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Table of Contents

Introduçã o
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Conclusã o
Elementos da Teologia do Antigo Testamento
 
 
Thomas Tronco dos Santos
 
Sumário
 
 
Agradecimentos
Prefácio
Introdução
 
Capítulo 1
A Teologia do Antigo Testamento
 
Capítulo 2
O Criador
 
Capítulo 3
A Criaçã o
 
Capítulo 4
O Pecado

Capítulo 5
A Puniçã o
 
Capítulo 6
A Salvaçã o
 
Capítulo 7
A Comunhã o
 
Capítulo 8
Os Decretos
 
Conclusão
Bibliografia Consultada
Bibliografia de Consulta Sugerida
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Agradecimentos
 
Agradeço a Deus, meu redentor, pelo privilégio
imerecido de servi-lo.
Aos meus mestres por excelência, Pr. Marcos
Granconato, um irmã o, e Pr. Carlos Osvaldo Cardoso
Pinto, um pai.
Ao meu amigo Manoel Amorim, que lê tudo o que eu
escrevo fazendo preciosas sugestõ es e encorajando...
sempre.
Ao Pr. Níckolas Ramos Borges, cujo trabalho de diagramaçã o
e arte ajudam de modo precioso a apresentaçã o de qualquer
bom conteú do teoló gico.
À minha igreja, pois cada um dos irmã os e amigos com
quem convivo faz de mim um crente e um pastor
melhor.
À minha família, especialmente minha esposa Caroline
e minha filha Gabriela, presentes do Deus amoroso e
soberano.

Prefácio
 
Nã o é fá cil escrever o prefá cio para o livro de um autor
que chama você de pai. É algo meio emocional e, por
isso, pode ser percebido erradamente pelo leitor
menos avisado. Sinto-me pai e me orgulho disso.
Thomas Tronco é meu filho no sentido em que Jesus
falava dos fariseus e seus filhos, da Sabedoria e seus
filhos, ou como Amó s, o ardoroso pregador da justiça
divina, referiu-se a si mesmo dizendo nã o ser “filho de
profeta”. Thomas é um filho-discípulo, e muito amado
como tal.
Lutou com as línguas originais, com a histó ria do
Oriente Médio Antigo, e com a exegese de todos os
tipos de literatura do Antigo Testamento. Eu o orientei
como professor e aprendi muito com isso. Thomas fez
parte de uma turma que faria a alegria de qualquer
professor – alunos questionadores, esforçados e
dispostos a pagar o preço de conhecer a fundo a
Palavra de Deus. Sei que em breve seus colegas o
seguirã o na árdua tarefa de escrever para ensinar.
É gratificante ver que o que discutimos e suamos em
sala de aula resulta em pensamento pró prio –
adquirido ou adaptado – na forma deste Elementos da
Teologia do Antigo Testamento .
Parabéns Thomas, por sua obra. Que ela seja bênçã o
na vida de muitos, cristã os ou não. Parabéns, igreja de
língua portuguesa, pela valiosa obra que chega à s suas
mã os.
 
Carlos Osvaldo Cardoso Pinto
Professor, autor, exegeta
Introdução
 
Ler o Antigo Testamento nã o é uma tarefa pequena.
Ler e compreendê-lo é ainda mais difícil. Eis uma das
razõ es pelas quais os cristã os da atualidade têm se
distanciado cada vez mais desse rico trecho da
revelaçã o.
É muito comum se ouvir, mesmo no meio evangélico,
que o Antigo Testamento é algo ultrapassado que foi
substituído pelo Novo Testamento, de modo a ter
pouca ou nenhuma utilidade para a igreja
contemporâ nea. Diante dessa triste realidade, Walter
Kaiser afirma:
 
O Antigo Testamento [...] é claramente ignorado e
frequentemente negligenciado no ministério de
pregaçã o e ensino da igreja. Essa negligência é
ainda mais frustrante quando as reivindicaçõ es e
os direitos do Antigo Testamento de ser recebido
como a poderosa Palavra de Deus sã o tã o fortes
quanto os do Novo Testamento. [1]
 
A equivocada opiniã o de que o Antigo Testamento é
inú til para a igreja é apenas um pouco mais frequente
do que a ideia de que o Deus do Antigo Testamento é
diferente do Deus dos evangelhos e das epístolas,
como se no intervalo da composiçã o das duas
coletâneas ele tivesse assumido outra postura ou até
mesmo tenha sofrido a transformaçã o do seu cará ter.
Propõ e-se, também, que tais escritos sã o voltados
exclusivamente para Israel e nã o para a Igreja de
Cristo.
Por outro lado, há outro segmento eclesiá stico que se
lança à lei e aos profetas sem compreender seu lugar
na revelaçã o e seu relacionamento com o Novo
Testamento e com a igreja, conferindo aos textos
significados e ensinos estranhos às Escrituras e ao
Cristianismo. Essa confusã o, frequentemente
encontrada sob a forma do legalismo, da prosperidade
ou do misticismo, tem causado tantos ou mais
prejuízos à igreja e à teologia.
Em contrapartida, a histó ria da igreja está repleta de
grandes homens, cujos ensinos ainda edificam o povo
de Deus, que beberam na fonte dos escritos mais
antigos da Bíblia. Chega a ser impressionante o modo
como tais homens foram marcados pelos relatos da
criaçã o e pelos conceitos divinos contidos nos salmos,
por exemplo. A nã o ser que minha impressã o dos
escritos dos cristã os do passado esteja equivocada, me
parece que o Novo Testamento conferia a tais homens,
grosso modo , a base doutrinária para suas vidas,
missõ es, igrejas, sermõ es e livros, enquanto o Antigo
Testamento lhes conferia temor a Deus, adoraçã o
genuína e uma devoçã o que todos nó s almejamos
cultivar.
O fato é que toda a Bíblia foi dada por Deus ao homem
e nenhuma parte se tornou irrelevante ou
ultrapassada com o tempo. A teologia do Antigo
Testamento, além de conter informaçõ es que o Senhor
desejou transmitir, é também o alicerce sobre o qual o
Novo Testamento está assentado. A julgar pelos rumos
atuais da igreja e do ensino cristã o, nunca foi tã o
necessário o estudo sério do Antigo Testamento como
parte integrante da revelaçã o de Deus dada pelos
apó stolos e profetas.

Capítulo 1
 
A Teologia do Antigo Testamento
 
 
Pois tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso
ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e
pela consolaçã o das Escrituras, tenhamos
esperança (Romanos 15.4).
 
 
A TEOLOGIA
 
Uma das dificuldades que as pessoas têm de tratar o
assunto referente à teologia é entender o que ela
significa e do que ela trata. Um significado semântico
da palavra é “o estudo de Deus”. Entretanto, ao
abordarmos o campo teoló gico, imediatamente nos
deparamos com assuntos que nã o estã o diretamente
ligados à pessoa de Deus. Alguns exemplos de
assuntos vislumbrados pela teologia sã o o homem, o
pecado, a salvaçã o e a vida futura. A conclusã o é que a
teologia contém um escopo maior que o sugerido pelo
significado primário da palavra.
Nã o há consenso entre os estudiosos sobre uma
definiçã o de teologia, mas em um trabalho no campo
dos fundamentos da teologia é necessá rio que haja
uma descriçã o, ainda que simples, que sirva para guiar
a compreensã o do assunto. Para tanto, um bom ponto
de partida é o propó sito da teologia. Se a palavra nã o
expressa temas ligados apenas à pessoa de Deus, há
que se concordar que todos os assuntos, de um modo
ou de outro, tendem a alterar o relacionamento do
homem com Deus.
Outro ponto importante a ser observado é a fonte de
onde provém a teologia. Sem a revelaçã o de Deus
sobre ele e sobre verdades que existem ao seu redor, a
teologia seria um conhecimento meramente intuitivo
ou, no má ximo, deduzido a partir da observaçã o da
criaçã o. Entretanto, a intuiçã o e a mera deduçã o sã o
ineficazes para fazer o homem conhecer o Deus
verdadeiro e manter o relacionamento com ele. Prova
disso é que o resultado dessa tentativa no passado foi
a produçã o de religiõ es, conhecidas como pagã s, cujos
deuses, antes de divindades, eram simulacros
humanos. Afinal, o homem só pode induzir ou deduzir
a partir da realidade que conhece.
Portanto, para que se fale de teologia – pelo menos sob
a ó ptica cristã que estamos tratando –, é preciso partir
do conhecimento que Deus revelou ao homem, ainda
que ele seja superior à nossa realidade. O processo
teoló gico só é vá lido e só faz sentido se é resposta à
iniciativa divina de tornar-se conhecido pela
humanidade. E o veículo de tal iniciativa sã o os
escritos “inspirados por Deus” (2Tm 3.16) por
intermédio da supervisã o divina do trabalho de
homens “movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21) para
registrarem suas palavras. Nesse sentido, uno-me a
Eugene Merrill na sua visã o da inspiraçã o e inerrâ ncia
das Escrituras:
 
O Antigo Testamento [2] em sua forma primitiva é completamente inerrante. Isso
significa que ele nã o apenas é teologicamente livre de erros, mas também que trata acertadamente e com autoridade de

assuntos relacionados à ciência e histó ria, sempre que seja seu propó sito fazê-lo.
[3]
 
Partindo de tais pressupostos, uma definição “útil” de
teologia é o conjunto do conhecimento revelado por
Deus nas Escrituras para que, por meio dele e por causa
dele, o homem conheça a Deus e se curve diante dele
pelos meios que ele mesmo indicou .
Para falar de um conjunto de conhecimentos, é preciso
se referir a “todo” o conteú do revelado. Nada pode ser
desprezado, o que torna a teologia, principalmente a
do Antigo Testamento, uma matéria impossível de ser
exaurida ou conhecida por completo. Entretanto, há
alguns assuntos que sã o mais frequentes e que dirigem
todos os escritos em questã o. Desse modo, fazer
divisõ es didá ticas e observar seu conteú do e
desenvolvimento nas Escrituras sã o um bom modo de
captar uma parte – certamente a mais importante – da
teologia do Antigo Testamento.
Para que tal busca seja denominada “teologia bíblica”,
ela deve partir das Escrituras e, na sequência, nos
fazer voltar a ela a fim de entendê-la melhor. Esse
processo cíclico tem a capacidade de levar os
estudantes da Bíblia a um aprofundamento cada vez
maior do conhecimento da teologia – e, tomara, de
Deus. Alguns diriam que dividir a teologia em assuntos
é tarefa da teologia sistemá tica e nã o da teologia
bíblica. Mas a verdade é que uma nã o pode realmente
existir sem a outra.
A teologia sistemá tica, apesar da esquematizaçã o de
assuntos que promove, deve ter como resultado final
algo que seja nã o apenas compatível com a totalidade
da Palavra de Deus e com seu desenvolvimento, mas
que seja sua pró pria expressã o. Por outro lado, a
teologia bíblica deve tratar os temas apresentados por
Deus na revelaçã o de modo a serem compreensíveis
ao estudante das Escrituras. A sistematizaçã o dos
temas é um veículo fundamental para tanto. A opçã o a
essa sistematizaçã o seria um comentá rio sequencial
de todo o texto bíblico, o que seria um trabalho
monumental, mas ineficiente no sentido de transmitir
a teologia bíblica. Pode-se registrar assim a teologia de
toda a Bíblia, mas nã o é possível retê-la na mente ou
compreendê-la por completo.
 
Sendo esse o caso, pode parecer mais uma vez que o melhor método de tratar a questã o da teologia do Antigo Testamento é

traçar o fluxo do material bíblico seriatim ,


[4] versículo por versículo, e capítulo por capítulo, ou seja, do começo ao

fim, fazendo observaçõ es teoló gicas ao longo do caminho. Na verdade, esse é o modelo adotado por, pelo menos, alguns

estudiosos, mas em nossa percepçã o, isso nã o é teologia, mas comentá rio. Falta-lhe estrutura, direçã o e coerência e a aná lise

final traz pouca compreensã o da totalidade do ensinamento bíblico, compreensã o essa que deve ser adquirida em grande parte

pela comparaçã o e integraçã o de textos com textos. Em outras palavras, a teologia bíblica deve ser sintetizada e

sistematizada.
[5]
 
Outro fator necessá rio à teologia bíblica ser de fato
teologia, no sentido de promover o conhecimento de
Deus e, também, o relacionamento com ele, é que ela
deve encontrar pontos de relevâ ncia e de aplicaçã o
para a vida da humanidade em geral e nã o apenas para
os homens da época dos acontecimentos bíblicos. A
teologia, apesar de brotar na histó ria, nã o está presa a
ela, assim como Deus e suas atuaçõ es também nã o
estã o. Por isso, a teologia nã o é um saber morto. Em
lugar disso, tem a funçã o e o poder da “dar vida” (Jo
20.31).
 
O ANTIGO TESTAMENTO
 
O Antigo Testamento oferece um material tã o vasto
que é difícil explicá -lo ou classificá -lo em poucas
palavras. Prova disso é a diversidade de tentativas de
fazê-lo. Gerhard Hasel, falando sobre o centro
teoló gico do Antigo Testamento, alista as propostas de
diversos estudiosos, resultados dos seus esforços
acadêmicos: As “alianças” (Eichrodt, Wright e outros),
a “eleiçã o” (Wildberger), a “comunhã o” (Vriezen), as
“promessas” (Kaiser), o “reino de Deus” (Klein e
Schultz), o “governo de Deus” (Seebass), a “santidade
de Deus” (Hä nel e Sellin), a “experiência de Deus”
(Baab) e o “senhorio de Deus” (Kö hler). [6] De certo
modo, todos oferecem temas verdadeiros dentro do
Antigo Testamento, mas que, pela pró pria
demonstraçã o da pluralidade de propostas, sã o
insuficientes para serem classificadas como “centro
teoló gico do Antigo Testamento”.
Nesse sentido, prefiro o esforço de Carlos Osvaldo
Cardoso Pinto de oferecer dois centros teoló gicos que
tornam tal enfoque mais abrangente e justo com a
mensagem do Antigo Testamento: (1) A “recuperaçã o
da soberania mediada” e (2) o “bem-estar da criatura
sob a autoridade e para a gló ria de Deus”. [7]
Essa variedade de temas contidos no Antigo
Testamento faz com que haja diversos métodos para o
estudo da sua teologia. [8] Em um trabalho sobre
“fundamentos” teoló gicos, uma divisã o temá tica se
mostra mais tangível ao leitor que pretende introduzir
tal estudo. Essa divisã o também fornece temas
marcantes e relevantes nã o somente à compreensã o
da Bíblia, mas à pró pria vida cristã . Entretanto, tais
temas devem vir das Escrituras e nã o ser colocados
nela. Para isso, a busca dos temas principais do Antigo
Testamento deve levar o estudante ao início da
revelaçã o.
A maioria dos livros tem um capítulo inicial chamado
“introduçã o”. Ele costuma apresentar um pequeno
esboço da ideia do autor quanto ao assunto e ao
propó sito do livro, além dos benefícios para o leitor.
Daí para frente, cada capítulo desenvolve e aprofunda
aquilo que foi apenas pincelado na introduçã o. Isso
nã o cumpre apenas formas de padrõ es literá rios.
Cumpre a forma do raciocínio humano e da
comunicaçã o. É desse modo que as pessoas
conversam. É dessa forma que se expressam. E é desse
jeito que uns compreendem o que os outros querem
transmitir.
Como revelaçã o de Deus “ aos homens ”, as Escrituras foram
compostas seguindo esse formato. Deus introduziu o
assunto de maneira geral e foi aprofundando cada um
dos aspectos que direcionam a revelaçã o. Esse método
de Deus se revelar aos poucos, construindo uma
mentalidade propícia para entender as verdades, é
denominado revelação progressiva . Isso quer dizer
que Deus assentou as bases do conhecimento que
planejou transmitir e foi desenvolvendo-o à medida
que moveu os escritores bíblicos. Entretanto, as bases
da revelaçã o foram dadas desde o início. E isso é feito
de maneira peculiar no Antigo Testamento. O fato é
que, apesar de no Novo Testamento haver a
descontinuidade dos aspectos legais do Antigo
Testamento, os princípios teoló gicos fundamentais
permanecem. [9]
Assim, como em um edifício cujo alicerce,
independente da altura do prédio, tem o mesmo
formato da edificaçã o, o início da revelaçã o de Deus
contém, de forma embrioná ria, toda a teologia do
Antigo Testamento. Desse modo, o Pentateuco age
como uma introduçã o para a mensagem de todo o
Antigo Testamento – e também do Novo Testamento.
Contudo, enquanto a mensagem do Novo Testamento
é dada em um momento histó rico com um contexto
específico, a mensagem do Antigo é dada, em grande
parte, por meio da história .
Os primeiros registros das Escrituras foram grafados
pela pena de Moisés, depois da retirada dos israelitas
do Egito, livrando-os do jugo da escravidã o. A família
de Jacó já habitava o Egito havia 430 anos (Ex 12.40).
Boa parte desse período foi vivida debaixo das
chibatas egípcias e do trabalho forçado, enquanto uma
pequena família se tornava um grande povo (Ex
1.7,12,20). Apesar do crescimento, ficavam cada vez
mais distantes a histó ria dos patriarcas e os ditos de
Deus a eles. Em um contexto de alienaçã o por causa da
escravidã o, Moisés é chamado por Deus para cumprir
sua promessa a Abraã o de libertar seus descendentes
de um jugo previamente anunciado (Gn 15.13,14).
Moisés cumpre sua tarefa enquanto Deus mostra aos
israelitas, aos egípcios e ao mundo quem ele é e que
poder ele tem. Para isso, usa as pragas e a proteçã o do
povo de Israel ao fazê-los passar pelo mar que para
eles abriu.
Há aqui uma transiçã o marcante. Deus nã o apenas
tornou os israelitas de escravos em libertos, mas os
transformou de um povo em uma naçã o. Uma enorme
família, dividida em doze tribos, deixa o Egito.
Entretanto, é uma naçã o que será instalada em Canaã .
Para tal transiçã o, a revelaçã o de Deus por meio de
Moisés no monte Sinai, a aliança feita entre ele e o
povo de Israel e o có digo legal dado para que o povo o
cumprisse em submissã o e adoraçã o ao Senhor agem
de modo marcante e irreversível.
Para transformar um povo em uma naçã o é necessá rio
responder a muitas perguntas e preencher muitas
brechas. Uma gente que nã o sabe de onde veio é uma
gente que também nã o sabe para onde vai. Nã o era
preciso que os israelitas conhecessem um Deus novo
para servir. Era necessá rio conhecerem o Deus dos
seus pais, o Deus que seus patriarcas serviram, o Deus
que os chamou. Por isso, no ato de registrar a lei
recém-dada por Deus no Sinai, no primeiro ano apó s a
saída do Egito, Moisés também achou necessá rio dar
ao povo as informaçõ es sobre sua pró pria origem e
interpretar os eventos do passado, do presente e do
futuro à luz da revelaçã o do cará ter e da vontade de
Deus. [10]
Gênesis se presta exatamente a isso, abrindo a série de
livros escritos por Moisés. Gênesis, que, em grego,
significa “fonte” ou “origem”, concorda com o sentido
do nome hebraico dado ao livro, cujo significado é “no
princípio”.
 
O propó sito do primeiro livro do Pentateuco é fornecer um breve sumá rio da histó ria da revelaçã o divina, desde o princípio até

que os israelitas foram levados para o Egito e estavam prontos para formarem uma naçã o teocrá tica.
[11]
 
Assim, Moisés começa seu escrito e, obviamente, Deus
começa sua revelaçã o. Nessa grande histó ria, o
primeiro personagem a surgir é o pró prio Deus . Ele é
o sujeito da primeira açã o da Bíblia.
 
  No princípio, criou Deus os céus e a terra (Gn 1.1 – destaque meu).
 
Ele é o criador do universo, é o criador do homem e é o
criador de um povo que ele pretende utilizar de modo
especial. Como criador, algumas de suas qualidades
podem ser percebidas pelo homem ao observar o que
foi criado. Ainda que Deus esteja muito além da
compreensã o humana, ele pode ser compreendido
como agente da criação . Ela, fruto da criatividade e
poder do Deus ilimitado, guarda certas semelhanças
com atributos daquele que a fez existir.
Toda a criaçã o é perfeita. Perfeitos sã o todos os
propó sitos. Isso perdura até que o pecado interfere de
modo destruidor e separador (Gn 3). Apesar do alerta
claro de Deus e do favorecimento do homem em meio
a toda a criaçã o, seu ímpeto o levou à desobediência. A
queda do homem por meio do pecado nã o apenas
abriu um abismo entre a humanidade e seu criador.
 
Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viraçã o do dia, esconderam-se da presença do Senhor Deus ,

o homem e sua mulher, por entre as á rvores do jardim (Gn 3.8 – destaque meu).

 
Mas isso nã o é tudo. A queda também abriu as portas
para o desenvolvimento da maldade. Por isso, um
capítulo apó s a narrativa da queda, acontece o
primeiro homicídio, que foi, na verdade, um fratricídio
(Gn 4.8). Se isso já é uma demonstraçã o do
desenvolvimento da maldade e do pecado, ele é ainda
menor que o pró ximo estágio: o homem matar e se
vangloriar do feito (Gn 4.23,24).
O ápice do afastamento da santidade com a qual
homem foi criado parece se encontrar em Gênesis 6.5-
8 – provavelmente a mais negativa afirmaçã o sobre a
humanidade. [12] Isso fez com que Deus reagisse
com uma puniçã o que exterminou toda a vida humana,
com exceçã o de uma família pela qual Deus deu
sequência à histó ria do homem (Gn 6 - 8). Tal punição
marcou o fato de Deus ser o vingador do mal e do
pecado.
 
Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu

coraçã o; entã o, se arrependeu o Senhor de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coraçã o. Disse o Senhor: Farei

desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os

haver feito (Gn 6.5-7).


[13]
 
O mundo pré-diluviano, contudo, nã o foi palco apenas
da insubmissã o e da inimizade contra Deus. Assim
como na primeira família surgiu o primeiro homicida,
na mesma família surgiu o primeiro má rtir. Abel foi
morto pelo irmã o porque sua oferta foi aceita por
Deus, enquanto a de Caim foi recusada. Muito se diz
desse fato sobre o objeto da oferta de cada um. Muitos
dizem que o fato de Abel ter trazido a Deus uma
“oferta de sangue” foi a razã o de ela ser aceita.
Contudo, quando Caim se zanga por ter a oferta
rejeitada, Deus nã o culpou o objeto da oferta, mas o
procedimento do ofertante.
 
Entã o, lhe disse o Senhor: Por que andas irado, e por que
descaiu o teu semblante? Se procederes bem, nã o é certo que
será s aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à
porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá -lo
(Gn 4.6,7).
 
A verdade é que Abel foi aceito e Caim, rejeitado (Gn
4.4,5). Se, por um lado, o pecado de Caim o afastou de
Deus, algo em Abel o aproximou. [14] Tal
proximidade restaurou a comunhão entre o homem e
seu Criador. Se isso é apenas deduzido no caso de Abel,
no caso de Enoque é explícito. Moisés registrou um
comentário singular ao dizer que Enoque “andou com
Deus” (Gn 5.22-24). Nã o só isso, como também o fato
de ele ter sido arrebatado para junto de Deus sem ver
a morte (v.24 cf. Hb 11.5). A expressã o “andar com
Deus” é bem forte. Ela denota amizade, parceria,
similaridade de objetivos. Usar nas Escrituras tal
expressã o significa que o que foi perdido na queda
está sendo, de algum modo, reconstruído. E o modo
pelo qual isso ocorre é a busca que parte de Deus e é
por ele mesmo efetivada. [15]
O fato de haver servos de Deus antes do dilú vio nã o fez
com que Deus dispensasse o castigo da humanidade
caída. A raça humana teria desaparecido nã o fosse
Deus poupar uma família para, a partir dela, encher a
Terra. Um homem, Noé, foi “escolhido” para ser o novo
patriarca da humanidade. Deus orientou Noé a
construir uma arca a fim de sobreviverem ele e sua
família, além dos animais enviados por Deus, quando o
dilú vio viesse com seus poder destrutivo. Nesse
aspecto, a arca agiu como o fator de proteçã o de Deus,
a salvação da morte e da ira.
 
De toda carne, em que havia fô lego de vida,
entraram de dois em dois para Noé na arca; eram
macho e fêmea os que entraram de toda carne,
como Deus lhe havia ordenado; e o Senhor fechou a
porta apó s ele (Gn 7.15,16).
 
Noé é descrito como um homem bom e justo diante de
Deus (Gn 7.1). O bisavô de Noé, Enoque, recebeu um
tratamento especial no livro de Gênesis, conforme
dissemos. Ao que tudo indica, o bom exemplo de
Enoque passou aos seus descendentes e, tendo
chegado a Noé, promoveu o mesmo que em seu
antecessor, pois ele também “andava com Deus” (Gn
6.9). Entretanto, ainda que isso tenha ocorrido, Noé
nã o se tornou merecedor de ser salvo da ira que recaiu
sobre o mundo pelas águas do dilú vio. A verdade é que
ele foi escolhido por Deus pela “graça” (Gn 6.8). [16]
Esse ato de Deus, a eleiçã o de um homem pecador a
fim de conceder a ele sua graça, se manifestou de
modo mais nítido e incisivo na pessoa de Abrã o. [17]
Muitos o imaginam como um dedicado servo quando
foi chamado por Deus. Mas a verdade é que ele vinha
de uma família que adorava “outros deuses” e nã o o
Deus criador e verdadeiro.
 
Entã o, Josué disse a todo o povo: Assim diz o Senhor, Deus de
Israel: antigamente, vossos pais, Tera, pai de Abraã o e de Naor,
habitaram dalém do Eufrates e serviram a outros deuses (Js 24.2
– destaque meu).
 
Se em Noé nã o é nítida a sua pecaminosidade pelo
texto de Gênesis, o mesmo nã o ocorre com Abrã o.
Contudo, a exemplo de Noé, Deus escolhe Abrã o para
executar nele seus decretos e lhe conceder bênçã os
imerecidas. A eleiçã o de Abrã o nã o é nítida apenas
pelo fato de ele nã o merecê-la, mas também pela
improbabilidade de tal escolha. A tarefa para a qual
Deus o chamava e o povo numeroso que lhe prometia
exigiam, segundo o pensamento “ló gico”, um homem
de capacidade, de destaque e de linhagem forte. Isso é
tudo que Abrã o nã o era.
Diferente de todas as linhagens descritas em Gênesis, a
de Terá , pai de Abrã o, é pequena (Gn 11.27-29). Além
disso, Abrã o nã o tinha filhos devido à esterilidade da
sua esposa (Gn 11.30), fazendo com que o significado
do seu nome – “pai exaltado” – perdesse seu sentido.
Assim, contra a ló gica e contra os méritos, o Senhor
escolhe e chama Abrã o (Gn 12.1).
Com esse chamado, Deus iniciou uma linhagem que se
tornou um povo que, no devido tempo, foi convertido
em uma naçã o. Assim, Gênesis 1–11, ao se ocupar com
as origens das naçõ es, agem como pró logo do drama
da redençã o iniciado em Gênesis 12. [18] Daí para
frente, os acontecimentos, tanto os bons como os
ruins, nã o foram encarados como vicissitudes da vida.
Na verdade, foram tidos como cumprimento de
alianças feitas por Deus na forma de decretos
irrevogá veis.
 
Ora, disse o Senhor a Abrã o: Sai da tua terra, da tua parentela e
da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei
uma grande naçã o, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome.
Sê tu uma bênçã o! Abençoarei os que te abençoarem e
amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serã o benditas
todas as famílias da terra (Gn 12.1-3).
 
Esse esboço histó rico é também um esboço teoló gico
no qual deus, por meio de moisés, rascunha assuntos
como o criador , a criaçã o, o pecado, a puniçã o, a
salvaçã o, a comunhã o, e os decretos. Nossa intençã o
nã o é, a partir dos pontos teoló gicos aqui levantados,
exaurir a revelaçã o veterotestamentária sobre cada
um deles. Pretendemos ressaltar conceitos teoló gicos
fundamentais do antigo testamento para que o leitor
possa compreendê-los melhor, identificá -los nas
escrituras e se aprofundar em seu conhecimento.
 
_____________
 
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
 
1. Em um sentido mais amplo da palavra, o que é
teologia?
2. Qual é o relacionamento entre a teologia bíblica e a
teologia sistemá tica?
3. Diante do conceito da revelaçã o progressiva, que
tipo de informaçõ es se espera encontrar nos primeiros
escritos bíblicos?
4. Qual é a importâ ncia do livro de Gênesis para o povo
israelita que foi tirado da escravidã o do Egito e que se
estabeleceria em Canaã ?
5. Qual é a relevâ ncia de Gênesis 1 – 12 para a
teologia?

Capítulo 2
 
O Criador
 
 
Tema ao Senhor toda a terra, temam-no todos os habitantes do
mundo. Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou
a existir (Salmo 33.8,9).
 
 
Um texto muito conhecido no Antigo Testamento tem
como fonte o aprendizado de Jó sobre a pessoa de
Deus. Apesar de ser um bom servo, o sofrimento que
lhe expô s muitas dú vidas sobre as razõ es para tanto e
as palavras finais de Deus, fizeram com que ele
dissesse: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os
meus olhos te veem” (Jó 42.5). É claro que Jó utilizou
uma figura de linguagem para transmitir a ideia de
que ele aprendeu mais sobre Deus e passou a conhecê-
lo melhor. Por si só , esse fato ensina que, ao interagir
com o homem, Deus se faz conhecido a ele. Contudo, o
mesmo Jó olha para o outro lado e reconhece que a
capacidade que o homem tem de conhecer o Senhor é
limitada: “ Na verdade, falei do que nã o entendia; coisas
maravilhosas demais para mim, coisas que eu nã o conhecia” ( v.3).
A razã o para essa realidade dupla é que Deus está
muito além da compreensã o humana. No entanto,
decidiu revelar ao homem parte da sua natureza e do
seu cará ter, o necessá rio para produzir um
relacionamento com o homem.
Há vá rios modos didá ticos de dividir as qualidades de
Deus (também conhecidas como atributos). Como
nossa visã o se baseia no relacionamento de Deus com
o homem, dividiremos tais qualidades em dois grupos
distintos. No primeiro, os atributos nos quais Deus se
distingue da criaçã o e se mostra acima dela. No
segundo, os atributos pelos quais Deus se faz presente
na criaçã o interagindo como ela.
 
O DEUS QUE ESTÁ ACIMA DO HOMEM
 
Apesar de as religiõ es politeístas do passado terem
criado um panteã o de deuses e deusas que mais se
parecem com homens e mulheres pecadores com
quem convivemos diariamente, o Senhor criador
revelado nas Escrituras guarda características ú nicas
que só se veem nele mesmo. Alguns desses atributos
nos ensinam o quanto Deus é diferente e superior a
toda a criaçã o.
 
1. Eterno
 
A primeira açã o descrita em Gênesis, a criaçã o, mostra
que Deus é anterior a ela. A histó ria apresentada
coloca os olhos do leitor “no princípio” (Gn 1.1) de toda a
histó ria . Nessa ocasiã o, Deus atua criando tudo que
existe, exceto ele mesmo. O agente da criaçã o existe
antes dela: “Ainda antes que houvesse dia, eu era” (Is
43.13a). Enquanto o universo tem um princípio, Deus
é eterno.
É certo que o conceito da eternidade confunde o
homem. Mesmo sendo fá cil definir o eterno e a
eternidade, ao tentar imaginar tais conceitos em
termos da existência de Deus, o homem, com sua
capacidade e com sua natureza limitada, enfrenta
problemas sérios de compreensã o da inexistência de
limites em Deus, principalmente no que tange ao
tempo. Para a humanidade, tudo que existe teve um
momento inicial, perdura durante certo tempo e acaba
por encontrar seu término. Nenhuma dessas
realidades se aplica a Deus, pois ele nã o está , como
nó s, debaixo do tempo ou preso a ele, “p ois mil anos, aos
teus olhos, sã o como o dia de ontem que se foi e como a vigília da
noite” (Sl 90.4).
Essa realidade é tã o marcante na pessoa de Deus como
alguém cujas características sã o superiores à s dos
homens que ele é chamado vá rias vezes de “Deus
eterno” (Gn 21.33; Dt 33.27; Is 40.28). Deus sempre
existiu e sempre existirá (1Cr 16.36; Ne 9.5). Sua
existência nã o tem início, sendo ele aquele “ cujas origens
sã o desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade” (Mq
5.2). [19] O mesmo diz Habacuque: “Nã o és tu desde
a eternidade, ó Senhor, meu Deus, ó meu Santo?” (Hc
1.12a).
Esse conceito, que parece ser isolado, tem vá rias
implicaçõ es que fazem parte do conhecimento
revelado a respeito de Deus. Em primeiro lugar, por
ser eterno, entende-se que Deus nã o teve princípio
como a criaçã o, nã o havendo também para ele um
criador. Jó , ao se debater com a incompreensã o das
razõ es pelas quais atravessava dificuldades
duríssimas, traz à tona a realidade de que nã o há
ninguém superior a Deus a quem ele possa recorrer
para que o livre da mã o do Senhor (Jó 10.7). O sumo
sacerdote Eli, em uma repreensã o aos filhos pelos
pecados que cometiam na funçã o sacerdotal e o modo
como se comportavam no taberná culo, lhes disse que
nã o havia quem pudesse agir como á rbitro em uma
demanda entre Deus e o homem (1Sm 2.25).
O fato de Deus nã o ter sido criado significa algo mais:
ele é “ autoexistente ”, ou seja, existe por causa dele
mesmo e nã o por causa de outro. Ele é causa de tudo e
nã o é efeito de nada. Sua vida nã o depende de nada,
nem ninguém. Por isso, Jeremias chamou o Senhor de
“Deus vivo”, associando essa realidade à sua
eternidade, já que também o chama de “rei eterno” (Jr
10.10). O salmista demonstra que isso faz de Deus
aquele de quem a vida emana afirmando ser ele o
“manancial da vida” (Sl 36.9). Imediatamente, ele
reconhece que nó s, e nã o Deus, somos diretamente
dependentes da sua existência, dizendo “na tua luz,
vemos a luz”.
Por fim, uma das melhores expressõ es da existência
autô noma e nã o dependente de Deus é o pró prio modo
como ele se apresenta a Moisés e aos israelitas –“ eu
sou o que sou” (Ex 3.14) –, transmitindo tanto a ideia
nã o só de uma existência plena como da sua presença
constante com seu povo, [20] a qual nã o pode ser
abalada por nada. [21]
A segunda implicaçã o tem a ver com a constâ ncia dos
atributos do Senhor e com sua imutabilidade. Deus
nã o está em desenvolvimento nem sofrendo qualquer
tipo de degradaçã o. Ele não é mais Deus hoje que
antigamente. Em lugar disso, faz jus à s palavras de
Moisés: “ Antes que os montes nascessem e se formassem a terra
e o mundo,  de eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2 –
destaque meu). Jeremias, tendo em mente a
eternidade de Deus, o chama de “verdadeiramente
Deus” (Jr 10.10), algo que se contrapõ e aos ídolos
feitos por homens. [22] Nã o há mudança no seu
caráter (Sl 25.6; 119.142; Is 54.8), nem tampouco na
sua primazia e soberania sobre tudo o que existe, já
que ele “preside desde a eternidade” (Sl 55.19), seu
trono “desde a antiguidade está firme” (Sl 93.2) e seu
domínio é domínio eterno (Dn 7.14).
Uma das melhores afirmaçõ es da imutabilidade de
Deus se dá por suas pró prias palavras: “ Eu, o Senhor, nã o
mudo” (Ml 3.6). Enquanto todos sofrem com o tempo,
Deus se mantém o mesmo e, por isso, lhe diz o
salmista: “ Eles perecerã o, mas tu permaneces; todos eles
envelhecerã o como uma veste, como roupa os mudará s, e serã o
mudados. Tu, porém, és sempre o mesmo, e os teus anos jamais
terã o fim” (Sl 102.26,27).
A eternidade de Deus, um dos fatores que o fazem
tremendamente distinto da criaçã o, torna-o também
digno de louvores. Apesar de ser comum,
principalmente em nossos dias, as pessoas louvarem a
Deus unicamente pelas coisas que ele faz e pelo modo
bondoso como trata seu povo, o Antigo Testamento é
rico em louvores a Deus por quem ele é. Nesse sentido,
diz-lhe Davi: “ Bendito és tu, SENHOR , Deus de Israel, nosso pai,
de eternidade em eternidade” (1Cr 29.10b).
Algo interessante de se notar é que, para que o homem
louve ao Senhor por sua existência e gló ria eterna,
Deus incutiu nele a noçã o da eternidade, ainda que nã o
possa contemplá -la por inteiro: “ Tudo fez Deus formoso no
seu devido tempo; também pô s a eternidade no coraçã o do homem,
sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o
princípio até ao fim” (Ec 3.11).
Por fim, a eternidade de Deus lhe serve como aval para
sua credibilidade. Ele mesmo lança mã o desse atributo
ao assegurar a proteçã o do seu povo e a retribuiçã o
aos seus inimigos, produzindo neles confiança: “
Levanto a mã o aos céus e afirmo por minha vida eterna” (Dt
32.40). O profeta Isaías reconhece essa relaçã o entre a
eternidade de Deus e a garantia do cumprimento das
suas palavras ao dizer “ confiai no SENHOR perpetuamente,
porque o SENHOR Deus é uma rocha eterna” (Is 26.4).
 
2. Ilimitado e Infinito
 
Falando sobre as palavras e os caminhos de Deus, Davi
diz: “ Tenho visto que toda perfeiçã o tem seu limite ” (Sl
119.96a). Sua intençã o, ao dizer isso, foi mostrar a
superioridade da perfeiçã o da lei do Senhor.
Entretanto, essa verdade permanece quando aplicada
a outras finalidades. De fato, por melhores que sejam
as pessoas e as coisas ao seu redor, todos têm limites.
A qualidade e o valor de cada coisa, ainda que grandes,
encontram em algum ponto seu alcance má ximo. Para
Deus, essa regra nã o é vá lida. Ele é um Deus infinito.
A infinitude de Deus lhe confere, em primeiro lugar,
“perfeiçã o”. Isso porque o conceito de um Deus sem
limites nã o admite a ideia de que haja alguém maior
ou melhor que Deus, nem um estado mais
desenvolvido, ou um cará ter melhor. Ainda que o
Antigo Testamento incentive a perfeiçã o de cará ter do
seguidor do Senhor (Gn 17.1; Dt 18.13), tomando
como base o pró prio caráter divino, a perfeiçã o de
Deus é inatingível para o homem e está além da sua
capacidade de compreendê-la (Jó 11.7). Por isso, tudo
que ele faz e diz também é isento de falhas ou limites,
visto que “o caminho de Deus é perfeito” (2Sm 22.31).  
Outra faceta da infinitude de Deus é sua “onipresença”.
Esse termo faz referência ao fato de que Deus está em
todos os lugares ao mesmo tempo. O universo nã o é
grande bastante para que Deus nã o possa estar
presente em todo ele. Isso significa que Deus, na
totalidade da sua essência, sem difusã o ou expansã o,
multiplicaçã o ou divisã o, penetra e preenche o
universo em todas as suas partes. [23] O salmista
desenvolve esse tema no Salmo 139: “ Para onde me
ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo
aos céus, lá está s; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá
está s também; se tomo as asas da alvorada e me detenho nos confins
dos mares, ainda lá me haverá de guiar a tua mã o, e a tua destra me
susterá ” (Sl 139.7-10).
A implicaçã o da onipresença de Deus para os homens
reside na responsabilidade pelos atos, já que todos sã o
feitos diante de Deus. Ninguém pode fazer algo mau
longe da presença do Senhor, segundo diz Jeremias:
“Acaso, sou Deus apenas de perto, diz o Senhor, e nã o também de
longe? Ocultar-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu nã o o
veja? — diz o Senhor; porventura, não encho eu os céus e a terra ? —
diz o Senhor” (Jr 23.23,24 – destaque meu). A pergunta retó rica
do Senhor demonstra que nã o há limites para a sua
presença.
Outra implicaçã o reside no modo de cultuar a Deus,
diferente dos povos pagã os que os imaginavam
especialmente presentes em seus templos ou nos altos
montes. No caso do Deus de Israel, ainda que houvesse
um grande templo onde se realizava seu culto, era
sabido que sua presença nã o se limitava a certos
locais, pelo que diz Salomã o: “Mas, de fato, habitaria
Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus nã o
te podem conter, quanto menos esta casa que eu
edifiquei” (1Rs 8.27). Desse modo, a adoraçã o a Deus,
apesar dos ritos realizados no templo, deveria
acompanhar os adoradores a toda parte.
A ausência de limites espaciais de Deus indica,
também, que ele nã o está ligado a uma forma física.
Toda forma física é definida pelo seu formato e pelos
seus limites. Deus nã o os tem. Eis a prová vel razã o
pela qual ele proibiu, no decurso da sua adoraçã o, a
adoçã o de imagens (Ex 20.4,5). Fossem elas
representaçõ es de Deus ou de seres ligados a ele, de
qualquer modo haveria uma diminuiçã o do conceito
da infinitude do Senhor, visto que nada o pode conter,
conformar ou deslocar. Eis o motivo da repreensã o
divina ao culto iniciado por Jeroboã o em Betel e em Dã
por meio de dois bezerros de ouro que fez. Apesar da
sua intençã o nã o ser a de introduzir um novo deus,
mas um novo modo de culto a Deus, [24] tal culto foi
rejeitado por completo por ser incompatível com a
realidade incorpó rea e ilimitada do Senhor.
Finalmente, a infinitude de Deus pressupõ e seu poder
ilimitado, ao que a teologia nomeia como
“onipotência”. Significa que nã o há limites na
capacidade que o Senhor tem de fazer tudo quanto
queira ou deva fazer. [25] Essa capacidade é vista,
inicialmente, no ato de criar tudo que existe, apesar de
nã o haver, nesse momento, uma afirmaçã o clara do
poder de Deus. Contudo, o Antigo Testamento faz
afirmaçõ es claras que associam a criaçã o ao poder
Deus. Jeremias afirma que Deus “ fez a terra pelo seu poder”
(Jr 51.15a) e o salmista atesta que “ os céus por sua palavra se
fizeram, e, pelo sopro de sua boca, o exército deles” (Sl 33.6).
A suficiência de Deus na criaçã o é ainda objeto da
atençã o de Isaías: “Eu sou o Senhor, que faço todas as coisas,
que sozinho estendi os céus e sozinho espraiei a terra” (Is 44.24b).
Diante do fato de tudo ter ocorrido pelo simples
comando de Deus, ordenando a existência do que
antes nã o existia, Walter Kaiser conclui, ao examinar
Gênesis 1 e 2, [26] que a criaçã o é resultado da
“palavra dinâ mica” de Deus. [27]
A onipotência de Deus nã o é vista apenas na criaçã o,
mas também ao realizar coisas na histó ria humana que
sã o impossíveis para o homem. Por isso, ao fazer uma
aliança com Abraã o, cujas promessas visavam a
desdobramentos histó ricos imprová veis na concepçã o
humana, o Senhor se apresenta como o “Deus Todo-
poderoso ” (Gn 17.1). Se a simples designaçã o já
transmite a ideia da ausência de limites para fazer o
que quiser, tal poder se faz sentir em açõ es prá ticas
como fazer a estéril Sara tornar-se mã e: “Acaso, para o
Senhor há coisa demasiadamente difícil? Daqui a um ano, neste
mesmo tempo, voltarei a ti, e Sara terá um filho” (Gn 18.14 cf.
21.1-3). Jeremias completa essa noçã o dizendo “ coisa
alguma te é demasiadamente maravilhosa ” (Jr 32.17).
Outro modo de o Antigo Testamento apresentar o
poder ilimitado do Senhor é comparando-o ao poder
do homem. A noçã o que surge nesse campo é que o
Senhor é poderoso acima de todos e que nada do que
queira fazer pode ser impedido por quem quer que
seja. Isso é exatamente o que diz Jó ao se humilhar
perante Deus: “Bem sei que tudo podes, e nenhum dos
teus planos pode ser frustrado” (Jó 42.2). É o que
também está presente em Isaías como garantia de que
Deus é poderoso para salvar seu povo: “Nenhum há
que possa livrar alguém das minhas mã os; agindo eu,
quem o impedirá ?” (Is 43.13b). No final das contas,
quando nã o há consenso entre os desejos da criatura e
do Criador, quem prevalece é o Senhor: “Muitos
propó sitos há no coraçã o do homem, mas o desígnio
do Senhor permanecerá ” (Pv 19.21).
Deus também se distingue da humanidade no campo
do conhecimento, sendo ele “onisciente”. Enquanto o
homem tem limitaçõ es na quantidade de
conhecimento que tem, fato pelo qual vive em
processo de contínuo aprendizado, Deus conhece
todas as coisas. Ele é ilimitado também nisso. Ele
conhece tudo que existe, ainda que o escopo de tal
conhecimento seja inatingível sob a perspectiva
humana: “ Conta o nú mero das estrelas, chamando-as todas pelo
seu nome. Grande é o Senhor nosso e mui poderoso; o seu
entendimento nã o se pode medir” (Sl 147.4,5).
Mesmo as coisas mais ocultas, como o íntimo das
pessoas, sã o desvendadas diante do conhecimento de
Deus, pois “o Senhor sonda os coraçõ es” (Pv 21.2) e “penetra
todos os desígnios do pensamento” (1Cr 28.9) , conhecendo por
completo “a mente e o coraçã o” (Sl 7.9), “porque o
Senhor nã o vê como vê o homem. O homem vê o
exterior, porém o Senhor, o coraçã o” (1Sm 16.7b).
Mas isso nã o é tudo. O conhecimento de Deus abrange
também as coisas que ainda nã o existem por estarem
no futuro. Assim, por meio dos seus servos, Deus
anunciou com antecedência diversos acontecimentos
futuros, como a fome nos dias de José (Gn 41.25b), as
sucessõ es políticas previstas na estátua de
Nabucodonosor (Dn 2.29b), a destruiçã o do altar
pagã o por Josias (1Rs 13.2 cf. 2Rs 23.16) e a
subjugaçã o da Babilô nia e a libertaçã o dos israelitas
por Ciro (Is 45.1; 48.14b; cf. Ed 1.1). [28] Esses sã o
exemplos de profecias já cumpridas. O Antigo
Testamento tem muitas outras previsõ es divinas que
ainda aguardam o cumprimento e que sã o tratadas no
campo da escatologia.
Davi faz belas afirmaçõ es sobre a onisciência divina:
 
Senhor, tu me sondas e me conheces. Sabes quando me
assento e quando me levanto; de longe penetras os meus
pensamentos. Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e
conheces todos os meus caminhos. Ainda a palavra me nã o
chegou à língua, e tu, Senhor, já a conheces toda.
Salmos 139.1-4
 
Esse conhecimento produz obras admirá veis e
incompará veis que nã o dependem somente do poder
de Deus, mas também do seu conhecimento de tudo:
 
Pois tu formaste o meu interior, tu me teceste no seio de
minha mã e. Graças te dou, visto que por modo
assombrosamente maravilhoso me formaste; as tuas obras sã o
admirá veis, e a minha alma o sabe muito bem; os meus ossos
nã o te foram encobertos, quando no oculto fui formado e
entretecido como nas profundezas da terra. Os teus olhos me
viram a substâ ncia ainda informe.
Salmos 139.13-16a
 
Até mesmo o futuro do salmista era conhecido pelo
Senhor quando o fez:
 
No teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles
escrito e determinado, quando nem um deles havia ainda.
Salmos 139.16b
 
Davi completa o quadro afirmando que o
conhecimento do Senhor é ilimitado e nã o pode ser
mensurado:
 
Que preciosos para mim, ó Deus, sã o os teus pensamentos! E
como é grande a soma deles! Se os contasse, excedem os grã os
de areia; contaria, contaria, sem jamais chegar ao fim.
Salmos 139.17,18).
 
Por outro lado, o conhecimento do homem é limitado e
inferior ao de Deus:
 
Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim: é
sobremodo elevado, nã o o posso atingir.
Salmos 139.6
 
3. Santo
 
Ser santo s ignifica que Deus é separado. [29] Nesse
sentido, ele é separado tanto da criaçã o como de tudo
que é indigno ou pecaminoso. Trata-se de uma
absoluta separaçã o do mal. [30] Ele é superior e
separado de tudo que nã o é Deus e de tudo que nã o é
perfeito. De modo positivo, pode-se dizer que a
afirmaçã o de que Deus é santo significa que ele é
completamente puro e distinto de tudo o mais que
existe.
A coletâ nea de definiçõ es sobre a santidade de Deus se
deve ao fato de nã o ser fá cil definir o termo.
Entretanto, muitos teó logos afirmam ser justamente
essa qualidade de Deus que define todos os traços do
seu cará ter. [31] Isaías confirma a importância no
caráter de Deus (Is 6.3). Ralph Smith afirma que a
santidade no Antigo Testamento significa a essência
divina e diz respeito a tudo sobre Deus que o separa
da sua criaçã o. [32]
A santidade de Deus implica vá rias coisas. Em
primeiro lugar, ele nã o faz parte de um panteã o, nem
guarda semelhanças com as características dos falsos
deuses adorados pelos povos, pelo que disse Moisés: “
Ó Senhor, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu,
glorificado em santidade , terrível em feitos gloriosos, que operas
maravilhas?” (Ex 15.11 – destaque meu). Enquanto os
deuses do paganismo têm características negativas
como os pró prios defeitos de cará ter dos homens, o
Senhor exposto nas Escrituras é diferente e ú nico:
“Nã o há santo como o Senhor, porque nã o há outro além de ti”
(1Sm 2.2). Ele apresenta uma moral perfeita que o faz
agir com uma ética perfeita. Isso o torna distinto de
todos os seres: “A quem, pois, me comparareis para
que eu lhe seja igual? – diz o Santo . (Is 40:25).
A santidade de Deus também aponta para o fato de
que Deus é “ú nico”, visto que o aspecto de separaçã o
contido no significado da palavra “santo” aponta para
uma divisã o bá sica: Deus e o restante. Quanto ao
restante, todo ele foi criado por Deus: “ No princípio, criou
Deus os céus e a terra ” (Gn 1.1). A ideia aqui nã o é apontar
apenas para o céu como um lugar específico e a Terra
como elemento, mas abranger “tudo” que existe pela
expressã o “os céus e a terra”. Vislumbrando o conjunto
completo da criaçã o, o salmista brada: “Teus sã o os céus, tua, a
terra; o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste” (Sl 89.11). Desse
modo, fica claro o fato de que Deus nã o divide espaço com outros
deuses ou outros criadores.
Ainda que as Escrituras nã o narrem a criaçã o de todas as coisas (a
criaçã o dos anjos, por exemplo, nã o é descrita), nã o há espaço para
qualquer outro criador. [33] Assim, nada mais ó bvio que Deus se
revelar como “ú nico Senhor”: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o
ú nico Senhor” (Dt 6.4). A consequência é uma adoraçã o
inteiramente voltada a ele sem que seja dividida com nada, nem com
ninguém, pelo que se vê no texto contíguo – “Amará s, pois, o Senhor,
teu Deus, de todo o teu coraçã o, de toda a tua alma e de toda a tua
força” (Dt 6.5).
É possível haver alguma confusã o quando se veem textos em que
outros “deuses” sã o personificados, como no caso do juízo de Deus
sobre o Egito, quando o Senhor diz: “Executarei juízo sobre todos os
deuses do Egito” (Ex 12.12). Entretanto, esse é um modo de
demonstrar a tolice de se confiar em conceitos de deuses
inexistentes criados na mente humana, visto que eles nã o resistem
diante da atuaçã o do Senhor que “é Deus; nenhum outro há , senã o
ele” (Dt 4.35). Diz o pró prio Senhor: “Além de mim nã o há Deus” (Is
44.6), “porque todos os deuses dos povos nã o passam de ídolos; o
Senhor, porém, fez os céus” (Sl 96.5) e “a minha gló ria, pois nã o a
darei a outrem, nem a minha honra, à s imagens de escultura” (Is
42.8).
A noçã o do santo ou do sagrado como algo separado faz também que
o Senhor considere o que lhe pertence como algo separado do
mundo para ele: “Ser-me-eis santos, porque eu, o Senhor, sou santo e
separei-vos dos povos para serdes meus ” (Lv 20.26 – destaque meu).
Com isso, Archer vê como consequência natural que o Israel
redimido deveria conservar-se puro, isto é, separado do mundo para
servir e prestar culto ao ú nico Deus verdadeiro. [34] Portanto, a
pureza do Senhor e seu contato limitado com os homens impuros
devem também ser imitados pelos que lhe pertencem. É claro que o
pecado tornou todos os homens impuros. Mas Deus, a fim de manter
comunhã o com um povo que lhe serve, atua na sua santificaçã o,
como se vê em suas palavras expressas a Israel: “Eu sou o Senhor
que vos santifico” (Lv 20.8). [35]
O ato de Deus separar um povo para si nã o elimina a
responsabilidade dos pró prios servos de se consagrarem a Deus. Na
verdade, para se ter comunhã o com Deus é necessá rio que o homem
assimile o conceito da santidade do Senhor [36] e entre no
processo de reproduzi-lo em sua vida: “Eu sou o Senhor, vosso Deus;
portanto, vós vos consagrareis e sereis santos , porque eu sou santo”
(Lv 11.44 – destaque meu). [37] A sequência desse texto mostra
que tal consagraçã o inclui a pureza (“nã o vos contaminareis” – v.44)
e a separaçã o do sistema mundano (“vos faço subir da terra do
Egito, para que eu seja vosso Deus; portanto, vó s sereis santos” –
v.45). Ser povo santo é, naturalmente, repudiar e se afastar do que é
imoral e corrupto: “O teu acampamento será santo, para que ele nã o
veja em ti coisa indecente e se aparte de ti” (Dt 23.14b).
Quando a consagraçã o tinha relaçã o com pessoas, isso implicava
limites nas açõ es e nos relacionamentos, como no caso dos
sacerdotes, o que lembrava que a prostituiçã o cultual comum em
Canaã nã o tinha relaçã o com o culto israelita: [38] “Nã o tomarã o
mulher prostituta ou desonrada, nem tomarã o mulher repudiada de
seu marido, pois o sacerdote é santo a seu Deus” (Lv 21.7 – ver
também Nm 6.1-8). Quando tinha relaçã o com objetos ou animais,
implicava uso exclusivo no serviço de Deus (Lv 8.11) e qualidade
compatível com a funçã o de servir a Deus, como as ofertas “sem
defeito” a serem oferecidas na purificaçã o de pecados (Lv 5.15).
Quando a consagraçã o tinha relaçã o com o tempo – sá bados, dias de
festa, anos de descanso, anos de jubileu – havia proibiçõ es de
trabalho e de plantio, devendo haver descanso, fosse dos
trabalhadores ou da terra (Ex 31.14-16; Lv 25.10-12).
 
O DEUS QUE SE APROXIMA DO HOMEM
 
Todos os atributos de Deus sã o perfeitos e demonstram que ele está
acima do homem. Entretanto, alguns desses atributos perfeitos se
tornam conhecidos no relacionamento do Senhor com a
humanidade, principalmente com seus servos.
 
1. Pessoal
 
A primeira característica de Deus que permite o relacionamento
entre ele e os homens é o fato de ele ser pessoal. Isso nã o quer dizer
que Deus tem um corpo, mas que tem inteligência, emoçõ es e
vontade. [39] Ficam de fora desse conceito todas as ideias de Deus
como uma força có smica, uma fator de ligaçã o entre os seres vivos
ou a somató ria de tudo que existe. Deus, assim como nó s, é uma
pessoa.
O primeiro traço da sua personalidade, conforme revelado no Antigo
Testamento, é sua inteligência e isso está patente desde o princípio
na obra da criaçã o. Ao criar tudo que existe, Deus mesmo avalia o
que fez e “eis que era muito bom” (Gn 1.31). Nã o é somente Deus
que notou a que a perfeiçã o da criaçã o atesta a inteligência do
criador. O salmista, ao olhar para o que Deus fez, notou que a
inteligência do criador está impressa na perfeiçã o e na grandeza da
criaçã o: “Que variedade, Senhor, nas tuas obras!  Todas com
sabedoria as fizeste ; cheia está a terra das tuas riquezas” (Sl 104.24
– destaque meu). Por isso, Davi aprende sobre Deus ao olhar para os
céus, obras do Senhor: “Os céus proclamam a gló ria de Deus, e o
firmamento anuncia as obras das suas mã os. Um dia discursa a
outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Nã o há
linguagem, nem há palavras, e deles nã o se ouve nenhum som; no
entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras,
até aos confins do mundo” (Sl 19.1-4).
O tipo de intelecto que a criaçã o revela como causa da sua forma,
tamanho, variedade, ordem e funcionamento é extremamente
superior ao intelecto humano. Isso fica nítido no modo como Deus
trata Jó antes de dar fim ao seu sofrimento. Para mostrar o soberano
incompreensível e inquestioná vel, Deus compara o seu
entendimento com o entendimento de Jó – e de todos os homens –
perguntando-lhe: “Onde estavas tu, quando eu lançava os
fundamentos da terra? Dize-mo, se tens entendimento” (Jó 38.4).
Nunca houve resposta da parte de Jó a essa pergunta. Na verdade, a
ela nã o cabe uma resposta, pois trata-se de uma pergunta retó rica
cujo significado é muito claro: nã o há entendimento no homem que
se compare ao do Senhor.
O minú sculo entendimento do homem diante de Deus se revela ao
longo dos capítulos 38 e 39 de Jó , onde Deus enche seu servo de
perguntas à s quais ele nã o sabia responder. Entretanto, nã o fica
nítida apenas a limitaçã o do conhecimento e da capacidade
intelectual do homem, mas também a falta de limites da inteligência
divina que foi responsá vel pela criaçã o e pela manutençã o de tudo
que fez em perfeita ordem e harmonia como a mais perfeita obra de
arte que se conhece.
Como ser pessoal e inteligente, Deus tem uma característica
fundamental para o conhecermos e nos relacionarmos com ele: a
capacidade de se comunicar. A primeira mostra disso se dá na
comunicaçã o pessoal de Deus ao criar o homem: “Também disse
Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança” (Gn 1.26). Ainda que o Novo Testamento seja o
responsá vel por apresentar o Deus ú nico em três pessoas distintas,
o Antigo Testamento dá apenas indicaçõ es da doutrina da trindade.
Nesse caso, Deus fala consigo mesmo usando um pronome no plural.
Ao dizer “nossa imagem” e “nossa semelhança” fica claro que ele se
dirige a alguém da mesma natureza, comunicando-se dentro da
pró pria divindade.
O mesmo ocorre por ocasiã o da confusã o de línguas na torre de
Babel: “E o Senhor disse: Eis que o povo é um [...] Vinde, desçamos e
confundamos ali a sua linguagem” (Gn 11.6,7). O v.8 mostra que
Deus somente foi o responsá vel pelo que propô s nos versículos
anteriores, demonstrando que a comunicaçã o expressa nos vv.6,7
nã o atingiu ninguém fora dele mesmo.
Deus se comunica também com o homem. Isso aconteceu de vá rias
maneiras. Falou diretamente com homens, como nos casos de Adã o
(Gn 2.15-17), de Noé (Gn 6.13), de Abraã o (Gn 12.1-3), de Moisés
(Ex 3.4-10) e dos profetas. Comunicou-se por meio de escritos como
as tá buas da lei (Ex 24.12) e a escrita na parede do palá cio da
Babilô nia (Dn 5.24-28). Por fim, se comunicou com seu povo por
meio dos profetas, os quais agiam como porta-vozes. Nesse caso, é
muito comum a fó rmula “assim diz o Senhor”, utilizada por eles para
introduzir as palavras do Senhor (Ex 5.1; Jz 6.8; 1Rs 11.31; Is 7.7; Jr
2.2; Ez 2.4).
Outro traço da personalidade de Deus é o fato de ele ter emoçõ es.
Algumas dessas emoçõ es receberã o mais atençã o e aná lise das suas
implicaçõ es mais à frente. Entretanto, é necessá rio, por ora, mostrar
como Deus difere de um ser impessoal cujas emoçõ es inexistem.
Como uma pessoa, Deus sente amor. Desse modo, Jeremias vê Deus
se dirigindo a Israel a fim de lhe garantir a restauraçã o futura
dizendo: “Com amor eterno eu te amei” (Jr 31.3). Deus também se
ira. Quando o Senhor chamou Moisés e este passou a
sistematicamente resistir ao chamado, “se acendeu a ira do Senhor
contra Moisés” (Ex 4.14).
A misericó rdia e a compaixã o sã o sentimentos vistos em Deus no
seu contato com os seres humanos. Deus revela a Moisés: “Terei
misericó rdia de quem eu tiver misericó rdia e me compadecerei de
quem eu me compadecer” (Ex 33.19b). O Senhor, como um ser
pessoal, alegra-se. O profeta Sofonias enche os israelitas de
esperança quanto ao seu futuro, dizendo-lhes: “O Senhor, teu Deus,
está no meio de ti, poderoso para salvar-te; ele se deleitará em ti
com alegria; renovar-te-á no seu amor, regozijar-se-á em ti com
jú bilo” (Zc 3.17). Por fim, Deus também se entristece. Ao ver a
humanidade anterior ao dilú vio imersa no pecado, “se arrependeu o
Senhor de ter feito o homem na terra, e isso lhe pesou no coração ”
(Gn 6.6 – destaque meu).
Apesar de o “arrependimento” também ser um sentimento, no caso
de Deus ele assume outro significado que nã o o de “mudar de ideia”.
Nesse sentido, o profeta Samuel assegura que “também a Gló ria de
Israel nã o mente, nem se arrepende , porquanto nã o é homem, para
que se arrependa” (1Sm 15.29 – destaque meu). Por isso, é bom
notar que nas ocorrências de “arrependimento” ligadas a Deus, um
elemento comum é a mudança de atitude de Deus para com o
homem, seja da bênçã o para o castigo (Gn 6.6,7; 1Sm 15.11,35; Jr
18.9,10), seja do castigo para o perdã o (Ex 32.14; 2Sm 24.16; Jr 18.8;
Am 7.2-6; Jn 3.10), sem, contudo, sair de seu plano previamente
traçado ou das puniçõ es ou bênçã os que ele predefiniu na aliança
que fez com os israelitas. Quando o arrependimento é usado no seu
sentido normal, presumindo uma mudança de opiniã o e de
planejamento, a Bíblia se apressa em dizer que “Deus nã o é homem,
para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa ” (Nm
23.19 – destaque meu).
Quando a Bíblia aplica o termo arrependimento a Deus nesses casos,
faz uso de uma linguagem chamada “antropomó rfica”, utilizando
realidades que nos sã o conhecidas a fim de nos apresentar verdades
divinas que temos dificuldade de compreender. Isso faz parte do
modo de Deus se revelar ao homem de forma inteligível, coerente e
compatível com a condiçã o humana. [40]
Eichrodt aponta para o fato de que, no uso do antropomorfismo, é
comum atribuir a Deus nã o somente açõ es humanas, como rir,
cheirar e assobiar, e membros do corpo humano, mas também
sentimentos humanos como o arrependimento. [41] Nesse caso, tal
linguagem nos auxilia a perceber os efeitos do pecado do homem
sobre a santidade de Deus e da misericó rdia do Senhor sobre o
homem pecador. O mesmo tipo de linguagem atribui didaticamente
a Deus membros do corpo humano como mã os e olhos, ainda que
Deus nã o esteja limitado a um corpo. Sobre esse assunto, Calvino
diz:
 
Os antropomorfitas sã o também facilmente refutados, os quais
imaginaram um Deus dotado de corpo, visto que
frequentemente a Escritura lhe atribui boca, ouvidos, olhos,
mã os e pés. Pois quem, mesmo os de bem parco entendimento,
nã o percebe que Deus assim fala conosco como que a balbuciar ,
como as amas costumam fazer com as crianças? Por isso, formas
de expressã o como essas nã o exprimem, de maneira clara e
precisa, tanto o que Deus é, quanto lhe acomodam o
conhecimento à pobreza de nossa compreensã o. Para que assim
suceda, é necessá rio que ele desça muito abaixo de sua
excelsitude. [42]
 
O terceiro traço demonstrativo do fato de Deus nã o ser apenas uma
força ou um conceito é sua vontade. Tal vontade é compatível com
sua perfeiçã o e santidade. Por isso, Davi diz ter como objetivo “ fazer a tua
vontade, ó Deus meu”
(Sl 40.8). Eis a razã o pela qual ele ora: “Ensina-me a fazer
a tua vontade , pois tu és o meu Deus ” (Sl 143.10a). Jotã o, rei de Judá , a quem a
Bíblia qualifica como um bom rei que “fez o que era reto perante o
Senhor” (2Cr 27.2), explica que a razã o para tanto foi “ porque dirigia os seus
caminhos segundo a vontade do Senhor, seu Deus” (2Cr 27.6).

A vontade do Senhor foi conhecida até mesmo fora de Israel, como


se vê no decreto de Artaxerxes, rei persa, a Esdras, determinando
seu retorno a Jerusalém para o restabelecimento do culto ao Senhor,
especificando ao sacerdote como agir “segundo a vontade do vosso
Deus” (Ed 7.18). Além disso, a vontade de Deus nã o é cumprida
apenas pelos homens que lhe servem, mas também pelos anjos,
“ministros seus, que fazeis a sua vontade” (Sl 103.21).
 
2. Soberano
 
Um traço importante no Antigo Testamento sobre o modo como
Deus se relaciona com a criaçã o e com o homem é sua soberania, a
qual merece atençã o especial dos leitores da Bíblia. Seu nome e seus
atributos mostram que ele é soberano. [43] Ainda que a soberania
tenha relaçã o direta com a onipotência, ela nã o é apenas o poder
ilimitado de Deus, mas sua aplicaçã o prá tica no controle ativo de
tudo que existe. Mesmo sendo essa uma das ênfases da
apresentaçã o de Deus no Antigo Testamento, é certo que muitas
dú vidas surgem nos estudantes da Bíblia que se veem, ao mesmo
tempo, diante do problema do mal e do modo como Deus
responsabiliza o homem por seus atos.
Apesar de a proposta moderna de solucionar tais dificuldades negar
a soberania de Deus, as Escrituras afirmam categoricamente que ele
tem poder para controlar tudo e que, de fato, controla. [44] Dois
textos importantes traduzem o sentido da soberania de Deus:
 
Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado (Jó 42.2 – destaque meu).

 
Desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá

de pé, farei toda a minha vontade (Is 46.10 – destaque meu).

