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Introduçã o
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Conclusã o
Elementos da Teologia do Antigo Testamento
Thomas Tronco dos Santos
Sumário
Agradecimentos
Prefácio
Introdução
Capítulo 1
A Teologia do Antigo Testamento
Capítulo 2
O Criador
Capítulo 3
A Criaçã o
Capítulo 4
O Pecado
Capítulo 5
A Puniçã o
Capítulo 6
A Salvaçã o
Capítulo 7
A Comunhã o
Capítulo 8
Os Decretos
Conclusão
Bibliografia Consultada
Bibliografia de Consulta Sugerida
Agradecimentos
Agradeço a Deus, meu redentor, pelo privilégio
imerecido de servi-lo.
Aos meus mestres por excelência, Pr. Marcos
Granconato, um irmã o, e Pr. Carlos Osvaldo Cardoso
Pinto, um pai.
Ao meu amigo Manoel Amorim, que lê tudo o que eu
escrevo fazendo preciosas sugestõ es e encorajando...
sempre.
Ao Pr. Níckolas Ramos Borges, cujo trabalho de diagramaçã o
e arte ajudam de modo precioso a apresentaçã o de qualquer
bom conteú do teoló gico.
À minha igreja, pois cada um dos irmã os e amigos com
quem convivo faz de mim um crente e um pastor
melhor.
À minha família, especialmente minha esposa Caroline
e minha filha Gabriela, presentes do Deus amoroso e
soberano.
Prefácio
Nã o é fá cil escrever o prefá cio para o livro de um autor
que chama você de pai. É algo meio emocional e, por
isso, pode ser percebido erradamente pelo leitor
menos avisado. Sinto-me pai e me orgulho disso.
Thomas Tronco é meu filho no sentido em que Jesus
falava dos fariseus e seus filhos, da Sabedoria e seus
filhos, ou como Amó s, o ardoroso pregador da justiça
divina, referiu-se a si mesmo dizendo nã o ser “filho de
profeta”. Thomas é um filho-discípulo, e muito amado
como tal.
Lutou com as línguas originais, com a histó ria do
Oriente Médio Antigo, e com a exegese de todos os
tipos de literatura do Antigo Testamento. Eu o orientei
como professor e aprendi muito com isso. Thomas fez
parte de uma turma que faria a alegria de qualquer
professor – alunos questionadores, esforçados e
dispostos a pagar o preço de conhecer a fundo a
Palavra de Deus. Sei que em breve seus colegas o
seguirã o na árdua tarefa de escrever para ensinar.
É gratificante ver que o que discutimos e suamos em
sala de aula resulta em pensamento pró prio –
adquirido ou adaptado – na forma deste Elementos da
Teologia do Antigo Testamento .
Parabéns Thomas, por sua obra. Que ela seja bênçã o
na vida de muitos, cristã os ou não. Parabéns, igreja de
língua portuguesa, pela valiosa obra que chega à s suas
mã os.
Carlos Osvaldo Cardoso Pinto
Professor, autor, exegeta
Introdução
Ler o Antigo Testamento nã o é uma tarefa pequena.
Ler e compreendê-lo é ainda mais difícil. Eis uma das
razõ es pelas quais os cristã os da atualidade têm se
distanciado cada vez mais desse rico trecho da
revelaçã o.
É muito comum se ouvir, mesmo no meio evangélico,
que o Antigo Testamento é algo ultrapassado que foi
substituído pelo Novo Testamento, de modo a ter
pouca ou nenhuma utilidade para a igreja
contemporâ nea. Diante dessa triste realidade, Walter
Kaiser afirma:
O Antigo Testamento [...] é claramente ignorado e
frequentemente negligenciado no ministério de
pregaçã o e ensino da igreja. Essa negligência é
ainda mais frustrante quando as reivindicaçõ es e
os direitos do Antigo Testamento de ser recebido
como a poderosa Palavra de Deus sã o tã o fortes
quanto os do Novo Testamento. [1]
A equivocada opiniã o de que o Antigo Testamento é
inú til para a igreja é apenas um pouco mais frequente
do que a ideia de que o Deus do Antigo Testamento é
diferente do Deus dos evangelhos e das epístolas,
como se no intervalo da composiçã o das duas
coletâneas ele tivesse assumido outra postura ou até
mesmo tenha sofrido a transformaçã o do seu cará ter.
Propõ e-se, também, que tais escritos sã o voltados
exclusivamente para Israel e nã o para a Igreja de
Cristo.
Por outro lado, há outro segmento eclesiá stico que se
lança à lei e aos profetas sem compreender seu lugar
na revelaçã o e seu relacionamento com o Novo
Testamento e com a igreja, conferindo aos textos
significados e ensinos estranhos às Escrituras e ao
Cristianismo. Essa confusã o, frequentemente
encontrada sob a forma do legalismo, da prosperidade
ou do misticismo, tem causado tantos ou mais
prejuízos à igreja e à teologia.
Em contrapartida, a histó ria da igreja está repleta de
grandes homens, cujos ensinos ainda edificam o povo
de Deus, que beberam na fonte dos escritos mais
antigos da Bíblia. Chega a ser impressionante o modo
como tais homens foram marcados pelos relatos da
criaçã o e pelos conceitos divinos contidos nos salmos,
por exemplo. A nã o ser que minha impressã o dos
escritos dos cristã os do passado esteja equivocada, me
parece que o Novo Testamento conferia a tais homens,
grosso modo , a base doutrinária para suas vidas,
missõ es, igrejas, sermõ es e livros, enquanto o Antigo
Testamento lhes conferia temor a Deus, adoraçã o
genuína e uma devoçã o que todos nó s almejamos
cultivar.
O fato é que toda a Bíblia foi dada por Deus ao homem
e nenhuma parte se tornou irrelevante ou
ultrapassada com o tempo. A teologia do Antigo
Testamento, além de conter informaçõ es que o Senhor
desejou transmitir, é também o alicerce sobre o qual o
Novo Testamento está assentado. A julgar pelos rumos
atuais da igreja e do ensino cristã o, nunca foi tã o
necessário o estudo sério do Antigo Testamento como
parte integrante da revelaçã o de Deus dada pelos
apó stolos e profetas.
Capítulo 1
A Teologia do Antigo Testamento
Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso
ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e
pela consolaçã o das Escrituras, tenhamos
esperança (Romanos 15.4).
A TEOLOGIA
Uma das dificuldades que as pessoas têm de tratar o
assunto referente à teologia é entender o que ela
significa e do que ela trata. Um significado semântico
da palavra é “o estudo de Deus”. Entretanto, ao
abordarmos o campo teoló gico, imediatamente nos
deparamos com assuntos que nã o estã o diretamente
ligados à pessoa de Deus. Alguns exemplos de
assuntos vislumbrados pela teologia sã o o homem, o
pecado, a salvaçã o e a vida futura. A conclusã o é que a
teologia contém um escopo maior que o sugerido pelo
significado primário da palavra.
Nã o há consenso entre os estudiosos sobre uma
definiçã o de teologia, mas em um trabalho no campo
dos fundamentos da teologia é necessá rio que haja
uma descriçã o, ainda que simples, que sirva para guiar
a compreensã o do assunto. Para tanto, um bom ponto
de partida é o propó sito da teologia. Se a palavra nã o
expressa temas ligados apenas à pessoa de Deus, há
que se concordar que todos os assuntos, de um modo
ou de outro, tendem a alterar o relacionamento do
homem com Deus.
Outro ponto importante a ser observado é a fonte de
onde provém a teologia. Sem a revelaçã o de Deus
sobre ele e sobre verdades que existem ao seu redor, a
teologia seria um conhecimento meramente intuitivo
ou, no má ximo, deduzido a partir da observaçã o da
criaçã o. Entretanto, a intuiçã o e a mera deduçã o sã o
ineficazes para fazer o homem conhecer o Deus
verdadeiro e manter o relacionamento com ele. Prova
disso é que o resultado dessa tentativa no passado foi
a produçã o de religiõ es, conhecidas como pagã s, cujos
deuses, antes de divindades, eram simulacros
humanos. Afinal, o homem só pode induzir ou deduzir
a partir da realidade que conhece.
Portanto, para que se fale de teologia – pelo menos sob
a ó ptica cristã que estamos tratando –, é preciso partir
do conhecimento que Deus revelou ao homem, ainda
que ele seja superior à nossa realidade. O processo
teoló gico só é vá lido e só faz sentido se é resposta à
iniciativa divina de tornar-se conhecido pela
humanidade. E o veículo de tal iniciativa sã o os
escritos “inspirados por Deus” (2Tm 3.16) por
intermédio da supervisã o divina do trabalho de
homens “movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21) para
registrarem suas palavras. Nesse sentido, uno-me a
Eugene Merrill na sua visã o da inspiraçã o e inerrâ ncia
das Escrituras:
O Antigo Testamento [2] em sua forma primitiva é completamente inerrante. Isso
significa que ele nã o apenas é teologicamente livre de erros, mas também que trata acertadamente e com autoridade de
assuntos relacionados à ciência e histó ria, sempre que seja seu propó sito fazê-lo.
[3]
Partindo de tais pressupostos, uma definição “útil” de
teologia é o conjunto do conhecimento revelado por
Deus nas Escrituras para que, por meio dele e por causa
dele, o homem conheça a Deus e se curve diante dele
pelos meios que ele mesmo indicou .
Para falar de um conjunto de conhecimentos, é preciso
se referir a “todo” o conteú do revelado. Nada pode ser
desprezado, o que torna a teologia, principalmente a
do Antigo Testamento, uma matéria impossível de ser
exaurida ou conhecida por completo. Entretanto, há
alguns assuntos que sã o mais frequentes e que dirigem
todos os escritos em questã o. Desse modo, fazer
divisõ es didá ticas e observar seu conteú do e
desenvolvimento nas Escrituras sã o um bom modo de
captar uma parte – certamente a mais importante – da
teologia do Antigo Testamento.
Para que tal busca seja denominada “teologia bíblica”,
ela deve partir das Escrituras e, na sequência, nos
fazer voltar a ela a fim de entendê-la melhor. Esse
processo cíclico tem a capacidade de levar os
estudantes da Bíblia a um aprofundamento cada vez
maior do conhecimento da teologia – e, tomara, de
Deus. Alguns diriam que dividir a teologia em assuntos
é tarefa da teologia sistemá tica e nã o da teologia
bíblica. Mas a verdade é que uma nã o pode realmente
existir sem a outra.
A teologia sistemá tica, apesar da esquematizaçã o de
assuntos que promove, deve ter como resultado final
algo que seja nã o apenas compatível com a totalidade
da Palavra de Deus e com seu desenvolvimento, mas
que seja sua pró pria expressã o. Por outro lado, a
teologia bíblica deve tratar os temas apresentados por
Deus na revelaçã o de modo a serem compreensíveis
ao estudante das Escrituras. A sistematizaçã o dos
temas é um veículo fundamental para tanto. A opçã o a
essa sistematizaçã o seria um comentá rio sequencial
de todo o texto bíblico, o que seria um trabalho
monumental, mas ineficiente no sentido de transmitir
a teologia bíblica. Pode-se registrar assim a teologia de
toda a Bíblia, mas nã o é possível retê-la na mente ou
compreendê-la por completo.
Sendo esse o caso, pode parecer mais uma vez que o melhor método de tratar a questã o da teologia do Antigo Testamento é
fim, fazendo observaçõ es teoló gicas ao longo do caminho. Na verdade, esse é o modelo adotado por, pelo menos, alguns
estudiosos, mas em nossa percepçã o, isso nã o é teologia, mas comentá rio. Falta-lhe estrutura, direçã o e coerência e a aná lise
final traz pouca compreensã o da totalidade do ensinamento bíblico, compreensã o essa que deve ser adquirida em grande parte
pela comparaçã o e integraçã o de textos com textos. Em outras palavras, a teologia bíblica deve ser sintetizada e
sistematizada.
[5]
Outro fator necessá rio à teologia bíblica ser de fato
teologia, no sentido de promover o conhecimento de
Deus e, também, o relacionamento com ele, é que ela
deve encontrar pontos de relevâ ncia e de aplicaçã o
para a vida da humanidade em geral e nã o apenas para
os homens da época dos acontecimentos bíblicos. A
teologia, apesar de brotar na histó ria, nã o está presa a
ela, assim como Deus e suas atuaçõ es também nã o
estã o. Por isso, a teologia nã o é um saber morto. Em
lugar disso, tem a funçã o e o poder da “dar vida” (Jo
20.31).
O ANTIGO TESTAMENTO
O Antigo Testamento oferece um material tã o vasto
que é difícil explicá -lo ou classificá -lo em poucas
palavras. Prova disso é a diversidade de tentativas de
fazê-lo. Gerhard Hasel, falando sobre o centro
teoló gico do Antigo Testamento, alista as propostas de
diversos estudiosos, resultados dos seus esforços
acadêmicos: As “alianças” (Eichrodt, Wright e outros),
a “eleiçã o” (Wildberger), a “comunhã o” (Vriezen), as
“promessas” (Kaiser), o “reino de Deus” (Klein e
Schultz), o “governo de Deus” (Seebass), a “santidade
de Deus” (Hä nel e Sellin), a “experiência de Deus”
(Baab) e o “senhorio de Deus” (Kö hler). [6] De certo
modo, todos oferecem temas verdadeiros dentro do
Antigo Testamento, mas que, pela pró pria
demonstraçã o da pluralidade de propostas, sã o
insuficientes para serem classificadas como “centro
teoló gico do Antigo Testamento”.
Nesse sentido, prefiro o esforço de Carlos Osvaldo
Cardoso Pinto de oferecer dois centros teoló gicos que
tornam tal enfoque mais abrangente e justo com a
mensagem do Antigo Testamento: (1) A “recuperaçã o
da soberania mediada” e (2) o “bem-estar da criatura
sob a autoridade e para a gló ria de Deus”. [7]
Essa variedade de temas contidos no Antigo
Testamento faz com que haja diversos métodos para o
estudo da sua teologia. [8] Em um trabalho sobre
“fundamentos” teoló gicos, uma divisã o temá tica se
mostra mais tangível ao leitor que pretende introduzir
tal estudo. Essa divisã o também fornece temas
marcantes e relevantes nã o somente à compreensã o
da Bíblia, mas à pró pria vida cristã . Entretanto, tais
temas devem vir das Escrituras e nã o ser colocados
nela. Para isso, a busca dos temas principais do Antigo
Testamento deve levar o estudante ao início da
revelaçã o.
A maioria dos livros tem um capítulo inicial chamado
“introduçã o”. Ele costuma apresentar um pequeno
esboço da ideia do autor quanto ao assunto e ao
propó sito do livro, além dos benefícios para o leitor.
Daí para frente, cada capítulo desenvolve e aprofunda
aquilo que foi apenas pincelado na introduçã o. Isso
nã o cumpre apenas formas de padrõ es literá rios.
Cumpre a forma do raciocínio humano e da
comunicaçã o. É desse modo que as pessoas
conversam. É dessa forma que se expressam. E é desse
jeito que uns compreendem o que os outros querem
transmitir.
Como revelaçã o de Deus “ aos homens ”, as Escrituras foram
compostas seguindo esse formato. Deus introduziu o
assunto de maneira geral e foi aprofundando cada um
dos aspectos que direcionam a revelaçã o. Esse método
de Deus se revelar aos poucos, construindo uma
mentalidade propícia para entender as verdades, é
denominado revelação progressiva . Isso quer dizer
que Deus assentou as bases do conhecimento que
planejou transmitir e foi desenvolvendo-o à medida
que moveu os escritores bíblicos. Entretanto, as bases
da revelaçã o foram dadas desde o início. E isso é feito
de maneira peculiar no Antigo Testamento. O fato é
que, apesar de no Novo Testamento haver a
descontinuidade dos aspectos legais do Antigo
Testamento, os princípios teoló gicos fundamentais
permanecem. [9]
Assim, como em um edifício cujo alicerce,
independente da altura do prédio, tem o mesmo
formato da edificaçã o, o início da revelaçã o de Deus
contém, de forma embrioná ria, toda a teologia do
Antigo Testamento. Desse modo, o Pentateuco age
como uma introduçã o para a mensagem de todo o
Antigo Testamento – e também do Novo Testamento.
Contudo, enquanto a mensagem do Novo Testamento
é dada em um momento histó rico com um contexto
específico, a mensagem do Antigo é dada, em grande
parte, por meio da história .
Os primeiros registros das Escrituras foram grafados
pela pena de Moisés, depois da retirada dos israelitas
do Egito, livrando-os do jugo da escravidã o. A família
de Jacó já habitava o Egito havia 430 anos (Ex 12.40).
Boa parte desse período foi vivida debaixo das
chibatas egípcias e do trabalho forçado, enquanto uma
pequena família se tornava um grande povo (Ex
1.7,12,20). Apesar do crescimento, ficavam cada vez
mais distantes a histó ria dos patriarcas e os ditos de
Deus a eles. Em um contexto de alienaçã o por causa da
escravidã o, Moisés é chamado por Deus para cumprir
sua promessa a Abraã o de libertar seus descendentes
de um jugo previamente anunciado (Gn 15.13,14).
Moisés cumpre sua tarefa enquanto Deus mostra aos
israelitas, aos egípcios e ao mundo quem ele é e que
poder ele tem. Para isso, usa as pragas e a proteçã o do
povo de Israel ao fazê-los passar pelo mar que para
eles abriu.
Há aqui uma transiçã o marcante. Deus nã o apenas
tornou os israelitas de escravos em libertos, mas os
transformou de um povo em uma naçã o. Uma enorme
família, dividida em doze tribos, deixa o Egito.
Entretanto, é uma naçã o que será instalada em Canaã .
Para tal transiçã o, a revelaçã o de Deus por meio de
Moisés no monte Sinai, a aliança feita entre ele e o
povo de Israel e o có digo legal dado para que o povo o
cumprisse em submissã o e adoraçã o ao Senhor agem
de modo marcante e irreversível.
Para transformar um povo em uma naçã o é necessá rio
responder a muitas perguntas e preencher muitas
brechas. Uma gente que nã o sabe de onde veio é uma
gente que também nã o sabe para onde vai. Nã o era
preciso que os israelitas conhecessem um Deus novo
para servir. Era necessá rio conhecerem o Deus dos
seus pais, o Deus que seus patriarcas serviram, o Deus
que os chamou. Por isso, no ato de registrar a lei
recém-dada por Deus no Sinai, no primeiro ano apó s a
saída do Egito, Moisés também achou necessá rio dar
ao povo as informaçõ es sobre sua pró pria origem e
interpretar os eventos do passado, do presente e do
futuro à luz da revelaçã o do cará ter e da vontade de
Deus. [10]
Gênesis se presta exatamente a isso, abrindo a série de
livros escritos por Moisés. Gênesis, que, em grego,
significa “fonte” ou “origem”, concorda com o sentido
do nome hebraico dado ao livro, cujo significado é “no
princípio”.
O propó sito do primeiro livro do Pentateuco é fornecer um breve sumá rio da histó ria da revelaçã o divina, desde o princípio até
que os israelitas foram levados para o Egito e estavam prontos para formarem uma naçã o teocrá tica.
[11]
Assim, Moisés começa seu escrito e, obviamente, Deus
começa sua revelaçã o. Nessa grande histó ria, o
primeiro personagem a surgir é o pró prio Deus . Ele é
o sujeito da primeira açã o da Bíblia.
No princípio, criou Deus os céus e a terra (Gn 1.1 – destaque meu).
Ele é o criador do universo, é o criador do homem e é o
criador de um povo que ele pretende utilizar de modo
especial. Como criador, algumas de suas qualidades
podem ser percebidas pelo homem ao observar o que
foi criado. Ainda que Deus esteja muito além da
compreensã o humana, ele pode ser compreendido
como agente da criação . Ela, fruto da criatividade e
poder do Deus ilimitado, guarda certas semelhanças
com atributos daquele que a fez existir.
Toda a criaçã o é perfeita. Perfeitos sã o todos os
propó sitos. Isso perdura até que o pecado interfere de
modo destruidor e separador (Gn 3). Apesar do alerta
claro de Deus e do favorecimento do homem em meio
a toda a criaçã o, seu ímpeto o levou à desobediência. A
queda do homem por meio do pecado nã o apenas
abriu um abismo entre a humanidade e seu criador.
Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viraçã o do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus ,
o homem e sua mulher, por entre as á rvores do jardim (Gn 3.8 – destaque meu).
Mas isso nã o é tudo. A queda também abriu as portas
para o desenvolvimento da maldade. Por isso, um
capítulo apó s a narrativa da queda, acontece o
primeiro homicídio, que foi, na verdade, um fratricídio
(Gn 4.8). Se isso já é uma demonstraçã o do
desenvolvimento da maldade e do pecado, ele é ainda
menor que o pró ximo estágio: o homem matar e se
vangloriar do feito (Gn 4.23,24).
O ápice do afastamento da santidade com a qual
homem foi criado parece se encontrar em Gênesis 6.5-
8 – provavelmente a mais negativa afirmaçã o sobre a
humanidade. [12] Isso fez com que Deus reagisse
com uma puniçã o que exterminou toda a vida humana,
com exceçã o de uma família pela qual Deus deu
sequência à histó ria do homem (Gn 6 - 8). Tal punição
marcou o fato de Deus ser o vingador do mal e do
pecado.
Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu
coraçã o; entã o, se arrependeu o Senhor de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coraçã o. Disse o Senhor: Farei
desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os
Capítulo 2
O Criador
Tema ao Senhor toda a terra, temam-no todos os habitantes do
mundo. Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou
a existir (Salmo 33.8,9).
Um texto muito conhecido no Antigo Testamento tem
como fonte o aprendizado de Jó sobre a pessoa de
Deus. Apesar de ser um bom servo, o sofrimento que
lhe expô s muitas dú vidas sobre as razõ es para tanto e
as palavras finais de Deus, fizeram com que ele
dissesse: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os
meus olhos te veem” (Jó 42.5). É claro que Jó utilizou
uma figura de linguagem para transmitir a ideia de
que ele aprendeu mais sobre Deus e passou a conhecê-
lo melhor. Por si só , esse fato ensina que, ao interagir
com o homem, Deus se faz conhecido a ele. Contudo, o
mesmo Jó olha para o outro lado e reconhece que a
capacidade que o homem tem de conhecer o Senhor é
limitada: “ Na verdade, falei do que nã o entendia; coisas
maravilhosas demais para mim, coisas que eu nã o conhecia” ( v.3).
A razã o para essa realidade dupla é que Deus está
muito além da compreensã o humana. No entanto,
decidiu revelar ao homem parte da sua natureza e do
seu cará ter, o necessá rio para produzir um
relacionamento com o homem.
Há vá rios modos didá ticos de dividir as qualidades de
Deus (também conhecidas como atributos). Como
nossa visã o se baseia no relacionamento de Deus com
o homem, dividiremos tais qualidades em dois grupos
distintos. No primeiro, os atributos nos quais Deus se
distingue da criaçã o e se mostra acima dela. No
segundo, os atributos pelos quais Deus se faz presente
na criaçã o interagindo como ela.
O DEUS QUE ESTÁ ACIMA DO HOMEM
Apesar de as religiõ es politeístas do passado terem
criado um panteã o de deuses e deusas que mais se
parecem com homens e mulheres pecadores com
quem convivemos diariamente, o Senhor criador
revelado nas Escrituras guarda características ú nicas
que só se veem nele mesmo. Alguns desses atributos
nos ensinam o quanto Deus é diferente e superior a
toda a criaçã o.
1. Eterno
A primeira açã o descrita em Gênesis, a criaçã o, mostra
que Deus é anterior a ela. A histó ria apresentada
coloca os olhos do leitor “no princípio” (Gn 1.1) de toda a
histó ria . Nessa ocasiã o, Deus atua criando tudo que
existe, exceto ele mesmo. O agente da criaçã o existe
antes dela: “Ainda antes que houvesse dia, eu era” (Is
43.13a). Enquanto o universo tem um princípio, Deus
é eterno.
É certo que o conceito da eternidade confunde o
homem. Mesmo sendo fá cil definir o eterno e a
eternidade, ao tentar imaginar tais conceitos em
termos da existência de Deus, o homem, com sua
capacidade e com sua natureza limitada, enfrenta
problemas sérios de compreensã o da inexistência de
limites em Deus, principalmente no que tange ao
tempo. Para a humanidade, tudo que existe teve um
momento inicial, perdura durante certo tempo e acaba
por encontrar seu término. Nenhuma dessas
realidades se aplica a Deus, pois ele nã o está , como
nó s, debaixo do tempo ou preso a ele, “p ois mil anos, aos
teus olhos, sã o como o dia de ontem que se foi e como a vigília da
noite” (Sl 90.4).
Essa realidade é tã o marcante na pessoa de Deus como
alguém cujas características sã o superiores à s dos
homens que ele é chamado vá rias vezes de “Deus
eterno” (Gn 21.33; Dt 33.27; Is 40.28). Deus sempre
existiu e sempre existirá (1Cr 16.36; Ne 9.5). Sua
existência nã o tem início, sendo ele aquele “ cujas origens
sã o desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq
5.2). [19] O mesmo diz Habacuque: “Nã o és tu desde
a eternidade, ó Senhor, meu Deus, ó meu Santo?” (Hc
1.12a).
Esse conceito, que parece ser isolado, tem vá rias
implicaçõ es que fazem parte do conhecimento
revelado a respeito de Deus. Em primeiro lugar, por
ser eterno, entende-se que Deus nã o teve princípio
como a criaçã o, nã o havendo também para ele um
criador. Jó , ao se debater com a incompreensã o das
razõ es pelas quais atravessava dificuldades
duríssimas, traz à tona a realidade de que nã o há
ninguém superior a Deus a quem ele possa recorrer
para que o livre da mã o do Senhor (Jó 10.7). O sumo
sacerdote Eli, em uma repreensã o aos filhos pelos
pecados que cometiam na funçã o sacerdotal e o modo
como se comportavam no taberná culo, lhes disse que
nã o havia quem pudesse agir como á rbitro em uma
demanda entre Deus e o homem (1Sm 2.25).
O fato de Deus nã o ter sido criado significa algo mais:
ele é “ autoexistente ”, ou seja, existe por causa dele
mesmo e nã o por causa de outro. Ele é causa de tudo e
nã o é efeito de nada. Sua vida nã o depende de nada,
nem ninguém. Por isso, Jeremias chamou o Senhor de
“Deus vivo”, associando essa realidade à sua
eternidade, já que também o chama de “rei eterno” (Jr
10.10). O salmista demonstra que isso faz de Deus
aquele de quem a vida emana afirmando ser ele o
“manancial da vida” (Sl 36.9). Imediatamente, ele
reconhece que nó s, e nã o Deus, somos diretamente
dependentes da sua existência, dizendo “na tua luz,
vemos a luz”.
Por fim, uma das melhores expressõ es da existência
autô noma e nã o dependente de Deus é o pró prio modo
como ele se apresenta a Moisés e aos israelitas –“ eu
sou o que sou” (Ex 3.14) –, transmitindo tanto a ideia
nã o só de uma existência plena como da sua presença
constante com seu povo, [20] a qual nã o pode ser
abalada por nada. [21]
A segunda implicaçã o tem a ver com a constâ ncia dos
atributos do Senhor e com sua imutabilidade. Deus
nã o está em desenvolvimento nem sofrendo qualquer
tipo de degradaçã o. Ele não é mais Deus hoje que
antigamente. Em lugar disso, faz jus à s palavras de
Moisés: “ Antes que os montes nascessem e se formassem a terra
e o mundo, de eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2 –
destaque meu). Jeremias, tendo em mente a
eternidade de Deus, o chama de “verdadeiramente
Deus” (Jr 10.10), algo que se contrapõ e aos ídolos
feitos por homens. [22] Nã o há mudança no seu
caráter (Sl 25.6; 119.142; Is 54.8), nem tampouco na
sua primazia e soberania sobre tudo o que existe, já
que ele “preside desde a eternidade” (Sl 55.19), seu
trono “desde a antiguidade está firme” (Sl 93.2) e seu
domínio é domínio eterno (Dn 7.14).
Uma das melhores afirmaçõ es da imutabilidade de
Deus se dá por suas pró prias palavras: “ Eu, o Senhor, nã o
mudo” (Ml 3.6). Enquanto todos sofrem com o tempo,
Deus se mantém o mesmo e, por isso, lhe diz o
salmista: “ Eles perecerã o, mas tu permaneces; todos eles
envelhecerã o como uma veste, como roupa os mudará s, e serã o
mudados. Tu, porém, és sempre o mesmo, e os teus anos jamais
terã o fim” (Sl 102.26,27).
A eternidade de Deus, um dos fatores que o fazem
tremendamente distinto da criaçã o, torna-o também
digno de louvores. Apesar de ser comum,
principalmente em nossos dias, as pessoas louvarem a
Deus unicamente pelas coisas que ele faz e pelo modo
bondoso como trata seu povo, o Antigo Testamento é
rico em louvores a Deus por quem ele é. Nesse sentido,
diz-lhe Davi: “ Bendito és tu, SENHOR , Deus de Israel, nosso pai,
de eternidade em eternidade” (1Cr 29.10b).
Algo interessante de se notar é que, para que o homem
louve ao Senhor por sua existência e gló ria eterna,
Deus incutiu nele a noçã o da eternidade, ainda que nã o
possa contemplá -la por inteiro: “ Tudo fez Deus formoso no
seu devido tempo; também pô s a eternidade no coraçã o do homem,
sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o
princípio até ao fim” (Ec 3.11).
Por fim, a eternidade de Deus lhe serve como aval para
sua credibilidade. Ele mesmo lança mã o desse atributo
ao assegurar a proteçã o do seu povo e a retribuiçã o
aos seus inimigos, produzindo neles confiança: “
Levanto a mã o aos céus e afirmo por minha vida eterna” (Dt
32.40). O profeta Isaías reconhece essa relaçã o entre a
eternidade de Deus e a garantia do cumprimento das
suas palavras ao dizer “ confiai no SENHOR perpetuamente,
porque o SENHOR Deus é uma rocha eterna” (Is 26.4).
2. Ilimitado e Infinito
Falando sobre as palavras e os caminhos de Deus, Davi
diz: “ Tenho visto que toda perfeiçã o tem seu limite ” (Sl
119.96a). Sua intençã o, ao dizer isso, foi mostrar a
superioridade da perfeiçã o da lei do Senhor.
Entretanto, essa verdade permanece quando aplicada
a outras finalidades. De fato, por melhores que sejam
as pessoas e as coisas ao seu redor, todos têm limites.
A qualidade e o valor de cada coisa, ainda que grandes,
encontram em algum ponto seu alcance má ximo. Para
Deus, essa regra nã o é vá lida. Ele é um Deus infinito.
A infinitude de Deus lhe confere, em primeiro lugar,
“perfeiçã o”. Isso porque o conceito de um Deus sem
limites nã o admite a ideia de que haja alguém maior
ou melhor que Deus, nem um estado mais
desenvolvido, ou um cará ter melhor. Ainda que o
Antigo Testamento incentive a perfeiçã o de cará ter do
seguidor do Senhor (Gn 17.1; Dt 18.13), tomando
como base o pró prio caráter divino, a perfeiçã o de
Deus é inatingível para o homem e está além da sua
capacidade de compreendê-la (Jó 11.7). Por isso, tudo
que ele faz e diz também é isento de falhas ou limites,
visto que “o caminho de Deus é perfeito” (2Sm 22.31).
Outra faceta da infinitude de Deus é sua “onipresença”.
Esse termo faz referência ao fato de que Deus está em
todos os lugares ao mesmo tempo. O universo nã o é
grande bastante para que Deus nã o possa estar
presente em todo ele. Isso significa que Deus, na
totalidade da sua essência, sem difusã o ou expansã o,
multiplicaçã o ou divisã o, penetra e preenche o
universo em todas as suas partes. [23] O salmista
desenvolve esse tema no Salmo 139: “ Para onde me
ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo
aos céus, lá está s; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá
está s também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins
dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mã o, e a tua destra me
susterá ” (Sl 139.7-10).
A implicaçã o da onipresença de Deus para os homens
reside na responsabilidade pelos atos, já que todos sã o
feitos diante de Deus. Ninguém pode fazer algo mau
longe da presença do Senhor, segundo diz Jeremias:
“Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o Senhor, e nã o também de
longe? Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu nã o o
veja? — diz o Senhor; porventura, não encho eu os céus e a terra ? —
diz o Senhor” (Jr 23.23,24 – destaque meu). A pergunta retó rica
do Senhor demonstra que nã o há limites para a sua
presença.
Outra implicaçã o reside no modo de cultuar a Deus,
diferente dos povos pagã os que os imaginavam
especialmente presentes em seus templos ou nos altos
montes. No caso do Deus de Israel, ainda que houvesse
um grande templo onde se realizava seu culto, era
sabido que sua presença nã o se limitava a certos
locais, pelo que diz Salomã o: “Mas, de fato, habitaria
Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus nã o
te podem conter, quanto menos esta casa que eu
edifiquei” (1Rs 8.27). Desse modo, a adoraçã o a Deus,
apesar dos ritos realizados no templo, deveria
acompanhar os adoradores a toda parte.
A ausência de limites espaciais de Deus indica,
também, que ele nã o está ligado a uma forma física.
Toda forma física é definida pelo seu formato e pelos
seus limites. Deus nã o os tem. Eis a prová vel razã o
pela qual ele proibiu, no decurso da sua adoraçã o, a
adoçã o de imagens (Ex 20.4,5). Fossem elas
representaçõ es de Deus ou de seres ligados a ele, de
qualquer modo haveria uma diminuiçã o do conceito
da infinitude do Senhor, visto que nada o pode conter,
conformar ou deslocar. Eis o motivo da repreensã o
divina ao culto iniciado por Jeroboã o em Betel e em Dã
por meio de dois bezerros de ouro que fez. Apesar da
sua intençã o nã o ser a de introduzir um novo deus,
mas um novo modo de culto a Deus, [24] tal culto foi
rejeitado por completo por ser incompatível com a
realidade incorpó rea e ilimitada do Senhor.
Finalmente, a infinitude de Deus pressupõ e seu poder
ilimitado, ao que a teologia nomeia como
“onipotência”. Significa que nã o há limites na
capacidade que o Senhor tem de fazer tudo quanto
queira ou deva fazer. [25] Essa capacidade é vista,
inicialmente, no ato de criar tudo que existe, apesar de
nã o haver, nesse momento, uma afirmaçã o clara do
poder de Deus. Contudo, o Antigo Testamento faz
afirmaçõ es claras que associam a criaçã o ao poder
Deus. Jeremias afirma que Deus “ fez a terra pelo seu poder”
(Jr 51.15a) e o salmista atesta que “ os céus por sua palavra se
fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles” (Sl 33.6).
A suficiência de Deus na criaçã o é ainda objeto da
atençã o de Isaías: “Eu sou o Senhor, que faço todas as coisas,
que sozinho estendi os céus e sozinho espraiei a terra” (Is 44.24b).
Diante do fato de tudo ter ocorrido pelo simples
comando de Deus, ordenando a existência do que
antes nã o existia, Walter Kaiser conclui, ao examinar
Gênesis 1 e 2, [26] que a criaçã o é resultado da
“palavra dinâ mica” de Deus. [27]
A onipotência de Deus nã o é vista apenas na criaçã o,
mas também ao realizar coisas na histó ria humana que
sã o impossíveis para o homem. Por isso, ao fazer uma
aliança com Abraã o, cujas promessas visavam a
desdobramentos histó ricos imprová veis na concepçã o
humana, o Senhor se apresenta como o “Deus Todo-
poderoso ” (Gn 17.1). Se a simples designaçã o já
transmite a ideia da ausência de limites para fazer o
que quiser, tal poder se faz sentir em açõ es prá ticas
como fazer a estéril Sara tornar-se mã e: “Acaso, para o
Senhor há coisa demasiadamente difícil? Daqui a um ano, neste
mesmo tempo, voltarei a ti, e Sara terá um filho” (Gn 18.14 cf.
21.1-3). Jeremias completa essa noçã o dizendo “ coisa
alguma te é demasiadamente maravilhosa ” (Jr 32.17).
Outro modo de o Antigo Testamento apresentar o
poder ilimitado do Senhor é comparando-o ao poder
do homem. A noçã o que surge nesse campo é que o
Senhor é poderoso acima de todos e que nada do que
queira fazer pode ser impedido por quem quer que
seja. Isso é exatamente o que diz Jó ao se humilhar
perante Deus: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos
teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). É o que
também está presente em Isaías como garantia de que
Deus é poderoso para salvar seu povo: “Nenhum há
que possa livrar alguém das minhas mã os; agindo eu,
quem o impedirá ?” (Is 43.13b). No final das contas,
quando nã o há consenso entre os desejos da criatura e
do Criador, quem prevalece é o Senhor: “Muitos
propó sitos há no coraçã o do homem, mas o desígnio
do Senhor permanecerá ” (Pv 19.21).
Deus também se distingue da humanidade no campo
do conhecimento, sendo ele “onisciente”. Enquanto o
homem tem limitaçõ es na quantidade de
conhecimento que tem, fato pelo qual vive em
processo de contínuo aprendizado, Deus conhece
todas as coisas. Ele é ilimitado também nisso. Ele
conhece tudo que existe, ainda que o escopo de tal
conhecimento seja inatingível sob a perspectiva
humana: “ Conta o nú mero das estrelas, chamando-as todas pelo
seu nome. Grande é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu
entendimento nã o se pode medir” (Sl 147.4,5).
Mesmo as coisas mais ocultas, como o íntimo das
pessoas, sã o desvendadas diante do conhecimento de
Deus, pois “o Senhor sonda os coraçõ es” (Pv 21.2) e “penetra
todos os desígnios do pensamento” (1Cr 28.9) , conhecendo por
completo “a mente e o coraçã o” (Sl 7.9), “porque o
Senhor nã o vê como vê o homem. O homem vê o
exterior, porém o Senhor, o coraçã o” (1Sm 16.7b).
Mas isso nã o é tudo. O conhecimento de Deus abrange
também as coisas que ainda nã o existem por estarem
no futuro. Assim, por meio dos seus servos, Deus
anunciou com antecedência diversos acontecimentos
futuros, como a fome nos dias de José (Gn 41.25b), as
sucessõ es políticas previstas na estátua de
Nabucodonosor (Dn 2.29b), a destruiçã o do altar
pagã o por Josias (1Rs 13.2 cf. 2Rs 23.16) e a
subjugaçã o da Babilô nia e a libertaçã o dos israelitas
por Ciro (Is 45.1; 48.14b; cf. Ed 1.1). [28] Esses sã o
exemplos de profecias já cumpridas. O Antigo
Testamento tem muitas outras previsõ es divinas que
ainda aguardam o cumprimento e que sã o tratadas no
campo da escatologia.
Davi faz belas afirmaçõ es sobre a onisciência divina:
Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me
assento e quando me levanto; de longe penetras os meus
pensamentos. Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e
conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra me nã o
chegou à língua, e tu, Senhor, já a conheces toda.
Salmos 139.1-4
Esse conhecimento produz obras admirá veis e
incompará veis que nã o dependem somente do poder
de Deus, mas também do seu conhecimento de tudo:
Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de
minha mã e. Graças te dou, visto que por modo
assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras sã o
admirá veis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos
nã o te foram encobertos, quando no oculto fui formado e
entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me
viram a substâ ncia ainda informe.
Salmos 139.13-16a
Até mesmo o futuro do salmista era conhecido pelo
Senhor quando o fez:
No teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles
escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda.
Salmos 139.16b
Davi completa o quadro afirmando que o
conhecimento do Senhor é ilimitado e nã o pode ser
mensurado:
Que preciosos para mim, ó Deus, sã o os teus pensamentos! E
como é grande a soma deles! Se os contasse, excedem os grã os
de areia; contaria, contaria, sem jamais chegar ao fim.
Salmos 139.17,18).
Por outro lado, o conhecimento do homem é limitado e
inferior ao de Deus:
Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é
sobremodo elevado, nã o o posso atingir.
Salmos 139.6
3. Santo
Ser santo s ignifica que Deus é separado. [29] Nesse
sentido, ele é separado tanto da criaçã o como de tudo
que é indigno ou pecaminoso. Trata-se de uma
absoluta separaçã o do mal. [30] Ele é superior e
separado de tudo que nã o é Deus e de tudo que nã o é
perfeito. De modo positivo, pode-se dizer que a
afirmaçã o de que Deus é santo significa que ele é
completamente puro e distinto de tudo o mais que
existe.
A coletâ nea de definiçõ es sobre a santidade de Deus se
deve ao fato de nã o ser fá cil definir o termo.
Entretanto, muitos teó logos afirmam ser justamente
essa qualidade de Deus que define todos os traços do
seu cará ter. [31] Isaías confirma a importância no
caráter de Deus (Is 6.3). Ralph Smith afirma que a
santidade no Antigo Testamento significa a essência
divina e diz respeito a tudo sobre Deus que o separa
da sua criaçã o. [32]
A santidade de Deus implica vá rias coisas. Em
primeiro lugar, ele nã o faz parte de um panteã o, nem
guarda semelhanças com as características dos falsos
deuses adorados pelos povos, pelo que disse Moisés: “
Ó Senhor, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu,
glorificado em santidade , terrível em feitos gloriosos, que operas
maravilhas?” (Ex 15.11 – destaque meu). Enquanto os
deuses do paganismo têm características negativas
como os pró prios defeitos de cará ter dos homens, o
Senhor exposto nas Escrituras é diferente e ú nico:
“Nã o há santo como o Senhor, porque nã o há outro além de ti”
(1Sm 2.2). Ele apresenta uma moral perfeita que o faz
agir com uma ética perfeita. Isso o torna distinto de
todos os seres: “A quem, pois, me comparareis para
que eu lhe seja igual? – diz o Santo . (Is 40:25).
A santidade de Deus também aponta para o fato de
que Deus é “ú nico”, visto que o aspecto de separaçã o
contido no significado da palavra “santo” aponta para
uma divisã o bá sica: Deus e o restante. Quanto ao
restante, todo ele foi criado por Deus: “ No princípio, criou
Deus os céus e a terra ” (Gn 1.1). A ideia aqui nã o é apontar
apenas para o céu como um lugar específico e a Terra
como elemento, mas abranger “tudo” que existe pela
expressã o “os céus e a terra”. Vislumbrando o conjunto
completo da criaçã o, o salmista brada: “Teus sã o os céus, tua, a
terra; o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste” (Sl 89.11). Desse
modo, fica claro o fato de que Deus nã o divide espaço com outros
deuses ou outros criadores.
Ainda que as Escrituras nã o narrem a criaçã o de todas as coisas (a
criaçã o dos anjos, por exemplo, nã o é descrita), nã o há espaço para
qualquer outro criador. [33] Assim, nada mais ó bvio que Deus se
revelar como “ú nico Senhor”: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
ú nico Senhor” (Dt 6.4). A consequência é uma adoraçã o
inteiramente voltada a ele sem que seja dividida com nada, nem com
ninguém, pelo que se vê no texto contíguo – “Amará s, pois, o Senhor,
teu Deus, de todo o teu coraçã o, de toda a tua alma e de toda a tua
força” (Dt 6.5).
