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1. TEOLOGIA
1.1. NATUREZA DA TEOLOGIA
1.2. NESCESSIDADE DA TEOLOGIA
2. AS DIVISÕES DA TEOLOGIA
2.1. TEOLOGIA EXEGETICA
2.2. TEOLOGIA HISTÓRICA
2.3. TEOLOGIA PRÁTICA
2.4. TEOLOGIA NATURAL
2.5. TEOLOGIA REVELADA
2.6. TEOLOGIA SISTEMATICA
3. O OBJETIVO DA TEOLOGIA SISTEMÁTICA
É com grande alegria e gratidão que dou as boas-vindas a todos vocês ao INTEB - Instituto de
Teologia Bíblica. Sejam bem-vindos a esta jornada de aprendizado e crescimento espiritual.
Neste lugar de estudo e reflexão teológica, estamos unidos pela busca do conhecimento das
Escrituras Sagradas, pela compreensão mais profunda da palavra de Deus e pelo aprofundamento na
fé. Aqui, a teologia se torna não apenas uma disciplina acadêmica, mas uma ferramenta para
fortalecer nossa relação com o divino.
Nossa jornada será desafiadora, mas também recompensadora. A cada passo, vocês estarão
mais próximos de compreender a sabedoria divina. Este instituto é um ambiente de comunhão e
apoio mútuo, onde podemos crescer juntos na fé.
Portanto, convido cada um de vocês a se dedicar com paixão e diligência aos estudos, a se
envolver nas discussões teológicas e a buscar uma relação mais profunda com Deus.
Que este tempo no INTEB seja abençoado e que, ao final de sua jornada, vocês saiam daqui
não apenas com um diploma, mas com um coração transformado e um chamado divino mais claro.
1. TEOLOGIA
1.1. NATUREZA DA TEOLOGIA
O termo "teologia" é usado hoje em um sentido restrito e também em um amplo. É derivado
de duas palavras gregas, theos e logos, sendo que a primeira significa "Deus" e a segunda "palavra",
"discurso" e "doutrina".
No sentido mais restrito, portanto, teologia pode ser definida como sendo a doutrina de Deus.
Mas no sentido mais amplo e mais comum, o termo vem a significar todas as doutrinas
cristãs, não apenas a doutrina específica de Deus, mas também as doutrinas que se referem às
relações que Deus mantém com o universo.
Neste sentido amplo, podemos, portanto, definir teologia como a ciência de Deus e Suas
relações para com o universo. Para melhor esclarecer essa idéia, precisamos indicar a seguir as
diferenças entre teologia e ética, teologia e religião, e teologia e filosofia.
1. Teologia e Ética. Psicologia lida com comportamento; ética, com conduta. E isto é
verdadeiro tanto na ética filosófica quando da cristã. A psicologia indaga o como e o porque do com
portamente; a ética, a respeito da qualidade moral da conduta.
A ética pode ser descritiva ou prática. A ética descritiva examina a conduta humana à luz de
um padrão do que é certo ou errado; a ética prática se alicerça na ética descritiva, mas mais
particularmente enfatiza as razões para se tentar viver de acordo com tal padrão. Mas, como é
patente, de qualquer maneira a ética filosófica se desenvolve em uma base puramente naturalista e
não possui doutrina de pecado, de um Salvador, de redenção, regeneração, e habitação e poder
divinos para se alcançar suas metas.
A ética cristã difere bastante da ética filosófica. É mais completa pois, enquanto que a ética
filosófica se restringe aos deveres entre homem e homem, a ética cristã também inclui os deveres
para com Deus.
Além disso, é diferente em sua motivação. Na ética filosófica, o motivo é ou hedonista,
utilitarista, perfeicionista, ou uma combinação de todos estes, como no humanismo; mas na ética
cristã, o motivo é a afeição e submissão voluntária a Deus. Mesmo assim, a teologia contém muito
mais do que aquilo que pertence à ética cristã'. Inclui também as doutrinas da trindade, criação,
providência, a queda, a encarnação, redenção e escatologia. Nenhuma dessas pertence propriamente à
ética.
2. Teologia e Religião. A relação entre teologia e religião é a de efeitos, em esferas diferentes,
produzidas pelas mesmas causas.
No campo do pensamento sistemático, os fatos que se referem a Deus e Suas relações com o
universo levam à teologia; na esfera da vida individual e coletiva, eles levam à religião.