 
Assim, soberania nã o é apenas ter poder para fazer o que quiser,
mas ter tal poder junto com planos e propó sitos a serem cumpridos.
Nã o é uma queda de braço. É o comando pleno de um projeto
previamente traçado por Deus, o qual ele nã o tem dificuldade de
executar, nem encontra impedimentos ou adversá rios que o
obriguem a capitular ou mudar de rumo. O controle soberano de
Deus, contudo, nã o pode ser nomeado de “fatalismo”:
 
O quadro apresentado pela Bíblia não é um quadro fatalista, porquanto o fatalismo deixa a sorte do mundo nas mãos de uma força impessoal. A

Bíblia, porém, deixa o destino do mundo nas mãos de Deus, o Pai, o qual é todo-reto, todo-sábio e todo-misericordioso.
[45]
 
Em primeiro lugar, o Antigo Testamento afirma que Deus exerce
controle soberano sobre a “natureza”. O poder infinito de Deus
revelado na criaçã o se mostra também quando Deus, demonstrando
o mesmo controle, envia o dilú vio para eliminar a humanidade com
exceçã o de Noé e sua família. Nessa ocasiã o, Deus se apresenta como
o autor direto do dilú vio, mostrando que as forças da natureza
atendem à s suas ordens: “Porque estou para derramar á guas em
dilú vio sobre a terra” (Gn 6.17 cf. v.7).
O mesmo ocorreu por meio das pragas do Egito a fim de se mostrar
aos homens como o Deus incompará vel e inspirar nos israelitas
reverência e adoraçã o alegre. [46] Por isso, Deus anuncia a Faraó :
“Pois esta vez enviarei todas as minhas pragas sobre o teu coraçã o, e
sobre os teus oficiais, e sobre o teu povo, para que saibas que nã o há
quem me seja semelhante em toda a terra” (Ex 9.14).
Em seu controle sobre a natureza, Deus fez as á guas virarem sangue
(Ex 7.20), fez o rio produzir rã s em uma quantidade enorme (Ex
8.3,6), fez um enxame de moscas vir somente sobre os egípcios (Ex
8.24), produziu uma peste que matou os animais (Ex 9.3,6),
produziu feridas abertas – “ú lceras” – nos egípcios e nos seus
animais (Ex 9.10), enviou uma chuva de pedras sobre os homens, os
animais e as plantaçõ es (Ex 9.22,23), enviou um grande ataque de
gafanhotos que dizimou as flora do Egito e encheu as casas dos
moradores (Ex 10.12-15), fez a luz escurecer apenas na terra dos
egípcios (Ex 10.21,22) e fez morrer todos os primogênitos dos
homens e dos animais (Ex 12.29).
Algo que nã o pode deixar de ser notado, tanto no relato do dilú vio
como no das pregas, é que Deus avisou com antecedência o que faria
e explicou seu propó sito, excluindo por completo a possibilidade de
tais eventos serem tratados como eventos ao acaso ou eventos
dirigidos por um destino cego que nã o seja a decisã o e o controle do
Senhor. [47]
Deus também se mostrou soberano sobre a natureza ao enviar
fartura e depois seca nos dias de José (Gn 41.25-32); ao abrir o mar
diante dos israelitas (Ex 14.21,22); ao tirar á gua de uma rocha no
deserto (Ex 17.5,6; Nm 20.7-11); e ao prover, diariamente – exceto
aos sá bados – o maná (Ex 16.4).
Enumerem-se ainda o evento sísmico, que trouxe puniçã o aos
israelitas rebeldes (Nm 16.31-33); o estancamento das á guas do
Jordã o (Js 3.14-17); os eventos climá ticos surpreendentes, que
demonstram sua gló ria e seu poder sobre as naçõ es (Ex 20.18; Js
10.11; 1Sm 12.18; Is 29.6); o ato de conter o Sol e a Lua [48] na
batalha liderada por Josué (Js 10.12-14); a seca dos dias de Elias e o
retorno da chuva (1Rs 17.1; 18.1) e dos dias de Davi (2Sm 21.1); a
alimentaçã o do profeta Elias por meio de corvos (1Rs 17.4-6); a
tempestade que se abateu sobre o navio em que estava Jonas (Jn
1.4); e o controle sobre o peixe que o engoliu e o levou de volta à
terra (Jn 1.17; 2.10).
A soberania de Deus também é vista em sua aplicação sobre a “histó ria” da humanidade e das naçõ es. O Senhor controla os rumos dos acontecimentos e não

há nação ou líderes políticos que consigam impor a Deus ou à histó ria os seus pró prios planos. Nesse aspecto, o salmista é categó rico:

 
O Senhor frustra os desígnios das naçõ es e anula os intentos dos povos. O conselho do Senhor dura para sempre; os desígnios do seu coração, por

todas as geraçõ es (Sl 33.10,11).

 
O contraste desse texto é muito claro. Os planos dos homens
sucumbem diante do controle de Deus. Por outro lado, os planos do
Senhor sã o efetivados “sempre” e “para sempre”. Mesmo os planos
humanos que sã o efetivados passam pela direçã o de Deus: “ O cavalo prepara-
se para o dia da batalha, mas a vitó ria vem do Senhor”
(Pv 21.31). Também os esforços humanos a
fim de promover o bem pessoal estã o sob o controle de Deus, pois “o
Senhor empobrece e enriquece; abaixa e também exalta”
(1Sm 2.7).
Esse controle inclui até mesmo os principais líderes das naçõ es. Um
exemplo muito ilustrativo é o caso do rei Acazias, de Judá . Quando o
Senhor decretou que Jeú , a quem ele levantou, fosse o responsá vel
por punir Jorã o e, com isso, a casa de Acabe, também tomou
providências soberanas para que o rei de Judá , Acazias, estivesse
presente e fosse morto. Vale frisar que o autor de Crô nicas fez
questã o de apontar a “vontade de Deus” como o fator responsá vel
por esse desfecho histó rico, dizendo: “ Foi da vontade de Deus que Acazias, para a sua ruína, fosse visitar a
Jorão ; porque, vindo ele, saiu com Jorão para encontrar-se com Jeú , filho de Ninsi, a quem o Senhor tinha ungido para desarraigar a casa de Acabe
(2Cr
22.7 cf. 2Rs 8.29 – destaque meu).
O pró prio Acabe foi alvo da soberania de Deus que determinou puni-
lo pelas suas maldades. Apesar de Acabe estar disfarçado como um
simples soldado no meio das tropas, “ um homem entesou o arco e, atirando ao acaso, feriu o rei de Israel
por entre as juntas da sua armadura” (1Rs 22.34).
A expressã o “ao acaso” descreve a açã o do
arqueiro de atirar sem um alvo específico. Contudo, ao mirar a
multidã o como um todo e acertar justamente Acabe “entre as juntas
da sua armadura”, fica claro que o “acaso” nã o foi o responsá vel pelo
curso da flecha, mas sim, o controle soberano do Senhor.
Diante disso, o rei foi retirado da batalha em um carro, mas o
ferimento mortal o fez perecer. O controle de Deus ainda se fez ver
no fato de o sangue que o rei derramou no carro foi lavado em um
determinado local, como narra o autor de Reis: “ Quando lavaram o carro junto ao açude de
Samaria, os cães lamberam o sangue do rei, segundo a palavra que o Senhor tinha dito
” (1Rs 22:38). Esse
acontecimento cumpriu o que Deus havia dito que faria por causa da
morte do inocente Nabote: “Assim diz o Senhor: No lugar em que os cães lamberam o sangue de Nabote,
cães lamberão o teu sangue, o teu mesmo” (1Rs 21.19b).

Nabucodonosor, rei da Babilô nia, provou mais de uma vez a


soberania do Senhor sobre a histó ria e sobre as naçõ es. Em primeiro
lugar, ele, que ordenou a morte dos amigos de Daniel, viu seu
decreto anulado quando Deus livrou milagrosamente os jovens da
fornalha (Dn 3.13-26). Há um grande contraste entre o poder de
Nabucodonosor e o de Deus. O poder que o rei achava que tinha foi
reduzido a nada diante do poder do soberano Senhor que salvou da
fornalha os jovens israelitas. Nã o apenas o poder de Deus foi visto,
mas sua soberania ao realizar seus desejos, o que ficou claro nas
palavras dos jovens: “ Se o nosso Deus, a quem servimos, quer livrar-nos, ele nos livrará da fornalha de fogo ardente e das tuas
mãos, ó rei” (Dn 3.17). O rei tirou a ú nica conclusão possível diante de atuação tão soberana: “Não há outro deus que possa livrar como este” (Dn 3.29).

Se isso nã o serviu para submeter Nabucodonosor a Deus, ele foi


humilhado pelo Senhor mais adiante ao ponto de se tornar como um
animal (Dn 4.29-33). Antes disso, ele aprende, pela boca do profeta
Daniel, que a plena soberania do Senhor é exercida até mesmo sobre
os mais poderosos homens da Terra e que “ o Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens e o
dá a quem quer” (Dn 4.17,25,32 –
ver também Dn 5.21). Ao ser restaurado, tanto ao
pleno juízo como ao trono da Babilô nia, o rei diz de Deus: “ Todos os moradores
da Terra são por ele reputados em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra ; não há quem lhe possa deter a

mão, nem lhe dizer: que fazes?” (Dn 4.35 – destaque meu). Sua conclusão final é que Deus “pode humilhar aos que andam na soberba” (Dn 4.37).
[49]
O pró prio desfecho da obra do “servo do Senhor” prometido no livro
do profeta Isaías se dá segundo o propó sito soberano do Senhor.
Isaías 53 prevê a morte vicá ria do “renovo” (v.2), sobre quem “ o Senhor fez
cair [...] a iniquidade de nó s todos” (v.
6). Seria um tratamento muito severo em quem
“dolo algum se achou em sua boca” (v.9). Apesar disso, ao Senhor
agradou moê-lo, fazendo-o enfermar” ao dar “a sua alma como
oferta pelo pecado” (v.10). O fato de Isaías dizer que isso foi do
“agrado” de Deus nã o significa que ele teve prazer nisso, mas que
“determinou” assim fazer, demonstrando ser sua soberana vontade
a responsá vel pelos desfechos histó ricos dos quais esse talvez seja o
principal. [50]
Por fim, o controle soberano do Senhor se estende até mesmo aos
recô nditos onde as pessoas julgam ter o controle má ximo, o pró prio
“coraçã o dos homens”.
 
Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina (Pv 21.1).

 
Um exemplo da aplicaçã o do texto acima pelo aspecto positivo é o
modo como Esdras teve atendido seus pedidos ao rei persa
Artaxerxes quando retornou com os israelitas para a Jerusalém. O
texto diz que “ segundo a boa mão do Senhor, seu Deus, que estava sobre ele, o rei lhe concedeu tudo quanto lhe pedira ” (Ed
7.6 – destaque meu). É clara a ideia de que o coraçã o de Artaxerxes
foi movido pela “boa mã o” de Deus para atender a Esdras e cumprir
os propó sitos do pró prio Senhor. Podemos dizer de modo figurado
que Deus “amoleceu” o coraçã o do rei.
O mesmo ocorreu com Daniel em relaçã o ao seu superior na
Babilô nia, pois “ Deus concedeu a Daniel misericó rdia e compreensão da parte do chefe dos eunucos” (Dn 1.9 – destaque meu).
Por outro lado, o Senhor também é soberano para “endurecer”
coraçõ es. Esse é o caso do Faraó dos dias do êxodo. Ao chamar
Moisés e ordenar que tirasse do Egito o povo de Israel, Deus lhe
disse: “ Quando voltares ao Egito, vê que faças diante de Faraó todos os milagres que te hei posto na mão; mas eu lhe endurecerei o coração, para
que não deixe ir o povo
” (Ex 4.21 – destaque meu). O propó sito de Deus era
libertar os israelitas de uma situaçã o adversa por meio dos milagres
que fez em forma de pragas e da libertaçã o espetacular por meio do
mar aberto para que fosse conhecido como sendo todo-poderoso
tanto por Israel como pelas naçõ es ao redor, pelo que diz a Faraó : “P
ara isso te hei mantido, a fim de mostrar-te o meu poder, e para que seja o meu nome anunciado em toda a terra”
(Ex 9.16). [51]
Deus ainda explica a Moisés que seu propó sito se cumpriria por
meio do Faraó a fim de que as geraçõ es futuras também
aprendessem sobre sua gló ria: “ Porque lhe endureci o coração e o coração de seus oficiais, para que eu faça estes
meus sinais no meio deles , e para que contes a teus filhos e aos filhos de teus filhos como zombei dos egípcios e quantos prodígios fiz no meio deles, e para

que saibais que eu sou o Senhor ” (Ex 10.1,2 – destaque meu).

A liçã o do Antigo Testamento sobre a luta entre os propó sitos do


homem e o propó sito soberano de Deus é que o Senhor sempre
ganha e que controla tudo conforme seus santos desejos: “Muitos
propó sitos há no coraçã o do homem, mas o desígnio do Senhor permanecerá”
(Pv 19.21).
 
3. Amoroso
 
Se, por um lado, o Antigo Testamento apresenta Deus como o
soberano temível, por outro, também o mostra como alguém cujo
amor o impulsiona na direçã o do homem, de quem realmente nã o
precisa e em quem nã o tem nenhuma necessidade atendida. Sua
busca do homem se deve puramente ao seu desejo soberano e ao
seu incompará vel “amor”. Apesar de isso estar patente desde o
início da revelaçã o, muitas pessoas têm dificuldade em notar esse
amor fora do Novo Testamento. Marciã o, que viveu no segundo
século da era cristã , foi um deles:
 
Ele fez distinção entre o Deus criador do Antigo Testamento, o qual deu a lei do Antigo Testamento e a quem Marcião considerava mau, e o Deus do

Novo Testamento, o qual se revelou em Cristo.


[52]
 
Essa confusã o ocorre em funçã o do rigor com que Deus tratou o
pecado de Israel e das naçõ es. Contudo, em grande contraste com a
visã o equivocada de Marciã o, umas das frases do Novo Testamento
sobre o amor mais conhecidas que existem, é uma citaçã o literal de
um texto contido em Levítico, na forma de uma lei vinda de Deus:
 
Não te vingarás, nem guardarás ira contra os filhos do teu povo; mas amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor (Lv 19.18 cf. Mt 22.39

– destaque meu).
[53]
 
Curiosamente, Gênesis apresenta o amor de Deus como uma
qualidade que convive junto à justiça de Deus em lugar de excluí-la,
como pensam alguns. Ao anunciar a justa puniçã o à cidade de
Sodoma, Abraã o leva a Deus a possibilidade de haver ali algumas
pessoas justas.
Nesse caso, o motivo de se conter a puniçã o nã o seria o risco de agir
injustamente, mas o amor de Deus por tais pessoas. Diante disso,
Deus afirma: “ Se eu achar em Sodoma cinquenta justos dentro da cidade, pouparei a cidade toda por amor deles ” (Gn
18.26 – destaque meu). Ainda que a puniçã o fosse apropriada, ela
nã o anulava o amor do Senhor. O fato de nã o haver os dez justos que
Abraã o supô s haver na cidade (Gn 18.32), fez com que Deus punisse
a cidade, mas nã o antes de retirar e manter a salvo Ló e suas filhas
(Gn 19.29), a exemplo do que houve no dilú vio, quando Deus puniu a
humanidade poupando Noé e sua família. Apesar de serem relatos
de puniçõ es, mesmo assim esse nã o é um retrato de um Deus que
nã o se importa com as pessoas.
O amor de Deus nã o é como o amor humano que tem a possibilidade
de aumentar, diminuir ou mudar de objeto. O amor de Deus
permanece inalterado, nã o importa quanto tempo passe. Assim, o
amor de Deus por Abraã o continua existindo mesmo depois da
morte do servo e, como se nã o bastasse, permanece dirigindo as
açõ es do Senhor no sentido de honrar esse amor. Sendo assim,
Isaque, filho de Abraã o, torna-se beneficiá rio das prerrogativas do
referido amor, visto que Deus lhe diz: “A bençoar-te-ei e multiplicarei a tua descendência por amor de
Abraão, meu servo
” (Gn 26.24 – destaque meu).
Até mesmo pessoas que nã o servem a Deus podem ser beneficiadas
em funçã o do amor de Deus por um servo que lhes tenha alguma
conexã o, como no caso de Labã o que reconhece, ao dizer a Jacó : “ Tenho
experimentado que o Senhor me abençoou por amor de ti”
(Gn 30.27); e como no caso de Potifar, de
quem o “ Senhor abençoou a casa do egípcio por amor de José; a bênção do Senhor estava sobre tudo o que tinha, tanto em casa como no campo”

(Gn 39.5)
. [54]
O amor de Deus faz com que ele separe para si um povo a quem ele
busca para si, pelo que diz por meio do profeta Jeremias: “Com amor
eterno eu te amei; por isso, com benignidade te atraí” (Jr 31.3).
Entretanto, esse amor nã o é rendido a todos os homens, visto que
nem todos sã o por ele atraídos. A preferência que ele dá a seu povo
e o modo como luta contra seus inimigos apontam para o mesmo
fato, como corrobora “tudo que o Senhor havia feito a Faraó e aos egípcios por amor de Israel” (Ex 18.8).
Sendo assim, resta-nos saber que critério leva o Senhor a amar
alguns e em detrimento de outros. Nesse aspecto, o Antigo
Testamento associa ao amor de Deus a escolha.
 
Deus escolhe porque ama e, para ele, amar, em muitos casos, equivale a escolher (cf. Ml 1.2). Primeiro de tudo, isso fica claro no fato de que o

Senhor, por amar os patriarcas ancestrais de Israel e por ter escolhido os descendentes deles, foi que libertou a nação do Egito (Dt 4.37; cf. 7.8;

10.15). Fica claro que, aqui, o amor de Deus é eletivo, não emotivo, embora, sem dú vida, possa haver um elemento emotivo por trás dele.

[55]
 
Se, por um lado, a escolha de Deus é o veículo do seu amor, por
outro, a compaixã o divina se faz sentir no relacionamento com o
homem. Israel provou dessa compaixã o, segundo diz Isaías: “ O Anjo da sua
presença os salvou; pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu, os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade”
(Is 63.9).
O amor de Deus se faz ver, também, por meio da sua paciência,
mesmo quando o povo merece o oposto: “ Mas tu, Senhor, és Deus compassivo e cheio de
graça, paciente e grande em misericó rdia e em verdade”
(Sl 86.15). O amor divino vai além e o faz
perdoador de pecados, como promete fazer a Israel na restauraçã o
da naçã o: “Assim diz o Senhor Deus: no dia em que eu vos purificar de todas as vossas iniquidades, então, farei que sejam
habitadas as cidades e sejam edificados os lugares desertos
” (Ez 36.33).
O amor de Deus, como razã o para o perdã o que concede aos seus,
encontra um dos seus á pices no livro de Oséias: para exemplificar o
referido amor, Deus orienta o profeta a tomar de volta sua mulher;
esta, deixando a segurança do seu casamento, foi em busca de
amantes. [56] O amor imerecido de Oséias era uma indicaçã o do
amor de Deus pelos seus servos pecadores. Falaremos mais de tal
disposiçã o, assim como a aplicaçã o da graça, no capítulo sobre a
“salvaçã o”.
 
4. Fiel
 
Uma qualidade divina muito pró xima do amor é a fidelidade de
Deus. Enquanto o Novo Testamento tem uma de suas frases mais
famosas escritas pelo apó stolo Joã o – “Deus é amor” (1Jo 4.8,16) – o
Antigo Testamento tem, no câ ntico de Moisés, uma afirmaçã o tã o
poderosa no seu contexto quanto à do apó stolo: “Deus é fidelidade”
(Dt 32.4). Por causa dela, Deus se mostra verdadeiro para com quem
ele é e para com aquilo que promete. Tal fidelidade independe das
circunstâ ncias à quais as promessas de Deus sã o expostas – como a
infidelidade dos homens ou a falta de merecimento das bênçã os de
Deus. Independe também da quantidade de vantagem Deus pode ter
em agir fielmente. Sua fidelidade existe por causa dele mesmo e nã o
por causa das pessoas. O povo de Israel, descendência de Abraã o,
conheceu desde cedo esse conceito.
 
Porque tu és povo santo ao Senhor, teu Deus; o Senhor, teu Deus, te escolheu, para que lhe fosses o seu povo pró prio, de todos os povos que há

sobre a terra. Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu porque fô sseis mais numerosos do que qualquer povo, pois éreis o menor de todos

os povos,  mas porque o Senhor vos amava e, para guardar o juramento que fizera a vossos pais , o Senhor vos tirou com mão poderosa e vos

resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó , rei do Egito. Saberás, pois, que o Senhor, teu Deus, é Deus, o Deus fiel, que guarda a aliança e a

misericórdia até mil geraçõ es aos que o amam e cumprem os seus mandamentos” (Dt 7.6-9 – destaque meu).

 
Uma das razõ es pela quais a fidelidade de Deus é um foco teoló gico
importante no Antigo Testamento é a existência das alianças. Elas,
por si só , rendem um capítulo em qualquer trabalho de teologia das
Escrituras hebraicas. Assim, a fidelidade é um desdobramento do
cará ter divino que se torna muito visível no relacionamento de Deus
com as alianças que fez, conforme se vê no texto acima. O “Deus fiel”
agiu com Israel, escolhendo-o dentre os povos, independente do que
a naçã o pudesse oferecer. Isso fica claro na descriçã o de Israel como
um povo pequeno e fraco em comparaçã o à s naçõ es do mundo. O
mesmo texto deixa claro que a razã o para Deus agir beneficamente
para com eles foi, segundo declara, “para guardar o juramento que fizera a vossos pais” .
A naçã o de Israel, a quem o Senhor diz, por meio de Isaías, “ eu te fortaleço, e te
ajudo, e te sustento com a minha destra fiel
” (Is 41.11), recebe tal tratamento devido ao
tratamento que Deus deu ao patriarca israelita a quem ele escolheu
e chamou: “Mas tu, ó Israel, servo meu, tu, Jacó , a quem elegi, descendente de Abraão, meu amigo, tu, a quem tomei das extremidades da terra, e
chamei dos seus cantos mais remotos, e a quem disse: tu és o meu servo, eu te escolhi e não te rejeitei,  não temas, porque eu sou contigo; não te assombres,

porque eu sou o teu Deus” (Is 41.8-10


). O pró prio profeta Isaías associa mais uma vez a fidelidade de Deus à sua escolha da nação de Israel, registrando as
seguintes palavras do Senhor: “Os reis o verão, e os príncipes se levantarão; e eles te adorarão por amor do Senhor, que é fiel , e do Santo de Israel, que te

escolheu ” (Is 49.7b – destaque meu).

Se a fidelidade de Deus a Abraã o, seu servo, pode ser vista tantas


geraçõ es à frente, Jacó , neto de Abraã o, também foi um alvo
consciente desse atributo divino. Seus primeiros atos narrados por
Moisés sã o compatíveis com um homem infiel ao se aproveitar da
fome e da fraqueza – sem falar da tolice – do irmã o (Gn 25.29-34),
ao enganar seu pai (Gn 27.1-29) e ao tentar lesar seu sogro (Gn
30.37-43). [57] Seus dois primeiros golpes lhe fizeram fugir de
Esaú para a terra de Padã -Arã e o ú ltimo o tornou odioso aos
familiares de modo que seu retorno a Canaã se deu de maneira
turbulenta.
Tudo isso fez com que Jacó nã o fosse um exemplo de cará ter, nem
alguém merecedor de bênçã os. Apesar disso tudo, ele foi abençoado,
nã o porque tenha merecido, mas porque Deus é fiel. Assim, ao
retornar à Canaã , Jacó reconhece: “Sou indigno de todas as
misericó rdias e de toda a fidelidade que tens usado para com teu
servo ; pois com apenas o meu cajado atravessei este Jordão; já agora sou dois bandos ” (Gn 32.10).
A fidelidade de Deus é tã o contrastante em relaçã o ao procedimento
dos homens e dos supostos deuses cridos no passado que ela se
torna uma das alavancas do louvor a Deus. O livro de Salmos é
riquíssimo de alusõ es à fidelidade do Senhor, de sú plicas baseadas
nela e de louvores por causa dos benefícios que ela traz. Para os
salmistas, a fidelidade do Senhor só existia em escala má xima e eles
nem sequer imaginavam um Deus que fosse fiel apenas parte do
tempo ou dependendo da situaçã o, pelo que cantam: “A tua
benignidade, Senhor, chega até aos céus, até às nuvens, a tua fidelidade” (Sl 36.5 – ver também 54.10;
108.4).
A consequência prá tica é que “tudo” que Deus faz e diz é condizente,
“porque a palavra do Senhor é reta, e todo o seu proceder é fiel” (Sl 33.4 – destaque meu); e “o
Senhor é fiel em todas as suas palavras e santo em todas as suas obras” (Sl 145.13b
– destaque meu). A plenitude
da fidelidade nã o é expressa somente em termos de qualidade e
quantidade, mas também no que tange à sua duraçã o, de modo a nã o
diminuir com o passar do tempo, “porque o Senhor é bom, a sua misericó rdia dura para sempre, e,
de geração em geração, a sua fidelidade”
(Sl 100.5), e “ e a fidelidade do Senhor subsiste para sempre” (Sl 117.2 – ver
também 119.90; 146.6).
De maneira surpreendente, a fidelidade do Senhor se conserva
durante os momentos em que ele trata tanto seus filhos como seus
inimigos com dureza. Em relaçã o ao inimigo, a justiça de Deus lhes
cai consoante à sua justiça: “Ele retribuirá o mal aos meus
opressores; por tua fidelidade dá cabo deles” (Sl 54.5).
Normalmente, a fidelidade se une à justiça em ocasiõ es em que Deus
socorre seus servos das mã os ímpias: “Ele dos céus me envia o seu
auxílio e me livra; cobre de vergonha os que me ferem. Envia a sua
misericó rdia e a sua fidelidade” (Sl 57.3). Contudo, no caso dos
servos, a fidelidade se une à santidade de Deus para produzir
disciplina, de modo que, mesmo diante da destruiçã o punitiva de
Jerusalém, utilizando Nabucodonosor e a Babilô nia como
instrumento, a fidelidade de Deus ainda foi percebida nos lamentos
do profeta Jeremias: “ As misericó rdias
[58] do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas
misericó rdias não têm fim; renovam-se cada manhã.  Grande é a tua fidelidade
” (Lm 3.22,23 – destaque meu).
Bem disse Moisés: “Deus é fidelidade” (Dt 32.4).
 
_____________
 
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
 
1. Quanto as Escrituras colaboram para o conhecimento de Deus?
2. As características bíblicas de Deus o colocam em que posiçã o em
relaçã o à criaçã o?
3. A santidade de Deus permite que ele se adapte aos padrõ es de
vida da sociedade?
4. Qual é a relaçã o entre os acontecimentos histó ricos e a soberania
de Deus?
5. Como o amor de Deus se relaciona com sua soberania?

Capítulo 3
 
A criação
 
 
Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom (Gênesis 1.31a).

 
 
três conjuntos de livros: a lei, os profetas e os escritos.
A Bíblia Hebraica é dividida em

Essa era uma divisã o reconhecida nos dias de Jesus (Lc 24.44). [59]
O Pentateuco, conhecido como “tô rá ” – “lei” em hebraico –, é o
conjunto dos cinco livros escritos por Moisés, os primeiros do
Antigo Testamento. A ocasiã o em que eles foram escritos é
fundamental para a compreensã o do seu propó sito.
Moisés nasceu no Egito em uma época em que a descendência de
Abraã o, Isaque e Jacó era escrava em terra estrangeira. Apesar de
ser um povo numeroso, motivo pelo qual foram oprimidos, nã o
podiam ser caracterizados como uma naçã o. Em primeiro lugar, eles
nã o possuíam uma terra. A promessa de Deus a Abraã o de dar um
territó rio específico para os seus descendentes ainda nã o tinha se
tornado uma realidade. Em vez disso, eles habitavam uma terra
concedida por um Faraó que lhes beneficiou no passado. Em
segundo lugar, eles também nã o tinham um governante. O governo
vinha da coroa egípcia em uma relaçã o de poder que os
desrespeitava como seres humanos e como povo. Por fim, também
nã o tinham leis que dirigissem os direitos e deveres dos israelitas
como uma naçã o. É bem prová vel que o pró prio sentimento
nacionalista estivesse apagado sob os chicotes dos dominadores.
[60]
Em tal contexto, Deus enviou Moisés a fim de tirar o povo do Egito e
do domínio do Faraó e levar-lhe até à terra que Deus prometeu a
Abraã o (1446 a.C.). [61] Faziam parte do encargo invadir a terra,
desarraigar os povos cananitas e assentar os israelitas na terra. Era
uma empreitada tã o grande quanto a transformaçã o que a família de
Jacó sofreria. Na verdade, um “povo” deixaria o Egito, mas uma
“naçã o” seria instalada em Canaã . Essa seria uma grande transiçã o
para o povo de Israel. Assim, era objetivo de Moisés mostrar o papel
da escolha de Abraã o, para, com isso, também explicar o fato de
Deus agir por meio de um povo eleito. [62]
Nesse processo, o Senhor fez uma aliança com Israel (Ex 19.3-8) e
lhe deu sua lei. Além disso, apresentou-se a eles como seu líder
má ximo, dizendo: “ E habitarei no meio dos filhos de Israel e serei o seu Deus” (Ex 29.45). Também
garantiu dar-lhes a posse da terra cananita, a terra que foi
prometida (Ex 6.8). Na verdade, prometeu literalmente torná -los
uma naçã o (uma “naçã o santa”) e um reino – um “reino de
sacerdotes” (Ex 19.6).
A aliança e a lei, pelo menos sua primeira porçã o, [63] foram dadas
aos israelitas quando eles estavam aos pés do monte Sinai. A julgar
pelo detalhamento de diversas leis, é quase certo que elas tenham
sido de pronto registradas. Ao que tudo indica, esse novo começo
exigiu também de Moisés o relato e registro de “outros começos”. O
povo que, até pouco tempo atrá s ainda era escravo, precisava
conhecer sua origem e sua histó ria. Precisava, também, conhecer
aquele que deu início a tudo aquilo e trouxe à tona a histó ria da
salvaçã o. Eles precisavam ser instruídos a fim de cumprir seu papel
histó rico.
Que ocasiã o mais propícia que essa para Moisés registrar os
acontecimentos desde o princípio? Quando se percebe o propó sito
dos escritos mosaicos, acaba-se por corroborar a posiçã o que
discorda da compreensã o da palavra “tô rá ” simplesmente como lei.
Em lugar disso, o sentido da palavra “tô rá ”, quando se refere ao
Pentateuco, deve ser “instruçã o”. [64] De fato, a lei é apenas uma
parcela dos escritos mosaicos. A maior parte contém histó ria a fim
de instruir os israelitas que deixaram o Egito.
As primeiras palavras registradas por Moisés foram: “No princípio,
criou Deus...” (Gn 1.1). Com isso, as mais remotas origens seriam
desvendadas à queles que mal conheciam sua pró pria histó ria.
Saberiam eles também que o Senhor Deus que os chamou do Egito
era o responsá vel por tudo que foi iniciado. Sob essa ó ptica, Moisés
forneceu aos israelitas do êxodo a histó ria de alguns “começos”
relevantes para a realidade deles: o universo, o homem e o pró prio
povo de Israel.
 
O UNIVERSO
 
O primeiro começo dado nas Escrituras vem da oraçã o “ no princípio, criou Deus os
céus e a terra” (Gn 1.1). A expressão “céus e terra”
deve ser compreendida de maneira ampla,
que englobe todo o universo. A partir desse ponto, o texto mostra
como Deus formou a terra e os céus, até criar o homem, o á pice da
obra criativa e o sentido do pró prio universo. Dentro disso, vá rias
interpretaçõ es têm sido defendidas pelos estudiosos devido ao
modo resumido com que o relato foi registrado. [65] Pelo menos
três problemas relativos ao relato da criaçã o sã o frequentemente
levantados:
 
1. A terra sem forma e vazia.
 
Tã o logo Gênesis 1.1 tenha dito que Deus criou os céus e a Terra, o
versículo seguinte afirma que a “a terra era sem forma e vazia” (Gn
1.2). Alguns estudiosos, lançando mã o das palavras hebraicas que
sã o traduzidas como “sem forma” ( tohû ) e “vazia” ( bohû ), afirmaram
que a primeira delas, contendo um de seus sentidos “lugar de caos”,
era uma palavra incompatível com a criaçã o perfeita de Deus
afirmada diversas vezes pela avaliaçã o divina: “E viu Deus que isso
era bom” (Gn 1.10,12,18,21,25 – ver também v.31). Em uma época
quando a ciência e o liberalismo teoló gico afirmavam ser fantasioso
o relato da criaçã o, propondo, por meio do uso do exame com
“carbono 14”, que a Terra tivesse milhõ es ou até bilhõ es de anos, a
ideia do estado caó tico em Gênesis 1.2 pareceu fornecer um escape
que se adequasse à s descobertas científicas da época. Assim, surgiu
a teoria do “intervalo” (“gap” em inglês).
Essa teoria consiste em propor um intervalo de tempo entre o
primeiro e o segundo versículo de Gênesis 1. Desse modo, Deus
teria, no primeiro versículo, criado a Terra em um estado perfeito
compatível com seu poder, sabedoria e perfeiçã o. Contudo, algo
ocorreu para que, no versículo seguinte, a Terra fosse encontrada em
um estado imperfeito, caó tico e maléfico. Nã o é preciso ser muito
criativo para, a partir daí, oferecer como sugestã o a queda de
Sataná s e de parte dos anjos como fator de interferência no estado
da Terra , tornando-a caó tica.
Entã o, quando Gênesis 1.3 diz “ disse Deus: Haja luz”, estaria descrevendo a “recriação” da Terra e nã o
sua “criaçã o”. A vantagem que os defensores dessa teoria tiveram foi
que nã o era necessá rio determinar o intervalo de tempo entre a
criaçã o e a recriaçã o, fazendo com que o relato de Gênesis fosse
compatível com a afirmaçã o científica de um “universo velho” com
bilhõ es de anos e com os achados arqueoló gicos e os estudos
geoló gicos usados para desacreditar as Escrituras.
Apesar de criativa, essa teoria enfrenta dificuldades que a tornam
insustentá vel. Em primeiro lugar, a grandiosidade da criaçã o divina
seria reduzida a uma mera citaçã o: “No princípio criou Deus os céus
e a terra” (Gn 1.1). [66] Toda a gló ria exaltada em outros textos
como a traduçã o proposta para corroborar o pensamento – “e a
terra tornou-se sem forma e vazia” – nã o corresponde ao texto hebraico de Gênesis
1.2. Derek Kidner afirma que, se a intençã o do texto fosse apresentar
uma catá strofe, seria empregada uma construçã o pró pria das
narrativas e nã o a construçã o circunstancial que se vê no texto.
[67]
Além do mais, o pró prio uso da palavra “tohû ” nas Escrituras
demonstra que ela nã o tem o sentido obrigató rio, em Gênesis 1.2, de
algo mau e incompatível com o Senhor. “Lugar de caos” é um dos
sentidos da palavra. Outros sã o “sem forma”, “confusã o”,
“irrealidade” e “vazio”. [68] Como forma de uso figurado da
palavra, o sentido de vazio ou nulo é frequente nos escritos do
profeta Isaías: “ Todas as naçõ es são perante ele como coisa que não é nada; ele as considera menos do que nada, como um vácuo ”
(Is 40.17 – destaque meu). [69]
Quando a palavra é aplicada em sentido locativo, a ideia do caos tem
um propó sito definido – o de mostrar a falta de habitaçã o ou, até
mesmo, a inaptidã o para tal: “Porque assim diz o Senhor, que criou os céus, o Deus que
formou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a criou para ser um caos , mas para ser habitada: Eu sou o Senhor, e não há outro”
(Is 45.18 –
destaque meu). Nesse texto, Isaías oferece a palavra “tohû ”
como o
oposto de um local “habitado”.
Ele faz o mesmo no capítulo 24: “Demolida está a cidade caótica , todas as casas
estão fechadas, ninguém já pode entrar” (Is 24.10
– destaque meu). [70] Moisés usa o termo
como sinô nimo de “terra deserta”:“Achou-o numa terra deserta e
num ermo solitário povoado de uivos; rodeou-o e cuidou dele, guardou-o como a menina dos olhos ” (Dt 32.10 – destaque
meu). Jó faz o mesmo e aponta para um lugar impró prio para a vida:
“Desviam-se as caravanas dos seus caminhos, sobem para lugares
desolados e perecem” (Jó 6.18 – destaque meu). [71]
Com isso, ao notarmos o uso da palavra no relato da criaçã o,
dispensamos a ideia de uma catá strofe e nos deparamos com o
estado inicial da Terra, logo que criada, como um lugar ainda
impró prio para a vida, um ambiente “inó spito’’. David Tsumura, que
interpreta os termos “sem forma e vazia” como a descriçã o de um
estado terreno de “improdutividade e ausência de habitaçã o”,
conclui que a expressã o em Gênesis 1.2 nã o tem sentido de “caos”,
mas tã o somente significa “vazio”, referindo à Terra como um “lugar
vazio”. [72]
Desse modo, vê-se que Deus, que poderia ter criado tudo
imediatamente, decidiu seguir um processo de criaçã o ao longo de
quase uma semana, ocasiã o em que revelou sua existência (Sl 96.5
cf. Rm 1.20), seu poder (Ne 9.6; Sl 33.6,9; 121.2; Is 40.26; Jr 32.17),
sua gló ria (1Cr 16.26; Sl 8.3,4; 89.11,12; Is 37.16) e sua perfeiçã o e
sabedoria (Sl 104.24; 139.14; Pv 3.19; Jr 51.15). [73] Criou o
homem apenas quando as condiçõ es necessá rias para a vida dele
estavam presentes, diferente do que aconteceu assim que criou a
Terra “sem forma e vazia”. Essa expressã o, portanto, nã o se refere a
um lugar incompatível com a perfeiçã o de Deus, mas com a vida do
homem.
Sendo assim, nã o há nenhuma razã o para que haja um intervalo de
tempo entre a criaçã o e um estado catastró fico, nem para a
necessidade de uma recriaçã o, de modo que o relato de Gênesis 1, ao
que tudo indica, é a descriçã o da criaçã o em seis dias, desde o dia
descrito pela expressã o “no princípio” até o dia anterior ao sétimo
no qual Deus cessou a criaçã o: “ Porque, em seis dias, fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao
sétimo dia, descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou
” (Ex 20.11 – destaque meu).
É claro que isso coloca a teologia novamente em conflito com as
sugestõ es científicas com relaçã o à cronologia do universo.
Entretanto, as firmes afirmaçõ es científicas do passado têm
sucumbido diante da pró pria ciência. Já se sabe que a dataçã o pelo
uso do “carbono 14” nã o tem a precisã o que os cientistas afirmavam
ter. Paul Mellars, do Departamento de Arqueologia da Universidade
de Cambridge, afirma, em artigo científico publicado na revista Nature ,
que as mediçõ es de longas datas pelo carbono 14 nã o sã o confiá veis
por dois motivos: a contaminaçã o das amostras – segundo ele, as
mínimas contaminaçõ es afetam os resultados – e a inconstâ ncia
entre a proporçã o de carbono 14 em relaçã o ao carbono 12.
Para Mellars, a combinaçã o dessas duas fontes potenciais de erro na
dataçã o por radiocarbono sã o a “maior complicaçã o” para
arqueologistas e paleontologistas. [74] Herbert Feely afirma que o
método é inú til para dataçõ es com mais de 30 mil anos. [75]
Ninguém melhor que o professor Adauto Lourenço para explicar os
problemas da tese científica de um universo com bilhõ es de anos.
[76]
Sustentar, atualmente, a mesma tese é uma açã o cuja intençã o nã o é
defender a verdade descoberta pela ciência, mas atacar, por
convicçõ es pessoais, o criacionismo e as Escrituras. Usando as
palavras de um amigo meu, “um método ‘corrompido’ deu vazã o à
mente ‘corrompida’ das pessoas que buscam, incessantemente,
alguma explicaçã o que remova Deus de suas vidas. A dataçã o com
radiocarbono foi esse estopim para as mentes réprobas”. [77]
 
2. Os dias da criação.
 
Logo apó s descrever o estado inicial da Terra , o primeiro capítulo da
Bíblia descreve o processo de criaçã o do universo como se fosse a
confecçã o de uma obra de arte sob os cinzéis do há bil escultor e dos
pincéis do fino pintor. A ordem da criaçã o é bastante razoá vel,
seguindo um sentido bastante ló gico, dia apó s dia, seis dias ao todo.
No primeiro dia, Deus criou o pró prio “dia” criando a “luz” (Gn 1.3-
5). É dito que foram criados, nesse ato, o dia e a noite, pelo que daí
por diante os dias constam de “tarde e manhã ”. Uma lacuna no
conhecimento que podemos ter sobre esse evento é a respeito da
fonte da luz, visto que o Sol e as estrelas foram criados apenas no
quarto dia. Apesar de o texto nã o fornecer tal informaçã o, o ú ltimo
capítulo da Bíblia nos informa que, na vida futura, a luz nã o
dependerá do Sol e das estrelas, sendo o pró prio Deus a fonte da luz:
“ Então, já não haverá noite, nem precisam eles de luz de candeia, nem da luz do sol, porque o Senhor Deus brilhará sobre eles , e reinarão pelos séculos dos
séculos”
(Ap 22.5 – destaque meu).
No segundo dia, Deus atuou no céu que está contido na atmosfera
terrestre separando as á guas em dois grandes ajuntamentos: á gua
sobre a superfície terrestre e á gua sobre os céus – talvez em uma
densa camada de nuvens, bem mais densa do que a que
testemunhamos atualmente (Gn 1.6-8). Essa possibilidade advém do
resultado da precipitaçã o dessas á guas no dilú vio (Gn 7.11,12).
Apesar da sugestã o de alguns de que a á gua suspensa nos céus nã o
se encontrava em forma gasosa, mas líquida – um cinturã o flutuante
de á gua –, o texto deixa claro que o ato de Deus abrir as “comportas
dos céus” nã o criou um derramamento de á guas como o despejar de
uma jarra, mas produziu “chuva” (v.12), a qual só cessou quando
“fecharam-se [...] as comportas dos céus” (Gn 8.2). Além do mais, a
irrigaçã o se dava nã o por chuva, mas por á gua em estado gasoso (Gn
2.6).
No terceiro dia, Deus tirou a Terra da condiçã o de “sem forma” criando
o relevo que fez com a á gua, acumulando-se nos locais mais
profundos, revelasse a porçã o seca de Terra . Imediatamente, Deus
também iniciou o processo de tirar a Terra da condiçã o de “vazia”
fazendo brotar vegetaçã o (Gn 1.9-13). O quarto dia foi quando Deus
criou o sol e as estrelas e fez com que eles passassem a cumprir a
tarefa de separar o dia e a noite. Junto com a criaçã o dos astros, o
Senhor criou também seus movimentos ordenados, meio pelo qual
existem na Terra o dia e a noite – movimento de rotaçã o da Terra – e
pelos quais eles servem, segundo diz o v.14, de “sinais, estaçõ es, dias
e anos”. Tais movimentos, por exemplo, aproximam e afastam a
Terra do sol, formando as “estaçõ es” e definindo os “anos” e, ainda
assim, mantém a ordem do universo de modo a ser possível se
orientar geograficamente por meio dos “sinais” celestes (Gn 1.14-
19).
No quinto dia, Deus criou as aves, peixes e répteis. Essa é uma
descriçã o muito sucinta. Uma lista exaustiva de classes e filos que
compreendesse a gama de animais que foram criados nesse dia
ocuparia uma porçã o grande demais até mesmo para um livro de
biologia (Gn 1.20-23). É notá vel como, tanto o processo de
disseminaçã o da flora (v.12) como o processo de procriaçã o da
fauna (v.22) sã o destacados no relato da criaçã o. A criaçã o da fauna
só nã o foi completa no quinto dia, pois, no sexto dia, Deus criou
todos os animais nã o contidos na descriçã o anterior. Como ú ltimo
item, coroando a criaçã o e dando sentido a ela, Deus criou o homem
e lhe deu domínio sobre animais e lhe deu vegetais como alimento
(Gn 1.24-31).
Por fim, o relato prossegue e apresenta o sétimo dia, quando a
característica marcante é o fato de Deus nã o criar nada: ele abençoa
e santifica tal dia. Uma semana se passou desde “o princípio” (v.1)
até que Deus abençoou o término da sua obra criativa. Justamente
esse conceito de semana e dos dias abre, no meio teoló gico, espaço
para uma interminá vel discussã o: seriam esse dias “literais”?
Ainda respirando os ares das sugestõ es científicas de um universo
com bilhõ es de anos, muitos sugeriram que os dias da criaçã o – todo
o relato, na verdade – é fantasioso, sendo fruto das crenças de povos
da antiguidade. O épico Enuma Elish , de origem babilô nica, narra a
histó ria de criaçã o do universo por meio da batalha entre os deuses
Marduque e Tiamate, em que Marduque sai vitorioso e, retalhando o
corpo morto de Tiamate, faz dele matéria-prima para a criaçã o do
universo.
O que chama a atençã o sã o certas semelhanças em relaçã o ao relato
mosaico, como a narrativa de um tempo em que as á guas nã o eram
separadas e a terra seca nã o existia (Tá bua I). Na tá bua V,
Marduque, na funçã o de um criador, faz separaçã o entre dia e noite
e forma as nuvens: “Depois que ele separou os dias para Samash e
estabeleceu os limites da noite e do dia, tomando a saliva de
Tiamate, Marduque [...] formou as nuvens e as encheu com á gua”.
[78] Semelhanças como essas [79] fazem com que certos teó logos
julguem o relato do início de Gênesis tã o fantasioso quanto o épico
babilô nico.
Outros, mais conservadores, propõ em que o relato é verdadeiro,
mas que a compreensã o da palavra “yô m” (dia) deve ser mais ampla
que o conceito de um período de 24 horas. Eles conciliam o relato
mosaico à s propostas científicas propondo que cada dia da criaçã o
representa, na verdade, uma “era geoló gica” ou um “está gio no
processo criativo”. Essa posiçã o se iguala à anterior em negar os dias
literais da criaçã o, mas difere dela por nã o concordar que o relato
seja fantasioso. Em lugar disso, creem na veracidade da descriçã o
dentro de está gios ou grandes períodos de tempo, figuradamente
chamados de “dias”. Gleason Archer Jú nior defende essa posiçã o
dizendo:
 
A teoria “época = dia”, pois, explica os seis dias da criação como sendo um esboço geral da obra criadora de Deus, na formação da terra e seus

habitantes, até o surgimento de Adão e Eva. Geó logos modernos concordam com Gênesis 1 nos seguintes detalhes: (a) A terra começou sua histó ria

numa forma confusa e caó tica, que subsequentemente cedeu lugar a um estado mais ordeiro. (b) Surgiram as condiçõ es apropriadas à manutenção

da vida: a separação do vapor espesso que cercava a terra em nuvens em cima e rios e mares em baixo, com o ciclo de evaporação e precipitação, e

também com a penetração da luz do Sol [...]. (c) A separação da terra do mar (ou a emergência da terra por cima do nível das águas, que ia se

abaixando) precedia a aparição da vida sobre o solo. (d) A vida vegetal já tinha surgido antes da primeira emergência da vida animal no período

cambriano [...]. (e) Tanto o livro de Gênesis como a geologia concordam que as formas mais singelas aparecem em primeiro lugar, e só

posteriormente as mais complexas. (f) Ambos concordam em dizer que a raça humana tenha surgido como ú ltimo e mais alto produto do processo

da criação.
[80]
 
Deve-se notar que a declaraçã o acima concorda que cada descriçã o
concorda, em termos gerais, com Gênesis 1, sem corroborar sua
historicidade. Ao que tudo indica, os defensores dessa visã o
consideram que o texto nã o pretendeu oferecer uma narrativa
histó rica, mas verdades teoló gicas baseadas em acontecimentos que
se deram de maneira diferente do que foi narrado. Pode-se ver essa
noçã o na seguinte declaraçã o:
 
Nenhum desses relatos pertence ao gênero “mito”. Mas nenhum deles é “histó ria” no sentido moderno de testemunho ocular. Antes, transmitem

verdades teoló gicas acerca de eventos retratados principalmente em estilo literário simbólico e pictório . [...] Essas verdades são todas baseadas

em fatos.
[81]
 
Apesar dessas posiçõ es, uma que desconsidera a inspiraçã o das
Escrituras e outra que supervaloriza as “teorias” científicas em
detrimento da mensagem bíblica completa, os dias da criaçã o devem
ser entendidos como dias literais de 24 horas. Uma das razõ es é que
nã o há no texto (nem de Gênesis, nem do restante do Antigo
Testamento) nenhuma indicaçã o de que a palavra “yô m” nã o tenha
sido usada em seu sentido simples e normal, apesar de ter diversos
usos ao longo das Escrituras hebraicas.
Em segundo lugar, nã o é apenas “yô m”, no texto de Gênesis 1, que
indica um período de 24 horas. O uso recorrente de “houve tarde e
manhã ” revela um dia no sentido normal. Tal frase precede a
numeraçã o de cada dia da criaçã o (Gn 1.5,8,13,19,23,31). J. Scott
Horrell aponta para o fato de que, além da contagem dos dias, a frase
“houve tarde e manhã ” indica fortemente que se trata de dias
comuns. Ele pergunta: “Porque a frase ‘tarde e manhã ’ se [o dia] nã o
é literal?”. Sua conclusã o é que se trata de um dia de 24 horas, visto
que a expressã o se baseia em um dia judaico que começa com a
tarde. [82]
Além disso, uma indicaçã o teoló gica importante do dia de 24 horas
está no fato de Deus ter ordenado a Israel a guarda do sá bado, o
sétimo dia: “ Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu Deus; não farás nenhum trabalho”
(Ex 20.9,10a – destaque meu). Como apoio à lei, o Senhor ofereceu o
fato de que ele descansou no sétimo dia, igualando o uso de “yô m”
que define o “dia” a ser guardado com o seu uso no relato da criaçã o:
“P orque, em seis dias , fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia , descansou; por isso, o Senhor abençoou o dia de
sábado e o santificou”
(Ex 20.11 – destaque meu). Nada disso faria sentido caso
os dias de Gênesis 1 nã o fossem literais.
 
3. Os dois relatos da criação.

 
Outro ponto de discussã o teoló gica sobre o relato da criaçã o é
existência de “dois relatos”, o primeiro narrando o que Deus fez em
cada dia da criaçã o (Gn 1.1 – 2.3), e outro citando a formaçã o da
vegetaçã o e dando mais atençã o à criaçã o do homem e da mulher
(Gn 2.4-25). Como o primeiro trecho narra a criaçã o do homem, o
segundo relato da mesma criaçã o fez com que estudiosos
propusessem tratar-se da coleçã o do trabalho de dois autores
diferentes, cada um deles contando a mesma histó ria sob seu ponto
de vista e sob seu propó sito teoló gico. Na verdade, tal proposta nã o
se faz apenas a Gênesis 1 e 2, mas a todo o Pentateuco, sugerindo
que ele foi escrito por quatro fontes distintas entre os séculos 9 e 5
a.C. e, ao tempo dos ú ltimos escritores, compilado e colecionado
como se fosse um livro apenas, escrito por um só autor – Moisés. A
essa proposta se dá o nome de “hipó tese documental”:
 
De acordo com a Hipó tese Graf-Wellhausen em sua forma
clá ssica, o Pentateuco deriva de quatro fontes documentais
(assim, o nome alternativo de “Hipó tese Documental”): (1) uma
fonte javista (J), escrita no Sul (Judá ) nos primeiros tempos
moná rquicos, (2) uma fonte eloísta (E), escrita no Norte (Israel)
um pouco mais tarde (essas duas fontes sendo combinadas em
algum momento, uma combinaçã o nomeada como JE), (3) uma
fonte deuteronimista (D), compreendida como o livro da lei
encontrado no templo durante as reformas de Josias em 621
a.C., e (4) uma fonte sacerdotal (P), que foi originalmente
considerada pó s-exílica. Essas quatro fontes foram entã o
combinadas por um redator (R) para formar o Pentateuco, na
forma que conhecemos hoje. [83]
 
Com essa ferramenta da teologia liberal em mã os, Gerhard von Rad,
tratando da diferença entre os textos teoló gicos e hínicos que falam
da criaçã o, propõ e a descontinuidade do relato e a coleçã o do texto
de duas fontes:
 
Há apenas duas declaraçõ es expressamente teoló gicas sobre a criação no Antigo Testamento, apresentando-se sob a forma de conjuntos mais

extensos, o relato da criação do Escrito Sacerdotal (Gn 1.1 – 2.4a) e a narrativa javista (Gn 2.4b-25).
[84]
 
Apesar de satisfazer inicialmente a dú vida gerada pelo duplo relato
da criaçã o por duas fontes distintas, [85] é fá cil perceber o perigo
dessa hipó tese: a diluiçã o do conceito da inerrâ ncia bíblica. Outros
livros do Antigo Testamento reconhecem e declaram a autoria
mosaica do Pentateuco ou da “tô rá ” (1Rs 2.3; 2Rs 14.6; 2Cr 23.18),
chamando-o de “ livro de Moisés” (2Cr 25.4; 35.12; Ed 6.18; Ne 13.1), afirmando ser ela a “ lei, os
estatutos e os juízos dados por intermédio de Moisés” (2Cr 33.8) e o “o livro da lei do Senhor, dada por intermédio de Moisés” (2Cr 34.14)
. Um
resultado natural da hipó tese documental no sentido de rejeitar a
inspiraçã o é também rejeitar o pró prio objeto da revelaçã o de modo
que Julius Wellhausen afirmou que o Pentateuco nã o comprova a
historicidade dos patriarcas. [86]
Considerar tais escritos materiais produzidos de seis a dez séculos
apó s a vida de Moisés é conferir erro à s afirmaçõ es bíblicas sobre a
autoria mosaica – incluindo as do Novo Testamento (Mc 7.10;
12.19,26; Lc 20.28,37; Jo 1.45; 5.46; Rm 10.5; 2Co 3.15) –, e ignorar
o peso que elas tiveram sobre a histó ria de Israel na segunda
metade do segundo milênio a.C., período esse que, segundo a
hipó tese documental, Israel estaria desprovido de Escrituras. Isso
também faz com que tais registros sejam apenas as opiniõ es de
diversas fontes baseadas em suas necessidades teoló gicas no meio e
no tempo em que viveram. [87]
Em lugar disso, temos, em Gênesis 1 e 2, nã o dois relatos, mas a
continuidade do relato mosaico da criaçã o cumprindo seu propó sito
teoló gico que era fazer conhecidas dos israelitas do êxodo a criaçã o
do universo e, principalmente, a criaçã o do homem, para, a partir
daí, construir a linhagem da histó ria dos israelitas. Por isso, o relato
completo de Gênesis 1.1 a 2.3 recebe uma explicaçã o adicional em
que Moisés deu os detalhes que ele, por falar de modo resumido,
omitiu na primeira parte. Basta notar como ele nã o repetiu a criaçã o
do universo, nem tampouco da Terra, no capítulo 2. O versículo 4 já
vislumbra a Terra criada, enquanto o versículo 5 a vê desprovida de
vegetaçã o. A explicaçã o para tanto é dupla: (1) ainda nã o havia
irrigaçã o e (2) nã o havia quem a cultivasse. Nesse ponto, apó s essa
breve introduçã o, Moisés passa a falar da criaçã o do homem, o
agricultor que faltava à terra. Desse modo, Gênesis 2.7-25 é a
explicaçã o de como o Senhor fez o que foi descrito em 1.26-29. Zuck
o coloca nos seguintes termos:
 
Há dois relatos complementares da criação: Gênesis 1, que é de extensão có smica e universal, e Gênesis 2, que é decididamente antropocêntrico.

Esta estrutura canô nica propõ e por si mesma a maneira culminante em que é vista a criação do homem. Ela é a gló ria apogística do processo

criativo. Vemos esse fato claramente já em Gênesis 1, pois o homem foi criado por ú ltimo, no sexto dia da criação.
[88]
 
O HOMEM
 
Gênesis nã o informa apenas que o homem foi criado (Gn 1) e como
foi criado (Gn 2), mas dá , também, uma importante informaçã o
adicional, no primeiro capítulo, que qualifica tal criaçã o por meio da
decisã o divina de criar o homem, diferente de todo o restante da
criaçã o, à “imagem de Deus”: “Também disse Deus: Façamos o
homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gn 1.26).
Tal fato conferiu ao homem um estado glorioso em comparaçã o com
o restante da criaçã o, motivo pelo qual sua dignidade é superior à
das demais criaturas (Gn 9.3-6).
 
O ápice consciente da criação é a humanidade (Gn 1.26-28). A monotonia das fó rmulas de ordem é quebrada quando se anuncia a criação da

humanidade nos moldes de uma resolução divina: “Façamos o homem à nossa imagem”. Somente aqui o texto troca a prosa repetitiva,

cuidadosamente elaborada, pela beleza e força do paralelismo da poesia hebraica: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o

criou, homem e mulher os criou” (v.27). O emprego tríplice de “bará”, “criar”, e a estrutura invertida assinalam que aqui o relato atinge o clímax

para o qual se estava encaminhando em estágios sempre ascendentes”.


[89]
 
Essa é certamente uma expressã o muito debatida nas discussõ es
teoló gicas e costuma muito frequentemente, principalmente nos
meios populares, ser malcompreendida.
 
1. O que não é a imagem de Deus no homem.
 
Quase todos já ouviram alguém ensinar que nunca se pode dizer que
alguém é “feio”, pois ele é “imagem de Deus”. Quando colocado desse
modo, o que está por trá s do ensino é que o conceito da “imagem de
Deus” teria relaçã o com a “aparência” do homem ou sua “forma
física”. O dano teoló gico dessa mentalidade é duplo: (1) prejuízo à
doutrina da natureza de Deus e (2) prejuízo à compreensã o da
funçã o da imagem de Deus no homem.
O primeiro prejuízo, envolvendo a natureza de Deus, é crer que o
aspecto físico do homem é fruto de um aspecto físico em Deus. Para
corroborar essa posiçã o, costuma-se utilizar textos que falam, por
exemplo, das mã os, dos olhos, dos pés e dos braços do Senhor com a
intençã o de sugerir que ele tem um corpo cuja forma ele reproduziu
na criaçã o humana. Entretanto, nã o é assim que as Escrituras
expõ em o Senhor.
O Novo Testamento é o responsá vel por sacramentar parta da
natureza de Deus nas palavras “Deus é Espírito” (Jo 4.24), além de
qualificá -lo como Deus “invisível” (Cl 1.15; 1Tm 1.17), razã o pela
qual “ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1.18; 1Jo 4.12), sendo
impossível que isso aconteça (1Tm 6.16). Essa descriçã o aponta
para o fato de que Deus, sendo um ser espiritual, nã o tem um corpo
nem, tampouco, as limitaçõ es inerentes de uma forma física.
O Antigo Testamento nã o é, nesse caso, tã o profícuo quanto o Novo
no sentido de afirmar a invisibilidade de Deus. Entretanto, quando o
Senhor faz aliança com Israel no Sinai, depois de tirá -lo da
escravidã o do Egito, lhes diz: “ Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima
nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto” (
Ex 20.4,5a – destaque
meu). Apesar de esse texto ter um uso contemporâ neo aplicado à
negativa da adoraçã o/veneraçã o de outras pessoas que nã o o Deus
eterno, a disposiçã o dessa ordem dentro do Decá logo parece indicar
que Deus nã o estava preocupado apenas com a adoraçã o pagã , já
que havia previamente ordenado: “Nã o terá s outros deuses diante
de mim” (Ex 20.3). Tendo posto tal alicerce, a ordem de nã o fazer
imagens e prestar-lhes culto parece apontar para uma proibiçã o de
cultuar o pró prio Deus ú nico por meio desse expediente.
Um exemplo de desobediência a essa ordem sã o os altares
construídos em Dã e em Betel por Jeroboã o I, logo apó s a divisã o de
Israel em dois reinos – Judá ao sul e Israel ao norte – a fim de
impedir os israelitas do Norte de adorar a Deus em Jerusalém a fim
de que nã o fossem persuadidos por Roboã o a unificar novamente as
doze tribos (1Rs 12.28,29). Apesar do que possa parecer em uma
primeira visã o, o que Jeroboã o fez nã o foi oferecer outro deus para
ser adorado, mas outro modo de adorar o Deus de Israel.
O arqueó logo William Albright afirma que Jeroboã o, por meio dos
touros, influenciado pela iconografia cananita da época, propô s a
adoraçã o do “deus invisível em pé sobre o bezerro de ouro”.
Segundo ele, essa ideia encontrava paralelo com a figura de Deus
entronizado sobre dois querubins na arca contida no templo de
Salomã o. Como comprovaçã o dessa visã o antiga, ele diz que foram
encontrados, entre os cananeus, arameus e hititas, representaçõ es
de deuses montados sobre o lombo de um animal ou assentado em
um trono sobre animais e diz que entre os hurrianos – reino de
Mitani –, dois touros, Sheri e Khurri, suportavam o trono do deus
Teshub. Assim, segundo Albright, conceitualmente nã o havia
diferença entre a representaçã o de um deus invisível assentado
sobre querubins ou assentado sobre um touro. [90]
Entretanto, Deus, de modo algum, quis ser adorado por meio de uma
forma que, inevitavelmente, acaba por limitar o conceito de Deus e
da sua onipresença. Por esse mesmo motivo, a defesa de um corpo
físico em Deus causa prejuízos a essa teologia e, consequentemente,
à pró pria adoraçã o do Senhor. Assim, quando Israel fez aliança com
Deus no Sinai, o texto de Deuteronô mio fez questã o de informar um
dado importante a respeito do que eles viram – ou, na verdade, o
que eles nã o viram: “ Então, o Senhor vos falou do meio do fogo; a voz das palavras ouvistes; porém, além da voz, não vistes
aparência nenhuma
” (Dt 4.12 – destaque meu). Essa citaçã o nã o é sem motivo,
é como se o escritor fizesse um comentá rio incidental e irrelevante.
A ordem subjacente se vê a seguir:
 
Guardai, pois, cuidadosamente, a vossa alma, pois aparência nenhuma vistes no dia em que o Senhor, vosso Deus, vos falou em Horebe, no meio do

fogo; para que não vos corrompais e vos façais alguma imagem esculpida na forma de ídolo, semelhança de homem ou de mulher, semelhança de

algum animal que há na terra, semelhança de algum volátil que voa pelos céus, semelhança de algum animal que rasteja sobre a terra, semelhança

de algum peixe que há nas águas debaixo da terra. Guarda-te, não levantes os olhos para os céus e, vendo o sol, a lua e as estrelas, a saber, todo o

exército dos céus, sejas seduzido a inclinar-te perante eles e dês culto àqueles, coisas que o Senhor, teu Deus, repartiu a todos os povos debaixo de

todos os céus (Dt 4.15-19


).
 
O segundo prejuízo de crer que Deus tem um corpo físico é a
confusã o sobre a funçã o e as implicaçõ es relativas à imagem de Deus
no homem. Crer que a imagem de Deus se relaciona com os aspectos
físicos com os quais o homem foi formado – como olhos, boca,
ouvidos, mã os, braços e pés –, é desconsiderar, de igual modo, que
há outros animais que também sã o munidos de tais ó rgã os na sua
constituiçã o física, sem, contudo, que a Bíblia sugira que eles tenham
sido criados à imagem de Deus. É , ainda, desconsiderar as diferenças
físicas entre homens e mulheres, visto que o texto bíblico diz: “ Criou Deus,
pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou
” (Gn 1.27 – destaque meu).
Nesse caso, as citaçõ es que rendem a Deus tais ó rgã os nã o passam
de uma figura de linguagem que atribui a Deus partes do corpo físico
de Deus a fim de se referir nã o à sua forma, mas à s suas atuaçõ es.
Assim, quando fala dos olhos de Deus, quer se referir ao ato de ele
ver, ou, ao falar das suas mã os, do seu ato de agir. Tal figura recebe o
nome de “antropomorfismo”.
 
2. O que é a imagem de Deus no homem.
 
Sendo assim, temos de perguntar o que significa tal imagem
impressa exclusivamente na criaçã o do homem. O melhor lugar para
iniciar essa busca é junto ao texto que informa a decisã o divina de
formar o homem à sua imagem: “ E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e
sujeitai-a
” (Gn 1.28a – destaque meu).
Olhando para isso, percebe-se que a natureza do homem como
imagem de Deus estava ligada à tarefa de “governar” [91] e, ao
fazê-lo, agir como legítimo representante de Deus, tanto portando
características pessoais inerentes ao ser divino como em plena
santidade, assim como Deus é santo. A isso se pode dar o nome de
exercício da “soberania mediada”, [92] a saber, o controle de Deus
sobre a Terra exercido pelo homem para a gló ria do criador. Tal
domínio (Gn 1.26), que devia ser exercido pelo homem em lealdade
e obediência absolutas, [93] envolve tanto o cuidado da criaçã o
(Gn 2.15) como o usufruto dela (Gn 1.28-30; 9.3,4), sendo
necessá rio, para tanto, que a raça humana povoasse o planeta (Gn
1.28, 9.1,7).
Com a intençã o de que o homem governasse a Terra, Deus dotou-o
com certas características pessoais que lhe permitissem realizar
com dignidade a funçã o, motivo pelo qual ele também seria
reconhecido de maneira distinta em relaçã o aos animais. [94]
Assim, de modo ú nico, o homem possui os elementos que lhe
conferem personalidade: intelecto, vontade e emoçõ es –, o que o
leva a se sobressair no meio dos seres criados e exercer, de fato,
domínio sobre eles.
A funçã o do ser humano nã o lhe confere apenas relacionamento
com a criaçã o, mas, também, com o criador.
 
A humanidade tem domínio sobre a terra criada por causa de seu relacionamento com Deus (destaque meu). Ela deveria reinar/dominar como seu

representante, em seu caráter. O poder não é o tema teoló gico, mas o meio do seu exercício (para si mesmo e para o bem de outros). [95]

 
Para tanto, Deus criou o homem de maneira a poder se relacionar
com ele. Por isso, o homem foi criado como ser espiritual e nã o
apenas pessoal: “ Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fô lego de vida, e o homem passou a
ser alma vivente”
(Gn 2.7). Davi se utiliza, para se referir ao ser humano
completo, da natureza corporal e espiritual do homem: “ Alegra-se, pois, o meu
coração, e o meu espírito exulta; até o meu corpo repousará seguro”
(Sl 16.9). Com isso, como requisito
para o relacionamento entre Deus e os homens, o Senhor também
lhes deu uma condiçã o moral santa: “ Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto” (Ec
7.29a). Esses aspectos peculiares tornam o homem apto para
governar a Terra e se relacionar com o criador.
 