É possível haver alguma confusã o quando se veem textos em que
outros “deuses” sã o personificados, como no caso do juízo de Deus
sobre o Egito, quando o Senhor diz: “Executarei juízo sobre todos os
deuses do Egito” (Ex 12.12). Entretanto, esse é um modo de
demonstrar a tolice de se confiar em conceitos de deuses
inexistentes criados na mente humana, visto que eles nã o resistem
diante da atuaçã o do Senhor que “é Deus; nenhum outro há , senã o
ele” (Dt 4.35). Diz o pró prio Senhor: “Além de mim nã o há Deus” (Is
44.6), “porque todos os deuses dos povos nã o passam de ídolos; o
Senhor, porém, fez os céus” (Sl 96.5) e “a minha gló ria, pois nã o a
darei a outrem, nem a minha honra, à s imagens de escultura” (Is
42.8).
A noçã o do santo ou do sagrado como algo separado faz também que
o Senhor considere o que lhe pertence como algo separado do
mundo para ele: “Ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo e
separei-vos dos povos para serdes meus ” (Lv 20.26 – destaque meu).
Com isso, Archer vê como consequência natural que o Israel
redimido deveria conservar-se puro, isto é, separado do mundo para
servir e prestar culto ao ú nico Deus verdadeiro. [34] Portanto, a
pureza do Senhor e seu contato limitado com os homens impuros
devem também ser imitados pelos que lhe pertencem. É claro que o
pecado tornou todos os homens impuros. Mas Deus, a fim de manter
comunhã o com um povo que lhe serve, atua na sua santificaçã o,
como se vê em suas palavras expressas a Israel: “Eu sou o Senhor
que vos santifico” (Lv 20.8). [35]
O ato de Deus separar um povo para si nã o elimina a
responsabilidade dos pró prios servos de se consagrarem a Deus. Na
verdade, para se ter comunhã o com Deus é necessá rio que o homem
assimile o conceito da santidade do Senhor [36] e entre no
processo de reproduzi-lo em sua vida: “Eu sou o Senhor, vosso Deus;
portanto, vós vos consagrareis e sereis santos , porque eu sou santo”
(Lv 11.44 – destaque meu). [37] A sequência desse texto mostra
que tal consagraçã o inclui a pureza (“nã o vos contaminareis” – v.44)
e a separaçã o do sistema mundano (“vos faço subir da terra do
Egito, para que eu seja vosso Deus; portanto, vó s sereis santos” –
v.45). Ser povo santo é, naturalmente, repudiar e se afastar do que é
imoral e corrupto: “O teu acampamento será santo, para que ele nã o
veja em ti coisa indecente e se aparte de ti” (Dt 23.14b).
Quando a consagraçã o tinha relaçã o com pessoas, isso implicava
limites nas açõ es e nos relacionamentos, como no caso dos
sacerdotes, o que lembrava que a prostituiçã o cultual comum em
Canaã nã o tinha relaçã o com o culto israelita: [38] “Nã o tomarã o
mulher prostituta ou desonrada, nem tomarã o mulher repudiada de
seu marido, pois o sacerdote é santo a seu Deus” (Lv 21.7 – ver
também Nm 6.1-8). Quando tinha relaçã o com objetos ou animais,
implicava uso exclusivo no serviço de Deus (Lv 8.11) e qualidade
compatível com a funçã o de servir a Deus, como as ofertas “sem
defeito” a serem oferecidas na purificaçã o de pecados (Lv 5.15).
Quando a consagraçã o tinha relaçã o com o tempo – sá bados, dias de
festa, anos de descanso, anos de jubileu – havia proibiçõ es de
trabalho e de plantio, devendo haver descanso, fosse dos
trabalhadores ou da terra (Ex 31.14-16; Lv 25.10-12).
O DEUS QUE SE APROXIMA DO HOMEM
Todos os atributos de Deus sã o perfeitos e demonstram que ele está
acima do homem. Entretanto, alguns desses atributos perfeitos se
tornam conhecidos no relacionamento do Senhor com a
humanidade, principalmente com seus servos.
1. Pessoal
A primeira característica de Deus que permite o relacionamento
entre ele e os homens é o fato de ele ser pessoal. Isso nã o quer dizer
que Deus tem um corpo, mas que tem inteligência, emoçõ es e
vontade. [39] Ficam de fora desse conceito todas as ideias de Deus
como uma força có smica, uma fator de ligaçã o entre os seres vivos
ou a somató ria de tudo que existe. Deus, assim como nó s, é uma
pessoa.
O primeiro traço da sua personalidade, conforme revelado no Antigo
Testamento, é sua inteligência e isso está patente desde o princípio
na obra da criaçã o. Ao criar tudo que existe, Deus mesmo avalia o
que fez e “eis que era muito bom” (Gn 1.31). Nã o é somente Deus
que notou a que a perfeiçã o da criaçã o atesta a inteligência do
criador. O salmista, ao olhar para o que Deus fez, notou que a
inteligência do criador está impressa na perfeiçã o e na grandeza da
criaçã o: “Que variedade, Senhor, nas tuas obras! Todas com
sabedoria as fizeste ; cheia está a terra das tuas riquezas” (Sl 104.24
– destaque meu). Por isso, Davi aprende sobre Deus ao olhar para os
céus, obras do Senhor: “Os céus proclamam a gló ria de Deus, e o
firmamento anuncia as obras das suas mã os. Um dia discursa a
outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Nã o há
linguagem, nem há palavras, e deles nã o se ouve nenhum som; no
entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras,
até aos confins do mundo” (Sl 19.1-4).
O tipo de intelecto que a criaçã o revela como causa da sua forma,
tamanho, variedade, ordem e funcionamento é extremamente
superior ao intelecto humano. Isso fica nítido no modo como Deus
trata Jó antes de dar fim ao seu sofrimento. Para mostrar o soberano
incompreensível e inquestioná vel, Deus compara o seu
entendimento com o entendimento de Jó – e de todos os homens –
perguntando-lhe: “Onde estavas tu, quando eu lançava os
fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento” (Jó 38.4).
Nunca houve resposta da parte de Jó a essa pergunta. Na verdade, a
ela nã o cabe uma resposta, pois trata-se de uma pergunta retó rica
cujo significado é muito claro: nã o há entendimento no homem que
se compare ao do Senhor.
O minú sculo entendimento do homem diante de Deus se revela ao
longo dos capítulos 38 e 39 de Jó , onde Deus enche seu servo de
perguntas à s quais ele nã o sabia responder. Entretanto, nã o fica
nítida apenas a limitaçã o do conhecimento e da capacidade
intelectual do homem, mas também a falta de limites da inteligência
divina que foi responsá vel pela criaçã o e pela manutençã o de tudo
que fez em perfeita ordem e harmonia como a mais perfeita obra de
arte que se conhece.
Como ser pessoal e inteligente, Deus tem uma característica
fundamental para o conhecermos e nos relacionarmos com ele: a
capacidade de se comunicar. A primeira mostra disso se dá na
comunicaçã o pessoal de Deus ao criar o homem: “Também disse
Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança” (Gn 1.26). Ainda que o Novo Testamento seja o
responsá vel por apresentar o Deus ú nico em três pessoas distintas,
o Antigo Testamento dá apenas indicaçõ es da doutrina da trindade.
Nesse caso, Deus fala consigo mesmo usando um pronome no plural.
Ao dizer “nossa imagem” e “nossa semelhança” fica claro que ele se
dirige a alguém da mesma natureza, comunicando-se dentro da
pró pria divindade.
O mesmo ocorre por ocasiã o da confusã o de línguas na torre de
Babel: “E o Senhor disse: Eis que o povo é um [...] Vinde, desçamos e
confundamos ali a sua linguagem” (Gn 11.6,7). O v.8 mostra que
Deus somente foi o responsá vel pelo que propô s nos versículos
anteriores, demonstrando que a comunicaçã o expressa nos vv.6,7
nã o atingiu ninguém fora dele mesmo.
Deus se comunica também com o homem. Isso aconteceu de vá rias
maneiras. Falou diretamente com homens, como nos casos de Adã o
(Gn 2.15-17), de Noé (Gn 6.13), de Abraã o (Gn 12.1-3), de Moisés
(Ex 3.4-10) e dos profetas. Comunicou-se por meio de escritos como
as tá buas da lei (Ex 24.12) e a escrita na parede do palá cio da
Babilô nia (Dn 5.24-28). Por fim, se comunicou com seu povo por
meio dos profetas, os quais agiam como porta-vozes. Nesse caso, é
muito comum a fó rmula “assim diz o Senhor”, utilizada por eles para
introduzir as palavras do Senhor (Ex 5.1; Jz 6.8; 1Rs 11.31; Is 7.7; Jr
2.2; Ez 2.4).
Outro traço da personalidade de Deus é o fato de ele ter emoçõ es.
Algumas dessas emoçõ es receberã o mais atençã o e aná lise das suas
implicaçõ es mais à frente. Entretanto, é necessá rio, por ora, mostrar
como Deus difere de um ser impessoal cujas emoçõ es inexistem.
Como uma pessoa, Deus sente amor. Desse modo, Jeremias vê Deus
se dirigindo a Israel a fim de lhe garantir a restauraçã o futura
dizendo: “Com amor eterno eu te amei” (Jr 31.3). Deus também se
ira. Quando o Senhor chamou Moisés e este passou a
sistematicamente resistir ao chamado, “se acendeu a ira do Senhor
contra Moisés” (Ex 4.14).
A misericó rdia e a compaixã o sã o sentimentos vistos em Deus no
seu contato com os seres humanos. Deus revela a Moisés: “Terei
misericó rdia de quem eu tiver misericó rdia e me compadecerei de
quem eu me compadecer” (Ex 33.19b). O Senhor, como um ser
pessoal, alegra-se. O profeta Sofonias enche os israelitas de
esperança quanto ao seu futuro, dizendo-lhes: “O Senhor, teu Deus,
está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti
com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com
jú bilo” (Zc 3.17). Por fim, Deus também se entristece. Ao ver a
humanidade anterior ao dilú vio imersa no pecado, “se arrependeu o
Senhor de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração ”
(Gn 6.6 – destaque meu).
Apesar de o “arrependimento” também ser um sentimento, no caso
de Deus ele assume outro significado que nã o o de “mudar de ideia”.
Nesse sentido, o profeta Samuel assegura que “também a Gló ria de
Israel nã o mente, nem se arrepende , porquanto nã o é homem, para
que se arrependa” (1Sm 15.29 – destaque meu). Por isso, é bom
notar que nas ocorrências de “arrependimento” ligadas a Deus, um
elemento comum é a mudança de atitude de Deus para com o
homem, seja da bênçã o para o castigo (Gn 6.6,7; 1Sm 15.11,35; Jr
18.9,10), seja do castigo para o perdã o (Ex 32.14; 2Sm 24.16; Jr 18.8;
Am 7.2-6; Jn 3.10), sem, contudo, sair de seu plano previamente
traçado ou das puniçõ es ou bênçã os que ele predefiniu na aliança
que fez com os israelitas. Quando o arrependimento é usado no seu
sentido normal, presumindo uma mudança de opiniã o e de
planejamento, a Bíblia se apressa em dizer que “Deus nã o é homem,
para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa ” (Nm
23.19 – destaque meu).
Quando a Bíblia aplica o termo arrependimento a Deus nesses casos,
faz uso de uma linguagem chamada “antropomó rfica”, utilizando
realidades que nos sã o conhecidas a fim de nos apresentar verdades
divinas que temos dificuldade de compreender. Isso faz parte do
modo de Deus se revelar ao homem de forma inteligível, coerente e
compatível com a condiçã o humana. [40]
Eichrodt aponta para o fato de que, no uso do antropomorfismo, é
comum atribuir a Deus nã o somente açõ es humanas, como rir,
cheirar e assobiar, e membros do corpo humano, mas também
sentimentos humanos como o arrependimento. [41] Nesse caso, tal
linguagem nos auxilia a perceber os efeitos do pecado do homem
sobre a santidade de Deus e da misericó rdia do Senhor sobre o
homem pecador. O mesmo tipo de linguagem atribui didaticamente
a Deus membros do corpo humano como mã os e olhos, ainda que
Deus nã o esteja limitado a um corpo. Sobre esse assunto, Calvino
diz:
Os antropomorfitas sã o também facilmente refutados, os quais
imaginaram um Deus dotado de corpo, visto que
frequentemente a Escritura lhe atribui boca, ouvidos, olhos,
mã os e pés. Pois quem, mesmo os de bem parco entendimento,
nã o percebe que Deus assim fala conosco como que a balbuciar ,
como as amas costumam fazer com as crianças? Por isso, formas
de expressã o como essas nã o exprimem, de maneira clara e
precisa, tanto o que Deus é, quanto lhe acomodam o
conhecimento à pobreza de nossa compreensã o. Para que assim
suceda, é necessá rio que ele desça muito abaixo de sua
excelsitude. [42]
O terceiro traço demonstrativo do fato de Deus nã o ser apenas uma
força ou um conceito é sua vontade. Tal vontade é compatível com
sua perfeiçã o e santidade. Por isso, Davi diz ter como objetivo “ fazer a tua
vontade, ó Deus meu”
(Sl 40.8). Eis a razã o pela qual ele ora: “Ensina-me a fazer
a tua vontade , pois tu és o meu Deus ” (Sl 143.10a). Jotã o, rei de Judá , a quem a
Bíblia qualifica como um bom rei que “fez o que era reto perante o
Senhor” (2Cr 27.2), explica que a razã o para tanto foi “ porque dirigia os seus
caminhos segundo a vontade do Senhor, seu Deus” (2Cr 27.6).
Desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá
Assim, soberania nã o é apenas ter poder para fazer o que quiser,
mas ter tal poder junto com planos e propó sitos a serem cumpridos.
Nã o é uma queda de braço. É o comando pleno de um projeto
previamente traçado por Deus, o qual ele nã o tem dificuldade de
executar, nem encontra impedimentos ou adversá rios que o
obriguem a capitular ou mudar de rumo. O controle soberano de
Deus, contudo, nã o pode ser nomeado de “fatalismo”:
O quadro apresentado pela Bíblia não é um quadro fatalista, porquanto o fatalismo deixa a sorte do mundo nas mãos de uma força impessoal. A
Bíblia, porém, deixa o destino do mundo nas mãos de Deus, o Pai, o qual é todo-reto, todo-sábio e todo-misericordioso.
[45]
Em primeiro lugar, o Antigo Testamento afirma que Deus exerce
controle soberano sobre a “natureza”. O poder infinito de Deus
revelado na criaçã o se mostra também quando Deus, demonstrando
o mesmo controle, envia o dilú vio para eliminar a humanidade com
exceçã o de Noé e sua família. Nessa ocasiã o, Deus se apresenta como
o autor direto do dilú vio, mostrando que as forças da natureza
atendem à s suas ordens: “Porque estou para derramar á guas em
dilú vio sobre a terra” (Gn 6.17 cf. v.7).
O mesmo ocorreu por meio das pragas do Egito a fim de se mostrar
aos homens como o Deus incompará vel e inspirar nos israelitas
reverência e adoraçã o alegre. [46] Por isso, Deus anuncia a Faraó :
“Pois esta vez enviarei todas as minhas pragas sobre o teu coraçã o, e
sobre os teus oficiais, e sobre o teu povo, para que saibas que nã o há
quem me seja semelhante em toda a terra” (Ex 9.14).
Em seu controle sobre a natureza, Deus fez as á guas virarem sangue
(Ex 7.20), fez o rio produzir rã s em uma quantidade enorme (Ex
8.3,6), fez um enxame de moscas vir somente sobre os egípcios (Ex
8.24), produziu uma peste que matou os animais (Ex 9.3,6),
produziu feridas abertas – “ú lceras” – nos egípcios e nos seus
animais (Ex 9.10), enviou uma chuva de pedras sobre os homens, os
animais e as plantaçõ es (Ex 9.22,23), enviou um grande ataque de
gafanhotos que dizimou as flora do Egito e encheu as casas dos
moradores (Ex 10.12-15), fez a luz escurecer apenas na terra dos
egípcios (Ex 10.21,22) e fez morrer todos os primogênitos dos
homens e dos animais (Ex 12.29).
Algo que nã o pode deixar de ser notado, tanto no relato do dilú vio
como no das pregas, é que Deus avisou com antecedência o que faria
e explicou seu propó sito, excluindo por completo a possibilidade de
tais eventos serem tratados como eventos ao acaso ou eventos
dirigidos por um destino cego que nã o seja a decisã o e o controle do
Senhor. [47]
Deus também se mostrou soberano sobre a natureza ao enviar
fartura e depois seca nos dias de José (Gn 41.25-32); ao abrir o mar
diante dos israelitas (Ex 14.21,22); ao tirar á gua de uma rocha no
deserto (Ex 17.5,6; Nm 20.7-11); e ao prover, diariamente – exceto
aos sá bados – o maná (Ex 16.4).
Enumerem-se ainda o evento sísmico, que trouxe puniçã o aos
israelitas rebeldes (Nm 16.31-33); o estancamento das á guas do
Jordã o (Js 3.14-17); os eventos climá ticos surpreendentes, que
demonstram sua gló ria e seu poder sobre as naçõ es (Ex 20.18; Js
10.11; 1Sm 12.18; Is 29.6); o ato de conter o Sol e a Lua [48] na
batalha liderada por Josué (Js 10.12-14); a seca dos dias de Elias e o
retorno da chuva (1Rs 17.1; 18.1) e dos dias de Davi (2Sm 21.1); a
alimentaçã o do profeta Elias por meio de corvos (1Rs 17.4-6); a
tempestade que se abateu sobre o navio em que estava Jonas (Jn
1.4); e o controle sobre o peixe que o engoliu e o levou de volta à
terra (Jn 1.17; 2.10).
A soberania de Deus também é vista em sua aplicação sobre a “histó ria” da humanidade e das naçõ es. O Senhor controla os rumos dos acontecimentos e não
há nação ou líderes políticos que consigam impor a Deus ou à histó ria os seus pró prios planos. Nesse aspecto, o salmista é categó rico:
O Senhor frustra os desígnios das naçõ es e anula os intentos dos povos. O conselho do Senhor dura para sempre; os desígnios do seu coração, por
O contraste desse texto é muito claro. Os planos dos homens
sucumbem diante do controle de Deus. Por outro lado, os planos do
Senhor sã o efetivados “sempre” e “para sempre”. Mesmo os planos
humanos que sã o efetivados passam pela direçã o de Deus: “ O cavalo prepara-
se para o dia da batalha, mas a vitó ria vem do Senhor”
(Pv 21.31). Também os esforços humanos a
fim de promover o bem pessoal estã o sob o controle de Deus, pois “o
Senhor empobrece e enriquece; abaixa e também exalta”
(1Sm 2.7).
Esse controle inclui até mesmo os principais líderes das naçõ es. Um
exemplo muito ilustrativo é o caso do rei Acazias, de Judá . Quando o
Senhor decretou que Jeú , a quem ele levantou, fosse o responsá vel
por punir Jorã o e, com isso, a casa de Acabe, também tomou
providências soberanas para que o rei de Judá , Acazias, estivesse
presente e fosse morto. Vale frisar que o autor de Crô nicas fez
questã o de apontar a “vontade de Deus” como o fator responsá vel
por esse desfecho histó rico, dizendo: “ Foi da vontade de Deus que Acazias, para a sua ruína, fosse visitar a
Jorão ; porque, vindo ele, saiu com Jorão para encontrar-se com Jeú , filho de Ninsi, a quem o Senhor tinha ungido para desarraigar a casa de Acabe
(2Cr
22.7 cf. 2Rs 8.29 – destaque meu).
O pró prio Acabe foi alvo da soberania de Deus que determinou puni-
lo pelas suas maldades. Apesar de Acabe estar disfarçado como um
simples soldado no meio das tropas, “ um homem entesou o arco e, atirando ao acaso, feriu o rei de Israel
por entre as juntas da sua armadura” (1Rs 22.34).
A expressã o “ao acaso” descreve a açã o do
arqueiro de atirar sem um alvo específico. Contudo, ao mirar a
multidã o como um todo e acertar justamente Acabe “entre as juntas
da sua armadura”, fica claro que o “acaso” nã o foi o responsá vel pelo
curso da flecha, mas sim, o controle soberano do Senhor.
Diante disso, o rei foi retirado da batalha em um carro, mas o
ferimento mortal o fez perecer. O controle de Deus ainda se fez ver
no fato de o sangue que o rei derramou no carro foi lavado em um
determinado local, como narra o autor de Reis: “ Quando lavaram o carro junto ao açude de
Samaria, os cães lamberam o sangue do rei, segundo a palavra que o Senhor tinha dito
” (1Rs 22:38). Esse
acontecimento cumpriu o que Deus havia dito que faria por causa da
morte do inocente Nabote: “Assim diz o Senhor: No lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabote,
cães lamberão o teu sangue, o teu mesmo” (1Rs 21.19b).
mão, nem lhe dizer: que fazes?” (Dn 4.35 – destaque meu). Sua conclusão final é que Deus “pode humilhar aos que andam na soberba” (Dn 4.37).
[49]
O pró prio desfecho da obra do “servo do Senhor” prometido no livro
do profeta Isaías se dá segundo o propó sito soberano do Senhor.
Isaías 53 prevê a morte vicá ria do “renovo” (v.2), sobre quem “ o Senhor fez
cair [...] a iniquidade de nó s todos” (v.
6). Seria um tratamento muito severo em quem
“dolo algum se achou em sua boca” (v.9). Apesar disso, ao Senhor
agradou moê-lo, fazendo-o enfermar” ao dar “a sua alma como
oferta pelo pecado” (v.10). O fato de Isaías dizer que isso foi do
“agrado” de Deus nã o significa que ele teve prazer nisso, mas que
“determinou” assim fazer, demonstrando ser sua soberana vontade
a responsá vel pelos desfechos histó ricos dos quais esse talvez seja o
principal. [50]
Por fim, o controle soberano do Senhor se estende até mesmo aos
recô nditos onde as pessoas julgam ter o controle má ximo, o pró prio
“coraçã o dos homens”.
Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina (Pv 21.1).
Um exemplo da aplicaçã o do texto acima pelo aspecto positivo é o
modo como Esdras teve atendido seus pedidos ao rei persa
Artaxerxes quando retornou com os israelitas para a Jerusalém. O
texto diz que “ segundo a boa mão do Senhor, seu Deus, que estava sobre ele, o rei lhe concedeu tudo quanto lhe pedira ” (Ed
7.6 – destaque meu). É clara a ideia de que o coraçã o de Artaxerxes
foi movido pela “boa mã o” de Deus para atender a Esdras e cumprir
os propó sitos do pró prio Senhor. Podemos dizer de modo figurado
que Deus “amoleceu” o coraçã o do rei.
O mesmo ocorreu com Daniel em relaçã o ao seu superior na
Babilô nia, pois “ Deus concedeu a Daniel misericó rdia e compreensão da parte do chefe dos eunucos” (Dn 1.9 – destaque meu).
Por outro lado, o Senhor também é soberano para “endurecer”
coraçõ es. Esse é o caso do Faraó dos dias do êxodo. Ao chamar
Moisés e ordenar que tirasse do Egito o povo de Israel, Deus lhe
disse: “ Quando voltares ao Egito, vê que faças diante de Faraó todos os milagres que te hei posto na mão; mas eu lhe endurecerei o coração, para
que não deixe ir o povo
” (Ex 4.21 – destaque meu). O propó sito de Deus era
libertar os israelitas de uma situaçã o adversa por meio dos milagres
que fez em forma de pragas e da libertaçã o espetacular por meio do
mar aberto para que fosse conhecido como sendo todo-poderoso
tanto por Israel como pelas naçõ es ao redor, pelo que diz a Faraó : “P
ara isso te hei mantido, a fim de mostrar-te o meu poder, e para que seja o meu nome anunciado em toda a terra”
(Ex 9.16). [51]
Deus ainda explica a Moisés que seu propó sito se cumpriria por
meio do Faraó a fim de que as geraçõ es futuras também
aprendessem sobre sua gló ria: “ Porque lhe endureci o coração e o coração de seus oficiais, para que eu faça estes
meus sinais no meio deles , e para que contes a teus filhos e aos filhos de teus filhos como zombei dos egípcios e quantos prodígios fiz no meio deles, e para
– destaque meu).
[53]
Curiosamente, Gênesis apresenta o amor de Deus como uma
qualidade que convive junto à justiça de Deus em lugar de excluí-la,
como pensam alguns. Ao anunciar a justa puniçã o à cidade de
Sodoma, Abraã o leva a Deus a possibilidade de haver ali algumas
pessoas justas.
Nesse caso, o motivo de se conter a puniçã o nã o seria o risco de agir
injustamente, mas o amor de Deus por tais pessoas. Diante disso,
Deus afirma: “ Se eu achar em Sodoma cinquenta justos dentro da cidade, pouparei a cidade toda por amor deles ” (Gn
18.26 – destaque meu). Ainda que a puniçã o fosse apropriada, ela
nã o anulava o amor do Senhor. O fato de nã o haver os dez justos que
Abraã o supô s haver na cidade (Gn 18.32), fez com que Deus punisse
a cidade, mas nã o antes de retirar e manter a salvo Ló e suas filhas
(Gn 19.29), a exemplo do que houve no dilú vio, quando Deus puniu a
humanidade poupando Noé e sua família. Apesar de serem relatos
de puniçõ es, mesmo assim esse nã o é um retrato de um Deus que
nã o se importa com as pessoas.
O amor de Deus nã o é como o amor humano que tem a possibilidade
de aumentar, diminuir ou mudar de objeto. O amor de Deus
permanece inalterado, nã o importa quanto tempo passe. Assim, o
amor de Deus por Abraã o continua existindo mesmo depois da
morte do servo e, como se nã o bastasse, permanece dirigindo as
açõ es do Senhor no sentido de honrar esse amor. Sendo assim,
Isaque, filho de Abraã o, torna-se beneficiá rio das prerrogativas do
referido amor, visto que Deus lhe diz: “A bençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência por amor de
Abraão, meu servo
” (Gn 26.24 – destaque meu).
Até mesmo pessoas que nã o servem a Deus podem ser beneficiadas
em funçã o do amor de Deus por um servo que lhes tenha alguma
conexã o, como no caso de Labã o que reconhece, ao dizer a Jacó : “ Tenho
experimentado que o Senhor me abençoou por amor de ti”
(Gn 30.27); e como no caso de Potifar, de
quem o “ Senhor abençoou a casa do egípcio por amor de José; a bênção do Senhor estava sobre tudo o que tinha, tanto em casa como no campo”
(Gn 39.5)
. [54]
O amor de Deus faz com que ele separe para si um povo a quem ele
busca para si, pelo que diz por meio do profeta Jeremias: “Com amor
eterno eu te amei; por isso, com benignidade te atraí” (Jr 31.3).
Entretanto, esse amor nã o é rendido a todos os homens, visto que
nem todos sã o por ele atraídos. A preferência que ele dá a seu povo
e o modo como luta contra seus inimigos apontam para o mesmo
fato, como corrobora “tudo que o Senhor havia feito a Faraó e aos egípcios por amor de Israel” (Ex 18.8).
Sendo assim, resta-nos saber que critério leva o Senhor a amar
alguns e em detrimento de outros. Nesse aspecto, o Antigo
Testamento associa ao amor de Deus a escolha.
Deus escolhe porque ama e, para ele, amar, em muitos casos, equivale a escolher (cf. Ml 1.2). Primeiro de tudo, isso fica claro no fato de que o
Senhor, por amar os patriarcas ancestrais de Israel e por ter escolhido os descendentes deles, foi que libertou a nação do Egito (Dt 4.37; cf. 7.8;
10.15). Fica claro que, aqui, o amor de Deus é eletivo, não emotivo, embora, sem dú vida, possa haver um elemento emotivo por trás dele.
[55]
Se, por um lado, a escolha de Deus é o veículo do seu amor, por
outro, a compaixã o divina se faz sentir no relacionamento com o
homem. Israel provou dessa compaixã o, segundo diz Isaías: “ O Anjo da sua
presença os salvou; pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade”
(Is 63.9).
O amor de Deus se faz ver, também, por meio da sua paciência,
mesmo quando o povo merece o oposto: “ Mas tu, Senhor, és Deus compassivo e cheio de
graça, paciente e grande em misericó rdia e em verdade”
(Sl 86.15). O amor divino vai além e o faz
perdoador de pecados, como promete fazer a Israel na restauraçã o
da naçã o: “Assim diz o Senhor Deus: no dia em que eu vos purificar de todas as vossas iniquidades, então, farei que sejam
habitadas as cidades e sejam edificados os lugares desertos
” (Ez 36.33).
O amor de Deus, como razã o para o perdã o que concede aos seus,
encontra um dos seus á pices no livro de Oséias: para exemplificar o
referido amor, Deus orienta o profeta a tomar de volta sua mulher;
esta, deixando a segurança do seu casamento, foi em busca de
amantes. [56] O amor imerecido de Oséias era uma indicaçã o do
amor de Deus pelos seus servos pecadores. Falaremos mais de tal
disposiçã o, assim como a aplicaçã o da graça, no capítulo sobre a
“salvaçã o”.
4. Fiel
Uma qualidade divina muito pró xima do amor é a fidelidade de
Deus. Enquanto o Novo Testamento tem uma de suas frases mais
famosas escritas pelo apó stolo Joã o – “Deus é amor” (1Jo 4.8,16) – o
Antigo Testamento tem, no câ ntico de Moisés, uma afirmaçã o tã o
poderosa no seu contexto quanto à do apó stolo: “Deus é fidelidade”
(Dt 32.4). Por causa dela, Deus se mostra verdadeiro para com quem
ele é e para com aquilo que promete. Tal fidelidade independe das
circunstâ ncias à quais as promessas de Deus sã o expostas – como a
infidelidade dos homens ou a falta de merecimento das bênçã os de
Deus. Independe também da quantidade de vantagem Deus pode ter
em agir fielmente. Sua fidelidade existe por causa dele mesmo e nã o
por causa das pessoas. O povo de Israel, descendência de Abraã o,
conheceu desde cedo esse conceito.
Porque tu és povo santo ao Senhor, teu Deus; o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo pró prio, de todos os povos que há
sobre a terra. Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fô sseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos
os povos, mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais , o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos
resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó , rei do Egito. Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a
misericórdia até mil geraçõ es aos que o amam e cumprem os seus mandamentos” (Dt 7.6-9 – destaque meu).
Uma das razõ es pela quais a fidelidade de Deus é um foco teoló gico
importante no Antigo Testamento é a existência das alianças. Elas,
por si só , rendem um capítulo em qualquer trabalho de teologia das
Escrituras hebraicas. Assim, a fidelidade é um desdobramento do
cará ter divino que se torna muito visível no relacionamento de Deus
com as alianças que fez, conforme se vê no texto acima. O “Deus fiel”
agiu com Israel, escolhendo-o dentre os povos, independente do que
a naçã o pudesse oferecer. Isso fica claro na descriçã o de Israel como
um povo pequeno e fraco em comparaçã o à s naçõ es do mundo. O
mesmo texto deixa claro que a razã o para Deus agir beneficamente
para com eles foi, segundo declara, “para guardar o juramento que fizera a vossos pais” .
A naçã o de Israel, a quem o Senhor diz, por meio de Isaías, “ eu te fortaleço, e te
ajudo, e te sustento com a minha destra fiel
” (Is 41.11), recebe tal tratamento devido ao
tratamento que Deus deu ao patriarca israelita a quem ele escolheu
e chamou: “Mas tu, ó Israel, servo meu, tu, Jacó , a quem elegi, descendente de Abraão, meu amigo, tu, a quem tomei das extremidades da terra, e
chamei dos seus cantos mais remotos, e a quem disse: tu és o meu servo, eu te escolhi e não te rejeitei, não temas, porque eu sou contigo; não te assombres,
Capítulo 3
A criação
Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom (Gênesis 1.31a).
três conjuntos de livros: a lei, os profetas e os escritos.
A Bíblia Hebraica é dividida em
Essa era uma divisã o reconhecida nos dias de Jesus (Lc 24.44). [59]
O Pentateuco, conhecido como “tô rá ” – “lei” em hebraico –, é o
conjunto dos cinco livros escritos por Moisés, os primeiros do
Antigo Testamento. A ocasiã o em que eles foram escritos é
fundamental para a compreensã o do seu propó sito.
Moisés nasceu no Egito em uma época em que a descendência de
Abraã o, Isaque e Jacó era escrava em terra estrangeira. Apesar de
ser um povo numeroso, motivo pelo qual foram oprimidos, nã o
podiam ser caracterizados como uma naçã o. Em primeiro lugar, eles
nã o possuíam uma terra. A promessa de Deus a Abraã o de dar um
territó rio específico para os seus descendentes ainda nã o tinha se
tornado uma realidade. Em vez disso, eles habitavam uma terra
concedida por um Faraó que lhes beneficiou no passado. Em
segundo lugar, eles também nã o tinham um governante. O governo
vinha da coroa egípcia em uma relaçã o de poder que os
desrespeitava como seres humanos e como povo. Por fim, também
nã o tinham leis que dirigissem os direitos e deveres dos israelitas
como uma naçã o. É bem prová vel que o pró prio sentimento
nacionalista estivesse apagado sob os chicotes dos dominadores.
[60]
Em tal contexto, Deus enviou Moisés a fim de tirar o povo do Egito e
do domínio do Faraó e levar-lhe até à terra que Deus prometeu a
Abraã o (1446 a.C.). [61] Faziam parte do encargo invadir a terra,
desarraigar os povos cananitas e assentar os israelitas na terra. Era
uma empreitada tã o grande quanto a transformaçã o que a família de
Jacó sofreria. Na verdade, um “povo” deixaria o Egito, mas uma
“naçã o” seria instalada em Canaã . Essa seria uma grande transiçã o
para o povo de Israel. Assim, era objetivo de Moisés mostrar o papel
da escolha de Abraã o, para, com isso, também explicar o fato de
Deus agir por meio de um povo eleito. [62]
Nesse processo, o Senhor fez uma aliança com Israel (Ex 19.3-8) e
lhe deu sua lei. Além disso, apresentou-se a eles como seu líder
má ximo, dizendo: “ E habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus” (Ex 29.45). Também
garantiu dar-lhes a posse da terra cananita, a terra que foi
prometida (Ex 6.8). Na verdade, prometeu literalmente torná -los
uma naçã o (uma “naçã o santa”) e um reino – um “reino de
sacerdotes” (Ex 19.6).
A aliança e a lei, pelo menos sua primeira porçã o, [63] foram dadas
aos israelitas quando eles estavam aos pés do monte Sinai. A julgar
pelo detalhamento de diversas leis, é quase certo que elas tenham
sido de pronto registradas. Ao que tudo indica, esse novo começo
exigiu também de Moisés o relato e registro de “outros começos”. O
povo que, até pouco tempo atrá s ainda era escravo, precisava
conhecer sua origem e sua histó ria. Precisava, também, conhecer
aquele que deu início a tudo aquilo e trouxe à tona a histó ria da
salvaçã o. Eles precisavam ser instruídos a fim de cumprir seu papel
histó rico.
Que ocasiã o mais propícia que essa para Moisés registrar os
acontecimentos desde o princípio? Quando se percebe o propó sito
dos escritos mosaicos, acaba-se por corroborar a posiçã o que
discorda da compreensã o da palavra “tô rá ” simplesmente como lei.
Em lugar disso, o sentido da palavra “tô rá ”, quando se refere ao
Pentateuco, deve ser “instruçã o”. [64] De fato, a lei é apenas uma
parcela dos escritos mosaicos. A maior parte contém histó ria a fim
de instruir os israelitas que deixaram o Egito.
As primeiras palavras registradas por Moisés foram: “No princípio,
criou Deus...” (Gn 1.1). Com isso, as mais remotas origens seriam
desvendadas à queles que mal conheciam sua pró pria histó ria.
Saberiam eles também que o Senhor Deus que os chamou do Egito
era o responsá vel por tudo que foi iniciado. Sob essa ó ptica, Moisés
forneceu aos israelitas do êxodo a histó ria de alguns “começos”
relevantes para a realidade deles: o universo, o homem e o pró prio
povo de Israel.
O UNIVERSO
O primeiro começo dado nas Escrituras vem da oraçã o “ no princípio, criou Deus os
céus e a terra” (Gn 1.1). A expressão “céus e terra”
deve ser compreendida de maneira ampla,
que englobe todo o universo. A partir desse ponto, o texto mostra
como Deus formou a terra e os céus, até criar o homem, o á pice da
obra criativa e o sentido do pró prio universo. Dentro disso, vá rias
interpretaçõ es têm sido defendidas pelos estudiosos devido ao
modo resumido com que o relato foi registrado. [65] Pelo menos
três problemas relativos ao relato da criaçã o sã o frequentemente
levantados:
1. A terra sem forma e vazia.
Tã o logo Gênesis 1.1 tenha dito que Deus criou os céus e a Terra, o
versículo seguinte afirma que a “a terra era sem forma e vazia” (Gn
1.2). Alguns estudiosos, lançando mã o das palavras hebraicas que
sã o traduzidas como “sem forma” ( tohû ) e “vazia” ( bohû ), afirmaram
que a primeira delas, contendo um de seus sentidos “lugar de caos”,
era uma palavra incompatível com a criaçã o perfeita de Deus
afirmada diversas vezes pela avaliaçã o divina: “E viu Deus que isso
era bom” (Gn 1.10,12,18,21,25 – ver também v.31). Em uma época
quando a ciência e o liberalismo teoló gico afirmavam ser fantasioso
o relato da criaçã o, propondo, por meio do uso do exame com
“carbono 14”, que a Terra tivesse milhõ es ou até bilhõ es de anos, a
ideia do estado caó tico em Gênesis 1.2 pareceu fornecer um escape
que se adequasse à s descobertas científicas da época. Assim, surgiu
a teoria do “intervalo” (“gap” em inglês).
Essa teoria consiste em propor um intervalo de tempo entre o
primeiro e o segundo versículo de Gênesis 1. Desse modo, Deus
teria, no primeiro versículo, criado a Terra em um estado perfeito
compatível com seu poder, sabedoria e perfeiçã o. Contudo, algo
ocorreu para que, no versículo seguinte, a Terra fosse encontrada em
um estado imperfeito, caó tico e maléfico. Nã o é preciso ser muito
criativo para, a partir daí, oferecer como sugestã o a queda de
Sataná s e de parte dos anjos como fator de interferência no estado
da Terra , tornando-a caó tica.
Entã o, quando Gênesis 1.3 diz “ disse Deus: Haja luz”, estaria descrevendo a “recriação” da Terra e nã o
sua “criaçã o”. A vantagem que os defensores dessa teoria tiveram foi
que nã o era necessá rio determinar o intervalo de tempo entre a
criaçã o e a recriaçã o, fazendo com que o relato de Gênesis fosse
compatível com a afirmaçã o científica de um “universo velho” com
bilhõ es de anos e com os achados arqueoló gicos e os estudos
geoló gicos usados para desacreditar as Escrituras.
Apesar de criativa, essa teoria enfrenta dificuldades que a tornam
insustentá vel. Em primeiro lugar, a grandiosidade da criaçã o divina
seria reduzida a uma mera citaçã o: “No princípio criou Deus os céus
e a terra” (Gn 1.1). [66] Toda a gló ria exaltada em outros textos
como a traduçã o proposta para corroborar o pensamento – “e a
terra tornou-se sem forma e vazia” – nã o corresponde ao texto hebraico de Gênesis
1.2. Derek Kidner afirma que, se a intençã o do texto fosse apresentar
uma catá strofe, seria empregada uma construçã o pró pria das
narrativas e nã o a construçã o circunstancial que se vê no texto.
[67]
Além do mais, o pró prio uso da palavra “tohû ” nas Escrituras
demonstra que ela nã o tem o sentido obrigató rio, em Gênesis 1.2, de
algo mau e incompatível com o Senhor. “Lugar de caos” é um dos
sentidos da palavra. Outros sã o “sem forma”, “confusã o”,
“irrealidade” e “vazio”. [68] Como forma de uso figurado da
palavra, o sentido de vazio ou nulo é frequente nos escritos do
profeta Isaías: “ Todas as naçõ es são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos do que nada, como um vácuo ”
(Is 40.17 – destaque meu). [69]
Quando a palavra é aplicada em sentido locativo, a ideia do caos tem
um propó sito definido – o de mostrar a falta de habitaçã o ou, até
mesmo, a inaptidã o para tal: “Porque assim diz o Senhor, que criou os céus, o Deus que
formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a criou para ser um caos , mas para ser habitada: Eu sou o Senhor, e não há outro”
(Is 45.18 –
destaque meu). Nesse texto, Isaías oferece a palavra “tohû ”
como o
oposto de um local “habitado”.
Ele faz o mesmo no capítulo 24: “Demolida está a cidade caótica , todas as casas
estão fechadas, ninguém já pode entrar” (Is 24.10
– destaque meu). [70] Moisés usa o termo
como sinô nimo de “terra deserta”:“Achou-o numa terra deserta e
num ermo solitário povoado de uivos; rodeou-o e cuidou dele, guardou-o como a menina dos olhos ” (Dt 32.10 – destaque
meu). Jó faz o mesmo e aponta para um lugar impró prio para a vida:
“Desviam-se as caravanas dos seus caminhos, sobem para lugares
desolados e perecem” (Jó 6.18 – destaque meu). [71]
Com isso, ao notarmos o uso da palavra no relato da criaçã o,
dispensamos a ideia de uma catá strofe e nos deparamos com o
estado inicial da Terra, logo que criada, como um lugar ainda
impró prio para a vida, um ambiente “inó spito’’. David Tsumura, que
interpreta os termos “sem forma e vazia” como a descriçã o de um
estado terreno de “improdutividade e ausência de habitaçã o”,
conclui que a expressã o em Gênesis 1.2 nã o tem sentido de “caos”,
mas tã o somente significa “vazio”, referindo à Terra como um “lugar
vazio”. [72]
Desse modo, vê-se que Deus, que poderia ter criado tudo
imediatamente, decidiu seguir um processo de criaçã o ao longo de
quase uma semana, ocasiã o em que revelou sua existência (Sl 96.5
cf. Rm 1.20), seu poder (Ne 9.6; Sl 33.6,9; 121.2; Is 40.26; Jr 32.17),
sua gló ria (1Cr 16.26; Sl 8.3,4; 89.11,12; Is 37.16) e sua perfeiçã o e
sabedoria (Sl 104.24; 139.14; Pv 3.19; Jr 51.15). [73] Criou o
homem apenas quando as condiçõ es necessá rias para a vida dele
estavam presentes, diferente do que aconteceu assim que criou a
Terra “sem forma e vazia”. Essa expressã o, portanto, nã o se refere a
um lugar incompatível com a perfeiçã o de Deus, mas com a vida do
homem.