Em outras palavras, na teologia um homem organiza seus pensamentos com referência a Deus
e ao universo, e na religião ele expressa, em atitudes e ações, os efeitos que esses pensamentos -
produziram nele.
3. Teologia e Filosofia. Teologia e filosofia têm praticamente os mesmos objetivos, mas
diferem bastante no enfoque que dão e no método que usam para atingir esses objetivos. Ambas
buscam uma visão completa do mundo e da vida.
Entretanto, enquanto que a teologia parte da crença na existência de Deus e da idéia de que
Ele é a causa de todas as coisas, com exceção do pecado, a filosofia parte de uma outra coisa dada e
com a idéia de que é suficiente para explicar a existência de todas as outras coisas.
Para os filósofos gregos, esta coisa dada era ou a água, ou o ar, ou o fogo, ou átomos em
movimento, ou nous, ou idéias; para os modernos, é a natureza ou a mente, ou a personalidade, ou a
vida, ou alguma outra coisa.
A teologia não apenas parte da crença na existência de Deus, mas também afirma que Ele
graciosamente Se revelou. A filosofia nega essas duas idéias.
Baseado na idéia de Deus e no estudo da revelação divina, o teólogo desenvolve suas idéias a
respeito do mundo e da vida; baseado na coisa dada e nos supostos poderes a ela inerentes, o filósofo
desenvolve suas idéias a respeito do mundo e da vida.
É claro, portanto, que a teologia se alicerça sobre uma base sólida e objetiva, enquanto que a
filosofia se alicerça apenas nas suposições - e especulações do filósofo.
No entanto, a filosofia é definitivamente importante para o teólogo.
Em primeiro lugar, oferece a ele certo apoio para a posição cristã. Kant, na base da
consciência, defendeu a existência de Deus, liberdade e imortalidade. Henri Bergson defende a idéia
de que os homens adquirem conhecimento através da intuição tanto como através da razão. Vários
filósofos têm defendido a independência da mente e do cérebro e têm procurado estabelecer as
relações entre eles. O teólogo pode usar tais conclusões filosóficas para reforçar a posição bíblica.
Em segundo lugar, revela a ele a incapacidade da razão para resolver os problemas básicos
da existência. Enquanto que o teólogo aprecia toda a ajuda real que recebe da filosofia, ele logo
percebe que a filosofia não tem uma teoria real das origens e nenhuma doutrina de providência,
pecado, salvação, e uma consumação final. Como todos esses conceitos são muito vitais para uma
idéia adequada do mundo e da vida, o teólogo é irresistivelmente conduzido a Deus e à revelação que
ele fez de Si mesmo para tratar dessas doutrinas.
E, em terceiro lugar, dá-lhe a conhecer as idéias do descrente culto. A filosofia é para o
descrente o que a fé cristã é para o crente; e ele se apega a ela com a mesma tenacidade com a qual o
crente se apega à sua fé. Conhecer a filosofia de alguém é, portanto, ficar de posse da chave
necessária para compreendê-lo e também para lidar com ele. O crente pode não conseguir ir muito
longe com o filósofo teórico, mas poderá ajudar aquele que ainda não estiver totalmente dominado
pelas teorias da especulação.
1.2. NESCESSIDADE DA TEOLOGIA
Aqueles que se recusam a formular suas crenças teológicas possuem idéias bem definidas com
relação aos principais assuntos da teologia; isto é, algum tipo de crença teológica é necessário. Isto se
deve à natureza do intelecto humano e as preocupações práticas da vida. Vamos, portanto, considerar
brevemente o porquê desta necessidade, pensando particularmente de sua necessidade para o cristão.
1. O Instinto Organizador do Intelecto. O intelecto humano não se contenta com uma simples
acumulação de fatos: invariavelmente busca uma unificação e sistematização de seu conhecimento. A
mente não se satisfaz apenas em descobrir certos fatos a respeito de Deus, do homem, e do universo:
ela deseja conhecer as relações entre essas pessoas e coisas e organizar suas descobertas em forma de
um sistema.
Orr diz, falando da mente: "Ela não se contenta com conhecimento fragmentado, mas tem
constantes a tendência de passar dos fatos para leis, de leis para leis mais elevadas, e destas para as
generalizações mais elevadas possíveis". James Orr, The Christian View ofGod and the World (O
Conceito Cristão de Deus e do Mundo) (Wm. B. Eerdmans Publ. co., 1948) pág. 6.