O POVO DE ISRAEL
 
É certo que Moisés iniciou sua instruçã o aos israelitas do êxodo
tratando da formaçã o do universo e do homem. Entretanto, essa é a
introduçã o do assunto em que ele queria chegar – a formaçã o de
Israel – para, a partir daí, também lhes falar sobre a funçã o de Israel
no mundo como povo escolhido pelo Senhor. Por isso, ele foi o
homem que falou em nome do Deus de Israel e interpretou os
eventos do passado, presente e futuro em termos do seu cará ter e
vontade revelados. [96] Mas nã o é possível falar sobre o presente e
o futuro sem assentar as bases do passado. Portanto, ele, como bom
expositor teoló gico, deu sequência ao relato da criaçã o do homem
passando pela histó ria das naçõ es até chegar ao chamado de Abraã o
e à aliança com os patriarcas, de modo que a histó ria tem uma
importâ ncia na religiã o israelita que nã o encontra paralelo em
nenhuma outra religiã o das antigas culturas. [97]
 
1. As gerações.
 
As primeiras estaçõ es desse trem histó rico sã o as “geraçõ es” ( “tô ledot ”,
em hebraico). Em suas diversas formas, esse termo aparece dez
vezes em Gênesis referindo-se à s geraçõ es ou à histó ria: a criaçã o
dos céus e da Terra (2.4), os descendentes de Adã o (5.1), os
descendentes de Noé (6.9), os descendentes dos filhos de Noé
(10.1), os descendentes de Sem (11.10), os descendentes de Terá ,
pai de Abraã o (11.27), os descendentes de Ismael (25.12), os
descendentes de Isaque (25.19), os descendentes de Esaú (36.1,9) e,
finalmente, os descendentes de Jacó , cujo nome foi mudado
posteriormente para Israel (37.2). [98] Essas dez geraçõ es formam
uma estrutura histó rica de relevâ ncia teoló gica para a mensagem de
Gênesis.
As geraçõ es agem como um funil, de modo a abranger toda a criaçã o
no primeiro “tô ledot”, tornando-se cada vez mais particularizado até
chegar em Jacó , o pai do povo israelita Israel. Excetuando dessa lista
dois dos três filhos de Noé – Cam e Jafé –, Ismael e Esaú , [99] há
uma linhagem de sete “geraçõ es”, todas elas ligadas à origem de
Israel: a criaçã o, Adã o, Noé, Sem, Terá , Isaque e Jacó . Nesse funil há
um ponto marcante, o chamado de Abraã o, filho de Terá .
 
Concluindo os primó rdios, o escopo de desenvolvimento é estreitado para abarcar só os semitas (11.10-32). Por meio de quadros genealó gicos que

envolvem dez geraçõ es, o registro sagrado finalmente enfoca Terá, que emigrou de Ur para Harã. O clímax se dá quando da apresentação de Abrão,

mais tarde conhecido como Abraão (Gn 17.5), em quem concentra o início de uma nação escolhida – a nação de Israel, a qual ocupa o centro de

interesse por todo o restante do Antigo Testamento.


[100]
 
2. O povo de Israel.
 
A linhagem de Israel começa de maneira surpreendente. Todos os
“tô ledot” apresentam grande fertilidade por meio de descendências
numerosas. Entretanto, seguindo o sentido contrá rio dessa
tendência, Gênesis 11 apresenta a descendência de Terá , par de
Abraã o, como uma pequena família que, além dos poucos
integrantes, sofre com a morte prematura de um filho e a
esterilidade da esposa de outro filho: “São estas as geraçõ es de Tera. Tera gerou a Abrão, a Naor e a Harã; e
Harã gerou a Ló . Morreu Harã na terra de seu nascimento, em Ur dos caldeus, estando Tera, seu pai, ainda vivo. Abrão e Naor tomaram para si mulheres; a de

Nã o é de
Abrão chamava-se Sarai, a de Naor, Milca, filha de Harã, que foi pai de Milca e de Iscá. Sarai era estéril, não tinha filhos” (Gn 11.27-30).

uma família assim que se espera saírem grandes e importantes


homens para a histó ria. Contudo, é exatamente dessa família que
Deus chama Abraã o para ser seu servo e lhe fazer promessas de
abrangência mundial.
Habitando a família de Terá em Ur dos caldeus, Regiã o Sudeste da
Mesopotâ mia, pró xima do Golfo Pérsico, deslocaram-se para o
Noroeste, seguindo o caminho natural da crescente fértil rumo a
Canaã . O motivo da saída de Ur nã o é informado e o chamado de
Abraã o para Canaã é um evento posterior. Há uma boa possibilidade
de que a família de Terá tenha se deslocado devido à expansã o
territorial do povo de Guti, promovendo uma invasã o nas terras do
Sul. O fluxo amorita, em sentido à Síria e à Canaã , até as fronteiras do
Egito, pode ter sido o motivo que guiou a decisã o dupla de Terá : sair
de Ur e ir a Canaã . [101] Entretanto, apesar da decisã o inicial,
acabaram por se estabelecer em Harã , atual territó rio da Síria, onde
Terá morreu.
A partir daí, Deus chama Abraã o para ir a Canaã e lhe faz a promessa
de lhe dar uma descendência numerosa e um papel de relevâ ncia
mundial: “ Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei;  de ti farei uma
grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti

serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.1-3


).
Apesar dessa magnífica promessa de uma família numerosa, a
infertilidade continua a acompanhar sua linhagem de modo que,
conforme diz Donner, “Gênesis narra nada mais que a histó ria de
uma família ao longo de três geraçõ es num horizonte muito restrito,
quase sem efeitos para fora e a partir de fora”. [102]
A promessa feita por Deus demorou a ser notada por Abraã o, visto
que ele foi chamado aos setenta e cinco anos de vida (Gn 12.4) e só
teve o filho prometido aos cem anos (Gn 21.5). Nesse ínterim, ele
apresenta certa incredulidade ou impaciência: tentou garantir sua
descendência adotando um servo como herdeiro (Gn 15.2) e teve
um filho com Agar, serva de sua esposa Sara (Gn 16). [103] Nã o
obstante, o Senhor cumpriu sua promessa e Abraã o teve o filho da
promessa, Isaque.
Apesar do cumprimento, a infertilidade continua sendo a marca
dessa linhagem, pois Isaque nã o tem filhos até os sessenta anos de
idade. O Senhor atende suas oraçõ es e ele tem dois filhos: Esaú e
Jacó (Gn 25.26). Ao contrá rio do que se podia esperar, Deus nã o
escolheu o primogênito para dar continuidade à promessa
abraâ mica, mas o mais novo, Jacó (Gn 25.23). O Senhor renovou
tanto com Isaque como com Jacó a aliança feita com o patriarca
Abraã o de formar uma grande naçã o a partir deles e lhes dar uma
terra (Gn 17.21; 28.13-15; 35.11,12 cf. Gn 12.1-3; 15.18-20).
Jacó , que também conheceu a esterilidade em sua família e também
lançou mã o das servas das esposas para ter filhos, teve doze filhos
homens, além de uma filha chamada Diná . No retorno a Canaã ,
voltando de Padã -Arã , ele foi abençoado por Deus e teve seu nome
mudado para Israel (Gn 35.10). Seus doze filhos deram,
posteriormente, origem à s doze tribos de Israel. [104] Contudo,
apesar da grande prole, antes de Jacó descer ao Egito, sua família
contava com menos de oitenta pessoas (Gn 46.26), um nú mero
inexpressivo diante da promessa de uma descendência numerosa
“como as estrelas dos céus e como a areia na praia do mar” (Gn
22.17). É nesse ponto que o fator Egito foi utilizado pelo Senhor.
Esse é um ponto crítico para Israel, pois, a fim de continuar
existindo e crescer até se tornar um grande povo, é necessá rio
deixar a terra da promessa e partir para o Egito, [105] cumprindo
o que foi predito a Abraã o em termos dramá ticos: “ Sabe, com certeza, que a tua
posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a gente a que têm de

(Gn 15.13,14). O que foi predito ocorreu, de


sujeitar-se; e depois sairão com grandes riquezas”

modo que Israel, mesmo escravizado pelos egípcios, contava, na


ocasiã o do êxodo, com seiscentos mil homens, sem contar as
mulheres e crianças (Ex 12.37). Desceu para o Egito uma pequena
família com uma histó ria de infertilidade, mas, em grande
fertilidade, sai do Egito um grande povo prestes a se tornar uma
naçã o.
Essa é a histó ria do povo que estava com Moisés aos pés do Sinai
fazendo aliança com o Senhor, um povo que agora sabe de onde
veio, para onde vai e porque segue o Deus eterno e se compromete
com ele, recebendo bênçã os imerecidas. Eis a razã o pela qual Moisés
lhes contou sobre a criaçã o da Terra e dos céus e da formaçã o de
Israel.
 
_____________
 
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
 
1. Qual foi o papel de Deus no surgimento de tudo que existe?
2. A teoria do radiocarbono (Carbono 14) invalida o relato da
criaçã o ou o relega à categoria de mito?
3. O que é a imagem de Deus no homem?
4. Por que Moisés alistou tantas genealogias em Gênesis?
5. Qual é a importâ ncia do pequeno “tô ledot” de Terá para a teologia
do Antigo Testamento?
Capítulo 4
 
O Pecado
 
 
Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astú cias (Eclesiastes 7.29).

 
 
sob o governo digno e santo do homem acabou por
A perfeita e bela criação divina

ceder lugar ao pecado e à s maldiçõ es que atingiram a raça humana e


até mesmo a natureza impessoal. Gênesis 3 narra a queda do
homem e, consequentemente, de toda a raça humana. O texto de
Eclesiastes 7.29 resume muito bem os três primeiros capítulos das
Escrituras, enaltecendo a perfeiçã o e santidade com que o homem
foi criado e contrastando com a sua segunda realidade mediante a
desobediência a Deus.
 
O PECADO DOS ANJOS
 
Apesar de o assunto de Gênesis 3 ser o pecado do homem, o
contexto demonstra que já há pecado na criaçã o. O primeiro sujeito
do capítulo é “a serpente” (v.1). Nesse caso, é importante notar a
presença do artigo definido que qualifica tal serpente como um ser
específico. Nã o se trata de “uma serpente”, mas “a” serpente.
Nã o querendo superestimar a presença do artigo, notamos que o
texto continua qualificando-a ao dizer que ela era “o mais sagaz de
todos os animais selvá ticos”. Apesar de, pensando em uma perigosa
víbora, concordarmos com essa descriçã o e nos precavemos com
toda atençã o para nã o sermos vítimas de suas presas, no seu
contexto de uma criaçã o em que os animais se alimentavam de ervas
(Gn 1.30) e ainda nã o havia neles medo em relaçã o ao homem (Gn
9.2), a descriçã o parece destoar. O golpe final na expectativa de se
tratar de um mero réptil ocorre quando o texto mosaico registra as
“palavras” da serpente (Gn 3.1,4,5). Fica claro que nã o se trata de
um animal qualquer, mas de um ser pessoal. Contudo, o Antigo
Testamento se cala sobre a identidade dessa serpente.
O ú nico paralelo entre a figura da serpente e um ser pessoal vem do
Novo Testamento ao dizer que “a antiga serpente” é aquele
conhecido como “diabo e Sataná s, o sedutor de todo o mundo”,
mesma ocasiã o em que cita um grupo associado a ele denominado
como “seus anjos” (Ap 12.9). Quanto ao Antigo Testamento, há uma
lacuna no que tange à queda de Sataná s e dos anjos – há apenas
indícios ou referências por meio de “tipos” –, além do inexplicá vel
silêncio sobre a pró pria criaçã o dos anjos. A atuaçã o tentadora da
serpente, usando da mentira como ferramenta para introduzir o
pecado na humanidade nã o torna ousada a conclusã o de que a
serpente de Gênesis 3 seja Sataná s ou um anjo caído.
Tradicionalmente, dois textos dos profetas maiores sã o tidos como
indicaçõ es do pecado de Sataná s. Contudo, tais textos sã o palavras
dirigidas a reis do Oriente Médio Antigo, de modo que nem todos
concordam serem eles referências ao diabo. Entretanto, algumas
peculiaridades de tais relatos sugerem que o “tipo” de pecado de tais
reis podem ser aplicados como representaçã o da queda de Sataná s.
Desse modo, é necessá rio utilizar tais textos cautelosamente,
lançando mã o da palavra “possivelmente”. Assim, diríamos: “Esses
textos possivelmente sã o referências indiretas à queda do diabo”.
O primeiro deles é Isaías 14.12-15 e se trata de palavras dirigidas ao
rei da Babilô nia (v.4): “Como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitavas as
naçõ es! Tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu; acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono e no monte da congregação me assentarei, nas

extremidades do Norte; subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo. Contudo, serás precipitado para o reino dos mortos, no mais

profundo do abismo”.

O que chama a atençã o no sentido de ser uma referência a um anjo


sã o partes do texto como “caíste do céu”, “subirei ao céu”, “acima das
estrelas de Deus exaltarei o meu trono” e “serei semelhante ao
Altíssimo”. Por outro lado, há elementos no texto que nã o podem ser
aplicados a Sataná s como a referência à s “extremidades do Norte” e
à atuaçã o de “debilitar as naçõ es”. O sentido locativo de “norte” nã o
faz sentido na existência angelical, nem tampouco havia “naçõ es” a
serem debilitadas antes da queda de Sataná s – a julgar pela sua
atuaçã o diabó lica quando só existiam dois seres humanos. Já , para o
rei da Babilô nia, tais palavras expressam perfeitamente seu ímpeto
imperialista e sua oposiçã o ao império assírio, ao norte da Babilô nia.
Unindo-se a isso o fato de que nã o é incomum encontrarmos
linguagem figurada na literatura antiga para se referir a homens
como se fossem seres sobrenaturais, [106] é necessá rio cautela na
aplicaçã o de Isaías 14.12-15 à queda do diabo. Guardados os
devidos cuidados, Ridderbos faz uma ó tima colocaçã o, comentando
o texto de Isaías, no sentido do que já foi dito:
 
Que humilhação para o rei! Ele era como uma estrela da manhã (também chamado do “filho da alva” porque o surgimento da estrela da manhã

coincide com o romper do dia), radiante em fulgor e beleza; mas agora ele é como uma estrela que caiu do firmamento. Ele, que derruba naçõ es, jaz

derrubado por terra. Os pais da igreja como Jerô nimo e Tertuliano consideravam que esse versículo se referia ao diabo, e daí, o nome Lú cifer

(estrela da manhã) lhe foi atribuído. Lutero e Calvino rejeitaram ambos esta ideia como erro grosseiro, e em certo sentido, com razão. Assim

mesmo, há um elemento de verdade nisso tudo: mediante a sua autodeificação, o rei da Babilô nia é imitador do diabo e um tipo do anticristo (Dn

11.36; 2Ts 2.4); portanto, a sua humilhação é também um exemplo da queda de Satanás da posição de poder que ele usurpou (cf. Lc 10.18; Ap 12.9).

[107]
 
O outro texto que é interpretado da mesma forma é Ezequiel 28.12-
19 e trata de uma dura repreensã o ao rei de Tiro. Assim como no
primeiro caso, há uma linguagem “angelical”, [108] mas também
há referências ao procedimento opressor e ganancioso de um rei
terreno e sua iminente desgraça. Assim como no primeiro caso,
traços do pecado satâ nico parecem ser visíveis nesse rei, como a
soberba e a vaidade. [109]
 
Filho do homem, levanta uma lamentação contra o rei de Tiro e dize-lhe: Assim diz o SENHOR Deus: Tu és o sinete da perfeição, cheio de sabedoria e

formosura. Estavas no É den, jardim de Deus; de todas as pedras preciosas te cobrias: o sárdio, o topázio, o diamante, o berilo, o ô nix, o jaspe, a

safira, o carbú nculo e a esmeralda; de ouro se te fizeram os engastes e os ornamentos; no dia em que foste criado, foram eles preparados.  Tu eras
querubim da guarda ungido, e te estabeleci; permanecias no monte santo de Deus, no brilho das pedras andavas.  Perfeito eras nos teus caminhos,

desde o dia em que foste criado até que se achou iniquidade em ti. Na multiplicação do teu comércio, se encheu o teu interior de violência, e pecaste;

pelo que te lançarei, profanado, fora do monte de Deus e te farei perecer, ó querubim da guarda, em meio ao brilho das pedras. Elevou-se o teu

coração por causa da tua formosura, corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor; lancei-te por terra, diante dos reis te pus, para que te

contemplem. Pela multidão das tuas iniquidades, pela injustiça do teu comércio, profanaste os teus santuários; eu, pois, fiz sair do meio de ti um

fogo, que te consumiu, e te reduzi a cinzas sobre a terra, aos olhos de todos os que te contemplam.  Todos os que te conhecem entre os povos estão

espantados de ti; vens a ser objeto de espanto e jamais subsistirás (Ez 28.12-19).

 
A presença diabó lica no É den e sua açã o tentadora sobre a mulher
agem como um agente catalisador do pecado humano. Entretanto, o
texto vai mostrar que a responsabilidade final do pecado de Adã o e
de Eva é de cada um deles. Mesmo assim, o engano e a tentaçã o
apresentada em Gênesis 3 rendem à serpente uma maldiçã o (v.14).
Se, por um lado, o Antigo Testamento dá nenhuma ou pouca informação sobre a queda de Satanás e de parte dos anjos, ele afirma a atuação deles como

inimigos de Deus e dos homens. Apesar de necessitarmos do Novo Testamento para uma melhor compreensão do assunto, temos no Antigo Testamento a

informação de que Satanás se opõ e aos servos de Deus: “Deus me mostrou o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do Anjo do Senhor, e Satanás estava à

mão direita dele, para se lhe opor ” (Zc 3.1 – destaque meu). Uma das maneiras de ele efetuar tal oposição aos crentes é por meio da sugestão de

desobediência a Deus a fim de atenderem seus desejos pecaminosos, como o fez no caso de Davi: “Então, Satanás se levantou contra Israel e incitou a Davi a

levantar o censo de Israel” (1Cr 21.1 – destaque meu).


[110]
Um dos casos mais conhecidos da atuaçã o de Sataná s no Antigo
Testamento está no início do livro de Jó . Nele, quando o Senhor
mostra a Sataná s a inigualá vel integridade, retidã o e temor de Jó ,
Sataná s respondeu: “ Porventura, Jó debalde teme a Deus? Acaso, não o cercaste com sebe, a ele, a sua casa e a tudo quanto tem? A
obra de suas mãos abençoaste, e os seus bens se multiplicaram na terra” (Jó 1.9,
10). Isso é uma acusaçã o dupla. A
primeira é que Jó seria um interesseiro qualquer e o motivo de
servir a Deus era apenas ser beneficiado por ele. A segunda é que o
pró prio Deus era manipulador, abençoando Jó com o mesmo tipo de
interesse, só que, nesse caso, o objetivo era ser honrado. Depois de
tentar manchar a reputaçã o de Jó e tentar manipular Deus por meio
do seu brio, ele propõ e tirar os bens, a família e, posteriormente, a
pró pria saú de de Jó a fim de testar sua fidelidade a Deus. Em poucas
colocaçõ es, Sataná s mostra toda a sua astú cia e malícia, além de ficar
claro para o leitor o quanto ele é perigoso na execuçã o dos seus em
seus intentos.
Os demô nios também sã o alvo da atençã o do Antigo Testamento e
lhes rende a capacidade de enganar os homens para que se desviem
da vontade e dos caminhos de Deus enquanto pensam serem
seguidores de divindades legítimas e dignas de adoraçã o e de serem
veneradas pelos homens (Lv 17.7; Dt 32.17; Sl 106.37). [111] O
pró prio Deus, com a finalidade de julgar os israelitas incrédulos, se
utilizou dessa atuaçã o demoníaca para trazer puniçã o: “Perguntou o Senhor: Quem
enganará a Acabe, para que suba e caia em Ramote-Gileade? Um dizia desta maneira, e outro, de outra.   Então, saiu um espírito, e se apresentou diante do

Senhor, e disse: Eu o enganarei . Perguntou-lhe o Senhor: Com quê? Respondeu ele: Sairei e serei espírito mentiroso na boca de todos os seus profetas ” (1Rs

– destaque meu). Ao que tudo indica, todo tipo de adoraçã o


22.20-22a

falsa é motivada por Sataná s e pelos demô nios a fim de afastar os


homens do seu criador.
 
A QUEDA DO HOMEM
 
Gênesis 3 narra a queda da humanidade. O Antigo Testamento nã o
fica alheio a isso de modo a ter o pecado como um de seus assuntos
mais frequentes. [112] Entretanto, é o Novo Testamento que
construirá a doutrina clara e precisa sobre ele. O pró prio livro de
Gênesis apenas narra a queda e suas consequências sem, contudo,
dar definiçõ es sobre o pecado. Mesmo assim, na narrativa há
informaçõ es valiosíssimas sobre a natureza da queda e suas
consequências. [113]
A narrativa da queda expõ e Sataná s sugerindo certa contradiçã o na
ordem de Deus quanto ao que o homem poderia comer no jardim: “ É
assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?”
(Gn 3.1). É possível que essa sugestã o
inicial visasse a, ao mesmo tempo, incitar a mulher e seu marido a
comerem o fruto que Deus lhes proibiu comer, como se essa fosse
uma açã o tã o simples e normal como comer qualquer outro
alimento e, também, abrir caminho para, a seguir, questionar a
validade e a motivaçã o divina na ordem que deu.
A resposta da mulher foi que, de fato, eles poderiam comer de tudo,
exceto do fruto daquela á rvore. Ela chega a estender a ordem de
Deus dizendo “nem tocareis nele” (Gn 3.2), coisa que a Bíblia nã o
registra que Deus lhes tenha dito. Talvez esse fosse um cuidado que
Adã o e Eva tenham introduzido pela preocupaçã o de desobedecer
ao Senhor. A preocupaçã o é justificada, pois a mulher cita
corretamente o motivo dado por Deus para se negarem a realizar o
ato proibido: “Para que nã o morrais”.
O pró ximo passo de Sataná s foi sugerir que essa consequência era
falsa e escondia outras motivaçõ es. Ele disse: “ É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que
no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal”
(Gn 3.4,5). Essa
afirmaçã o acusa Deus de mentir aos homens e, de modo egoísta,
impedir o homem de progredir tanto no seu conhecimento como na
sua posiçã o. Nã o é possível precisar se o Diabo sugeriu que tal
conhecimento os tornaria “como Deus”, ou se eles seriam “como deuses
que conhecem o bem e o mal”.
[114] O certo é que o homem subiria vá rios degraus
no edifício do poder e da gló ria, sendo, em certo sentido,
semelhantes a Deus ou compartilhando atributos exclusivos dele.
A reaçã o a essa sugestã o mentirosa e malévola se vê no texto
seguinte: “ Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do
fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu”
(Gn 3.6). É notá vel a aplicaçã o do verbo “ver”
como açã o da mulher fazendo uma avaliaçã o pessoal de tudo que ela
tinha ouvido tanto de Deus como do diabo. Em primeiro lugar, ela
viu que o fruto era comestível. Em segundo lugar, chegou à
conclusã o de que a aparência sugeria que ele era apetitoso.
Finalmente, ela concluiu que a afirmaçã o da serpente, que
contradizia à de Deus, era a verdadeira, de modo que o fruto
produziria benefício e ascensã o na sua posiçã o e capacidade.
Chegando a essas conclusõ es pela avaliaçã o pessoal, ela comeu o
fruto, ato seguido pelo seu marido. Calvino oferece como quadro do
pecado original uma tríade danosa: a ambiçã o, o orgulho e a
ingratidã o. [115]
O fato de Adã o nã o ser citado no diá logo entre a serpente e a mulher,
nã o significa que ele nã o estivesse presente. Seu ato de comer do
fruto atesta sua presença e, certamente, seu processo mental
semelhante ao da esposa. A diferença é oferecida pelo Novo
Testamento ao dizer que a mulher foi enganada pelas sugestõ es
diabó licas, mas o homem nã o foi enganado, de modo a pecar por
decisã o consciente (1Tm 2.14). Sendo assim, o comer o fruto nã o foi
pecado principal de Adã o. Ele foi consequência da sua decisã o de
nã o se submeter a Deus, mas, em lugar disso, tomar as rédeas do seu
curso de atuaçã o.
 
O pecado original era a declaração, por parte do homem e mulher, da sua independência da autoridade de Deus. No momento em que os dois

colocaram sua pró pria razão como juiz sobre a revelação de Deus, a fim de decidir se esta era correta ou não, caíram em pecado. Uma vez que

fizeram isso, a decisão de comer o fruto foi uma decorrência natural.


[116]
 
AS CONSEQUÊNCIAS DA QUEDA
 
Imediatamente apó s a queda da condiçã o de perfeiçã o e santidade, a
primeira consequência se fez ver por meio de limites no modo como
se relacionavam livre e harmoniosamente, tendo destroçada a
naturalidade com que se davam um ao outro: [117] “ Abriram-se, então, os olhos de
ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si” (Gn 3.7)
. Se essa ruptura foi
sentida imediatamente, algum tempo depois outra surgiu diante
deles: o medo de Deus: “ Quando ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da
presença do Senhor Deus , o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim”
(Gn 3.8 – destaque meu).
Tal receio revela a verdadeira consequência por detrá s, a quebra
aguda da comunhã o com o Senhor em meio a uma consciência
natural do afastamento de Deus e da inadequaçã o do homem com a
divindade santa. Tal consciência se vê desde o passado no modo
como os homens tentavam adorar os seus deuses: por meio do
apaziguamento
. A ideia da ira divina contra o homem fez com que os
adoradores das falsas divindades fizessem tudo ao seu alcance no
sentido de amainar a ira dos deuses para que esses nã o lhes fossem
desfavorá veis. O motivo disso é uma ruptura fundamental no
relacionamento, desde a queda, entre o Deus criador e o homem
criado.
O terceiro efeito da queda se fez sentir na fuga humana da
responsabilidade pelo mal, tentando, com isso, se autojustificar.
Quando o Senhor pediu a Adã o explicaçõ es para sua fuga e,
obviamente, para a desobediência, ele respondeu: “A mulher que me
deste por esposa, ela me deu da á rvore, e eu comi” (Gn 3.12). A
sutileza no modo de colocar a questã o nã o esconde a falta de
sutileza da dupla acusaçã o: a de que a culpa era, em primeiro lugar,
da mulher e, depois, de Deus que a deu ao homem. A mulher segue a
mesma tá tica e diz: “ A serpente me enganou, e eu comi” (Gn 3.13). Ninguém disse nada
parecido com o que escreveu o rei Davi quando reconheceu e se
arrependeu do seu pecado: “ Eu conheço as minhas transgressõ es, e o meu pecado está sempre diante de mim.  Pequei
contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mau perante os teus olhos , de maneira que serás tido por justo no teu falar e puro no teu julgar” (Sl 51.3,4

destaque meu).
A partir desse ponto, as consequências da queda vêm de declaraçõ es
do Senhor, duras declaraçõ es. A primeira delas é uma maldiçã o
colocada sobre a serpente: “ Então, o Senhor Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os
animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. Porei inimizade entre ti e a

(Gn 3.14,15). A
mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”

princípio, Deus parece ter-se dirigido ao animal por meio de quem


Sataná s atuou lançando sua tentaçã o maligna. Contudo, uma
interpretaçã o teoló gica, sobre a qual trataremos no capítulo
concernente à s promessas, pode indicar que Deus também se dirigiu
ao diabo prenunciando sua derrota futura.
A mulher é alvo da segunda declaraçã o do Senhor. Duas
consequências sã o expostas. A primeira, muito fá cil de ser
compreendida, é que a gestaçã o e o processo do nascimento trariam
sofrimento à mulher: “E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os
sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores dará s à luz filhos”
(Gn 3.16a). É importante notar o agente da açã o de multiplicar os
sofrimentos. Deus diz “[eu] multiplicarei”, assumindo a autoria da
introduçã o desse sofrimento. Contudo, o contexto deixa claro que a
responsabilidade pela existência de tais condiçõ es sã o os pró prios
pecadores.
A segunda consequência do pecado sobre a mulher é: “O teu desejo
será para o teu marido, e ele te governará ” (Gn 3.16a). Essa clá usula
nã o é tã o clara como a primeira, de modo que muitas sugestõ es sã o
feitas pelos teó logos como possíveis significados. Uma delas é que a
mulher passaria a “desejar” o marido no sentido de nutrir extremo
apego por ele e, até mesmo, necessidades íntimas a serem supridas
pelo sexo masculino. Entretanto, pensar que isso é uma
consequência do pecado parece desprezar a ideia de que Deus criou
a mulher para se unir ao seu marido, amá -lo, preencher seus anseios
e ter, também, os seus pró prios preenchidos por ele. Ademais, essa
interpretaçã o tira o cará ter negativo da clá usula “e ele te
governará ”. Sob essa ó ptica, parece que a mulher foi amaldiçoada
com algo bom como um relacionamento amoroso liderado pelo
marido.
Essa confusã o se dissipa no pró ximo capítulo de Gênesis, quando
Deus usa a mesma construçã o de palavras ao falar com Caim: “ Se, todavia,
procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo
” (Gn 4.7b – destaque
meu). O “desejo” descrito em Gênesis 3.16 ( “teshû qah
”, em hebraico) está
também presente em Gênesis 4.7. Significa “afeiçã o, forte desejo,
paixã o”. Vem de uma raiz ará bica que significa “compelir, impelir,
buscar controlar”. [118] O uso da palavra hebraica nesse contexto
parece ser o mesmo dessa raiz, pois Deus disse a Caim que o pecado
tentaria controlá -lo. Por outro lado, o verbo “dominar” ( “mashal ”, em
hebraico) é usado para descrever tanto a atuaçã o de o homem
governar a mulher como a de Caim de dominar o pecado no sentido
de subjugá -lo e de vencê-lo na luta que define quem domina quem.
Fazendo uma comparaçã o entre esses dois textos, o sentido de
Gênesis 3.16 parece ser: “Seu desejo será controlar teu marido, mas
ele te subjugará ”. Essa é a consequência do pecado pronunciada
contra a mulher. Ela teria dificuldade de se submeter ao marido e
tentaria fazer valeu seu controle e seus desejos em uma atitude de
liderança para a qual ela nã o estava autorizada. [119] Em
contrapartida, o homem se defenderia desse impulso com uma açã o
do mesmo tipo no sentido oposto. Isso redundaria em domínio
masculino, mas, a julgar pelo tom do texto, o que parece saltar aos
olhos nã o é um controle cuidadoso, amoroso e abnegado como o que
Paulo orienta em Efésios 5.25-30, mas um domínio tã o egoísta
quanto o desejo da mulher com a diferença de vir da parte de quem
tem mais força, à s vezes, abusiva.
Pensando assim, basta olhar para a posiçã o social da mulher no
passado, sendo tratada como mero objeto e até como moeda de
troca. Imediatamente, vê-se o efeito do pecado no convívio humano,
principalmente entre homens e mulheres. Também é interessante
notar que o ensino de Jesus e dos apó stolos age no sentido de
desfazer as consequências do pecado de Adã o e, assim, incentiva a
submissã o da mulher ao marido e o amor cuidadoso do marido à
esposa.
Por fim, Deus se dirige à Adã o e lhe diz: “ Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore
que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa” (Gn 3.17). A pró pria natureza
impessoal foi vítima das
consequências da queda humana. A terra ser maldita trouxe ao
homem sua pró pria maldiçã o na forma de proporcionar dificuldades
para que se cultivassem os alimentos, algo bem diferente do cuidado
harmonioso do jardim do É den: “Em fadigas obterá s dela o sustento
durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e
abrolhos, e tu comerá s a erva do campo. No suor do rosto comerá s o
teu pã o, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és
pó e ao pó tornará s” (Gn 3.17.19). Assim, aquela que traria os
sofrimentos durante a vida – a terra –, também seria o depó sito
devorador do corpo na morte.
Que consequências terríveis! Entretanto, a pior delas foi declarada
antes da queda: “Porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás ”
(Gn 2.17b – destaque meu). Nã o foi apenas o aviso das
consequências da queda que receberam atençã o no relato de
Gênesis. Depois de a morte se fazer sentir na raça humana, o livro
também ressalta sua presença por meio de repetiçõ es da açã o “e
morreu”.
 
Há uma frase recorrente que grifa a histó ria do pecado do homem: “e morreu” (5.5, 8, 11, 14, 17, 20, 27, 31). É justamente o que Deus havia dito que

aconteceria se o homem desobedecesse (2.17). Note também como o pecado se espalha rapidamente de um indivíduo (3.1) a um casal (3.12),

depois a uma família (4.1-15) e, finalmente, ao mundo todo (11.1-9).


[120]
 
Com relaçã o à abrangência dessa morte, o Novo Testamento fornece
informaçõ es amplas sobre o tema. É certo que os israelitas, haja
vista a revelaçã o progressiva, tinham uma noçã o que favorecia o
aspecto físico dessa morte. Entretanto, o Novo Testamento nos dá
delimitaçõ es mais claras de três aspectos em que a morte advinda
da queda atinge o homem: a “morte física”, a “morte espiritual” –
como uso metafó rico da morte no sentido de descrever a total
ruptura entre o pecador e do Deus santo –, e a “morte eterna” –
estado de condenaçã o do pecador no lago de fogo ao longo dos
séculos sem fim. Diante desses conceitos teoló gicos, a resposta à
pergunta sobre quais aspectos da morte atingiram o homem na
queda, tomamos de empréstimo as palavras de Agostinho:
 
Se... se perguntar com qual tipo de morte Deus ameaçou o homem..., se... foi a morte física, ou a espiritual, ou aquela segunda morte, responderemos:

Foi com todos... Abrange não somente a primeira parte da primeira morte, onde quer que a alma perca Deus, nem somente a ú ltima, em que a alma

deixa o corpo,... mas também... a segunda morte, que é a ú ltima de todas, a morte eterna”.
[121]
 
O HOMEM CAÍDO
 
Como o Senhor havia alertado, o pecado trouxe ao homem a morte e
isso ocorreu em todos os sentidos. Toda a harmonia e paz na criaçã o
e, principalmente, na humanidade foram quebradas. Quando o
Senhor olha para o homem, nã o chega mais à mesma conclusã o de
que “tudo era muito bom”, conforme notou no decorrer da criaçã o.
Em vez disso, ele vê um homem que, apesar da perfeita criaçã o, se
desviou do bem: “ Eis o que tão-somente achei: que Deus fez o homem reto, mas ele se meteu em muitas astú cias” (Ec
7.29).
O primeiro vislumbre de uma natureza corrompida, apó s a narrativa
da queda, surge no capítulo 5 de Gênesis. Nele, o autor afirma que
Deus criou Adã o, diz o texto que “à semelhança de Deus o fez” (Gn
5.1). Entretanto, ao apresentar a linhagem de Adã o, diz: “Viveu Adã o
cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem , e lhe chamou Sete” (Gn 5.3 –
destaque meu). Gerar um filho à imagem do pai é exatamente o que
esperamos. Contudo, o nítido contraste entre a imagem de Deus no
homem e a imagem de Adã o em Sete, parece sugerir que a raça
humana nã o guarda mais, depois da queda, as mesmas
características com que Adã o foi criado.
Quando notamos nas Escrituras o cará ter e a natureza do homem
caído, percebemos que alguns traços do que é compreendido como
“imagem de Deus” foram preservados (personalidade e
espiritualidade), enquanto outros foram nublados (entendimento,
vontade e emoçõ es existentes, mas corrompidas) e alguns até
mesmo deixaram de existir (santidade e pureza).
 
Segundo Gn 5.3, Adão gerou Sete “à sua semelhança, conforme sua imagem”. Isso significa que Deus deu ao ser humano o poder de transmitir essa

sua mais alta dignidade por intermédio da procriação das geraçõ es. Por causa disso, não podemos dizer que a qualidade de ser imagem de Deus

esteja perdida, tanto mais que, ainda na era de Noé, se contasse com a sua existência (Gn 9.6b). É certo que a histó ria da queda no pecado relata

graves perturbaçõ es na natureza de criatura do ser humano, mas o Antigo Testamento não se pronuncia sobre o modo como essas perturbaçõ es se

relacionam com a qualidade de o ser humano ser imagem de Deus.


[122]
 
O fato é que a presença do pecado no homem afetou toda a raça humana, não somente as pessoas que pecaram no É den, mas toda a sua geração, ou seja, todos

os seus descendentes. A culpa adquirida na queda pertence até mesmo àqueles que não estavam presentes no jardim. Assim, segundo Davi, o efeito da queda

estava presente nele desde o nascimento: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5). Tal efeito é compartilhado com toda a raça

[123] de modo que ninguém nasce sem que seja sob o jugo da natureza de pecado, ou sem que a culpa lhe seja imputada: “Desviam-se os ímpios

desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham, proferindo mentiras” (Sl 58.3); “Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para

ser justo?” (Jó 15.14).


A corrupçã o humana como consequência da queda se faz ver,
também, pelo modo como as Escrituras o chamam. Das três palavras
para se referir ao homem, duas delas aparecem no É den: “adam”
(homem, humanidade) em Gn 1.26,27, e “îsh” (marido, homem) em
Gênesis 2.23,24. A terceira delas, “enosh” (homem, humanidade),
segundo Delitzsch, tem uma conotaçã o de fraqueza ou de estar
doente, a julgar pelo significado da palavra assíria relativa. [124]
Exemplo disso é o modo como “enosh” é utilizado em Jó para mostrar a
ausência de justiça no homem: “Que é o homem , para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser
justo?”
(Jó 15.14 – destaque meu). Outros textos fazem o mesmo uso
enfatizando a fragilidade e corruptibilidade humana (ex: Is 13.7;
24.6; 33.8; Sl 56.1; 90.3).
A natureza pecaminosa do homem parece ter tomado conta da raça
humana, desde o início, de maneira crescente. Como resultado, o
homem passou a desenvolver cada vez mais maneiras de aplicar no
mundo e na sociedade a maldade conseguida pela queda. Em pouco
tempo se vê o aprofundamento do domínio do pecado por meio da
introduçã o do homicídio na histó ria. O primeiro homicídio surgiu na
forma de Caim reagir ao desgosto de ser preterido por Deus diante
da aceitaçã o de Abel. [125] E o motivo para tal recusa por parte de
Deus nã o foi a natureza da oferta de Caim, mas o pecado que o
dominava: “ Então, lhe disse o Senhor: Por que andas irado, e por que descaiu o teu semblante?  Se procederes bem, não é certo que serás
aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo”
(Gn 4.6,7).
 
Alguns defendem que a oferta de Abel foi aceita por ser um sacrifício, uma oferta de sangue, enquanto Caim ofereceu apenas cereais. Mas não há

qualquer referência nos textos de Gênesis 4 e de Hebreus 11 que deem a ideia de que Abel tinha que sacrificar um animal para adorar a Deus. [...]

Deus não se agradou apenas da oferta de Abel, mas de “Abel e de sua oferta” [Gn 4.4]. Por outro lado, “de Caim e de sua oferta não se agradou” [v.5].

Quando Caim se zangou por não ser aceito, Deus não censurou sua oferta, mas a vida que levava e o pecado que o dominava. Não o instruiu a trazer

outro tipo de oferta, mas a proceder bem.


[126]
 
Se o pecado se aprofundou em Caim, os descendentes deste
seguiram o mesmo caminho tornando a vida do homem e a
sociedade cada vez mais corrompida e distante da santidade do
Senhor. Cinco geraçõ es adiante, conforme o registro bíblico, surge
Lameque, um exemplo do desenvolvimento do pecado. Se Caim
matou seu irmã o e tentou esconder isso de Deus (Gn 4.8,9),
Lameque, por sua vez, se orgulhou diante de suas esposas, com uma
espécie de cançã o patética, de ter matado dois homens, um que lhe
havia ferido e outro que lhe havia pisado (Gn 4.23,24). Os motivos
fú teis para esses homicídios reforçam o quadro da maldade
crescente.
Um á pice nesse processo surge em Gênesis 6, quando o pecado tinha
tomado conta da sociedade a ponto de Deus decidir punir com a
morte todos os homens, conservando em vida apenas a Noé e sua
família: “ Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu coração”
(Gn 6.5). Deus trouxe a puniçã o mundial por meio do dilú vio. O
início da nova sociedade em Gênesis 8 a 10 traz ao leitor a esperança
de uma renovaçã o da moral e da santidade no homem a fim de se
ver, na linhagem de Noé, comunhã o com seu criador.
Porém, o capítulo 11 de Gênesis apresenta uma nova e aberta
rebeliã o contra Deus e contra suas ordens (cf. Gn 1.28; 9.1), por
meio da construçã o da Torre de Babel, com um desejo renovado de
grandeza e, talvez, até mesmo com aspiraçõ es divinas, a exemplo do
É den: “ Disseram: Vinde, edifiquemos para nó s uma cidade e uma torre cujo tope chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome , para que
não sejamos espalhados por toda a terra”
(Gn 11.4 – destaque meu).
Com esse quadro, Moisés introduz a histó ria de Israel, desde o
chamado de Abraã o (Gn 12), mostrando as fraquezas dos patriarcas
e do pró prio povo, de modo que a graça imerecida de Deus pode ser
vista em quase todos os relatos daí para frente. Mençõ es de pecados
específicos dos israelitas serã o feitas adiante, quando necessá rias
para se entender o relacionamento entre Deus e Israel e a puniçã o
da sua rebeldia.
 
_____________
 
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
 
1. Que papel Sataná s desempenhou na queda do homem?
2. Como Sataná s age em relaçã o aos homens depois da queda?
3. O pecado é um conceito ilusó rio com funçã o religiosa ou uma
desobediência real a Deus que gera consequências indesejá veis?
4. Quais as implicaçõ es da queda para a natureza humana?
5. Quais as implicaçõ es da queda para a família?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo 5
 
A punição
 
 
Porque o Dia do Senhor está prestes a vir sobre todas as naçõ es; como tu fizeste, assim se fará contigo; o teu malfeito tornará sobre a tua cabeça

(Obadias 15).

 
 
Para os homens que temem a
Deus, uma coisa difícil de lidar é ver a maldade dos
perversos ser coroada por paz e prosperidade. É vê-los zombando
da justiça, dos homens honestos e de Deus e, ainda assim, se saírem
bem. É certo que essa paz muitas vezes é transitó ria e antecede dias
terríveis que eles atravessarã o. Mesmo assim, nã o é fá cil perceber a
injustiça prevalecer. E essa realidade nã o é exclusividade dos nossos
dias. Asafe notou esse fenô meno há mais de três mil anos: “ Eis que são estes os
ímpios; e, sempre tranquilos, aumentam suas riquezas”
(Sl 73.12).
Apesar do que possa parecer no sentido de valer a pena ser
trapaceiro e injusto, as Escrituras garantem que esse caminho leva à
ruína: “ O que semeia a injustiça segará males” (Pv 22.8a). Esse provérbio de Salomão parece ser a versão do Antigo
Testamento do que conhecemos como “lei da sega” presente no
Novo: “ Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará ” (Gl 6.7 –
destaque meu). O apó stolo Paulo prossegue e explica o texto
aplicando a ideia da “ceifa” a consequências eternas que ele chama
de “corrupçã o” em contraposiçã o aos benefícios da vida eterna para
quem fez o oposto: “Porque o que semeia para a sua pró pria carne
da carne colherá corrupção ; mas o que semeia para o Espírito do Espírito colherá vida eterna” (Gl 6.8 – destaque
meu).
 
A RAZÃO DA PUNIÇÃO
 
Esse ajuste de contas com a maldade – vimos no capítulo anterior
que o homem é pecador e merecedor de puniçã o – nã o se deve ao
acaso, nem a um destino justo ou à sabedoria do universo, nem
tampouco a um equilíbrio natural entre o bem e o mal – coisas que,
popularmente, se dizem por aí. O Antigo Testamento afirma que o
Deus é o retribuidor da iniquidade, o punidor dos pecados. A razã o
para isso nã o é um deus egoísta, maldoso e sá dico, parecido com os
deuses do paganismo antigo, mas um Deus justo e santo que nã o
pode conviver com o mal, nem pode deixar impune o pecado.
Uma das coisas que impulsiona Deus a punir os pecados é o fato de
ele ser reto, isto é, direto, certo e fiel a uma norma que é sua pró pria
natureza e cará ter. [127] Assim, o padrã o da retidã o do Senhor é
ele mesmo. Essa afirmaçã o e seu desenvolvimento bem poderiam
estar no capítulo que fala dos atributos de Deus. Contudo, seu papel
na atuaçã o punitiva do pecado nos obriga a considerá -lo no
processo de condenaçã o dos injustos. A retidã o de Deus, qualidade
intrínseca do seu cará ter, tem implicaçõ es morais e prá ticas no
sentido de produzir “caminhos corretos”, [128] seja pela promoçã o
do que é bom (Ne 9.13; Sl 25.8), seja pela condenaçã o do que é mau.
A consequência de Deus ser reto é que ele atua com justiça. Davi
anuncia que “o Senhor é reto... e nele não há injustiça” (Sl 92.15) e “justo és, Senhor, e retos, os teus juízos” (Sl 119.137).
Munido de tal qualidade, ele a aplica em caráter universal
, ou seja, a todos: “ Ele mesmo julga o mundo com justiça; administra os
povos com retidão”
(Sl 9.8).
A santidade do Senhor, além de fazê-lo separado da criaçã o e da
maldade, também o torna um Deus temível, visto que a santidade de
Deus aplicada ao homem pecador resulta em justa puniçã o: “Longe
de Deus o praticar ele a perversidade, e do Todo-Poderoso o
cometer injustiça. Pois retribui ao homem segundo as suas obras e
faz que a cada um toque segundo o seu caminho” (Jó 34.10,11).
Perece ter sido nisso em que Isaías pensou quando teve uma visã o
do trono de Deus. Ele percebeu que a santidade de Deus, a qual era
exaltada pelos anjos, era incompatível com a imperfeiçã o do
homem:
 
No ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono, e as abas de suas vestes enchiam o templo.  Serafins estavam

por cima dele; cada um tinha seis asas: com duas cobria o rosto, com duas cobria os seus pés e com duas voava. E clamavam uns para os outros,

dizendo: Santo, santo, santo é o Senhor dos Exércitos ; toda a terra está cheia da sua gló ria. As bases do limiar se moveram à voz do que clamava, e a
casa se encheu de fumaça. Então, disse eu: ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros

lábios , e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos! (Is 6.1-5 – destaque meu).

 
Outro fator da personalidade de Deus que o leva a punir a
iniquidade é sua ira contra o mal. Apesar desse termo soar, para
muitas pessoas, incompatível com o Deus de amor da Bíblia,
Eichrodt observa que a ligaçã o entre ira divina e o pecado é normal
em toda religiã o de uma civilizaçã o nas quais a divindade seja
considerada protetora da justiça e guardiã da lei. [129] Assim, nã o
é incomum, nos relatos bíblicos de puniçõ es divinas, surgir a frase
“se acendeu a ira do Senhor ” e suas variaçõ es: “ Queixou-se o povo de sua sorte aos ouvidos do Senhor;
ouvindo-o o Senhor, acendeu-se-lhe a ira , e fogo do Senhor ardeu entre eles e consumiu extremidades do arraial. [...] Estava ainda a carne entre os seus

dentes, antes que fosse mastigada, quando se acendeu a ira do Senhor contra o povo, e o feriu com praga mui grande”
(Nm 11.1,33).
 
O OBJETO DA PUNIÇÃO
 
Um dito muito comum de se ouvir nos pú lpitos e nas conversas
sobre as boas novas da salvaçã o é: “Deus odeia o pecado, mas ama o
pecador”. A realidade exposta por essa frase nã o é falsa, mas, se
usada de maneira genérica, sem uma explicaçã o detalhada sobre os
aspectos a que se aplica, também nã o é verdadeira. O fato é que
Deus ama e aceita pecadores a quem ele salva ou irá salvar.
Entretanto, pecadores cuja rebeldia contra Deus permanece sem
tratamento ou arrependimento sã o alvos da condenaçã o divina.
Deus odeia o pecado, mas pune o pecador. O agente do pecado é
quem recebe a condenaçã o pela culpa do ato pecaminoso e nã o o ato
em si. Por isso, uma frase que corresponde à verdade é: “Deus ama o
pecador arrependido a quem ele salva por sua graça, mas pune com
dureza o pecador obstinado, cujo pecado Deus odeia”.
Assim, a puniçã o de Deus, que vem por causa dos pecados, atinge
“pessoas”, isoladas ou em grupo, cujo pecado provoca a ira de Deus:
 
A ira de Deus no Antigo Testamento vem sobre indivíduos: Moisés (Ex 4.14; Dt 1.37); Arão (Dt 9.20); Arão e Miriã (Nm 12.9); Nadabe e Abiu (Lv

10.1,2); Israel (Ex 32.10 e muitas outras referências); e as naçõ es (Sl 2.5; Is 13.3,5,13; 30.27; Jr 50.13,15; Ez 25.4; 30.15; Sf 3.8).
[130]
 
O primeiro exemplo de puniçã o divina sobre os homens depois da
queda e das suas consequências foi o evento do dilú vio. O pecado
que começou no primeiro casal e já viu na primeira geraçã o um
triste e mortal desenvolvimento continuou a se espalhar do mesmo
modo que crescia a humanidade em nú mero. Isso ocorreu até que
Deus disse: “ Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu
coração
” (Gn 6.5 – destaque meu). O pecado se apresenta aqui em duas
á reas: atos de pecado e desejos de pecado. Os atos pecaminosos se
multiplicaram, enquanto os maus desejos tomaram conta e
dominaram as pessoas.
Pouco depois, o Senhor denuncia a corrupçã o do cará ter humano e a
violência resultante: “ A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência. Viu Deus a terra, e eis que estava
corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra.  Então, disse Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está

(Gn 6.11-13). Apesar de dizer


cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra”

“todo ser vivente havia corrompido o seu caminho”, fica claro que
Deus se refere aos homens como seres pessoais, morais e
inteligentes. Nã o poderia haver uma situaçã o tã o diferente daquela
na qual Deus viu o que criara e comprovou que “tudo era muito
bom”.
O castigo para o crescimento desenfreado do mal veio na forma de
um dilú vio mundial que fez com que cada ser humano morresse,
com exceçã o da pequena família que Deus preservou: “Disse o Senhor: Farei
desaparecer da face da terra o homem que criei, o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus; porque me arrependo de os haver feito. Porém Noé achou

graça diante do Senhor”


(Gn 6.7,8). O resultado final foi que, enviando o dilú vio, “
foram exterminados todos os seres que havia sobre a face da terra; o homem e o animal, os répteis e as aves dos céus foram extintos da terra; ficou somente

Noé e os que com ele estavam na arca” (Gn 7.23).

A ideia do dilú vio como instrumento punitivo de Deus encontra um


forte paralelo na versã o babilô nica do dilú vio. O épico de Gilgamesh ,
além de revelar o conhecimento antigo da existência de um dilú vio,
traz o conceito da puniçã o associada a ele quando o deus “Ea” insiste
que o deus “Enlil”, autor de um dilú vio mundial, o aplicasse ao
culpado, dizendo: “Sobre o transgressor caia a sua transgressã o,
sobre o pecado, o seu pecado”. [131]
Outro exemplo incisivo da puniçã o contra o pecado ocorreu sobre as
cidades de Sodoma e Gomorra: “ Ora, os homens de Sodoma eram maus e grandes pecadores contra o
Senhor” (Gn 13.13). A situaçã o dessas cidades era tal que Deus
informa a Abraã o: “Com efeito, o clamor de Sodoma e Gomorra tem-
se multiplicado, e o seu pecado se tem agravado muito . Descerei e verei se, de fato, o que têm praticado corresponde a esse clamor que
é vindo até mim; e, se assim não é, sabê-lo-ei
” (Gn 18.20,21 – destaque meu).
O que o livro de Gênesis expõ e como atitude pecaminosa dos
moradores dessas cidades é um pecado de natureza claramente
sexual. Quando os anjos enviados pelo Senhor a Sodoma foram
acolhidos na casa de Ló , os homens da cidade exigiram que Ló os
entregasse: “ Traze-os fora a nó s para que abusemos deles” (Gn 19.5 – destaque meu). O que a
versã o Almeida revista e atualizada traduziu como “abusar” é o verbo hebraico cujo
sentido é “conhecer”. É o mesmo verbo usado por Ló quando propô s
que eles tomassem suas filhas “virgens” (Gn 19.8) – literalmente,
“que nã o conheceram homem”, ou “que nunca tiveram relaçã o
sexual com um homem”. [132] A proposta foi negada, pois o desejo
dos homens de Sodoma era terem relaçã o sexual com os visitantes.
Daí, o uso do termo “sodomita”.
Além disso, o pecado desses homens tinha agravantes. Um
agravante é que o faziam com o conhecimento pú blico e com a
aprovaçã o geral, sem qualquer recato ou discriçã o, visto que Isaías
acusa Jerusalém de agir dessa maneira: “C omo Sodoma, publicam o seu pecado e não o encobrem ”
(Is 3.9 – destaque meu). Jeremias acrescenta mais detalhes
comparando os pecados morais de Jerusalém ao das duas cidades
perversas: “Mas nos profetas de Jerusalém vejo coisa horrenda; cometem
adultérios, andam com falsidade e fortalecem as mãos dos malfeitores , para que não se convertam cada um da sua maldade; todos eles se tornaram para mim

” (Jr 23.14 – destaque meu).


como Sodoma, e os moradores de Jerusalém, como Gomorra

Apesar das claras mençõ es aos pecados de natureza moral, Ezequiel


oferece uma faceta adicional sobre a condiçã o espiritual dos
moradores de Sodoma, a saber, o orgulho, a avareza, a injustiça
social e a indiferença para com os necessitados: “ Eis que esta foi a iniquidade de Sodoma, tua
irmã: soberba, fartura de pão e pró spera tranquilidade teve ela e suas filhas; mas nunca amparou o pobre e o necessitado.  Foram arrogantes e fizeram

(Ez 16.49,50).
abominaçõ es diante de mim; pelo que, em vendo isto, as removi dali”

A resposta divina a tã o grande degradaçã o e depravaçã o veio na


forma da eliminaçã o das cidades e de seus moradores, trazendo a
eles dura puniçã o: “ Saía o sol sobre a terra, quando Ló entrou em Zoar. Então, fez o Senhor chover enxofre e fogo, da parte do
Senhor, sobre Sodoma e Gomorra . E subverteu aquelas cidades, e toda a campina, e todos os moradores das cidades, e o que nascia na terra”
(Gn
19.23-25 – destaque meu). Eugene Merrill aventa a possibilidade de
Deus ter produzido, para isso, algum tipo de erupçã o vulcâ nica ou
explosã o petrolífera cujo resultado seria uma grande quantidade de
material magmá tico que caiu sobre aquelas cidades. [133]
Essas duas destruiçõ es emblemá ticas – dilú vio e cidades de Sodoma
e Gomorra – mostram, logo no primeiro livro da Bíblia, que o Senhor
pune os pecados da humanidade. Essa mesma atuaçã o acontece ao
longo de todo o Antigo Testamento sob vá rios aspectos. O Senhor
pune o pecado (Dn 9.16; Jr 30.14), a transgressã o (1Cr 9.1; 10.13; Os
10.10), a maldade (Gn 6.5-7; Is 13.11; Lm 4.13,22), a iniquidade (Sl
90.7,8; Ez 9.9,10), a idolatria (Dt 8.19; Js 23.16), as má s açõ es (Dt
28.20), a rebeliã o (1Sm15.23; Ez 20.8); a injustiça (Jr 22.13; Ez
28.18); o orgulho (Sl 76.12; Ez 30.6; Am 6.8), a opressã o (Is 10.1-3;
Jr 6.6) e a desobediência (Dt 8.20; 28.15; Ml 2.2). Por tais pecados
Deus puniu os homens que neles andaram.
 
A APLICAÇÃO DA PUNIÇÃO
 
Ao derramar sua justa ira contra o pecado, Deus o faz dentro de
alguns parâ metros que se veem ao longo das Escrituras. Um deles é
anunciar previamente o juízo. Adã o foi o primeiro a receber a
mensagem de alerta: “M as da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres,
certamente morrerás
” (Gn 2.17 – destaque meu).
Podemos ver nesse ato algumas aplicaçõ es. Em primeiro lugar, além
de um anú ncio de juízo é, também, uma anú ncio da santidade e da
justiça do Senhor. O juízo contra a maldade existe porque em Deus
na há maldade. A puniçã o contra a injustiça ocorre porque em Deus
nã o há injustiça. Assim, a mensagem do juízo atesta a perfeiçã o do
Supremo Juiz.
Em segundo lugar, o anú ncio do castigo serve como fator de
promoçã o do bem. A ideia é: “Se há uma puniçã o para quem infringir
a orientaçã o de Deus e pecar contra sua santidade, nã o farei nada
que me torne alvo da condenaçã o e do castigo; em lugar disso,
manter-me-ei em submissã o e obediência à quele que pode tanto
abençoar como punir”. Esse era o pensamento que Adã o deveria ter
diante da tentaçã o. Sabendo das consequências, deveria ter
escolhido o bem e a verdade. Essa é uma aplicaçã o preventiva da
mensagem.
Por ú ltimo, o anú ncio do castigo deve produzir temor no infrator e
levá -lo ao arrependimento e à correçã o. Trata-se, agora, de uma
aplicaçã o corretiva. Se o mal nã o foi impedido, ele pode, pelo menos,
ser corrigido e, nesse sentido, o anú ncio do juízo é um dos fatores
motivadores. Na verdade, essa açã o está tã o presente na mensagem
do evangelho que nã o é possível pregá -lo sem se referir ao juízo. A
pró pria mensagem da salvaçã o necessita de uma explicaçã o a
respeito daquilo de que os homens sã o salvos. Se alguém diz “você
precisa ser salvo”, uma pergunta muito justa a se fazer é: “Ser salvo
de que ?”. A resposta é inegavelmente: “Ser salvo da ira de Deus
contra o pecado”. Marcos Granconato, analisando a mensagem da
puniçã o divina presente nos pais da igreja do segundo século, diz:
 
Os pastores e mestres cristãos daqueles dias comprovaram a utilidade e a eficácia do ensino bíblico sobre o inferno tanto para a ação evangelística

como pastoral, utilizando-o para convidar os hereges e os pagãos à fé na verdade, bem como para desencorajar nos crentes a prática do mal e a

apostasia. [...] Os pais da igreja do século II consideraram a doutrina da perdição futura parte essencial da mensagem cristã e fizeram uso dela como

instrumento eficaz na proteção e divulgação do cristianismo ameaçado pela perseguição, pelo fascínio do mundo e pelas atraçõ es das seitas

heréticas.
[134]
 
Tais aplicaçõ es também estã o de modo geral presentes nos alertas
veterotestamentá rios sobre a vinda da mã o punitiva do Senhor.
Desse modo, antes de enviar o dilú vio sobre a Terra, “ disse Deus a Noé: Resolvi dar
cabo de toda carne, porque a terra está cheia da violência dos homens; eis que os farei perecer juntamente com a terra” (Gn 6.13). É
certo que
tal aviso foi dado sobre quem nã o cairia por meio dele. Mas, o tempo
que a arca levou para ser construída e a pró pria construçã o em si
criaram oportunidades abundantes para que as razõ es para aquele
empreendimento fossem explicadas aos pecadores. Pedro, ao se
referir a Noé, o chama de “pregador da justiça” (2Pe 2.5),
demonstrando que a Noé nã o coube apenas a funçã o de construir
uma arca, mas de anunciar a justiça de Deus. Nã o obstante, as
pessoas nã o deram crédito à sua pregaçã o, nem tampouco se
arrependeram dos pecados:
 
Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilú vio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na

arca, e não o perceberam, senão quando veio o dilú vio e os levou a todos” (Mt 24.38,39a).

 
O rei de Gerar, Abimeleque, foi outro personagem bíblico que ouviu
o anú ncio de juízo divino. Gênesis 20 conta o episó dio em que
Abraã o, deslocando-se para a cidade de Gerar, temeu por sua vida
por causa da beleza de Sara, sua esposa. Seu receio foi o de ser
morto por alguém que desejasse tomar Sara para si. O recurso
utilizado por Abraã o foi o de dizer que Sara era sua irmã , omitindo
seu estado civil. O rei Abimeleque, ouvindo o relato e nã o vendo
qualquer impedimento, tomou Sara para seu harém, cerca de um
ano antes do tempo previsto para o nascimento de Isaque. [135]
Diante dessa situaçã o, Deus “ veio a Abimeleque em sonhos de noite e lhe disse: Vais ser punido de morte por causa da
mulher que tomaste, porque ela tem marido”
(Gn 20.3). [136]
A diferença do desfecho desse episó dio é que Abimeleque, que nã o
havia ainda possuído Sara, ouviu o alerta e corrigiu seu
procedimento (Gn 20.14). Isso evitou a puniçã o de Abimeleque e fez
com que sua família voltasse ao estado original: “S arou Deus Abimeleque, sua mulher e
suas servas, de sorte que elas pudessem ter filhos; porque o Senhor havia tornado estéreis todas as mulheres da casa de Abimeleque, por causa de Sara,

mulher de Abraão”
(Gn 20.17,18).
A puniçã o do Egito que escravizava o povo israelita é outro bom
exemplo do que estamos tratando. Esse foi um acontecimento
previsto por Deus muito tempo antes, pois disse ele a Abraã o: “ Sabe, com
certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a

(Gn 15.13,14 – destaque meu).


gente a que têm de sujeitar-se ; e depois sairão com grandes riquezas”

Apesar desse propó sito predeterminado, a opressã o que o Egito


exerceu sobre os israelitas o tornou passível de juízo.
Moisés e Arã o informaram o Faraó da ordem de Deus de irem ao
deserto adorá -lo, mas seu pedido foi negado (Ex 5.1-5) e houve,
ainda, represá lia egípcia na forma de sobrecarga de trabalho (Ex
5.6-14). Quando o Senhor ordenou que Moisés falasse novamente ao
Faraó , lhe preveniu dizendo: “ Faraó não vos ouvirá; e eu porei a mão sobre o Egito [...] com grandes manifestaçõ es de
julgamento” (
Ex 7.4). Diante da nova negativa, Deus alertou os egípcios, por
meio da demonstraçã o do seu poder na primeira praga, de que era
poderoso para julgar com dureza aquele país: “Assim diz o Senhor:
Nisto saberá s que eu sou o Senhor: com este bordã o que tenho na
mã o ferirei as á guas do rio, e se tornarã o em sangue” (Ex 7.17).
“Assim diz o Senhor” é a fó rmula utilizada repetidas vezes na
negociaçã o com o Faraó . [137]
O anú ncio foi claro e se repetiu ao longo das pragas, tanto pelo seu
efeito devastador e crescente como por outros anú ncios verbais:
“Assim diz o Senhor: Deixa ir o meu povo, para que me sirva.  Se recusares deixá-lo ir, eis que castigarei com rãs todos os teus territórios ”
(Ex 8.1,2 – destaque meu – ver também Ex 8.20,21; 9.1-3, 13-19;
10.3-6). Ao final do juízo divino, as terras do Egito estavam
arrasadas e o exército do Faraó , no fundo do mar vermelho. O juízo
foi tã o grande que Amenotepe II, o prová vel Faraó do êxodo, foi um
dos monarcas egípcios com menos campanhas militares, indicaçã o
de uma queda drá stica do poderio militar do Egito no seu reinado.
[138]
A puniçã o de Deus nã o recaía somente sobre os inimigos de Israel,
mas, também, sobre os pró prios israelitas. Na verdade, em quase
todos os casos registrados no Antigo Testamento, o Senhor nã o se
irou contra a humanidade em geral, mas contra seu povo. [139]
Depois de tirar o povo de Israel do Egito com mã os poderosas, fazê-
los passar em seco no meio do mar, falar-lhe e lhes dar sua lei no
Sinai e conduzi-los todo o caminho por meio de uma nuvem durante
o dia e uma coluna de fogo durante a noite, o Senhor os levou até
Cades, pró ximo ao limite Sul do territó rio que lhes daria. De lá , por
quarenta dias espias observaram a terra, sua prosperidade e suas
fortificaçõ es. Voltaram de lá maravilhados com a fertilidade da terra,
mas amedrontaram o povo – exceto Calebe e Josué – atestando ser
impossível transpor as fortificaçõ es das cidades e vencer os
guerreiros, dentre eles, vá rios gigantes. A reaçã o do povo foi falta de
confiança em Deus e desespero:
 
Todos os filhos de Israel murmuraram contra Moisés e contra Arão; e toda a congregação lhes disse: Tomara tivéssemos morrido na terra do Egito

ou mesmo neste deserto!  E por que nos traz o Senhor a esta terra, para cairmos à espada e para que nossas mulheres e nossas crianças sejam por

presa? Não nos seria melhor voltarmos para o Egito ? E diziam uns aos outros: Levantemos um capitão e voltemos para o Egito” (Ex 14.2-4 –

destaque meu).

 
Depois de tudo que eles viram, tal incredulidade foi inaceitá vel para
Deus. A puniçã o veio, mas nã o sem ser anunciada. E o anú ncio foi
bem peculiar, pois se baseou nas conclusõ es erradas e pecaminosas
dos israelitas incrédulos – veja os destaques no texto acima. Com
base no que eles mesmo disseram em sua rebeliã o, Deus anunciou
seu castigo, fazendo-os voltar atrá s no caminho que seguiam: “M udai,
amanhã, de rumo e caminhai para o deserto, pelo caminho do mar Vermelho
” (Gn 14.25 – destaque meu).
Ordenar que eles voltem pelo caminho por onde vieram equivale,
teologicamente, a dizer que eles deveriam tomar a estrada que vai
para o Egito, [140] como eles mesmo propuseram.
Entretanto, Deus deu as coordenadas da viagem, mas também
previu o futuro deles: nã o era chegar ao Egito, mas perecer no
deserto, conforme também disseram os rebeldes: “ Neste deserto , cairá o vosso cadáver,
[...] neste deserto , se consumirão e aí falecerão
” (Nm 14.29a,35b – destaque meu). E, em lugar
de lhes dar a terra, prometeu dar aos filhos deles, aqueles que eles
temiam que fossem escravizados pelo cananitas: “Mas os vossos
filhos, de que dizeis: Por presa serão , farei entrar nela; e eles conhecerão a terra que vós desprezastes ” (Nm 14.31
– destaque meu).
Esse castigo pela desobediência é um entre muitos. Na verdade,
Deus prometeu muitos tipos de puniçã o por nã o darem ouvidos à
sua voz, nem guardarem sua aliança (Dt 28.15-68). Entre eles estã o
improdutividade agrícola e infertilidade pecuá ria (vv. 16-19, 23-24,
38-40), insucesso nos empreendimentos (v. 20), doenças e pestes
(vv. 21-22, 27-29a, 35, 42, 58-61), derrotas militares (vv. 25-26, 49-
50), despojamento (29b-34, 41, 51), exílios (vv. 36-37), pobreza (vv.
43-44), escravidã o (vv. 48, 68), fome extrema em cercos militares
(52-57), mortes em larga escala (vv. 62-63a) e dispersã o e
perseguiçã o entre os povos (63b-67). Entretanto, todos esses
terríveis castigos cumprem funçõ es tanto de puniçõ es de Deus como
de anú ncios do juízo, de modo que os israelitas nã o poderiam culpar
a sorte ou o Senhor, mas sua pró pria iniquidade e infidelidade. O
fato é que esses castigos eram “sinais” que anunciavam a eles que o
que sofriam era uma justa e prenunciada puniçã o:
 
Todas estas maldiçõ es virão sobre ti, e te perseguirão, e te alcançarão, até que sejas destruído, porquanto não ouviste a voz do Senhor, teu Deus,

para guardares os mandamentos e os estatutos que te ordenou.  Serão, no teu meio, por sinal e por maravilha, como também entre a tua

descendência, para sempre.  Porquanto não serviste ao Senhor, teu Deus, com alegria e bondade de coração, não obstante a abundância de tudo (Dt

28.45-47 – destaque meu).