Sendo assim, nã o há nenhuma razã o para que haja um intervalo de
tempo entre a criaçã o e um estado catastró fico, nem para a
necessidade de uma recriaçã o, de modo que o relato de Gênesis 1, ao
que tudo indica, é a descriçã o da criaçã o em seis dias, desde o dia
descrito pela expressã o “no princípio” até o dia anterior ao sétimo
no qual Deus cessou a criaçã o: “ Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao
sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou
” (Ex 20.11 – destaque meu).
É claro que isso coloca a teologia novamente em conflito com as
sugestõ es científicas com relaçã o à cronologia do universo.
Entretanto, as firmes afirmaçõ es científicas do passado têm
sucumbido diante da pró pria ciência. Já se sabe que a dataçã o pelo
uso do “carbono 14” nã o tem a precisã o que os cientistas afirmavam
ter. Paul Mellars, do Departamento de Arqueologia da Universidade
de Cambridge, afirma, em artigo científico publicado na revista Nature ,
que as mediçõ es de longas datas pelo carbono 14 nã o sã o confiá veis
por dois motivos: a contaminaçã o das amostras – segundo ele, as
mínimas contaminaçõ es afetam os resultados – e a inconstâ ncia
entre a proporçã o de carbono 14 em relaçã o ao carbono 12.
Para Mellars, a combinaçã o dessas duas fontes potenciais de erro na
dataçã o por radiocarbono sã o a “maior complicaçã o” para
arqueologistas e paleontologistas. [74] Herbert Feely afirma que o
método é inú til para dataçõ es com mais de 30 mil anos. [75]
Ninguém melhor que o professor Adauto Lourenço para explicar os
problemas da tese científica de um universo com bilhõ es de anos.
[76]
Sustentar, atualmente, a mesma tese é uma açã o cuja intençã o nã o é
defender a verdade descoberta pela ciência, mas atacar, por
convicçõ es pessoais, o criacionismo e as Escrituras. Usando as
palavras de um amigo meu, “um método ‘corrompido’ deu vazã o à
mente ‘corrompida’ das pessoas que buscam, incessantemente,
alguma explicaçã o que remova Deus de suas vidas. A dataçã o com
radiocarbono foi esse estopim para as mentes réprobas”. [77]
2. Os dias da criação.
Logo apó s descrever o estado inicial da Terra , o primeiro capítulo da
Bíblia descreve o processo de criaçã o do universo como se fosse a
confecçã o de uma obra de arte sob os cinzéis do há bil escultor e dos
pincéis do fino pintor. A ordem da criaçã o é bastante razoá vel,
seguindo um sentido bastante ló gico, dia apó s dia, seis dias ao todo.
No primeiro dia, Deus criou o pró prio “dia” criando a “luz” (Gn 1.3-
5). É dito que foram criados, nesse ato, o dia e a noite, pelo que daí
por diante os dias constam de “tarde e manhã ”. Uma lacuna no
conhecimento que podemos ter sobre esse evento é a respeito da
fonte da luz, visto que o Sol e as estrelas foram criados apenas no
quarto dia. Apesar de o texto nã o fornecer tal informaçã o, o ú ltimo
capítulo da Bíblia nos informa que, na vida futura, a luz nã o
dependerá do Sol e das estrelas, sendo o pró prio Deus a fonte da luz:
“ Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles , e reinarão pelos séculos dos
séculos”
(Ap 22.5 – destaque meu).
No segundo dia, Deus atuou no céu que está contido na atmosfera
terrestre separando as á guas em dois grandes ajuntamentos: á gua
sobre a superfície terrestre e á gua sobre os céus – talvez em uma
densa camada de nuvens, bem mais densa do que a que
testemunhamos atualmente (Gn 1.6-8). Essa possibilidade advém do
resultado da precipitaçã o dessas á guas no dilú vio (Gn 7.11,12).
Apesar da sugestã o de alguns de que a á gua suspensa nos céus nã o
se encontrava em forma gasosa, mas líquida – um cinturã o flutuante
de á gua –, o texto deixa claro que o ato de Deus abrir as “comportas
dos céus” nã o criou um derramamento de á guas como o despejar de
uma jarra, mas produziu “chuva” (v.12), a qual só cessou quando
“fecharam-se [...] as comportas dos céus” (Gn 8.2). Além do mais, a
irrigaçã o se dava nã o por chuva, mas por á gua em estado gasoso (Gn
2.6).
No terceiro dia, Deus tirou a Terra da condiçã o de “sem forma” criando
o relevo que fez com a á gua, acumulando-se nos locais mais
profundos, revelasse a porçã o seca de Terra . Imediatamente, Deus
também iniciou o processo de tirar a Terra da condiçã o de “vazia”
fazendo brotar vegetaçã o (Gn 1.9-13). O quarto dia foi quando Deus
criou o sol e as estrelas e fez com que eles passassem a cumprir a
tarefa de separar o dia e a noite. Junto com a criaçã o dos astros, o
Senhor criou também seus movimentos ordenados, meio pelo qual
existem na Terra o dia e a noite – movimento de rotaçã o da Terra – e
pelos quais eles servem, segundo diz o v.14, de “sinais, estaçõ es, dias
e anos”. Tais movimentos, por exemplo, aproximam e afastam a
Terra do sol, formando as “estaçõ es” e definindo os “anos” e, ainda
assim, mantém a ordem do universo de modo a ser possível se
orientar geograficamente por meio dos “sinais” celestes (Gn 1.14-
19).
No quinto dia, Deus criou as aves, peixes e répteis. Essa é uma
descriçã o muito sucinta. Uma lista exaustiva de classes e filos que
compreendesse a gama de animais que foram criados nesse dia
ocuparia uma porçã o grande demais até mesmo para um livro de
biologia (Gn 1.20-23). É notá vel como, tanto o processo de
disseminaçã o da flora (v.12) como o processo de procriaçã o da
fauna (v.22) sã o destacados no relato da criaçã o. A criaçã o da fauna
só nã o foi completa no quinto dia, pois, no sexto dia, Deus criou
todos os animais nã o contidos na descriçã o anterior. Como ú ltimo
item, coroando a criaçã o e dando sentido a ela, Deus criou o homem
e lhe deu domínio sobre animais e lhe deu vegetais como alimento
(Gn 1.24-31).
Por fim, o relato prossegue e apresenta o sétimo dia, quando a
característica marcante é o fato de Deus nã o criar nada: ele abençoa
e santifica tal dia. Uma semana se passou desde “o princípio” (v.1)
até que Deus abençoou o término da sua obra criativa. Justamente
esse conceito de semana e dos dias abre, no meio teoló gico, espaço
para uma interminá vel discussã o: seriam esse dias “literais”?
Ainda respirando os ares das sugestõ es científicas de um universo
com bilhõ es de anos, muitos sugeriram que os dias da criaçã o – todo
o relato, na verdade – é fantasioso, sendo fruto das crenças de povos
da antiguidade. O épico Enuma Elish , de origem babilô nica, narra a
histó ria de criaçã o do universo por meio da batalha entre os deuses
Marduque e Tiamate, em que Marduque sai vitorioso e, retalhando o
corpo morto de Tiamate, faz dele matéria-prima para a criaçã o do
universo.
O que chama a atençã o sã o certas semelhanças em relaçã o ao relato
mosaico, como a narrativa de um tempo em que as á guas nã o eram
separadas e a terra seca nã o existia (Tá bua I). Na tá bua V,
Marduque, na funçã o de um criador, faz separaçã o entre dia e noite
e forma as nuvens: “Depois que ele separou os dias para Samash e
estabeleceu os limites da noite e do dia, tomando a saliva de
Tiamate, Marduque [...] formou as nuvens e as encheu com á gua”.
[78] Semelhanças como essas [79] fazem com que certos teó logos
julguem o relato do início de Gênesis tã o fantasioso quanto o épico
babilô nico.
Outros, mais conservadores, propõ em que o relato é verdadeiro,
mas que a compreensã o da palavra “yô m” (dia) deve ser mais ampla
que o conceito de um período de 24 horas. Eles conciliam o relato
mosaico à s propostas científicas propondo que cada dia da criaçã o
representa, na verdade, uma “era geoló gica” ou um “está gio no
processo criativo”. Essa posiçã o se iguala à anterior em negar os dias
literais da criaçã o, mas difere dela por nã o concordar que o relato
seja fantasioso. Em lugar disso, creem na veracidade da descriçã o
dentro de está gios ou grandes períodos de tempo, figuradamente
chamados de “dias”. Gleason Archer Jú nior defende essa posiçã o
dizendo:
A teoria “época = dia”, pois, explica os seis dias da criação como sendo um esboço geral da obra criadora de Deus, na formação da terra e seus
habitantes, até o surgimento de Adão e Eva. Geó logos modernos concordam com Gênesis 1 nos seguintes detalhes: (a) A terra começou sua histó ria
numa forma confusa e caó tica, que subsequentemente cedeu lugar a um estado mais ordeiro. (b) Surgiram as condiçõ es apropriadas à manutenção
da vida: a separação do vapor espesso que cercava a terra em nuvens em cima e rios e mares em baixo, com o ciclo de evaporação e precipitação, e
também com a penetração da luz do Sol [...]. (c) A separação da terra do mar (ou a emergência da terra por cima do nível das águas, que ia se
abaixando) precedia a aparição da vida sobre o solo. (d) A vida vegetal já tinha surgido antes da primeira emergência da vida animal no período
cambriano [...]. (e) Tanto o livro de Gênesis como a geologia concordam que as formas mais singelas aparecem em primeiro lugar, e só
posteriormente as mais complexas. (f) Ambos concordam em dizer que a raça humana tenha surgido como ú ltimo e mais alto produto do processo
da criação.
[80]
Deve-se notar que a declaraçã o acima concorda que cada descriçã o
concorda, em termos gerais, com Gênesis 1, sem corroborar sua
historicidade. Ao que tudo indica, os defensores dessa visã o
consideram que o texto nã o pretendeu oferecer uma narrativa
histó rica, mas verdades teoló gicas baseadas em acontecimentos que
se deram de maneira diferente do que foi narrado. Pode-se ver essa
noçã o na seguinte declaraçã o:
Nenhum desses relatos pertence ao gênero “mito”. Mas nenhum deles é “histó ria” no sentido moderno de testemunho ocular. Antes, transmitem
verdades teoló gicas acerca de eventos retratados principalmente em estilo literário simbólico e pictório . [...] Essas verdades são todas baseadas
em fatos.
[81]
Apesar dessas posiçõ es, uma que desconsidera a inspiraçã o das
Escrituras e outra que supervaloriza as “teorias” científicas em
detrimento da mensagem bíblica completa, os dias da criaçã o devem
ser entendidos como dias literais de 24 horas. Uma das razõ es é que
nã o há no texto (nem de Gênesis, nem do restante do Antigo
Testamento) nenhuma indicaçã o de que a palavra “yô m” nã o tenha
sido usada em seu sentido simples e normal, apesar de ter diversos
usos ao longo das Escrituras hebraicas.
Em segundo lugar, nã o é apenas “yô m”, no texto de Gênesis 1, que
indica um período de 24 horas. O uso recorrente de “houve tarde e
manhã ” revela um dia no sentido normal. Tal frase precede a
numeraçã o de cada dia da criaçã o (Gn 1.5,8,13,19,23,31). J. Scott
Horrell aponta para o fato de que, além da contagem dos dias, a frase
“houve tarde e manhã ” indica fortemente que se trata de dias
comuns. Ele pergunta: “Porque a frase ‘tarde e manhã ’ se [o dia] nã o
é literal?”. Sua conclusã o é que se trata de um dia de 24 horas, visto
que a expressã o se baseia em um dia judaico que começa com a
tarde. [82]
Além disso, uma indicaçã o teoló gica importante do dia de 24 horas
está no fato de Deus ter ordenado a Israel a guarda do sá bado, o
sétimo dia: “ Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho”
(Ex 20.9,10a – destaque meu). Como apoio à lei, o Senhor ofereceu o
fato de que ele descansou no sétimo dia, igualando o uso de “yô m”
que define o “dia” a ser guardado com o seu uso no relato da criaçã o:
“P orque, em seis dias , fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia , descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de
sábado e o santificou”
(Ex 20.11 – destaque meu). Nada disso faria sentido caso
os dias de Gênesis 1 nã o fossem literais.
3. Os dois relatos da criação.
Outro ponto de discussã o teoló gica sobre o relato da criaçã o é
existência de “dois relatos”, o primeiro narrando o que Deus fez em
cada dia da criaçã o (Gn 1.1 – 2.3), e outro citando a formaçã o da
vegetaçã o e dando mais atençã o à criaçã o do homem e da mulher
(Gn 2.4-25). Como o primeiro trecho narra a criaçã o do homem, o
segundo relato da mesma criaçã o fez com que estudiosos
propusessem tratar-se da coleçã o do trabalho de dois autores
diferentes, cada um deles contando a mesma histó ria sob seu ponto
de vista e sob seu propó sito teoló gico. Na verdade, tal proposta nã o
se faz apenas a Gênesis 1 e 2, mas a todo o Pentateuco, sugerindo
que ele foi escrito por quatro fontes distintas entre os séculos 9 e 5
a.C. e, ao tempo dos ú ltimos escritores, compilado e colecionado
como se fosse um livro apenas, escrito por um só autor – Moisés. A
essa proposta se dá o nome de “hipó tese documental”:
De acordo com a Hipó tese Graf-Wellhausen em sua forma
clá ssica, o Pentateuco deriva de quatro fontes documentais
(assim, o nome alternativo de “Hipó tese Documental”): (1) uma
fonte javista (J), escrita no Sul (Judá ) nos primeiros tempos
moná rquicos, (2) uma fonte eloísta (E), escrita no Norte (Israel)
um pouco mais tarde (essas duas fontes sendo combinadas em
algum momento, uma combinaçã o nomeada como JE), (3) uma
fonte deuteronimista (D), compreendida como o livro da lei
encontrado no templo durante as reformas de Josias em 621
a.C., e (4) uma fonte sacerdotal (P), que foi originalmente
considerada pó s-exílica. Essas quatro fontes foram entã o
combinadas por um redator (R) para formar o Pentateuco, na
forma que conhecemos hoje. [83]
Com essa ferramenta da teologia liberal em mã os, Gerhard von Rad,
tratando da diferença entre os textos teoló gicos e hínicos que falam
da criaçã o, propõ e a descontinuidade do relato e a coleçã o do texto
de duas fontes:
Há apenas duas declaraçõ es expressamente teoló gicas sobre a criação no Antigo Testamento, apresentando-se sob a forma de conjuntos mais
extensos, o relato da criação do Escrito Sacerdotal (Gn 1.1 – 2.4a) e a narrativa javista (Gn 2.4b-25).
[84]
Apesar de satisfazer inicialmente a dú vida gerada pelo duplo relato
da criaçã o por duas fontes distintas, [85] é fá cil perceber o perigo
dessa hipó tese: a diluiçã o do conceito da inerrâ ncia bíblica. Outros
livros do Antigo Testamento reconhecem e declaram a autoria
mosaica do Pentateuco ou da “tô rá ” (1Rs 2.3; 2Rs 14.6; 2Cr 23.18),
chamando-o de “ livro de Moisés” (2Cr 25.4; 35.12; Ed 6.18; Ne 13.1), afirmando ser ela a “ lei, os
estatutos e os juízos dados por intermédio de Moisés” (2Cr 33.8) e o “o livro da lei do Senhor, dada por intermédio de Moisés” (2Cr 34.14)
. Um
resultado natural da hipó tese documental no sentido de rejeitar a
inspiraçã o é também rejeitar o pró prio objeto da revelaçã o de modo
que Julius Wellhausen afirmou que o Pentateuco nã o comprova a
historicidade dos patriarcas. [86]
Considerar tais escritos materiais produzidos de seis a dez séculos
apó s a vida de Moisés é conferir erro à s afirmaçõ es bíblicas sobre a
autoria mosaica – incluindo as do Novo Testamento (Mc 7.10;
12.19,26; Lc 20.28,37; Jo 1.45; 5.46; Rm 10.5; 2Co 3.15) –, e ignorar
o peso que elas tiveram sobre a histó ria de Israel na segunda
metade do segundo milênio a.C., período esse que, segundo a
hipó tese documental, Israel estaria desprovido de Escrituras. Isso
também faz com que tais registros sejam apenas as opiniõ es de
diversas fontes baseadas em suas necessidades teoló gicas no meio e
no tempo em que viveram. [87]
Em lugar disso, temos, em Gênesis 1 e 2, nã o dois relatos, mas a
continuidade do relato mosaico da criaçã o cumprindo seu propó sito
teoló gico que era fazer conhecidas dos israelitas do êxodo a criaçã o
do universo e, principalmente, a criaçã o do homem, para, a partir
daí, construir a linhagem da histó ria dos israelitas. Por isso, o relato
completo de Gênesis 1.1 a 2.3 recebe uma explicaçã o adicional em
que Moisés deu os detalhes que ele, por falar de modo resumido,
omitiu na primeira parte. Basta notar como ele nã o repetiu a criaçã o
do universo, nem tampouco da Terra, no capítulo 2. O versículo 4 já
vislumbra a Terra criada, enquanto o versículo 5 a vê desprovida de
vegetaçã o. A explicaçã o para tanto é dupla: (1) ainda nã o havia
irrigaçã o e (2) nã o havia quem a cultivasse. Nesse ponto, apó s essa
breve introduçã o, Moisés passa a falar da criaçã o do homem, o
agricultor que faltava à terra. Desse modo, Gênesis 2.7-25 é a
explicaçã o de como o Senhor fez o que foi descrito em 1.26-29. Zuck
o coloca nos seguintes termos:
Há dois relatos complementares da criação: Gênesis 1, que é de extensão có smica e universal, e Gênesis 2, que é decididamente antropocêntrico.
Esta estrutura canô nica propõ e por si mesma a maneira culminante em que é vista a criação do homem. Ela é a gló ria apogística do processo
criativo. Vemos esse fato claramente já em Gênesis 1, pois o homem foi criado por ú ltimo, no sexto dia da criação.
[88]
O HOMEM
Gênesis nã o informa apenas que o homem foi criado (Gn 1) e como
foi criado (Gn 2), mas dá , também, uma importante informaçã o
adicional, no primeiro capítulo, que qualifica tal criaçã o por meio da
decisã o divina de criar o homem, diferente de todo o restante da
criaçã o, à “imagem de Deus”: “Também disse Deus: Façamos o
homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26).
Tal fato conferiu ao homem um estado glorioso em comparaçã o com
o restante da criaçã o, motivo pelo qual sua dignidade é superior à
das demais criaturas (Gn 9.3-6).
O ápice consciente da criação é a humanidade (Gn 1.26-28). A monotonia das fó rmulas de ordem é quebrada quando se anuncia a criação da
humanidade nos moldes de uma resolução divina: “Façamos o homem à nossa imagem”. Somente aqui o texto troca a prosa repetitiva,
cuidadosamente elaborada, pela beleza e força do paralelismo da poesia hebraica: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o
criou, homem e mulher os criou” (v.27). O emprego tríplice de “bará”, “criar”, e a estrutura invertida assinalam que aqui o relato atinge o clímax
fogo; para que não vos corrompais e vos façais alguma imagem esculpida na forma de ídolo, semelhança de homem ou de mulher, semelhança de
algum animal que há na terra, semelhança de algum volátil que voa pelos céus, semelhança de algum animal que rasteja sobre a terra, semelhança
de algum peixe que há nas águas debaixo da terra. Guarda-te, não levantes os olhos para os céus e, vendo o sol, a lua e as estrelas, a saber, todo o
exército dos céus, sejas seduzido a inclinar-te perante eles e dês culto àqueles, coisas que o Senhor, teu Deus, repartiu a todos os povos debaixo de
representante, em seu caráter. O poder não é o tema teoló gico, mas o meio do seu exercício (para si mesmo e para o bem de outros). [95]
Para tanto, Deus criou o homem de maneira a poder se relacionar
com ele. Por isso, o homem foi criado como ser espiritual e nã o
apenas pessoal: “ Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fô lego de vida, e o homem passou a
ser alma vivente”
(Gn 2.7). Davi se utiliza, para se referir ao ser humano
completo, da natureza corporal e espiritual do homem: “ Alegra-se, pois, o meu
coração, e o meu espírito exulta; até o meu corpo repousará seguro”
(Sl 16.9). Com isso, como requisito
para o relacionamento entre Deus e os homens, o Senhor também
lhes deu uma condiçã o moral santa: “ Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto” (Ec
7.29a). Esses aspectos peculiares tornam o homem apto para
governar a Terra e se relacionar com o criador.
O POVO DE ISRAEL
É certo que Moisés iniciou sua instruçã o aos israelitas do êxodo
tratando da formaçã o do universo e do homem. Entretanto, essa é a
introduçã o do assunto em que ele queria chegar – a formaçã o de
Israel – para, a partir daí, também lhes falar sobre a funçã o de Israel
no mundo como povo escolhido pelo Senhor. Por isso, ele foi o
homem que falou em nome do Deus de Israel e interpretou os
eventos do passado, presente e futuro em termos do seu cará ter e
vontade revelados. [96] Mas nã o é possível falar sobre o presente e
o futuro sem assentar as bases do passado. Portanto, ele, como bom
expositor teoló gico, deu sequência ao relato da criaçã o do homem
passando pela histó ria das naçõ es até chegar ao chamado de Abraã o
e à aliança com os patriarcas, de modo que a histó ria tem uma
importâ ncia na religiã o israelita que nã o encontra paralelo em
nenhuma outra religiã o das antigas culturas. [97]
1. As gerações.
As primeiras estaçõ es desse trem histó rico sã o as “geraçõ es” ( “tô ledot ”,
em hebraico). Em suas diversas formas, esse termo aparece dez
vezes em Gênesis referindo-se à s geraçõ es ou à histó ria: a criaçã o
dos céus e da Terra (2.4), os descendentes de Adã o (5.1), os
descendentes de Noé (6.9), os descendentes dos filhos de Noé
(10.1), os descendentes de Sem (11.10), os descendentes de Terá ,
pai de Abraã o (11.27), os descendentes de Ismael (25.12), os
descendentes de Isaque (25.19), os descendentes de Esaú (36.1,9) e,
finalmente, os descendentes de Jacó , cujo nome foi mudado
posteriormente para Israel (37.2). [98] Essas dez geraçõ es formam
uma estrutura histó rica de relevâ ncia teoló gica para a mensagem de
Gênesis.
As geraçõ es agem como um funil, de modo a abranger toda a criaçã o
no primeiro “tô ledot”, tornando-se cada vez mais particularizado até
chegar em Jacó , o pai do povo israelita Israel. Excetuando dessa lista
dois dos três filhos de Noé – Cam e Jafé –, Ismael e Esaú , [99] há
uma linhagem de sete “geraçõ es”, todas elas ligadas à origem de
Israel: a criaçã o, Adã o, Noé, Sem, Terá , Isaque e Jacó . Nesse funil há
um ponto marcante, o chamado de Abraã o, filho de Terá .
Concluindo os primó rdios, o escopo de desenvolvimento é estreitado para abarcar só os semitas (11.10-32). Por meio de quadros genealó gicos que
envolvem dez geraçõ es, o registro sagrado finalmente enfoca Terá, que emigrou de Ur para Harã. O clímax se dá quando da apresentação de Abrão,
mais tarde conhecido como Abraão (Gn 17.5), em quem concentra o início de uma nação escolhida – a nação de Israel, a qual ocupa o centro de
Nã o é de
Abrão chamava-se Sarai, a de Naor, Milca, filha de Harã, que foi pai de Milca e de Iscá. Sarai era estéril, não tinha filhos” (Gn 11.27-30).
sob o governo digno e santo do homem acabou por
A perfeita e bela criação divina
extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo. Contudo, serás precipitado para o reino dos mortos, no mais
profundo do abismo”.
coincide com o romper do dia), radiante em fulgor e beleza; mas agora ele é como uma estrela que caiu do firmamento. Ele, que derruba naçõ es, jaz
derrubado por terra. Os pais da igreja como Jerô nimo e Tertuliano consideravam que esse versículo se referia ao diabo, e daí, o nome Lú cifer
(estrela da manhã) lhe foi atribuído. Lutero e Calvino rejeitaram ambos esta ideia como erro grosseiro, e em certo sentido, com razão. Assim
mesmo, há um elemento de verdade nisso tudo: mediante a sua autodeificação, o rei da Babilô nia é imitador do diabo e um tipo do anticristo (Dn
11.36; 2Ts 2.4); portanto, a sua humilhação é também um exemplo da queda de Satanás da posição de poder que ele usurpou (cf. Lc 10.18; Ap 12.9).
[107]
O outro texto que é interpretado da mesma forma é Ezequiel 28.12-
19 e trata de uma dura repreensã o ao rei de Tiro. Assim como no
primeiro caso, há uma linguagem “angelical”, [108] mas também
há referências ao procedimento opressor e ganancioso de um rei
terreno e sua iminente desgraça. Assim como no primeiro caso,
traços do pecado satâ nico parecem ser visíveis nesse rei, como a
soberba e a vaidade. [109]
Filho do homem, levanta uma lamentação contra o rei de Tiro e dize-lhe: Assim diz o SENHOR Deus: Tu és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e
formosura. Estavas no É den, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias: o sárdio, o topázio, o diamante, o berilo, o ô nix, o jaspe, a
safira, o carbú nculo e a esmeralda; de ouro se te fizeram os engastes e os ornamentos; no dia em que foste criado, foram eles preparados. Tu eras
querubim da guarda ungido, e te estabeleci; permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas. Perfeito eras nos teus caminhos,
desde o dia em que foste criado até que se achou iniquidade em ti. Na multiplicação do teu comércio, se encheu o teu interior de violência, e pecaste;
pelo que te lançarei, profanado, fora do monte de Deus e te farei perecer, ó querubim da guarda, em meio ao brilho das pedras. Elevou-se o teu
coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus, para que te
contemplem. Pela multidão das tuas iniquidades, pela injustiça do teu comércio, profanaste os teus santuários; eu, pois, fiz sair do meio de ti um
fogo, que te consumiu, e te reduzi a cinzas sobre a terra, aos olhos de todos os que te contemplam. Todos os que te conhecem entre os povos estão
espantados de ti; vens a ser objeto de espanto e jamais subsistirás (Ez 28.12-19).
A presença diabó lica no É den e sua açã o tentadora sobre a mulher
agem como um agente catalisador do pecado humano. Entretanto, o
texto vai mostrar que a responsabilidade final do pecado de Adã o e
de Eva é de cada um deles. Mesmo assim, o engano e a tentaçã o
apresentada em Gênesis 3 rendem à serpente uma maldiçã o (v.14).
Se, por um lado, o Antigo Testamento dá nenhuma ou pouca informação sobre a queda de Satanás e de parte dos anjos, ele afirma a atuação deles como
inimigos de Deus e dos homens. Apesar de necessitarmos do Novo Testamento para uma melhor compreensão do assunto, temos no Antigo Testamento a
informação de que Satanás se opõ e aos servos de Deus: “Deus me mostrou o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do Senhor, e Satanás estava à
mão direita dele, para se lhe opor ” (Zc 3.1 – destaque meu). Uma das maneiras de ele efetuar tal oposição aos crentes é por meio da sugestão de
desobediência a Deus a fim de atenderem seus desejos pecaminosos, como o fez no caso de Davi: “Então, Satanás se levantou contra Israel e incitou a Davi a
Senhor, e disse: Eu o enganarei . Perguntou-lhe o Senhor: Com quê? Respondeu ele: Sairei e serei espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas ” (1Rs
colocaram sua pró pria razão como juiz sobre a revelação de Deus, a fim de decidir se esta era correta ou não, caíram em pecado. Uma vez que
(Gn 3.14,15). A
mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”
aconteceria se o homem desobedecesse (2.17). Note também como o pecado se espalha rapidamente de um indivíduo (3.1) a um casal (3.12),
Foi com todos... Abrange não somente a primeira parte da primeira morte, onde quer que a alma perca Deus, nem somente a ú ltima, em que a alma
deixa o corpo,... mas também... a segunda morte, que é a ú ltima de todas, a morte eterna”.
[121]
O HOMEM CAÍDO
Como o Senhor havia alertado, o pecado trouxe ao homem a morte e
isso ocorreu em todos os sentidos. Toda a harmonia e paz na criaçã o
e, principalmente, na humanidade foram quebradas. Quando o
Senhor olha para o homem, nã o chega mais à mesma conclusã o de
que “tudo era muito bom”, conforme notou no decorrer da criaçã o.
Em vez disso, ele vê um homem que, apesar da perfeita criaçã o, se
desviou do bem: “ Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astú cias” (Ec
7.29).
O primeiro vislumbre de uma natureza corrompida, apó s a narrativa
da queda, surge no capítulo 5 de Gênesis. Nele, o autor afirma que
Deus criou Adã o, diz o texto que “à semelhança de Deus o fez” (Gn
5.1). Entretanto, ao apresentar a linhagem de Adã o, diz: “Viveu Adã o
cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem , e lhe chamou Sete” (Gn 5.3 –
destaque meu). Gerar um filho à imagem do pai é exatamente o que
esperamos. Contudo, o nítido contraste entre a imagem de Deus no
homem e a imagem de Adã o em Sete, parece sugerir que a raça
humana nã o guarda mais, depois da queda, as mesmas
características com que Adã o foi criado.
Quando notamos nas Escrituras o cará ter e a natureza do homem
caído, percebemos que alguns traços do que é compreendido como
“imagem de Deus” foram preservados (personalidade e
espiritualidade), enquanto outros foram nublados (entendimento,
vontade e emoçõ es existentes, mas corrompidas) e alguns até
mesmo deixaram de existir (santidade e pureza).
Segundo Gn 5.3, Adão gerou Sete “à sua semelhança, conforme sua imagem”. Isso significa que Deus deu ao ser humano o poder de transmitir essa
sua mais alta dignidade por intermédio da procriação das geraçõ es. Por causa disso, não podemos dizer que a qualidade de ser imagem de Deus
esteja perdida, tanto mais que, ainda na era de Noé, se contasse com a sua existência (Gn 9.6b). É certo que a histó ria da queda no pecado relata
graves perturbaçõ es na natureza de criatura do ser humano, mas o Antigo Testamento não se pronuncia sobre o modo como essas perturbaçõ es se
os seus descendentes. A culpa adquirida na queda pertence até mesmo àqueles que não estavam presentes no jardim. Assim, segundo Davi, o efeito da queda
estava presente nele desde o nascimento: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Tal efeito é compartilhado com toda a raça
[123] de modo que ninguém nasce sem que seja sob o jugo da natureza de pecado, ou sem que a culpa lhe seja imputada: “Desviam-se os ímpios
desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham, proferindo mentiras” (Sl 58.3); “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para
qualquer referência nos textos de Gênesis 4 e de Hebreus 11 que deem a ideia de que Abel tinha que sacrificar um animal para adorar a Deus. [...]
Deus não se agradou apenas da oferta de Abel, mas de “Abel e de sua oferta” [Gn 4.4]. Por outro lado, “de Caim e de sua oferta não se agradou” [v.5].
Quando Caim se zangou por não ser aceito, Deus não censurou sua oferta, mas a vida que levava e o pecado que o dominava. Não o instruiu a trazer
(Obadias 15).
Para os homens que temem a
Deus, uma coisa difícil de lidar é ver a maldade dos
perversos ser coroada por paz e prosperidade. É vê-los zombando
da justiça, dos homens honestos e de Deus e, ainda assim, se saírem
bem. É certo que essa paz muitas vezes é transitó ria e antecede dias
terríveis que eles atravessarã o. Mesmo assim, nã o é fá cil perceber a
injustiça prevalecer. E essa realidade nã o é exclusividade dos nossos
dias. Asafe notou esse fenô meno há mais de três mil anos: “ Eis que são estes os
ímpios; e, sempre tranquilos, aumentam suas riquezas”
(Sl 73.12).
Apesar do que possa parecer no sentido de valer a pena ser
trapaceiro e injusto, as Escrituras garantem que esse caminho leva à
ruína: “ O que semeia a injustiça segará males” (Pv 22.8a). Esse provérbio de Salomão parece ser a versão do Antigo
Testamento do que conhecemos como “lei da sega” presente no
Novo: “ Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará ” (Gl 6.7 –
destaque meu). O apó stolo Paulo prossegue e explica o texto
aplicando a ideia da “ceifa” a consequências eternas que ele chama
de “corrupçã o” em contraposiçã o aos benefícios da vida eterna para
quem fez o oposto: “Porque o que semeia para a sua pró pria carne
da carne colherá corrupção ; mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá vida eterna” (Gl 6.8 – destaque
meu).
A RAZÃO DA PUNIÇÃO
Esse ajuste de contas com a maldade – vimos no capítulo anterior
que o homem é pecador e merecedor de puniçã o – nã o se deve ao
acaso, nem a um destino justo ou à sabedoria do universo, nem
tampouco a um equilíbrio natural entre o bem e o mal – coisas que,
popularmente, se dizem por aí. O Antigo Testamento afirma que o
Deus é o retribuidor da iniquidade, o punidor dos pecados. A razã o
para isso nã o é um deus egoísta, maldoso e sá dico, parecido com os
deuses do paganismo antigo, mas um Deus justo e santo que nã o
pode conviver com o mal, nem pode deixar impune o pecado.
Uma das coisas que impulsiona Deus a punir os pecados é o fato de
ele ser reto, isto é, direto, certo e fiel a uma norma que é sua pró pria
natureza e cará ter. [127] Assim, o padrã o da retidã o do Senhor é
ele mesmo. Essa afirmaçã o e seu desenvolvimento bem poderiam
estar no capítulo que fala dos atributos de Deus. Contudo, seu papel
na atuaçã o punitiva do pecado nos obriga a considerá -lo no
processo de condenaçã o dos injustos. A retidã o de Deus, qualidade
intrínseca do seu cará ter, tem implicaçõ es morais e prá ticas no
sentido de produzir “caminhos corretos”, [128] seja pela promoçã o
do que é bom (Ne 9.13; Sl 25.8), seja pela condenaçã o do que é mau.
A consequência de Deus ser reto é que ele atua com justiça. Davi
anuncia que “o Senhor é reto... e nele não há injustiça” (Sl 92.15) e “justo és, Senhor, e retos, os teus juízos” (Sl 119.137).
Munido de tal qualidade, ele a aplica em caráter universal
, ou seja, a todos: “ Ele mesmo julga o mundo com justiça; administra os
povos com retidão”
(Sl 9.8).
A santidade do Senhor, além de fazê-lo separado da criaçã o e da
maldade, também o torna um Deus temível, visto que a santidade de
Deus aplicada ao homem pecador resulta em justa puniçã o: “Longe
de Deus o praticar ele a perversidade, e do Todo-Poderoso o
cometer injustiça. Pois retribui ao homem segundo as suas obras e
faz que a cada um toque segundo o seu caminho” (Jó 34.10,11).
Perece ter sido nisso em que Isaías pensou quando teve uma visã o
do trono de Deus. Ele percebeu que a santidade de Deus, a qual era
exaltada pelos anjos, era incompatível com a imperfeiçã o do
homem:
No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo. Serafins estavam
por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros,
dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos ; toda a terra está cheia da sua gló ria. As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a
casa se encheu de fumaça. Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros
lábios , e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! (Is 6.1-5 – destaque meu).
Outro fator da personalidade de Deus que o leva a punir a
iniquidade é sua ira contra o mal. Apesar desse termo soar, para
muitas pessoas, incompatível com o Deus de amor da Bíblia,
Eichrodt observa que a ligaçã o entre ira divina e o pecado é normal
em toda religiã o de uma civilizaçã o nas quais a divindade seja
considerada protetora da justiça e guardiã da lei. [129] Assim, nã o
é incomum, nos relatos bíblicos de puniçõ es divinas, surgir a frase
“se acendeu a ira do Senhor ” e suas variaçõ es: “ Queixou-se o povo de sua sorte aos ouvidos do Senhor;
ouvindo-o o Senhor, acendeu-se-lhe a ira , e fogo do Senhor ardeu entre eles e consumiu extremidades do arraial. [...] Estava ainda a carne entre os seus
dentes, antes que fosse mastigada, quando se acendeu a ira do Senhor contra o povo, e o feriu com praga mui grande”
(Nm 11.1,33).
O OBJETO DA PUNIÇÃO
Um dito muito comum de se ouvir nos pú lpitos e nas conversas
sobre as boas novas da salvaçã o é: “Deus odeia o pecado, mas ama o
pecador”. A realidade exposta por essa frase nã o é falsa, mas, se
usada de maneira genérica, sem uma explicaçã o detalhada sobre os
aspectos a que se aplica, também nã o é verdadeira. O fato é que
Deus ama e aceita pecadores a quem ele salva ou irá salvar.
Entretanto, pecadores cuja rebeldia contra Deus permanece sem
tratamento ou arrependimento sã o alvos da condenaçã o divina.
Deus odeia o pecado, mas pune o pecador. O agente do pecado é
quem recebe a condenaçã o pela culpa do ato pecaminoso e nã o o ato
em si. Por isso, uma frase que corresponde à verdade é: “Deus ama o
pecador arrependido a quem ele salva por sua graça, mas pune com
dureza o pecador obstinado, cujo pecado Deus odeia”.
Assim, a puniçã o de Deus, que vem por causa dos pecados, atinge
“pessoas”, isoladas ou em grupo, cujo pecado provoca a ira de Deus:
A ira de Deus no Antigo Testamento vem sobre indivíduos: Moisés (Ex 4.14; Dt 1.37); Arão (Dt 9.20); Arão e Miriã (Nm 12.9); Nadabe e Abiu (Lv
10.1,2); Israel (Ex 32.10 e muitas outras referências); e as naçõ es (Sl 2.5; Is 13.3,5,13; 30.27; Jr 50.13,15; Ez 25.4; 30.15; Sf 3.8).
[130]
O primeiro exemplo de puniçã o divina sobre os homens depois da
queda e das suas consequências foi o evento do dilú vio. O pecado
que começou no primeiro casal e já viu na primeira geraçã o um
triste e mortal desenvolvimento continuou a se espalhar do mesmo
modo que crescia a humanidade em nú mero. Isso ocorreu até que
Deus disse: “ Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu
coração
” (Gn 6.5 – destaque meu). O pecado se apresenta aqui em duas
á reas: atos de pecado e desejos de pecado. Os atos pecaminosos se
multiplicaram, enquanto os maus desejos tomaram conta e
dominaram as pessoas.
Pouco depois, o Senhor denuncia a corrupçã o do cará ter humano e a
violência resultante: “ A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência. Viu Deus a terra, e eis que estava
corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra. Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está
“todo ser vivente havia corrompido o seu caminho”, fica claro que
Deus se refere aos homens como seres pessoais, morais e
inteligentes. Nã o poderia haver uma situaçã o tã o diferente daquela
na qual Deus viu o que criara e comprovou que “tudo era muito
bom”.
O castigo para o crescimento desenfreado do mal veio na forma de
um dilú vio mundial que fez com que cada ser humano morresse,
com exceçã o da pequena família que Deus preservou: “Disse o Senhor: Farei
desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Porém Noé achou
(Ez 16.49,50).
abominaçõ es diante de mim; pelo que, em vendo isto, as removi dali”
como pastoral, utilizando-o para convidar os hereges e os pagãos à fé na verdade, bem como para desencorajar nos crentes a prática do mal e a
apostasia. [...] Os pais da igreja do século II consideraram a doutrina da perdição futura parte essencial da mensagem cristã e fizeram uso dela como
instrumento eficaz na proteção e divulgação do cristianismo ameaçado pela perseguição, pelo fascínio do mundo e pelas atraçõ es das seitas
heréticas.
[134]
Tais aplicaçõ es também estã o de modo geral presentes nos alertas
veterotestamentá rios sobre a vinda da mã o punitiva do Senhor.
Desse modo, antes de enviar o dilú vio sobre a Terra, “ disse Deus a Noé: Resolvi dar
cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra” (Gn 6.13). É
certo que
tal aviso foi dado sobre quem nã o cairia por meio dele. Mas, o tempo
que a arca levou para ser construída e a pró pria construçã o em si
criaram oportunidades abundantes para que as razõ es para aquele
empreendimento fossem explicadas aos pecadores. Pedro, ao se
referir a Noé, o chama de “pregador da justiça” (2Pe 2.5),
demonstrando que a Noé nã o coube apenas a funçã o de construir
uma arca, mas de anunciar a justiça de Deus. Nã o obstante, as
pessoas nã o deram crédito à sua pregaçã o, nem tampouco se
arrependeram dos pecados:
Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilú vio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na
arca, e não o perceberam, senão quando veio o dilú vio e os levou a todos” (Mt 24.38,39a).
O rei de Gerar, Abimeleque, foi outro personagem bíblico que ouviu
o anú ncio de juízo divino. Gênesis 20 conta o episó dio em que
Abraã o, deslocando-se para a cidade de Gerar, temeu por sua vida
por causa da beleza de Sara, sua esposa. Seu receio foi o de ser
morto por alguém que desejasse tomar Sara para si. O recurso
utilizado por Abraã o foi o de dizer que Sara era sua irmã , omitindo
seu estado civil. O rei Abimeleque, ouvindo o relato e nã o vendo
qualquer impedimento, tomou Sara para seu harém, cerca de um
ano antes do tempo previsto para o nascimento de Isaque. [135]
Diante dessa situaçã o, Deus “ veio a Abimeleque em sonhos de noite e lhe disse: Vais ser punido de morte por causa da
mulher que tomaste, porque ela tem marido”
(Gn 20.3). [136]
A diferença do desfecho desse episó dio é que Abimeleque, que nã o
havia ainda possuído Sara, ouviu o alerta e corrigiu seu
procedimento (Gn 20.14). Isso evitou a puniçã o de Abimeleque e fez
com que sua família voltasse ao estado original: “S arou Deus Abimeleque, sua mulher e
suas servas, de sorte que elas pudessem ter filhos; porque o Senhor havia tornado estéreis todas as mulheres da casa de Abimeleque, por causa de Sara,
mulher de Abraão”
(Gn 20.17,18).
A puniçã o do Egito que escravizava o povo israelita é outro bom
exemplo do que estamos tratando. Esse foi um acontecimento
previsto por Deus muito tempo antes, pois disse ele a Abraã o: “ Sabe, com
certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a
ou mesmo neste deserto! E por que nos traz o Senhor a esta terra, para cairmos à espada e para que nossas mulheres e nossas crianças sejam por
presa? Não nos seria melhor voltarmos para o Egito ? E diziam uns aos outros: Levantemos um capitão e voltemos para o Egito” (Ex 14.2-4 –
destaque meu).
Depois de tudo que eles viram, tal incredulidade foi inaceitá vel para
Deus. A puniçã o veio, mas nã o sem ser anunciada. E o anú ncio foi
bem peculiar, pois se baseou nas conclusõ es erradas e pecaminosas
dos israelitas incrédulos – veja os destaques no texto acima. Com
base no que eles mesmo disseram em sua rebeliã o, Deus anunciou
seu castigo, fazendo-os voltar atrá s no caminho que seguiam: “M udai,
amanhã, de rumo e caminhai para o deserto, pelo caminho do mar Vermelho
” (Gn 14.25 – destaque meu).
