Geisler considera a semelhança moral e intelectual com Deus implica em outros


elementos como representação, reprodução e governo. Também há um aspecto de
responsabilidade, porque Deus é responsável por suas ações.

A imagem inclui semelhança volitiva com Deus.Essencial para moralidade é a


volição.Assim como Deus, humanos possuem livre agência, limitados por sua
natureza.Dessa forma todas as pessoas são responsáveis por seus pecados.

• Imagem inclui o corpo.


• Corpo e mente são uma unidade.
• Matéria é boa e reflete a glória de Deus. Com isso rejeitamos os gnósticismos
que dizem que a matéria é má e tudo aquilo que é físico é necessariamente
pecaminoso. Ser imagem de Deus inclui ter um corpo para refletir essa imagem.
Logo o corpo não é algo negativo ou pecaminoso. O corpo não nos foi dado
depois da Queda, mas antes. A matéria é boa e reflete a imagem de Deus.
• Homem e mulher são imagem de Deus
• Matar um corpo é errado por causa da imagem de Deus. O assasinato é pecado
porque ele é um crime à imagem de alguém. A eutanásia, o aborto e todas essas
práticas que se pretendem modernas, mas que não muito antigas no mundo são
ofensas à imagem de Deus no ser humano.
• Cristo encarnou corporalmente e veio à terra para representar, como nós, Deus
no mundo. Porém, fez isso como homem perfeito e de forma perfeita já que
Cristo encarnado era um homem sem pecado.
• A ressurreição do corpo revela que nosso aspecto físico faz parte daquilo que
Deus intentou que carregássemos para sempre até mesmo no Novo Céu e Nova
Terra. O que representa talvez a ideia de sermos físicos também faz parte da
imagem de Deus.

O teólogo calvinista Louis Berkhof também concorda que o corpo humano expressa
algo da imagem de Deus.Ele diz:

Pode se levantar a questão se o corpo do homem também constitui uma parte da


imagem. E, ao que parece, esta questão deve ser respondida afirmativamente.Diz a
bíblia que o homem -não apenas a alma do homem -foi criado à imagem de Deus,e o
homem, a " alma vivente" não é completo sem o corpo (BERKHOF, 189)

Também para Berkhof, não podemos desprezar o corpo no que diz respeito à imagem de
Deus porque ele o vê como um “instrumento próprio de auoexpressão da alma” (189).
Ele lembra que o corpo “está destinado a tornar-se no fim um corpo espiritual” (189).
Ou seja, o corpo é considerado como uma expressão da Imago Dei, ainda que o próprio
Deus não tenha corpo, porque ele é parte do que o ser humano é.
Berkhof considera que outro elemento da de Deus imortalidade.Ao dizer isso ele não
esquece que somente Deus é imortal em sua essência (1 Timoteo 6.16). Porém,
acrescenta que o homem foi criado imortal " não apenas no sentido de que sua alma foi
dotada de uma existência interminável, mas também no sentido de que ele não levava
dentro de sias sementes da Morte física, e em sua condição não estava sujeito além da
morte" (189). A causa da morte é o pecado (Romanos 5.12;Romanos 6.23; 1 Corintios
15.20-21),não uma condição em que o homem foi criado. Mesmo assim permanecemos
com almas imortais que vão passar a eternidade próximas ou distantes de Deus.

Ele resume a posição reformada da seguinte forma

Pode-se dizer que a imagem de Deus consiste (a) da alma ou espírito do homem, Isto é,
das qualidades desimplicidade,espiritualidade,invisibilidade e imortalidade. (b) Dos
poderes ou faculdades psíquicas do homem como um ser racional e moral, a saber,o
intelecto e a vontade com as suas funções. (c) Integridade moral e intelectual da
natureza do homem, que se revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade,
(Efésios 4.24; Colossenses 3.10). (d) Do corpo, não como substância material, mas
como apto orgão da alma, e que participa da imortalidade desta; e como o instrumento
por meio do qual o homem pode exercer domínio sobre a criação inferior. (e) Do
domínio do homem sobre a terra. (BERKHOF, 191).

Segundo Berkhof, a teologia reformada afirma que a imagem de Deus “constitui a


essência do homem”. Entretanto, ela faz uma distinção entre elementos que pertencem à
imagem os quais o homem não pode perder sem deixar de ser homem e aqueles como
perfeição moral e justiça original que foram perdidas por causa do pecado.

[1] Geisler, 451

Aula 8 – Tricotomia, Dicotomia e Minismo: A contrução do homem em


alma, espirito e corpo

Há basicamente3 posições acerca da constituição do homem

• Tricotomismo

Defende que o ser humano é constituído de 3 elementos: Corpo, alma e espírito. O


corpo físico seria o que todos os “indivíduos têm em comum com os reinos animal e
vegetal” (ERICKSON, 506). A diferença entre o homem e os demais seres vivos seria
em grau de complexidade. O segundo elemento é alma. É considerado o elemento
“psicológico, a base da razão, da emoção, dos relacionamentos sociais e aspectos afins”.
(ERICKSON, 506). O terceiro elemento seria o espírito. Esse seria o elemento religioso
que “capacita os seres humanos a terem percepção das questões das questões espirituais
e a reagirem a estímulos dessa natureza. Ele é a sede das qualidades espirituais do
indivíduo, enquanto os traços de personalidade residem na alma”. (ERICKSON, 506).

J.Rodman Williams pende para o tricotomismo ao dizer que

ao iniciar a reflexão sobre o homem como um ‘ser vivente’ ou ‘alma’, não devemos
compreender isso como uma terceira parte do homem, mas como a expressão resultante
do espírito funcionando por meio do corpo. Pode-se dizer que o espírito é o princípio do
homem como alma. A alma (ou vida) está ancorada no espírito e assim é inseparável do
espírito, mas não é uma terceira parte. É a vida como um todo pela qual o espírito do
homem se expressa (WILLIAMS, 185).

Apesar de considerar que alma e espírito são “usados de maneira bem similar ou em
estreita relação”, Williams diz que é possível dividir, pois, mesmo que não sejam
substâncias diferentes, significam dimensões profundamente diferentes em que a alma
se estabelece. Assim, embora espírito e alma possam ser empregados para expressar
exatamente a mesma coisa, há uma diferença que a Palavra de Deus pode destrinchar.

Ele afirma em uma nota de rodapé “a tricotomia[...]também possui uma fraqueza séria:
a “alma” não é uma terceira parte do homem. Entretanto, uma vez que não é idêntica ao
corpo ou espírito, a tricotomia aponta na direção correta”.

Para Williams,

a ‘alma’, portanto, é o tipo de vida que o homem possui. A alma representa o ato
humano de viver em suas várias dimensões intelectuais, emocionais e volitivas. A alma
é aquilo que procede das profundezas do espírito quando este anima o corpo.
(WILLIAMS, 185)

Os dois principais textos bíblicos utilizados para embasar a tricotomia são 1


Tessalonicenses 5.23 e Hebreus 4.12. Pelo primeiro, entende-se que há uma clara
distinção entre alma e espírito. Pelo segundo, entende-se que a espada divide a alma do
espírito, portanto são coisas distintas. Outro texto usado indiretamente para defender o
tricotomismo é 1 Coríntios 2.14-3.4. Para tricotomistas, a diferença que Paulo faz entre
pessoas “carnais” (σαρκικός), “naturais” (ψυχικός – literalmente “almático”, aquilo que
é da alma) e “espirituais” (πνευματικός) daria entender que há uma diferença entre o
corpo natural (ψθχικόν)e corpo espiritual (πνευματικόν).

• Monismo

O Monismo defende que o ser humano não tem mais de uma parte distinta, mas é uma
unidade radical. De acordo com os monistas, “os termos que às vezes são usados para
distinguir as partes do ser humano devem ser, na realidade, interpretados basicamente
como sinônimos” (ERICKSON, 510). Para o monista, é impossível existir sem um
corpo. Nesse sentido, a realidade de uma existência pós-morte em um estado incorpóreo
não é possível.

O monismo surge como uma reação à ideia liberal da imortalidade da alma, tornando-se
popular na neo-ortodoxia e no movimento da teologia bíblica.Um dos que se destacam
no seu estudo é John A.T. Robinson. Segundo ele, o fato de não existir uma palavra
equivalente a corpo na língua hebraica como há na língua grega indica que os
pressupostos hebraicos era que o ser humano não deveria ser visto como partes
diferentes, mas como uma unidade radical. Em hebraico, existe a palavra [‫( ]שָ רָב‬basar),
que significa essencialamente carne, não corpo. Em grego, as palavras como [σαρξ] e
[σομα][1] representam um original hebraico e deve ser entendida à luz do hebraico, ou
seja, sem fazer uma distinção entre partes constituintes do ser humano.
Para Robinson, a concepção dualista grega advém do seu pensamento que (1)
diferenciava corpo de alma como coisas distintas; (2) contraste entre um e muitos, o
corpo é contrastado com suas partes ou componentes; (3) antítese entre corpo e alma,
pois, no pensamento grego, o corpo não é essencial para a personalidade, logo poderia
haver vida incorpórea e (4) o princípio da individualização que diz que o corpo está em
contraste com “carne” que não é individualizada.

Assim, o uso de Paulo das palavras gregas não deveria ser visto à luz do pensamento
grego – dualista. Ele admite que Paulo usa a palavra σαρξ, mas ela deve ser entendida
significando humanidade, não um elemento da constituição do homem, ou a fraqueza e
mortalidade do homem. Portanto, “corpo e alma” devem ser entendidos como uma
descrição exaustiva da personalidade humana. [2] O homem é uma carne que recebe
vida. De acordo com H.Wheeler Robinson, “O homem é uma unidade e [essa] unidade é
o corpo como um conjunto de partes, que extrai vida e atividade de uma alma-fôlego, a
qual não tem existência separada do corpo”. Essa visão monista não é muito comum em
círculos cristãos e é muito próxima de elementos secularizados ainda que espirutualistas
em algum nível.

• Dicotomismo

Postula que o ser humano é composto de um aspecto material (corpo) e um imaterial


(alma/espírito). Essa posição entende que alma e espírito são a mesma coisa. O corpo é
a parte mortal do homem e a alma/espírito a parte imortal.

Podemos também constatar passagens onde alma e espírito são usadas de forma
intercambiável

Alma Espírito Explicação


Estrutura de paralelismo: os 2 versos querem dizer
Lucas 1.46 Lucas 1.47 a mesma coisa, mas usam palavras diferentes. O
objetivo disso é enfatizar o que está sendo dito
A palavra grega para alma é também traduzida
muitas vezes como “vida”, aqui, portanto, vida e
alma são vistas como a mesa coisa.Perder a vida é
Mateus 6.25;
perder a alma. Se apegar à vida é se apegar à alma.
Mateus 2.20; Lucas 23.46;
Mateus 10.39; Atos 7.59
A morte de Jesus acontece quando ele entrega seu
Mateus 16.25
espírito ao Pai, ou seja, a perda do espírito é a
perda da vida. A morte de Estevão também
acontece quando ele entrega seu espírito a Deus.
Jesus faz uma comparação com aqueles que
querem matar o corpo, mas nada podem fazer à
alma. Porém, Deus é aquele que pode lançar no
Mateus 10.28
inferno tanto um como o outro. Percebemos que há
uma distinção entre alma e corpo, mas nenhuma
menção a uma terceira parte.
Tanto alma como espírito são palavras usadas em
um contexto de restauração de alegria, um
Sl 42.5 Sl 51.10
sentimento, como de restauração do
relacionamento firme com Deus
Ser vivente pode ser traduzido para alma vivente, a
partir do orginal (nepesh é a palavra usada para
alma).
Gênesis 2.6 Zacarias 12.1
Porém, Zacarias descreve que Deus formou o
espírito humano (Ruach é a palavra hebraica para
espírito)
Deuteronomio
Espírito recebe tanto a capacidade de sabedoria e
34.9, Números
de inveja.
5.30
Portanto, a parte imaterial, alma/espírito, é imortal e não está localizada em uma parte
do corpo. Esta vai ao seio de Abraão ou ao inferno quando o indivíduo morre. A parte
material, o corpo, é mortal. Quando morre ele volta ao pó, mas aguarda a ressurreição,
onde será refeito e revestido de glória. Na ressurreição, corpo e alma/espírito serão
reunidos.

Uma variação do dicotomismo é a unidade psicossomática, ou unidade condicional.


Essa posição vê corpo e alma como estruturas não tão separadas como o dicotomismo.
Seu nome explica o seu próprio conceito. Por “unidade” entende-se que o ser humano é
constituído de uma coisa integral, uma unidade. Já psicossomática advém da junção de
psico (ψιχή - alma) e somatica (σοματικός -corpo). Ou seja, é uma unidade composta de
dois elementos: corpo e alma. A diferença para o dicotomismo seria no âmbito da
integração. Enquanto o dicotomismo entende uma maior distinção entre corpo e alma, a
unidade psicossomática entende uma maior integração. Uma possível ilustração seria
que enquanto dicotomismo entende corpo e alma como água e óleo (uma mistura
heterogênea), a unidade condicional entende como água e álcool (uma mistura
homogênea). A proposta é que o homem foi criado como um ser completo, uma
unidade, de alma e corpo. O pecado, teria causado uma deturpação nesse estado,
trazendo a separação entre alma e corpo – aquilo que não era para ser separado –
portanto, causando assim uma anomalia no homem. No estado intermediário, onde o
alma/espírito do homem está com Deus, somos incompletos e somente na ressurreição
do nosso corpo seremos plenamente aquilo que fomos criados para ser. Erickson afirma
que “o estado normal do ser humano é de um ser unitário com corpo, e é assim que as
Escrituras o consideram e o tratam” (ERICKSON, 521).

REFERÊNCIAS:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

WILLIAMS, J. Rodman. Teologia Sistemática: uma perspectiva pentecostal. São Paulo:


Editora Vida, 2011.

[1] Errata: Soma quer dizer corpo, não alma.


Aula 9 – Psicologia, psiquiatria e a relação entre alma e corpo

Como se dá a relação entre as partes material e imaterial do ser humano? Essa é uma
pergunta muito séria porque tem aplicações importantes na área da psicologia,
psiquiatria e várias outras áreas do conhecimento. É um assunto que a Escritura fala
muito pouco a respeito, mas que é importante que discutamos algo a respeito disso. Se
temos uma parte material e uma imaterial, existe comunicação entre essas duas partes?
Aquilo que acontece na alma afeta o corpo? Aquilo que acontece no corpo afeta a alma?
Esse é um assunto extremamente amplo e difícil, mas que é bom termos alguns insights
acerca dele para termos um caminho bom de aprendizado sobre esses assuntos.
Principalmente com o avanço das psicologias e psiquiatrias dentro dos contextos
religiosos. Há muitos cristãos que acreditam que crentes não devem tomar remédios
psiquiátricos ou coisas assim. Porém, se existe uma unidade entre as partes material e
imaterial do ser humano e uma comunicação entre essas partes, é interessante que
percebamos que coisas que acontecem no corpo afetam nossa alma e vice-versa. A
Escritura dá alguns exemplos disso.

Pense quando os discípulos não conseguem orar com Jesus no Getsemani e Jesus os
repreende por estar dormindo enquanto deveriam estar orando. Jesus diz que o espírito
deles estava pronto. O problema deles não estarem orando não era espiritual, mas que a
carne deles era fraca. Eles dormiam por uma fraqueza física e essa fraqueza física, algo
que afetava o corpo também afetava o espírito deles. Eles não conseguiam orar por
causa de algo que era físico. Por outro lado, temos coisas psicossomáticas na Escritura.
No mesmo texto do Getsemani, temos um Cristo que deu seu sangue por causa do terror
psicológico da cruz e de ser separado de Deus, reagindo dessa forma. Doenças
psicossomáticas são exatamente isso: Nosso corpo sendo afetado por questões da alma.
Muitas depressões físicas surgem por conta de problemas espirituais e problemas
espirituais surgem por causa de depressões físicas com origem biológica e bioquímica.

O fato é que não sabemos onde delimitar corretamente onde começa ou termina as
coisas do corpo e da alma.Existe uma relação entre as partes. Se há essa relação
misteriosa que não sabemos descrever em detalhes, e os esforços bíblicos de fazê-lo se
mostram um pouco inúteis, temos que ter cuidado com as duas coisas. Sempre que
tivermos algo no corpo temos que averiguar se a origem daquilo não é na alma. Sempre
que tivermos problemas na alma temos que averiguar se aquilo não tem origem no
corpo. O corpo não é simplesmente habitado pela alma, mas somos nosso corpo e nossa
alma. Somos em completude.

Existem muitos comportamentos físicos e efeitos físicos de coisas que acontecem em


nossa alma. Ao longo do AT, vemos várias vezes os homens com o espírito baixo, com
tristeza no corpo, com os ossos secando por causa de problemas espirituais, por causa
de perseguições que afetavam o psicológico, por causa de pecados que eram escondidos
e causavam depressões, tristezas e angústias.

O semblante de Caim estava caído por causa de um problema espiritualque ele tinha
com Deus contra seu irmão. Muitas doenças hoje em dia se manifestam dessa forma.
Sejam efeitos físicos de problemas emocionais ou vice-versa. Quando o cristão possui
uma depressão física e ele não consegue agir, trabalhar e mais nada é preciso averiguar
se aquilo é um problema no corpo, se ele precisa de remédio, ou se o problema também
é espiritual. Pode ser que haja um pecado oculto, uma pressão demoníaca, ou algo que
está afetando a sua espiritualidade ao nível disso mudar o seu corpo.

A mesma coisa acontece quando temos problemas espirituais. Se alguém tem um


transtorno que se dá na escala espiritual, nos aspectos emocionais ou imateriais, isso
pode ter origem física que deve ser corrigida de forma bioquímica. Pessoas com
problemas nos hormônios cerebrais, com tumores na hipófise etc. Existem várias coisas
que podem afetarnossa espiritualidade quando nossa carne é fraca e nosso espírito pode
ser afetado por isso mesmo quando ele está pronto. Por isso, é preciso ter cautela e
muita maturidade ao lidar com essas questões de relacionamento entre o corpo e a alma.
Nós não somos seres totalmente separados e aquilo que é espiritual é alheio ao nosso
corpo. Isso significa que também precisamos tomar cuidado com nosso corpo.
Exercitar-se, perder peso, cuidar da saúde está ligado a uma vida de cuidado espiritual
também. Nós conseguimos cuidar da nossa espiritualidade tendo um corpo bem
cuidado. Precisamos de um corpo bem cuidado se o quisermos gastar para Deus.

Muitas vezes, no meu ministério, o serviço espiritual foi afetado por causa do meu bem
estar físico. Eu estava cansado, ou doente, não conseguia pregar como gostaria. Não
conseguia gastar tempo aconselhando, cuidando como eu gostaria. Isso aconteceia por
causa do meu corpo, não por causa da minha espiritualidade. Ou seja, o fato do meu
corpo estar fraco afetava o serviço espiritual à igreja. Precisamos cuidar do nosso corpo
se quisermos gastar nosso corpo. Precisamos cuidar bem nosso corpo físico se
quisermos ter um serviço espiritual que realmente será útil para o reino de Deus. Claro
que Deus muitas vezes sobrepõe nossas misérias físicas e nos usará mesmo quando nós
estivermos fracos, mas nós ao cuidar do nosso corpo afetaremos nosso espírito.Ao estar
bem cuidado fisicamente, exercitado, quando como melhor, consigo ter uma vida
espiritual melhor. Ao cuidar do corpo, consigo pregar com mais vigor, passar mais
tempo lendo e estudando porque as costas doem menos, o joelho dói menos. Cuidar do
corpo ajudana nossa espiritualidade justamente porque existe essa unidade entre corpo e
alma.

Temos que cuidar da nossa alma para ter o corpo mais cuidado. Precisamos cuidar do
nosso corpo para ter uma alma mais cuidada.

Aula 10 – A origem da Alma: tradução, criação ou preexistência

• Pré-existencialismo

O pré-existencialismo é uma posição muito conhecida e até mesmo defendida na


teologia católico romana. Ele diz que todas as almas de todas as pessoas que irão nascer
já pré-existem no céu antes da concepção física da pessoa. Isto é, antes do corpo da
pessoa ser gerado pelos pais, a alma já existe. Orígenes, do lado da teologia, e Platão, do
lado da filosofia, foram defensores dessa posição. Orígenes cria na queda pré-temporal
das almas humanas, e explicava as desigualdades físicas e morais da presente existência
dos seres humanos como castigo por pecados cometidos em uma existência anterior.
Entretanto, não há base bíblica alguma para tal posição. Ela é totalmente especulativa e
baseada em um dualismo pagão e que encontra base em textos deuterocanonicos, os
quais já foram tratados em bibliologia.
• Traducionismo

Essa posição afirma que assim nosso corpo procede de nossos pais, nossa alma também.
Ela é defendida por homens como: Gregório de Nissa, Lutero, Jonathan Edwards,
William Shedd, Augustus Strong e outros.

Alguns argumentos do traducionismo são:

• Deus soprou uma única vez o fôlego de vida, conforme explicitamente descrito na
Bíblia e descansou, cessando sua obra de criação no sétimo dia (Gn 2.2). Depois
disso, caberia ao homem e à mulher multiplicar a espécie. (BERKHOF, 182-283)
• Diz que os descendentes estão potencialmente nos lombos de seus pais (Gênesis
46.26; Hebreus 7.9,10). Quando a Bíblia fala que Levi estava em Abraão, ela quer
dizer que nós estamos naqueles que nos precedem, porque corpo e alma são
traduzidos, transmitidos através da concepção.
• Semelhanças intelectuais, morais e emocionais dos pais com os filhos.
• Transmissão da depravação total. A culpa é imputada, mas a depravação é
transmitida. O pecado estaria apenas no corpo? Não, o pecado também seria
transmitido nos nossos aspectos espirituais e isso seria transmitido na tradução da
alma do pai para o filho.

Porém, existem objeções ao traducionismo:

• Almas são imateriais, únicas e indivisíveis. A alma seria originada de quem? Do


pai? Da mãe? De uma composição de ambos?
• O traducionismo vai dizer que depois da criação Deus só age de forma mediada.
Porém, o que dizer da regeneração, a qual não é efetuada por causas secundárias?
• Para explicar a culpa herdada, geralmente se alia a teoria do Realismo. Ao fazer
isso afirma a unidade numérica da substância de todas as almas humanas, o que é
insustentável. Consequentemente, tem dificuldade em responder porque os homens
não respondem pelos outros pecados de Adão, nem pelos antepassados deles.
• Qual a resposta para a natureza humana de Cristo não ter herdado o pecado de
Adão?

• Criacionismo

A alma humana é imediatamente criada por Deus por ocasião da concepção de cada
pessoa. Defendido por Jerônimo e Hilário, Tomás de Aquino e Calvino.

Alguns argumentos do criacionismo são:

• Está em harmonia com a idéia filosófica acerca da alma como simples e


indivisível, em função da sua imaterialidade e espiritualidade.
• Base bíblica mais consistente: Zc 12.1; Nm 16.22; Is 42.5; Jr 38.16; Hb 12.9
• A alma de Cristo não herdou o pecado, pois foi criada por Deus. Cristo não
partilhou da mesma essência numérica que Adão, portanto não foi concebido em
pecado. Ele foi verdadeiramente homem, possuindo uma alma e nascido de
mulher, sendo semelhante a todos nós.

Objeções ao criacionismo
• Como explicar o pecado com o qual todo homem nasce? Deus cria uma alma
pecadora, criando o mau?
• Como relacionar com o ensino que Deus cessou seu ato criativo (Gn 2.2)?

Aula 11 – Imortalidade da alma e estado intermediário


A morte é fator inegável (Hebreus 9.27). Deus amaldiçoou o homem com a morte por
causa do pecado. O capítulo 5 de Gênesis repetidamente diz “...e morreu” para
evidenciar que a maldição havia recaído sobre o homem. Aqueles que não concebem a
existência de uma parte imaterial no homem, entendem a morte como a cessação da
existência. Porém, a morte não deveria ser vista como não-existência, mas como um
modo diferente de existência. Como diz Erikson. “a morte é simplesmente a transição
desse estado para uma forma diferente de existência; ela não é, como alguns tendem a
pensar, a extinção da vida” (ERICKSON, 1116).

Outra morte que a Bíblia fala é a morte espiritual, na qual a pessoa está vivendo em
pecado (Efésios 2.1-3) e ainda a segunda morte que é condenação eterna (Apocalipse
20.14) por não viver nos caminhos de Deus.

Concebendo a alma, é preciso responder para onde ela vai depois da morte. Os liberais
acreditavam em uma forma de imortalidade da alma que rejeitava a ressurreição
corpórea porque também rejeitavam que Jesus voltaria, em sua segunda vinda, de forma
corpórea. Assim, a alma é imortal e o homem passa a existir numa realidade espiritual
eterna depois que morre. Já os neo-ortodoxos viam a imortalidade da alma como um
conceito grego e criam numa ressurreição do corpo futuro. Porém, atrelada a essa
concepção, estava a ideia do ser humano como unidade radical, portanto, entre a morte e
a ressurreição não haveria vida espiritual, porque não pode haver vida sem um corpo.
Isso faz parte de uma das posições famosas acerca do estado intermediário: onde o ser
humano está nesse momento depois que ele morre? Seria a ideia do sono da alma.

Há ainda as posições mais disseminadas acerca do estado intermediário: Purgatório,


sono da alma, ressurreição instantânea e a proposta bíblica. O purgatório é a doutrina
católica romana que diz que a alma precisa purgar os pecados que não foram pagos em
vida. Elas estarão nesse lugar até que sejam purificadas totalmente. Sono da alma, que é
muito comum entre adventistas do sétimo dia, diz que entre a morte e a ressurreição a
alma está em um estado de latência aguardando a volta de Cristo. A ressurreição
instantânea diz que depois da morte o crente recebe um “corpo de ressurreição”
temporário até que haja a ressurreição corporal definitiva. Mas nenhuma dessas
propostas é realmente a proposta bíblica que é apresentada no NT. A proposta bíblica é
clara ao dizer que ao morrer a alma irá para o céu ou para o inferno, ele estará com
Deus, gozando das bençãos de Cristo, ou no inferno sendo punido pelos seus pecados.
No ultimo dia, haverá uma ressurreição eterna, um juízo final, um novo corpo para
todos os homens. Os santos estarão na Nova Terra juntamente com Deus e os ímpios
estão sendo condenados junto com o inferno com os anjos caídos, seus demônios, no
lago de fogo e enxofre.

Aula 12 – A criação do casamento

Um dos pontos importantes é sobre a criação do casamento. Ele foi criado como algo
intrínseco à criação do homem e mulher. Eles foram criados e quando o homem ainda
não tinha sua esposa em casamento, isso não era muito bom. A mulher é criada para o
casamento com o seu marido. O casamento não é uma estrutura inventada, não é uma
tradição humana, não é algo das culturas ocidentais ou horientais.O casamento é algo
que Deus criou preparado para a humanidade. Ele possui uma estrutura diferente dos
outros relacionamentos humanos. Ele não é como uma amizade, mas uma entrega de
vida e posse de um homem para com a mulher e vice-versa de forma que ambos,
quando se unem, se tornam uma só carne.

Isso é lido em Gn 2.23-24 onde Deus cria homem e mulher para se unirem como uma só
carne. O casamento se torna um ato familiar em que homem e mulher decidem se unir
em matrimônio, em amor um ao outro. Nessa união, eles largam sua antiga família, não
simplesmente a abandonando, mas construindo um novo núcleo familiar. Então agora
existe uma nova unidade que se dá também de forma sexual. O sexo foi construído para
ser desfrutado dentro dessa relação de matrimônio.

Primeiro, o matrimônio cobra essa deixada de pai e mãe. Isso porque estamos lidando
com a transferência de submissão e de auxílio. Filhos que antes eram submissos aos
seus pais, agora estão num relacionamento de parceria e submissão um com o outro
dentro do casamento. Agora, a mulher não deve mais submissão absoluta aos seus pais,
nem o marido em submissão absoluta a seus pais. É interessante que no NT quando
Paulo sobre obediência de escravos, ele fala “obedecei em tudo” (Cl 4.22), quando fala
dos filhos diz “obedecei em tudo” (Cl 4.20). A postura de um filho para com o pai é de
extrema e absoluta obediência. Porém, quando fala de um relacionamento familiar diz
para as mulheres serem submissas aos seus maridos e na sequência Paulo usa uma
palavra diferente da que é usada para os filhos, porque submissão não é obediência
absoluta e total, mas no casamento há agora esse novo relacionamento em que uma
nova família é constituída. Os filhos não dependem mais financeiramente dos pais, não
mais dependem de autoridade e de propósito dos pais, agora os filhos vão construir sua
própria história em um novo núcleo familiar.

O segundo ponto é que o texto diz que o homem e a mulher se unem. Ele tem esse
propósito unificador familiar. Eles não simplesmente decidem fazer sexo, mas eles se
unem a um esforço em direção à unidade nesse relacionamento. O texto fala de homem
e mulher em união. O casamento, dentro da visão judaico-cristã, é algo que não se dá
em relacionamentos homossexuais. O casamento se dá entre homem e mulher
justamente porque o fruto do casamento é uma coabitação fecunda. Sempre
potencialmente fecunda. A ideia é que por causa da prole, dos filhos e dessa união em
uma só carne que gera fruto, o casamento se dá entre homem e mulher nesse propósito
que Deus conferiu. A gente não está entrando na questão da esfera civil, mas qualquer
outra coisa, segundo o cristianismo, não é casamento.

O casamento também é monogâmico, se dá entre um homem e uma mulher. Ao longo


da história do AT vemos a bigamia entrando no mundo. A bigamia entra no mundo
através da família de Caim, a qual estava separada de Deus e que foi descrita no livro de
Gênesis como uma raça diferente do grupo de pessoas que seguia e amava o Senhor. De
lá nasce a bigamia, a poligamia cresce no AT, a bigamia é ignorada, e as metáforas
entre Cristo e a Igreja sempre são tratadas como algo monogâmico. Por mais que o AT
não possua longas condenações da bigamia, a história da bigamia e da poligamia no AT
é geralmente relacionada a famílias que se deram ao pecado. Por mais que Deus
gerencie a poligamia e a bigamia no AT, isso não necessariamente representava o
padrão de Deus para aqueles povos. No NT, no auge da revelação sempre encontramos
padrões monogâmicos. Na criação de todas as coisas, Deus criou uma família
monogâmica entre um homem e uma mulher. Eles então se unem. A palavra hebraica
fala acerca de apegar-se, grudar-se é uma unidade de fato. O sexo não é casual. O
relacionamento não é algo que podem abrir mão a qualquer momento, mas é um
relacionamento profundo e intímo onde eles se amam e preferencialmente nunca se
separam. A morte vai separá-los em algum momento, mas adultérios e imoralidades
sexuais não deveriam separar o homem e mulher. O casamento foi criado para que
divórcio não existisse. O divórcio vem por causa do pecado entrando no mundo em
Gênesis 3.

Como é que o casamento é estabelecido? Ele se dá de forma familiar.É quando uma


família decide fundar outra família.O casamento não é um ato religioso no sentido de
que não é a festa na igreja que faz com que o casamento exista. O casamento também
não é algo civil. Não é escrever no papel diante do Estado que o casamento passa a
valer. O casamento é um ato familiar. O casamento existe quando alguém sai da casa de
seus pais e então se une com o propósito de casamento com outra pessoa. Agora, o
normal é que existam celebrações religiosas que as igrejas possam ver e se alegrar nesse
processo de casamento, mas a ausência da festa não faz com que o casamento deixe de
existir. O normal é que em nossa sociedade ocidental, uma vez que o casamento possui
um aspecto civil, que nós possamos registrar civilmente os nossos relacionamentos de
casamento. Não existe nenhum bom motivo para alguém não querer casar no civil.
Homem e mulher se tornam uma só carne através do coito, através do ato sexual, a
intimidade física, que só aparece depois desse processo. O homem deixa pai e mãe, se
une à sua mulher, então ele se torna uma só carne com ela. Não é uma coisa que pode
ser adiantada para antes do casamento, mas se dá quando esse propósito de uma nova
família é estabelecido e essa união sexual é potencialmente fecunda, cria filhos e louva
o nome de Deus através da fecundidade.

Aula 13 – Igualitarismo, hierarquismo e complementarismo.

Qual é o papel do homem e da mulher no casamento, ou na sociedade, de forma geral?


Existem pelo menos três visões baseadas na criação do casamento que devem ser
conhecidas para que você possa entrar nesses debates tão minunciosos acerca de
sexualidade e do papel do homem e da mulher na cultura. Temos o hierarquismo, o
igualitarismo e o complementarismo e é preciso conhecer bem o que é cada uma dessas
três coisas.

A primeira posição é o igualitarismo. O igualitarista vai defender que não há diferença


alguma entre os papéis do homem e da mulher na igreja ou mesmo na sociedade. Nesse
sentido, dentro da igreja, mulheres podem ser pastoras, homens podem ser pais que
ficam em casa enquanto mulheres trabalham fora. O igualitarista não observa nenhum
papel intriseco que marque o que é homem e o que é mulher. Homem e mulher possuem
a mesma dignidade e podem assumir os mesmos papéis na sociedade assim como os
mesmos papéis dentro da igreja. Para eles, mulheres podem ser pastoras tranquilamente.

Uma segunda visão, no outro extremo, é o hierarquismo. Os hierarquistas geralmente


defendem que existe uma hieraquia entre homem e mulher. O hierarquismo pode se
manifestar em duas vias: a machista ou a feminista. Pela via machista, as mulheres são
vistas como inferiores aos homens. Elas não são apenas comandadas a seguirem a
liderança masculina, mas também não possuem voz com essa liderança masculina. Elas
devem obediência completa seja no lar, na igreja ou na sociedade. Infelizmente, muitas
mulheres são mantidas sob domínio machista dentro dessa posição. Pelo lado feminista,
pelo menos o feminismo de terceira onda, nessas ondas atuais misandricas de
feminismo, o homem é visto como ser inferior principalmente por causa de alguma
cultura de estupro que possa ser imputada sobre os indivíduos, ou sobre alguma dívida
histórica que os homens devem às mulheres. Os homens são vistos como seres que
devem ser destruídos ou desprezados, ou excluídos da sociedade porque
hierarquicamente mulheres são superiores aos homens. Essa não é uma posição muito
comum dentro dos ambientes cristãos, mas é muito comum dentro de ambientes
progressistas e revolucionários.

Uma terceira posição é a complementarista, uma visão muito famosa acerca dos papéis
do homem e da mulher. A ideia é que homens e mulheres são parceiros em cada área da
vida e ministram juntos em igual valor, dignidade e capacidade, mas com papéis
diferentes que se complementam, por isso o nome complementarismo. Esses papéis
podem ser intercambiados em momentos específicos ou difíceis da vida, mas o normal e
ordinário é que mulheres e homens possuam certos papéis específicos em casa, na igreja
e na sociedade. Homens devem liderar suas famílias em amor e em graça. Mulheres
devem ser auxiliadoras de seus maridos também em amor e em graça. Não por causa de
capacidades, mas porque Deus deu para cada um, funções complementares e
específicas. Nesse caso, apenas homens podem ser pastores nas igrejas, mas mulheres
teriam amplo espaço de atuação nas comunidades e isso não seria aplicado à vida
sociedade onde as mulheres tem espaço de atuação e não haveria nada que impedisse as
mulheres de assumir papéis de liderança na vida social ou civil.

Aula 14 – A questão do aborto: quando a vida começa


O assunto do aborto está dentro do assunto de antropologia, porque falar sobre a questão
do aborto é falar sobre de quando começa a vida e, como diz o Dr. Glauco
Barreira[1],“a vida é um direito inviolável. Se a vida for fragilizada poderá sê-lo, porque
não há direito que não decorra da vida. Ela é o pressuposto de todos os direitos. Demolir
o direito à vida, relativizá-lo, enfraquecê-lo é enfraquecer todos os direitos humanos que
estão assentados sobre o direito à vida humana”. Portanto, é justamente a defesa do
direito a vida de qualquer pessoa em qualquer condição de concepção que é a base para
que os viventes possam reivindicar seus direitos.

Manuela D’Avila[2], ex-candidata a presidencia da república, assim como os feministas


de terceira onda sugere que o aborto deveria ser tratado como uma questão de saúde
pública. Segundo ela, cada país deveria ter um diálogo com a população para escolher o
processo de legalização do aborto. Para ela, o aborto acontecerá invariavelmente e
legalizar o aborto é proteger a mulher pobre de condições precárias de atendimento que
podem levá-las à morte enquanto o mesmo não acontece com mulheres ricas. A
Manuela perde que o debate sobre o aborto não é sobre saúde pública, mas sobre
antropologia, sobre a vida humana, sobre onde a vida começa. Não importa questões de
saúde pública se não discutirmos primeiro questões de antropologia.

Vemos então que a questão do aborto vem de um conjunto de ideias que cada indivíduo
possui que fundamentam aquela decisão. Isto é, dependendo de como a pessoa pense
sobre como o mundo está estruturado, ela defenderá sua posição a favor ou contra o
aborto. Por isso, alegar que ser contra o aborto é uma questão religiosa é tolice porque
ainda que a religião seja considerada por esses que são contra o aborto. As raízes
ideológicas são tão ideolçogicas como qualquer outra em um debate público. Aqueles
que não são religiosos também têm suas bases não religiosas ou de outras religiões para
argumentar a favor do aborto. O que importa é o debate acerca da antropologia da
questão.

Uma das principais argumentações que é feita para ser a favor do aborto é que até
determinado período o ser na barriga da mulher não é uma pessoa, portanto o aborto não
está matando uma vida, está apenas removendo um conglomerado de células e até
mesmo “fungos são células que se multiplicam” como diz certa feminista de certo
coletivo brasileiro. Ou seja, para abortistas parece não haver diferença entre as células
em multiplicação de um fungo e de um ser humano.

O problema está no reducionismo. Aqueles que enxergam o todo da vida humana


simplesmente a partir da esfera biológica reduzem o ser humano a um composto de
células desenvolvidas. André Gonçalves Fernandes diz que a “redução da antropologia à
biologia, da biologa à química, da química à fisíca, se pode ser muito importante como
metodologia de pesquisa setorial, não tem legitimidade para assumir a condição de um
postulado de interpretação global da realidade”[3]. Não podemos reduzir toda a
complexidade da antropologia a um desenvolvimento físico, biológico, psíquico ou
mesmo social. Tentar reduzir o aborto à questão do desenvolvimento biológico é
escolher um único aspecto da realidade e reduzí-la a apenas isso. O todo é sempre mais
complexo que as partes que o constitutem. Escolher a parte biológica do ser humano e
dizer que por ele não estar totalmente desenvolvido, então ele não é ser humano é
bobagem. Nenhum de nós está plenamente desenvolvido mesmo depois de nascido e
nem por isso nossa vida deixa de ser uma vida humana. É a parti daí que precisamos
considerar o que ser uma pessoa.

Afinal, se um amontoado de células não for uma pessoa, não há problema moral em
abortá-lo. André Gonçalves Fernandes aponta algumas etapas do processo de
desconstrução, ou de resignificação do conceito do que é uma pessoa. A primeira etapa
teria vindo com Descartes “ao separar ontologicamente a alma do corpo, introduziu-se
inevitavelmente uma fratura na unidade do ser humano, ao se identificar a pessoa como
um processo auto-relacionado do ego e se reconhecer somente a alma, sede do
pensamento e da autoconsciência, como pessoa e autoconsciente”[4].

A segunda etapa de reducionismo e descontrução viria com o empirismo que negou a


consciência, reduzindo a pessoa a ideias, impressões e estados afetivos. No decorrer do
tempo, novas compreensões sobre o que era uma pessoa, sempre reducionistas,
remodelam o valor humano.

É daí que vem o termo tão conhecido, “pessoa em potencial”. A ideia de que aquele
amontoado de células que está dentro da mulher não é uma pessoa, mas uma pessoa em
potencial.Vai se tornar pessoa em potência, mas ainda não é pessoa em ato. Ele não é
um ser humano de fato, mas será, porque essa potencialidade para ser humano ali estão.

O embrião está no processo de se tornar uma pessoa. Então, o que ocorre é que as
pessoas criam barreiras arbitrárias para dizer onde é que a pessoalização do feto
começa. É com a criação do sistema nervoso central? É quando o coração começa a
bater? É com o cortex cerebral? Onde nasce o indivíduo e onde encerra o amontoado de
células? Ninguém sabe dizer com convicção, justamente porque essas definições são
arbitrárias. Essa concepção que separa a pessoalização do ser humano que está sendo
gerado precisa ser arbitrária na definição de quando começa um ser humano dentro da
formação do indivíduo.

Em livre para nascer: o aborto e a lei do embrião humano, André Gonçalves Fernandes
vai argumentar que

o ser pessoal pertence à dimensão ontológica e o ser humano não é mais ou menos uma
pessoa: é uma pessoa ou não é. O ser pessoal não pode ser adquirido ou diminuído
gradualmente. Uma vez alcançado, não é mais subtraído. A ausência, vista como não
atuação ou privação, de propriedades ou funções, não nega a existência do referencial
ontológico pessoal, o qual permanece por natureza, pre-existente às suas próprias
qualidades[5].

Quais são as qualidades que, se nós perdermos, deixamos de ser pessoa? Se meu
coração deixar de bater eu paro de ser um ser humano? Se eu tiver morte cerebral ainda
sou ser humano? Posso estar morto, mas tenho ali características de pessoalização não
importa que partes faltem em mim, ainda sou ser humano. Podem faltar certas partes no
feto em desenvolvimento, mas qual são as partes fulcrais para defini-lo como pessoa?
Isso é arbitrário e vem de um processo de desumanização da vida intrauterina.

Como cristãos, temos motivos o bastante para sermos contra o aborto. A Bíblia nos
informa que o ser humano não é composto somente de uma parte material, o ser
humano não só um corpo, mas ele também tem uma parte imaterial (Gn 2.7; Zc 12.1; Lc
1.46-47). O ser humano não é só corpo, ele também é alma. O óvulo fecundado já é
alguém que possui uma alma dada por Deus.

A Bíblia também diz que todo ser humano é imagem de Deus (Gn 1.26-27). O feto é
imagem de Deus quanto qualquer um de nós. Matar um embrião é matar a imagem de
Deus que está no ventre de uma mulher.

O salmista fala que o Senhor já o conhecia enquanto ele era informe no ventre de sua
mãe (139.13-16). Deus já conhecia Davi enquanto ele próprio não tinha consciência de
si mesmo. Mesmo quando Davi não tinha mãos, pulmões, coração ou cérebro, ele já era
uma pessoa, já era imagem de Deus e já era conhecido pelo Senhor.

João Batista louvou a Cristo no ventre de sua mãe e ele reconheceu no ventre o Deus
que estava no ventre. É impossível que cristãos como nós consideremos o aborto uma
possibilidade, quando é João Batista reconheceu Cristo ainda no ventre de sua mãe. A
antropologia cristã não permite a prática do aborto.
Extra – A antropologia de Lutero
Aula 1 – Um panorama dos escritos de Lutero sobre o tema

Muitas vezes temos nossos pré-conceitos e conceitos daquilo que seria a concepção de
Lutero a respeito da pessoa. Por exemplo, sempre ouvimos falar de que o homem é uma
pessoa ensimesmada, Lutero utiliza muitas vezes essa formulação latina incurvato in se
ipso, que é um ser “autoencurvado”. Um ser humano que olha apenas para o seu próprio
umbigo. Esse é um conceito já bem comum e conhecido de todos nós. Muitas vezes
também ouvimos falar do escrito de Lutero, “A vontade cativa”, do cativeiro da vontade
humana. Nele temos o conceito que o ser humano é incapaz de crer por si mesmo. O ser
humano é incapaz de ter fé por si mesmo. Também temos talvez a ideia mais conhecida
de todos nós que o ser humano é simultaneamente justo e pecador, não todo ser
humano, mas especificamente do ser humano cristão. Esté é visto como
simultaneamente justo e pecador. Além disso, temos uma outra visão que também vem
de Lutero. A ideia de que o cristão é livre de todas as coisas, ou seja, liberto por causa
de Cristo, mas, ao mesmo tempo, ele vive essa liberdade cristã em favor do outro e é
por isso também um servo de Deus, um servo de todas as coisas.

Irei repassar os principais escritos de Lutero. Será uma exposição rápida do que é o
conteúdo desses escritos em relação ao tema da Antropologia de Lutero. O primeiro
texto em ordem cronológica é o Tratado da Liberdade Cristã (1520). Nele, Lutero faz
uma definição de um ser humanointerior e exterior. Ali ele ataca a ideia que as obras
possam ter alguma relação com a salvação. Ele questiona, por exemplo, se vestimentas
clericais trazem algum tipo de santidade para a alma da pessoa. A grande pergunta que
se levanta nesse contexto da liberdade cristã é se Lutero tinha algum conceito
dicotômico do ser humano. Porque se ele tiver um conceito dicotômico do ser humano,
ele acabará desconectando as coisas materiais das coisas relativas à alma, as coisas
espirituais. Com isso, ao falar que o material não atua no espiritual, de certa forma, o
espiritual acaba não atuando no material. Com isso, há um prejuízo na relação entre as
coisas dessa vida e as coisas da vida futura, ou seja, da vida eterna. Assim, a fé cristã
acaba perdendo sua relevância com relação com a nossa vida. Especificamente em “Da
liberdade cristã”, há uma forte ênfase de Lutero em dizer que coisas externas, obras da
lei, vestimenta, cultos, missas, sacrifícios, peregrinações, nada disso tem valor eterno.
Nada disso influencia a salvação, a santificação do indivíduo.

Próximo escrito que quero tratar é o De servo arbítrio (1525), ou “Da vontade cativa”.
Nesse texto, Lutero trata mais com relação à vontade do ser humano. Não o que hoje
entendemos por vontade como vontade de comer, vontade de beber, de fazer isso ou
aquilo, mas a faculdade de tomar decisões, de fazer escolhas livres. Ou seja, a pergunta
“o ser humano é determinado ou tem livre-arbítrio?”

Primeiramente, Lutero faz uma pequena diferença, que na verdade é uma grande
diferença. Segundo ele, o livre-arbítrio existe apensa para as coisas chamadas
“inferiores”. Ou seja, a roupa que você vai usar, se vai sair de casa nessa manhã ou não,
qual trabalho você terá na vida secular,que função você quer atuar na sociedade,que
faculdade você quer fazer,o que você quer comer. Todas essas decisões cotidianas, você
tem pleno livre-arbítrio. Ele até diz que não gosta de usar a palavra “livre-arbítrio”,
porque, de fato, apenas Deus teria livre arbítrio, porque é faculdade de tomar decisões
sem qualquer influência de outro meio. Somente Deus teria essa possibilidade de tomar
decisões plenamente livres. O ser humano tomará suas decisões invariávelmente sob a
ação do pecado e sob a ação de Satanás. É invariável que em nossas decisões cotidianas
são tomadas sob a influência do pecado, mesmo as mais simples. Com relação à
salvação, Lutero diz que somos como um cavalo que ou é montado por Deus, e assim
guiado por ele e conduzido à salvação, ou então pelo diabo que nos guia conforme a sua
vontade para praticar obras que vão glorificar o mal e não a Deus.

O próximo escrito que quero tratar é um comentário de Eclesiástes de Salomão, na


verdade são mais anotações em relação ao livro, feito no ano de 1526. Nesse escrito,
Lutero critica uma posição filosófica bem corrente na idade média que é a Teoria das
essências. Ela diz que as ações das pessoas e mesmo a lei natural não residem na
essência das pessoas, segundo Lutero, e ne, na própria pessoa. Para Lutero, isso está
ligado à aliança de Deus com os seres humanos. Uma pessoa só tem responsabilidade
pelos atos que ela pratica e não pelas consequências dos seus atos. Lutero quer criticar
essa teoria justamente para dizer que não há algo inato no ser humano que o habilite a
receber a graça. Senão, seria muito fácil. O ser humano tem um módulo que permite que
ele creia, então Deus só precisaria dar um pouco de ajuda para ele e o ser humano crê
por si mesmo, porque já está por natureza apto a crer. Lutero critica isso e usa o
exemplo das ações dos seres humanos. Digamos que eu comenta um ato pecaminoso,
por exemplo, roubar um livro da biblioteca.Tenho plena responsabilidade por ter
roubado o livro da biblioteca e preciso cumprir a pena determinada pela lei pelo roubo
que eu fiz. Porém, não tenho como me responsabilizar por efeitos secundários que vão
acontecer pelo fato de eu ter roubado esse livro. Tais efeitos não estão mais sob meu
controle. Do ponto de vista filosófico, Lutero diz que eu não tenho como alterar aquilo
que passa além do ato cometido. Posso até comprar outro livro, pagar minha multa etc.
Porém, o fato de alguém não poder mais ler esse livro porque eu roubei, isso não posso
mais mudar e está além da minha capacidade de mudar.

O próximo comentário bíblico também muito importante é o Comentário aos Gálatas


(1531). Nesse comentário, Lutero trabalha a diferença entre as palavras
latinas caros e espiritus. Caro significa carne e espiritus, espírito. Ele quer dizer que em
grande medida quando Paulo trata de carne e espírito ele não está tratando do corpo
material e o Espírito Santo, mas está tratando do corpo material em relação à sua parte
imaterial, a sua alma – aqui retratada como espírito. Daí vem a pergunta novamente:
“Lutero é tricotômico?” “Será que Lutero em vez de dicotômico, como vimos
na liberdade cristã, ele teria uma visão tricotômica?” Esse assunto também trataremos
mais adiante.

Lutero faz uma distinção bastante importante que é a de que o corpo, a carne na
verdade, o corpo seria outro assunto, produz obras. Enquanto que o espírito produz
frutos. É isso que Lutero usa para distinguir qual a relação disso no linguajar de Paulo.
Ao dizer então que as obras da carme e os frutos so espírito estão em contraposição. A
pessoa cristã não mais produz obras da carne, mas produz frutos do espírito, que é a
relação dessa pessoa com o Espírito Santo, a partir da fé em Jesus Cristo. Lutero deixa
bem claro que não é uma obra apenas do espírito humano, mas de todo o homem, do
homem completo – o totus homu. Esse assunto também é tratado em de homine, acerca
da disputa sobre o ser humano.

Outro texto bastante importante para Lutero é a Ennaratio no Salmo 51 (1532). Este
texto é uma espécie de comentário onde ele exemplifica a partir do pecado de Davi
como é que o pecado do ser humano funciona. Lutero usa o exemplo do pecado sexual,
que é o que levou Davi a pecar desejando Bate-Seba. Por causa de seu desejo, ele
acabou enviando o marido dela para o combate onde ele morreu. Com isso, Davi pode
assumí-la como esposa, mas ela já estava grávida. Antes ele teria tentado forjar que essa
gravidez fosse do marido e não funcionou. Então ele o mandou para guerra.

Lutero vai trabalhando cada um desses pecados consecutivamente demonstrando que


Davi quebra os 10 mandamentos ao pecar com Bate-Seba. Obviamente ele desobedece a
Deus como seu servo. Ele deseja a mulher do próximo, comete adultério, mente,
asssassina, engana o próprio povo, desonra pai e mãe – porque toma a mulher do outro.
De certa forma até um pouco forçosa, Lutero enxerga que os 10 mandamentos de forma
completa foram quebrados por Davi. Com isso, ele quer dizer que os atos de Davi, ou
seja, os pecados do ser humano só mostram que no fundo nós somos pecadores em
nossa essência. Nós somos plenamente pecadores, corruptos desde a infância e
entregues às forças do pecado. Então, com isso ele critica a teologia medieval que dizia
que o pecado havia tomado apenas parte do ser humano e, com a graça infusa no
batismo, o pecado original seria retirado. Dessa forma, a pessoa poderia ir melhorando
eticamente e se livrando do pecado na medida em que participava do sacramento e da
missa. Ele critica isso e diz que o ser humano é radicalmente entregue ao pecado e a
natureza humana está plenamente chafurdada pelo pecado.

Próximo texto é a Disputatio de homine (1536). Esse texto é um debate sobre o valor do
ser humano. É um debate mais filosófico e teológico. É uma proposta de antropologia
teológica-filosófica, porque em boa parte dos argumentos Lutero parte da filosofia
depois argumenta com a Bíblia. Logicamente, o ponto alto está em dizer que Deus
enxerga o ser humano através de Cristo Jesus na cruz. Ou seja, Deus enxerga o ser
humanos com misericórdia e graça, e não com olhos de justiça. É claro que nesse texto
teremos informações muito importantes que é a respeito da razão do ser humano – o que
pode a razão do ser humano? –, a respeito da própria concepção de Imago Dei, de qual é
o poder do conhecimento humano, de como é o conhecimento teológico da realidade
nos permite ter uma visão mais realista das coisas. Tudo isso encontraremos nesse texto.

O último escrito é o comentário de Gênesis (1535-45). Ele é a base bíblicada


antropologia de Lutero. Quando vemos uma afirmação dele acerca do homem
precisamos dar uma buscadinha rápida na interpretação de Gênesis dele para poder
entender biblicamente aquilo que ele está afirmando é uma tentativa de Lutero de
construir o que significaria a imagem de Deus eter um mandato cultural. Ele
fundamenta a responsabilidade do ser humano para com a criação. Ele fala sobre a
questão da política, economia, família, matrimônio, sexualidade. Ele traz um pacote
bem interessante de como o ser humano foi criado por Deus e para quem o ser humano
está aqui na terra e como ele deve agir.

Aula 2 – Estruturas de argumentação em partes antitéticos

Nessa aula veremos a questão das estruturas antropológicas em Lutero, isto é, como ele
utilizava diversos pares de conceitos para expor a sua antropologia. Iniciando com um
conceito bem paulino, por assim dizer, até porque Lutero tomou esses dois termos de
Paulo propriamente dito. A terminologia é o par: carne e espírito. Muitas vezes em
discussões nas igrejas falamos em carne versus espírito por causa daquele versículo da
carne que milita contra o espírito. Essa terminologia aparece na pena de Lutero.
Era uma argumentação que de certa forma muda com um esquema já bem desenvolvido
ao longo de toda Idade Média. Isso porque, ao longo de toda Idade Média, um escrito de
Hugo de São Victor a respeito dos sacramentos disse que havia certa argumentação a
respeito de carne e espírito, a respeito do que significava corpo, alma e espírito naquele
esquema tricotômico que já conhecemos de várias antropológicos.

Há ai uma ligação entre esses conceitos de corpo, alma e espírito da antropologia de


Aristóteles com a interpretação da imagem e semelhança de Deus no ser humano na
criação. Então, Hugo de São Victor escreve o seguinte: “O homem foi criado à imagem
e semelhança de Deus, pois ele na alma, que é a melhor parte do homem, ou melhor, ela
mesma era o homem,era imagem e semelhança de Deus. Imagem segundo a razão.
Semelhança segundo o amor. Imagem segundo o conhecimento da verdade. Semelhança
segundo o amor à virtude. Imagem porque ele é racional. Semelhança pois ele é
espiritual”.

O que acontece com Hugo de São Victor é que ele abraça uma antropologia aristotélica
e lê o texto bíblico de acordo com essa antropologia. Ele não é o inventor desse
esquema, mas ele o condensa muito bem. Até porque esse esquema pode ser visto em
livros-texto, como, por exemplo um que havia na época de Lutero que mostrava todo o
esquema tricotômico aristotélico explicado por meio de versículos bíblicos. Então dá
para ver como a filosofia de Lutero estava sendo reiterpretada à luz da Escritura. Lutero
de certa forma cresce e aprende teologia nesse meio, mas discorda em certos pontos
dessa forma de interpretação.

Ele por um lado abraça essa tricotomia até certo ponto, mas se distancia e chega perto
de uma dicotomia. Na primeira tese acerca do homem em um escrito de Lutero
chamado “Debate acerca do homem” diz que a filosofia e a sabedoria humana descreve
o homem como um animal-racional-sensitivo-corpóreo. Isso é muito próximo a
Aristóteles, porque “animal-racional” é muito próximo àquela concepção de Aristóteles
do ser humano como um ser político, como um ser racional.O sensitivo e corpóreo não é
diretamente ligado à filosofia de Aristóteles ou à sua antropologia. Isso é mais uma
reinterpretação aristotélica da escolástica – que vai desde Aquino até Gerson e há
também uma influência de Occam – que é esa visão como ser humano animal-racional-
sensitivo-corpóreo. Lutero, nas sua segunda tese, vai dizer que não quer discutir essa
questão, porque não era consenso entre os filósofos. Lutero dá uma escorregada na
casca de banana, mas em grande medida era uma concepção bem aceita.

Lutero muda essa posição quando interpreta Gênesis 1-3. Essa interpretação ocorre no
mesmo período que ele escreve esse debate acerca do homem. Em resumo, nessa
interpretação de Gênesis, Lutero não vê uma diferença essencial entre imagem e
semelhança na criação. Dessa forma, ele rejeita essa visão da Idade Média, a visão
escolástica, de enxergar a imagem como ligada a uma parte do esquema tricotômico,
por exemplo, a imagem ligada à razão, ao conhecimento e a racionalidade; e a
semelhança ligada mais aos sentimentos, ao amor, ao amor à virtude, à espiritualidade
do ser humano. Lutero rejeita essa forma de interpretação das funções, ou das partes
funcionais da antropologia do ser humano.

Com isso, ele vê o ser humano como, na verdade, uma totalidade. Ele usa o termo
latino totus homu, o ser humano como um todo. Para ele, imagem e semelhança são
termos correlatos. Ele não quer dizer que são iguais. São termos correlatos que servem à
função de explicar a totalidade do seria o ser humano em relação a Deus. Em sua
argumentação, Lutero acaba criticando o seu grande pai na teologia que é Agostinho e
toda uma derivação posterior que via na constituição da alma do ser humano algo de
análogo à Trindade. Por essa razão, Lutero rejeita o conceito da Idade Média de pecado,
o qual estava mais próximo da esfera da moralidade e menos atacando o centro do ser
humano. O que aconteceu é que Lutero via o pecado atacando na sua radicalidade o ser
humano como um todo. Para Lutero, não era importante em quantas partes o ser
humano era composto. Para ele, era importante afirmar que o pecado em sua
radicalidade atinge o ser humano completo. Nada sobra no ser humano que seja ainda
por natureza bom e passível de alcançar a graça por si mesmo. Assim, Lutero não há
alma, razão nem intelecto no ser humano que o habilite a alcançar a salvação. Lutero
também rejeita a ideia de que haveria no ser humano uma razão que não foi bem atacada
pelo pecado, ou que haveria um sentimento, um amor ainda puro no ser humano que ali
Deus se conecta.

Com isso, ele diz que essas antropologias são falsas, porque negam a radicalidade do
pecado e permitem que um semipelagianismo invada a igreja.Assim, os conceitos
empregados por Lutero em sua antropologia vão diferir do uso comum na escolástica. O
grande exemplo disso é o par carne-espírito que foi citado logo no começo. Os dois
termos não se referem mais a uma diferenciação entre uma parte material, carne como
corpo, e uma parte imaterial, o espírito, ou a alma, mas segundo o próprio apóstolo
Paulo se refere a uma luta interior de duasinclinações no ser humano. A inclinação ao
pecado e a inclinação resultante do Espírito Santo atuando na vida do cristão. A carne
que milita contra o espírito seria, na opnião de Lutero, um pecado que ainda está no ser
humano e que milita contra o Espírito Santo, o qual atua no ser humano para a sua
santificação. Desta forma, o ser humano justificado e salvo ainda sofre as tentações da
carne que buscam afastá-lo daquilo que o Espírito Santo produz nele.

Lutero é categórico no seu comentário aos gálatas quanto à impossibilidade da


identificação do termo paulino “carne” como sendo identificado ao corpo e o termo
espírito como sendo identificado ao imaterial, a alma ou o espírito humano. Para ele, o
ser humano é totus homu, o homem todo, o ser humano integral. Em sua argumentação,
ele cita Jerônimo, Orígenes, quanto à aceitação desses da tricotomia. Ele acaba dizendo
que todas as preocupações exegéticas dos pais com relação a 1 Tessalonicenses 5.23 não
são assim tão importantes como os pais se preocuparam. Lutero diz que não tem
interesse nessa separação, antes ele quer enfatizar que o ser humano é uma unidade de
corpo-alma-espírito sendo que para ele alma e espírito são a mesma coisa, a saber
apenas a alma.