 
Tal sinal seria um anú ncio para aquela geraçã o, mas, também,
serviria para alertar, pelos séculos por vir, os descendentes daqueles
que haviam sido desobedientes. [141] Por isso, boa parte dos
anú ncios dos profetas aos israelitas, a respeito de uma puniçã o
iminente, é interpretaçã o e aplicaçã o dessa mensagem. Enquanto
boa parte do ofício profético envolvia a pregaçã o contra a atitude
errô nea das pessoas de buscar segurança, bem-estar e tranquilidade
em detrimento da obediência prazerosa e da confiança total em
Deus, [142] visando a levar o povo ao arrependimento e
conversã o, outra parte do seu ofício é o anunciar a vinda do juízo
por causa do pecado. Nesse caso, eles agem como porta-vozes do
Senhor e frequentemente introduzem as duras repreensõ es e
promessas de castigo com a fó rmula “assim diz o Senhor”, rendendo
aos seus dizeres a autoridade divina e o peso que o anú ncio merecia.
Algo, porém, que nã o pode passar despercebido nesse tema e que
merece ser mencionado, é a inegá vel paciência de Deus na aplicaçã o
do juízo. Isso nã o significa ser apá tico, indiferente ou tolerante,
[143] mas ter a disposiçã o de retardar o juízo oferecendo
oportunidade de arrependimento e perdã o. A ira do Senhor nã o vem
sobre os homens na forma de um impulso irrefletido. Ao contrá rio,
ela segue um plano determinado por Deus no qual sobressaem ao
mesmo tempo sua graça amorosa e seu juízo reto. Por isso, por
exemplo, a promessa de castigo por meio de uma naçã o estrangeira,
um povo de outro idioma (Dt 28.49), registrado por Moisés entre
1407 e 1406 a.C., e relembrada ao povo, entre outros, por Isaias (Is
28.11), cujo ministério ocorreu entre cerca 750 e 700 a.C., e
Jeremias (Jr 5.15), cujo ministério se deu entre cerca de 640 e 600
a.C., veio a se cumprir em 722 a.C. no reino do Norte (Israel) –
quando Salmaneser V destruiu Samaria (2Rs 17.3-23), [144] – e
em 587 a.C. – quando Nabucodonosor ordenou a destruiçã o de
Jerusalém e o traslado do restante dos habitantes para a Babilô nia
(2Rs 25.8-22).
 
OS MEIOS DE PUNIÇÃO
 
Resta-nos agora responder à s questõ es relativas aos veículos da
puniçã o, ou seja, os meios que o Senhor utiliza para trazer o
merecido castigo aos pecadores. O Antigo Testamento aponta para
muitas puniçõ es executadas de diversas maneiras. Acredito que elas
possam ser divididas, para fins didá ticos, de vá rios modos. Contudo,
dada a diferença fundamental entre um dos castigos previstos nas
Escrituras e todo o restante, um bom modo de tratar o assunto é por
meio da distinçã o do tempo em que tais juízos sã o aplicados, sendo
alguns durante a histó ria e outro, um juízo pleno, ao final dela – o
Dia do Senhor. Essa divisã o também auxilia no cumprimento de
promessas de juízo cuja implicaçã o má xima se dá no juízo pleno e
ú ltimo, mas que, durante a histó ria, demonstram implicaçõ es
parciais e pontuais.
 
1. Punição temporal
 
Uma pergunta frequente questiona o fato de haver tanta maldade no
mundo sem Deus puni-la. Em lugar disso, muita gente perversa
prospera na vida e experimenta certos tipos de felicidade. Mesmo
nos dias dos reis israelitas essa questã o já era levantada e criava um
tremendo dissabor nos justos, a exemplo de Asafe: “Pouco faltou
para que se desviassem os meus passos, pois eu invejava os
arrogantes, ao ver a prosperidade dos perversos. Para eles nã o há
preocupaçõ es, o seu corpo é sadio e nédio. Nã o partilham das
canseiras dos mortais, nem sã o afligidos como os outros homens” (Sl
73.2-5).
Apesar da indignaçã o que a injustiça causa, nã o é verdade que Deus
nã o puna os maus, nem lhes lance o resultado da culpa. Também nã o
corresponde à verdade achar que tais faltas serã o punidas somente
no futuro, no dia do juízo. Ainda que Deus tenha reservado esse dia
futuro para punir cabalmente os impuros, já nesse tempo ele lança
mã o da puniçã o.
Uma das maneiras utilizadas para Deus trazer puniçã o aos
pecadores é a guerra. No relacionamento com Israel, Deus promete,
caso eles se afastassem da justiça e nã o dessem ouvidos ao Senhor,
deixar suas cidades desertas e destruir seu templo, além de espalhá -
los pelas naçõ es (Lv 26.31-33 cf. v.21). Ele diz: “ Trarei sobre vó s a espada vingadora da minha
aliança” (Lv 26.25). Essa promessa se cumpriu em escalas menos ferozes várias vezes, até que, por meio da Babilô nia, o Senhor trouxe a punição
que é
descrita pelo cronista: “ Queimaram a Casa de Deus e derribaram os muros de Jerusalém; todos os seus palácios queimaram,
destruindo também todos os seus preciosos objetos. Os que escaparam da espada, a esses levou ele para a Babilô nia, onde se tornaram seus servos e de seus

filhos, até ao tempo do reino da Pérsia”


(2Cr 36.19,20).
Mesmo depois do retorno dos israelitas do cativeiro, os efeitos desse
castigo ainda se fizeram sentir, visto que, nos dias de Neemias, a
cidade permanecia destruída. Neemias assim descreveu a situaçã o
de Jerusalém: “A cidade, onde estã o os sepulcros de meus pais, está
assolada e tem as portas consumidas pelo fogo” (Ne 2.3). Apesar da
dura liçã o, geraçõ es à frente os israelitas viram novamente suas
muralhas destruídas, além de ter o tempo totalmente queimado e
revirado pelos romanos, no ano 70 d.C., sob o comando do general
Tito. A guerra foi implacá vel e a destruiçã o, total. O historiador
judeu Flá vio Josefo, testemunha ocular dessa puniçã o divina, conta
que a ruína da cidade e da muralha foi tal que ficou sinal algum que
mostrasse que existiu ali um centro tã o populoso. [145]
Deus também pune os pecadores por meio de doenças. O salmista
Asafe, fazendo uma revisã o histó rica da atuaçã o poderosa de Deus,
relembra o castigo divino no Egito: “ Deu livre curso à sua ira; não poupou da morte a alma deles, mas
entregou-lhes a vida à pestilência”
(Sl 78.50). Apesar de esse expediente ser utilizado
por Deus para punir o pecador, nã o quer dizer que sempre o faça. O
fato de Deus usar a guerra, a doença e outras formas de castigo nã o
quer dizer que cada ocorrência delas seja devido ao castigo divino.
Em outras palavras, Deus pode punir alguém por meio de uma
doença, mas nem toda doença é puniçã o de Deus.
Exemplo disso é o caso de Jó , cuja doença se deveu à tentativa
diabó lica de fazê-lo abandonar o Senhor, quando Jó era tido por
Deus como seu melhor servo no mundo (Jó 1.8). Apesar disso,
equivocadamente os amigos de Jó o acusaram de ser alvo do juízo
divino por algum pecado escondido (Jó 4.7,8; 5.17; 11.13-15). A
mesma visã o equivocada se viu nos discípulos de Jesus que
associaram a cegueira de nascença de um jovem israelita ao pecado,
ou dele ou dos seus pais (Jo 9.1,2). A eles Jesus respondeu: “ Nem ele pecou,
nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus” (Jo 9.3).
O fato é que, principalmente
depois da puniçã o divina pelo cativeiro babilô nico, se desenvolveu
ainda mais a ideia de que cada sofrimento é devido à culpa pessoal.
[146] Entretanto, isso nã o faz jus à mensagem do Antigo
Testamento.
O Senhor também prometeu punir a iniquidade por meio de feras do
campo (Lv 26.22). Assim, a desobediência de um profeta enviado a
pregar contra o altar idó latra construído por Jeroboã o, teve como
retribuiçã o a morte por meio de um leã o que, de maneira singular,
matou o profeta e nã o atacou o animal que o transportava: “Foi-se,
pois, e um leã o o encontrou no caminho e o matou; o seu cadá ver
estava atirado no caminho, e o jumento e o leã o, parados junto ao
cadá ver” (1Rs 13.24). A zombaria de alguns jovens a respeito do
profeta Elizeu foi punida por meio de um ataque feroz de duas ursas,
as quais mataram quarenta e dois daqueles jovens (2Rs 2.23,24).
Também, quando o reino do Norte (Israel) teve sua capital, Samaria,
destruída e seu povo deportado pelos Assírios, a populaçã o colocada
para habitar na terra que pertencia aos israelitas teve seu pecado
castigado por Deus por meio de animais: “A princípio, quando
passaram a habitar ali, nã o temeram o Senhor; então, mandou o Senhor para o meio deles leõ es, os quais
mataram a alguns do povo”
(2Rs 17.25).
A fome é também um instrumento de puniçã o nas mã os de Deus: “
Quando eu vos tirar o sustento do pão, dez mulheres cozerão o vosso pão num só forno e vo-lo entregarão por peso; comereis, porém não vos fartareis”

(Lv 26.26). O profeta Isaías mostra que esse é um expediente divino


no tratamento do pecado, da rebeldia e da soberba dos israelitas: “
Porque eis que o Senhor, o Senhor dos Exércitos, tira de Jerusalém e de Judá o sustento e o apoio, todo sustento de pão e todo sustento de água”
(Is
3.1). A aplicaçã o de tal puniçã o fez com que os israelitas
conhecessem um sofrimento quase inaudito e fossem testemunhas
do preço da iniquidade. Em meio ao cerco de Samaria por Ben-
Hadade, rei sírio, a fome cresceu até níveis insuportá veis a ponto de
algumas pessoas matarem e comerem seus pró prios filhos, de modo
que, certo dia, o rei, possivelmente Jeoacaz, [147] foi procurado
por uma mulher com um pedido inacreditá vel: “ Perguntou-lhe o rei: Que tens? Respondeu ela:
Esta mulher me disse: Dá teu filho, para que, hoje, o comamos e, amanhã, comeremos o meu. Cozemos, pois, o meu filho e o comemos; mas, dizendo-lhe eu ao

outro dia: Dá o teu filho, para que o comamos, ela o escondeu”


(2Rs 6.28,29).
O Antigo Testamento contém vá rios exemplos de puniçã o por meio
de catá strofes naturais. O dilú vio é um desses exemplos. A
destruiçã o de Sodoma e Gomorra e as pragas no Egito por ocasiã o
do êxodo, outros. Entretanto, mais podem ser vistos na histó ria de
Israel. Se as catá strofes naturais que assolaram o Egito foram
bênçã o e libertaçã o para os israelitas, depois do Sinai eles sã o alvos
de puniçõ es por meio da natureza quando se rebelam contra o Deus
com quem eles fizeram aliança e se comprometeram a servir. [148]
Outro exemplo é a puniçã o da revolta encabeçada por Corá , Datã e
Abirã o contra Moisés e Abirã o: “ E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra debaixo deles
se fendeu, abriu a sua boca e os tragou com as suas casas, como também todos os homens que pertenciam a Corá e todos os seus bens
” (Nm
16.31,32 – destaque meu). Puniçã o como essa também se viu entre
os povos cananitas que Deus entregou nas mã os de Israel por causa
dos seus pecados e abominaçõ es (cf. Dt 18.9-12). Assim, a puniçã o
da iniquidade de cinco reis amorreus (Gn 15.16) veio nã o somente
pela espada de Israel, mas por uma chuva de pedras que quase de
todo os consumiu: “Sucedeu que, fugindo eles de diante de Israel, à
descida de Bete-Horom, fez o Senhor cair do céu sobre eles grandes pedras, até Azeca, e morreram. Mais foram os que
morreram pela chuva de pedra do que os mortos à espada pelos filhos de Israel”
(Js 10.11).
Outra aplicaçã o da puniçã o divina, digna de nota, se dava por meio
do homem e da lei. O ensino dado por meio de Moisés previa penas
diversas para diversos tipos de pecado. Para muitos deles havia
perdã o mediante sacrifícios de animais e obediência a certas
orientaçõ es. Entretanto, havia algumas categorias de iniquidades
que nã o podiam ser compensadas – como o homicídio –, a nã o ser
pela pró pria morte do iníquo (Nm 35.31). Roland de Vaux oferece
uma lista com divisõ es temá ticas dos pecados passíveis de morte:
 
A pena de morte está prevista para os seguintes crimes: Homicídio voluntário (Ex 21.12; Lv 24.17; Nm 35.16-21) para o qual nunca se admite uma

compensação em dinheiro (Nm 35.31; Dt 19.11,12), o rapto de um homem com a finalidade de reduzi-lo à escravidão (Ex 21.16; Dt 24.7). As faltas

graves contra Deus: idolatria (Ex 22.19; Lv 20.1-5; Dt 13.2-19; 17.2-7; cf. Nm 25.1-5), blasfêmia (Lv 24.15,16), a profanação do sábado (Ex 31.14,15;

cf. Nm 15.32-36), feitiçaria (Ex 22.17; Lv 20.27; cf. 1Sm 28.3,9), prostituição da filha de um sacerdote (Lv 21.9). Faltas graves contra os pais (Ex
21.15-17; Lv 20.8; Dt 21.18-21). Desvio na conduta sexual: adultério (Lv 20.10; Dt 22.22), diferentes formas de incesto (Lv 20.11,12,14,17), sodomia

(Lv 20.13), bestialidade (Lv 20.15,16).


[149]
 
Nesses casos, os meios de execuçã o eram diversos. O faltoso podia
ser apedrejado (Lv 20.2,27; Dt 13.10), queimado no fogo (Lv 20.14;
21.9), ou morto pela espada (Ex 32.27,28). Apó s a morte, o
condenado podia ser pendurado em uma madeira ou em uma á rvore
durante o dia em que foi morto. Ficar pendurado em uma madeira
era um claro sinal de que Deus o amaldiçoara e que dele vinha a
puniçã o: “ Se alguém houver pecado, passível da pena de morte, e tiver sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não
permanecerá no madeiro durante a noite, mas, certamente, o enterrarás no mesmo dia; porquanto o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus ; assim,

não contaminarás a terra que o Senhor, teu Deus, te dá em herança” (


Dt 21.22,23 – destaque meu).
 
2. O Dia do Senhor
 
A expressão “Dia do Senhor” nem sempre é compreendida uniformemente. Se ela é pronunciada no meio judaico ou de movimentos religiosos que guardam

semelhanças com o Adventismo do Sétimo Dia, há uma boa chance de que a expressão seja compreendida como o dia de sábado. Se dita no meio cristão, o

domingo.

Entretanto, essa expressão tem uma aplicação especial nas Escrituras, especialmente nos profetas. Tomando como certa a datação dos profetas fornecida por

Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, o livro de Obadias foi o primeiro, entre os livros proféticos, a ser escrito, associando-o aos dias do reinado de Jeorão de Judá

(848-841 a.C.).
[150] Como primeiro dos profetas escritores, ele oferece pela primeira vez o “Dia do Senhor” como uma ocasião especial e singular

de juízo de Deus sobre as naçõ es.

 
Porque o Dia do Senhor está prestes a vir sobre todas as naçõ es; como tu fizeste, assim se fará contigo; o teu malfeito tornará sobre a tua cabeça”

(Ob 15).

 
A profecia de Obadias é voltada à Edom, prevendo seu castigo pelo modo perverso com que agiram contra Israel. O interessante é notar que o castigo pleno de

Edom
se dará em uma ocasiã o que “ está prestes a vir sobre todas as naçõ es ”. Por sua vez,
enquanto as naçõ es perecem sob a mã o punitiva do Senhor, “ no monte Sião,
haverá livramento; o monte será santo; e os da casa de Jacó possuirão as suas herdades” (Ob 17).
Parece ser um dia de
vindicaçã o em favor da naçã o israelita. De um modo peculiar, essa é
uma resposta à questã o a respeito de como um Deus santo permite
que as naçõ es do mundo pratiquem o mal. A resposta é clara: “ Assim se fará
contigo; o teu malfeito tornará sobre a tua cabeça”.
[151]
 
Um unificador teoló gico é o conceito da lei de talião, ou a correspondência e pertinência da punição ao crime. Isso é declarado abertamente no

versículo 15b, mas também pode ser visto em exemplos em que o soberbo (v. 3) é humilhado (v. 2), os que assistiram passivamente à pilhagem de

uma nação (vv. 11-14) serão eles mesmos pilhados (vv. 5-9), aos que hostilizam os sobreviventes (v. 14) nada restará (v. 18) e os participantes de

um despojamento serão desapossados (vv. 7,19).


[152]
 
Nã o é difícil imaginar que, com uma mensagem ainda em formaçã o
marcada por uma aparência tã o favorá vel como essa, os israelitas
considerassem Obadias um heró i nacional como profeta portador de
tã o boas novas. Além disso, pode-se considerar que, pelo menos
durante um tempo, o Dia do Senhor passou a ser aguardado com
ansiedade como um dia de vitó ria e de reconquista da terra, [153]
marcado por extrema alegria para Israel. Nesse momento, o profeta
Joel acrescenta mais uma peça ao quebra-cabeça profético sobre tal
evento.
Joel escreveu apó s uma catá strofe natural em Israel: um ataque
devastador de gafanhotos que destruiu a produçã o agrícola: “O
campo está assolado, e a terra, de luto, porque o cereal está
destruído, a vide se secou, as olivas se murcharam” (Jl 1.10). A fome
estava presente e até as ofertas do templo tinham cessado em vista
da carestia, de modo que até os sacerdotes passavam fome: “Cortada
está da Casa do Senhor a oferta de manjares e a libação; os sacerdotes, ministros do Senhor, estão enlutados” (Jl 1.9).
Diante de tã o grande sofrimento, Joel anuncia a vinda de outro: “Ah!
Que dia! Porque o Dia do Senhor está perto e vem como assolação do Todo-Poderoso” (Jl 1.15). Joel analisa
o acontecimento dos seus dias e mescla a mensagem com o anú ncio
do futuro criando um padrã o de comparaçã o entre o presente e o
porvir. Em resumo, o sofrimento do agora – a fome por causa dos
gafanhotos – é uma exemplificaçã o do que o futuro reserva, pelo que
é exigido no presente um arrependimento nacional (Jl 1.14). [154]
Feito isso, ele anuncia com todas as letras: “Tocai a trombeta em
Siã o e dai voz de rebate no meu santo monte; perturbem-se todos os
moradores da terra, porque o Dia do Senhor vem, já está pró ximo;  dia de escuridade e densas trevas, dia de
nuvens e negridão !” (Jl 2.
1,2a – destaque meu). Joel parece também vislumbrar
um evento mundial. Entretanto, o claro alerta a Siã o (Jerusalém)
desfaz a ideia baseada na revelaçã o primá ria em Obadias de que tal
dia seria somente voltado à s naçõ es. No “Dia do Senhor ”, Israel sofrerá
ameaça que justifica a “voz de rebate” e a perturbaçã o dos
moradores. Eles deveriam se preocupar com o “dia de escuridade e
densas trevas, dia de nuvens e negridã o”.
As trevas sã o usadas como uma metá fora para, além do juízo sobre
todos, anunciar a vinda de um poderoso exército que, de tã o
numeroso e feroz, agiria como uma praga de gafanhotos ou um
incêndio que transformam os campos verdes por onde passam em
um “deserto assolado” (Jl 2.2,3). Um exército tã o determinado que,
no meio da batalha, nã o há quem tente recuar ou quem tenha de
empurrar os da frente para que avancem. Em lugar disso, todos
agem como uma má quina de guerra precisa e eficaz (Jl 2.8). É esse o
exército que virá sobre Israel. O chocante é notar que é o pró prio
Senhor quem os traz:
 
O Senhor levanta a voz diante do seu exército ; porque muitíssimo grande é o seu arraial; porque é poderoso quem executa as suas ordens ; sim,

grande é o Dia do Senhor e mui terrível! Quem o poderá suportar? (Jl 2.11 – destaque meu).
[155]
 
A ideia desse dia como punição de pecados se perfaz plenamente quando, na sequência, o profeta conclama Israel ao arrependimento e à conversão a fim de

fugirem desse triste desfecho histó rico por meio da misericó rdia de Deus (Jl 2.12-17). Apesar do risco de plena destruição, “o Senhor se mostrou zeloso da sua

terra, compadeceu-se do seu povo” (Jl 2.18), impedindo o terrível ataque de ser levado até as ú ltimas consequências. Em meio ao anú ncio de uma restauração,

o profeta diz que no futuro – “naqueles dias” (Jl 2.28,29) – o Senhor derramaria seu Espírito sobre os homens. Isso precederia eventos cataclísmicos – o Sol

escurecendo e a Lua tendo aparência de sangue – que introduziriam o que ele, agora, denomina “grande e terrível Dia do Senhor” (Jl 2.31). Sua afirmação

posterior é:

 
E acontecerá que todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo; porque, no monte Sião e em Jerusalém, estarão os que forem salvos, como o

Senhor prometeu ; e, entre os sobreviventes, aqueles que o Senhor chamar (Jl 2.32 – destaque meu).

 
A promessa a que Joel se refere parece ser exatamente o que
Obadias disse, com a diferença que Joel explica que a salvaçã o futura
de Siã o envolve o processo de conversã o e submissã o de Israel ao
Senhor e nã o engloba todos os israelitas, mas todos quantos forem
salvos, os quais serã o beneficiados pelas bênçã os previstas por
Obadias. Sob essa nova ó ptica, Joel reafirma a mensagem de Obadias
sendo mais específico em relaçã o à s naçõ es (Jl 3). A conclusã o é que
o Dia do Senhor se trata de uma puniçã o severa em larga escala
[156] que irá atingir, em todas as naçõ es da Terra, aqueles que nã o
se submeteram a Deus nem foram por ele salvos.
Esse é o berço da mensagem sobre o Dia do Senhor de onde os
profetas irã o embasar seu anú ncio trazendo novos enfoques e
aplicaçõ es. Nesse sentido, Amó s trá s uma nova faceta da questã o. O
livro de Obadias a Israel esperança de restauraçã o no juízo das
naçõ es. Joel faz o mesmo informando que isso acontecerá diante de
uma grande ameaça contra os israelitas. Em suma, pode perecer que
o “Dia do Senhor ” só traria consequências definitivas sobre os outros
povos e nã o sobre Israel. Nã o é difícil imaginar os israelitas dessa
época aguardando alegra e ansiosamente esse dia para que fossem
beneficiados.
Entretanto, Amó s mostra que esse desejo era fruto de uma falsa
sensaçã o de segurança [157] e afirma a puniçã o dos israelitas
rebeldes: “ Ai de vós que desejais o Dia do Senhor! Para que desejais vós o Dia do Senhor? É dia de trevas e não de luz” (Am 5.18
– destaque meu). Tais “trevas” descrevem um duro quadro que
certamente tem vá rias qualificaçõ es bastante sugestivas:
 
Torna-se claro que a natureza desse período é de ira (Sf 1.15,18; 1Ts 1.10; 5.9; Ap 6.16,17; 11.18; 14.10,19; 15.1,7; 16.1,19), julgamento (Ap 14.7;

15.4; 16.5,7; 19.2), indignação (Is 26.20,21; 34.1-3), provação (Ap 3.10), problemas (Jr 30.7; Sf 1.14,15; Dn 12.1), destruição (Jl 1.15; 1Ts 5.3),

escuridão (Jl 2.2; Am 5.18; Sf 1.14-18), desolação (Dn 9.27; Sf 1.14,15), transtorno (Is 24.1-4,19-21), castigo (Is 24.20,21). Em nenhuma dessas

passagens encontramos alívio para a severidade desse tempo que virá sobre a terra.
[158]
 
Diante desse quadro teoló gico de um juízo pleno e final, Isaías,
clamando contra a corrupçã o moral, social e religiosa dos israelitas e
informando da disposiçã o de Deus de desbaratar o orgulho do
homem e instaurar um novo sistema em que ele é centralizado nos
coraçõ es e nas açõ es humanas por meio do seu “servo”, dá nuances
bastante aplicativas do Dia do Senhor. Esse dia vem sobre os
soberbos para os abater (Is 2.12), de modo que o ú nico meio de
escapar dele é se voltar para Deus e “andar na luz do Senhor” (Is
1.5). Para aqueles que rejeitam essa mensagem e esse caminho, o
conselho de Isaias é: “ Uivai , pois está perto o Dia do Senhor; vem do Todo-Poderoso como assolação (Is 13.6 –
destaque meu). A razã o é que “ eis que vem o Dia do Senhor, dia cruel, com ira e ardente furor, para converter a terra
em assolação e dela destruir os pecadores
” (Is 13.9 – destaque meu). Dizendo isso, Isaías
também associa esse dia à queles eventos có smicos previstos por
Joel (Is 13.10 cf. Jl 2.31).
Sofonias, oferecendo um ensino concorde com o de seus
antecessores, aponta o fato de que no Dia do Senhor nã o acontecerá
como no presente, em que os poderosos têm meios de se safar
enquanto os fracos caem. Nesse sentido, prediz a puniçã o de pessoas
como oficiais, príncipes, idó latras e sacerdotes pagã os (Sf 1.7-9).
 
“Está perto o grande Dia do Senhor; está perto e muito se apressa. Atenção! O Dia do Senhor é amargo, e nele clama até o homem poderoso . Aquele

dia é dia de indignação, dia de angú stia e dia de alvoroço e desolação, dia de escuridade e negrume, dia de nuvens e densas trevas, dia de trombeta e

de rebate contra as cidades fortes e contra as torres altas ” (Sf 1.14-16).

 
Jeremias, como profeta que viu Jerusalém cair perante a Babilô nia e
anunciou tal queda (Jr 21.7; 24.1; 32.28), afirmou que o Senhor
também traria ao Egito o Dia do Senhor em um morticínio
sangrento, país este que tantos males trouxe sobre Israel (Jr 46.10).
Esse texto especifica que o castigo viria “do norte, junto ao rio
Eufrates”, uma referência clara, para a época de que se tratava da
Babilô nia, pelo que também aclara: “Palavra que falou o Senhor a Jeremias, o profeta,
acerca da vinda de Nabucodonosor, rei da Babilô nia, para ferir a terra do Egito” (Jr 46.13).
Vale lembrar que, ainda que
Jeremias aplique o Dia do Senhor ao Egito na forma da espada da
Babilô nia, o Egito, como as demais naçõ es, cairá também diante do
pleno julgamento futuro (Ob 15).
Ezequiel, já na Babilô nia como cativo, porém, antes da queda
definitiva de Jerusalém, acusa os falsos profetas de Judá , os “profetas
loucos”, que garantiram que Jerusalém permaneceria. [159]
Segundo seu falso testemunho vindo de visõ es falsas, Judá nã o se
preparou adequadamente para a chagada do Dia do Senhor na
forma da guerra e do cerco (Ez 13.3-7).
Depois da queda de Jerusalém, um grupo de judeus rebeldes decidiu
buscar abrigo no Egito, contra as orientaçõ es de Jeremias (Jr 42).
Essa foi uma atitude, além de desobediente, louca, pois Ezequiel
também anuncia que a destruiçã o vem aos egípcios, dentre outros
da regiã o (Ez 30.1-5).
No período pó s-exílico, Zacarias oferece uma visã o nova do Dia do
Senhor. Jerusalém ainda é alvo do juízo de Deus, mas nã o pelas mã os
de um povo apenas e de seu exército, mas por “todas as naçõ es”.
Jerusalém será oprimida em demasia e parte do povo será presa e
exilada. A diferença é que, ao final desse juízo, o Senhor lutará
contra as naçõ es e as vencerá para proteger seu povo. O Senhor se
colocará sobre o monte das Oliveiras.
 
Eis que vem o Dia do Senhor, em que os teus despojos se repartirão no meio de ti.  Porque eu ajuntarei todas as naçõ es para a peleja contra

Jerusalém; e a cidade será tomada, e as casas serão saqueadas, e as mulheres, forçadas; metade da cidade sairá para o cativeiro, mas o restante do

povo não será expulso da cidade. Então, sairá o Senhor e pelejará contra essas naçõ es, como pelejou no dia da batalha. Naquele dia, estarão os seus

pés sobre o monte das Oliveiras, que está defronte de Jerusalém para o oriente; o monte das Oliveiras será fendido pelo meio, para o oriente e para

o ocidente, e haverá um vale muito grande; metade do monte se apartará para o norte, e a outra metade, para o sul (Zc 14.1-4).
[160]
 
Por fim, Malaquias, o ú ltimo dos profetas escritores, em suas
palavras finais fez mençã o do Dia do Senhor afirmando que ele é
posterior ao envio do profeta Elias (Ml 4.5,6). Essa mençã o
misteriosa, visto que Elias já vivera e fora arrebatado aos céus (2Rs
2.11), foi interpretada por Jesus como cumprida no ministério de
Joã o Batista (Mt 11.13,14), ainda que o pró prio Elias, junto com
Moisés, tenha sido enviado a falar com Jesus na ocasiã o em que
houve a transfiguraçã o (Mt 17.3). Essas sã o as apariçõ es da
expressã o Dia do Senhor no Antigo Testamento, apesar de
expressõ es correlatas como “aquele dia”, “o dia” ou “o grande dia”
aparecerem mais de setenta e cinco vezes, [161] enquanto
“ú ltimos dias” ocorre treze vezes e “naquele dia”, mais de cem vezes
com sentido escatoló gico. [162]
A conclusã o é que o Dia do Senhor é um evento punitivo, nã o
necessariamente em um dia apenas, em que Deus lança sobre os
pecadores seu juízo contra a iniquidade. Esse julgamento encontra
ocasiõ es no meio da histó ria em que acomete naçõ es, incluindo
Israel, mas tem seu cumprimento má ximo no futuro, quando Deus
vai julgar todos os povos, nã o antes de julgar Israel por meio da
guerra e do cativeiro até vir pessoalmente libertar seu
remanescente fiel, chamado e salvo por ele mesmo, a fim de
abençoá -los em seu reino. Esse “grande e terrível Dia do Senhor ” é
identificado no Novo Testamento como a “Grande Tribulaçã o”.
 
_____________
 
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
 
1. Qual é a reaçã o de Deus diante do pecado e da maldade?
2. Por que Deus ainda nã o puniu o mal completamente?
3. Que relaçã o há entre o dilú vio e a ira de Deus contra o pecado?
4. Qual é o papel do anú ncio prévio da puniçã o divina aos
pecadores?
5. O que é o “Dia do Senhor” anunciado pelos profetas e que a sua
abrangência?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo 6
 
A salvação
 
 
Assiste-nos, ó Deus e Salvador nosso, pela gló ria do teu nome; livra-nos e perdoa-nos os pecados, por amor do teu nome (Salmo 79.9).

 
 
O estudo do Antigo Testamento é uma jornada na histó ria, mas também na fé. É fascinante aprender sobre as origens de tudo que existe, incluindo as

civilizaçõ es antigas. Tal conhecimento é tão relevante que faz parte dos cursos de Histó ria do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Tudo isso fica ainda em
maior evidência quando se percebe que o estudo secular da histó ria de naçõ es antigas como Egito, Assíria e Babilô nia corrobora muito do que a Bíblia ensina

a seus leitores.

Entretanto, ensinar histó ria nã o é o objetivo principal das


Escrituras. Na verdade, a histó ria é uma ferramenta para o principal
propó sito dos autores do Antigo Testamento. Esse propó sito é de
natureza teoló gica e visa a apresentar Deus ao homem e levar o
homem a Deus. Nesse sentido, a “fé” é o objetivo a ser alcançado pela
revelaçã o escrita. Basta ver como Hebreus 11 demonstra que os
grandes homens, cujas vidas sã o relatadas no Antigo Testamento, só
foram aceitos por Deus e produziram obras significantes porque
tiveram fé. O ilustre arqueó logo Nelson Glueck, do Hebrew Union
College, disse:
 
O propó sito do historiador e do arqueó logo bíblico não é “provar” a exatidão da Bíblia. Ela é primariamente um documento teoló gico

[163] que nunca pode ser “provado”, visto que é baseado na fé em Deus, cujo Ser pode ser cientificamente sugerido, mas nunca

cientificamente demonstrado.
[164]
 
Ele acusa de “falta de fé” aqueles que buscam corroboraçã o
arqueoló gica de materiais de fontes histó ricas para “validar” os
ensinos religiosos e espirituais da Bíblia. Isso porque depender de
tais comprovaçõ es para poder afirmar a santidade, a justiça e a
veracidade do que foi revelado nas Escrituras é ignorar a inspiraçã o
divina desses escritos. Logo, a fé é fator essencial e indispensável no estudo da Bíblia e na busca de Deus, da salvação e da
comunhão com o criador.

Apesar de a fé nã o depender dos meios acadêmicos, nã o se trata de


uma fé “cega” ou “burra”, nem, tampouco, sem sentido. Ela é baseada
na verdade. Ela crê que tudo que a Bíblia diz que aconteceu
realmente aconteceu. O que ela prevê acontecerá . O que ela ensina é
correto. Assim, Glueck completa:
 
É fato, contudo, que pode ser declarado categoricamente que nenhuma descoberta arqueoló gica jamais contradisse uma menção bíblica. Os achados

arqueoló gicos têm feito com que se confirmem em linhas gerais claras ou em detalhes exatos declaraçõ es histó ricas na Bíblia.
[165]
 
Visto que a fé é tanto o meio como o alvo do estudo bíblico, deve-se
certamente valorizar seu efeito: a salvaçã o do pecador. Essa
mensagem, ao lado da apresentaçã o de Jesus como Deus e como
substituto do homem na condenaçã o dos pecados, ocupa um lugar
central no Novo Testamento. Fortes declaraçõ es atrelam
firmemente a salvaçã o à fé em Cristo como, por exemplo: “ Por isso, quem crê no
Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”
(Jo 3.36 –
destaque meu); e “porque pela graça sois salvos, mediante a fé ; e isto não vem de vó s; é dom
de Deus” (
Ef 2.8 – destaque meu). Diante disso, devemos nos perguntar,
ou melhor, devemos buscar respostas para a relevante pergunta:
“Quanto o Antigo Testamento contribui para a formaçã o dessa
doutrina e para a apresentaçã o dessa mensagem?”.
 
A PROMESSA DA SALVAÇÃO
 
Enquanto o Novo Testamento tem um conceito bem definido de
salvaçã o, o Antigo Testamento apresenta essa doutrina em estado
de construçã o. Entretanto, um ponto fundamental está sempre
presente quando se fala de salvaçã o: a “perdiçã o”. O pró prio verbo
“salvar” exige, para sua compreensã o, um objeto direto (“quem”
deve ser salvo) e um objeto indireto (“de que” ser salvo). Esses
pontos surgem no início da Bíblia diante da histó ria da queda do
homem no jardim do É den.
Tã o logo Adã o e Eva tenham cometido pecado e tido consciência
disso (Gn 3.7), imediatamente surgiram açõ es no sentido de
remediar o problema. O primeiro impulso foi tentar cobrir o erro
buscando inutilmente cobrir as partes do corpo cuja exposiçã o lhes
passou a ser vergonhosa. Rapidamente descobriram como seus
pró prios meios eram escassos para isso ao utilizarem o melhor que
acharam. Eles juntaram e entrelaçaram folhas de uma figueira para
criar um tipo de proteçã o. Seu pró ximo impulso foi fugir da presença
(literalmente “face”) de Deus, [166] a fim de nã o evidenciar seu
pecado (Gn 3.8). Por fim, foram tentativas de esconder tanto sua
vergonha física como espiritual. Nã o é preciso dizer que tais
tentativas fracassaram.
O primeiro passo no sentido de restaurar o que foi perdido nã o foi
dado pelo homem, mas por Deus. Enquanto o homem se escondia do
Criador, este o chamou no jardim (Gn 1.9). Apesar da simplicidade
do ato, é uma demonstraçã o incisiva da graça de Deus, visto que, em
sua santidade e justiça, poderia simplesmente punir o homem pelo
seu pecado à semelhança do que fez no dilú vio ou nas cidades de
Sodoma e Gomorra. Mas nã o foi o que aconteceu. Além do gracioso
chamado no jardim, o Senhor faz o primeiro benefício temporal para
o homem caído dando-lhe roupas mais adequadas por meio de um
animal que, para fornecer sua pele, teve de ser morto.
Apó s pronunciar as condenaçõ es ao homem, à mulher e até à
natureza, Deus pronuncia uma maldiçã o contra a serpente,
dirigindo-se, possivelmente, também à quele que estava por trá s do
animal: Sataná s. Se isso é verdade – há quem ache que a maldiçã o se
refere somente à serpente como animal –, tais palavras parecem
conter um breve e velado anú ncio do que Deus viria a fazer.
 
Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar (Gn 3.15).

 
Para os leitores pré-cristã os, a frase acima devia, normalmente, ser
compreendida somente em termos da hostilidade mú tua entre
humanos e ofídios, hostilidade que perdura até hoje. [167]
Contudo, o Novo Testamento tem, por excelência, a capacidade de
revelar alguns mistérios ocultos dos leitores do Antigo Testamento e
dos homens que viveram antes da vinda de Jesus (Cl 1.26). Sob a
ó ptica da revelaçã o progressiva, nã o é possível olhar para Gênesis
3.15 sem associar a serpente a Sataná s (Ap 12.9; 20.2), nem lembrar
da figura de Deus pisando-o: “E o Deus da paz, em breve, esmagará debaixo dos
vossos pés a Satanás
” (Rm 16.20 – destaque meu).
Com isso, fá cil também é associar a descendência da mulher a Jesus,
o qual, sob as agruras da cruz e da morte, como que recebendo uma
mordida no calcanhar, venceu os poderes da morte e do inferno,
como que esmagando a cabeça de Sataná s: “E, despojando os
principados e as potestades, publicamente os expô s ao desprezo,
triunfando deles na cruz
” (Cl 2.15 – destaque meu).
Outro apoio a essa ideia é o fato de a palavra “zerá ” (descendência) ser
interpretada por Paulo. O apó stolo olha para a mesma palavra
hebraica contida na promessa feita a Abraã o: “ Apareceu o Senhor a Abrão e lhe disse: Darei à
tua descendência esta terra
” (Gn 12.7a – destaque meu). Apesar de “zerá ”, nesse
contexto, se referir ao povo de Israel (Gn 13.15; 15.18; 17.7,8), Paulo
olha para o fato de a palavra estar no singular como uma indicaçã o
de um descendente específico dentro da descendência numerosa de
Abraã o: “Ora, as promessas foram feitas a Abraã o e ao seu descendente . Não diz:
E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só : E ao teu descendente, que é Cristo
” (Gl 3.16 – destaque
meu).
Tratando-se da mesma palavra usada em Gênesis 3.15 para se
referir à descendência da mulher, surge uma relaçã o chamativa
entre a hostilidade entre a descendência da mulher – ou o
“descendente” – e as serpentes, com a hostilidade entre Cristo e
Sataná s e entre o fato de Cristo vencer Sataná s na cruz e a cabeça
esmagada das serpentes durante seu bote venenoso. Por causa
disso, muitos teó logos consideram Gênesis 3.15 o protevangelium ,
[168] ou protoevangelho, [169] ou seja, a primeira mençã o à s
boas novas da obra redentora a ser executada por Cristo, o Deus
encarnado (descendência da mulher).
É certo que essa construçã o extrapola a teologia do Antigo
Testamento. Entretanto, estamos traçando a progressividade de
uma revelaçã o cujas chaves de interpretaçã o estã o no Novo
Testamento – ainda que tais chaves devam ser utilizadas com
extrema cautela e dentro dos parâ metros da interpretaçã o histó rico-
gramatical para nã o forçar mensagens do Novo Testamento para
dentro do Antigo.
O pró ximo passo importante na promessa de salvaçã o se deu no
chamado de Abraã o (Gn 12.1-3). O Senhor o chamou da sua terra, do
seu clã e da casa do seu pai para ir a uma terra que lhe seria
mostrada (v.1). Abraã o, nessa ocasiã o, ainda nã o tinha filhos porque
sua esposa era estéril. Apesar disso, Deus prometeu, a partir de
Abraã o, gerar uma grande naçã o. Garantiu ainda que Abraã o seria
abençoado e teria um nome grande (v.2). Entã o, lhe diz:
 
Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra (Gn 12.3).

 
Se o patriarca seria alvo das bênçã os de Deus, seria ele, também,
fonte de bênçã o para outras pessoas. Sua descendência seria
abençoada, porém nã o somente ela, mas aqueles que, de uma
maneira até entã o nã o revelada, bendissessem a Abraã o:
“Abençoarei os que te abençoarem”. No cumprimento dessa clá usula
nã o foram postos limites territoriais, políticos ou étnicos: “E em ti
serã o benditas todas as famílias da terra ”. Isso, necessariamente, nã o quer dizer
cada ser humano, mas pessoas de todos os povos.
A mensagem velada é o modo como Abraã o poderia abençoar quem
lhe bendissesse. Jesus disse: “ Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se” (Jo 8.56). Ainda
que o patriarca soubesse que a promessa implicava advir bênçãos por meio de um povo numeroso, de algum modo ele percebeu alegremente os benefícios

gerados por um membro ilustre da sua família


. Estevã o viu o mesmo e associou Gênesis 12.3
ao “servo” ressurreto que foi enviado a fim de abençoar Israel (At
3.25,26).
Paulo também assim compreendeu disse que esse texto é um
“anú ncio prévio” do evangelho: “ Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios,
preanunciou o evangelho a Abraão : Em ti, serão abençoados todos os povos”
(Gl 3.8). A consequência natural é:
“De modo que os da fé sã o abençoados com o crente Abraã o” (Gl
3.9). Com isso, as bênçã os e o engrandecimento de Abraã o foram
dados por Deus como ferramenta a fim de alcançar e redimir
pecadores.
 
O embrião das boas novas da parte de Deus podia ser reduzido á palavra-chave “bênção”. Aquele que foi abençoado agora vai levar a efeito bênçãos

de proporçõ es universais. Em contraste com as naçõ es que buscavam um “nome” para elas mesmas, Deus fez de Abraão um grande nome a fim de

que pudesse ser o meio de bênçãos para todas as naçõ es.


[170]
 
Assim, tais textos – Gênesis 3.15 e 12.3 – apesar de nã o terem sido
amplamente compreendidos pelos judeus que receberam o Antigo
Testamento, fazem parte da contribuiçã o veterotestamentá ria à
doutrina da salvaçã o. De igual modo, isso ocorre com referências
posteriores com a diferença de que, a cada nova peça no quebra-
cabeça, a mensagem se torna mais definida e menos velada até que
surjam referências claras ao Messias por meio dos profetas. Falando
sobre a salvaçã o prometida em Gênesis, Kaiser diz:
 
Essas palavras de salvação prometida têm continuidade nos oráculos proféticos de salvação. A ú nica diferença entre as promessas anteriores e as

mensagens proféticas de salvação e promessa é o contexto da palavra de Deus que o profeta transmite. Normalmente, elas aparecem no meio de

uma ameaça de juízo a Israel pelo rompimento do concerto, pela sua idolatria e pelo seu pecado.
[171]
 
Outra peça importante é assentada por Jacó quando abençoou seus
filhos antes de morrer. Suas palavras tiveram cará ter profético com
desdobramentos futuros correspondentes. Entre os filhos, Judá
recebeu uma bênçã o peculiar: “O cetro nã o se arredará de Judá , nem
o bastã o de entre seus pés, até que venha Siló ; e a ele obedecerã o os
povos” (Gn 49.10). [172]
Trata-se do prenú ncio de uma descendência real, como se viu na
linhagem de reis iniciada em Davi, da tribo de Judá . Mas, o que o
texto tem de peculiar é a mençã o “e a ele obedecerã o os povos”. Se
por Abraã o os “povos” sã o abençoados, por parte da descendência
de Abraã o – uma linhagem real de Judá – os “povos” serã o
governados, o que foi repetido a Davi (2Sm 7.16), estreitando em
sua família a bênçã o de Jacó a Judá .
O profeta Miqueias concorda com a profecia de Jacó de que esse rei
vem da Tribo de Judá , visto que informa que seu nascimento é em
Belém, cujo antigo nome era Efrata (Rt 4.11), [173] dentro do
territó rio de Judá e, também, cidade natal do rei Davi. O que é
novidade é a introduçã o de uma característica do rei: ele tem origem
eterna, assim como Deus. Em outras palavras, o rei que traria
bênçã os e governo sobre todos os povos é pessoalmente Deus:
 
E tu, Belém-Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os

tempos antigos, desde os dias da eternidade (

Mq 5.2 – destaque meu).

 
O contexto apresenta uma realidade histó rica que merece atençã o.
Segundo diz Miqueias, isso aconteceria depois da queda de
Jerusalém, do destronamento do rei israelita (Mq 5.1), [174] e de o
povo de Israel ser espalhado pelas naçõ es (Mq 5.3a). Entretanto,
quando vier o esperado rei, [175] ele os ajuntará sob seu reinado
em seu territó rio (Mq 5.3b – ver também 4.6,7). [176] Um olhar
mais amplo vislumbra a paz e a submissã o ao rei por pessoas de
todo o mundo (Mq 4.1-3). Com isso, a mensagem primá ria cresceu
do está gio inicial de salvar o homem do pecado e do domínio de
Sataná s para, já salvo, submetê-lo ao Deus verdadeiro, o criador
santo.
O profeta Isaías, contemporâ neo de Miqueias, traça os degraus
percorridos por esse rei até o seu trono. Surpreendentemente, o
caminho do “Servo do Senhor”, aquele que tem a tarefa de reunir os
israelitas e restaurar Israel, também foi dado como salvaçã o aos
povos do mundo:
 
Sim, diz ele: Pouco é o seres meu servo , para restaurares as tribos de Jacó e tornares a trazer os remanescentes de Israel; também te dei como luz

para os gentios, para seres a minha salvação até à extremidade da terra (Is 49.6 – destaque meu).

 
Apesar de tã o nobre e benéfica funçã o para os homens, ele é
“desprezado” pelas naçõ es, mas virá o dia em que os povos que
agora se aborrecem com ele o “ adorarão por amor do Senhor , que é fiel,
e do Santo de Israel” (Is 49.7 – destaque meu). Isso ocorrerá porque
o ministério do “Servo do Senhor” tem abrangência mundial e nã o
apenas entre os israelitas: “ Eis aqui o meu servo , a quem sustenho; o meu escolhido, em quem a minha alma se
compraz; pus sobre ele o meu Espírito, e ele promulgará o direito para os gentios
” (Is 42.1 – destaque meu).
Traçando, como Miqueias, o cará ter divino desse rei, ao dizer que ele
será “adorado” (Is 49.7), Isaías descreve uma obra
inacreditavelmente custosa do servo salvador, pelo que também é
conhecido como “Servo sofredor”. Um dos trechos mais dramá ticos e
significativos, principalmente dentro da histó ria da salvaçã o e da
demonstraçã o da graça e do amor de Deus pelos homens, é Isaías
52.13 a 53.12. Uma síntese desse texto é extremamente clara para
que se reconheça, na vida e na obra de Cristo na cruz, tanto o
cumprimento da profecia nele como sua identidade messiâ nica:
 
 Isaías 52.13: O “Servo do Senhor” tem um caráter íntegro e sábio e uma posição nobre.

 Isaías 52.14: Ele seria desfigurado, mediante uma violência ímpar,


[177] de modo a espantar as pessoas que veriam o seu estado.

 Isaías 52.15: A humilhação do servo promoveria seu triunfo diante do mundo,


[178] causando espanto até mesmo nos cabeças

das nações.
[179]
 Isaías 53.1: A pregação sobre sua obra era uma mensagem até então inaudita e tão incomparável que seria rejeitada .

 Isaías 53.2: O início da obra do “servo do Senhor” se dá em humildade, como um pequeno broto, sem que houvesse nada em sua aparência que

sugerisse sua singularidade pelo que faria nos versículos seguintes .

 Isaías 53.3: Seria um homem que experimentaria o sofrimento e, em lugar de ser acolhido, seria desprezado e decididamente rejeitado pelos

homens .

 Isaías 53.4: Ele voluntariamente aceitou ser ferido por Deus a fim de ministrar eficazmente o remédio necessário para a enfermidade dos

homens .
[180]
 Isaías 53.5: O sofrimento do servo teria caráter vicário, ou seja, em lugar de outros, tomando seu lugar. As palavras “traspassado” e

“pisaduras” descrevem que tipo de castigo ele receberia para trazer paz aos homens .
 Isaías 53.6: Deus castigaria o servo como se ele, livre de culpa, fosse culpado pela iniquidade de todos os que andam longe do Senhor como

ovelhas que andam longe de seus pastores. A palavra “mas” sugere que a realidade anterior – andar desgarrado como ovelhas – seria

alterada pelo sacrifício vicário do servo.

 Isaías 53.7: Ele sofreria calado todas as agruras da obra redentora, sem se desviar da sua tarefa, ou tentar evitá-la .

 Isaías 53.8: Ele seria morto pela violência da agressão que receberia por causa das transgressões .

 Isaías 53.9: Em sua morte, seria considerado pelos homens como um criminoso, alguém merecedor de um enterro desonroso. Entretanto, em

vista da sua justiça, a desonra para ele planejada não chegaria a ser cumprida, dando lugar a um sepultamento distinto e honroso .

 Isaías 53.10: A obra sacrificial do servo, em consonância com o propósito de Deus, precederia sua volta à vida para ser o efetivador da vontade

de Deus .

 Isaías 53.11: O resultado da sua obra seria plenamente positivo, de modo que justificaria a muitos, tirando-os debaixo dos efeitos jurídicos do

pecado .
[181]
 Isaías 53.12: O fato de o servo ter sofrido a morte como sacrifício vicário pelos pecadores como se fosse um transg),
Isaías
descreve uma obra inacreditavelmente .
 
Diante desse quadro, Ridderbos afirma que “o servo do Senhor”,
como é chamado em Is 52.13 e 53.11, nã o pode ser ninguém mais do
que o futuro Redentor [182] ou Messias. [183] Fica também
patente, em Isaías, que o anú ncio de juízo tem anexado a ele uma
mensagem divina de “preservaçã o”, [184] tanto de Israel como dos
gentios.
Ao nos referirmos à “identidade messiânica ” e a reconhecermos na
pessoa de Jesus Cristo, utilizamos um termo – Messias – que tem um
significado específico na língua hebraica e uma aplicaçã o profética
referente à histó ria da salvaçã o. Vemos isso na promessa de Deus
por meio do profeta Daniel que o Messias, em concordâ ncia com a
mensagem de Isaías 53.8-10, seria morto.
 
Depois das sessenta e duas semanas, será morto o Ungido e já não estará; e o povo de um príncipe que há de vir destruirá a cidade e o santuário, e

o seu fim será num dilú vio, e até ao fim haverá guerra; desolaçõ es são determinadas (Dn 9.26 – destaque meu).
 
Daniel o chama de “Messias” ( “mashîah ”, em hebraico), cujo significado é
“ungido”, ou seja, aquele sobre quem foi derramado ó leo. [185]
Esse era um modo de instituir alguém no ofício real, como é visto
nos casos dos reis Saul (1Sm 15.1), Davi (1Sm 16.1,13), Joacaz (2Rs
23.30) e Jeú (1Rs 19.16). [186] Assim, segundo Daniel 9.26, o rei
seria morto e, na sequência, o “povo de um príncipe” destruiu
Jerusalém e o templo do Senhor de uma maneira tã o terrível que
Daniel o comparou ao dilú vio. [187]
A morte de Jesus, ocorrida na década de 30 do primeiro século,
precedeu os acontecimentos do ano 70 d.C., quando o exército
romano, sob o comando do príncipe general Tito – visto que seu pai,
Vespasiano, havia recentemente assumido o trono imperial –
invadiu Jerusalém e a destruiu por completo. Flá vio Josefo conta
que, apesar de Tito nã o ter dado ordens nesse sentido, um soldado
romano, erguido por um companheiro, arremessou uma tocha que
iniciou um severo fogo no templo. Com todo esforço pessoal,
gritando e acenando com os braços, Tito ordenava a seus soldados
que apagassem o fogo, mas eles fingiam nã o entender suas ordens
no meio do barulho. Por fim, foi impossível impedir a destruiçã o e se
cumpriu a profecia. [188]
Esse nã o é o ú nico termo especial usado por Daniel para se referir
ao Messias. Ele também o chama de “Filho do homem” (Dn 7.13).
Normalmente, essa expressã o é utilizada no Antigo Testamento para
se referir aos seres humanos, muitas vezes em sua fragilidade e
insignificâ ncia diante do Deus todo-poderoso (Jó 25.6; Sl 8.4; 144.3;
Is 51.12). Ezequiel, em especial, utiliza essa expressã o sem
parcimô nia – mais de noventa vezes. Em seu livro, esse é o modo
como Deus se dirige ao pró prio profeta a fim de lhe dar instruçõ es e
lhe dizer o que escrever. No pró prio livro de Daniel (Dn 8.17), a
expressã o é uma vez aplicada com o mesmo uso que em Ezequiel.
Apesar disso, Daniel faz uma aplicaçã o do termo, no capítulo 7, que
justifica o sentido messiâ nico de “Filho do homem” nas palavras de
Jesus (Ex.: Mt 8.20; 9.6; 10.23).
 
Eu estava olhando nas minhas visõ es da noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem , e dirigiu-se ao Ancião de Dias, e o

fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado domínio, e gló ria, e o reino, para que os povos, naçõ es e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio

é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído (Dn 7.13,14 – destaque meu).

 
Pelo menos cinco pontos sã o características singulares da pessoa e
da obra do “Filho do homem” nesse texto. Em primeiro lugar, sua
obra de reinar sobre a Terra tem como ponto de partida os céus:
“Ele vinha com as nuvens do céu”. Ainda que sua atuaçã o seja entre
os homens, ele nã o está entre eles até que venha, e o faça “vindo com
as nuvens”. Apesar de ser plausível uma crítica a essa observaçã o
dizendo que, em uma visã o como a de Daniel, poderia se esperar
algo assim sem que tivesse necessariamente relaçã o com um evento
literal, o paralelo entre o anú ncio da segunda vinda de Jesus parece
qualificar como correta a aplicaçã o da expressã o “Filho do homem”
pelo pró prio Jesus: “ Então, verão o Filho do Homem vir nas nuvens , com grande poder e gló ria” (Mc 13.26 – destaque meu) .
Em segundo lugar, ele teria um ofício real, munido, como afirma o texto antecedente, de “poder e gló ria”: “Foi-lhe dado o domínio, a gló ria e o reino”.

Entretanto, uma oração de Davi demonstra que tais prerrogativas pertencem a Deus somente, de modo que o “Filho do homem” é também “divino”: “Teu,

Senhor, [...] é o reino , e tu te exaltaste por chefe sobre todos. Riquezas e glória vêm de ti , tu dominas sobre tudo ” (1Cr 29.11,12 – destaque meu). Esse

caráter tríplice da divindade é tomado por Jesus para si mesmo como características pessoais exibidas no seu retorno, a saber, “domínio” (Jo 5.27), “gló ria”

[189]
(Mt 16.27; Lc 21.27) e um “reino” (Mt 13.41; 16.28).

Seu reinado transcende as barreiras políticas, geográ ficas e étnicas,


pois a autoridade e o trono lhe serã o dados “para que os povos, naçõ es e
homens de todas as línguas o servissem”.
O profeta Isaías já havia profetizado a respeito de
uma busca de ordem mundial por aquele que, em Siã o (Jerusalém),
julgaria os povos e converteria as naçõ es (Is 2.3,4). O livro do
Apocalipse faz o mesmo: “ O sétimo anjo tocou a trombeta, e houve no céu grandes vozes, dizendo: O reino do mundo se
tornou de nosso Senhor e do seu Cristo , e ele reinará pelos séculos dos séculos” (Ap 11.15 – destaque meu).

Finalmente, assim como o texto acima reforça, “o seu domínio é


domínio eterno, que nã o passará , e o seu reino jamais será
destruído”. Nã o se trata de um reino como os outros com
governantes transitó rios. Nã o apenas esse reino é perene, como
também o seu rei, o “Filho do homem”. O autor de Hebreus, fazendo
referência a Jesus, diz: “Mas acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é
para todo o sempre” (Hb 1.8). Essa verdade foi anunciada pelo anjo
que falou a Maria sobre o filho que ela teria: “Este será grande e será
chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi , seu pai;  ele reinará para
sempre sobre a casa de Jacó , e o seu reinado não terá fim
” (Lc 1.32,33 – destaque meu).
Olhando para os parâ metros dados por Daniel para o “Filho do
homem”, chega-se à conclusã o de que ele apresenta a mesma figura
de majestade que os evangelhos apresentam. [190] Tudo isso
indica que Jesus, o “salvador”, é também o “rei divino”. [191]
Assim, o desenvolvimento da promessa de salvaçã o no Antigo
Testamento começa com um cará ter espiritual, passa por libertaçõ es
e restauraçõ es terrenas, por uma obra sofredora em lugar dos que
seriam salvos e termina com um governo supremo, benéfico e justo
por parte do salvador abnegado, rei eterno e Deus todo-poderoso.
Esses textos do Antigo Testamento, ao lado de outros, fazem parte
de uma categoria conhecida como “profecia messiâ nica”. Profecia
messiâ nica é qualquer texto das Escrituras que, à luz de citaçã o ou
alusã o posterior, dentro dos parâ metros do progresso da revelaçã o,
apresenta implicaçõ es legítimas da pessoa e obra de Jesus Cristo.
[192]
 
A SALVAÇÃO NO ANTIGO TESTAMENTO
 
Ainda que a promessa de salvaçã o tenha surgido assim que o
homem pecou e tenha se desenvolvido à medida que a revelaçã o
progrediu por meio dos profetas do Antigo Testamento, é no Novo
que a doutrina salvaçã o recebe seus retoques finais e ganha
contornos bem definidos. Outra vantagem do Novo Testamento
nesse sentido é que, ainda que apresente histó ria, seu conteú do é
primariamente doutriná rio, com um enfoque especial na mensagem
da salvaçã o pela fé em Jesus Cristo, o Deus encarnado, que,
assumindo culpa alheia na cruz, pode oferecer salvaçã o gratuita da
condenaçã o preparada para os pecadores, perdoando-os,
justificando-os, redimindo-os e regenerando-os. No Antigo
Testamento, essa mensagem é um tanto nublada e difusa sob
diversas ó pticas.
Uma das dificuldades que envolvem a questã o é que a salvaçã o, no
Antigo Testamento, tem mais de uma aplicaçã o. Isso se deve ao
cará ter ú nico do relacionamento entre Deus e Israel. Também se
deve ao longo tempo do relacionamento descrito pelo Antigo
Testamento. Por esse motivo, a salvaçã o se apresenta pelo menos
sob três aspectos: a salvaçã o pessoal/nacional, a salvaçã o ritual e a
salvaçã o espiritual. Cada uma delas tem uma razã o, uma causa, uma
fonte, um meio e um resultado.
 
1. Salvação pessoal/nacional
 
O primeiro conceito salvífico a surgir nitidamente é o da
preservaçã o. Apesar de o livro de Hebreus afirmar claramente a
“justificaçã o” de Abel e de Enoque “pela fé” (Hb 11.4,5), para o leitor
do Pentateuco, nos dias de Moisés, essa verdade estava certamente
velada, carecendo de novas revelaçõ es que a aclarasse. Entretanto, a
salvaçã o de Noé e de sua família da morte e a preservaçã o da raça
humana da extinçã o por meio da arca sã o verdades tangíveis até aos
leitores mais inexperientes.
A “razã o” pela qual Noé e sua família necessitavam de salvaçã o era o
risco de “morte” ao serem pegos pela puniçã o divina à raça humana:
“ Disse o Senhor: Farei desaparecer da face da terra o homem que criei” (Gn 6.7a). A “causa” de serem salvos
foi a “graça” de Deus, o qual desejou poupá -lo: “ Porém Noé achou graça diante do Senhor”
(Gn 6.8). A “fonte” da salvaçã o foi o pró prio Deus, visto que ele
escolheu Noé, com quem Deus se relacionava (Gn 6.9), a fim de
preservá -lo por meio de ordens específicas na promoçã o da
salvaçã o.
O “meio” utilizado para a salvaçã o de Noé e sua família foi dado a
partir de instruçõ es específicas sobre a construçã o de uma arca que
tinha todas as características necessá rias para manter seguros a
família de Noé e todos os animais diante da força das á guas e
durante o tempo necessá rio: “Faze uma arca de tá buas de cipreste;
nela fará s compartimentos e a calafetará s com betume por dentro e
por fora. Deste modo a fará s: de trezentos cô vados será o
comprimento; de cinquenta, a largura; e a altura, de trinta. Fará s ao
seu redor uma abertura de um cô vado de altura; a porta da arca
colocará s lateralmente; fará s pavimentos na arca: um em baixo, um
segundo e um terceiro.” (Gn 6.14-16). É importante observar que o
“meio” dado por Deus para a salvaçã o da família de Noé
pressupunha e exigia obediência à s instruçõ es: “Assim fez Noé,
consoante a tudo o que Deus lhe ordenara” (Gn 6.22).
Construída a arca e fechada corretamente com todos dentro –
homens e animais –, veio o dilú vio e matou todos os que estavam
fora da arca protetora. O “resultado” ao final do dilú vio, assim que as
á guas baixaram, foi, de fato, a preservaçã o da raça humana e a
salvaçã o da família daquele servo de Deus, além dos animais. [193]
Vá rios sã o os exemplos de salvaçã o pessoal no Antigo Testamento,
mas basta-nos acrescentar aqui uma das muitas vezes em que Deus
preservou a vida Davi. O livro de 2Samuel narra o golpe de Estado
de Absalã o a fim de destronar seu pai, Davi, e reinar em Israel. O
golpe funcionou perfeitamente e Davi teve de abandonar Jerusalém
com uma guarniçã o militar formada por soldados e amigos fiéis a
ele. A pressa para sair da cidade e se deslocar com rapidez fez com
que eles acampassem à s margens do rio Jordã o em um estado de
grande exaustã o física (2Sm 16.14). Absalã o chegou a Jerusalém e
assumiu o comando da cidade e do país, mas o seu plano nã o estava
completo.
Nesse contexto, a “razã o” para Davi precisar de salvaçã o foi um
conselho militar extremamente bem dado: “Disse ainda Aitofel a
Absalã o: Deixa-me escolher doze mil homens, e me disporei, e
perseguirei Davi esta noite. Assaltá -lo-ei, enquanto está cansado e
frouxo de mã os; espantá -lo-ei; fugirá todo o povo que está com ele;
entã o, matarei apenas o rei ” (2Sm 17.1,2 – destaque meu). A distâ ncia era curta,
as defesas de Davi eram poucas e a estratégia era eficaz. Davi
realmente precisava ser salvo.
Se Davi morresse nessa ocasiã o, seria mais um entre tantos líderes
que tombaram diante da traiçã o de pessoas pró ximas. Mas ele nã o
morreu e a “causa” de ter sido salvo foi a promessa de Deus de, antes
que se cumprissem os dias de Davi, ele teria “descanso de todos os
teus inimigos” e o pró prio Senhor levantaria seu descendente para
reinar (2Sm 7.11,12). Morrer na mã o de um inimigo, ainda que
doméstico, nã o cumpria a promessa com a qual Deus se
comprometeu.
A “fonte” da salvaçã o, ainda que fique apenas subentendido, é o
pró prio Deus em pessoa que, no uso da sua plena soberania, guiou
os acontecimentos de modo a preservar seu servo. Vale notar que
Davi tinha certeza do controle do Senhor mesmo quando a situaçã o
nã o lhe era favorá vel (2Sm 16.7-12).
O “meio” pelo qual a salvaçã o de Davi foi promovida passou pela
fidelidade de um servo de Davi por seu rei e pela atuaçã o do Senhor
conduzindo os coraçõ es (Pv 21.1). Depois de receber conselho de
Aitofel, Absalã o buscou o conselho de Husai, amigo de Davi. Na
intençã o de proteger o verdadeiro rei, deu a Absalã o conselho de
reunir todo o exército israelita, fazendo-o perder a vantagem da
surpresa, da pequena guarniçã o de Davi, dando tempo para que este
se refugiasse em um lugar seguro (2Sm 17.7-13).
Apesar de Absalã o ser capaz de avaliar a validade dos conselhos e
escolher entre eles, Deus interferiu e fez Absalã o tomar a decisã o
errada: “Entã o, disseram Absalã o e todos os homens de Israel:
Melhor é o conselho de Husai, o arquita, do que o de Aitofel. Pois ordenara o
Senhor que fosse dissipado o bom conselho de Aitofel, para que o mal sobreviesse contra Absalão
” (2Sm 17.14 – destaque
meu). O “resultado” foi a preservaçã o de Davi, voltando ele ao trono,
e as mortes dos conspiradores Absalã o e Aitofel (2Sm 17.23; 18.15).
Esse tipo de salvaçã o nã o preserva apenas pessoas, mas também
naçõ es. Assim, dentro da mesma categoria, está a “salvaçã o
nacional”. O Egito foi salvo da morte pela fome nos dias de José e a
capital da Assíria, Nínive, foi salva da morte punitiva de Deus nos
dias do profeta Jonas. Entretanto, a ênfase nacional do Antigo
Testamento está sobre a naçã o de Israel com quem Deus tem um
relacionamento especial e para quem o Senhor tem planos – para ela
e por meio dela. [194]
Nesse sentido, um dos grandes momentos redentores do Antigo
Testamento é o livramento de Israel em conexã o com o Ê xodo.
[195] Nesse caso, é claro que a libertaçã o atinge as pessoas como
indivíduos. Entretanto, há mais que israelitas a serem salvos do
domínio e do jugo egípcio. Há uma naçã o a quem Deus quer usar,
com quem quer ser fiel e por meio de quem ele quer trazer a suma
redençã o.
A “razã o” de Israel precisar dessa intervençã o de Deus é o risco de
ela nunca mais ter liberdade nem se estabelecer como uma naçã o
soberana na terra que recebeu por promessa. Um risco um pouco
mais dramá tico era o de, ao continuar ameaçando a soberania
egípcia pelo crescimento numérico (Ex 1), ser alvo de uma decisã o
drá stica no sentido de exterminar o povo.
Diante disso, a “causa” da libertaçã o de Israel foi a promessa feita
por Deus a Abraã o: “Sabe, com certeza, que a tua posteridade será
peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidã o, e será
afligida por quatrocentos anos. Mas também eu julgarei a gente a
que têm de sujeitar-se; e depois sairã o com grandes riquezas” (Gn
15.13,14).
A “fonte” da salvaçã o foi o pró prio Senhor (Ex 6.6-8), o qual se
utilizou da mediaçã o de Moisés (Ex 6.10,11). O “meio” utilizado para
levar a cabo a salvaçã o foi a demonstraçã o divina de poder ao lançar
sobre o Egito dez pragas tremendamente destrutivas (Ex 7-12).
Posteriormente, o mesmo poder abriu o mar diante dos israelitas e o
fez voltar sobre o exército egípcio, dizimando-o (Ex 14). O
“resultado” foi a plena libertaçã o dos israelitas (Ex 14.30), grande
louvor a Deus (Ex 15.1-21) e o testemunho marcante da pessoa e do
poder de Deus a Israel e à s naçõ es (Ex 14.31; 15.13-16; Js 2.9-11).
Esse é um dos exemplos do conceito mais forte e nítido de salvaçã o
no Antigo Testamento, [196] o qual nã o implica, necessariamente,
salvaçã o de pecados ou justificaçã o, mas Deus salvando o seu povo
da morte e extinçã o – sejam indivíduos, seja a naçã o escolhida de
Israel. [197]
 
Porque ele dizia: Certamente, eles são meu povo, filhos que não mentirão; e se lhes tornou o seu Salvador . Em toda a angú stia deles, foi ele

angustiado, e o Anjo da sua presença os salvou ; pelo seu amor e pela sua compaixão, ele os remiu , os tomou e os conduziu todos os dias da

antiguidade (Is 63.8,9 – destaque meu).