E Strong diz: "É apenas na proporção dos dons e cultura que o impulso de sistematizar e formular
aumenta". Op. cit., pág. 16.
2. A Natureza Difundida da Descrença de Nossos Dias. Os perigos que ameaçam a igreja vêem,
não da ciência, mas sim da filosofia. Nossas universidades, faculdades e seminários estão, na maioria,
saturados de ateísmo, agnosticismo, e panteísmo. Alguns deles são unitarianos.
Através daqueles que se formam nessas instituições, as escolas públicas, os jornais, revistas,
rádios e as muitas organizações sociais, comerciais, políticas e fraternais, esses ensinamentos são
infundidos em todos os níveis da vida social.
Os mais bem instruídos destes têm um conjunto de idéias relativamente completo com relação às
coisas que os interessam mais de perto. Ora, não é bastante citar versículos isolados para homens que
defendem as falsas idéias dos dias presentes: precisamos mostrar a eles que a Bíblia é urna solução
melhor para seus problemas do que aquela que eles adotaram; que Ela tem a resposta para muitos
problemas que suas filosofias nem tentam responder; e que as Escrituras possuem uma visão plena e
consistente do mundo e da vida.
O homem que não possui um sistema organizado de pensamento está à mercê daquele que o tem.
Em outras palavras, temos a obrigação de ajuntar todos os fatos revelados sobre um dado assunto ou
organizá-los sob a forma de um sistema harmonioso se quisermos enfrentar aqueles que estão
profundamente arraigados em algum sistema filosófico de pensamento.
3. A Natureza das Escrituras. A Biblia é para o teólogo o que a natureza é para o cientista, um
conjunto de fatos desorganizados ou apenas parcialmente organizados. Deus não achou necessário
escrever a Biblia na forma de Teologia Sistemática; é nossa tarefa, portanto, ajuntar os fatos dispersos
e colocá-los sob a forma de um sistema lógico.
Há certamente algumas doutrinas que são tratadas com relativa extensão em um único contexto;
mas não há nenhuma que seja ali tratada exaustivamente. Veja como exemplo de uma doutrina ou
tema tratados extensivamente em uma passagem,
2. significado da morte de Cristo nas cinco ofertas de Lv. 1-7;
3. as qualidades da Palavra de Deus nos Sl. 19, 119;
4. os ensinamentos da onipresença e onisciência de Deus no Sl. 139;
5. os sofrimentos, morte, e exaltação do Servo de Jeová em Is. 53;
6. a restauração a Israel de sua adoração no templo, e sua terra, em Ez. 4048;
7. as predições referentes aos tempos dos gentios em Dn. 2 e 7;
8. a volta de Cristo a este mundo e os acontecimentos imediatamente ligados a ele em Zc. 14;
Ap. 19: 11 - 22: 6;
9. a Carta Magna do reino em Mt. 5-7;
10. o desenvolvimento do cristianismo em Mt. 13;
11. a doutrina da pessoa de Cristo em João 1: 1-18, Fl. 2: 5-11, Cl. 1: 15-19; Hb. 1: 1-4;
12. os ensinamentos de Jesus referentes ao Espírito Santo em João 14-16;
13. o status dos cristãos gentios com referência à lei de Moisés em Atos 15: 1-29; Gl. 2: 1-10;
14. a doutrina da justificação pela fé em Rm. 1 : 17 - 5: 21;
15. o status presente e futuro de Israel como nação em Rm.9-11;
16. a questão dos dons do Espírito em I Co.12, 14;
17. a caracterização do amor em I Co. 13;
18. a doutrina da ressurreição em I Co. 15;
19. a natureza da igreja em Ef. 2, 3;
20. as conquistas da fé em-Hb. 11;
21. e o problema do sofrimento no livro de Jó e em I Pedro:
Apesar de ser grande a extensão do tratamento dado ao tema nessas mensagens, em nenhuma
delas é o tema tratado plenamente. É necessário, portanto, se quisermos conhecer todos os fatos a
respeito de qualquer assunto, ajuntar os ensinamentos dispersos e colocá-los em um sistema lógico e
harmonioso.
4. O Desenvolvimento de um Caráter Cristão Inteligente. Há duas opiniões errôneas a respeito
deste assunto:
1) Há pouca ou nenhuma relação entre a crença de um homem e seu caráter e
2) a teologia tem um efeito entorpecedor sobre a vida espiritual.