Um exemplo da integralidade no pensamento de Lutero é que as obras chamada “do


Espírito” como paz, fidelidade, domínio próprio só podem ocorrer no corpo. Para ele,
ninguém pode demonstrar paz ou fidelidade apenas na sua alma, mas seu corpo precisa
atuar junto. Da mesma forma, inimizade e ódio são obras da carne, segundo o texto de
Gálatas, mas são sentimentos que acontecem no nosso interior e que de alguma forma
externalizamos. Então não dá para identificar obras da carne como relacionadas ao
corpo e obras do Espírito como relacionadas ao nosso intelecto, porque tanto obras da
carne como fruto do espírito são coisas que atingem o ser humano na sua totalidade.
Seja no pecado, seja na obra da justificação, a qual também atinge o ser humano na sua
totalidade. Dessa forma não dá para dividir aquilo que o corpo físico produz e aquilo
que a alma do ser humano produz naturalmente. Carne e espírito são dimensões da ação
do pecado e de Deus e não possuem relação direta com a constittuição do ser humano.
Carne diz respeito à atuação do pecado e espírito diz respeito à atuação do Espírito
Santo de Deus.

O segundo par antitético que aparece em Lutero é o homem interior e o homem exterior.
Esse conceito aparece no tratado da liberdade cristã e tem uma ideia muito próxima com
a ideia de carne e espírito. Em resumo, Lutero se questiona que benefício há em se
utilizar de coisas externas, doações, boas obras, veste litúrgica, para a salvação do
indivíduo. Lutero pergunta se um bispo utilizando todas aquelas vestes que ele deveria
usar com todas aquelas jóias e pompa alteraria o estado da alma daquela pessoa com
relação à eternidade. Lutero diz que não. Nenhuma roupa, veste litúrgica, nenhuma
doação, nem mandar contruir uma igreja, nem mandar fazer uma cruzada para
Jerusalem, nada disso altera a situação da alma do ser humano com relação à eternidade.
Ou seja, segundo o reformador, nada do que a pessoa faça, nenhuma das suas obras
altera o destino da sua pessoa na eternidade. Tanto faz o que você come veste ou faz, do
você se priva, quais pecados você não comete, isso não muda o seu destino eterno. O
que muda na verdade é quando o ser humano interior é atingido pela graça justificante e
nele brota a fé que se agarra na palavra da promessa no evangelho, nessa nova
obediência, é que as obras externas vão refletir a mudança ocorrida no homem interior.
Dessa forma, é a mudança no homem interior, por causa da fé, que vai alterar a forma,
ou a qualidade, das obras exteriores. É claro que as obras exteriores podem ser
classificadas como boas. Afinal, se vejo uma pessoa passando necessidade e eu auxiliar
essa pessoa, você poderia dizer humanamente falando que o que eu fiz é ruim? Não,
humanamente falando, ajudar uma pessoa tem que ser qualificado com algo bom e
justo.A questão é que Lutero diz que uma obra é qualificada como sendo boa na
perspectiva de Deus, ou seja, Coram Deo – expressão que significa perante Deus –
apenas a partir dos olhos da fé. Ou seja, quando nós cremos, quando somos justificados,
quando a pessoa é tornada santa por causa da eleição de Deus, então as obras que essa
pessoa realizará são obras provenientes da fé e da graça justificante de Deus.Estas obras
serão justas e boas porque provém de um homem novo, um homem justificado, e santo.
Elas refletem aquilo que está dentro do ser humano.

Enquanto que as obras, mesmo que humanamente boas vindas de uma pessoa que está
no pecado, estando afastada de Deus e não tendo uma relação de obediência com Deus,
não são vistas perante Deus como obras justas e boas. Mas como obras meramente de
um homem pecador e por isso não têm valor eterno.

A próxima distinção que Lutero faz é entre o senhor livre e o escravo submisso. Essa
distinção se encontra também no escrito que mencionei anteriormente, “da liberdade
cristã”. Logo nas primeiras frases, Lutero diz que um cristão é um senhor livre de todas
as coisas e um escravo submisso a todos. Essa distinção Lutero não faz com relação a
todas as pessoas, mas apenas diz respeitoaos cristãos. Por causa da justificação, por
causa da salvação operada na pessoa humana o cristão não é mais um escravo do
pecado, mas passa a ser um senhor livre que não está mais sujeito a mais nada. Ele não
está sujeito ao diabo, nem à morte, nem ao pecado. Ele agora é livre,mas é agora
escravo submisso de Jesus Cristo.

No escrito Da vontade cativa, Lutero nos compara a um animal de carga, um jumento.


Se somos montados pelo diabo, fazemos o que o diabo quer. Ou somos cavalgados por
Deus. Não existe um jumento que não é cavalgado por alguém. Ele nunca está livre por
ai fazendo o que quer. Então, não há uma posição de neutralidade. Aqui ele dá um ponto
final nessas ideias de livre arbítrio, semipelagianismo etc. O ser humano não tem
posição de neutralidade: ou é escravo do pecado, ou de Jesus. Por isso, Lutero diz que
agora é um senhor livre – livre do pecado, da morte e do diabo – e um escravo submisso
– a Deus, a Jesus.

Deus liberta o ser humano para viver para a glória de Deus. E, o homem vive para glória
de Deus amando a Deus e ao próximo – este é o resumo de tudo. Isso não é uma
liberdade libertina, mas uma liberdade para servir. Lutero inclusive diz que a fé não é
ociosa, mas sempre está buscando o que fazer. É uma liberdade para amar o próximo.

O último par que quero tratar aqui é com relação à razão. Em alguns momentos, Lutero
diz que a razão é uma majestade, o sol que ilumina todas as coisas, mas em outros
momentos diz que ela é uma prostituta que nada vale e que nada produz de bom.
Segundo Lutero, em Disputatio de hominem, a razão é um sol que ilumina a todos, a
majestade da criação, a inventora de todas as artes e de todas as coisas. Porém, num
outro escrito, onde ele ataca principalmente Karlstadt, que foi um de seus colegas na
reforma, mas que depois acabou descambando para uma ala mais radical. Lutero ataca-
os e diz que eles se baseiam na razão, por isso diz que a razão é uma prostituta. Lutero
faz isso para dizer que todas as elucubrações pensadas pelo movimento de Karlstadt são
frutos da prostituta do diabo, a razão. Apesar dos termos fortes empregados por Lutero
essa ideia está em consonância com o debate de Heildeberg. Nesse debate, Lutero diz
que quem quiser filosofar sem perigo em Aristóteles primeiro precisa se tornar um tolo
em Cristo. Isso não quer dizer que ele é contra filosofia ou que a acha inútil. Porém,
quer dizer que para filosofar de forma correta é necessário que primeiro você se
converta a Cristo e se torne um tolo, porque a fonte de toda sabedoria está no temor do
Senhor. Isso é, usando uma linguagem paulina, se tornar tolo para o mundo. A
mesnsagem de Cristo ela é uma maluquice para os gregos e escândalo para judeus. É
isso que Lutero quer dizer. Você precisa se tornar um doido em Cristo, mas não o de
cheirar a Bíblia, um maluco para o mundo para então poder filosofar sem perigo em
Aristóteles. Em relação Às coisas divinas, a filosofia natural não consegue encontrar
resposta e é por isso que precisamos da fé em Jesus Cristo para ter um conhecimento
ampliado com relação às estruturas do ser humano. Em contrapartida, com relação às
coisas desse mundo como política, sociedade, organização da nossa vida, há, sim, um
espaço para atuação da razão, mas com relação a isso falarei na próxima aula. Nessa
aula veremos a questão das estruturas antropológicas em Lutero, isto é, como ele
utilizava diversos pares de conceitos para expor a sua antropologia. Iniciando com um
conceito bem paulino, por assim dizer, até porque Lutero tomou esses dois termos de
Paulo propriamente dito. A terminologia é o par: carne e espírito. Muitas vezes em
discussões nas igrejas falamos em carne versus espírito por causa daquele versículo da
carne que milita contra o espírito. Essa terminologia aparece na pena de Lutero.

Era uma argumentação que de certa forma muda com um esquema já bem desenvolvido
ao longo de toda Idade Média. Isso porque, ao longo de toda Idade Média, um escrito de
Hugo de São Victor a respeito dos sacramentos disse que havia certa argumentação a
respeito de carne e espírito, a respeito do que significava corpo, alma e espírito naquele
esquema tricotômico que já conhecemos de várias antropológicos.

Há ai uma ligação entre esses conceitos de corpo, alma e espírito da antropologia de


Aristóteles com a interpretação da imagem e semelhança de Deus no ser humano na
criação. Então, Hugo de São Victor escreve o seguinte: “O homem foi criado à imagem
e semelhança de Deus, pois ele na alma, que é a melhor parte do homem, ou melhor, ela
mesma era o homem,era imagem e semelhança de Deus. Imagem segundo a razão.
Semelhança segundo o amor. Imagem segundo o conhecimento da verdade. Semelhança
segundo o amor à virtude. Imagem porque ele é racional. Semelhança pois ele é
espiritual”.

O que acontece com Hugo de São Victor é que ele abraça uma antropologia aristotélica
e lê o texto bíblico de acordo com essa antropologia. Ele não é o inventor desse
esquema, mas ele o condensa muito bem. Até porque esse esquema pode ser visto em
livros-texto, como, por exemplo um que havia na época de Lutero que mostrava todo o
esquema tricotômico aristotélico explicado por meio de versículos bíblicos. Então dá
para ver como a filosofia de Lutero estava sendo reiterpretada à luz da Escritura. Lutero
de certa forma cresce e aprende teologia nesse meio, mas discorda em certos pontos
dessa forma de interpretação.

Ele por um lado abraça essa tricotomia até certo ponto, mas se distancia e chega perto
de uma dicotomia. Na primeira tese acerca do homem em um escrito de Lutero
chamado “Debate acerca do homem” diz que a filosofia e a sabedoria humana descreve
o homem como um animal-racional-sensitivo-corpóreo. Isso é muito próximo a
Aristóteles, porque “animal-racional” é muito próximo àquela concepção de Aristóteles
do ser humano como um ser político, como um ser racional.O sensitivo e corpóreo não é
diretamente ligado à filosofia de Aristóteles ou à sua antropologia. Isso é mais uma
reinterpretação aristotélica da escolástica – que vai desde Aquino até Gerson e há
também uma influência de Occam – que é esa visão como ser humano animal-racional-
sensitivo-corpóreo. Lutero, nas sua segunda tese, vai dizer que não quer discutir essa
questão, porque não era consenso entre os filósofos. Lutero dá uma escorregada na
casca de banana, mas em grande medida era uma concepção bem aceita.

Lutero muda essa posição quando interpreta Gênesis 1-3. Essa interpretação ocorre no
mesmo período que ele escreve esse debate acerca do homem. Em resumo, nessa
interpretação de Gênesis, Lutero não vê uma diferença essencial entre imagem e
semelhança na criação. Dessa forma, ele rejeita essa visão da Idade Média, a visão
escolástica, de enxergar a imagem como ligada a uma parte do esquema tricotômico,
por exemplo, a imagem ligada à razão, ao conhecimento e a racionalidade; e a
semelhança ligada mais aos sentimentos, ao amor, ao amor à virtude, à espiritualidade
do ser humano. Lutero rejeita essa forma de interpretação das funções, ou das partes
funcionais da antropologia do ser humano.

Com isso, ele vê o ser humano como, na verdade, uma totalidade. Ele usa o termo
latino totus homu, o ser humano como um todo. Para ele, imagem e semelhança são
termos correlatos. Ele não quer dizer que são iguais. São termos correlatos que servem à
função de explicar a totalidade do seria o ser humano em relação a Deus. Em sua
argumentação, Lutero acaba criticando o seu grande pai na teologia que é Agostinho e
toda uma derivação posterior que via na constituição da alma do ser humano algo de
análogo à Trindade. Por essa razão, Lutero rejeita o conceito da Idade Média de pecado,
o qual estava mais próximo da esfera da moralidade e menos atacando o centro do ser
humano. O que aconteceu é que Lutero via o pecado atacando na sua radicalidade o ser
humano como um todo. Para Lutero, não era importante em quantas partes o ser
humano era composto. Para ele, era importante afirmar que o pecado em sua
radicalidade atinge o ser humano completo. Nada sobra no ser humano que seja ainda
por natureza bom e passível de alcançar a graça por si mesmo. Assim, Lutero não há
alma, razão nem intelecto no ser humano que o habilite a alcançar a salvação. Lutero
também rejeita a ideia de que haveria no ser humano uma razão que não foi bem atacada
pelo pecado, ou que haveria um sentimento, um amor ainda puro no ser humano que ali
Deus se conecta.

Com isso, ele diz que essas antropologias são falsas, porque negam a radicalidade do
pecado e permitem que um semipelagianismo invada a igreja.Assim, os conceitos
empregados por Lutero em sua antropologia vão diferir do uso comum na escolástica. O
grande exemplo disso é o par carne-espírito que foi citado logo no começo. Os dois
termos não se referem mais a uma diferenciação entre uma parte material, carne como
corpo, e uma parte imaterial, o espírito, ou a alma, mas segundo o próprio apóstolo
Paulo se refere a uma luta interior de duasinclinações no ser humano. A inclinação ao
pecado e a inclinação resultante do Espírito Santo atuando na vida do cristão. A carne
que milita contra o espírito seria, na opnião de Lutero, um pecado que ainda está no ser
humano e que milita contra o Espírito Santo, o qual atua no ser humano para a sua
santificação. Desta forma, o ser humano justificado e salvo ainda sofre as tentações da
carne que buscam afastá-lo daquilo que o Espírito Santo produz nele.

Lutero é categórico no seu comentário aos gálatas quanto à impossibilidade da


identificação do termo paulino “carne” como sendo identificado ao corpo e o termo
espírito como sendo identificado ao imaterial, a alma ou o espírito humano. Para ele, o
ser humano é totus homu, o homem todo, o ser humano integral. Em sua argumentação,
ele cita Jerônimo, Orígenes, quanto à aceitação desses da tricotomia. Ele acaba dizendo
que todas as preocupações exegéticas dos pais com relação a 1 Tessalonicenses 5.23 não
são assim tão importantes como os pais se preocuparam. Lutero diz que não tem
interesse nessa separação, antes ele quer enfatizar que o ser humano é uma unidade de
corpo-alma-espírito sendo que para ele alma e espírito são a mesma coisa, a saber
apenas a alma.

Um exemplo da integralidade no pensamento de Lutero é que as obras chamada “do


Espírito” como paz, fidelidade, domínio próprio só podem ocorrer no corpo. Para ele,
ninguém pode demonstrar paz ou fidelidade apenas na sua alma, mas seu corpo precisa
atuar junto. Da mesma forma, inimizade e ódio são obras da carne, segundo o texto de
Gálatas, mas são sentimentos que acontecem no nosso interior e que de alguma forma
externalizamos. Então não dá para identificar obras da carne como relacionadas ao
corpo e obras do Espírito como relacionadas ao nosso intelecto, porque tanto obras da
carne como fruto do espírito são coisas que atingem o ser humano na sua totalidade.
Seja no pecado, seja na obra da justificação, a qual também atinge o ser humano na sua
totalidade. Dessa forma não dá para dividir aquilo que o corpo físico produz e aquilo
que a alma do ser humano produz naturalmente. Carne e espírito são dimensões da ação
do pecado e de Deus e não possuem relação direta com a constittuição do ser humano.
Carne diz respeito à atuação do pecado e espírito diz respeito à atuação do Espírito
Santo de Deus.

O segundo par antitético que aparece em Lutero é o homem interior e o homem exterior.
Esse conceito aparece no tratado da liberdade cristã e tem uma ideia muito próxima com
a ideia de carne e espírito. Em resumo, Lutero se questiona que benefício há em se
utilizar de coisas externas, doações, boas obras, veste litúrgica, para a salvação do
indivíduo. Lutero pergunta se um bispo utilizando todas aquelas vestes que ele deveria
usar com todas aquelas jóias e pompa alteraria o estado da alma daquela pessoa com
relação à eternidade. Lutero diz que não. Nenhuma roupa, veste litúrgica, nenhuma
doação, nem mandar contruir uma igreja, nem mandar fazer uma cruzada para
Jerusalem, nada disso altera a situação da alma do ser humano com relação à eternidade.
Ou seja, segundo o reformador, nada do que a pessoa faça, nenhuma das suas obras
altera o destino da sua pessoa na eternidade. Tanto faz o que você come veste ou faz, do
você se priva, quais pecados você não comete, isso não muda o seu destino eterno. O
que muda na verdade é quando o ser humano interior é atingido pela graça justificante e
nele brota a fé que se agarra na palavra da promessa no evangelho, nessa nova
obediência, é que as obras externas vão refletir a mudança ocorrida no homem interior.
Dessa forma, é a mudança no homem interior, por causa da fé, que vai alterar a forma,
ou a qualidade, das obras exteriores. É claro que as obras exteriores podem ser
classificadas como boas. Afinal, se vejo uma pessoa passando necessidade e eu auxiliar
essa pessoa, você poderia dizer humanamente falando que o que eu fiz é ruim? Não,
humanamente falando, ajudar uma pessoa tem que ser qualificado com algo bom e
justo.A questão é que Lutero diz que uma obra é qualificada como sendo boa na
perspectiva de Deus, ou seja, Coram Deo – expressão que significa perante Deus –
apenas a partir dos olhos da fé. Ou seja, quando nós cremos, quando somos justificados,
quando a pessoa é tornada santa por causa da eleição de Deus, então as obras que essa
pessoa realizará são obras provenientes da fé e da graça justificante de Deus.Estas obras
serão justas e boas porque provém de um homem novo, um homem justificado, e santo.
Elas refletem aquilo que está dentro do ser humano.

Enquanto que as obras, mesmo que humanamente boas vindas de uma pessoa que está
no pecado, estando afastada de Deus e não tendo uma relação de obediência com Deus,
não são vistas perante Deus como obras justas e boas. Mas como obras meramente de
um homem pecador e por isso não têm valor eterno.

A próxima distinção que Lutero faz é entre o senhor livre e o escravo submisso. Essa
distinção se encontra também no escrito que mencionei anteriormente, “da liberdade
cristã”. Logo nas primeiras frases, Lutero diz que um cristão é um senhor livre de todas
as coisas e um escravo submisso a todos. Essa distinção Lutero não faz com relação a
todas as pessoas, mas apenas diz respeitoaos cristãos. Por causa da justificação, por
causa da salvação operada na pessoa humana o cristão não é mais um escravo do
pecado, mas passa a ser um senhor livre que não está mais sujeito a mais nada. Ele não
está sujeito ao diabo, nem à morte, nem ao pecado. Ele agora é livre,mas é agora
escravo submisso de Jesus Cristo.

No escrito Da vontade cativa, Lutero nos compara a um animal de carga, um jumento.


Se somos montados pelo diabo, fazemos o que o diabo quer. Ou somos cavalgados por
Deus. Não existe um jumento que não é cavalgado por alguém. Ele nunca está livre por
ai fazendo o que quer. Então, não há uma posição de neutralidade. Aqui ele dá um ponto
final nessas ideias de livre arbítrio, semipelagianismo etc. O ser humano não tem
posição de neutralidade: ou é escravo do pecado, ou de Jesus. Por isso, Lutero diz que
agora é um senhor livre – livre do pecado, da morte e do diabo – e um escravo submisso
– a Deus, a Jesus.

Deus liberta o ser humano para viver para a glória de Deus. E, o homem vive para glória
de Deus amando a Deus e ao próximo – este é o resumo de tudo. Isso não é uma
liberdade libertina, mas uma liberdade para servir. Lutero inclusive diz que a fé não é
ociosa, mas sempre está buscando o que fazer. É uma liberdade para amar o próximo.

O último par que quero tratar aqui é com relação à razão. Em alguns momentos, Lutero
diz que a razão é uma majestade, o sol que ilumina todas as coisas, mas em outros
momentos diz que ela é uma prostituta que nada vale e que nada produz de bom.
Segundo Lutero, em Disputatio de hominem, a razão é um sol que ilumina a todos, a
majestade da criação, a inventora de todas as artes e de todas as coisas. Porém, num
outro escrito, onde ele ataca principalmente Karlstadt, que foi um de seus colegas na
reforma, mas que depois acabou descambando para uma ala mais radical. Lutero ataca-
os e diz que eles se baseiam na razão, por isso diz que a razão é uma prostituta. Lutero
faz isso para dizer que todas as elucubrações pensadas pelo movimento de Karlstadt são
frutos da prostituta do diabo, a razão. Apesar dos termos fortes empregados por Lutero
essa ideia está em consonância com o debate de Heildeberg. Nesse debate, Lutero diz
que quem quiser filosofar sem perigo em Aristóteles primeiro precisa se tornar um tolo
em Cristo. Isso não quer dizer que ele é contra filosofia ou que a acha inútil. Porém,
quer dizer que para filosofar de forma correta é necessário que primeiro você se
converta a Cristo e se torne um tolo, porque a fonte de toda sabedoria está no temor do
Senhor. Isso é, usando uma linguagem paulina, se tornar tolo para o mundo. A
mesnsagem de Cristo ela é uma maluquice para os gregos e escândalo para judeus. É
isso que Lutero quer dizer. Você precisa se tornar um doido em Cristo, mas não o de
cheirar a Bíblia, um maluco para o mundo para então poder filosofar sem perigo em
Aristóteles. Em relação Às coisas divinas, a filosofia natural não consegue encontrar
resposta e é por isso que precisamos da fé em Jesus Cristo para ter um conhecimento
ampliado com relação às estruturas do ser humano. Em contrapartida, com relação às
coisas desse mundo como política, sociedade, organização da nossa vida, há, sim, um
espaço para atuação da razão, mas com relação a isso falarei na próxima aula.

Aula 3 – Caracteristicas da razão humana

Por causa de alguns tipos de grosserias germânicas, como, por exemplo, chamar Erasmo
de Roterdã de sapo coaxante, Lutero seria conhecido mundialmente e desprezado como
uma pessoa que não dá importância às finas artes, nem à filosofia, nem ao conhecimento
natural do ser humano. Não é por menos que há diversas críticas a respeito de Lutero
vindo tanto de mentes mais iluministas quanto também de irmãos reformados
calvinistas que dizem que Lutero propaga uma antropologia dicotômica e dualista e
continua aumentando o fosso de separação entre natureza e graça.

Porém, é preciso levar em consideração a forma de pensamento dialético de Lutero para


poder interpretá-lo melhor e reconhecer como ele trabalha nas suas distinções e que
distinguir não é mesma coisa que separar. Assim, podemos ter uma interpretação mais
coerente daquilo que Lutero quis dizer e de certa forma dar uma desculpada nele pela
verborragia e pelos ataques dele na sua época.

Entender como Lutero entendia a razão humana é importante para percebemos como
funcionam essas distinções. É a razão humana que ele vai colocar como a função que
traz à tona todas as ciências, as artes e o conhecimento humano. Lutero trata quando ele
fala de alma, espírito, razão, coração, ele trata todos esses termos da antropologia como
funções. Ele nunca trata isso de forma literal, mas como funções. Ele trata isso como
algo que está ali para explicar uma realidade no ser humano e não como algo em si.
Então, ele nunca toma o coração, a alma como algo ontológico, mas tem isso como
questões funcionais. Inclusive, voltando a falar sobre a razão, em um primeiro
momento, Lutero é bem favorável a uma ideia de razão natural. Para isso, ele utiliza o
termo sintereses. Ele herdou esse termo da escolástica que definia a sintereses como
hábitos, os quais eram uma pré-condição para distinguir o bem e o mal. Assim entendia
Aquino, que faz até uma diferença entre o que seria sintereses e o consciência. A
sintereses seria a pré-condição para que uma pessoa possa conhecer ou distinguir o bem
e o mal. A consciência é de fato a ação de distinguir bem e mal. Isso fica mais claro na
antropologia de Gerson.

Lutero fala positivamente da razão nos comentários marginais nas obras de Agostinho e
de Lombardo onde ele retrata a razão como um orgão que possibilita o ser humano lutar
contra o pecado. Lutero fazia anotações nas margens dos livros e os estudiosos
definiram como Lutero interpretava Agostinho a partir disso. Ele vai interpretar
Agostinho que era alguém que não via essa inatividade do ser humano para o bem, até
porque ele tinha um conceito de pecado bem mais abrangente. Nessas notas marginais,
ele acaba dizendo que a razão é o lugar onde o ser humano se comunica com Deus. Ele
muda, porém, nas preleções sobre os Salmos entre os anos 1513-1515 quando ele busca
em Gerson a ideia das sintereses. Nesse momento é que ele desloca da razão para a
sintereses, o “modo de comunicação” entre Deus e o ser humano.

A sintereses ainda é muito ligada com a vontade do ser humano. Aqui começam os
primeiros passos da mudança reformatória, da descoberta da justificação pela fé.
Quando conecta sintereses com vontade, a qual ele já estava definindo como algo
entregue ao pecado, ele dará um passo que será dizer que não sobra nada no ser humano
que não tenha sido atacado pelo pecado. Então, a sintereses, aquela que desaria o bem, é
vista ora como positiva e ora como negativa. Principalmente quando ela é ligada à
vontade. Em Lutero, é importante dizer, a sintereses nunca é vista como aquela que
deseja o bem supremo, ela apenas deseja o bem aqui neste mundo. É justamente a
introdução da ideia de vontade que vai trazer essa mudança que Lutero pode falar mais
tarde que a razão é a senhora prostituta. A transição da razão de boa senhora para
prostituta acontece justamente pela conexão de razão e vontade no pensamento de
Lutero. Para entender, precisamos desenvolver como isso aconteceu.

No comentário de Gênesis, Lutero defende que antes da queda, Adão tinha uma razão
reta e uma boa vontade. Essa é uma conexão bem importante entre razão e vontade. Isso
quer dizer que de certa forma Adão tinha livre-arbítrio. Após a queda, tanto a razão
quanto a vontade são atingindas pelo pecado em sua totalidade de forma que não é mais
possível falar de uma parte do ser humano por menor que ela fosse que se mantivesse
intacta após a queda. Isso não quer dizer que o homem sem Cristo seria incapaz de fazer
algo meramente externo, ou moralmente externo que seja bom. Lutero defende que as
obras que são moralmente boas não tornam o ser humano bom. Não é a obra que altera a
qualidade do ser humano interior, mas é a fé que muda a qualidade da obra. O ser
humano justificado que faz obras boas e justas, mas não as obras boas e justas que
tornam o ser humano bom.

Por isso, no Debate sobre o homem, Lutero pode dizer que a razão é algo como que
divino no se humano, ela é o sol que ilumina a todos, ela é a adminstradora de todas as
coisas, a inventora das Artes, da Medicina, do Direito. E, mesmo depois da queda, Deus
confirma que a razão é a majestade de todas as coisas. Como pode Lutero afirmar tão
positivamente a respeito da razão nesse texto sendo que em outro ele trata a razão como
uma prostitura? Lutero, em Da vontade cativa, diz que há três luzes. A primeira luz é a
da natureza. Essa luz da natureza capacita o ser humano a ter uma visão, um
conhecimento das coisas naturais, para enxergar a realidade a partir de um
conhecimento natural. Através dela, vemos a realidade desse mundo, o mundo da
experiência, o mundo sensitivo, e podemos alcançar um conhecimento correto a respeito
das ciências naturais, da experiência, a respeito da lógica do pensamento filosófico. Isso
tudo é possibilitado pela luz da natureza. Porém, há uma segunda luz, a lua da graça.
Por meio da luz da graça o ser humano passa a ter um conhecimento da sua causa
eficiente, a causa primeira de todas as coisas que é Deus. O ser humano passa a
reconhecer Deus como o Senhor e Salvador da sua vida por meio da luz da graça. Ele
passa a enxergar o mundo não só mais através da luz natural, mas também através da
luz da graça. Isso muda a perspectiva com que o ser humano reconheça e conheça a
realidade diante de seus olhos. Porém, há uma terceira luz, a luz da glória de Deus.Ela
diz respeito ao conhecimento terá na eternidade no reino vindouro. Os que forem
iluminados por esse conhecimento advindo da glória de Deus terão um conhecimento
como Deus conhece. Então, terão um conhecimento amplo e irrestrito de todas as
coisas. Então é preciso distinguir as coisas. O ser humano natural sem Cristo pode
conhecer todas as coisas deste mundo. Ele pode criar ciências, governar o mundo, pode
inventar coisas maravilhosas, mas é o conhecimento da graça de Deus que habilita o ser
humano a ter um conhecimento do porquê eu vivo nesse mundo e para Deus criou todas
essas coisas e para onde nós vamos.De onde viemos e para onde vamos. Essa pergunta é
a luz da graça que responde. E isso muda a forma com que lidamos com a ciência, com
o conhecimento deste mundo, com as técnicas, com a razão e com tudo o que está à
nossa volta.

Para Lutero, a razão do ser humano não desempenha um papel ativo na salvação do
indivíduo, mas desempenha um papel importante em relação à vida neste mundo. Não é
que Lutero veja as invenções da razão, do Direto, da Medicina e da Arte como algo à
toa. Lutero vê isso como algo positivo. O universo acadêmico é visto por Lutero como
invenção da razão e isso é algo muito bom. Isso é a majestade. Isso é algo supremo. Ele
reconhece que há esse espaço de atuação da graça comum. Isso é uma ação de Deus,
algo que ele deu a todo ser humano por meio da graça comum para, por meio da função
da razão, governar todas as coisas e ter essa capacidade inventiva, mas não criativa.
Lutero não fala de criatividade, ele fala de inventividade, porque criação é algo que
compete somente a Deus.

Isso se dá de acordo com a preleção de Gênesis, pois Deus definiu que mesmo após a
queda do ser humano, este deveria cuidar das relações no âmbito da casa. Ou seja, desde
a criação, e mesmo depois da queda, o homem é responsável por cuidar do matrimônio,
da família, das relações dentro da casa, do trabalho, da obtenção do seu alimento. A
relação com seus congeneres surgirá como consequência da queda. Ali é que o ser
humano terá que lidar com seu vilarejo, seus vizinhos, com a relação de comércio e a
sociedade. É nesse caso que o ser himano avança numa relação com os seus
semelhantes.

Lutero interpreta o verbo dominar que está presente em Gênesis 1.26 como a tarefa do
ser humano com relação a seus semelhantes, com relação à criaçãoe aos animais. Esse
verbo “dominar” Lutero não entende como uma exploração, mas no sentido de cuidado.
Antes da queda, o ser humano só comia vegetais, ele era basicamente vegetariano.
Depois da queda, Deus ainda não permite que o ser humano coma animais. Ele só vai
permitir que o ser humano se alimente de carne após o dilúvio. Apenas em Noé haverá
uma permissão para que o ser humano coma carne. Ainda assim, é uma permissão que
tem limite, pois o ser humano só poderá comer carne de animais puros – segundo a
interpretação de Lutero – e não poderá comer carne com sangue. O que Lutero quer
colocar com essas delimitações que Deus coloca no domínio do ser humano é que Deus
é o Senhor de todas as coisas e aquele que tem o poder de legislar. É Deus quem
estabelece as regras e os limites para atuação do ser humano e também o domínio do ser
humano não é sem limites. É colocado um limite através da Lei de Deus que diz até
onde o ser humano pode ir e até onde o ser humano não pode ultrapassar e isso está
colocado pela Lei de Deus. Deus estabelece limites para a ação do ser humano, portanto
a exploração, segundo Lutero, como a caça de animais apenas por deleite é fruto do
pecado. Isso não é um exercício correto da ação de dominar. A caça indiscriminada não
é domínio do ser humano, mas é pecado, segundo Lutero, porque ultrapassa os limites
dados por Deus no domínio.

Por último, é preciso falar da razão entre razão e vontade. Lutero considera que a
vontade do ser humano é totalmente cativa pelo pecado após a queda. Para ele, não
existe livre-arbítrio. Via de regra, só Deus tem livre-arbítrio. O ser humano, Adão, teria
livre-arbítrio não no sentido de uma liberdade libertária, mas no sentido Agostiniano
de posse non pecare, o poder não pecar. Isto é, Adão podia não pecar. Lutero segue essa
interpretação de Agostinho. Quando Adão, de fato, peca acontece que ele se torna
escravo dessa nova condição de non posse non pecare, o não poder não pecar. Adão
após a queda não podia não pecar, ou seja, estava fadado a cometer atos de pecado por
causa do pecado original que ele cometeu. Com isso, a vontade do ser humano se torna
cativa do pecado e precisa ser liberta. Somente por meio da justificação pela fé e por
causa da obra de Cristo é que o ser humano é posto em uma nova relação com Deus
onde não é mais o pecado que tem o senhorio sobre o ser humano, mas Deus somente
por meio de Jesus que é estabelecido um novo senhorio.Assim sendo, a razão também
sofre com as consequências do pecado, pois quando ela se eleva acima de Deus e quer
se julgar como absoluta, soberana por si mesma e não porque Deus assim possibilitou
por meio do imperativo de dominar, quando a razão quer se colocar acima de Deus e
roubar o seu trono é ali que se mostra como senhora prostituta. Por isso, Lutero ataca a
razão que quer se colocar acima de Deus e não quer reconhecê-lo como Deus. Isso se
mostra na história da humanidade e também nos dias de hoje por meio das ideologias
que querem ocupar o lugar de Deus e se colocar como científicas, como verdade acima
de tudo, como coisas absolutas, como portadoras da liberdade para o ser humano. Essas
promessas da filosofia, das ideologias, da razão humana que querem destronar Deus é
que são frutos da senhora meretriz, da prostituta do diabo, a razão. Por isso, Lutero
precisa afirmar também que a razão necessita da redenção em Cristo e, por isso,
filosofar sem perigo é possível somente para uma pessoa convertida. Somente o servo
de Jesus Cristo é que filosofa com Aristóteles sem perigo. Lutero defendia um
pensamento integral do ser humano onde a redenção ocupava o papel central sem com
isso desmerecer a graça comum. Assim, a ideia de pecado que ataca todo ser humano é
também colocada lado a lado com a justificação que ataca todo ser humano e que abarca
todas as esferas da vida so ser humano. Ela redime o ser humano na sua integralidade
como pessoa e na integralidade das suas relações.

Aula 4 – Justificação como ponto central da antropologia de Lutero


Por causa de alguns tipos de grosserias germânicas, como, por exemplo, chamar Erasmo
de Roterdã de sapo coaxante, Lutero seria conhecido mundialmente e desprezado como
uma pessoa que não dá importância às finas artes, nem à filosofia, nem ao conhecimento
natural do ser humano. Não é por menos que há diversas críticas a respeito de Lutero
vindo tanto de mentes mais iluministas quanto também de irmãos reformados
calvinistas que dizem que Lutero propaga uma antropologia dicotômica e dualista e
continua aumentando o fosso de separação entre natureza e graça.

Porém, é preciso levar em consideração a forma de pensamento dialético de Lutero para


poder interpretá-lo melhor e reconhecer como ele trabalha nas suas distinções e que
distinguir não é mesma coisa que separar. Assim, podemos ter uma interpretação mais
coerente daquilo que Lutero quis dizer e de certa forma dar uma desculpada nele pela
verborragia e pelos ataques dele na sua época.

Entender como Lutero entendia a razão humana é importante para percebemos como
funcionam essas distinções. É a razão humana que ele vai colocar como a função que
traz à tona todas as ciências, as artes e o conhecimento humano. Lutero trata quando ele
fala de alma, espírito, razão, coração, ele trata todos esses termos da antropologia como
funções. Ele nunca trata isso de forma literal, mas como funções. Ele trata isso como
algo que está ali para explicar uma realidade no ser humano e não como algo em si.
Então, ele nunca toma o coração, a alma como algo ontológico, mas tem isso como
questões funcionais. Inclusive, voltando a falar sobre a razão, em um primeiro
momento, Lutero é bem favorável a uma ideia de razão natural. Para isso, ele utiliza o
termo sintereses. Ele herdou esse termo da escolástica que definia a sintereses como
hábitos, os quais eram uma pré-condição para distinguir o bem e o mal. Assim entendia
Aquino, que faz até uma diferença entre o que seria sintereses e o consciência. A
sintereses seria a pré-condição para que uma pessoa possa conhecer ou distinguir o bem
e o mal. A consciência é de fato a ação de distinguir bem e mal. Isso fica mais claro na
antropologia de Gerson.

Lutero fala positivamente da razão nos comentários marginais nas obras de Agostinho e
de Lombardo onde ele retrata a razão como um orgão que possibilita o ser humano lutar
contra o pecado. Lutero fazia anotações nas margens dos livros e os estudiosos
definiram como Lutero interpretava Agostinho a partir disso. Ele vai interpretar
Agostinho que era alguém que não via essa inatividade do ser humano para o bem, até
porque ele tinha um conceito de pecado bem mais abrangente. Nessas notas marginais,
ele acaba dizendo que a razão é o lugar onde o ser humano se comunica com Deus. Ele
muda, porém, nas preleções sobre os Salmos entre os anos 1513-1515 quando ele busca
em Gerson a ideia das sintereses. Nesse momento é que ele desloca da razão para a
sintereses, o “modo de comunicação” entre Deus e o ser humano.

A sintereses ainda é muito ligada com a vontade do ser humano. Aqui começam os
primeiros passos da mudança reformatória, da descoberta da justificação pela fé.
Quando conecta sintereses com vontade, a qual ele já estava definindo como algo
entregue ao pecado, ele dará um passo que será dizer que não sobra nada no ser humano
que não tenha sido atacado pelo pecado. Então, a sintereses, aquela que desaria o bem, é
vista ora como positiva e ora como negativa. Principalmente quando ela é ligada à
vontade. Em Lutero, é importante dizer, a sintereses nunca é vista como aquela que
deseja o bem supremo, ela apenas deseja o bem aqui neste mundo. É justamente a
introdução da ideia de vontade que vai trazer essa mudança que Lutero pode falar mais
tarde que a razão é a senhora prostituta. A transição da razão de boa senhora para
prostituta acontece justamente pela conexão de razão e vontade no pensamento de
Lutero. Para entender, precisamos desenvolver como isso aconteceu.

No comentário de Gênesis, Lutero defende que antes da queda, Adão tinha uma razão
reta e uma boa vontade. Essa é uma conexão bem importante entre razão e vontade. Isso
quer dizer que de certa forma Adão tinha livre-arbítrio. Após a queda, tanto a razão
quanto a vontade são atingindas pelo pecado em sua totalidade de forma que não é mais
possível falar de uma parte do ser humano por menor que ela fosse que se mantivesse
intacta após a queda. Isso não quer dizer que o homem sem Cristo seria incapaz de fazer
algo meramente externo, ou moralmente externo que seja bom. Lutero defende que as
obras que são moralmente boas não tornam o ser humano bom. Não é a obra que altera a
qualidade do ser humano interior, mas é a fé que muda a qualidade da obra. O ser
humano justificado que faz obras boas e justas, mas não as obras boas e justas que
tornam o ser humano bom.

Por isso, no Debate sobre o homem, Lutero pode dizer que a razão é algo como que
divino no se humano, ela é o sol que ilumina a todos, ela é a adminstradora de todas as
coisas, a inventora das Artes, da Medicina, do Direito. E, mesmo depois da queda, Deus
confirma que a razão é a majestade de todas as coisas. Como pode Lutero afirmar tão
positivamente a respeito da razão nesse texto sendo que em outro ele trata a razão como
uma prostitura? Lutero, em Da vontade cativa, diz que há três luzes. A primeira luz é a
da natureza. Essa luz da natureza capacita o ser humano a ter uma visão, um
conhecimento das coisas naturais, para enxergar a realidade a partir de um
conhecimento natural. Através dela, vemos a realidade desse mundo, o mundo da
experiência, o mundo sensitivo, e podemos alcançar um conhecimento correto a respeito
das ciências naturais, da experiência, a respeito da lógica do pensamento filosófico. Isso
tudo é possibilitado pela luz da natureza. Porém, há uma segunda luz, a lua da graça.
Por meio da luz da graça o ser humano passa a ter um conhecimento da sua causa
eficiente, a causa primeira de todas as coisas que é Deus. O ser humano passa a
reconhecer Deus como o Senhor e Salvador da sua vida por meio da luz da graça. Ele
passa a enxergar o mundo não só mais através da luz natural, mas também através da
luz da graça. Isso muda a perspectiva com que o ser humano reconheça e conheça a
realidade diante de seus olhos. Porém, há uma terceira luz, a luz da glória de Deus.Ela
diz respeito ao conhecimento terá na eternidade no reino vindouro. Os que forem
iluminados por esse conhecimento advindo da glória de Deus terão um conhecimento
como Deus conhece. Então, terão um conhecimento amplo e irrestrito de todas as
coisas. Então é preciso distinguir as coisas. O ser humano natural sem Cristo pode
conhecer todas as coisas deste mundo. Ele pode criar ciências, governar o mundo, pode
inventar coisas maravilhosas, mas é o conhecimento da graça de Deus que habilita o ser
humano a ter um conhecimento do porquê eu vivo nesse mundo e para Deus criou todas
essas coisas e para onde nós vamos.De onde viemos e para onde vamos. Essa pergunta é
a luz da graça que responde. E isso muda a forma com que lidamos com a ciência, com
o conhecimento deste mundo, com as técnicas, com a razão e com tudo o que está à
nossa volta.

Para Lutero, a razão do ser humano não desempenha um papel ativo na salvação do
indivíduo, mas desempenha um papel importante em relação à vida neste mundo. Não é
que Lutero veja as invenções da razão, do Direto, da Medicina e da Arte como algo à
toa. Lutero vê isso como algo positivo. O universo acadêmico é visto por Lutero como
invenção da razão e isso é algo muito bom. Isso é a majestade. Isso é algo supremo. Ele
reconhece que há esse espaço de atuação da graça comum. Isso é uma ação de Deus,
algo que ele deu a todo ser humano por meio da graça comum para, por meio da função
da razão, governar todas as coisas e ter essa capacidade inventiva, mas não criativa.
Lutero não fala de criatividade, ele fala de inventividade, porque criação é algo que
compete somente a Deus.

Isso se dá de acordo com a preleção de Gênesis, pois Deus definiu que mesmo após a
queda do ser humano, este deveria cuidar das relações no âmbito da casa. Ou seja, desde
a criação, e mesmo depois da queda, o homem é responsável por cuidar do matrimônio,
da família, das relações dentro da casa, do trabalho, da obtenção do seu alimento. A
relação com seus congeneres surgirá como consequência da queda. Ali é que o ser
humano terá que lidar com seu vilarejo, seus vizinhos, com a relação de comércio e a
sociedade. É nesse caso que o ser himano avança numa relação com os seus
semelhantes.

Lutero interpreta o verbo dominar que está presente em Gênesis 1.26 como a tarefa do
ser humano com relação a seus semelhantes, com relação à criaçãoe aos animais. Esse
verbo “dominar” Lutero não entende como uma exploração, mas no sentido de cuidado.
Antes da queda, o ser humano só comia vegetais, ele era basicamente vegetariano.
Depois da queda, Deus ainda não permite que o ser humano coma animais. Ele só vai
permitir que o ser humano se alimente de carne após o dilúvio. Apenas em Noé haverá
uma permissão para que o ser humano coma carne. Ainda assim, é uma permissão que
tem limite, pois o ser humano só poderá comer carne de animais puros – segundo a
interpretação de Lutero – e não poderá comer carne com sangue. O que Lutero quer
colocar com essas delimitações que Deus coloca no domínio do ser humano é que Deus
é o Senhor de todas as coisas e aquele que tem o poder de legislar. É Deus quem
estabelece as regras e os limites para atuação do ser humano e também o domínio do ser
humano não é sem limites. É colocado um limite através da Lei de Deus que diz até
onde o ser humano pode ir e até onde o ser humano não pode ultrapassar e isso está
colocado pela Lei de Deus. Deus estabelece limites para a ação do ser humano, portanto
a exploração, segundo Lutero, como a caça de animais apenas por deleite é fruto do
pecado. Isso não é um exercício correto da ação de dominar. A caça indiscriminada não
é domínio do ser humano, mas é pecado, segundo Lutero, porque ultrapassa os limites
dados por Deus no domínio.

Por último, é preciso falar da razão entre razão e vontade. Lutero considera que a
vontade do ser humano é totalmente cativa pelo pecado após a queda. Para ele, não
existe livre-arbítrio. Via de regra, só Deus tem livre-arbítrio. O ser humano, Adão, teria
livre-arbítrio não no sentido de uma liberdade libertária, mas no sentido Agostiniano
de posse non pecare, o poder não pecar. Isto é, Adão podia não pecar. Lutero segue essa
interpretação de Agostinho. Quando Adão, de fato, peca acontece que ele se torna
escravo dessa nova condição de non posse non pecare, o não poder não pecar. Adão
após a queda não podia não pecar, ou seja, estava fadado a cometer atos de pecado por
causa do pecado original que ele cometeu. Com isso, a vontade do ser humano se torna
cativa do pecado e precisa ser liberta. Somente por meio da justificação pela fé e por
causa da obra de Cristo é que o ser humano é posto em uma nova relação com Deus
onde não é mais o pecado que tem o senhorio sobre o ser humano, mas Deus somente
por meio de Jesus que é estabelecido um novo senhorio.Assim sendo, a razão também
sofre com as consequências do pecado, pois quando ela se eleva acima de Deus e quer
se julgar como absoluta, soberana por si mesma e não porque Deus assim possibilitou
por meio do imperativo de dominar, quando a razão quer se colocar acima de Deus e
roubar o seu trono é ali que se mostra como senhora prostituta. Por isso, Lutero ataca a
razão que quer se colocar acima de Deus e não quer reconhecê-lo como Deus. Isso se
mostra na história da humanidade e também nos dias de hoje por meio das ideologias
que querem ocupar o lugar de Deus e se colocar como científicas, como verdade acima
de tudo, como coisas absolutas, como portadoras da liberdade para o ser humano. Essas
promessas da filosofia, das ideologias, da razão humana que querem destronar Deus é
que são frutos da senhora meretriz, da prostituta do diabo, a razão. Por isso, Lutero
precisa afirmar também que a razão necessita da redenção em Cristo e, por isso,
filosofar sem perigo é possível somente para uma pessoa convertida. Somente o servo
de Jesus Cristo é que filosofa com Aristóteles sem perigo. Lutero defendia um
pensamento integral do ser humano onde a redenção ocupava o papel central sem com
isso desmerecer a graça comum. Assim, a ideia de pecado que ataca todo ser humano é
também colocada lado a lado com a justificação que ataca todo ser humano e que abarca
todas as esferas da vida so ser humano. Ela redime o ser humano na sua integralidade
como pessoa e na integralidade das suas relações.

Aula 5 – O Coração na antropologia de Lutero

Coração é uma palavra muito empregada na espritualidade, no uso comum das igrejas
onde se fala do coração, da fé do coração, o coração do homem que se apega às coisas,
onde se fala de um coração que serve a Deus etc. Tudo isso tem uma relação com uma
série de textos bíblicos e justamente pela mesma razão vemos isso em Martinho Lutero
bem apresentado. Ele, porém, não foi o primeiro a fazer uso do termo coração na
reflexão antropológica dentro da Teologia. Antes dele, Thomás de Aquino já havia
utilizado o termo, mas numa recepção do uso aristotélico do uso de coração. Para
Aristóteles, o coração é a instância que rege o movimento do corpo é a instância do
desejo humano.

Agostinho, já antes de Aquino, também entendia o coração como o lugar das emoções,
mas aquelas direcionadas mais para um futuro, por isso a importância fundamental para
questões religiosas, porque a própria questão da esperança no futuro, esperança da vida
eterna, estaria ligada ao coração no pensamento de Agostinho. É claro que a própria
Escritura faz um uso muito intenso do vocábulo, como aponta o trabalho de
antropologia do AT de Hans-Walter Wolff. O estudioso afirma que na linguagem do AT
o coração era algo parecido com aquilo que hoje entendemos por cérebro. Ou seja, o
local da formação dos pensamentos, da razão, das decisões, da vontade, das emoções e
das intenções das pessoas. Nessa perspectiva, a imagem que Lutero constrói do coração
humano tem muito mais raízes no vocabulário do AT do que propriamente em Aquino
ou em Agostinho.

Para Lutero, a partir especialmente das suas preleções sobre os Salmos, o coração é
visto como um sinônimo para vontade e também para consciência. Lutero não se
preocupou em estabelecer uma relação entre o coração físico. Ele não estava muito
preocupado com as relações fisiológicas e sua relação com o movimento humano como
os filósofos da Antiguidade, os naturalistas, estavam fazendo. Essa não era a
preocupação de Lutero. Pelo contrário, ele manteve-se fiel ao uso de coração no AT.
Até porque Lutero era alguém que trabalhava muito intensamente com o AT. Os livros
que ele mais abordou em toda a sua jornada como teólogo foi o livro de Salmos.
Por que ele resolveu falar do coração como sede dos pensamentos e da razão humana?
Qual é o sentido de falar de coração como sinônimo para vontade e para razão? Não
poderíamos abandonar essa ideia visto que temos uma concepção mais científica acerca
do que forma o cérebro e poderíamos explicar isso de forma naturalista? A questão é
que Lutero dá uma interpretação diferenciada para coração em relação à razão,
consciencia e outras faculdades mentais. O coração é relacionado com a emotividade,
com a necessidade e a busca pelas emoções. Mas não só isso! Para Lutero o coração
crê! A fé se encontra no coração humano. A fé é aquilo no que o coração se agarra.
Coração define assim aquilo que o ser humano procura, deseja, anseia e ao que ele se
apega em busca de encontrar uma razão para si mesmo. A busca do ser humano pela
razão da sua existência, por um porto seguro na vida, por estabilidade emocional, por
certeza é centrada no coração. Da mesma forma, o descrente em sua busca por respostas
é descrito por Lutero como alguém cujo coração se inclina e busca por algo fora de si
mesmo. O descrente é alguém que ao invés de procurar as respostas do seu coração em
Deus, busca as respostas do seu coração no seu próprio coração. É isso que Lutero vai
chamar de uma pessoa ensimesmada, uma pessoa que vive escrava do pecado. Por isto
para Lutero o ser humano é um ser excêntrico, pois busca respostas fora de si mesmo e
não no seu interior. Quando o ser humano busca respostas no seu interior ele vive para
si mesmo. Querendo ou não, todo ser humano acaba buscando respostasao seu redor,
seja na natureza, na filosofia, no esoterismo, numa ideologia política, seja num conceito
econômico, numa teologia, numa religisidade. O ser humano busca razões para o seu
“estar aqui” nesse mundo querendo ou não fora de si mesmo. É isso que Lutero quer
dizer quando diz que o ser humano é excêntrico. O coração procura em algum lugar, em
algo ou em alguém as respostas para a perguntas: “de onde venho?” e “para onde vou?”

Não é à toa que Lutero dizia que aquilo que no que o coração se agarra, isso é o seu
Deus. Isso pode ser uma coisa material, um partido político, um time de futebol, seu
canal no Youtube etc. Assim, é possível substituir esse amor pelo amor a essas coisas.
Por isso criticamos essa amor como idolatria. Ou seja, não é simplesmente gostar
demais, mas é, de fato, idolatria. É idolatria se apegar a uma coisa tão firmemente que
nós nos desviamos do apego do nosso coração a Deus.Assim, o coração também é o
lugar. O coração também é o lugar da experiência da fé e do confronto com a Palavra. O
coração inquieto, que tem medo de Deus, que tem receios, que está endurecido pelo
pecado precisa ser atingido pela pregação da lei que desmascara a sua falsidade e
aquietado pelo evangelho que mostra o perdão e o amor de Deus. Assim a experiência
da fé e da justificação acontece no coração humano. Acusado do seu pecado pela Lei e
aquietado e perdoado pelo Evangelho. O coração que crê experimenta essa felicidade,
essa certeza da salvação nessa dinâmica de Lei e Evangelho.

Claro, também o coração é algo que o ser humano não dirige por si mesmo. A vontade
do coração não está sob controle do ser humano por si mesmo. Tudo aquilo que é o ser
humano está sob o controle do pecado e também assim o coração. Isto demonstra como
Lutero compreende que nenhuma parte do ser humano foge da ação do pecado e
também que com a justificação todo o ser humano é atingido pela ação de Deus.

Neste sentido, aponta Oswald Bayer, Lutero e Calvino se encontram. O coração humano
é cor fingens, uma fábrica de imagens. Ou o coração se agarra em Deus, que é único
verdadeiro senhor de todas as coisas, criador de todas as coisas e aquele que realmente
merece e é digno de honra e glória, ou o ser humano se agarra em coisas, projetos,
pessoas, ou mesmo em outras divindades. Tudo isso é idolatria. Tudo isso são imagens
criadas pelo coração falso do ser humano que busca criar para si mesmo imagens falsas
de Deus.

O coração será, portanto. fiel a Deus ou idolatra, ou um ou outro, não há meio


termo. Por isso, é muito importante essa compreensão de coração nos reformadores,
tanto em Lutero, como em Calvino. De forma que também façamos um uso do termo
coração em nossa linguagem teológica em conformidade com as Escrituras, mostrando
que o coração humano não é bonzinho, mas uma fábrica de idolatria que precisa ser
combatido pela Lei e acalmado pelo Evangelho.

Aula 6 - Aalma para Lutero: Mais Platão, Menos Aristóteles?

Nessa aula quero abordar a questão da alma em Martinho Lutero. Especialmente a


questão da dicotomia ou tricotomia. Lutero via o ser humano como composto por uma
parte material, o corpo, e uma imaterial, a alma. A questão que geralmente se pergunta
com relação a constituição do ser humano é: Lutero defende a dicotomia –corpo e alma
– ou a tricotomia – corpo, alma e espírito? Há ainda correntes teológicas que vão pregar
uma espécie de unidade radical, onde corpo, alma e espírito seria uma coisa só. Mas
essa não é a questão de Lutero. Bom, já deixei escapar em outra aula que Lutero parece
ter deixado escapar, cá e lá, uns resquícios de tricotomia, mas em geral e de forma mais
categórica ele afirmava que cria em uma dicotomia. Isto é, o ser humano é composto
por corpo e alma. Porque ele critica a posição de Jerônimo em relação a 1
Tessalonicenses 5.23. Lutero afirma que ali Jerônimo se apropria de uma concepção de
Orígenes, que vem de uma filosofia platônica, e tenta fazer uma interpretação
espiritualista alegórica. Nessa interpretação, ele acaba assumindo uma série de conceitos
da filosofia que para Lutero parece muito estranho. Por isso, Lutero diz que esse
versículo não serve para comprovar uma doutrina mais bem embasada.

Basicamente, para compreender como o pensamento de Lutero se desenvolve é


importante ver os teólogos e filósofos antes de Lutero. O esquema tricotômico era o
esquema básico de toda a escolástica, especialmente sistematizado por Gerson como o
homem sensitivo, corpóreo e espiritual. Note que essa formulação é a que Lutero usa na
primeira tese da Disputatio de homine. Esse esquema de Gerson fazia uso de uma série
de alegorias retiradas da Bíblia para defender essa posição. Assim, por exemplo, corpo,
alma e espírito seriam análogos ao templo de Jerusalém: o pátio do templo seria o
corpo, o lugar santo seria a alma e o santo dos santos, o espírito do ser humano. Ainda
há outras alegorias como a de Agostinho que considera Adão como ser humano
espiritual, Eva como ser humano racional e o ser humano (em geral) após a queda como
sensitivo. Não fica bem claro o que Agostinho quis dizer com isso, mas é uma série de
alegorias retiradas do texto bíblico que não parece assim, num primeiro momento, tão
bem embasada. Desta forma uma concepção neoplatônica de ser humano acaba
embarcando na teologia cristã, que recebe o conceito da divisão da razão entre porção
inferior e superior. Especialmente em Agostinho que vai adaptar o neoplatonismo na
sua concepção do ser humano e falando de razão como tendo uma parte superior e uma
inferior. Os discípulos de Agostinho desenvolverão isso a ponto de dizer que na parte
superior da razão haveria uma espécie de possibilidade de contato com Deus, enquanto
na inferior estaria a concupciência. Com isso, abre-se caminho dentro dos discípulos de
Agostinho para uma compreensão de queo ser humano poderia alcançar a graça por si
mesmo e que o pecado não atinge o ser humano de forma integral, mas de forma parcial.
É justamente isso que Lutero vai criticar aqui nessa adaptação do neoplatonismo para
dentro da filosofia cristã.

É claro que nos escritos de Lutero ainda até 1518 é possível encontrar menções ao
esquema tricotomico de Gerson, que Lutero herdou pelas leituras de Johannes Tauler.
Por exemplo, na preleção sobre Hebreus de 1518, Lutero define o ser humano como
dividido em três “andares” em analogia à arca de Noé. O que acontece paulatinamente
com Lutero neste mesmo período desde 1516 é uma tentativa de acomodar a
antropologia de Gerson no esquema paulino de velho/novo Adão, carnal/espiritual. Ele
tenta encaixar o esquema de corpo-alma-espírito dentro desse esquema dualista. Desta
forma Lutero se afasta da tentativa de localizar um lugar especial da ação de Deus no
homem, para definir o ser humano todo como palco da atuação de Deus. Deus age no
ser humano como um todo, não apenas na sua alma ou no seu espírito.

É claro que nos escritos de Lutero ainda até 1518 é possível encontrar menções ao
esquema tricotomico de Gerson, que Lutero herdou pelas leituras de Johannes Tauler.
Por exemplo, na preleção sobre Hebreus de 1518, Lutero define o ser humano como
dividido em três “andares” em analogia à arca de Noé. O que acontece paulatinamente
com Lutero neste mesmo período desde 1516 é uma tentativa de acomodar a
antropologia de Gerson no esquema paulino de velho/novo Adão, carnal/espiritual. Ele
tenta encaixar o esquema de corpo-alma-espírito dentro desse esquema dualista.

Desta forma Lutero se afasta da tentativa de localizar um lugar especial da ação de Deus
no homem, para definir o ser humano todo como palco da atuação de Deus. Deus age no
ser humano como um todo, não apenas na sua alma ou no seu espírito. Isto se mostra na
adoção de Lutero da doutrina do traducianismo. Esta doutrina diz respeito à origem da
alma de uma pessoa. Basicamente havia duas doutrinas divergentes à época de Lutero
sobre assunto. A doutrina do criacionismo defendia que a alma era criada por Deus no
momento da concepção de um ser humano. O criacionismo tem sua origem no
preexistencialismo de Origenes, que é uma adaptação da ideia platônica e defendia que
havia uma alma primordial de onde todas as almas humanas derivam. O criacionismo
surge mais futuramente como uma tentativa de refinar o preexistencialismo, mas é uma
ideia claramente platônica.

Já a doutrina do traducianismo de Tertuliano defendia que alma é transmitida pelos pais


na concepção. A diferença entre estas duas concepções – que de um ponto de vista
bíblico nem dá para concluir qual é a mais correta – implica diretamente na doutrina do
pecado original. Se um ser humano recebe uma nova alma na concepção, esta que não
tem qualquer relação com a alma dos pais, é uma nova alma, que de certa forma abre
caminho para se falar de uma alma que não herda o pecado original dos pais. Assim,
pecado atual e pecado original acabam se desconectando dentro do criacionismo
gerando novamente a possibilidade de se falar de uma abertura natural do ser humano
para Deus. Enquanto isso, no traducianismo, ao ter sua alma originada da alma dos pais,
então o pecado original acaba sendo transmitido junto. Ao transmitir isso junto, o ser
humano herda a culpa do pecado original e o estado de catividade ao pecado.

Essa seria para Lutero a principal vantagem do traducianismo e efetivamente a razão


pela qual ele o adota. Não por ser biblicamente mais interessante que o outro, como eu
disse, os dois são biblicamente questionáveis. Particularmente, acredito que nem dá para
tomar partido. Porém, de um ponto de vista das implicações teológicas, o traducianismo
se pareceu mais interessante para Lutero.

Poderíamos questionar Lutero como podemos continuar falando de imortalidade da


alma sendo que a alma tem origem nos pais humanos e não de forma direta e imediata
em Deus. A questão aqui é entender o que Lutero pensa sobre imortalidade da alma. De
forma geral, Lutero assina embaixo o 5º Concílio Lateranense com relação à
imortalidade da alma, inclusive criticando fortemente a adoção de Aristóteles no âmbito
da teologia escolástica, por este negar a imortalidade da alma. Porém Lutero trata a
questão da imortalidade da alma sob um prisma um pouco diferente da escolástica.
Enquanto a escolástica via o ser humano como composto de duas partes: uma parte
física, o corpo, que em linguagem filosófica era matéria, e uma parte imaterial,
espiritual, a alma, que em linguagem filosófica era forma. Se o corpo é a matéria e a
parte imaterial é a forma, quem dá forma para o corpo é alma. Ou seja, quem modela –
não em aparência externa – quem faz com que o ser humano seja ser humano é a alma,
não o seu corpo.