 
2. Salvação Ritual
 
Uma grande dificuldade que os leitores do Antigo Testamento têm é
a de compreender a funçã o dos sacrifícios ordenados por Deus na lei
de Moisés. A primeira impressã o é que, enquanto no Novo
Testamento os pecados sã o perdoados pela fé em Cristo, no Antigo
isso se dava por meio do sacrifício de animais: “E fará a este novilho como fez ao novilho da
oferta pelo pecado ; assim lhe fará, e o sacerdote por eles fará expiação, e eles serão perdoados
” (Lv 4.20 – destaque
meu).
Contudo, tal impressã o é contradita pelo que diz o autor de Hebreus:
“ É impossível que o sangue de touros e de bodes remova pecados ” (Hb 10.4 – destaque meu). Os
profetas pareciam pensar do mesmo modo:
 
Os profetas tinham pouca confiança no sacrifício como meio de se livrar do pecado. Eles falavam primordialmente de “arrependimento” e “perdão”,

como meio de remover o pecado (Is 1.11; Os 6.6; Am 5.23,24; Mq 6.8). Os profetas expressaram seu desapontamento com a falta de resposta do

povo aos apelos ao arrependimento.


[198]
 
Já que é impossível ser perdoado de pecado por meio de sacrifícios
de animais, a pergunta é: “Para que serviam tais sacrifícios?”.
Felizmente, o pró prio livro de Hebreus responde, explicando que “ o
sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha, aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da carne
” (Hb
9.13 – destaque meu). Assim, o objetivo de tais ritos nã o era perdoar
a culpa do pecado – ainda que preparassem o caminho da
mensagem da salvaçã o de pecados pelo “sacrifício” de Cristo, o
“cordeiro pascal” (1Co 5.7), ou o “cordeiro de Deus que tira o pecado
do mundo” (Jo 1.29) –, mas retirar a “impureza cerimonial”. [199]
A mençã o do sangue que era “aspergido” tem relaçã o com as ordens
de Deus para a purificaçã o dos israelitas: “O limpo aspergirá sobre o imundo ao terceiro e
sétimo dias; purificá-lo-á ao sétimo dia; e aquele que era imundo lavará as suas vestes, e se banhará na água, e à tarde será limpo
” (Nm
19.19). O que era aspergido, nesse caso, sobre pessoas impuras para
purificá -las, era á gua que havia recebido as cinzas de uma novilha
vermelha, perfeita, sem defeito (Nm 19.3), a qual era
completamente queimada (Nm 19.5). Basta, agora, saber o que fazia
com que alguém se tornasse impuro. Segundo o texto, a pessoa
ficava imunda ao tocar um corpo morto: “Aquele que tocar em
algum morto, cadáver de algum homem , imundo será sete dias” (Nm 19.11 – destaque meu).
É claro que tocar em um cadá ver nã o produz a corrupçã o do corpo
daquele que o toca. [200] Sendo assim, a impureza nã o era
exatamente física, mas ritual, ou seja, tornava impura a relaçã o
cultual ou cerimonial dos israelitas para com Deus: “Todo aquele
que tocar em algum morto, cadá ver de algum homem, e nã o se
purificar, contamina o tabernáculo do Senhor ” (Nm 19.13 – destaque meu). Apesar de
ser uma impureza ritual, a puniçã o para ela era a morte: “No
entanto, quem estiver imundo e nã o se purificar, esse será eliminado do meio da
congregação , porquanto contaminou o santuário do Senhor; água purificadora sobre ele não foi aspergida; é imundo”
(Nm 19.20 –
destaque meu).
Para que isso nã o acontecesse, Deus proveu uma maneira de salvar
os israelitas da impureza e das consequências dela. A “razã o” para
tanto era a condenaçã o mortal de se manter impuro no meio da
naçã o santa (cf. Ex 19.5,6) que o Senhor separou. A “causa” de a
morte ser evitada era a promessa de Deus de, mediante o rito,
reconhecer o estado de pureza cerimonial: “S e purificará com esta água e será limpo” (Nm
19.12). A “fonte” da salvaçã o era Deus, visto ser ele aquele que
concedeu aos israelitas o meio de purificaçã o (Nm 19.1). O “meio”,
em si, era a morte de uma novilha, cujas cinzas eram misturadas
com á gua e aspergidas sobre o impuro, transmitindo a ideia de uma
puniçã o do pecado por meio da morte de uma vítima e a purificaçã o
e lavagem dos pecados para que houvesse pureza diante de Deus. O
“resultado” era a purificaçã o ritual que permitia aos israelitas
continuarem vivos, permanecerem no meio do povo de Deus e
poderem cultuar o Senhor no taberná culo.
Vá rias coisas tornavam os israelitas impuros – comer alimentos
imundos (Lv 11), menstruar (Lv 15.25), ter emissã o de sêmen (Lv
22.4), ter lepra [201] (Lv 13-14) ou dar filho à luz (Lv 12.2). A
diversidade de maneiras de se tornar impuro, tinha paralelo na
diversidade das purificaçõ es, à s quais podiam ser por aspersã o de
á gua misturada à s cinzas de uma novilha queimada (Nm 19), pela
lavagem do corpo e das vestes (Lv 11.40; 15.5-11; Nm 19.8); por
meio do sangue e de certos artefatos ou iguarias (Lv 12.8; 14.5,6),
por meio do fogo (Nm 31.22,23) e pelo aguardo de um tempo
específico para o cancelamento da impureza (Lv 11.24; Nm 19.11).
[202]
Diante dessa exposiçã o, nã o é possível ignorar o fato de que os
sacrifícios e ritos do culto israelita afirmavam agir em funçã o de
promover “pureza de pecados”, dando a impressã o de que, além de
purificar as pessoas de modo ritual diante de Deus, promoviam
salvaçã o da condenaçã o por causa dos pecados: “Assim, fará
expiaçã o pelo santuá rio por causa das impurezas dos filhos de
Israel, e das suas transgressões, e de todos os seus pecados . Da mesma
sorte, fará pela tenda da congregaçã o, que está com eles no meio das
suas impurezas” (Lv 16.16). Entretanto, o Novo Testamento revela
que os pecados cometidos antes de Cristo pelos homens que foram
“justificados” foram deixados sem puniçã o até que Deus os punisse
em Cristo, confirmando que nã o há perdã o de pecados por meio do
sacrifício de animais:
 
Sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propô s, no seu sangue, como

propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos (Rm

3.24,25 – destaque meu).

 
Outra coisa que merece destaque é que a purificaçã o ritual era uma
exigência a Israel como um todo, de modo que era realizada mesmo
por pessoas que desconheciam a salvaçã o espiritual e que nunca
poderiam entrar na lista de homens que, nos dias do Antigo
Testamento, foram justificados por fé (Hb 11).
 
3. Salvação espiritual
 
“Salvação espiritual” não é um termo que faz jus ao efeito pleno da salvação de pecados, visto que, no que crê, há salvação do seu corpo e da sua alma.

Entretanto, a expressão serve para diferenciar seu conceito da preservação física e da purificação ritual, além de evidenciar sua abrangência espiritual. Além

disso, essa é a salvação cujos efeitos se darão pela eternidade.

Apesar da importâ ncia do assunto, dentro da revelaçã o progressiva


ele é esboçado no Antigo Testamento, mas nã o é desenvolvido com
clareza.
 
Nunca é dito diretamente que o Senhor é o Redentor do pecado. Esse é um conceito do Novo Testamento que, embora tenha raiz em ideias

teoló gicas do Antigo Testamento, como sacrifício e expiação, não pode ser legitimamente traçado até a noção de redenção no Antigo Testamento.

[203]
 
Isso, é claro, nã o impediu que os servos de Deus do passado
tivessem na fé e na obra redentora do Messias seu meio de
justificaçã o e a provisã o para tanto, respectivamente. Entretanto, a
mensagem da salvaçã o e seus desdobramentos eternos seriam
incompletos caso tivéssemos em mã os apenas o Antigo Testamento.
Tal visã o nos leva a uma necessá ria aná lise – à s vezes, à luz do Novo
Testamento – da colaboraçã o do Antigo para a formaçã o da doutrina
em questã o, além da observaçã o das características dos verdadeiros
homens de Deus do passado.
Um exemplo é Davi. Muito mais que a maioria das pessoas do seu
tempo, ele sabia o que era ser salvo por Deus no sentido de ser
preservado da morte. Seus inimigos o queriam morto e acreditavam
que Deus nã o impediria seu triste fim, de modo que declara: “ São muitos os
que dizem de mim: Não há em Deus salvação para ele”
(Sl 3.2 – destaque meu).
Em vista disso, Davi afirma sua esperança em Deus de ser poupado
da morte que se acercava dele: “Do Senhor é a salvação , e sobre o teu povo, a tua bênção” (Sl 3.8 –
destaque meu). Quando seus inimigos estavam perto de dizer
“prevaleci contra ele” (Sl 13.4), Davi declara ao Senhor: “Confio na
tua graça; regozije-se o meu coraçã o na tua salvação ” (Sl 13.5 – destaque
meu). No Salmo 18 que, conforme diz seu título, foi escrito “ no dia em que o
Senhor o livrou de todos os seus inimigos e das mãos de Saul”, ele exalta o caráter protetor de Deus
: “ O Senhor é a minha rocha, a minha cidadela, o meu
libertador; o meu Deus, o meu rochedo em que me refugio; o meu escudo, a força da minha salvação , o meu baluarte. Invoco o Senhor, digno de ser louvado,

” (Sl 18.2,3).
e serei salvo dos meus inimigos

Essa salvaçã o temporal, ou seja, a preservaçã o da morte e a


libertaçã o do servo das mã os assassinas dos inimigos, parece deixar
de ser o enfoque principal da ideia de salvaçã o quando Davi escreve
o Salmo 51. O contexto desse salmo é o pecado de adultério do rei
com Bate-Seba, seguido da trama que levou o marido dela à morte
na frente de batalha (2Sm 11). Diante da repreensã o por parte do
profeta Natã (2Sm 12.1-15), Davi se arrepende e escreve o salmo.
Junto ao pedido de perdã o, o rei contrasta a salvaçã o do Senhor nã o
como algo contrá rio à morte, mas contrá rio ao pecado, significando
“perdã o” e “justificaçã o”. Quando pede por restituiçã o, nã o pede por
segurança, mas por uma “consciência limpa e tranquila”, ou seja,
“paz com Deus”.
 
Restitui-me a alegria da tua salvação  e sustenta-me com um espírito voluntário. Então, ensinarei aos transgressores os teus caminhos, e os

pecadores se converterão a ti. Livra-me dos crimes de sangue , ó Deus, Deus da minha salvação , e a minha língua exaltará a tua justiça” (Sl 51.12-

14 – destaque meu).

 
Isaías perece exibir o mesmo conceito ao se referir à sua funçã o
profética como anunciador da salvaçã o divina e futura restauraçã o
de Israel. Apesar de Isaías ter vivido em Judá (reino do Sul) em
tempos de ameaças militares vindas da Síria e de Israel (reino do
Norte), ao falar do seu ofício profético, associa a salvaçã o que
recebeu de Deus com a “justiça” com a qual o Senhor o envolveu e
com a conversã o futura das naçõ es. Com isso, a salvaçã o que tem em
mente é mais ampla que o livramento militar que Deus realmente
promoveu nos seus dias.
 
Regozijar-me-ei muito no Senhor, a minha alma se alegra no meu Deus; porque me cobriu de vestes de salvação e me envolveu com o manto de justiça

, como noivo que se adorna de turbante, como noiva que se enfeita com as suas joias. Porque, como a terra produz os seus renovos, e como o jardim

faz brotar o que nele se semeia, assim o Senhor Deus fará brotar a justiça e o louvor perante todas as nações . (Is 61.10,11).
[204]
 
Isaías faz a mesma associaçã o outras vezes, introduzindo-as como
bênçã os de natureza permanente e mundial, como em 51.5-8. Ao
falar da aplicaçã o da salvaçã o a Israel, ele a qualifica como “salvaçã o
eterna”, cujo benefício é sentido “em toda a eternidade” (Is 45.17).
Apesar de o texto seguinte demonstrar que a intençã o de Deus é
fazer isso restaurando Israel à terra que lhe deu, o cará ter
permanente dessa atuaçã o pressupõ e nã o só restauraçã o plena da
posse da terra, como também a plena restauraçã o da comunhã o com
Deus.
O processo de aplicaçã o da salvaçã o espiritual também é um assunto
vislumbrado no Antigo Testamento na forma da promessa da
restauraçã o de Israel. Ezequiel, prevendo-a, diz:
 
Então, aspergirei água pura sobre vó s, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei.  Dar-vos-ei

coração novo e porei dentro de vó s espírito novo; tirarei de vó s o coração de pedra e vos darei coração de carne.  Porei dentro de vó s o meu Espírito

e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis (Ez 36.25-27).

 
Em primeiro lugar, a figura da aspersã o com á gua para purificaçã o,
apesar de utilizar a linguagem concernente à purificaçã o ritual,
aponta para o perdã o dos pecados dos israelitas no contexto da sua
futura conversã o de ordem nacional descrita pela ideia da troca do
coraçã o insensível à direçã o do Senhor por um que lhe seja
favorá vel. Isso, obviamente, envolve a ideia da regeneraçã o, ou seja,
uma nova vida por meio da fé. Esse conceito já estava presente
desde a aliança feita entre Deus e Israel antes da invasã o de Canaã : “
Circuncidai, pois, o vosso coração e não mais endureçais a vossa cerviz”
(Dt 10.16).
 
A circuncisão do coração é uma mudança interior, nada menos que a regeneração. No sentido do chamado, podemos entender isso como a

necessidade da conversão de cada pessoa. Ser membro da comunidade visível da aliança, em si, não bastava para garantir a devoção e a salvação.

Era preciso uma experiência pessoal. Por isso, o Pentateuco vincula a circuncisão do coração ao arrependimento. É preciso que o “coração

incircunciso se humilhe” na confissão de pecados (Lv 26.41).


[205]
 
Diante desse fato, um novo relacionamento, em que a obediência e
submissã o a Deus marcará a disposiçã o dos convertidos, se dará em
meio à habitaçã o corporal do Espírito Santo nos servos (Ez 36.27).
Visto ser essa a realidade presente na igreja de Cristo (Ef 1.13),
percebemos que a salvaçã o nos dias do Antigo Testamento, apesar
de ter na “fé” a sua fonte (Hb 11), assim como nos dias do Novo, nã o
era semelhante no sentido da habitaçã o do Espírito.
A mesma percepçã o se tem diante da promessa de Cristo sobre o
envio do Consolador, mostrando ser isso um novo modo de Deus
agir com seu povo (Jo 14.16,26; 15.26; 16.7), e pela oraçã o de Davi
para que nã o se retirasse dele o Espírito de Deus (Is 51.11). O fato é
que, no Antigo Testamento, a habitaçã o do Espírito tinha outra
funçã o que nã o a de “selo” e “penhor” (Ef 1.13,14), agindo como
capacitaçã o para determinadas tarefas como ter habilidades para
construir o taberná culo (Ex 31.1-5) e reinar sobre Israel (1Sm 10.1-
10). Tal habitaçã o era temporá ria, durando enquanto cumprisse seu
propó sito.
O fato de o Espírito ter se retirado de Saul e ter sido ele atormentado
por um espírito maligno (1Sm 16.14), tanto aponta o cará ter nã o
permanente da habitaçã o do Espírito Santo no Antigo Testamento,
como o fato de que essa habitaçã o podia se dar mesmo em pessoas
nã o salvas, diferente do que ocorre no Novo Testamento, onde é
permanente e sinal da salvaçã o.
A vida eterna, resultado da salvaçã o espiritual por meio da fé,
também é um conceito nublado no Antigo Testamento. É certo que
havia a noçã o da vida apó s a morte. Entretanto, sobrepujava a ideia
da morte como fim da vida e nã o como início de outra. Assim, diz
Salomã o: “ Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças, porque no além, para onde tu vais, não há obra, nem projetos,
nem conhecimento, nem sabedoria alguma
” (Ec 9.10 – destaque meu). Essa visã o pessimista
da morte surge, também, nas palavras de Jó :
 
Porque há esperança para a árvore, pois, mesmo cortada, ainda se renovará, e não cessarão os seus rebentos. Se envelhecer na terra a sua raiz, e no

chão morrer o seu tronco, ao cheiro das águas brotará  e dará ramos como a planta nova. O homem, porém, morre e fica prostrado; expira o homem

e onde está? Como as águas do lago se evaporam, e o rio se esgota e seca, assim o homem se deita e não se levanta; enquanto existirem os céus, não

acordará, nem será despertado do seu sono. Que me encobrisses na sepultura e me ocultasses até que a tua ira se fosse, e me pusesses um prazo e

depois te lembrasses de mim! Morrendo o homem, porventura tornará a viver? Todos os dias da minha luta esperaria, até que eu fosse substituído

(Jó 14.7-14).
[206]
 
Esse modo pessimista de se referir à morte pode simplesmente
dever-se à uma forte expressã o de desalento e pesar por causa do
fim da vida. [207] Entretanto, essa noçã o da morte como fim de
tudo parece advir da compreensã o que o homem do mundo antigo
tinha da vida e da morte. Ralph Smith, tratando sobre o que é a
morte no Antigo Testamento, diz:
 
Harmut Gese observou que a mente antiga não compartilhava nosso conceito bioló gico de vida. Nó s dividimos o mundo na esfera sem vida dos

minerais e na esfera viva das plantas, animais e seres humanos. Para o Israel antigo, a vida estava mais viva que a nossa vida, e as coisas mortas

estavam mais mortas que as nossas coisas mortas. Para eles, a vida era sempre integral e saudável, e a pessoa muito doente já passara para o outro

mundo, a esfera em que a morte atua.


[208]
 
Por outro lado, alguns lampejos da ressurreiçã o e da vida eterna já
se notam na teologia do Antigo Testamento. Em primeiro lugar,
Isaías aponta para a ressurreiçã o de indivíduos, visto que em pessoa
ele se incluiu no evento, mostrando que nã o se trata de uma
referência à restauraçã o futura de Israel: “Os vossos mortos e
também o meu cadá ver viverã o e ressuscitarã o; despertai e exultai,
os que habitais no pó , porque o teu orvalho, ó Deus, será como o
orvalho de vida, e a terra dará à luz os seus mortos” (Is 26.19).
Daniel faz o mesmo e diz que a ressurreiçã o levantará tanto justos
como injustos. Entretanto, o destino deles é diferente: puniçã o para
uns e vida eterna para outros: “ Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e
outros para vergonha e horror eterno”
(Dn 12.2). Essa é primeira mençã o da expressã o
“vida eterna” no Antigo Testamento, apesar de outros autores
acolherem o conceito (Sl 16.11; 17.15; 73.23,24). [209]
Uma ú ltima dificuldade a ser mencionada é o “objeto da fé” no
Antigo Testamento. No Novo Testamento, o objeto da fé, ou seja, no
que deve ser crido é o Senhor Jesus, Deus encarnado e redentor, por
meio de sua obra na cruz, daqueles que, crendo, recebem
gratuitamente o perdã o dos pecados. Para corroborar ou elucidar
essa verdade, há uma série de textos (Ex.: Jo 3.16,36; 14.6; At 4.12;
Rm 10.9).
No Antigo Testamento nã o vemos diretrizes tã o nítidas assim. Aliá s,
sabemos claramente que a fé foi o meio de justificaçã o para os
servos de Deus do Antigo Testamento por meio das declaraçõ es do
Novo de que “ pela fé, os antigos obtiveram bom testemunho” (Hb 11.2), Abel (v. 3), Enoque (v.5), Noé
(v.7), Abraã o (vv.8-10,17-19), Sara (vv.11,12), Isaque (v.20), Jacó
(v.21), José (v.22), Moisés (vv.23-29) e outros (v.32ss).
Ainda que o Novo Testamento faça tantas afirmaçõ es das quais
dependem a nossa compreensã o do Antigo Testamento, uma
declaraçã o sobre Abraã o, no livro de Gênesis, é específica no sentido
de ligar a justificaçã o à fé. Quando o Senhor lhe garantiu uma
descendência numerosa por um meio humanamente impossível, diz
o texto: “ Ele creu no Senhor , e isso lhe foi imputado para justiça ” (Gn 15.6 – destaque meu). A
julgar pela descriçã o da fé de Abraã o, assim como a igreja, os santos
do Antigo Testamento criam em Deus, o que os levava também a
crer em suas promessas.
Desse modo, a salvaçã o tem seus alicerces bem fundamentados na
literatura bíblica antes de Jesus e dos apó stolos. Servem de base –
direta ou indiretamente – para a construçã o da soteriologia na era
cristã . Entretanto, nã o podem receber uma aná lise simplista, ou sob
a ó ptica do Novo Testamento, sem que se analise cuidadosamente o
contexto de cada uma dessas bases. Conclusõ es precipitadas nessa
á rea certamente levarã o a afirmaçõ es como “salvaçã o pelo
cumprimento da lei”, “perda de salvaçã o mediante o pecado” ou até
o “universalismo” – que significa salvaçã o para todos
indiscriminadamente.
 
_____________
 
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
 
1. Quais foram as primeiras açõ es divinas no propó sito de promover
salvaçã o a homens perdidos?
2. Como Abraã o se relaciona com a histó ria da salvaçã o?
3. Quem é o “servo sofredor” de Isaías 53 e qual sua participaçã o na
promoçã o da salvaçã o para pecadores?
4. Qual o papel dos sacrifícios prescritos na lei mosaica e sua
validade no processo de salvaçã o?
5. Como os homens eram salvos nos tempos do Antigo Testamento?
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo 7
 
A Comunhão
 
 
Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e andarei na tua verdade; dispõ e-me o coração para só temer o teu nome (Salmo 86.11).

 
 
o desejo divino de salvar o homem pecador da sua
O Antigo Testamento não enfatiza apenas

merecida condenaçã o, mas revela, também, o desejo de manter


relacionamento com o homem. Entretanto, o modo como isso
transparece no Antigo Testamento nã o se compara ao modo claro
com que o Novo trata a questã o (Ex.: Jo 17.21; 1Co 1.9; 1Jo 1.3).
O Antigo Testamento traz esse conceito de comunhã o ou uniã o
pessoal normalmente entre homens (Jz 20.11). Esse senso de
associaçã o e uniã o muita vezes surge ao indicar companheiros
unidos para o bem (Sl 119.63; Ec 4.10; Ml 2.14), ou para o mal (Jó
34.8; Is 1.23; Os 6.9). Porém, nã o há ênfase, como no Novo
Testamento, na comunhã o entre o homem criado e seu criador.
Apesar disso, um relacionamento em particular chama atençã o. Por
meio do profeta Isaías, o Senhor se refere a Abraã o, chamando-lhe
“amigo”: “Mas tu, ó Israel, servo meu, tu, Jacó , a quem elegi,
descendente de Abraão, meu amigo ” (Is 41.8 – destaque meu – ver
também 2Cr 20.7 e Tg 2.23). [210] A palavra utilizada por Deus
significa literalmente, “meu amado”. Em contrapartida, os servos de
Deus têm o mesmo tipo de ligaçã o amorosa com ele e sã o chamados
de “vó s que amais o Senhor” (Sl 97.10).
Por outro lado, vemos o pecado como um agente de interferência no
relacionamento entre Deus e os homens: “Eis que a mã o do Senhor
nã o está encolhida, para que nã o possa salvar; nem surdo o seu
ouvido, para nã o poder ouvir. Mas as vossas iniquidades fazem
separaçã o entre vó s e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o
seu rosto de vós , para que vos nã o ouça (Is 59.1,2 – destaque meu).
Esse texto nã o revela problemas de surdez no Senhor, mas a quebra
do bom relacionamento mediante a reprovaçã o divina do estilo
pecaminoso de vida: “O SENHOR VIU ISSO E DESAPROVOU O NÃ O
HAVER JUSTIÇA” (IS 59.15B). O DISPARATE ENTRE A
SANTIDADE DO SENHOR E O DESPREZO HUMANO DA
NECESSIDADE DE SANTIFICAÇÃ O INTERFERE NA COMUNHÃ O
ENTRE ELES. AFINAL, “ANDARÃ O DOIS JUNTOS, SE NÃ O HOUVER
ENTRE ELES ACORDO?” (AM 3.3).
 
ANDAR COM DEUS
 
ESSA LINGUAGEM USADA POR AMÓ S APARECE CEDO NAS
ESCRITURAS PARA REPRESENTAR A COMUNHÃ O ENTRE O
CRIADOR SANTO E A CRIATURA REDIMIDA: “ ANDOU ENOQUE
COM DEUS ; E, DEPOIS QUE GEROU A METUSALÉ M, VIVEU
TREZENTOS ANOS; E TEVE FILHOS E FILHAS. TODOS OS DIAS DE
ENOQUE FORAM TREZENTOS E SESSENTA E CINCO ANOS. 
ANDOU ENOQUE COM DEUS E JÁ NÃ O ERA, PORQUE DEUS O
TOMOU PARA SI” (GN 5.22-24 – DESTAQUE MEU). ESSA
PRIMEIRA DESCRIÇÃ O DE “ANDAR COM DEUS” OFERECE POUCOS
ELEMENTOS PARA UMA COMPREENSÃ O DETALHADA. NÃ O HÁ
REGISTROS DA VIDA DE ENOQUE PARA QUE SE POSSA OBSERVAR
QUE ATITUDES DE SUA PARTE JUSTIFICARAM A EXPRESSÃ O QUE
DEFINIU SUA VIDA DIANTE DE DEUS. DE QUALQUER MODO, FICA
NÍTIDA A IDENTIFICAÇÃ O ENTRE O SERVO E O SENHOR.
 
“ANDOU COM DEUS” É METAFÓ RICO E INDICA QUE ENOQUE TINHA UM ESTILO DE VIDA CARACTERIZADO POR SUA DEVOÇÃ O A DEUS. O SENTIDO DE

“ANDAR” ( HALAK ) NESSE GRAU VERBAL


[211] INDICA COMUNHÃ O OU INTIMIDADE COM DEUS. É UMA REMINISCÊ NCIA DA

EXPERIÊ NCIA INICIAL DE ADÃ O (3.8) E É A MESMA FRASEOLOGIA QUE TIPIFICA NOÉ , QUE É LEMBRADO POR SUA BOA REPUTAÇÃ O (6.9).

[212]
 
APESAR DA POUCA INFORMAÇÃ O, A ESTRUTURA DE GÊ NESIS 5
PODE DIZER UM POUCO MAIS QUE ISSO. O CAPÍTULO TODO
PARECE SE PRESTAR A PROVAR QUE DEUS, E NÃ O O DIABO,
TINHA RAZÃ O AO DIZERN “NO DIA EM QUE DELA COMERES,
CERTAMENTE MORRERÁ S” (GN 2.17B). ISSO PORQUE GÊ NESIS
5 É UMA ODE À MORTE. A DESCENDÊ NCIA DE SETE VIVE, TEM
FILHOS E FILHAS, E “MORRE”. ESSA TRISTE REALIDADE
ADVINDA DA QUEDA É EXPRESSA EM UMA ESTRUTURA
MONÓ TONA QUE CONTÉ M TRÊ S COMPONENTES:
 
COMPONENTE 1: PESSOA A VIVEU X ANOS E GEROU PESSOA
B . 
COMPONENTE 2: DEPOIS QUE GEROU PESSOA B , PESSOA A
VIVEU Y ANOS, E TEVE FILHOS E FILHAS. 
COMPONENTE 3: TODOS OS DIAS DE PESSOA A FORAM X +
Y ANOS; “E MORREU”. [213]
 
A EXCEÇÃ O DENTRO DO CAPÍTULO É O CASO DE ENOQUE, JÁ
QUE, EM LUGAR DE DIZER QUE ELE “VIVEU SESSENTA E CINCO
ANOS” E GEROU METUSALÉ M, DIZ QUE ELE “ANDOU COM
DEUS”. CONTUDO, A DIFERENÇA MARCANTE SE DÁ NO FINAL
COM A AUSÊ NCIA DE “E MORREU” PARA DIZER: “ANDOU
ENOQUE COM DEUS E JÁ NÃ O ERA, PORQUE DEUS O TOMOU
PARA SI”. NÃ O BASTOU AO TEXTO INFORMAR O
RELACIONAMENTO DE ENOQUE COM DEUS – AO QUAL O AUTOR
DE HEBREUS, CONFORME TAMBÉ M O FAZ A SEPTUAGINTA, DIZ
TER ENOQUE “AGRADADO A DEUS” (HB 11.5). O TEXTO
FRISOU O FATO DE ENOQUE TER SIDO TOMADO POR DEUS SEM
SER ACOMETIDO PELA MORTE.
É CERTO QUE NEM TODOS OS SERVOS DE DEUS FORAM
TRASLADADOS – NA VERDADE, FORAM SOMENTE DOIS. ESSE FOI
UM CASO ESPECIAL NO QUAL PODEMOS SUPOR QUE DEUS TINHA
UM PROPÓ SITO BEM DEFINIDO. DIANTE DA LISTA DE MORTE DE
GÊ NESIS 5, A IDEIA FORMADA PELO BREVE RELATO DO
ARREBATAMENTO DE ENOQUE PARECE TRANSMITIR QUE,
APESAR DO PECADO E DOS SEUS EFEITOS, “ANDAR COM DEUS” É
SEGUIR O SENTIDO OPOSTO DA REBELDIA QUE GEROU A MORTE
POR CONSEQUÊ NCIA. [214]
FELIZMENTE, A PROGRESSIVIDADE DA REVELAÇÃ O FEZ COM
QUE O CONCEITO DE “ANDAR COM DEUS” PASSASSE A SER
DEFINIDO EM QUALIDADES CLARAS NOS SERVOS DE DEUS QUE
EXPERIMENTARAM TAL REALIDADE. VÊ -SE UM AVANÇO LOGO A
SEGUIR, NA PESSOA DE NOÉ , ATRELANDO O CONCEITO À
JUSTIÇA E À INTEGRIDADE: “EIS A HISTÓ RIA DE NOÉ . NOÉ ERA
HOMEM JUSTO E ÍNTEGRO ENTRE OS SEUS CONTEMPORÂ NEOS;
NOÉ ANDAVA COM DEUS (GN 6.9 – DESTAQUE MEU). SIGNIFICA
QUE NOÉ DESPONTAVA COMO O MELHOR ELEMENTO DE UMA
GERAÇÃ O MÁ , UM HOMEM DE DEUS NOTAVELMENTE
COMPLETO. [215]
ISSO NÃ O TORNOU NOÉ MERECEDOR DE RECOMPENSAS DIVINAS
(GN 6.8), MAS O TORNOU UM HOMEM CUJA VIDA ERA
FUNDAMENTALMENTE DIFERENTE DAQUELA QUE DEUS
REPROVOU NA SOCIEDADE DOS SEUS DIAS QUE TROUXE A ELES
O JUÍZO EM FORMA DE DILÚ VIO. PARA SE TER UMA IDEIA DO
MODO DE VIVER DA NOÉ PERANTE O SENHOR, AS PALAVRAS
QUE O QUALIFICAM ESTÃ O TAMBÉ M PRESENTES NO LIVRO DE
PROVÉ RBIOS, MOSTRANDO SEU EFEITO PRÁ TICO: “A JUSTIÇA DO
ÍNTEGRO ENDIREITA O SEU CAMINHO ” (PV 11.5 – DESTAQUE
MEU). PARA OSEIAS, A CONCLUSÃ O NATURAL ERA QUE “OS
CAMINHOS DO SENHOR SÃ O RETOS, E OS JUSTOS ANDARÃO
NELES (OS 14.9 – DESTAQUE MEU). PODEMOS VER, COMO
CONSEQUÊ NCIA, O DESPONTAR DA “SANTIFICAÇÃ O” QUE UNE E
IDENTIFICA OS SERVOS DE DEUS COM SEU SENHOR.
 
NO ANTIGO TESTAMENTO, DEUS ESTABELECEU UM VÍNCULO ENTRE SUA SANTIDADE E A SANTIDADE DE SEU POVO. O PLANO DE REDENÇÃ O TEM

COMO ALVO DESFAZER O ESTRAGO DA QUEDA E RENOVAR A IMAGEM DE DEUS NO SER HUMANO. NATURALMENTE, ISTO INSINUA QUE O POVO

ESCOLHIDO E REDIMIDO SERÁ TRANSFORMADO E SEPARADO PARA, NOVAMENTE, REFLETIR ESSA IMAGEM. QUANDO DEUS EXIGE SANTIDADE DO SEU

POVO ESTA É A RAZÃ O: “... SANTOS SEREIS, PORQUE EU, O SENHOR, VOSSO DEUS, SOU SANTO. [...] EU SOU O SENHOR, VOSSO DEUS” (LV 19.2,4).

[216]
 
A MESMA PALAVRA HEBRAICA QUE DEFINE A “INTEGRIDADE”
DE NOÉ É UTILIZADA POR DEUS PARA CHAMAR ABRAÃ O A SER
ALGUÉ M “PERFEITO”: “EU SOU O DEUS TODO-PODEROSO;
ANDA NA MINHA PRESENÇA E SÊ PERFEITO (GN 17.1B –
DESTAQUE MEU). A COMPARAÇÃ O DESSES DOIS TEXTOS COM O
DE NOÉ EVIDENCIA QUE TAL PERFEIÇÃ O NÃ O SIGNIFICA
AUSÊ NCIA DE FALHAS, MAS UM PROCEDIMENTO CORRETO E
VERDADEIRO, INGREDIENTE EXIGIDO NA COMUNHÃ O COM O
SENHOR.
A AMIZADE ENTRE DEUS E ABRAÃ O SE DEVEU, ALÉ M DA GRAÇA
DE DEUS, À RESPOSTA POSITIVA DE ABRAÃ O A ESTE CHAMADO
DIVINO, DE MODO A, NO FUTURO, TER PODIDO SE REFERIR AO
SENHOR CHAMANDO-LHE “O SENHOR, EM CUJA PRESENÇA EU
ANDO ” (GN 24.40 – DESTAQUE MEU). ESSA MESMA RETIDÃ O
FOI IMITADA POR ISAQUE DE TAL MODO QUE JACÓ SE REFERE
AOS DOIS COM RELAÇÃ O AO SEU PROCEDIMENTO DIANTE DO
SENHOR: “E ABENÇOOU A JOSÉ , DIZENDO: O DEUS EM CUJA
PRESENÇA ANDARAM MEUS PAIS ABRAÃO E ISAQUE (GN 48.15 –
DESTAQUE MEU).
A JUSTIÇA, RETIDÃ O, INTEGRIDADE E PERFEIÇÃ O, COMO
CARACTERÍSTICAS DE “ANDAR COM DEUS”, RECEBEM O
ACRÉ SCIMO DE OUTRAS QUALIDADES A PARTIR DA SAÍDA DOS
ISRAELITAS DO EGITO, POR MEIO DA CONDUÇÃ O DE MOISÉ S:
“ENTÃ O, DISSE O SENHOR A MOISÉ S: EIS QUE VOS FAREI
CHOVER DO CÉ U PÃ O, E O POVO SAIRÁ E COLHERÁ
DIARIAMENTE A PORÇÃO PARA CADA DIA , PARA QUE EU PONHA
À PROVA SE ANDA NA MINHA LEI OU NÃO (EX 16.4 – DESTAQUE
MEU). O TEXTO EM QUESTÃ O VISLUMBRA A NECESSIDADE DE
PROVISÃ O QUE O POVO DE ISRAEL PASSOU A TER NO DESERTO
(EX 16.1-3). VISLUMBRA TAMBÉ M A NECESSIDADE DE FÉ , POR
PARTE DOS ISRAELITAS, NA CAPACIDADE DE DEUS DE SUSTER O
POVO ELEITO QUE LIBERTOU DO EGITO. [217]
DIANTE DA NECESSIDADE, DEUS PASSOU A ENVIAR DO CÉ U O
MANÁ , UM TIPO DE SEMENTE COMO “DE COENTRO, BRANCO E
DE SABOR COMO BOLOS DE MEL” (EX 16.31). DIANTE DA
INFERTILIDADE DO LOCAL EM QUE OS ISRAELITAS ESTAVAM, O
PRIMEIRO IMPULSO DIANTE DE UM POUCO DE SUPRIMENTO ERA
APANHAR E ESTOCAR O MÁ XIMO POSSÍVEL, PREVENDO O
PRÓ XIMO ESTADO DE NECESSIDADE. CONTUDO, SEGUNDO A
ORIENTAÇÃ O DIVINA, ELES NÃ O DEVERIAM AGIR ASSIM. EM
LUGAR DISSO, TINHAM DE “ANDAR NA LEI DE DEUS” E COLHER
APENAS O QUE FOSSE NECESSÁ RIO PARA A ALIMENTAÇÃ O DA
FAMÍLIA NAQUELE DIA. O PRÓ XIMO DIA SERIA SUPRIDO POR
UMA NOVA COLHEITA DO MANÁ .
ISSO ACONTECERIA DIARIAMENTE, COM EXCEÇÃ O DO DIA
ANTERIOR AO SÁ BADO, QUANDO RECOLHIAM O DOBRO, POIS, NO
SÁ BADO, NÃ O HAVERIA MANÁ : “EIS O QUE O SENHOR VOS
ORDENOU: COLHEI DISSO CADA UM SEGUNDO O QUE PODE
COMER, UM GÔ MER POR CABEÇA, SEGUNDO O NÚ MERO DE
VOSSAS PESSOAS; CADA UM TOMARÁ PARA OS QUE SE ACHAREM
NA SUA TENDA” (EX 16.16).
DIANTE DESSA ORDEM E DO PANORAMA DESÉ RTICO AO REDOR,
“ANDAR NA LEI DE DEUS” ENVOLVIA DUAS COISAS: A PRIMEIRA
ERA “OBEDIÊ NCIA” E A SEGUNDA, “CONFIANÇA”. ESSA ERA UMA
PROVA DADA POR DEUS PARA AVALIAR O MODO COMO O POVO
ANDAVA DIANTE DAS SUAS ORDENS (EX 16.4), COMPARADA À
POSTURA PRETENDIDA POR JESUS NA ORAÇÃ O QUE ENSINOU
AOS SEUS DISCÍPULOS, NA QUAL A DEPENDÊ NCIA DIÁ RIA ERA
ENFATIZADA – “O PÃ O NOSSO DE CADA DIA DÁ -NOS HOJE” (MT
6.11). [218]
ESSES DOIS FATORES SÃ O UNIDOS MAIS DE UMA VEZ PARA
DESCREVER O MODO DE ANDAR DESEJADO PELO SENHOR: “
ANDAREIS EM TODO O CAMINHO QUE VOS MANDA O SENHOR ,
VOSSO DEUS, PARA QUE VIVAIS, BEM VOS SUCEDA, E
PROLONGUEIS OS DIAS NA TERRA QUE HAVEIS DE POSSUIR ” (DT
5.33 – DESTAQUE MEU). A CONFIANÇA NO CUMPRIMENTO DA
PROMESSA DE LONGEVIDADE NA TERRA PRESSUPUNHA O
ACOLHIMENTO DA LEI DA ALIANÇA MOSAICA.
AINDA COMO PROVA DO AMOR DE ISRAEL, DEUS PEDE QUE
ELES “ANDEM APÓ S O SENHOR” EM MAIS UMA SITUAÇÃ O
EXTRAORDINÁ RIA QUE ERA O SURGIMENTO DE FALSOS
PROFETAS CUJOS SINAIS PROFÉ TICOS HOUVESSE SIDO
COMPROVADOS, MAS CUJA MENSAGEM FOSSE DE REBELDIA
CONTRA DEUS (DT 13.1,2). NEM MESMO A DEMONSTRAÇÃ O
DE PRODÍGIOS DEVERIA DISTANCIAR O POVO DO SEU DEUS.
TAIS SITUAÇÕ ES DEVERIAM SER RECONHECIDAS COMO UMA
PROVA DE DEUS PARA VERIFICAR O AMOR DOS ISRAELITAS POR
ELE (DT 13.3). ASSIM, O PROCEDIMENTO A SER ADOTADO ERA:
 
ANDAREIS APÓS O SENHOR , VOSSO DEUS, E A ELE TEMEREIS; GUARDAREIS OS SEUS MANDAMENTOS, OUVIREIS A SUA VOZ, A ELE SERVIREIS E A ELE

VOS ACHEGAREIS. ESSE PROFETA OU SONHADOR SERÁ MORTO, POIS PREGOU REBELDIA CONTRA O SENHOR, VOSSO DEUS, QUE VOS TIROU DA TERRA
DO EGITO E VOS RESGATOU DA CASA DA SERVIDÃ O, PARA VOS APARTAR DO CAMINHO QUE VOS ORDENOU O SENHOR, VOSSO DEUS, PARA ANDARDES

NELE . ASSIM, ELIMINARÁ S O MAL DO MEIO DE TI (DT 13.4,5 – DESTAQUE MEU).


[219]
 
A PRESENÇA DE UM FALSO PROFETA ERA UM RISCO CONSTANTE
PARA O POVO E UMA AFRONTA AO DEUS VERDADEIRO QUE
LIVROU ISRAEL DO EGITO. NESSE CASO, OS ISRAELITAS SÃ O
ORIENTADOS A “ANDAR APÓ S O SENHOR” DE MODO A
“ELIMINAR O MAL QUE ESTAVA NO MEIO DELES”. SOB TAL
VISÃ O, AQUELE QUE “ANDA COM DEUS” É , TAMBÉ M,
CARACTERIZADO PELA SEPARAÇÃ O DAQUILO QUE É MAU E
CORROMPIDO. ESSA BUSCA DE SEPARAÇÃ O DO QUE É INDIGNO
DO SENHOR SE CHAMA “SANTIFICAÇÃ O”: “O SENHOR TE
CONSTITUIRÁ PARA SI EM POVO SANTO , COMO TE TEM JURADO,
QUANDO GUARDARES OS MANDAMENTOS DO SENHOR, TEU
DEUS, E ANDARES NOS SEUS CAMINHOS (DT 28.9 – DESTAQUE
MEU).
O PROCEDER SANTIFICADOR DAQUELE QUE “ANDA COM DEUS”
NÃ O ATINGE SOMENTE ELE. COMO ALGUÉ M INTIMAMENTE
LIGADO AO SENHOR, ELE SE PRESTA A TRABALHAR TAMBÉ M
PELA SANTIFICAÇÃ O DE OUTROS. QUANDO DEUS SE
PRONUNCIOU CONTRA OS SACERDOTES INÍQUOS DOS DIAS DE
MALAQUIAS, ELE OS COMPAROU AOS SEUS PAIS LEVITAS
QUANDO COM ELES FEZ UMA ALIANÇA PARA O SERVIREM (CF.
NM 18). AO COMPARAR A ATUAÇÃ O DOS PRIMEIROS LEVITAS, A
QUEM SIMPLESMENTE CHAMA LEVI, DEUS MOSTRA A AÇÃ O
SANTIFICADORA QUE TIVERAM E O RESULTADO DESSA AÇÃ O: “A
VERDADEIRA INSTRUÇÃ O ESTEVE NA SUA BOCA, E A INJUSTIÇA
NÃ O SE ACHOU NOS SEUS LÁ BIOS; ANDOU COMIGO EM PAZ E EM
RETIDÃ O E DA INIQUIDADE APARTOU A MUITOS ” (ML 2.6).
[220]
MAIS UM TRAÇO IMPORTANTE DESSE RELACIONAMENTO COM
DEUS É A “FIDELIDADE”. ESSA É A QUALIDADE DE ALGUÉ M QUE
É CONFIÁ VEL E CONSTANTE. SUA LEALDADE ESTÁ SEMPRE
PRESENTE A FIM DE PRESERVAR O RELACIONAMENTO. A
VERDADE É O QUE SAI DA BOCA DO HOMEM FIEL. A FIRMEZA É
PERCEBIDA NAS SUAS DECISÕ ES, MESMO DIANTE DAS
SITUAÇÕ ES DIFÍCEIS. DOIS REIS ISRAELITAS SÃ O DESCRITOS
COMO PESSOAS QUE “ANDARAM DIANTE DE DEUS COM
FIDELIDADE”: DAVI (1RS 3.6) E EZEQUIAS (2RS 20.2,3). EM
CONSEQUÊ NCIA DESSE MODO DE ANDAR, OUTRAS QUALIDADES
LHE SÃ O ATRIBUÍDAS: “JUSTIÇA”, “RETIDÃ O DE CORAÇÃ O”,
“INTEIREZA DE CORAÇÃ O” E FEITOS “RETOS” AOS OLHOS DE
DEUS.
POR FIM, “ANDAR COM DEUS” REQUER EXCLUSIVIDADE DO
SENHOR. O AMOR A ELE NÃ O PODE SER DIVIDIDO. A
ADORAÇÃ O, RESPEITO E GLORIFICAÇÃ O AO SEU NOME DEVEM
SER RENDIDOS SOMENTE A ELE. ASSIM COMO EM UM
CASAMENTO SANTO, NÃ O HÁ LUGAR PARA AMANTES. MESMO
QUE SEJA COMUM NA SOCIEDADE E ACEITÁ VEL PELOS HOMENS
UMA DEDICAÇÃ O PARCIAL A DEUS, “ANDAR COM ELE” SIGNIFICA
UM COMPROMETIMENTO INTEGRAL E CONSTANTE. POR ISSO,
OLHANDO PARA A GLÓ RIA E A OBRA DO MESSIAS, MIQUEIAS
DIZ: “PORQUE TODOS OS POVOS ANDAM, CADA UM EM NOME DO
SEU DEUS; MAS, QUANTO A NÓ S, ANDAREMOS EM O NOME DO
SENHOR, NOSSO DEUS, PARA TODO O SEMPRE ” (MQ 4.5).
“ANDAR COM DEUS” NÃ O É O Ú NICO MODO DE EXPRESSAR UM
BOM RELACIONAMENTO COM DEUS. FRASES COMO “RETOS AOS
OLHOS DO SENHOR” (EX 15.26; DT 6.18; 12.28; 13.18;
21.9) E “RETO PERANTE O SENHOR” (1RS 15.5,11; 22.43;
2RS 12.2) APRESENTAM AS CARACTERÍSTICAS PROPÍCIAS PARA
A COMUNHÃ O ENTRE DEUS E SEUS SERVOS E, POR ISSO, PODEM
SER EXPLORADAS EM UM ESTUDO SOBRE O CARÁ TER QUE O
SERVO DE DEUS DEVE PORTAR. CONTUDO, “ANDAR COM DEUS”
TRANSMITE TODA ESSA OBEDIÊ NCIA E BOM PROCEDIMENTO
JUNTO COM A NOÇÃ O DE QUE A LIGAÇÃ O ENTRE OS HOMENS
QUE SEGUEM A DEUS E SEU SENHOR NÃ O SE DÁ SOMENTE NAS
ATITUDES, MAS, TAMBÉ M, NO CORAÇÃ O.
 
ANDAR COM DEUS, ASSIM, INCORPORA VÁ RIAS IDEIAS
TEOLÓ GICAS. PRIMEIRO, AQUELE QUE ANDA COM DEUS É
UMA CRIATURA FEITA À SEMELHANÇA DE DEUS E LIGADA
AO CRIADOR EM UMA RELAÇÃ O PAI-FILHO. SEGUNDO,
ANDAR COM DEUS OCORREU DURANTE O REINADO DE
MORTE, TORNANDO O ANDAR UMA EXCEÇÃ O AO PADRÃ O
NORMAL DE VIVER E MORRER. ASSIM, SIMPLESMENTE
VIVER E MORRER É RETRATADO COMO ABAIXO DA NORMA
DE QUALIDADE. E, INVERSAMENTE, ANDAR COM DEUS É UM
PASSO ACIMA DO MERO VIVER. É A MANEIRA DE SUPERAR A
MALDIÇÃ O. TERCEIRO, O ANDAR É DESCRIÇÃ O DE UM
ESTILO DE VIDA, UM PADRÃ O DE VIDA COM CONTINUIDADE
E DURAÇÃ O. QUARTA, ESSE ANDAR, OU MODO DE VIDA, É
PROPOSITAL PARA SER UMA LIÇÃ O PARA O POVO DE DEUS
NO FUTURO. [221]
 
POR ISSO, “ANDAR COM DEUS” DEVE SER O OBJETIVO DE TODOS
OS SERVOS DO SENHOR. AFINAL, “ANDARÃ O DOIS JUNTOS, SE
NÃ O HOUVER ENTRE ELES ACORDO?” (AM 3.3).
 
A LEI DO ANTIGO TESTAMENTO
 
FÉ , QUALIDADES MORAIS E PROCEDIMENTO JUSTO TAMBÉ M SÃ O
FATORES FUNDAMENTAIS PARA NUTRIR A COMUNHÃ O COM
DEUS NO NOVO TESTAMENTO. PORÉ M, O ANTIGO TEM UM
FATOR QUE LHE É EXCLUSIVO: A LEI. INDEPENDENTE DE
FUNÇÕ ES COMO EVIDENCIAR O PECADO E CONDUZIR O PECADOR
AO SALVADOR (RM 3.19,20; 7.7; GL 3.19,22), AVULTAR A
CULPA (RM 4.15; 5.20) E APONTAR PARA REALIDADES QUE
VIRIAM POR MEIO DE CRISTO (CL 2.16,17), A LEI TAMBÉ M
SERVIA PARA REGULAR O RELACIONAMENTO ENTRE A NAÇÃ O
DE ISRAEL E O DEUS DA ALIANÇA.
EM TERMOS DE RELACIONAMENTO NACIONAL COM SEU
SOBERANO, A ALIANÇA DE DEUS COM OS ISRAELITAS EXIGIA
UMA OBEDIÊ NCIA AMPLA A TODOS OS ESTATUTOS DA LEI,
PRESSUPONDO UMA POSTURA DE FÉ , AÇÃ O E DEDICAÇÃ O.
[222] NÃ O SE PODIA ESCOLHER O QUE SEGUIR OU O QUE
OBEDECER. A SUBMISSÃ O DEVIA SER PLENA, ASSIM COMO O
BOM RELACIONAMENTO COM DEUS DEVERIA SER O ALVO
MÁ XIMO. POR ISSO, DAVI, AO INSTRUIR SALOMÃ O, É TÃ O
ENFÁ TICO NA OBEDIÊ NCIA A TODA A LEI QUE REPETE A MESMA
ORDEM DE DIVERSAS FORMAS: “GUARDA OS PRECEITOS DO
SENHOR, TEU DEUS, PARA ANDARES NOS SEUS CAMINHOS , PARA
GUARDARES OS SEUS ESTATUTOS , E OS SEUS MANDAMENTOS , E
OS SEUS JUÍZOS , E OS SEUS TESTEMUNHOS , COMO ESTÁ ESCRITO
NA LEI DE MOISÉ S, PARA QUE PROSPERES EM TUDO QUANTO
FIZERES E POR ONDE QUER QUE FORES (1RS 2.3 – DESTAQUE
MEU).
COMO PROMOTORA DE RELACIONAMENTO COM DEUS,
RAPIDAMENTE A LEI SE MOSTROU INEFICAZ DEVIDO AO PECADO
E À REBELDIA HUMANA. EM PRIMEIRO LUGAR, OS RITOS
REALIZADOS POR PESSOAS ÍMPIAS CUMPRIAM CONDIÇÕ ES
LEGAIS, MAS NÃ O AGRADAVAM A DEUS: “O SACRIFÍCIO DOS
PERVERSOS É ABOMINÁ VEL AO SENHOR” (PV 15.8A). POR
OUTRO LADO, O TEMPO E A INDIFERENÇA DOS ISRAELITAS
FIZERAM COM QUE, NOS TRABALHOS PRESTADOS A DEUS NO
TABERNÁ CULO/TEMPLO, FOSSE IGNORADA A PRÓ PRIA
COMUNHÃ O COM DEUS. EM LUGAR DISSO, CADA VEZ MAIS OS
SACRIFÍCIOS E OFERTAS PASSARAM A SE PARECER COM AQUELES
DAS RELIGIÕ ES DE APAZIGUAMENTO, JÁ QUE ERAM REALIZADOS
POR MERA “DESINCUMBÊ NCIA”: “O FILHO HONRA O PAI, E O
SERVO, AO SEU SENHOR. SE EU SOU PAI, ONDE ESTÁ A MINHA
HONRA? E, SE EU SOU SENHOR, ONDE ESTÁ O RESPEITO PARA
COMIGO? — DIZ O SENHOR DOS EXÉ RCITOS A VÓ S OUTROS, Ó
SACERDOTES QUE DESPREZAIS O MEU NOME ” (ML 1.6 –
DESTAQUE MEU).
 
“NA TÔ RÁ , HÁ DUAS IDEIAS BÁ SICAS PREDOMINANTES NO TOCANTE AO SERVIÇO DO TABERNÁ CULO: SACRIFÍCIOS E PUREZA RITUAL. A TÔ RÁ

APRESENTA LEIS SOBRE DIFERENTES TIPOS DE SACRIFÍCIOS, SENDO QUE NEM TODOS SE REFEREM À EXPIAÇÃ O DE PECADOS. PARECE, ENTRETANTO,

QUE NOS SÉ CULOS POSTERIORES AO EXÍLIO BABILÔ NICO, A EXPIAÇÃ O PELOS PECADOS TORNOU-SE O PONTO CENTRAL DO SERVIÇO SACRIFICIAL. A

EXPIAÇÃ O PASSOU A SER CONSIDERADA A PRÓ PRIA RAZÃ O DE SER DO SERVIÇO DO TEMPLO.
[223]
 
CONTUDO, A LEI NÃ O É TÃ O INFÉ RTIL COMO PARECE NO
SENTIDO DE CRIAR COMUNHÃ O ENTRE DEUS E SEUS SERVOS.
ISSO NÃ O QUER DIZER QUE ALGUÉ M POSSA SER SALVO POR ELA,
NEM QUE HAJA CONTINUIDADE DOS ESTATUTOS DA LEI
MOSAICA DEPOIS DA OBRA DE CRISTO. O BENEFÍCIO VEM DOS
ENSINOS QUE ESTÃ O ALÉ M DOS ESTATUTOS. O APÓ STOLO
PAULO AJUDA A ACLARAR ESSA QUESTÃ O:
 
“PORQUANTO O QUE FORA IMPOSSÍVEL À LEI , NO QUE ESTAVA ENFERMA PELA CARNE, ISSO FEZ DEUS ENVIANDO O SEU PRÓ PRIO FILHO EM

SEMELHANÇA DE CARNE PECAMINOSA E NO TOCANTE AO PECADO; E, COM EFEITO, CONDENOU DEUS, NA CARNE, O PECADO, A FIM DE QUE O

PRECEITO DA LEI SE CUMPRISSE EM NÓS , QUE NÃ O ANDAMOS SEGUNDO A CARNE, MAS SEGUNDO O ESPÍRITO” (RM 8.3,4 – DESTAQUE MEU).

 
DEPOIS DE FALAR SOBRE “LIBERDADE DA LEI DO PECADO E DA
MORTE” (RM 8.2), PAULO DEMONSTRA SER ESSA UMA TAREFA
“IMPOSSÍVEL À LEI”, PELO QUE CRISTO TEVE DE ENCARNAR E
ASSUMIR SOBRE SI A CONDENAÇÃ O DO PECADO. AO FAZÊ -LO,
ALÉ M DE RETIRAR A CONDENAÇÃ O AOS QUE NELE ESTÃ O (RM
8.1), O “PRECEITO DA LEI SE CUMPRIU EM NÓ S”. CERTAMENTE,
ISSO NÃ O QUER DIZER QUE PASSAMOS A OBEDECER À LEI
MOSAICA. [224] FELIZMENTE, O CONTEXTO SUBSEQUENTE
EXPLICA O QUE ELE QUIS DIZER. ELE ANTEPÕ E “OS QUE SE
INCLINAM PARA A CARNE” COM OS QUE “SE INCLINAM PARA O
ESPÍRITO” (RM 8.5). AO FAZÊ -LO, DIZ QUE OS QUE SE
INCLINAM PARA A CARNE “NÃ O PODEM AGRADAR A DEUS” E
QUE SEU MODO DE VIVER GERA “INIMIZADE CONTRA DEUS”
(RM 8.6,7). SENDO ASSIM, OS QUE ESTÃ O NO ESPÍRITO
EXPERIMENTAM O CONTRÁ RIO.
TENDO O ANTIGO TESTAMENTO ASSENTADO AS BASES DO
MODO DE “ANDAR COM DEUS”, POR MEIO DE UM CARÁ TER
ÍNTEGRO, SUBMISSO E SANTIFICADO, O EFEITO DA OBRA DE
CRISTO DE FAZER CUMPRIR NOS SALVOS OS “PRECEITOS DA LEI”
EVIDENCIA NELES UM CARÁ TER TRANSFORMADO E NÃ O O
ASSENTIMENTO A REGRAS. SIGNIFICAVA MANTER A ATUAÇÃ O
DE FILHOS VERDADEIROS, OS QUAIS TINHAM DE IMITAR O MODO
DE AGIR DO PAI, O PRÓ PRIO DEUS. [225]
 
ELES [OS ISRAELITAS] DEVIAM SE CONSIDERAR COMO UM POVO SANTO – ISTO É , UM POVO SEPARADO POR YAHWEH –, MAS YAHWEH ERA UM DEUS

NÃ O APENAS INCOMPARAVELMENTE PODEROSO, MAS TAMBÉ M INCOMPARAVELMENTE RETO, MISERICORDIOSO E VERDADEIRO PARA COM SUA

PALAVRA FIEL. PORTANTO, HOMENS E MULHERES QUE ERAM SANTOS PARA ELE, SEPARADOS PARA ELE, DEVIAM REPRODUZIR ESSAS QUALIDADES EM

SUAS PRÓ PRIAS VIDAS E CONDUTAS.


[226]
 
ISSO ACONTECE PORQUE A LEI NÃ O CONTÉ M APENAS
ESTATUTOS LEGAIS, MAS, TAMBÉ M, “PRECEITOS JUSTOS”. ESSES
PRECEITOS SÃ O BASEADOS NA SANTIDADE E PERFEIÇÃ O DO
SENHOR E EXISTEM DESDE ANTES DA LEI SER DADA NO SINAI.
OS PRECEITOS JUSTOS, NA VERDADE, NÃ O DEPENDEM DA
INSTITUIÇÃ O DE UM CÓ DIGO LEGAL, MAS DA EXISTÊ NCIA DE
DEUS. ELES SÃ O JUSTOS AGORA, ERAM JUSTOS NOS DIAS DE
MOISÉ S E ERAM, TAMBÉ M, JUSTOS NOS DIAS DE ADÃ O.
PORTANTO, QUANDO A LEI FOI DADA POR MEIO DE MOISÉ S,
ESSA JUSTIÇA NÃ O FOI INSTITUÍDA. ELA SIMPLESMENTE
TRANSPARECEU POR MEIO DOS ESTATUTOS DA LEI.
A PRESENÇA DOS “JUSTOS PRECEITOS” NOS ESTATUTOS DA LEI
PODE SER UM FATOR DE MÁ COMPREENSÃ O PARA A IGREJA DOS
NOSSOS DIAS. PODE DAR A IMPRESSÃ O DE QUE A LEI NÃ O É UM
BLOCO Ú NICO, MAS UM CONJUNTO DE DIVERSAS LEIS COM
CARACTERÍSTICAS DIFERENTES, HAVENDO UMA PORÇÃ O DE LEI
MORAL E OUTRA PORÇÃ O DE LEIS CERIMONIAIS E SOCIAIS.
ASSIM SENDO, A IGREJA DEVERIA DEIXAR DE LADO AS LEIS
CERIMONIAIS E CUMPRIR A LEI MORAL, DE MODO QUE HAVERIA
UMA CONTINUIDADE DA LEI MESMO DEPOIS DA OBRA DE
CRISTO.
ESSE PENSAMENTO, CONTUDO, NÃ O É SANCIONADO PELO NOVO
TESTAMENTO, QUE DIZ: “QUANDO SE MUDA O SACERDÓ CIO
NECESSARIAMENTE HÁ TAMBÉ M MUDANÇA DE LEI” (HB 7.12),
E “QUANDO ELE DIZ NOVA [ALIANÇA], TORNA ANTIQUADA A
PRIMEIRA. ORA, AQUILO QUE SE TORNA ANTIQUADO E
ENVELHECIDO ESTÁ PRESTES A DESAPARECER” (HB 8.13).
ASSIM, NÃ O HÁ , NO TEMPO DA IGREJA CRISTÃ , A CONTINUIDADE
DA LEI MOSAICA. PORÉ M, ISSO NÃ O QUER DIZER QUE NÃ O HAJA
CONTINUIDADE DO “JUSTO PRECEITO” QUE SE FAZ VER NA LEI.
ESSE PRECEITO PERMANECE E DEVE SER SEGUIDO A FIM DE
ATENDER AO SENHOR, QUE DIZ: “SANTIFICAI-VOS E SEDE
SANTOS, POIS EU SOU O SENHOR, VOSSO DEUS” (LV 20.7) E
“PORQUE EU SOU SANTO” (1PE 1.16).
 