Ordenar que eles voltem pelo caminho por onde vieram equivale,
teologicamente, a dizer que eles deveriam tomar a estrada que vai
para o Egito, [140] como eles mesmo propuseram.
Entretanto, Deus deu as coordenadas da viagem, mas também
previu o futuro deles: nã o era chegar ao Egito, mas perecer no
deserto, conforme também disseram os rebeldes: “ Neste deserto , cairá o vosso cadáver,
[...] neste deserto , se consumirão e aí falecerão
” (Nm 14.29a,35b – destaque meu). E, em lugar
de lhes dar a terra, prometeu dar aos filhos deles, aqueles que eles
temiam que fossem escravizados pelo cananitas: “Mas os vossos
filhos, de que dizeis: Por presa serão , farei entrar nela; e eles conhecerão a terra que vós desprezastes ” (Nm 14.31
– destaque meu).
Esse castigo pela desobediência é um entre muitos. Na verdade,
Deus prometeu muitos tipos de puniçã o por nã o darem ouvidos à
sua voz, nem guardarem sua aliança (Dt 28.15-68). Entre eles estã o
improdutividade agrícola e infertilidade pecuá ria (vv. 16-19, 23-24,
38-40), insucesso nos empreendimentos (v. 20), doenças e pestes
(vv. 21-22, 27-29a, 35, 42, 58-61), derrotas militares (vv. 25-26, 49-
50), despojamento (29b-34, 41, 51), exílios (vv. 36-37), pobreza (vv.
43-44), escravidã o (vv. 48, 68), fome extrema em cercos militares
(52-57), mortes em larga escala (vv. 62-63a) e dispersã o e
perseguiçã o entre os povos (63b-67). Entretanto, todos esses
terríveis castigos cumprem funçõ es tanto de puniçõ es de Deus como
de anú ncios do juízo, de modo que os israelitas nã o poderiam culpar
a sorte ou o Senhor, mas sua pró pria iniquidade e infidelidade. O
fato é que esses castigos eram “sinais” que anunciavam a eles que o
que sofriam era uma justa e prenunciada puniçã o:
Todas estas maldiçõ es virão sobre ti, e te perseguirão, e te alcançarão, até que sejas destruído, porquanto não ouviste a voz do Senhor, teu Deus,
para guardares os mandamentos e os estatutos que te ordenou. Serão, no teu meio, por sinal e por maravilha, como também entre a tua
descendência, para sempre. Porquanto não serviste ao Senhor, teu Deus, com alegria e bondade de coração, não obstante a abundância de tudo (Dt
Tal sinal seria um anú ncio para aquela geraçã o, mas, também,
serviria para alertar, pelos séculos por vir, os descendentes daqueles
que haviam sido desobedientes. [141] Por isso, boa parte dos
anú ncios dos profetas aos israelitas, a respeito de uma puniçã o
iminente, é interpretaçã o e aplicaçã o dessa mensagem. Enquanto
boa parte do ofício profético envolvia a pregaçã o contra a atitude
errô nea das pessoas de buscar segurança, bem-estar e tranquilidade
em detrimento da obediência prazerosa e da confiança total em
Deus, [142] visando a levar o povo ao arrependimento e
conversã o, outra parte do seu ofício é o anunciar a vinda do juízo
por causa do pecado. Nesse caso, eles agem como porta-vozes do
Senhor e frequentemente introduzem as duras repreensõ es e
promessas de castigo com a fó rmula “assim diz o Senhor”, rendendo
aos seus dizeres a autoridade divina e o peso que o anú ncio merecia.
Algo, porém, que nã o pode passar despercebido nesse tema e que
merece ser mencionado, é a inegá vel paciência de Deus na aplicaçã o
do juízo. Isso nã o significa ser apá tico, indiferente ou tolerante,
[143] mas ter a disposiçã o de retardar o juízo oferecendo
oportunidade de arrependimento e perdã o. A ira do Senhor nã o vem
sobre os homens na forma de um impulso irrefletido. Ao contrá rio,
ela segue um plano determinado por Deus no qual sobressaem ao
mesmo tempo sua graça amorosa e seu juízo reto. Por isso, por
exemplo, a promessa de castigo por meio de uma naçã o estrangeira,
um povo de outro idioma (Dt 28.49), registrado por Moisés entre
1407 e 1406 a.C., e relembrada ao povo, entre outros, por Isaias (Is
28.11), cujo ministério ocorreu entre cerca 750 e 700 a.C., e
Jeremias (Jr 5.15), cujo ministério se deu entre cerca de 640 e 600
a.C., veio a se cumprir em 722 a.C. no reino do Norte (Israel) –
quando Salmaneser V destruiu Samaria (2Rs 17.3-23), [144] – e
em 587 a.C. – quando Nabucodonosor ordenou a destruiçã o de
Jerusalém e o traslado do restante dos habitantes para a Babilô nia
(2Rs 25.8-22).
OS MEIOS DE PUNIÇÃO
Resta-nos agora responder à s questõ es relativas aos veículos da
puniçã o, ou seja, os meios que o Senhor utiliza para trazer o
merecido castigo aos pecadores. O Antigo Testamento aponta para
muitas puniçõ es executadas de diversas maneiras. Acredito que elas
possam ser divididas, para fins didá ticos, de vá rios modos. Contudo,
dada a diferença fundamental entre um dos castigos previstos nas
Escrituras e todo o restante, um bom modo de tratar o assunto é por
meio da distinçã o do tempo em que tais juízos sã o aplicados, sendo
alguns durante a histó ria e outro, um juízo pleno, ao final dela – o
Dia do Senhor. Essa divisã o também auxilia no cumprimento de
promessas de juízo cuja implicaçã o má xima se dá no juízo pleno e
ú ltimo, mas que, durante a histó ria, demonstram implicaçõ es
parciais e pontuais.
1. Punição temporal
Uma pergunta frequente questiona o fato de haver tanta maldade no
mundo sem Deus puni-la. Em lugar disso, muita gente perversa
prospera na vida e experimenta certos tipos de felicidade. Mesmo
nos dias dos reis israelitas essa questã o já era levantada e criava um
tremendo dissabor nos justos, a exemplo de Asafe: “Pouco faltou
para que se desviassem os meus passos, pois eu invejava os
arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. Para eles nã o há
preocupaçõ es, o seu corpo é sadio e nédio. Nã o partilham das
canseiras dos mortais, nem sã o afligidos como os outros homens” (Sl
73.2-5).
Apesar da indignaçã o que a injustiça causa, nã o é verdade que Deus
nã o puna os maus, nem lhes lance o resultado da culpa. Também nã o
corresponde à verdade achar que tais faltas serã o punidas somente
no futuro, no dia do juízo. Ainda que Deus tenha reservado esse dia
futuro para punir cabalmente os impuros, já nesse tempo ele lança
mã o da puniçã o.
Uma das maneiras utilizadas para Deus trazer puniçã o aos
pecadores é a guerra. No relacionamento com Israel, Deus promete,
caso eles se afastassem da justiça e nã o dessem ouvidos ao Senhor,
deixar suas cidades desertas e destruir seu templo, além de espalhá -
los pelas naçõ es (Lv 26.31-33 cf. v.21). Ele diz: “ Trarei sobre vó s a espada vingadora da minha
aliança” (Lv 26.25). Essa promessa se cumpriu em escalas menos ferozes várias vezes, até que, por meio da Babilô nia, o Senhor trouxe a punição
que é
descrita pelo cronista: “ Queimaram a Casa de Deus e derribaram os muros de Jerusalém; todos os seus palácios queimaram,
destruindo também todos os seus preciosos objetos. Os que escaparam da espada, a esses levou ele para a Babilô nia, onde se tornaram seus servos e de seus
compensação em dinheiro (Nm 35.31; Dt 19.11,12), o rapto de um homem com a finalidade de reduzi-lo à escravidão (Ex 21.16; Dt 24.7). As faltas
graves contra Deus: idolatria (Ex 22.19; Lv 20.1-5; Dt 13.2-19; 17.2-7; cf. Nm 25.1-5), blasfêmia (Lv 24.15,16), a profanação do sábado (Ex 31.14,15;
cf. Nm 15.32-36), feitiçaria (Ex 22.17; Lv 20.27; cf. 1Sm 28.3,9), prostituição da filha de um sacerdote (Lv 21.9). Faltas graves contra os pais (Ex
21.15-17; Lv 20.8; Dt 21.18-21). Desvio na conduta sexual: adultério (Lv 20.10; Dt 22.22), diferentes formas de incesto (Lv 20.11,12,14,17), sodomia
semelhanças com o Adventismo do Sétimo Dia, há uma boa chance de que a expressão seja compreendida como o dia de sábado. Se dita no meio cristão, o
domingo.
Entretanto, essa expressão tem uma aplicação especial nas Escrituras, especialmente nos profetas. Tomando como certa a datação dos profetas fornecida por
Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, o livro de Obadias foi o primeiro, entre os livros proféticos, a ser escrito, associando-o aos dias do reinado de Jeorão de Judá
(848-841 a.C.).
[150] Como primeiro dos profetas escritores, ele oferece pela primeira vez o “Dia do Senhor” como uma ocasião especial e singular
Porque o Dia do Senhor está prestes a vir sobre todas as naçõ es; como tu fizeste, assim se fará contigo; o teu malfeito tornará sobre a tua cabeça”
(Ob 15).
A profecia de Obadias é voltada à Edom, prevendo seu castigo pelo modo perverso com que agiram contra Israel. O interessante é notar que o castigo pleno de
Edom
se dará em uma ocasiã o que “ está prestes a vir sobre todas as naçõ es ”. Por sua vez,
enquanto as naçõ es perecem sob a mã o punitiva do Senhor, “ no monte Sião,
haverá livramento; o monte será santo; e os da casa de Jacó possuirão as suas herdades” (Ob 17).
Parece ser um dia de
vindicaçã o em favor da naçã o israelita. De um modo peculiar, essa é
uma resposta à questã o a respeito de como um Deus santo permite
que as naçõ es do mundo pratiquem o mal. A resposta é clara: “ Assim se fará
contigo; o teu malfeito tornará sobre a tua cabeça”.
[151]
Um unificador teoló gico é o conceito da lei de talião, ou a correspondência e pertinência da punição ao crime. Isso é declarado abertamente no
versículo 15b, mas também pode ser visto em exemplos em que o soberbo (v. 3) é humilhado (v. 2), os que assistiram passivamente à pilhagem de
uma nação (vv. 11-14) serão eles mesmos pilhados (vv. 5-9), aos que hostilizam os sobreviventes (v. 14) nada restará (v. 18) e os participantes de
grande é o Dia do Senhor e mui terrível! Quem o poderá suportar? (Jl 2.11 – destaque meu).
[155]
A ideia desse dia como punição de pecados se perfaz plenamente quando, na sequência, o profeta conclama Israel ao arrependimento e à conversão a fim de
fugirem desse triste desfecho histó rico por meio da misericó rdia de Deus (Jl 2.12-17). Apesar do risco de plena destruição, “o Senhor se mostrou zeloso da sua
terra, compadeceu-se do seu povo” (Jl 2.18), impedindo o terrível ataque de ser levado até as ú ltimas consequências. Em meio ao anú ncio de uma restauração,
o profeta diz que no futuro – “naqueles dias” (Jl 2.28,29) – o Senhor derramaria seu Espírito sobre os homens. Isso precederia eventos cataclísmicos – o Sol
escurecendo e a Lua tendo aparência de sangue – que introduziriam o que ele, agora, denomina “grande e terrível Dia do Senhor” (Jl 2.31). Sua afirmação
posterior é:
E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque, no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o
Senhor prometeu ; e, entre os sobreviventes, aqueles que o Senhor chamar (Jl 2.32 – destaque meu).
A promessa a que Joel se refere parece ser exatamente o que
Obadias disse, com a diferença que Joel explica que a salvaçã o futura
de Siã o envolve o processo de conversã o e submissã o de Israel ao
Senhor e nã o engloba todos os israelitas, mas todos quantos forem
salvos, os quais serã o beneficiados pelas bênçã os previstas por
Obadias. Sob essa nova ó ptica, Joel reafirma a mensagem de Obadias
sendo mais específico em relaçã o à s naçõ es (Jl 3). A conclusã o é que
o Dia do Senhor se trata de uma puniçã o severa em larga escala
[156] que irá atingir, em todas as naçõ es da Terra, aqueles que nã o
se submeteram a Deus nem foram por ele salvos.
Esse é o berço da mensagem sobre o Dia do Senhor de onde os
profetas irã o embasar seu anú ncio trazendo novos enfoques e
aplicaçõ es. Nesse sentido, Amó s trá s uma nova faceta da questã o. O
livro de Obadias a Israel esperança de restauraçã o no juízo das
naçõ es. Joel faz o mesmo informando que isso acontecerá diante de
uma grande ameaça contra os israelitas. Em suma, pode perecer que
o “Dia do Senhor ” só traria consequências definitivas sobre os outros
povos e nã o sobre Israel. Nã o é difícil imaginar os israelitas dessa
época aguardando alegra e ansiosamente esse dia para que fossem
beneficiados.
Entretanto, Amó s mostra que esse desejo era fruto de uma falsa
sensaçã o de segurança [157] e afirma a puniçã o dos israelitas
rebeldes: “ Ai de vós que desejais o Dia do Senhor! Para que desejais vós o Dia do Senhor? É dia de trevas e não de luz” (Am 5.18
– destaque meu). Tais “trevas” descrevem um duro quadro que
certamente tem vá rias qualificaçõ es bastante sugestivas:
Torna-se claro que a natureza desse período é de ira (Sf 1.15,18; 1Ts 1.10; 5.9; Ap 6.16,17; 11.18; 14.10,19; 15.1,7; 16.1,19), julgamento (Ap 14.7;
15.4; 16.5,7; 19.2), indignação (Is 26.20,21; 34.1-3), provação (Ap 3.10), problemas (Jr 30.7; Sf 1.14,15; Dn 12.1), destruição (Jl 1.15; 1Ts 5.3),
escuridão (Jl 2.2; Am 5.18; Sf 1.14-18), desolação (Dn 9.27; Sf 1.14,15), transtorno (Is 24.1-4,19-21), castigo (Is 24.20,21). Em nenhuma dessas
passagens encontramos alívio para a severidade desse tempo que virá sobre a terra.
[158]
Diante desse quadro teoló gico de um juízo pleno e final, Isaías,
clamando contra a corrupçã o moral, social e religiosa dos israelitas e
informando da disposiçã o de Deus de desbaratar o orgulho do
homem e instaurar um novo sistema em que ele é centralizado nos
coraçõ es e nas açõ es humanas por meio do seu “servo”, dá nuances
bastante aplicativas do Dia do Senhor. Esse dia vem sobre os
soberbos para os abater (Is 2.12), de modo que o ú nico meio de
escapar dele é se voltar para Deus e “andar na luz do Senhor” (Is
1.5). Para aqueles que rejeitam essa mensagem e esse caminho, o
conselho de Isaias é: “ Uivai , pois está perto o Dia do Senhor; vem do Todo-Poderoso como assolação (Is 13.6 –
destaque meu). A razã o é que “ eis que vem o Dia do Senhor, dia cruel, com ira e ardente furor, para converter a terra
em assolação e dela destruir os pecadores
” (Is 13.9 – destaque meu). Dizendo isso, Isaías
também associa esse dia à queles eventos có smicos previstos por
Joel (Is 13.10 cf. Jl 2.31).
Sofonias, oferecendo um ensino concorde com o de seus
antecessores, aponta o fato de que no Dia do Senhor nã o acontecerá
como no presente, em que os poderosos têm meios de se safar
enquanto os fracos caem. Nesse sentido, prediz a puniçã o de pessoas
como oficiais, príncipes, idó latras e sacerdotes pagã os (Sf 1.7-9).
“Está perto o grande Dia do Senhor; está perto e muito se apressa. Atenção! O Dia do Senhor é amargo, e nele clama até o homem poderoso . Aquele
dia é dia de indignação, dia de angú stia e dia de alvoroço e desolação, dia de escuridade e negrume, dia de nuvens e densas trevas, dia de trombeta e
Jeremias, como profeta que viu Jerusalém cair perante a Babilô nia e
anunciou tal queda (Jr 21.7; 24.1; 32.28), afirmou que o Senhor
também traria ao Egito o Dia do Senhor em um morticínio
sangrento, país este que tantos males trouxe sobre Israel (Jr 46.10).
Esse texto especifica que o castigo viria “do norte, junto ao rio
Eufrates”, uma referência clara, para a época de que se tratava da
Babilô nia, pelo que também aclara: “Palavra que falou o Senhor a Jeremias, o profeta,
acerca da vinda de Nabucodonosor, rei da Babilô nia, para ferir a terra do Egito” (Jr 46.13).
Vale lembrar que, ainda que
Jeremias aplique o Dia do Senhor ao Egito na forma da espada da
Babilô nia, o Egito, como as demais naçõ es, cairá também diante do
pleno julgamento futuro (Ob 15).
Ezequiel, já na Babilô nia como cativo, porém, antes da queda
definitiva de Jerusalém, acusa os falsos profetas de Judá , os “profetas
loucos”, que garantiram que Jerusalém permaneceria. [159]
Segundo seu falso testemunho vindo de visõ es falsas, Judá nã o se
preparou adequadamente para a chagada do Dia do Senhor na
forma da guerra e do cerco (Ez 13.3-7).
Depois da queda de Jerusalém, um grupo de judeus rebeldes decidiu
buscar abrigo no Egito, contra as orientaçõ es de Jeremias (Jr 42).
Essa foi uma atitude, além de desobediente, louca, pois Ezequiel
também anuncia que a destruiçã o vem aos egípcios, dentre outros
da regiã o (Ez 30.1-5).
No período pó s-exílico, Zacarias oferece uma visã o nova do Dia do
Senhor. Jerusalém ainda é alvo do juízo de Deus, mas nã o pelas mã os
de um povo apenas e de seu exército, mas por “todas as naçõ es”.
Jerusalém será oprimida em demasia e parte do povo será presa e
exilada. A diferença é que, ao final desse juízo, o Senhor lutará
contra as naçõ es e as vencerá para proteger seu povo. O Senhor se
colocará sobre o monte das Oliveiras.
Eis que vem o Dia do Senhor, em que os teus despojos se repartirão no meio de ti. Porque eu ajuntarei todas as naçõ es para a peleja contra
Jerusalém; e a cidade será tomada, e as casas serão saqueadas, e as mulheres, forçadas; metade da cidade sairá para o cativeiro, mas o restante do
povo não será expulso da cidade. Então, sairá o Senhor e pelejará contra essas naçõ es, como pelejou no dia da batalha. Naquele dia, estarão os seus
pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o oriente; o monte das Oliveiras será fendido pelo meio, para o oriente e para
o ocidente, e haverá um vale muito grande; metade do monte se apartará para o norte, e a outra metade, para o sul (Zc 14.1-4).
[160]
Por fim, Malaquias, o ú ltimo dos profetas escritores, em suas
palavras finais fez mençã o do Dia do Senhor afirmando que ele é
posterior ao envio do profeta Elias (Ml 4.5,6). Essa mençã o
misteriosa, visto que Elias já vivera e fora arrebatado aos céus (2Rs
2.11), foi interpretada por Jesus como cumprida no ministério de
Joã o Batista (Mt 11.13,14), ainda que o pró prio Elias, junto com
Moisés, tenha sido enviado a falar com Jesus na ocasiã o em que
houve a transfiguraçã o (Mt 17.3). Essas sã o as apariçõ es da
expressã o Dia do Senhor no Antigo Testamento, apesar de
expressõ es correlatas como “aquele dia”, “o dia” ou “o grande dia”
aparecerem mais de setenta e cinco vezes, [161] enquanto
“ú ltimos dias” ocorre treze vezes e “naquele dia”, mais de cem vezes
com sentido escatoló gico. [162]
A conclusã o é que o Dia do Senhor é um evento punitivo, nã o
necessariamente em um dia apenas, em que Deus lança sobre os
pecadores seu juízo contra a iniquidade. Esse julgamento encontra
ocasiõ es no meio da histó ria em que acomete naçõ es, incluindo
Israel, mas tem seu cumprimento má ximo no futuro, quando Deus
vai julgar todos os povos, nã o antes de julgar Israel por meio da
guerra e do cativeiro até vir pessoalmente libertar seu
remanescente fiel, chamado e salvo por ele mesmo, a fim de
abençoá -los em seu reino. Esse “grande e terrível Dia do Senhor ” é
identificado no Novo Testamento como a “Grande Tribulaçã o”.
_____________
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
1. Qual é a reaçã o de Deus diante do pecado e da maldade?
2. Por que Deus ainda nã o puniu o mal completamente?
3. Que relaçã o há entre o dilú vio e a ira de Deus contra o pecado?
4. Qual é o papel do anú ncio prévio da puniçã o divina aos
pecadores?
5. O que é o “Dia do Senhor” anunciado pelos profetas e que a sua
abrangência?
Capítulo 6
A salvação
Assiste-nos, ó Deus e Salvador nosso, pela gló ria do teu nome; livra-nos e perdoa-nos os pecados, por amor do teu nome (Salmo 79.9).
O estudo do Antigo Testamento é uma jornada na histó ria, mas também na fé. É fascinante aprender sobre as origens de tudo que existe, incluindo as
civilizaçõ es antigas. Tal conhecimento é tão relevante que faz parte dos cursos de Histó ria do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Tudo isso fica ainda em
maior evidência quando se percebe que o estudo secular da histó ria de naçõ es antigas como Egito, Assíria e Babilô nia corrobora muito do que a Bíblia ensina
a seus leitores.
[163] que nunca pode ser “provado”, visto que é baseado na fé em Deus, cujo Ser pode ser cientificamente sugerido, mas nunca
cientificamente demonstrado.
[164]
Ele acusa de “falta de fé” aqueles que buscam corroboraçã o
arqueoló gica de materiais de fontes histó ricas para “validar” os
ensinos religiosos e espirituais da Bíblia. Isso porque depender de
tais comprovaçõ es para poder afirmar a santidade, a justiça e a
veracidade do que foi revelado nas Escrituras é ignorar a inspiraçã o
divina desses escritos. Logo, a fé é fator essencial e indispensável no estudo da Bíblia e na busca de Deus, da salvação e da
comunhão com o criador.
arqueoló gicos têm feito com que se confirmem em linhas gerais claras ou em detalhes exatos declaraçõ es histó ricas na Bíblia.
[165]
Visto que a fé é tanto o meio como o alvo do estudo bíblico, deve-se
certamente valorizar seu efeito: a salvaçã o do pecador. Essa
mensagem, ao lado da apresentaçã o de Jesus como Deus e como
substituto do homem na condenaçã o dos pecados, ocupa um lugar
central no Novo Testamento. Fortes declaraçõ es atrelam
firmemente a salvaçã o à fé em Cristo como, por exemplo: “ Por isso, quem crê no
Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”
(Jo 3.36 –
destaque meu); e “porque pela graça sois salvos, mediante a fé ; e isto não vem de vó s; é dom
de Deus” (
Ef 2.8 – destaque meu). Diante disso, devemos nos perguntar,
ou melhor, devemos buscar respostas para a relevante pergunta:
“Quanto o Antigo Testamento contribui para a formaçã o dessa
doutrina e para a apresentaçã o dessa mensagem?”.
A PROMESSA DA SALVAÇÃO
Enquanto o Novo Testamento tem um conceito bem definido de
salvaçã o, o Antigo Testamento apresenta essa doutrina em estado
de construçã o. Entretanto, um ponto fundamental está sempre
presente quando se fala de salvaçã o: a “perdiçã o”. O pró prio verbo
“salvar” exige, para sua compreensã o, um objeto direto (“quem”
deve ser salvo) e um objeto indireto (“de que” ser salvo). Esses
pontos surgem no início da Bíblia diante da histó ria da queda do
homem no jardim do É den.
Tã o logo Adã o e Eva tenham cometido pecado e tido consciência
disso (Gn 3.7), imediatamente surgiram açõ es no sentido de
remediar o problema. O primeiro impulso foi tentar cobrir o erro
buscando inutilmente cobrir as partes do corpo cuja exposiçã o lhes
passou a ser vergonhosa. Rapidamente descobriram como seus
pró prios meios eram escassos para isso ao utilizarem o melhor que
acharam. Eles juntaram e entrelaçaram folhas de uma figueira para
criar um tipo de proteçã o. Seu pró ximo impulso foi fugir da presença
(literalmente “face”) de Deus, [166] a fim de nã o evidenciar seu
pecado (Gn 3.8). Por fim, foram tentativas de esconder tanto sua
vergonha física como espiritual. Nã o é preciso dizer que tais
tentativas fracassaram.
O primeiro passo no sentido de restaurar o que foi perdido nã o foi
dado pelo homem, mas por Deus. Enquanto o homem se escondia do
Criador, este o chamou no jardim (Gn 1.9). Apesar da simplicidade
do ato, é uma demonstraçã o incisiva da graça de Deus, visto que, em
sua santidade e justiça, poderia simplesmente punir o homem pelo
seu pecado à semelhança do que fez no dilú vio ou nas cidades de
Sodoma e Gomorra. Mas nã o foi o que aconteceu. Além do gracioso
chamado no jardim, o Senhor faz o primeiro benefício temporal para
o homem caído dando-lhe roupas mais adequadas por meio de um
animal que, para fornecer sua pele, teve de ser morto.
Apó s pronunciar as condenaçõ es ao homem, à mulher e até à
natureza, Deus pronuncia uma maldiçã o contra a serpente,
dirigindo-se, possivelmente, também à quele que estava por trá s do
animal: Sataná s. Se isso é verdade – há quem ache que a maldiçã o se
refere somente à serpente como animal –, tais palavras parecem
conter um breve e velado anú ncio do que Deus viria a fazer.
Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar (Gn 3.15).
Para os leitores pré-cristã os, a frase acima devia, normalmente, ser
compreendida somente em termos da hostilidade mú tua entre
humanos e ofídios, hostilidade que perdura até hoje. [167]
Contudo, o Novo Testamento tem, por excelência, a capacidade de
revelar alguns mistérios ocultos dos leitores do Antigo Testamento e
dos homens que viveram antes da vinda de Jesus (Cl 1.26). Sob a
ó ptica da revelaçã o progressiva, nã o é possível olhar para Gênesis
3.15 sem associar a serpente a Sataná s (Ap 12.9; 20.2), nem lembrar
da figura de Deus pisando-o: “E o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos
vossos pés a Satanás
” (Rm 16.20 – destaque meu).
Com isso, fá cil também é associar a descendência da mulher a Jesus,
o qual, sob as agruras da cruz e da morte, como que recebendo uma
mordida no calcanhar, venceu os poderes da morte e do inferno,
como que esmagando a cabeça de Sataná s: “E, despojando os
principados e as potestades, publicamente os expô s ao desprezo,
triunfando deles na cruz
” (Cl 2.15 – destaque meu).
Outro apoio a essa ideia é o fato de a palavra “zerá ” (descendência) ser
interpretada por Paulo. O apó stolo olha para a mesma palavra
hebraica contida na promessa feita a Abraã o: “ Apareceu o Senhor a Abrão e lhe disse: Darei à
tua descendência esta terra
” (Gn 12.7a – destaque meu). Apesar de “zerá ”, nesse
contexto, se referir ao povo de Israel (Gn 13.15; 15.18; 17.7,8), Paulo
olha para o fato de a palavra estar no singular como uma indicaçã o
de um descendente específico dentro da descendência numerosa de
Abraã o: “Ora, as promessas foram feitas a Abraã o e ao seu descendente . Não diz:
E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só : E ao teu descendente, que é Cristo
” (Gl 3.16 – destaque
meu).
Tratando-se da mesma palavra usada em Gênesis 3.15 para se
referir à descendência da mulher, surge uma relaçã o chamativa
entre a hostilidade entre a descendência da mulher – ou o
“descendente” – e as serpentes, com a hostilidade entre Cristo e
Sataná s e entre o fato de Cristo vencer Sataná s na cruz e a cabeça
esmagada das serpentes durante seu bote venenoso. Por causa
disso, muitos teó logos consideram Gênesis 3.15 o protevangelium ,
[168] ou protoevangelho, [169] ou seja, a primeira mençã o à s
boas novas da obra redentora a ser executada por Cristo, o Deus
encarnado (descendência da mulher).
É certo que essa construçã o extrapola a teologia do Antigo
Testamento. Entretanto, estamos traçando a progressividade de
uma revelaçã o cujas chaves de interpretaçã o estã o no Novo
Testamento – ainda que tais chaves devam ser utilizadas com
extrema cautela e dentro dos parâ metros da interpretaçã o histó rico-
gramatical para nã o forçar mensagens do Novo Testamento para
dentro do Antigo.
O pró ximo passo importante na promessa de salvaçã o se deu no
chamado de Abraã o (Gn 12.1-3). O Senhor o chamou da sua terra, do
seu clã e da casa do seu pai para ir a uma terra que lhe seria
mostrada (v.1). Abraã o, nessa ocasiã o, ainda nã o tinha filhos porque
sua esposa era estéril. Apesar disso, Deus prometeu, a partir de
Abraã o, gerar uma grande naçã o. Garantiu ainda que Abraã o seria
abençoado e teria um nome grande (v.2). Entã o, lhe diz:
Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.3).
Se o patriarca seria alvo das bênçã os de Deus, seria ele, também,
fonte de bênçã o para outras pessoas. Sua descendência seria
abençoada, porém nã o somente ela, mas aqueles que, de uma
maneira até entã o nã o revelada, bendissessem a Abraã o:
“Abençoarei os que te abençoarem”. No cumprimento dessa clá usula
nã o foram postos limites territoriais, políticos ou étnicos: “E em ti
serã o benditas todas as famílias da terra ”. Isso, necessariamente, nã o quer dizer
cada ser humano, mas pessoas de todos os povos.
A mensagem velada é o modo como Abraã o poderia abençoar quem
lhe bendissesse. Jesus disse: “ Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se” (Jo 8.56). Ainda
que o patriarca soubesse que a promessa implicava advir bênçãos por meio de um povo numeroso, de algum modo ele percebeu alegremente os benefícios
de proporçõ es universais. Em contraste com as naçõ es que buscavam um “nome” para elas mesmas, Deus fez de Abraão um grande nome a fim de
mensagens proféticas de salvação e promessa é o contexto da palavra de Deus que o profeta transmite. Normalmente, elas aparecem no meio de
uma ameaça de juízo a Israel pelo rompimento do concerto, pela sua idolatria e pelo seu pecado.
[171]
Outra peça importante é assentada por Jacó quando abençoou seus
filhos antes de morrer. Suas palavras tiveram cará ter profético com
desdobramentos futuros correspondentes. Entre os filhos, Judá
recebeu uma bênçã o peculiar: “O cetro nã o se arredará de Judá , nem
o bastã o de entre seus pés, até que venha Siló ; e a ele obedecerã o os
povos” (Gn 49.10). [172]
Trata-se do prenú ncio de uma descendência real, como se viu na
linhagem de reis iniciada em Davi, da tribo de Judá . Mas, o que o
texto tem de peculiar é a mençã o “e a ele obedecerã o os povos”. Se
por Abraã o os “povos” sã o abençoados, por parte da descendência
de Abraã o – uma linhagem real de Judá – os “povos” serã o
governados, o que foi repetido a Davi (2Sm 7.16), estreitando em
sua família a bênçã o de Jacó a Judá .
O profeta Miqueias concorda com a profecia de Jacó de que esse rei
vem da Tribo de Judá , visto que informa que seu nascimento é em
Belém, cujo antigo nome era Efrata (Rt 4.11), [173] dentro do
territó rio de Judá e, também, cidade natal do rei Davi. O que é
novidade é a introduçã o de uma característica do rei: ele tem origem
eterna, assim como Deus. Em outras palavras, o rei que traria
bênçã os e governo sobre todos os povos é pessoalmente Deus:
E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os
O contexto apresenta uma realidade histó rica que merece atençã o.
Segundo diz Miqueias, isso aconteceria depois da queda de
Jerusalém, do destronamento do rei israelita (Mq 5.1), [174] e de o
povo de Israel ser espalhado pelas naçõ es (Mq 5.3a). Entretanto,
quando vier o esperado rei, [175] ele os ajuntará sob seu reinado
em seu territó rio (Mq 5.3b – ver também 4.6,7). [176] Um olhar
mais amplo vislumbra a paz e a submissã o ao rei por pessoas de
todo o mundo (Mq 4.1-3). Com isso, a mensagem primá ria cresceu
do está gio inicial de salvar o homem do pecado e do domínio de
Sataná s para, já salvo, submetê-lo ao Deus verdadeiro, o criador
santo.
O profeta Isaías, contemporâ neo de Miqueias, traça os degraus
percorridos por esse rei até o seu trono. Surpreendentemente, o
caminho do “Servo do Senhor”, aquele que tem a tarefa de reunir os
israelitas e restaurar Israel, também foi dado como salvaçã o aos
povos do mundo:
Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo , para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os remanescentes de Israel; também te dei como luz
para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra (Is 49.6 – destaque meu).
Apesar de tã o nobre e benéfica funçã o para os homens, ele é
“desprezado” pelas naçõ es, mas virá o dia em que os povos que
agora se aborrecem com ele o “ adorarão por amor do Senhor , que é fiel,
e do Santo de Israel” (Is 49.7 – destaque meu). Isso ocorrerá porque
o ministério do “Servo do Senhor” tem abrangência mundial e nã o
apenas entre os israelitas: “ Eis aqui o meu servo , a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se
compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios
” (Is 42.1 – destaque meu).
Traçando, como Miqueias, o cará ter divino desse rei, ao dizer que ele
será “adorado” (Is 49.7), Isaías descreve uma obra
inacreditavelmente custosa do servo salvador, pelo que também é
conhecido como “Servo sofredor”. Um dos trechos mais dramá ticos e
significativos, principalmente dentro da histó ria da salvaçã o e da
demonstraçã o da graça e do amor de Deus pelos homens, é Isaías
52.13 a 53.12. Uma síntese desse texto é extremamente clara para
que se reconheça, na vida e na obra de Cristo na cruz, tanto o
cumprimento da profecia nele como sua identidade messiâ nica:
Isaías 52.13: O “Servo do Senhor” tem um caráter íntegro e sábio e uma posição nobre.
das nações.
[179]
Isaías 53.1: A pregação sobre sua obra era uma mensagem até então inaudita e tão incomparável que seria rejeitada .
Isaías 53.2: O início da obra do “servo do Senhor” se dá em humildade, como um pequeno broto, sem que houvesse nada em sua aparência que
Isaías 53.3: Seria um homem que experimentaria o sofrimento e, em lugar de ser acolhido, seria desprezado e decididamente rejeitado pelos
homens .
Isaías 53.4: Ele voluntariamente aceitou ser ferido por Deus a fim de ministrar eficazmente o remédio necessário para a enfermidade dos
homens .
[180]
Isaías 53.5: O sofrimento do servo teria caráter vicário, ou seja, em lugar de outros, tomando seu lugar. As palavras “traspassado” e
“pisaduras” descrevem que tipo de castigo ele receberia para trazer paz aos homens .
Isaías 53.6: Deus castigaria o servo como se ele, livre de culpa, fosse culpado pela iniquidade de todos os que andam longe do Senhor como
ovelhas que andam longe de seus pastores. A palavra “mas” sugere que a realidade anterior – andar desgarrado como ovelhas – seria
Isaías 53.7: Ele sofreria calado todas as agruras da obra redentora, sem se desviar da sua tarefa, ou tentar evitá-la .
Isaías 53.8: Ele seria morto pela violência da agressão que receberia por causa das transgressões .
Isaías 53.9: Em sua morte, seria considerado pelos homens como um criminoso, alguém merecedor de um enterro desonroso. Entretanto, em
vista da sua justiça, a desonra para ele planejada não chegaria a ser cumprida, dando lugar a um sepultamento distinto e honroso .
Isaías 53.10: A obra sacrificial do servo, em consonância com o propósito de Deus, precederia sua volta à vida para ser o efetivador da vontade
de Deus .
Isaías 53.11: O resultado da sua obra seria plenamente positivo, de modo que justificaria a muitos, tirando-os debaixo dos efeitos jurídicos do
pecado .
[181]
Isaías 53.12: O fato de o servo ter sofrido a morte como sacrifício vicário pelos pecadores como se fosse um transg),
Isaías
descreve uma obra inacreditavelmente .
Diante desse quadro, Ridderbos afirma que “o servo do Senhor”,
como é chamado em Is 52.13 e 53.11, nã o pode ser ninguém mais do
que o futuro Redentor [182] ou Messias. [183] Fica também
patente, em Isaías, que o anú ncio de juízo tem anexado a ele uma
mensagem divina de “preservaçã o”, [184] tanto de Israel como dos
gentios.
Ao nos referirmos à “identidade messiânica ” e a reconhecermos na
pessoa de Jesus Cristo, utilizamos um termo – Messias – que tem um
significado específico na língua hebraica e uma aplicaçã o profética
referente à histó ria da salvaçã o. Vemos isso na promessa de Deus
por meio do profeta Daniel que o Messias, em concordâ ncia com a
mensagem de Isaías 53.8-10, seria morto.
Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido e já não estará; e o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e
o seu fim será num dilú vio, e até ao fim haverá guerra; desolaçõ es são determinadas (Dn 9.26 – destaque meu).
Daniel o chama de “Messias” ( “mashîah ”, em hebraico), cujo significado é
“ungido”, ou seja, aquele sobre quem foi derramado ó leo. [185]
Esse era um modo de instituir alguém no ofício real, como é visto
nos casos dos reis Saul (1Sm 15.1), Davi (1Sm 16.1,13), Joacaz (2Rs
23.30) e Jeú (1Rs 19.16). [186] Assim, segundo Daniel 9.26, o rei
seria morto e, na sequência, o “povo de um príncipe” destruiu
Jerusalém e o templo do Senhor de uma maneira tã o terrível que
Daniel o comparou ao dilú vio. [187]
A morte de Jesus, ocorrida na década de 30 do primeiro século,
precedeu os acontecimentos do ano 70 d.C., quando o exército
romano, sob o comando do príncipe general Tito – visto que seu pai,
Vespasiano, havia recentemente assumido o trono imperial –
invadiu Jerusalém e a destruiu por completo. Flá vio Josefo conta
que, apesar de Tito nã o ter dado ordens nesse sentido, um soldado
romano, erguido por um companheiro, arremessou uma tocha que
iniciou um severo fogo no templo. Com todo esforço pessoal,
gritando e acenando com os braços, Tito ordenava a seus soldados
que apagassem o fogo, mas eles fingiam nã o entender suas ordens
no meio do barulho. Por fim, foi impossível impedir a destruiçã o e se
cumpriu a profecia. [188]
Esse nã o é o ú nico termo especial usado por Daniel para se referir
ao Messias. Ele também o chama de “Filho do homem” (Dn 7.13).
Normalmente, essa expressã o é utilizada no Antigo Testamento para
se referir aos seres humanos, muitas vezes em sua fragilidade e
insignificâ ncia diante do Deus todo-poderoso (Jó 25.6; Sl 8.4; 144.3;
Is 51.12). Ezequiel, em especial, utiliza essa expressã o sem
parcimô nia – mais de noventa vezes. Em seu livro, esse é o modo
como Deus se dirige ao pró prio profeta a fim de lhe dar instruçõ es e
lhe dizer o que escrever. No pró prio livro de Daniel (Dn 8.17), a
expressã o é uma vez aplicada com o mesmo uso que em Ezequiel.
Apesar disso, Daniel faz uma aplicaçã o do termo, no capítulo 7, que
justifica o sentido messiâ nico de “Filho do homem” nas palavras de
Jesus (Ex.: Mt 8.20; 9.6; 10.23).
Eu estava olhando nas minhas visõ es da noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem , e dirigiu-se ao Ancião de Dias, e o
fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado domínio, e gló ria, e o reino, para que os povos, naçõ es e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio
é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído (Dn 7.13,14 – destaque meu).
Pelo menos cinco pontos sã o características singulares da pessoa e
da obra do “Filho do homem” nesse texto. Em primeiro lugar, sua
obra de reinar sobre a Terra tem como ponto de partida os céus:
“Ele vinha com as nuvens do céu”. Ainda que sua atuaçã o seja entre
os homens, ele nã o está entre eles até que venha, e o faça “vindo com
as nuvens”. Apesar de ser plausível uma crítica a essa observaçã o
dizendo que, em uma visã o como a de Daniel, poderia se esperar
algo assim sem que tivesse necessariamente relaçã o com um evento
literal, o paralelo entre o anú ncio da segunda vinda de Jesus parece
qualificar como correta a aplicaçã o da expressã o “Filho do homem”
pelo pró prio Jesus: “ Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens , com grande poder e gló ria” (Mc 13.26 – destaque meu) .
Em segundo lugar, ele teria um ofício real, munido, como afirma o texto antecedente, de “poder e gló ria”: “Foi-lhe dado o domínio, a gló ria e o reino”.
Entretanto, uma oração de Davi demonstra que tais prerrogativas pertencem a Deus somente, de modo que o “Filho do homem” é também “divino”: “Teu,
Senhor, [...] é o reino , e tu te exaltaste por chefe sobre todos. Riquezas e glória vêm de ti , tu dominas sobre tudo ” (1Cr 29.11,12 – destaque meu). Esse
caráter tríplice da divindade é tomado por Jesus para si mesmo como características pessoais exibidas no seu retorno, a saber, “domínio” (Jo 5.27), “gló ria”
[189]
(Mt 16.27; Lc 21.27) e um “reino” (Mt 13.41; 16.28).
angustiado, e o Anjo da sua presença os salvou ; pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu , os tomou e os conduziu todos os dias da
2. Salvação Ritual
Uma grande dificuldade que os leitores do Antigo Testamento têm é
a de compreender a funçã o dos sacrifícios ordenados por Deus na lei
de Moisés. A primeira impressã o é que, enquanto no Novo
Testamento os pecados sã o perdoados pela fé em Cristo, no Antigo
isso se dava por meio do sacrifício de animais: “E fará a este novilho como fez ao novilho da
oferta pelo pecado ; assim lhe fará, e o sacerdote por eles fará expiação, e eles serão perdoados
” (Lv 4.20 – destaque
meu).
Contudo, tal impressã o é contradita pelo que diz o autor de Hebreus:
“ É impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados ” (Hb 10.4 – destaque meu). Os
profetas pareciam pensar do mesmo modo:
Os profetas tinham pouca confiança no sacrifício como meio de se livrar do pecado. Eles falavam primordialmente de “arrependimento” e “perdão”,
como meio de remover o pecado (Is 1.11; Os 6.6; Am 5.23,24; Mq 6.8). Os profetas expressaram seu desapontamento com a falta de resposta do
propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos (Rm
Outra coisa que merece destaque é que a purificaçã o ritual era uma
exigência a Israel como um todo, de modo que era realizada mesmo
por pessoas que desconheciam a salvaçã o espiritual e que nunca
poderiam entrar na lista de homens que, nos dias do Antigo
Testamento, foram justificados por fé (Hb 11).