A alma, a forma serve justamente para delinear, definir dar forma à matéria. Com isto
haveria uma superioridade da forma em relação à matéria. Lutero evita este tipo de
formulações pois não defende uma ontologia da substancia, mas uma ontologia da
relação. Isto é, a alma tem sua origem em Deus não por derivar substancialmente de
Deus, mas por ter uma relação com Deus. Assim, a alma não é de certa forma divina,
apesar de Lutero falar disso em outro momento, mas ela não é divina no sentido que
deriva de Deus. Ela é divina no sentido que é uma criação de Deus em Adão e por ele
vai sendo transmitida adiante para todas as gerações. Assim, não é a origem da alma em
Deus que é importante, por isso que não é uma ontologia da substância, mas é a relação
da alma com Deus em fé, ou falta de fé, que será definidora, por isso uma ontologia da
relação.

Com isso, ele evita uma discussão se a alma precisa ser sempre subserviente às
discussões filosóficas, preferindo uma compreensão mais teológica da alma. Saber que a
alma é eterna por estar numa relação com Deus e não no sentido que ela derive de
alguma maneira materialmente de Deus. Poderíamos novamente criticar Lutero nos
questionando se ele não deixou uma porta aberta para a doutrina do sono da alma com
relação aos estado intermediário entre morte e juízo final, ou até mesmo uma doutrina
da morte total.

Embora essas duas posições sejam comuns entre teólogos Luteranos dos últimos dois
séculos, Lutero usa a ideia do sono da alma da mesma forma como Paulo descreve. Ou
seja, misturando outros elementos onde a alma está consciente após a morte. Assim, não
é possível definir com exatidão se o pensamento de Lutero é mais para o sono da alma
ou mais para uma consciência da alma no estado intermediário. O mais certo seria dizer
que Lutero acreditava que a alma estaria em algum estado de semiconsciência, pois ao
mesmo tempo Lutero é capaz de afirmar que o estado intermediário é comparável ao
sono, mas durante um sepultamento ele pode dizer que a alma do falecido já estava com
Deus.

Lutero não quer defender aqui, ao dizer que a alma do falecido já estava com Deus, que
existe uma ideia de possibilidade de uma vida eterna acorporal. Bem pelo contrário,
Lutero permanece fiel ao ensino paulino da ressurreição do corpo. Ou seja, a vida eterna
é uma vida corporal.

Em resumo, não dá para identificar o pensamento de Lutero diretamente com o


pensamento de Platão com relação à origem e imortalidade da alma. Ele tem elementos
muito mais advindos das Escrituras que de Platão. Embora, concorde com Platão em
uma série de assuntos. Nem mesmo Lutero concorda com Aristóteles nessa questão e
aqui talvez seja onde ele quebra mais firmemente com Aristóteles ao negar
completamente a doutrina da alma como sede do movimento - se acaba o movimento, a
vida acaba, então a alma morre.Lutero é, nesse sentido, muito mais adepto de uma
antropologia paulina, muito embora leve em conta o vocabulário e as discussões
filosóficas da sua época na formulação das suas ideias.
Hamartiologia: a doutrina do pecado
Aula 1 – As palavras que descrevem o pecado (parte 1)
Hamartiologia é a doutrina que estuda o pecado, sua origem, propagação e
manifestação. Seu nome deriva da palavra grega [αμαρτια – hamartia; traduzida para
pecado]. Essa doutrina tem profunda relação com antropologia, cristologia e
sotereologia, pois, na medida em que concebemos uma, as outras são diretamente
afetadas. No islamismo, por exemplo, a natureza humana não é pecadora, ou seja, o
homem não nasce em pecado, mas aprende a pecar. Por causa disso, a salvação
muçulmana é essencialmente meritória e não há necessidade de um messias redentor
dos pecados da humanidade, mas de profetas que apontem o caminho a as obras da
verdade. No naturalismo, não existe o conceito de pecado, já que o homem tem sua
origem advinda da natureza exclusivamente, por meio da evolução e seleção natural.
Dessa forma, conceitos morais e éticos são convenções, não regras superiores ao
homem que lhe fazem pecar se forem quebradas. O modo como pensamos sobre o
pecado afeta como pensamos sobre santificação, relacionamento com Deus, salvação e a
obra de Cristo Jesus na cruz.

A Bíblia usa várias terminologias para se referir ao pecado. Essas terminologias


enfatizam pelo menos três coisas específicas. O primeiro grupo se refere às causas do
pecado; o segundo grupo sobre a natureza do pecado; e o terceiro grupo sobre as
consequências do pecado.

Fatores que enfatizam as causas do pecado

• Ignorância (ἀγνοια - agnóia)

É a combinação do verbo conhecer (γινώσκω - gnosko) com o alfa que indica negação.
A LXX usa essa palavra para traduzir as palavras shaga (‫ ) ָגהָש‬e shagag (‫ ) ָגגָש‬que
significam basicamente “errar”.

Algumas coisas feitas em ignorância eram toleradas por Deus (At 17.30), ela também é
usada no caso de ignorância inocente (Rm 1.13; 2 Co 6.9; Gl 1.22). Porém, também há
contextos em que atos de ignorância geram culpa (Ef 4.18 e Hb 9.7). O pecado surge
como um desconhecimento da verdade de Deus.

• Erro

Evidencia a tendência humana de se desviar ou cometer erros. No AT, as palavras


usadas são shaga (‫ ) ָגהָש‬e shagag (‫) ָגגָש‬. O uso literal de ‫ שָ גָה‬diz respeito à ovelhas que
perdem do rebanho (Ez 34.6) ou a bêbados cambaleantes (Is 28.7). Há situações em que
a pessoa erra por acidente (Gn 43.12) e outros onde o erro é visto como falha moral (1
Sm 26.21). Pode se referir à fraqueza humana e à sua tendência ao erro (Gn 6.3). Pode
se referir a erros passíveis de culpa (Sl 119.67; Ec 10.5; Jó 12.16). Pode se referir a um
erro em um aspecto ritual que se relaciona com a descoberta de que uma lei do Senhor
foi violada sem querer por causa de ignorância (Lv 4.2, 3, 22-24, 27, 28; Nm 15.22-29).
Outro termo comum que designa “andar errante ou perambular” é (‫ ) ָעהָת‬, que ocorre por
volta de 50 vezes no AT.. Ele também é usado para descrever alguém embriagado (Is
28.7), também pode ser usado para perplexidade (Is 21.4) e aqueles de “espírito errante
(Is 29.24), que se refere a um vagar intencional.

No NT, o termo para designar o pecado como erro é (πλανωμαι - planomai), o qual
enfatiza o engano como a causa do desvio. Tal desvio, entretanto, pode ser evitado
muitas vezes (Mc 13.5, 6; 1 Co 6.9; Gl 6.7; 2 Ts 2.9-12; 1 Jo 3.7; 2 Jo 7). Ou espíritos
maus podem ser a origem do desvio (1 Tm 4.1; 1 Jo 4.6; Ap 12.9; 20.3), ou outros seres
humanos (Ef 4.14; 2 Tm 3.13), ou a própria pessoa (1 Jo 1.8).

• Desatenção

No grego clássico, desatenção é descrito pela palavra (παρακοή - parakoe), a qual tem o
sentido de “ouvir mal ou incorretamente”. Em algumas situações o termo se refere a
uma desobediência que é fruto de desatenção (Rm 5.19; 2 Co 10.6).

Semelhantemente, o verbo παρακούω (parakouo) significa ‘recusar-se a ouvir” (Mt


18.17) ou “não se importar” (Mc 5.36). Dessa forma, o pecado designado pela palavra
envolve o ato de deixa de ouvir quando Deus fala.

Termos que enfatizam a natureza do pecado

• Errar o alvo

É o conceito mais comum ligado a pecado. Essa ideia está presente no verbo hebraico
(‫ ) טָ אָח‬e no grego (αμαρτάνω - hamartánô). Juízes 20.16 e Provérbios 19.2 apresentam o
sentido literal da palavra.

A expressão “errar o alvo” geralmente significa um erro não intencional, mas na Bíblia
o que se subtende é um erro deliberado, uma falha voluntária em relação a outras
pessoas ou a Deus. No AT, quando está associada com o verbo (‫ ָגגָה ָׁש‬- shagagah) o
erro é tomado como não intencional, geralmente em passagens que tratam de aspectos
rituais. Essas combinações de conceitos trazem a ideia que o pecado é um fardo a ser
carregado.

No NT, αμαρτάνω (hamartánô) é o uso mais próximo do equivalente hebraico e


significa “errar, erra o alvo, perder, estar enganado” O substantivo αμαρτια (hamartia)
denota o ato em si quando o objetivo não é alcançado e (αμαρτημα) se refere à
consequência desse ato. Tanto na LXX quanto no NT, o uso do termo designa um erro
de alvo porque se aponta em outra direção.

• Impiedade

O pecado é designado também através do verbo ασεβέω (asebeo), sua forma


substantiva ασέβεια (asébeia) e sua forma adjetiva ασεβής (asébês). Esse termo é o
oposto de σέβω (sébô), que significa “adorar” ou “reverenciar”.

As palavras αδικέω (adikéo), αδικία (adikía) e αδικος (adikós) exprimem a ideia de


impiedade ou ausência de justiça. Elas são utilizadas para traduzir uma variedade de
palavras hebraicas na LXX, o próprio verbo αδικέω traduz cerca de 25 palavras. A
palavra αδικία exprime a ideia de uma conduta que não satisfaça o padrão de justiça
estabelecido.

Dentro desse domínio semântico também está o substantivo ανομία (anomía) junto com
o adjetivo ανομος e o advérbio ανόμως (anómôs). Esses não são termos comuns no NT.
Eles designam a negação a uma lei. Paulo utiliza esse termo para falar dos gentios por
eles não serem regidos pela lei judaica, mas de forma mais frequente àqueles que
infringem a lei. O termo se refere não somente à quebra da lei judaica, mas à lei de Deus
de forma geral.

BIbliografia

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

Aula 2 – Palavras que descrevem o pecado (parte 2)

Transgressão

A palavra hebraica (‫ )ברָע‬ocorre cerca de 600 vezes no AT. Em quase todas as vezes as
ocorrências têm o sentido literal de “atravessar” ou “passar por”. Porém, em algumas
passagens, o termo envolve o sentido de ir além de um limite estabelecido de um
mandamento.

O termo grego que mais se aproxima do termo hebraico é o verbo παραβαίνω (Mt 15.2-
3) e o substantivo παράβασις.

• Iniquidade ou falta de integridade

A palavra hebraica que expressa a ideia é (‫ )ולָע‬e seus derivados. Seu conceito é o de
desviar do caminho certo.Essa ideia é bem expressa em Lv 19.15.

• Rebeldia

Um dos termos mais comuns para expressar essa ideia é (‫ )שעָפ‬e o substantivo (‫)שעֶפ‬.
Seu significado raiz é rebelar-se. O termo pode designar uma rebeldia contra um rei
humano, mas na maioria designa uma rebeldia contra Deus (Is 1.2).

Geralmente traduzida como “rebelar-se” ou “obstinação” é a palavra (‫( )רהָמ‬Is 1.20). A


palavra (‫ )ררָס‬transmite uma ideia de teimosia, ou rebeldia (Dt 21.18; Sl 78.8).

O NT usa as palavras (απειθεια), (απειθέω) e (απειθής) para descrever rebeldia ou


desobediência. Ao todo eles ocorrem 29x. Em dois casos se refere à desobediência aos
pais (Rm 1.30; 2 Tm 3.2), mas no restante se refere a uma desobediência a Deus. Os
incrédulos são descritos como desobedientes (Jo 3.36; At 14.2; 19.9; 1 Pe 2.8; 3.1;
4.17).
Em grego, os termos αφίστημι e αποστασία também descrevem rebeldia. O primeiro em
1 Tm 4.1 e Hb 3.12. O segundo em 2 Ts 2.3 e At 21.21.

• Traição

Esse conceito de traição está profundamente relacionado com o conceito de


desobediência. A palavra hebraica mais comum é (‫)עלָמ‬, a qual na maioria das vezes
denota traição contra Deus (e.g., Lv 26.40). Outra palavra é (‫)גדָב‬, que é ocasionalmente
usada como uma referência a uma traição a Deus (Sl 78.57; Jr 3.10; Ml 2.11).

• Perversão

A palavra (‫ ) ָוהָע‬tem o significado básico de “curvar, torcer” (Is.21.3; 24.1; Pv 12.8) Os


substantivos que derivam dessa palavra falam da destruição de cidades (Sl 79.1; Is 17.1;
Jr 26.18; Mq 1.6; 3.12). Como metáfora, está presente em (4.13), indicando uma ideia
de punição pelo pecado. Em Osésias 5.5, surge como uma alteração no caráter do
pecador.

• Abominação

Isso se refere a reação de Deus diante do pecado. A palavra hebraica que traduz
abominação é (‫ ) קוץִש‬e (‫)תֹועֵבָ ה‬, que descrevem atos reprováveis por Deus (Lv 18.22;
20.13; Dt 7.25-26;18.9-12; 22.5)

Na LXX, uma das palavras que traduz (‫ )עלָמ‬é (παραπίπτω) e (παράπτωμα) onde ambas
significam ‘cair”. No NT, a única ocorrência de (παραπίπτω) está em Hb 6.6. Já
(παράπτωμα) ocorre 21 vezes.

Termos que enfatizam as consequências do pecado

• Agitação ou inquietação

Acredita-se que a palavra (‫)שעֶר‬, que é traduzida para perversidade, subentende


originalmente o conceito de agitação ou inquietação. Em seu sentido literal aparece em
Jó 3.17 e Isaías 57.20, 21. A sua raiz pode significar “ser desconjuntado, mal regulado,
anormal, perverso”.

• Mal ou ruindade

A palavra (‫ )ער‬descreve um mal geral, ou seja, qualquer coisa maligna ou ruim. Pode
também descrever aflição ou adversidade. Em Amós 6.3, o “dia da calamidade” atrela o
ato pecaminoso e suas consequências. Em Deuteronômio 30.15, Deus coloca o caminho
da vida e da morte diante do povo. Escolhendo o que era mau, o povo seria destruído.

• Culpa

O termo (‫ )םאָ ש‬torna explícito a ideia de culpa. Quando se refere ao ato pecaminoso, o
termo significa “fazer o que errado, cometer uma ofensa ou inflingir dano”. Ele traz a
ideia de um erro que tem que ser punido. Em Números 5.8, ele significa “restituição da
culpa”. O ato pecaminoso demanda uma restituição.

A LXX traduz o termo (‫ )םאָ ש‬para a palavra πλημέλια que não ocorre no NT. Mas o NT
usa a palavra ενοχος, a qual aparece apenas dez vezes (e.g., Mt 5.21,22; 1 Co11.27) O
padrão de justiça é o padrão divino e o pecador está sujeito à punição de Deus.

• Sofrimento

No hebraico, a palavra (‫ ) ֶוןָא‬quer dizer literalmente “sofrimento”, quase sempre com


sentido moral. A ideia que ela traz é que pecado traz sofrimento (Os 4.15; 10.8; Jó 31.3;
34.8, 22; Pv 10.29; 21.15; Is 31.2; Os 6.8). Nesses casos ela pode significar a ideia de
miséria, tristeza, sofrimento ou cansaço.

Bibliografia

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

Aula 3 – O entendimento do pecado na historia da igreja

Como a doutrina do pecado tem sido interpretada ao longo da história da Igreja? Se


voltarmos aos primórdios, até Irineu, saberemos que ele concebe o que seria chamado
de “retidão original”. A graça divina deveria causar uma reação no homem que o
impulsionasse à vontade de Deus. Isto é, por causa de seu livre-arbítrio, Adão deveria
avançar rumo a um progresso de semelhança com Deus. Adão teria uma solidariedade
com a raça humana, ou seja, uma identificação. Assim, o que ele perdeu, todos
perderam. Se Adão pecou, todos pecaram com ele. Toda a humanidade estava
potencialmente em Adão. Para Irineu, a morte serve para restringir o pecado. Ou seja,
para que o homem não continuasse pecando para sempre, sem cura, Deus teve
compaixão e fez o homem mortal.

Tertuliano rejeitou as teorias da pré-existência e do criacionismo da alma, identificando-


se como traducionista. Por causa disso, cada alma advém de Adão e assim herdou o seu
pecado. Vemos então como a antropologia de Tertuliano embasa a sua hamartiologia. O
pecado original é uma herança que passa de pai para filho, por causa da alma,
juntamente com o corpo.

Pelágio cria que Adão fora criado mortal e que o seu pecado só afetou a ele próprio. As
crianças recém-nascidas estão no mesmo estado de Adão antes da queda; toda raça
humana não morre por causa de Adão, nem é ressuscitada por causa de Cristo e houve
homens sem pecado antes de Cristo. Para Pelágio, o homem poderia exercer seu livre-
arbítrio para não pecar e ser salvo. O pelagianismo foi condenado como heresia em 418
no Concílio de Cartago e em 431, no Concílio de Éfeso.

Um forte opositor às ideias de Pelágio, senão o principal, foi Agostino. Para Agostinho,
Adão tinha a capacidade de pecar (posse peccare) e a capacidade para não pecar (posse
non peccare). Porém, a partir da queda de Adão se tornou totalmente depravada, isso
significa que todas as áreas da vida humana foram corrompidas. Na criação, Adão
também tinha a capacidade para morrer (posse mori) e para não morrer (posse non
mori). Por causa do pecado de Adão a humanidade passou a ser escrava do pecado e
sujeita à morte. O homem caído agora é incapaz de não morrer (non posse non mori), a
humanidade tem livre-arbítrio, mas não liberdade. Sendo assim, o homem é incapaz de
buscar a Deus sem a atuação da graça especial.

A Igreja Católica acabou adotando a ideia do donum superadditum – aquela necessidade


que os homens têm de que um dom sobrenatural seja acrescentado à natureza humana
para torná-los capazes de ir a Deus. Nessa mesma época surgiu uma doutrina do pecado
que diferenciava pecados veniais de pecados mortais. Os primeiros dizem respeito
àqueles pecados que não fazem o fiel perder a graça de Deus. Enquanto o pecado mortal
faz por causa da sua gravidade de deliberação para cometê-lo. O pecado mortal destrói a
caridade no coração do homem devido uma infração grave da lei de Deus e o pecado
venial produz pecados ou vícios. Os conhecidos pecados capitais são pecados veniais. O
primeiro a escrever sobre pecados capitais foi Evrágio do Ponto por volta do séc IV,
depois dele Tomás de Aquino. Não obstante, a ICAR acabou defendendo a ideia do
livre-arbítrio em um sentido libertário.

Erasmo de Roterdã publicou em 1524 De libero arbítrio diatribe sive collatio onde
defendeu o livre arbítrio. Ele entendia que o livre-arbítrio era essencial para preservar a
responsabilidade moral do homem. O livre-arbítrio deveria depender da graça de Deus,
mas que foi incapacitado por causa dos efeitos do pecado.

No fim do sec XVI, o Concílio de Trento condenou o pelagianismo, mas não o


semipelaginanismo. Eles se afastaram da posição de Agostinho sobre liberdade e livre-
arbítrio. Eles acabaram aderindo ao semipelagianismo. A Igreja Católica se afasta dos
ideais agostinianos e assumem uma ideia muito mais pelagiana.

O Novo Catecismo da Igreja católica afirma que

A liberdade é o poder, baseado na razão e na vontade, de agir ou não agir, de fazer isto
ou aquilo, portanto, de praticar atos deliberados. Pelo livre arbítrio, cada qual dispõe
sobre si mesmo. A liberdde é, no homem, uma força de crescimento e amadurecimento
na verdade e na bondade. A liberdade alcança sua perfeição quando está ordenada para
Deus, nossa bem-aventurança.

Enquanto não se tiver fixado definitivamente em seu bem último, que é Deus, a
liberdade comporta a possibilidade de escolher entre o bem e o mal, portanto, de crescer
em perfeição ou definhar e pecar. Ela caracteriza os atos propriamente humanos. Torna-
se fonte de louvor ou repreensão, de mérito ou demérito[1]

Para reformados e luteranos, esse tipo de luteranismo não existe. Lutero, inclusive, foi
um grande opositor de Erasmo. Porém, Lutero nunca negou que o livre-arbítrio não
esteja relacionado a assuntos não-relacionados à salvação. A vontade escravizada tem
algum poder de escolha, mas é escrava do pecado, não podendo escolher a Deus. O
homem escolhe o mal que deseja. Em resposta a Erasmo, Lutero escreveu Da vontade
cativa.
O debate de Lutero com Erasmo girava em torno do confronto do agostinianismo com o
semipelagianismo. Se o homem precisa de graça, ou se é somente a graça.

Os reformadores rejeitaram o ensino católico porque entenderam que ele solapava o


ensino da justificação pela graça somente.

Para Calvino, o livre-arbítrio significa que o homem “ é dotado de livre-arbítrio; não


porque tenha livre escolha do bem e do mal, igualmente; ao contrário, porque age mal
age por vontade, não por efeito de coação[...] de sorte que a vontade lhe é mantida
amarrada pelas peias do pecado”[2]. Ou seja, o homem é escravo do pecado e somente o
Espírito Santo pode reverter essa situação.

A raça humana é pecadora devido o pecado de Adão porque ele foi o cabeça da
humanidade escolhido por Deus (Rom 5.12-21). Não obstante, quem peca ainda é
responsável pelo seu pecado. Os pecadores produzem as chamadas “obras da carne” (Gl
5.19). A culpa de Adão é imputada sobre a raça humana, mas os homens pecam por sua
responsável por seus atos pecaminosos individuais.

O arminianismo também rejeita o pelagianismo e Armínio afirma que “o homem


natural, estando morto no pecado, existe em um estado de inabilidade moral ou
impotência”.[3] A solução para a raça humana é a ação do Espírito Santo, por meio da
graça preveniente, a qual pode ser resistida. A graça seria necessária para a salvação,
mas não suficiente.

[1] Catecismo da Igreja católica, 1731-1732.[2] Institutas, II.2.7[3]

Aula 4 – A origem do pecado

"De onde vem o pecado?" Certamente essa é uma das perguntas mais difíceis da
teologia cristã. É muito complicado ter uma resposta clara para dizer de onde o pecado
veio, como ele surgiu, de onde ele se baseia, qual a origem do pecado no coração do
homem. Deus criou tudo bom e isso está intimamente relacionado com a questão do
problema do mal. Se o mal entrou no mundo, veio por meio do que? Deus criou o mal?
Deus é o autor do pecado? Existem pelo menos três visões essenciais acerca do pecado:
(1) Deus é o autor do pecado; (2) pecado angélico; (3) pecado humano. Nós temos que
lidar co pelo menos três fatores envolvendo o pecado em pelo menos três níveis: O
pecado em nível humano; o pecado em nível angélico; e o pecado em nível divino.

1) Pecado na raça humana

Ela se deu quando Adão transgrediu a ordem de Deus no paraíso. Ele se rendeu à
tentação e comeu o fruto proibido. Por meio dele foi que o pecado entrou na raça
humana (Rm 5.12, 18, 19). O ser humano seria o criador do pecado. O pecado existiria
na terra como uma subcriação do ser humano. Homens criam carros, casas, tecnologia e
homens criam pecado. Isso não seria algo formado por Deus em seu aspecto criacional
primitivo, mas foi algo desenvolvido pelo homem dentro da criação. Em primeiro
momento, temos que concordar que o homem criou, desenvolveu dentro da coisa criada.
O homem trouxe isso. Não foi Deus em um exercício direto como nos 6 dias da criação.

2) Pecado no mundo angélico


Sabemos que Satanás era um ser angelical que caiu por causa do pecado.
Tradicionalmente, entende-se que o pecado, antes de se manifestar na terra, se
manifestou no mundo celestial. Tanto que Adão e Eva pecaram porque a serpente estava
no Edén tentanto aquele casal. A origem do pecado se deu no mundo angélico. Antes do
homem pecar, Satanás já havia pecado. Entretanto, a ocasião exata não é relatada. O
diabo é descrito como assassino desde o início (Jo 8.44) e que peca desde o princípio (1
Jo 3.8). Ele é alguém que antes do homem já estava no pecado. Várias interpretações em
textos proféticos do AT que falam acerca dessa queda de Satanás. Há também falas de
Jesus e no Apocalipse que descrevem Satanás como alguém caído com 1/3 dos anjos
por conta de um pecado pessoal. A ideia é que houve um pecado no mundo angélico
antes do mundo humano. Como Satanás – um ser que foi criado bom – peca? Podemos
julgar isso nos mesmos moldes de Adão. Ele era um homem com livre-arbítrio. Ele
podia pecar e podia não pecar. Talvez essa fosse a realidade dos anjos que podiam pecar
ou não pecar. Satanás, como um anjo que poderia pecar ou não, escolheu pecar assim
como 1/3 dos anjos, os quais foram punidos por Deus e se tornaram demônios.

3) Pecado no nível divino

Tudo isso aconteceu debaixo do comando de Deus. Então Deus criou o pecado?
Podemos concordar num primeiro momento que não. Deus não é o criador do pecado,
porque o pecado é uma criação do ser humano e de Satanás. Eles exerceram sua vontade
e então geraram o pecado. Isso não significa que Deus não é soberano sobre o pecado.
Segundo Berkhof, “o decreto eterno de Deus evidentemente deu a certeza da entrada do
pecado no mundo, mas não se pode interpretar isso de modo que faça Deus a causa do
pecado no sentido de ser ele o seu autor resposável”. (BERKHOF,204). Deus é santo (Is
6.3), não há perversidade nele (Jó 34.10), ele odeia o pecado (Dt 25.16; Sl 5.4; 11.5; Zc
8.17; Lc 16.15), ele não tenta ninguém (Tg 1.13). Não podemos considerar Deus o autor
do pecado, porque ele não é o responsável moral pelo pecado.

Aula 5 – Pecado no Antigo testamento

Tudo começa em Gn 2.8-3.7 no registro do encontro de Satanás com Adão e Eva. Adão
e Eva foram criados no jardim do Éden, um local que era bom e justo. Eles deveriam
exercer a vontade de Deus e gerir o mundo de acordo com os interesses do Senhor.
Acontece que eles falharam nisso. Deus dá para eles todas as árvores do jardim para que
eles comessem, mas decide que uma árvore não poderia ser comida. Aquela árvore era a
cláusula de saída. Era o jeito de Adão e Eva estavam naquele relacionamento com Deus
por vontade. Você pode não se sentir muito amada, se você é a última mulher do mundo
e alguém permanece casado com você, porque existem outras possibilidades que o fato
de você ser escolhido realmente importa. Deus dá tudo para Adão e Eva, mas deixa uma
árvore que talvez nem fosse a mais suculenta de todas, ou a melhor possível. Eles
poderiam comer de tudo. Porém, havia uma árvore que era a cláusula de saída. Era o
que mantinha o contrato válido. “No dia que quiserem ir embora de mim, é só acessar
essa árvore”. Adão e Eva poderiam comer de tudo que havia lá, mas escolhem
exatamente aquilo que quebraria a aliança entre Deus e os homens. Aquilo que
quebraria esse relacionamento de amor.

Aparece uma serpente que simboliza Satanás, fala com Eva, levando-a ao pecado. Eva
come o fruto. O interessante é que Satanás exagera o mandamento de Deus, dizendo que
eles não podiam nem tocar na árvore. Então, Eva repreende Satanás, mas ainda caindo
em um nível de exagero. Adão acha a árvore atrativa, come do fruto, peca contra Deus.
Ela entrega o fruto para Adão, o que parece simbolizar que ele estava ali o tempo
inteiro. Ele come do fruto e ambos percebem que estavam nus.

Segundo D.A. Carson, a ideia de conhecer o bem e o mal da árvore falava acerca de
arbitrar o bem e o mal. A ideia é que eles iriam definir o que era bem e o que era mal
para eles e não mais se submeter ao bem e mal que provém de Deus. Deus aparece e
eles se escondem com vergonha.

Deus amaldiçoou o homem, a mulher e a serpente. Agora o trabalho para o homem seria
doloroso. Agora ter filhos seria doloroso para a mulher. Agora a serpente seria pisoteada
na cabeça por alguém que viria do ventre da mulher. É profetizado o Evangelho de
Cristo Jesus.

Segundo FERREIRA e MYATT, a queda envolveu mudanças radicais em quatro áreas:


conhecimento (epistemologia), o homem agora não pensa de forma razoável como
caberia a alguém criado à imagem de Deus. Em segundo lugar, na área da existência
(ontologia), agora somos corrompidos em quem somos de modo que todas as nossas
ideias centrais, nossas percepções de mundo, nosso modo de raciocinar é afetado pelo
pecado. Em terceiro lugar, fomos afetados na ética, nós somos maus, nossa moralidade
é corrompida e não mais representamos o que Deus espera de nós. O homem só faz o
mal continuamente. E em quarto lugar houve um efeito teleológico, fomos afetados no
nosso objetivo do universo, por isso se diz que a depravação foi total, pois ela abrangeu
a totalidade do ser do homem e o que o rodeia.

Até a criação caiu em pecado. Gênesis vai dizer que foi por isso que ervas daninhas
surgiram no mundo. Romanos 8 diz que a criação foi sujeita à inutilidade, por isso que
haverá não só um novo homem, mas novos céus e nova terra. Deus redimirá tudo o que
existe, toda a criação, porque toda ela caiu em pecado. Foi por causadessa queda do
homem em pecado que houve o rompimento: entre (1) A humanidade e Deus (3.8-11);
(2) do homem consigo mesmo (3.3-4, 16, 19); (3) do homem com seu próximo(3.12,16-
17);(4) do homem com a natureza (3.17-19); (5) da natureza consigo mesma (3.17) e (6)
a cruz, com a redenção que viria, porque a cruz não foi um plano b, mas já era algo que
já estava prometido desde o contexto da criação. Cristo já havia sido prometido desde
antes da fundação do mundo, porque ele já era o plano de Deus para a humanidade.

Depois da Queda, o pecado se propagou (Gn 6.5) e o homem é concebido em pecado (Sl
51.5). A vontade do povo de Deus se tornou corrupta (Is 30.9). O coração do homem é
enganoso (Jr 17.9). No AT, o pecado levou o povo à constante idolatria e por causa
disso foram levados aos exílios Assirío e Babilônico.

Há uma expectativa ampla no AT que venha alguém que limpe os homens de seus
pecados, que os cure de suas misérias e limpe o coração de pedra. Essa promessa é
cumprida pelo Messias no NT.

Aula 6 – Pecado no novo testamento

O NT trata a doutrina do pecado da mesma forma que o AT. Jesus disse que
conhecemos a árvore pelos seus frutos (Mt 12.33-37). Assim, os comportamentos
evidenciam aquilo que há dentro dos indivíduos. O pecado evidencia um coração que
está distante de Deus. Da mesma forma, o ES evidencia aquilo que há de bom no
coração daquele que ama o Senhor. A Bíblia fala do fruto do Espírito e das obras da
carne. Enquanto a carne produz pecado, o bom comportamento – a vida em santificação
– vem através de uma ação sobrenatural do ES dentro do homem.

De forma que nosso mau comportamento vem justamente da nossa má natureza. Jesus
disse que não é aquilo que entra no homem que o corrompe, não é o que vem de fora
que nos leva aos maus comportamentos, mas é o que vem de dentro (Mc 7.21-23).
Agimos como agimos por causa do mau desejo, por causa de algo ruim que há no nosso
interior. É do coração que brota toda maldade. Por isso que o pecado vem do mau
desejo como diz Tiago. Quando desejamos o que é mau e correspondemos a esse desejo
acabamos cometendo pecado. Nossa natureza má produz nossas ações corruptas.

O pecado nos afeta de forma completa de modo que ele nos impede de entender as
coisas espirituais (1 Co 2.14). Nossa mente é afetada pela queda. Só podemos pensar
santamente se tivermos a mente de Cristo em nós. Por causa dele somos considerados
mortos (Ef 2.1-3). O estado do homem é de falta de vida uma vez que o pecado nos
mata. Ele é um veneno que nos tira da vida espiritual. Mortos espiritualmente,
precisamos de uma ação sobrenatural de Deus que, pela graça, nos conceda fé e
salvação. Por isso, que o homem morto em pecados não pode produzir bons frutos (Mt
7.17-18; Jo 15.4-5; Rm 3.9-18). Os atos de bondade que homens caídos fazem são fruto
de uma imagem de Deus que ainda está no seu coração e da graça comum que leva os
homens a um comportamento que certamente não será tão mal como poderia ser.

Só entendemos o bem porque Deus abriu nossos olhos (Jo 1.11; 8.43-44; At 16.14; 1 Co
2.14). Em pecado, nunca desejamos o bem. Nunca desejamos o que é correto e justo.
Por causa do pecado, nosso coração está entregue a tudo aquilo que é ofensivo ao
Senhor. Romanos 3 é um texto longo acerca do pecado. Diz que nós não conhecemos a
Deus, que nossos pés são rápidos para maldade, que nossa garganta é uma cova de onde
sai veneno. A descrição do NT que vem de citações do AT é que todo homem está
imerso no pecado e na maldade. Romanos 1.18 até o começo de Romanos 3 é talvez o
texto longo sobre pecado no NT. Ele diz que todos os homens estão debaixo do mesmo
pecado. Homens, ao usarem suas mentes para tentar pensar e se julgar inteligentes,
acabam se tornando loucos. Homens obscurecidos no próprio entendimento, Deus os
entrega a suas próprias paixões infames. Os maus comportamentos dos homens não vêm
de qualquer coisa que Deus nos imponha. Deus simplesmente os rejeita e os entrega e
deixa que vivam a vida que querem viver.

Existe uma lei no coração dos homens que eles rejeitam porque rejeitam o bem que
Deus colocou dentro de todos, porque rejeitam a revelação de Deus que está à nossa
volta, os homens andam no caminho do pecado e da impiedade. Sejam judeus, sejam
gregos, sejam romanos, sejam gentios de forma geral, sejam pessoas que foram criadas
na lei do AT ou não. Todos são condenáveis e indesculpáveis por causa da maldade que
está no coração humano. A única forma de sermos salvos é através da obra de Cristo
Jesus na cruz.

Por causa dos nossos pecados, nunca desejamos o bem. Nossa vontade é escrava do
pecado e a iniciativa sempre é de Deus (Mt 7.18; Jo 3.3; 5.40; Jo 6.44, 65; 8.43; 15.4-5).
Aula 7 – Teoria sobre o pecado original

• Pelagianismo

Supoe-se que Pelágio era um monge para Roma para ensinar e depois dirigiu-se a
Cartago, em 409. Ele era um moralista, sua preocupação era que as pessoas vivessem de
modo bondoso e decente. Segundo pensava, uma ênfase na soberania de Deus traria
uma ideia errada sobre a pecaminosidade humana que eliminaria a motivação de buscar
uma vida correta.

Ele enfatizou bastante a ideia do livre-arbítrio. O homem hoje está isento de qualquer
culpa ou influência advinda da Queda. Adão seria simplesmente um mal exemplo que
não deveria ser seguido. Assim, se o pecado de Adão não tem influência sobre o
homem, não há necessidade de uma graça especial de Deus para salvar o homem. A
graça de Deus está em todos os cantos. O homem poderia usar seu livre-arbítrio para
perceber Deus, através do uso da razão, e seguí-lo. Ele rejeitava completamente a ideia
da predestinação de Agostinho.

A ideia de salvação de Pelágio era uma preservação de um bom estado, visto que não há
natureza pecaminosa, mas uma influencia negativa que podemos seguir, ou não. Não
somos escravos do pecado, assim não somos salvos de algo que nos escraviza. Tudo se
resume a guardar um estado moralmente correto.

• Arminianismo

Essa posição deriva de Jacó Armínio, teólogo e pastor da igreja holandesa reformada.
Depois dele alguns teólogos desviaram suas proposições para além do que ele falava.
John Wesley, posteriormente fez modificações que levaram a uma efervecência acerca
do seu pensamento de livre-arbítrio.

O arminianismo afirma que recebemos de Adão uma natureza corrompida. A vida é


iniciada sem retidão. O homem precisa de ajuda especial de Deus para poder seguí-lo e
obedecer aos seus mandamentos. Ele também afirma que a culpae incapacidade que
seria advinda de Adão seriam de alguma forma dirimidas pela graça preveniente. Essa é
uma graça prévia que dá a todos os homens uma condição de escolher a Deus. O
homem é depravado em sua natureza, mas isso não estaria tão intimamente relacionado
a Adão como em outras posições. O homem seria capaz de exercer livre arbítrio, porque
por mais que sua natureza seja decaída, há uma graça preveniente que o capacita a essa
escolha por Deus.

• Calvinismo

O Calvinismo dirá que existe relação direta entre o pecado de Adão e o todos os outros
seres humanos de todas as épocas. O que Adão fez teria destruído a moral dos homens
de todas as épocas. A natureza corrompida do homem viria desde a concepção de forma
que todos nós somos culpados pelo pecado de Adão. Todos nós herdamos a sua culpa e
herdamos o pecado original. A prova disso é que todos morrem. Todos estão debaixo
dessa morte espiritual e física que provém do pecado. A morte é a prova que todos são
culpados.
Acerca da forma como herdamos a culpa de Adão, existem duas concepções:
Representação federal e representação natural. A representação federal está geralmente
ligada à posição criacionista da origem da alma. Adão seria respondia não apenas por si,
mas por toda humanidade. Quando pecou, Adão representou a humanidade no pecado.
Da mesma forma, Cristo nos representa federativamente como o novo cabeça (Rm 5.12-
21). A representação natural (ou realista) está ligada à visão traducionista da origem da
alma. Assim como a alma é transmitida dos pais aos filhos, herdamos o pecado de Adão
porque estávamos seminalmente presentes nele.

Bibliografia:

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

Aula 8 – Os efeitos do pecado

• DESFAVOR DIVINO

Deus odeia o perverso (Sl 5.5; 11.5), ele mostrou indignação contra seu povo que pecou
(Jr 12.8), ele não suporta a perversidade (Pv 6.16;, 17; Zc 8.17). Porém, os perversos
também odeiam Deus (Ex 20.5; Dt 7.10) e os justos (Sl 18.40; 69.4; Pv 29.10).

Essa ira não deve ser vista como um furor descontrolado, ou rancor pessoal, mas uma
indignação justa. A ira de Deus é descrita como um ‘bufar, resfolegar” (‫ )נףָא‬que
manifesta um dos aspectos físicos da ira (Dt 1.37; Is 12.1; Sl 2.12). Sua ira é descirta
como um fogo que consome e destrói.

As palavras (‫)רהָח‬ָ e (‫ )חםָי‬que transmitem a idea de calor também são usadas para se
referir à ira. Essa ira não é uma coisa emocionalmente desregulada, mas é uma resposta
da santidade de Deus ao pecado.

• CULPA

Não se refere ao sentimento de culpa, mas ao estado do pecador diante de Deus. É


pensar no pecado em termos jurídicos, não estéticos ou sentimentais. Deus é justo e a
culpa pelo pecado é requerida. Por isso que Jesus morre na cruz para pagar a nossa
culpa.

• PUNIÇÃO

A punição vem com a ideia de retribuição pelo pecado. Em Gn 9.6, por exemplo, a
punição para matar alguém é ser morto.a intenção de Deus é uma justiça retributiva
onde o homem paga pelo que fez (Is 1.24; 61.2; 63.4; Jr 46.10; Ez 25.14). O próprio
dilúvio e a destruição de Sodoma e Gomorra foram exemplos de justiça retributiva.
Deuteronômio tinha advertências para impedir as pessoas de praticarem o mal (Dt 6.12-
15; 8-11, 19, 20). Existe também o efeito disciplinar da punição (Hb 12.6), Deus não
nos disciplina como disciplina o mundo, mas como um pai disciplina o filho. O
sofrimento, a punição na vida do crente que peca é parte do amor e do cuidado de Deus.

• MORTE

A morte foi a principal consequência do pecado (Gn 2.17) e é o seu salário (Rm 6.23).
Há três tipos de morte:

(1) Morte física: A mortalidade dos homens é uma realidade incontestável e é atribuída
a Adão (Rm 5.12). Porém a morte é consequência da natureza humana ou do pecado? O
fato de Adão e Eva não terem morrido imediatamente depois de pecarem, para os
pelagianos, é indício que a morte é natural ao homem. Para eles, a morte na Bíblia seria
espiritual, não física.

A morte física parece ser um novo estado proveniente do pecado (Gn 3.19). Bavinck diz
que: “Genesis 3.19, portanto, não comunica a plena execução da ameaça de punição,
mas modifica e adia. Em consequência, o Antigo Testamento considera a morte
imediata, que ocorre no auge da vida, como uma punição pelo pecado (Gn 6.3; Nm
16.29; 27.3; Sl 90.7-10), da mesma forma que é vista a penalidade da morte”
(BAVINCK, 187).Para Bavinck, a maldição da morte seria uma redução drástica do
tempo de vida do homem. Ele diz “A interpretação de que a morte é uma consequência
do organismo material de um ser humano não exclui o fato de que ela é uma penalidade
pelo pecado[...]O pecado gradualmente enfraqueceu a vitalidade das pessoas.” (188).
Ainda assim, ele não discorda que a morte é o salário do pecado. Parecida com essa
posição é a de Erickson que sugere uma “imortalidade condicional”. O homem, nas
condições adequadas, não precisaria ter morrido. Ele poderia ter comido do fruto da
árvore da vida e vivido para sempre. Para Erickson, o homem foi expulso para impedi-
lo de comer do fruto e, por causa disso, viver eternamente em pecado.

Já para Geisler, “a morte física é o resultado inevitável do pecado de Adão não somente
para si mesmo, mas para todos os seus descendentes naturais (exceto Cristo). Ou seja,
parece que Geisler crê que Adão era imortal e, devido o pecado, passou a ser mortal.
Berkhof, concordando com isso, diz que a ideia da morte física é separação de corpo e
alma como penalidade do pecado ( BERKHOF, 241).

(2) Morte espiritual: É a separação espiritual de Deus (Is 59.2). Todo descendente de
Adão está espiritualmente morto (Ef 2.1-5). A reversão da morte espiritual é a
regeneração.

(3) Morte eterna: É a extensão e conclusão da morte espiritual. No dia do juízo final, as
pessoas comparecerão diante de Deus e aqueles que forem julgadas culpadas
experimentarão a segunda morte, a morte eterna, que é a separação eterna de Deus.

• Escravidão

O pecado se transforma em um hábito ou vício. Um pecado pode acabar levando a outro


de consequências cada vez mais graves. E isso pode se tornar um padrão de
comportamento. O que algumas pessoas chamam de “liberdade” das restrições dadas
por Deus é na verdade uma escravidão ao pecado que não se pode escapar. O homem é
escravo do pecado, para a morte, ou da obediência que leva à justiça (Rom 6.16).
• Autoengano

O coração é enganoso (Jr 17.9). Ele nos faz reparar no pecado alheio e não no nosso (Mt
7.3). Davi passo por uma fase de autoengano até que Natã lhe repreendesse (2 Sm 12.1-
15).

Perda de comunhão com seres humanos


Depois de pecar, o homem teve dificuldade de se relacionar com seu próximo e de amá-
lo (Gn 3.12). A perda de comunhão levou Caim a matar Abel (Gm 4.8). A Bíblia relata
uma série de crises de relacionamentos entre homens, abusos de poder, omissões etc.

• Perda da boa relação com o meio ambiente

O homem teria que se esforçar para trabalhar porque o meio-ambiente iria produzir
cravos e abrolhos por causa do pecado (Gn 3.17). A natureza geme aguardando a
redenção dos filhos de Deus (Rom 8.19-22).

Bibliografia:

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

GEISLER, Norman. Systematic Theology: Volume Four.Grand Rapids: Baker


Publishing House

Aula 9 – O pecado e o livre arbítrio

Quando falamos de livre-arbítrio, falamos de livre escolha. Arbítrio é vontade. Uma


vontade livre é capaz de seguir a Deus ou não. Posições que fala de livre-arbítrio
afirmam que o homem pode exercer vontade a Deus. Posições que negam o livre-
arbítrio dizem que vontade do homem é escrava do pecado e que por isso não consegue
exercer vontade ao Senhor.

Berkhof afirma que “há uma certa liberdade que é a possessão inalienável de um agente
livrem a saber, a liberdade de escolher o que lhe agrada, em pleno acordo com as
disposições e tendências predominantes da sua alma” ( BERKHOF, 230). O homem não
perdeu sua liberdade de escolha, razão e consciencia. Porém, a liberdade material que é
a escolha de uma ação visando o bem supremo que esteja em harmonia com sua
constituição original da natureza foi perdida na Queda. Ou seja, o home pode escolher,
mas é inclinado a escolher o que é pecado. Para o calvinismo, “o homem é escravo do
pecado e não tem a menor possibilidade de tomar a direção oposta”.
É interessante que até posições arminianas concordam com a ideia de depravação total.
A principal diferença da perspectiva calvinista para a arminiana sobre o livre arbítrio é
que os arminianos adicionam a questão da graça preveniente que justifica uma liberdade
de escolha do ser humano, enquanto calvinistas não.

Aula 10 – A magnitude do pecado


A magnitude do pecado também é tratada na Escritura tanto em sua profundidade
quanto em sua largura. Ou seja, tanto na profundidade moral do que o pecado significa e
no alcance do pecado aos homens.

• Alcance do pecado

A Bíblia fala que todos pecaram (Rm 3.10-12). Todos os homens nascem debaixo do
pecado, todos os homens são pecadores. Não existe nenhuma exceção a Romanos 3
acerca da pecaminosidade do gênero humano. Cristo é o único na Escritura que é
descrito como sendo sem pecado. Ou seja, qualquer outra teoria, ou tentativa, de dar
status de impecabilidade a personagens bíblicos é pecar contra a ideia bíblica de que
todos os seres humanos estão em pecado.

Isso aparece de forma diametralmente oposta a ideia católico romana de que Maria foi
concebida sem pecado e que viveu a vida inteira sem pecado. Ela trata Jesus como seu
Senhor e Salvador no Magnificat (Lc 1.46-55) por causa da obra redentora de Cristo
Jesus. Se ela fosse sem pecado, ela não precisaria disso. O dilúvio foi uma punição
sobre todos os homens, exceto Noé e sua família, porque estes encontraram graça diante
de Deus (Gn 6.5,11). Mas, depois do dilúvio, Noé se mostrou pecador (Gn 9.21). Todos
os homens estavam debaixo da pecaminosidade que veio do nosso representante Adão.
A partir dele, todos nascemos caídos em pecado.

1 Reis 8.46 afirma que “não há ninguém que não peque”. Até mesmo os homens
separados por Deus, como Abraão e Davi pecaram (Gn 12, 20; Sl 51). 1 Jo 5.19 diz que
todos jazem no maligno. Aquele, mesmo que convertido, que diz que não peca é um
mentiroso. Romanos 5.12 afirma que a morte atingiu a todos, porque todos pecaram.
Nenhum de nós escapou da mazela do pecado e por isso que todos nós precisamos de
um salvador.

• Profundidade do pecado

Passagens como Gn 6.5; Rom 1.18-32; Ef 4.18-19; Tt 1.15 revelam que a depravação
foi total. O total se refere que todo o ser do homem foi corrompido: corpo (Rom 6.6, 12;
7.24; 8.10,13), o qual agora enfraquece e morre; mulheres sofrem mais no parto. Fomos
corrompidos em nossa razão (Gl 5.24; 2 Tm 3.2-4), não conseguimos mais pensar nas
coisas de Deus à parte da graça do Espírito. Isso não significa que o pecador é tão mal
quanto pode ser, nem que ele se envolve em todo tipo de pecado que é possível, mas
que estamos afundados na amplitude e na magnitude de algo que nos afeta
profundamente no nosso coração de forma que torce quem nós somos em ofensa ao
Deus vivo que é nosso salvador. Ele vem nos resgatar de algo tão terrível. Somos
homens que estão se afogando. Somos homens presos em suas próprias maldades.
Unicamente alguém que venha de fora pode nos pegar e nos trazer para próximo dele a
fim de nos tirar de algo tão imenso e profundo que alcança a todos nós em um nível
central, atacando nosso coração, corrompendo quem somos. Graças a Deus temos um
salvador para nos tirar de algo tão terrível.

Bibliografia:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.


Sotereologia: as teorias da salvação
Aula 1 – A natureza e a necessidade da sotereoligia

A salvação fala acerca daquilo que há de mais importante na vida do ser humano.
Estamos no caminho de condenação e rebelião contra Deus. Logo, estudar a doutrina é o
que vai nos fazer entender aquilo que há de mais relevante para a própria existência.
Sairmos desse mundo caído e encontrarmos uma vida eterna, plena e íntima com o
Senhor Jesus por toda a eternidade.Entendermo a aplicação dessa redenção é algo que
deve ser interpretado a partir da própria palavra de Deus, sendo entendido
teológicamente para que não caiamos em falsas ideias acerca da salvação. “Devemos
entender a salvação do ponto de vista de Deus” (BAVINCK, 491). Se Deus é quem nos
salva, aquilo que Deus tem a nos dizer sobre salvação é o que realmente importa. A
salvação diz respeito às nossas necessidades mais básicas de sairmos do reino das trevas
e adentrarmos no reino da maravilhosa luz.

Essa doutrina tem um aspecto especial que essa doutrina realmente merece. Todas as
religiões buscam um caminho de salvação. O coração de todos os homens anseia por
algo maior que essa vida uma vez que fomos criados para a eternidade. Estudar a
doutrina da salvação, a sotereologia, é estudar o impulso de todo ser humano até a Deus
e a resposta que ele nos dá a partir de sua Palavra.

Sotereologia estuda isso. Soterós, no grego, fala de salvação e logia significa estudo,
conhecimento. Norman Geisler vai dizer que isso é baseado num ato livre e
autodeterminado de Deus, a qual foi feita de acordo com a sua boa vontade e a sua
graça. É algo que foi baseado em sua boa natureza. Foi uma escolha completamente
autodeterminada por parte do próprio Deus (GEISLER, 182). Não houve nenhuma
compulsão externa nem nada que o obrigasse. Deus nos alcançou livremente, porque ele
quis por ser o bondoso Senhor que tanto amou o mundo que deu o seu Filho unigênito
para todo aquele que nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna.

“A palavra ‘salvação’ representa a obra completa de Deus pela qual ele resgata o
homem da ruína eterna e perdição do pecado e restaura nele as riquezas da sua graça,
incluindo a vida eterna agora e glória eterna no céu” (CHAFER, 181).

Na concepção tradicional, o problema do homem é fundamentalmente vertical: ele está


separado de Deus. Por causa do pecado, o homem é considerado inimigo de Deus e com
o relacionamento rompido. A salvação é vista como “conversão”, “perdão”,
“reconciliação”, “adoção”.

Na concepção relacional, o problema do homem é horizontal. Nessa concepção, o


problema do homem está muito mais relacionado a uma quebra nessa unidade da raça
que fala mais a respeito da dificuldade de relacionamento com outras pessoas e de ajuste
social. A salvação é vista como o retorno da harmonia na sociedade, envolvendo a
eliminação das rupturas na espécie humana e a cura dos relacionamentos.
Aula 2 – Cansepções atuais sobre a salvação (parte1): Teologia da
libertação e existencialista

As teologias de libertação se preocupam os conflitos entre diferentes classes


econômicas, raciais, políticas, de sexo ou do que quer que seja. Eles estão preocupados
com a forma como essas divisões na sociedade impedem bons relacionamentos. O
homem, por causa do pecado, é contaminado por sentimentos como insegurança,
inferioridade, culpa e várias outras coisas que impedem o bom relacionamento social e o
bom relacionamento do homem com ele próprio de forma que a salvação traria
sentimentos de autocompreensão, autoaceitação, aumento da auto estima (ERICKSON
865-866 ADAPTADO) em uma concepção profundamente relacional do que salvação
siginifica. Dentro desse movimento, temos a teologia negra, teologia feminista, a
teologia do terceiro mundo e várias outras teologias relacionadas com contextos
sociopolíticos específicos. Uma das ênfases da teologia da libertação, como um
amálgama político que usa muito do instrumental marxista para o saber teológico, é que
a sociedade é dividida dentre opressores e oprimidos. Eles creem no materialismo
histórico que defende que a sociedade e a história do mundo é definida em termos da
história da luta de classes. A salvação se manifestaria na libertação da opressão. Uma
das fontes de análise dessa perspectiva é o próprio mundo à nossa volta, a própria
realidade sendo observada pela ciência do social. Os teólogos da libertação percebem
que há nações mais desenvolvidas que outras e que todas as nações devem passar por
um processo de desenvolvimento a fim de alcançar um tipo de superação. Nações
subdesenvolvidas não estariam ainda passando pelas plenas capacidades de
desenvolvimento que estariam disponíveis em um mundo realmente redimido por
Cristo. As nações desenvolvidas se tornariam cada vez mais assim através da
exploração dos trabalhadores e das próprias nações ainda em subdesenvolvimento. O
que faria com que essas nações se tornassem incapazes de galgar graus maiores de
desenvolvimento econômico político ou social. Um abismo chamaria outro abismo.

Além desse instrumental político e sociológico, eles usam uma leitura da Escritura que
muitos dirão, inclusive eu, que é enviesada para se identificar com o que eles
consideram como sendo os oprimidos. Eles observam a opressão de Israel pelo Egito e
por outras nações poderosas e interpretam que todas as nações economicamente menos
desenvolvidas estão em situações parecidas com Israel no Egito. Eles argumentam que a
história de Deus ao longo da Escritura é a história de Deus se identificando com grupos
de pessoas oprimidas.

A igreja teria crescido no mundo gentílico porque este era constituído basicamente dos
pobres e miseráveis daquele tempo. Os excluídos e sem importância teriam sido o alvo
do trabalho de Jesus. Os teólogos da libertação usam as doutrinas tradicionais do
cristianismo a partir de uma perspectiva libertadora. Deus estaria envolvido com os
pobres na sua luta. Então, eles leem a doutrina da encarnação. A partir de um Deus que
se envolve com os pobres, onde Jesus estaria se identificando com os oprimidos através
de sua encarnação. Em um mundo desigual, Deus se colocaria a favor de forma
preferencial pelos pobres a fim de compensar as desigualdades do mundo presente.

James Cone, por exemplo, argumenta que os negros não podem aceitar uma concepção
de Deus que não se ponha a favor dos negros e contra os brancos. “Vivendo em um
tempo de opressores brancos, os negros não têm tempo para um Deus neutro”. A
salvação é vista mais em termos do reino de Deus (basileia tou Theou), o qual ele
estaria estabelecendo em criar uma nova sociedade. A salvação estaria separada de uma
questão meramente individual do homem se acertando com Deus para ser os homens se
acertando uns com os outros. Até mesmo a vida eterna é agora interpretada dentro do
contexto de uma nova ordem social. Assim a grande obra que Deus estaria realizando
seria a ordenação de uma nova configuração global onde as pessoas seriam livres da
opressão. Os seguidores de Jesus, uma vez salvos, estariam empenhados nessa tarefa de
cumprir os propósitos de Deus mesmo que isso tenha que acontecer por meio de alguma
revolução sangrenta.

A teologia da libertação é muito comum no meio dos círculos católico-romanos e não


representa uma perspectiva de salvação ortodoxa tradicional que realmente esteja
coerente com a boa teologia do NT.

Mas não é só a teologia da libertação que tem uma visão diferente sobre a salvação. A
teologia existencial também apresenta algo distindo daquilo que nós comumente
ouvimos sobre o que a salvação significa. A teologia existencilista, ou existencial,
surgiu a partir da filosófica existencialista. Rudolf Bultmann é um dos seus
representantes mais notáveis com seu programa de demitologização – de tirar do
Evangelho tudo que é um mito. Ele procurou interpretar o NT e elaborar uma teologia
com base no pensamento de Martin Heidegger. Segundo Bultmann, a Bíblia não é
essencialmente uma fonte de informação objetiva sobre Deus e sobre a pessoa e
condição humana diante do seu relacionamento com o Senhor. O objetivo das Escrituras
é afetar nossa existência, não informar, mas nos transformar.

Bultmann utiliza o conceito de existência autêntica e inautêntica. Segundo ele, a


primeira tendência do homem moderno é ser guiado por uma vida auto-orientada para
cumprir seus desejos de felicidade. O amor aos outros, dizer e honrar a verdade não
passam de impulsos de autoengradecimento. Os homens, dessa forma são
desrespeitosos uns para com os outros e desobedientes a Deus. Outra tendência do
homem moderno é a autonomia – uma tentativa de obter segurança pelos próprios
esforços. A Bíblia chama o homem a se relacionar com Deus, o qual está além da
ciência. E chama o homem para seu verdadeiro eu.

Quanto mais a Palavra de Deus alcança o homem, mais este é convidado a abandonar as
tentativas de produzir segurança por si próprio e encontrar segurança em Deus. Como
diz Bultmann, “Crer na palavra de Deus significa abandonar toda segurança meramente
humana e, assim, vencer o desespero originado da tentativa de encontrar segurança, uma
tentativa sempre vã”[1].

Fé significa abandonar a busca pelas realidades tangíveis e pelo que é transitório, pois a
busca por essas coisas é pecado, porque, por meio disso excluímos a realidade invisível
de nossa vida e rejeitamos o que Deus tem para nós. Crer é permitir ser mudado, se
esquecendo do passado e abraçando aquilo que Deus tem para nós. A salvação é tomada
como uma caminhada para uma existência autêntica, abandonando nossa busca egoísta
por segurança e confiando em Deus. Dessa forma, as afirmações da Bíblia não devem
ser interpretadas como declarações de uma verdade objetiva externa a nós mesmos, mas
como algo que diz a nós como nos voltar para Deus. A cruz não é entendida como o
pagamento substitutivo de Cristo pelo pecado, mas como um símbolo da mortificação
da pessoa a seus anseios que são alheios a Deus. Dessa forma, a salvação não é uma
mudança na essência da alma, nem uma declaração forense que fomos justificados.
Antes, é uma mudança fundamental da forma como conduzimos a vida.

Por mais que esteja mais próxima das concepções cristãs da salvação do que a teologia
da libertação, a teologia existencialista também não representa o âmago daquilo que é o
Evangelho segundo o NT.

REFERÊNCIAS:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015

[1] Rudolf Bultmann, Jesus Cristo e mitologia, 3 ed, São Paulo: Novo Século, 2005)

Aula 3 – Concepções atuais sobre a salvação (parte2): Teoria secular,


catolicismo Romano e Protestantismo

• Teologia secular

A teologia secular não é uma formação organizada de teologia, mas é o nome que
damos a partir da ideia de secularismo de Charles Taylor em A secular age, onde ele
basicamente define o conceito de secularização e que usamos bastante para se referir à
sociedade à nossa volta.

A teologia secular surge quando as pessoas deixam de procurar explicações teológicas


na Palavra de Deus e começam a buscar explicações teológicas nas realidades
contingentes à nossa volta. Os homens abandonam realidades transcendentes e
começam a acreditar naquilo que é visível. O progresso da ciência e da tecnologia fez
com que muitas pessoas começassem a buscar explicações de fenômenos que antes
eram respondidos pela teologia agora na ciência, tecnologia e em progressos humanos
unicamente naturais e materialistas. Os métodos que tornaram Deus “desnecessário” e
fez com que o homem se enxergasse como autossuficiente até mesmo em um nível
teológico e epistemológico.

A teologia secular tem um paradigma muito básico. As pessoas passaram a adotar um


tipo de pragmatismo fundamental. Isto é, os avanços científicos foram bem sucedidos
em suprimir a necessidade da religião, logo de salvação transcendental, na vida diária
das pessoas. Dessa forma, a salvação seria encontrada na teologia secular como um
esforço totalmente imanente do homem transcender a morte, a doença, ou qualquer
coisa que, de alguma forma, lhe encerre dentro desse ambiente de pecado e limitação.

Herman Dooyeweerd, o famoso filósofo holandês, falava desse dualismo do homem


entre sua liberdade em contraste com a sua natureza. Somos limitados por esse mundo,
mas os homens tentam suplantar essas limitações em salvações das mais variadas.
Sejam salvações políticas, utopias econômicas, seja transumanismo – em um esforço de
transcender o homem em sua barreira física, encontrando tecnologias e engenharias
genéticas que lhe transformem em outra coisa.

No século 20, houve tentativas de mostrar o secularismo como um passo da maturidade


cristã. A ideia era que Deus estaria educando o homem para que esse se tornasse
“adulto” vivendo de forma independente dele. Um dos proponentes dessa ideia é
Dietrich Bonhoeffer autor de um livro publicado em português como Discipulado. É
dele que vem o famoso conceito de graça barata. Ele não pensava em Deus como
ausente do mundo secular, mas presente na “irreligião”, onde ser cristão não é ser
religioso, mas é ser simplesmente humano. Os cristãos maduros precisam celebrar uma
emancipação em relação a Deus como se fosse um presente de Senhor. Ele argumenta
que o erro do segmento evangélico tradicional foi tentar tornar as pessoas religiosas em
vez de cristãs (i.e., autossuficiente).