O modernista às vezes acusa o crente ortodoxo do absurdo de defender as crenças tradicionais da
igreja quando ele vive como um pagão. Seu credo, insiste aquele, não afeta seu caráter e conduta, O
modernista, pelo contrário, se dispõe a produzir uma vida boa sem o credo ortodoxo. Como podemos
responder a essa acusação?
Replicamos que a mera aceitação intelectual de um conjunto de doutrinas é insuficiente para
produzir resultados espirituais, e infelizmente muitas pessoas chamadas ortodoxas possuem nada
mais que uma lealdade intelectual para com a verdade. Insistimos, além disso, que a verdadeira
crença, envolvendo o intelecto, as sensibilidades e a vontade, não possui um efeito sobre o caráter e a
conduta.
Os homens agem de acordo com aquilo em que realmente crêem e não de acordo com aquilo em
que eles simplesmente dizem crer.
Dizer que a teologia tem um efeito entorpecedor sobre a vida espiritual pode ser verdade apenas
se o assunto for tratado como mera teoria. Se for tratado em relação à vida, se ficar claro que cada um
dos atributos de Deus, por exemplo, tem uma influência prática na conduta; a teologia não terá um
efeito entorpecedor sobre a vida espiritual; ao invés disso, servirá de guia para o pensamento
inteligente a respeito de problemas religiosos e um estímulo à uma vida santa.
Como poderiam idéias plenas e corretas a respeito de Deus, do homem, do pecado, de Cristo, da
Bíblia, etc., levar a outra coisa? A teologia não apenas nos ensina que tipo de vida deveríamos viver,
mas nos inspira a viver dessa maneira. Em outras palavras, a teologia não apenas indica as normas de
conduta, mas também nos fornece os motivos para tentarmos viver de acordo com essas normas.
5. As Condições para o Serviço Cristão Eficaz. Há em muitas igrejas hoje em dia uma aversão a
pregações doutrinárias. O pastor sente que as pessoas exigem algo que seja oratório, que suscite
emoções que levem a ação imediata, e que não requeira concentração de pensamento.
Infelizmente, algumas congregações são assim, mas Cristo e os apóstolos pregavam doutrina
(Marcos 4: 2; Atos 2:42; II Timóteo 3: 10), e somos exortados a pregar doutrina (II Timóteo 4: 2; Tito
1: 9). Pregação oratória, textual ou atual pode prender a congregação ao pregador, mas quando o
pregador for embora, o povo vai também.
7. AS DIVISÕES DA TEOLOGIA
Os modernistas não escrevem obras sobre Teologia, especialmente sobre a Teologia Sistemática,
por crerem que não podemos nunca chegar a qualquer alto grau de certeza nesses assuntos. Temos,
entretanto, em oposição a esta opinião, mantido a opinião de que a Teologia, mesmo a Teologia
Sistemática, é não apenas possível mas muito necessária.
Apresentaremos agora a prova em favor da possibilidade da teologia e então indicaremos as
divisões comuns da Teologia.
A possibilidade da Teologia advém de duas coisas: A revelação de Deus e os dons do homem.
A revelação de Deus se faz de duas formas:
1. geral e
2. especial;
Os dons do homem são de dois tipos:
1. mentais e
2. espirituais.
Vamos estudá-los com algum cuidado.
a. A Revelação de Deus
Pascal falou de Deus como um Deus Absconditus (um Deus escondido); mas afirmou que este
Deus escondido se revelou e, portanto, pode ser conhecido. Isto é verdade.
Certamente, nunca poderíamos conhecer a Deus se Ele não Se tivesse revelado a nós. Mas o que
queremos dizer com "revelação"? Para nós, é o ato de Deus pelo qual Ele Se mostra ou comunica
verdade à mente; pelo qual Ele torna manifesto às Suas criaturas aquilo que não pode ser conhecido
de nenhuma outra maneira.
A revelação pode ocorrer através de um ato único, instantâneo ou pode se estender por um longo
período; e esta comunicação de Si Próprio e de Sua verdade pode ser percebida pela mente humana
em vários graus de plenitude.