3. Salvação espiritual
“Salvação espiritual” não é um termo que faz jus ao efeito pleno da salvação de pecados, visto que, no que crê, há salvação do seu corpo e da sua alma.
Entretanto, a expressão serve para diferenciar seu conceito da preservação física e da purificação ritual, além de evidenciar sua abrangência espiritual. Além
teoló gicas do Antigo Testamento, como sacrifício e expiação, não pode ser legitimamente traçado até a noção de redenção no Antigo Testamento.
[203]
Isso, é claro, nã o impediu que os servos de Deus do passado
tivessem na fé e na obra redentora do Messias seu meio de
justificaçã o e a provisã o para tanto, respectivamente. Entretanto, a
mensagem da salvaçã o e seus desdobramentos eternos seriam
incompletos caso tivéssemos em mã os apenas o Antigo Testamento.
Tal visã o nos leva a uma necessá ria aná lise – à s vezes, à luz do Novo
Testamento – da colaboraçã o do Antigo para a formaçã o da doutrina
em questã o, além da observaçã o das características dos verdadeiros
homens de Deus do passado.
Um exemplo é Davi. Muito mais que a maioria das pessoas do seu
tempo, ele sabia o que era ser salvo por Deus no sentido de ser
preservado da morte. Seus inimigos o queriam morto e acreditavam
que Deus nã o impediria seu triste fim, de modo que declara: “ São muitos os
que dizem de mim: Não há em Deus salvação para ele”
(Sl 3.2 – destaque meu).
Em vista disso, Davi afirma sua esperança em Deus de ser poupado
da morte que se acercava dele: “Do Senhor é a salvação , e sobre o teu povo, a tua bênção” (Sl 3.8 –
destaque meu). Quando seus inimigos estavam perto de dizer
“prevaleci contra ele” (Sl 13.4), Davi declara ao Senhor: “Confio na
tua graça; regozije-se o meu coraçã o na tua salvação ” (Sl 13.5 – destaque
meu). No Salmo 18 que, conforme diz seu título, foi escrito “ no dia em que o
Senhor o livrou de todos os seus inimigos e das mãos de Saul”, ele exalta o caráter protetor de Deus
: “ O Senhor é a minha rocha, a minha cidadela, o meu
libertador; o meu Deus, o meu rochedo em que me refugio; o meu escudo, a força da minha salvação , o meu baluarte. Invoco o Senhor, digno de ser louvado,
” (Sl 18.2,3).
e serei salvo dos meus inimigos
pecadores se converterão a ti. Livra-me dos crimes de sangue , ó Deus, Deus da minha salvação , e a minha língua exaltará a tua justiça” (Sl 51.12-
14 – destaque meu).
Isaías perece exibir o mesmo conceito ao se referir à sua funçã o
profética como anunciador da salvaçã o divina e futura restauraçã o
de Israel. Apesar de Isaías ter vivido em Judá (reino do Sul) em
tempos de ameaças militares vindas da Síria e de Israel (reino do
Norte), ao falar do seu ofício profético, associa a salvaçã o que
recebeu de Deus com a “justiça” com a qual o Senhor o envolveu e
com a conversã o futura das naçõ es. Com isso, a salvaçã o que tem em
mente é mais ampla que o livramento militar que Deus realmente
promoveu nos seus dias.
Regozijar-me-ei muito no Senhor, a minha alma se alegra no meu Deus; porque me cobriu de vestes de salvação e me envolveu com o manto de justiça
, como noivo que se adorna de turbante, como noiva que se enfeita com as suas joias. Porque, como a terra produz os seus renovos, e como o jardim
faz brotar o que nele se semeia, assim o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor perante todas as nações . (Is 61.10,11).
[204]
Isaías faz a mesma associaçã o outras vezes, introduzindo-as como
bênçã os de natureza permanente e mundial, como em 51.5-8. Ao
falar da aplicaçã o da salvaçã o a Israel, ele a qualifica como “salvaçã o
eterna”, cujo benefício é sentido “em toda a eternidade” (Is 45.17).
Apesar de o texto seguinte demonstrar que a intençã o de Deus é
fazer isso restaurando Israel à terra que lhe deu, o cará ter
permanente dessa atuaçã o pressupõ e nã o só restauraçã o plena da
posse da terra, como também a plena restauraçã o da comunhã o com
Deus.
O processo de aplicaçã o da salvaçã o espiritual também é um assunto
vislumbrado no Antigo Testamento na forma da promessa da
restauraçã o de Israel. Ezequiel, prevendo-a, diz:
Então, aspergirei água pura sobre vó s, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei. Dar-vos-ei
coração novo e porei dentro de vó s espírito novo; tirarei de vó s o coração de pedra e vos darei coração de carne. Porei dentro de vó s o meu Espírito
e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis (Ez 36.25-27).
Em primeiro lugar, a figura da aspersã o com á gua para purificaçã o,
apesar de utilizar a linguagem concernente à purificaçã o ritual,
aponta para o perdã o dos pecados dos israelitas no contexto da sua
futura conversã o de ordem nacional descrita pela ideia da troca do
coraçã o insensível à direçã o do Senhor por um que lhe seja
favorá vel. Isso, obviamente, envolve a ideia da regeneraçã o, ou seja,
uma nova vida por meio da fé. Esse conceito já estava presente
desde a aliança feita entre Deus e Israel antes da invasã o de Canaã : “
Circuncidai, pois, o vosso coração e não mais endureçais a vossa cerviz”
(Dt 10.16).
A circuncisão do coração é uma mudança interior, nada menos que a regeneração. No sentido do chamado, podemos entender isso como a
necessidade da conversão de cada pessoa. Ser membro da comunidade visível da aliança, em si, não bastava para garantir a devoção e a salvação.
Era preciso uma experiência pessoal. Por isso, o Pentateuco vincula a circuncisão do coração ao arrependimento. É preciso que o “coração
chão morrer o seu tronco, ao cheiro das águas brotará e dará ramos como a planta nova. O homem, porém, morre e fica prostrado; expira o homem
e onde está? Como as águas do lago se evaporam, e o rio se esgota e seca, assim o homem se deita e não se levanta; enquanto existirem os céus, não
acordará, nem será despertado do seu sono. Que me encobrisses na sepultura e me ocultasses até que a tua ira se fosse, e me pusesses um prazo e
depois te lembrasses de mim! Morrendo o homem, porventura tornará a viver? Todos os dias da minha luta esperaria, até que eu fosse substituído
(Jó 14.7-14).
[206]
Esse modo pessimista de se referir à morte pode simplesmente
dever-se à uma forte expressã o de desalento e pesar por causa do
fim da vida. [207] Entretanto, essa noçã o da morte como fim de
tudo parece advir da compreensã o que o homem do mundo antigo
tinha da vida e da morte. Ralph Smith, tratando sobre o que é a
morte no Antigo Testamento, diz:
Harmut Gese observou que a mente antiga não compartilhava nosso conceito bioló gico de vida. Nó s dividimos o mundo na esfera sem vida dos
minerais e na esfera viva das plantas, animais e seres humanos. Para o Israel antigo, a vida estava mais viva que a nossa vida, e as coisas mortas
estavam mais mortas que as nossas coisas mortas. Para eles, a vida era sempre integral e saudável, e a pessoa muito doente já passara para o outro
o desejo divino de salvar o homem pecador da sua
O Antigo Testamento não enfatiza apenas
EXPERIÊ NCIA INICIAL DE ADÃ O (3.8) E É A MESMA FRASEOLOGIA QUE TIPIFICA NOÉ , QUE É LEMBRADO POR SUA BOA REPUTAÇÃ O (6.9).
[212]
APESAR DA POUCA INFORMAÇÃ O, A ESTRUTURA DE GÊ NESIS 5
PODE DIZER UM POUCO MAIS QUE ISSO. O CAPÍTULO TODO
PARECE SE PRESTAR A PROVAR QUE DEUS, E NÃ O O DIABO,
TINHA RAZÃ O AO DIZERN “NO DIA EM QUE DELA COMERES,
CERTAMENTE MORRERÁ S” (GN 2.17B). ISSO PORQUE GÊ NESIS
5 É UMA ODE À MORTE. A DESCENDÊ NCIA DE SETE VIVE, TEM
FILHOS E FILHAS, E “MORRE”. ESSA TRISTE REALIDADE
ADVINDA DA QUEDA É EXPRESSA EM UMA ESTRUTURA
MONÓ TONA QUE CONTÉ M TRÊ S COMPONENTES:
COMPONENTE 1: PESSOA A VIVEU X ANOS E GEROU PESSOA
B .
COMPONENTE 2: DEPOIS QUE GEROU PESSOA B , PESSOA A
VIVEU Y ANOS, E TEVE FILHOS E FILHAS.
COMPONENTE 3: TODOS OS DIAS DE PESSOA A FORAM X +
Y ANOS; “E MORREU”. [213]
A EXCEÇÃ O DENTRO DO CAPÍTULO É O CASO DE ENOQUE, JÁ
QUE, EM LUGAR DE DIZER QUE ELE “VIVEU SESSENTA E CINCO
ANOS” E GEROU METUSALÉ M, DIZ QUE ELE “ANDOU COM
DEUS”. CONTUDO, A DIFERENÇA MARCANTE SE DÁ NO FINAL
COM A AUSÊ NCIA DE “E MORREU” PARA DIZER: “ANDOU
ENOQUE COM DEUS E JÁ NÃ O ERA, PORQUE DEUS O TOMOU
PARA SI”. NÃ O BASTOU AO TEXTO INFORMAR O
RELACIONAMENTO DE ENOQUE COM DEUS – AO QUAL O AUTOR
DE HEBREUS, CONFORME TAMBÉ M O FAZ A SEPTUAGINTA, DIZ
TER ENOQUE “AGRADADO A DEUS” (HB 11.5). O TEXTO
FRISOU O FATO DE ENOQUE TER SIDO TOMADO POR DEUS SEM
SER ACOMETIDO PELA MORTE.
É CERTO QUE NEM TODOS OS SERVOS DE DEUS FORAM
TRASLADADOS – NA VERDADE, FORAM SOMENTE DOIS. ESSE FOI
UM CASO ESPECIAL NO QUAL PODEMOS SUPOR QUE DEUS TINHA
UM PROPÓ SITO BEM DEFINIDO. DIANTE DA LISTA DE MORTE DE
GÊ NESIS 5, A IDEIA FORMADA PELO BREVE RELATO DO
ARREBATAMENTO DE ENOQUE PARECE TRANSMITIR QUE,
APESAR DO PECADO E DOS SEUS EFEITOS, “ANDAR COM DEUS” É
SEGUIR O SENTIDO OPOSTO DA REBELDIA QUE GEROU A MORTE
POR CONSEQUÊ NCIA. [214]
FELIZMENTE, A PROGRESSIVIDADE DA REVELAÇÃ O FEZ COM
QUE O CONCEITO DE “ANDAR COM DEUS” PASSASSE A SER
DEFINIDO EM QUALIDADES CLARAS NOS SERVOS DE DEUS QUE
EXPERIMENTARAM TAL REALIDADE. VÊ -SE UM AVANÇO LOGO A
SEGUIR, NA PESSOA DE NOÉ , ATRELANDO O CONCEITO À
JUSTIÇA E À INTEGRIDADE: “EIS A HISTÓ RIA DE NOÉ . NOÉ ERA
HOMEM JUSTO E ÍNTEGRO ENTRE OS SEUS CONTEMPORÂ NEOS;
NOÉ ANDAVA COM DEUS (GN 6.9 – DESTAQUE MEU). SIGNIFICA
QUE NOÉ DESPONTAVA COMO O MELHOR ELEMENTO DE UMA
GERAÇÃ O MÁ , UM HOMEM DE DEUS NOTAVELMENTE
COMPLETO. [215]
ISSO NÃ O TORNOU NOÉ MERECEDOR DE RECOMPENSAS DIVINAS
(GN 6.8), MAS O TORNOU UM HOMEM CUJA VIDA ERA
FUNDAMENTALMENTE DIFERENTE DAQUELA QUE DEUS
REPROVOU NA SOCIEDADE DOS SEUS DIAS QUE TROUXE A ELES
O JUÍZO EM FORMA DE DILÚ VIO. PARA SE TER UMA IDEIA DO
MODO DE VIVER DA NOÉ PERANTE O SENHOR, AS PALAVRAS
QUE O QUALIFICAM ESTÃ O TAMBÉ M PRESENTES NO LIVRO DE
PROVÉ RBIOS, MOSTRANDO SEU EFEITO PRÁ TICO: “A JUSTIÇA DO
ÍNTEGRO ENDIREITA O SEU CAMINHO ” (PV 11.5 – DESTAQUE
MEU). PARA OSEIAS, A CONCLUSÃ O NATURAL ERA QUE “OS
CAMINHOS DO SENHOR SÃ O RETOS, E OS JUSTOS ANDARÃO
NELES (OS 14.9 – DESTAQUE MEU). PODEMOS VER, COMO
CONSEQUÊ NCIA, O DESPONTAR DA “SANTIFICAÇÃ O” QUE UNE E
IDENTIFICA OS SERVOS DE DEUS COM SEU SENHOR.
NO ANTIGO TESTAMENTO, DEUS ESTABELECEU UM VÍNCULO ENTRE SUA SANTIDADE E A SANTIDADE DE SEU POVO. O PLANO DE REDENÇÃ O TEM
COMO ALVO DESFAZER O ESTRAGO DA QUEDA E RENOVAR A IMAGEM DE DEUS NO SER HUMANO. NATURALMENTE, ISTO INSINUA QUE O POVO
ESCOLHIDO E REDIMIDO SERÁ TRANSFORMADO E SEPARADO PARA, NOVAMENTE, REFLETIR ESSA IMAGEM. QUANDO DEUS EXIGE SANTIDADE DO SEU
POVO ESTA É A RAZÃ O: “... SANTOS SEREIS, PORQUE EU, O SENHOR, VOSSO DEUS, SOU SANTO. [...] EU SOU O SENHOR, VOSSO DEUS” (LV 19.2,4).
[216]
A MESMA PALAVRA HEBRAICA QUE DEFINE A “INTEGRIDADE”
DE NOÉ É UTILIZADA POR DEUS PARA CHAMAR ABRAÃ O A SER
ALGUÉ M “PERFEITO”: “EU SOU O DEUS TODO-PODEROSO;
ANDA NA MINHA PRESENÇA E SÊ PERFEITO (GN 17.1B –
DESTAQUE MEU). A COMPARAÇÃ O DESSES DOIS TEXTOS COM O
DE NOÉ EVIDENCIA QUE TAL PERFEIÇÃ O NÃ O SIGNIFICA
AUSÊ NCIA DE FALHAS, MAS UM PROCEDIMENTO CORRETO E
VERDADEIRO, INGREDIENTE EXIGIDO NA COMUNHÃ O COM O
SENHOR.
A AMIZADE ENTRE DEUS E ABRAÃ O SE DEVEU, ALÉ M DA GRAÇA
DE DEUS, À RESPOSTA POSITIVA DE ABRAÃ O A ESTE CHAMADO
DIVINO, DE MODO A, NO FUTURO, TER PODIDO SE REFERIR AO
SENHOR CHAMANDO-LHE “O SENHOR, EM CUJA PRESENÇA EU
ANDO ” (GN 24.40 – DESTAQUE MEU). ESSA MESMA RETIDÃ O
FOI IMITADA POR ISAQUE DE TAL MODO QUE JACÓ SE REFERE
AOS DOIS COM RELAÇÃ O AO SEU PROCEDIMENTO DIANTE DO
SENHOR: “E ABENÇOOU A JOSÉ , DIZENDO: O DEUS EM CUJA
PRESENÇA ANDARAM MEUS PAIS ABRAÃO E ISAQUE (GN 48.15 –
DESTAQUE MEU).
A JUSTIÇA, RETIDÃ O, INTEGRIDADE E PERFEIÇÃ O, COMO
CARACTERÍSTICAS DE “ANDAR COM DEUS”, RECEBEM O
ACRÉ SCIMO DE OUTRAS QUALIDADES A PARTIR DA SAÍDA DOS
ISRAELITAS DO EGITO, POR MEIO DA CONDUÇÃ O DE MOISÉ S:
“ENTÃ O, DISSE O SENHOR A MOISÉ S: EIS QUE VOS FAREI
CHOVER DO CÉ U PÃ O, E O POVO SAIRÁ E COLHERÁ
DIARIAMENTE A PORÇÃO PARA CADA DIA , PARA QUE EU PONHA
À PROVA SE ANDA NA MINHA LEI OU NÃO (EX 16.4 – DESTAQUE
MEU). O TEXTO EM QUESTÃ O VISLUMBRA A NECESSIDADE DE
PROVISÃ O QUE O POVO DE ISRAEL PASSOU A TER NO DESERTO
(EX 16.1-3). VISLUMBRA TAMBÉ M A NECESSIDADE DE FÉ , POR
PARTE DOS ISRAELITAS, NA CAPACIDADE DE DEUS DE SUSTER O
POVO ELEITO QUE LIBERTOU DO EGITO. [217]
DIANTE DA NECESSIDADE, DEUS PASSOU A ENVIAR DO CÉ U O
MANÁ , UM TIPO DE SEMENTE COMO “DE COENTRO, BRANCO E
DE SABOR COMO BOLOS DE MEL” (EX 16.31). DIANTE DA
INFERTILIDADE DO LOCAL EM QUE OS ISRAELITAS ESTAVAM, O
PRIMEIRO IMPULSO DIANTE DE UM POUCO DE SUPRIMENTO ERA
APANHAR E ESTOCAR O MÁ XIMO POSSÍVEL, PREVENDO O
PRÓ XIMO ESTADO DE NECESSIDADE. CONTUDO, SEGUNDO A
ORIENTAÇÃ O DIVINA, ELES NÃ O DEVERIAM AGIR ASSIM. EM
LUGAR DISSO, TINHAM DE “ANDAR NA LEI DE DEUS” E COLHER
APENAS O QUE FOSSE NECESSÁ RIO PARA A ALIMENTAÇÃ O DA
FAMÍLIA NAQUELE DIA. O PRÓ XIMO DIA SERIA SUPRIDO POR
UMA NOVA COLHEITA DO MANÁ .
ISSO ACONTECERIA DIARIAMENTE, COM EXCEÇÃ O DO DIA
ANTERIOR AO SÁ BADO, QUANDO RECOLHIAM O DOBRO, POIS, NO
SÁ BADO, NÃ O HAVERIA MANÁ : “EIS O QUE O SENHOR VOS
ORDENOU: COLHEI DISSO CADA UM SEGUNDO O QUE PODE
COMER, UM GÔ MER POR CABEÇA, SEGUNDO O NÚ MERO DE
VOSSAS PESSOAS; CADA UM TOMARÁ PARA OS QUE SE ACHAREM
NA SUA TENDA” (EX 16.16).
DIANTE DESSA ORDEM E DO PANORAMA DESÉ RTICO AO REDOR,
“ANDAR NA LEI DE DEUS” ENVOLVIA DUAS COISAS: A PRIMEIRA
ERA “OBEDIÊ NCIA” E A SEGUNDA, “CONFIANÇA”. ESSA ERA UMA
PROVA DADA POR DEUS PARA AVALIAR O MODO COMO O POVO
ANDAVA DIANTE DAS SUAS ORDENS (EX 16.4), COMPARADA À
POSTURA PRETENDIDA POR JESUS NA ORAÇÃ O QUE ENSINOU
AOS SEUS DISCÍPULOS, NA QUAL A DEPENDÊ NCIA DIÁ RIA ERA
ENFATIZADA – “O PÃ O NOSSO DE CADA DIA DÁ -NOS HOJE” (MT
6.11). [218]
ESSES DOIS FATORES SÃ O UNIDOS MAIS DE UMA VEZ PARA
DESCREVER O MODO DE ANDAR DESEJADO PELO SENHOR: “
ANDAREIS EM TODO O CAMINHO QUE VOS MANDA O SENHOR ,
VOSSO DEUS, PARA QUE VIVAIS, BEM VOS SUCEDA, E
PROLONGUEIS OS DIAS NA TERRA QUE HAVEIS DE POSSUIR ” (DT
5.33 – DESTAQUE MEU). A CONFIANÇA NO CUMPRIMENTO DA
PROMESSA DE LONGEVIDADE NA TERRA PRESSUPUNHA O
ACOLHIMENTO DA LEI DA ALIANÇA MOSAICA.
AINDA COMO PROVA DO AMOR DE ISRAEL, DEUS PEDE QUE
ELES “ANDEM APÓ S O SENHOR” EM MAIS UMA SITUAÇÃ O
EXTRAORDINÁ RIA QUE ERA O SURGIMENTO DE FALSOS
PROFETAS CUJOS SINAIS PROFÉ TICOS HOUVESSE SIDO
COMPROVADOS, MAS CUJA MENSAGEM FOSSE DE REBELDIA
CONTRA DEUS (DT 13.1,2). NEM MESMO A DEMONSTRAÇÃ O
DE PRODÍGIOS DEVERIA DISTANCIAR O POVO DO SEU DEUS.
TAIS SITUAÇÕ ES DEVERIAM SER RECONHECIDAS COMO UMA
PROVA DE DEUS PARA VERIFICAR O AMOR DOS ISRAELITAS POR
ELE (DT 13.3). ASSIM, O PROCEDIMENTO A SER ADOTADO ERA:
ANDAREIS APÓS O SENHOR , VOSSO DEUS, E A ELE TEMEREIS; GUARDAREIS OS SEUS MANDAMENTOS, OUVIREIS A SUA VOZ, A ELE SERVIREIS E A ELE
VOS ACHEGAREIS. ESSE PROFETA OU SONHADOR SERÁ MORTO, POIS PREGOU REBELDIA CONTRA O SENHOR, VOSSO DEUS, QUE VOS TIROU DA TERRA
DO EGITO E VOS RESGATOU DA CASA DA SERVIDÃ O, PARA VOS APARTAR DO CAMINHO QUE VOS ORDENOU O SENHOR, VOSSO DEUS, PARA ANDARDES
APRESENTA LEIS SOBRE DIFERENTES TIPOS DE SACRIFÍCIOS, SENDO QUE NEM TODOS SE REFEREM À EXPIAÇÃ O DE PECADOS. PARECE, ENTRETANTO,
QUE NOS SÉ CULOS POSTERIORES AO EXÍLIO BABILÔ NICO, A EXPIAÇÃ O PELOS PECADOS TORNOU-SE O PONTO CENTRAL DO SERVIÇO SACRIFICIAL. A
EXPIAÇÃ O PASSOU A SER CONSIDERADA A PRÓ PRIA RAZÃ O DE SER DO SERVIÇO DO TEMPLO.
[223]
CONTUDO, A LEI NÃ O É TÃ O INFÉ RTIL COMO PARECE NO
SENTIDO DE CRIAR COMUNHÃ O ENTRE DEUS E SEUS SERVOS.
ISSO NÃ O QUER DIZER QUE ALGUÉ M POSSA SER SALVO POR ELA,
NEM QUE HAJA CONTINUIDADE DOS ESTATUTOS DA LEI
MOSAICA DEPOIS DA OBRA DE CRISTO. O BENEFÍCIO VEM DOS
ENSINOS QUE ESTÃ O ALÉ M DOS ESTATUTOS. O APÓ STOLO
PAULO AJUDA A ACLARAR ESSA QUESTÃ O:
“PORQUANTO O QUE FORA IMPOSSÍVEL À LEI , NO QUE ESTAVA ENFERMA PELA CARNE, ISSO FEZ DEUS ENVIANDO O SEU PRÓ PRIO FILHO EM
SEMELHANÇA DE CARNE PECAMINOSA E NO TOCANTE AO PECADO; E, COM EFEITO, CONDENOU DEUS, NA CARNE, O PECADO, A FIM DE QUE O
PRECEITO DA LEI SE CUMPRISSE EM NÓS , QUE NÃ O ANDAMOS SEGUNDO A CARNE, MAS SEGUNDO O ESPÍRITO” (RM 8.3,4 – DESTAQUE MEU).
DEPOIS DE FALAR SOBRE “LIBERDADE DA LEI DO PECADO E DA
MORTE” (RM 8.2), PAULO DEMONSTRA SER ESSA UMA TAREFA
“IMPOSSÍVEL À LEI”, PELO QUE CRISTO TEVE DE ENCARNAR E
ASSUMIR SOBRE SI A CONDENAÇÃ O DO PECADO. AO FAZÊ -LO,
ALÉ M DE RETIRAR A CONDENAÇÃ O AOS QUE NELE ESTÃ O (RM
8.1), O “PRECEITO DA LEI SE CUMPRIU EM NÓ S”. CERTAMENTE,
ISSO NÃ O QUER DIZER QUE PASSAMOS A OBEDECER À LEI
MOSAICA. [224] FELIZMENTE, O CONTEXTO SUBSEQUENTE
EXPLICA O QUE ELE QUIS DIZER. ELE ANTEPÕ E “OS QUE SE
INCLINAM PARA A CARNE” COM OS QUE “SE INCLINAM PARA O
ESPÍRITO” (RM 8.5). AO FAZÊ -LO, DIZ QUE OS QUE SE
INCLINAM PARA A CARNE “NÃ O PODEM AGRADAR A DEUS” E
QUE SEU MODO DE VIVER GERA “INIMIZADE CONTRA DEUS”
(RM 8.6,7). SENDO ASSIM, OS QUE ESTÃ O NO ESPÍRITO
EXPERIMENTAM O CONTRÁ RIO.
TENDO O ANTIGO TESTAMENTO ASSENTADO AS BASES DO
MODO DE “ANDAR COM DEUS”, POR MEIO DE UM CARÁ TER
ÍNTEGRO, SUBMISSO E SANTIFICADO, O EFEITO DA OBRA DE
CRISTO DE FAZER CUMPRIR NOS SALVOS OS “PRECEITOS DA LEI”
EVIDENCIA NELES UM CARÁ TER TRANSFORMADO E NÃ O O
ASSENTIMENTO A REGRAS. SIGNIFICAVA MANTER A ATUAÇÃ O
DE FILHOS VERDADEIROS, OS QUAIS TINHAM DE IMITAR O MODO
DE AGIR DO PAI, O PRÓ PRIO DEUS. [225]
ELES [OS ISRAELITAS] DEVIAM SE CONSIDERAR COMO UM POVO SANTO – ISTO É , UM POVO SEPARADO POR YAHWEH –, MAS YAHWEH ERA UM DEUS
NÃ O APENAS INCOMPARAVELMENTE PODEROSO, MAS TAMBÉ M INCOMPARAVELMENTE RETO, MISERICORDIOSO E VERDADEIRO PARA COM SUA
PALAVRA FIEL. PORTANTO, HOMENS E MULHERES QUE ERAM SANTOS PARA ELE, SEPARADOS PARA ELE, DEVIAM REPRODUZIR ESSAS QUALIDADES EM
DO ANTIGO TESTAMENTO FORAM DADAS A UMA COMUNIDADE CULTURAL ESPECÍFICA. COMO JESUS É O CUMPRIMENTO DAS PROMESSAS FEITAS A
ISRAEL, TODAS AS LEIS DO ANTIGO TESTAMENTO TÊ M DE SER INTERPRETADAS PELA PERSPECTIVA DA PESSOA, DA OBRA E DO ENSINO DE CRISTO; E
TODAS PODEM SER INTRUSIVAS HOJE EM DIA PELOS PRINCÍPIOS QUE INCORPORAM (DESTAQUE MEU).
[227]
SE ISSO ÉVERDADE PARA A IGREJA DE HOJE, TANTO MAIS PARA
O POVO DA ALIANÇA. MESMO QUANDO TINHAM ESTATUTOS
LEGAIS A SEGUIR E OBEDECER, O “JUSTO PRECEITO” DA LEI
DEVERIA LEVÁ -LOS A “ANDAR COM DEUS” E TEREM COMUNHÃ O
COM ELE. NESSE ASPECTO, ASSIM QUE O SENHOR ENTROU EM
ALIANÇA COM OS ISRAELITAS NO SINAI (EX 19), TRATOU DE
LHES DAR ESTATUTOS (EX 20-24) CUJO CUMPRIMENTO
APONTAVA PARA A SANTIDADE E RETIDÃ O QUE O POVO DA
ALIANÇA DEVERIA PORTAR PARA SE RELACIONAR COM O DEUS
SANTO.
PODEMOS TOMAR, DE FORMA EXEMPLAR, O TEXTO DE Ê XODO
23.1-3: “NÃ O ESPALHARÁ S NOTÍCIAS FALSAS, NEM DARÁ S MÃ O
AO ÍMPIO, PARA SERES TESTEMUNHA MALDOSA. NÃ O SEGUIRÁ S
A MULTIDÃ O PARA FAZERES MAL; NEM DEPORÁ S, NUMA
DEMANDA, INCLINANDO-TE PARA A MAIORIA, PARA TORCER O
DIREITO. NEM COM O POBRE SERÁ S PARCIAL NA SUA
DEMANDA”. ATÉ UMA LEITURA RÁ PIDA DO TRECHO EM
QUESTÃ O FARÁ VER QUE NÃ O SE TRATA APENAS DE LEIS PARA
MEDIR A OBEDIÊ NCIA DO POVO, MAS REVELAÇÃ O DA PRÓ PRIA
JUSTIÇA DE DEUS. VÊ -SE O DESEJO DE DEUS DE QUE O HOMEM
SEJA VERDADEIRO E TENHA UMA PALAVRA CONFIÁ VEL, ALÉ M
DE NÃ O SE ASSOCIAR AOS PROPÓ SITOS E PRÁ TICAS DOS ÍMPIOS
(EX 23.6-9; LV 19.11,16; DT 16.19).
O TEXTO SEGUINTE ENCARECE A HONESTIDADE QUE SE DEVE
TER PARA COM AS PESSOAS E COM SEUS BENS, MESMO AS
PESSOAS COM QUEM NÃ O SE TINHA UM BOM RELACIONAMENTO:
“SE ENCONTRARES DESGARRADO O BOI DO TEU INIMIGO OU O
SEU JUMENTO, LHO RECONDUZIRÁ S. SE VIRES PROSTRADO
DEBAIXO DA SUA CARGA O JUMENTO DAQUELE QUE TE
ABORRECE, NÃ O O ABANDONARÁ S, MAS AJUDÁ -LO-Á S A ERGUÊ -
LO” (EX 23.4,5 – VER TAMBÉ M DT 22.1-4).
TAMBÉ M A VIDA É VALORIZADA NA LEI MOSAICA. O CONCEITO
DA PRESERVAÇÃ O DA VIDA E DA PUNIÇÃ O CAPITAL NOS CASOS
DE ASSASSINATO (GN 9.6) SURGE COMO ESTATUTO NA
COMUNIDADE ISRAELITA: “QUEM FERIR A OUTRO, DE MODO
QUE ESTE MORRA, TAMBÉ M SERÁ MORTO” (EX 21.12 – VER
TAMBÉ M LV 24.17; NM 35.16-24,30,31; DT 19.11-13).
PORÉ M, O SENHOR FEZ DIFERENÇA ENTRE O HOMICÍDIO
INTENCIONAL E O ACIDENTAL. PARA CASOS DE HOMICÍDIO
ACIDENTAL, DEUS CRIOU UMA MANEIRA DE PROTEGER DA
MORTE POR VINGANÇA O QUE SEM INTENÇÃ O MATOU ALGUÉ M:
“PORÉ M, SE NÃ O LHE ARMOU CILADAS, MAS DEUS LHE
PERMITIU CAÍSSE EM SUAS MÃ OS, ENTÃ O, TE DESIGNAREI UM
LUGAR PARA ONDE ELE FUGIRÁ ” (EX 21.13 – VER TAMBÉ M NM
35.11,22; DT 19.1-10).
A PRÓ PRIA VINGANÇA É PROIBIDA E, EM LUGAR DELA, O AMOR
É O SENTIMENTO QUE DEVERIA SER NUTRIDO, ALGO QUE O
PRÓ PRIO JESUS ENCARECEU: “NÃ O TE VINGARÁ S, NEM
GUARDARÁ S IRA CONTRA OS FILHOS DO TEU POVO; MAS
AMARÁ S O TEU PRÓ XIMO COMO A TI MESMO. EU SOU O
SENHOR” (LV 19.18). O FATO DE JESUS TER ASSOCIADO ESSE
ESTATUTO AO AMOR DEVIDO A DEUS E DIZER QUE DELES
“DEPENDEM TODA A LEI E OS PROFETAS” (MT 22.37-40), POR
SI SÓ DEMONSTRA O CARÁ TER SANTO DE DEUS QUE SE FAZ VER
POR MEIO DOS ESTATUTOS DA LEI MOSAICA.
É CERTO QUE NEM TODAS AS LEIS TRANSMITIAM COM TANTA
CLAREZA A RETIDÃ O E INTEGRIDADE QUE DEUS DESEJAVA VER
NOS SEUS SERVOS. CONTUDO, AINDA HOJE, EM TEMPOS NOS
QUAIS NÃ O ESTAMOS SUJEITOS À LEI, PODEMOS APRENDER
DELA SOBRE O CARÁ TER DE DEUS E SOBRE O “ANDAR” PURO
QUE DEVE SER O ALVO DOS QUE AMAM O SENHOR.
OS DEZ MANDAMENTOS
NO SENTIDO DE REVELAR O CARÁ TER SANTO E RETO DE DEUS E
DE EXPRESSAR AO HOMEM A JUSTIÇA QUE DEVE GUIAR SUA
VIDA, O “DECÁ LOGO” (EX 20.1-17) É UMA PARTE NOBRE DA
LEI, PRECEDENDO O “LIVRO DA ALIANÇA” (EX 20.22–23.33).
SUA FORMA PRIORIZA APRESENTAR PROIBIÇÕ ES, ISTO É ,
APARECEM NA FORMA NEGATIVA – OITO DOS DEZ
MANDAMENTOS [228] –, PROVAVELMENTE POR APONTAR
ONDE O RELACIONAMENTO COM DEUS ESTAVA SENDO
AFETADO.
CONTUDO, COMO LEI DE ESTATUTOS, SOFREU O MESMO EFEITO
QUE O RESTANTE DA LEI DEPOIS DA OBRA DE CRISTO. PAULO
CHEGA A ASSOCIAR O DECÁ LOGO – “GRAVADO COM LETRAS EM
PEDRA” – AO QUE ELE CHAMA DE “MINISTÉ RIO DA MORTE”
(2CO 3.7) E DE “MINISTÉ RIO DA CONDENAÇÃ O” (2CO 3.9),
AFIRMANDO QUE SUA GLÓ RIA NÃ O SE COMPARA AO
“MINISTÉ RIO DO ESPÍRITO” E DA “JUSTIÇA” (2CO 3.8,9).
ENTRETANTO, SE COMO ESTATUTO LEGAL, ELE, COM O
RESTANTE DA LEI, CONDENA O HOMEM, COMO EXEMPLO IDEAL
DE “PRECEITO JUSTO”, APROXIMA O SERVO DE DEUS,
JUSTIFICADO PELA FÉ , DA COMUNHÃ O E DA INTIMIDADE COM O
SENHOR.
O PRIMEIRO MANDAMENTO REVELA QUE DEUS É Ú NICO E QUE
QUER SER TRATADO COMO DEUS Ú NICO: “ENTÃ O, FALOU DEUS
TODAS ESTAS PALAVRAS: EU SOU O SENHOR, TEU DEUS, QUE TE
TIREI DA TERRA DO EGITO, DA CASA DA SERVIDÃ O. NÃ O TERÁ S
OUTROS DEUSES DIANTE DE MIM” (EX 20.1-3). ELE NÃ O FAZ
PARTE DE UM PANTEÃ O. NÃ O É O MAIORAL ENTRE MUITOS
DEUSES. ELE NÃ O É O MAIS DIGNO ENTRE MUITOS SERES
VENERÁ VEIS. ELE É O Ú NICO E, ASSIM SENDO, DEVE RECEBER
ADORAÇÃ O E HONRA EXCLUSIVAS.
NÃ O HÁ ESPAÇO PARA A VENERAÇÃ O DE OUTRAS ENTIDADES
COMO ANJOS, FORÇAS NATURAIS, SERES INTERCESSORES OU
GRANDES SERVOS DO PASSADO QUE JÁ MORRERAM. POR ISSO,
NO PASSADO DEUS NÃ O ACEITOU DIVIDIR A ADORAÇÃ O COM
BAAL (1RS 19.18; 22.54), ASTAROTE (JZ 2.13-15), BAAL-
PEOR (NM 25.3-5), MOLOQUE (LV 18.21), MILCOM (1RS
11.5,6), QUEMOS (1RS 11.7,33), OU UM POSTE-ÍDOLO (1RS
16.33), NEM QUANDO ELES ERAM VISTOS COMO SUBALTERNOS
DO SENHOR. PELA MESMA RAZÃ O, HOJE ELE NÃ O ACEITA
DIVIDIR SUA HONRA E VENERAÇÃ O COM PESSOAS QUE O
SERVIRAM NO PASSADO COMO CRIATURAS QUE ERAM (AT
14.12-15).
OS QUE PERTENCEM A DEUS DEVEM EMPREGAR A VIDA PARA
HONRAR UNICAMENTE O SEU CRIADOR, COM A MENTE
EXCLUSIVAMENTE LIGADA À SUA ADORAÇÃ O, [229] POIS ESSA
É SUA FUNÇÃ O: “POVO QUE FORMEI PARA MIM, PARA CELEBRAR
O MEU LOUVOR ” (IS 43.21 – DESTAQUE MEU). JESUS REFLETIU
O DESEJO DIVINO DE EXCLUSIVIDADE AO DIZER: “NINGUÉ M
PODE SERVIR A DOIS SENHORES; PORQUE OU HÁ DE
ABORRECER-SE DE UM E AMAR AO OUTRO, OU SE DEVOTARÁ A
UM E DESPREZARÁ AO OUTRO. NÃ O PODEIS SERVIR A DEUS E À S
RIQUEZAS” (MT 6.24).
O SEGUNDO MANDAMENTO TEM RELAÇÃ O COM O MODO QUE O
HOMEM CULTUA O SENHOR: “NÃ O FARÁ S PARA TI IMAGEM DE
ESCULTURA, NEM SEMELHANÇA ALGUMA DO QUE HÁ EM CIMA
NOS CÉ US, NEM EMBAIXO NA TERRA, NEM NAS Á GUAS DEBAIXO
DA TERRA. NÃ O AS ADORARÁ S, NEM LHES DARÁ S CULTO;
PORQUE EU SOU O SENHOR, TEU DEUS, DEUS ZELOSO, QUE
VISITO A INIQUIDADE DOS PAIS NOS FILHOS ATÉ À TERCEIRA E
QUARTA GERAÇÃ O DAQUELES QUE ME ABORRECEM E FAÇO
MISERICÓ RDIA ATÉ MIL GERAÇÕ ES DAQUELES QUE ME AMAM E
GUARDAM OS MEUS MANDAMENTOS” (EX 20.4-6). JÁ
TRATAMOS ESSE ASSUNTO NO CAPÍTULO SOBRE A CRIAÇÃ O
QUANDO DISSEMOS O QUE NÃ O SIGNIFICA A IMAGEM DE DEUS.
CONTUDO, PODEMOS ACRESCENTAR QUE ESSE MANDAMENTO É
UMA EXPRESSÃ O DO DESEJO DIVINO DE SER ADORADO
CORRETAMENTE, SEM QUE O MEIO DE CULTO O REDUZA, SEJA
POR MEIO DE IMAGENS QUE LHE IMPÕ E LIMITES (LV 26.1),
SEJA POR MEIO DA IDENTIFICAÇÃ O OU DA PRÁ TICA DOS CULTOS
DE FALSOS DEUSES (JS 23.6,7). VISTO QUE DEUS NÃ O SE
APRESENTOU SOB NENHUMA FORMA, NENHUMA FORMA
PODERIA RETRATÁ -LO (DT 4.15-19), JÁ QUE NENHUMA
SEMELHANÇA – INCLUINDO A FORMA HUMANA – SERIA
ADEQUADA E CADA TIPO DE REPRESENTAÇÃ O PRODUZIRIA UM
TIPO DIFERENTE DE FALSA COMPREENSÃ O DE DEUS. [230]
O TERCEIRO MANDAMENTO IMPEDIA QUE OS HOMENS
DESONESTOS ENCONTRASSEM NO NOME DE DEUS UM FIADOR
PARA SUA PALAVRA FALHA: “NÃ O TOMARÁ S O NOME DO
SENHOR, TEU DEUS, EM VÃ O, PORQUE O SENHOR NÃ O TERÁ
POR INOCENTE O QUE TOMAR O SEU NOME EM VÃ O” (EX 20.7).
A MÁ COMPREENSÃ O DESSE MANDAMENTO FEZ COM QUE, MAIS
TARDE, SE TORNASSE UMA PRÁ TICA JUDAICA A SUPRESSÃ O DO
NOME DE DEUS, DIZENDO-SE NO LUGAR “SENHOR” OU “O NOME
DO SENHOR”. O DESENVOLVIMENTO DE TAL COMPREENSÃ O FAZ
COM QUE ATÉ MESMO A PALAVRA “DEUS” SEJA EVITADA E,
COMO SE VÊ ATUALMENTE, SUBSTITUÍDA POR ALTERAÇÕ ES
FORÇADAS DE CARACTERES, COMO “D’US”.
REALMENTE, NÃ O É ESSE O RESULTADO DA OBEDIÊ NCIA AO
TERCEIRO MANDAMENTO, VISTO QUE O NOME DO SENHOR FOI
CONSTANTEMENTE UTILIZADO PELOS ESCRITORES DO ANTIGO
TESTAMENTO, COMO NA FREQUENTE FÓ RMULA: “ASSIM DIZ O
SENHOR”. [231] O QUE É TRADUZIDO POR SENHOR, NESSES
CASOS, NÃ O É A PALAVRA HEBRAICA “ADONAI” (SENHOR), MAS
O TETRAGRAMA, A PALAVRA “JAVÉ ”. NO CASO DOS PROFETAS
DE DEUS, USAR A FÓ RMULA “ASSIM DIZ O SENHOR” ANTES DE
PRONUNCIAR SUAS PALAVRAS, CONFERIA A ELAS NÃ O SÓ A
AUTORIA DIVINA, MAS TAMBÉ M A DEVIDA AUTORIDADE SOBRE
OS OUVINTES E A CREDIBILIDADE DO PROFETA. DESSE MODO,
NÃ O ERA PROIBIDO USAR O NOME DE DEUS, MAS USAR O NOME
DE DEUS “EM VÃ O”.