Nesse grupo também podem ser citados John A.T. Robinson, Thomas J.J. Altizer e
vários outros teólogos famosos por esse tipo de perspectiva. Para eles, então, o Deus
primordial foi se tornanando cada vez mais imanente. A salvação é vista, dessa forma,
não como um afastamento do mundo e recebimento da graça sobrenatural de Deus, mas
como uma independência de Deus, ao se chegar na maioriadade. Isso nada mais é do
que a adoção de ideias seculares com uma roupagem religiosa. Por mais que Bonhoeffer
tenha feito aplicações marailhosas do Evangelho em várias áreas da vida. O núcleo
formativo da sua visão de Deus era um tanto problemático.

• Teologia católico-romana contemporânea

A posição oficial católica é que a igreja é o único meio de graça de Deus, a qual é
transmitida mediante os seus sacramentos. Aqueles que estão fora da igreja não podem
recebê-la. Outra concepção fundamental é a divisão natureza e graça. A natureza da
humanidade consiste na capacidade passiva para receber a graça e o anseio por ela.
Porém os seres humanos não conseguem satisfazer esses aspectos de sua natureza pelas
próprias realizações. Para isso Deus precisa conceder sua graça aos humanos.

Essa posição foi modificada em vários pontos. Karl Rahner fala de uma condição
“existêncial sobrenatural”. Com isso, ele se refere ao que os seres humanos têm em si,
seu potencial para conhecer a Deus e que esse potencial já é exercido ativamente. Não
existe algo como estar totalmente à parte da graça. Há, inclusive, resquícios dela na
própria natureza.

O Concílio do Vaticano II parece ter reconhecido que a graça pode estar presente na
natureza. Foi ressaltado a origem e destino de todos os seres humanos. O Concílio
entendeu que as diferentes religiões representam várias perspectivas das mesmas coisas
que dizem respeito à vida. A graça de Deus seria encontrada de forma distinta em todas
elas de formas distintas. Dessa forma, os católicos são instruídos a “reconhecer,
preservar e promover os bens espirituais e morais” encontrados entre os seguidores de
outras religiões.

O Concílio Vaticano II entende que o povo de Deus está dividido em três categorias:

• Católicos incorporados à igreja


• Cristãos não-católicos, os quais estão “ligados” à igreja. Embora não estejam tão
seguros quanto os católicos, eles possuem igrejas genuínas e não estão
totalmente separados de Deus.
• Não cristãos, os quais estão “associados” à igreja.

O terceiro grupo são aqueles que Rahner chama de “cristãos anônimos”. Cristo morreu
por todas as pessoas, incluindo aquelas que estão fora da ICAR visível, ou qualquer
outra igreja cristã. Esses conceitos de graus de membresia e de cristãos anônimos
permitiram à igreja conceder a possibilidade da graça à parte dos sacramentos e manter
sua autoridade.

O catolicismo, em tempos passados, já combinou os conceitos protestantes de


justificação e santificação em um só chamado “graça santificadora”. Hans Küng, porém,
fala de aspectos objetivo e subjetivo da justificação. O aspecto objetivo é o que os
protestantes chamam de justificação. Nesse aspecto, o homem é passivo e Deus é ativo.
O aspecto subjetivo é o que os cristãos chamam de santificação, onde o ser humano é
ativo. Enquanto Karl Barth enfatizou o primeiro, o Concílio de Trento enfatizou o
segundo, mas Küng não vê conflito entre as duas perspectivas de salvação dentro do
catolicismo.

• Teologia evangélica tradicional

De forma geral, a posição evangélica entende que o ser humano se afastou de Deus por
causa do pecado e isso desordenou sua vida. Esse afastamento gera um estado de culpa
e condenação. Por causa disso, também há uma propensão para o mal. A salvação é a
mudança que precisa acontecer na vida humana para que ele possa encontrar o Senhor.
O homem precisa ser justificado, ou seja, ser levado a uma posição de união legal com
Cristo – ser tratado como justo no tribunal de Deus. Também precisa ter sua inclinação
do coração mudada, chamada de novo nascimento ou regeneração. Precisa caminhar em
santidade. E então receberá a glorificação.

REFERÊNCIA:

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 4 – Desenvolvimento histórico da predestinação: Agostinho e


Pelágio

Pelágio

Era um monge que estava interessado em que as pessoas vivessem de forma


moralmente virtuosa. Ele defendia que Deus criou o homem com liberdade de escolha, a
qual deveria ser usada para cumprir os propósitos divinos. Ele dizia que cada pessoa
vem ao mundo sem propensão para o mal, ou seja, para ele não existe pecado original.
Os seres humanos não herdam o pecado de Adão, nem a tendência para ele. Isso porque
não seria justo que Deus tomasse o pecado de uma pessoa e atribuísse à outra. Então,
por que receberíamos a culpa ou efeito por algo que Adão cometeu? Em Adão, os
homens encontram um exemplo negativo do que não deve ser feito.

Ele também argumentava que Deus não exerce influencia na conversão da pessoa, ou na
sua escolha para escolher do ser humano o bem. Deus não estaria escolhendo de forma
especial ninguém para uma vida de santidade ou para uma predestinação à salvação.
Todas as pessoas têm acesso à graça que consiste no livre-arbítrio, nisso haveria
compreensão de Deus através do uso da razão, a lei de Moisés e o exemplo de Cristo. O
progresso em santidade, dessa forma, é meritório, e a predestinação é simplesmente uma
previsão da qualidade de vida que as pessoas, através dos seus próprios esforços
viveriam. Ele afirmava que as pessoas poderiam viver sem pecar.
Agostinho

Agistinho escreveu uma resposta a Pelágio e foi o principal inimigo de Pelágio dentro
do contexto teológico. O grande debate agostiniano e pelagiano é um dos principais
debates na história da igreja acerca da questão da salvação.

Ele respondeu a Pelágio enfatizando o pecado de Adão. Agostinho afirmava que todos
os homens eram um com ele, por isso todos pecaram em Adão. Ele acreditava que a
alma era originada pelos pais por meio do processo reprodutivo, por causa disso,
estávamos “presentes” em Adão e pecamos com ele. Isso significada que o homem
nasce com uma propensão para o mal, ele nasce pecador. Depois da queda, todas as
escolhas dos homens são inclinadas para o mal. O papel da graça é restaurar a liberdade,
ela devolve a opção de não pecar e de fazer o bem. Essa graça é irresistível, mas não é
coercitiva. Ou seja, ela transforma nossa vontade para que escolhamos o bem. Não é o
homem arrastado contra sua vontade, mas transformado em sua vontade. Deus sabe as
condições nas quais optaremos pelo bem que ele quer e produz essas condições no
nosso coração. Ou seja, só fazemos o bem, quando Deus fornece a condição
sobrenaturalmente a condição para fazê-lo.

Assim, é Deus quem escolhe a quem conferir graça. Ele fez essa escolha na eternidade
tendo precisamente o número de pessoas que iria salvar. Tal predestinação não depende
de uma visão prévia que Deus teve do que as pessoas fariam, mas é uma escolha de
antemão da parte de Deus. Não há injustiça da parte dele porque os condenados apenas
recebem o que merecem e os eleitos aquilo que não merecem, pela graça. O mal
recebido é um mal merecido. A salvação recebida é uma salvação que não possui
méritos nenhum.

Por causa da atuação de Agostinho, a doutrina de Pelágio foi condenada em 431 d.C.,
no Concílio de Éfeso. As controvérsias sobre a predestinação persistiram durante a
Idade Média. Gottschack, por exemplo, defendeu a dupla predestinação onde Deus
predestina tanto os eleitos quanto aqueles que serão condenados. Nos séculos 11 a 13
vários téologos tentaram conciliar a doutrina agostiana com sua doutrina como
Anselmo, Pedro Lombardo, Thomás de Aquino. Na época da Reforma, Lutero e
Calvino também defenderam essa ideia. Teodoro de Beza foi sucessor de Calvino e
promoveu a dupla predestinação. Jacó Armínio foi aluno de Beza, discípulo do sucessor
de Calvino, e discordou de sua dupla predestinação. Foram seus postulados estimularam
o surgimento dos Remonstrantes. Na remonstrância, houve a organização do
arminianismo como uma oposição a Calvino e seus ideais

Aula 5 – Calvinismo

No quesito sotereológico – porque calvinismo fala de muitas outras coisas que vêm de
Calvino - um dos pontos que está intimamente ligado é o acrônimo TULIP – Tulipa em
inglês - que corresponde à Total depravation (depravação total); Unconditional
election (eleição incondicional); Limited antonement (expiação limitada), Irresistible
grace (graça irresistível) e Perseverance of the saints (Perseverança dos santos).
Calvino nunca foi um sistematizador das próprias ideias para além daquilo que escreveu
nas Institutas. Ele comentou a bíblia. Ele fez vários sermões. As Institutas são uma obra
máxima daquilo que Calvino tem a nos dar, mas não parece tanto uma teologia
sistemática primordial. Ele nunca escreveu um livro chamado 5 Pontos, porque isso é
uma construção posterior de discípulos de Calvino que surgiu basicamente em resposta
aos remosntrantes e isso foi organizado no famoso sínodo de Dort. Ele aconteceu na
Holanda, na cidade de Dordrecht em 1618-19. Foi organizado pela Igreja Reformada
Holandesa e veio para justamente tentar lidar com essa ascensão da remonstrância com
os arminianos. É a partir daí que surgem os famosos cinco pontos do Calvinismo como
realmente conhecemos. Eles são muito mais uma resposta ao arminianismo do que uma
sistematização do próprio Calvino acerca de suas ideias. A partir do Sínodo de Dort
surgem os cânones de Dort, que é o documento que traz a explicação desses cinco
pontos.

Calvinistas entendem que a raça humana está totalmente perdida no pecado. O conceito
de depravação total significa que todas as áreas do homem foram corrompidas pelo
pecado. Não significa que o homem é o mais mal que ele pode ser, nem que é o pior ser
humano que pode ser. Depravação total fala da totalidade do indivíduo: a mente, os
afetos, os sentimentos, tudo está corrompido e destruído pelo pecado. Cada centímetro
cúbico da nossa existência Satanás diz, é meu, quando não temos Jesus Cristo como
nosso Senhor e Salvador. Por isso, o homem é incapaz de responder corretamente à
graça. Todas as pessoas começam a vida nessa condição de vida, ou seja, há um pecado
que é original e faz com quenasçamos nele. Desde a concepção estamos separados de
Deus, corrompidos em cada área da nossa existência. A nossa depravação é total. A
herança desse pecado pode ser considerada de forma distinta pelos calvinistas. Uns
entendem que Adão é o representante federal do homem e uma vez que ele pecou, sua
condição de pecador é imputada ao homem. Isso seria uma coisa um pouco mais
jurídica. Ele é o nosso presidente. A decisão que o presidente toma recai sobre todo
país. Ele é nosso monarca e a decisão tomada por ele afeta todo país. Ninguém diz que o
presidente do Brasil cortou relações comerciais com o Irã, mas sim que o Brasil cortou
relações comerciais com o Irã, porque o representante federal toma a decisão por todos
nós.

Outros falam de uma representação seminal. Uma vez que estávamos em Adão e ele é o
nosso ascendente, todos nós, então, herdamos o pecado por transmissão. De qualquer
forma, todos os homens pecaram em Adão. Quando perguntaram para Calvino se ele
pecaria se estivesse no lugar de Adão, ele respondeu: “eu pequei em Adão”. Eu pequei,
eu estava lá.Nós estávamos lá pecando junto com Adão.

Interpretando Ef 2;1-3, calvinistas entendem que o homem é totalmente incapaz de se


achegar a Deus, nessitando de sua graça para ser salvo. Outro conceito importante do
calvinismo é o da soberania de Deus. Deus é livre para fazer o que quiser sem precisar
prestar contas a ninguém. Ele não está sujeito nada que lhe impeça de tomar suas
decisões. Deus é o oleiro que faz do barro vasos de honra e de desonra conforme lhe
apraz (Rm 9.20-21). Nesse sentido, a eleição é incondicional, porque não depende de
nenhuma condição humana. A eleição se manifestaria como uma escolha de Deus,
especial, em favor do ser humano que levaria pessoas a se tornarem filhas espirituais e
então encontrarem vida eterna. Essa eleição é uma iniciativa do Pai feita antes da
fundação do mundo (Ef 1.4-5), para que eles deem fruto (Jo 15.16). Ninguém pode ir a
Cristo se o Pai não chamar (Jo 6.44) e todo aquele que o Pai dá vai a Cristo e não será
rejeitado (Jo 6.37). Essa escolha não depende da vontade do indivíduo, mas de Deus
demonstrar misericórdia (Rm 9.15-16).
Asssim, essa eleição não está baseada em mérito algum da pessoa, nem na presciência
divina. A eleição também é eficaz, ou seja, quem Deus chamou certamente crerá e
permanecerão até o fim. Todos os que foram eleitos serão salvos. Além disso, essa
eleição é desde a eternidade passada e incondicional no que diz respeito à realização de
uma ação humana específica. É a partir daí que vem o nome monergismo. A ideia é que
existe só uma ação (mono) de um só que age para que a salvação ocorra. Não é
sinergístico onde dois cooperam (homem e Deus) para que a salvação ocorra. Os
Calvinistas são monergistas e não sinergistas. A salvação, a justificação, a redenção
dependeria unicamente de um agente, a saber, o próprio Deus operando sua eleição
incondicional no coração dos seus eleitos.

Os calvinistas afirmam que a queda removeu a capacidade de exercer a liberdade de


forma plena e de tomar decisões que sejam moralmente elevadas em um nível espiritual
e de escolha por Deus. Por isso, é importante que Deus intervenha diretamente para que
o homem possa escolher o Senhor. Deus decretou a salvação divina para salvar os
pecadores.

Aula 6 – A ordem dos decretos de Deus

Deus decretou coisas na história. Ele decretou a salvação, a queda, a morte de Jesus, as
coisas aconteceram debaixo de um decreto. Deus organizou as coisas de acordo com as
teologias calvinistas, de acordo com perspectivas que creem na soberania de Deus sobre
a criação. Houve uma queda e houve uma salvação, mas qual é a ordem dessas coisas?
A salvação aconteceu porque houve uma queda? Então Jesus apareceu como uma
correção dos planos originais de Deus? Ou a queda aconteceu porque já havia um plano
de salvação, então de alguma forma Deus fez com que o pecado entrasse no mundo e
Deus é o autor do pecado? São assuntos importantes para a teologia eque dão nomes
bem esquisitos. Você deve ter ouvido falar, ou não, de supralapsarianismo ou
infralapsarianismo, ou ainda sublapsarianismo, ou mesolapsarianismo.

Lapso significa queda. Lapso, então diz qualquer coisa que diga a respeito da queda do
homem em Adão. O pecado entrando no mundo. Lapsarianismo é, portanto, uma
doutrina. Então, seriam doutrinas referentes à queda. Essas doutrinas dizem respeito ao
decreto de Deus quanto à redenção e à morte de Jesus.

Supralapsarianismo diz que a redenção está acima da queda. Isso significa que o decreto
de Deus para a redenção veio antes do decreto da queda. Ou seja, a queda estava sujeita
à redenção. Estamos falando disso em um sentido lógico.Não é em um sentido
cronológico no ato, mas é lógico no sentido. O supralapsarianismo vai dizer que a
redenção está antes da queda em termos lógicos no decreto de Deus. Deus desejava a
redenção em Cristo Jesus, por isso ele decretou uma queda para que essa redenção
acontecesse.

O supralapsariano tem a vantagem de entender que Jesus é o nosso redentor desde a


eternidade e que Jesus não é nosso plano B. Não é que Jesus veio para corrigir um plano
frustrado de Deus, mas ele sempre foi o nosso redentor desde sempre e para sempre. O
plano de Deus incluiu o seu filho que foi imolado desde antes da fundação do mundo. Já
havia um livro da vida do Cordeiro antes mesmo da fundação do mundo. Então, o
supralapsariano entende bem o aspecto que Cristo sempre foi o nosso redentor e que a
queda não veio fora daquilo que Deus havia visto que aconteceria, ou do propósito de
Deus para o mundo.

Porém, tem um problema. O supralapsarianismo parece colocar uma queda como uma
inevitabilidade. Como se Deus tivesse forçado a existência da queda de alguma forma.
Como se a queda fosse o jeito de Deus fazer a redenção e que somos muito mais vítimas
do que causadores da queda. Deus seria mal em fazer isso conosco? Existem problemas
um tanto lógicos e emocionais diante do supralapsarianismo.

Existe também o infralapsarianismo. Ele vai dizer que num sentido lógico a redenção
está abaixo da queda. Deus preordenou as coisas no mundo e a redenção aconteceu
porque houve uma queda. Não é que houvesse uma queda para que houvesse redenção,
mas que houve redenção porque houve uma queda. Essa é a visão mais popular acerca
da queda. Deus permitiu que a queda acontecesse. Ela aconteceu sem nenhum
envolvimento de Deus – digamos assim – ele não é o autor nem o causador da queda.
Os homens caíram, porque escolheram pecar. Então por isso houve um redentor
prometido. A vantagem do infralapsarianismo é não deixar que Deus seja visto como
um ser mal que trouxe o pecado para o mundo. Por outro lado, tem um problema de
colocar Jesus como um plano B. Como se Jesus não fosse o propósito e o plano inicial
de Deus desde o começo para o mundo.

Como concilar essas duas coisas? O supralapsarianismo com o infralapsarianismo. Daí


surgiu uma terceira posição que alguns chamam de mesolapsarianismo ou
sublapsarianismo, o qual costuma ser um esforço para conciliar essas duas coisas muito
próximo da visão que temos sobre soberania e responsabilidade. Deus permitiu que a
queda acontecesse no mundo, decretando essa queda, de forma que os homens são
agentes dessa queda e não Deus de forma alguma. A ideia de queda e redenção não
teriam prioridade lógica dentro do plano de Deus, mas fariam parte de um todo daquilo
que Deus está organizando dentro de um todo na história. Não tem como escolher um
em detrimento de outro e dizer que Deus fez um para que o outro acontecesse. A mente
de Deus é uma e completa e organizou a história como um continuum dentro de um
plano que ele mesmo organizou. Não importa o que está sujeito a que em termos
lógicos. Tudo vem dentro do mesmo escopo sobrenatural e de decreto do Deus vivo da
criação.

Então, lidando diretamente com a ordem dos decretos temos:

Supralapsarianismo

• Decreto para salvar uns e condenar outros


• Decreto de criar tanto os eleitos quanto os réprobos
• Decreto de permitir a queda de ambas as classes de pessoas
• Decreto de prover salvação somente para os eleitos

Infralapsarianismo

• Decreto de criar os seres humanos


• Decreto de permitir a queda
• Decreto de salvar alguns e condenar outros
• Decreto de prover salvação somente para os eleitos
Sublapsarianismo

• Decreto de criar os seres humanos


• Decreto de permitir a queda
• Decreto de prover salvação suficiente para todos
• Decreto de escolher alguns para receber essa salvação

No fim das contas, tudo isso é teologia especulativa e a relevância disso em termos
teológicos para as pessoas geralmente é muito baixa. É o tipo de assunto que entretêm
mais do que instrui, que divide em coisas extremamente secundárias do que nos motivar
pela compreensão da grandeza do Evangelho. E é um assunto que ninguém deveria
bater martelo com muita força, considerando que não é baseado em nenhum texto
bíblico específico ou um conhecimento que provém direto da palavra de Deus. Nenhum
texto bíblico quis nos instruir sobre isso, mas é um exercício de raciocínio em cima das
doutrinas da Escritura, nada mais do que isso. Não deveria incomodar ninguém, mas são
termos teológicos que você precisa conhecer, saber o que é esse debate para estar
preparado para, caso ouça, não ficar perdido acerca do que significa.

Aula 7 – Arminianismo

Você deve conehcer o arminianismo do mundo de internet. Ele está dentro do debate
famoso entre Calvinismo e Arminianismo, entre soberania de Deus na salvação ou
liberdade humana na salvação. O Arminianismo vem de um homem chamado Jacó
Armínio que, em tese, tem a posição contrária ao Calvinismo, mas não é bem assim. Se
pensarmos nos extremos opostos do Calvinismo, pensaríamos no pelagianismo. O
Arminianismo não é bem um oposto do Calvinismo, mas seja talvez uma posição
intermediária entre Calvinismo e Pelagianismo. Por causa disso, alguns chamam o
Arminianismo de Semi-Pelagianismo, mas esse é um termo um tanto ofensivo.

Armínio defendeu que todos os seres humanos são pecadores e incapazes de realizar o
bem com as próprias forças. Isso parece estar um tanto de acordo com a doutrina da
Depravação Total. A diferença é que os arminianismo crê na chamada graça
preveniente. Essa graça deixaria o homem hábil para escolher o Senhor mesmo sendo
depravado em todas as suas capacidades.

Assim como o Calvinismo, o Arminianismo apresenta variações. Porém,


consideraremos aquilo que é comum a todos. Segundo os arminianos, Deus deseja que
todos sejam salvos, proporcionando a salvação para todos e deseja que todos venham a
se arrepender (2 Pe 3.9; At 17.30). A barreira entre a vontade de Deus e a realiazação
dessa vontade de salvação universal é o livre-arbítrio, o exercício de vontade, dos
homens em negar a salvação que provém do Senhor.

Na interpretação arminiana encontramos o AT trazendo aos homens constantes convites


ao arrependimento (Is 55.1), o convite de Jesus foi sem restrições (Mt 11.28).
Encontramos contantemente não apenas Deus esperando que os homens tomem decisão
de salvação, mas a vontade de Deus sendo impedida pela vontade dos homens. Jesus
teria dito que ele queria atrair, assim como uma galinha atrai seus pintinhos debaixo de
suas asas, o povo de Israel, mas isso não aconteceu porque o povo não quis (Mt 23.37-
39).
É uma doutrina básica do arminianismo é que todos são capazes de escolher a salvação,
possuindo a possibilidade de satisfazer todas as condições necessárias para poder ser
salvo através do convite de Cristo. Para os arminianos, o convite geral e universal à
salvação só faz sentido se for possível aos homens que são convidados atender a esse
convite. Dessa forma, o Arminianismo defende uma salvação sinergistica. Enquanto o
Calvinismo é monergista – um só agindo – a salvação no Arminianismo é sinergista,
onde os dois cooperam para a salvação. Homem e Deus são agentes conjuntos na
justificação.

Arminianos podem levantar algumas objeções ao calvinismo como:

• Com base em Mt 22.37; 2 Pe 3.9; At 7.51, eles dizem que a Bíblia não apoia o
monergismo
• Com base em Jo 3.16; 1 Tim 2.4-5, dizem que o monergismo é contrário à
benevolência de Deus
• Dizem que a concepção monergista seria contrária ao amor do Senhor já que
forçaria que as pessoas amem a Deus, o que seria contrário à natureza do amor. O
amor só seria amor se vier de forma livre.

Segundo eles, a ordem dos decretos divinos de forma lógica, eles seguem uma
perspectiva extremamente infralapsariana ou mesmo sublapsariana, nunca
supralapsariana. Ou seja, a ordem seria a seguinte:

• Criar todos os seres humanos


• Permitir a queda
• Prover salvação para todos
• Eleger com base na previsão de fé dos crentes
• Aplicar a salvação somente aos crentes

O arminianismo é sistematizado nos cinco artigos da Remonstrância. Eles foram


organizados pelos discípulos de Armínio um ano depois de sua morte, ou seja, Armínio
nasceu em 1609 e a Remonstrância em 1610 com os seus discípulos. Eles organizaram,
então, seus pensamentos em contraste com os pensamentos de João Calvino, que já
tinha morrido a um tempo. Uma vez que existiram os cinco artigos da Remonstrância,
surgiram os cinco pontos do Calvinismo no Sínodo de Dort em contraponto a esses
cinco artigos da Remonstrância.

Nesses cinco artigos encontramos no primeiro artigo a oposição à doutrina da eleição


incondicional, deixando claro que Deus elege aqueles que de antemão percebe que
seriam salvos. O segundo artigo defende a expiação ilimitada, dizendo que Deus morreu
por todos os homens, ainda que isso se aplique apenas aos eleitos. O terceiro artigo
afirma a depravação total. Aqui podemos ter uma confusão: arminianos creem em
depravação total, mas adicionam a graça preveniente como uma forma de corrigir isso.
O quarto artigo fala da graça resistível, considerando o livre-arbítirio humano de resistir
ao chamado da graça de Deus. E o quinto artigo deixa meio em aberto a doutrina da
perseverança dos santos, eles não rejeitam a perseverança dos santos, mas falam de um
tipo de perseverança condicional que em tese é como rejeitar a doutrina, mas não de
forma ferrenha e eles mesmo dizem no documento que mais estudos eram necessários
sobre o assunto. Eles dizem literalmente “Isso deve ser assunto de uma pesquisa mais
acurada na Escritura”.
Aula 8 – Graça comum, graça especial e graça preveniente

Quando falamos de “graça” podemos estar nos referindo a coisas diferentes do NT.
Portanto, é importante conceituarmos bem. Graça geralmente fala de favor imerecido. É
algo bom que não merecemos e recebemos. Ela é o contraste positivo de misericórdia,
que é quando merecemos algo ruim e Deus não nos dá. A salvação possui esses dois
aspcetos: o de ruim que Deus não dos dá, por causa de sua misericórdia; o de bom que
Deus nos dá, por causa de sua graça. Escapamos do inferno por misericórdia e vamos ao
céu por graça.

A graça fala de tudo aquilo de bom que recebemos. Ela fala de todo ato de bondade de
Deus. Porém, ela possui características e tipos diferentes de graça. É como a revelação.
A revelação fala de todo modo como Deus se revela, mas há uma revelação especial e
uma natural – deu se revelando pela Palavra e pela natureza. O termo graça sofre da
mesma característica de ter vários sentidos.

Geralmente, quando falamos de graça e quando lemos o NT, ela na maioria das vezes se
refere à graça especial, a qual chamamos de graça salvadora. É a graça que é irresistível,
a qual alcança o ser humano dando a ele, de fato, a aplicação da redenção. É a graça de
Efésios 2.8-9 de sermos tirados do pecado e trazidos a um relacionamento íntimo.
Sermos salvos é um dom de Deus que nos alcança.

O termo graça também pode se referir a uma graça geral que se manifesta a toda
humanidade fazendo o bem a ela. É uma graça que é resistível. Quando é ordenado aos
homens a não resistirem à graça de Deus, trata-se da graça resistível que convida todos
os homens à redenção. A graça é resistível até não ser mais. Então, Deus vence a
barreira aplicando a graça salvadora e especialque é irresistível.

Essa graça geral é muitas vezes confundida com a graça comum. Esse é um termo muito
comum na filosofia cristã para falar das manifestações de bondade de Deus a todos os
homens, produzindo tudo que é bom justo e correto. É claro que graça comum e graça
salvífica não são duas graças diferentes, como se Deus tivesse dois tipos de graça. A
graça comum é uma manifestação diferente da mesma graça de forma que assim como a
graça de Deus pode se manifestar irresistivelmente para salvação, ela também pode se
manifestar para o bem geral ou até mesmo para a retenção do pecado. É isso que
chamamos de graça comum.

Ela atua em diferentes instâncias:

• Mundo físico: A Bíblia diz que Deus faz nascer o sol e chuvas sobre justos e
injustos (Mt 5.44-45) e dá estaçoes frutíferas para todos (At 14.14-17). Essa
manifestação da graça não salva, mas dá coisas boas a todos indistintamente, sejam
salvos ou ímpios. No AT, por meio de José o Egito foi abençoado (Gn 39.5). O
Salmo diz que Deus faz bem a todo ser vivente (Sl 145.9, 15-16).
• Domínio intelectual: Ainda que Satanás seja o pai da mentira, enganador, não haja
verdade nele, e ele seja completamente inclinado para o mal, os seres humanos não
são totalmente irracionais. Homens e mulheres descrentes podem produzir
conhecimento que seja proveitoso para o mundo e até melhor do que aqueles
produzidos pelos crentes. Isso é uma manifestação da graça de Deus. Tudo de bom
que existe no mundo vem porque Deus atua com a sua graça em homens caídos.
• Domínio moral: Ainda que o homem seja totalmente depravado, ele não é tão mal
quanto poderia ser. Deus restringe essa maldade, em certa medida, pela atuação da
graça comum. A lei gravada no coração de todos os homens (Rm 2.14-15) e a
própria Imago Dei que permanece de alguma forma, direciona sua consciência
para condutas morais e acusa-os das imorais.
• Domínio criativo: Deus permite que descrentes produzam artes e coisas boas para
o proveito geral. Bach era um Luterano e produzia peças artísticas a Deus. Ele
escrevia Soli Deo Gloria em suas partituras, mas Mozart era um devasso que
também produziu boa arte. A música, pinturas, arquitetura, tudo pode ser
produzida por descrentes porque Deus quer manifestar sua graça a todos.
• Domínio social: Deus é quem levanta e derruba os governantes. Tanto os maus
quanto os bons. Através dos bons, ele pode trazer prosperidade, segurança, bem-
estar e uma boa vida para os cidadãos daquele povo. Isso é uma das manifestaçoes
da graça de Deus.
• Na igreja: A graça comum enriquece o povo de Deus de uma maneira plural. O
povo de Deus pode aprimorar suas técnicas de evangelismo, pode se deslocar para
suas congregações, construir seus prédios, comer, se divertir e desfrutrar de Deus
porque há uma grande manifestação comum em volta do povo da igreja. Deus é
quem dá os ônibus, os carros, as estradas, os microfones e os telhados. Tudo isso
vem de uma atuação comum de Deus sendo gracioso.
• Não salva: Entretanto, devemos reiterar que a graça comum não é uma
manifestação da graça de Deus para a salvação. Ela não causa o arrependimento,
regeneração, justificação e nem santificação. De forma geral, ela o cuidado de
Deus sobre sua criação como regente dela, mas não é uma atuação para salvação.

A graça comum nos faz olhar para criação e para tudo aquilo que há à nossa volta de
bom mesmo quando vêm de descrentes com um olhar um tanto diferente. Entendendo
que essas coisas podem ser aproveitadas para o nosso bem e para a glória de Deus. Ou
seja, o cristão não precisa estar recluso a um submundo ecleciástico que ele só pode usar
coisas produzidas por crentes na igreja. O cristão não é o amish.

Cristãos usam carros, celulares, televisões, comem, bebem e consomem as mais


variadas coisas no mundo e muitas delas foram produzidas por não-cristãos.Cristãos
pode olhar com confiança para o mundo que mesmo sendo mal não é tão mal quanto
poderia ser graças a atuação da graça de Deus. Uma graça comum que refreia a maldade
e que leva os homens à produção do bem. Devemos agradecer a Deus por isso. Cristãos
podem, e devem orar por seus governantes para que Deus derrame sua graça sobre eles
– senão graça salvadora – para que o bem possa alcançar todos os seres humanos.

Há também outra forma de se referir à graça de Deus, que já falamos na aula sobre
arminianismo, que é a graça preveniente. Essa é uma graça que seria dada a todos os
homens sem distinção, cujo objetivo é neutralizar parte dos efeitos do pecado. A graça
preveniente capacitaria o homem a responder ao chamado da fé e do arrependimento
para assim ser conduzido através do exercício de vontade à salvação. A graça
preveniente é uma doutrina que vem de implicações do texto bíblico – lembre-se a
pirâmide de Erickson. Principalmente os arminianos entendem que se Deus está
convidando todos os homens ao arrependimento, mas os homens são totalmente
depravados, alguma coisa precisa resolver essa barreira. Calvinistas trarão a eleição
incondicional como resposta: Deus convida todos os homens e escolhe os seus eleitos,
enquanto os arminianos argumentam que há uma graça preveniente que alcança todos os
homens e dá a eles esse estado de poder escolher a salvação. O problema é que a
doutrina da graça preveniente, por mais que seja muito conhecida em círculos
arminianos, carece de explicação e prova textual por mais que alguns esforços sejam
dados. Tradicionalmente, o movimento reformado entende graça apenas em termosde
graça comum e graça especial. A graça preveniente vem dos contextos arminianos que
tentam explicar como homenstotalmente depravados podem ser convidados à escolha de
Deus.

Aula 9 - O chamado geral e chamado eficaz

Paulo escreveu “Aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a
esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou ” (Rm 8.30).
Depois da predestinação e eleição encontramos no texto que houve um chamado. No
original grego não há definições claras de tempo – de quando a coisa acontece. Temos
um passado simples no português porque é intraduzível as indeterminações de tempo do
grego. Por isso que temos “glorificou” no passado, mas Paulo não está chamando
atenção para o tempo aqui no caso.

Quando olhamos para o NT, encontramos pelo menos dois tipos de chamado. Existe um
chamado geral (Mt 11.28; 22.14) e um eficaz para a salvação (1 Co 1.9; Lc 14.23; Rm
1.7; 11.29). Ao passo que o chamado geral pode ser resistido e rejeitado, o eficaz é, “em
grande medida obra de iluminação do Espírito Santo capacitando o receptor a entender
o verdadeiro significado do evangelho” (ERICKSON, 902). Ele vem através da
pregação humana do evangelho. O chamado geral vem através da pregação do
Evangelho e através deste é que o chamado eficaz acontece. Todos os homens são
chamados à conversão, principalmente através da pregação humana. Através do
chamado geral, o específico se manifesta na vida dos eleitos.

Paulo diz:

Para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória
de nosso Senhor Jesus Cristo” (2Ts 2.14). Naturalmente, há muitos que ouvem o
chamado geral da mensagem do evangelho e não respondem. Mas em alguns casos o
chamado do evangelho é feito de forma tão eficaz pela obra do Espírito Santo no
coração das pessoas que elas respondem; podemos dizer que elas receberam o
“chamado eficaz”. (GRUDEM, 580)

Grudem define o chamado eficaz da seguinte forma: “o chamado eficaz é um ato de


Deus Pai, falando através da proclamação humana do evangelho, pelo qual ele convoca
as pessoas para si mesmo de tal modo que elas respondem com fé salvífica”
(GRUDEM, 580).

O chamado eficaz é primeiro um ato do Deus-pai. Não é um ato humano, ou que


podemos construir. É Deus chamando. Em segundo lugar, é o Deus-pai falando através
da proclamação do Evangelho. O chamado eficaz não acontece fora do chamado geral.
É pela pregação do Evangelho que os homens são salvos. Por meio do Evangelho, Deus
convoca pessoas para si. Esse chamado eficaz é o modo como Deus convoca os homens
para ele mesmo de tal modo que eles respondem com fé salvífica. Sem fé ninguém pode
ser salvo. Esse chamado é irresistível porque a resposta é justamente uma fé salvadora
no coração. É importante chamar atenção para o fato que o chamado eficaz não força
ninguém a vir a Cristo contra sua vontade. A pessoa vem porque o Espírito Santo a
ilumina de tal forma que ela é convencida pela pregação do evangelho e, então,
voluntariamente vem à salvação. É uma mudança nas vontades, não uma salvação
contra a vontade. Erickson diz que o chamado eficaz é “de muitas maneiras, semelhante
à graça preveniente, da qual os arminianos falam. No entanto, difere do segundo
conceito em dois aspectos: o chamado especial é concedido apenas aos eleitos, não a
todos os seres humanos e leva, de modo infalível ou eficaz, o receptor a uma resposta
positiva à mensagem do evangelho” (ERICKSON, 902).

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 10 - Conversão, regeneração, arrependimento e fé.


Existe uma discussão sobre quem vem primeiro, Regeneração ou Conversão.
Arminianos dirão que a Conversão precede a Regeneração em um nível lógico, e não
temporal. A pessoa se arrepende e crê, então Deus salva e transforma. Arminianos
argumentam que essa ordem lógica respeita a respondabilidade e liberdade da pessoa
em escolher seguir a Deus. Já os Calvinistas argumentam que devido o pecado ninguém
pode se converter se não for regenerado antes. Portanto, para eles, a regeneração
precede a conversão. Segundo Grudem, “regeneração é um ato secreto de Deus pelo
qual ele nos concede nova vida espiritual” (GRUDEM, 584). Isso também pode ser
chamado de “nascer de novo” (Jo 3). E conversão de “nossa resposta espontânea ao
chamado do evangelho, pela qual sinceramente nos arrependemos dos pecados e
colocamos a confiança em Cristo para receber a salvação” (GRUDEM, 592).

Entretanto, isso não é um consenso nos ambientes teológicos calvinistas. Millard


Erickson, mesmo sendo Calvinista, acredita que a conversão precede a regeneração por
causa de passagens como At 2.38; 16.31; . Ele diz que Deus regenera os que se
arrependem e creem e aponta como solução uma distinção entre o chamado especial de
um lado e a regeneração de outro.Ele diz que “embora ninguém seja capaz de responder
ao chamado geral do evangelho, no caso dos eleitos, Deus atua de forma intensa, por
meio de um chamado especial para que eles realmente respondam com arrependimento
e fé” (ERICKSON, 904). Ou seja, Erickson dá mais força do convencimento ao
chamado eficaz no lugar da regeneração nesse momento inicial em que o homem recebe
a atuação do Espírito Santo, por isso que ele se converte e então e então é regenerado.

. Ele continua dizendo que “o chamado especial é simplesmente uma atuação profunda e
eficaz do Espírito Santo. Ele não é a transformação completa, que constitui a
regeneração, mas de fato a conversão do indivíduo tanto possível como certa”
(ERICKSON, 902). O Erickson cria esses três momentos: chamado eficaz, conversão e
regeneração para justificar de forma calvinista uma conversão que precede uma
regeneração.

Ele define conversão de forma bem simples como “um ato em que a pessoa se volta do
pecado, em arrependimento para Cristo, em fé” (ERICKSON, 904). Tanto no AT
quando no NT há mensagens para que o povo se volte dos seus pecados (Ez 18.30-32;
33.7-11; At 3.19; Ef 5.14). A conversão envolve dois elementos de aspectos distintos:
arrependimento e fé. No arrependimento, o pecador se volta de seus pecados- algo mais
negartivo – e na fé ele se volta para Cristo – algo mais positivo. Arrepender-se é deixar
de seguir o pecado e ter fé é passar a seguir a Cristo. Para a conversão, obviamente, é
preciso ter conhecimento acerca dos fatos do evangelho. Porém, o mero conhecimento
não é o bastante. As pessoas podem mesmo conhecendo, rejeitarem o evangelho de
Jesus. E até mesmo os demônios conhecem até o ponto de crer naquilo que é dito na
mensagem do Evangelho, mas não creem como mensagem salvadora. É apenas um
assentimento intelectual. A Bíblia também não é especifica o tempo envolvido na
conversão. Pode ser quase instantâneo, ou se é um processo. A forma como Deus age é
particular para cada indivíduo e não podemos estabelecer uma regra geral quanto a isso.

Em um segundo nível, aprovar os fatos também não indica conversão. Nicodemus


chegou a avaliar o que Jesus fez e tirou conclusões positivas (Jo 3.2), mas naquele
momento ele ainda não tinha manifestado fé pública no Salvador, o Senhor Jesus Cristo.

Em um nível mais profundo, “fé salvífica é confiança em Jesus Cristo como uma pessoa
viva visando ao perdão dos pecados e à vida eterna com Deus”. Ou seja, não se trata
apenas de acreditar nos fatos, mas confiar pessoalmente em Jesus. Esse processo é que é
particular a cada pessoa. João 3.16 nos promete que todo o que crê não perece, mas tem
vida eterna. Aquele que crê já está com o Filho e a vida eterna premanece sobre ele.
Cremos na própria pessoa de Jesus para a salvação. Assim, esses três elementos têm que
estar juntos na conversão. Uma crença, um assentimento positivo, uma fé fiel no íntimo
de quem somos.

Em uma cena icônica de Principe Caspian de C.S.Lewis, Lucy reecontra com Aslam, o
leão que representa Jesus nas crônicas, e ela diz:

-Você está maior

- A medida que você cresce, eu cresço, responde Aslam.

A ideia não que Cristo muda, mas que na medida em que nos aprodundamos no
conhecimento de Cristo, maior ele parece para nós. Quanto mais crescemos na fé, maior
Jesus se apresenta para nós. Quanto maior ele for, mas impontente somos. Quanto mais
conhecemos a grandeza desse Deus, mais reconhecemos nossa pequenez diante da
grandeza daquilo que ele nos tem dado diante da magnificiência da salvação que ele
fornece a nós. Paulo nos diz que a fé vem pelo ouvir a palavra de Deus (Rom 10.17).
Quanto mais Deus se revela a nós através do conhecimento transmitido em sua Palavra,
mais nossa fé se expande.

Já o arrependimento é o aspecto negativo da conversão, pois é o abandono do pecado.


Segundo Grudem é “uma sincera tristeza pelo pecado, é renuncia-lo e comprometer-se
sinceramente a abandoná-lo, e prosseguir obedecendo a Cristo” (GRUDEM, 596).

Dois termos do AT podem expressar a ideia de arrependimento. O primeiro é [‫ נָחם‬-


naham].

Quando se refere a uma emoção suscitada pela consideração da situação de outros, ela
tem a conotação de compaixão ou empatia. Quando usada em referência a uma emoção
suscitada pela consideração do próprio caráter e obras, significa “lamentar-se” ou
“arrepender-se” (ERICKSON, 906).
Outro termo é [‫ובׁש‬- shuv]. Ele é constantemente usado por profetas para chamar Israel
ao arrependimento. Esse termo ressalta uma “volta”, portanto, no contexto de exortação
do pecado ressalta a importância de se voltar dos pecados para a comunhão com Deus
de forma clara, sincera e consciente.

No Novo Testamento, também há dois termos importantes. Um deles é [μεταμέλομαι –


metamélomai]. Esse verbo também ressalta o aspecto emocional do arrependimento que
está ligado a uma tristeza ou remorso por ter feito algo errado (Mt 21.29). No entanto,
não fala necessariamente de um arrependimento genuíno. Metamelomai é usado para
descrever o que Judas sentiu antes de se matar (Mt 27.) Essa palavra parece descrever
um remorso também, sem que aconteça um real arrependimento, por causa de suas
ações. O arrependimento correto leva a uma mudança de comportamento e nos
sentimentos em direção a Deus. É analisando o contexto podemos saber o que ela
significa no texto. A tristeza segundo o mundo gera morte, mas a tristeza segundo Deus
gera vida.

Metaneo, também conhecido na internet como metanoia, [μετανοέω - metaneo]


siginifica “mudar o modo de vida em razão de uma total mudança de pensamento e de
atitude quanto a pecado e justiça” (Louw-Nida, 41.52). Essa palavra era característica
da pregação de João Batista (Mt 3.2), de Jesus (Mt 4.17), deveria fazer, e fez, parte da
pregação dos discípulos (Lc 24.46-47) e da pregação da igreja primitiva (At 2.38). Esta
mensagem de arrependimento deveria ser pregada a todos os homens e em todos os
lugares (At 17.30).

O arrependimento tem essa característica de tristeza e de mudança de raciocínio, de


pensamento, de consciência diante do pecado. Porém, entendemos que a mera tristeza
ou até o profundo remorso não indica de forma cabal que há arrependimento real ali. O
que indica que aquela tristeza é um arrependimento real é quando ela motiva uma
mudança de postura e uma busca por redenção e salvação em nome de Deus.

Lemos sobre essa tristeza segundo o mundo e dessa tristeza segundo Deus (2 Co 7.9-
10). Por exemplo, há o caso de Esaú que ficou triste por suas ações, mas não se
arrependeu (Hb 12.17). A tristeza cristã pelo pecado tem que vir acompanha por um
genuíno esforço de largar o pecado. Outro elemento da conversão é a fé.

Outro elemento da conversão é a fé.Ao passo que o arrependimento se volta do pecado,


a fé se volta para Deus. De tal forma que não existe fé sem arrependimento. No
arrependimento, a pessoa abandona o caminho de pecado que seguia. Na fé, a pessoa
segue o caminho de Cristo que o salvou. É por meio da fé que recebemos a graça de
Deus. No AT, a palavra mais usada para designar fé é [ ‫ אָ מן‬- aman]. Esse verbo pode
expressar o significado de “considerar como verdadeiro” ou “crer” dependendo do
contexto. E quando ligado a certas preprosições pode adquirir o significado de
descansar confiantemente em alguém ou algo e designar a aprovação de um testemunho.
Outro termo é [‫ טחָב‬- batah]. Ele é frequentemente usado junto com a preposição [‫ ]לע‬e
significa “apoiar-se em”ou “confiar em”. Esse termo está mais ligado a um
comportamento do que uma crença intelectual.

É muito interessante perceber que fé e arrependimento como necessários à conversão


são usados de forma tão unidas que geralmente se pode usar uma das palavras sozinhas
para se referir a todo o processo de ser salvo.
Naturalmente, em alguns momentos, a fé é usada como o único requisito para a salvação
e em muitos outros momentos há apenas arrependimento sendo usado como pré-
requisito para salvação. Assim, entende-se que ambos são quase uma coisa só. Uma é a
via negativa do outro. Um é a via positiva do outro assim como as duas asas de um
pássaro que não podem estar sozinhas. Fé e arrependimento andam juntos para a nossa
conversão. A fé genuína é acompanhada de arrependimento de pecado. Infelizmente,
muitas pregações, ao desvincunlarem esses elementos criando uma deturpação da
verdadeira conversão. Também não podemos esquecer que ainda que a conversão seja
uma resposta humana à iniciativa divina, fé e arrependimento são sempre tratados na
Escritura como obras de Deus. Por causa disso que regeneração é um tema tão
importante. A regeneração é uma obra totalmente divina. “É a transformação que Deus
realiza nos crentes, sua dádiva de uma nova vitalidade espiritual e direção à vida deles
quando aceitam Cristo” (ERICKSON, 912).

A regeneração implica que o ser humano está espiritualmente morto (Ef 2.1), mas que
Deus o regenera quando o Espírito Santo sopra (Jo 3.8). Os incrédulos, portanto, são
totalmente incapazes de exercer qualquer estímulo à regeneração. Romanos 3.9-20 é
bem claro que o ser humano não deseja nem é impelido a Deus por vontade própria. É
preciso que Deus intervenha para nos tornar nova criação (2 Co 5.17).

Já no AT Deus fala de regeneração (Ez 11.19-20). A terminologia pode ser distinta da


usada no NT, mas a ideia básica é a mesma. No NT, o termo mais literal que transmite a
ideia de regeneração é [παλιγγενεσια - palingenesia]. Ela aparece em Mateus 19.28
quando se refere à regeneração de todas as coisas na escatologia futura. E a outra vez é
em Tito 3.5, quando se refere à salvação. Nessa última, temos a ideia bíblica do novo
nascimento.

O conceito de regeneração aparece na discussão de Jesus com Nicodemus. Jesus diz que
“ninguém pode ver o Reino de Deus se não nascer de novo” (v.3) se referindo a essa
regeneração. Sobre essa passagem, Grudem comenta que ela é algo que mostra que a
regeneração precede a fé porque Jesus diz que precisamos nascer do Espírito antes de
entrar nesse novo reino (GRUDEM, 587). Sem nascer do Espírito Santo, sem sermos
regenerados, não entramos no reino pela conversão. Esse ato não provém de um esforço
humano, mas é de prerrogativa totalmente divina. E é um ato único na vida do indvíduo.
Não existe como ser regenerado uma, duas, três vezes.Somos regenerados de uma vez
por todas. É aí que a Bíblia fala de nascer de novo, ou nascer da Palavra de Deus. Paulo
também fala de uma renovação do Espírito Santo (Tt 3.5) e que recebemos uma nova
vida (Ef 2.5) e da ressurreição dos mortos que caracteriza a regeneração (Ef 2.6). O
novo nascimento, apesar de não ser tão simples de ser entendido, ressalta a incapacidade
humana de ser suficientemente bom.

É por isso que o novo nascimento capacita o regenerado a produzir resultados na vida
que glorifiquem a Deus. João nos diz em sua carta que quem é nascido de Deus não
pratica o pecado, isto é, não vive numa prática constante dele (1 Jo 3.9). Não vivemos
mais sob a escravidão daquilo que é pecaminoso. Vivemos agora pela orientação do
Espírito (Gl 5.24-25). Ele nos leva à obediência a Deus (1 Jo 4.7) e por causa dele
vencemos o mundo (1 Jo 5.3-4). O novo nascimento também é uma proteção contra
Satanás (1 Jo 4.4; 5.18). O novo nascimento é um ato único, não é um processo. Ele
acontece uma vez, ainda que seja difícil você rememorar sua vidae precisar o momento
exato onde isso aconteceu. Mesmo assim, várias passagens bíblicas mostram o novo
nascimento, a regeneração, como algo de uma vez por todas (Jo 1.12-13; Tg 1.18; 1 Pe
1.3, 23; 1 Jo 2.29; 5.1, 4). A Bíblia nunca fala de cristãos que nasceram de novo, mas
que nasceram e que são nascidos de novo.

Aula 11 – A doutrina da união com Cristo

A união com Cristo relata o estado em que o crente e Jesus estão um “no” outro. Parece
estranho, mas a Bíblia mostra várias referências ao crente estando em Jesus (1 Co 1.4-5;
15.22; 2 Co 5.17; Ef 1.3-4, 6-8; 2.10; 1 Ts 4.16)

O outro lado do relacionamento é aquele em que Cristo está presente no crente (Jo 15.4-
5; Gl 2.20; Cl 1.27). De fato, nossa salvação é pericorética. Você já viu esse termo em
teontologia, a ideia de que as pessoas da Trindade estão “um no outro”. Fala-se de
interpenetração entre as pessoas da Trindade. A ideia de que um está contido no outro.
O mesmo acontece com a salvação. Uma vez que somos salvos, entramos em um
relacionamento de pericorese. Estamos em Cristo e Cristo está em nós. Isso se manifesta
de algumas formas. É muito interessante que a Bíblia fale tanto da presença do crente
tem com Cristo: sofrimento (Rm 8.17); crucificação (Gl 2.20); morte (Cl 2.20);
sepultamento (Rm 6.4); vivificação (Ef 2.5); ressurreição (Cl 3.1); glorificação e
herança (Rm 8.17).

Entretanto, temos que fugir de modelos de união que não possuem respaldo bíblico. O
primeiro é que nossa união com Cristo é metafísica. A ideia errônea é que somos um em
essência com Deus, como um modelo panteísta. Ela diz que Deus é um não somente
com os crentes, mas com todos os seres vivos. Somos todas partes de Deus e Deus está
em todos nós. Porém, essa concepção não tem respaldo bíblico porque o panteísmo não
é uma doutrina bíblica que provém do cristianismo e também porque a Bíblia fala da
união do crente com Cristo principalmente em termos de salvação. Não é uma unidade
que se dá de forma natural em toda matéria, mas é uma unidade que se dá através da
redenção que nós encontramos na obra de Jesus.

Outro modelo errado é o que diz que a união com Cristo é mística. Essa posição diz que
o relacionamento do crente com Jesus é tão profundo que o crente praticamente perde a
própria individualidade.Nesse modelo, Jesus controlaria o relacionamento de tal forma
que a personalidade humana é quase apagada. É uma espécie de perda de sentidos para
ser sugestionado por Jesus. Os que defendem essa posição dizem que a obediência plena
pode ser alcançada nessa vida. Ainda que a obediência deva ser perseguida, a
compreensão advinda dessa concepção está errada. Ainda estamos entregues no
caminho do pecado e não temos como sermos sugestionados plena e completamente
pela pessoa de Cristo. O próprio Paulo diz que ainda que não seja mais ele que vive,
mas Cristo viva nele como um jeito de dizer que vive pela fé (Gl 2.20) e não que ele
simplesmente morreu em todas as suas individualidades. Paulo não deixou de ser quem
ele era, mas agora ele é quem é na fé do Filho.

O terceiro modelo entende que nossa união com Cristo é semelhante à união de dois
amigos onde eles compartilham dos mesmos interesses e objetivos. É mais uma
empatia. Uma união externa onde um influencia o outro pela forma como fala, age, e se
comporta. O erro desse modelo está em limitar o relacionamento de Cristo com o crente
a simplesmente uma “parceria” como a de quaisquer outros dois humanos.
O quarto modelo equivocado é o da união sacramental onde o crente obtém a graça de
Deus através dos sacramentos – ceia e batismo. Ou seja, essa posição entende que
recebemos Cristo em nós quando participamos da Ceia do Senhor, ou do batismo. Uma
das dificuldades com essa interpretação é que se faz necessário um intermediário
humano para nossa união com Cristo Jesus e isso contradiz tudo que aprendemos nas
Escrituras acerca de nossa união com Cristo (Hb 9.23-10.25). Ela acontece sem
intermediários. Se você precisa de homens para administrar os sacramentos, você
precisaria de homens para ter continuidade nessa união com Cristo Jesus. Lemos na
Escritura que Jesus eliminou toda a necessidade de mediadores de forma que podemos
nos apegar diretamente a ele.

O que significa então a união com Cristo? Primeiramente, temos que ter a noção que
não poderemos compreendê-la totalmente porque mesmo Paulo a descreveu como um
mistério (Ef 5.32; Cl 1.26-27). A ideia é que talvez nunca consigamos abarcar a
completude do que nossa união com Cristo realmente é. Ela é algo inefável, profunda e
maravilhosa que por mais que busquemos compreender nunca teremos total e plena
certeza das implicações que isso traz sobre nossa vida.

Em primeiro lugar, nossa união com Cristo é de natureza jurídica. Quando o Deus-Pai
nos avalia, ele não olha somente para nós, mas para Cristo em nós. Somos considerados
inocentes no tribunal de Deus, porque temos Cristo em unidade conosco.

Em segundo lugar, é uma união espiritual. Por um lado, a união é efetuada pelo Espírito
Santo que nos traz à unidade com Cristo nos reinos celestiais. Há uma relação muito
íntima de Cristo estar em nós e o Espírito que o ressuscitou nos dar vida (Rm 8.9-11). O
Espírito de Cristo é o próprio Espírito Santo que habita em nós e nos dá unidade com
Cristo.É também, por outro lado, uma união de espíritos que produz uma nova
vitalidade em Deus. Somos ressuscitados de nossa morte através do Espírito Santo que
vem nos dar vida. Por fim, é uma união onde a vida de Jesus vem até a nossa renovando
nossa natureza interior (2 Co 4.10, 16). Ele é a videira onde a seiva é a vida que flui até
nós que somos os ramos (Jo 15.4) para nos dar vida.

Por causa da união com Cristo somos considerados justos pelo Pai. Isto significa Deus
nos vê numa posição de justos diante da Lei assim como o Filho foi. A Lei não mais nos
condena, pois estamos em Cristo (Rm 8.1).

Por causa da união com Cristo, somos fortalecidos (Fp 4.13). Paulo, quando
atormentado pelo espinho na carne se gloriou nas suas fraquezas e percebeu o poder de
Cristo sobre ele (2 Co 12.9)

A união com Cristo não elimina o sofrimento, mas dá propósito a ele. Assim como
perseguiram Jesus, perseguirão os seus discípulos (Jo 15.20). Temos participação e
identificação na sua morte (Fp 3.8-10). Devemos nos alegrar por sermos participantes
dos sofrimentos de Cristo para que da mesma forma nos alegremos na revelação da sua
glória (1 Pe 4.13).

Aula 12 – Justificação pela fé, adoção e herança de vida eterna

De acordo com Grudem, justificação é “um ato instantâneo e legal [juridicamente] da


parte de Deus pelo qual ele (1) considera os nossos pecados perdoados e a justiça de
Cristo como pertencente a nós e (2) declara-nos justos à vista dele”(GRUDEM, 604).
Berkhof enfatiza ainda mais o aspecto judicial ao dizer que justificação “é um ato
judicial de Deus, no qual ele declara, com base na justiça de Jesus Cristo, que todas as
reivindicações da lei são satisfeitas com vistas ao pecador” (BERKHOF, 473). A
justificação acontece depois da fé (Rm 3.26, 28; 5.1; Gl 2.16). Uma vez que cremos,
então somos justificados.

No AT, a ideia de justiça é expressada pelo termo [‫ דֵ קָצ‬- tsadeq]. Esse termo pode
significar “declarar justo”. Por exemplo, Tamar foi considerada mais justa que Judá,
porque ele não cumpriu as obrigações de sogro (Gn 38.26). Davi foi considerado justo
ao se recusar a matar Saul (1Sm 24.17; 26.23). Ou seja, justiça é vista como viver de
acordo com padrões estabelecidos para um relacionamento. Justificar não é tornar
alguém bom internamente, mas é declarar justo, ou declarar inocente.

O NT desenvolve ainda mais essa concepção do AT. Paulo diz que Deus se
mostrou justo ao justificar o ímpio (Rm 3.26) ao entregar seu filho como sacrifício,
como preço da paga pelos pecados porque Cristo foi condenado em seu lugar. Essa
justificação é independente das obras da Lei. “A justificação é um ato forense
imputando a justiça de Cristo ao crente; não é uma infusão real de santidade no
indivíduo. Ela significa tornar a pessoa justa, como um juiz faz ao absolver o acusado”
(ERICKSON, 925). É o que o juiz faz ao absorver o acusado. Como diz Berkhof
“conquanto diga respeito ao pecador, não muda a sua vida interior. Não afeta a sua
condição, mas, sim, o seu estado ou posição, e nesse aspecto difere de todas as outras
principais partes da ordem da salvação” (BERKHOF, 473).

Há um elemento negativo na justificação que é a remissão dos pecados com base


na obra expiatória de Jesus Cristo. Esse elemento da justificação se baseia na obediência
passiva de Jesus de forma particular, mas não exclusiva. Esse perdão dado é aplicado a
todos os pecados, sejam eles passados, presentes ou futuros. Cristo perdoa o que foi
cometido, o que cometemos e o que será cometido através da justificação que
recebemos através da sua obra na cruz.

Se Deus apenas nos declarasse perdoados de nossos pecados passados, isso não
resolveria inteiramente nossos problemas, porque só nos tomaria moralmente neutros
diante de Deus. Estaríamos no mesmo estado de Adão antes de fazer qualquer coisa
certa ou errada à vista de Deus - ele não era culpado diante de Deus, mas tampouco
tinha obtido um atestado de justiça diante de Deus (GRUDEM, 606).

Quando Adão não peca, ele não encontra justiça diante de Deus, ele apenas não está em
um estado de pecado. Estaríamos neutros, mas logo sairíamos da neutralidade porque
entraríamos no pecado novamente.

O segundo aspecto da justificação é que Deus deve declarar-nos não meramente neutros
à sua vista. De fato, deve declarar-nos possuidores de méritos de perfeita justiça diante
dele. O Antigo Testamento fala algumas vezes sobre Deus a conceder tal justiça a seu
povo, embora este mesmo nunca a tivesse merecido. Isaías diz: “... me cobriu de vestes
de salvação e me envolveu com o manto de justiça” 61.10). Mas Paulo fala mais
especificamente sobre isso no Novo Testamento. Como uma solução para nossa
necessidade de justiça, Paulo informa-nos que “sem lei, se manifestou a justiça de Deus
testemunhada pela lei e pelos profetas; justiça de Deus mediante a fé em Jesus
Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem” (Rm 3.21-22). Ele diz: “Abraão creu
em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça” (Rm 4.3; citando Gn 15.6). Isso se deu
por meio da obediência de Cristo, porque Paulo diz no fim dessa extensa discussão
sobre a justificação pela fé que “por meio da obediência de um só, muitos se tomarão
justos” (Rm 5.19). O segundo aspecto da declaração de Deus na justificação, então, é
que nós temos os méritos da perfeita justiça diante dele (GRUDEM, 607).

Logo, quando somos justificados não temos apenas os pecados pagos pela via negativa,
mas também a justiça perfeita de Cristo colocada sobre nós como uma via positiva. Não
estamos apenas neutros diante de Deus como se não devêssemos nada, mas temos
mérito pela obra perfeita de Jesus. Não é um mérito pessoal que gera orgulho, mas um
que gera humildade, já que é recebido, é um mérito de outro. É o mérito de Cristo.

Por causa disso, a justificação envolve a remoção de toda a culpa e toda a penalidade.
Dizer que a justiça de Cristo nos é imputada é dizer que o Pai considera que a justiça do
Filho pertence a nós. Assim, o justificado é livre de uma vez por todas de toda a
condenação (Rm 8.1). E ainda que o justificado peque, Jesus ensinou que devemos orar
pelo perdão de nossos pecados (Mt 6.12) e nele podemos encontrar um advogado que
interceda por nós (1 Jo 2.1). A justificação não admite repetição porque Cristo não está
constantemente morrendo na cruz para nos livrar do pecado. Ele morreu uma única vez,
portanto, a justificação acontece uma única vez na nossa vida, de uma vez por todas.