Falando de maneira geral, há duas espécies de revelação: Geral e Especial
1. A Revelação Geral de Deus. Ela é encontrada na natureza, na história e na consciência. É
comunicada por meio de fenômenos naturais que ocorrem na natureza ou no decorrer da
história; é endereçada a todas as criaturas inteligentes de modo geral e é acessível a todas;
tem por objetivo suprir a necessidade natural do homem e a persuasão da alma para
buscar o Deus verdadeiro.
A Revelação de Deus na Natureza. Todos os naturalistas que rejeitam a própria
idéia de Deus e afirmam que a natureza é autosuficiente e autoexplicativa não
vêem, é claro, revelação alguma de Deus na natureza. Tampouco os panteístas
realmente vêem qualquer revelação de Deus na natureza. Alguns deles identificam
Deus com o "Todo", o "Universum", e "Natureza"; outros falam dEle como o
Eterno Poder de Energia que produz todas as mudanças no mundo dos fenômenos,
e ainda outros, como a Razão que se externa a si própria no universo. Já que todos
eles possuem uma visão necessitária do mundo, não encontram revelação alguma
de um Deus extra-terrestre no universo.
Mas os homens em gerai sempre viam na natureza uma revelação de Deus. Os
mais bem dotados muitas vezes expressaram suas convicções em linguagem
semelhante a dos salmistas, dos profetas e dos apóstolos (SL 8: 1, 3; 19: 1, 2; Is.
40: 12-14, 26; Atos 14: 15-17; Rm. 1: 19, 20).
A Revelação de Deus na História. O salmista faz a arrojada asserção de que os
destinos dos reis e impérios estão nas mãos de Deus. "Porque não é do Oriente,
não é do Ocidente, nem do deserto que vem o auxílio. Deus é o juiz; a um abate, a
outro exalta". (Sl. 75: 6, 7; Rm. 13: 1). E Paulo declara que Deus "de um só fez
toda raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os
tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a
Deus se, porventura, tateando o possam achar" (Atos 17: 26, 27). Concordando
com isto, o sistema cristão encontra na história U1lla revelação do poder e da pro-
vidência de Deus.
A Bíblia fala igualmente de como Deus lidou com o Egito (Ex. 9: 13-17; Rm. 9:
17; Jr. 46: 14-26), Assíria (Is. 10: 12-19; Ez. 31: 1-14; Naum 3: 1-7), Babilônia
(Jr. 50: 1-16; 51: 1-4), Medo-Pérsia (Is.44:24 - 45:7), Medo-Pérsia e Grécia juntas
(Dn. 8: 1-8, 15-21), os quatro reinos que vieram depois da queda do império de
Alexandre (Dn. 8: 9-14, 22-25; 11: 5-35), o império romano (Dn. 7: 7, 23). Toda
Ela mostra que "a justiça exalta as nações, mas o pecado é opróbrio dos povos"
(Pv. 14: 34). Mostra também que apesar de Deus poder, para Seus próprios sábios
e santos propósitos, permitir que uma nação mais ímpia triunfe sobre uma menos
ímpia, Ele no fim tratará a mais ímpia com maior severidade, do que a menos
ímpia (Hc. 1: 1 - 2: 20).
A Revelação de Deus na Consciência. Com base na consciência Kant cria em
Deus, na liberdade e na imortalidade. Muitos dos moralistas ingleses eram da
mesma opinião. Este é o chamado Argumento Moral em favor da existência de
Deus. A consciência não é inventiva, mas sim discriminativa e impulsiva. Ela
julga se um curso de ação proposto em uma atitude está ou não em harmonia com
nossos padrões morais e insta conosco para fazermos aquilo que estiver em
harmonia com eles e nos abstermos de particular aquilo que for de encontro a eles.
É a presença no homem desta ciência do que é certo e errado, deste algo discrimi-
nativo e impulsivo que constitui a revelação de Deus. Não é autoimposta, como
fica evidenciado pelo fato de que o homem frequentemente se livraria de suas
opiniões se pudesse; é o reflexo de Deus na alma. Da mesma maneira que o
espelho e a superfície tranquila do lago refletem o sol e revelam não apenas a sua
existência, mas também até certo ponto sua natureza, assim a consciência no
homem revela a existência de Deus e, até certo ponto, a natureza de Deus. Isto é,
nos revela apenas o que Ele é, mas também que Ele faz uma distinção clara entre
o certo e o errado (Rm. 2:14-16).