DIANTE DISSO, O SENTIDO QUE RECAI SOBRE ESSE
MANDAMENTO É O DESEJO DE DEUS DE NÃ O VER SEU NOME E
SUA DIGNIDADE USADA A FIM DE DAR CREDIBILIDADE A
DECLARAÇÕ ES HUMANAS FALSAS, OU A FALSOS JURAMENTOS.
JURAR NÃ O ERA UMA PRÁ TICA PROIBIDA NO ANTIGO
TESTAMENTO. DAVI DIZ QUE AQUELE QUE TEME O SENHOR
“JURA COM DANO PRÓ PRIO E NÃ O SE RETRATA” (SL 15.4). O
MOTIVO DE ELE NÃ O SE RETRATAR É PORQUE ELE NÃ O PRECISA
FAZÊ -LO, POIS NÃ O FALTA COM SUA PALAVRA.
OUTRO TIPO DE JURAMENTO FREQUENTEMENTE VISTO É A
FÓ RMULA “TÃ O CERTO COMO VIVE O SENHOR”, [232] COMO,
POR EXEMPLO, O FAZ O PROFETA MICAÍAS QUE, AO SER
CHAMADO À PRESENÇA DO REI ACABE, JUROU: “RESPONDEU
MICAÍAS: TÃO CERTO COMO VIVE O SENHOR , O QUE O SENHOR
ME DISSER, ISSO FALAREI” (1RS 22.14). ISSO É QUASE COMO
SE ELE DISSESSE “ JURO PELO NOME DO SENHOR , O QUE O
SENHOR ME DISSER, ISSO FALAREI”.
POR OUTRO LADO, DIZER ALGO DESSE TIPO SEM REPRESENTAR
A VERDADE OU SEM A INTENÇÃ O DE CUMPRIR O QUE FOI DITO,
ERA UM SÉ RIO PECADO: “NEM JURAREIS FALSO PELO MEU
NOME, POIS PROFANARÍEIS O NOME DO VOSSO DEUS . EU SOU O
SENHOR” (LV 19.12). A PALAVRA HEBRAICA TRADUZIDA
COMO “PROFANAR” TAMBÉ M TEM O SENTIDO DE POLUIR,
CONTAMINAR, VIOLAR A HONRA E TRATAR COMO SE FOSSE
ALGO COMUM. SE LEVÍTICO PREVIA A POSSIBILIDADE DE
ALGUÉ M FAZER UM FALSO JURAMENTO PELO NOME DO SENHOR,
JEREMIAS DETECTA ESSE PECADO NOS DIAS DE REINADO DO REI
JOSIAS. DEPOIS DE DIZER QUE NÃ O HAVIA JUSTOS NAS RUAS E
PRAÇAS DE JERUSALÉ M, ELE COMPLETA: “EMBORA DIGAM: TÃO
CERTO COMO VIVE O SENHOR , CERTAMENTE, JURAM FALSO ” (JR
5.2 – DESTAQUE MEU).
UM SÉ CULO ANTES, ISAÍAS DENUNCIOU O MESMO DESVIO:
“OUVI ISTO, CASA DE JACÓ , QUE VOS CHAMAIS PELO NOME DE
ISRAEL E SAÍSTES DA LINHAGEM DE JUDÁ , QUE JURAIS PELO
NOME DO SENHOR E CONFESSAIS O DEUS DE ISRAEL, MAS NÃO
EM VERDADE NEM EM JUSTIÇA ” (IS 48.1 – DESTAQUE MEU). O
PROFETA ZACARIAS ABORDA O ASSUNTO E ASSOCIA TAL
PECADO AO JUÍZO DE DEUS:
ENTÃ O, ME DISSE: ESTA É A MALDIÇÃ O QUE SAI PELA FACE DE TODA A TERRA, PORQUE QUALQUER QUE FURTAR SERÁ EXPULSO SEGUNDO A
MALDIÇÃ O, E QUALQUER QUE JURAR FALSAMENTE SERÁ EXPULSO TAMBÉ M SEGUNDO A MESMA. FÁ -LA-EI SAIR, DIZ O SENHOR DOS EXÉ RCITOS, E A
FAREI ENTRAR NA CASA DO LADRÃ O E NA CASA DO QUE JURAR FALSAMENTE PELO MEU NOME ; NELA, PERNOITARÁ E CONSUMIRÁ A SUA MADEIRA E
UMA SEGUNDA OCORRÊ NCIA DESSE PECADO ERA TENTAR SE
UTILIZAR DELE PARA OBTER VANTAGENS PESSOAIS POR MEIOS
SOBRENATURAIS LIGADOS AO NOME DE DEUS. COMO OS NOMES
NO ORIENTE MÉ DIO ANTIGO DESCREVIAM ATRIBUTOS,
CARÁ TER E DESTINO DOS INDIVÍDUOS, COMO ACONTECE NO
CASO DO PRÓ PRIO SENHOR (EX: EX 23.20,21; 1RS 8.33; SL
54.3), O USO DO NOME DIVINO A FIM DE MANIPULÁ -LO
CONSTITUÍA O EQUIVALENTE AO SACRILÉ GIO. [233]
CERTAMENTE, A HONRA DO SENHOR NÃ O ACEITA QUE SEU
NOME SEJA TOMADO COMO ALGO COMUM E SEM VALOR, UM
JOGUETE NA MÃ O DE SALAFRÁ RIOS E MANIPULADORES.
UTILIZÁ -LO PARA FAZER OUTROS CREREM EM UMA MENTIRA
OU PARA OBTER RESULTADOS MÁ GICOS É IMPENSÁ VEL.
O QUARTO MANDAMENTO FALA DO SÁ BADO, SÉ TIMO DIA DA
SEMANA, O MESMO DIA EM QUE O SENHOR DESCANSOU DA SUA
OBRA CRIATIVA: “LEMBRA-TE DO DIA DE SÁ BADO, PARA O
SANTIFICAR. SEIS DIAS TRABALHARÁ S E FARÁ S TODA A TUA
OBRA. MAS O SÉ TIMO DIA É O SÁ BADO DO SENHOR, TEU DEUS;
NÃ O FARÁ S NENHUM TRABALHO, NEM TU, NEM O TEU FILHO,
NEM A TUA FILHA, NEM O TEU SERVO, NEM A TUA SERVA, NEM
O TEU ANIMAL, NEM O FORASTEIRO DAS TUAS PORTAS PARA
DENTRO; PORQUE, EM SEIS DIAS, FEZ O SENHOR OS CÉ US E A
TERRA, O MAR E TUDO O QUE NELES HÁ E, AO SÉ TIMO DIA,
DESCANSOU; POR ISSO, O SENHOR ABENÇOOU O DIA DE SÁ BADO
E O SANTIFICOU” (EX 20.8-11).
O SÁ BADO, QUE COMEÇAVA NO INÍCIO DA NOITE DA NOSSA
SEXTA-FEIRA E TERMINAVA NO FINAL DO DIA SEGUINTE, ERA
UMA OBRIGAÇÃ O DOS JUDEUS NA SUA CONDIÇÃ O DE POVO
SANTO DE DEUS, SEPARADO PARA EXECUTAR SEUS DECRETOS E
PROMOVER O LOUVOR DA SUA GLÓ RIA.
PORÉ M, ENQUANTO O NOVO TESTAMENTO REAFIRMA OS
“PRECEITOS JUSTOS” CONTIDOS EM NOVE DOS DEZ
MANDAMENTOS (1CO 8.6; RM 1.22,23; TG 5.12; EF 6.1-3;
1JO 3.15; HB 13.4; EF 4.28; TG 4.11; HB 13.5), A GUARDA
DO SÁ BADO É UMA QUESTÃ O BASTANTE SENSÍVEL, JÁ QUE OS
QUE QUERIAM GUARDAR OS DIAS E FESTAS OBSERVADAS NO
ANTIGO TESTAMENTO RECEBERAM UMA DURA REPRIMENDA DO
APÓ STOLO:
MAS AGORA QUE CONHECEIS A DEUS OU, ANTES, SENDO CONHECIDOS POR DEUS, COMO ESTAIS VOLTANDO, OUTRA VEZ, AOS RUDIMENTOS FRACOS E
POBRES, AOS QUAIS, DE NOVO, QUEREIS AINDA ESCRAVIZAR-VOS? GUARDAIS DIAS , E MESES, E TEMPOS, E ANOS. RECEIO DE VÓ S TENHA EU
PAULO AINDA DIZ QUE A GUARDA DE DIAS NÃ O ERA RAZÃ O
PARA ALGUÉ M SER AVALIADO COMO UM CRENTE MELHOR – E
VICE-VERSA – PORQUE QUE TAIS GUARDAS APONTAVAM PARA
REALIDADES FUTURAS QUE SE CUMPRIRIAM EM CRISTO. DO
MESMO MODO QUE A SOMBRA EM UMA PAREDE NÃ O MAIS SE VÊ
QUANDO AQUILO QUE A PRODUZ SE UNE À PAREDE, PARA
PAULO A VINDA DE CRISTO REALIZOU O QUE AS PROIBIÇÕ ES DE
ALIMENTOS E A GUARDA DO SÁ BADO E DAS FESTAS JUDAICAS
APONTAVAM, ANULANDO, ASSIM, TANTO SUAS FUNÇÕ ES COMO
SUA VALIDADE: “NINGUÉ M, POIS, VOS JULGUE POR CAUSA DE
COMIDA E BEBIDA, OU DIA DE FESTA, OU LUA NOVA, OU
SÁBADOS , PORQUE TUDO ISSO TEM SIDO SOMBRA DAS COISAS
QUE HAVIAM DE VIR ; PORÉ M O CORPO É DE CRISTO” (CL
2.16,17).
POR ESSA RAZÃ O, NEM MESMO A MUDANÇA DA GUARDA DO
SÁ BADO PARA O DOMINGO É CAPAZ DE DESVIAR O CRISTÃ O QUE
SE COLOCA DEBAIXO DA LEI MOSAICA DAS DURAS REPREENSÕ ES
POR INVALIDAR A OBRA DO ESPÍRITO (GL 1.6; 3.2,3). NA
VERDADE, APESAR DE A LEI DO ANTIGO TESTAMENTO SER UM
ENSINO BEM CONHECIDO DA IGREJA, PAULO CHAMA A
APRESENTAÇÃ O DA MENSAGEM LEGALISTA NA IGREJA DE
“OUTRO EVANGELHO” (GL 1.8,9). [234]
DIANTE DA REJEIÇÃ O NEOTESTAMENTÁ RIA DA GUARDA DE UM
DIA COMO CUMPRIMENTO DE UM ESTATUTO LEGAL DA LEI
MOSAICA, A PERGUNTA NATURAL É : “SERÁ QUE NÃ O HÁ ALGUM
‘PRECEITO JUSTO’ QUE TRANSPAREÇA NO QUARTO
MANDAMENTO ?”. A RESPOSTA NÃ O É DIFÍCIL DE NOTAR, POIS
AS DUAS MENÇÕ ES DESSE MANDAMENTO APRESENTAM O
“DESCANSO” COMO VALOR A SER CONSIDERADO. EM Ê XODO
20.11, A RAZÃ O DADA PARA O DESCANSO DE TODA A CASA DOS
ISRAELITAS ERA O EXEMPLO DE DEUS AO CRIAR O UNIVERSO EM
SEIS DIAS E DESCANSAR NO SÁ BADO. EM DEUTERONÔ MIO 5.15,
A RAZÃ O ERA A LEMBRANÇA DE QUE OS ISRAELITAS HAVIAM
SIDO ESCRAVOS NO EGITO E O SENHOR OS HAVIA LIBERTADO E
ALIVIADO DA CARGA DE TRABALHOS FORÇADOS. O DESCANSO E
NÃ O A CERIMÔ NIA É O QUE ESSE DOIS TEXTOS ENFATIZAM:
“PARA QUE O TEU SERVO E A TUA SERVA DESCANSEM COMO TU”
(DT 5.14 – DESTAQUE MEU).
O LIVRO DE HEBREUS FAZ A MESMA RELAÇÃ O ENTRE O QUARTO
MANDAMENTO E O DESCANSO: “PORQUE, EM CERTO LUGAR,
ASSIM DISSE, NO TOCANTE AO SÉ TIMO DIA: E DESCANSOU
DEUS, NO SÉTIMO DIA, DE TODAS AS OBRAS QUE FIZERA . E
NOVAMENTE, NO MESMO LUGAR: NÃO ENTRARÃO NO MEU
DESCANSO ” (HB 4.4,5 – DESTAQUE MEU). ESSA ASSOCIAÇÃ O
DO AUTOR DE HEBREUS TEM A VER COM A PUNIÇÃ O DIVINA À
REBELDIA E INCREDULIDADE ISRAELITAS QUE, DIANTE DO
RELATO DOS ESPIAS ENVIADOS A CANAÃ , SE NEGARAM A
TOMAR A TERRA (NM 14). HEBREUS 4.5 É UMA CITAÇÃ O DO
SALMO 95.11, ONDE O TEXTO É APLICADO À LEMBRANÇA DE
QUE O POVO REBELDE PERMANECEU QUARENTA ANOS NO
DESERTO (SL 95.10 CF. NM 14.23,28-30).
DIANTE DISSO, É INTERESSANTE NOTAR AS PALAVRAS DE JOSUÉ
À GERAÇÃ O SEGUINTE QUE, DE FATO, ENTROU NA TERRA E A
DOMINOU: “LEMBRAI-VOS DO QUE VOS ORDENOU MOISÉ S,
SERVO DO SENHOR, DIZENDO: O SENHOR, VOSSO DEUS, VOS
CONCEDE DESCANSO E VOS DÁ ESTA TERRA ” (JS 1.13 –
DESTAQUE MEU). DESCANSO FÍSICO E COMUNHÃ O COM DEUS
SÃ O AS FACES DO “PRECEITO JUSTO” CONTIDO NO QUARTO
MANDAMENTO E, POR ISSO, DEVEM SER VALORIZADOS E
BUSCADOS PELA IGREJA DE HOJE. CONTUDO, ISSO NÃ O DEVE SER
FEITO POR MEIO DO ESTATUTO LEGAL, AINDA QUE SE MUDE SEU
FORMATO DO SÁ BADO PARA OUTRO DIA DA SEMANA.
O QUINTO MANDAMENTO VISLUMBRA O RELACIONAMENTO DOS
FILHOS COM SEUS PAIS: “HONRA TEU PAI E TUA MÃ E, PARA QUE
SE PROLONGUEM OS TEUS DIAS NA TERRA QUE O SENHOR, TEU
DEUS, TE DÁ ” (EX 20.12). O CAPÍTULO SEGUINTE APONTA O
CAMINHO CONTRÁ RIO E O RESULTADO DE SEGUI-LO: “QUEM
FERIR SEU PAI OU SUA MÃ E SERÁ MORTO. [...] QUEM
AMALDIÇOAR SEU PAI OU SUA MÃ E SERÁ MORTO” (EX
21.15,17). O QUE PARECE SER ENFATIZADO NA ORDEM DE
HONRAR É , EM PRIMEIRO LUGAR, DEMONSTRAR O DEVIDO
RESPEITO TANTO PELA IDADE DOS PAIS COMO PELA SABEDORIA
E CONHECIMENTO QUE ELES ADQUIRIRAM DURANTE A VIDA (LV
19.3,32 – VER TAMBÉ M DT 21.18-21; 27.16). EM SEGUNDO
LUGAR, RESPEITAR A HIERARQUIA FUNCIONAL DADA POR DEUS
NA ESTRUTURA FAMILIAR, VISTO QUE A OBEDIÊ NCIA AOS PAIS É
ATRELADA À OBEDIÊ NCIA A DEUS: “FILHOS, OBEDECEI A
VOSSOS PAIS NO SENHOR, POIS ISTO É JUSTO” (EF 6.1). [235]
JUNTO COM A INSTRUÇÃ O DE HONRAR OS PAIS, SEGUE O
RESULTADO DE FAZÊ -LO: “PARA QUE SE PROLONGUEM OS TEUS
DIAS NA TERRA QUE O SENHOR, TEU DEUS, TE DÁ ”. ESSA PARTE
É ENFATIZADA COMO UMA PROMESSA MESMO NO NOVO
TESTAMENTO (EF 6.1-3). MAS NÃ O FICA CLARO SE O QUE
ESTÁ EM VOGA É UMA CONCESSÃ O DIVINA DE LONGEVIDADE, OU
SE O FATO DE ACEITAR A DIREÇÃ O DOS PAIS PRODUZIRIA UM
CAMINHAR SÁ BIO QUE TENDERIA A PROLONGAR A VIDA DOS
FILHOS LIVRANDO-OS DOS CAMINHOS PERIGOSOS. AO QUE TUDO
INDICA, A SEGUNDA OPÇÃ O É PREFERÍVEL, AINDA QUE NÃ O
EXCLUA A PRIMEIRA, POR ENCONTRAR RESPALDO ESPECÍFICO
NO ENSINO DO ANTIGO TESTAMENTO.
UM EXEMPLO DISSO SÃ O AS PALAVRAS SÁ BIAS DE SALOMÃ O AO
SEU FILHO, EM PROVÉ RBIOS: “FILHO MEU, OUVE O ENSINO DE
TEU PAI E NÃ O DEIXES A INSTRUÇÃ O DE TUA MÃ E. PORQUE
SERÃ O DIADEMA DE GRAÇA PARA A TUA CABEÇA E COLARES,
PARA O TEU PESCOÇO” (PV 1.8,9). O QUE É APENAS CITADO NO
INÍCIO DO LIVRO É DESENVOLVIDO AO LONGO DE TODO O
QUARTO CAPÍTULO. ENTRE AS INSTRUÇÕ ES RELATIVAS AO
ACOLHIMENTO DO ENSINO PATERNO, SALOMÃ O APONTA PARA
O FILHO OS BENEFÍCIOS QUE ELE COLHERIA: “NÃ O DESAMPARES
A SABEDORIA, E ELA TE GUARDARÁ ; AMA-A, E ELA TE
PROTEGERÁ . [...] OUVE, FILHO MEU, E ACEITA AS MINHAS
PALAVRAS, E SE TE MULTIPLICARÃO OS ANOS DE VIDA ” (PV
4.6,10). SEGUNDO SALOMÃ O, SEGUIR A “SABEDORIA”
TRANSMITIDA PELO PAI – MODO DE HONRAR OS PROGENITORES
– IMPLICAVA UM ANDAR SÁ BIO QUE LIVRARIA O FILHO DE
ARMADILHAS E DE DANOS.
O SEXTO MANDAMENTO PROÍBE O ASSASSINATO: “NÃ O
MATARÁ S” (EX 20.13). ESSE IMPORTANTE CONCEITO DA LEI
MOSAICA FOI AFIRMADO POR DEUS, NA FORMA DE UM
“PRECEITO JUSTO” VOLTADO A PRESERVAR A VIDA HUMANA,
MUITO TEMPO ANTES DA PRÓ PRIA INSTITUIÇÃ O DA LEI, NOS
DIAS DE NOÉ : “SE ALGUÉ M DERRAMAR O SANGUE DO HOMEM,
PELO HOMEM SE DERRAMARÁ O SEU; PORQUE DEUS FEZ O
HOMEM SEGUNDO A SUA IMAGEM” (GN 9.6). “DERRAMAR
SANGUE”, NESSE TEXTO, NÃ O É DESIGNAÇÃ O DO MERO
RESULTADO DE UM CORTE, MAS SE TRATA DE UMA SINÉ DOQUE
PARA A MORTE EM SI. A RAZÃ O DADA POR DEUS PARA A PROIBIÇÃ O DO
ASSASSINATO É A DIGNIDADE DA VIDA HUMANA POR TER SIDO CRIADA À
IMAGEM DE DEUS.
Surpreendentemente, a puniçã o para a morte de um homem é a
morte do homem que o matou. Isso revela o fato de que as mortes
sã o tratadas distintamente no Antigo Testamento. Tomando como
modelo o texto de Gênesis 9.6, a primeira morte – o assassinato –
era condená vel. Já , a segunda – a morte punitiva – nã o somente era
aprovada como, também, ordenada por Deus.
O apó stolo Paulo parece ter validado esse princípio ao dizer que a
funçã o das autoridades era punir os homens que agem mal. Quando
tais homens dã o motivos para a puniçã o, diz Paulo: “Se fizeres o mal,
teme; porque nã o é sem motivo que ela traz a espada; pois é
ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm
13.4). “Trazer a espada” faz referência à força do Estado e, também,
à pena capital. O notá vel na afirmaçã o paulina é o fato de que, ao
exercer força, o Estado age como “ministro de Deus”, [236]
aproximando esse princípio do que é encontrado no Antigo
Testamento.
Os casos de homicídio também eram distinguidos por Deus entre
“morte intencional” e “morte nã o intencional”. As mortes nã o
intencionais nã o eram punidas com a morte e Deus protegia a vida
dos que sem culpa produziam a morte de alguém por meio da
proteçã o em cidade de refú gio: “Quem ferir a outro, de modo que
este morra, também será morto. Porém, se nã o lhe armou ciladas,
mas Deus lhe permitiu caísse em suas mã os, entã o, te designarei um
lugar para onde ele fugirá ” (Ex 21.12,13); e “ SERÃ O DE REFÚ GIO ESTAS
SEIS CIDADES PARA OS FILHOS DE ISRAEL, E PARA O ESTRANGEIRO, E PARA O
QUE SE HOSPEDAR NO MEIO DELES, PARA QUE, NELAS, SE ACOLHA AQUELE QUE
MATAR ALGUÉ M INVOLUNTARIAMENTE” (NM 35.15 – ver todo o capítulo).
Outro tipo de morte que nã o é afetado pelo princípio justo da
preservaçã o da vida é a morte na guerra. Essa morte nã o é
considerada um assassinato punível com a morte, nã o somente pela
natureza da guerra em si, mas porque o pró prio Deus ordenou
algumas guerras no Antigo Testamento (Ex.: 1Sm 15.2,3). Agostinho
trata a questã o da guerra justa e mostra que alguns atos humanos
sob as ordens de Deus sã o diferentes dos mesmos atos feitos por
vontade pró pria e dá como exemplo o ato de Abraã o, sob as ordens
de Deus, ter-se disposto a sacrificar Isaque:
ABRAÃ O SACRIFICAR SEU FILHO POR SUA PRÓ PRIA VONTADE É LOUCURA CHOCANTE. ELE FAZER O MESMO SOB O COMANDO DE DEUS PROVA QUE ELE É FIEL E SUBMISSO. [...]
FAZÊ -LO SOB A ORDEM DE DEUS MOSTRA NÃ O SÓ O CUMPRIMENTO INOCENTE, MAS LOUVÁ VEL.
[237]
Isso, obviamente, nã o valida motivos espú rios para levar a guerra
adiante produzindo mortes injustificadas de seres humanos.
Atualmente, isso incidiria nas penalidades dos “crimes de guerra”.
No Antigo Testamento, Deus anunciava puniçã o e, eventualmente,
punia a quem agia desse modo, assim como o fez ao castigar Edom
pelo morticínio cruel e sá dico dos israelitas: “N Ã O DEVIAS TER PARADO
NAS ENCRUZILHADAS, PARA EXTERMINARES OS QUE ESCAPASSEM; NEM TER
ENTREGADO OS QUE LHE RESTASSEM, NO DIA DA ANGÚ STIA” (OB 14 – o
contexto do livro anuncia a destruiçã o de Edom).
No Novo Testamento, o preceito justo desse mandamento é mantido.
Porém, de maneira surpreendente, Jesus fez uma aplicaçã o dele em
situaçõ es em que nem chega a haver um homicídio. Ele considerou
que o ó dio no coraçã o de alguém, motivo frequente de assassinatos,
já era suficiente para ferir a justiça revelada por Deus: “ OUVISTES QUE
FOI DITO AOS ANTIGOS: NÃ O MATARÁ S; E: QUEM MATAR ESTARÁ SUJEITO A
JULGAMENTO. EU, PORÉ M, VOS DIGO QUE TODO AQUELE QUE [SEM MOTIVO] SE
IRAR CONTRA SEU IRMÃ O ESTARÁ SUJEITO A JULGAMENTO” (Mt 5.21,22a).
O sétimo mandamento enaltece a unidade e fidelidade do casal: “ NÃ O
ADULTERARÁ S” (Ex 20.14). Essa diretriz parece ter sua fonte na
pró pria instituiçã o do casamento, reconhecendo-o nã o somente
como um contrato social, mas como uma uniã o tal que é como se os
dois dividissem a mesma carne: “Por isso, deixa o homem pai e mã e
e se une à sua mulher, TORNANDO-SE OS DOIS UMA SÓ CARNE ” (Gn 2.24 –
destaque meu). Desrespeitar essa uniã o se deitando com a mulher
de outro homem era algo que feria as relaçõ es interpessoais e,
também, a relaçã o com o Deus santo.
A reprovaçã o divina ao adultério já era nítida desde os tempos dos
patriarcas, bem antes da instituiçã o da lei. Podemos ver esse
conceito expresso na intervençã o divina em favor de Abraã o e Sara
quando ela foi tomada pelos reis do Egito (Gn 12.17,18) e de Gerar
(Gn 20.3), por pensarem que ela era irmã de Abraã o. Isaque lançou
mã o do mesmo artifício e foi repreendido pelo rei de Gerar a
respeito do risco que ele promoveu de a sua esposa ser tocada por
outro homem, incorrendo, assim, no adultério (Gn 26.10,11).
ISSO TAMBÉ M SE VÊ NA ARGUMENTAÇÃ O DE JOSÉ DIANTE DO ASSÉ DIO DA
ESPOSA DE POTIFAR: “ ELE NÃ O É MAIOR DO QUE EU NESTA CASA E NENHUMA
COISA ME VEDOU, SENÃO A TI, PORQUE ÉS SUA MULHER ; COMO, POIS, COMETERIA
EU TAMANHA MALDADE E PECARIA CONTRA DEUS ?” (GN 39.9 – DESTAQUE
MEU). AO DIZER ISSO, JOSÉ MOSTRA QUE, MESMO ENTRE AS NAÇÕ ES QUE NÃ O
CONHECIAM O SENHOR, O ADULTÉ RIO ERA VISTO COMO ALGO REPREENSÍVEL.
[238]
Apesar de tal proibiçã o, a lei previa a poligamia, sem nunca
incentivá -la, ao contrá rio, desencorajando-a (Dt 17.17). Para alguns,
o casamento de um homem com vá rias mulheres visava a proteger
as mulheres solteiras. [239] Se isso fosse verdade, deveríamos,
também, argumentar sobre a escravidã o como algum tipo de
proteçã o de pessoas pobres, já que a escravidã o também era
prevista na lei. O que realmente parece ser verdade é que Deus, que
tinha planos perfeitos para o homem, foi revelando sua vontade e
causando transformaçõ es ao longo da histó ria. Porém, enquanto nã o
promoveu tais mudanças, tomou providências para que nã o
ocorressem abusos, como no caso de leis que protegiam escravos e
mulheres que eram repudiadas. Já , no Novo Testamento, tais arestas
sã o aparadas e nã o há mais essa tolerâ ncia.
A justiça prevista nesse mandamento era tal que houve repetiçõ es
da ordem com previsã o de duras consequências para os
desobedientes: “ NEM TE DEITARÁ S COM A MULHER DE TEU PRÓ XIMO, PARA
TE CONTAMINARES COM ELA” (Lv 18.20); “ SE UM HOMEM ADULTERAR COM A
MULHER DO SEU PRÓ XIMO, SERÁ MORTO O ADÚ LTERO E A ADÚ LTERA” ( Lv
20.10). O “preceito justo” contido na lei, entretanto, foi lavado, por
Jesus, a novas á reas de conduta, visando a atingir a mente das
pessoas e nã o apenas os seus corpos: “ OUVISTES QUE FOI DITO: NÃ O
ADULTERARÁ S. EU, PORÉ M, VOS DIGO: QUALQUER QUE OLHAR PARA UMA
MULHER COM INTENÇÃ O IMPURA, NO CORAÇÃ O, JÁ ADULTEROU COM ELA” (Mt
5.27,28).
O oitavo mandamento garante a propriedade das pessoas, conforme
o Senhor dá a cada um: “ NÃ O FURTARÁ S” (Ex 20.15; Dt 24.7). A
palavra hebraica traduzida como roubar, significa pegar alguma
coisa que pertence a outra pessoa sem permissã o. [240] Esse
conceito amplo apontava para vá rios modos, previstos na lei
mosaica, de se cometer o furto: rapto a fim de comercializaçã o de
escravos (Ex 21.16 cf. Gn 37), posse indevida de algo dado em
penhor, extorsã o (Lv 6.1-5), calote no pagamento de prestaçã o de
serviços (Lv 19.13 cf. v.11), desonestidade nas negociaçõ es (Lv
19.35,36; Dt 25.13-16) e a subtraçã o de bens alheios (Ex 22.1).
O Novo Testamento prevê esse princípio incentivando o infrator a
deixar o crime e fazer o oposto: “ AQUELE QUE FURTAVA NÃ O FURTE MAIS;
ANTES, TRABALHE, FAZENDO COM AS PRÓ PRIAS MÃ OS O QUE É BOM, PARA QUE
TENHA COM QUE ACUDIR AO NECESSITADO” (Ef 4.28). Paulo ainda mostra
que a santificaçã o dos salvos os tira de uma condiçã o anterior
deplorá vel na qual o furto é plenamente aceitá vel (1Co 6.10,11). Um
exemplo ideal de abandono do furto na conversã o a Cristo se vê na
pessoa de Zaqueu: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos
meus bens; e, SE NALGUMA COISA TENHO DEFRAUDADO ALGUÉM, RESTITUO
QUATRO VEZES MAIS ” (Lc 19.8 cf. v.9,10 – destaque meu).
O nono mandamento implicava uma palavra verdadeira e honesta
nos relacionamentos entre os homens: “Nã o dirá s falso testemunho
contra o teu pró ximo” (Ex 20.16). Foi preciso pouco tempo depois
da saída de Israel da terra do Egito para Moisés ser sobrecarregado
com desentendimentos entre as pessoas do povo. O sistema
primitivo utilizado por Moisés para resolver demandas,
centralizando nele somente todas as decisõ es (Ex 18.13), foi,
mediante o conselho de Jetro (Ex 18.14-22), substituído por uma
estrutura de vá rias instâ ncias que pudesse dar conta de tantos
desentendimentos, reclamaçõ es e solicitaçõ es. Um dos requisitos
dos auxiliares de Moisés nesse sistema judicial é que os homens
instituídos em tais cargos fossem homens “sem avareza” (Ex 18.21),
a fim de nã o venderem decisõ es.
Se, por um lado, os juízes deveriam ser honestos, por outro, as
testemunhas também o tinham. Para isso, a ordem de testemunhar a
respeito de outros nã o podia ser considerada um meio de tirar
vantagens para si ou um meio de promover o mal alheio. A verdade
é o que devia sempre sair da boca das pessoas. Se alguém explorasse
o pobre por meio da “perversã o do julgamento”, mediante “falsa
acusaçã o”, seria considerado culpado pelo Senhor (Ex 23.6).
Levando em conta o nú mero de pecados cuja pena era a morte, falar
mentira sobre os outros era atentar contra suas vidas: “Nã o andará s
como mexeriqueiro entre o teu povo; nã o atentará s contra a vida do
teu pró ximo. Eu sou o SENHOR” (Lv 19.16).
Apesar da honestidade exigida nos testemunhos judiciais, a
obediência a esse mandamento nã o impediria a mentira apenas
diante de um juiz, mas, também, os falsos testemunhos de todo tipo,
pelos quais a vida, o relacionamento matrimonial ou a propriedade
de um vizinho pudessem sofrer danos (cf. Ex 23.1; Nm 35.30; Dt
17.6; 19.15; 22.13ss). [241]
O décimo mandamento , diferente dos nove precedentes, nã o trata
de atos, mas de uma atitude interna das pessoas: “ NÃO COBIÇARÁS A
CASA DO TEU PRÓ XIMO. NÃ O COBIÇARÁ S A MULHER DO TEU PRÓ XIMO, NEM O
SEU SERVO, NEM A SUA SERVA, NEM O SEU BOI, NEM O SEU JUMENTO, NEM
COISA ALGUMA QUE PERTENÇA AO TEU PRÓ XIMO” (Ex 20.17 – destaque
meu). A ordem de nã o cobiçar a mulher e os bens de outros homens
pode parecer redundâ ncia, já que há mandamentos que impedem o
adultério e o furto. Entretanto, enquanto esses dois mandamentos
impedem os atos, o ú ltimo deles mostra que Deus nã o aceita o
desejo mal, mesmo que ele nã o se torne um ato.
Tal pecado está presente desde os tempos narrados em Gênesis.
Quando, no É den, a mulher decide comer o fruto, o texto aponta
como uma das razõ es a mulher ter achado o fruto “desejá vel para
dar entendimento” (Gn 3.6), e nã o qualquer entendimento, mas o
entendimento de Deus (Gn 3.5). Esse é um exemplo de um desejo
interior que foi externado em uma açã o pecaminosa. Na verdade,
boa parte dos pecados nasce desse desejo ímpio que é acolhido no
coraçã o das pessoas. Contudo, o pecado da cobiça existe mesmo
quando ele nã o produz atos.
A OFENSA [DA COBIÇA] TEM QUE VER COM UMA DISPOSIÇÃ O OU INCLINAÇÃ O INTERIOR QUE, NA VERDADE SE NÃ O FOR VERIFICADA, PODE SE MANIFESTAR NO
COMPORTAMENTO, MAS QUE PODE NUNCA SER DETECTADA POR UM SINAL EXTERIOR (DESTAQUE MEU).
[242]
Tal proibiçã o demonstra a onisciência divina por ser Deus aquele
que sonda os coraçõ es: “De longe penetras os meus pensamentos.
Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus
caminhos. Ainda a palavra me nã o chegou à língua, e tu, Senhor, já a
conheces toda” (Sl 139.2b-4). Sendo assim, Deus se importa com
aquilo que os homens pensam e sentem e nã o se agrada de vê-los
acolhendo desejos de pecados. Nã o basta nã o adulterar; é preciso
nã o desejar impuramente uma mulher. Nã o basta ter as mã os puras;
é necessá rio ter o coraçã o puro.
Sendo assim, o decá logo aponta para o fato de que o proceder
honesto, santo e íntegro, contendo diretrizes morais e éticas, é
vá lido para toda a raça humana e nã o apenas para os israelitas da
aliança. [243] O motivo disso é o fato de os “justos preceitos” de
Deus transparecerem na lei, indicando que tipo de procedimento é
necessá rio para andar com o Senhor. Em lugar disso, as geraçõ es
posteriores dos israelitas fizeram o contrá rio, tornando-se
repreensíveis: “ QUE É ISSO? FURTAIS E MATAIS, COMETEIS ADULTÉRIO E
JURAIS FALSAMENTE, QUEIMAIS INCENSO A BAAL E ANDAIS APÓS OUTROS DEUSES
QUE NÃO CONHECEIS , E DEPOIS VINDES, E VOS PONDES DIANTE DE MIM NESTA
CASA QUE SE CHAMA PELO MEU NOME, E DIZEIS: ESTAMOS SALVOS; SIM, SÓ
PARA CONTINUARDES A PRATICAR ESTAS ABOMINAÇÕ ES!” ( Jr 7.9,10).
O procedimento moral perfeito apontado no decá logo é coroado
pela sua porçã o seguinte de lei, chamado “livro da aliança” (Ex
20.22–23.33). A retidã o e a integridade nos relacionamentos, seja
com Deus, seja com os homens, demonstra que o decá logo nã o é um
conjunto utó pico de normas jogadas em um lugar fadado ao
esquecimento. A moral perfeita requerida dos israelitas pode ser
vista na síntese de assuntos do livro da aliança proposta por R. K.
Harrison:
I. A forma geral da adoraçã o israelita (20.22-26).
II. Legislaçã o civil (21.1–23.13).
A. O direito dos escravos (21.2-11).
B. O princípio da lex talionis [244] (21.12-32).
C. Leis concernentes à propriedade (21.33-36).
D. Leis concernentes ao roubo (22.1-4).
E. Leis concernentes ao dano de propriedade (22.5-6).
F. Leis concernentes à desonestidade (22.7-15).
G. Leis concernentes à seduçã o (22.16-17).
H. Leis que envolviam obrigaçõ es sociais e religiosas (22.18-
31).
I. Proteçã o dos direitos (23.1-13).
III. Legislaçã o cerimonial com as três principais festas (23.14-
19).
IV. O relacionamento do Deus da aliança com seu povo (23.20-
33). [245]
É nítido, no livro da aliança, o desejo de Deus de ver seu povo
andando em santidade, pureza, honestidade e devoçã o no
relacionamento com Deus e com as pessoas ao redor, o que enaltece
o cará ter moral do decá logo. Sendo assim, todos os que querem
andar com Deus devem considerar com muita seriedade os
“preceitos justos” contidos nos Dez Mandamentos e no restante da
lei, sem, contudo, o fazer cumprimento de estatutos. Nã o a lei, mas a
justiça da lei deve ser o modo como nos relacionamos com Deus.
Afinal, “andarã o dois juntos, se nã o houver entre eles acordo?” (Am
3.3).
_____________
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
1. O que se deve entender por “andar com Deus” no Antigo
Testamento?
2. Quais sã o as características pessoais daqueles que “andam com
Deus”?
3. Que papel a lei mosaica exercia na comunhã o entre a naçã o de
Israel e Deus?
4. Qual é a diferença entre os “estatutos da lei” e os “preceitos justos
da lei”?
5. Como os Dez Mandamentos podem ajudar os crentes atuais a
manterem comunhã o com o Senhor?
Capítulo 8
Os Decretos
TODOS OS MORADORES DA TERRA SÃ O POR ELE REPUTADOS EM NADA; E, SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE OPERA COM O EXÉ RCITO DO CÉ U E OS MORADORES DA TERRA; NÃ O
HÁ QUEM LHE POSSA DETER A MÃ O, NEM LHE DIZER: QUE FAZES? (DN 4.35).
A
assunto marcante no Antigo Testamento (Jó 23.13; Sl
SOBERANA VONTADE DO SENHOR É
FAREI TODA A MINHA VONTADE; QUE CHAMO A AVE DE RAPINA DESDE O ORIENTE E DE UMA TERRA LONGÍNQUA, O HOMEM DO MEU CONSELHO. EU O DISSE, EU TAMBÉM O
CUMPRIREI; TOMEI ESTE PROPÓSITO, TAMBÉM O EXECUTAREI (IS 46.10,11 – DESTAQUE MEU).
Aquilo que o Senhor “disse” – os decretos de Deus surgem na forma
de declaraçõ es no Antigo Testamento – é justamente o que ele virá a
cumprir meticulosamente. Essa liçã o ficou clara nos textos que
mencionamos anteriormente. Entretanto, tais dizeres sã o
anunciados em um tempo específico: “Desde o princípio” e “desde a
antiguidade”. Se alguém perguntar o que Deus anunciou nos tempos
antigos, a resposta será : “O que há de acontecer” e “as coisas que
ainda nã o sucederam”. Isso indica decretos prévios que controlam
os acontecimentos futuros. Nã o se trata apenas de presciência, mas
da constataçã o de que Deus é aquele que efetua tudo isso. [247]
Quando se trata da redençã o do homem e dos rumos de Israel e das
naçõ es, esses sã o os decretos mais importantes que o leitor do
Antigo Testamento – e do Novo, também – irá encontrar.
Dentro desse assunto dois enfoques de tais decretos merecem uma
atençã o especial: a “eleiçã o” e as “alianças”.
A ELEIÇÃO
A doutrina da eleiçã o foi um dos temas mais marcantes da Reforma
Protestante, talvez nã o em importâ ncia, [248] mas no impacto que
causou e ainda causa na Igreja. Rendeu grandes debates e
desacordos como a truculenta discussã o entre Martinho Lutero e
Desidério Erasmo, também conhecido como Erasmo de Rotterdam.
[249] A visã o de eleiçã o para os reformadores pode ser tomada dos
“Câ nones de Dort”:
ESTA ELEIÇÃ O É O IMUTÁ VEL PROPÓ SITO DE DEUS, PELO QUAL ELE, ANTES DA FUNDAÇÃ O DO MUNDO, ESCOLHEU UM NÚ MERO GRANDE E DEFINIDO DE PESSOAS PARA A
SALVAÇÃ O, POR GRAÇA PURA. ESTAS SÃ O ESCOLHIDAS DE ACORDO COM O SOBERANO BOM PROPÓ SITO DE SUA VONTADE, DENTRE TODO O GÊ NERO HUMANO, DECAÍDO, POR
SUA PRÓ PRIA CULPA, DE SUA INTEGRIDADE ORIGINAL PARA O PECADO E A PERDIÇÃ O. [...] DEUS FEZ ISTO PARA A DEMONSTRAÇÃ O DE SUA MISERICÓ RDIA E PARA O LOUVOR
POR PRÍNCIPE E A CASA DE MEU PAI, NA CASA DE JUDÁ ; E ENTRE OS FILHOS DE MEU PAI SE AGRADOU DE MIM, PARA ME FAZER REI SOBRE TODO O ISRAEL” (1CR 28.4 –
DESTAQUE MEU).
Salomã o, filho de Davi, também foi alvo de uma escolha para uma
tarefa específica. Quando Davi se propô s a construir um templo para
o Senhor, em Jerusalém, que substituísse o taberná culo – pois achou
que um tipo de barraca nã o transmitia a gló ria divina –, o Senhor o
impediu a efetuar a empreita e disse que seu herdeiro o faria.
Davi tinha vá rios filhos e alguns deles aspiravam ao trono.
Entretanto, o Senhor escolheu quem seria o pró ximo rei: “ TEU FILHO
SALOMÃ O É QUEM EDIFICARÁ A MINHA CASA E OS MEUS Á TRIOS, PORQUE O
ESCOLHI PARA FILHO E EU LHE SEREI POR PAI ” (1Cr 28.6 – destaque meu).
Davi nã o deixou de transmitir tal fato a Salomã o (1Cr 28.1-7) e
acrescentou que essa escolha se estendia à tarefa de ser o construtor
do templo em Jerusalém: “Agora, pois, atende a tudo, porque o
SENHOR TE ESCOLHEU PARA EDIFICARES CASA PARA O SANTUÁRIO ; SÊ FORTE E
FAZE A OBRA” (1CR 28.10 – DESTAQUE MEU).
A eleiçã o para um propó sito levantou, também, profetas. Em alguns
casos, isso fica implícito, como nos chamados de Isaías (Is 6.1-10) e
de Amó s (Am 7.14,15). Contudo, no caso de Jeremias, a escolha
prévia para a funçã o profética é declarada de modo explícito: “
ANTES QUE EU TE FORMASSE NO VENTRE MATERNO, EU TE CONHECI, E, ANTES
QUE SAÍSSES DA MADRE, TE CONSAGREI, E TE CONSTITUÍ PROFETA À S NAÇÕ ES”
(JR 1.5).