A parte positiva da justificação se baseia na obediência ativa de Jesus. Se a parte


negativa, o perdão, o limpar dos pecados vem da obediência passiva, a justiça que nos é
dada, o aspecto positivo vem da obediência ativa de Jesus.

Podemos destacar dois elementos positivos da justificação: a adoção e o direito à vida


eterna. A adoção implica que os crentes não são filhos de Deus por natureza, isto é, a
expressão “somos todos filhos de Deus” está errada. A adoção é um ato legal pelo qual
Deus dar o direito ao pecador justificado de ser seu filho (Jo 1.12) e ser recebido na sua
casa. Deus é quem nos torna filhos (Ef. 1.5) através da salvação. Isso não significa que
temos um status de filho como o Filho, isto é, não alcançamos seu status de divindade,
mas implica que somos introduzidos nos benefícios de filhos assim como Jesus. Somos
tratados como Jesus seria.

A adoção ocorre simultaneamente à conversão, à regeneração, à justificação e à


união com Cristo. Ela também é a condição na qual o cristão se encontra no momento
presente. Somente os que foram justificados são adotados. Por causa disso, o cristão
pode olhar para Deus não como um senhor de escravos, mas um Pai Amoroso (Jo
15.14-15). Esse status de sermos chamados filhos de Deus deve ser visto como fruto do
amor de Deus (1 Jo 3.1). Com a adoção, Deus restaura o relacionamento perdido por
nossa culpa devido nosso pecado. Tudo aquilo que nosso pecado, obstinação e rebeldia
causaram é restaurado quando somos adotados por Deus. Não obstante, por ser pai,
Deus também é aquele que disciplina a quem ama (Hb 12.5-9) e que não nos deixa sem
castigo quando tentamos abandonar os seus caminhos.

Outro elemento da adoção é que os crentes passam a ser herdeiros de Deus e co-
herdeiros de Cristo para sermos participantes da sua glória (Rm 8.17). Isto é, a condição
de filhos adotados nos garante a vida eterna. A redenção do corpo também é chamada
de adoção (Rm 8.23), portanto também consideramos essa benção futura decorrente do
fato de termos sido feito filhos. Pelo Espírito podemos chamar Deus de Pai e ele é a
garantia de sermos herdeiros (Gl 4.6).

Alguns podem levantar a questão que Paulo e Tiago se contradizem quanto à


justificação. Ao passo que Paulo diz a justificação ocorre sem obras da lei (Rm 4.1-3) e
Tiago diz que a pessoa é justificada pelas obras, não apenas pela fé (Tg 2.24). Essa
tensão é resolvida entendendo que Paulo fala de uma justificação que transforma o
status do homem de pecador para justificado e Tiago fala de um aspecto da justificação
que testifica a fé do homem se ele de fato é crente.

Aula 13 – A Santificação

“A santificação é a obra contínua de Deus na vida dos crentes, tornando-os realmente


santos” (ERICKSON, 938). “A santificação é uma obra progressiva da parte de Deus e
do homem que nos toma cada vez mais livres do pecado e semelhantes a Cristo em
nossa vida presente” (GRUDEM, 622). Ou seja, ela é a continuação do que foi iniciado
na predestinação, passou pelo chamado eficaz e pela justificação. Muitas vezes, a
justificação é chamada de justificação é chamada de santificação passada e a
glorificação de santificação futura. Falaremos da santificação presente.

A palavra para “santo” no AT [‫ דוֹ שָק‬- qadosh] significa basicamente “separado”. Ela
transmite a ideia que o povo, objetos particulares, o Lugar Santo deveria ser separado
para Deus. No AT, o conceito é repetido várias vezes em Levítico. Todas as leis,
sacrifícios, rituais e festas tinham por objetivo a manifestação da santidade do povo, isto
é, sua separação dos outros povos. No NT, o conceito é usado por Paulo para se referir à
confusa igreja de Corinto (1 Co 1.2) e por Pedro quando este se dirige a seus leitores (1
Pe 2.9). O passo inicial da santificação envolve um rompimento com o poder do pecado
(Rm 6.11, 14). De forma que o poder do pecado não está mais sobre o crente salvo em
Cristo Jesus. O pecado tem algum poder sobre nós, mas ele não é mais nosso Senhor
(Rm 6.18). O pecado não tem mais domínio sobre os cristãos (Rm 6.14). “O
rompimento inicial com o pecado, então, envolve a reorientação de nossos desejos para
que não tenhamos mais amor pelo pecado dominando nossa vida” (GRUDEM, 623).

O processo de santificação é gradual e progressivo (Rm 6.19; Fp 1.6; Cl 3.9-10). Ela é


realizada mediante o poder de Deus em nós (1 Ts 5.23). É o poder do Espírito Santo que
impulsiona à santificação. Paulo nos direciona a andar no Espírito (Gl 5.16, 25), o que
significa andar contra as obras da carne e andar em santidade, mostrando que é o
Espírito que nos santifica. Os cristãos se inclinam para as coisas do Espírito (Rm 8.5),
estão no Espírito (v.9), o Espírito habita neles (v.14), dá testemunho de que são filhos
de Deus (v.16), intercede por eles (v.26-27). Em resumo, é o Espírito que gera no crente
a semelhança de Cristo.

Ainda assim, o crente não é meramente passivo na santificação. Paulo afirma que o
crente deve desenvolver a salvação com temor e tremor sabendo que é Deus quem opera
em nós tanto o querer como o efetuar (Fp 2.12-13). Nós desenvolvemos a salvação
sabendo que Deus opera em nós a santificação. Desenvolvemos nossa salvação – uma
linguagem usada para santificação – sabendo que quem opera esse desenvolvimento em
nós é o próprio Espírito Santo. Deus manda evitarmos o mal (Rm 12.9, 16, 17). Essa é
uma responsabilidade do crente sabendo que é Deus que nos dá força para evitar esse
mal. Devemos mortificar os desejos da carne (Rm 8.13) e apresentar nosso corpo como
sacrifício vivo (Rm 12.1-2). Porém, isso tudo só pode ser feito na dependência do poder
de Deus.

Deve também ser destacado que a santificação é algo que acontece de forma
corporativa, ou seja, o crente precisa estar inserido na comunidade para se santificar de
forma plena e real (Hb 10.24-25; 2 Pe 2.9; 1 Ts 5.11; Ef 4.1). A santidade é um fruto do
Espírito e ele trabalha na comunidade dos salvos (Gl 5.22-23). Lemos que quando
deixamos de congregar perdemos a exortação mútua que nos mantém firmes no
caminho da santificação (Hb 10.25). Na santificação demonstramos nosso amor por
Deus. Na santificação, manifestamos as boas obras que foram destinadas desde antes da
fundação do mundo (Jo 14.15, 21; 1 Jo 5.3). O Deus que nos predestinou à salvação é o
mesmo que nos predestinou às boas obras. Ao demonstrar nossa obediência a Deus e
nosso amor uns pelos outros, provamos ao mundo que somos verdadeiramente filhos de
Deus. A obediência é a prova do nosso amor por ele. Por meio dela podemos saber que
estamos de consciência limpa diante de Deus (Rm 13.5; 1 Tm 1.5, 19; 2 Tm 1 .3; 1 Pe
3.16). Somos utensilios de honra para glória do nosso Senhor (2 Tm 2.20-21.).

Aula 14 – A doutrina do perfeccionismo

O crente pode ser perfeito na sua obra de santificação nessa vida? A santificação pode
se manifestar de forma total e completa nessa existência ou sempre será uma obra
incompleta?

Sobre essa pergunta, Grudem responde o seguinte:

Por causa do pecado que ainda permanece em nosso coração, embora tendo-nos tornado
cristãos (Rm 6.12-13; IJo 1.18), nossa santificação nunca se completará nesta vida. Mas
uma vez que morramos e estejamos com o Senhor, então nossa santificação se completa
nesse sentido, porque nossa alma é libertada do pecado que habita em nós aperfeiçoada
(GRUDEM, 625)

Entretanto, alguns teólogos defendem que é possivel uma plenitude de santificação em


vida. John Wesley é um desses. Ele afirma que o perfeccionismo é

Aquela habitual disposição da alma que, nos escritos sagrados, é chamada de santidade
e que implica diretamente em ser limpo do pecado, “de toda sujeira tanto da carne
quanto do espírito”; e, por consequência, ser suportada com aquelas virtudes que
estavam em Cristo Jesus; ser tão “renovado à imagem de nossa mente” como ser
“perfeito como nosso Pai nos céus é perfeito” (PACP, 12).

Diz também que

Nessa perfeição, glória e felicidade, a lei real dos céus e da terra é essa “Amem o
Senhor seu Deus com todo seu coração, com toda sua alma, com toda sua mente e com
toda sua força”. O bem único perfeito será seu fim último”.

Ele diz claramente que perfeição é a “libertação do pecado interno e externo”.

E ainda [pessoas perfeitas] são livres da vontade própria desejando nada além da
vontade santa e perfeita de Deus...continuamente chorando no intimo da sua alma, “Pai
seja feita a tua vontade”. São livres de maus pensamentos, de tal forma que não entrem
neles, não, nem por um momento. Outrora, quando um pensamento mal vinha, eles
olhavam e ele sumia. Mas agora ele não vem, não há espaço para isso numa alma que é
cheia de Deus.

Agora eles veêm todas as abominações escondidas aqui, as profundezas do orgulho,


obstinação, contudo tendo testemundo em si mesmos...o que intensifica continuamente
tanto o forte senso que eles têm agora de sua inabilidade de ajudar a si mesmos e a fome
inexpressível que sentem depois de um completo renovo à Sua imagem em “justiça e
verdadeira santidade”...Agora, Salvador, restaura o poder agora e permita-me cessar de
pecar (APUD Geisler, 576)

Com isso, John Wesley deixa muito claro que é possível largar de forma completa e
absoluta o pecado nessa vida. Ele chega a falar de forma ainda mais clara quando diz o
seguinte:

É igualmente evidente que se qualquer pecado permanece, não somos limpos de todo
pecado. Se qualquer injustiça permanece na alma, ela não é limpa de todo pecado. Se
qualquer injustiça permanece na alma, ela não é limpa de toda injustiça. Nem permita
que ninguém diga que isso se relaciona somente à justificação; ou à limpeza da culpa do
pecado feita em nós. (APUD Geisler, 576)

Segundo ele, qualquer crente pode alcançar a perfeição nessa vida e se plenamente
limpo de todo e qualquer pecado. Não apenas posicionalmente diante de Deus na
justificação, mas no nosso próprio comportamento de santificação. Ele chega a dizer
que “Santo João afirma [a perfeição] expressamente; e não pode ser desaprovado pelos
exemplos do Antigo Testamento”.

Wesley também tentou corrigir algumas más interpretações acerca do perfeccionismo


dizendo que alguém pode ser absolutamente perfeito e sem pecado e, contudo, “não
estar livre das enfermidades, tais como fraqueza ou lentidão de entendimento, agilidade
irregular ou peso de imaginação” nem “impropriedade de linguagem, deselegância de
pronúncia; a o que pode-se adicionar milhares de defeitos, quer na conversação ou
comportamento” (APUD Geisler, 579). Desde que esses comportamentos não sejam
pecaminosos. Ou seja, a doutrina da perfeição cristã não diz que o homem é sem
defeitos, diria que o homem é sem pecado.

Wesley admtiu que mesmo apóstolos lideres como Pedro e Paulo não alcançaram a
perfeição de forma plena em suas vidas (Geisler, 579).

Wesley diz que a santificação interna começa

No momento que um homem é justificado. (Contudo, o pecado permanece nele, sim, a


semente de todo o pecado, até ele ser santificado completamente). A partir desse ponto
um crente gradualmente morre para o pecado e cresce em graça...mas pode ser mais
cedo? Por que não? Pois, ainda que admitamos (1) que a generalidade dos crentes, os
quais temos até agora conhecido, não foram tão santificados até perto da morte; (2) que
poucos daqueles a quem São Paulo escreve suas epístolas eram assim naquele tempo,
(3) Ele próprio no tempo da escrita de suas antigas epístolas; ainda assim tudo isso
prova, que não podemos ser assim hoje (APUD Geisler, 579).
Os eruditos wesleyanos debateram quer santificação por completo ou a perfeição cristã
nessa vida é uma questão de erradicação ou empoderamento – isto é, se o pecado é
destruído ou meramente suprimido. Entretanto, Wesley acreditava que crentes podem
alcançar um status de perfeição e que ele deveria procurar por isso hoje já que isso é
alcançável antes da morte (Geisler, 579-580)

B.B.Warfield deu algumas respostas ao perfeccionismo de Wesley. Ele diz que:

O perfeccionismo é uma santificação de solução rápida. Para ele, o perfeccionismo leva


a uma passividade onde Cristo faz o trabalho e nós ficamos como observadores. Isso
levaria a uma cessação de esforço moral da nossa parte. Ao contrário, ele afirmou que
somos ativos no processo de santificação por meio da capacitação do Espírito de Deus
que habita em nós.

Warfield também disse que o perfeccionismo leva a uma especie de misticismo e até
mesmo panteísmo. Uma vez que ele opera tudo em nós, inclusive nosso ato de crer e
nossa permanência na justificação e santificação, criticando a proposta perfeccionista de
A.B. Simpson. Para Warfield, isso é uma espécie de Deus em tudo que não permite
espaço para o esforço humano dentro do processo da santificação que é apresentada no
NT em termos sinergísticos, não monergísticos. Uma vez que a entrada na salvação é
monergistica – monergismo vem de um só agindo. A santificação é sinergística. Somos
homens de Deus agindo em direção a essa nossa salvação. Nós operamos e
desenvolvemos a salvação porque Deus realiza isso em nós num trabalho conjunto. Ao
contrário da entrada na salvação na perspectiva calvinista. Dizer que tudo é um trabalho
exclusivo de Deus é como se Deus estivesse operando tudo na existência e fôssemos
apenas observadores passivos da existência. Para Warfield isso é um tipo de panteísmo
religioso.

Warfield também argumenta que o perfeccionismo abre a porta para o antinomismo –


anti vem do grego que significa contra e nomos é lei, ou seja, algo contrário à lei, que
nega a lei. A doutrina do perfeccionismo vai mostrar que a lei é inútil e que não
precisamos nos preocupar com isso já que naturalmente seremos levados a esse estado
de perfeição.

Ele também fala que o perfeccionismo diminui o pecado porque limita o estado de
perfeição aos pecados conhecidos. Ou seja, a pessoa para de pecar aquilo que sabe que é
pecado. O problema disso é que podemos ser enganados pelo nosso próprio coração.
Muitas vezes, não reconhecemos como pecado as coisas que praticamos enquanto as
praticamos. Além disso, o próprio Satanás pode nos fazer pensar que não é pecado algo
que é realmente pecaminoso.

Essa doutrina vem da interpretação errada de alguns textos que falam de perfeição
(τελειοι) que pode ser traduzido como aperfeiçoado, perfeito, pleno ou completo. Os
crentes alcançam uma perfeição quando são salvos, mas isso não significa o que o
Wesley tenta fazer parecer que significa.

A palavra τελειοι, em Mateus 5.48, não significa “sem defeito” ou “sem mancha”.
Antes, significa “completo”. Portanto, é bem possivel ser “perfeito” sem estar
totalmente livre do pecado” (ERICKSON, 943). Isso não desmerece a busca pela
liberdade completa do pecado. Paulo nos informa que podemos fugir das tentações (1
Co 10.13). João (1 Jo 1) nos ensina a andar na luz buscando o perdão de nossos
pecados. Assim, diz Erickson novamente que “embora a completa liberdade do pecado e
a vitória total sobre ele sejam o padrão a ser almejado e teoricamente possível, é
duvidoso que qualquer crente consiga atingí-lo nesta vida” (943). Grudem nos informa
de 3 etapas no processo de santificação:

o processo da santificação , mostra que somos escravos do pecado antes da conversão,


(1) que há um começo definido da santificação no momento da conversão, (2) que a
santificação deve aumentar no decorrer da vida cristã, e (3) que a santificação é
aperfeiçoada na morte (GRUDEM, 625).

Assim, o crente olha para a plenitude como aquilo que ele realmente é em Cristo Jesus
na sua justificação, mas que ele não é em sua santificação de forma plena. Nós ainda
seremos quem realmente somos em Cristo. Nossa posição diante de Deus ainda não é
quem somos nesse mundo, mas o seremos quando formos glorificados no último dia.
Buscamos ser cada vez mais santos enquanto vivemos porque é isso que somos em
Cristo Jesus e é isso que seremos de forma plena quando formos glorificados com ele
nos céus.

Aula 15 – Deificação e glorificação

Para muitos teólogos, deificação e glorificação significa fundamentalmente a mesma


coisa, mas são linguagens bem distintas para falar de fenômenos futuros na vida do
crente. Deificação é um conceito fundamentalmente oriental. A Igreja Ortodoxa
Oriental se refere ao conceito da deificação (theosis), o qual, segundo eles, é onde “nos
tornamos pela graça, em um processo tão sem limites como sem limites é Deus, o que
Deus é por natureza”. A ideia é que nos tornaremos o que Deus é em sua natureza nesse
processo futuro que receberemos nos céus. Seria relacionado a adquirir atributos
sobrenaturais na nossa salvação futura.

Os teólogos orientais cuidam bem para que isso não seja confundido com nenhum tipo
de panteísmo. Eles não acreditam que a crente partilha da mesma essência de Deus, mas
de suas energias, segundo Gregório Palamas, que são um modo de existência de Deus
distinto de sua essência. Já John Zizioulas afirma que o conceito implica uma
participação na vida de Cristo. O objetivo é que a vida pessoal que é constatada em
Deus possa também ser percebida no nível da existência humana.

Deificação nem de longe é um conceito errado, por mais que soe de forma esquisita a
ouvidos ocidentais.O problema com o termo é que teólogos não-ortodoxos têm utilizado
essa terminologia para dizer que os crentes são ou serão participantes da natureza divina
ao ponto de se tornarem como deuses unicamente por estarem unidos a Cristo na
salvação.

Um dos exemplos desses teólogos é F.W. Norris. Já a maior parte dos evangélicos “que
emprega a terminologia da deificação a utiliza de forma mais metafórica do que literal,
em comparação a seu uso pela Igreja Ortodoxa, e eles estão realmente falando do que
tradicionalmente tem sido explicado como a união com Cristo” (ERICKSON, 946).

A linguagem mais ocidentalizada e talvez um pouco mais teológica a partir da Escritura


é glorificação. A glorificação teologicamente falando seria o estágio final da salvação.
Essa glorificação contemplaria tanto a escatologia individual quanto a escatologia
coletiva. Falaria tanto da nossa salvação futura quanto da salvação futura de todas as
coisas.

Grudem define glorificação como:

o passo final da aplicação da redenção. Ocorrerá quando Cristo voltar e levantar dentre
os mortos o corpo de todos os cristãos que morreram, de todas as épocas, reunindo-o
com a alma de cada um, e mudar o corpo de todos os cristãos que estiverem vivos,
dando assim, ao mesmo tempo, a todos os cristãos um corpo ressurreto como o seu
(GRUDEM, 695).

Teremos corpos radiantes. Comparar esse novo corpo com o nosso atual, seria comparar
o brilho das estrelas com o brilho do próprio sol. Esse é um corpo de desonra, mas
teremos um corpo de honra. Esse é um corpo de fraqueza, mas teremos um corpo de
força na glorificação final dos céus.

É o que vemos quando Paulo disse que “aos que predestinou, a eles também chamou; e
os que chamou, a eles também justificou; e os que justificou, a eles também glorificou”
(Rom 8.30). No grego, não temos uma ideia temporal de passado, mas um progresso
que se dá na vida do salvo.

A glorficação aparece como o passo final da salvação. Paulo também escreveu aos
Coríntios que “nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados; Num
momento, num abrir e fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará,
e os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos transformados” (1 Coríntios
15:51-52). Ou seja, nem todos vão morrer, porque alguns vão passar por essa
transformaçã física antes de encontrar a morte. Todos os mortos serão transformados
assim como os vivos. Teremos corpos incorruptíveis. Essa glorificação acontecerá no
momento escatológico de Cristo. No seu retorno em sua segunda vinda (Mt 25.31).

Um dos principais aspectos da glorificação é a vindicação plena e final do cristão. Nela,


crente será aperfeiçoado em todo seu ser, será livre de todo pecado e de toda tentação
para ele (Ap 20.7-10), recebendo um novo corpo preparado para vida eterna.

O fato de que o nosso corpo será “incorruptível” significa que ele não se desgastará, não
envelhecerá e não estará sujeito a nenhuma enfermidade ou doença. Será para sempre
um corpo plenamente saudável e forte. Além disso, visto que o envelhecimento gradual
faz parte do processo pelo qual o nosso corpo está agora sujeito à “corrupção”, é certo
pensar que o corpo da ressurreição não terá sinais de envelhecimento, mas terá
perpetuamente as características da juventude acompanhadas de maturidade como
homens e mulheres. Não haverá sinal de doença nem de dor, pois todos seremos
perfeitos. O nosso corpo ressurreto mostrará o cumprimento da plena sabedoria de Deus
ao criar-nos como seres humanos, ápice de sua criação, portadores adequados de sua
imagem e semelhança. Nesse corpo ressurreto veremos o que Deus pretendia que
fôssemos enquanto seres humanos (GRUDEM, 698).

Estaremos preparados para a eternidade diante da face gloriosa do Senhor. Paulo afirma
que esse corpo será espiritual, mas não no sentido de ser não-físico, mas de que foi
totalmente transformado pelo Espírito Santo. E assim como o corpo de Jesus após a sua
glorificação apresentou certa continuidade depois de sua ressurreição, ou seja, não é
uma nova face, uma nova feição completa e absoluta. É ainda o mesmo corpo, mas
ainda um tanto diferente e superior, o nosso corpo glorificado também apresentará
continuidade com o nosso corpo terreno e presente. Características tribais e raciais
provavelmente vão continuar plenas nos céus quando estivermos com o Senhor, uma
vez que Apocalipse 21 mostra os povos de Deus. Apocalipse mostra o tempo todo
povos de toda lingua e nação louvando o Senhor.

O fator conhecimento também está envolvido na glorificação. Nossos cérebros também


serão transformados. A revelação será ainda maior. Paulo afirma que o que hoje é
conhecido já que por enquanto vemos como que por um espelho (1 Co 13.12). E até a
criação será redimida através da obra perfeita de Cristo Jesus. A redenção dos filhos de
Deus na glorificação trará a redenção da nova terra onde habitaremos para sempre com
o trono de Deus diante dos homens (Rom 8.19, 22-23).
Eclesiologia: a doutrina da igreja
Aula 1 – O que é a igreja

Eclesiologia fala sobre a doutrina da igreja. Todo domingo os cristãos se reúnem nas
suas igrejas para celebrar ao Senhor. Lá é onde nós louvamos, onde nós ouvimos
pregações participamos da Ceia do Senhor e onde todo aquele que professa o nome de
Jesus é batizado. É na igreja que nós clamamos para que Jesus Cristo volte e nos leve
para viver com ele. É na igreja que nós temos comunhão íntima como irmãos. A igreja
também sofre perseguições, torturas, mortes e já esteve muitas vezes, aparentemente,
prestes a Deixar de existir. É a igreja que muitas vezes presta assistência aos
necessitados que são desprezados pela sociedade comum. A igreja é o povo de Deus que
foi salvo pelo sacrifício de Cristo.

Diante disso é imprescindível que conheçamos a igreja, a sua origem, suas funções, suas
práticas e suas tarefas. Neste módulo você vai aprender sobre a instituição mais
importante da terra. Uma instituição que não é edificada por mãos humanas, mas pelas
mãos do próprio Cristo.

Nessa primeira aula a gente vai falar brevemente sobre o que é igreja. O termo “igreja”,
conforme nós usamos hoje, provém da palavra grega ekklesia. A tradução
para ekklesia é “assembléia”, é a palavra usada para uma reunião de pessoas, é um
ajuntamento. Alguns tentam dar significado de ekklesia através de uma falácia exegética
muito famosa que é decompor a palavra em outras palavras menores para tentar
descobrir o seu significado. No grego, ek seria “para fora” e kletós significaria “chamar”
. É o verbo grego para chamar alguém. Ekkletós ou ekklesia seria então chamar para
fora” ou” ser chamado para fora”. Nesse sentido igreja seriam aqueles foram chamados
para fora para pregar a boa nova, para sair das quatro paredes, ou o que é que seja. Mas
isso não faz nenhum sentido. Claro que esse é um curso de exegese ou de grego do
Novo Testamento, mas é importante saber que esse é um recurso muito errado para você
dar sentido às palavras do grego.

O significado da palavra se limita falar de um grupo de pessoas que se reúnem em prol


de alguma coisa. O termo ekklesia era usado para assembléias seculares. Assembléias
judaicas, assembléia políticas. A palavra para igreja vem do ajuntamento de cristãos
reunidos em nome do Senhor. Ora, afinal de contas, não é isso que nós somos como
igreja? Pessoas reunidas para se edificarem, se servirem, se ajudarem e então darem
glórias ao nome do nosso Deus.

Filósofos como Heródoto, Tucídites, Xenofonte, Platão e Eurípedes já usavam a


palavra ekklesia para se referir à assembléia de cidadãos que se reunia com determinada
frequência em suas obras. A palavra é usada nesse sentido. O mesmo significado pode
ser encontrado no livro de Atos com qualquer reunião de pessoas sendo tratada por
um ekklesia.

É curioso que no Novo Testamento as ocorrências de ekklesia estejam distribuídas de


forma um tanto desproporcional. Nos Evangelhos, ocorre duas vezes em Mateus. A
palavra não ocorre em 2 Timóteo, Tito, 1 e 2 Pedro, 1 e 2 João e Judas. No entanto, não
podemos supor que a ausência da palavra significa ausência do conceito. Como se o
significado da igreja e dessa reunião de santos não estivesse lá porque a palavra em si
não é usada. No Novo Testamento, a palavra ekklesia pode se referir à congregações de
locais, à comunidade dos redimidos, à igreja invisível e universal. O seu conceito está
presente quando, em 1 Pedro 2.9, ele fala de geração eleita, sacerdócio real, nação santa,
povo adquirido para anunciar as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a
maravilhosa luz. Por mais que não se fale, às vezes, diretamente da palavra ekklesia, o
conceito de igreja ou de povo de Deus ali está.

No cristianismo primitivo, o conceito não estava limitado à mera organização ou


assembléia qualquer, mas passou a ter um conteúdo teológico no seu significado.A
palavra ekklesia não é usada para falar diretamente do prédio da igreja ou de uma
influência cristã na sociedade, mas de grupos locais que se reuniam em torno de Jesus
para louvá-lo através de receber da sua palavra, participar da ceia e do batismo, e viver
em comunhão dos santos A palavra também é usada para falar do povo de Deus reunido
ao longo das eras. Nós somos igreja e somos igreja quando estamos reunidos em torno
de Jesus. Você já é igreja? Você já faz parte de uma igreja e já congrega como membro
de uma igreja?

Aula 2 – A origem da igreja

Os teólogos diferem muito quanto à origem da igreja. Alguns vão dizer que a origem
dela deriva já do Antigo Testamento, chegando a dizer que a igreja começa com Adão e
Eva. Alguns vão dizer que Israel era a igreja do Antigo Testamento. Outros vão dizer
que a igreja começa a partir do Pentecostes em Atos 2 e essas são as duas posições
principais que a gente vai trazer nessa aula.

É comum que presbiterianos e reformados de forma geral argumentem que a igreja


começou no Jardim do Éden. Mauro Master, por exemplo, dos grandes nomes do
presbiterianismo no Brasil, argumenta que Adão e Eva eram os primeiros crentes e que,
ainda que eles tenham pecado, foram alvos a graça de Deus e creram na promessa do
descendente que viria para pisar na cabeça da serpente (Gn 3.15). . Assim, para o
Mauro, o que consiste ser igreja é ser crente na palavra de Deus. Dessa forma, ele
continua dizendo que a grega se desenvolveu primariamente como o povo de Israel e
esse povo atuou como igreja no Antigo Testamento. Quando Jesus vem, ele muda o
rumo dessa igreja estabelecendo novos meios de operação. Esse novo rumo seria dado
nos Evangelhos, mostrado historicamente no livro de Atos e esclarecido teologicamente
nas epístolas que vem depois. Herman Bavinck, como um dos clássicos dos reformados,
argumenta que "sob a dispensação do Antigo Testamento Israel era o povo que havia
sido reunido e convocado para o serviço de Deus. No Novo Testamento, então, o povo
de Israel seria substituído pela Igreja, que agora é a nação santa, o povo escolhido, o
sacerdócio real" (BAVINCK, 300-301). . Ou seja, uma vez que o Antigo Testamento
usa a palavra Hebraica qahal para falar do povo reunido e no grego nós
temos ekklesia para dizer a mesma coisa, no sentido de povo reunido, ou assembléia, as
expressões então apontariam para a mesma realidade. Assim, qahal e ekklesia seriam a
mesma coisa: a igreja como povo de Deus.

Para Bavinck, igreja é essencialmente "um termo desse mundo, uma comunhão de
pessoas dotadas de ofício e ministério que funcionam no mundo visível como povo
reunido de Deus. A igreja consequentemente é o meio pelo qual Cristo distribui os
benefícios do reino e lança os alicerces para a sua conclusão" (BAVINCK, 302).
Portanto a igreja seria o povo de Deus, fosse no Antigo ou no Novo Testamento. A
igreja, então, "abrangeria todos que foram salvos pela fé em Cristo ou que virão a ser
salvos dessa maneira" (BAVINCK, 304). Como o povo do Antigo Testamento foi salvo
pela fé em Cristo - como você viu em sotereologia - então o povo do Antigo Testamento
também seria igreja. Portanto, vai dizer Herman Bavinck, "pertencem à igreja todos os
crentes que viveram nesta terra desde a promessa feita do Paraíso até esse exato
momento e que foram levados não para o limbo ou para o purgatório, mas para o céu"
(BAVINCK, 305). Os crentes que vivem hoje na terra e os que viverão até a volta de
Cristo também fazem parte dessa igreja. É o famoso do sistemático Louis Berkoff que
vai afirmar que o povo de Israel não só se organizou como nação, mas também se
constituiu igreja mesmo que ele não fosse "uma organização independente tendo sua
existência e institucional na vida nacional de Israel" (BERKHOF, 524). Na sua
organização externa, a igreja possuiria tantos crentes verdadeiros como crentes falsos e
a diferença entre Antigo e Novo testamento seria essa divisão entre o aspecto nacional e
o aspecto organizacional independente da igreja da Cidade-Estado.

Franklin Ferreira e Alan Myatt têm uma posição pouco mais descontínua acerca do uso
de qahal e ekklesia no Novo Testamento para falar de igreja e do povo de Israel. Eles
dizem que o Antigo Testamento não contém uma noção de igreja plenamente
desenvolvida. Num sentido preciso, não é correto falar de igreja no Antigo Testamento,
pois o povo de Deus existia num contexto político-nacional sem paralelo com o Novo
Testamento. Não obstante, o conceito de povo de Deus, Israel, mostra o início de ideias
centrais para entender a natureza da igreja. Ou seja, você não teria igreja no Antigo
Testamento, mas uma instituição que lançaria luz sobre o que significa, de fato, ser
igreja no Novo Testamento, já que, no antigo pacto, a relação do povo de Deus é muito
diferente. Ela é nacionalista e ainda muito focada ainda em etnia e raça, enquanto no
Novo Testamento nós temos uma instituição que é independente das forças nacionais
étnicas.

Franklin Ferreira e Alan Myatt usam o conceito de qahal para falar da congregação do
povo de Deus como Israel no Antigo Testamento (Êx 35.1; Nm 20.4, 6; Dt 9.10). Eles
também citam o uso da palavra hebraica êda, que também significa congregação ou
assembléia usada para falar da comunidade religiosa nacional a qual alguém
pertencia (Êx 12.3; Nm 16.9, 26; 31.12). As palavra são basicamente sinônimos. Além
disso, a septuaginta traduziria qahal como ekklesia. Já no Pentateuco, com exceção de
Deuteronômio, o termo hebraico é traduzido para o grego como synagogue.

No Antigo Testamento, há algumas imagens da congregação constituída pelo povo de


Deus (Êx 6.7; 19.5; Lv 26.12; Jr 30.22; Ez 36.28; Os 2.23). Alguns vão argumentar que
a descrição do povo de Israel no Antigo Testamento e as descrições da igreja no Novo
Testamento são um tanto intercambiáveis e parecidas. No Antigo Testamento, nós
vemos que o povo de Israel era congregação constituída pelo povo de Deus, apresentada
como edifício de Deus (Êx 25.8; Sl 132; 135). Israel sendo escolhido por Deus para dar
testemunho às nações (Dt 7.7; Is 42.1). . Deus estando no controle de tudo ainda que
Satanás e o pecado afetassem o mundo e afetassem o próprio Israel e eles passassem por
períodos de idolatria (Sl 93.1; 95.3; Êx 15.18; Is 43.15). Ainda assim esse seria o povo
de onde surgiria o Messias que reivindicaria sua soberania.

Essas seriam características, vão argumentar alguns sistemáticos como próprio para
Ferreira e o Alan Myatt que há ampliação disso para o povo da igreja no Novo
Testamento. É uma evidência favorável a uma continuidade espiritual entre o povo do
Antigo Testamento e o povo do Novo Testamento. Eles vão dizer que, apesar de serem
partes de duas instituições, diferentes a unidade do Povo de Deus justifica a conclusão
de que ambos são membros de um único corpo em Cristo: a igreja invisível, que inclui
todos os remidos de todos os tempos (FERREIRA e MYATT, 947). Eles ainda dizem
que "no modelo do povo de Deus reunido na congregação de Israel podemos ver a
sombra da realidade que haveria na igreja de Jesus Cristo com a revelação plena da
Nova Aliança" (FERREIRA e MYATT, 948). mas mesmo assim o Franklin Ferreira e o
Alan Myatt vão apresentar algumas distinções na congregação do povo de Deus entre os
Testamentos. No Antigo Testamento, eles vão argumentar que existe uma adoração
centralizada em Jerusalém, mediadores de Deus e o povo - como levitas, sacerdotes e
sumo sacerdotes - festas religiosas e o sábado, enquanto no Novo Testamento adoração
era descentralizada, ela não estava restrita um só local, não era neste ou naquele monte,
mas em espírito em verdade. Todo cristão seria, ele mesmo, um sacerdote e não havia
mais necessidade das festas nacionais e da guarda sabática

Ainda há quem seja ainda mais discutindo na percepção entre as duas alianças. Há quem
defenda que Israel e a Igreja são duas instituições totalmente diferentes onde a igreja
não é uma substituição do povo de Israel, ela não é o novo Israel, e Israel não é a igreja
do Antigo Testamento. Norman Geisler entende que mesmo que a igreja tenha sido
planejada desde a eternidade passada (Efésios 1.4; cf 2 Co 5.17), a igreja na terra
começou depois do tempo de Cristo, ainda que o Antigo Testamento tenha feito a
preparação para a vinda da igreja.

Geisler diz o seguinte: a igreja envolve o mistério que não foi entendido no Antigo
Testamento (Ef 3.1-5 cf. Cl 1.26). Também podemos constatar que de acordo com a
promessa que foi feita a Abraão (Gn 12.1-3) algumas das bençãos feitas a eles são
herança de crentes no Novo Testamento. Nós, os membros da igreja, somos a semente
espiritual de Abraão . Dessa forma, as Escrituras previriam, já no antigo testamento, a
justificação dos gentios pela fé (Rm 4.13-16), além de falar da Nova Aliança, a qual
seria aplicada à igreja (Jr 31.31-33). Essas bençãos seriam dadas a igreja através da
habitação do Espírito Santo e da lei que ser escrita o coração dos crentes (2 Tm 1.14; 2
Co 3-6).

Jesus é prometido ser o redentor dos judeus, assim como dos gentios (Is 42.6; 49.6;
60.3). Dessa forma, Norman Geisler vai afirmar que não era um mistério no Antigo
Testamento que o gentios sejam trazidos para uma comunidade redentiva de Deus. Era o
mistério como judeus e gentios seriam unidos como co-herdeiros em um corpo, a Igreja
de Cristo. Logo, para ele, a igreja seria esta instituição que uniria o povo de Deus no
Antigo Testamento e os salvos do Novo Testamento. Por isso, a igreja teria surgido em
Pentecostes (At 2). Ele, então, dá quatro motivos para isso.

1. A igreja envolve o mistério não conhecido nos tempos do Antigo Testamento.


Interpretando Paulo, ele vai afirmar que a igreja não existiu no Antigo
Testamento, nem foi prevista como tal, porque era um mistério que judeus e
gentios seria unidos em um corpo, co-herdeiros das bênçãos de Deus. Esse
mistério só foi revelado de forma posterior(Ef 3.1-6). O fato de ser um
ministério implicaria que estava oculto antes e que agora foi revelado. Tal
revelação aconteceu no tempo do Novo Testamento. A igreja foi fundada pelos
Apóstolos e como não havia apóstolos no Antigo Testamento, não havia igreja
ainda. Cristo é a pedra angular dessa igreja (Ef 2.20), então a igreja não poderia
ser fundada antes. No Antigo Testamento, os gentios eram separados a
comunidade de Israel e estrangeiros com relação às alianças das promessas (Ef
2.12), então eles não estavam fixos na igreja como estão agora.
2. Jesus mesmo disse que a igreja seria a realidade futura (Mt 16.17-18). Ele
edficaria a sua igreja, portanto ela não existia antes disso. Ela é construída por
Jesus. Portanto, teria ser posterior a vinda de Cristo. Como ele não estava
fisicamente presente no antigo testamento não havia uma igreja.
3. As referências a ekklesia na septuaginta não se referem à igreja do Novo
Testamento. O termo também usado, por exemplo, para descrever uma multidão,
assembléia de israelitas no Monte Sinai (At 7.38) , uma assembléia que louva ao
Senhor (Hb 2.12; Sl 22.22). Essas descrições, ainda que utilizem a palavra para
descrever o que acontecia, não apresentam semelhanças com a natureza da igreja
do Novo Testamento.
4. A igreja surge com o derramar do Espírito Santo e isso aconteceu em
Pentecostes (At 2; 1 Co 12.13, 27 cf Jo 7.39). Os dons existem para operar na
igreja(Ef 4.11-12) e não foram dados até o dia de Pentecostes .

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

GEISLER, Norman. Systematic Theology: Volume Four.Grand Rapids: Baker


Publishing House

MEISTER, Mauro. Como a igreja continuou.


<https://www.youtube.com/watch?v=3ksPodHcUnI> Vizualizado em 24/09/2019

Aula 3 – A natureza da igreja

A Igreja é uma realidade que carece de várias analogias para nós podemos captar a
grandeza do significado do que ela representa. A Bíblia apresenta várias analogias para
falar da natureza na igreja.

Ela é descrita como o corpo de Cristo (1 Co 12.12-27): ela é vista como uma unidade,
como um corpo e também uma diversidade tendo muitos membros.Todos os crentes
estão unidos nela como único organismo vivo em um relacionamento de mutualidade já
que esses membros edificam uns aos outros.

A igreja também da escrita com a noiva e a esposa de Cristo (Ef 5.24-25; Ap 21.9):
Cristo é descrito como um noivo e o marido da igreja. Ele é aquele que se sacrifica por
ela e que vem buscá-la para as suas bodas. Nós estamos em um relacionamento íntimo
com esse Jesus. No antigo testamento, a idolatria era descrita como um adultério
espiritual porque os homens estavam se separando e quebrando um relacionamento de
amor com Deus.

Nós somos tratados como primogênitos (Hb 12.23): como os primeiros frutos, os
primeiros filhos Jesus o mediador da Nova Aliança que ajunta para si nomes nos céus.
Ele é o primeiro dentre os mortos e assim a igreja também ressuscitará com ele, uma
vez que ele foi abrindo o caminho desse trabalho e desse serviço.

Nós somos o edifício de Cristo (Ef 2.20; 1 Pe 2.7): Ele é a Pedra Angular na qual a
igreja está posta sobre. Nós somos uma casa espiritual edificada e construída pelo Cristo
(1 Pe 2.5).

Nós somos sacerdócio Santo (1 Pe 2.5): Diferente do antigo testamento, onde poucos
eram sacerdotes, na igreja todo crente é um sacerdote porque Cristo é o sumo sacerdote
em prol de todos nós.

Somos sacerdócio real (1 Pe 2.9): Não apenas um sacerdócio santo, separado e


exclusivo, mas o sacerdócio real, sentido de reis. Esse aspecto enfatiza a natureza de
Jesus como Rei sobre cada um de nós. Ele é o rei dos reis, o Senhor dos senhores, O
Sacerdote dos sacerdotes. Nós estamos debaixo de seu reinado e intercessão.

Somos também povo escolhido (1 Pe 2.9 cf Ef 1.4): a igreja faz parte desse povo de
Deus. Aqueles que desfrutarão de suas promessas, herança e salvação para sempre.
Somos escolhidos por ele desde antes da fundação do mundo para estarmos unidos com
ele para sempre.

Nós somos tratados por rebanho (Jo 10; At 20.28): Um rebanho de ovelhas cujo sumo
pastor é o próprio Jesus Cristo. Ele cuida de nós, ele nos alimenta, ele nos salva do
perigo, ele nos adverte, ele sai em nossa busca. Ovelhas costumam ser mais um tanto
estúpidos, um tanto carentes que precisam de cuidado e talvez não haja ilustração
melhor para os cristãos do que ovelhinhas do Deus vivo.

A igreja é descrita como sendo o grupo de amados de Deus (1 Ts 1.4), como a noiva(Ef
5.27; Ap 19.7) cujo noivo é Cristo, como um corpo (1 Co 12.12, 27), um santuário de
Deus (1 Co 3.16) e habitação do Espírito Santo (Ef 2.22). São analogias que mostram a
riqueza da natureza da igreja. Essas analogia servem, justamente, para poder lançar luz
sobre várias características da igreja que, às vezes, como proposições simples são
difíceis de serem interpretadas e precisam serem vistas como imagens para poder
chamar mais atenção de cada um de nós, explicando melhor cada um desses aspectos.

Diante disso, a igreja possui uma característica dual. Ela é tanto espiritual quanto social.
Ela é espiritual, porque Paulo declara que a nossa cidadania está no céus (Fp 3.20). João
fala daqueles que nasceram de novo ou nasceram de cima (Jo 3.3,7). A igreja é uma
realidade espiritual cuja as portas da morte não podem vencer sobre ela. A igreja não é a
meramente uma reunião de pessoas, mas ela também tem essa realidade social de ser
uma reunião de pessoas. Por ser composta de indivíduos, a igreja não deixa de ser uma
assembléia que se reúne com propósito único. Nesse sentido, a igreja pode ter os seus
intrusos, pessoas que se intrometem na comunidade e vivem dentro o povo, mas que de
fato não são salvos. Na realidade local da igreja, haverá pessoas salvas e pessoas não
salvas. Porém, a gente tem que sempre lembrar que o Senhor conhece aqueles que lhe
pertencem (2 Tm 2.19). Nesse sentido, não existe igreja local perfeita. Embora isso não
seja desculpa para admitir libertinagem e mau uso da graça de Deus, o completo
extermínio do mal só vai acontecer na volta de Cristo quando ele separar os bodes das
ovelhas, quando ele tirar o joio no meio do trigo. Até lá, através da pregação fiel, das
ordenanças e das disciplinas espirituais é que a Igreja será, de fato, edificada não através
de um esforço meramente humano, mas através do poder do próprio Deus.

A igreja também tem esse caráter universal. Ela foi escolhida desde a eternidade
passada (Ef 1.4) e é invisível. É uma comunidade espiritual cujo nome daqueles que
pertencem a ela está escrito no céus (Hb 12.22-23) até então que todos sejam revelados
pelo poder do Evangelho enquanto esperamos e clamamos por esse dia. As igrejas
locais são manifestações visíveis da Igreja Universal, da igreja invisível. Nessa
comunidade local, nem todos são salvos, mas a igreja de fato, é composta apenas os
salvos e dos eleitos. No antigo pacto, homens não-salvos estavam debaixo da aliança,
mas a Nova Aliança, como superior, recebe apenas salvos dentro dela. Assim, a igreja
local deve crescer à medida que mais salvos são adicionados à sua comunidade (At
2.47)

É muito triste que igrejas locais cresçam por mais joio se manifestando no meio do
trigo. Paulo fala constantemente de um crescimento do corpo que é feito por Deus (Cl
2.19b). Essa igreja não está sujeita a ser dividida como igrejas locais, mas está unida em
um único corpo, em um único espírito, em uma única esperança, em um único Senhor e
o único batismo (Ef 4.3-4). Ela não pode ser derrotada. Igreja locais podem fechar, mas
a Igreja de Cristo nunca vai morrer. O seu propósito é glorificar a Deus (Ef 1.6). Ela é
apostólica, não no sentido que ainda existem apóstolos ou algum tipo de sucessão
apostólica, mas porque está fundamentada naquilo que os apóstolos ensinaram (Ef
2.20). Ela é composta de pessoas de todo o povo, tribo, língua e nação. Todos os que
pertencem, de fato, à igreja universal são salvos, diferente de todos que pertencem às
igreja locais.

Aula 4 – Os modelos de governo da igreja

Ainda que a igreja tem um caráter essencialmente universal, ela também se expressa
localmente e, como toda organização local, ela precisa de uma metodologia e de um
governo para que ela funcione da forma como ela deve e para cumprir adequadamente o
seu papel no mundo. Nesse contexto, os diferentes grupos evangélicos têm sugerido
diferentes formas de governo de igreja. Assim como a questão da continuidade da
descontinuidade entre a Igreja e Israel é afetada pela nossa hermenêutica, a forma de
governo também é.

Existem pelo menos três formas mais famosas de interpretar governo de igreja: A forma
episcopal, a forma congregacional e a forma presbiteral. O primeiro modo de governo é
o episcopal. Quem exerce autoridade sobre a igreja nesse caso é o bispo, o episkopós, o
supervisor. Fazem parte desse modelo, a Igreja Metodista, Igreja Anglicana, Igreja
Católica Romana. Cada uma dessas tem diferentes níveis de complexidade hierárquica
onde a metodista é mais básica, a católico-romana é mais complexa.
O primeiro nível de ordenação nessas igrejas geralmente é a do ministro ou do sacerdote
comum. Eles são autorizados a pregar e a ministrar os sacramentos. O segundo nível
seria a do bispo, o qual é central para o funcionamento da igreja. Alguns chegam a
afirmar que o episcopado é tão central para igreja que é ele é a própria igreja e sem o
episcopado a igreja não existiria. No entanto, essa não é uma visão monolítica, pois
alguns entendem que o episcopado é o melhor modelo para o funcionamento da igreja,
mas não é imprescindível para a sua existência.

Os bispos estão hierarquicamente acima dos pastores. Enquanto pastores cuidam das
igrejas locais, os bispos cuidam de várias igrejas. Eles possuem autoridade para
designar os pastores das igrejas locais ainda que, na prática, possam consultar a
congregação para saber a quem designar, mas a última palavra é sempre dos bispos.
Eles geralmente devem preservar a sã doutrina na sua região a partir das igrejas que
estão sob sua autoridade. Eles são escolhidos por bispos e são superiores e assim por
diante. Alguns chegam a considerar que os bispos são sucessores dos apóstolos e que
possuem a mesma autoridade que eles. Essa, por exemplo, é a visão da Igreja Católica
Apostólica Romana. Para eles, o papa é o Bispo Supremo que governa a igreja por meio
dos arcebispos. Abaixo deles estariam os bispos e abaixo deles os padres. Durante o
Concílio Vaticano I (1869-1870), o Papa era visto como autoridade Suprema quando
estava de acordo com que os outros bispos diziam. Nesse Concílio, foi definido que
quando o Papa fala ex cathedra, na sua posição oficial em questão de fé e prática, ele é
infalível. Cada Papa eleito pelo colégio de cardeais, mas foi o Papa que os designou e os
novos Papas são eleitos desse grupo. O episcopado deriva sua visão de que toda
autoridade foi dada a Cristo e ele enviou os onze apóstolos com essa mesmo uma
autoridade. Os apóstolos também seriam que eles que teriam nomeado presbíteros e os
diáconos. O Papa atual é alguém que vem da sucessão de Pedro como o primeiro Papa.
Claro que nem todo é episcopal é Católico Romano, mas católicos romanos são
episcopais mais famosos. Há igrejas evangélicas e protestantes que possuem um
governo episcopal também. Muitas delas igrejas reais. Muitas delas não possuem essa
visão sobre sucessão apostólica que geralmente está associado ao catolicismo romano.

O segundo modelo é o modelo presbiteriano, ou presbiterial, o presbiteral. Nesse


modelo um corpo de presbíteros é quem tem a maior autoridade sobre a igreja, não
apenas um único bispo. O presbiterianismo, nesse sentido, entende que os anciãos do
Antigo Testamento eram aqueles que desempenhavam funções de liderança. Eles
também seriam encontrados no Novo Testamento e tratados por presbíteros. As cartas
pastorais nos mostram que o termo presbítero e o termo bispo são termos
intercambiáveis. São uma referência ao mesmo grupo de pessoas que seriam os
pastores. Presbítero, bispo e pastor seriam exatamente a mesma coisa. Era o povo, aqui
no caso a igreja, que escolhia seus presbíteros e, ao fazer isso, a igreja confirmava que
compreendia que Deus estava agindo por meio deles.

É um grupo de presbíteros eleitos que toma decisões que regem a igreja local no modelo
presbiteriano. Acima deles há muitas vezes um sínodo, formado por presbíteros
escolhidos pelos presbíteros locais e, aqui no Brasil, acima deles a uma assembleia geral
formada também por presbíteros eleitos. No Brasil, esse papel é desempenhado pela
Igreja Presbiteriana do Brasil. Eles possuem uma federação, que é uma denominação
que se manifesta como uma federação de igrejas, fundada em 1859 por Ashbel Green
Simonton que juntamente com José Manoel da Conceição remontam a história do
presbiterianismo brasileiro.
Nem toda a igreja presbiteriana é da denominação Presbiteriana. Há algumas igrejas
batistas que possuem um governo presbiteral, um presbitério local sem nenhuma
autoridade acima da igreja. Eles não possuem sínodos, não possuem supremos
concílios, mas possuem um conselho local de liderança. Esse modelo se chama de
presbiterianismo local, o qual é diferente do presbiterianismo comum das igrejas
presbiterianas.

A leitura bíblica que os presbiterianos fazem para defender o posicionamento é que


Israel já mostrava ser governada por um ancião em suas sinagogas e, uma vez que a
Igreja é o nova Israel, esse elemento continua sofrendo adaptações. Uma base são as
referências do Novo Testamento onde a igreja deve se reportar a líderes constituídos,
igrejas possuindo conselho de presbíteros e não apenas um pastor único cuidando de
tudo. Um exemplo também é do Concílio de Jerusalém como exemplo dos concílios da
igreja que são usados para embasar os concílios dentro do presbiterianismo.

O terceiro modelo que é congregacional ou congregacionalista, onde a congregação guia


toda a igreja. O modelo que se prega democrático e autônomo. Ao dizer que a igreja é
autônoma, queremos dizer que ela é independente e autogovernada. Isso significa que
não há nenhum conselho acima da igreja que tem uma autoridade maior do que ela. Por
democracia, nós queremos dizer que cada membro tem voz nas questões a serem
tratadas. É claro que nem todos congregacionais vão gostar dessa linguagem, muitos
vão dizer que congregacionalismo não é democracia, que são coisas diferentes, mas é
uma ilustração útil para entendermos o que tá acontecendo. Cada membro da igreja tem
voz e poder de voto sobre cada uma das decisões que são tomadas. A igreja seria
governada não por um corpo de presbíteros, não por um único pastor, o bispo, mas por
toda a congregação em acordo acerca de cada decisão. Diferente do modelo episcopal
onde a autoridade do bispo, ou no modelo presbiteral, onde autoridade está no
presbitério, no modelo congregacional, a decisão é de cada membro, é de toda a igreja.

A autonomia da igreja quer dizer cada uma elege o seu próprio pastor e determina o seu
próprio orçamento e suas próprias decisões. A prestação de contas está limitada à
própria igreja. Isso não impede que igrejas que seguem o modelo congregacional não
possam encontrar comunhão ou orientação em outras igrejas, seja para organizar uma
tarefa específica, fazer um evento, ou simplesmente uma amizade, ou uma comunhão.
No entanto, a igreja congregacional não está obrigada a seguir o conselho ou a decisão
dada para outra igreja. Igrejas locais Independentes costumeiramente costumam
participar de associações livres de igrejas, voluntariamente participando de cooperações
entre comunidades locais. Essas associações existem para trocas de experiências,
aconselhamento mútuo, tomadas de decisões estratégicas, além de promover comunhão
e demonstrar o caráter universal da igreja de Cristo.

Às vezes, na igreja são tomadas com base na votação dos membros. Muito geralmente,
a causa suscitada é posta para se decidir em votação pelos membros da congregação
onde é visado um conselho naquela atitude que deve ser tomada. Essas questões
envolvem aceitação de novos membros, disciplina eclesiástica, eleições de liderança
decisões secundárias, às vezes a cerca de finanças, administração de ofertas e outros
assuntos.O modelo congregacional se baseia também em alguns pontos são encontrados
na Bíblia,obviamente. Eles argumentam que Matias, o sucessor de Judas, foi escolhido
pelo povo em Atos 1. Argumentam que foi a igreja que selecionou os primeiros
diáconos (At 6). Paulo e Barnabé apresentaram um relatório à igreja inteira em Atos 14.
Foi a igreja que enviou Paulo e Barnabé para resolução do problema envolvendo a
circuncisão (At 15).

Assim, os congregacionalistas defendem o seu modelo de governo, porque a igreja toda


participou de decisões importantes acerca do ministério. Eles também argumentam que
tanto Paulo como Jesus responsabilizaram a igreja toda pela aplicação da disciplina, não
somente os presbíteros. Argumentam que as cartas de Paulo foram endereçadas às
igrejas de forma geral e não a um indivíduo ou um conselho. As cartas pastorais foram
escritas a Tito, Filemom e Timóteo como indivíduos sobre como deveriam proceder,
mas as cartas gerais são escritas às igrejas.

Uma subdivisão do modelo congregacional é quando a igreja elege um corpo de


presbíteros para tomar algumas decisões e minimizar as assembleias, ou quando eles
escolhem conselhos para tomar certas decisões dentro de áreas específicas, sejam
conselho de patrimônio, o conselho orçamentário, um conselho de presbíteros para as
regiões pastorais. Nesse modelo, os presbíteros tomam decisões acerca de algumas
questões, mas, quando elas são postas em assembléia, os membros podem reivindicar ou
aprovar suas decisões. Geralmente, as decisões de inclusão de novos membros e
exclusão de membros também são expostos à congregação para que ela decida qual vai
ser o procedimento.

Há ainda um quarto modelo que não é posto, porque ele é um que não está dentro
daquelas estruturas mais cristãs tradicionais e que não é bem o modelo de governo,
porque é a ideia de uma igreja sem governo. Certos grupos religiosos como
os quackers e os famosos irmãos de Plymouth defendem que a igreja não precisa de
lideranças, porque o Espírito Santo capacitaria cada irmão conforme o que fosse o
interesse de Deus. O Espírito Santo daria uma inspiração interior que guiaria igreja em
cada assunto e em cada necessidade de governo e liderança. As decisões seriam tomadas
mediante orações onde se entende que o Espírito Santo guia tudo aquilo que deve
acontecer. Os irmãos de Plymounth entendem que a igreja existe na terra principalmente
em sua forma invisível e que, por causa disso, não há necessidade de organizações que
envolvam cargos oficiais. A direção do Espírito Santo é que seria a autoridade
governante.

Não obstante, a atuação do Espírito Santo não poderia ser tomada como um pressuposto
para exclusão de liderança e de uma organização eclesiástica. Não há evidência bíblica
nenhuma para esse tipo de governo. A Bíblia foi que instituiu mestres sobre a igreja e
nós temos pastores dados por Deus para cuidar da comunidade. Eles simplesmente
apelam para uma unidade formada pelo Espírito Santo sem nenhuma evidência bíblica
para defender esse tipo de metodologia de cuidado de igreja.

REFERÊNCIAS:

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.


FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,
bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

GEISLER, Norman. Systematic Theology: Volume Four.Grand Rapids: Baker


Publishing House

Aula 5 – A doutrina do Batismo

O batismo é uma etapa fundamental na vida da igreja. Ele é o rito de entrada na


comunhão cristã. No batismo, testemunhamos e celebramos novos membros que fazem
agora parte da mesma comunidade. Entretanto, existem diferentes teorias acerca de
como o batismo é compreendido.

TEORIAS BÁSICAS DO BATISMO

Batismo como um meio de graça.

A doutrina da regeneração batismal entende que o ato do batismo concede graça à


pessoa que é batizada. Segundo essa doutrina, o batismo produz regeneração espiritual
na qual a pessoa é transformada passando de um estado de morte espiritual para vida.
Essa é a forma como a ICAR e algumas correntes do luteranismo entendem o batismo,
mas há diferença entre elas.

Martinho Lutero entendia que o batismo “opera a remissão dos pecados, livra da morte
e do diabo e dá a salvação eterna a quantos creem, conforme rezam as palavras e
promessas de Deus .”[1] A igreja luterana segue essa tradição entendendo que aos que
creem o batismo concede esse tipo de graça. Dessa forma, o entendimento luterano é
uma forma em que Deus distribui a graça que salva e dá remissão dos pecados àqueles
que são membros da igreja. Eles batizam os adultos que creem e os infantes para que
lhes seja removido o pecado original. A Confissão de Augsburgo, que é seguida por
luteranos, afirma no seu artigo 9ºque: “Do batismo se ensina que é necessário e que por
ele se oferece graça; que também se devem batizar crianças, as quais, pelo batismo, são
entregues a Deus e a ele se tornam agradáveis[2]”. Quanto ao modo de operação do
batismo, Erickson afirma que os luteranos não são tão criteriosos.

A posição da ICAR entende que o batismo é rito de entrada para os demais sacramentos
(sete no total). Por meio do batismo, a pessoa é liberta dos pecados e regenerada como
filho de Deus. Visto que todos nascem com natureza decaída, as crianças devem ser
batizadas para que seja removido o pecado original e elas sejam libertadas do poder das
trevas, segundo a visão católica. Por meio do batismo, todos os pecados são perdoados,
tanto o original, quanto os pessoais e todas as penas do pecado. O batismo purifica de
todos os pecados e torna o neófito uma nova criatura. Assim, dentro da visão católica, o
batismo é selo da vida eterna, o qual se for guardado pelo fiel, ou seja, se ele se manter
firme às exigências do batismo, ele poderá ter esperança de ressurreição com o Senhor.
Para os católicos, o sacramento da penitência é instituído a todos os membros pecadores
de sua igreja, especialmente para aqueles que depois do batismo cometeram algum
pecado grave e assim perderam a graça batismal. O sacramento da penitência, dessa
forma oferece uma nova chance de salvação.
O ponto essencial que difere a posição luterana da católica é que a posição luterana
entende que o batismo é ineficaz a menos que a fé já esteja presente. Já a posição
católica entende que o batismo concede graça pelo ato em si. Essa é diferença entre ex
opera operato e ex opera operandi. Os católicos acreditam no ex opere operato, pela
operação em si da coisa que algo acontece. Enquanto os creem no ex opere
operandi, que é por meio daquele que opera, o Deus vivo. Ou seja, a posição luterana
entende que a fé é um pré-requisito enquanto a católica entende que o ato do batismo é
suficiente por si só. O batismo infantil para os luteranos tem justamente a função de
remover o pecado original da criança porque ela não pode exercer fé e estaria sujeita à
condenação, por isso, essa mancha do pecado original deve ser removida por meio da
purificação batismal.

Batistas, de uma forma geral, também acreditam no batismo como meio de graça, mas
não como luteranos ou católicos. Eles entendem que o batismo é uma das formas como
a graça de Deus se manifesta na vida daquele que é salvo. O batismo concede graça,
porque a obediência concede graça e ele é um ato de obediência a Deus de declaração
pública de fé. A declaração pública de fé aos homens é uma das formas como Deus
concede graça a cada um de nós. Para os batistas, o batismo é um meio de graça no
sentido em que Deus a manifesta por causa da obediência do rito público de declarar fé
em seu nome.