O ANTIGO TESTAMENTO NÃ O DIVIDE SUAS LEIS EM MORAIS, CIVIS E CERIMONIAIS. TODAS AS LEIS RECONHECEM O SENHORIO DE JAVÉ . TODAS AS LEIS

DO ANTIGO TESTAMENTO FORAM DADAS A UMA COMUNIDADE CULTURAL ESPECÍFICA. COMO JESUS É O CUMPRIMENTO DAS PROMESSAS FEITAS A

ISRAEL, TODAS AS LEIS DO ANTIGO TESTAMENTO TÊ M DE SER INTERPRETADAS PELA PERSPECTIVA DA PESSOA, DA OBRA E DO ENSINO DE CRISTO; E

TODAS PODEM SER INTRUSIVAS HOJE EM DIA PELOS PRINCÍPIOS QUE INCORPORAM (DESTAQUE MEU).
[227]
 
SE ISSO ÉVERDADE PARA A IGREJA DE HOJE, TANTO MAIS PARA
O POVO DA ALIANÇA. MESMO QUANDO TINHAM ESTATUTOS
LEGAIS A SEGUIR E OBEDECER, O “JUSTO PRECEITO” DA LEI
DEVERIA LEVÁ -LOS A “ANDAR COM DEUS” E TEREM COMUNHÃ O
COM ELE. NESSE ASPECTO, ASSIM QUE O SENHOR ENTROU EM
ALIANÇA COM OS ISRAELITAS NO SINAI (EX 19), TRATOU DE
LHES DAR ESTATUTOS (EX 20-24) CUJO CUMPRIMENTO
APONTAVA PARA A SANTIDADE E RETIDÃ O QUE O POVO DA
ALIANÇA DEVERIA PORTAR PARA SE RELACIONAR COM O DEUS
SANTO.
PODEMOS TOMAR, DE FORMA EXEMPLAR, O TEXTO DE Ê XODO
23.1-3: “NÃ O ESPALHARÁ S NOTÍCIAS FALSAS, NEM DARÁ S MÃ O
AO ÍMPIO, PARA SERES TESTEMUNHA MALDOSA. NÃ O SEGUIRÁ S
A MULTIDÃ O PARA FAZERES MAL; NEM DEPORÁ S, NUMA
DEMANDA, INCLINANDO-TE PARA A MAIORIA, PARA TORCER O
DIREITO. NEM COM O POBRE SERÁ S PARCIAL NA SUA
DEMANDA”. ATÉ UMA LEITURA RÁ PIDA DO TRECHO EM
QUESTÃ O FARÁ VER QUE NÃ O SE TRATA APENAS DE LEIS PARA
MEDIR A OBEDIÊ NCIA DO POVO, MAS REVELAÇÃ O DA PRÓ PRIA
JUSTIÇA DE DEUS. VÊ -SE O DESEJO DE DEUS DE QUE O HOMEM
SEJA VERDADEIRO E TENHA UMA PALAVRA CONFIÁ VEL, ALÉ M
DE NÃ O SE ASSOCIAR AOS PROPÓ SITOS E PRÁ TICAS DOS ÍMPIOS
(EX 23.6-9; LV 19.11,16; DT 16.19).
O TEXTO SEGUINTE ENCARECE A HONESTIDADE QUE SE DEVE
TER PARA COM AS PESSOAS E COM SEUS BENS, MESMO AS
PESSOAS COM QUEM NÃ O SE TINHA UM BOM RELACIONAMENTO:
“SE ENCONTRARES DESGARRADO O BOI DO TEU INIMIGO OU O
SEU JUMENTO, LHO RECONDUZIRÁ S. SE VIRES PROSTRADO
DEBAIXO DA SUA CARGA O JUMENTO DAQUELE QUE TE
ABORRECE, NÃ O O ABANDONARÁ S, MAS AJUDÁ -LO-Á S A ERGUÊ -
LO” (EX 23.4,5 – VER TAMBÉ M DT 22.1-4).
TAMBÉ M A VIDA É VALORIZADA NA LEI MOSAICA. O CONCEITO
DA PRESERVAÇÃ O DA VIDA E DA PUNIÇÃ O CAPITAL NOS CASOS
DE ASSASSINATO (GN 9.6) SURGE COMO ESTATUTO NA
COMUNIDADE ISRAELITA: “QUEM FERIR A OUTRO, DE MODO
QUE ESTE MORRA, TAMBÉ M SERÁ MORTO” (EX 21.12 – VER
TAMBÉ M LV 24.17; NM 35.16-24,30,31; DT 19.11-13).
PORÉ M, O SENHOR FEZ DIFERENÇA ENTRE O HOMICÍDIO
INTENCIONAL E O ACIDENTAL. PARA CASOS DE HOMICÍDIO
ACIDENTAL, DEUS CRIOU UMA MANEIRA DE PROTEGER DA
MORTE POR VINGANÇA O QUE SEM INTENÇÃ O MATOU ALGUÉ M:
“PORÉ M, SE NÃ O LHE ARMOU CILADAS, MAS DEUS LHE
PERMITIU CAÍSSE EM SUAS MÃ OS, ENTÃ O, TE DESIGNAREI UM
LUGAR PARA ONDE ELE FUGIRÁ ” (EX 21.13 – VER TAMBÉ M NM
35.11,22; DT 19.1-10).
A PRÓ PRIA VINGANÇA É PROIBIDA E, EM LUGAR DELA, O AMOR
É O SENTIMENTO QUE DEVERIA SER NUTRIDO, ALGO QUE O
PRÓ PRIO JESUS ENCARECEU: “NÃ O TE VINGARÁ S, NEM
GUARDARÁ S IRA CONTRA OS FILHOS DO TEU POVO; MAS
AMARÁ S O TEU PRÓ XIMO COMO A TI MESMO. EU SOU O
SENHOR” (LV 19.18). O FATO DE JESUS TER ASSOCIADO ESSE
ESTATUTO AO AMOR DEVIDO A DEUS E DIZER QUE DELES
“DEPENDEM TODA A LEI E OS PROFETAS” (MT 22.37-40), POR
SI SÓ DEMONSTRA O CARÁ TER SANTO DE DEUS QUE SE FAZ VER
POR MEIO DOS ESTATUTOS DA LEI MOSAICA.
É CERTO QUE NEM TODAS AS LEIS TRANSMITIAM COM TANTA
CLAREZA A RETIDÃ O E INTEGRIDADE QUE DEUS DESEJAVA VER
NOS SEUS SERVOS. CONTUDO, AINDA HOJE, EM TEMPOS NOS
QUAIS NÃ O ESTAMOS SUJEITOS À LEI, PODEMOS APRENDER
DELA SOBRE O CARÁ TER DE DEUS E SOBRE O “ANDAR” PURO
QUE DEVE SER O ALVO DOS QUE AMAM O SENHOR.
 
OS DEZ MANDAMENTOS
 
NO SENTIDO DE REVELAR O CARÁ TER SANTO E RETO DE DEUS E
DE EXPRESSAR AO HOMEM A JUSTIÇA QUE DEVE GUIAR SUA
VIDA, O “DECÁ LOGO” (EX 20.1-17) É UMA PARTE NOBRE DA
LEI, PRECEDENDO O “LIVRO DA ALIANÇA” (EX 20.22–23.33).
SUA FORMA PRIORIZA APRESENTAR PROIBIÇÕ ES, ISTO É ,
APARECEM NA FORMA NEGATIVA – OITO DOS DEZ
MANDAMENTOS [228] –, PROVAVELMENTE POR APONTAR
ONDE O RELACIONAMENTO COM DEUS ESTAVA SENDO
AFETADO.
CONTUDO, COMO LEI DE ESTATUTOS, SOFREU O MESMO EFEITO
QUE O RESTANTE DA LEI DEPOIS DA OBRA DE CRISTO. PAULO
CHEGA A ASSOCIAR O DECÁ LOGO – “GRAVADO COM LETRAS EM
PEDRA” – AO QUE ELE CHAMA DE “MINISTÉ RIO DA MORTE”
(2CO 3.7) E DE “MINISTÉ RIO DA CONDENAÇÃ O” (2CO 3.9),
AFIRMANDO QUE SUA GLÓ RIA NÃ O SE COMPARA AO
“MINISTÉ RIO DO ESPÍRITO” E DA “JUSTIÇA” (2CO 3.8,9).
ENTRETANTO, SE COMO ESTATUTO LEGAL, ELE, COM O
RESTANTE DA LEI, CONDENA O HOMEM, COMO EXEMPLO IDEAL
DE “PRECEITO JUSTO”, APROXIMA O SERVO DE DEUS,
JUSTIFICADO PELA FÉ , DA COMUNHÃ O E DA INTIMIDADE COM O
SENHOR.
O PRIMEIRO MANDAMENTO REVELA QUE DEUS É Ú NICO E QUE
QUER SER TRATADO COMO DEUS Ú NICO: “ENTÃ O, FALOU DEUS
TODAS ESTAS PALAVRAS: EU SOU O SENHOR, TEU DEUS, QUE TE
TIREI DA TERRA DO EGITO, DA CASA DA SERVIDÃ O. NÃ O TERÁ S
OUTROS DEUSES DIANTE DE MIM” (EX 20.1-3). ELE NÃ O FAZ
PARTE DE UM PANTEÃ O. NÃ O É O MAIORAL ENTRE MUITOS
DEUSES. ELE NÃ O É O MAIS DIGNO ENTRE MUITOS SERES
VENERÁ VEIS. ELE É O Ú NICO E, ASSIM SENDO, DEVE RECEBER
ADORAÇÃ O E HONRA EXCLUSIVAS.
NÃ O HÁ ESPAÇO PARA A VENERAÇÃ O DE OUTRAS ENTIDADES
COMO ANJOS, FORÇAS NATURAIS, SERES INTERCESSORES OU
GRANDES SERVOS DO PASSADO QUE JÁ MORRERAM. POR ISSO,
NO PASSADO DEUS NÃ O ACEITOU DIVIDIR A ADORAÇÃ O COM
BAAL (1RS 19.18; 22.54), ASTAROTE (JZ 2.13-15), BAAL-
PEOR (NM 25.3-5), MOLOQUE (LV 18.21), MILCOM (1RS
11.5,6), QUEMOS (1RS 11.7,33), OU UM POSTE-ÍDOLO (1RS
16.33), NEM QUANDO ELES ERAM VISTOS COMO SUBALTERNOS
DO SENHOR. PELA MESMA RAZÃ O, HOJE ELE NÃ O ACEITA
DIVIDIR SUA HONRA E VENERAÇÃ O COM PESSOAS QUE O
SERVIRAM NO PASSADO COMO CRIATURAS QUE ERAM (AT
14.12-15).
OS QUE PERTENCEM A DEUS DEVEM EMPREGAR A VIDA PARA
HONRAR UNICAMENTE O SEU CRIADOR, COM A MENTE
EXCLUSIVAMENTE LIGADA À SUA ADORAÇÃ O, [229] POIS ESSA
É SUA FUNÇÃ O: “POVO QUE FORMEI PARA MIM, PARA CELEBRAR
O MEU LOUVOR ” (IS 43.21 – DESTAQUE MEU). JESUS REFLETIU
O DESEJO DIVINO DE EXCLUSIVIDADE AO DIZER: “NINGUÉ M
PODE SERVIR A DOIS SENHORES; PORQUE OU HÁ DE
ABORRECER-SE DE UM E AMAR AO OUTRO, OU SE DEVOTARÁ A
UM E DESPREZARÁ AO OUTRO. NÃ O PODEIS SERVIR A DEUS E À S
RIQUEZAS” (MT 6.24).
O SEGUNDO MANDAMENTO TEM RELAÇÃ O COM O MODO QUE O
HOMEM CULTUA O SENHOR: “NÃ O FARÁ S PARA TI IMAGEM DE
ESCULTURA, NEM SEMELHANÇA ALGUMA DO QUE HÁ EM CIMA
NOS CÉ US, NEM EMBAIXO NA TERRA, NEM NAS Á GUAS DEBAIXO
DA TERRA. NÃ O AS ADORARÁ S, NEM LHES DARÁ S CULTO;
PORQUE EU SOU O SENHOR, TEU DEUS, DEUS ZELOSO, QUE
VISITO A INIQUIDADE DOS PAIS NOS FILHOS ATÉ À TERCEIRA E
QUARTA GERAÇÃ O DAQUELES QUE ME ABORRECEM E FAÇO
MISERICÓ RDIA ATÉ MIL GERAÇÕ ES DAQUELES QUE ME AMAM E
GUARDAM OS MEUS MANDAMENTOS” (EX 20.4-6). JÁ
TRATAMOS ESSE ASSUNTO NO CAPÍTULO SOBRE A CRIAÇÃ O
QUANDO DISSEMOS O QUE NÃ O SIGNIFICA A IMAGEM DE DEUS.
CONTUDO, PODEMOS ACRESCENTAR QUE ESSE MANDAMENTO É
UMA EXPRESSÃ O DO DESEJO DIVINO DE SER ADORADO
CORRETAMENTE, SEM QUE O MEIO DE CULTO O REDUZA, SEJA
POR MEIO DE IMAGENS QUE LHE IMPÕ E LIMITES (LV 26.1),
SEJA POR MEIO DA IDENTIFICAÇÃ O OU DA PRÁ TICA DOS CULTOS
DE FALSOS DEUSES (JS 23.6,7). VISTO QUE DEUS NÃ O SE
APRESENTOU SOB NENHUMA FORMA, NENHUMA FORMA
PODERIA RETRATÁ -LO (DT 4.15-19), JÁ QUE NENHUMA
SEMELHANÇA – INCLUINDO A FORMA HUMANA – SERIA
ADEQUADA E CADA TIPO DE REPRESENTAÇÃ O PRODUZIRIA UM
TIPO DIFERENTE DE FALSA COMPREENSÃ O DE DEUS. [230]
O TERCEIRO MANDAMENTO IMPEDIA QUE OS HOMENS
DESONESTOS ENCONTRASSEM NO NOME DE DEUS UM FIADOR
PARA SUA PALAVRA FALHA: “NÃ O TOMARÁ S O NOME DO
SENHOR, TEU DEUS, EM VÃ O, PORQUE O SENHOR NÃ O TERÁ
POR INOCENTE O QUE TOMAR O SEU NOME EM VÃ O” (EX 20.7).
A MÁ COMPREENSÃ O DESSE MANDAMENTO FEZ COM QUE, MAIS
TARDE, SE TORNASSE UMA PRÁ TICA JUDAICA A SUPRESSÃ O DO
NOME DE DEUS, DIZENDO-SE NO LUGAR “SENHOR” OU “O NOME
DO SENHOR”. O DESENVOLVIMENTO DE TAL COMPREENSÃ O FAZ
COM QUE ATÉ MESMO A PALAVRA “DEUS” SEJA EVITADA E,
COMO SE VÊ ATUALMENTE, SUBSTITUÍDA POR ALTERAÇÕ ES
FORÇADAS DE CARACTERES, COMO “D’US”.
REALMENTE, NÃ O É ESSE O RESULTADO DA OBEDIÊ NCIA AO
TERCEIRO MANDAMENTO, VISTO QUE O NOME DO SENHOR FOI
CONSTANTEMENTE UTILIZADO PELOS ESCRITORES DO ANTIGO
TESTAMENTO, COMO NA FREQUENTE FÓ RMULA: “ASSIM DIZ O
SENHOR”. [231] O QUE É TRADUZIDO POR SENHOR, NESSES
CASOS, NÃ O É A PALAVRA HEBRAICA “ADONAI” (SENHOR), MAS
O TETRAGRAMA, A PALAVRA “JAVÉ ”. NO CASO DOS PROFETAS
DE DEUS, USAR A FÓ RMULA “ASSIM DIZ O SENHOR” ANTES DE
PRONUNCIAR SUAS PALAVRAS, CONFERIA A ELAS NÃ O SÓ A
AUTORIA DIVINA, MAS TAMBÉ M A DEVIDA AUTORIDADE SOBRE
OS OUVINTES E A CREDIBILIDADE DO PROFETA. DESSE MODO,
NÃ O ERA PROIBIDO USAR O NOME DE DEUS, MAS USAR O NOME
DE DEUS “EM VÃ O”.
DIANTE DISSO, O SENTIDO QUE RECAI SOBRE ESSE
MANDAMENTO É O DESEJO DE DEUS DE NÃ O VER SEU NOME E
SUA DIGNIDADE USADA A FIM DE DAR CREDIBILIDADE A
DECLARAÇÕ ES HUMANAS FALSAS, OU A FALSOS JURAMENTOS.
JURAR NÃ O ERA UMA PRÁ TICA PROIBIDA NO ANTIGO
TESTAMENTO. DAVI DIZ QUE AQUELE QUE TEME O SENHOR
“JURA COM DANO PRÓ PRIO E NÃ O SE RETRATA” (SL 15.4). O
MOTIVO DE ELE NÃ O SE RETRATAR É PORQUE ELE NÃ O PRECISA
FAZÊ -LO, POIS NÃ O FALTA COM SUA PALAVRA.
OUTRO TIPO DE JURAMENTO FREQUENTEMENTE VISTO É A
FÓ RMULA “TÃ O CERTO COMO VIVE O SENHOR”, [232] COMO,
POR EXEMPLO, O FAZ O PROFETA MICAÍAS QUE, AO SER
CHAMADO À PRESENÇA DO REI ACABE, JUROU: “RESPONDEU
MICAÍAS: TÃO CERTO COMO VIVE O SENHOR , O QUE O SENHOR
ME DISSER, ISSO FALAREI” (1RS 22.14). ISSO É QUASE COMO
SE ELE DISSESSE “ JURO PELO NOME DO SENHOR , O QUE O
SENHOR ME DISSER, ISSO FALAREI”.
POR OUTRO LADO, DIZER ALGO DESSE TIPO SEM REPRESENTAR
A VERDADE OU SEM A INTENÇÃ O DE CUMPRIR O QUE FOI DITO,
ERA UM SÉ RIO PECADO: “NEM JURAREIS FALSO PELO MEU
NOME, POIS PROFANARÍEIS O NOME DO VOSSO DEUS . EU SOU O
SENHOR” (LV 19.12). A PALAVRA HEBRAICA TRADUZIDA
COMO “PROFANAR” TAMBÉ M TEM O SENTIDO DE POLUIR,
CONTAMINAR, VIOLAR A HONRA E TRATAR COMO SE FOSSE
ALGO COMUM. SE LEVÍTICO PREVIA A POSSIBILIDADE DE
ALGUÉ M FAZER UM FALSO JURAMENTO PELO NOME DO SENHOR,
JEREMIAS DETECTA ESSE PECADO NOS DIAS DE REINADO DO REI
JOSIAS. DEPOIS DE DIZER QUE NÃ O HAVIA JUSTOS NAS RUAS E
PRAÇAS DE JERUSALÉ M, ELE COMPLETA: “EMBORA DIGAM: TÃO
CERTO COMO VIVE O SENHOR , CERTAMENTE, JURAM FALSO ” (JR
5.2 – DESTAQUE MEU).
UM SÉ CULO ANTES, ISAÍAS DENUNCIOU O MESMO DESVIO:
“OUVI ISTO, CASA DE JACÓ , QUE VOS CHAMAIS PELO NOME DE
ISRAEL E SAÍSTES DA LINHAGEM DE JUDÁ , QUE JURAIS PELO
NOME DO SENHOR E CONFESSAIS O DEUS DE ISRAEL, MAS NÃO
EM VERDADE NEM EM JUSTIÇA ” (IS 48.1 – DESTAQUE MEU). O
PROFETA ZACARIAS ABORDA O ASSUNTO E ASSOCIA TAL
PECADO AO JUÍZO DE DEUS:
 
ENTÃ O, ME DISSE: ESTA É A MALDIÇÃ O QUE SAI PELA FACE DE TODA A TERRA, PORQUE QUALQUER QUE FURTAR SERÁ EXPULSO SEGUNDO A

MALDIÇÃ O, E QUALQUER QUE JURAR FALSAMENTE SERÁ EXPULSO TAMBÉ M SEGUNDO A MESMA. FÁ -LA-EI SAIR, DIZ O SENHOR DOS EXÉ RCITOS, E A

FAREI ENTRAR NA CASA DO LADRÃ O E NA CASA DO QUE JURAR FALSAMENTE PELO MEU NOME ; NELA, PERNOITARÁ E CONSUMIRÁ A SUA MADEIRA E

AS SUAS PEDRAS (ZC 5.3,4 – DESTAQUE MEU).

 
UMA SEGUNDA OCORRÊ NCIA DESSE PECADO ERA TENTAR SE
UTILIZAR DELE PARA OBTER VANTAGENS PESSOAIS POR MEIOS
SOBRENATURAIS LIGADOS AO NOME DE DEUS. COMO OS NOMES
NO ORIENTE MÉ DIO ANTIGO DESCREVIAM ATRIBUTOS,
CARÁ TER E DESTINO DOS INDIVÍDUOS, COMO ACONTECE NO
CASO DO PRÓ PRIO SENHOR (EX: EX 23.20,21; 1RS 8.33; SL
54.3), O USO DO NOME DIVINO A FIM DE MANIPULÁ -LO
CONSTITUÍA O EQUIVALENTE AO SACRILÉ GIO. [233]
CERTAMENTE, A HONRA DO SENHOR NÃ O ACEITA QUE SEU
NOME SEJA TOMADO COMO ALGO COMUM E SEM VALOR, UM
JOGUETE NA MÃ O DE SALAFRÁ RIOS E MANIPULADORES.
UTILIZÁ -LO PARA FAZER OUTROS CREREM EM UMA MENTIRA
OU PARA OBTER RESULTADOS MÁ GICOS É IMPENSÁ VEL.
O QUARTO MANDAMENTO FALA DO SÁ BADO, SÉ TIMO DIA DA
SEMANA, O MESMO DIA EM QUE O SENHOR DESCANSOU DA SUA
OBRA CRIATIVA: “LEMBRA-TE DO DIA DE SÁ BADO, PARA O
SANTIFICAR. SEIS DIAS TRABALHARÁ S E FARÁ S TODA A TUA
OBRA. MAS O SÉ TIMO DIA É O SÁ BADO DO SENHOR, TEU DEUS;
NÃ O FARÁ S NENHUM TRABALHO, NEM TU, NEM O TEU FILHO,
NEM A TUA FILHA, NEM O TEU SERVO, NEM A TUA SERVA, NEM
O TEU ANIMAL, NEM O FORASTEIRO DAS TUAS PORTAS PARA
DENTRO; PORQUE, EM SEIS DIAS, FEZ O SENHOR OS CÉ US E A
TERRA, O MAR E TUDO O QUE NELES HÁ E, AO SÉ TIMO DIA,
DESCANSOU; POR ISSO, O SENHOR ABENÇOOU O DIA DE SÁ BADO
E O SANTIFICOU” (EX 20.8-11).
O SÁ BADO, QUE COMEÇAVA NO INÍCIO DA NOITE DA NOSSA
SEXTA-FEIRA E TERMINAVA NO FINAL DO DIA SEGUINTE, ERA
UMA OBRIGAÇÃ O DOS JUDEUS NA SUA CONDIÇÃ O DE POVO
SANTO DE DEUS, SEPARADO PARA EXECUTAR SEUS DECRETOS E
PROMOVER O LOUVOR DA SUA GLÓ RIA.
PORÉ M, ENQUANTO O NOVO TESTAMENTO REAFIRMA OS
“PRECEITOS JUSTOS” CONTIDOS EM NOVE DOS DEZ
MANDAMENTOS (1CO 8.6; RM 1.22,23; TG 5.12; EF 6.1-3;
1JO 3.15; HB 13.4; EF 4.28; TG 4.11; HB 13.5), A GUARDA
DO SÁ BADO É UMA QUESTÃ O BASTANTE SENSÍVEL, JÁ QUE OS
QUE QUERIAM GUARDAR OS DIAS E FESTAS OBSERVADAS NO
ANTIGO TESTAMENTO RECEBERAM UMA DURA REPRIMENDA DO
APÓ STOLO:
 
MAS AGORA QUE CONHECEIS A DEUS OU, ANTES, SENDO CONHECIDOS POR DEUS, COMO ESTAIS VOLTANDO, OUTRA VEZ, AOS RUDIMENTOS FRACOS E

POBRES, AOS QUAIS, DE NOVO, QUEREIS AINDA ESCRAVIZAR-VOS?  GUARDAIS DIAS , E MESES, E TEMPOS, E ANOS. RECEIO DE VÓ S TENHA EU

TRABALHADO EM VÃO PARA CONVOSCO ” (GL 4.9-11 – DESTAQUE MEU).

 
PAULO AINDA DIZ QUE A GUARDA DE DIAS NÃ O ERA RAZÃ O
PARA ALGUÉ M SER AVALIADO COMO UM CRENTE MELHOR – E
VICE-VERSA – PORQUE QUE TAIS GUARDAS APONTAVAM PARA
REALIDADES FUTURAS QUE SE CUMPRIRIAM EM CRISTO. DO
MESMO MODO QUE A SOMBRA EM UMA PAREDE NÃ O MAIS SE VÊ
QUANDO AQUILO QUE A PRODUZ SE UNE À PAREDE, PARA
PAULO A VINDA DE CRISTO REALIZOU O QUE AS PROIBIÇÕ ES DE
ALIMENTOS E A GUARDA DO SÁ BADO E DAS FESTAS JUDAICAS
APONTAVAM, ANULANDO, ASSIM, TANTO SUAS FUNÇÕ ES COMO
SUA VALIDADE: “NINGUÉ M, POIS, VOS JULGUE POR CAUSA DE
COMIDA E BEBIDA, OU DIA DE FESTA, OU LUA NOVA, OU
SÁBADOS , PORQUE TUDO ISSO TEM SIDO SOMBRA DAS COISAS
QUE HAVIAM DE VIR ; PORÉ M O CORPO É DE CRISTO” (CL
2.16,17).
POR ESSA RAZÃ O, NEM MESMO A MUDANÇA DA GUARDA DO
SÁ BADO PARA O DOMINGO É CAPAZ DE DESVIAR O CRISTÃ O QUE
SE COLOCA DEBAIXO DA LEI MOSAICA DAS DURAS REPREENSÕ ES
POR INVALIDAR A OBRA DO ESPÍRITO (GL 1.6; 3.2,3). NA
VERDADE, APESAR DE A LEI DO ANTIGO TESTAMENTO SER UM
ENSINO BEM CONHECIDO DA IGREJA, PAULO CHAMA A
APRESENTAÇÃ O DA MENSAGEM LEGALISTA NA IGREJA DE
“OUTRO EVANGELHO” (GL 1.8,9). [234]
DIANTE DA REJEIÇÃ O NEOTESTAMENTÁ RIA DA GUARDA DE UM
DIA COMO CUMPRIMENTO DE UM ESTATUTO LEGAL DA LEI
MOSAICA, A PERGUNTA NATURAL É : “SERÁ QUE NÃ O HÁ ALGUM
‘PRECEITO JUSTO’ QUE TRANSPAREÇA NO QUARTO
MANDAMENTO ?”. A RESPOSTA NÃ O É DIFÍCIL DE NOTAR, POIS
AS DUAS MENÇÕ ES DESSE MANDAMENTO APRESENTAM O
“DESCANSO” COMO VALOR A SER CONSIDERADO. EM Ê XODO
20.11, A RAZÃ O DADA PARA O DESCANSO DE TODA A CASA DOS
ISRAELITAS ERA O EXEMPLO DE DEUS AO CRIAR O UNIVERSO EM
SEIS DIAS E DESCANSAR NO SÁ BADO. EM DEUTERONÔ MIO 5.15,
A RAZÃ O ERA A LEMBRANÇA DE QUE OS ISRAELITAS HAVIAM
SIDO ESCRAVOS NO EGITO E O SENHOR OS HAVIA LIBERTADO E
ALIVIADO DA CARGA DE TRABALHOS FORÇADOS. O DESCANSO E
NÃ O A CERIMÔ NIA É O QUE ESSE DOIS TEXTOS ENFATIZAM:
“PARA QUE O TEU SERVO E A TUA SERVA DESCANSEM COMO TU”
(DT 5.14 – DESTAQUE MEU).
O LIVRO DE HEBREUS FAZ A MESMA RELAÇÃ O ENTRE O QUARTO
MANDAMENTO E O DESCANSO: “PORQUE, EM CERTO LUGAR,
ASSIM DISSE, NO TOCANTE AO SÉ TIMO DIA:  E DESCANSOU
DEUS, NO SÉTIMO DIA, DE TODAS AS OBRAS QUE FIZERA . E
NOVAMENTE, NO MESMO LUGAR: NÃO ENTRARÃO NO MEU
DESCANSO ” (HB 4.4,5 – DESTAQUE MEU). ESSA ASSOCIAÇÃ O
DO AUTOR DE HEBREUS TEM A VER COM A PUNIÇÃ O DIVINA À
REBELDIA E INCREDULIDADE ISRAELITAS QUE, DIANTE DO
RELATO DOS ESPIAS ENVIADOS A CANAÃ , SE NEGARAM A
TOMAR A TERRA (NM 14). HEBREUS 4.5 É UMA CITAÇÃ O DO
SALMO 95.11, ONDE O TEXTO É APLICADO À LEMBRANÇA DE
QUE O POVO REBELDE PERMANECEU QUARENTA ANOS NO
DESERTO (SL 95.10 CF. NM 14.23,28-30).
DIANTE DISSO, É INTERESSANTE NOTAR AS PALAVRAS DE JOSUÉ
À GERAÇÃ O SEGUINTE QUE, DE FATO, ENTROU NA TERRA E A
DOMINOU: “LEMBRAI-VOS DO QUE VOS ORDENOU MOISÉ S,
SERVO DO SENHOR, DIZENDO: O SENHOR, VOSSO DEUS, VOS
CONCEDE DESCANSO E VOS DÁ ESTA TERRA ” (JS 1.13 –
DESTAQUE MEU). DESCANSO FÍSICO E COMUNHÃ O COM DEUS
SÃ O AS FACES DO “PRECEITO JUSTO” CONTIDO NO QUARTO
MANDAMENTO E, POR ISSO, DEVEM SER VALORIZADOS E
BUSCADOS PELA IGREJA DE HOJE. CONTUDO, ISSO NÃ O DEVE SER
FEITO POR MEIO DO ESTATUTO LEGAL, AINDA QUE SE MUDE SEU
FORMATO DO SÁ BADO PARA OUTRO DIA DA SEMANA.
O QUINTO MANDAMENTO VISLUMBRA O RELACIONAMENTO DOS
FILHOS COM SEUS PAIS: “HONRA TEU PAI E TUA MÃ E, PARA QUE
SE PROLONGUEM OS TEUS DIAS NA TERRA QUE O SENHOR, TEU
DEUS, TE DÁ ” (EX 20.12). O CAPÍTULO SEGUINTE APONTA O
CAMINHO CONTRÁ RIO E O RESULTADO DE SEGUI-LO: “QUEM
FERIR SEU PAI OU SUA MÃ E SERÁ MORTO. [...] QUEM
AMALDIÇOAR SEU PAI OU SUA MÃ E SERÁ MORTO” (EX
21.15,17). O QUE PARECE SER ENFATIZADO NA ORDEM DE
HONRAR É , EM PRIMEIRO LUGAR, DEMONSTRAR O DEVIDO
RESPEITO TANTO PELA IDADE DOS PAIS COMO PELA SABEDORIA
E CONHECIMENTO QUE ELES ADQUIRIRAM DURANTE A VIDA (LV
19.3,32 – VER TAMBÉ M DT 21.18-21; 27.16). EM SEGUNDO
LUGAR, RESPEITAR A HIERARQUIA FUNCIONAL DADA POR DEUS
NA ESTRUTURA FAMILIAR, VISTO QUE A OBEDIÊ NCIA AOS PAIS É
ATRELADA À OBEDIÊ NCIA A DEUS: “FILHOS, OBEDECEI A
VOSSOS PAIS NO SENHOR, POIS ISTO É JUSTO” (EF 6.1). [235]
JUNTO COM A INSTRUÇÃ O DE HONRAR OS PAIS, SEGUE O
RESULTADO DE FAZÊ -LO: “PARA QUE SE PROLONGUEM OS TEUS
DIAS NA TERRA QUE O SENHOR, TEU DEUS, TE DÁ ”. ESSA PARTE
É ENFATIZADA COMO UMA PROMESSA MESMO NO NOVO
TESTAMENTO (EF 6.1-3). MAS NÃ O FICA CLARO SE O QUE
ESTÁ EM VOGA É UMA CONCESSÃ O DIVINA DE LONGEVIDADE, OU
SE O FATO DE ACEITAR A DIREÇÃ O DOS PAIS PRODUZIRIA UM
CAMINHAR SÁ BIO QUE TENDERIA A PROLONGAR A VIDA DOS
FILHOS LIVRANDO-OS DOS CAMINHOS PERIGOSOS. AO QUE TUDO
INDICA, A SEGUNDA OPÇÃ O É PREFERÍVEL, AINDA QUE NÃ O
EXCLUA A PRIMEIRA, POR ENCONTRAR RESPALDO ESPECÍFICO
NO ENSINO DO ANTIGO TESTAMENTO.
UM EXEMPLO DISSO SÃ O AS PALAVRAS SÁ BIAS DE SALOMÃ O AO
SEU FILHO, EM PROVÉ RBIOS: “FILHO MEU, OUVE O ENSINO DE
TEU PAI E NÃ O DEIXES A INSTRUÇÃ O DE TUA MÃ E. PORQUE
SERÃ O DIADEMA DE GRAÇA PARA A TUA CABEÇA E COLARES,
PARA O TEU PESCOÇO” (PV 1.8,9). O QUE É APENAS CITADO NO
INÍCIO DO LIVRO É DESENVOLVIDO AO LONGO DE TODO O
QUARTO CAPÍTULO. ENTRE AS INSTRUÇÕ ES RELATIVAS AO
ACOLHIMENTO DO ENSINO PATERNO, SALOMÃ O APONTA PARA
O FILHO OS BENEFÍCIOS QUE ELE COLHERIA: “NÃ O DESAMPARES
A SABEDORIA, E ELA TE GUARDARÁ ; AMA-A, E ELA TE
PROTEGERÁ . [...] OUVE, FILHO MEU, E ACEITA AS MINHAS
PALAVRAS, E SE TE MULTIPLICARÃO OS ANOS DE VIDA ” (PV
4.6,10). SEGUNDO SALOMÃ O, SEGUIR A “SABEDORIA”
TRANSMITIDA PELO PAI – MODO DE HONRAR OS PROGENITORES
– IMPLICAVA UM ANDAR SÁ BIO QUE LIVRARIA O FILHO DE
ARMADILHAS E DE DANOS.
O SEXTO MANDAMENTO PROÍBE O ASSASSINATO: “NÃ O
MATARÁ S” (EX 20.13). ESSE IMPORTANTE CONCEITO DA LEI
MOSAICA FOI AFIRMADO POR DEUS, NA FORMA DE UM
“PRECEITO JUSTO” VOLTADO A PRESERVAR A VIDA HUMANA,
MUITO TEMPO ANTES DA PRÓ PRIA INSTITUIÇÃ O DA LEI, NOS
DIAS DE NOÉ : “SE ALGUÉ M DERRAMAR O SANGUE DO HOMEM,
PELO HOMEM SE DERRAMARÁ O SEU; PORQUE DEUS FEZ O
HOMEM SEGUNDO A SUA IMAGEM” (GN 9.6). “DERRAMAR
SANGUE”, NESSE TEXTO, NÃ O É DESIGNAÇÃ O DO MERO
RESULTADO DE UM CORTE, MAS SE TRATA DE UMA SINÉ DOQUE
PARA A MORTE EM SI. A RAZÃ O DADA POR DEUS PARA A PROIBIÇÃ O DO
ASSASSINATO É A DIGNIDADE DA VIDA HUMANA POR TER SIDO CRIADA À
IMAGEM DE DEUS.
Surpreendentemente, a puniçã o para a morte de um homem é a
morte do homem que o matou. Isso revela o fato de que as mortes
sã o tratadas distintamente no Antigo Testamento. Tomando como
modelo o texto de Gênesis 9.6, a primeira morte – o assassinato –
era condená vel. Já , a segunda – a morte punitiva – nã o somente era
aprovada como, também, ordenada por Deus.
O apó stolo Paulo parece ter validado esse princípio ao dizer que a
funçã o das autoridades era punir os homens que agem mal. Quando
tais homens dã o motivos para a puniçã o, diz Paulo: “Se fizeres o mal,
teme; porque nã o é sem motivo que ela traz a espada; pois é
ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm
13.4). “Trazer a espada” faz referência à força do Estado e, também,
à pena capital. O notá vel na afirmaçã o paulina é o fato de que, ao
exercer força, o Estado age como “ministro de Deus”, [236]
aproximando esse princípio do que é encontrado no Antigo
Testamento.
Os casos de homicídio também eram distinguidos por Deus entre
“morte intencional” e “morte nã o intencional”. As mortes nã o
intencionais nã o eram punidas com a morte e Deus protegia a vida
dos que sem culpa produziam a morte de alguém por meio da
proteçã o em cidade de refú gio: “Quem ferir a outro, de modo que
este morra, também será morto. Porém, se nã o lhe armou ciladas,
mas Deus lhe permitiu caísse em suas mã os, entã o, te designarei um
lugar para onde ele fugirá ” (Ex 21.12,13); e “ SERÃ O DE REFÚ GIO ESTAS
SEIS CIDADES PARA OS FILHOS DE ISRAEL, E PARA O ESTRANGEIRO, E PARA O
QUE SE HOSPEDAR NO MEIO DELES, PARA QUE, NELAS, SE ACOLHA AQUELE QUE
MATAR ALGUÉ M INVOLUNTARIAMENTE” (NM 35.15 – ver todo o capítulo).
Outro tipo de morte que nã o é afetado pelo princípio justo da
preservaçã o da vida é a morte na guerra. Essa morte nã o é
considerada um assassinato punível com a morte, nã o somente pela
natureza da guerra em si, mas porque o pró prio Deus ordenou
algumas guerras no Antigo Testamento (Ex.: 1Sm 15.2,3). Agostinho
trata a questã o da guerra justa e mostra que alguns atos humanos
sob as ordens de Deus sã o diferentes dos mesmos atos feitos por
vontade pró pria e dá como exemplo o ato de Abraã o, sob as ordens
de Deus, ter-se disposto a sacrificar Isaque:
 
ABRAÃ O SACRIFICAR SEU FILHO POR SUA PRÓ PRIA VONTADE É LOUCURA CHOCANTE. ELE FAZER O MESMO SOB O COMANDO DE DEUS PROVA QUE ELE É FIEL E SUBMISSO. [...]

FAZÊ -LO SOB A ORDEM DE DEUS MOSTRA NÃ O SÓ O CUMPRIMENTO INOCENTE, MAS LOUVÁ VEL.
[237]
 
Isso, obviamente, nã o valida motivos espú rios para levar a guerra
adiante produzindo mortes injustificadas de seres humanos.
Atualmente, isso incidiria nas penalidades dos “crimes de guerra”.
No Antigo Testamento, Deus anunciava puniçã o e, eventualmente,
punia a quem agia desse modo, assim como o fez ao castigar Edom
pelo morticínio cruel e sá dico dos israelitas: “N Ã O DEVIAS TER PARADO
NAS ENCRUZILHADAS, PARA EXTERMINARES OS QUE ESCAPASSEM; NEM TER
ENTREGADO OS QUE LHE RESTASSEM, NO DIA DA ANGÚ STIA” (OB 14 – o
contexto do livro anuncia a destruiçã o de Edom).
No Novo Testamento, o preceito justo desse mandamento é mantido.
Porém, de maneira surpreendente, Jesus fez uma aplicaçã o dele em
situaçõ es em que nem chega a haver um homicídio. Ele considerou
que o ó dio no coraçã o de alguém, motivo frequente de assassinatos,
já era suficiente para ferir a justiça revelada por Deus: “ OUVISTES QUE
FOI DITO AOS ANTIGOS: NÃ O MATARÁ S; E: QUEM MATAR ESTARÁ SUJEITO A
JULGAMENTO. EU, PORÉ M, VOS DIGO QUE TODO AQUELE QUE [SEM MOTIVO] SE
IRAR CONTRA SEU IRMÃ O ESTARÁ SUJEITO A JULGAMENTO” (Mt 5.21,22a).
O sétimo mandamento enaltece a unidade e fidelidade do casal: “ NÃ O
ADULTERARÁ S” (Ex 20.14). Essa diretriz parece ter sua fonte na
pró pria instituiçã o do casamento, reconhecendo-o nã o somente
como um contrato social, mas como uma uniã o tal que é como se os
dois dividissem a mesma carne: “Por isso, deixa o homem pai e mã e
e se une à sua mulher, TORNANDO-SE OS DOIS UMA SÓ CARNE ” (Gn 2.24 –
destaque meu). Desrespeitar essa uniã o se deitando com a mulher
de outro homem era algo que feria as relaçõ es interpessoais e,
também, a relaçã o com o Deus santo.
A reprovaçã o divina ao adultério já era nítida desde os tempos dos
patriarcas, bem antes da instituiçã o da lei. Podemos ver esse
conceito expresso na intervençã o divina em favor de Abraã o e Sara
quando ela foi tomada pelos reis do Egito (Gn 12.17,18) e de Gerar
(Gn 20.3), por pensarem que ela era irmã de Abraã o. Isaque lançou
mã o do mesmo artifício e foi repreendido pelo rei de Gerar a
respeito do risco que ele promoveu de a sua esposa ser tocada por
outro homem, incorrendo, assim, no adultério (Gn 26.10,11).
ISSO TAMBÉ M SE VÊ NA ARGUMENTAÇÃ O DE JOSÉ DIANTE DO ASSÉ DIO DA
ESPOSA DE POTIFAR: “ ELE NÃ O É MAIOR DO QUE EU NESTA CASA E NENHUMA
COISA ME VEDOU, SENÃO A TI, PORQUE ÉS SUA MULHER ; COMO, POIS, COMETERIA
EU TAMANHA MALDADE E PECARIA CONTRA DEUS ?” (GN 39.9 – DESTAQUE
MEU). AO DIZER ISSO, JOSÉ MOSTRA QUE, MESMO ENTRE AS NAÇÕ ES QUE NÃ O
CONHECIAM O SENHOR, O ADULTÉ RIO ERA VISTO COMO ALGO REPREENSÍVEL.
[238]
Apesar de tal proibiçã o, a lei previa a poligamia, sem nunca
incentivá -la, ao contrá rio, desencorajando-a (Dt 17.17). Para alguns,
o casamento de um homem com vá rias mulheres visava a proteger
as mulheres solteiras. [239] Se isso fosse verdade, deveríamos,
também, argumentar sobre a escravidã o como algum tipo de
proteçã o de pessoas pobres, já que a escravidã o também era
prevista na lei. O que realmente parece ser verdade é que Deus, que
tinha planos perfeitos para o homem, foi revelando sua vontade e
causando transformaçõ es ao longo da histó ria. Porém, enquanto nã o
promoveu tais mudanças, tomou providências para que nã o
ocorressem abusos, como no caso de leis que protegiam escravos e
mulheres que eram repudiadas. Já , no Novo Testamento, tais arestas
sã o aparadas e nã o há mais essa tolerâ ncia.
A justiça prevista nesse mandamento era tal que houve repetiçõ es
da ordem com previsã o de duras consequências para os
desobedientes: “ NEM TE DEITARÁ S COM A MULHER DE TEU PRÓ XIMO, PARA
TE CONTAMINARES COM ELA” (Lv 18.20); “ SE UM HOMEM ADULTERAR COM A
MULHER DO SEU PRÓ XIMO, SERÁ MORTO O ADÚ LTERO E A ADÚ LTERA” ( Lv
20.10). O “preceito justo” contido na lei, entretanto, foi lavado, por
Jesus, a novas á reas de conduta, visando a atingir a mente das
pessoas e nã o apenas os seus corpos: “ OUVISTES QUE FOI DITO: NÃ O
ADULTERARÁ S. EU, PORÉ M, VOS DIGO: QUALQUER QUE OLHAR PARA UMA
MULHER COM INTENÇÃ O IMPURA, NO CORAÇÃ O, JÁ ADULTEROU COM ELA” (Mt
5.27,28).
O oitavo mandamento garante a propriedade das pessoas, conforme
o Senhor dá a cada um: “ NÃ O FURTARÁ S” (Ex 20.15; Dt 24.7). A
palavra hebraica traduzida como roubar, significa pegar alguma
coisa que pertence a outra pessoa sem permissã o. [240] Esse
conceito amplo apontava para vá rios modos, previstos na lei
mosaica, de se cometer o furto: rapto a fim de comercializaçã o de
escravos (Ex 21.16 cf. Gn 37), posse indevida de algo dado em
penhor, extorsã o (Lv 6.1-5), calote no pagamento de prestaçã o de
serviços (Lv 19.13 cf. v.11), desonestidade nas negociaçõ es (Lv
19.35,36; Dt 25.13-16) e a subtraçã o de bens alheios (Ex 22.1).
O Novo Testamento prevê esse princípio incentivando o infrator a
deixar o crime e fazer o oposto: “ AQUELE QUE FURTAVA NÃ O FURTE MAIS;
ANTES, TRABALHE, FAZENDO COM AS PRÓ PRIAS MÃ OS O QUE É BOM, PARA QUE
TENHA COM QUE ACUDIR AO NECESSITADO” (Ef 4.28). Paulo ainda mostra
que a santificaçã o dos salvos os tira de uma condiçã o anterior
deplorá vel na qual o furto é plenamente aceitá vel (1Co 6.10,11). Um
exemplo ideal de abandono do furto na conversã o a Cristo se vê na
pessoa de Zaqueu: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos
meus bens; e, SE NALGUMA COISA TENHO DEFRAUDADO ALGUÉM, RESTITUO
QUATRO VEZES MAIS ” (Lc 19.8 cf. v.9,10 – destaque meu).
O nono mandamento implicava uma palavra verdadeira e honesta
nos relacionamentos entre os homens: “Nã o dirá s falso testemunho
contra o teu pró ximo” (Ex 20.16). Foi preciso pouco tempo depois
da saída de Israel da terra do Egito para Moisés ser sobrecarregado
com desentendimentos entre as pessoas do povo. O sistema
primitivo utilizado por Moisés para resolver demandas,
centralizando nele somente todas as decisõ es (Ex 18.13), foi,
mediante o conselho de Jetro (Ex 18.14-22), substituído por uma
estrutura de vá rias instâ ncias que pudesse dar conta de tantos
desentendimentos, reclamaçõ es e solicitaçõ es. Um dos requisitos
dos auxiliares de Moisés nesse sistema judicial é que os homens
instituídos em tais cargos fossem homens “sem avareza” (Ex 18.21),
a fim de nã o venderem decisõ es.
Se, por um lado, os juízes deveriam ser honestos, por outro, as
testemunhas também o tinham. Para isso, a ordem de testemunhar a
respeito de outros nã o podia ser considerada um meio de tirar
vantagens para si ou um meio de promover o mal alheio. A verdade
é o que devia sempre sair da boca das pessoas. Se alguém explorasse
o pobre por meio da “perversã o do julgamento”, mediante “falsa
acusaçã o”, seria considerado culpado pelo Senhor (Ex 23.6).
Levando em conta o nú mero de pecados cuja pena era a morte, falar
mentira sobre os outros era atentar contra suas vidas: “Nã o andará s
como mexeriqueiro entre o teu povo; nã o atentará s contra a vida do
teu pró ximo. Eu sou o SENHOR” (Lv 19.16).
Apesar da honestidade exigida nos testemunhos judiciais, a
obediência a esse mandamento nã o impediria a mentira apenas
diante de um juiz, mas, também, os falsos testemunhos de todo tipo,
pelos quais a vida, o relacionamento matrimonial ou a propriedade
de um vizinho pudessem sofrer danos (cf. Ex 23.1; Nm 35.30; Dt
17.6; 19.15; 22.13ss). [241]
O décimo mandamento , diferente dos nove precedentes, nã o trata
de atos, mas de uma atitude interna das pessoas: “ NÃO COBIÇARÁS A
CASA DO TEU PRÓ XIMO. NÃ O COBIÇARÁ S A MULHER DO TEU PRÓ XIMO, NEM O
SEU SERVO, NEM A SUA SERVA, NEM O SEU BOI, NEM O SEU JUMENTO, NEM
COISA ALGUMA QUE PERTENÇA AO TEU PRÓ XIMO” (Ex 20.17 – destaque
meu). A ordem de nã o cobiçar a mulher e os bens de outros homens
pode parecer redundâ ncia, já que há mandamentos que impedem o
adultério e o furto. Entretanto, enquanto esses dois mandamentos
impedem os atos, o ú ltimo deles mostra que Deus nã o aceita o
desejo mal, mesmo que ele nã o se torne um ato.
Tal pecado está presente desde os tempos narrados em Gênesis.
Quando, no É den, a mulher decide comer o fruto, o texto aponta
como uma das razõ es a mulher ter achado o fruto “desejá vel para
dar entendimento” (Gn 3.6), e nã o qualquer entendimento, mas o
entendimento de Deus (Gn 3.5). Esse é um exemplo de um desejo
interior que foi externado em uma açã o pecaminosa. Na verdade,
boa parte dos pecados nasce desse desejo ímpio que é acolhido no
coraçã o das pessoas. Contudo, o pecado da cobiça existe mesmo
quando ele nã o produz atos.
 
A OFENSA [DA COBIÇA] TEM QUE VER COM UMA DISPOSIÇÃ O OU INCLINAÇÃ O INTERIOR QUE, NA VERDADE SE NÃ O FOR VERIFICADA, PODE SE MANIFESTAR NO

COMPORTAMENTO, MAS QUE PODE NUNCA SER DETECTADA POR UM SINAL EXTERIOR (DESTAQUE MEU).
[242]
 
Tal proibiçã o demonstra a onisciência divina por ser Deus aquele
que sonda os coraçõ es: “De longe penetras os meus pensamentos.
Esquadrinhas o meu andar e o meu deitar e conheces todos os meus
caminhos. Ainda a palavra me nã o chegou à língua, e tu, Senhor, já a
conheces toda” (Sl 139.2b-4). Sendo assim, Deus se importa com
aquilo que os homens pensam e sentem e nã o se agrada de vê-los
acolhendo desejos de pecados. Nã o basta nã o adulterar; é preciso
nã o desejar impuramente uma mulher. Nã o basta ter as mã os puras;
é necessá rio ter o coraçã o puro.
Sendo assim, o decá logo aponta para o fato de que o proceder
honesto, santo e íntegro, contendo diretrizes morais e éticas, é
vá lido para toda a raça humana e nã o apenas para os israelitas da
aliança. [243] O motivo disso é o fato de os “justos preceitos” de
Deus transparecerem na lei, indicando que tipo de procedimento é
necessá rio para andar com o Senhor. Em lugar disso, as geraçõ es
posteriores dos israelitas fizeram o contrá rio, tornando-se
repreensíveis: “ QUE É ISSO? FURTAIS E MATAIS, COMETEIS ADULTÉRIO E
JURAIS FALSAMENTE, QUEIMAIS INCENSO A BAAL E ANDAIS APÓS OUTROS DEUSES
QUE NÃO CONHECEIS , E DEPOIS VINDES, E VOS PONDES DIANTE DE MIM NESTA
CASA QUE SE CHAMA PELO MEU NOME, E DIZEIS: ESTAMOS SALVOS; SIM, SÓ
PARA CONTINUARDES A PRATICAR ESTAS ABOMINAÇÕ ES!” ( Jr 7.9,10).
O procedimento moral perfeito apontado no decá logo é coroado
pela sua porçã o seguinte de lei, chamado “livro da aliança” (Ex
20.22–23.33). A retidã o e a integridade nos relacionamentos, seja
com Deus, seja com os homens, demonstra que o decá logo nã o é um
conjunto utó pico de normas jogadas em um lugar fadado ao
esquecimento. A moral perfeita requerida dos israelitas pode ser
vista na síntese de assuntos do livro da aliança proposta por R. K.
Harrison:
 
I. A forma geral da adoraçã o israelita (20.22-26).
II. Legislaçã o civil (21.1–23.13).
A. O direito dos escravos (21.2-11).
B. O princípio da lex talionis [244] (21.12-32).
C. Leis concernentes à propriedade (21.33-36).
D. Leis concernentes ao roubo (22.1-4).
E. Leis concernentes ao dano de propriedade (22.5-6).
F. Leis concernentes à desonestidade (22.7-15).
G. Leis concernentes à seduçã o (22.16-17).
H. Leis que envolviam obrigaçõ es sociais e religiosas (22.18-
31).
I. Proteçã o dos direitos (23.1-13).
III. Legislaçã o cerimonial com as três principais festas (23.14-
19).
IV. O relacionamento do Deus da aliança com seu povo (23.20-
33). [245]
 
É nítido, no livro da aliança, o desejo de Deus de ver seu povo
andando em santidade, pureza, honestidade e devoçã o no
relacionamento com Deus e com as pessoas ao redor, o que enaltece
o cará ter moral do decá logo. Sendo assim, todos os que querem
andar com Deus devem considerar com muita seriedade os
“preceitos justos” contidos nos Dez Mandamentos e no restante da
lei, sem, contudo, o fazer cumprimento de estatutos. Nã o a lei, mas a
justiça da lei deve ser o modo como nos relacionamos com Deus.
Afinal, “andarã o dois juntos, se nã o houver entre eles acordo?” (Am
3.3).
 
_____________
 
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
 
1. O que se deve entender por “andar com Deus” no Antigo
Testamento?
2. Quais sã o as características pessoais daqueles que “andam com
Deus”?
3. Que papel a lei mosaica exercia na comunhã o entre a naçã o de
Israel e Deus?
4. Qual é a diferença entre os “estatutos da lei” e os “preceitos justos
da lei”?
5. Como os Dez Mandamentos podem ajudar os crentes atuais a
manterem comunhã o com o Senhor?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Capítulo 8
 
Os Decretos
 
 
TODOS OS MORADORES DA TERRA SÃ O POR ELE REPUTADOS EM NADA; E, SEGUNDO A SUA VONTADE, ELE OPERA COM O EXÉ RCITO DO CÉ U E OS MORADORES DA TERRA; NÃ O

HÁ QUEM LHE POSSA DETER A MÃ O, NEM LHE DIZER: QUE FAZES? (DN 4.35).

 
 
A
assunto marcante no Antigo Testamento (Jó 23.13; Sl
SOBERANA VONTADE DO SENHOR É

33.9-11; 115.3; 135.6; Is 43.13). Nesse sentido, uma das maneiras


em que é possível notar esse atributo divino é por intermédio dos
seus decretos. Trata-se de planos específicos e declaraçõ es de Deus,
ambos prévios, a respeito dos rumos que ela dará à histó ria da
humanidade, das naçõ es, de Israel e de cada indivíduo.
Assim, Davi olha para o futuro e um reinado soberano sobre todas as
naçõ es, tendo convicçã o de tais acontecimentos por ser parte do
“decreto” de Deus: “Proclamarei o DECRETO DO SENHOR” ( Sl 2.7a cf. v.
8,9 – destaque meu). O substantivo hebraico “HOQ ”, traduzido aqui
por “decreto”, além desse sentido, acomoda as ideias de “algo
prescrito” ou “um estatuto”. [246] Sendo assim, é um termo que,
quando aplicado a Deus, aponta para o controle soberano do Senhor
em qualquer esfera em que a palavra for utilizada.
A ordem natural da criaçã o depende dos “decretos” de Deus sobre
ela ou, para usar uma linguagem conhecida, das “leis” naturais que
dirigem a natureza: “Quando determinou LEIS PARA A CHUVA E CAMINHO
PARA O RELÂ MPAGO DOS TROVÕ ES” (Jó 28.26 – destaque meu).
Apesar de Deus decretar leis naturais, alguns dos seus decretos têm
relaçã o mais pró xima com os rumos específicos da histó ria humana
e das teologias da salvaçã o e da condenaçã o dos pecadores. Por isso,
Jó , em meio à s queixas que acercam seu sofrimento, se vê incapaz de
ditar sua sorte. Em lugar disso, afirma que, da parte de Deus, há
ordens ( PALAVRA HEBRAICA “HOQ ”) que traçaram previamente o seu
destino: “ POIS ELE CUMPRIRÁ O QUE ESTÁ ORDENADO A MEU RESPEITO E
MUITAS COISAS COMO ESTAS AINDA TEM CONSIGO” (JÓ 23.14 – destaque
meu).
“Jurar” e “determinar” sã o dois verbos utilizados para indicar os
decretos soberanos de Deus: “ JUROU O SENHOR DOS EXÉ RCITOS,
DIZENDO: COMO PENSEI, ASSIM SUCEDERÁ , E, COMO DETERMINEI , ASSIM SE
EFETUARÁ ” (Is 14.24 – destaque meu). Quando Isaías se utiliza de tais
termos, logo apó s os associa ao controle de Deus sobre os rumos da
humanidade de modo que ninguém pode impedi-lo: “Este é o
desígnio que se formou concernente a toda a terra; e esta é a mã o
que está estendida sobre todas as naçõ es. Porque o SENHOR DOS
EXÉ RCITOS O DETERMINOU; QUEM, POIS, O INVALIDARÁ ? A SUA MÃ O ESTÁ
ESTENDIDA; QUEM, POIS, A FARÁ VOLTAR ATRÁ S?” (Is 14.26,27). Isaías
desenvolve o tema um pouco mais e mostra a ocasiã o em que tais
decretos foram assentados por Deus:
 
DESDE O PRINCÍPIO ANUNCIO O QUE HÁ DE ACONTECER E DESDE A ANTIGUIDADE, AS COISAS QUE AINDA NÃO SUCEDERAM ; QUE DIGO: O MEU CONSELHO PERMANECERÁ DE PÉ ,

FAREI TODA A MINHA VONTADE; QUE CHAMO A AVE DE RAPINA DESDE O ORIENTE E DE UMA TERRA LONGÍNQUA, O HOMEM DO MEU CONSELHO. EU O DISSE, EU TAMBÉM O

CUMPRIREI; TOMEI ESTE PROPÓSITO, TAMBÉM O EXECUTAREI (IS 46.10,11 – DESTAQUE MEU).

 
Aquilo que o Senhor “disse” – os decretos de Deus surgem na forma
de declaraçõ es no Antigo Testamento – é justamente o que ele virá a
cumprir meticulosamente. Essa liçã o ficou clara nos textos que
mencionamos anteriormente. Entretanto, tais dizeres sã o
anunciados em um tempo específico: “Desde o princípio” e “desde a
antiguidade”. Se alguém perguntar o que Deus anunciou nos tempos
antigos, a resposta será : “O que há de acontecer” e “as coisas que
ainda nã o sucederam”. Isso indica decretos prévios que controlam
os acontecimentos futuros. Nã o se trata apenas de presciência, mas
da constataçã o de que Deus é aquele que efetua tudo isso. [247]
Quando se trata da redençã o do homem e dos rumos de Israel e das
naçõ es, esses sã o os decretos mais importantes que o leitor do
Antigo Testamento – e do Novo, também – irá encontrar.
Dentro desse assunto dois enfoques de tais decretos merecem uma
atençã o especial: a “eleiçã o” e as “alianças”. 
 
A ELEIÇÃO
 
A doutrina da eleiçã o foi um dos temas mais marcantes da Reforma
Protestante, talvez nã o em importâ ncia, [248] mas no impacto que
causou e ainda causa na Igreja. Rendeu grandes debates e
desacordos como a truculenta discussã o entre Martinho Lutero e
Desidério Erasmo, também conhecido como Erasmo de Rotterdam.
[249] A visã o de eleiçã o para os reformadores pode ser tomada dos
“Câ nones de Dort”:
 
ESTA ELEIÇÃ O É O IMUTÁ VEL PROPÓ SITO DE DEUS, PELO QUAL ELE, ANTES DA FUNDAÇÃ O DO MUNDO, ESCOLHEU UM NÚ MERO GRANDE E DEFINIDO DE PESSOAS PARA A

SALVAÇÃ O, POR GRAÇA PURA. ESTAS SÃ O ESCOLHIDAS DE ACORDO COM O SOBERANO BOM PROPÓ SITO DE SUA VONTADE, DENTRE TODO O GÊ NERO HUMANO, DECAÍDO, POR
SUA PRÓ PRIA CULPA, DE SUA INTEGRIDADE ORIGINAL PARA O PECADO E A PERDIÇÃ O. [...] DEUS FEZ ISTO PARA A DEMONSTRAÇÃ O DE SUA MISERICÓ RDIA E PARA O LOUVOR

DA RIQUEZA DE SUA GLORIOSA GRAÇA.


[250]
 
Apesar de as bases dessa doutrina reformada [251] estarem no
Novo Testamento, principalmente nos livros de Romanos e Efésios,
[252] o Antigo Testamento trata o tema da eleiçã o de Deus.
Contudo, dados a relaçã o específica entre Deus e Israel e o propó sito
histó rico dessa naçã o, a eleiçã o, no Antigo Testamento, assume mais
de uma forma.
 