Líderes políticos de outras naçõ es também sã o alvo, no Antigo
Testamento, de eleiçã o divina para realizarem uma funçã o de ordem
histó rica. Um desses líderes foi Nabucodonosor, chefe do que foi
conhecido como “Império Neo-Babilô nico”, [262] o qual durou
setenta anos (609-539 a.C.). [263] Como instrumento histó rico
escolhido por Deus, o Senhor o chama de “ NABUCODONOSOR, REI DA
BABILÔ NIA, MEU SERVO ” (Jr 27.6) e diz que lhe entregará as naçõ es.
Como ferramenta escolhida, ele teria a tarefa de trazer “espanto” e
“ruínas perpétuas” à s “naçõ es em redor” (Jr 25.9), ao distante Egito
(Jr 43.10,11) e até à naçã o de Judá e sua capital Jerusalém, como
puniçã o prevista pelos seus pecados contra o Senhor:
PORTANTO, ASSIM DIZ O SENHOR: EIS QUE ENTREGO ESTA CIDADE NAS MÃOS DOS CALDEUS, NAS MÃOS DE NABUCODONOSOR, REI DA BABILÔNIA, E ELE A TOMARÁ . OS
CALDEUS, QUE PELEJAM CONTRA ESTA CIDADE, ENTRARÃ O NELA, PORÃ O FOGO A ESTA CIDADE E QUEIMARÃ O AS CASAS SOBRE CUJOS TERRAÇOS QUEIMARAM INCENSO A BAAL
E OFERECERAM LIBAÇÕ ES A OUTROS DEUSES, PARA ME PROVOCAREM À IRA. PORQUE OS FILHOS DE ISRAEL E OS FILHOS DE JUDÁ NÃ O FIZERAM SENÃ O MAL PERANTE MIM,
DESDE A SUA MOCIDADE; PORQUE OS FILHOS DE ISRAEL NÃ O FIZERAM SENÃ O PROVOCAR-ME À IRA COM AS OBRAS DAS SUAS MÃ OS, DIZ O SENHOR (JR 32.28-30 – DESTAQUE
MEU).
Outro líder mundial escolhido por Deus para administrar a histó ria
foi Ciro, chefe do império medo-persa, o qual derrubou o império
neo-babilô nico na segunda metade do século 6 a.C. Se
Nabucodonosor é chamado “meu servo”, Ciro é chamado “meu
pastor” e “ungido do Senhor” (Is 44.28; 45.1). Em primeiro lugar,
sua funçã o é derrubar reinos dentre os quais o principal é a
Babilô nia: “ ASSIM DIZ O SENHOR AO SEU UNGIDO, A CIRO, A QUEM TOMO
PELA MÃ O DIREITA, PARA ABATER AS NAÇÕES ANTE A SUA FACE ” (Is 45.1a –
destaque meu).
Em segundo lugar, por meio de uma política externa diferente da
praticada pelos predecessores assírios e babilô nicos, tinha a funçã o
de fazer os israelitas exilados voltarem a Judá e reconstruírem
Jerusalém e o templo: “ DIGO DE CIRO : ELE É MEU PASTOR E CUMPRIRÁ
TUDO O QUE ME APRAZ; QUE DIGO TAMBÉ M DE JERUSALÉM: SERÁ EDIFICADA ; E
DO TEMPLO: SERÁ FUNDADO ” (Is 44.28 – destaque meu) e “na minha
justiça, suscitei a CIRO E [...] ELE EDIFICARÁ A MINHA CIDADE E LIBERTARÁ OS
MEUS EXILADOS , NÃ O POR PREÇO NEM POR PRESENTES, DIZ O SENHOR DOS
EXÉ RCITOS” (IS 45.13 – destaque meu). Se Nabucodonosor foi o
instrumento da “ira” de Deus, Ciro foi o instrumento da sua “graça” e
da sua “fidelidade à aliança”. A eleiçã o de Ciro fica ainda mais
evidente quando se nota que Isaías proferiu essas profecias mais de
cento e cinquenta anos antes de elas se cumprirem. [264]
3. A eleição de Israel
De todos os conceitos da eleiçã o, esse é certamente o mais
importante no Antigo Testamento. A eleiçã o de Israel como povo
com quem Deus se relacionaria de maneira especial e que teria uma
funçã o histó rica ímpar é um dos assuntos que guiam a teologia do
Antigo Testamento.
O chamado de Abraã o, por si só , implica a eleiçã o de Israel como um
povo santificado pelo Senhor para a execuçã o do seu plano redentor
– nesse aspecto, essa eleiçã o encontra paralelos com a eleiçã o de
pessoas para propó sitos específicos. Contudo, o chamado do povo
escravizado no Egito, sua libertaçã o e a aliança feita no Sinai sã o a
separaçã o efetiva desse povo para se tornar um servo especial do
Senhor na terra. Nã o é, fundamentalmente, uma naçã o cheia de
servos individualmente eleitos, mas “um servo” como “povo santo”.
A naçã o israelita, como um todo, é uma entidade com quem Deus fez
um pacto e a quem Deus chamou de “filho”. Comentando sobre a
clá usula “naçã o santa”, presente na instituiçã o da aliança no Sinai,
Walter Kaiser Jr. diz:
NUNCA MAIS OS DESCENDENTES DOS PATRIARCAS FORAM TIDOS SOMENTE COMO UMA FAMÍLIA. ELES ASSUMIRAM UMA IDENTIDADE NACIONAL DISTINTA, MAS DE UM TIPO
ATÍPICO. COLETIVAMENTE, ELES ERAM DIVINAMENTE DESIGNADOS COMO “MEU FILHO”, “PRIMOGÊ NITO” DE DEUS (EX 4.22 CF. JR 31.9). ESSA IDEIA DE UMA FILIAÇÃ O
DIVINA DA TODA A NAÇÃ O FOI UMA EXTENSÃ O DA IDEIA DA ELEIÇÃ O. ESTÁ , TAMBÉ M, IMPLÍCITO UM RELACIONAMENTO FAMILIAR NO QUAL ESSE GRUPO COMPARTILHA DOS
BENEFÍCIOS OBTIDOS PARA ELES POR MEIO DO SEU GOEL (“RESGATADOR”) NO Ê XODO. SEU STATUS DE “PRIMOGÊ NITO” SIGNIFICAVA QUE ELES FORAM ESCOLHIDOS PARA
PREEMINÊ NCIA EM POSTO E POSIÇÃ O (NÃ O NECESSARIAMENTE EM ORDEM CRONOLÓ GICA) NO SENTIDO DE QUE ELES PUDESSEM MEDIAR AS BÊ NÇÂ OS DE DEUS PARA TODAS
AS NAÇÕ ES.
[265]
Diante da escolha desse povo, devemos fazer duas perguntas. A
primeira é: “Por que Deus escolheu Israel?”. Para responder, a
primeira observaçã o a ser feita é a ocasiã o da eleiçã o do Senhor.
Israel nã o foi uma escolha de ú ltima hora. Essa eleiçã o foi feita
previamente, mesmo antes de o povo vir a existir. Na verdade, a
escolha do Senhor, unida à divina soberania, foi a causa da
existência do povo escolhido. Nã o foi uma escolha em meio a
contingências, mas uma livre escolha baseada somente na “vontade”,
simplesmente “ PORQUE APROUVE AO SENHOR FAZER-VOS O SEU POVO”
(1SM 12.22).
Se, por um lado, a ideia da eleiçã o de Israel só é introduzida depois
de ser, de fato, aplicada por Deus, [266] Isaías associa a eleiçã o de
Israel à sua pró pria formaçã o: “ AGORA, POIS, OUVE, Ó JACÓ , SERVO MEU, Ó
ISRAEL, A QUEM ESCOLHI . ASSIM DIZ O SENHOR, QUE TE CRIOU, E TE FORMOU
DESDE O VENTRE , E QUE TE AJUDA: NÃ O TEMAS, Ó JACÓ , SERVO MEU, Ó AMADO,
A QUEM ESCOLHI ” (Is 44.1,2 – destaque meu). Desse modo, os critérios
utilizados por Deus para realizar a escolha nã o foram as qualidades
dos israelitas, mas “o amor à naçã o” e a “fidelidade à s suas
promessas”:
NÃ O VOS TEVE O SENHOR AFEIÇÃ O, NEM VOS ESCOLHEU PORQUE FÔ SSEIS MAIS NUMEROSOS DO QUE QUALQUER POVO, POIS É REIS O MENOR DE TODOS OS POVOS, MAS
PORQUE O SENHOR VOS AMAVA E, PARA GUARDAR O JURAMENTO QUE FIZERA A VOSSOS PAIS , O SENHOR VOS TIROU COM MÃ O PODEROSA E VOS RESGATOU DA CASA DA
SERVIDÃ O, DO PODER DE FARAÓ , REI DO EGITO (DT 7.7,8 CF. 10.15; 14.2; EZ 20.5,6 – DESTAQUE MEU).
A segunda pergunta a se fazer diante da eleiçã o de Israel por Deus é:
“Para que Deus escolheu Israel?”. Há , basicamente, duas respostas
para isso. Uma envolve “propriedade” e outra, “funçã o”. Como
propriedade, Deus declara: “ POIS O SENHOR ESCOLHEU PARA SI A JACÓ E
A ISRAEL, PARA SUA POSSESSÃO ” (Sl 135.4). Pode-se criar uma objeçã o a
isso, já que tudo é possessã o de Deus: “Teus sã o os céus, tua, a terra;
o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste” (Sl 89.11).
Diante disso, que novidade haveria em Israel pertencer a Deus? Na
verdade, a pró pria pergunta provê a resposta. Fica claro que a
descendência de Jacó nã o é, para Deus, o mesmo tipo de possessã o
que toda a criaçã o. Deus tem Israel como uma propriedade especial,
ou, segundo as palavras da formulaçã o da aliança mosaica no Sinai,
uma “ PROPRIEDADE PECULIAR DENTRE TODOS OS POVOS” ( Ex 19.5).
Como propriedade peculiar de Deus, Israel foi escolhido para ser,
também, um povo santo, isto é, um povo separado por Deus,
separado das outras naçõ es e dos seus vis procedimentos e
separado para o propó sito e para a gló ria do seu Senhor e criador:
“Porque TU ÉS POVO SANTO AO SENHOR , TEU DEUS; O SENHOR, TEU DEUS, TE
ESCOLHEU, PARA QUE LHE FOSSES O SEU POVO PRÓ PRIO, DE TODOS OS POVOS
QUE HÁ SOBRE A TERRA” (Dt 7.6 – destaque meu).
O fato de Deus ter escolhido Israel para ser sua “posse santa”,
implica abandono de pecado por parte dos israelitas e purificaçã o
diante do Senhor. Isso nã o é uma sugestã o, mas uma obrigaçã o, de
modo que, quando o povo age de modo contrá rio, o Senhor levanta
puniçã o sobre ele: “ DE TODAS AS FAMÍLIAS DA TERRA, SOMENTE A VÓ S
OUTROS VOS ESCOLHI; PORTANTO, EU VOS PUNIREI POR TODAS AS VOSSAS
INIQUIDADES ” (Am 3.1,2 – destaque meu). O fato é que, ser eleito do
Senhor, implica viver de acordo com sua vontade revelada. [267]
Em relaçã o à “funçã o” de Israel como povo eleito, surge, em
primeiro lugar, um objetivo divino em curto prazo de introduzir o
povo na terra prometida a Abraã o e fazer dele uma grande naçã o,
cumprindo fielmente as promessas feitas aos patriarcas: “Porquanto
amou teus pais, e escolheu a sua descendência depois deles, e te
tirou do Egito, ele mesmo presente e com a sua grande força, PARA
LANÇAR DE DIANTE DE TI NAÇÕES MAIORES E MAIS PODEROSAS DO QUE TU, PARA
TE INTRODUZIR NA SUA TERRA E TE DAR POR HERANÇA , COMO HOJE SE VÊ ( Dt
4.37,38 – destaque meu).
A longo prazo, a funçã o de Israel, como naçã o escolhida por Deus, é
mais abrangente e envolve a pró pria histó ria da redençã o do
homem pecador. Essa resposta virá da compreensã o das alianças
que Deus fez com Israel no Antigo Testamento. Na verdade, boa
parte da compreensã o de todo o Antigo Testamento e do seu
relacionamento com a mensagem do Novo depende do
entendimento correto das alianças.
AS ALIANÇAS
A primeira aliança divina clara no Antigo Testamento foi feita com
Noé e a primeira aliança a ter relaçã o direta com os israelitas é a
aliança feita com o patriarca Abraã o. Entretanto, há sugestõ es de
outras alianças anteriores. Arthur W. Pink alista as alianças
colocando nos dois primeiros lugares a “aliança eterna” e a “aliança
adâ mica”. [268]
O que ele entende por “aliança eterna” é o fato de, antes da criaçã o,
Deus ter decretado entregar seu Filho à morte para fazer “provisã o
de graça” a fim de salvar os perdidos arrependidos (Ap 13.8).
Gênesis 3.15, o protoevangelho, seria o primeiro vislumbre dessa
aliança feita na eternidade. Seria uma aliança de salvaçã o pela graça,
enquanto as outras eram alianças de bênçã o temporais. Fazendo
isso, Pink a vê ao das Escrituras. Um exemplo é a interpretaçã o que
ele deu à s palavras de Davi: “Pois [Deus] estabeleceu comigo uma
ALIANÇA ETERNA ” (2Sm 23.5 – destaque meu). [269]
A DIFICULDADE DESSA CONSTRUÇÃ O TEOLÓ GICA É QUE O TERMO “ALIANÇA
ETERNA” APARECE VÁ RIAS VEZES NA BÍBLIA PARA SE REFERIR AO “CARÁ TER
PERMANENTE” DAS ALIANÇAS. DEUS USA A MESMA EXPRESSÃ O ( BERÎT Ô LAM )
QUANDO FALA A NOÉ : “ O ARCO ESTARÁ NAS NUVENS; VÊ -LO-EI E ME
LEMBRAREI DA ALIANÇA ETERNA ENTRE DEUS E TODOS OS SERES VIVENTES DE
TODA CARNE QUE HÁ SOBRE A TERRA” (GN 9.16). O ARCO, SEGUNDO O
CONTEXTO, É “O SINAL DA ALIANÇA ESTABELECIDA ENTRE MIM [DEUS] E TODA
CARNE SOBRE A TERRA” (GN 9.17 – DESTAQUE MEU).
A aliança, em questã o, nã o é o decreto de salvar pecadores pela
graça, mas nã o enviar outro dilú vio que matasse toda a carne,
incluindo os animais (Gn 9.8-17). “Eterna” é a duraçã o dessa aliança
e nã o uma nova categoria pactual. [270] Parece que Pink
confundiu a “eleiçã o para a salvaçã o” – que, de fato, ocorreu antes da
fundaçã o do mundo – com uma aliança que nã o é declarada e que
nã o é necessá ria para o conceito de eleiçã o. A dependência que as
alianças têm da eleiçã o nã o se repete no sentido contrá rio.
A segunda aliança, conforme a proposta de Pink, é a “aliança
adâ mica”, também conhecida como “aliança edênica”. Pink associa a
ideia da aliança ao cará ter de Adã o como representante de toda a
humanidade – “cabeça federal”. Desse modo, quando Adã o pecou, o
efeito sobre a raça humana é que cada pessoa se tornou culpada
como se ela mesma estivesse no É den e desobedecesse ao Senhor
(1Co 15.22 cf. Rm 5.12-19). [271] Pink identifica os elementos de
uma aliança na afirmaçã o de morte para Adã o caso pecasse (Gn
2.17). [272] Sendo assim, ele aponta para o testemunho de Oséias:
“Mas eles transgrediram A ALIANÇA, COMO ADÃO ” (Os 6.7). [273]
O grande problema é que Oséias nã o está acusando os israelitas de
terem quebrado uma aliança feita no É den, mas de terem quebrado
a “aliança mosaica”, pela qual o Senhor os atingiu e trouxe puniçã o
por meio das mensagens dos profetas (Os 6.5). Esses, tanto
anunciaram o juízo como evidenciaram os preceitos justos contidos
na lei, sem os quais nã o era possível agradar a Deus simplesmente
cumprindo estatutos (Os 6.6). Parece que Adã o, nesse contexto, é
alguém cuja desobediência é compará vel à Israel, já que ambos
foram privilegiados com conhecimento do Senhor e bênçã os
maravilhosas da parte dele, ao que responderam com incredulidade,
orgulho e rebeldia. De qualquer modo, essa aliança nã o é claramente
afirmada nas Escrituras. O conceito de uma aliança é
desnecessariamente aplicado no suporte de verdades bíblicas como
a queda da humanidade na queda de Adã o.
A primeira aliança declarada no Antigo Testamento – como já
dissemos – é a aliança noaica. Ela é marcada pelo uso da palavra
“BERÎT” (aliança), [274] citada pela primeira vez em Gênesis 6.18.
Outra palavra característica das alianças é o verbo “ KARAT ”
(literalmente, “cortar”), [275] frequentemente associado a “BERÎT ”,
mas sua primeira apariçã o nas Escrituras se dá somente na
celebraçã o da aliança abraâ mica (Gn 15.18). [276]
A aliança noaica foi previamente anunciada por Deus a Noé: “
CONTIGO, PORÉM, ESTABELECEREI A MINHA ALIANÇA ; ENTRARÁ S NA ARCA, TU E
TEUS FILHOS, E TUA MULHER, E AS MULHERES DE TEUS FILHOS” (Gn 6.18).
Apesar de a primeira impressã o ser a de que a aliança envolve o
salvamento pela arca, quando Deus, de fato, fez esse pacto, ele
apontou para a garantia da inexistência de outro dilú vio como meio
de puniçã o divina. Foi uma aliança da parte de Deus – somente ele se
comprometeu sem exigir certas condiçõ es para o cumprimento, o
que faz dela uma aliança “incondicional” –, cujos beneficiá rios
seriam Noé, sua descendência (a raça humana) e os animais.
DISSE TAMBÉ M DEUS A NOÉ E A SEUS FILHOS: EIS QUE ESTABELEÇO A MINHA ALIANÇA CONVOSCO, E COM A VOSSA DESCENDÊNCIA, E COM TODOS OS SERES VIVENTES QUE
ESTÃO CONVOSCO : TANTO AS AVES, OS ANIMAIS DOMÉ STICOS E OS ANIMAIS SELVÁ TICOS QUE SAÍRAM DA ARCA COMO TODOS OS ANIMAIS DA TERRA. ESTABELEÇO A MINHA
ALIANÇA CONVOSCO: NÃO SERÁ MAIS DESTRUÍDA TODA CARNE POR ÁGUAS DE DILÚVIO, NEM MAIS HAVERÁ DILÚVIO PARA DESTRUIR A TERRA (GN 9.8-12 – DESTAQUE MEU).
[277]
Apesar da importâ ncia que essa garantia representa para toda a
vida, principalmente a humana, a partir daí, tal pacto nã o visa
produzir um relacionamento entre os homens caídos e o criador, a
nã o ser impedindo que sejam exterminados sem que tenham chance
de chegar a ele pelos devidos meios que ele proveu para isso. Nã o há
“mutualidade” nessa aliança, nem, tampouco, “relaçã o religiosa”.
[278] Esse tipo de relaçã o e de mutualidade, só se vê a partir da
aliança abraâ mica.
1. A aliança abraâmica
A primeira aliança cujas clá usulas apontam para a eleiçã o de Israel
como povo santo de Deus e para a histó ria da redençã o, é o pacto
unilateral feito por Deus com seu servo Abraã o. Ela é relevante para
a compreensã o do papel de Israel no plano de Deus por causa da
perpetuidade que a aliança apresenta. Entretanto, essa nã o é uma
visã o unâ nime entre os teó logos, pois há quem veja tal aliança como
promessa condicional que perdeu sua validade diante da
infidelidade de Israel como naçã o pactual e da abertura do
evangelho para os gentios. Por isso, Walvoord analisa a questã o
nesses termos:
NESSA DISCUSSÃ O, TRÊ S PONTOS DE VISTA CONCERNENTES À CONTINUIDADE DE ISRAEL COMO NAÇÃ O TÊ M SIDO CONSIDERADOS: (1) A VISÃ O QUE NEGA QUE ISRAEL EXISTA
HOJE E QUE, PORTANTO, NÃ O TEM FUTURO; (2) O CONCEPÇÃ O DE QUE ISRAEL CONTINUA COMO RAÇA, MAS NÃ O COMO UMA NAÇÃ O; (3) A INTERPRETAÇÃ O PRÉ -MILENISTA
NA QUAL ISRAEL NÃ O APENAS TEM CONTINUIDADE COMO UMA RAÇA, MAS UM FUTURO COMO UMA NAÇÃ O NO REINO PRÉ -MILENAR. É EVIDENTE QUE A CONTINUIDADE DE
ISRAEL COMO UMA NAÇÃ O DEPENDE, EM PRIMEIRO LUGAR, DA NATUREZA DAS SUAS PROMESSAS COMO BENEFICIÁ RIA, COMO POR EXEMPLO, EM GÊ NESIS 17 AONDE A
ALIANÇA ABRAÂ MICA É QUALIFICADA COMO ETERNA E A TERRA É PROMETIDA A ISRAEL COMO UMA POSSESSÃ O PERPÉ TUA.
[279]
Isso evidencia a complexidade e a abrangência da questã o,
envolvendo a Bíblia toda e nã o apenas o Antigo Testamento.
Engana-se quem julga ser essa questã o algo que envolve somente o
futuro de Israel. A aliança abraâ mica desenha e dirige boa parte da
pró pria histó ria da salvaçã o dos pecadores pela graça de Deus. Ela é
tratada ao longo de toda a Bíblia, mas suas estipulaçõ es sã o
descritas, principalmente, em Gênesis 12, 13, 15 e 17. O primeiro
desses capítulos envolve o chamado de Abraã o e um resumo da
aliança, a qual recebe detalhes específicos adiante.
Em primeiro lugar, Deus chama Abraã o – aqui ainda chamado Abrã o
[280] – a deixar tudo para trá s e seguir para uma terra que ele nã o
conhecia (Gn 12.1), mas que pertenceria à sua descendência (Gn
12.7). O problema é que Abraã o nã o tinha uma descendência.
Entretanto, isso foi prometido pelo Senhor como primeiro
dispositivo da aliança: “De ti farei uma grande naçã o” (Gn 12.2). O
homem cujo lar era infértil, seria pai de um povo incontá vel. Além
disso – ou por causa disso –, ele seria “abençoado” e seu nome seria
“engrandecido”.
Ele seria fonte de bênçã os para quem o abençoasse e vice-versa.
Além disso, nã o somente sua descendência seria alvo de bênçã os por
causa de Abraã o, mas pessoas de toda a terra (Gn 12.3), de modo a
produzir o que predisse Isaías: “ O TEU NOME, EU O FAREI CELEBRADO DE
GERAÇÃ O A GERAÇÃ O, E, ASSIM, OS POVOS TE LOUVARÃO PARA TODO O SEMPRE ”
(Is 45.17 – destaque meu). Deus nã o explica, nesse momento, como
faria tais coisas ou como um homem de uma família muito pequena
poderia ser alguém tã o importante, mas garante o cumprimento
pleno.
ORA, DISSE O SENHOR A ABRÃ O: SAI DA TUA TERRA, DA TUA PARENTELA E DA CASA DE TEU PAI E VAI PARA A TERRA QUE TE MOSTRAREI; DE TI FAREI UMA GRANDE NAÇÃ O,
E TE ABENÇOAREI, E TE ENGRANDECEREI O NOME. SÊ TU UMA BÊ NÇÃ O! ABENÇOAREI OS QUE TE ABENÇOAREM E AMALDIÇOAREI OS QUE TE AMALDIÇOAREM; EM TI SERÃ O
Abraã o simplesmente obedeceu e seguiu para Canaã . Lá , o Senhor
lhe dá novas nuances da promessa que lhe fez antes. Gênesis 13.14-
17 têm duas ênfases: a “terra” e a “descendência”. Quanto à terra,
Deus disse: “E RGUE OS OLHOS E OLHA DESDE ONDE ESTÁ S PARA O NORTE,
PARA O SUL, PARA O ORIENTE E PARA O OCIDENTE; PORQUE TODA ESSA TERRA
QUE VÊS, EU TA DAREI, A TI E À TUA DESCENDÊNCIA, PARA SEMPRE ” (Gn
13.14,15 – destaque meu). é notá vel, nesse ponto, a descriçã o da
durabilidade da promessa: “para sempre”. Quanto à descendência,
disse: “ FAREI A TUA DESCENDÊNCIA COMO O PÓ DA TERRA ; DE MANEIRA QUE,
SE ALGUÉ M PUDER CONTAR O PÓ DA TERRA, ENTÃ O SE CONTARÁ TAMBÉ M A
TUA DESCENDÊ NCIA” (GN 13.6 – destaque meu). O homem sem filhos
teria uma descendência tã o numerosa que, de modo hiperbó lico,
rivalizaria o nú mero das estrelas do céu ou de grã os de areia à beira-
mar [281] (cf. Gn 15.5; 22.17).
Se até aqui as promessas foram feitas por meio de declaraçõ es de
Deus, no capítulo quinze elas assumem uma forma dramá tica.
Abraã o questiona Deus por, apesar de o tempo passar, ele ainda nã o
ter filhos (Gn 15.2,3). Deus confirma a promessa da descendência
(Gn 15.4,5) e algo marcante ocorre: “ ELE CREU NO SENHOR, E ISSO LHE
FOI IMPUTADO PARA JUSTIÇA” (GN 15.6). O SENHOR COMPLETA A
CONFIRMAÇÃ O GARANTINDO , também, a posse da terra prometida (Gn
15.7). Porém, tã o surpreendente como a fé do versículo seis, é a
pergunta do versículo oito: “ PERGUNTOU-LHE ABRÃ O: SENHOR DEUS,
COMO SABEREI QUE HEI DE POSSUÍ-LA? ” (Gn 15.8 – destaque meu).
A palavra de Deus por si é fonte confiá vel de qualquer promessa.
Entretanto, parece que o Senhor quis reforçar a fé de Abraã o
utilizando um meio de que ele conhecia. O Senhor mandou que ele
corta-se alguns animais e colocasse os pedaços um de frente para o
outro (Gn 15.9,10). Entã o, o Senhor somente se comprometeu
fazendo passar por entre os pedaços dos animais “ UM FOGAREIRO
FUMEGANTE E UMA TOCHA DE FOGO” (GN 15.17). PARA ENTENDER O QUE O
SENHOR FEZ EM RELAÇÃ O A ABRAÃ O , é necessá rio entender o significado
do rito de passar entre os animais partidos. Infelizmente, o livro de
Gênesis nã o dá tal significado, talvez porque todos, na época, o
entenderiam.
Contudo, Jeremias nos ajuda nesse aspecto ao relatar uma aliança
feita entre o Senhor e o rei Zedequias junto com os príncipes do
povo. A determinaçã o dessa aliança era que eles nã o tomassem mais
israelitas como escravos, libertando os que estavam nessa condiçã o
(Jr 34.8-10). Mas eles mudaram de ideia e tomaram novamente os
escravos que haviam libertado (Jr 34.11). O Senhor, entã o, os
repreende duramente (Jr 34.12-22). Em meio à repreensã o, o
Senhor diz: “ FAREI AOS HOMENS QUE TRANSGREDIRAM A MINHA ALIANÇA E
NÃ O CUMPRIRAM AS PALAVRAS DA ALIANÇA QUE FIZERAM PERANTE MIM COMO
ELES FIZERAM COM O BEZERRO QUE DIVIDIRAM EM DUAS PARTES , PASSANDO
ELES PELO MEIO DAS DUAS PORÇÕ ES” (JR 34.18 – destaque meu).
Essa descriçã o nos ajuda a entender o ritual que Deus promoveu em
Gênesis 15. Tudo indica que uma forma de empenhar a palavra em
um acordo no mundo antigo era através de se colocar sob uma
“maldiçã o” no caso de quebrar a palavra. As partes contratantes
matavam e partiam os animais e, ao passarem no meio deles, é como
se dissessem: “Se quebrarmos nosso compromisso aqui assumido,
que acontece conosco o que aconteceu com esses animais”. [282]
Ao que tudo indica, foi o que Deus fez com Abraã o naquele dia. Foi
uma maneira de “demonstrar” a confiabilidade da sua promessa
unilateralmente, já que somente o Senhor se comprometeu nessa
aliança, sendo assim uma aliança “incondicional” – ela nã o dependia
de nenhuma condiçã o para que fosse cumprida fielmente.
O SENHOR, POR MEIO DESSE ATO, INVOCOU UMA MALDIÇÃ O SOBRE SI MESMO SE NÃ O CUMPRISSE A ALIANÇA COM ABRAÃ O (V.18). A OUSADIA DESSA METÁ FORA É QUASE
INCOMPREENSÍVEL, MAS ELA TRANSMITE A FIRMEZA DO COMPROMISSO DO DEUS QUE NÃ O PODE MENTIR.
[283]
Ao fazer isso, Deus garantiu a Abraã o teria uma vida longa e
confirmou a promessa da sua descendência, informando que ela
seria escrava em terra estrangeira por quatrocentos anos até que o
Senhor os tirasse de lá com riquezas (Gn 15.13-16). Quanto à terra –
preocupaçã o de Abraã o expressa no versículo oito –, o Senhor
garantiu a posse perpétua aos descendentes de Abraã o e delimitou
seu territó rio (Gn 15.18-21). [284]
O limite Sul dessa terra seria o “rio do Egito”. Há quem proponha
que essa é uma referência ao rio Nilo. Contudo, se isso for verdade, a
península do Sinai faria parte do territó rio dado por Deus aos
israelitas. Isso nã o condiz com a preparaçã o para a invasã o da terra
quando o povo estava em Cades (Nm 13), nem com a puniçã o da
geraçã o rebelde que deixou o Egito, a qual previa: “N ENHUM DELES
VERÁ A TERRA QUE, COM JURAMENTO, PROMETI A SEUS PAIS , SIM, NENHUM
DAQUELES QUE ME DESPREZARAM A VERÁ ” (Nm 14.23). Levando em conta
que eles passaram quarenta anos na península do Sinai, o rio Nilo
nã o pode ser o rio que o Senhor marcou como limite sul da terra
prometida. Por outro lado, há um rio intermitente – “Wadi el-Arish”
– que, sendo há muito reconhecido como “fronteira do Egito”, [285]
é um bom candidato para delimitar a terra ao Sul. [286]
A outra fronteira nã o é difícil de identificar: o “grande rio Eufrates”.
O rio Eufrates é muito extenso e nã o se deve associar esse ponto
geográ fico com fronteira oriental com o Golfo Pérsico através da
Jordâ nia, mas com uma fronteira ao Norte através da Síria. Se nã o é
difícil identificar o rio Eufrates, é, pelo menos, surpreendente saber
que a fronteira descrita por Deus leva o territó rio israelita bem além
dos seus atuais limites para dentro do territó rio sírio. Isso
representa, por alto, um aumento em duas vezes do territó rio
dominado pelos israelitas na conquista de Canaã .
Israel nunca possuiu toda essa terra. [287] O mais perto que esteve
disso foi nos dias de Davi e, mesmo assim, nã o como pá tria, mas
como império (2Sm 8). [288] Todo o territó rio entre esses dois
rios é descrito como terra de dez povos, sendo que essa lista
representa todos os povos que habitavam essa terra (Gn 15.19-21).
[289] Tudo isso pertenceria “permanentemente” aos descendentes
de Abraã o.
Por fim, Gênesis 17 expõ e a aliança de Deus e a responsabilidade de
Abraã o diante dela por meio de duas colocaçõ es introdutó rias:
“quanto a mim” (Gn 17.4) e “quanto a ti” (Gn 17.9). Da parte de
Deus, além de reafirmar uma descendência numerosa (Gn 17.2),
Deus introduz um novo elemento dizendo que Abraã o seria pai de
mais de uma naçã o – “numerosas naçõ es” (Gn 17.4,6) – de modo que
seu nome foi mudado para se adaptar à realidade prometida (Gn
17.5). Na verdade, o pró prio livro de Gênesis mostra essa promessa
se cumprindo, por exemplo, na pró pria naçã o de Israel, ao lado da
naçã o de Edom (Gn 25.23-26), e dos ismaelitas (Gn 25.12).
também, reis descenderiam de Abraã o (Gn 17.6). Cada uma das
naçõ es que nasceram do patriarca teve seus reis. O reinado ilustre,
obviamente, é o da naçã o israelita, cuja casa real viria da tribo de
Judá (Gn 49.10). Essa promessa era crida com tal convicçã o por
Moisés que, ao listar os reis de Edom, tomou como certa a
monarquia em Israel, a qual foi instituída somente quatro séculos
mais tarde: “ SÃ O ESTES OS REIS QUE REINARAM NA TERRA DE EDOM, ANTES
QUE HOUVESSE REI SOBRE OS FILHOS DE ISRAEL ” (Gn 36.31 – destaque
meu). [290] Por fim, Deus reafirma para com a descendência
especial de Abraã o – o povo de Israel – a posse perpétua da terra de
Canaã (Gn 17.7,8).
Por sua vez, Abraã o, além de receber orientaçã o de “andar com Deus
e ser perfeito” (Gn 17.1), tinha o dever de manter o sinal da aliança
que Deus fez com ele: a circuncisã o de todos os homens da linhagem
de Abraã o, incluindo os escravos que habitassem entre eles (Gn
17.9-14). As duas ordens – procedimento e circuncisã o – existem,
aqui, em consequência da aliança e nã o como clá usula condicionante
dos seus termos.
Em termos simples, o fato de Deus buscar Abraã o e se comprometer
com ele deveria ser a razã o Abraã o honrá -lo com um procedimento
compatível. Entretanto, essa nã o era uma condiçã o para que Deus
cumprisse sua promessa. Mesmo quando Abraã o nã o agiu com
nobreza e com integridade, como no caso da mentira sobre Sara ser
sua irmã , o Senhor nã o desistiu de cumprir o que garantiu
empenhando sua palavra.
O mesmo valia para a circuncisã o. A desobediência ao cumprimento
do sinal da aliança geraria puniçã o: “ O INCIRCUNCISO, QUE NÃ O FOR
CIRCUNCIDADO NA CARNE DO PREPÚ CIO, ESSA VIDA SERÁ ELIMINADA DO SEU
POVO ; QUEBROU A MINHA ALIANÇA” (Gn 17.14 – destaque meu). Por isso,
a ira de Deus contra Moisés por nã o ter ele circuncidado seu filho
(Ex 4.24-26). Entretanto, ainda que haja puniçã o para a negligência
da circuncisã o, a aliança abraâ mica permanece vigente e será
plenamente cumprida.
Algo incontestá vel na aliança abraâ mica é a promessa de que a
naçã o numerosa seria abençoada por Deus. O Pentateuco mostra
que Deus abençoa esse povo de vá rias maneiras, como no
livramento do Egito, o sustento no deserto e a confirmaçã o da posse
da terra ainda que tenha atrasado a conquista pela rebeldia da
primeira geraçã o de israelitas depois do êxodo. Nesse sentido, os
orá culos de Balaã o confirmam para Israel as bênçã os de Deus
prometidas a Abraã o e demonstram que as bênçã os incondicionais
de Deus nã o podem ser anuladas pelos atos humanos: “ COMO POSSO
AMALDIÇOAR A QUEM DEUS NÃ O AMALDIÇOOU? COMO POSSO DENUNCIAR A
QUEM O SENHOR NÃ O DENUNCIOU?” (Nm 23.8).
Assim, os orá culos de Balaã o, contrariando as intençõ es dos seus
contratantes de amaldiçoar Israel, previram o crescimento numérico
de Israel (Nm 23.1-12 cf. Gn 12.2), segurança e vitó ria dos israelitas
(Nm 23.13-26 cf. Gn 15.1,14), prosperidade e poder real (Nm 24.1-9
cf. Gn 17.6,16), um príncipe dominador em Israel (Nm 24.15-19 cf.
Gn 49.10), a ruína do povo de Amaleque (Nm 24.20 cf. Gn 12.3) e
cativeiro e destruiçã o para quenitas, assírios e hebreus [291] (Nm
24.21-24 cf. Gn 12.3). [292]
Os artigos da aliança abraâ mica sã o claros. Entretanto, um ponto
obscuro é o modo como Abraã o seria veículo de bênçã o e maldiçã o,
mesmo para outras linhagens ao redor do mundo: “ ABENÇOAREI OS
QUE TE ABENÇOAREM E AMALDIÇOAREI OS QUE TE AMALDIÇOAREM; EM TI
SERÃ O BENDITAS TODAS AS FAMÍLIAS DA TERRA” (GN 12.3). NESSE CASO, O
APÓ STOLO PAULO NOS AJUDA AO IDENTIFICAR A “DESCENDÊ NCIA” OU A
“SEMENTE” DE ABRAÃ O COMO JESUS CRISTO (GL 3.16 ). [293] A
dificuldade, entã o, é saber como interpretar a palavra
“descendência” ( “ZERÁ ”, em hebraico) dentro das promessas da
aliança abraâ mica.
Gênesis deixa claro que a descendência seria “numerosa”. Contudo,
essa grande família nã o tem prerrogativas capazes de transmitir
bênçã os, pois sã o homens pecadores como os de qualquer outro
povo. Por outro lado, Jesus, como o descendente de Abraã o, pode
transmitir bênçã os a todos os povos por causa da sua obra
redentora. Mas, ele nã o preenche todas as características desse povo
numeroso que habitaria em Canaã .
Os exegetas, muitas vezes, se vêem no dilema de ter de decidir entre
uma e outra dessas possibilidades e, para isso, têm de escolher quais
verdades teoló gicas eles abrem mã o. Mas isso nã o é necessá rio. As
duas verdades convivem perfeitamente. É indiscutível que a
descendência de Abraã o em Gênesis é o povo de Israel. Jesus faz
parte desse povo numeroso e produz o que nenhum outro membro
da família abraâ mica poderia.
Por meio e por causa desse descendente ilustre, a saber, o Senhor
Jesus Cristo, o nome de Abraã o seria motivo de bênçã o e de
maldiçõ es e seu nome seria engrandecido. Por meio desse
descendente, a descendência de Abraã o seria veículo de bênçã o e
salvaçã o até mesmo fora da família, ao redor do planeta. Essa é,
também, a razã o para a eleiçã o de Israel para ser um povo particular
e santificado ao Senhor.
RESUMO
: [294]
Aliança perpétua feita unilateralmente por Deus em
benefício de Abraã o e da sua descendência.
Nome engrandecido, bênçã os e vida longa para Abraã o.
Prerrogativa de abençoar ou amaldiçoar outros, incluindo
pessoas de outras naçõ es, de conformidade com a relaçã o
que mantivessem com o descendente de Abraã o.
Descendência escravizada em terra estrangeira por
quatrocentos anos e libertada com riquezas para herdar a
terra.
Garantia da posse perpétua de uma terra delimitada entre o
rio do Egito e o grande rio Eufrates para a descendência de
Abraã o.
Surgimento de reis descendentes de Abraã o.
Benefícios divinos independem de condiçõ es da parte dos
homens – aliança “incondicional”.
2. A aliança mosaica
Se a aliança abraâ mica dirige a histó ria da salvaçã o, devido ao teor
das suas promessas, a aliança mosaica dirige o relacionamento entre
Deus e Israel no Antigo Testamento e ocupa uma porçã o enorme dos
escritos de Moisés e dos profetas, sendo impossível compreender o
Antigo Testamento sem se levar em conta essa aliança. [295] Por
causa dela e dos estatutos que ela estabeleceu, os livros de Moisés
(Pentateuco) costumam ser conhecidos como “lei” ( “ ”, em TÔ RÁ
ESCRITOS MOSAICOS. POR ISSO, NO ANTIGO TESTAMENTO O PENTATEUCO É CHAMADO DE “LEI” (JS 8.34), “LIVRO DA LEI” (JS 1.8), “LIVRO DA LEI DE MOISÉ S” (JS 8.31),
“LEI DO SENHOR” (ED 7.10), “LEI DE DEUS” (NE 10.28,29), “LIVRO DA LEI DE DEUS” (JS 24.26), “LIVRO DA LEI DO SENHOR” (2CR 17.9), “LIVRO DA LEI DO SENHOR SEU
DEUS” (NE 9.3) E “LEI DE MOISÉ S SERVO DE DEUS” (DN 9.11). O NOVO TESTAMENTO RECONHECE TAL CARACTERÍSTICA NOMEANDO-O COMO “LIVRO DA LEI” (GL 3.10),
“LEI” (MT 12.5), “LEI DE MOISÉ S” (LC 2.22) E “LEI DO SENHOR” (LC 2.23,24).
[296]
A maioria dos leitores do Antigo Testamento já viu tais expressõ es e
sabe da existência da lei. O que nem todo mundo sabe é a “razã o” da
existência dessa lei e sua “serventia” dentro do eterno propó sito do
Deus soberano. As respostas a essas questõ es estã o ligadas à
compreensã o da aliança mosaica.
Dois meses apó s saíres do Egito, os israelitas chegaram ao monte
Sinai (Ex 19.1). Ali, Deus entrou em aliança com Israel, dizendo a
Moisés: “ ASSIM FALARÁ S À CASA DE JACÓ E ANUNCIARÁ S AOS FILHOS DE
ISRAEL” (Ex 19.3b). O tom expõ e o fato de que Deus é o alto rei que se
dirige à naçã o.
Em segundo lugar, o Senhor se apresenta como o Deus poderoso que
os tirou do Egito: “Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei
sobre asas de á guia e vos cheguei a mim” (Gn 19.4). Com isso, ele
também recorda a preservaçã o milagrosa por meio do mar, já que
somente ele poderia promover algo assim, comparando-a com a
açã o de uma á guia que leva seus filhotes onde eles nã o poderiam ir
sozinhos: “ COMO A ÁGUIA DESPERTA A SUA NINHADA E VOEJA SOBRE OS SEUS
FILHOTES, ESTENDE AS ASAS E, TOMANDO-OS, OS LEVA SOBRE ELAS, ASSIM, SÓ O
SENHOR O GUIOU , E NÃ O HAVIA COM ELE DEUS ESTRANHO” (Dt 32.11,12 –
destaque meu). Ao dizer “vos cheguei a mim”, percebe-se a
disposiçã o do Senhor de nutrir um relacionamento amoroso e
bondoso com a naçã o de Israel.
Sem mais prelú dios, o Senhor apresenta sua proposta: “ AGORA, POIS,
SE DILIGENTEMENTE OUVIRDES A MINHA VOZ E GUARDARDES A MINHA ALIANÇA ”
(Ex 19.5a – destaque meu). Os estatutos da aliança serã o dados na
sequência, o chamado “livro da aliança” (Ex 20–23), além dos
dispositivos que regulavam o culto e os sacrifícios, mas a obediência
a todo esse có digo legal já é assunto do tratado. A conjunçã o “se” (
“IM ”, em hebraico), em seu uso condicional, [297] fornece uma
característica ú nica dentro das alianças: um cará ter condicional. Por
esse motivo, diferente de todas as outras alianças, os benefícios
divinos estavam atrelados a certas condiçõ es a serem cumpridas por
Israel. Mas note bem: nã o é a validade da aliança que é condicional,
mas os benefícios que ela irá prover.