Batismo como sinal e selo da aliança

Presbiterianos tradicionais entendem que o batismo é um sinal e um selo da aliança que


Deus faz com seu povo. Apesar de também chamarem de sacramento, o batismo e
também a ceia, eles não entendem como meios de graça, mas como “sinais e selos
visíveis de algo interior e invisível, mediante os quais Deus atua em nós pelo poder do
Espírito Santo” (Confissão Belga, artigo 33). O batismo, e como veremos mais adiante a
ceia, no entendimento presbiteriano, éum selo da aliança que Deus estabeleceu com a
humanidade. Eles seguem a Confissão de Fé de Westminster (CFW) que afirma o
seguinte:

O batismo é um sacramento do Novo Testamento, instituido por Jesus Cristo, não só


para solenemente admitir na Igreja a pessoa batizada, mas também para servir-lhe de
sinal e selo do pacto da graca, de sua união com Cristo, da regeneração, da remissão dos
pecados e também da sua consagração a Deus por Jesus Cristo a fim de andar em
novidade de vida (XXVIII. 1-7).

O batismo é o sinal e selo da aliança que dá certeza ao fiel das promessas de Deus. A
aliança é a base da justificação e salvação, já o batismo é o ato de fé por meio do qual
somos introduzidos nessa aliança e, dessa forma, experimentamos seus benefícios. Eles
batizam crianças por entenderem que os filhos dos crentes são herdeiros da aliança. Na
medida em que essa criança crescer e manifestar a fé, ela confirma sua fé através de
confissão pública. Adultos que creêm também devem ser batizados. Ainda que o modo
pelo qual o batismo seja ministrado seja geralmente a aspersão, presbiterianos
concordam de forma geral que o mais importante são as consequências do batismo. O
batismo não é a mera entrada na igreja, mas é uma forma de comunicar as bençãos
alcançadas pela fé em Cristo. Ele é um meio de graça para a fé do crente.
Presbiterianos entendem que crianças devem ser batizadas porque Deus abençoou
Abraão e a sua descendência (Gn 17.7). Essa aliança vigora até hoje. Assim, os crentes
do NT são herdeiros espirituais dessa aliança (At 2.39; Rm 4.13-18; Gl 3.13-18; Hb
6.13-18). Uma vez que as crianças no AT eram circuncidadas como testemunho da
aliança, as crianças dos crentes de hoje também devem ser. O batismo é um substituto
da circuncisão. É por isso que esse grupo é chamado de pedobatista, porque batizam
infantes.

Batismo como símbolo da salvação

A terceira posição entende o batismo como um símbolo ou uma indicação externa da


salvação do crente. Para os batistas, o batismo é um rito de iniciação que torna o fiel um
membro da igreja local e pressupõe a fé e a salvação. O batismo é como os discípulos
são feitos (Mt 28.19-20). Ele não é entendido como sacramento, porque não causa
mudança espiritual nem comunica graça diferente da graça que é manifesta dentro da
obediência, mas uma ordenança. Os crentes praticam o batismo porque Jesus ordenou
que assim fosse. Isso não significa que o batismo não comunica graça, mas é uma
comunicação de graça como outras comunicações de graça que Deus comunica a nós
através da obediência.

Aqueles que vão se batizar já devem ter sofrido o novo nascimento e testemunham isso
por meio do batismo. Eles devem crer em Cristo e evidenciar sinais de regeneração. Não
é propriamente tarefa da igreja ou daquel que ministra o batismo julgar o canditado, mas
há uma obrigação de se certificar que ele entendeu o significado e importância do
batismo. Aqueles que devem ser batizados são os que creem (Mt 28.19; At 2.37-41;
8.12; 18.8; 19.1-7). Segundo essa visão, o batismo infantil não tem evidência claras e é
argumentado em cima de inferências, suposições e silêncio.

Acerca do modo, há variação de opiniões. Alguns são restritos quanto ao modo sendo
por imersão, porque esse modo simboliza a morte do velho homem e ressurreição para a
nova vida. Já outros, como os menonitas, praticam o batismo de crentes, mas de modo
diferente da imersão. É por isso que, independente do modo, esse grupo é chamado de
credobatista, porque batizam mediante uma fé já confessada. Pedobatistas são aqueles
que batizam crianças. Muitos batizam por imersão – mergulhando na água – outros por
aspersão – lançando um pouco de água na cabeça – ou por efusão – derramando um
pouco de água. O importante é o que batismo se dá em nome do Pai, Filho e Espírito
Santo de forma a glorificar o nome do Filho, convocando a presença daquele em quem
somos batizados, a Trindade.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007

[1] Apud FERREIRA e MYATT, p. 938

[2] https://www.luteranos.com.br/textos/a-confissao-de-augsburgo
Aula 6 – A ceia do Senhor

Jesus instituiu a Ceia para os seus discípulos. Por causa disso, é importante que
entendamos sua importância, os pontos de concordância e discordância entre as
denominações cristãs.

Jesus instituiu a Ceia para seus discípulos, por isso é importante vermos os pontos de
concordância e discordância entre as denominações

PONTOS DE CONCORDÂNCIA

Os Evangelhos nos mostram Jesus instituindo a Ceia (Mt 26.26-28; Mc 14.22-24; Lc


22.19-20). Paulo também apresenta um relato de instituição semelhante ao apresentado
nos Evangelhos (1 Co 11.23-29). O verbo “recebi”[παραλαμβάνω - paralambano ]
sugere que isso tenha sido transmitido por outros. Provavelmente, Paulo recebeu isso
dos apóstolos por meio de tradição oral. Isso nos mostra que a tradição da Ceia já era
vigente antes da composição do primeiro Evangelho. Dessa forma também constatamos
a necessidade que ela seja repetida. Ainda que somente o texto de Lucas tenha o texto
“fazei isso em memória de mim”, cremos que, porque o texto é inspirado, a Ceia deveria
ser uma tradição transmitida pelos discípulos. Paulo também inclui a ordem e acrescenta
de devemos repetí-la até a volta de Cristo (1 Co 11.24-26). A Ceia aponta para o
passado ao representar a morte de Cristo. Ela também significado presente por celebrar
a comunhão da igreja e também aponta para o futuro, porque um dia celebraremos a
Ceia juntamente com Cristo. Uma vez que celebra a salvação por meio da morte de
Cristo, a Ceia é restrita àqueles que creem nisso. A Ceia não pode ser celebrada por
descrentes porque eles não creem em Cristo. É preciso que a pessoa creia, arrependa-se
e saiba seu significado para que coma o pão e beba o vinho. Se ela faz isso sem entender
o que está fazendo, sem discernir o corpo, fazendo isso em pecado, sem
arrependimento, ela come e bebe para a própria condenação. É ilógico que alguém que
não creia que Cristo é salvador celebre aquilo que relembra o seu ato redentivo. Porque
se ela não crê, o que acontece é que ela está comendo a própria desgraça. Ele rejeita o
sangue, rejeita o corpo, rejeita a salvação, mas come e bebe aquilo que simboliza e que
celebra essa morte e ressurreição. Então, ela estaria comendo e bebendo a própria
condenação porque rejeitar a Cristo é ser condenado por ele. O corpo que comemos
representa o corpo que foi partido. Assim como o pão é mordido e mastigado, o corpo
de Jesus foi partido e mastigado por nós. O suco ou vinho que tomamos representa o
sangue da nova aliança que foi derramado por nós.

PONTOS DE DISCORDÂNCIA

Acerca da natureza da presença de Cristo há pontos de discordância que devem ser


avaliadas.

A posição católico-romana formulada no Concílio de Trento (1545-1563) é a base de fé


para o entendimento de muitas doutrinas católicas, inclusive a Ceia. A ICAR defende
que há uma transubstanciação dos elementos, ou seja, ainda que o pão e vinho tenham
aparência, gosto e forma de pão e de vinho, há uma transformação metafísica nos
elementos quando o sacerdote ministra durante a ceia e eles passam a ser o corpo e o
sangue de Cristo. Ou seja, o pão e o vinho se transformam em sua essência
respectivamente no corpo e no sangue de Cristo.Segundo o catolicismo, a Ceia também
é um ato sacrificial. Durante a missa, há um sacrifício de Cristo por seus fiéis que faz
propiação satisfazendo as demandas de Deus. Dessa forma, há expiação de pecados
imperdoáveis. Por causa disso, a pessoa deve examinar-se seriamente antes de participar
para que não profane o sacramento. Segundo a ICAR, somente um sacerdote ordenado
pode consagrar a hóstia. Sem ele, os elementos permanecem como são. Porém, com a
correta ministração, eles se transformam no corpo e sangue de Cristo.

A posição luterana rejeita que o pão e o vinho se transformem no corpo e sangue de


Cristo, mas entende que o corpo e sangue estão presentes “em, com e sob” o pão e o
vinho.Esse entendimento é chamado de consubstanciação. O corpo e o sangue passam a
estar presente fisicamente nos elementos, mas os elementos não se tornam o corpo e o
sangue. Por Cristo dizer “isto é o meu corpo...isto é o meu sangue”, a posição luterana
entende a presença física deles nos elementos. Lutero rejeitou o aspecto sacrificial da
missa. Cristo morreu de uma vez por todas por nossos pecados e não precisa ser
“ressacrificado”. Ele também rejeitou o sacerdotalismo. A presença do corpo e do
sangue não é por causa da presença do sacerdote, mas por causa do poder de Cristo.
Assim, ainda que os elementos não se transformem no corpo e sangue de Cristo, na Ceia
estamos realmente o corpo e o sangue de Jesus, segundo a posição luterana. Os
benefícios espirituais da ceia advém da fé da pessoa.

A posição de Calvino defende que Cristo está presente espiritualmente na Ceia. Assim,
os crentes comem verdadeiramente pão e vinho em todos os aspectos, mas Cristo irradia
sua presença espiritual à Ceia assim como o Sol irradia seus raios. O benefício da ceia
não é gerado por aquele que a ministra, mas é dado pelo próprio Cristo. Assim, na ceia
o fiel recebe a vitalidade de Cristo por meio da fé.

Ulrich Zuinglio entende que a Ceia é simplesmente um memorial da morte de Cristo. O


pão e o vinho continuam sendo o que são. O corpo e o sangue não estão presentes na
ceia e não há presença de Cristo na ceia diferente da que há em outras ocasiões. Ou seja,
a posição zuingliana não nega que Cristo esteja presente espiritualmente na Ceia, mas
não afirma que há uma presença espiritual especial na Ceia que é ministrada aos crentes
que seja diferente da que já ocorre durante a vida deles. Assim, os fiéis relembram o
sacrifício de Cristo, entendendo sua importância e valor durante a Ceia. Não há também
papel especial sacerdotal nem um ressacrifício durante a ceia. A ceia é uma
proclamação da fé do crente que entende ter sido salvo por Cristo e que está unido a um
corpo.

Em muitas igrejas, o batismo é um pre-requisito para Ceia. Sem ser batizado não é
possível cear. O batismo, como declaração pública de fé, é o que dá autorização para
participar da Ceia do Senhor. Os elementos da Ceia são muito importantes. Muitos
julgam que os elementos podem ser mudados. Ao invés de ter pão e vinho, ter outros
elementos. A Ceia provém diretamente de um rito judaico da Páscoa. A partir dela é que
eles comiam pão, tomavam vinho, comiam o cordeiro. Por causa disso, há o ato de
comer do pão e beber do vinho como uma representação daquilo que Jesus fez. Por isso,
os elementos são importantes.

O termo vinho no NT fala do sumo da uva. Sabemos que eles tomavam vinho velho,
que é alcoólico. O vinho novo, que ainda não foi fermentado, também é elemento da
Ceia e poderia ser tomado sem nenhum problema. Usar suco não é mudar o elemento da
Ceia porque o suco da uva, que é o sumo não fermentado, também seria chamado de
vinho no NT. Por mais que seja óbvio que eles ceassem com vinho velho (1 Co 11),
igrejas batistas que não usam vinho não estão trocando os elementos.

Em contextos missionários difíceis, elementos podem ser adaptados, mas sempre


tentando preservar alguma semelhança com elementos da Ceia tradicional. Trocar os
elementos da ceia por outra coisa, ou adicionar algo, é quebrar a representação que a
ceia tem dentro do cristianismo.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.FERREIRA,


Franklin.

MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para o
contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.

GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 7 – Panorama dos credos e confissões

Ao longo da história da igreja, vários credos e confissões surgiram para sintetizar qual
era crença daqueles discípulos de Jesus. A própria Bíblia nos apresenta alguns credos do
povo de Deus. O Shemá (Dt 6.4-9) é considerado um credo do povo judeu. Ele deveria
ser repetido três vezes por dia e era usado como liturgia nas sinagogas. No NT, temos
vários indícios da existência de um corpo de doutrinas que era compartilhado com a
igreja (At 2.42; 2 Ts 2.15; 1 Tm 1.19; 6.20; 2 Tm 1.13-14; Tt 1.13; Jd 3). “Os credos em
princípio não pretendem ser uma exposição exaustiva da fé, antes consistem numa
declaração de fé dos pontos considerados essenciais à existência da Igreja Cristã”
(COSTA, 44).

Muitas igrejas possuem credos e confissões. São documentos que registram aquilo que
se acredita acerca de Jesus. Temos a Bíblia como a nossa norma normatizadora, mas
temos alguns credos como normas normatizadas.

Os credos e confissões têm duas funções básicas: Doutrina e liturgia. Como doutrina,
credos e confissões servem como ensino proposicional de assuntos que competem a fé
cristã. Eles também servem para combater falsos ensinos e dar uma identidade à igreja
para que ela seja diferenciada de outras denominações e até mesmo seitas, ou falsas
igrejas. Credos e confissões dão uma uniformidade aos convertidos para que estejam
alinhados seguindo um mesmo propósito. E também, quando credos e confissões são
memorizados , eles podem ser recitados como exercício da fé e assim fortalecê-la.
Liturgicamente, os credos e confissões podem ser citados em batismos, ceia e no culto.
O simples rito de declarar “creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo” no momento do
batismo é um credo.

CREDO APOSTÓLICO

O Credo Apostólico não teve sua origem nos apóstolos, como pode se pensar, mas seu
contudo é derivado do conteúdo do ensino apostólico. Ele tem sua origem no Credo
Romano Antigo do século II e sofreu alguns acréscimos de declarações vindo à sua
forma final por volta do século VII. Ele era usado para a preparação dos que seriam
batizados e também servia para a devoção privada dos cristãos. Depois, ele passou a ser
recitado em culto público. No século IX, foi sancionado pelo imperador Carlo Magno
para uso na igreja e o papa o inseriu na liturgia da ICAR.

CREDO ATANASIANO

Segundo a tradição, teria sido escrito por Atanásio (295-373) refletindo a teologia dos
quatro primeiros sínodos ecumênicos em várias sentenças. Atanásio teria escrito esse
credo durante seu exílio em Roma e foi oferecido ao papa Julius como confissão de fé.
Porém, essa hipótese tem sido rejeitada desde que Gerhard Jan Vossius (1577-1649)
apresentou pontos que contrariavam essa ideia. Desde então, a teoria mais aceita é que o
Credo foi escrito por volta do ano 500 e ainda sua autoria é contestável. Esse credo
enfatiza a cristologia e a defesa da doutrina da Trindade segundo os Concílios de Nicéia
(325), Constantinopla (381) e Calcedônia (451) e reflete a teologia de Agostinho (354-
430). Esse credo foi muito usado na Idade Média e pelos Reformadores, sendo
referenciado pelas confissões luteranas (Augsburgo e Fórmula de Concórdia) e
Reformadas (Trinta e Nove Artigos, Primeira e Segunda Confissão Helvética, Belga,
Gaulesa), exceto a Confissão de Westminster.

CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO

O Credo Niceno foi elaborado no Primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia (325). O


Concílio foi convocado pelo imperador Constantino para resolução do conflito sobre o
arianismo. Em 381, o imperador Teodósio I convocou o Concílio de Constantinopla, o
qual ampliou o Credo Niceno que passou a ser chamado de Credo Niceno-
Constantinopolitano. Esse credo “revisto e atualizado” foi lido e aprovado no Concílio
de Calcedônia (451). Atualmente, ele é utilizado em igrejas luteranas e anglicanas.

CREDO DE CALCEDÔNIA

Em 451, a cidade de Calcedônia realizou o Quarto Concílio Ecumênico. Além de


ratificar o Credo Niceno-Constantinopolitano, teve o objetivo de estabelecer uma
unidde teologica na Igreja. Esse Concílio rejeitou o nestorianismo e o eutiquianismo ao
formular o Credo de Calcedônia.

PERÍODO DA REFORMA

Uma vez que até o século V a igreja precisava firmar sua identidade diante de heresias e
por isso os credos foram elaborados, durante o período da Reforma Protestante a igreja
precisou se distinguir da ICAR e seus ensinos. Nesse contexto, as Confissões e
Catecismos foram elaborados nos séculos 16 e 17 como uma formulação doutrinária
que visava resgatar conceitos bíblicos que foram perdidos, deturpados ou
negligenciados pela ICAR. Além desse resgate de doutrinas bíblicas, a Reforma fez
surgir várias denominações diferentes que precisavam de diferenciação entre si. Assim,
as Confissões e Catecismos também foram úteis para distinções internas.

As Confissões e Catecismos elaborados visavam a preservação da sã doutrina e tornar


clara e objetiva a fé dos crentes. A primeira obra a receber o nome de Catecismo foi de
Andreas Althamer, um reformador luterano, em 1528. Porém, Lutero ficou mais
conhecido com seu Catecismo Maior (abril de 1529) e Catecismo Menor (maio de
1529). Em seu prefácio Lutero fala das motivações que o levaram a escrevê-lo e em
cada capítulo sempre inicia com expressões como, “Como o chefe de família deve
ensiná-lo à sua casa”, ou semelhantes, evocando assim a responsabilidade de instrução
da Bíblia em casa como iniciativa do homem.

Calvino também elaborou um catecismo (1536-1537). Diferentemente do que Lutero


fez, esse não era em forma de perguntas e respostas, mas da forma que julgou ser mais
acessível a toda a igreja. Ele o nomeou de Instrução e Confissão de Fé, Segundo o Uso
da Igreja de Genebra. Sendo originalmente escrito em francês, foi traduzido para o
latim em 1538. Calvino revisou sua obra quando passou um tempo em Estrasburgo e,
por causa disso, sua teologia passou a ser acessível às crianças, especialmente entre 10 e
15 anos. Ele a ampliou e mudou a sua forma que passou a ter perguntas e respostas,
contendo 373 questões.

Essa nova versão foi publicada em 1541 e em 1545 foi lançada a versão latina. A partir
de 1561, o catecismo passou a ganhar maior importância porque o ministro da igreja
deveria jurar fidelidade a seus ensinos e comprometer-se a ensiná-los.

CONFISSÃO DE AUGSBURGO

O Imperador Carlos V convocou em 21 de janeiro de 1530 uma dieta imperial que


deveria se reunir em Augsburgo, Alemanha, para discutir operações militares contra os
turcos. Para isso, as diferenças religiosas provenientes da Reforma precisariam ser
deixadas de lado para que houvesse uma cooperação entre os príncipes e representantes.
Ele pediu para os teólogos de Winttenberg produzissem um material com o conjunto de
crenças de sua terra. Um ano antes, havia sido produzido um material chamado Artigos
de Schwabach e agora bastava ver o que foi introduzido nas igrejas da Saxônia. Esse
material de introduções foi preparado pelos teólogos de Winttenberg e chamado de
Artigos de Torgau, por ter sido preparado em Torgau.

Os Artigos de Schwabach e Torgau foram levados a Augsburgo. A primeira parte da


Confissão de Augsburgo consistiu dos Artigos de Schwabach e a segunda parte dos
Artigos de Torgau. A Confissão visava fazer uma declaração luterana conjunta para que
os luteranos encontrassem união. Era Felipe Melanchton que estava preparando o
documento e Martinho Lutero era consultado por cartas. As emendas e revisões
resultaram na Confissão de Augsburgo que em 25 de junho de 1530 foi assinada por
sete principes e pelos representantes das cidades livres.

FÓRMULA DA CONCÓRDIA

Foi elaborada em 1577 é uma reiteração da Confissão de Augsburgo para solucionar


pontos de desacordo entre os teólogos envolvidos nela. Já em 1580, o livro da
Concórdia foi elaborado como sendo o conjunto completo de manuais e documentos
luteranos.

CONFISSÃO DE WESTMINSTER

Em 1643, William Twisse reuniu teólogos em uma assembléia que visava dar maior
uniformidade à fé e prática no reino de Charles I. Inicialmente, eles deveriam revisar os
Trinta e Nove Artigos da Igreja da Inglaterra, mas acabou tendo maior especificidade e
delineamento de material que conduzisse a Igreja da Inglaterra a estar de acordo com a
Igreja Presbiteriana da Escócia. Ela é dividida em trinta e três capítulos que abrangem
vários elementos da fé cristã. Ela é tradicionalmente confessada em igrejas
presbiterianas.

PRIMEIRA CONFISSÃO HELVÉTICA

A Primeira Confissão Helvética também é conhecida como Segunda Confissão Batista.


Duas coisas a motivaram: uma convocação de um concílio feita pelo papa Paulo III para
reunir-se em Mântua em 1537 e a tentativa reconciliação dos reformadores Martin
Bucer e Wolfgang Capito de unir zuinglianos e luteranos. Assim, entre 1 e 4 de
fevereiro de 1536, vários teólogos se reuniram em Basiléia. Os reformadores eram:
Henrique Bullinger e Leo Jud, de Zurique; Osvaldo Micônio e João Grineus, de
Basiléia; Gaspar Megander, de Berna; e claro Bucer e Capito. Em 27 de março do
mesmo ano, a confissão foi aprovada. Nessa Confissão, todas as cidades suiças de
lingua alemã que aderiram à Reforma estavam em acordo na sua fé. Ela é considerada
com alta estima no meio zuingliano sendo a primeira confissão com autoridade
nacional. A Confissão não foi apresentada em Mântua, porque o concílio convocado
pelo papa só veio ocorrer em 1545 em Trento) nem uniu reformados e zuinglianos, mas
continuou por muito tempo como um forte documento de fé dos reformadores suíços.
Trinta anos depois ela foi substituída pela Segunda Confissão Helvética.

SEGUNDA CONFISSÃO HELVÉTICA

Esse documento foi escrito por Johann Heinrich Bullinger procurando unir as tradições
protestantes alemã e suiça. Ela mantém a mesma estrutura da Primeira Confissão, sendo
redigida por Bullinger. Em 1565, o principe Frederico III pediu que Bullinger desse
uma descrição detalhada da fé reformada para que fosse apresentada no Parlamento. Em
12 de março de 1566, ela foi apresentada e aceita pelos cantões reformados e depois
propagada pela Escócia, Hungria, Holanda, Polônia e Inglaterra.

CÂNONES DE DORT

Um dos principais documentos de tradição calvinista é exatamente os Cânones de Dort.


O Sínodo de Dort teve 180 sessões entre 13 de novembro de 1618 e 29 maio de 1619
visando dar uma resposta à controvérsia trazida pelos seguidores de Jacó Armínio, um
aluno de Teodoro de Beza. Conhecidos como os Remonstrantes, os discípulos de
Armínio começaram a questionar a relação da predestinação na salvação do homem. O
Sínodo convocou 58 pastores de provícias e 28 teólogos de diversas cidades inglesas,
escocesas, alemãs e suíças. Os Cânones de Dort foram preparados como uma resposta
aos remonstrantes e contam de 59 artigos divididos em cinco tópicos. As declarações de
Dort podem ser resumidas no famoso acróstico TULIP: Total Depravation (Depravação
Total); Uncondicional Election (Eleição incondicional); Limited Atonement (Expiação
limitada); Irresistible grace (Graça irresistível); e Perseverance of the saints
(Perseverança dos Santos).

REFERÊNCIAS

COSTA, Hermisten Maia Pereira da.Eu Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São
José dos Campos: Fiel, 2014.
https://www.luteranos.com.br/textos/a-confissao-de-augsburgo <acessado pela última
vez em 30/10/19>

https://celst.org.br/historia-das-confissoes-luteranas/ <acessado pela última vez em


30/10/19>

https://cpaj.mackenzie.br/historia-da-igreja/movimento-reformado-
calvinismo/confissoes-reformadas/primeira-confissao-helvetica-1536/ <acessado pela
última vez em 30/10/19>

https://cpaj.mackenzie.br/historia-da-igreja/movimento-reformado-
calvinismo/confissoes-reformadas/segunda-confissao-helvetica-1562/ <acessado pela
última vez em 30/10/19>

https://cpaj.mackenzie.br/historia-da-igreja/movimento-reformado-
calvinismo/confissoes-reformadas/os-canones-de-dort-1619/ <acessado pela última vez
em 30/10/19>
Angeologia/Demonologia: a doutrina de anjos e demônios
Aula 1 – O que são os anjos?

“São seres espirituais criados, dotados de juízo moral e alta inteligência, mas
desprovidos de corpos físicos” (GRUDEM, 323). Sabemos que os seres espirituais são
assim porque não possuem fisicalidade como nós. Anjos não são vistos justamente
porque são espirituais. Não existe um registro deles possuindo corpo físico. Quando eles
aparecem no AT “como homens” existe um nível de encarnação dos anjos. Eles se
manifestam através de uma figura “humana”.Eles são seres dotados de julgamento
moral, conseguindo julgar o certo e o errado e possuem alta inteligência. Eles são
tratados como figuras que conhecem a realidade, o mundo, o cosmos, o mundo
espiritual, a doutrina e as verdades acerca de Deus.

Anjos foram criados (Sl 148.2,5; Cl 1.16).. Eles não existem desde sempre, mas foram
formados pelo próprio Senhor Chafer diz que são uma “companhia inumerável de
seres...que possuem personalidade e são capazes de grande inteligência e
responsabilidade moral” (CHAFER, 151). A definição dele traz uma coisa a mais.
Anjos possuem uma autoconsciência, eles têm personalidade. Você pode interagir com
eles quando aparecem, ou pelo menos quando apareciam aos indivíduos. Poderemos
interagir com eles no futuro, muito provavelmente, quando estivermos diante deles no
mundo espiritual quando eles se manifestarem a nós de alguma forma. E eles são uma
“companhia inumerável”. Nós não sabemos quantos anjos existem, mas sempre que
aparecem dentro das realidades espirituais, são tratados como incontáveis. Não são
poucos. Existe uma quantidade incontável de anjos diante de Deus.

Williams vai dizer que anjos são “por definição mensageiros”. É justamente o que a
palavra anjo significa. Eles existem justamente para trazer mensagens do Senhor.
Muitas vezes, no AT, quando o Senhor aparece, essa linguagem pode estar se referindo
a um anjo aparecendo. Quando o mensageiro é enviado pelo rei, o mensageiro
representa a própria presença do rei. Ofender o mensageiro é ofender o próprio rei. Por
isso, anjos são por definição mensageiros e “servem de várias maneiras, como seres
sobre-humanos, para cumprir os interesses providenciais de Deus em relação ao mundo
e ao homem” (WILLIAMS, 146). Os anjos servem aos homens das mais variadas
formas, nos protegendo, nos ajudando, mas sabemos que eles estão lá a nosso serviço e
para cumprir a vontade de Deus.

Anjos são seres criados (Sl 148.2,5; Cl 1.16), mas sem especificação quanto à ocasião
especifíca. Podemos saber, com algum grau de segurança, que não foram criados antes
da criação dos céus e terra descrito em Gênesis. Já que ali Deus criou todas as coisas.
Em algum momento posterior a isso, os anjos começaram a surgir. Se foram criados
antes ou depois do homem, não sabemos. O que sabemos é que, até a queda, Satanás já
existia. Então, a criação dos anjos e o surgimento dos demônios se dá em algum
momento antes de Gênesis 3, mas certamente depois de Gênesis 1.1

Sabemos que os anjos são seres espirituais e incorpóreos, as passagens a seguir


comprovam isso: Mt 8.16; 12.45; Lc 7.21; 8.2; 11.26; At 19.12; Ef 6.12; Hb 1.14. Esses
textos consideram que as aparições de anjos em forma corpórea podem ter sido apenas
aparentes. Bavinck também concorda com isso (BAVINCK, 465). Bavinck fala de uma
espécie de corpo etéreo que limita os anjos no tempo e no espaço. Isto é, ainda que
possam se deslocar de um canto para outro muito rapidamente, eles não podem estar em
dois cantos ao mesmo tempo. Então, existiria uma espécie de contenção etérea de onde
eles estariam, mas eles não teriam um corpo físico como nós.

Anjos são seres racionais , morais e imortais (2 Pe 2.11; Ef 3.10; Mt 24.36; 2 Sm


14.20). Por mais que não sejam oniscientes como Deus, mas são superiores aos homens
em inteligência (Mt 24.36) e sua inteligência é crescente como afirma Bancroft “é
assumido que um anjo de Deus é sábio e dotado com conhecimento superior. Eles
foram, sem dúvida, espíritos inteligentes criados, seu conhecimento começando com sua
existência. Porém, podemos concluir seguramente que ela está crescendo desde então.
Sua oportunidade de observação e muitas experiências que tiveram em conexão com
revelação direta de Deus deve ter acrescentado ao seu depósito de inteligência original”
(Bancroft, 285).São seres que podem ser considerados santos (Mt 25.31; Mc 8.38; Lc
9.26; At 10.22; Ap 14.10) ou mentirosos e pecadores (Jo 8.44; 1 Jo 3.8-10). Falando de
anjos maus, no caso, os demônios. Os anjos bons são descritos como anjos eleitos (1
Tm 5.21). Segundo Berkhof “além da graça com a qual todos os anjos foram dotados, e
que era suficiente para capacitá-los a reter sua posição, uma graça especial de
perseverança, pela qual foram confirmados em sua posição” (Berkhof, 134). A ideia que
existem anjos eleitos traz por inferência a ideia de que podem existir anjos não-eleitos,
que seriam exatamente os anjos que caíram em pecado e que se tornaram os demônios,
segundo a interpretação cristã majoritária. Os anjos maus são descritos em Jd 6, 2 Pe 2.4
e Jo 8.44.

O fato de ambos seres espirituais, sejam bons ou maus, serem tratados como anjos seria
um indicativo de que demônios já foram anjos em algum momento.

Aula 2 - Anjos no Antigo Testamento

No Antigo Testamento, anjos são descritos como seres espirituais cujo nome em
hebraico significa mensageiro (‫)לְ אָ ךמ‬. O termo mensageiro também se refere a seres
humanos, portanto uma análise contextual é necessária para se fazer a devida distinção.
O termo em hebraico “pode representar oficialmente aquele que o enviou, ou realizar
uma ou outra tarefa específica” (BOWLING apud FERREIRA, 361). Então, temos que
entender se o texto fala de alguém qie foi enviado em nível humano, ou daqueles que
são os enviados por Deus em nível espiritual que são os anjos. Acerca deles, nós lemos:

• São portadores da mensagem de Deus ( Gn 19.1-22). Anjos possuem verdade e


revelação acerca do Senhor. Eles apareciam no AT com o objetivo de comunicar
algo da vontade divina ao seu povo.
• Acompanharam o povo de Israel (Ex 23.20; 32.34; 33.2; Sl 78.49; Nm 20.16).
Deus havia enviado os anjos para estarem próximos de seu povo a fim de
proteger e cuidar deles. Os anjos acampavam ao redor do povo de Israel e iam na
frente cuidando do povo. Eles são colocados em proximidade a nós.
• Executaram os inimigos de Deus protegendo o povo de Deus (2 Rs 6.16-17; 2 Cr
32.21-22).
• São descritos com “santos” (Sl 89.5,7), uma vez que eles não possuem pecado,
eles não caíram no pecado – pelo menos se referindo aos anjos bons que estão
com o Senhor. São descritos como sentinela (Dn 4.13, 17, 23), aqueles que
guardam e vigiam os crentes. E são descritos como assembléia (Sl 89.5,7), ou
seja existe uma grande comunidade de anjos e não poucos.
• Daniel viu um anjo que o fez desmaiar porque este irradiava glória de Deus (Dn
8.16-19). Então, sabemos que anjos podem ser feitos visíveis, de acordo com a
vontade de Deus. Eles podem aparecer e se revelar aos seus filhos e essa
manifestação visível dos anjos irradia glória. Ela reflete algo da glória do Senhor
ao ponto do homem desmaiar diante do vislumbre da gloria de Deus que vem
através dos anjos. Isso nos mostra que anjos não são autossuficientes e que sua
glória não lhe é própria, mas eles refletem a glória de outro. Eles refletem a
majestade do próprio Senhor.
• Anjos têm poderes limitados. Um anjo enfrentou o “príncipe do reino da Pérsia”
durante 21 dias. Ou seja, havia também uma outra entidade, também, que lutou
contra esse anjo específico havendo uma batalha espiritual contra um inimigo –
o príncipe do reino da Pérsia. Temos aqui um principado, uma autoridade
demoníaca, que estaria sobre o reino da Pérsia. Ou seja, forças do mal
dominando, regendo e possuindo autoridade sobre um reino e uma conjunção
civil. Porque Satanás possui poder de influência e domínio sobre os reinos desse
mundo. Nesse momento surge Miguel, chamado “um dos primeiros príncipes”
(Dn 10.13) para ajudar o anjo em questão. Ele surge como um anjo mais forte
para lutar contra um demônio mais forte, então existe realmente uma escala de
guerra espiritual que se manifesta fora das nossas visões a fim de derrotar aquele
anjo mal em questão.
• Miguel também estará envolvido no dia da ressurreição como previu Daniel (Dn
12.1). Ou seja, esses anjos vão durar. Eles parecem ter uma vida que perpassa
por toda a história dos seres humanos. Batalha espiritual é uma coisa que
realmente existe num nível invisível. Anjos e demônios estão em guerra
constantemente. Os anjos em guerra ao nosso favor e os demônios contra nós.
• Isaias viu Serafins ao redor do trono de Deus (Is 6.1-7). Ao redor do trono de
majestade de Deus existem seres angelicais para engradecer o nome de Deus.
Deus está rodeado de anjos, os quais prestam adoração ao Senhor.
• Querubins estão ao redor trono de Deus e foram vistos por Ezequiel, parecendo
ser distintos dos serafins (Ez 1, 10.1; Is 37.16; Sl 80.1; 99.1)
• A Bíblia também fala de anjos maus no Antigo Testamento. Estes eram anjos
bons que caíram. Isto é, Deus não criou os demônios no estado de anjos maus,
mas criou anjos bons. Alguns se rebelaram contra Deus e outros preservaram seu
estado. Satanás tentou Eva no Edén e a enganou (Gn 3.1-6). Satanás tomou tudo
de Jó: suas riquezas, filhos e saúde (Jó 1.16-20; 2.7). Sabemos que Satanás tem
acesso a Deus. Ele vive de rodear a terra. Ele pode tocar nos filhos de Deus
quando Deus permite. Porém, seu poder sempre é limitado pela graça e boa
vontade de Deus (Jó 1.12; 2.6). Ele só pode tocar em Jó até onde Deus permitiu.
Então, Satanás não é uma força igual a Deus, mas é inferior à força de Deus. Ele
só pode nos afetar no limite do que Deus permite. O “príncipe do reino da
Pérsia” (Dn 10.13) parece ser um demônio que fez oposição a um anjo, o qual
precisou da ajuda de Miguel para vencê-lo. O poder do mal é sempre limitado
pelo poder muito maior que provém de Deus.
Aula 3 – Anjos no Novo Testamento

No Novo Testamento, a palavra para anjo é ἄγγελος e tem o mesmo significado que a
palavra do Antigo Testamento, isto é mensageiro.

• A atividade angelical já começa nos primeiros relatos dos evangelhos. O


nascimento de João Batista e de Jesus são anunciados por anjos (Lc 1.19, 26-38).
O que faz todo sentindo acerca do nome dessas entidades, eles são mensageiros
que vieram anunciar a chegada de João Batista e de Jesus. José também é visitado
por Gabriel, um anjo, que lhe avisa sobre a gravidez do Espírito Santo de Maria
(Mt 1.20)
• Anjos serviram a Jesus depois dele jejuar por 40 dias e resistir à tentação (Mt
4.11). Nessa situação do deserto, também entendemos que os anjos malignos são
tentadores que se esforçam em nos levar ao caminho do pecado.
• A ressurreição de Jesus também é anunciada por anjos (Mt 28.2-4)
• Anjos estão envolvidos com a segunda vinda de Jesus. Eles separarão os ímpios
dos crentes (Mt 13.39; 16.27; 24.31). Deus vai usá-los como instrumento aquele
que é realmente salvo daquele que não é.
• Eles também estiveram presentes na atividade apostólica. Anjos libertaram os
apóstolos que foram presos (At 5.17-20; 12.7-9). Um anjo falou com Filipe e lhe
deu instruções (At 8.26-27). Cornélio recebeu a visita de um anjo para entregar-lhe
a mensagem que suas orações foram atendidas e para prepará-lo para a visita de
Pedro (At 10.1-7). Anjos surgem como servos e mensageiros. Eles comunicam
mensagens e agem para o bem do povo de Deus.
• Paulo foi tranquilizado por um anjo com a notícia que ninguém morreria se ficasse
no navio (At 27.23).
• Anjos podem ter assumido forma corpórea e visitado pessoas sem que essas
soubessem (Hebreus 13.2). Essa passagem pode estar falando do AT, mas também
pode estar falando de uma realidade presente às pessoas do NT. Não existe nada
que possa nos comprovar que anjos não aparecem hoje em nível físico e não
sabermos que estamos lidando com anjos.
• A grandeza de anjos levou erroneamente ao seu culto, mas isso foi condenado por
Paulo (Cl 2.18) e nem mesmo anjos aceitam louvor (Ap 22.8-9). Nos primeiros
capítulos de Hebreus lemos que Jesus é muito maior que anjos e por isso adoramos
a Jesus e não aos anjos. Os próprios anjos adoram a Cristo. Existe uma
consonância muito grande entre a revelação do AT e do NT sobre a figura dos
anjos, quem são, o que fazem e como nos relacionamos com eles.
• Anjos maus também aparecem no Novo Testamento. Satanás tentou Jesus no
deserto (Mt 4.1-11; Mc 1.12-13; Lc 4.1-13). Satanás se opõe à pregação do
Evangelho (Lc 8.12), ele é o pai dos que são inimigos de Jesus (8.44). Assim como
somos filhos do Deus vivo, os homens ímpios são filhos do diabo. E é ele quem
põe aqueles que são confundidos com os cristãos no mundo (Mt 13.39). Os falsos
cristãos também são filhos do diabo. Ele também possuiu Judas para trair Jesus (Jo
13.2). E podem possuir todo aquele que não é crente (Lc 8.26-34), mas aqueles que
são crentes não recebem essa possibilidade de receberem possessão demoníaca.
Quando o Espírito Santo não mora dentro do indivíduo, Satanás pode morar lá (Lc
8.26-34). Homens sem Deus quando são exorcizados da posse do diabo podem
voltar a receber espíritos demoníacos se o Espírito Santo não fizer morada nele (Lc
11.24-26). A morada do Espírito impede a morada de demônios.
• Paulo adverte os cristãos a tomarem a armadura de Deus contra as armadilhas do
Diabo (Ef 6.11) e Pedro diz que ele é como um leão pronto para devorar (1 Pd
5.8). O poder de Satanás é comparável ao de Miguel e este precisou recorrer ao
Senhor para repreendê-lo. Satanás é poderoso, as forças do mal são poderosas.
• O culto a ídolos e deuses na verdade é um culto a demônios (1 Co 10.20). Eles
ensinam falsas doutrinas para corromper as pessoas (1 Timóteo 4.1-3) e podem
realizar sinais milagrosos para enganá-las (Ap 16.14). João Calvino dizia que
Satanás também tem seus milagres e obras miraculosas não deveriam nos
impressionar.
• O destino de Satanás é a condenação eterna (Mt 25.41; Ap 20.10) e eles não têm
poder de separar o cristão do amor de Deus (Rom 8.38-39). Podemos ter confiança
de que, uma vez que estamos em Jesus, Satanás não pode tomar posse de nós, ele
não pode nos tirar desse amor e que Satanás será condenado para sempre segundo
a revelação de Deus no livro do Apocalipse. Imaginamos que o inferno e o lago de
fogo é a morada onde Satanás vai torturar as pessoas para sempre. Porém, Satanás
será punido para sempre junto com os ímpios pelo Deus justo e santo.

Aula 4 – Classificação dos Anjos

A Escritura não nos dá uma sistematização sobre categorias de anjos. A Bíblia não está
muito interessada nisso, então é importante que também não estejamos. Até mesmo
angelologia e demonologia são doutrinas pouquíssimo tratadas na Escritura. Aquilo que
nos é revelado sobre os anjos tem como função o que são e o que fazem, mas nada
muito além disso. Os esforços de sistematização acabam tendo que tratar pouquíssima
evidência textual. Por isso, os teólogos vão discordar muito acerca dessas classificações
de anjos.

Por mais que alguns digam que não há diferenças de anjos, ou só duas, ou só três,
aqueles que creem em um número maior de tipos de seres angelicais falam de seis
classificações para esses seres. Quem faz isso, por exemplo, é o sistemático Norman
Geisler. Ele vai dizer que existem:

É a classe a qual pertence Miguel (Dn 10.20; 12.1; 1 Ts 4.16; Jd 9; Ap 12.7). O arcanjo
seria o maior, o primeiro dos anjos.

Por causa de Dn 10.13 (“um dos chefes supremos”) e Dn 10.21 (“chefe de vocês”),
Geisler entende que Miguel é o chefe desses chefes supremos. Assim, esses chefes
supremos seriam uma classe, ainda que não especificada claramente. Alguns vão achar
que isso é uma forma de falar dos arcanjos ou dos anjos que forma geral.

São criaturas gloriosas que proclamam e protegem a glória de Deus. Eles guardam o
jardim do Eden (Gn 3.24), estão em volta do trono de Deus (Sl 99.1; Ez 10.1)

São os seres descritos em Ap 4.7-8 possuidores de 6 asas e uma face. Alguns vão
argumentar que esses seres viventes são serafins, ou quem sabe os arcanjos ou outras
classes de anjos. Seres viventes poderia ser qualquer uma das figuras angelicais.

São proclamadores da santidade de Deus. Foram vistos pelo profeta Isaias (Is 6.2-3).
Eles também tinham três pares de asas: com duas voavam, com duas cobriam o rosto e
com duas cobriam seus pés.
A designação mais comum das criaturas espirituais de Deus. Nessa classe estão também
os demônios. Estes também são descritos como “poderes”, “autoridades”, “domínios” e
“espíritos” (Rom 8.38; Ef 1.21; 3.10; 6.12; Col 1.16; 1 Pe 3.22; Jd 8-9). Alguns vão
dizer que anjo é um termo genérico que descreve todas essas figuras espirituais:
serafins, querubins, seres viventes, arcanjos etc.

Franklin Ferreira concorda em pelo menos com a classificação de Arcanjos, Serafins,


Querubins e Anjos (FERREIRA, 2007, 368).Grudem fala da existência de Querubins,
Serafins e seres viventes (GRUDEM, 2010, 324). Berkhof classifica que fora os anjos
existam: (1) Querubins; (2) Serafins; (3) Principados, potestades, tronos e domínios e
(4) Gabriel e Miguel (BERKHOF, 2007, 135-136).

No fim das contas, não temos como falar com muita certeza porque a Escritura mão está
disposta a nos saciar a curiosidade acerca de classificações de seres espirituais. Perder
tempo demais com isso e criar teologia em cima disso sempre vai levar para um
caminho de erro.

Aula 5 – Três polêmicas sobre os anjos

• Miguel e Jesus

Alguns consideram que Miguel é uma manifestação de Jesus no Antigo Testamento.


Porém, essa posição não se sustenta. Miguel é designado como arcanjo (Jd 9) e é dito
que ele é “um dos primeiros príncipes”esse título “que indica grande poder, mas
também indica que ele foi criado” (FERREIRA, 2007, 368). O fato dele ser um dos
principais príncipes que Jesus não estraria acima dele. Usar isso como uma desculpa
para que Miguel é Jesus é uma coisa que não se sustenta. O texto de Daniel não está
declarando que Miguel é Jesus. Isso é uma relação muito infeliz feita por algumas
doutrinas.

• Anjo do Senhor

Outra polêmica envolvendo a questão de Jesus e dos anjos é a ideia que o “anjo do
Senhor” no Antigo Testamento seria Jesus Cristo. No AT, o termo aparece algumas
vezes (Gn 16.7-14; 18; 22.11, 14, 15; 24.7, 40; 32.24-30; 48.15,16; Êx 3.2; 14.19;
23.20-23; 32.34-33.17; Jz 2.1,4; 5.23; 6.11-24; 13.3 etc.) e pode causar certa confusão.
Lembrando que o termo “anjo” significa “mensageiro”, este mensageiro seria Jesus em
uma forma pré-encarnada ou seria um anjo no sentido geral? Erickon afirma que há 3
interpretações possíveis: “1) Ele é apenas um anjo com uma missão especial; 2) ele é o
próprio Deus temporariamente visível em forma semelhante à humana; 3) ele é o Logos,
uma visitação pré-encarnada temporária da segunda pessoa da Trindade.” (ERICKSON,
2015, 438). Ele afirma que as interpretações 2 e 3 são possíveis tendo que se analisar a
quem se refere no contexto, pois há passagens que ele se identifica como “o Deus de teu
pai” (Êx 3.2, 6) e outros em que ele fala do Senhor como outra pessoa como “o Senhor
ouviu tua aflição” (Êx 23.20).

Mas é importante lembrarmos que o anjo representa aquele que o enviou. O mensageiro
representa aquele que mandou a mensagem. Num dos Evangelhos é dito que o centurião
estava lá (Mt 8.5-13), no outro diz que o servo do centurião estava lá (Lc 7.1-10). Isso
não é uma contradição, porque o servo do centurião como mensageiro é o próprio
centurião representado. Quando lemos que Jacó lutou com um anjo, ele recebe o nome
de alguém que lutou com Deus, porque o anjo representa o próprio Deus. A
identificação do anjo com o Senhor no AT representa quem o enviou e não quem é o
próprio anjo. Achar que por causa dessas correlações o anjo do Senhor no AT é o
próprio Jesus seria uma leitura errada do que ser um anjo realmente significa como
mensageiro enviado de Deus.Ou seja, não temos base para dizer que existe ali um Jesus
pré-encarnado no Anjo do Senhor no AT.

• Anjo da Guarda

É do entendimento de alguns que cada pessoa tem um anjo lhe protege individualmente,
seu anjo da guarda. Essa doutrina é baseada na interpretação das passagens de Mt 18.10
e At 12.15. Porém, Erickson comenta acerca da passagem do Evangelho que: “a
referência que Jesus faz aos anjos dos pequeninos especifica que eles estão na presença
do Pai Isso sugere que estes são anjos que adoram na presença de Deus e não anjos que
cuidam de seres humanos individuais neste mundo” (ERICKSON, 440). Já quando fala
da passagem de Atos, ele diz: “A resposta a Rode reflete a tradição judaica de que o
anjo da guarda se assemelha à pessoa a quem é designado, mas um relato indicando que
alguns discípulos criam em anjos da guarda não reveste de autoridade essa crença”
(ERICKSON, 440). Ou seja, isso é a descrição do que alguns dos discípulos criam
devido a tradição judaica, não que isso seja uma doutrina válida para o cristianismo.

Agora, sabemos que anjos são guardiões. Então, todos nós somos guardados por anjos.
Todos os anjos são anjos da guarda e protetores. Porém, não existe nenhuma base
bíblica para afirmar que cada pessoa tem um anjo específico. Temos anjos que nos
guardam, mas não temos um anjo especial designado por Deus para cuidar de nós. Pelo
menos não existe nenhuma revelação Bíblica que nos dá essa ideia de anjo protetor ou
anjo da guarda. Melhor que isso, temos os anjos acampados ao nosso redor. Temos os
anjos nos servindo e nos protegendo e nos guardando da parte de Deus.

Aula 6 – Os anjos caidos

Deus não criou Satanás nem dos demônios como anjos maus, ele os criou como anjos
bons, pois sua avaliação divina da criação é que ela era muito boa (Gn 1.31). Não existe
espaço para qualquer coisa má dentro do processo criacional de Deus.

Os demônios são anjos criados por Deus e, assim, eram originalmente bons; mas eles
pecaram e, consequentemente, tornaram-se maus. Não sabemos o momento exato em
que ocorreu essa rebelião, mas deve ter acontecido entre o momento em que Deus
concluiu a Criação e disse que tudo era ‘muito bom’ e a tentação e a Queda dos seres
humanos (Gn 3) (Erickson, 2015, 442)

Em algum momento entre Gênesis 1 e Gênesis 3, essa rebelião acontece. Tudo aquilo
que era muito bom passa a conter algum nível de maldade. O pecado se manifesta na
esfera cósmica e em Gênesis 3 ele entra na criação terrena. Não existe uma descrição
em Gênesis 1-3 da queda dos demônios, porque não é o interesse de Deus que gastemos
tempo demais pensando acerca dessas realidades do mundo espiritual. Grudem
concorda dizendo que “em algum momento entre os eventos de Gênesis 1.31 e Gênesis
3.1 deve ter havido uma rebelião no mundo angélico, na qual muitos anjos se
voltaramcontra Deus e se tornaram maus” (GRUDEM, 2015, 335).
Bancroft afirma que, “os anjos que pecaram e caíram, através de sua continua escolha
do mal, se tornaram confirmados em iniquidade e são identificados com todas as mais
flagrantes formas de pecado e rebelião contra Deus” (BANCROFT, 1975, 287)

Os anjos que caíram não são redimíveis. Não existe um Cristo enviado para que eles
creiam, se arrependam e então sejam redimidos. Geisler afirma que “anjos não podem
mudar, eles estão fixos em sua natureza; assim, uma vez que um anjo pecou, ele está
condenado para sempre (2 Pe 2.4; Jd 6). Cristo não morreu por anjos, Cristo morreu na
cruz por seres humanos. Na verdade, na cruz Jesus fez dos demônios um “espetáculo
público, triunfando sobre eles”. (Cl 2.15)

Satanás, o líder dos demônios, deriva seu nome do hebraico [‫ ]טָ ן ָׁש‬que também foi
transliterado para o grego [Σαταν]. O termo comum para ele é διάβολος (diabolos-
diabo, adversário, acusador). também há o termo κατηγωρ (acusador – Ap 12.10) e com
menos frequência Belzebu (Mt 12.24, 27; Mc 3.22; Lc 11.15, 19), inimigo (Mt 13.39),
Maligno (Mt 13.19), Belial (2 Co 6.15), enganador (Ap 12.9), grande dragão (Ap 12.3),
pai da mentira (João 8.44), assassino (Jo 8.44), pecador (1 Jo 3.8).

Satanás, então, está engajado em se opor a Deus e toda a sua obra. Ele enganou a Eva,
ele tentou Jesus (Mt 4.1-11), ele é quem planta o joio (Mt 13.24-30), está envolvido no
pecado de Judas (Lc 22.3). Satanás se disfarça de anjo luz e que seus servos fingem ser
servos da justiça (2 Co 11.14-15), ele cegou os incrédulos para que não vejam a luz (2
Co 4.4), os homens sem Deus estão sujeitos à vontade do príncipe da potestade do ar,
ele se opõe aos cristãos e se esforça em impedir seus trabalhos (1 Ts 2.18).

Apesar disso, seu poder é limitado com o vemos nos primeiros capítulos de Jó, podemos
resistir a ele e com isso ele fugirá (Tg 4.7). Porém ele não é vencido por nossas forças,
mas pelas do ES (Rom 8.26; Ef 6).

Falamos da queda de Satanás em termos pouco precisos porque a Escritura não dá tanta
precisão de como isso aconteceu. Sabemos muitas coisas a partir da cultura: que ele era
músico, que tinha comércio, que pecou por orgulho e que foi 1/3 dos anjos que caíram.
Essas são informações que são tiradas das Escrituras a partir de metodologias um pouco
complicadas. Alguns entendem que Isaias 14.12-21 e Ezequiel 28.11-19 falam da queda
de Satanás (cf Geisler, 476). Esses são os principais textos usados para discutir isso. A
discussão é se os textos falam dos reis terrenos da Babilônia e de Tiro ou para falar se
referir a Satanás. Boa parte do entendimento de que a passagem de Isaias fala da queda
de Satanás advém por causa da tradução da Vulgata que traduziu “estrela da manhã”
para Lucífer. Assim, os leitores entenderam que Lucifer se tratava do nome de Satanás
e, portanto, a passagem fala da sua queda. Porém, Lucifer é simplesmente uma tradução
e não um nome próprio. A passagem de Ezequiel traz elementos mais celestiais e parece
se referir à queda de Satanás. Porém, lembremos que a linguagem de Ezequiel é
profundamente metafórica e cheia de simbolismos, assim o referente ainda pode ser o
rei do Tiro ainda que muitos teólogos pensem de forma diferente. Da mesma forma, não
há problema de considerar que o referente de Isaías não mudou, ainda se tratando do rei
da Babilônia. Nesse caso, cabe da interpretação pessoal de cada um que lê. Para mim,
Ezequiel e Isaías não estão falando, mas de reis terrenos. Porém, bons teólogos pensam
diferente também.
A Bíblia também fala do destino dos demônios. Há uma guerra descrita em Apocalipse
12 entre Miguel e seus anjos contraSatanás e seus anjos. Em Apocalipse 20, João
descreve que Satanás será preso por mil anos e depois solto por pouco tempo para enfim
ser lançado no lago de fogo onde permanecerá para sempre e esse também será o
mesmo destino de seus anjos (Mt 25.41). É por isso que lemos que nós vamos julgar os
anjos (1 Co 6.3). Talvez o termo anjos esteja se referindo aos anjos maus, ou inclua as
duas categorias de seres angelicais. Demônios serão julgados com certeza e lançados
para sempre no lago de fogo e enxofre.

Aula 7 – Ainda existe possessão demoníaca?

A Possessão Demoníaca é amplamente descrita na escritura ainda que a Bíblia fale bem
pouco acerca das realidades espirituais envolvendo demônios, ela descreve bastante os
seus toques na realidade e fala de muitas pessoas que sofrem na mão do Diabo.

Ela é retratada na Bíblia como “ter demônio” ou “estar endemoniado”. Grudem afirma
que

“o problema dos termos possessão demoníaca e endemoniado é que eles sugerem


matizes de influência demoníaca que parecem implicar que a pessoa sob ataque
demoníaco não tem escolha senão se render a ele. Sugerem que a pessoa já não é capaz
de impor a sua vontade, e que está completamente sob domínio do espírito maligno.
Embora isso talvezrealmente se tenha verificado em casos extremos como o do
endemoniado geraseno (Mc 5.1-20), certamente não ocorre em muitos casos de ataque
demoníaco ou de conflitos com demônios”. (GRUDEM, 2010, 345)

Ou seja, existem níveis em que Satanás se apossa, ou influencia as pessoas. Todos nós
podemos ser influenciados pelo diabo. Pedro, talvez, já crente tem a sua boca usada por
Satanás ao repreender Jesus em Mateus 16. Isso significa que ele estava possesso por
um demônio. Alguns homens demonstravam está endemoniados, mas isso não se
manifestava com a perda da consciência, mas com doenças, por exemplo. Em outros
casos, como do endemoniado geraseno, há um nível de loucura completa e do demônio
tomando posse realmente indivíduo.

Erickson comenta que

Evidentemente há diferentes graus de aflição, pois Jesus falou do espírito mau que “vai
e leva consigo outros sete espíritos piores que ele” (Mt 12.45). Em todos os casos, o
elemento comum é que a pessoa afetada está sendo destruída física, emocional ou
espiritualmente.

Algumas pessoas possuem um demônio, outras sete, outras uma legião. A pessoa
endemoniada pode ter força descomunal, agir de maneira estranha, adotar um
comportamento autodestrutivo. Podem ter a capacidade de falar através do possuído e
também podem possuir animais, como é lido quando entraram em porcos.

Demônios podem causar doenças como mudez (Mc 9.17), mudez e surdez (Mc 9.25),
cegueira e surdez (Mt 12.22), convulsões (Mc 1.26; 9.20; Lc 9.39), paralisia ou
deformidades (At 8.7). Porém, nem toda doença é causada por demônios. Em Mt 17.15-
18, Jesus expulsa o demônio de um epilético, mas em Mt 4.24 os epiléticos e paralíticos
são diferenciados dos endemoniados. Não há menção à possessão na cura da mulher
com hemorragia, nem da filha do centurião ou dos dois cegos, nem do homem de mão
atrofiada e até mesmo dos casos de lepra. Nem toda cura que Jesus fez foi um
exorcismo, porque nem sempre a doença é causada por demônios.

Jesus não tinha fórmula para expulsar demônios – como fazem muitos líderes religiosos
- mas apenas dava ordem para que saíssem (Mc 1.25; 9.25). A expulsão é atribuída ao
poder do Espírito Santo (Mt 12.28) e ao poder de Deus (Lc 11.20) – não daquele que
expulsa - e inclusive Jesus revestiu os discípulos com essa autoridade (Mt 10.1), mas os
discípulos precisavam de fé para obter sucesso (Mt 17.19-20). A oração é mencionada
como um requisito para a expulsão e, claro, a fé. Em alguns manuscritos o jejum
também aparece como um desses elementos.

A Bíblia não encerra as possessões no passado e devemos estar cientes de que ela pode
acontecer nos dias atuais. É comum em culturas animistas, baixo espiritismo e em
outras comunidades religiosas onde a possessão é comum. Por outro lado, que temos
que ter cuidado de não atribuir doenças físicas e psíquicas à possessão demoníaca.

E é claro, crentes não podem ser possuídos, pois habitando o ES em nós e sendo ele
Deus, não há como um demônio vencer o próprio Deus para nos possuir. Ainda que
possa influenciar.

O aumento do interesse por demônios tem criado doutrinas erradas como quebra de
maldição hereditária entre cristãos e a ideia de demônios territoriais. Essas práticas não
encontram respaldo bíblico e são modismos fundamentados em um desconhecimento
bíblico. Tanto é que a prática de quebra de maldições hereditárias mais se parece com
práticas de religiões africanas, ou do baixo espiritismo e do espiritismo kardecista do
que com a prática feita por Jesus na expulsão de demônios. Lewis afirma que “nossa
raça pode cair em dois erros igualmente graves, mas diametralmente opostos, quanto
aos demônios. O primeiro é não acreditar na existência deles. O outro é acreditar que
eles existem e sentir um interesse excessivo e doentio por eles”[1]Franklin
Ferreira[2] comenta que

“a noção de que uma pessoa regenerada, remida pelo sangue de Cristo, ainda permaneça
sob a maldição do pecado, sendo controlada por demônios, e que, portanto, precise de
um ritual específico para quebrar esse controle, contradiz o ensino claro das Escrituras
sobre a natureza da regeneração e da identidade fiel em Cristo.”

Portanto, ainda que hajam cicatrizes, resquícios de uma vida de pecado, é com a
santificação que isso é curado, não como um ritual mágico e instantâneo, mas um
processo onde somos transformados pelo ES e onde o poder de Cristo em seu sacrifício
já é suficiente para suplantar toda e qualquer influência demoníaca e assegurar sua
vitória sobre o Diabo e seus anjos maus (Cl 2.13-15). Se você é crente em Cristo Jesus,
você já tem tudo o que precisa para escapar das ciladas do diabo. Você não precisa de
novos exorcismos, ou algo parecido. Isso é profundamente libertador.

[1] LEWIS, C.S. Cartas de um diabo a seu aprendiz. Rio de Janeiro: Thomas Nelson
Brasil, 2017, p 15.
[2] FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,
bíblica e apologética para o contexto atual.São Paulo: Vida Nova, 2007. p 378

8 – A questão da Angelofania

Angelofania é o termo que se refere à aparição de anjos. No AT, temos relatos de que
anjos apareceram a seres humanos (Gn 18.2, 16, 22; 19.1, 5, 10, 12, 15, 16; Jz 13.6). É
curioso notar que em momento nenhum das Escrituras é dito que anjos aparecem na
forma feminina, ainda que haja uma discussão em um texto dos profetas menores. Sobre
as aparições, Bavinck comenta que “elas sempre ocorreram em forma corpórea, assim
como as aparições simbólicas também mostram os anjos em forma visível. Mas isso
tampouco tem qualquer implicação sobre sua corporalidade” (BAVINCK, 465). Os
anjos não são como nós. Sabemos que eles não se casam e não se dão em casamento. O
que pode nos fazer pensar que não possuam órgãos genitais, nem um sexo definido
como nós.