1. A eleição para a salvação
 
Apesar de esse ser o ponto culminante da doutrina da eleiçã o no
Novo Testamento, no Antigo só podemos chegar a ele por meio de
deduçã o, com o auxílio da mensagem do Novo Testamento. Podemos
ver algumas fagulhas da eleiçã o para a salvaçã o no cumprimento da
salvaçã o entre os gentios, segundo observou Lucas: “ OS GENTIOS ,
OUVINDO ISTO, REGOZIJAVAM-SE E GLORIFICAVAM A PALAVRA DO SENHOR, E
CRERAM TODOS OS QUE HAVIAM SIDO DESTINADOS PARA A VIDA ETERNA ” (At
13.48 – destaque meu).
Esse acontecimento se deve ao fato de Deus ter decretado tal
alcance para a obra redentora de Cristo que foi prevista por Isaías:
“Também te dei como LUZ PARA OS GENTIOS , PARA SERES A MINHA
SALVAÇÃO ATÉ À EXTREMIDADE DA TERRA ” (Is 49.6b – destaque meu).
[253] Ressalte-se que, mesmo com a forte conexã o entre esse dois
textos, o cará ter genérico da profecia de Isaías destoa do cará ter
específico e pessoal da constataçã o de Atos. Sendo assim, ainda é
por deduçã o que chegamos a ver a eleiçã o pessoal para a salvaçã o
no texto do Antigo Testamento.
Apesar disso, um fator essencial à doutrina da eleiçã o para a
justificaçã o pode ser notado desde o livro de Gênesis: a
“incondicionalidade”. Significa que Deus nã o procurou condiçõ es
fora do seu pró prio plano ou desejo para chamar Abraã o, visto que
nã o havia nele pontos positivos a se considerar.
Em lugar disso, vemos um Abraã o idó latra antes do seu chamado.
Isso porque Abraã o, em sua mocidade, junto com sua família
participava de uma adoraçã o pagã : “Antigamente, vossos pais, Tera ,
PAI DE ABRAÃ O E DE NAOR, HABITARAM DALÉ M DO EUFRATES E SERVIRAM A
OUTROS DEUSES ” (Js 24.2b – destaque meu). Merrill afirma que “a
principal divindade adorada em Ur era o deus lua sumeriano
Nannar, conhecido em acadiano como Sin. Nã o há dú vida de que
Abrã o e sua família eram devotos fiéis a Sin e à s divindades a ele
associadas”. [254]
Deus chamou Abraã o nessas condiçõ es, na sua terra e enquanto
vivia como seus conterrâ neos. O chamado de Deus, em primeiro
lugar, o afastou da idolatria do seu povo e da sua casa e o fez andar
pró ximo de Deus rumo a uma terra que ele nã o conhecia, fazendo-o
confiado na bondade e na veracidade do Senhor que o chamou. Em
meio a essa jornada com Deus, “e LE CREU NO SENHOR, E ISSO LHE FOI
IMPUTADO PARA JUSTIÇA” (GN 15.6) E “FOI CHAMADO AMIGO DE DEUS” (TG
2.23).
Se percebermos que Abraã o nunca teria conhecido nada disso se o
Senhor nã o o tivesse chamado dentre todos os homens da terra, a
deduçã o da eleiçã o de Abraã o para a justificaçã o por meio da fé nã o
é algo a ser desprezado. Pelo contrá rio, ela produziu, mesmo nos
mais antigos leitores de Gênesis, uma noçã o mais apurada a respeito
da graça imerecida que o Senhor aplica aos homens que chama e
santifica para si.
Talvez o exemplo mais nítido da escolha imerecida de Deus por um
servo a quem vai justificar seja o caso de Jacó . Ainda que nã o haja
uma declaraçã o aberta sobre a eleiçã o para a justificaçã o, [255]
está presente só a “incondicionalidade” da escolha, visto que ele
demonstrou falhas enormes de cará ter. Está presente, também, um
concorrente na escolha – Esaú – que também nã o merecia ser
escolhido por Deus para o nobre propó sito dado a Jacó . Entretanto,
sendo primogênito, esse seria o fator de desempate em uma escolha
difícil. Entretanto, Deus escolheu o mais moço em lugar do mais
velho (Gn 25.23). [256] Esse é um exemplo palpá vel de eleiçã o,
contudo, nã o claramente para a salvaçã o, ainda que a escolha tenha,
posteriormente, resultado nisso.
Isso também revela que Deus escolhe quem quer amar. Por isso,
ainda que os dois meninos fossem filhos dos mesmos pais, nascidos
no mesmo dia e compartilhando a mesma condiçã o espiritual (ver Sl
51.5), Deus “decidiu” amar Jacó e rejeitar Esaú : “Nã o foi Esaú irmã o
de Jacó ? – DISSE O SENHOR; TODAVIA, AMEI A JACÓ , PORÉ M ABORRECI A
ESAÚ ” (Ml 1.2,3). A igualdade entre os irmã os, expressa na pergunta
“nã o foi Esaú irmã o de Jacó ?”, aponta para o “amor” de Deus como
fator que distinguiu os irmã os.
Mais um fator comum à doutrina reformada da eleiçã o é a ênfase na
“vontade de Deus” como fator determinante: “ RESPONDEU-LHE: FAREI
PASSAR TODA A MINHA BONDADE DIANTE DE TI E TE PROCLAMAREI O NOME DO
SENHOR; TEREI MISERICÓRDIA DE QUEM EU TIVER MISERICÓRDIA E ME
COMPADECEREI DE QUEM EU ME COMPADECER ” (Ex 33.19 – destaque meu).
O trecho destacado foi utilizado por Paulo em associaçã o à “justa
vontade de Deus” como causa da eleiçã o incondicional dos seus
servos (Rm 9.14,15), e conclui: “ ASSIM, POIS, NÃ O DEPENDE DE QUEM
QUER OU DE QUEM CORRE, MAS DE USAR DEUS A SUA MISERICÓ RDIA” (RM
9.16).
É nítida a dependência do Antigo Testamento da mensagem do Novo
para formar o conceito da eleiçã o incondicional para a justificaçã o,
fato que conduz à conclusã o de que ela é uma doutrina
fundamentalmente neotestamentá ria (Rm 8.28-30; 9.11-23; Ef
1.4,5,11). [257]
 
2. A eleição para propósitos específicos
 
Tendo em mente as limitaçõ es do sentido neotestamentá rio de
eleiçã o no Antigo Testamento, há nele outros dois sentidos nã o
apenas presentes, mas com presença enfá tica. O primeiro deles é a
eleiçã o de pessoas (naçõ es também podem ser incluídas nesse
sentido, apesar de ser mais raro) a fim de cumprirem propó sitos de
Deus na administraçã o da histó ria. Essa eleiçã o normalmente está
ligada também a um chamado para a justificaçã o, mas nem sempre.
Deus elegeu pessoas que simplesmente atuaram historicamente
como Deus pretendia, mas que nã o chegaram a conhecê-lo como
redentor de suas vidas.
Um exemplo marcante de eleiçã o é Abraã o. Nele convergem os três
tipos de eleiçã o. A eleiçã o para a salvaçã o nã o é afirmada, mas é
deduzida pelo resultado do chamado divino. Sua eleiçã o pessoal é,
também, a eleiçã o do povo de Israel – sendo esse o terceiro sentido
de eleiçã o, o qual será tratado no pró ximo tó pico. Deus o chama,
sem que apresentasse méritos pessoais, para iniciar por meio dele
um povo pelo qual o Senhor traria a redençã o dos pecados, um povo
de onde viria um salvador. Seria, também, o povo por meio de quem
Deus se revelaria aos homens demonstrando-lhes a necessidade que
têm de buscar o Senhor pela fé para o perdã o dos pecados e para a
anulaçã o da sua culpa e condenaçã o.
Nesse sentido, Deus se refere ao propó sito da escolha e do chamado
de Abraã o nos seguintes termos: “ PORQUE EU O ESCOLHI [258] PARA
QUE ORDENE A SEUS FILHOS E A SUA CASA DEPOIS DELE, A FIM DE QUE
GUARDEM O CAMINHO DO SENHOR E PRATIQUEM A JUSTIÇA E O JUÍZO; PARA
QUE O SENHOR FAÇA VIR SOBRE ABRAÃ O O QUE TEM FALADO A SEU RESPEITO”
(GN 18.19 – destaque meu). Abraã o era o veículo da existência de
um povo pactual que Deus utilizaria na histó ria, era o abençoador
nã o só da sua descendência, mas de todas as naçõ es (Gn 12.3), além
de ser o exemplo motivador de Israel, conforme diz esse texto, de
obedecerem ao Senhor e imitarem as características do patriarca
que foi chamado “amigo de Deus”.
Moisés também foi escolhido por Deus para realizar tarefas da
maior importâ ncia na histó ria de Israel e da redençã o. Ele foi
chamado para tirar Israel do Egito (Ex 3.7-10), para mediar a aliança
entre Deus e Israel (Ex 20.19-22; 24.1-12) e para fazer registros
fundamentais das Escrituras (Ex 17.14; 34.27; Dt 31.24). Sobre ele,
“disse Samuel ao povo: Testemunha é o SENHOR , que escolheu a
Moisés e a Arã o [259] e tirou vossos pais da terra do Egito” (1Sm
12.6 – destaque meu). A palavra hebraica utilizada nesse texto é
“fazer” ( “ASSÂ ”, em hebraico). Literalmente, o texto diz: “O SENHOR ,
que fez a Moisés”. Esse verbo está ligando a açã o de Deus sobre
Moisés à tarefa de tirar os pais da terra do Egito. Sendo assim, o
sentido do verbo aponta para o fato de Deus ter feito de Moisés o
agente da sua atuaçã o libertadora. O tê-lo “feito”, portanto, implica
escolha divina, de modo que a traduçã o acima de 1Samuel 12.6
corresponde à realidade.
A tribo de Levi – os levitas – também foi escolhida e separada por
Deus para um propó sito dentro de Israel: “ PORQUE O SENHOR, TEU
DEUS, O ESCOLHEU [260] DE ENTRE TODAS AS TUAS TRIBOS PARA MINISTRAR
EM O NOME DO SENHOR , ELE E SEUS FILHOS, TODOS OS DIAS” (Dt 18.5 –
destaque meu). Nesse mesmo sentido, Deuteronô mio 21.5 afirma
que os propó sitos da escolha dos levitas é separá -los “para o
servirem, para abençoarem em nome do SENHOR E, POR SUA PALAVRA,
DECIDIREM TODA DEMANDA E TODO CASO DE VIOLÊ NCIA”. ASSIM, O ENCARGO
DE TODOS OS SERVIÇOS NO TABERNÁ CULO FICOU SOB A RESPONSABILIDADE
DOS LEVITAS.
Como um levita, Arã o também foi escolhido para desenvolver uma
atividade peculiar no culto israelita, que era o “sacerdó cio”. Quando
Eli peca contra Deus, fazendo “vistas grossas” aos pecados de seus
filhos, Deus fala a ele sobre o chamado da “casa de teu pai” (Arã o),
dizendo: “ EU O ESCOLHI DENTRE TODAS AS TRIBOS DE ISRAEL PARA SER O MEU
SACERDOTE” (1SM 2.28A). A NET BIBLE traduz: “Eu escolhi seu ancestral
de todas as tribos de Israel para ser meu sacerdote”. [261] Fica
claro que a escolha de Deus é o fator que alterou o rumo da vida de
Arã o e seus descendentes e nã o qualquer qualidade ligada ao
pró prio Arã o. Como Deus o escolheu, poderia ter escolhido a
qualquer um que desejasse.
O caso de Saul, como escolha divina para iniciar a monarquia
israelita, é curioso. Samuel afirma a escolha divina para o cargo real:
“ VEDES A QUEM O SENHOR ESCOLHEU? POIS EM TODO O POVO NÃO HÁ NENHUM
SEMELHANTE A ELE. ENTÃO, TODO O POVO ROMPEU EM GRITOS, EXCLAMANDO:
VIVA O REI! (1Sm 10.24 cf. v.21). Porém, duas realidades tornam tal
escolha uma exceçã o entre os casos vistos até agora. Em primeiro
lugar, a escolha de Saul como rei parece nã o ter encontrado o
mesmo ato de Deus a fim de justificá -lo pela fé. Tirando seus
primeiros dias como rei – provavelmente, ainda sob a influência da
pequena posiçã o que sua família ocupava mesmo na sua pró pria
tribo (1Sm 9.21) –, Saul demonstrou ser uma pessoa que nã o temia a
Deus, nem se preocupava em obedecê-lo.
As sucessivas declaraçõ es de rejeiçã o de Saul por parte de Deus
(1Sm 13.14; 15.28; 28.17,18) combinam com pecados terríveis,
como perseguir Davi por ciú mes (1Sm 18.8,9) e matar os sacerdotes
israelitas (1Sm 22.18.19). O fato de Deus ter retirado dele seu
Espírito e, em consequência disso, ele passar a ser atormentado por
um espírito maligno (1Sm 16.14), sugerem que ele nunca foi
justificado pela fé, a exemplo de outros homens do Antigo
Testamento que creram e foram salvos.
Em segundo lugar, Deus o escolheu para exercer um tipo de puniçã o
aos israelitas insubmissos, aplicando-lhes sua ira. Tal insubmissã o
se viu na açã o de os israelitas pedirem um rei. Seu rei, até entã o, era
o pró prio Deus, de modo que o pedido deles incorria na rejeiçã o do
Senhor como líder nacional: “Disse o SENHOR A SAMUEL: ATENDE À VOZ
DO POVO EM TUDO QUANTO TE DIZ, POIS NÃO TE REJEITOU A TI, MAS A MIM,
PARA EU NÃO REINAR SOBRE ELE ” (1Sm 8.7). A motivaçã o parece nã o ser
simplesmente ter um sistema de governo por meio de uma
monarquia – Deus havia incluído esse propó sito em suas promessas
(Gn 17.16) –, mas desejar ser como as naçõ es circunvizinhas, naçõ es
que o Senhor nã o tinha santificado para si. Era, em resumo, uma
fuga da responsabilidade de ser um “povo santo”: “Constitui-nos,
pois, agora, um rei sobre nó s, para que nos governe, COMO O TÊM
TODAS AS NAÇÕES ” (1Sm 8.5b – destaque meu).
Isso suscitou a ira do Senhor de modo a escolher Saul nã o para a
bênçã o do povo, mas como modo de lançar sobre Israel essa ira.
Oseias se refere a esse pedido por um rei e diz: “Dei-te um rei NA
MINHA IRA E TO TIREI NO MEU FUROR ” (Os 13.11 cf. v.10 – destaque meu).
Ao dizer que em lugar de Saul, Deus deu Davi como rei, qualificando-
o como “homem segundo o meu coraçã o” (At 13.22 cf. v.21), Deus dá
mostras de que Saul era o rei “segundo o coraçã o do povo”, um rei
como das outras naçõ es.
O resultado desse desejo foi sofrimento diante da guerra e a
eliminaçã o da casa real corrompida. A escolha de Saul, portanto, é
um tipo peculiar de eleiçã o pessoal para um propó sito. Uma na qual
o propó sito é apenas histó rico e nã o salvífico. Mesmo assim, é uma
eleiçã o que se enquadra no devido conceito veterotestamentá rio.
Depois da escolha de Saul como puniçã o aos israelitas, Deus efetua
outra escolha e elege Davi como rei. A nítida escolha surge quando
Deus envia Samuel à casa de Jessé para ungir o pró ximo rei. Lá ,
Samuel conheceu primeiro os irmã os de Davi, mas “ O SENHOR NÃ O
ESCOLHEU ESTES” (1SM 16.10). SABENDO DA EXISTÊ NCIA DE OUTRO FILHO
QUE ALI NÃ O SE ENCONTRAVA, “mandou chamá -lo e fê-lo entrar. Era ele
ruivo, de belos olhos e boa aparência. DISSE O SENHOR: LEVANTA-TE E
UNGE-O, POIS ESTE É ELE ” (1Sm 16.12 – destaque meu). Asafe
reconhece essa escolha e declara: “Também ESCOLHEU A DAVI, SEU
SERVO,  E O TOMOU DOS REDIS DAS OVELHAS” (SL 78.70 – destaque meu).
Quando Davi é chamado de “homem segundo o meu coraçã o” (At
13.22), é comum os leitores relacionarem essa designaçã o à ideia de
um homem cujo coraçã o estava ligado a Deus. Ainda que isso seja
verdade – a histó ria de Davi o mostra –, a designaçã o em questã o se
refere ao coraçã o de Deus e nã o de Davi. É como se Deus dissesse:
“Esse é o homem segundo o meu propó sito”, ou “segundo o meu
desejo”. É uma referência direta à eleiçã o de Davi como rei que
cumpriria a promessa feita aos patriarcas de um rei que seria da
tribo de Judá (Gn 17.16; 35.11; 49.10). Por isso, ele podia se referir a
isso com propriedade: “ DISSE, PORÉ M, DAVI A MICAL: PERANTE O
SENHOR, QUE ME ESCOLHEU A MIM ANTES DO QUE A TEU PAI E A TODA A SUA
CASA, MANDANDO-ME QUE FOSSE CHEFE SOBRE O POVO DO SENHOR, SOBRE
ISRAEL , PERANTE O SENHOR ME TENHO ALEGRADO” (2Sm 6.21 – destaque
meu). A pró pria escolha de Davi revela em uníssono a escolha de
Judá como tribo da qual viria a linhagem real da promessa:
 
DAVI DISSE: “O SENHOR, DEUS DE ISRAEL, ME ESCOLHEU DE TODA A CASA DE MEU PAI, PARA QUE ETERNAMENTE FOSSE EU REI SOBRE ISRAEL; PORQUE A JUDÁ ESCOLHEU

POR PRÍNCIPE E A CASA DE MEU PAI, NA CASA DE JUDÁ ; E ENTRE OS FILHOS DE MEU PAI SE AGRADOU DE MIM, PARA ME FAZER REI SOBRE TODO O ISRAEL” (1CR 28.4 –

DESTAQUE MEU).

 
Salomã o, filho de Davi, também foi alvo de uma escolha para uma
tarefa específica. Quando Davi se propô s a construir um templo para
o Senhor, em Jerusalém, que substituísse o taberná culo – pois achou
que um tipo de barraca nã o transmitia a gló ria divina –, o Senhor o
impediu a efetuar a empreita e disse que seu herdeiro o faria.
Davi tinha vá rios filhos e alguns deles aspiravam ao trono.
Entretanto, o Senhor escolheu quem seria o pró ximo rei: “ TEU FILHO
SALOMÃ O É QUEM EDIFICARÁ A MINHA CASA E OS MEUS Á TRIOS, PORQUE O
ESCOLHI PARA FILHO E EU LHE SEREI POR PAI ” (1Cr 28.6 – destaque meu).
Davi nã o deixou de transmitir tal fato a Salomã o (1Cr 28.1-7) e
acrescentou que essa escolha se estendia à tarefa de ser o construtor
do templo em Jerusalém: “Agora, pois, atende a tudo, porque o
SENHOR TE ESCOLHEU PARA EDIFICARES CASA PARA O SANTUÁRIO ; SÊ FORTE E
FAZE A OBRA” (1CR 28.10 – DESTAQUE MEU).
A eleiçã o para um propó sito levantou, também, profetas. Em alguns
casos, isso fica implícito, como nos chamados de Isaías (Is 6.1-10) e
de Amó s (Am 7.14,15). Contudo, no caso de Jeremias, a escolha
prévia para a funçã o profética é declarada de modo explícito: “
ANTES QUE EU TE FORMASSE NO VENTRE MATERNO, EU TE CONHECI, E, ANTES
QUE SAÍSSES DA MADRE, TE CONSAGREI, E TE CONSTITUÍ PROFETA À S NAÇÕ ES”
(JR 1.5).
Líderes políticos de outras naçõ es também sã o alvo, no Antigo
Testamento, de eleiçã o divina para realizarem uma funçã o de ordem
histó rica. Um desses líderes foi Nabucodonosor, chefe do que foi
conhecido como “Império Neo-Babilô nico”, [262] o qual durou
setenta anos (609-539 a.C.). [263] Como instrumento histó rico
escolhido por Deus, o Senhor o chama de “ NABUCODONOSOR, REI DA
BABILÔ NIA, MEU SERVO ” (Jr 27.6) e diz que lhe entregará as naçõ es.
Como ferramenta escolhida, ele teria a tarefa de trazer “espanto” e
“ruínas perpétuas” à s “naçõ es em redor” (Jr 25.9), ao distante Egito
(Jr 43.10,11) e até à naçã o de Judá e sua capital Jerusalém, como
puniçã o prevista pelos seus pecados contra o Senhor:
 
PORTANTO, ASSIM DIZ O SENHOR: EIS QUE ENTREGO ESTA CIDADE NAS MÃOS DOS CALDEUS, NAS MÃOS DE NABUCODONOSOR, REI DA BABILÔNIA, E ELE A TOMARÁ . OS

CALDEUS, QUE PELEJAM CONTRA ESTA CIDADE, ENTRARÃ O NELA, PORÃ O FOGO A ESTA CIDADE E QUEIMARÃ O AS CASAS SOBRE CUJOS TERRAÇOS QUEIMARAM INCENSO A BAAL

E OFERECERAM LIBAÇÕ ES A OUTROS DEUSES, PARA ME PROVOCAREM À IRA. PORQUE OS FILHOS DE ISRAEL E OS FILHOS DE JUDÁ NÃ O FIZERAM SENÃ O MAL PERANTE MIM,

DESDE A SUA MOCIDADE; PORQUE OS FILHOS DE ISRAEL NÃ O FIZERAM SENÃ O PROVOCAR-ME À IRA COM AS OBRAS DAS SUAS MÃ OS, DIZ O SENHOR (JR 32.28-30 – DESTAQUE

MEU).

 
Outro líder mundial escolhido por Deus para administrar a histó ria
foi Ciro, chefe do império medo-persa, o qual derrubou o império
neo-babilô nico na segunda metade do século 6 a.C. Se
Nabucodonosor é chamado “meu servo”, Ciro é chamado “meu
pastor” e “ungido do Senhor” (Is 44.28; 45.1). Em primeiro lugar,
sua funçã o é derrubar reinos dentre os quais o principal é a
Babilô nia: “ ASSIM DIZ O SENHOR AO SEU UNGIDO, A CIRO, A QUEM TOMO
PELA MÃ O DIREITA, PARA ABATER AS NAÇÕES ANTE A SUA FACE ” (Is 45.1a –
destaque meu).
Em segundo lugar, por meio de uma política externa diferente da
praticada pelos predecessores assírios e babilô nicos, tinha a funçã o
de fazer os israelitas exilados voltarem a Judá e reconstruírem
Jerusalém e o templo: “ DIGO DE CIRO : ELE É MEU PASTOR E CUMPRIRÁ
TUDO O QUE ME APRAZ; QUE DIGO TAMBÉ M DE JERUSALÉM: SERÁ EDIFICADA ; E
DO TEMPLO: SERÁ FUNDADO ” (Is 44.28 – destaque meu) e “na minha
justiça, suscitei a CIRO E [...] ELE EDIFICARÁ A MINHA CIDADE E LIBERTARÁ OS
MEUS EXILADOS , NÃ O POR PREÇO NEM POR PRESENTES, DIZ O SENHOR DOS
EXÉ RCITOS” (IS 45.13 – destaque meu). Se Nabucodonosor foi o
instrumento da “ira” de Deus, Ciro foi o instrumento da sua “graça” e
da sua “fidelidade à aliança”. A eleiçã o de Ciro fica ainda mais
evidente quando se nota que Isaías proferiu essas profecias mais de
cento e cinquenta anos antes de elas se cumprirem. [264]
 
3. A eleição de Israel
 
De todos os conceitos da eleiçã o, esse é certamente o mais
importante no Antigo Testamento. A eleiçã o de Israel como povo
com quem Deus se relacionaria de maneira especial e que teria uma
funçã o histó rica ímpar é um dos assuntos que guiam a teologia do
Antigo Testamento.
O chamado de Abraã o, por si só , implica a eleiçã o de Israel como um
povo santificado pelo Senhor para a execuçã o do seu plano redentor
– nesse aspecto, essa eleiçã o encontra paralelos com a eleiçã o de
pessoas para propó sitos específicos. Contudo, o chamado do povo
escravizado no Egito, sua libertaçã o e a aliança feita no Sinai sã o a
separaçã o efetiva desse povo para se tornar um servo especial do
Senhor na terra. Nã o é, fundamentalmente, uma naçã o cheia de
servos individualmente eleitos, mas “um servo” como “povo santo”.
A naçã o israelita, como um todo, é uma entidade com quem Deus fez
um pacto e a quem Deus chamou de “filho”. Comentando sobre a
clá usula “naçã o santa”, presente na instituiçã o da aliança no Sinai,
Walter Kaiser Jr. diz:
 
NUNCA MAIS OS DESCENDENTES DOS PATRIARCAS FORAM TIDOS SOMENTE COMO UMA FAMÍLIA. ELES ASSUMIRAM UMA IDENTIDADE NACIONAL DISTINTA, MAS DE UM TIPO

ATÍPICO. COLETIVAMENTE, ELES ERAM DIVINAMENTE DESIGNADOS COMO “MEU FILHO”, “PRIMOGÊ NITO” DE DEUS (EX 4.22 CF. JR 31.9). ESSA IDEIA DE UMA FILIAÇÃ O

DIVINA DA TODA A NAÇÃ O FOI UMA EXTENSÃ O DA IDEIA DA ELEIÇÃ O. ESTÁ , TAMBÉ M, IMPLÍCITO UM RELACIONAMENTO FAMILIAR NO QUAL ESSE GRUPO COMPARTILHA DOS

BENEFÍCIOS OBTIDOS PARA ELES POR MEIO DO SEU GOEL (“RESGATADOR”) NO Ê XODO. SEU STATUS DE “PRIMOGÊ NITO” SIGNIFICAVA QUE ELES FORAM ESCOLHIDOS PARA
PREEMINÊ NCIA EM POSTO E POSIÇÃ O (NÃ O NECESSARIAMENTE EM ORDEM CRONOLÓ GICA) NO SENTIDO DE QUE ELES PUDESSEM MEDIAR AS BÊ NÇÂ OS DE DEUS PARA TODAS

AS NAÇÕ ES.
[265]
 
Diante da escolha desse povo, devemos fazer duas perguntas. A
primeira é: “Por que Deus escolheu Israel?”. Para responder, a
primeira observaçã o a ser feita é a ocasiã o da eleiçã o do Senhor.
Israel nã o foi uma escolha de ú ltima hora. Essa eleiçã o foi feita
previamente, mesmo antes de o povo vir a existir. Na verdade, a
escolha do Senhor, unida à divina soberania, foi a causa da
existência do povo escolhido. Nã o foi uma escolha em meio a
contingências, mas uma livre escolha baseada somente na “vontade”,
simplesmente “ PORQUE APROUVE AO SENHOR FAZER-VOS O SEU POVO”
(1SM 12.22).
Se, por um lado, a ideia da eleiçã o de Israel só é introduzida depois
de ser, de fato, aplicada por Deus, [266] Isaías associa a eleiçã o de
Israel à sua pró pria formaçã o: “ AGORA, POIS, OUVE, Ó JACÓ , SERVO MEU, Ó
ISRAEL, A QUEM ESCOLHI . ASSIM DIZ O SENHOR, QUE TE CRIOU, E TE FORMOU
DESDE O VENTRE , E QUE TE AJUDA: NÃ O TEMAS, Ó JACÓ , SERVO MEU, Ó AMADO,
A QUEM ESCOLHI ” (Is 44.1,2 – destaque meu). Desse modo, os critérios
utilizados por Deus para realizar a escolha nã o foram as qualidades
dos israelitas, mas “o amor à naçã o” e a “fidelidade à s suas
promessas”:
 
NÃ O VOS TEVE O SENHOR AFEIÇÃ O, NEM VOS ESCOLHEU PORQUE FÔ SSEIS MAIS NUMEROSOS DO QUE QUALQUER POVO, POIS É REIS O MENOR DE TODOS OS POVOS,  MAS

PORQUE O SENHOR VOS AMAVA E, PARA GUARDAR O JURAMENTO QUE FIZERA A VOSSOS PAIS , O SENHOR VOS TIROU COM MÃ O PODEROSA E VOS RESGATOU DA CASA DA

SERVIDÃ O, DO PODER DE FARAÓ , REI DO EGITO (DT 7.7,8 CF. 10.15; 14.2; EZ 20.5,6 – DESTAQUE MEU).

 
A segunda pergunta a se fazer diante da eleiçã o de Israel por Deus é:
“Para que Deus escolheu Israel?”. Há , basicamente, duas respostas
para isso. Uma envolve “propriedade” e outra, “funçã o”. Como
propriedade, Deus declara: “ POIS O SENHOR ESCOLHEU PARA SI A JACÓ  E
A ISRAEL, PARA SUA POSSESSÃO ” (Sl 135.4). Pode-se criar uma objeçã o a
isso, já que tudo é possessã o de Deus: “Teus sã o os céus, tua, a terra;
o mundo e a sua plenitude, tu os fundaste” (Sl 89.11).
Diante disso, que novidade haveria em Israel pertencer a Deus? Na
verdade, a pró pria pergunta provê a resposta. Fica claro que a
descendência de Jacó nã o é, para Deus, o mesmo tipo de possessã o
que toda a criaçã o. Deus tem Israel como uma propriedade especial,
ou, segundo as palavras da formulaçã o da aliança mosaica no Sinai,
uma “ PROPRIEDADE PECULIAR DENTRE TODOS OS POVOS” ( Ex 19.5).
Como propriedade peculiar de Deus, Israel foi escolhido para ser,
também, um povo santo, isto é, um povo separado por Deus,
separado das outras naçõ es e dos seus vis procedimentos e
separado para o propó sito e para a gló ria do seu Senhor e criador:
“Porque TU ÉS POVO SANTO AO SENHOR , TEU DEUS; O SENHOR, TEU DEUS, TE
ESCOLHEU, PARA QUE LHE FOSSES O SEU POVO PRÓ PRIO, DE TODOS OS POVOS
QUE HÁ SOBRE A TERRA” (Dt 7.6 – destaque meu).
O fato de Deus ter escolhido Israel para ser sua “posse santa”,
implica abandono de pecado por parte dos israelitas e purificaçã o
diante do Senhor. Isso nã o é uma sugestã o, mas uma obrigaçã o, de
modo que, quando o povo age de modo contrá rio, o Senhor levanta
puniçã o sobre ele: “ DE TODAS AS FAMÍLIAS DA TERRA, SOMENTE A VÓ S
OUTROS VOS ESCOLHI; PORTANTO, EU VOS PUNIREI POR TODAS AS VOSSAS
INIQUIDADES ” (Am 3.1,2 – destaque meu). O fato é que, ser eleito do
Senhor, implica viver de acordo com sua vontade revelada. [267]
Em relaçã o à “funçã o” de Israel como povo eleito, surge, em
primeiro lugar, um objetivo divino em curto prazo de introduzir o
povo na terra prometida a Abraã o e fazer dele uma grande naçã o,
cumprindo fielmente as promessas feitas aos patriarcas: “Porquanto
amou teus pais, e escolheu a sua descendência depois deles, e te
tirou do Egito, ele mesmo presente e com a sua grande força, PARA
LANÇAR DE DIANTE DE TI NAÇÕES MAIORES E MAIS PODEROSAS DO QUE TU, PARA
TE INTRODUZIR NA SUA TERRA E TE DAR POR HERANÇA , COMO HOJE SE VÊ ( Dt
4.37,38 – destaque meu).
A longo prazo, a funçã o de Israel, como naçã o escolhida por Deus, é
mais abrangente e envolve a pró pria histó ria da redençã o do
homem pecador. Essa resposta virá da compreensã o das alianças
que Deus fez com Israel no Antigo Testamento. Na verdade, boa
parte da compreensã o de todo o Antigo Testamento e do seu
relacionamento com a mensagem do Novo depende do
entendimento correto das alianças.
 
AS ALIANÇAS
 
A primeira aliança divina clara no Antigo Testamento foi feita com
Noé e a primeira aliança a ter relaçã o direta com os israelitas é a
aliança feita com o patriarca Abraã o. Entretanto, há sugestõ es de
outras alianças anteriores. Arthur W. Pink alista as alianças
colocando nos dois primeiros lugares a “aliança eterna” e a “aliança
adâ mica”. [268]
O que ele entende por “aliança eterna” é o fato de, antes da criaçã o,
Deus ter decretado entregar seu Filho à morte para fazer “provisã o
de graça” a fim de salvar os perdidos arrependidos (Ap 13.8).
Gênesis 3.15, o protoevangelho, seria o primeiro vislumbre dessa
aliança feita na eternidade. Seria uma aliança de salvaçã o pela graça,
enquanto as outras eram alianças de bênçã o temporais. Fazendo
isso, Pink a vê ao das Escrituras. Um exemplo é a interpretaçã o que
ele deu à s palavras de Davi: “Pois [Deus] estabeleceu comigo uma
ALIANÇA ETERNA ” (2Sm 23.5 – destaque meu). [269]
A DIFICULDADE DESSA CONSTRUÇÃ O TEOLÓ GICA É QUE O TERMO “ALIANÇA
ETERNA” APARECE VÁ RIAS VEZES NA BÍBLIA PARA SE REFERIR AO “CARÁ TER
PERMANENTE” DAS ALIANÇAS. DEUS USA A MESMA EXPRESSÃ O ( BERÎT Ô LAM )
QUANDO FALA A NOÉ : “ O ARCO ESTARÁ NAS NUVENS; VÊ -LO-EI E ME
LEMBRAREI DA ALIANÇA ETERNA ENTRE DEUS E TODOS OS SERES VIVENTES DE
TODA CARNE QUE HÁ SOBRE A TERRA” (GN 9.16). O ARCO, SEGUNDO O
CONTEXTO, É “O SINAL DA ALIANÇA ESTABELECIDA ENTRE MIM [DEUS] E TODA
CARNE SOBRE A TERRA” (GN 9.17 – DESTAQUE MEU).
A aliança, em questã o, nã o é o decreto de salvar pecadores pela
graça, mas nã o enviar outro dilú vio que matasse toda a carne,
incluindo os animais (Gn 9.8-17). “Eterna” é a duraçã o dessa aliança
e nã o uma nova categoria pactual. [270] Parece que Pink
confundiu a “eleiçã o para a salvaçã o” – que, de fato, ocorreu antes da
fundaçã o do mundo – com uma aliança que nã o é declarada e que
nã o é necessá ria para o conceito de eleiçã o. A dependência que as
alianças têm da eleiçã o nã o se repete no sentido contrá rio.
A segunda aliança, conforme a proposta de Pink, é a “aliança
adâ mica”, também conhecida como “aliança edênica”.  Pink associa a
ideia da aliança ao cará ter de Adã o como representante de toda a
humanidade – “cabeça federal”. Desse modo, quando Adã o pecou, o
efeito sobre a raça humana é que cada pessoa se tornou culpada
como se ela mesma estivesse no É den e desobedecesse ao Senhor
(1Co 15.22 cf. Rm 5.12-19). [271] Pink identifica os elementos de
uma aliança na afirmaçã o de morte para Adã o caso pecasse (Gn
2.17). [272] Sendo assim, ele aponta para o testemunho de Oséias:
“Mas eles transgrediram A ALIANÇA, COMO ADÃO ” (Os 6.7). [273]
O grande problema é que Oséias nã o está acusando os israelitas de
terem quebrado uma aliança feita no É den, mas de terem quebrado
a “aliança mosaica”, pela qual o Senhor os atingiu e trouxe puniçã o
por meio das mensagens dos profetas (Os 6.5). Esses, tanto
anunciaram o juízo como evidenciaram os preceitos justos contidos
na lei, sem os quais nã o era possível agradar a Deus simplesmente
cumprindo estatutos (Os 6.6). Parece que Adã o, nesse contexto, é
alguém cuja desobediência é compará vel à Israel, já que ambos
foram privilegiados com conhecimento do Senhor e bênçã os
maravilhosas da parte dele, ao que responderam com incredulidade,
orgulho e rebeldia. De qualquer modo, essa aliança nã o é claramente
afirmada nas Escrituras. O conceito de uma aliança é
desnecessariamente aplicado no suporte de verdades bíblicas como
a queda da humanidade na queda de Adã o.
A primeira aliança declarada no Antigo Testamento – como já
dissemos – é a aliança noaica. Ela é marcada pelo uso da palavra
“BERÎT” (aliança), [274] citada pela primeira vez em Gênesis 6.18.
Outra palavra característica das alianças é o verbo “ KARAT ”
(literalmente, “cortar”), [275] frequentemente associado a “BERÎT ”,
mas sua primeira apariçã o nas Escrituras se dá somente na
celebraçã o da aliança abraâ mica (Gn 15.18). [276]
A aliança noaica foi previamente anunciada por Deus a Noé: “
CONTIGO, PORÉM, ESTABELECEREI A MINHA ALIANÇA ; ENTRARÁ S NA ARCA, TU E
TEUS FILHOS, E TUA MULHER, E AS MULHERES DE TEUS FILHOS” (Gn 6.18).
Apesar de a primeira impressã o ser a de que a aliança envolve o
salvamento pela arca, quando Deus, de fato, fez esse pacto, ele
apontou para a garantia da inexistência de outro dilú vio como meio
de puniçã o divina. Foi uma aliança da parte de Deus – somente ele se
comprometeu sem exigir certas condiçõ es para o cumprimento, o
que faz dela uma aliança “incondicional” –, cujos beneficiá rios
seriam Noé, sua descendência (a raça humana) e os animais.
 
DISSE TAMBÉ M DEUS A NOÉ E A SEUS FILHOS: EIS QUE ESTABELEÇO A MINHA ALIANÇA CONVOSCO, E COM A VOSSA DESCENDÊNCIA, E COM TODOS OS SERES VIVENTES QUE

ESTÃO CONVOSCO : TANTO AS AVES, OS ANIMAIS DOMÉ STICOS E OS ANIMAIS SELVÁ TICOS QUE SAÍRAM DA ARCA COMO TODOS OS ANIMAIS DA TERRA. ESTABELEÇO A MINHA

ALIANÇA CONVOSCO: NÃO SERÁ MAIS DESTRUÍDA TODA CARNE POR ÁGUAS DE DILÚVIO, NEM MAIS HAVERÁ DILÚVIO PARA DESTRUIR A TERRA (GN 9.8-12 – DESTAQUE MEU).

[277]
 
Apesar da importâ ncia que essa garantia representa para toda a
vida, principalmente a humana, a partir daí, tal pacto nã o visa
produzir um relacionamento entre os homens caídos e o criador, a
nã o ser impedindo que sejam exterminados sem que tenham chance
de chegar a ele pelos devidos meios que ele proveu para isso. Nã o há
“mutualidade” nessa aliança, nem, tampouco, “relaçã o religiosa”.
[278] Esse tipo de relaçã o e de mutualidade, só se vê a partir da
aliança abraâ mica.
 
1. A aliança abraâmica
 
A primeira aliança cujas clá usulas apontam para a eleiçã o de Israel
como povo santo de Deus e para a histó ria da redençã o, é o pacto
unilateral feito por Deus com seu servo Abraã o. Ela é relevante para
a compreensã o do papel de Israel no plano de Deus por causa da
perpetuidade que a aliança apresenta. Entretanto, essa nã o é uma
visã o unâ nime entre os teó logos, pois há quem veja tal aliança como
promessa condicional que perdeu sua validade diante da
infidelidade de Israel como naçã o pactual e da abertura do
evangelho para os gentios. Por isso, Walvoord analisa a questã o
nesses termos:
 
NESSA DISCUSSÃ O, TRÊ S PONTOS DE VISTA CONCERNENTES À CONTINUIDADE DE ISRAEL COMO NAÇÃ O TÊ M SIDO CONSIDERADOS: (1) A VISÃ O QUE NEGA QUE ISRAEL EXISTA

HOJE E QUE, PORTANTO, NÃ O TEM FUTURO; (2) O CONCEPÇÃ O DE QUE ISRAEL CONTINUA COMO RAÇA, MAS NÃ O COMO UMA NAÇÃ O; (3) A INTERPRETAÇÃ O PRÉ -MILENISTA

NA QUAL ISRAEL NÃ O APENAS TEM CONTINUIDADE COMO UMA RAÇA, MAS UM FUTURO COMO UMA NAÇÃ O NO REINO PRÉ -MILENAR. É EVIDENTE QUE A CONTINUIDADE DE

ISRAEL COMO UMA NAÇÃ O DEPENDE, EM PRIMEIRO LUGAR, DA NATUREZA DAS SUAS PROMESSAS COMO BENEFICIÁ RIA, COMO POR EXEMPLO, EM GÊ NESIS 17 AONDE A

ALIANÇA ABRAÂ MICA É QUALIFICADA COMO ETERNA E A TERRA É PROMETIDA A ISRAEL COMO UMA POSSESSÃ O PERPÉ TUA.
[279]
 
Isso evidencia a complexidade e a abrangência da questã o,
envolvendo a Bíblia toda e nã o apenas o Antigo Testamento.
Engana-se quem julga ser essa questã o algo que envolve somente o
futuro de Israel. A aliança abraâ mica desenha e dirige boa parte da
pró pria histó ria da salvaçã o dos pecadores pela graça de Deus. Ela é
tratada ao longo de toda a Bíblia, mas suas estipulaçõ es sã o
descritas, principalmente, em Gênesis 12, 13, 15 e 17. O primeiro
desses capítulos envolve o chamado de Abraã o e um resumo da
aliança, a qual recebe detalhes específicos adiante.
Em primeiro lugar, Deus chama Abraã o – aqui ainda chamado Abrã o
[280] – a deixar tudo para trá s e seguir para uma terra que ele nã o
conhecia (Gn 12.1), mas que pertenceria à sua descendência (Gn
12.7). O problema é que Abraã o nã o tinha uma descendência.
Entretanto, isso foi prometido pelo Senhor como primeiro
dispositivo da aliança: “De ti farei uma grande naçã o” (Gn 12.2). O
homem cujo lar era infértil, seria pai de um povo incontá vel. Além
disso – ou por causa disso –, ele seria “abençoado” e seu nome seria
“engrandecido”.
Ele seria fonte de bênçã os para quem o abençoasse e vice-versa.
Além disso, nã o somente sua descendência seria alvo de bênçã os por
causa de Abraã o, mas pessoas de toda a terra (Gn 12.3), de modo a
produzir o que predisse Isaías: “ O TEU NOME, EU O FAREI CELEBRADO DE
GERAÇÃ O A GERAÇÃ O, E, ASSIM, OS POVOS TE LOUVARÃO PARA TODO O SEMPRE ”
(Is 45.17 – destaque meu). Deus nã o explica, nesse momento, como
faria tais coisas ou como um homem de uma família muito pequena
poderia ser alguém tã o importante, mas garante o cumprimento
pleno.
 
ORA, DISSE O SENHOR A ABRÃ O: SAI DA TUA TERRA, DA TUA PARENTELA E DA CASA DE TEU PAI E VAI PARA A TERRA QUE TE MOSTRAREI; DE TI FAREI UMA GRANDE NAÇÃ O,

E TE ABENÇOAREI, E TE ENGRANDECEREI O NOME. SÊ TU UMA BÊ NÇÃ O! ABENÇOAREI OS QUE TE ABENÇOAREM E AMALDIÇOAREI OS QUE TE AMALDIÇOAREM; EM TI SERÃ O

BENDITAS TODAS AS FAMÍLIAS DA TERRA (GN 12.1-3).

 
Abraã o simplesmente obedeceu e seguiu para Canaã . Lá , o Senhor
lhe dá novas nuances da promessa que lhe fez antes. Gênesis 13.14-
17 têm duas ênfases: a “terra” e a “descendência”. Quanto à terra,
Deus disse: “E RGUE OS OLHOS E OLHA DESDE ONDE ESTÁ S PARA O NORTE,
PARA O SUL, PARA O ORIENTE E PARA O OCIDENTE; PORQUE TODA ESSA TERRA
QUE VÊS, EU TA DAREI, A TI E À TUA DESCENDÊNCIA, PARA SEMPRE ” (Gn
13.14,15 – destaque meu). é notá vel, nesse ponto, a descriçã o da
durabilidade da promessa: “para sempre”. Quanto à descendência,
disse: “ FAREI A TUA DESCENDÊNCIA COMO O PÓ DA TERRA ; DE MANEIRA QUE,
SE ALGUÉ M PUDER CONTAR O PÓ DA TERRA, ENTÃ O SE CONTARÁ TAMBÉ M A
TUA DESCENDÊ NCIA” (GN 13.6 – destaque meu). O homem sem filhos
teria uma descendência tã o numerosa que, de modo hiperbó lico,
rivalizaria o nú mero das estrelas do céu ou de grã os de areia à beira-
mar [281] (cf. Gn 15.5; 22.17).
Se até aqui as promessas foram feitas por meio de declaraçõ es de
Deus, no capítulo quinze elas assumem uma forma dramá tica.
Abraã o questiona Deus por, apesar de o tempo passar, ele ainda nã o
ter filhos (Gn 15.2,3). Deus confirma a promessa da descendência
(Gn 15.4,5) e algo marcante ocorre: “ ELE CREU NO SENHOR, E ISSO LHE
FOI IMPUTADO PARA JUSTIÇA” (GN 15.6). O SENHOR COMPLETA A
CONFIRMAÇÃ O GARANTINDO , também, a posse da terra prometida (Gn
15.7). Porém, tã o surpreendente como a fé do versículo seis, é a
pergunta do versículo oito: “ PERGUNTOU-LHE ABRÃ O: SENHOR DEUS,
COMO SABEREI QUE HEI DE POSSUÍ-LA? ” (Gn 15.8 – destaque meu).
A palavra de Deus por si é fonte confiá vel de qualquer promessa.
Entretanto, parece que o Senhor quis reforçar a fé de Abraã o
utilizando um meio de que ele conhecia. O Senhor mandou que ele
corta-se alguns animais e colocasse os pedaços um de frente para o
outro (Gn 15.9,10). Entã o, o Senhor somente se comprometeu
fazendo passar por entre os pedaços dos animais “ UM FOGAREIRO
FUMEGANTE E UMA TOCHA DE FOGO” (GN 15.17). PARA ENTENDER O QUE O
SENHOR FEZ EM RELAÇÃ O A ABRAÃ O , é necessá rio entender o significado
do rito de passar entre os animais partidos. Infelizmente, o livro de
Gênesis nã o dá tal significado, talvez porque todos, na época, o
entenderiam.
Contudo, Jeremias nos ajuda nesse aspecto ao relatar uma aliança
feita entre o Senhor e o rei Zedequias junto com os príncipes do
povo. A determinaçã o dessa aliança era que eles nã o tomassem mais
israelitas como escravos, libertando os que estavam nessa condiçã o
(Jr 34.8-10). Mas eles mudaram de ideia e tomaram novamente os
escravos que haviam libertado (Jr 34.11). O Senhor, entã o, os
repreende duramente (Jr 34.12-22). Em meio à repreensã o, o
Senhor diz: “ FAREI AOS HOMENS QUE TRANSGREDIRAM A MINHA ALIANÇA E
NÃ O CUMPRIRAM AS PALAVRAS DA ALIANÇA QUE FIZERAM PERANTE MIM COMO
ELES FIZERAM COM O BEZERRO QUE DIVIDIRAM EM DUAS PARTES , PASSANDO
ELES PELO MEIO DAS DUAS PORÇÕ ES” (JR 34.18 – destaque meu).
Essa descriçã o nos ajuda a entender o ritual que Deus promoveu em
Gênesis 15. Tudo indica que uma forma de empenhar a palavra em
um acordo no mundo antigo era através de se colocar sob uma
“maldiçã o” no caso de quebrar a palavra. As partes contratantes
matavam e partiam os animais e, ao passarem no meio deles, é como
se dissessem: “Se quebrarmos nosso compromisso aqui assumido,
que acontece conosco o que aconteceu com esses animais”. [282]
Ao que tudo indica, foi o que Deus fez com Abraã o naquele dia. Foi
uma maneira de “demonstrar” a confiabilidade da sua promessa
unilateralmente, já que somente o Senhor se comprometeu nessa
aliança, sendo assim uma aliança “incondicional” – ela nã o dependia
de nenhuma condiçã o para que fosse cumprida fielmente.
 
O SENHOR, POR MEIO DESSE ATO, INVOCOU UMA MALDIÇÃ O SOBRE SI MESMO SE NÃ O CUMPRISSE A ALIANÇA COM ABRAÃ O (V.18). A OUSADIA DESSA METÁ FORA É QUASE

INCOMPREENSÍVEL, MAS ELA TRANSMITE A FIRMEZA DO COMPROMISSO DO DEUS QUE NÃ O PODE MENTIR.
[283]
 
Ao fazer isso, Deus garantiu a Abraã o teria uma vida longa e
confirmou a promessa da sua descendência, informando que ela
seria escrava em terra estrangeira por quatrocentos anos até que o
Senhor os tirasse de lá com riquezas (Gn 15.13-16). Quanto à terra –
preocupaçã o de Abraã o expressa no versículo oito –, o Senhor
garantiu a posse perpétua aos descendentes de Abraã o e delimitou
seu territó rio (Gn 15.18-21). [284]
O limite Sul dessa terra seria o “rio do Egito”. Há quem proponha
que essa é uma referência ao rio Nilo. Contudo, se isso for verdade, a
península do Sinai faria parte do territó rio dado por Deus aos
israelitas. Isso nã o condiz com a preparaçã o para a invasã o da terra
quando o povo estava em Cades (Nm 13), nem com a puniçã o da
geraçã o rebelde que deixou o Egito, a qual previa: “N ENHUM DELES
VERÁ A TERRA QUE, COM JURAMENTO, PROMETI A SEUS PAIS , SIM, NENHUM
DAQUELES QUE ME DESPREZARAM A VERÁ ” (Nm 14.23). Levando em conta
que eles passaram quarenta anos na península do Sinai, o rio Nilo
nã o pode ser o rio que o Senhor marcou como limite sul da terra
prometida. Por outro lado, há um rio intermitente – “Wadi el-Arish”
– que, sendo há muito reconhecido como “fronteira do Egito”, [285]
é um bom candidato para delimitar a terra ao Sul. [286]
A outra fronteira nã o é difícil de identificar: o “grande rio Eufrates”.
O rio Eufrates é muito extenso e nã o se deve associar esse ponto
geográ fico com fronteira oriental com o Golfo Pérsico através da
Jordâ nia, mas com uma fronteira ao Norte através da Síria. Se nã o é
difícil identificar o rio Eufrates, é, pelo menos, surpreendente saber
que a fronteira descrita por Deus leva o territó rio israelita bem além
dos seus atuais limites para dentro do territó rio sírio. Isso
representa, por alto, um aumento em duas vezes do territó rio
dominado pelos israelitas na conquista de Canaã .
Israel nunca possuiu toda essa terra. [287] O mais perto que esteve
disso foi nos dias de Davi e, mesmo assim, nã o como pá tria, mas
como império (2Sm 8). [288] Todo o territó rio entre esses dois
rios é descrito como terra de dez povos, sendo que essa lista
representa todos os povos que habitavam essa terra (Gn 15.19-21).
[289] Tudo isso pertenceria “permanentemente” aos descendentes
de Abraã o.
Por fim, Gênesis 17 expõ e a aliança de Deus e a responsabilidade de
Abraã o diante dela por meio de duas colocaçõ es introdutó rias:
“quanto a mim” (Gn 17.4) e “quanto a ti” (Gn 17.9). Da parte de
Deus, além de reafirmar uma descendência numerosa (Gn 17.2),
Deus introduz um novo elemento dizendo que Abraã o seria pai de
mais de uma naçã o – “numerosas naçõ es” (Gn 17.4,6) – de modo que
seu nome foi mudado para se adaptar à realidade prometida (Gn
17.5). Na verdade, o pró prio livro de Gênesis mostra essa promessa
se cumprindo, por exemplo, na pró pria naçã o de Israel, ao lado da
naçã o de Edom (Gn 25.23-26), e dos ismaelitas (Gn 25.12).
também, reis descenderiam de Abraã o (Gn 17.6). Cada uma das
naçõ es que nasceram do patriarca teve seus reis. O reinado ilustre,
obviamente, é o da naçã o israelita, cuja casa real viria da tribo de
Judá (Gn 49.10). Essa promessa era crida com tal convicçã o por
Moisés que, ao listar os reis de Edom, tomou como certa a
monarquia em Israel, a qual foi instituída somente quatro séculos
mais tarde: “ SÃ O ESTES OS REIS QUE REINARAM NA TERRA DE EDOM, ANTES
QUE HOUVESSE REI SOBRE OS FILHOS DE ISRAEL ” (Gn 36.31 – destaque
meu). [290] Por fim, Deus reafirma para com a descendência
especial de Abraã o – o povo de Israel – a posse perpétua da terra de
Canaã (Gn 17.7,8).
Por sua vez, Abraã o, além de receber orientaçã o de “andar com Deus
e ser perfeito” (Gn 17.1), tinha o dever de manter o sinal da aliança
que Deus fez com ele: a circuncisã o de todos os homens da linhagem
de Abraã o, incluindo os escravos que habitassem entre eles (Gn
17.9-14). As duas ordens – procedimento e circuncisã o – existem,
aqui, em consequência da aliança e nã o como clá usula condicionante
dos seus termos.
Em termos simples, o fato de Deus buscar Abraã o e se comprometer
com ele deveria ser a razã o Abraã o honrá -lo com um procedimento
compatível. Entretanto, essa nã o era uma condiçã o para que Deus
cumprisse sua promessa. Mesmo quando Abraã o nã o agiu com
nobreza e com integridade, como no caso da mentira sobre Sara ser
sua irmã , o Senhor nã o desistiu de cumprir o que garantiu
empenhando sua palavra.
O mesmo valia para a circuncisã o. A desobediência ao cumprimento
do sinal da aliança geraria puniçã o: “ O INCIRCUNCISO, QUE NÃ O FOR
CIRCUNCIDADO NA CARNE DO PREPÚ CIO, ESSA VIDA SERÁ ELIMINADA DO SEU
POVO ; QUEBROU A MINHA ALIANÇA” (Gn 17.14 – destaque meu). Por isso,
a ira de Deus contra Moisés por nã o ter ele circuncidado seu filho
(Ex 4.24-26). Entretanto, ainda que haja puniçã o para a negligência
da circuncisã o, a aliança abraâ mica permanece vigente e será
plenamente cumprida.
Algo incontestá vel na aliança abraâ mica é a promessa de que a
naçã o numerosa seria abençoada por Deus. O Pentateuco mostra
que Deus abençoa esse povo de vá rias maneiras, como no
livramento do Egito, o sustento no deserto e a confirmaçã o da posse
da terra ainda que tenha atrasado a conquista pela rebeldia da
primeira geraçã o de israelitas depois do êxodo. Nesse sentido, os
orá culos de Balaã o confirmam para Israel as bênçã os de Deus
prometidas a Abraã o e demonstram que as bênçã os incondicionais
de Deus nã o podem ser anuladas pelos atos humanos: “ COMO POSSO
AMALDIÇOAR A QUEM DEUS NÃ O AMALDIÇOOU? COMO POSSO DENUNCIAR A
QUEM O SENHOR NÃ O DENUNCIOU?” (Nm 23.8).
Assim, os orá culos de Balaã o, contrariando as intençõ es dos seus
contratantes de amaldiçoar Israel, previram o crescimento numérico
de Israel (Nm 23.1-12 cf. Gn 12.2), segurança e vitó ria dos israelitas
(Nm 23.13-26 cf. Gn 15.1,14), prosperidade e poder real (Nm 24.1-9
cf. Gn 17.6,16), um príncipe dominador em Israel (Nm 24.15-19 cf.
Gn 49.10), a ruína do povo de Amaleque (Nm 24.20 cf. Gn 12.3) e
cativeiro e destruiçã o para quenitas, assírios e hebreus [291] (Nm
24.21-24 cf. Gn 12.3). [292]
Os artigos da aliança abraâ mica sã o claros. Entretanto, um ponto
obscuro é o modo como Abraã o seria veículo de bênçã o e maldiçã o,
mesmo para outras linhagens ao redor do mundo: “ ABENÇOAREI OS
QUE TE ABENÇOAREM E AMALDIÇOAREI OS QUE TE AMALDIÇOAREM; EM TI
SERÃ O BENDITAS TODAS AS FAMÍLIAS DA TERRA” (GN 12.3). NESSE CASO, O
APÓ STOLO PAULO NOS AJUDA AO IDENTIFICAR A “DESCENDÊ NCIA” OU A
“SEMENTE” DE ABRAÃ O COMO JESUS CRISTO (GL 3.16 ). [293] A
dificuldade, entã o, é saber como interpretar a palavra
“descendência” ( “ZERÁ ”, em hebraico) dentro das promessas da
aliança abraâ mica.
Gênesis deixa claro que a descendência seria “numerosa”. Contudo,
essa grande família nã o tem prerrogativas capazes de transmitir
bênçã os, pois sã o homens pecadores como os de qualquer outro
povo. Por outro lado, Jesus, como o descendente de Abraã o, pode
transmitir bênçã os a todos os povos por causa da sua obra
redentora. Mas, ele nã o preenche todas as características desse povo
numeroso que habitaria em Canaã .
Os exegetas, muitas vezes, se vêem no dilema de ter de decidir entre
uma e outra dessas possibilidades e, para isso, têm de escolher quais
verdades teoló gicas eles abrem mã o. Mas isso nã o é necessá rio. As
duas verdades convivem perfeitamente. É indiscutível que a
descendência de Abraã o em Gênesis é o povo de Israel. Jesus faz
parte desse povo numeroso e produz o que nenhum outro membro
da família abraâ mica poderia.
Por meio e por causa desse descendente ilustre, a saber, o Senhor
Jesus Cristo, o nome de Abraã o seria motivo de bênçã o e de
maldiçõ es e seu nome seria engrandecido. Por meio desse
descendente, a descendência de Abraã o seria veículo de bênçã o e
salvaçã o até mesmo fora da família, ao redor do planeta. Essa é,
também, a razã o para a eleiçã o de Israel para ser um povo particular
e santificado ao Senhor.
 
RESUMO
: [294]
 
 Aliança perpétua feita unilateralmente por Deus em
benefício de Abraã o e da sua descendência.
 Nome engrandecido, bênçã os e vida longa para Abraã o.
 Prerrogativa de abençoar ou amaldiçoar outros, incluindo
pessoas de outras naçõ es, de conformidade com a relaçã o
que mantivessem com o descendente de Abraã o.
 Descendência escravizada em terra estrangeira por
quatrocentos anos e libertada com riquezas para herdar a
terra.
 Garantia da posse perpétua de uma terra delimitada entre o
rio do Egito e o grande rio Eufrates para a descendência de
Abraã o.
 Surgimento de reis descendentes de Abraã o.
 Benefícios divinos independem de condiçõ es da parte dos
homens – aliança “incondicional”.
 
2. A aliança mosaica
 
Se a aliança abraâ mica dirige a histó ria da salvaçã o, devido ao teor
das suas promessas, a aliança mosaica dirige o relacionamento entre
Deus e Israel no Antigo Testamento e ocupa uma porçã o enorme dos
escritos de Moisés e dos profetas, sendo impossível compreender o
Antigo Testamento sem se levar em conta essa aliança. [295] Por
causa dela e dos estatutos que ela estabeleceu, os livros de Moisés
(Pentateuco) costumam ser conhecidos como “lei” ( “ ”, em TÔ RÁ

hebraico). Já dissemos que a palavra “tô rá ”, nesse sentido, deveria


ser compreendida como “instruçã o”. Entretanto, nã o há como
ignorar o grande volume que a lei ocupa nesses escritos.
 
AINDA QUE TRATAR TODO O PENTATEUCO SOB O NOME DE “LEI” SEJA DESCONSIDERAR AS PORÇÕ ES NARRATIVAS E ATÉ POÉ TICAS, A LEI É UMA TÔ NICA MUITO GRANDE NOS

ESCRITOS MOSAICOS. POR ISSO, NO ANTIGO TESTAMENTO O PENTATEUCO É CHAMADO DE “LEI” (JS 8.34), “LIVRO DA LEI” (JS 1.8), “LIVRO DA LEI DE MOISÉ S” (JS 8.31),

“LEI DO SENHOR” (ED 7.10), “LEI DE DEUS” (NE 10.28,29), “LIVRO DA LEI DE DEUS” (JS 24.26), “LIVRO DA LEI DO SENHOR” (2CR 17.9), “LIVRO DA LEI DO SENHOR SEU

DEUS” (NE 9.3) E “LEI DE MOISÉ S SERVO DE DEUS” (DN 9.11). O NOVO TESTAMENTO RECONHECE TAL CARACTERÍSTICA NOMEANDO-O COMO “LIVRO DA LEI” (GL 3.10),

“LEI” (MT 12.5), “LEI DE MOISÉ S” (LC 2.22) E “LEI DO SENHOR” (LC 2.23,24).
[296]
 
A maioria dos leitores do Antigo Testamento já viu tais expressõ es e
sabe da existência da lei. O que nem todo mundo sabe é a “razã o” da
existência dessa lei e sua “serventia” dentro do eterno propó sito do
Deus soberano. As respostas a essas questõ es estã o ligadas à
compreensã o da aliança mosaica.
Dois meses apó s saíres do Egito, os israelitas chegaram ao monte
Sinai (Ex 19.1). Ali, Deus entrou em aliança com Israel, dizendo a
Moisés: “ ASSIM FALARÁ S À CASA DE JACÓ E ANUNCIARÁ S AOS FILHOS DE
ISRAEL” (Ex 19.3b). O tom expõ e o fato de que Deus é o alto rei que se
dirige à naçã o.
Em segundo lugar, o Senhor se apresenta como o Deus poderoso que
os tirou do Egito: “Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei
sobre asas de á guia e vos cheguei a mim” (Gn 19.4). Com isso, ele
também recorda a preservaçã o milagrosa por meio do mar, já que
somente ele poderia promover algo assim, comparando-a com a
açã o de uma á guia que leva seus filhotes onde eles nã o poderiam ir
sozinhos: “ COMO A ÁGUIA DESPERTA A SUA NINHADA E VOEJA SOBRE OS SEUS
FILHOTES, ESTENDE AS ASAS E, TOMANDO-OS, OS LEVA SOBRE ELAS, ASSIM, SÓ O
SENHOR O GUIOU , E NÃ O HAVIA COM ELE DEUS ESTRANHO” (Dt 32.11,12 –
destaque meu). Ao dizer “vos cheguei a mim”, percebe-se a
disposiçã o do Senhor de nutrir um relacionamento amoroso e
bondoso com a naçã o de Israel.
Sem mais prelú dios, o Senhor apresenta sua proposta: “ AGORA, POIS,
SE DILIGENTEMENTE OUVIRDES A MINHA VOZ E GUARDARDES A MINHA ALIANÇA ”
(Ex 19.5a – destaque meu). Os estatutos da aliança serã o dados na
sequência, o chamado “livro da aliança” (Ex 20–23), além dos
dispositivos que regulavam o culto e os sacrifícios, mas a obediência
a todo esse có digo legal já é assunto do tratado. A conjunçã o “se” (
“IM ”, em hebraico), em seu uso condicional, [297] fornece uma
característica ú nica dentro das alianças: um cará ter condicional. Por
esse motivo, diferente de todas as outras alianças, os benefícios
divinos estavam atrelados a certas condiçõ es a serem cumpridas por
Israel. Mas note bem: nã o é a validade da aliança que é condicional,
mas os benefícios que ela irá prover.
Portanto, feita a proposta, Deus oferece os benefícios: “Entã o, sereis
a minha PROPRIEDADE PECULIAR DENTRE TODOS OS POVOS ; PORQUE TODA A
TERRA É MINHA; VÓ S ME SEREIS REINO DE SACERDOTES E NAÇÃO SANTA ” (Ex
19.5b-6a – destaque meu). Como “propriedade peculiar”, os
israelitas teriam um relacionamento especial com Deus e ocupariam
um lugar ímpar dentro do seu plano. Como “reino de sacerdotes”,
eles desempenhariam uma funçã o mediató ria entre Deus e as outras
naçõ es, seja por meio do testemunho que deveriam dar no
relacionamento com Deus, seja por meio da obra de alcance mundial
do israelita Jesus Cristo. E como “naçã o santa”, eles foram
“separados” nas naçõ es do mundo a fim de andar como uma naçã o
“separada” para o serviço e para a gló ria de Deus.
Por ser uma aliança diferente daquelas que Deus se comprometeu
unilateralmente, esse acordo condicional precisava da participaçã o
voluntá ria do povo de Israel e do seu comprometimento oficial.
Sendo assim, o mediador [298] Moisés “ CHAMOU OS ANCIÃ OS DO POVO
E EXPÔ S DIANTE DELES TODAS ESTAS PALAVRAS QUE O SENHOR LHE HAVIA
ORDENADO” . Essa nã o era uma decisã o que Moisés podia tomar
sozinho, pois sozinho nã o poderia cumprir a aliança. “Entã o, o povo
respondeu à uma: TUDO O QUE O SENHOR FALOU FAREMOS . E MOISÉ S
RELATOU AO SENHOR AS PALAVRAS DO POVO” ( Ex 19.8 – destaque meu).
Com esse acordo prévio, a aliança foi formulada. Imediatamente, foi
acordado entre Deus e Israel o que pode ser chamado de aliança
sinaítica (Ex 20 – Nm 10), visto que foi celebrada no Sinai. Nã o se
trata de outra aliança que nã o a mosaica. Entretanto, há uma
segunda porçã o acordada quatro décadas depois com a segunda
geraçã o de israelitas – visto que a primeira geraçã o de rebelou (Nm
14) e morreu no deserto –, conhecida como “aliança palestiniana”
(Deuteronô mio), já que foi celebrada na Palestina, mais
precisamente em Moabe, na Transjordâ nia. A uniã o dessas duas
porçõ es forma o que conhecemos como aliança mosaica.
O formato utilizado para fazer essa aliança – tanto a sinaítica, como
a palestiniana – era conhecido das pessoas do Oriente Médio Antigo.
[299] Assim como Deus usou um modo contratual corrente nos dias
de Abraã o para entrar em aliança com ele, fez o mesmo no caso dos
israelitas lançando mã o da estrutura de um “tratado de suserania”.
Esse tipo de tratado era utilizado entre naçõ es, no caso de uma
naçã o mais forte exigir obediência de outra naçã o mais fraca. O mais
forte era o “suserano” e o mais fraco, o “vassalo”. Os termos
contratuais visavam a fazer com que o forte nã o destruísse o fraco e
com que o fraco se submetesse. Dadas as circunstâ ncias, o tratado
beneficiava os dois lados, visto que o suserano tinha garantida a sua
preeminência e o vassalo, além de nã o ser destruído, tinha
benefícios previstos no acordo como proteçã o de inimigos externos.
Nos dias de Moisés, os hititas usavam desse expediente para entrar
em acordo com outros reinos, principalmente com os arameus.
O tratado de suserania do império Hitita (1450-1200 a.C.) –
contemporâ neo do êxodo (1406 a.C.) –, continha os seguintes
componentes: (1) Preâ mbulo; (2) pró logo histó rico; (3) as
estipulaçõ es; (4) provisã o para depó sito no templo e leitura pú blica
perió dica; (5) a lista de deuses como testemunhas; (6) a fó rmula de
maldiçõ es e bênçã os; (7) o juramento formal pelo qual o vassalo
prometia sua obediência; (8) alguma cerimô nia solene que
acompanhava o juramento, ou que fosse um juramento simbó lico;
(9) algum tipo de forma para iniciar processo contra um vassalo
rebelde. [300]
A aliança mosaica apresenta esse formato. Nã o é difícil imaginar a
imagem que o Senhor quis produzir na mente dos israelitas: [301]
um relacionamento “susserano-vassalo” em que Deus, depois de
livrar Israel da suserania egípcia, seria agora, ele mesmo, o suserano
que governaria a naçã o de Israel. [302] Quanto aos israelitas, lhe
seriam vassalos obedientes e submissos. É possível ver esse formato
no conjunto completo das leis do Sinai (Ex 20 – Nm 10) e na
renovaçã o da aliança nas planícies de Moabe (Deuteronô mio).
Desse modo, o Senhor apresentou os termos da aliança no Sinai:
 Preâmbulo : O início do tratado de suserania continha a
identificaçã o do autor do tratado e seu título. Portanto, o
Senhor introduz a aliança nos seguintes termos: “ EU SOU O
SENHOR, TEU DEUS” ( Ex 20.2a).
 Prólogo histórico : Recordava-se o relacionamento prévio
entre as partes, o suserano e o vassalo. O Senhor lhes
lembra o passado recente: “Que te tirei da terra do Egito, da
casa da servidã o” (Ex 20.2b).
 Estipulações : Eram as obrigaçõ es impostas sobre o vassalo
que, no acordo, eram aceitas por ele. Nesse sentido, o
Senhor estipulou o modo como os israelitas iriam servi-lo,
enaltecendo um procedimento reto e íntegro (Ex 20.3–
23.33). Outras estipulaçõ es estã o em Ê xodo 35–39, no livro
de Levítico e em trechos de Nú meros.
 Provisão para depósito no templo e leitura pública periódica :
Como o tratado nã o envolvia somente o rei vassalo, toda a
naçã o vassala deveria ouvir periodicamente os termos do
tratado para se familiarizar com ele e segui-lo. Quando nã o
estava sendo lido ao povo, o tratado ficava guardado em um
templo, já que, na visã o antiga, ele era protegido pelos
deuses. Seguindo esse parâ metro, Deus indicou um local
para as tá buas da lei dentro do taberná culo: “ E PORÁ S NA
ARCA O TESTEMUNHO, QUE EU TE DAREI. [...] PORÁ S O
PROPICIATÓ RIO EM CIMA DA ARCA; E DENTRO DELA PORÁ S O
TESTEMUNHO, QUE EU TE DAREI” ( Ex 25.16,21). [303] Quanto
à leitura perió dica, [304] ordenou na porçã o palestiniana
da lei: “ ORDENOU-LHES MOISÉ S, DIZENDO: AO FIM DE CADA SETE
ANOS, PRECISAMENTE NO ANO DA REMISSÃ O, NA FESTA DOS
TABERNÁ CULOS, QUANDO TODO O ISRAEL VIER A COMPARECER
PERANTE O SENHOR, TEU DEUS, NO LUGAR QUE ESTE ESCOLHER,
LERÁ S ESTA LEI DIANTE DE TODO O ISRAEL” (DT 31.1 0,11 – ver,
também, v.12,13). [305]
 Testemunhas : Uma parte importante desse tratado eram as
testemunhas, normalmente deuses que trariam puniçõ es
caso o trato fosse quebrado. Nã o havendo ninguém maior
que o Senhor Deus para agir de testemunha, ele tomou
elementos da criaçã o para essa finalidade: “ OS CÉ US E A
TERRA TOMO, HOJE, POR TESTEMUNHAS CONTRA TI, QUE TE PROPUS A
VIDA E A MORTE, A BÊ NÇÃ O E A MALDIÇÃ O; ESCOLHE, POIS, A VIDA,
PARA QUE VIVAS, TU E A TUA DESCENDÊ NCIA” (DT 30.19 cf. 31.28).
 Fórmula de maldições e bênçãos : Estipulaçõ es penais pela
quebra do contrato também faziam parte do acordo. Por
outro lado, a obediência traria vantagens ao vassalo.
Levítico 26 atua nesse sentido – como Deuteronô mio 28, na
aliança palestiniana. As fó rmulas que introduzem as bênçã o
e maldiçõ es condicionadas ao procedimento do povo
israelita sã o: “ SE ANDARDES NOS MEUS ESTATUTOS , GUARDARDES
OS MEUS MANDAMENTOS E OS CUMPRIRDES,  ENTÃO, EU VOS DAREI ...
[...] MAS, SE ME NÃO OUVIRDES E NÃO CUMPRIRDES TODOS ESTES
MANDAMENTOS ; SE REJEITARDES OS MEUS ESTATUTOS, E A VOSSA
ALMA SE ABORRECER DOS MEUS JUÍZOS, A PONTO DE NÃ O CUMPRIR
TODOS OS MEUS MANDAMENTOS, E VIOLARDES A MINHA ALIANÇA, 
ENTÃO, EU VOS FAREI ISTO ...” (Lv 26.3,4a; 14-16a – destaque
meu).
 Juramento formal : As estipulaçõ es dadas pelo suserano
deviam ser aceitas oficialmente pelo vassalo e respeitadas
sob força de juramento. [306] No caso da aliança mosaica,
o povo se manifestou ao ouvir os termos da aliança: “ VEIO,
POIS, MOISÉ S E REFERIU AO POVO TODAS AS PALAVRAS DO SENHOR E
TODOS OS ESTATUTOS; ENTÃ O, TODO O POVO RESPONDEU A UMA VOZ
E DISSE: TUDO O QUE FALOU O SENHOR FAREMOS” ( Ex 24.3 – ver
v.7).
 Cerimônia solene : Normalmente, uma cerimô nia pú blica
acompanhava o juramento da aliança e conferia a ele um
cará ter solene. Com Israel nã o foi diferente, visto que
celebrou a aliança mosaica oferecendo sangue sacrificial ao
Senhor e tendo uma refeiçã o comunitá ria (Ex 24.1-18).
[307]
 Processo contra um vassalo rebelde : Quem nã o se adequasse
ao acordo fechado entre as naçõ es, era de imediato punido.
No Sinal, a aliança mal havia sido celebrada e o povo
enveredou no caminho da idolatria fazendo para si um
bezerro de ouro (Ex 32.1-8). A puniçã o declarada pelo
Senhor era extremamente dura: “ TENHO VISTO ESTE POVO, E
EIS QUE É POVO DE DURA CERVIZ.
AGORA, POIS, DEIXA-ME, PARA QUE
SE ACENDA CONTRA ELES O MEU FUROR, E EU OS CONSUMA; E DE TI
FAREI UMA GRANDE NAÇÃ O” ( Ex 32.9b-10). Assim teria
acontecido se Deus nã o tivesse atendido o pedido de Moisés
por misericó rdia (Ex 32.11-24). Desse modo, apenas os que
se envolveram na idolatria foram mortos (Ex 32.25-29).
[308]
 
RESUMO
:
 
 Celebrada primeiramente no Sinai (1446 a.C.) e repetida
nas planícies de Moabe (c. 1407-1406 a.C.).
 Nã o substituía a aliança abraâ mica, nem alterava suas
promessas. Apenas criava condiçõ es de desfrute de tais
bênçã os.
 Regulamentava a vida do povo da aliança (Israel) visando a
estabelecer seu modo de vida e de culto na terra prometida.
Outras naçõ es nã o entram nesse pacto, a nã o ser que
passassem a fazer parte de Israel.
 Por meio da obediência à aliança, dava as condiçõ es para o
desfrute da bênçã o da presença de Deus.
 A obediência também traria paz, prosperidade e
permanência na terra prometida para cada geraçã o. A
desobediência traria o oposto: guerra, carestia e exílio.
 A condiçã o de obediência nã o era cumprida por um
ritualismo mecâ nico, mas por um coraçã o dedicado e ligado
ao Senhor, o qual produziria uma vida onde a justiça
dirigiria todos os relacionamentos. [309]
 Apesar do cará ter permanente da aliança assim que
celebrada no Sinai, deveria ser renovada regularmente e
relembrada ao povo, de geraçã o em geraçã o, pela leitura
pú blica da lei. Cada geraçã o deveria renovar sua aliança
com Deus e assumir para si o compromisso feito pelos seus
pais.
 O que ela produzia de resultados prá ticos para os israelitas
dependia da sua obediência ou nã o à aliança. Desse modo,
apesar da aliança ter um cará ter permanente, seu resultado
era condicional.
 Pressupõ e a futura habitaçã o de Israel nos limites plenos da
terra prometida por meio da açã o de Jesus, o descendente
de Abraã o.
 