Portanto, feita a proposta, Deus oferece os benefícios: “Entã o, sereis
a minha PROPRIEDADE PECULIAR DENTRE TODOS OS POVOS ; PORQUE TODA A
TERRA É MINHA; VÓ S ME SEREIS REINO DE SACERDOTES E NAÇÃO SANTA ” (Ex
19.5b-6a – destaque meu). Como “propriedade peculiar”, os
israelitas teriam um relacionamento especial com Deus e ocupariam
um lugar ímpar dentro do seu plano. Como “reino de sacerdotes”,
eles desempenhariam uma funçã o mediató ria entre Deus e as outras
naçõ es, seja por meio do testemunho que deveriam dar no
relacionamento com Deus, seja por meio da obra de alcance mundial
do israelita Jesus Cristo. E como “naçã o santa”, eles foram
“separados” nas naçõ es do mundo a fim de andar como uma naçã o
“separada” para o serviço e para a gló ria de Deus.
Por ser uma aliança diferente daquelas que Deus se comprometeu
unilateralmente, esse acordo condicional precisava da participaçã o
voluntá ria do povo de Israel e do seu comprometimento oficial.
Sendo assim, o mediador [298] Moisés “ CHAMOU OS ANCIÃ OS DO POVO
E EXPÔ S DIANTE DELES TODAS ESTAS PALAVRAS QUE O SENHOR LHE HAVIA
ORDENADO” . Essa nã o era uma decisã o que Moisés podia tomar
sozinho, pois sozinho nã o poderia cumprir a aliança. “Entã o, o povo
respondeu à uma: TUDO O QUE O SENHOR FALOU FAREMOS . E MOISÉ S
RELATOU AO SENHOR AS PALAVRAS DO POVO” ( Ex 19.8 – destaque meu).
Com esse acordo prévio, a aliança foi formulada. Imediatamente, foi
acordado entre Deus e Israel o que pode ser chamado de aliança
sinaítica (Ex 20 – Nm 10), visto que foi celebrada no Sinai. Nã o se
trata de outra aliança que nã o a mosaica. Entretanto, há uma
segunda porçã o acordada quatro décadas depois com a segunda
geraçã o de israelitas – visto que a primeira geraçã o de rebelou (Nm
14) e morreu no deserto –, conhecida como “aliança palestiniana”
(Deuteronô mio), já que foi celebrada na Palestina, mais
precisamente em Moabe, na Transjordâ nia. A uniã o dessas duas
porçõ es forma o que conhecemos como aliança mosaica.
O formato utilizado para fazer essa aliança – tanto a sinaítica, como
a palestiniana – era conhecido das pessoas do Oriente Médio Antigo.
[299] Assim como Deus usou um modo contratual corrente nos dias
de Abraã o para entrar em aliança com ele, fez o mesmo no caso dos
israelitas lançando mã o da estrutura de um “tratado de suserania”.
Esse tipo de tratado era utilizado entre naçõ es, no caso de uma
naçã o mais forte exigir obediência de outra naçã o mais fraca. O mais
forte era o “suserano” e o mais fraco, o “vassalo”. Os termos
contratuais visavam a fazer com que o forte nã o destruísse o fraco e
com que o fraco se submetesse. Dadas as circunstâ ncias, o tratado
beneficiava os dois lados, visto que o suserano tinha garantida a sua
preeminência e o vassalo, além de nã o ser destruído, tinha
benefícios previstos no acordo como proteçã o de inimigos externos.
Nos dias de Moisés, os hititas usavam desse expediente para entrar
em acordo com outros reinos, principalmente com os arameus.
O tratado de suserania do império Hitita (1450-1200 a.C.) –
contemporâ neo do êxodo (1406 a.C.) –, continha os seguintes
componentes: (1) Preâ mbulo; (2) pró logo histó rico; (3) as
estipulaçõ es; (4) provisã o para depó sito no templo e leitura pú blica
perió dica; (5) a lista de deuses como testemunhas; (6) a fó rmula de
maldiçõ es e bênçã os; (7) o juramento formal pelo qual o vassalo
prometia sua obediência; (8) alguma cerimô nia solene que
acompanhava o juramento, ou que fosse um juramento simbó lico;
(9) algum tipo de forma para iniciar processo contra um vassalo
rebelde. [300]
A aliança mosaica apresenta esse formato. Nã o é difícil imaginar a
imagem que o Senhor quis produzir na mente dos israelitas: [301]
um relacionamento “susserano-vassalo” em que Deus, depois de
livrar Israel da suserania egípcia, seria agora, ele mesmo, o suserano
que governaria a naçã o de Israel. [302] Quanto aos israelitas, lhe
seriam vassalos obedientes e submissos. É possível ver esse formato
no conjunto completo das leis do Sinai (Ex 20 – Nm 10) e na
renovaçã o da aliança nas planícies de Moabe (Deuteronô mio).
Desse modo, o Senhor apresentou os termos da aliança no Sinai:
Preâmbulo : O início do tratado de suserania continha a
identificaçã o do autor do tratado e seu título. Portanto, o
Senhor introduz a aliança nos seguintes termos: “ EU SOU O
SENHOR, TEU DEUS” ( Ex 20.2a).
Prólogo histórico : Recordava-se o relacionamento prévio
entre as partes, o suserano e o vassalo. O Senhor lhes
lembra o passado recente: “Que te tirei da terra do Egito, da
casa da servidã o” (Ex 20.2b).
Estipulações : Eram as obrigaçõ es impostas sobre o vassalo
que, no acordo, eram aceitas por ele. Nesse sentido, o
Senhor estipulou o modo como os israelitas iriam servi-lo,
enaltecendo um procedimento reto e íntegro (Ex 20.3–
23.33). Outras estipulaçõ es estã o em Ê xodo 35–39, no livro
de Levítico e em trechos de Nú meros.
Provisão para depósito no templo e leitura pública periódica :
Como o tratado nã o envolvia somente o rei vassalo, toda a
naçã o vassala deveria ouvir periodicamente os termos do
tratado para se familiarizar com ele e segui-lo. Quando nã o
estava sendo lido ao povo, o tratado ficava guardado em um
templo, já que, na visã o antiga, ele era protegido pelos
deuses. Seguindo esse parâ metro, Deus indicou um local
para as tá buas da lei dentro do taberná culo: “ E PORÁ S NA
ARCA O TESTEMUNHO, QUE EU TE DAREI. [...] PORÁ S O
PROPICIATÓ RIO EM CIMA DA ARCA; E DENTRO DELA PORÁ S O
TESTEMUNHO, QUE EU TE DAREI” ( Ex 25.16,21). [303] Quanto
à leitura perió dica, [304] ordenou na porçã o palestiniana
da lei: “ ORDENOU-LHES MOISÉ S, DIZENDO: AO FIM DE CADA SETE
ANOS, PRECISAMENTE NO ANO DA REMISSÃ O, NA FESTA DOS
TABERNÁ CULOS, QUANDO TODO O ISRAEL VIER A COMPARECER
PERANTE O SENHOR, TEU DEUS, NO LUGAR QUE ESTE ESCOLHER,
LERÁ S ESTA LEI DIANTE DE TODO O ISRAEL” (DT 31.1 0,11 – ver,
também, v.12,13). [305]
Testemunhas : Uma parte importante desse tratado eram as
testemunhas, normalmente deuses que trariam puniçõ es
caso o trato fosse quebrado. Nã o havendo ninguém maior
que o Senhor Deus para agir de testemunha, ele tomou
elementos da criaçã o para essa finalidade: “ OS CÉ US E A
TERRA TOMO, HOJE, POR TESTEMUNHAS CONTRA TI, QUE TE PROPUS A
VIDA E A MORTE, A BÊ NÇÃ O E A MALDIÇÃ O; ESCOLHE, POIS, A VIDA,
PARA QUE VIVAS, TU E A TUA DESCENDÊ NCIA” (DT 30.19 cf. 31.28).
Fórmula de maldições e bênçãos : Estipulaçõ es penais pela
quebra do contrato também faziam parte do acordo. Por
outro lado, a obediência traria vantagens ao vassalo.
Levítico 26 atua nesse sentido – como Deuteronô mio 28, na
aliança palestiniana. As fó rmulas que introduzem as bênçã o
e maldiçõ es condicionadas ao procedimento do povo
israelita sã o: “ SE ANDARDES NOS MEUS ESTATUTOS , GUARDARDES
OS MEUS MANDAMENTOS E OS CUMPRIRDES, ENTÃO, EU VOS DAREI ...
[...] MAS, SE ME NÃO OUVIRDES E NÃO CUMPRIRDES TODOS ESTES
MANDAMENTOS ; SE REJEITARDES OS MEUS ESTATUTOS, E A VOSSA
ALMA SE ABORRECER DOS MEUS JUÍZOS, A PONTO DE NÃ O CUMPRIR
TODOS OS MEUS MANDAMENTOS, E VIOLARDES A MINHA ALIANÇA,
ENTÃO, EU VOS FAREI ISTO ...” (Lv 26.3,4a; 14-16a – destaque
meu).
Juramento formal : As estipulaçõ es dadas pelo suserano
deviam ser aceitas oficialmente pelo vassalo e respeitadas
sob força de juramento. [306] No caso da aliança mosaica,
o povo se manifestou ao ouvir os termos da aliança: “ VEIO,
POIS, MOISÉ S E REFERIU AO POVO TODAS AS PALAVRAS DO SENHOR E
TODOS OS ESTATUTOS; ENTÃ O, TODO O POVO RESPONDEU A UMA VOZ
E DISSE: TUDO O QUE FALOU O SENHOR FAREMOS” ( Ex 24.3 – ver
v.7).
Cerimônia solene : Normalmente, uma cerimô nia pú blica
acompanhava o juramento da aliança e conferia a ele um
cará ter solene. Com Israel nã o foi diferente, visto que
celebrou a aliança mosaica oferecendo sangue sacrificial ao
Senhor e tendo uma refeiçã o comunitá ria (Ex 24.1-18).
[307]
Processo contra um vassalo rebelde : Quem nã o se adequasse
ao acordo fechado entre as naçõ es, era de imediato punido.
No Sinal, a aliança mal havia sido celebrada e o povo
enveredou no caminho da idolatria fazendo para si um
bezerro de ouro (Ex 32.1-8). A puniçã o declarada pelo
Senhor era extremamente dura: “ TENHO VISTO ESTE POVO, E
EIS QUE É POVO DE DURA CERVIZ.
AGORA, POIS, DEIXA-ME, PARA QUE
SE ACENDA CONTRA ELES O MEU FUROR, E EU OS CONSUMA; E DE TI
FAREI UMA GRANDE NAÇÃ O” ( Ex 32.9b-10). Assim teria
acontecido se Deus nã o tivesse atendido o pedido de Moisés
por misericó rdia (Ex 32.11-24). Desse modo, apenas os que
se envolveram na idolatria foram mortos (Ex 32.25-29).
[308]
RESUMO
:
Celebrada primeiramente no Sinai (1446 a.C.) e repetida
nas planícies de Moabe (c. 1407-1406 a.C.).
Nã o substituía a aliança abraâ mica, nem alterava suas
promessas. Apenas criava condiçõ es de desfrute de tais
bênçã os.
Regulamentava a vida do povo da aliança (Israel) visando a
estabelecer seu modo de vida e de culto na terra prometida.
Outras naçõ es nã o entram nesse pacto, a nã o ser que
passassem a fazer parte de Israel.
Por meio da obediência à aliança, dava as condiçõ es para o
desfrute da bênçã o da presença de Deus.
A obediência também traria paz, prosperidade e
permanência na terra prometida para cada geraçã o. A
desobediência traria o oposto: guerra, carestia e exílio.
A condiçã o de obediência nã o era cumprida por um
ritualismo mecâ nico, mas por um coraçã o dedicado e ligado
ao Senhor, o qual produziria uma vida onde a justiça
dirigiria todos os relacionamentos. [309]
Apesar do cará ter permanente da aliança assim que
celebrada no Sinai, deveria ser renovada regularmente e
relembrada ao povo, de geraçã o em geraçã o, pela leitura
pú blica da lei. Cada geraçã o deveria renovar sua aliança
com Deus e assumir para si o compromisso feito pelos seus
pais.
O que ela produzia de resultados prá ticos para os israelitas
dependia da sua obediência ou nã o à aliança. Desse modo,
apesar da aliança ter um cará ter permanente, seu resultado
era condicional.
Pressupõ e a futura habitaçã o de Israel nos limites plenos da
terra prometida por meio da açã o de Jesus, o descendente
de Abraã o.
3. A aliança davídica
Certo dia, Davi notou o disparate entre a sua habitaçã o, o palá cio
real em Jerusalém, e a habitaçã o da arca do Senhor, um tipo de tenda
(2Sm 7.1,2). Imediatamente, Davi se propô s a fazer uma morada
melhor para a arca por meio da construçã o de um templo que
centralizasse a adoraçã o israelita em Jerusalém, [310] já que
nesses dias havia dois taberná culos, um em Gibeã o – o taberná culo
construído nos dias de Moisés – e outro em Jerusalém – que Davi
construiu para colocar a arca que estava em Quiriate-Jearim. [311]
Em lugar de o Senhor aceitar a casa de presente, ele fez o oposto. E
mais: prometeu uma casa para Davi: “ DAR-TE-EI, PORÉ M, DESCANSO DE
TODOS OS TEUS INIMIGOS; TAMBÉM O SENHOR TE FAZ SABER QUE ELE, O
SENHOR, TE FARÁ CASA ” (2Sm 7.11b – destaque meu). Diante disso,
ficou claro a Davi e aos leitores do livro de Samuel que o reinado de
Davi nã o seria estabelecido pelo que ele poderia fazer para Deus,
mas pelo que Deus faria por ele. [312]
Ao prometer a Davi uma casa, o Senhor nã o se referiu a uma
construçã o, visto que o pró prio texto revela a propriedade de uma
boa casa real: “Disse o rei [Davi] ao profeta Natã : Olha, EU MORO EM
CASA DE CEDROS ” (2Sm 7.2a – destaque meu). Sendo assim, o Senhor
se referiu a uma “dinastia real”. Se a aliança abraâ mica prometeu
aos israelitas uma “terra”, a aliança davídica [313] prometeu a
Davi e ao povo de Israel um “trono” e uma “descendência real”: “ FIZ
ALIANÇA COM O MEU ESCOLHIDO E JUREI A DAVI , MEU SERVO: PARA SEMPRE
ESTABELECEREI A TUA POSTERIDADE E FIRMAREI O TEU TRONO DE GERAÇÃO EM
GERAÇÃO ” (Sl 89.3,4 – destaque meu). Na verdade, essa aliança nada
mais é do que uma especificaçã o da aliança abraâ mica, já que ela já
havia anunciado a existência de uma monarquia israelita.
Sendo assim, a aliança davídica também nã o substitui a abraâ mica,
mas se soma a ela no que tange à liderança política de Israel. Se a
aliança abraâ mica previu reis (Gn 17.6,16) vindos da tribo de Judá
(Gn 49.10), a aliança do Senhor com Davi identificou a linhagem
davídica como a dinastia específica pela qual o reino israelita seria
dirigido. O que há de marcante nessa promessa é a duraçã o desse
reinado, pois seria “perpétuo”, assim como a posse da terra
prometida a Abraã o.
A recusa divina de receber de Davi a construçã o de um templo – isso
só ocorreu no reinado de Salomã o, filho de Davi – serviu para frisar
que a aliança davídica nã o era uma troca de favores, mas uma
promessa unilateral iniciada pelo pró prio Senhor de maneira
incondicional, ou seja, nã o dependia de condiçõ es humanas para que
fosse levada a cabo. Assim, depois de dizer “te farei casa”, Deus
continuou: “Quando teus dias se cumprirem e descansares com teus
pais, entã o, FAREI LEVANTAR DEPOIS DE TI O TEU DESCENDENTE, QUE
PROCEDERÁ DE TI, E ESTABELECEREI O SEU REINO . ESTE EDIFICARÁ UMA CASA
AO MEU NOME, E EU ESTABELECEREI PARA SEMPRE O TRONO DO SEU REINO ”
(2Sm 7.12,13 – destaque meu).
Certamente, a parte menos importante desse trecho é a que mais
chama atençã o: “Este edificará uma casa ao meu nome”. Entretanto,
esse nã o é o centro dessa aliança. Deus mesmo frisou a verdade de
que ele nunca habitou em uma casa entre os israelitas, mas sempre
andou entre eles no taberná culo (2Sm 7.6). Apesar disso, o filho de
Davi realizaria esse empreendimento que Davi desejou. Se o templo
nã o era o centro da aliança, qual era?
A resposta tem a ver com a descendência real de Davi. Deus garantiu
ao rei que levantaria seu descendente e “estabeleceria o seu reino”.
Diferente do que ocorreu a Saul, o reinado de Israel nã o passaria a
outra dinastia. E mais: Deus estabeleceria “para sempre o trono do
seu reino”. Essa é a garantia incondicional de um trono “perpetuo”
da linhagem davídica.
Apesar da incondicionalidade da promessa, um fator condicional
está presente, nem tanto pela promessa do trono em si, mas por
apontar para pessoas israelitas que estavam sob o tratamento
condicional da aliança mosaica. Assim, o Senhor fala do filho de Davi
algo que vale para toda a linhagem: “ EU LHE SEREI POR PAI, E ELE ME
SERÁ POR FILHO; SE VIER A TRANSGREDIR, CASTIGÁ-LO-EI COM VARAS DE
HOMENS E COM AÇOITES DE FILHOS DE HOMENS ” (2Sm 7.14 – destaque
meu). O que o Senhor faz aqui nada mais é que reafirmar as
maldiçõ es da aliança mosaica pela desobediência (ver Lv 26 e Dt
28). [314]
Entretanto, apesar do tratamento condicional da aliança mosaica, o
benefício da aliança davídica – a garantia do “trono perpétuo” –
jamais seria esquecido ou rejeitado, pelo que Deus garante na
sequência: “Mas a minha misericó rdia se nã o apartará dele, como a
retirei de Saul, a quem tirei de diante de ti. Porém a tua casa e o teu
reino serã o firmados para sempre diante de ti; teu trono será
estabelecido para sempre” (2Sm 7.15,16). Essa é a garantia de que
até o final da histó ria da humanidade haverá um descendente real
da casa de Davi e um trono em Israel onde esse rei exercerá seu
poder governamental.
Essa mesma dinâ mica – puniçã o dos indivíduos pecadores da
dinastia da aliança, mas a garantia do trono e do reino
perpetuamente – se vê no Salmo 89. Ele anuncia a puniçã o dos reis
pecadores: “ SE OS SEUS FILHOS DESPREZAREM A MINHA LEI E NÃ O ANDAREM
NOS MEUS JUÍZOS, SE VIOLAREM OS MEUS PRECEITOS E NÃ O GUARDAREM OS
MEUS MANDAMENTOS, ENTÃ O, PUNIREI COM VARA AS SUAS TRANSGRESSÕ ES E
COM AÇOITES, A SUA INIQUIDADE” (Sl 89.30-32). Entretanto, garante:
MAS JAMAIS RETIRAREI DELE A MINHA BONDADE, NEM DESMENTIREI A MINHA FIDELIDADE . NÃO VIOLAREI A MINHA ALIANÇA , NEM MODIFICAREI O QUE OS MEUS LÁ BIOS
PROFERIRAM. UMA VEZ JUREI POR MINHA SANTIDADE (E SEREI EU FALSO A DAVI?): A SUA POSTERIDADE DURARÁ PARA SEMPRE, E O SEU TRONO, COMO O SOL PERANTE
MIM. ELE SERÁ ESTABELECIDO PARA SEMPRE COMO A LUA E FIEL COMO A TESTEMUNHA NO ESPAÇO (SL 89.33-37 CF. V.3,4,28,29 – DESTAQUE MEU).
O Antigo Testamento vê a aliança davídica se cumprir plenamente
em um rei especial, nascido em Belém, “ CUJAS ORIGENS SÃ O DESDE OS
TEMPOS ANTIGOS, DESDE OS DIAS DA ETERNIDADE ” (Mq 5.2). Ele viria
somente depois de a linhagem de Davi ser, de fato, punida conforme
a pró pria prescriçã o da aliança [315] – Miquéias 5.1 diz: “pô r-se-á
sítio contra nó s; ferirã o com a vara a face do juiz de Israel”.
Tendo o cumprimento de Miquéias 5.1 ocorrido em 587 a.C. com o
destronamento de Zedequias, o ú ltimo rei da casa de Davi a reinar
em Israel, o Novo Testamento identifica Jesus como o herdeiro do
trono davídico e garante seu futuro reinado na mesma funçã o
ocupada por antecessor, o rei Davi, pelo que o anjo garante a Maria:
“ ESTE SERÁ GRANDE E SERÁ CHAMADO FILHO DO ALTÍSSIMO; DEUS, O
SENHOR, LHE DARÁ O TRONO DE DAVI, SEU PAI” (LC 1.32).
Para que nã o se confunda o cará ter desse reinado, o anjo completa:
“Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó , e o seu reinado nã o
terá fim” (Lc 1.33). Esse é o pleno cumprimento da aliança davídica.
Se hoje nã o há um rei da dinastia de Davi reinando em Jerusalém
sobre a naçã o de Israel, é por causa do tratamento condicional
disciplinar que essa aliança previu. Mas a garantia do trono existe e,
no momento que Deus preparou para tanto, Jesus retornará e
assumirá seu lugar no trono de Davi cumprindo a aliança de cará ter
perpétuo.
O momento desse cumprimento é vislumbrado em um momento
que, para nó s, ainda é futuro: “O sétimo anjo tocou a trombeta, e
houve no céu grandes vozes, dizendo: O REINO DO MUNDO SE TORNOU DE
NOSSO SENHOR E DO SEU CRISTO , E ELE REINARÁ PELOS SÉ CULOS DOS
SÉ CULOS” (Ap 11.5). O fato de essas vozes dizerem que o reino “se
tornou” [316] indica que eles nã o se referem ao reinado eterno e
soberano do Senhor sobre o universo, mas de um reinado específico
que ele nã o teve sempre e que, na verdade, ainda nã o assumiu. Por
isso, a açã o seguinte se vê no tempo futuro mesmo da perspectiva
daqueles dias: “e ele REINARÁ PELOS SÉ CULOS DOS SÉ CULOS” (AP 11.5B –
DESTAQUE MEU).
RESUMO
:
Celebrada no Monte Siã o (Jerusalém).
Iniciada por Deus e garantida unilateralmente por Ele.
Promessa de uma dinastia contínua e de um herdeiro
eterno especialmente prenunciado, cujo cará ter divino
promoverá um reinado de justiça plena.
Promessa de um trono perpétuo cujo reino, também
perpétuo, é a naçã o de Israel, a qual Davi governou.
O rei eterno, da dinastia de Davi, exercerá , também,
preeminência sobre as naçõ es. [317]
Tratamento condicional aos indivíduos da dinastia, com
promessa de disciplina temporal para os reis que pecassem
conforme as prescriçõ es da aliança mosaica.
Aliança de cará ter incondicional.
Pressupõ e o futuro reinado de Jesus, o descendente de Davi,
sobre Israel restaurado e assentado na terra prometida.
4. A nova aliança
Por fim, a ú ltima aliança anunciada no Antigo Testamento é a “nova
aliança”. Esse termo foi cunhado no livro de Jeremias, mas está
presente na pena de vá rios profetas. Para entender a nova aliança, é
necessá rio entender a dinâ mica da promessa de purificaçã o de
Israel seguida do estabelecimento pleno e definitivo da naçã o na
terra prometida e sob o trono prometido.
Já falamos sobre esse estabelecimento de Israel quando nos
referimos ao Dia do Senhor. Mediante a puniçã o das naçõ es, o
Senhor traria estabilidade aos israelitas: “Porque o Dia do SENHOR
ESTÁ PRESTES A VIR SOBRE TODAS AS NAÇÕ ES. [...] MAS, NO MONTE SIÃ O,
HAVERÁ LIVRAMENTO; O MONTE SERÁ SANTO; E OS DA CASA DE JACÓ
POSSUIRÃO AS SUAS HERDADES ” (Ob 15a,17 – destaque meu). Contudo,
esse anú ncio primá rio foi acrescido de certa dinâ mica para seu
cumprimento, a qual envolve a prévia puniçã o do pecado de Israel
antes haja o restabelecimento nã o apenas territorial, mas também
relacional, na qual a comunhã o com Deus será verdadeira. [318]
Isso se pode ver em Isaías 2. [319] O Senhor promete um futuro
restaurado e glorioso para Israel e para o mundo por meio de Israel:
NOS Ú LTIMOS DIAS, ACONTECERÁ QUE O MONTE DA CASA DO SENHOR SERÁ ESTABELECIDO NO CIMO DOS MONTES E SE ELEVARÁ SOBRE OS OUTEIROS, E PARA ELE AFLUIRÃ O
TODOS OS POVOS. IRÃ O MUITAS NAÇÕ ES E DIRÃ O: VINDE, E SUBAMOS AO MONTE DO SENHOR E À CASA DO DEUS DE JACÓ , PARA QUE NOS ENSINE OS SEUS CAMINHOS, E
ANDEMOS PELAS SUAS VEREDAS; PORQUE DE SIÃ O SAIRÁ A LEI, E A PALAVRA DO SENHOR, DE JERUSALÉ M. ELE JULGARÁ ENTRE OS POVOS E CORRIGIRÁ MUITAS NAÇÕ ES;
ESTAS CONVERTERÃ O AS SUAS ESPADAS EM RELHAS DE ARADOS E SUAS LANÇAS, EM PODADEIRAS; UMA NAÇÃ O NÃ O LEVANTARÁ A ESPADA CONTRA OUTRA NAÇÃ O, NEM
Porém, as condiçõ es de Israel nos dias de Isaías nã o condizem com a
realidade da promessa futura, pois o povo é injusto, idó latra (Is 2.6-
8). Por isso, o juízo do Senhor também punirá os israelitas
incrédulos e pecadores, cheios de orgulho e de malícia (Is 2.9-22).
Por esta razã o, o estabelecimento pleno sempre é anunciado na
forma de um livramento e de uma restauraçã o. O pecado de Israel
lhes produz, pela aliança mosaica, um inevitá vel juízo.
Assim, o profetas primeiro anunciam o juízo nacional – pela
condicionalidade da aliança mosaica – e depois, para consolo e
esperança do remanescente fiel, anunciam a restauraçã o da naçã o
na terra prometida – pela incondicionalidade da aliança abraâ mica.
Como a aliança davídica também é incondicional e está diretamente
ligada à abraâ mica, os profetas também anunciam, mediante a
restauraçã o nacional, o estabelecimento do trono justo, santo e
perpétuo do rei eterno. QUE FONTE MARAVILHOSA DE CONSOLO E
ESPERANÇA!
A restauraçã o geopolítica, entretanto, nã o pode acontecer sem que
haja uma restauraçã o espiritual de ordem nacional. Nã o há bênçã os
para uma naçã o rebelde, orgulhosa e distante de Deus. Por isso, a
promessa de Isaías 2.2-4 é seguida do convite: “ VINDE, Ó CASA DE
JACÓ , E ANDEMOS NA LUZ DO SENHOR ” (Is 2.5 – destaque meu). Essa
dinâ mica está presente na mensagem de vá rios profetas.
Nesse mesmo contexto, o profeta Jeremias, em meio à mensagem de
uma puniçã o iminente por meio da destruiçã o de Jerusalém e do
desterro dos israelitas, apresenta a mensagem de esperança em uma
redençã o e restauraçã o plena a acontecer no futuro, promovendo
um novo modo de relacionamento entre Israel e Deus. [320] Essa
mensagem vem no formato de uma aliança do Senhor com Israel:
“Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei NOVA ALIANÇA COM A
CASA DE ISRAEL E COM A CASA DE JUDÁ ” (Jr 31.31 – destaque meu). As
primeiras perguntas a serem feitas sã o “por que NOVA aliança?” e “se
essa é a nova , qual é, entã o, a velha ?”. Felizmente, o contexto irá
responder essas duas justas indagaçõ es.
A sequência imediata explica a categoria dessa aliança: “ NÃO
CONFORME A ALIANÇA QUE FIZ COM SEUS PAIS , NO DIA EM QUE OS TOMEI PELA
MÃ O, PARA TIRÁ -LOS DA TERRA DO EGITO; PORQUANTO ELES ANULARAM A
MINHA ALIANÇA, NÃ O OBSTANTE EU OS HAVER DESPOSADO, DIZ O SENHOR ” (Jr
31.32). Essa é uma descriçã o da aliança mosaica, celebrada com os
israelitas retirados do Egito e levados para o Sinai. Ao afirmar que a
nova aliança é diferente aliança feita com os pais, entende-se que a
nova aliança é uma contraposiçã o – “ Não conforme a aliança...” – à
aliança mosaica, a qual é envelhecida pelo surgimento da nova: “
QUANDO ELE DIZ NOVA [ALIANÇA], TORNA ANTIQUADA A PRIMEIRA. ORA,
AQUILO QUE SE TORNA ANTIQUADO E ENVELHECIDO ESTÁ PRESTES A
DESAPARECER” (Hb 8.13).
Se até aqui fica claro que a nova aliança substitui a aliança mosaica,
somente na sequência é especificado o modo e o objeto dessa
substituiçã o. Se Jeremias 31.32 diz que os israelitas debaixo da
aliança mosaica “ ANULARAM A MINHA ALIANÇA, não obstante eu os haver
desposado ”, a sequência oferece o modo como Deus reverterá esse
afastamento na nova aliança: “ PORQUE ESTA É A ALIANÇA QUE FIRMAREI
COM A CASA DE ISRAEL, DEPOIS DAQUELES DIAS, DIZ O SENHOR: NA MENTE,
LHES IMPRIMIREI AS MINHAS LEIS, TAMBÉM NO CORAÇÃO LHAS INSCREVEREI; EU
SEREI O SEU DEUS, E ELES SERÃO O MEU POVO ” (Jr 31.33). Sendo assim, a
apostasia será substituída por uma atitude de fidelidade a Deus.
[321] A cobrança divina de obediência permanece, mas Deus lhes
concede a obediência , ATENDENDO À NECESSIDADE DO HOMEM PECADOR
EXPRESSA NA ORAÇÃ O DE AGOSTINHO: “CONCEDE-NOS O QUE NOS ORDENAS, E
ORDENA O QUE QUISERES”. [322]
A lei mosaica teve seu início gravado em tá buas de pedras (Ex
32.15,16). Elas continham um có digo legal justo que o povo nã o
guardou, trazendo sobre si condenaçã o. Por fim, o efeito prá tico da
velha aliança sobre o homem foi trazer conhecimento do pecado
(Rm 3.20; 7.7), suscitar a ira de Deus (Rm 4.15), fazer avultar a
ofensa (Rm 5.20) e produzir morte (Rm 7.10), pelo que também foi
chamada de “ministério da morte gravado com letras em pedras”
(2Co 3.7). Seria a lei ruim? Nã o, mas o pecado que há no homem
torna a lei inú til para salvar quem quer que seja:
ACASO O BOM SE ME TORNOU EM MORTE? DE MODO NENHUM! PELO CONTRÁ RIO, O PECADO, PARA REVELAR-SE COMO PECADO, POR MEIO DE UMA COISA BOA, CAUSOU-ME A
MORTE, A FIM DE QUE, PELO MANDAMENTO, SE MOSTRASSE SOBREMANEIRA MALIGNO. PORQUE BEM SABEMOS QUE A LEI É ESPIRITUAL; EU, TODAVIA, SOU CARNAL, VENDIDO
SENHOR DOS EXÉ RCITOS É O SEU NOME. SE FALHAREM ESTAS LEIS FIXAS DIANTE DE MIM, DIZ O SENHOR, DEIXARÁ TAMBÉ M A DESCENDÊ NCIA DE ISRAEL DE SER UMA NAÇÃ O
DIANTE DE MIM PARA SEMPRE. ASSIM DIZ O SENHOR: SE PUDEREM SER MEDIDOS OS CÉ US LÁ EM CIMA E SONDADOS OS FUNDAMENTOS DA TERRA CÁ EMBAIXO, TAMBÉ M EU
REJEITAREI TODA A DESCENDÊ NCIA DE ISRAEL, POR TUDO QUANTO FIZERAM, DIZ O SENHOR” (JR 31.35-37).
Sendo assim, toda a promessa de restauraçã o espiritual da naçã o de
Israel tem relaçã o com a nova aliança. Nesse sentido, Ezequiel 36
tem um lugar especial na compreensã o dessa aliança. [327] Com
uma dinâ mica semelhante à de Isaías 2, em que a restauraçã o futura
passa por um julgamento presente, Deus promete: “A SPERGIREI Á GUA
PURA SOBRE VÓ S, E FICAREIS PURIFICADOS; DE TODAS AS VOSSAS IMUNDÍCIAS E
DE TODOS OS VOSSOS ÍDOLOS VOS PURIFICAREI” (EZ 36.25). A FIGURA DA
Á GUA PROVÊ A IDEIA DA PURIFICAÇÃ O DOS PECADOS DOS ISRAELITAS, [328]
produzindo, também, justificaçã o.
Unido a isso, está a ideia da conversã o e transformaçã o: “Dar-vos-ei
coraçã o novo e porei dentro de vó s espírito novo; tirarei de vó s o
coraçã o de pedra e vos darei coraçã o de carne” (Ez 36.26). Até
mesmo traços da conversã o vivenciada pela Igreja atualmente se
farã o ver em Israel como a habitaçã o do Espírito Santo e a
santificaçã o de vida: “Porei dentro de vó s o meu Espírito e farei que
andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis”
(Ez 36.27). Essa é a descriçã o de uma conversã o e uma
transformaçã o espiritual.
Joel 2 também enfatiza o cará ter espiritual da futura restauraçã o
israelita. Depois de anunciar a vinda do Dia do Senhor e de,
mediante a mensagem de juízo, convidar a um arrependimento
verdadeiro, fruto de quebrantamento de coraçã o, o Senhor anuncia
“a inauguraçã o de uma nova era no relacionamento de Deus com seu
povo”: [329]
E ACONTECERÁ , DEPOIS, QUE DERRAMAREI O MEU ESPÍRITO SOBRE TODA A CARNE; VOSSOS FILHOS E VOSSAS FILHAS PROFETIZARÃ O, VOSSOS VELHOS SONHARÃ O, E VOSSOS
JOVENS TERÃ O VISÕ ES; ATÉ SOBRE OS SERVOS E SOBRE AS SERVAS DERRAMAREI O MEU ESPÍRITO NAQUELES DIAS. MOSTRAREI PRODÍGIOS NO CÉ U E NA TERRA: SANGUE, FOGO
E COLUNAS DE FUMAÇA. O SOL SE CONVERTERÁ EM TREVAS, E A LUA, EM SANGUE, ANTES QUE VENHA O GRANDE E TERRÍVEL DIA DO SENHOR. E ACONTECERÁ QUE TODO
AQUELE QUE INVOCAR O NOME DO SENHOR SERÁ SALVO; PORQUE, NO MONTE SIÃ O E EM JERUSALÉ M, ESTARÃ O OS QUE FOREM SALVOS, COMO O SENHOR PROMETEU; E,
A bênçã o espiritual da nova aliança, porém, nã o é desatrelada da
concessã o de bênçã os temporais como a reuniã o dos israelitas
espalhados pelo mundo em consequência das maldiçõ es da lei na
terra que lhes foi prometida. Isso fica claro ao olharmos o texto
anterior e o texto posterior de Ezequiel 36.25-27, em que a
conversã o nacional é prometida: “Tomar-vos-ei de entre as naçõ es, e
vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra.
[...] Habitareis na terra que eu dei a vossos pais; vó s sereis o meu
povo, e eu serei o vosso Deus” (Ez 36.24,28).
JOEL FAZ O MESMO, AO DIZER: “ EIS QUE, NAQUELES DIAS E NAQUELE TEMPO,
EM QUE MUDAREI A SORTE DE JUDÁ E DE JERUSALÉ M. [...] JUDÁ , PORÉ M, SERÁ
HABITADA PARA SEMPRE, E JERUSALÉ M, DE GERAÇÃ O EM GERAÇÃ O” ( JL
3.1,20).
também Jeremias o faz: “Eis que os trarei da terra do Norte e os
congregarei das extremidades da terra; e, entre eles, também os
cegos e aleijados, as mulheres grá vidas e as de parto; em grande
congregaçã o, voltarã o para aqui. Virã o com choro, e com sú plicas os
levarei; guiá -los-ei aos ribeiros de á guas, por caminho reto em que
nã o tropeçarã o; porque sou pai para Israel, e Efraim é o meu
primogênito” (Jr 31.8,9). Na verdade, no retorno à terra Jeremias vê
a restauraçã o das bênçã os de modo amplo:
O POVO DE DEUS TERIA CURA ESPIRITUAL E DESFRUTARIA DAS BÊ NÇÃ OS DIVINAS DE PAZ E PROSPERIDADE. OS ISRAELITAS DO NORTE E DO SUL VOLTARIAM À TERRA
(30.10; 31.27; 33.7) E SE ALEGRARIAM COM COLHEITAS FRUTÍFERAS E REBANHOS E MANADAS ABUNDANTES (31.4,5,24; 33.10-13). OS NORTISTAS IRIAM DE BOA
VONTADE A JERUSALÉ M (31.6) PARA CELEBRAR AS BÊ NÇÃ OS DO SENHOR (31.12-14). TENDO RECEBIDO PERDÃ O (33.6,8), OS EX-EXILADOS JÁ NÃ O LAMENTARIAM QUE
ESTAVAM SENDO FORÇADOS A SOFRER PELOS PECADOS DOS SEUS PAIS, MAS RECONHECERIAM QUE DEUS TRATA COM JUSTIÇA OS HOMENS EM BASE INDIVIDUAL (31.29,30 CF.
EZ 18.1-32).
[330]
É fá cil perceber a relaçã o da nova aliança com a aliança abraâ mica
(promessa da posse perpetua da terra prometida), de modo que o
cumprimento da nova garante o cumprimento da abraâ mica. Na
verdade, nã o coincidentemente nesse momento também se
cumprirá a aliança davídica (trono perpétuo do descendente de
Davi), pois tanto a conversã o como o retorno à terra se dã o debaixo
da atuaçã o do rei prometido e esperado: “E tu, Belém-Efrata,
pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá , de ti
me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens sã o desde os
tempos antigos, desde os dias da eternidade. [...] Ele se manterá
firme e apascentará o povo na força do Senhor , na majestade do
nome do Senhor, seu Deus; e eles habitarão seguros, porque, agora,
será ele engrandecido até aos confins da terra ” (Mq 5.2,4 cf. Ez
34.23,24 – destaque meu).
Por fim, Ezequiel aglutina o cumprimento das três alianças ao
prometer conversã o, posse da terra em um reino unificado sob o rei
davídico – a quem Ezequiel chama Davi – apontando, assim, para a
restauraçã o da dinastia davídica: [331]
DIZE-LHES, POIS: ASSIM DIZ O SENHOR DEUS: EIS QUE EU TOMAREI OS FILHOS DE ISRAEL DE ENTRE AS NAÇÕ ES PARA ONDE ELES FORAM, E OS CONGREGAREI DE TODAS AS
PARTES, E OS LEVAREI PARA A SUA PRÓ PRIA TERRA. FAREI DELES UMA SÓ NAÇÃ O NA TERRA, NOS MONTES DE ISRAEL, E UM SÓ REI SERÁ REI DE TODOS ELES. NUNCA MAIS
SERÃ O DUAS NAÇÕ ES; NUNCA MAIS PARA O FUTURO SE DIVIDIRÃ O EM DOIS REINOS. NUNCA MAIS SE CONTAMINARÃ O COM OS SEUS ÍDOLOS, NEM COM AS SUAS ABOMINAÇÕ ES,
NEM COM QUALQUER DAS SUAS TRANSGRESSÕ ES; LIVRÁ -LOS-EI DE TODAS AS SUAS APOSTASIAS EM QUE PECARAM E OS PURIFICAREI. ASSIM, ELES SERÃ O O MEU POVO, E EU
SEREI O SEU DEUS. O MEU SERVO DAVI REINARÁ SOBRE ELES; TODOS ELES TERÃ O UM SÓ PASTOR, ANDARÃ O NOS MEUS JUÍZOS, GUARDARÃ O OS MEUS ESTATUTOS E OS
OBSERVARÃ O. HABITARÃ O NA TERRA QUE DEI A MEU SERVO JACÓ , NA QUAL VOSSOS PAIS HABITARAM; HABITARÃ O NELA, ELES E SEUS FILHOS E OS FILHOS DE SEUS FILHOS,
PARA SEMPRE; E DAVI, MEU SERVO, SERÁ SEU PRÍNCIPE ETERNAMENTE. FAREI COM ELES ALIANÇA DE PAZ; SERÁ ALIANÇA PERPÉ TUA.
[332] ESTABELECÊ -LOS-
EI, E OS MULTIPLICAREI, E POREI O MEU SANTUÁ RIO NO MEIO DELES, PARA SEMPRE (EZ 37.21-26 – DESTAQUE MEU).
RESUMO:
A ser celebrada no futuro com o povo de Israel. [333]
É uma aliança diferente da aliança mosaica no sentido de
produzir pela graça os resultados que a obediência à lei nã o
produziu. Sendo assim, substitui a aliança mosaica.
Foi iniciada por Deus e é garantida por ele.
Garantirá o cumprimento da promessa da posse perpétua
da terra, envolvendo uma reuniã o na terra prometida dos
israelitas que estã o dispersos pelo mundo.
É cumprida no e pelo rei que se levantará em cumprimento
à aliança davídica.
Dará a Israel uma nova relaçã o com Deus por meio da
conversã o e do perdã o de pecados promovidos pelo Senhor.
É uma aliança de cará ter incondicional.
Pressupõ e a futura conversã o nacional de Israel e seu
retorno e posse da terra prometida pela instrumentalidade
de Jesus.
_____________
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
1. Qual é a contribuiçã o do Antigo Testamento para a doutrina
reformada da eleiçã o?
2. Por que Deus escolheu Israel para ser-lhe um povo particular?
3. O que sã o alianças no Antigo Testamento?
4. Que aliança prevê salvaçã o para pessoas de todas as naçõ es e por
que meio ela previu tal benefício?
5. Qual é a relaçã o entre a igreja dos nossos dias e a aliança mosaica?
Conclusão
LÂ MPADA PARA OS MEUS PÉ S É A TUA PALAVRA E LUZ PARA OS MEUS
CAMINHOS ( SL 119.105).
DIANTE
Antigo Testamento, percebemos a importâ ncia do
DOS FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DO
A ,Y
HARONI , M. A -Y
OHANAN E . T M
VI B A
. NEW YORK: MACMILLAN, 1977.
ONAH HE ACMILLAN IBLE TLAS
PRESS, 1966.