2. A Revelação Especial de Deus. Com revelação especial queremos dizer aqueles atos de
Deus pelos quais Ele dá a conhecer a Si próprio e a Sua verdade em momentos especiais
e a povos específicos. Apesar de dada em momentos especiais e a povos específicos, a
revelação não fica necessariamente circunscrita apenas àquele momento e povo. Na
verdade, os homens são conclamados a proclamar os atos e obras maravilhosas de Deus
entre todos os povos da terra (Sl 105: 1, 2).
A revelação especial é como se fosse um tesouro a ser partilhado com o mundo inteiro
(Lucas 2: 10; Mt 28: 19, 20; Atos 1: 8). É dada ao homem de várias maneiras: na forma
de milagres e profecia, na pessoa e trabalho de Jesus Cristo, nas Escrituras e na
experiência pessoal.
A Revelação de Deus em Milagres. Um milagre genuíno é um acontecimento fora
do comum, que realiza uma obra útil e revela a presença e o poder de Deus (Ex.
4:2-5; 1Reis 18:24; João 5:36; 20:30,31; Ato:.2:22); um falso milagre se não for
um simples engano, é um capricho de poder, arquitetado para exibição e
ostentação, e inferior ao verdadeiro milagre (Ex. 7: 11, 12, 22; Atos 8: 9-11 ; 13:
6-8; Mt. 24: 24; II Ts. 2: 9; Ap. 13: 13). Um milagre verdadeiro é um
acontecimento fora do comum por não ser o mero produto das chamadas lei
naturais.
Em relação à natureza, os milagres se dividem em dois tipos: aqueles nos quais as
leis naturais são intensificadas ou aumentadas, como no dilúvio, em algumas
pragas do Egito, na força de Sansão, etc.; e aqueles nos quais toda participação da
natureza fica excluída, como no florescimento da vara de Arão, a obtenção de
água da rocha, a multiplicação dos pães e dos peixes, a cura dos doentes, a
ressurreição dos mortos.
A Revelação de Deus na Profecia: Usamos profecia aqui para indicar a predição
de acontecimentos, não por virtude de mera percepção ou presciência humana,
mas através de uma comunicação direta de Deus. Mas por não podermos saber se
uma declaração foi assim comunicada a um homem enquanto não chega a hora de
ser cumprida ou quando ficar evidente que não será cumprida, o valor imediato da
profecia como prova da presença e da sabedoria de Deus fica dependendo da
questão de se aquele que o pronuncia está vivendo em contato com Deus. Só
podemos determinar isso com base em seus outros ensinamentos e vida santa.
A Revelação de Deus em Jesus Cristo. A revelação geral de Deus não levou
mundo gentio a uma apreensão clara da existência de Deus, da natureza de Deus
ou da vontade de Deus. Paulo reclama disto em uma passagem clássica (Rm 1:20-
23). Mesmo a filosofia não deu aos homens uma concepção verdadeira de Deus.
Paulo assim fala da sabedoria do mundo: "Na sabedoria de Deus o mundo não O
conheceu por sua própria sabedoria" (I Co. 1: 21), e declara que a verdadeira
sabedoria "nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a tivessem
conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da Glória;' (I Co. 2: 8). Apesar de
revelação geral de Deus na natureza, na história, na consciência, o mundo gentio
voltou-se para a mitologia, o politeísmo e a idolatria. Uma revelação mais plena
se fazia grandemente necessária.
Tão pouco as outras revelações especiais de Deus nos milagres, profecia e
teofania levaram Israel a um conhecimento real da natureza e da vontade de Deus.
Israel cria na existência do Deus vivo e verdadeiro, mas possuía noções muito
imperfeitas e até pervertidas a respeito dEle. Considerava-o principalmente o
Grande Legislador e Juiz que insistia no cumprimento escrupuloso da letra da lei,
mas que pouco se preocupava com a condição interior do coração e a prática da
justiça, misericórdia e fé (Mt 23: 23-28); como Aquele que tinha que ser aplacado
com sacrifícios e persuadido com holocaustos, mas que não precisava de um
sacrifício infinito e não aborrecia verdadeiramente o pecado (Is. 1: 11-15; Mt. 9:
13; 12: 7; 15: 7-9; 23: 32-36); como Aquele que fez da descendência de Abraão a
única condição para o Seu favor e bênção e que considerava os gentios inferiores
a eles (Mt. 3: 8-12; 12: 17-21; Marcos 11: 17). Israel também necessitava de uma
revelação mais plena de Deus. E a temos na Pessoa e Missão de Jesus Cristo.