Porém, como resolver a questão da limitação espaço-temporal dos anjos? Eles estão em
todos os lugares ao mesmo tempo já que não tem corpo? Isto é, anjos não podem estar
em dois locais ao mesmo tempo, pois não são onipresentes como Deus, ainda que
possam percorrer grandes distâncias muito rapidamente. Bavinck comenta:

“A prova mais forte em favor da corporalidade dos anjos, como antes afirmado, é
derivada da filosofia. Mas, a esse respeito, uma variedade de más interpretações tem seu
papel. Se a corporalidade só significa que os anjos são limitados no tempo e no espaço,
e não são simples como Deus, em que todos os atributos são idênticos à sua essência,
então certo tipo de corporalidade tem de ser atribuído aos anjos. Mas, geralmente, a
corporalidade, acarreta certa materialidade, mesmo que seja de uma natureza mais
refinada que as dos seres humanos e dos animais. Nesse sentido, não pode e não deve
ser atribuído um corpo aos anjos. Matéria e espírito são mutuamente excludentes (Lc
24.39).

Se eles são espírito, não são matéria. Nós somos seres espirituais, mas temos carne. Eles
não são espirituais no sentido que o homem é, mas são espírito.

A Escritura sempre sustenta a distinção entre céu e terra, anjos e seres humanos,
espiritual e material, coisas viventes e invisíveis (Cl 1.16). Se, então, os anjos devem ser
concebidos como espíritos, eles se relacionam diferentemente – mais livremente –com o
tempo e o espaço que os seres humanos. Por um lado, eles não transcendem todo o
tempo e o espaço como Deus, pois são criaturas e, portanto, finitos e limitados. Eles não
enchem completamente o espaço não são onipresentes nem eternos. Eles também não
oucupam um espaço circunscrito como nosso corpo, pois os anjos são espíritos e,
portanto, não têm dimensões de comprimento e largura e, assim, nem extensão ou
difusão através do espaço. Costumava-se falar, por isso, que eles tinham um espaço
definido, isto é, como seres finitos e limitados, estão sempre em algum lugar. Eles não
podem estar em dois lugares ao mesmo tempo. Sua presença não é extensiva, mas
pontual; e eles não podem ser obstruídos por objetos materiais. Seu deslocamento é
imediato. É claro que essa velocidade de movimento e essa liberdade temporal e
espacial que, no entanto, é atemporal e não-espacial, é inconcebível para nós. No
entanto, a Escritura claramente se refere a isso e, na velocidade do pensamento e da
imaginação, da luz e da eletricidade, temos analogias que não devem ser desprezadas”.
Ou seja, temos um problema filosófico de compreensão séria. Anjos não possuem
corpo, mas não são ilimitados no espaço. Eles não possuem uma materialidade, mas têm
uma presença pontual no espaço físico. Como isso funciona? Boa pergunta. A Escritura
não revela, mas é tudo o que sabemos. Porém, acerca de anjos poderem assumir corpos,
mesmo que temporariamente, temos que lembrar de Hebreus 13.2. O fato de alguns
hospedarem anjos parece indicar que anjos podem assumir corpos, mesmo que
temporariamente e mesmo que não precisem assumir sua identidade. Várias vezes isso
ocorre no AT. Quanto à questão se isso ainda pode acontecer hoje em dia, a Bíblia não
nega, nem afirma. Não obstante, se isso acontece, deve ser semelhantemente ao descrito
no versículo em que não tomaremos conhecimento se é anjo ou não. O foco da
passagem é discutir hospitalidade, não discutir aparição de anjos. Williams comenta que

Houve, de fato, visitas em tempos bíblicos e com certeza podem ocorrer novamente em
nosso tempo. Mas nas Escrituras a ênfase para o crente repousa principalmente na
presença contínua dos anjos[...] A ênfase é colocada em lugar errado quando focaliza a
visitação angelical;

Ou seja, nossa preocupação está em sermos hospitaleiros e não ficar caçando anjos.

aliás, ansiar, buscar ou esperar tais visitas não é incentivado em nenhuma parte da
Palavra de Deus. Antes devemos orar e esperar, especialmente em nossos dias, uma
visitação maior do Espírito Santo (aí está a ação!). E, no que diz respeito a anjos,
podemos nos alegrar em sua presença invisível, mas sempre providencial.

Não podemos viver nessa busca incessante por anjos porque sabemos que eles estão
sempre aqui para o nosso bem.
Escatologia: as doutrinas das últimas coisas
Aula 1 – Fundamentos da doutrina dos ultimas coisas
Agora vamos começar a lidar com um dos temas mais difíceis, mais complexos, da
teologia Cristã, que é justamente a doutrina das últimas coisas. Escatologia é talvez a
área da Teologia Sistemática que mais gera dúvidas, questionamentos, que mais
desperta curiosidade nos membros da igreja. O seu nome, escatologia, deriva do grego
“escathos” que significa último, ou final. Ou seja, escatologia é o estudo das últimas
coisas que acontecerão decorrente dos planos de Deus para a história: quando Jesus
voltará, quando acontecerá o milênio, o que é e quando acontecerá o arrebatamento,
como Jesus lidará com a igreja e com Israel e várias outras perguntas nesse sentido são
muito importantes para o estudo da escatologia.

Cristãos em divergido em suas respostas a essas perguntas e muito debate tem se


aquecido ao longo da história da igreja por causa disso. Existem dispensacionalistas
clássicos, revisados e progressivos. Existem aliancistas e teólogos da Nova Aliança e há
o aliancismo progressivo. Cristãos têm adotado posições pré milenistas
dispensacionalistas, pré-milenistas históricas, pós-milenistas, amilenistas, pré-
tribulacionistas, meso-tribulacionistas, pós-tribulacionistas, pré-ira, preterismo parcial
ou não. Enfim, existem tantas variações e tantos debates dentro da escatologia que as
coisas podem acabar ficando um pouco confusas. É por isso que nesse módulo faremos
um grande panorama das posições acerca do fim dos tempos tentando dar a linguagem
do debate, apresentar as principais posições, as bases dessas posições e então auxiliá-lo
para entender onde está esse debate e ter um caminho para chegar a suas próprias
conclusões acerca do fim dos tempos.

É importante dizermos, logo no início deste módulo, que a escatologia é uma doutrina
que molda a forma como nós vemos e vivemos o presente. Ela não é só uma doutrina
que serve para matar a nossa curiosidade, pelo contrário a expectativa da volta de Cristo
deve moldar a forma como nós vivemos o nosso presente. A escatologia nos consola. A
escatologia nos prepara para as dificuldades e nos faz aguardar o reino da Glória do
Senhor. É importante que todo cristão que confessa a Bíblia como inerrante, infalível, e
inspirada creia em alguns pontos fundamentais acerca da escatologia por mais que
hajam os mais variados e bytes existem pontos centrais e fundamentais na escatologia
com os quais todos os cristãos estão dispostos a concordar.

Primeiro, todos os cristãos concordam fundamentalmente que haverá uma redenção


individual futura para todos os crentes. Todos os crentes receberão essa redenção futura
que há em Cristo Jesus. Em segundo lugar, os crentes concordam, de forma única, que
haverá perdição, condenação, aos impenitentes, aqueles que estão longe de Deus serão
condenados da parte de Deus. Em terceiro lugar, todos cremos que Jesus voltará, em um
corpo glorificado, a fim de buscar o seu povo. E, em quarto lugar, esse povo reinará
com Jesus para todo sempre em um reino de glória, sem dor, sem sofrimento, sem
doença, sem morte.

Ainda que nós possamos divergir no como, divergir no quando, divergir no onde e nos
pormenores que surgem dessas questões, cristãos verdadeiros podem se unir em
uníssono cantando “maranata, ora vem, senhor Jesus”. Cristãos podem divergir quanto à
estrutura, às figuras de linguagem, às metáforas, e às ilustrações apocalípticas, mas
sendo genuinamente cristãos estaremos unidos na espera do nosso Senhor.

Qualquer um, então, que negue a ressurreição corpórea de Jesus Cristo e do seu santos,
qualquer que negue que Jesus voltará num corpo visível e físico para buscar todos os
crentes, qualquer um que negue que por toda a eternidade Cristo será o nosso Deus e
nós seremos o seu povo, é alguém que absolutamente não possui um escatologia bíblica.
Há a necessidade de termos uma boa teologia bíblica acerca do fim dos tempos
justamente porque são doutrinas que também unem os cristãos. Por mais que ela nos
separe bastante, existem pontos comuns, que às vezes nem falamos tanto a respeito, mas
que são pontos de unidade muito importantes para todos nós.

Pense na figura de Rudolf Bultmann, por exemplo. Bultmann propôs uma


demitologização da Bíblia. Isso significa que os autores do Novo Testamento, segundo
ele, escreveram a Bíblia na linguagem que lhes era comum naquela época, e que.
portanto, nós não podemos entender o Novo Testamento como o relato objetivo, ou
seja, o relato dos milagres e o relato da ressurreição de Cristo não devem ser entendidos
como se realmente tivessem acontecido de forma objetiva, mas como uma forma de
mito, uma história que deve ser entendida pelo que ela quer transmitir. Os autores do
Novo Testamento, segundo Bultmann, teriam usado contextos e conceitos gnósticos,
alguns mitos do Judaísmo e de outras fontes a fim de expressar aquilo que havia
acontecido com eles. Segundo ele, o propósito do Novo Testamento não é trazer uma
interpretação da história, mas apenas falar acerca da existência. Não existem fatos,
apenas significados. Para ele, João, Paulo e outros autores não falam da escatologia
como eventos futuros, mas como realidades que já são presentes e que comunicam hoje
algo voltado à nossa existência. A escatologia não falaria de algum evento em
particular, mas sim de verdades atemporais e existenciais. Nisso, Bultmann nega a
historicidade, logo a verdade daquilo que é dito na Escritura. Ao negar os milagres
como uma realidade histórica e a volta de Cristo como um fato que realmente virá sobre
nós, ele se afasta da sã doutrina acerca da escatologia e cai em erro, em uma heresia
muito séria.

Portanto, temos que chegar logo na seguinte conclusão no início. Temos que ter
prudência antes de julgar aqueles que divergem de nós em pontos secundários da
escatologia. Mas precisamos realmente prudentes com aqueles que negam os pontos
centrais dessa questão. Com uns, podemos cear juntos. Com outros, a Escritura proíbe
que nós sentarmos para comer com eles.

Aula 2 – Escatologia individual e estado intermediário


SONO DA ALMA

Já vimos no módulo de antropologia que quando morremos nossa alma tem um destino.
Agora, em escatologia, vamos ver melhor esse ponto. Já falamos de inferno eterno no
módulo de hamartiologia. A grande polêmica que se dá em torno dessa escatologia
individual diz respeito ao destino de nossa alma logo após a nossa morte.

A doutrina que trata do período entre a nossa morte e a volta de Cristo é chamada de
estado intermediário. Ela recebe esse nome porque, justamente, é um estado de
transição entre essa vida e o estado de plena santidade para sempre com Cristo, a
glorificação. Essa doutrina responde se estaremos ou não conscientes após a morte e
onde estaremos. Um dos aspectos da morte é a separação da alma do corpo. Por isso,
precisamos averiguar o que a Bíblia diz acerca disso para entendermos onde nós vamos
após a derradeira morte dessa vida. Sabemos que morte é o salário do pecado. Sabemos
que aquele que crê em Cristo vive para sempre, venceu a morte e agora tem a vida.

Uma concepção que pode ser pensada é a do sono da alma. Esse entendimento postula
que na morte a alma fica inconsciente, em uma espécie de sono, um coma. Essa doutrina
é crida por Testemunhas de Jeová e Adventistas do sétimo dia. A posição adventista,
porém, o “sono” é um eufemismo para extinção. A alma seria extinta e refeita quando
Jesus voltar. Essa ideia do sono da alma advém de passagens que falam que certa pessoa
“adormeceu”, ou “os que dormem” (At 7.60; 13.36; 1 Co 15.6, 18, 20, 51). Para eles,
isso quer dizer que a pessoa está nesse tipo de sono.

Veja como essa compreensão escatológica está ligada a uma compreensão


antropológica. Se o corpo deixa de existir com a morte, a alma também deixaria. Isso
serviria de argumento para dizer que se o corpo morreu nesse estado intermediário, a
alma também está morta, por isso ela será refeita na nossa ressurreição assim como o
corpo será refeito. O problema com essa concepção são outras passagens que relatam
um estado de vida consciente após a morte. A passagem de Lázaro (Lc 23.43), quer seja
entendida como parábola ou relato histórico – as duas posições são bem vindas no meio
cristão ortodoxo – mostra um local de consciência de alma tanto para salvação quanto
para condenação. O rico e Lázaro não estão dormindo, mas conscientes. Ao ladrão da
cruz, Jesus disse que ainda hoje ele estaria no paraíso. Para que isso pudesse acontecer,
o ladrão deveria ter consciência disso. Adventistas deturpam essa passagem dizendo que
Jesus quis dizer “Te digo hoje, estarás comigo no paraíso”. Porém, isso não respeita o
grego da passagem. Não há qualquer indício textual de uma vírgula que separe as
orações. De fato Jesus disse: “Te digo que no dia de hoje estarás comigo no paraíso”.
Devemos simplesmente entender os termos “adormeceu” e “os que dormem” como a
figura de linguagem eufemismo para a morte. O objetivo é tanto atenuar a linguagem da
morte para aqueles que tiveram seus entes perdidos, quanto chamar atenção para o fato
de que aqueles que morreram voltarão a viver. Por isso, não estavam mortos de fato,
mas apenas dormindo. É o que Jesus diz acerca de pessoas que estavam mortas e que ele
ressuscitou, porque estavam em um estado de consciência de morte, mas voltaria a viver
novamente. Essas referências não querem de fato dizer que a alma não esteja de fato
dormindo em um estado de inconsciência depois da morte do ser humano.

PURGATÓRIO

Outra visão é a do purgatório. Essa posição, defendida pela igreja católica romana,
entende que a alma está consciente após a morte. Quem morre em impiedade, vai
diretamente para o inferno. Essa punição é proporcional ao mal que o indivíduo fez
enquanto era vivo e será pior após a ressurreição. Aqueles que se encontram em um
perfeito estado de graça e penitência vão diretamente para o céu. Já o purgatório é
reservado para aqueles que ainda não estão espiritualmente perfeitos, aqueles que não
alcançaram a devida penitência. Lá eles iram purgar os pecados restantes, pagando a
penitência que falta devido às suas transgressões”. Tomás de Aquino argumentou que
após a morte essa purificação ocorre por meio de sofrimentos penais. Enquanto
vivemos, podemos pagar penitências por meio de obras que nos purificam dos pecados,
mas depois da morte não, sendo assim necessário o purgatório. Esses pecados chamados
veniais podem ser perdoados de três maneiras: Um perdão incondicional de Deus;
sofrimento e realização de obras penitenciais; e contrição. Deus pode perdoar
incondicionalmente; por realização e sofrimento de atos penitenciais; e pela contrição.
Deus poderia perdoar incondicionalmente, mas escolheu agir por meio da contrição e
das obras. Sendo assim, a alma no purgatório não podendo realizar obras de penitência
terá que expiar seus pecados por meio de um sofrimento passivo. As almas no
purgatório podem ser auxiliadas pelos que vivem através de orações, missas e boas
ações. Essas coisas reduzem o tempo indeterminado que a alma passará no purgatório.
Quando finalmente não há mais pecados a serem purgados, a alma pode ascender aos
céus.

A Igreja Católica Romana baseia essa doutrina na tradição do magistério da igreja,


assim como na interpretação e leitura de alguns textos bíblico. e em algumas passagens
da Bíblia. Como uma passagem que diz que se você não se acertar com seu irmão você
vai pagar essa conta e só sair da prisão quando pagar tudo. O Concílio de Trento
também ratificou essa doutrina. O apoio mais fundamental é de um livro apócrifo que é
2 Macabeus 12.43-46 que diz:

Em seguida, fez uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas, para que
se oferecesse um sacrifício pelos pecados: belo e santo modo de agir, decorrente de sua
crença na ressurreição, porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria
sido vão e supérfluo rezar por eles. Mas, se ele acreditava que uma bela recompensa
aguarda os que morrem piedosamente, era esse um bom e religioso pensamento; eis por
que ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas.

O problema de usar esse texto como base para defender a doutrina se dá por ele ser
apócrifo, portanto não tem peso de autoridade de inspiração para postulação de
doutrinas bíblicas. Além disso, o conceito do purgatório entra em choque com a
doutrina da salvação somente pela fé e somente pela graça. Assim, dentro de uma
perspectiva protestante, a ideia de um purgatório é completamente rejeitada.

RESSURREIÇÃO INSTANTÂNEA

Essa é uma ideia recente que defende que após a morte o corpo é revestido
instanteneamente pelo corpo de ressurreição que foi prometido. W.D. Davies afirma que
Paulo tinha dois conceitos de ressurreição. Paulo pensa em uma ressurreição futura (1
Co 15) e num revestimento temporário após a morte (2 Co 5). Não seremos almas
desencarnadas, mas receberemos esse corpo celestial. Davies argumenta que, quando
escreveu 2 Coríntios, Paulo já não cria em um estado intermediário desencarnado, assim
como argumenta o judaísmo rabínico, entendendo que após a morte há uma transição
imediata para o nosso estágio final.

Novamente, a compreensão antropológica afeta a escatologia. Davies entendia que o


homem é um ser que foi feito para ter corpo e alma unidos. Assim, após a morte, não
poderia haver vida se não houvesse um corpo. Logo, um revestimento instantâneo foi
proposto por ele para solucionar isso. Porém, a antropologia paulina não é contra uma
vida desencarnada após a morte. Paulo fala de uma transformação do nosso corpo em
uma ressurreição futura (Fp 3.20-21; 1 Ts 4.16-17), destaca que a segunda vinda de
Cristo é uma libertação e glorificação (Rm 2.3-16; 1 Co 4.5; 2 Ts 1.5-2.12; 2 Tm 4.8).
Jesus mesmo enfatizou que os mortos serão ressuscitados (Jo 5.25-29). Davies não faz
nada mais do que apresentar uma solução para um problema que ele mesmo criou. A
ideia de um novo corpo e uma glorificação imediata não parece ter muito amparo no
NT.

POSIÇÃO BÍBLICA

Com base nas informações bíblicas corretamente interpretadas (Mt 10.28; 16.18-19; Mc
9.43-48; Lc 16.19-31; 23.43; At 2.31; 2 Co 5.1-10; Fp 1.19-26) concluímos que após a
morte o indivíduo irá em espírito para o céu, se crer no nome de Cristo como salvador,
ou para o inferno, se for descrente. Esse estado é intermediário justamente porque não é
o estado final que aguarda todas as pessoas. Ainda haverá uma ressurreição tanto para
crentes como para descrentes. Os crentes ressuscitarão, sairão dos céus e habitarão na
terra e os descrentes também ressuscitarão, mas serão lançados junto com todo o
inferno, os anjos caídos e os demônios no Lago de Fogo, a segunda morte.

BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015

Aula 3 – Pontos comuns sobre a segunda vinda de Cristo

A segunda vinda de Cristo é um elemento que deve ser fundamentalmente confessado


por todo cristão. Conforme foi dito anteriormente, existem elementos de divergência em
escatologia, mas também existem elementos de convergência que são confessados em
uníssono por todos os crentes em todas as igrejas. E esse é um deles. Antes de
adentrarmos propriamente no quando ela ocorrerá, um ponto de divergência, precisamos
falar de como ela ocorrerá, o ponto de conformidade.

Primeiramente, vários textos bíblicos apontam para a volta de Cristode forma mais
direta (Mt 24-25; 26.64; Jo 14.3; At 1.11; Fp 3.20-21; 1 Ts 4. 15-16; 2 Ts 1.7, 10; Tt
2.13) e indireta (1 Co 1.7; 15.23; 1 Ts 2.19; 3.13; 5.23; 2 Ts 2.1, 8; 1 Tm 6.14; 2 Tm
4.1, 8; Hb 9.28; Tg 5.7-8; 1 Pe 1.7, 13; 2 Pe 1.16; 3.4, 12 e 1 Jo 2.28). Assim, somos
levados a ansiar pela sua volta em corpo tal qual subiu aos céus. Crer em qualquer outra
forma de volta de Cristo é contrário às Escrituras. Ele não voltará de outra forma, senão
em corpo vindo dos céus tal qual subiu.A Palavra do próprio Deus nos dá a certeza de
como Jesus voltará. Isso não é meramente uma linguagem existencialista como pensava
Bultmann, mas será um evento histórico mundial. Ainda que isso venha sendo
anunciado a 2000 anos, esperamos a sua volta ardentemente. Assim podemos exercitar
nossa paciência, pois ele voltará no tempo certo que está determinado. Nesse meio
tempo, praticamos exercícios de santidade para nossa purificação. Olhamos para Cristo
e para o que seremos para encontrar força, consolo e instrução para esses dias de agora
em que vivemos. Essa espera não é vã, pois como diz certa música “somos
transformados enquanto esperamos”.

O segundo ponto é que apesar de termos a certeza da sua volta, não podemos dizer o
quando ela acontecerá precisamente. Muitos já tentaram através de cálculos criativos,
gematrias fabulosas e estipulações para tentar prever o tempo da volta de Cristo. Porém,
a Bíblia não dá elementos suficientes para esse tipo de comportamento. Sabemos
certamente que ele voltará, mas não quando especificamente isso ocorrerá (Mc 13.32,
33, 35; At 1.7). O próprio Cristo deixa claro que ninguém além do Pai sabe disso, nem
mesmo os anjos nos céus. Temos que combater a ansiedade de previsões com a certeza
da esperança da sua volta. Qualquer movimento que tente dar datas para a volta de
Cristo, é um movimento errado, falso e inimigo da verdadeira escatologia bíblica.

A natureza de sua vinda terá natureza pessoal, corpórea, visível, inesperada, triunfante e
gloriosa.Ela é pessoal porque A Bíblia nos mostra que ela será tão pessoal como foi a
sua partida (Jo 14.3; At 1.11). Ela será corpórea porque é o cumprimento da promessa
que ele deixou (Jo 14.23). É visível porque todo olho o verá, não é algo que só os
crentes verão. Nem é algo que acontece de maneira espiritual internamente, mas é um
testemunho mundial (Mt 24.30). Ainda que a Bíblia nos mostre os sinais de sua vinda, o
eventocataclismico da sua voltaserá repentino como foi o dilúvio nos dias de Noé (Mt
24.37; 25.8-10). E será triunfante e gloriosa porque ele voltará em poder. O Cristo que
morreu como cordeiro voltará como leão. Ele julgará as nações em seu trono de glória
(Mt 25.31-46).

Vamos discutir muitos detalhes conflitantes sobre a volta de Jesus, mas aquilo que há de
mais importante é simples, é fácil e não há muita polêmica envolvida. Isso acalenta os
nossos corações. Alimenta a nossa fé, a certeza de que, em breve, Cristo virá para dar
ordem para toda essa bagunça que criamos no mundo dele. Ele virá para nos
transformar, para mudar o nosso para nos trazer para sempre para a sua presença. Isto
ansiamos e isto queremos profundamente.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

Aula 4 – Os pré-milenismos
Quando falamos de escatologia, geralmente falamos da ordem que os eventos
escatológicos acontecem. Uma das grandes polêmicas envolvendo escatologia está
relacionada ao Milênio. O arrebatamento, o momento em que os cristãos serão levados
para perto de Deus, e o fim de todas as coisas, quando serão? Isso está associado a
questão de um Milênio. Existe um Milênio literal ou não? O Milênio é algo que é
descrito em Apocalipse 20 como um reino de 1000 anos de Cristo na terra onde depois
disso Satanás será solto. Muitos cristãos são pré-milenistas. Eles acreditam que o
arrebatamento se dá antes desse Milênio. Outros são pós-milenistas e acreditam que o
arrebatamento se dá depois desse Milênio. E há ainda os amilenistas, acreditando que
esse Milênio não é literal. O “a” de amilenismo viria como uma partícula de negação.
Então, não existiria literal, mas o milênio seria uma referência à era da igreja. Uma
parcela minoritária vai acreditar que esse Milênio é uma referência ao próprio estado
eterno.

Assim, uma das primeiras questões que envolvem divergências é a natureza do Milênio.
Existem basicamente quatro posições acerca desse tópico: O pre-milenismo histórico; o
pré-milenismo dispensacionalista; o pós-milenismo e o amilenismo.

O Pré-milenismo histórico tem como representantes teólogos como Wayne Grudem,


Millard Erickson, George Eldon Ladd, Charles Wesley, Charles Spurgeon, Irineu de
Lion e Tertuliano. De acordo com essa corrente a ordem dos eventos é a seguinte: 1)
Época atual da igreja, expansão da proclamação do evangelho e a apostasia do homem;
2) grande tribulação de sete anos, ascenção do anticristo e perseguição da igreja; 3)
volta de Cristo, arrebatamento, primeira ressurreição e batalha do Armagedon; 4)
inauguração do milênio e prisão de Satanás; 5) Fim do milênio, soltura de Satanás e
rebelião das nações; 6) Derrota final de Satanás, ressurreição dos ímpios e julgamento
final; 7) Estado eterno.

O pré-milenismo entende um milênio literal de 1000 anos onde Cristo estará reinando
fisicamente na terra. Ou seja, isso é um evento que ocorrerá no futuro. A passagem
central para o pré-milenismo é Apocalipse 20.4-6 que diz:

Vi também tronos, e nestes sentaram-se aqueles aos quais foi dada autoridade para
julgar. Vi ainda as almas dos que foram decapitados por terem dado testemunho de
Jesus e proclamado a palavra de Deus. Estes são os que não adoraram a besta nem a sua
imagem, e não receberam a sua marca na testa e na mão; e viveram e reinaram com
Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se
completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem-aventurado e santo é
aquele que tem parte na primeira ressurreição. Sobre esses a segunda morte não tem
poder; pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil
anos.

Eles também observam que há duas ressurreições, ou uma ressurreição física em duas
etapas: uma no começo do milênio e uma no final dele. Ladd diz que “no começo dos
mil anos alguns dos mortos tornam à vida; no final o restante dos mortos torna à vida.
Não há jogo de palavras evidente aqui. A passagem faz sentido perfeitamente quando
interpretada de forma literal”. Para o pré-milenista histórico, a igreja passa pela
tribulação e é arrebatada após ela para logo em seguida voltar com Cristo para
instauração do seu reino. Os crentes que tiverem morrido durante a grande tribulação
serão ressuscitados, recebendo um corpo glorificado, juntamente com todos os outros
que viveram nos tempos passados e os que estiverem vivos no presente. Estes entrarão
no Reino Milenar com corpo glorificado. O Milênio é um evento repentino instaurado
por Jesus Cristo, o qual reinará desde o início e eliminando praticamente todo o mal de
forma que até mesmo os animais viverão em harmonia (Is 11.6-7; 65.25). Muitos, mas
não todos, dos incrédulos se converterão a Cristo. Então, Jesus reinará com paz durante
mil anos.

É somente no início do Milênio que Satanás é preso para ser solto no final desse tempo
para receber o golpe final de derrota completa. Durante esse reinado milenar, haverá
paz, mas isso não significa extinção completa do pecado e de descrentes. Muitos dos
que não se converteram e dos que nasceram no Milênio se submeterão a Cristo e serão
sujeitos a ele simplesmente de uma forma externa. Ao final do Milênio, haverá uma
revolta desses descrentes liderada por Satanás que será derrotada (Ap 20.7-10). Cristo
então ressuscitará todos os incrédulos que tiverem morrido ao longo de toda a história e
os julgará em seu trono branco (Ap 20.11-15).

Para todo pré-milenista, Israel tem uma posição de destaque durante o Milênio. O pré-
milenista histórico entende que a ênfase ao papel espiritual de Israel que acontece por
meio da Igreja. Ou seja, o pré-milenista histórico entende que Israel é incorporado de
forma espiritual à igreja na medida em que se convertam George Eldon Ladd comenta
que “não vejo como evitar a conclusão que o Novo testamento aplica profecias do
Antigo Testamento à igreja neotestamentária, e assim fazendo identifica a igreja com o
Israel espiritual”. Mais à frente, ele acrescenta que “a igreja, formada de judeus e
gentios, tornou-se o povo de Deus”.Assim, os pré-milenistas históricos entendem a
incorporação e salvação dos judeus na e através da igreja. Ela é o Israel espiritual (cf.
Rm 4.11, 16; Cl 3.7, 29) porque Abraão seria o pai espiritual de todos os crentes. A
Bíblia também fala da promessa da Nova Aliança (Jr 31.33-34 cf Hb 8.6-7) que foi
prometida à Israel, mas aplicada à Igreja. Paulo afirma que o endurecimento veio sobre
Israel até que um número enorme de gentios fosse salvo (Rm 11.26). Israel, os ramos
naturais, seriam reenxertados na videira – figura utilizada por Paulo – no tempo da
plenitude dos gentios e dessa forma ele seria salvo. Ladd considera a possibilidade de
uma conversão em massa de Israel no Milênio para que se cumpra o que foi dito por
Paulo.

É preciso dizer o motivo da igreja ser arrebatada. O arrebatamento acontece para que os
crentes estajam com Cristo nas comemorações das bodas – a união de Cristo com a
Igreja. Apocalipse 19.6-10 fala do casamento do Cordeiro ainda que não o descreva
com detalhes. O tema é repetido em Apocalipse 21.2 onde a Jerusalém espiritual é vista
descendo do céu.

Finalmente, depois do Milênio, depois das bodas, depois do julgamento de Satanás, seus
demônios, o anticristo, a besta e os descrentes, a Igreja entrará no estado eterno para
estar para sempre junto ao Senhor de todo o Universo.

A imagem abaixo ilustra os eventos de acordo com o entendimento do pré-milenismo


histórico.

(GRUDEM, 1999)

PRÉ-MILENISMO DISPENSACIONALISTA

Um dos destaques do pré-milenismo dispensacionalista é a interpretação literal das


Escrituras.Herman A. Hoyt afirma que “onde quer que prevaleça o pré-milenismo, vê-se
que ele não apenas está fundamentado na interpretação literal das Escrituras, mas que a
partir daí, elabora todo um sistema de teologia que incorpora a Bíblia toda”. Algumas
pessoas exageram em críticas quando dizem que a interpretação literal deve ver as
imagens de apocalipses, como o dragão, de forma real, porém deve-se levar em conta
que uma interpretação literal leva em conta figuras de linguagem como metáforas. Hoyt
aponta que o dispensacionalismo avança progressivamente para um final bom através
dos planos de Deus.

A grande diferença do pré-milenismo histórico para o pré-milenismo dispensacionalista


é uma maior diferença entre Israel e a Igreja. Os planos de Deus para Israel não se
cumprem através da igreja, mas se cumprem através do próprio étnico de Israel que há
de se converter no futuro e então receberá o cumprimento das alianças e o cumprimento
do AT ao próprio povo de Israel. A leitura que é feita de Romanos 9-11 é uma leitura
mais literal e entende-se Israel ali não como um Israel espiritual, mas como étnico. No
Milênio, o povo de Israel seria devolvido à sua terra e as profecias do AT se cumpririam
em Israel de forma plena.

OBS: Retiramos as ilustrações da sistemática de Wayne Grudem o qual só considera a


possibilidade de um pré-milenismo pré-tribulacionista. Consideraremos as outras
possibilidades nas aulas a seguir

BIBLIOGRAFIA:

CLOUSE. Robert G. (edit). Milênio: significado e interpretações. Luz para o caminho:


Campinas, 1985.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 5 – Amilenismo e pós-milenismo


AMILENISMO

A posição amilenista acredita que não haverá um milênio literal, mas esse evento deve
ser interpretado de maneira espiritual. Ela é defendia por homens como Anthony
Hoekema, Augustus Nicodemus Lopes, Herman Bavinck, Louis Berkhof. De fato, os
amilenistas não gostam tanto desse nome, porque ele expressa uma negação do milênio
quando na verdade eles afirmam que o milênio é o período entre a ressurreição e a volta
de Cristo. Ou seja, o milênio é a atual fase da igreja, um tempo muito longo entendido
como o período de expansão do Evangelho, crescimento e perseguição da igreja e por
fim a volta de Cristo. Para eles, os mil anos de Apocalipse deve ser interpretado de
forma simbólica, consistindo em “sete secções paralelas entre si, cada uma delas
descrevendo a igreja e o mundo desde a época da primeira vinda de Cristo até a da sua
segunda vinda” (Hoekema). As secções são divididas da seguinte forma:Primeira secção
(1-3);segunda secção (4-7); terceira (8-11); quarta (12-14); quinta (15-16); sexta (17-
19); e a sétima secção narra o fim do dragão, o juízo, o triunfofinal de Cristo e da igreja
e os novo céus e nova terra. Apesar de serem paralelas, as secções mostram certa
progressão. Por isso que se diz que o debate entre pré-milenistas e amilemistas é um
debate entre uma leitura sequencial, histórico-progessiva, do Apocalipse e uma leitura
circular do Apocalipse como seria o caso dos amilenistas. Jesus voltará para buscar os
seus e julgar os incrédulos depois dessa era atual. Depois disso, todos os que creram em
seu nome habitarão com ele para sempre na terra com corpos glorifcados.

Alguns amilenistas como Louis Berkhof entendem que deve haver uma série de eventos
antes da volta de Cristo, então ela não é tão iminente assim. Através da pregação do
Evangelho, muitos gentios serão chamados e muitos se converterão (Mt 8.11; 13.31-32;
Lc 2.32; At 15.14; Ef 2.11-20). Berkhof afirma que “no final dos tempos será possível
dizer que a todas as nações foi dado conhecer o Evangelho, e o Evangelho testificará
contra as nações que não o aceitaram” (BERKHOF, 643). Outro evento é a conversão
de Israel. O entendimento é que esse Israel não é a nação, mas os judeus que são
incorporados na Igreja ao se converterem a Cristo. Outro evento é a grande apostasia e
a grande tribulação. Berhkof entende que esses eventos precedem a volta de Cristo de
acordo com o que a Bíblia ensina (Mt 24.9-12, 21-24; Mc 13.19 2 Ts 2.3; 1 Tm 4.1; Ap
6.9; 7.13-14). Essa apostasia já era sentida nos tempos de Jesus, porém ela se
intensificará. Assim também, a perseguição que a Igreja sofrerá por meio dos que
rejeitam a Cristo. Haverá também a revelação do anticristo. A natureza do anticristo é
alvo de debate. Anticristo pode se referir a um princípio, a um ser pessoal, ou a um
grupo de pessoas. No entanto, qualquer uma das interpretações destaca um elemento de
forte oposição à Igreja e a Jesus por parte dessa figura (2 Ts 2.3-4; 1 Jo 2.18, 22; 4.3; 2
Jo 7). O Anticristo tentará se colocar no lugar de Jesus para enganar o mundo e, de fato,
enganará a muitos. Além disso, haverá muitos outros sinais como guerras e rumores, o
surgimento de falsos profetas e eventos que abalarão os céus e os estelares. Apesar de
tudo isso, não é possivel asseverar a data precisa da segunda vinda. Os eventos que a
precedem apontam para ela como uma forma de mostrar que ela se aproxima, mas não a
determina com precisão

Na sua segunda vinda, Cristo julgará os incrédulos – os vivos na época e todos os que já
tiverem morrido – e os condenará à segunda morte ao mesmo tempo em que reunirá
todos os crentes – os vivos e os que tiverem morrido – para reinarem com ele na vida
eterna. Para amilenistas, Satanás já está preso desde a crucificação de Jesus. O poder de
Satanás está limitado. Na era que foi iniciada com a grande comissão, onde os
discípulos devem propagar o Evangelho, Satanás está “acorrentado” para não mais
enganar as nações como fizera com as nações no AT. Isso não significa que ele está
impotente, mas limitado a não poder impedir que as nações aprendam o Evangelho
pregado.Ele será libertado por um curto período de tempo para enganar as nações e se
rebelar, mas quando Jesus voltar, Satanás será definitivamente derrotado, julgado e
lançado também no lago de fogo.

(Grudem, 1999)

PÓS-MILENISMO

Essa perspectiva já caiu em desuso a muito tempo. Pouquíssimas pessoas no mundo são
pós-milenista hoje. Porém, já teve muita força ao longo da história da igreja. O pós-
milenismo é a corrente seguida por homens como Thomas Manton, David Dickson,
Samuel Rutherford, Charles Hodge, Augustus H. Strong, Douglas Wilson, Rousas J.
Rushdoony, Gary DeMar, Greg Bahnsen outros. No Brasil, a editora Monergismo é
conhecida por publicar livros sobre essa corrente e de autores pós-milenistas. Essa
corrente é parecida com o amilenismo porque ambos entendem que o Milênio não é
literal e é a atual fase da igreja que perdurará até a volta de Cristo. A diferença entre
eles é que o pós-milenismo entende que a pregação do Evangelho expandirá e
implantará o Reino de Deus. Conforme o Evangelho for sendo pregado, boa parte das
pessoas do mundo se converterá a Cristo e sua postura mudará. Os princípios éticos da
Bíblia guiarão a sociedade e os governos. Essa mudança de postura terá impacto na
sociedade que sofrerá uma mudança para melhor. Na medida em essa expansão for
acontecendo, o reino vai sendo instaurado. Como afirma Loraine Boettner, “esta era vai
gradualmente unindo-se à do milênio conforme uma proporção crescente dos habitantes
do mundo convertem-se ao cristianismo[...] O pecado não será eliminado, mas será
reduzido a um mínimo, conforme o ambiente moral e espiritual da terra torna-se
predominantemente cristão”. O retorno de Cristo marca a instauração definitiva desse
reino e o fim do milênio. Assim como no amilenismo, ele julgará os incrédulos quando
voltar, lançando-os no lago de fogo, e ajuntará os crentes para o estado eterno junto a si.

Pós-milenistas entendem que os as profecias de Daniel, Mateus 24 e boa parte das de


Apocalipse já foram cumpridas com a derrota dos judeus para os romanos no ano 70
d.C. Por causa da apostasia judaica, as promessas que eram suas serão cumpridas na
igreja. Um ponto bastante positivo do pós-milenismo que deveria ser adotado por
proponentes das outras correntes teológicas, mesmo que discordem dele, é o seu
otimismo em relação ao Evangelho. Novamente, note como a escatologia molda como
vivemos no presente. Por crer que o Reino Milenar avançaria e o processo da
instauração definitiva do reino de Cristo na terra teria uma progressão através da
proclamação do Evangelho, pós-milenistas têm a tendência de um engajamento em
missões e evangelismo que é louvável. O famoso pai das missões modernas, William
Carey, era pós-milenista. Seu empenho de alcançar novos povos foi moldado por sua
visão escatológica.

BAVINCK, Herman. Dogmática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2012

CLOUSE. Robert G. (edit). Milênio: significado e interpretações. Luz para o caminho:


Campinas, 1985.

ERICKSON, Millard J. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERREIRA, Franklin. MYATT, Alan. Teologia Sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: atual e exaustiva. São Paulo: Vida Nova,
1999

Aula 6 – Pré-tribulacionismo
O pré-tribulacionismo é a ideia que a igreja é levada aos céus em um arrebatamento
secreto antes da tribulação. A ideia de que os crentes serão levados, desaparecendo da
terra, em um período antes à grande tribulação, a qual seria o período onde se acirraria a
perseguição do anticristo sobre o mundo.

O momento de tribulação nos termos escatológicos se refere à 70ª semana descrita no


livro de Daniel quando o profeta diz:

Saiba e entenda isto: desde que foi dada a ordem para restaurar e para edificar Jerusalém
até a vinda do Ungido, o Príncipe, haverá sete semanas e sessenta e duas semanas. As
ruas e as muralhas serão reconstruídas, mas será um tempo de muita angústia. Depois
das sessenta e duas semanas, o Ungido será morto e não terá nada. O povo de um
príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário. O seu fim virá como uma
inundação. Até o fim haverá guerra, e desolações foram determinadas (Daniel 9:25,26).
O período até essa semana e os eventos que ocorrem nela são entendidos de forma
diferente pelas correntes teológicas. Cada uma terá uma particularidade na forma de
interpretar os textos apocalípticos. No Novo Testamento, o discurso dado por Jesus no
Monte das Oliveiras (Mt 24.4ss) é atribuído e interpretado como se referindo a esse
período.

As posições acerca da tribulação visam responder como os eventos que antecedem a


vinda de Cristo acontecerão. Para isso, é fundamental que haja uma definição da relação
entre Igreja e Israel, pois a forma como essa relação é vista está diretamente relacionada
a como interpretarão os eventos que ocorrem a cada uma das partes.

A maioria concorda que as primeiras 69 semanas descritas por Daniel equivalem ao


tempo entre o decreto de Ciro que proporcionou a reconstrução de Jerusalém. A grande
disputa é justamente acerca da última semana.

A grande ênfase do pré-tribulacionismo é a natureza da tribulação que antecede a volta


de Cristo. Será algo totalmente diferente de tudo que já ocorreu na história, por isso ela
é chamada de Grande Tribulação. Esse período será a conclusão do tratamento de Deus
com os gentios e uma preparação para o Milênio e os eventos posteriores. Esse não é
um período que deve ser entendido como um tempo de purificação da igreja, nem de
disciplina. Afinal, a igreja será arrebatada aos céus.

A ideia do arrebatamento ficou muito conhecida como um desaparecimento instantâneo


dos crentes que tiveram uma vida santa de hora para hora. Deixando para trás somente
suas roupas. Foi devido a série de livros Deixados para trás de Tim Lahaye. Porém,
essa concepção está equivocada. Sim, haverá um arrebatamento, mas não nos moldes
postos por Lahaye.

O pré-tibulacionismo entende uma distinção entre Israel e Igreja onde Deus tem um
plano para cada. Assim, o pré-tribulacionismo está associado com o
dispensacionalismo, pois este entende que a igreja é um mistério que não fora revelado
no AT. Deus está lidando agora com a Igreja em seu plano e voltará a lidar diretamente
com Israel no futuro. Dwight Pentecost fala de alguns argumentos para o arrebatamento
pré-tirbulacional. Isto é, a Igreja (os gentios), será arrebatada para que Deus lide com
Israel.

• Um método de interpretação literal


• Natureza da 70ª semana
• O âmbito da 70ª semana
• Propósito da 70ª semana
• A unidade da 70ª semana
• A natureza da igreja
• Iminência de Cristo
• O detentor de 2 Ts 2.
• Distinções entre o arrebatamento e a segunda-vinda

O entendimento da implantação de um Milênio na terra governado por Cristo depende


da interpretação literal das profecias. Assim, as profecias feitas a Israel no AT que não
foram cumpridas aguardam um cumprimento escatológico que se dará nesse Milênio.
Várias palavras são usadas no AT e NT para descrever a 70ª semana. (1) Ira (Ap 6.16-
17; 11.18; 14.19; 15.1, 7; 16.1, 19; 1 Ts 1.9-10; 5.9ç Sf 1.15, 18). (2) Julgamento (Ap
14.7;15.4; 16.5-7; 19.2). (3) Indignação (Isaias 26.20-21; 34.1-3). (4) Punição (Is 24.20-
21). (5) Hora da provação (Ap 3.10). (6) Tempo da angústia (Jr 30.7). (7) Destruição
(Hl 1.15). (8) dia de trevas e escuridão (Joel 2.2; Amós 5.18; Sf 1.14-18). Essas palavras
descrevem o período como um todo e não somente uma parte dele.

Ainda que a ira de Deus seja derramada sobre toda a terra nesse período, é Israel que
será o seu foco. O profeta Jeremias chama esse período de angústia de Jacó (Jr 30.7). A
Daniel, Deus diz que esse é um tempo determinado a seu povo sobre a cidade santa,
Jerusalém (Dn 9.24). A igreja não poderia estar sendo pensada aqui, porque não tinha
sido revelada no AT, mas era um mistério (Ef 3.1-6; Cl 1.2-27). A igreja só veio a
existir depois da obra de morte, ressurreição e ascensão de Cristo (Rm 4.25; Ef 1.19-20;
5.25-26; Cl 3.1-3), então essa profecia não poderia estar se referindo a ela. Assim,
conclui-se que como toda passagem sobre esse tempo se refere a Israel, não pode ser
entendido que a Igreja passará por ele.

Há dois propósitos maiores a serem cumpridos nesse período. (1) Está relacionado a
testar aqueles que habitam na terra (Ap 3.10; 6.10; 11.10; 13.8, 12, 14; 14.6; 17.8).
Henry Thiessen argumenta que o termo “habitantes da terra” se refere “aqueles que se
estabeleceram na terra como sua real casa os quais se identificaram com o comércio e a
religião da terra”. Assim, não pode se referir à igreja, visto que ela tem uma mentalidade
de buscar a cidade celestial, não estando presa às realidades terenas. (2) É um tempo de
preparar Israel para a volta do Senhor. Assim como Malaquias profetizou acerca de
Elias, o qual prepararia o terreno para de Israel para Jesus. Como Israel ainda precisa
receber Jesus como salvador, a 70ª semana não pode ser para a Igreja porque esta já
recebeu Jesus como Senhor.

Ainda que a Bíblia faça uma divisão entre as duas partes da semana (Dn 9.27; Mt 24.15;
Ap 13), existe uma inteireza nela que não faz divisões acerca da sua natureza. Assim, a
igreja não poderia estar numa parte dela e na outra não.

É preciso fazer algumas distinções. (1) Como já foi formulado, o pré-tribulacionismo


entende uma distinção entre o Israel nacional e a igreja professante. A igreja professante
é composta por cristãos genuínos e cristãos que somente professam, mas não seguem a
Cristo genuinamente. Esse segundo grupo passará pela tribulação, visto que não é igreja
de fato, enquanto o primeiro não. O segundo grupo juntamente com Israel passará pela
tribulação. (2) Há uma diferença entre a igreja verdadeira e a igreja professante. A
verdadeira igreja é composta pelas pessoas que verdadeiramente creram em Cristo
durante essa era. A igreja professante é composta por aquelas pessoas que só dizem
seguir Cristo, mas não creem de fato. É somente a igreja verdadeira que é arrebatada
antes da tribulação. (3)Há uma distinção entre a verdadeira igreja e o Israel espiritual.
Antes do Pentecoste havia pessoas que eram salvas dentro do Israel nacional – o grupo
maior – esse grupo é o Israel espiritual. Do período do Pentecoste até o arrebatamento
não há Israel espiritual, mas somente a igreja, todos aqueles que creem passam a fazer
parte da igreja. Depois do arrebatamento não encontramos igreja, mas o verdadeiro
Israel espiritual novamente.

É dito que Jesus pode voltar a qualquer momento. Os sinais que as profecias bíblicas
dão apontam para isso. Vários sinais foram dados para que a nação de Israel possa vir
nessa expectativa da segunda vinda. É claro que não dá para saber exatamente o dia da
volta de Cristo, mas pode-se criar uma expectativa de sua volta repentina. À igreja, os
sinais dados (Jo 14.2-3; At 1.11; 1 Co 15.51-52; Fp 3.20; Cl 3.4; 1 Ts 1.10; 1 Tm 6.14;
Tg 5.8; 1 Pe 3.3-4) visam advertir o crente a ter zelo e estar no caminho do Senhor. A
atenção do crente não deve ser ficar olhando para os sinais, mas para Cristo porque ele
pode voltar a qualquer momento. Pentecost comenta: “O fato de que nenhum sinal é
dado para a igreja, mas ela, em vez disso, é ordenada prestar atenção em Cristo,
inviabiliza sua participação na 70ª semana” (PENTECOST, 204).

A temática de 2 Tessalonicenses era que os crentes de lá estavam com medo de o


arrebatamento já ter acontecido e eles estarem vivendo no Dia do Senhor. As
perseguições que estavam enfrentando levaram a essa interpretação. Paulo vai escrever
que tal coisa é impossível, porque isso não poderia acontecer até que houvesse um
abandono quer fosse da fé, quer fosse um abandono da terra pelos crentes. Então, sendo
eles crentes e ainda estando na terra, o arrebatamento ainda não aconteceu. O segundo
ponto que Paulo trabalha é que haveria a necessidade da manifestação do homem do
pecado. O sistema de iniquidade que já estava em operação nos dias de Paulo e ainda
está hoje culminará na manifestação de uma Pessoa de Iniquidade. Essa pessoa não
pode se manifestar até o detentor ser removido. Várias interpretações são dadas para
quem é esse detentor. A posição pré-tribulacionista entende que é o Espírito Santo. Isso
não significa que ele vai parar de agir ou de ser onipresente. A remoção da igreja não
implica que o Espírito Santo vai estar ausente da terra, mas seu ministério de restrição,
sim. Portanto, o ministério de restrição que o Espírito exerce no Homem do Pecado
permanece enquanto a igreja estiver na terra. Quando ela for arrebatada, esse ministério
cessa e o Homem do Pecado atua. Por isso que a igreja é arrebatada, para não estar
sujeita ao engano que virá.

Arrebatamento Segunda Vinda


Remoção de todos os crentes Manifestação do Senhor
Os santos sobem aos céus Jesus volta à terra
Jesus reivindica sua noiva, a Igreja Ele volta à terra com sua noiva
Implica no começo da tribulação Estabelecimento do reino milenar
Iminente Precedida por vários sinais
Está relacionado com o programa para a Relacionada com o programa para o
Igreja mundo inteiro
Cristãos serão julgados (não para
O mundo inteiro será julgado
condenação, mas galardão)
A criação permanece intacta A criação é refeita
Promessas para Israel ainda não cumpridas Todas as promessas serão cumpridas
Não traz juízo sobre o mal no mundo Traz julgamento para o mal no mundo
Acontece antes da ira do Senhor Procede a ira.
A Igreja tem a expectativa de ser levada ao Israel tem a expectativa de ser levado
Senhor. ao Reino .
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

PENTECOST, Dwight. Things to come: A Study in biblical eschatology. Zondervan


Academic

Aula 7- O trono do julgamento e as bodas do cordeiro no pré-


tribulacionismo
O que acontecerá com a igreja depois do arrebatamento e até a segunda vinda de Cristo?
Nessa seção estudaremos esses eventos que ocorrerão com ela. Lembre-se que esses
eventos estão ocorrendo enquanto os sete anos de tribulação estão acontecendo na terra.
A igreja está sendo poupada da tribulação, mas não está só de stand by.

O trono de julgamento de Cristo

• O SIGNIFICADO

Duas palavras são traduzidas como trono de julgamento: criterion e bema. A primeira
traz uma ideia de um instrumento ou meios de testar ou julgar algo; a regra por meio da
qual alguém julga. Pode significar também o lugar onde o julgamento é dado. Essa
segunda possibilidade nos remete à cadeira onde um juiz se senta para exercer sua
função.

A segunda palavra, bema, é uma tribuna ou o acento onde um juiz ficava. A palavra
remete ao acento onde os imperadores ficavam durante teatros e os jogos.
Portanto, bema transmite um significado de recompensa em vez de julgamento.

• O TEMPO e O LOCAL

O bema ocorrerá imediatamente após o arrebatamento da Igreja. Há uma recompensa


associada com a ressurreição (Lc 24.14) que deve acontecer em algum momento no
processo de ressurreição (1 Ts 4.13-17).Quando Jesus voltar com sua noiva para reinar
na terra, ela já haverá sido recompensada (Ap 19.8). Deve ser observado que esse estado
descrito de justiça dos santos é posterior à examinação e se torna a base para a
recompensa. Tanto Paulo (1 Co 4.5; 2 Tm 4.8) como João (Ap 22.12) associam a
recompensa com o dia que Jesus virá para os que são seus. Portanto, a recompensa para
a igreja deve acontecer em algum momento entre o arrebatamento e a revelação de
Cristo juntamente com seus santos à terra. Esse exame acontece nos lugares celestiais (1
Ts 4.17; 2 Co 5.1-8) na presença do Senhor.

• O JUIZ

A Bíblia deixa claro que isso é feito pelo Senhor Jesus Cristo (Jo 5.22; 2 Co 5.10). Por
implicação, podemos concluir que o Pai entregou nas mãos do Filho esse juízo (Rm
14.10) como uma parte da exaltação dele.

• OS SUJEITOS

O bema é dirigido aos crentes, sem dúvida (2 Co 5.1-19). Paulo reitera isso várias vezes
através de expressões como “revestidos da habitação celestial”, “vivemos pela fé e não
pelo que vemos”, “conhecemos o temor do Senhor”, “se alguém está em Cristo, nova
criatura é”. Essas expressões só podem ser atribuídas a crentes, portanto são eles que
comparecerão “perante o tribunal de Cristo para que cada um receba de acordo com as
obras praticadas por meio do corpo, quer sejam boas quer sejam más”.

• A BASE DO JULGAMENTO

Nesse julgamento não está em questão da salvação, mas uma avaliação do que é
aceitável ou não. O propósito do Senhor é recompensar seus filhos pelo seu serviço por
aquelas coisas que foram feitas no nome do Senhor. O objetivo do bema é fazer uma
demonstração pública das motivações do indivíduo quando executou suas obras. O
ponto também não é avaliar se o que ele fez é moralmente mau ou bom, mas como Deus
se agradará daquilo que foi feito para sua glória.

• O RESULTADO DA EXAMINAÇÃO

Haverá uma recompensa recebida e uma recompensa perdida (1 Co 3.14-15). O que


cada um receber ou perder será testado pelo fogo (2 Co 5.10), o qual aprovará ou
reprovará as motivações do coração diante das obras feitas. O fogo testará os materiais
que foram utilizados para construção. Se forem materiais de qualidade, passarão, mas se
forem materiais precários, serão queimados. Ou seja, essa analogia significa que as
obras feitas com as devidas intenções de glorificar a Deus passarão. Aquelas coisas que
forem aprovadas resultarão num ganho de recompensa (1 Co 3.15; 9.27) e as que forem
queimadas numa perda de recompensa.

O casamento do Cordeiro
A Igreja é descrita como Noiva e Jesus o Noivo (Jo 3.29; Rm 7.4; 2 Co 11.2; Ef 5.25;
Ap 19.7-8; 21.1-22.7). O casamento da Igreja com Cristo ocorrerá numa realidade
celestial. Ele acontecerá entre o arrebatamento e a segunda vinda de Cristo. Como a
Noiva é apresentada em justiça (Ap 19.8), isso indica que o casamento ocorre após o
trono do julgamento de Cristo, porque a Noiva já teria sido aprovada pelo Noivo.
Portanto, o julgamento é como um ritual onde a Noiva é preparada para receber o
Noivo. Seria como a preparação que toda Noiva passa para entrar no altar. O casamento
é diferente da Ceia do casamento. No primeiro, só a igreja participa.No segundo, a
revelação dos ressuscitados de Israel será posterior (Dn 12.1-3; Is 26.19-21). A Ceia
envolve todos e acontece na terra. Até lá, Israel está esperando (Mt 22.1-14; Lc 14.16-
24). A Ceia do Casamento é uma parábola que representa o Milênio. Israel será
convidado durante a tribulação que acontecerá na terra. Nesse período, muitos rejeitarão
e muitos aceitarão o convite. Aqueles que aceitarem estarão esperando a apresentação
da Noiva.

Portanto, o julgamento e o casamento acontecem nos céus durante esses sete anos de
tribulação. Depois desse período a Igreja desce com Cristo para o Milênio.

Aula 8 – Meso-tribulacionismo
O meso-tribulacionisto ensina que a igreja estará presente na terra durante uma parte da
tribulação e assim experimentará parte dela, mas será poupada da pior parte dela. A
igreja pasará pela primeira metade da chamada grande tribulação. Essa posição não é
tão defendida hoje em dia, mas já teve como defensores Norman B. Harrison e James O.
Buswell. Ela tem algumas semelhanças com o Pré-ira (será visto adiante), mas possui
bases diferentes.

Para essa posição, os eleitos mencionados por Jesus no Discurso das Oliveiras (Mt
24.22; Mc 13.20) não são judeus, mas os santos que representam a igreja. Buswell dá
dois argumentos para isso:

• Mateus e Marcos são escritos depois que as cartas de Paulo já estavam em


circulação. Assim, as palavras usadas por Paulo e o significado atrelado a elas já
era conhecida pelos crentes da época. Ou seja, Mateus e Marcos teriam
aproveitado o significado que Paulo deu a “eleitos”, porque se quisessem dar
outro, teriam distinguido.
• Jesus estaria respondendo questões não só para os discípulos ali presentes, mas
para toda a igreja através das eras, assim como em outras passagens (Mt 28.18-20;
Jo 17.20). No Discurso das Oliveiras (Mt 24.15ss), Jesus adverte da abominação
da desolação fazendo paralelo com Paulo (1 Ts 2.4) e Paulo escreveu a gentios,
não judeus.

Meso-tribulacionistas também diferenciam tribulação de ira. Para eles, a primeira


metade é a tribulação pela qual a igreja passará e a segunda metade é a ira de Deus da
qual a igreja será a arrebatada. A tribulação será severa, mas breve. Jesus disse que
esses dias seriam encurtados (Mt 24.21-22; Mc 13.19-20). A tribulação não deve ser
confundida com a ira de Deus. Jesus, depois de ter descrito a tribulação descreveu uma
série de eventos que a sucederiam (Mt 24.29; Mc 13.24-25; Lc 21.25-26). A ira de Deus
não será derramada durante a grande tribulação, mas depois dela. Tribulações não estão
restritas aos últimos tempos, mas a igreja passa por várias tribulações durante as eras.
Entretanto, no fim das eras, a tribulação será mais severa, ainda que não
qualitativamente diferente.

Por outro lado, a ira de Deus não é para a igreja (Rm 5.9; 1 Ts 1.10). Deus não teria
destinado a igreja para a ira (1 Ts 5.9). Na opinião de Buswell, a através dessas
passagens podemos inferir que igreja será poupada da ira, ainda que a Bíblia não afirme
isso diretamente.

Essa posição considera que a abominação da desolação vem no meio dos sete anos. A
abominação é identificada com vinda (parousia) do homem da iniquidade (2 Ts 2.9).
Essa vinda é identificada com a vinda do pequeno chifre que Daniel fala (Dn 7.24-25), o
qual tem a permissão de atuar por 3,5 anos (Dn 7.25b).

Para meso-tribulacionistas, o arrebatamento ocorre ao soar da sétima trombeta (Ap


11.15). O julgamento dos ímpios e a recompensa dos justos que foram mortos é
simultâneo. A vinda de Cristo também acontece nesse momento.

Norman B. Harrison defende que os selos e trombetas não são manifestações da ira de
Deus. Os selos seriam restrições que Deus tinha colocado para o homem não
experimentar todas as consequências de seus atos pecaminosos. O remover desses selos
não deve ser visto como um ativo julgamento divino, mas como uma restrição da
recompensa integral pelos atos pecaminosos. Tanto as trombetas quanto os selos devem
ser entendidos como permissões de Deus para que a retribuição pelos pecados seja total.
Eles entendem os 144 mil como judeus que são salvos na igreja. Além disso, as duas
testemunhas de Apocalipse 11 são representantes de dois grupos: os mortos e os vivos
no momento do arrebatamento; a nuvem representa a parousia, isto é, a presença de
Deus; a grande voz é voz de 1 Tessalonicenses 4.16 e a trombeta é a trombeta do
mesmo verso. Eles também entendem que a cronologia de Apocalipse é divida assim:
Apocalipse 4 -11 (primeira metade da semana); Apocalipse 12-19 (segunda metade da
semana). A sétima trombeta (Ap 11.15) é equivalente à ultima trombeta de 1 Coríntios
15.52 e 1 Tessalonicenses 4.16.

Aula 9 – Pós-tribulacionismo
O pós-tribulacionismo vai entender que a igreja será arrebatada após o período de
tribulação final no momento do retorno de Cristo em glória, a parousia. O pós-
tribulacionismo entende que “arrebatamento” não é uma palavra do NT. Douglas Moo,
um pós-tribulacionista, afirma que “o aspecto mais importante do arrebatamento no
Novo Testamento é a transformação corporal. Teologicamente, o arrebatamento é
melhor visto como um paralelo à ressurreição”.Quando o Senhor retornar, os mortos
serão ressuscitados dos mortos e os santos serão arrebatados (1 Co 15.50-51). Moo
também afirma que “a forma completa do reino que Deus trará à existência no momento
da volta de Cristo não pode ser vivido por pessoas em corpos normais “mortais”. Então,
todos nós devemos ser “mudados”. Cristãos que já morreram serão “ressuscitados
imperecíveis”, mas o resto de nós, aqueles que ainda estão vivos quando Jesus voltar,
devem ser “transformados” – isto é “arrebatados”.Isso traz a implicação que ainda que
um movimento físico esteja envolvido, o arrebatamento não é um movimento para
escapar de algo, mas “para estar junto de algo”. Para Moo, os cristãos são arrebatados,
isto é transformados, para se encontrarem com o Senhor. Portanto, para o pós-
tribulacionismo, o arrebatamento não diz respeito a escapar da tribulação, mas de
encontrar-se, em corpos glorificados, com o Senhor.