Cristo é o centro da história e da revelação. O escritor dos Hebreus diz:
"Havendo Deus, autrora, falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais
pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho (Hb 1: 1, 2); e diz que Ele
é "o resplendor da glória e a expressão exata do Seu ser ( v. 3). Paulo diz que Ele
é "a imagem do Deus invisível (Cl. 1: 15), e diz que "nEle habita corporalmente
toda a plenitude da Divindade" (CI. 2: 9). João diz: "Ninguém jamais viu a Deus:
o Deus unigênito, que está no seio do Pai é quem O revelou" (João 1: 18). E o
Próprio Jesus disse: "Ninguém conhece o Filho senão o Pai; e ninguém conhece o
Pai senão o Filho, e aquele a quem Filho quiser revelar" (Mt. 11: 27); ainda mais:
"Quem me vê a mim vê o Pai" (João 14: 9). Consequentemente, a igreja tem,
desde o princípio, visto em Cristo a Suprema revelação do Pai.
A Revelação de Deus nas Escrituras. Tem sido sempre afirmado pelo crente
verdadeiro que temos na Bíblia uma revelação de Deus, certamente a revelação
mais clara e a única que é infalível. A Bíblia não deveria, entretanto, ser
considerada como uma revelação que é coordenada com aquelas previamente
mencionadas, mas sim como uma incorporação delas. Ela registra, por exemplo, o
conhecimento de Deus e de Seu relacionamento com a criatura a que os antigos
chegaram através da natureza, da história e da consciência, e também dos
milagres, profecias, do Senhor Jesus Cristo, da experiência íntima e da instrução
divina. O cristão, portanto, volta-se para as Escrituras como a única fonte suprema
e infalível para a construção da sua teologia.
A Revelação de Deus na Experiência Pessoal. Homens de todas as idades têm
professado ter comunhão direta com Deus. Declaram que o conheceram, não
simplesmente através da natureza, história e consciência, não apenas por meio dos
milagres e profecias mas também por experiência pessoal direta. Foi assim nos
tempos do Velho Testamento. Enoque e Noé andaram com Deus (Gn. 5: 21-24; 6:
9); Deus falou a Noé (Gn. 6: 13; 7:1; 9:1); a Abraão(Gn.12:1-3); a
Isaque(Gn.26:24);a Jacó (Gn. 28: 13; 35: 1); a José (Gn. 37: 5-11); a Moisés (Êx.
3: 3-10; 12: 1); a Josué (Josué 1: l); a Gideão (Juízes 6: 25); a Samuel (I Sm. 3: 2-
4); a Davi (I Sm. 23: 9-12); a Elias (I Reis 17: 2-4); a Isaías (Is. 6: 8), etc. Da
mesma maneira, no Novo Testamento Deus falou a Jesus (Mt. 3: 16, 17; João 12:
27, 28); a Pedro, Tiago e João (Marcos 9: 7); a Felipe (Atos 8: 29); a Paulo (Atos
9: 4-6; 18: 9); e a Ananias (Atos 9: 10).
Esta experiência de comunhão com Deus tinha um poder transformador nas vidas
daqueles que passavam por ela (Sl. 34: 5; cf. :Êx. 34: 29-35). Eles se tornaram
cada vez mais parecidos com o Senhor com Quem tinham comunhão (Atos 6: 15,
cf. II Co. 3: 18).
b. Os Dons do Homem
Assumindo então que Deus Se revelou, perguntamos a seguir como o homem entra de posse
dessa revelação? A isto respondemos que nem o mundo exterior nem o inferior revelariam qualquer
coisa a respeito de Deus sem os dons singulares do homem. Concordamos com Shedd quando ele diz:
As Escrituras ... relacionam todas as operações da razão ao Autor do intelecto humano. Nada no
consciente humano é independente de Deus, isolado. Deus é o 'Pai das Luzes' de todo Tipo (Tiago 1: 17).
Deus 'mostra' o que quer que seja conhecido através da constituição humana. Até a razão humana, que na in-
tuição da matemática e nas leis da lógica parece ser uma faculdade autossuficiente, é apresentada na
Escritura como dependente. O homem consegue perceber intuitivamente simplesmente porque a Suprema
Razão o ilumina". Wm. G.T. Shedd, Op. cit., I, 64.