Moo faz uma ponderação importante. Esse momento de angústia inigualável deve ser
chamada de “tribulação final”. Geralmente, cristãos se referem a esse período como
“tribulação”, mas ao longo da história bíblica e da história da igreja o povo de Deus
passou, e ainda passa, por vários momentos de tribulação. Então, seria melhor chamar
de tribulação final por causa de sua proporção diferenciada (Mt 24.9, 21, 29; Mc 13.19,
24; Ap 2.10; 7.14)

Como as profecias dos “últimos dias” já começaram a se cumprir, a morte de Cristo, sua
ressurreição e o derramar do Espírito marcam a inauguração dos últimos dias (At 2.14-
21; 1 Co 10.11; Hb 1.1-2; 1 Jo 2.18). Por causa disso, os escritores do NT entendiam
que Jesus poderia voltar a qualquer momento. Eles não viam a volta de Cristo
distanciada em eras do momento em que viviam, pelo contrário, por entenderem que
estavam nos últimos tempos, entendiam que os eventos proféticos já poderiam se
realizar em sua época e assim a volta “surpresa” de Jesus. Tiago e Pedro, por exemplo,
encorajavam seus leitores a verem a volta do Senhor próxima (Tg 5.8; 1 Pe 4.7).

Dessa forma, não devemos entender os últimos dias ou o fim dos tempos como algo
reservado para o futuro, mas algo que já estamos vivendo. Isso não quer dizer que os
tempos finais serão tais quais os que estamos passando agora, afinal o NT afirma que
haverá um intenso tempo de sofrimento para o povo de Deus de proporções
inigualáveis. Esses eventos não são vistos como um novo período, mas como o clímax
para uma era que já começou.

A NATUREZA DA TRIBULAÇÃO

No AT a situação é complicada pelo fato de tentar identificar se a descrição da


tribulação se refere ao exílio ou ao julgamento final. O problema se dá também pela
falta de precisão nas descrições dos textos proféticos que envolvem o termo “dia do
Senhor”. Este é um termo apocalíptico, mas também fala de situações envolvendo o
povo israelita. Moo aponta que os textos de Daniel (7.7-8, 23 – 25; 8.9-12, 23 – 25;
9.26-27; 11.36-12.1) apresentam certo grau de probabilidade de descrever esse evento,
já outras passagens do AT também (Dt 4.29-30; Is 26.20-21; Jr 30.4-9; Jl – 2.30-31; Sf
1-2). Não obstante, os textos de Daniel apresentam mais precisão e devem ser
analisados com prioridade ainda que sejam difíceis de interpretar.

O primeiro ponto que surge de Daniel é que os sofrimentos dos santos durante esse
período sãoatribuídos àquele que quer usurpar o lugar de Deus (Dn 7.7-8, 20-25; 11.35-
48). Ele é o pequeno chifre que trava guerra contra os santos (Dn 7.21). Essas passagens
podem se referir à Antioco Epifânio, um inimigo que se levantou contra Israel. Porém,
em última instância se referem ao Anticristo. Em segundo lugar, o profeta atesta a
existência de uma ira divina durante esse período (Dn 8.19; 11.36) que não apresenta
precisão quanto ao tempo. Já Isaías diz que o povo de Deus será protegido dessa ira (Is
26.20-21). Assim, haverá uma tribulação final trazida por um líder poderoso juntamente
coma revelação da ira divina.

No NT, a tribulação final é vista cerca de sete vezes (Mt 24.9, 21, 29; Mc 13.19, 24; Ap
2.10; 7.14) e todos estão relacionados ao Discurso das Oliveiras ou ao livro de
Apocalipse. Segundo Douglas Moo, esses textos não apontam para um sofrimento pior
do que alguns cristãos já passam hoje, mas um sofrimento em maior extensão. Isto é,
não é tanto que sua intensidade é medida em grau, mas em abrangência, mais cristãos
sofrerão debaixo desse período de tribulação final.

O segundo ponto é entender como a ira de Deus afetará os crentes, porque o NT afirma
que eles não sofrem a ira de Deus (Rm 5.9; 1 Ts 1.10; 5.9).Quando olhamos para
Apocalipse vemos os eventos do final da história onde João descreve a parousia – a
volta de Cristo - e o julgamento final dos descrentes (Ap 6 – 16).Ele também descreve
as taças que serão derramadas (15.1, 7; 16.1) para completar a ira de Deus. Essa ira
recai somente sobre os descrentes, apesar disso tais julgamentos podem afetar
indiretamente os crentes. É no sentido de não serem os alvos diretos da ira de Deus que
eles são protegidos dela. Moo usa o exemplo de Noé e Jeremias para exemplificar isso.
Ainda que o julgamento de Deus tenha vindo sobre toda a terra com o dilúvio, a família
de Noé sofreu indiretamente com o evento, mesmo tendo sido liberta dela. Jeremias foi
isento da punição babilônica sobre Judá, mas sofreu perseguições de várias formas.

Assim, não há nada que diga que a Igreja não passará por ela. A tribulação final não é
uma descrição da ira de Deus recaindo sobre os crentes e que ela não é diferente do que
a igreja já passa hoje.

TRES PASSAGENS SOBRE ARREBATAMENTO


João 14.1-4

Essa passagem faz parte do discurso de despedida de Jesus onde ele busca consolar os
discípulos que está indo para o Pai para preparar um lugar na casa do Pai (v.2) e que ele
voltaria para recebe-los (v.3). É da compreensão de Douglas Moo que essa passagem
fala acerca do segundo advento e do arrebatamento. Ele argumenta que a promessa de
uma libertação depois de uma angústia na tribulação final poderia ser vista como um
conforto para os discípulos. A promessa de estarem reunidos com o Senhor é um
conforto não importa o que passaram antes. Para Moo, não há indicação no texto para o
argumento pré-tribulacionista que essas moradas são para que a igreja arrebatada habite
lá para ser isenta da tribulação. Esse argumento seria assumido porque o pré-
tribulacionismo já foi tomado como verdade.

1 Coríntios 15.51-52

Paulo argumenta aqui que “carne e sangue não podem habitar o reino dos céus, logo os
crentes precisam passar por uma transformação – tanto os mortos quanto os vivos. Essa
transformação Paulo chama de “mistério” porque não foi revelada anteriormente no AT.
Quando cita Isaías 25.8 como uma referência à ressurreição dos santos, Paulo pode estar
indicando entender que os santos do AT participarão dessa mudança. A trombeta
mencionada por Paulo é uma referência ao ato que os Israelitas faziam quando a nação
experimentava salvação e julgamento (Is 27.13; Jl 2.1; Sf 1.16; Zc 9.14). Assim, isso
provavelmente mostra a reunião de Israel se preparando para entrar no Milênio – e o
milênio é pós-tribulacional, isto é, necessariamente ele acontece depois da tribulação.
Moo também diz que essa é a mesma trombeta de Mateus 24.31. Essa ultima trombeta
descreve a transformação que o povo de Deus passará depois da tribulação final.

1 Tessalonicenses 4.13-18

Nessa passagem Paulo claramente está buscando consolar os irmãos tessalonicenses por
causa da morte dos crentes. Moo argumenta aqui que os crentes deveriam estar com
receio dos que morreram não fossem participantes da ressurreição. Paulo então
tranquiliza-os dizendo que tanto vivos quanto mortos participarão da ressurreição. Paulo
não busca confortar os crentes dizendo que eles seriam isentos da tribulação, mas que
todos passariam pela ressurreição. Para isso, Moo sugere quatro indicações a esse favor:
1) paralelo de 1 Ts 4 e a parousia descrita no Discurso das Oliveiras. Ambos descrevem
um evento com anjos, trombeta, reunião dos crentes e a parousia do Discurso das
Oliveiras é pós-tribulacional. 2) Essa é a mesma trombeta de 1 Co 15.51-52. 3) Essa
passagem tem elementos paralelos com Dn 12.1-2: a descrição dos mortos como “os
que dormem”; a presença de Miguel; e a ressurreição do povo de Deus. 4) A palavra
usada por Paulo para descrever o “encontro” entre os santos o Senhor nos ares ocorre
em referências a visitas de dignatários e geralmente implicam que a “delegação”
acompanha o dignitário de volta ao lugar de origem(cf Mt 25.6; At 28.15). Ou seja, os
santos iriam até o Senhor que estaria vindo à terra e viria com ele para a terra.

REFERÊNCIA:
BLAISING, Craig A.; MOO, Douglas J. Three Views on the Rapture:
Pretribulation, Prewrath, or Posttribulation. Zondervan Academic, 2018.

Aula 10 – Textos escatolígicos na leitura pós-tribulacionista


1 Tessalonicenses 5.1-11

Nessa passagem Paulo fala do “dia do Senhor”. Esse dia inclui uma destruição dos
descrentes, então deve ser pós-tribulacional. Nessa ocasião, os crentes estarão na terra.
Três fatores parecem contribuir para isso: 1) a partícula dé no início do capítulo 5 ocorre
como uma partícula de transição, sem apresentar contraste. Ou seja, ela desenvolve o
argumento anterior para um passo a mais no discurso. 2) Paulo não estaria distinguindo
dois eventos separados, mas os efeitos do mesmo evento em dois grupos diferentes –
crentes e descrentes. 3) Paulo não especifica tempo algum para o dia do Senhor
acontecer, então isso indica que ele pode estar falando do mesmo evento.

O termo “dia do Senhor” é frequentemente associado como um dia de julgamento, mas


também pode ser visto como dia de livramento (Is 27; Jr 30.8-9; Jl 2.32; 3.18; Ob 15-
17). No NT, geralmente ele está associado com o fim. Ainda que o julgamento final seja
parte do dia do Senhor, a tribulação não é. Primeiro, nenhuma referência ao “dia” do NT
inclui uma descrição da tribulação final. Segundo, Malaquias 4.5 e Joel 2.3 estão de
acordo ao colocar o que é tribulacional antes do Dia. Terceiro, Paulo parece sugerir em
2 Tessalonicenses 2 que o Dia não pode até que certos eventos tribulacionais claros
aconteçam. Assim, o Dia do Senhor é outro nome para a parousia (Jo 6.39, 40, 44, 54;
11.24; 1 Co 1.8; Fp 1.6, 10; 2.16; 2 Tm 4.8).

O Dia do Senhor vem como um ladrão para os descrentes, porque estes não estão
esperando que ele ocorra. Isso já não é uma realidade para os crentes que o aguardam
ansiosamente. Também pode-se argumentar que há uma relação entre Mateus 24.32-44
(cf Lc 21.34-36) e 1 Tessaloniceses 5.2-6. Ambas passagens falam sobre o Dia que virá
de forma inesperada, sem escapatória e encorajam o crente a vigiar por esse dia. Uma
vez que Lucas incentiva a estar atento para o dia à luz da vinda pós-tribulacional,
podemos concluir que 1 Tessaloniceses 5.2-6 também.

2 Tessalonicenses 1-2

Essa carta foi escrita brevemente após a primeira para corrigir algumas más
compreensões acerca de escatologia. Segundo Moo, 2 Tessalonicenses 1.5-7 apresenta
argumentos que os crentes nãos serão arrebatados até a parousia de Cristo no final da
tribulação. Nos versos 7 e 8, Paulo apresenta um descanso que os crentes passarão
depois de terem passado pela libertação dos sofrimentos. O argumento geral de Paulo
nessa passagem é que alguns eventos devem acontecer antes do encontro com Cristo.
Os crentes não devem se preocupar com isso porque certamente encontraram descanso.
Paulo só estaria tranquilizando os crentes quanto a esses eventos se de fato eles
tivessem de passar pela tribulação. Se a igreja fosse ser arrebatada antes disso, não
haveria motivo para ele advertí-los quanto a isso.

DISCURSO DAS OLIVEIRAS


Ao analisar essa passagem, Moo tenta responde três questões: 1) O que os discípulos
perguntaram? 2) A abominação da desolação e a tribulação mencionadas em conjunção
se referem aos eventos do fim dos tempos? 3) A parousia do fim das eras de Jesus é
descrita em Mateus 24.29-31/Marcos 13.24-27? 4) Mateus 24.31/Marcos 13.27 se
referem ao arrebatamento? 5) a quem o discurso é dirigido?

Geralmente muitos evangélicos têm visto o Discurso das Oliveiras como uma profecia
acerca dos eventos que acontecerão no fim da história. Jesus descreve a tribulação com
referência à manifestação do Anticristo (a abominação da desolação) e a sua volta
gloriosa no fim da história. Poucos teólogos têm interpretado o discurso como eventos
que ocorreram no primeiro século. A maioria, de acordo com Moo, pensam numa
combinação desses duas abordagens.

Para Moo, quando ele cita os eventos descritos em Mateus 24.15 e Mc 13.14 só poderia
acontecer na tribulação final porque 1) a frase abominação da desolação claramente
alude às mesmas profecias em Daniel que Paulo já descreve com ao Anticristo do fim
dos tempos; 2) Marcos usa um particípio masculino depois do neutro “abominação”
para mostrar que ele estava se referindo a uma pessoa; 3) a alegação de Jesus que essa
abominação que causa tamanha desolação incomparável desde a criação do mundo
aponta para um evento do fim do mundo.

Não obstante, há fatores que sugerem que Jesus associa a “abominação da desolação”
com os eventos que ocorreriam no ano 70, quando os romanos pararam a rebelião dos
judeus e destruíram boa parte do santuário. A primeira é que eles perguntaram quando o
templo que eles estavam olhando seria destruído e isso ocorreu no ano 70. Em segundo
lugar, a versão de Lucas do Discurso faz referência a “Jerusalém estar rodeada por
exércitos” (21.20). Isso poderia falar tanto do ano 70 quanto dos eventos finais, mas ele
fala dos judeus sendo espalhados entre os gentios (21.24). Terceiro, os termos usados
por Jesus parecem sugerir uma situação local: “os que estiverem na Judeia fujam” (Mt
24.16; Mc 13.14); “orem para a fuga de vocês não acontecer no inverno ou no sábado”
(Mt 24.20). E, finalmente, essas coisas acontecerem no ano 70 ajuda a entender que
“esta geração não passará até que todas essas coisas aconteçam” (Mt 23.34). Aquela
geração teria que presenciar os eventos descritos por Jesus.

Esses argumentos também são utilizados para falar da parousia de Cristo. Argumenta-se
que parousia pode se referir a qualquer “aparição” de Jesus. Alguns entendem que a
destruição do templo deveria ser vista como uma vinda do Senhor em julgamento. Esses
são chamados de preteristas. Porém, Douglas Moo não entende assim. Ele entende que
os eventos descritos em Mateus 24.4-28 (cf Mc 13.5- 23) descrevem a totalidade da era
da igreja, a qual será marcada pela grande tribulação e pelo importante evento da
destruição de Jerusalém que ocorreu no ano 70. Uma vez que os eventos do ano 70
aconteçam, a parousia está próxima. Moo argumenta que “Jesus pode se referir à maior
angústia de todos os tempos nesse contexto (Mt 24.21//Mc 13.19) como uma forma
hiperbólica de enfatizar o sofrimento que a destruição romana da cidade causaria.
Porém, é mais provável que ele se refira aos sofrimentos do povo de Deus através da
‘era da igreja’”. Portanto, Jesus apresenta a parousia como um evento que poderia
acontecer em qualquer geração e isso é a forma como o NT trata do assunto. Os doze
são tomados como representativos para todos os discípulos, dessa forma todos os
discípulos devem estar preparados para a parousia. Moo dá algumas razões para isso: 1)
A descrição dos eventos finais em Mateus 24-25 fazem paralelo com as epístolas
paulinas e elas são dirigidas às igrejas (1 Ts 4.13-18; 2 Ts 2.1-12); 2) as mesmas
exortações dadas aos discípulos em Mateus 24 aparecem em outros contextos dos
Evangelhos onde os discípulos são representantes da igreja (cf Lc 12.39-46; 19.11-27)

APOCALIPSE

Já foi dito que os autores do NT estavam convencidos que estavam vivendo nos últimos
dias e que os eventos associados. É preciso analisar alguns textos de Apocalipse para
entender a situação. A igreja de Filadelfia é muito citada porque é dito que ela será
guardada na hora da provação (Ap 3.10), mas devemos olhar também para Apocalipse
2.10 quando é dito para Esmirna esperar por uma tribulação. Mesmo que não pareça
estar se referindo à tribulação final, alguma tribulação é esperada. Assim também
aqueles que se alinham com Jezabel passarão por grande tribulação (Ap 2.22). Jesus
exorta a igreja de Sardes a se arrepender, caso contrário ele virá como um ladrão (note a
similaridade com 1 Ts 5 e Mt 22.42-44). Por causa disso, Moo conclui que a proteção
que Filadélfia terá será espiritual. João já usou essa fraseologia no Evangelho
(17.11,12,15). Então, Apocalipse 3.10 não oferece argumentos contrários nem a favor
do pós-tribulacionismo.

Apocalipse 11.11-12

Esse texto fala de duas testemunhas que sobem às nuvens e isso parece indicar uma
linguagem de ressurreição, pois o arrebatamento é constantemente descrito como ir às
nuvens (Mt 24.30; At 1.9; 1 Ts 4.17; Ap 14.14). Moo diz que há fortes indicações que o
final da tribulação é alcançado em Ap 11.11-19. O grande terremoto que acontece
depois da ressurreição das testemunhas é mencionado somente duas vezes em
Apocalipse (Ap 6.12; 16.18) e ambos descrevem o fim. Apocalipse 6.12 tem uma
linguagem fortemente veterotestamentária que indica o fim.

Além do terremoto, dois outros fatores também apontam para a tribulação final. As
testemunhas profetizam por 42 meses (Ap 11.2) e depois permanecem mortas por três
dias e meio (11.9). Se a primeira referência é à primeira metade da tribulação final, a
segunda referência indica a segunda metade. Mas não há muita certeza disso.

Quando a sétima trombeta ressoar, o Senhor começa a reinar (11.17) e assim o tempo de
seu juízo e recompensas chega (11.18), abrindo assim o templo celestial. Se a sétima
trombeta está cronologicamente relacionada com a ressurreição das testemunhas, então
essa ressurreição deve ser pós-tribulacional. Apesar disso, não é claro que essas duas
testemunhas são uma representação para a igreja, portanto é preciso outros indícios para
provar isso.

Uma das visões que João tem é daquele “como filho do homem” que desceu para ceifar
a terra (Ap 14.14-16). Jesus usa a imagem da ceifa para descrever o ajuntamento do
povo de Deus para seu reino (Mt 13.30). Assim, os versos 17-20 devem ser o
julgamento dos descrentes. Não obstante, essa imagem também não é clara. Porém, essa
ceifa não tem indícios de que a ira de Deus está sendo derramada. Portanto, pode
significar o ajuntamento da igreja.

Apocalipse 20.4
Nesse capítulo. João descreve a ressurreição final.João apresenta duas ressurreições
aqui. Todos que não participam da primeira são contados como o resto dos mortos e
participam da segunda, e são os ímpios que fazem parte desse grupo. Portanto, essa
primeira ressurreição é para o grupo dos justos, incluindo os santos da igreja. Uma vez
que o arrebatamento acontece simultaneamente a essa ressurreição, e ela é pós-
tribulacional, o arrebatamento é pós-tribulacional.

É preciso reconhecer a identidade dos santos que João vê passando pelos sofrimentos
(Ap 6-16). Moo entende que esses sofrimentos representam não somente a tribulação
final, mas toda a era da igreja desde seu começo até a culminação na parousia. Porém,
certamente a parousia inclui esses sofrimentos. Geralmente, argumenta-se que esse
grupo não é a igreja porque a palavra ekklesia não ocorre no intervalo de Apocalipse 4 a
19, mas isso não parece ser um argumento tão conclusivo. Pode-se argumentar também
que João nesse mesmo intervalo não chama nenhum grupo nos céus de igreja.

É comum entender Apocalipse como as coisas que vocês viram (Ap 1), as coisasque são
(Ap 2) e as coisas que estão para acontecer (Ap 4-22), mas essa parece não ser a
intenção desse verso. Não obstante, podemos assumir que os eventos que João vê
pertencem à era da igreja.Precisa-se saber onde colocá-la.

Moo entende que os 24 anciãos (Ap 4.4) não são anjos, mas seres humanos glorificados,
ou algum tipo de figura celestial que representa as pessoas. Porém, não podemos dizer
que isso se refere só à igreja porque o mesmo grupo se refere à igreja na terceira pessoa
do plural (Ap 5.10) e o uso das coroas de ouro não está restrito somente à igreja (Ap
9.7) e o uso dos robes brancos também é visto em Laodicéia (3.18), não
necessariamente sugerindo uma igreja arrebatada. Portanto, esses 24 anciãos parecem
ser todo o povo de Deus, Israel e Igreja. Moo vê que é provável que os 144 mil se
refiram à igreja, mas não vê uma identificação certa então prefere não pontuar nada. Já a
noiva (Ap 19.7-9) deve incluir a igreja, mas isso não indica que o arrebatamento deve
preceder a parousia (Ap 19.11-22), pois essas visões (Ap 17.1-19.10) de Apocalipse
nem sempre são sequenciais.

Moo também diz que as bençãos prometidas ao santos da igreja em Apocalipse 2-3
aparecem nos capítulos 4-22, sugerindo que o mesmo grupo está em vista. Por exemplo,
nas cartas às igrejas elas precisam ser vitoriosas e isso é falado em Apocalipse 15.2.
Outro exemplo é a perseverança, que é destacada quatro vezes nas cartas e demandada
dos santos em tribulação (13.10; 14.12).Além disso, se a igreja não vai ter parte nos
eventos descritos nos capítulos 4 a 19, parecem sem sentido que João descreva a
parousia de alívio e a direcione à igreja (1.4,7). Em Apocalipse 22.16, Jesus diz que
enviou o anjo para dar testemunho às igrejas, portanto elas devem estar envolvidas. E
para finalizar, parece estranho que os eventos que tomam a maior parte do livro não
falem acerca daqueles para quem o livro foi direcionado.

A parousia de Cristo seria o ponto focal de Apocalipse 6-20 e todos os eventos


decorrem disso.

IMINÊNCIA

O pós-tribulacionismo é acusado de negar a iminência porque estabelece uma série de


eventos antes da parousia.Porém, a iminência pode ser entendida como um evento que
está próximo e não pode ser evitado, mas não pode ocorrer até que alguns eventos
acontecam. Moo argumenta que nenhuma das palavras usadas para descrever a
iminência traz a ideia de “a qualquer momento”. Por exemplo, esperar o nosso Senhor
(1 Co 1.7) pode se referir ao anseio da criação ser libertada (Rm 8,19) e isso só acontece
depois da tribulação. Quando Tiago orienta a ser pacientes (Tg 5,17) isso está aplicado à
parousia, mas a analogia é feita como um agricultor que espera a colheita e isso não
vem a qualquer momento.Aquele que espera o dia do Senhor (Mt 24.50; Lc 12.46) é a
mesma palavra usada por Pedro para exortar para os crentes esperarem pelos Novos
céus e Nova Terra (2 Pe 3.12-14). Esses e outros termos não exigem uma expectativa de
acontecer “a qualquer momento”. É melhor definir a iminência, segundo Douglas Moo,
como a possibilidade de Jesus vir a seu povo a qualquer tempo, onde tempo é entendido
de forma ampla como um curto intervalo de tempo. Assim, o povo de Deus é chamado a
ter expectativa por esse momento. A iminência provocaria o desejo de se encontrar com
o Senhor.

Aula 11 – Pré-ira

A posição pré-ira, basicamente, nasceu como uma dissidência do movimento pré-


tribulacional. A posição do arrebatamento pré-ira se fundamenta em dois pontos
principais: “a igreja entrará na segunda metade da septuagésima semana de Daniel e que
entre o arrebatamento da igreja e a volta de Cristo à terra ocorrerá um período
significante de extraordinária ira divina”. A ideia é que a tribulação e a ira não são
confundidas dentro dessa perspectiva. Por isso, a igreja passará por parte da tribulação,
a segunda metade da 70ª semana de Daniel. No entanto, quando a ira de Deus se
manifestar dentro desse período de tribulação,a igreja será arrebatada.

MATEUS 24

A resposta de Jesus à questão dos discípulos de quando o templo seria destruído é


designada em parte para distinguir a destruição do primeiro século do templo do fim das
eras quando o Filho do Homem se manifestasse. Os discípulos veriam certos eventos
catastróficos com respeito à destruição do templo, mas isso não sinaliza o fim. Esses
eventos fazem parte do princípio das dores (Mt 24.8). O primeiro sinal do fim será “a
abominação da desolação” (v.15), a qual iniciará a grande tribulação de Daniel (Mt
24.21; Dn 12.1). Tal tribulação findará com a vinda do Filho do Homem, o qual
aparecerá nos céus e com os anjos ajuntando os eleitos(Mt 24.29-31). Os discípulos
veriam um cumprimento profético com a destruição de Jerusalém, mas a vinda do Filho
do homem seria futura.

Como o Discurso das Oliveiras é inteiramente num contexto judaico, muitos são
levados a excluir a igreja das coisas que acontecerão aqui. Porém, Alan Hultberg
entende a igreja como herdeira do reino judaico em algum sentido. Os discípulos seriam
o centro dessa comunidade messiânica. Ele oferece alguns argumentos para isso.

• Israel tem seu cumprimento em Jesus como Messias.


• Jesus centra uma nova comunidade nos doze discípulos.
• A rejeição judaica de judaica leva a uma rejeição de Israel e o estabelecimento da
igreja.
• O propósito dos discursos de Mateus é treinar a igreja em discipulado.
Jesus traz o AT ao seu cumprimento (Mt 5.17). Alguns vão entender que Mateus retrata
Jesus cumprindo o papel de Israel em si mesmo. Ele é visitado por gentios (Mt 2.11; cf
Is 60.1-6); ele é chamado do Egito (Mt 2.13; Os 11.1 cf Ex 4.22-23) e suporta a tentação
por meio da obediência à lei (Mt 4.1-11; Dt 6-8); ele é o servo sofredor (Mt 8.17; 12.17-
21; 20.28; Is 53). Segundo Alan Hultberg, para pertencer a Israel a pessoa deveria
pertencer ao Messias.

Em Mateus, Jesus diz que fundará a igreja (Mt 16.18; 18.17). A linguagem parece
indicar que essa nova comunidade é o novo e verdadeiro Israel. Tal comunidade seria
centrada nos doze apóstolos. Essa comunidade é formada por causa da rejeição dos
judeus descrentes.

Ainda que Jesus tenha pregado o reino dos céus a Israel (Mt 2.20; 10.5-6; 15.24), mas é
rejeitado pelo povo. Essa rejeição culmina na sua crucificação. Jesus então conta uma
série de parábolas dentre as quais temos a parábola da vinha (Mt 21.33-45) onde é dito
que o reino vai ser tirado deles e dado para um povo que dará fruto (v. 43). Segundo
Hultberg, isso mostra que Jesus está rejeitando Israel como um todo. Essas denúncias
levam ao pronunciamento contra Jerusalém (23.37-39), ao Discurso das Oliveiras (24-
25) e à grande comissão (28.18-20), a qual expandiria o evangelho para além de Israel a
todas as nações.

A única resposta adequada a Jesus é o discipulado. Ser um membro da comunidade


messiânica é ser um discípulo e ser discípulo é obedecer ao ensino de Jesus (7.21-27;
28.19-20). Mateus é estruturado em torno de cinco discursos de Jesus que sempre
começam com a fórmula “seus discípulos vieram a ele” (5.1; 10.1;13.10; 18.1; 24.1) e
conclui com variações de “quando Jesus terminou essas palavras” (7.28; 11.1; 13.53;
19.1; 26.1). Assim, o Discurso das Oliveiras deve ser interpretado como sendo
destinado aos discípulos como representantes de todos aqueles que se tornariam
discípulos.

Hultberg infere desses quatro pontos que se é esperado que a igreja veja a abominação
da desolação e a grande tribulação, então o arrebatamento deve ocorrer depois da meio
da septuagésima semana de Daniel. Esse fato está em acordo com 2 Tessalonicenses
2.3-4 onde Paulo identifica a abominação da desolação como o principal sinal pelo qual
a aproximação do arrebatamento pode ser conhecido, portanto, deve acontecer depois
do meio da septuagésima semana de Daniel.

2 Tessalonicenses 2

Ao ler 1 Tessalonicenses 4.15-16, o arrebatamento seria localizado em Mateus 24.31.


Muitas da instruções dadas aos Tessalonicenses quando Paulo fundou a igreja de lá. Os
ensinos incluíram algo sobre a tribulação (1 Ts 3.4), a incerteza do tempo do Dia do
Senhor (1 Ts 5.1-2) e o fato de que certos eventos devem preceder o dia do Senhor (2 Ts
2.1-5).

Os paralelos entre Mateus 24.30-31 e 1 Tessalonicenses 4.15-17 falam da parousia de


Jesus nas nuvens para reunir seus santos acompanhados de uma trombeta e anjos. Esses
elementos também podem ser vistos em 2 Tessalonicenses: a vinda de Jesus com anjos
(2 Ts 1.7); ajuntamento dos santos (2 Ts 1.7;2.1,13).
Em 2 Tessalonicenses 1.6-10, vemos a vingança de Jesus sobre os inimigos e a
glorificação dos santos. Assim, apesar de Mateus 24.31 não mencionar explicitamente o
arrebatamento era onde Paulo o situava. Assim como Mateus, Paulo também mostra
alguns sinais que relacionados ao Anticristo que devem preceder a volta de Cristo para
certificar que o Dia do Senhor ainda não tinha chegado.

Especificamente acerca da passagem de 2 Tessalonicenses 2.1-5, Paulo se refere à


parousia do Senhor e nosso ajuntamento com ele de “Dia do Senhor” (cf. 24.31). Paulo
diz que haverá alguns sinais antes da vinda do Senhor (2 Ts 2.3-4). Isso também está
implícito em 1 Tessalonicenses 5.1-11, onde Paulo continua a discussão sobre a
parousia. Enquanto em 1 Tessalonicenses 4.13-18 está preocupado com a relação da
ressurreição com o arrebatamento na parousia, 1 Tessalonicenses 5.1-11 fala do tempo
desses eventos e a necessidade de estar vigiando. Paulo se refere à
parousia/arrebatamento como o Dia do Senhor. No AT, o Dia do Senhor é o tempo
reservado para o julgamento dos inimigos do Senhor e da vindicação do seu povo. O
Dia do Senhor é quando as nações serão reunidas para julgamento e Israel para salvação
(Is 2.12-21; 13.6-16; Ez 30.3; Ob 15; Sf 1.14-2.3). O Dia do Senhor é o tempo de
destruição repentina que cairá sobre os descrentes (v.3) e os crentes serão isentos da ira
(v.9 cf 1.10). Paulo também diz que Jesus dará descanso para sua igreja e retribuirá o
que os inimigos da igreja fizeram contra ela no dia que ele for revelado (2 Ts 1.6-8 cf
2.8).

Assim, isso confirma que o arrebatamento está associado com a parousia (1 Ts 4.15-17).
Para os descrentes, esse dia será inesperado e destrutivo, mas para os crentes não,
porque eles não estão em trevas, pois são filhos da luz. Os crentes devem observar os
sinais da parousia, porque a redenção está próxima. Assim, o mesmo dia que traz
destruição para os descrentes, traz salvação para os crentes. Os crentes anseiam pelo Dia
do Senhor e assim buscam se santificar (v. 6-8).

Hultberg afirma que 1 Tessalonicenses 4.15-16 e parte do contexto mais amplo dos
versos 5.1-12 sugere que a salvação que os crentes terão na parousia é o arrebatamento.
Jesus derramará sua ira sobre os descrentes e arrebatará a igreja para livrá-los de sua ira.
A partir disso, é muito provável que, ao escrever 2 Tessalonicenses, Paulo tenha em
mente o mesmo evento de 1 Tessalonicenses 4.13-5.12. Paulo diz que esses sinais
devem acontecer antes do Dia do Senhor. É provável que os crentes de Tessalonica
estivessem pensando que eles estavam experimentando o Dia do Senhor na tribulação
de Daniel por terem entendido errado essa distinção. Paulo escreve para corrigir essa
ideia. Ainda que os crentes fossem passar pela tribulação de Daniel, não sofreriam a
parte negativa do Dia do Senhor, mas a positiva.

Com base na relação de 2 Tessalonicenses 2.1-15 com tradição de Jesus , o primeiro


sinal que deve preceder o Dia do Senhor é a abominação da desolação. Paulo menciona
dois eventos que devem preceder o Dia do Senhor (2 Ts 2.3), a apostasia e a revelação
do Homem da Iniquidade. A apostasia seria uma fuga da verdade influenciada por
Satanás associada com o Homem da iniquidade. Os textos de Tessalonicenses
juntamente com Mateus 24.24 falam de um período de extremo engano com sinais e
prodígios associado com uma figura ou figuras representando falso(s) cristo(s).Em
Mateus, esse período é durante a grande tribulação (v. 21, 23-24). A linguagem do
Evangelho corresponde à paulina quando ele fala do Homem da Iniquidade assumindo o
lugar no templo de Deus. Assim, Paulo estaria falando da abominação da desolação
quando fala do Homem da Iniquidade. Como Mateus aponta a abominação da desolação
(24.3-15) como o sinal primário da proximidade dos eventos finais, o Homem da
Iniquidade no templo é o que Paulo quer dizer por o Iníquo ser revelado.

Paulo diz que o Homem da Iniquidade não pode ser revelado até que “aquele que o
detém” seja removido (v.6 e 8). Porém, a identificação desse que detém é incerta. A
vinda do iníquo é acompanhada por um grande engano satânico que é endossado por
Deus, mas isso em si não é o que revela o iníquo. Assim, é o verso 4 que fala de um tipo
de manifestação dele.

A sintaxe de 2 Tessalonicenses 2.3-4 relaciona essa passagem com a revelação. Os


versos 3 e 4 na sentença original em grego são na verdade uma sentença só onde Paulo
identifica o Homem da Iniquidade pelas ações que ele faz ao querer usurpar o lugar de
Deus. Não obstante, todas essas ações ocorrem dentro do plano de Deus (v.10). Isso
indica que ainda que o Anticristo seja uma figura imperial, Paulo dá destaque em
Tessalonicenses para seu papel religioso.

A melhor leitura é que Paulo entende a parousia de Cristo sendo precedida pela
abominação da desolação. Isso obviamente implica que a igreja entrará na segunda
metade da septuagésima semana de Daniel. Mateus 24 e 2 Tessalonicenses confirmam
um ao outro e a carta de Paulo serve para provar que a seção do Evangelho é dirigida à
igreja.

Esses sinais também não comprometem a iminência. Paulo deixa claro que a parousia
não é inesperada pelos crentes (1 Ts 5.4), mas não quer dizer que eles saberão “o dia e a
hora”. Os crentes estarão atentos para período da volta porque interpretarão os sinais.
Jesus também misturou iminência com sinais (Mt 24.32-33, 42-44 e os textos paralelos).

Aula 12 – Textos do Apocalipse na leitura pré-ira


Duas passagens são importantes para analisar o arrebatamento depois da segunda
metade da septuagésima semana de Daniel: Apocalipse 7.9-17 e Apocalipse 13.1-18.Em
uma, a igreja é retratada como vindo da grande tribulação e na outra a igreja é retratada
na tribulação de Daniel.

Apocalipse 7 coloca a igreja na tribulação. Em Apocalipse 5, o Cordeiro recebe um


pergaminho com sete selos. Ele começa a abrir os primeiros 6 selos sequencialmente.
Com a abertura do sexto selo, a chegada da ira de Deus e do Cordeiro foi reconhecida.
As alusões a Isaias (2.12-22; 13.6-16; 34.1-15); Joel (2.1-11, 30-32; 3.9-17); Sofonias
(1.14-18) e Malaquias (3.2) deixam claro que o “dia da ira do Deus” é a linguagem de
João para o Dia do Senhor. Quando o sétimo selo é aberto, há silêncio nos céus
sinalizando a calmaria antes da ira de Deus. Entre o sexto selo (6.12-17) e o sétimo (8.1-
5) há um interlúdio. O processo de abertura dos selos é interrompido em Apocalipse 7
para a proteção dos servos de Deus antes da ira ser derramada (7.1-3). Nesse interlúdio,
João vê dois grupos: o grupo dos 144 mil Israelitas (7.4-8). Depois, João vê uma
multidão de cada nação diante do trono de Deus (7.9-10). Esse grupo são os que vieram
da grande tribulação. Eles foram lavados no sangue do Cordeiro e experimentarão
bençãos escatológicas. Então, podemos entender o segundo grupo como a igreja. Essa
multidão vem de toda nação, tribo, povo e língua (Ap 7.9). Essa mesma linguagem de
ter as vestes lavadas no sangue do Cordeiro é usada em Apocalipse 5.9. Apesar de
alguns verem que esse grupo é um subgrupo da igreja, os mártires que passaram pela
tribulação, os quais sofreram e até morreram nela, Hultberg entende que a igreja em si é
vista como composta inteiramente de mártires no livro de Apocalipse. Embora aos
mártires sejam dadas vestes brancas no quino selo (6.11), é comum cristãos usarem
vestes brancas em Apocalipse (3.5, 18; 19.8, 14).

Também é o caso com Apocalipse 12.11 que, embora tenha um contexto de martírio é
questionável se fala disso. Quando João diz que eles venceram o mundo pelo sangue do
Cordeiro ele pretende relembrar Apocalipse 5.5, 9 onde a vitória messiânica é a
redenção conquistada na cruz. A estrutura sintática de Ap 12.11aponta que João deu
duas razões para a vitória. Além de conquistarem pela morte do Cordeiro, eles também
conquistam pela própria fé no evangelho até a morte, quer seja pelo martírio ou não. Ter
sido lavado no sangue do Cordeiro pode tanto ser uma alusão a Daniel 11.35como a
Isaias 1.18. Assim, o tema envolvido aqui seria redentivo e não de martírio.

Apocalipse 12-16 forma uma unidade literária no livro. Ela é estabelecida por três sinais
(Ap 12.1, 3; 15.1). Os dois primeiros estabelecem o contexto cósmico dos eventos
escatológicos descritos em Apocalipse 13-14. A guerra da Besta de Daniel contra os
santos (13.7 cf Dn 7.21; 12.1; ; Ap 12.11-17) é parte da guerra maior da serpente
diabólica contra o povo de Deus (Ap 12.9). A guerra contra a Besta será concluída com
o derramar da ira de Deus (Ap 14.17-20). No meio dessa descrição, depois da retratação
da dominação da Besta satânica do mundo e perseguição dos santos (Ap 13.7 – 10 cf Dn
7.21) os 144 mil reaparecem no Monte Sião com o Cordeiro. Eles parecem ser a
contraparte daqueles que seguem a Besta.

Em Apocalipse 14.6-12, três anjos aparecem. O primeiro anjo clama pelo


arrependimento daqueles que habitam na terra (14.7), pois a hora do julgamento do
Senhor chegou. O segundo e o terceiro anjos anunciam as graves consequências
daqueles que se alinham com a Besta: estes provarão da ira de Deus (14.10). João vê
outra colheita que aparentemente completa a “redenção” que começou com os 144 mil
(14.14-16). João também vê “aqueles que foram vitoriosos contra a besta” (Ap 15.2 cf
7.14) diante de seu trono cantando sua salvação (15.2-3). Estes devem ser os que o
Filho do Homem colheu (14.14-16), pois as taças de Deus são derramadas depois desse
grupo aparecer no céu.

Assim, Apocalipse 14-16 faz paralelo com Apocalipse 7-8. Em ambos, encontramos a
sequência dos 144 mil na terra com o nome de Deus em suas testas seguidos pela
aparição de um grupo vitorioso no céu que vem da tribulação, seguido pelo derramar da
ira. Assim o grupo de Apocalipse 15.9 é o mesmo da grande multidão de 7.9. O grupo
de 15.2 chega aos céus não porque morreu, mas porque foi colhido pelo Filho do
Homem. Ou seja, a multidão de Apocalipse 7.9-17 aparece nos céus devido o
arrebatamento.

É possível ver um paralelo entre os seis selos e os eventos descritos em Mateus 24.5-31.
O primeiro selo (Ap 6.1-2) representa o surgimento dos falsos cristos, ou mesmo do
Anticristo (Mt 24.5). O segundo selo, guerra (Ap 6.3-4) corresponde às guerras e
rumores de guerras (Mt 24.6-7). O terceiro selo, fome (Apocalipse 6.5-6//Mt 24.7). O
quinto selo (Ap 6.9-11//Mt 24.9). O sexto selo (Ap 6.12-14//Mt 24.29-31). O cataclisma
dos céus que ocorrem na parousia(Mt 24.31) é representado em Apocalipse (14.14-16) e
corresponde ao aparecimento do grupo de vitoriosos nos céus. Apocalipse 7.9-17,
portanto, é uma imagem do arrebatamento da igreja.

Apocalipse 13 coloca a igreja na tribulação. Ainda que as sete igrejas do Apocalipse


sejam literais, elas representam toda a igreja. João indica isso de várias formas.
Primeiro, o número 7 é significativo de várias formas em Apocalipse (sete espíritos de
Deus, sete candelabros, sete estrelas, sete selos, sete olhos, sete chifres, sete trombetas,
sete trovões e sete taças). Assim, quando João escreve para sete igrejas ele pretende que
isso represente todas as igrejas. Segundo, as advertências dadas às igrejas individuais
são direcionadas a todas as igrejas. Terceiro as promessas escatológicas são cumpridas
para todos os cristãos no estado final. Assim, as sete igrejas do Apocalipse instruem
todas as igrejas através dos séculos. Claramente há temas do primeiro século, mas
também há oráculos escatológicos de eventos do fim das eras (Ap 2.8-11; 2.18-29).
Apocalipse 13 descreve a ação da besta que surge do mar. Isso faz uma alusão a Daniel
7 e o pequeno chifre (Dn 7.8, 20, 21, 25). Essa besta terá implicações históricas tanto
em Daniel quanto em Apocalipse.Assim, João vê a guerra contra os santos tanto de uma
perspectiva histórica quanto escatológica. Por causa disso, conclui-se que em
Apocalipse 7.9-19 a igreja está vindo a grande tribulação. Essa tribulação de Apocalipse
13 é concluída no capítulo seguinte pela colheita do Filho do Homem e o derramar das
taças de ira no reino da Besta e da destruição da prostituta.

A partir disso, concluímos que Mateus, Paulo e João veem a igreja participando da
grande tribulação, mas sendo arrebatada para ser isenta da ira de Deus, no Dia do
Senhor, que recairá sobre os descrentes.

Paulo diz que a igreja não experimentará a ira de Deus em suas cartas (Rm 5.9; 1 Ts
1.10; 5.9). Por causa da expiação de Cristo, os crentes não serão expostos a sua ira no
julgamento final nem à sua ira divina na septuagésima semana de Daniel. A parousia
para Paulo envolvia primeiro o arrebatamento, depois a ira divina depois o retorno à
terra. Ele não dá indicação da duração desses eventos. Isso também acontece em
Apocalipse (6-8; 14-16) quando João apresenta o arrebatamento depois do derramar da
ira de Deus. Assim, a posição tribulacional Pré-ira entende que acontecerá.

Aula 13 – Preterismo
O teólogo R.C. Sproul define preterismo como:

Um ponto de vista escatológico que coloca muitos ou todos os eventos escatológicos no


passado, especialmente durante a destruição de Jerusalém em 70 d.C. ( SPROUL, The
last days according to Jesus, p. 228)

Ou seja, o preterismo vai considerar que as profecias, em sua totalidade ou maioria,


foram cumpridas no período da geração que estava viva nos tempos de Jesus. Existe
uma diferença entre preterismo radical e preterismo parcial. O preterismo parcial
defende que somente algumas profecias foram cumpridas nos tempos de Jesus, ao passo
que o preterismo radical defende que todas elas foram cumpridas nessa época. Assim,
apara o preterismo radical, a ressurreição, o arrebatamento, o Dia do Senhor e o Dia do
Juízo ocorreram no ano 70 d.C. Já o preterismo parcial diz que o que aconteceu no ano
70 com Israel foi um dia do Senhor, não o dia do Senhor.
O preterismo parcial entende que o julgamento no ano 70 foi o cumprimento importante
de alguma profecia. Eles ainda creem na vinda futura de Cristo e na ressurreição dos
mortos. A distinção está justamente na vinda do Senhor em julgamento contra
Jerusalém e a vinda corporal e futura do Senhor no fim da história.

Todd Dennis critica o preterismo radical por causa de seu posicionamento acerca da
segunda vinda de Cristo e da ressurreição. A ressurreição dos crentes é corporal,
segundo Paulo (1 Co 15.44), o que impediria do preterismo radical ser absorvido por
outras tradições. Ele também ensina que a segunda vinda de Cristo já ocorreu (sob
forma de julgamento) que outro sistema ensina isso?

O preterismo radical falha em entender que tanto a ressurreição dos crentes quanto a
segunda vinda de Cristo serão corporais. Eles proporão uma segunda vinda e uma
ressurreição espirituais. Já o preterismo parcial diz que Cristo veio
em julgamento contra Jerusalém durante a guerra judaica 67-70 d.C, mas não veio
corporalmente, pois essa é a segunda vinda (At 1.11). Jesus veio em Pentecoste como
Espírito de Jesus (Jo 14.16-18); veio em julgamento e ira contra Jersusalém em 66-70
(Lc 21.23; Ap 6.16) e voltará corporalmente em algum ponto do futuro em cujo tempo
os que morreram em Cristo também serão ressuscitados (At 1.11; 1 Ts 4.16)

O preterismo parcial entende que a destruição de Jerusalém no ano 70 é o cumprimento


de profecias feitas por Jesus (Mt 23.35-36; Lc 23.28). Jesus fez uma série de profecias
contra Jerusalém (Mt 24; Mc 13; Lc 21). À medida que Jesus se aproxima de Jerusalém
pela última vez ele adverte sobre um juízo que virá sobre a cidade (Lc 19.41-44) e
quando ele estava a caminho da cruz, quando Simão carregou sua cruz, ele novamente
adverte que virá um tempo de pranto sobre a cidade (Lc 23.28-31). Jesus também diz
que essa geração, e não as subsequentes, sofrerá o juízo de Deus por causa dos profetas
que eles martirizaram (Mt 23.34-36; Lc 11.49-51). Jesus também se refere a esse juízo
na parábola do proprietário que plantou vinhas (Mt 21.33-45)

O preterismo parcial entende que a grande tribulação (Mt 24.21) se refere à destruição
de Jerusalém no ano 70. Essa posição verá que essa tribulação é local. Segundo a
posição: o relato de Lucas (21.20-24) mostra que Mateus 24.21 se refere à queda no ano
70. Ela foi localizada especificamente na Judeia (Mt 24.16; Mc 13.14; Lc 21.21). Jesus
disse que jamais haveria uma tribulação semelhante, portanto ela não ocorreria no fim
do mundo e, por fim, as referências a “esta geração” (Mt 23.36; 24.34) indicam que
Jesus localizou a grande tribulação naquele período e não no futuro.

REFERÊNCIA:

http://www.monergismo.com/textos/preterismo/introducao-preterismo_ross-taylor.pdf

Aula 14 – A ressurreição de justos e injustos


Na segunda vinda de Cristo, os crentes serão ressurretos assim como os descrentes (1
Co 15) Os crentes serão ressurretos para a salvação enquanto os descrentes para a
perdição. Os crentes gozarão de Cristo em corpo e descrentes sofrerão longe de Cristo
em corpo. Já no AT temos declarações diretas acerca disso. Isaías vai dizer que “os teus
mortos viverão, os seus corpos ressuscitarão; despertai e exultai, vós que habitais no pó.
O teu orvalho de luz e a terra dará à luz os mortos” (Is 26.19) . O profeta Daniel
também afirma a ressurreição dos crentes e dos ímpios quando diz que “muitos dos que
dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna e outros para vergonha e
desprezo eterno” (Dn 12.2).Ezequiel também afirma quando diz: “Vocês saberão que eu
sou o Senhor, quando eu abrir as sepulturas de vocês e os fizer sair delas, ó povo meu.
Porei em vocês o meu Espírito, e vocês viverão. Eu os estabelecerei na sua própria terra,
e vocês saberão que eu sou o Senhor. Eu falei e eu o cumprirei, diz o Senhor” (Ezequiel
37:13,14).

O NT afirma de maneira ainda mais clara a ressurreição. Jesus responde aos saduceus,
os quais não acreditavam na ressurreição (Mt 22.29-32; Mc 12.24-27; Lc 20. 34-38),
dizendo que ela existiria. João também afirmou que “os mortos ouvirão a voz do Filho
de Deus e os que ouvirem viverão” e mais “não fiquem maravilhados com isso, porque
vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a voz dele e sairão: os
que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal,
para a ressurreição do juízo” (João 5:28,29).O texto clássico que trata disso é Paulo
falando aos Coríntios: “Eis que vou lhes revelar um mistério: em todos dormiremos,
mas todos seremos transformados num momento, num abrir e fechar de olhos, ao
ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os mortos ressuscitarão incorruptíveis, e
nós seremos transformados” (1 Coríntios 15:51,52).

Todos os membros da Trindade estão envolvidos na ressurreição: O Pai ressuscita os


crentes por meio do Espírito (Rm 8.11) e porque Cristo foi ressuscitado, os crentes
também serão (1 Co 6.14). Essa ressurreição, tal qual a de Cristo, é corpórea (Fp
3.20.21; 1 Co 15.44). A ressurreição é um ponto central para a fé de tal forma que quem
modifica seu ensino é visto como herege (2 Tm 2.18) e ela também é a motivação para
uma vida que evita a imoralidade hoje (1 Co 6.13-14).

A ressurreição tratada aqui não é a mesma que Lázaro e outras pessoas que Jesus
ressuscitou passaram, pois estas eventualmente morreram. Essa ressurreição é com
corpo imperecível (1 Co 15.42). Ainda que não saibamos as relações de continuidade e
descontinuidade entre esse corpo e o corpo ressurreto, é certo que alguns elementos são
preservados. As cicatrizes de Jesus permaneceram mesmo depois da ressurreição (Jo
20.27), além disso, ele se alimentou (Lc 24.28-31). Em Apocalipse 21, povos de Deus
se manifestam. Gente de todo povo, tribo, língua e nação adora ao Senhor, então
características físicas e éticas continuam em algum nível. Ainda que 1 Coríntios 15 diga
que a diferença desse corpo para o outro é a diferença da luz das estrelas para a luz do
sol.

Erickson diz que “haverá algum tipo de realidade corpórea na ressurreição. Ela terá
alguma ligação com nosso corpo original e dele se derivará, mas, ainda assim, haverá
uma transformação ou metamorfose” (ERICKSON, 1143). É dito que os ímpios
também ressuscitarão, mas para a sua condenação (Dn 12.2; Jo 5.28-29; At 24.14-15).
Não há nada que diga acerca de um corpo especial para ímpios. Possivelmente, esses
corpos serão como os terrenos, ainda sujeitos à corrupção, dor e passarão a eternidade
longe do Deus vivo.

REFERÊNCIA:
ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015

Aula 15 – O juízo final e o grande trono branco


O grande trono branco é um assunto importante para a escatologia, mas não é muito
debatido. A Bíblia fala um pouco sobre ele e é bom falarmos a respeito ainda que seja
um tema curto, mas importante para nossos corações. Apesar de já termos visto que
imediatamente depois da morte, os indivíduos já vão para o céu ou para inferno, isso é
um estado intermediário, pois todos ainda precisarão passar pela ressurreição para ter
seus corpos e adentrar no estado definitivo. Dessa forma, o juízo final não mudará a
sentença de ninguém: quem foi salvo permanecerá assim, e quem foi condenado
permanecerá assim. Aqueles que estiverem vivos na época do julgamento também serão
julgados como condenados ou como salvos. Portanto, o cristão não deve temer estar
diante do trono branco do Cordeiro, como é dito em Apocalipse. Ele já tem a garantia da
vida eterna. Ao morrer, ele sabe que irá para céu e no julgamento ele sabe que sua vida
eterna será efetivada. Os crentes entendem que vão para o juízo final, diante do grande
trono branco de Deus para receber as suas recompensas, os galardões. O que se entende
é que existem níveis de perfeição no céu. Existem gradações de glória que recebemos
do Senhor. Agostinho disse que os galardões é Deus premiando o seu povo pelo seus
[de Deus] próprios dons. Deus vai devolver em glória para cada um de nós de forma
diferente de acordo com o modo que vivemos nessa vida. O nosso julgamento não é
para nossa condenação. Nós não tememos o juízo de Deus, porque Cristo terá o seu
sangue derramado sobre nós.

Por outro lado, o ímpio deve temer tal julgamento. Mesmo havendo uma condenação no
momento da morte, nesse julgamento haverá uma efetivação da condenação. A Bíblia
fala de um julgamento com mais rigor do que foi feito a Sodoma e Gomorra (Jo 5.27-
29). Paulo também fala desse julgamento quando pregou no Aerópago (At 17.31),
quando falou com Félix (At 24.25). O autor de Hebreus também falou disso ao abordar
que o homem só tem uma vida e depois morreria (Hb 9.27). Esse julgamento é
claramente ensinado que ocorrerá depois da segunda vinda de Cristo (Mt 13.37-43;
16.27; 24.29-35; 25.31-46)

O próprio Cristo será o juiz. Muitos cristãos imaginam Jesus somente como uma figura
que salva, mas ele também julgará. Alguns evocam que “Cristo não veio para julgar o
mundo, mas para salvar” (Jo 12.47), mas isso se refere à sua primeira vinda. De fato, ele
precisava trazer juízo, pois todos já estavam condenados. Porém, uma vez que ele veio
exercer salvação, para tirar-nos da condenação, na sua segunda vinda, porém, ele virá
julgar (Mt 25.31-33). Jesus também disse que o Pai lhe entregou todo o julgamento (Jo
5.22,27). Paulo também disse que haverá um dia de juízo que será feito pelo próprio
Jesus (At 10.42).

Esse julgamento final dos ímpios é descrito como sendo o Grande Trono Branco (Ap
20.11-14). Para aqueles que creem em um Milênio literal, esse evento ocorrerá depois
dele. Para aqueles que entendem o Milênio como a atual era da igreja, esse evento
ocorre quando essa era acabar. Independentemente disso, o Trono Branco é um ponto
em comum não importa a forma como o Milênio seja entendido.

A descrição de João em Apocalipse nos mostra que o destino final dos ímpios
ressurretos é serem jogados no lago de fogo, a segunda morte, juntamente com o Diabo,
a besta e o falso profeta (Ap 20.10 cf 20.14). Assim, a descrição do julgamento não é
nenhum pouco boa para os descrentes. Há uma etapa final que é pior que o inferno,
porque o inferno será lançado no lago de fogo. Além disso, vemos também que o
próprio Satanás será julgado e condenado juntamente com seus demônios. Ele não é o
senhor do inferno. Jesus é o Senhor do inferno e ele condenará todos os descrentes e os
demônios por toda a eternidade.

REFERÊNCIA:

ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015

Aula 16 – O estado eterno


A maneira mais comum de falar do destino dos justos é dizendo que eles vão para o céu.
Na Bíblia, tanto no AT quando no NT “céu” pode ser entendidocomo a dimensão física
(Gn 1.1; Mt 5.18; Lc 16.17). O céu também é visto como uma referência a Deus (Mt
21.25; Lc 15.18, 21). Existe também o uso da expressão “reino dos céus” por Mateus de
textos paralelos aos de Lucas, que usa “reino de Deus” .

A terceira forma é usar céu como a habitação de Deus (Mt 5.16, 45; 6.1; 7.11; 18.14).
Jesus é descrito como aquele de veio do céu (Jo 3.13). Os anjos vêm do céu e voltam
para lá (Mt 28.2; Lc 22.43; Lc 2.15). Jesus será revelado dos céus (1 Ts 1.10; 4.16; 2 Ts
1.7). Ele também fala que o céu é a casa de Deus e que foi para lá com o objetivo de
preparar moradas (Jo 14.2-3).

Lá é onde os crentes estarão com o Senhor para sempre (1 Ts 4.17). É para o céu que o
crente deve se prepapar (Mt 6.19-20), pois lá ele tem uma herança (1 Pe 1.4-5) e
esperança (Cl 1.5).

Na sua vinda, Jesus fará novos céus e nova terra para designar toda a dimensão
criacional.A Bíblia nos diz que a criação aguarda ardentemente por sua redenção (Rm
8.19-21). Há uma discussão sobre como essa Nova Criação será feita: Se pela
aniquilação da terra que há hoje e uma criação completamente nova sendo feita, ou se
pela restauração da que hoje já existe. Preferimos concordar com Wayne Grudem
quando ele diz que “é difícil imaginar que Deus aniquilaria totalmente sua criação
original, causando assim a impressão de ceder ao diabo a última palavra e desfazendo-se
da criação que originariamente era muito boa (Gn 1.31). As passagens acima que falam
sobre abalar e remover a terra e sobre a primeira terra que passa podem referir-se apenas
à sua existência na forma atual, não à sua existência propriamente dita; e mesmo 2Pedro
3.10, que fala a respeito dos elementos que se desfazem e da terra e as obras sobre ela
que são queimadas, pode não estar falando da terra como um planeta, mas sim das
coisas sobre a superfície da terra (ou seja, a maior parte da terra e das coisas sobre a
terra)”. A ideia seria que Deus renovaria a criação. Não faria sentido a criação atual
estar ansiosa pela sua libertação se ela será destruída. Portanto, a ideia parece ser que
haverá uma renovação da terra dentro dessa redenção final.

É para essa Nova Criação que o corpo ressurreto do crente será preparado. A linguagem
do Apocalipse é de uma “nova terra”. Ou seja, os céus, para onde iremos é nosso estado
intermediário. O crente que morre no Senhor vai para os céus, no entanto, ele habitará
nessa nova terra onde Cristo reinará para todo o sempre. Falamos muito que vamos
morar no céu, mas não estaremos lá para sempre. Moramos nos céus se morrermos
agora em Cristo, assim como os descrentes vão para o inferno se morrerem agora sem
Cristo. Esse inferno, porém, é o estado intermediário, pois até o inferno será lançado no
lago de fogo. Assim como o céu é o estado intermediário para os crentes que hoje estão
lá e que vão para uma nova terra habitar com Cristo. Essa nova criação não será
simplesmente uma realidade espiritual, mas física.

A Bíblia fala que comeremos do fruto da árvore da vida(Ap 22.2). Essa nova dimensão
da vida será uma sucessão de eventos tal qual é hoje, mas de forma totalmente
glorificada. Não será uma dimensão atemporal, mas uma que se estenderá para todo
sempre.

É com vistas a essa realidade que vivemos nossa vida de hoje. Pedro nos mostra
devemos viver como se antecipássemos a volta de Cristo não no sentido que aceleramos
sua vida para mais cedo, mas que vivemos na expectativa da sua volta (2 Pe 3.11-13).
Nessa nova realidade haverá abundância ainda maior de beleza e estaremos na presença
de Deus. O próprio Cristo brilhará de forma que não precisaremos de Sol nem haverá
noite. O capítulo final de Apocalipse nos faz ansiar ardentemente essa nova realidade.

No Antigo Testamento, quando a glória de Deus encheu o templo, os sacerdotes não


conseguiam permanecer ali e ministrar (2Cr 5.14). No Novo Testamento, quando a
glória de Deus cercou os pastores no campo fora da cidade de Belém, “ficaram tomados
de grande temor” (Lc 2.9). Mas aqui na cidade celestial seremos capazes de suportar o
poder e a santidade da presença da glória de Deus, pois viveremos continuamente na
atmosfera da glória de Deus. “A cidade não precisa nem do sol, nem da lua, para lhe
darem claridade, pois a glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro é a sua lâmpada”
(21.23). Esse será o cumprimento do propósito de Deus em nos chamar “para a sua
própria glória e virtude” (2Pe 1.3): então habitaremos continuamente (com exultação,
imaculados diante da sua glória ” (Jd 24; cf. Rm 3.23; 8.18; 9.23; ICo 15.43; 2Co 3.18;
4.17; Cl 3.4; ITs 2.12; Hb 2.10; IPe 5.1, 4, 10). (GRUDEM, 993).

Lá veremos a face do nosso Senhor. Lá habitaremos para sempre. Lá estarmos reunidos


com todos aqueles que um dia foram feitos irmãos através do sangue de Cristo. Lá é
nossa morada eterna e final. Onde para sempre reinaremos diante da glória do Senhor.
Nós escaparemos de toda força do pecado e eternamente seremos aquilo que em Cristo
já somos. Redimidos, santos, salvos, para sempre na presença de Deus.

REFERÊNCIA:

GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2011.

ERICKSON, Millard. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015

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