3. A aliança davídica
 
Certo dia, Davi notou o disparate entre a sua habitaçã o, o palá cio
real em Jerusalém, e a habitaçã o da arca do Senhor, um tipo de tenda
(2Sm 7.1,2). Imediatamente, Davi se propô s a fazer uma morada
melhor para a arca por meio da construçã o de um templo que
centralizasse a adoraçã o israelita em Jerusalém, [310] já que
nesses dias havia dois taberná culos, um em Gibeã o – o taberná culo
construído nos dias de Moisés – e outro em Jerusalém – que Davi
construiu para colocar a arca que estava em Quiriate-Jearim. [311]
Em lugar de o Senhor aceitar a casa de presente, ele fez o oposto. E
mais: prometeu uma casa para Davi: “ DAR-TE-EI, PORÉ M, DESCANSO DE
TODOS OS TEUS INIMIGOS; TAMBÉM O SENHOR TE FAZ SABER QUE ELE, O
SENHOR, TE FARÁ CASA ” (2Sm 7.11b – destaque meu). Diante disso,
ficou claro a Davi e aos leitores do livro de Samuel que o reinado de
Davi nã o seria estabelecido pelo que ele poderia fazer para Deus,
mas pelo que Deus faria por ele. [312]
Ao prometer a Davi uma casa, o Senhor nã o se referiu a uma
construçã o, visto que o pró prio texto revela a propriedade de uma
boa casa real: “Disse o rei [Davi] ao profeta Natã : Olha, EU MORO EM
CASA DE CEDROS ” (2Sm 7.2a – destaque meu). Sendo assim, o Senhor
se referiu a uma “dinastia real”. Se a aliança abraâ mica prometeu
aos israelitas uma “terra”, a aliança davídica [313] prometeu a
Davi e ao povo de Israel um “trono” e uma “descendência real”: “ FIZ
ALIANÇA COM O MEU ESCOLHIDO E JUREI A DAVI , MEU SERVO: PARA SEMPRE
ESTABELECEREI A TUA POSTERIDADE E FIRMAREI O TEU TRONO DE GERAÇÃO EM
GERAÇÃO ” (Sl 89.3,4 – destaque meu). Na verdade, essa aliança nada
mais é do que uma especificaçã o da aliança abraâ mica, já que ela já
havia anunciado a existência de uma monarquia israelita.
Sendo assim, a aliança davídica também nã o substitui a abraâ mica,
mas se soma a ela no que tange à liderança política de Israel. Se a
aliança abraâ mica previu reis (Gn 17.6,16) vindos da tribo de Judá
(Gn 49.10), a aliança do Senhor com Davi identificou a linhagem
davídica como a dinastia específica pela qual o reino israelita seria
dirigido. O que há de marcante nessa promessa é a duraçã o desse
reinado, pois seria “perpétuo”, assim como a posse da terra
prometida a Abraã o.
A recusa divina de receber de Davi a construçã o de um templo – isso
só ocorreu no reinado de Salomã o, filho de Davi – serviu para frisar
que a aliança davídica nã o era uma troca de favores, mas uma
promessa unilateral iniciada pelo pró prio Senhor de maneira
incondicional, ou seja, nã o dependia de condiçõ es humanas para que
fosse levada a cabo. Assim, depois de dizer “te farei casa”, Deus
continuou: “Quando teus dias se cumprirem e descansares com teus
pais, entã o, FAREI LEVANTAR DEPOIS DE TI O TEU DESCENDENTE, QUE
PROCEDERÁ DE TI, E ESTABELECEREI O SEU REINO . ESTE EDIFICARÁ UMA CASA
AO MEU NOME, E EU ESTABELECEREI PARA SEMPRE O TRONO DO SEU REINO ”
(2Sm 7.12,13 – destaque meu).
Certamente, a parte menos importante desse trecho é a que mais
chama atençã o: “Este edificará uma casa ao meu nome”. Entretanto,
esse nã o é o centro dessa aliança. Deus mesmo frisou a verdade de
que ele nunca habitou em uma casa entre os israelitas, mas sempre
andou entre eles no taberná culo (2Sm 7.6). Apesar disso, o filho de
Davi realizaria esse empreendimento que Davi desejou. Se o templo
nã o era o centro da aliança, qual era?
A resposta tem a ver com a descendência real de Davi. Deus garantiu
ao rei que levantaria seu descendente e “estabeleceria o seu reino”.
Diferente do que ocorreu a Saul, o reinado de Israel nã o passaria a
outra dinastia. E mais: Deus estabeleceria “para sempre o trono do
seu reino”. Essa é a garantia incondicional de um trono “perpetuo”
da linhagem davídica.
Apesar da incondicionalidade da promessa, um fator condicional
está presente, nem tanto pela promessa do trono em si, mas por
apontar para pessoas israelitas que estavam sob o tratamento
condicional da aliança mosaica. Assim, o Senhor fala do filho de Davi
algo que vale para toda a linhagem: “ EU LHE SEREI POR PAI, E ELE ME
SERÁ POR FILHO; SE VIER A TRANSGREDIR, CASTIGÁ-LO-EI COM VARAS DE
HOMENS E COM AÇOITES DE FILHOS DE HOMENS ” (2Sm 7.14 – destaque
meu). O que o Senhor faz aqui nada mais é que reafirmar as
maldiçõ es da aliança mosaica pela desobediência (ver Lv 26 e Dt
28). [314]
Entretanto, apesar do tratamento condicional da aliança mosaica, o
benefício da aliança davídica – a garantia do “trono perpétuo” –
jamais seria esquecido ou rejeitado, pelo que Deus garante na
sequência: “Mas a minha misericó rdia se nã o apartará dele, como a
retirei de Saul, a quem tirei de diante de ti. Porém a tua casa e o teu
reino serã o firmados para sempre diante de ti; teu trono será
estabelecido para sempre” (2Sm 7.15,16). Essa é a garantia de que
até o final da histó ria da humanidade haverá um descendente real
da casa de Davi e um trono em Israel onde esse rei exercerá seu
poder governamental.
Essa mesma dinâ mica – puniçã o dos indivíduos pecadores da
dinastia da aliança, mas a garantia do trono e do reino
perpetuamente – se vê no Salmo 89. Ele anuncia a puniçã o dos reis
pecadores: “ SE OS SEUS FILHOS DESPREZAREM A MINHA LEI E NÃ O ANDAREM
NOS MEUS JUÍZOS, SE VIOLAREM OS MEUS PRECEITOS E NÃ O GUARDAREM OS
MEUS MANDAMENTOS, ENTÃ O, PUNIREI COM VARA AS SUAS TRANSGRESSÕ ES E
COM AÇOITES, A SUA INIQUIDADE” (Sl 89.30-32). Entretanto, garante:
 
MAS JAMAIS RETIRAREI DELE A MINHA BONDADE, NEM DESMENTIREI A MINHA FIDELIDADE . NÃO VIOLAREI A MINHA ALIANÇA , NEM MODIFICAREI O QUE OS MEUS LÁ BIOS

PROFERIRAM. UMA VEZ JUREI POR MINHA SANTIDADE  (E SEREI EU FALSO A DAVI?): A SUA POSTERIDADE DURARÁ PARA SEMPRE, E O SEU TRONO, COMO O SOL PERANTE

MIM. ELE SERÁ ESTABELECIDO PARA SEMPRE COMO A LUA E FIEL COMO A TESTEMUNHA NO ESPAÇO (SL 89.33-37 CF. V.3,4,28,29 – DESTAQUE MEU).

 
O Antigo Testamento vê a aliança davídica se cumprir plenamente
em um rei especial, nascido em Belém, “ CUJAS ORIGENS SÃ O DESDE OS
TEMPOS ANTIGOS, DESDE OS DIAS DA ETERNIDADE ” (Mq 5.2). Ele viria
somente depois de a linhagem de Davi ser, de fato, punida conforme
a pró pria prescriçã o da aliança [315] – Miquéias 5.1 diz: “pô r-se-á
sítio contra nó s; ferirã o com a vara a face do juiz de Israel”.
Tendo o cumprimento de Miquéias 5.1 ocorrido em 587 a.C. com o
destronamento de Zedequias, o ú ltimo rei da casa de Davi a reinar
em Israel, o Novo Testamento identifica Jesus como o herdeiro do
trono davídico e garante seu futuro reinado na mesma funçã o
ocupada por antecessor, o rei Davi, pelo que o anjo garante a Maria:
“ ESTE SERÁ GRANDE E SERÁ CHAMADO FILHO DO ALTÍSSIMO; DEUS, O
SENHOR, LHE DARÁ O TRONO DE DAVI, SEU PAI” (LC 1.32).
Para que nã o se confunda o cará ter desse reinado, o anjo completa:
“Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó , e o seu reinado nã o
terá fim” (Lc 1.33). Esse é o pleno cumprimento da aliança davídica.
Se hoje nã o há um rei da dinastia de Davi reinando em Jerusalém
sobre a naçã o de Israel, é por causa do tratamento condicional
disciplinar que essa aliança previu. Mas a garantia do trono existe e,
no momento que Deus preparou para tanto, Jesus retornará e
assumirá seu lugar no trono de Davi cumprindo a aliança de cará ter
perpétuo.
O momento desse cumprimento é vislumbrado em um momento
que, para nó s, ainda é futuro: “O sétimo anjo tocou a trombeta, e
houve no céu grandes vozes, dizendo: O REINO DO MUNDO SE TORNOU DE
NOSSO SENHOR E DO SEU CRISTO , E ELE REINARÁ PELOS SÉ CULOS DOS
SÉ CULOS” (Ap 11.5). O fato de essas vozes dizerem que o reino “se
tornou” [316] indica que eles nã o se referem ao reinado eterno e
soberano do Senhor sobre o universo, mas de um reinado específico
que ele nã o teve sempre e que, na verdade, ainda nã o assumiu. Por
isso, a açã o seguinte se vê no tempo futuro mesmo da perspectiva
daqueles dias: “e ele REINARÁ PELOS SÉ CULOS DOS SÉ CULOS” (AP 11.5B –
DESTAQUE MEU).
 
RESUMO
:
 
 Celebrada no Monte Siã o (Jerusalém).
 Iniciada por Deus e garantida unilateralmente por Ele.
 Promessa de uma dinastia contínua e de um herdeiro
eterno especialmente prenunciado, cujo cará ter divino
promoverá um reinado de justiça plena.
 Promessa de um trono perpétuo cujo reino, também
perpétuo, é a naçã o de Israel, a qual Davi governou.
 O rei eterno, da dinastia de Davi, exercerá , também,
preeminência sobre as naçõ es. [317]
 Tratamento condicional aos indivíduos da dinastia, com
promessa de disciplina temporal para os reis que pecassem
conforme as prescriçõ es da aliança mosaica.
 Aliança de cará ter incondicional.
 Pressupõ e o futuro reinado de Jesus, o descendente de Davi,
sobre Israel restaurado e assentado na terra prometida.
 
4. A nova aliança
 
Por fim, a ú ltima aliança anunciada no Antigo Testamento é a “nova
aliança”. Esse termo foi cunhado no livro de Jeremias, mas está
presente na pena de vá rios profetas. Para entender a nova aliança, é
necessá rio entender a dinâ mica da promessa de purificaçã o de
Israel seguida do estabelecimento pleno e definitivo da naçã o na
terra prometida e sob o trono prometido.
Já falamos sobre esse estabelecimento de Israel quando nos
referimos ao Dia do Senhor. Mediante a puniçã o das naçõ es, o
Senhor traria estabilidade aos israelitas: “Porque o Dia do SENHOR
ESTÁ PRESTES A VIR SOBRE TODAS AS NAÇÕ ES. [...] MAS, NO MONTE SIÃ O,
HAVERÁ LIVRAMENTO; O MONTE SERÁ SANTO; E OS DA CASA DE JACÓ
POSSUIRÃO AS SUAS HERDADES ” (Ob 15a,17 – destaque meu). Contudo,
esse anú ncio primá rio foi acrescido de certa dinâ mica para seu
cumprimento, a qual envolve a prévia puniçã o do pecado de Israel
antes haja o restabelecimento nã o apenas territorial, mas também
relacional, na qual a comunhã o com Deus será verdadeira. [318]
Isso se pode ver em Isaías 2. [319] O Senhor promete um futuro
restaurado e glorioso para Israel e para o mundo por meio de Israel:
 
NOS Ú LTIMOS DIAS, ACONTECERÁ QUE O MONTE DA CASA DO SENHOR SERÁ ESTABELECIDO NO CIMO DOS MONTES E SE ELEVARÁ SOBRE OS OUTEIROS, E PARA ELE AFLUIRÃ O

TODOS OS POVOS. IRÃ O MUITAS NAÇÕ ES E DIRÃ O: VINDE, E SUBAMOS AO MONTE DO SENHOR E À CASA DO DEUS DE JACÓ , PARA QUE NOS ENSINE OS SEUS CAMINHOS, E

ANDEMOS PELAS SUAS VEREDAS; PORQUE DE SIÃ O SAIRÁ A LEI, E A PALAVRA DO SENHOR, DE JERUSALÉ M. ELE JULGARÁ ENTRE OS POVOS E CORRIGIRÁ MUITAS NAÇÕ ES;

ESTAS CONVERTERÃ O AS SUAS ESPADAS EM RELHAS DE ARADOS E SUAS LANÇAS, EM PODADEIRAS; UMA NAÇÃ O NÃ O LEVANTARÁ A ESPADA CONTRA OUTRA NAÇÃ O, NEM

APRENDERÃ O MAIS A GUERRA (IS 2.2-4).

 
Porém, as condiçõ es de Israel nos dias de Isaías nã o condizem com a
realidade da promessa futura, pois o povo é injusto, idó latra (Is 2.6-
8). Por isso, o juízo do Senhor também punirá os israelitas
incrédulos e pecadores, cheios de orgulho e de malícia (Is 2.9-22).
Por esta razã o, o estabelecimento pleno sempre é anunciado na
forma de um livramento e de uma restauraçã o. O pecado de Israel
lhes produz, pela aliança mosaica, um inevitá vel juízo.
Assim, o profetas primeiro anunciam o juízo nacional – pela
condicionalidade da aliança mosaica – e depois, para consolo e
esperança do remanescente fiel, anunciam a restauraçã o da naçã o
na terra prometida – pela incondicionalidade da aliança abraâ mica.
Como a aliança davídica também é incondicional e está diretamente
ligada à abraâ mica, os profetas também anunciam, mediante a
restauraçã o nacional, o estabelecimento do trono justo, santo e
perpétuo do rei eterno. QUE FONTE MARAVILHOSA DE CONSOLO E
ESPERANÇA!
A restauraçã o geopolítica, entretanto, nã o pode acontecer sem que
haja uma restauraçã o espiritual de ordem nacional. Nã o há bênçã os
para uma naçã o rebelde, orgulhosa e distante de Deus. Por isso, a
promessa de Isaías 2.2-4 é seguida do convite: “ VINDE, Ó CASA DE
JACÓ , E ANDEMOS NA LUZ DO SENHOR ” (Is 2.5 – destaque meu). Essa
dinâ mica está presente na mensagem de vá rios profetas.
Nesse mesmo contexto, o profeta Jeremias, em meio à mensagem de
uma puniçã o iminente por meio da destruiçã o de Jerusalém e do
desterro dos israelitas, apresenta a mensagem de esperança em uma
redençã o e restauraçã o plena a acontecer no futuro, promovendo
um novo modo de relacionamento entre Israel e Deus. [320] Essa
mensagem vem no formato de uma aliança do Senhor com Israel:
“Eis aí vêm dias, diz o Senhor, em que firmarei NOVA ALIANÇA COM A
CASA DE ISRAEL E COM A CASA DE JUDÁ ” (Jr 31.31 – destaque meu). As
primeiras perguntas a serem feitas sã o “por que NOVA aliança?” e “se
essa é a nova , qual é, entã o, a velha ?”. Felizmente, o contexto irá
responder essas duas justas indagaçõ es.
A sequência imediata explica a categoria dessa aliança: “ NÃO
CONFORME A ALIANÇA QUE FIZ COM SEUS PAIS , NO DIA EM QUE OS TOMEI PELA
MÃ O, PARA TIRÁ -LOS DA TERRA DO EGITO; PORQUANTO ELES ANULARAM A
MINHA ALIANÇA, NÃ O OBSTANTE EU OS HAVER DESPOSADO, DIZ O SENHOR ” (Jr
31.32). Essa é uma descriçã o da aliança mosaica, celebrada com os
israelitas retirados do Egito e levados para o Sinai. Ao afirmar que a
nova aliança é diferente aliança feita com os pais, entende-se que a
nova aliança é uma contraposiçã o – “ Não conforme a aliança...” – à
aliança mosaica, a qual é envelhecida pelo surgimento da nova: “
QUANDO ELE DIZ NOVA [ALIANÇA], TORNA ANTIQUADA A PRIMEIRA. ORA,
AQUILO QUE SE TORNA ANTIQUADO E ENVELHECIDO ESTÁ PRESTES A
DESAPARECER” (Hb 8.13).
Se até aqui fica claro que a nova aliança substitui a aliança mosaica,
somente na sequência é especificado o modo e o objeto dessa
substituiçã o. Se Jeremias 31.32 diz que os israelitas debaixo da
aliança mosaica “ ANULARAM A MINHA ALIANÇA, não obstante eu os haver
desposado ”, a sequência oferece o modo como Deus reverterá esse
afastamento na nova aliança: “ PORQUE ESTA É A ALIANÇA QUE FIRMAREI
COM A CASA DE ISRAEL, DEPOIS DAQUELES DIAS, DIZ O SENHOR: NA MENTE,
LHES IMPRIMIREI AS MINHAS LEIS, TAMBÉM NO CORAÇÃO LHAS INSCREVEREI; EU
SEREI O SEU DEUS, E ELES SERÃO O MEU POVO ” (Jr 31.33). Sendo assim, a
apostasia será substituída por uma atitude de fidelidade a Deus.
[321] A cobrança divina de obediência permanece, mas Deus lhes
concede a obediência , ATENDENDO À NECESSIDADE DO HOMEM PECADOR
EXPRESSA NA ORAÇÃ O DE AGOSTINHO: “CONCEDE-NOS O QUE NOS ORDENAS, E
ORDENA O QUE QUISERES”. [322]
A lei mosaica teve seu início gravado em tá buas de pedras (Ex
32.15,16). Elas continham um có digo legal justo que o povo nã o
guardou, trazendo sobre si condenaçã o. Por fim, o efeito prá tico da
velha aliança sobre o homem foi trazer conhecimento do pecado
(Rm 3.20; 7.7), suscitar a ira de Deus (Rm 4.15), fazer avultar a
ofensa (Rm 5.20) e produzir morte (Rm 7.10), pelo que também foi
chamada de “ministério da morte gravado com letras em pedras”
(2Co 3.7). Seria a lei ruim? Nã o, mas o pecado que há no homem
torna a lei inú til para salvar quem quer que seja:
 
ACASO O BOM SE ME TORNOU EM MORTE? DE MODO NENHUM! PELO CONTRÁ RIO, O PECADO, PARA REVELAR-SE COMO PECADO, POR MEIO DE UMA COISA BOA, CAUSOU-ME A

MORTE, A FIM DE QUE, PELO MANDAMENTO, SE MOSTRASSE SOBREMANEIRA MALIGNO. PORQUE BEM SABEMOS QUE A LEI É ESPIRITUAL; EU, TODAVIA, SOU CARNAL, VENDIDO

À ESCRAVIDÃ O DO PECADO (RM 7.13,14).


[323]
 

Se essa é uma doutrina clara no Novo Testamento, é também uma


realidade visível e marcante no Antigo, pois, apesar dos convites à
vida (Dt 30.19), [324] os israelitas “anularam a minha aliança” (Jr
31.32). Para produzir algo diferente disso, o Senhor deixará de lado
a lei gravada com letras em pedra e “na mente, lhes imprimirei as
minhas leis, também no coraçã o lhas inscreverei” (Jr 31.33). Essa é
uma descriçã o figurada de uma transformaçã o pessoal e espiritual,
algo que chamamos “conversã o”.
O que Deus quis dizer foi que, já que por obediência voluntá ria os
israelitas nã o se achegaram à ele, entã o ele mesmo os transformaria
e produziria servos verdadeiros ao lhes dar uma nova natureza,
contrá ria ao pecado, ao orgulho e à rebeldia. O Senhor trabalharia na
fonte a fim de aproximar a si o Israel que se perdeu no pecado.
Assim, “o Senhor exige que seu povo se arrependa dos seus pecados
[...], mas ele fornece a graça necessá ria para fazer isso”. [325]
O resultado final será nã o apenas conversã o de israelitas, mas
conversã o de todo o povo a Deus, de modo que nã o haverá mais um
“remanescente fiel”, [326] mas uma naçã o fiel: “Nã o ensinará
jamais cada um ao seu pró ximo, nem cada um ao seu irmã o,
dizendo: CONHECE AO SENHOR, PORQUE TODOS ME CONHECERÃO, DESDE O
MENOR ATÉ AO MAIOR DELES, DIZ O SENHOR. POIS PERDOAREI AS SUAS
INIQUIDADES E DOS SEUS PECADOS JAMAIS ME LEMBRAREI ” (Jr 31.34). No
cumprimento dessa promessa há , também, a restauraçã o da naçã o
como tal a ponto de reverter os efeitos da desobediência na forma
das maldiçõ es previstas na lei. Sendo assim, se tivéssemos que
resumir o centro da promessa da nova aliança, esta seria “conversã o
e restauraçã o nacional de Israel”.
Essa é uma aliança incondicional, pois nã o olha para a desobediência
e incredulidade dos israelitas, mas para a fidelidade de Deus à sua
palavra empenhada para produzir os resultados finais:
 
“ASSIM DIZ O SENHOR, QUE DÁ O SOL PARA A LUZ DO DIA E AS LEIS FIXAS À LUA E À S ESTRELAS PARA A LUZ DA NOITE, QUE AGITA O MAR E FAZ BRAMIR AS SUAS ONDAS;

SENHOR DOS EXÉ RCITOS É O SEU NOME. SE FALHAREM ESTAS LEIS FIXAS DIANTE DE MIM, DIZ O SENHOR, DEIXARÁ TAMBÉ M A DESCENDÊ NCIA DE ISRAEL DE SER UMA NAÇÃ O

DIANTE DE MIM PARA SEMPRE. ASSIM DIZ O SENHOR: SE PUDEREM SER MEDIDOS OS CÉ US LÁ EM CIMA E SONDADOS OS FUNDAMENTOS DA TERRA CÁ EMBAIXO, TAMBÉ M EU

REJEITAREI TODA A DESCENDÊ NCIA DE ISRAEL, POR TUDO QUANTO FIZERAM, DIZ O SENHOR” (JR 31.35-37).

 
Sendo assim, toda a promessa de restauraçã o espiritual da naçã o de
Israel tem relaçã o com a nova aliança. Nesse sentido, Ezequiel 36
tem um lugar especial na compreensã o dessa aliança. [327] Com
uma dinâ mica semelhante à de Isaías 2, em que a restauraçã o futura
passa por um julgamento presente, Deus promete: “A SPERGIREI Á GUA
PURA SOBRE VÓ S, E FICAREIS PURIFICADOS; DE TODAS AS VOSSAS IMUNDÍCIAS E
DE TODOS OS VOSSOS ÍDOLOS VOS PURIFICAREI” (EZ 36.25). A FIGURA DA
Á GUA PROVÊ A IDEIA DA PURIFICAÇÃ O DOS PECADOS DOS ISRAELITAS, [328]
produzindo, também, justificaçã o.
Unido a isso, está a ideia da conversã o e transformaçã o: “Dar-vos-ei
coraçã o novo e porei dentro de vó s espírito novo; tirarei de vó s o
coraçã o de pedra e vos darei coraçã o de carne” (Ez 36.26). Até
mesmo traços da conversã o vivenciada pela Igreja atualmente se
farã o ver em Israel como a habitaçã o do Espírito Santo e a
santificaçã o de vida: “Porei dentro de vó s o meu Espírito e farei que
andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis”
(Ez 36.27). Essa é a descriçã o de uma conversã o e uma
transformaçã o espiritual.
Joel 2 também enfatiza o cará ter espiritual da futura restauraçã o
israelita. Depois de anunciar a vinda do Dia do Senhor e de,
mediante a mensagem de juízo, convidar a um arrependimento
verdadeiro, fruto de quebrantamento de coraçã o, o Senhor anuncia
“a inauguraçã o de uma nova era no relacionamento de Deus com seu
povo”: [329]
 
E ACONTECERÁ , DEPOIS, QUE DERRAMAREI O MEU ESPÍRITO SOBRE TODA A CARNE; VOSSOS FILHOS E VOSSAS FILHAS PROFETIZARÃ O, VOSSOS VELHOS SONHARÃ O, E VOSSOS

JOVENS TERÃ O VISÕ ES; ATÉ SOBRE OS SERVOS E SOBRE AS SERVAS DERRAMAREI O MEU ESPÍRITO NAQUELES DIAS. MOSTRAREI PRODÍGIOS NO CÉ U E NA TERRA: SANGUE, FOGO

E COLUNAS DE FUMAÇA. O SOL SE CONVERTERÁ EM TREVAS, E A LUA, EM SANGUE, ANTES QUE VENHA O GRANDE E TERRÍVEL DIA DO SENHOR. E ACONTECERÁ QUE TODO

AQUELE QUE INVOCAR O NOME DO SENHOR SERÁ SALVO; PORQUE, NO MONTE SIÃ O E EM JERUSALÉ M, ESTARÃ O OS QUE FOREM SALVOS, COMO O SENHOR PROMETEU; E,

ENTRE OS SOBREVIVENTES, AQUELES QUE O SENHOR CHAMAR (JL 2.28-32).

 
A bênçã o espiritual da nova aliança, porém, nã o é desatrelada da
concessã o de bênçã os temporais como a reuniã o dos israelitas
espalhados pelo mundo em consequência das maldiçõ es da lei na
terra que lhes foi prometida. Isso fica claro ao olharmos o texto
anterior e o texto posterior de Ezequiel 36.25-27, em que a
conversã o nacional é prometida: “Tomar-vos-ei de entre as naçõ es, e
vos congregarei de todos os países, e vos trarei para a vossa terra.
[...] Habitareis na terra que eu dei a vossos pais; vó s sereis o meu
povo, e eu serei o vosso Deus” (Ez 36.24,28).
JOEL FAZ O MESMO, AO DIZER: “ EIS QUE, NAQUELES DIAS E NAQUELE TEMPO,
EM QUE MUDAREI A SORTE DE JUDÁ E DE JERUSALÉ M. [...] JUDÁ , PORÉ M, SERÁ
HABITADA PARA SEMPRE, E JERUSALÉ M, DE GERAÇÃ O EM GERAÇÃ O” ( JL
3.1,20).
também Jeremias o faz: “Eis que os trarei da terra do Norte e os
congregarei das extremidades da terra; e, entre eles, também os
cegos e aleijados, as mulheres grá vidas e as de parto; em grande
congregaçã o, voltarã o para aqui. Virã o com choro, e com sú plicas os
levarei; guiá -los-ei aos ribeiros de á guas, por caminho reto em que
nã o tropeçarã o; porque sou pai para Israel, e Efraim é o meu
primogênito” (Jr 31.8,9). Na verdade, no retorno à terra Jeremias vê
a restauraçã o das bênçã os de modo amplo:
 
O POVO DE DEUS TERIA CURA ESPIRITUAL E DESFRUTARIA DAS BÊ NÇÃ OS DIVINAS DE PAZ E PROSPERIDADE. OS ISRAELITAS DO NORTE E DO SUL VOLTARIAM À TERRA

(30.10; 31.27; 33.7) E SE ALEGRARIAM COM COLHEITAS FRUTÍFERAS E REBANHOS E MANADAS ABUNDANTES (31.4,5,24; 33.10-13). OS NORTISTAS IRIAM DE BOA

VONTADE A JERUSALÉ M (31.6) PARA CELEBRAR AS BÊ NÇÃ OS DO SENHOR (31.12-14). TENDO RECEBIDO PERDÃ O (33.6,8), OS EX-EXILADOS JÁ NÃ O LAMENTARIAM QUE

ESTAVAM SENDO FORÇADOS A SOFRER PELOS PECADOS DOS SEUS PAIS, MAS RECONHECERIAM QUE DEUS TRATA COM JUSTIÇA OS HOMENS EM BASE INDIVIDUAL (31.29,30 CF.

EZ 18.1-32).
[330]
 
É fá cil perceber a relaçã o da nova aliança com a aliança abraâ mica
(promessa da posse perpetua da terra prometida), de modo que o
cumprimento da nova garante o cumprimento da abraâ mica. Na
verdade, nã o coincidentemente nesse momento também se
cumprirá a aliança davídica (trono perpétuo do descendente de
Davi), pois tanto a conversã o como o retorno à terra se dã o debaixo
da atuaçã o do rei prometido e esperado: “E tu, Belém-Efrata,
pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá , de ti
me sairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens sã o desde os
tempos antigos, desde os dias da eternidade. [...] Ele se manterá
firme e apascentará o povo na força do Senhor , na majestade do
nome do Senhor, seu Deus; e eles habitarão seguros, porque, agora,
será ele engrandecido até aos confins da terra ” (Mq 5.2,4 cf. Ez
34.23,24 – destaque meu).
Por fim, Ezequiel aglutina o cumprimento das três alianças ao
prometer conversã o, posse da terra em um reino unificado sob o rei
davídico – a quem Ezequiel chama Davi – apontando, assim, para a
restauraçã o da dinastia davídica: [331]
 
DIZE-LHES, POIS: ASSIM DIZ O SENHOR DEUS: EIS QUE EU TOMAREI OS FILHOS DE ISRAEL DE ENTRE AS NAÇÕ ES PARA ONDE ELES FORAM, E OS CONGREGAREI DE TODAS AS

PARTES, E OS LEVAREI PARA A SUA PRÓ PRIA TERRA. FAREI DELES UMA SÓ NAÇÃ O NA TERRA, NOS MONTES DE ISRAEL, E UM SÓ REI SERÁ REI DE TODOS ELES. NUNCA MAIS

SERÃ O DUAS NAÇÕ ES; NUNCA MAIS PARA O FUTURO SE DIVIDIRÃ O EM DOIS REINOS. NUNCA MAIS SE CONTAMINARÃ O COM OS SEUS ÍDOLOS, NEM COM AS SUAS ABOMINAÇÕ ES,

NEM COM QUALQUER DAS SUAS TRANSGRESSÕ ES; LIVRÁ -LOS-EI DE TODAS AS SUAS APOSTASIAS EM QUE PECARAM E OS PURIFICAREI. ASSIM, ELES SERÃ O O MEU POVO, E EU

SEREI O SEU DEUS. O MEU SERVO DAVI REINARÁ SOBRE ELES; TODOS ELES TERÃ O UM SÓ PASTOR, ANDARÃ O NOS MEUS JUÍZOS, GUARDARÃ O OS MEUS ESTATUTOS E OS

OBSERVARÃ O. HABITARÃ O NA TERRA QUE DEI A MEU SERVO JACÓ , NA QUAL VOSSOS PAIS HABITARAM; HABITARÃ O NELA, ELES E SEUS FILHOS E OS FILHOS DE SEUS FILHOS,

PARA SEMPRE; E DAVI, MEU SERVO, SERÁ SEU PRÍNCIPE ETERNAMENTE. FAREI COM ELES ALIANÇA DE PAZ; SERÁ ALIANÇA PERPÉ TUA.
[332] ESTABELECÊ -LOS-

EI, E OS MULTIPLICAREI, E POREI O MEU SANTUÁ RIO NO MEIO DELES, PARA SEMPRE (EZ 37.21-26 – DESTAQUE MEU).

 
RESUMO:

 
 A ser celebrada no futuro com o povo de Israel. [333]
 É uma aliança diferente da aliança mosaica no sentido de
produzir pela graça os resultados que a obediência à lei nã o
produziu. Sendo assim, substitui a aliança mosaica.
 Foi iniciada por Deus e é garantida por ele.
 Garantirá o cumprimento da promessa da posse perpétua
da terra, envolvendo uma reuniã o na terra prometida dos
israelitas que estã o dispersos pelo mundo.
 É cumprida no e pelo rei que se levantará em cumprimento
à aliança davídica.
 Dará a Israel uma nova relaçã o com Deus por meio da
conversã o e do perdã o de pecados promovidos pelo Senhor.
 É uma aliança de cará ter incondicional.
 Pressupõ e a futura conversã o nacional de Israel e seu
retorno e posse da terra prometida pela instrumentalidade
de Jesus.
 
_____________
 
PERGUNTAS PARA RECAPITULAÇÃO
 
1. Qual é a contribuiçã o do Antigo Testamento para a doutrina
reformada da eleiçã o?
2. Por que Deus escolheu Israel para ser-lhe um povo particular?
3. O que sã o alianças no Antigo Testamento?
4. Que aliança prevê salvaçã o para pessoas de todas as naçõ es e por
que meio ela previu tal benefício?
5. Qual é a relaçã o entre a igreja dos nossos dias e a aliança mosaica?
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Conclusão
 
 
LÂ MPADA PARA OS MEUS PÉ S É A TUA PALAVRA E LUZ PARA OS MEUS
CAMINHOS ( SL 119.105).
 
 
DIANTE
Antigo Testamento, percebemos a importâ ncia do
DOS FUNDAMENTOS DA TEOLOGIA DO

seu uso pessoal e eclesiá stico como produtor de três benefícios


fundamentais ao cristianismo: conhecimento , santificação ,
felicidade , e devoção . É marcante o modo como tais benefícios
transparecem no Salmo 119.
Em termos de conhecimento , a Palavra de Deus é alvo do estudo e
da reflexã o do salmista: “ MEDITAREI NOS TEUS PRECEITOS E À S TUAS
VEREDAS TEREI RESPEITO” (SL 119.15). Conforme o que diz o apó stolo
Paulo, o conhecimento da palavra inspirada por Deus se mostra
“ú til” (2Tm 3.16,17), fazendo com o que homem que se dedica a
encontrar o conhecimento revelado por Deus seja afastado daquilo
que é mal: “Por meio dos teus preceitos, consigo entendimento; por
isso, detesto todo caminho de falsidade” (Sl 119.104). Um benefício
como esse é preciso a ponto de se tornar o desejo e a oraçã o do
servo de Deus: “Sou teu servo; dá -me entendimento, para que eu
conheça os teus testemunhos” (Sl 119.125).
Como promotora de santificação , a Palavra de Deus produz pureza
no servo ao apontar, segundo os padrõ es de Deus, o que é
moralmente correto e o que é injusto: “De que maneira poderá o
jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua
palavra” (Sl 119.9). Desse modo, o estudo e a retençã o da mensagem
bíblica se revelam uma ferramenta incompará vel na busca da
comunhã o com Deus pelo afastamento do pecado: “Guardo no
coraçã o as tuas palavras, para nã o pecar contra ti” (Sl 119.11). Tais
palavras promovem santificaçã o ao guardar o servo de Deus de se
apegar aos pecadores e à iniquidade: “ VI OS INFIÉIS E SENTI DESGOSTO ,
PORQUE NÃ O GUARDAM A TUA PALAVRA. [...] ABOMINO E DETESTO A MENTIRA ;
PORÉ M AMO A TUA LEI” (SL 119.158,163 – destaque meu).
A Palavra de Deus também promove verdadeira felicidade ao
guardar o fiel dos caminhos destrutivos do pecado fornecendo a
verdadeira sabedoria – nã o aquela enaltecida pelo mundo e que tem
suas fontes no orgulho e no egoísmo, mas aquela da perspectiva de
Deus que olha o homem como um todo, assim como a histó ria e a
eternidade: “ OS TEUS MANDAMENTOS ME FAZEM MAIS SÁBIO QUE OS MEUS
INIMIGOS; PORQUE, AQUELES, EU OS TENHO SEMPRE COMIGO. [...] SOU MAIS
PRUDENTE QUE OS IDOSOS, PORQUE GUARDO OS TEUS PRECEITOS. DE TODO MAU
CAMINHO DESVIO OS PÉS , PARA OBSERVAR A TUA PALAVRA” (SL
119.98,100 ,101 – destaque meu). Além de evitar danos que levam à
tristeza e à perda da paz, a revelaçã o de Deus, por si só , produz
verdadeira felicidade ao fornecer ao homem a esperança de um
futuro pleno de alegria junto a Deus por meios das promessas feitas
pelo Senhor: “Alegro-me nas tuas promessas, como quem acha
grandes despojos” (Sl 119.162). Desse modo, a plena felicidade que
aguarda os que verã o a eterna salvaçã o que vem de Deus é
experimentada no presente por meio das Escrituras: “Suspiro,
SENHOR, POR TUA SALVAÇÃ O; A TUA LEI É TODO O MEU PRAZER” (SL
119.174).
Em termos de devoção , o louvor a adoraçã o ao Senhor estã o
diretamente ligados à contemplaçã o de Deus por meio do que
revelou ao homem: “Render-te-ei graças com integridade de
coraçã o, quando tiver aprendido os teus retos juízos” (Sl 119.7). Isso
acontece porque a perfeiçã o de Deus se deixa ver na perfeiçã o da
revelaçã o: “Tenho visto que toda perfeiçã o tem seu limite; mas o teu
mandamento é ilimitado” (Sl 119.96). Portanto, o salmista se dedica
a louvar o Senhor por tudo o que aprendeu sobre ele: “Profiram
louvor os meus lá bios, pois me ensinas os teus decretos” (Sl
119.171). Tal conhecimento é a alavanca indispensá vel para que o
homem cumpra seu propó sito de glorificar o criador eterno e
soberano: “Viva a minha alma para louvar-te;  AJUDEM-ME OS TEUS
JUÍZOS ” (Sl 119.175 – destaque meu).
Quando o salmista enalteceu as Escrituras desse modo, o material
que tinha em mã os era parte do Antigo Testamento. Mesmo assim,
todos esses benefícios foram nele produzidos. Jesus e os crentes do
Novo Testamento encontraram as mesmas bênçã os no uso do
Antigo Testamento (Lc 24.27; Jo 5.39,45-47; At 8.32-35; 17.11; 2Tm
3.14-17). Os pais da igreja ensinaram e adoraram a Deus com o que
extraíam desse preciso material.
Sendo assim, a igreja brasileira do século 21 também tem muito a
ser edificada por meio dos escritos dos servos de Deus do passado.
Em meio à s incontá veis distorçõ es do presente, tanto sobre os
atributos e prerrogativas de Deus como do papel do seu povo em um
mundo perdido e em franco processo de corrupçã o, o estudo sadio e
a correta compreensã o da mensagem do Antigo Testamento, ao lado
do Novo, se fazem fundamentais para a formaçã o de uma igreja que
cumpra sua funçã o régia de ser “raça eleita, sacerdó cio real, naçã o
santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de
proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a
sua maravilhosa luz” (1Pe 2.9).
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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Bibliografia de Consulta Sugerida
 
Em notas de rodapé sugerimos leituras de alguns livros ou trechos
de livros de acordo com temas tratados ao longo do livro. As
sugestõ es abaixo sã o de bons livros que têm capacidade de dar ao
leitor uma boa visã o do Antigo Testamento e da sua teologia.
 
ARCHER JR , Gleason Leonard. Merece Confiança o Antigo Testamento?
Ediçõ es Vida Nova.
H ,AILLE., J H. W
NDREW .
PANORAMA DO ANTIGO TESTAMENTO . EDITORA VIDA.
E OHN ALTON

HOUSE , Paul R. Teologia do Antigo Testamento . Editora Vida.


MERRILL , Eugene. História de Israel no Antigo Testamento . CPAD.
_______. Teologia do Antigo Testamento . Shedd Publicações.
PINTO , Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento . Editora Hagnos.
ZUCK , Roy. Teologia do Antigo Testamento . CPAD.
 

[1] Walter Kaiser Jr., Pregando e Ensinando a partir


do Antigo Testamento, p. 22-23.
[2] Essa citaçã o se refere apenas ao Antigo
Testamento, pois é retirada de uma obra que trata da
histó ria do Antigo Testamento. Apesar disso, tanto a
visã o do autor da citaçã o como a do autor desse livro é
que o mesmo vale para o Novo Testamento.
[3] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 3.
[4] Seriatim é uma palavra latina cujo significado é
“em série”, apontando para uma exposiçã o sequencial
de todo o material.
[5] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
46. Vale a pena analisar a observaçã o de Gerhard
Hasel, Old Testament Theology, p. 195-196, que diz:
“Deve-se enfatizar que os teó logos bíblicos e os
teó logos sistemá ticos nã o competem uns com os
outros. Sua funçã o é complementar. Ambos precisam
trabalhar lado a lado, aproveitando um do outro. O
teó logo bíblico apresenta categorias bíblicas, temas,
motivos e conceitos, que, em contraste com as “idéias
claras e distintas” do teó logo sistemático, à s vezes nã o
sã o tã o claras e distintas. Porém, as categorias bíblicas
sã o frequentemente mais sugestivas e dinâ micas para
expressar a rica revelaçã o do profundo mistério de
Deus. Como resultado disso, a teologia bíblica é capaz
de dizer algo para o homem moderno que a teologia
sistemá tica nã o pode dizer”. Sendo assim, um trabalho
no campo dos fundamentos da teologia do Antigo
Testamento certamente deve mesclar características
das teologias bíblica e sistemá tica.
[6] Gerhard Hasel, Old Testament Theology , p. 159.
[7] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 19.
[8] Para saber sobre os diversos métodos para o
estudo teoló gico do Antigo Testamento de um modo
resumido, consultar Ralph Smith, Teologia do Antigo
Testamento, p. 72-74.
[9] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 68.
[10] F. F. Bruce, Israel and the Nations, p. 14.
[11] Edward J. Young, Introduçã o ao Antigo
Testamento, p. 53. Outra colocaçã o do propó sito de
Gênesis é oferecida por Andrew Hill e John H. Walton,
Panorama do Antigo Testamento, p. 76: “O propó sito
de livro de Gênesis é contar a maneira e o motivo de
Javé escolher a família de Abraã o e fazer aliança com
ela”.
[12] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
85.
[13] Judas 14,15 se refere à Enoque, antecessor de
Noé, como um profeta que anunciou uma puniçã o de
Deus a fim de “exercer juízo contra todos e para fazer
convictos todos os ímpios, acerca de todas as obras
ímpias que impiamente praticaram e acerca de todas
as palavras insolentes que ímpios pecadores
proferiram contra ele”. Essa pode ser uma referência
ao juízo diluviano dos dias de Noé, sendo uma puniçã o
exemplar para que o cará ter justo de Deus sobre o
pecado aja como um anú ncio para os homens de todas
as eras.
[14] Hebreus 11.4 desvenda o fato de que a fé de Abel
o tornou aceitável a Deus e justo e, em consequência,
sua oferta foi aceita.
[15] A primeira demonstraçã o da disposiçã o de Deus
de buscar o homem perdido se dá tã o logo o homem
tenha caído (Gn 3.8,9). Contudo, nessa ocasiã o, só o
que se vê é Deus prenunciando primariamente algo
que só seria contemplado no decorrer da histó ria e da
revelaçã o (Gn 3.15). Demonstraçõ es mais claras desse
propó sito têm seu início com o chamado de Abrã o (Gn
12).
[16] Um conceito clá ssico do significado teoló gico de
graça é “a disposiçã o de Deus de conceder ao homem
bênçã os que ele nã o merece”. Uma versã o resumida
diz que graça é “o favor imerecido de Deus”.
[17] Somente em Gênesis 17.5 Abrã o teve seu nome
mudado para Abraã o, que significa “pai de multidõ es”.
[18] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
160.
[19] O texto de Miquéias 5.2, em comparaçã o com o
Novo Testamento, aponta para a pessoa de Jesus (Mt
2.6) que é também Deus (Cl 2.9; 1Jo 5.20), tendo a
mesma essência do Pai (Jo 10.30). Entretanto, apesar
de haver indícios da trindade no Antigo Testamento
(ex: Gn 1.26; 3.22), esse é um conceito revelado mais
claramente no Novo Testamento. No Antigo, é frisado
o conceito do Deus ú nico (Dt 6.4), o que nã o ocorre
com prejuízo da trindade.
[20] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento,
p. 164.
[21] R. K. Harrison, Introduction of the Old
Testament, p. 580, diz que a raiz do verbo “hayâ ” (ser)
tem sido geralmente compreendido no sentido
está tico de existência [ser], mas que também pode
enfatizar a açã o inerente ao sentido bá sico do verbo
[estar]. Seguindo essa interpretaçã o, Deus estaria se
revelando como o Deus da criaçã o e da aliança.
[22] R. K. Harrison, Jeremias e Lamentaçõ es :
Introduçã o e Comentá rio, p. 74.
[23] Augustus Hopkins Strong, Systematic Theology,
p. 279.
[24] Carl Friedrich Keil e Franz Delitzsch, Biblical
Commentary on the Old Testament : The Books of The
Kings , p. 198-199.
[25] Como forma de contestaçã o ao conceito da
onipotência, é comum se ouvir alguns exemplos que
distorcem a ló gica, como a famosa pergunta: “Deus
pode criar uma pedra tã o dura que ele nã o possa
destruir?”. Qualquer resposta cria uma aparente
incapacidade em Deus, seja no criar tal pedra, seja no
tentar sem sucesso destruí-la. Contudo, essa é uma
distorçã o no conceito da onipotência, pois assim como
Deus, tal atributo é coerente com a verdade, a ló gica e
o caráter de Deus. Frases como “Deus nã o pode
morrer”, “Deus nã o pode mentir”, “Deus nã o pode criar
alguém melhor ou mais forte que ele” e “Deus nã o
pode criar um triâ ngulo com quatro lados”, além de
nã o afetarem sua onipotência, atestam sua perfeiçã o,
santidade, sabedoria e coerência.
[26] Especificamente Gn 1.3, 6, 9, 11, 14, 20, 24, 26,
29; 2.18.
[27] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo
Testamento, p. 74.
[28] Há uma corrente teoló gica moderna,
didaticamente chamada de “teísmo aberto”, que, em
uma teodiceia às avessas e em uma cruzada pelo livre-
arbítrio humano, tenta explicar o problema do mal
diante do Deus justo propondo nã o apenas que Deus
nã o interfere nos acontecimentos a fim de dar
liberdade plena aos seres humanos, como que também
nã o os conhece. Para os teístas abertos, Deus fica tã o
surpreso quanto os homens diante dos fatos que
ocorrem. Essa visã o, porém, nã o resiste de modo
algum à revelaçã o bíblica.
[29] Francis Brown, S. R. Driver e Charles Briggs,
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon, p. 872-873.
[30] R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr. e Bruce K.
Waltke, Dicioná rio Internacional de Teologia do Antigo
Testamento, p. 1320-1325.
[31] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento,
p. 68.
[32] Teologia do Antigo Testamento, p. 183.
[33] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 87.
[34] Gleason Archer Jr, Merece confiança o Antigo
Testamento?, p. 158.
[35] Essa é uma atuaçã o enfatizada pelo Senhor ao dar
a Israel a lei, pelo que serve tanto de motivo como de
motivaçã o para que os servos lhe sejam obedientes e
mantenham pureza nos relacionamentos com Deus e
com as pessoas (Ex 31.13; Lv 21.8,15,23; 22.9,16,32;
Ez 20.12).
[36] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 92.
[37] O verbo hebraico para “consagrar” (qadash) é da
mesma raiz do adjetivo “santo” (qadosh). Desse modo,
consagrar significa santificar, separar, tornar sagrado.
[38] R. K. Harrison, Levítico : Introduçã o e
Comentá rio, p. 194.
[39] Marcos Granconato, Pequeno Manual de
Doutrinas Bá sicas, p.10.
[40] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 18.
[41] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento,
p. 185.
[42] Joã o Calvino, As Institutas ou Tratado da Religiã o
Cristã , (Livro I, Cap. XIII, §1), p. 127-128. Nessa
citaçã o, “antropomorfistas” nã o sã o pessoas que
utilizam a “linguagem antropomó rfica”, mas aqueles
que realmente creem que Deus tem um corpo com
boca, ouvidos, olhos, mã os e pés.
[43] Ronald Youngblood, The Heart of the Old
Testament, p. 19.
[44] Para saber mais sobre o “teísmo aberto” – posiçã o
teoló gica que nega a soberania de Deus dizendo que
ele se limita no uso do seu poder e controle por amor
ao homem – e a comparaçã o com a visã o tradicional,
ver Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemá tica, p. 308-310.
[45] D. James Kennedy, Verdades que Transformam, p.
11.
[46] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 100.
[47] A maior dificuldade do estudante das Escrituras
diante da soberania de Deus em tragédias nã o é
entender a soberania em si, mas os propó sitos do
Senhor. Estes, segundo o ensino bíblico, sã o
“insondá veis” (Rm 11.33,34). Entretanto, alguns
exemplos de propó sitos cumpridos em catá strofes nos
dã o pistas de razõ es divinas para situaçõ es que
causam grande sofrimento como o bem dos crentes
que sobrevivem à tragédia (Tg 1.2-4), o traslado dos
crentes que morrem para os céus e para junto de Deus
(Fp 3.20,21; Sl 116.15; Fp 1.23), o convite de
conversã o aos incrédulos (At 16.26-28,30-32), a
puniçã o de homens rebeldes (Gn 6.7,17; Nm 16.31-33)
e a apresentaçã o dos “sinais dos tempos” que nos
fazem lembrar a aproximaçã o dos eventos
escatoló gicos (Mt 16.3; Mt 24.6,7).
[48] Parar o Sol e a Lua é, na verdade, uma maneira
didá tica de falar aos homens, principalmente os
homens daqueles dias. É um evento descrito com a
perspectiva do homem que vê o céu, onde a impressã o
é que o Sol e a Lua pararam. Com o que conhecemos
hoje pela ciência, o prová vel é que Deus tenha
suprimido a rotaçã o da Terra ou, até mesmo, parado
todo o movimento do universo. Mesmo assim, a
linguagem ainda é vá lida para transmitir a ideia em
questã o. Basta lembrar que tal linguagem é ainda
utilizada nos nossos dias quando dizemos, por
exemplo, que o “Sol está se pondo”, quando, na
verdade, é a Terra quem está rotacionando. De
qualquer modo, o evento de Josué 10 é especial no
intento de mostrar a soberania do Senhor.
[49] Norman Geisler e Peter Bocchino, Fundamentos
Inabalá veis, p. 255-258, mostram como Deus à s vezes
beneficia as pessoas por meio do sofrimento e do seu
controle soberano sobre as dificuldades.
[50] O Novo Testamento concorda com essa posiçã o
ao narrar o discurso de Pedro que rendeu a Deus o
controle da situaçã o na morte de Jesus, sendo a mã o
por trá s das autoridades envolvidas na crucificaçã o:
“Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade
contra o teu santo servo Jesus, ao qual ungiste Herodes
e Pô ncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para
fazerem tudo o que a tua mã o e o teu propó sito
predeterminaram (At 4,27,28 – destaque meu).
[51] Para melhor compreensã o da atuaçã o soberana e
do propó sito do Senhor em relaçã o ao
“endurecimento” como fez com Faraó , ver Rm 9.17,18,
o qual cita Ex 9.16 dando, em seguida, uma conclusã o
teoló gica ao fato.
[52] Paul Enns, The Moody Handbook of Theology, p.
416.
[53] R. K. Harrison, Levítico : Introduçã o e
Comentá rio, p. 184, afirma que esse é um dos
preceitos morais mais destacados do Antigo
Testamento e é singular no mundo antigo.
[54] Um sentido parecido com esse se vê em 1Co 7.14,
onde o cô njuge incrédulo é “santificado” pelo convívio
com o cô njuge crente. Isso nã o quer dizer “ter
salvaçã o”, mas ser beneficiado tanto pelo exemplo do
servo de Deus, como pelo tratamento do Senhor à
família do crente por amor a ele.
[55] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
74. Esse assunto será tratado no capítulo que fala
sobre a “Eleiçã o”.
[56] Walter Kaiser Jr, Teologia do Antigo Testamento,
p. 204-206.
[57] O fato de Deus ter trabalhado para abençoar Jacó
dando-lhe crias de modo a lhe pertencerem dentro do
acordo feito com Labã o, nã o escusam Jacó de ter, por
meio de um tipo de crendice popular, tentado lesar seu
sogro ao tentar determinar o resultado das crias. O
procedimento infiel de Jacó permanece mesmo diante
da mesma disposiçã o do sogro para com ele, já que
este também tentou determinar o resultado das crias
retirando matrizes com certas características que
favoreceriam o genro.
[58] R. K. Harrison, Jeremias e Lamentaçõ es :
Introduçã o e Comentá rio, p. 177-178, afirma que,
nesse contexto, “hesed”, que pode ser traduzido como
“misericó rdia”, tem o sentido de “lealdade à aliança”,
ou “misericó rdia da aliança”. Assim, a fidelidade de
Deus diante do que prometeu é a causa de ser
misericordioso com a naçã o.
[59] Franklin Ferreira, Teologia Cristã , p. 47.
[60] Moisés, quando ainda vivia na corte de Faraó ,
demonstrou tal sentimento ao matar um egípcio que
espancava um israelita (Ex 2.11,12). Entretanto, em
lugar de ser reconhecido como um heró i nacional, ele
recebeu um tratamento por parte de um israelita que
demonstrou desrespeito e desdém (vv. 13,14). Esse
fato sugere que o nacionalismo de Moisés nã o
encontrava um sentimento semelhante no povo
escravizado.
[61] Para saber mais sobre a dataçã o do êxodo,
consultar Sean M. Warner, The Dating of the Period of
the Judges , Vetus Testamentum 28/4, 1978, p. 455-
463. Esse trabalho se baseia no reconhecido livro de
Edwin R. Thiele, The Mysterious Numbers of the
Hebrew Kings , Grand Rapids: Eerdmans, 1965,
propondo um fator adicional a ser analisado – a
contagem do ano do jubileu –, fazendo retroceder em
cerca de meio ano a contagem de Thiele, o suficiente
para que o êxodo tenha ocorrido na metade final de
1446 a.C.
[62] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 77.
[63] Uma segunda porçã o da lei, registrada em
Deuteronô mio, foi dada quase 40 anos depois, quando
Israel, que estava em Moabe – parte da Transjordâ nia
–, já estava prestes a entrar em Canaã para dominá -la.
[64] Eugene Merrill, “Uma Teologia do Pentateuco”, in
Roy Zuck, Teologia do Antigo Testamento, p. 20. Com
ele concorda Claus Westermann, Teologia do Antigo
Testamento, p. 19. “Instruçã o” é um dos sentidos de
“tô rá ” segundo Luis Alonso Schö kel, Dicioná rio Bíblico
Hebraico-Português, p. 700.
[65] Os primeiros onze capítulos de Gênesis têm essa
característica. A partir do capítulo 12, o relato rende
mais atençã o aos detalhes. A razã o para tanto é que o
relato das origens visava a embasar o propó sito
teoló gico central de Moisés em seus dois primeiros
livros: dar a Israel sua pró pria origem, desde o
chamado de Abraã o até a retirada do povo da terra do
Egito.
[66] Gleason L. Archer Jr., Merece Confiança o Antigo
Testamento?, p. 94.
[67] Derek Kidner, Gênesis : Introduçã o e Comentá rio,
p. 42. Na nota 2 ele sugere, como referências para a
aná lise do assunto, o debate entre P. W. Heward e F. F.
Bruce em Journal os the Transactions of the Victoria
Institute, LXVIII, 1946, p. 121-131, o texto de E. J.
Young em Westminster Theological Journal, XXIII,
1960-1, p. 151-178, e B. Ramm, The Christian View of
Science and Scripture, p. 135-144.
[68] Francis Brown, S. R. Driver e Charles Briggs,
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon, p. 1062.
[69] Ver também o v.23, onde “tohû ” tem a idéia de
“nulidade”, assim como em 41.29, 44.9, 49.4 e 59.4.
[70] Ver também o exemplo da palavra “tohû ” como
lugar vazio e inabitado em Is 34.10,11 (cordel de
destruiçã o).
[71] Outros exemplos desse uso no livro de Jó sã o
12.24 e 26.7.
[72] David Toshio Tsumura, The Earth and the Waters
in Genesis 1 and 2 : A Linguistic Investigation, p. 42-43.
[73] Agostinho de Hipona, Confissõ es, p. 340-341, se
refere ao propó sito de Deus se revelar na açã o de criar
a terra sem beleza seguido de um processo de fazer
dela um mundo belo.
[74] Paul Mellars, “A New Radiocarbon Revolution and
the Dispersal of Modern Humans in Eurasia”, Nature,
vol. 439, 23 de fevereiro 2006, p. 931-935.
[75] Herbert Feely, Journal of the American Scientific
Affiliation, setembro de 1955, p. 47-48, in Gleason
Archer Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento?,  p.
93.
[76] Para uma aná lise profunda e séria do assunto é
altamente recomendada a leitura de Adauto Lourenço,
Como tudo começou : uma introduçã o ao criacionismo,
Editora Fiel. Ele, que possui credenciais acadêmicas
mais que suficientes para falar com propriedade sobre
ciência, defende o criacionismo e o “universo novo”
coerente com o relato bíblico da criaçã o. Para saber
especificamente sobre os métodos de dataçã o,
incluindo o “carbono 14”, seus problemas e seus mitos,
consultar p. 157-193.
[77] Frase escrita em correspondência eletrô nica, em
20 de julho de 2011, pelo Dr. Leandro Boer, médico e
pesquisador, graduado pela Unicamp, especialista em
cardiologia clínica pela Santa Casa de Misericó rdia de
Ribeirã o Preto e doutorando em farmacologia pela
Unicamp.
[78] James B. Pritchard (Ed.), The Ancient Near
Eastern Texts : Relating to the Old Testament, p. 501.
[79] Para uma aná lise da comparaçã o entre os relatos
da criaçã o bíblica e da criaçã o na visã o babilô nica,
consultar o capítulo 2 de Merril Unger, Arqueologia do
Velho Testamento, Editora Batista Regular.
[80] Gleason Archer Jr, Merece Confiança o Antigo
Testamento?, p. 97-98.
[81] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 22.
[82] J. Scott Horrell, Apostila de teologia sistemá tica, p.
31.
[83] Kevin L. Barney, “Reflections on the Documentary
Hypothesis”, p. 58.
[84] Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento,
p. 139.
[85] Gleason Archer Jr, A Survey of Old Testament
Introduction, p. 97-98, diz que, na visã o documental, a
fonte javista foi escrita em Judá por volta de 850 a.C.,
enquanto a fonte sacerdotal é uma composiçã o em
vários estágios desde Ezequiel, por volta de 570 a.C.,
até Esdras, no período pó s-exílico.
[86] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 62.
[87] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 22, oferece
argumentos conservadores contra a hipó tese
documentá ria.
[88] Roy Zuck, Teologia do Antigo Testamento, p. 26.
[89] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 24-25.
[90] William F. Albright, From the Stone Age to
Christianity, p. 229-230.
[91] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento, p.
176.
[92] Para entender melhor o conceito ligado à
expressã o “soberania mediada”, ver Carlos Osvaldo
Cardoso Pinto, Foco e Desenvolvimento no Antigo
Testamento, p. 19.
[93] Eugene Merrill, “Uma Teologia do Pentateuco”, in
Roy Zuck, Teologia do Antigo Testamento, p. 31.
[94] Gênesis 9 demonstra que, enquanto os animais e
os vegetais serviriam de alimento para o homem (vv.
2-4), este, de modo algum, poderia ser morto (vv. 5,6)
a exemplo dos animais. Fica nítida a dignidade
peculiar conferida ao homem dentro da criaçã o por
causa da sua natureza à imagem de Deus.
[95]
Bob Utley, How it All Began : Genesis 1-11, p. 33.
[96] F. F. Bruce, Israel and the Nations, p. 13.
[97] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento,
p. 28.
[98] Para ver um quadro didático sobre os “tô ledot” e
sua estrutura a qual sustenta o conteú do de Gênesis,
consultar William LaSor, David Hubbard e Frederic
Bush, Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 18.
[99] Essas geraçõ es, apesar de nã o fazerem parte da
linhagem israelita, têm relevâ ncia fundamental para a
histó ria de Israel, pois dã o origem a povos
aparentados com quem os israelitas terã o de conviver
normalmente em meio a considerá veis atritos, em
disputas territoriais e em danosa influência religiosa.
[100] Samuel J. Schultz, A Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 17.
[101] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 15-17.
[102] Herbert Donner, Histó ria de Israel e dos Povos
Vizinhos, p. 83.
[103] Kenneth Kitchen, Ancient Orient and Old
Testament, p. 153-154, diz que “os costumes
familiares dos patriarcas em Gênesis 15 a 31 nã o sã o
familiares para os leitores modernos, mas seus
significados têm sido extraordinariamente iluminados
por paralelos de tá buas cuneiformes encontradas em
Ur e especialmente em Nuzi, na Mesopotâ mia, De
acordo com o procedimento [descrito] nesses
documentos, um casal sem crianças podia adotar como
herdeiro um dos seus servos, exatamente como, em
Gênesis 15, Abraã o adotou seu servo Eliezer como
herdeiro. Ou, também, a esposa podia produzir um
herdeiro “por substituiçã o” (como é dito) entregando
sua serva ao seu marido. Assim, Ismael nasceu de
Abraã o por meio de Agar como resultado da iniciativa
de Sara (Gn 16)”.
[104] Segundo Roland de Vaux, Instituiçõ es de Israel
no Antigo Testamento, p. 23-24, o vínculo sanguíneo é
o que faz que, na uniã o tribal, todos sejam
considerados “irmã os”, formando uma imensa á rvore
genealó gica – o que certamente foi um fator
importantíssimo de uniã o de um povo tã o grande
como o que deixou o Egito. Analisando a estrutura
tribal, ele diz: “Cada tribo se reporta a um antepassado
ú nico, e duas tribos aliadas se reportam a dois
antepassados que eram irmã os em sentido pró prio”.
[105] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
106.
[106] Exemplos desse tipo de linguagem, a qual sugere
a divindade real, podem ser vistas em Derek Kidner,
Gênesis : Introduçã o e Comentá rio, p. 78, nota 18, que
cita Mallowan informando de uma lista suméria de
reis que afirma que alguns deles tiveram reinados de
“trinta mil anos” cada um; James B. Pritchard (Ed.),
The Ancient Near Eastern Texts : Relating to the Old
Testament, p. 496, onde o quarto monarca da terceira
dinastia de Ur, chamado Shu-Sin (c. 2000 a.C.), recebe
a designaçã o de “meu deus” e “deus da sua terra”; e W.
L. Moran (Ed.), The Amarna Letters., EA 23, uma
correspondência entre Tushratta, rei de Mittani, e
Nimmureya, rei do Egito, informando a visita de
Shaushka de Nínive, a qual é chamada de “senhora de
todas as terras”, “senhora dos céus” e “minha deusa”,
além de fazer um tipo de oraçã o pedindo a ela
proteçã o para ambos os reis.
[107] J. Ridderbos, Isaías : Introduçã o e Comentá rio, p.
148-149.
[108] “Tu és o sinete da perfeiçã o”, “estavas no É den,
jardim de Deus”, “tu eras querubim da guarda ungido”,
“permanecias no monte santo de Deus”.
[109] John B. TAYLOR , Ezequiel : Introduçã o e
Comentá rio, p. 177-178, diz que o texto, ao falar do
orgulho do rei de Tiro, o associa ao pecado de Adã o e
nã o de Sataná s, oferecendo como comprovaçã o as
abundantes referências ao É den. Em verdade, ele nem
sequer cita Sataná s nesse contexto.
[110] O pecado de Davi tem relaçã o com a
desobediência às regras expressas na lei para o
levantamento de um censo (Ex 30.12-15; Nm 1.2-4,47-
49). Tratou-se de um erro tã o gritante da parte de Davi
que Joabe, a quem nã o se pode classificar como “fiel
servo de Deus”, repreendeu-o por tal desejo, alertando
sobre a culpa que recairia sobre eles. O real motivo
que levou Davi a fazê-lo foi seu desejo egoísta de se
sentir poderoso, líder de um grande povo e
comandante de um grande exército. O texto de 2Sm
24.1 esclarece que o Senhor queria punir Israel, de
modo que “incitou a Davi contra eles”. Isso revela,
assim como 2Co 12.7, que Deus se utiliza até mesmo
de Sataná s para efetuar seus planos. Mesmo assim,
isso nã o anula a malignidade com que Sataná s ataca os
servos de Deus.
[111] Esses textos mostram que os demô nios estavam
por trá s das falsas divindades adoradas pelos homens,
enganando-os e induzindo-os ao erro.
[112] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
263.
[113] Para saber mais sobre a doutrina do pecado
(Hamartiologia), seu desenvolvimento na histó ria e as
visõ es sobre ela fora do cristianismo, consultar
Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia Sistemá tica, p.
423-479.
[114] A palavra “elohîm” é o plural de “el” ou “eloah”
(Deus). Pode-se aplicar ao Senhor como se fosse um
substantivo singular, apesar da sua forma plural, de
modo a enaltecer a divindade do Senhor – W. Gesenius
e S. P. Tregelles, Gesenius' Hebrew and Chaldee
Lexicon to the Old Testament Scriptures, p. 49,
chamam esse uso de “plural de majestade”. Pode-se,
também, aplicar tal palavra em um sentido plural
simples, o que faria referência a um grupo de deuses,
sem querer apontar para o Deus criador – um exemplo
desse uso se vê no Salmo 82.6: “Sois deuses” – texto
citado por Jesus em Joã o 10.34. Charles Ryrie, Teologia
Bá sica, p. 53-54, propõ e três possibilidades para esse
uso do plural: (1) Plural politeísta; (2) plural
trinitariano; (3) plural majestá tico.
[115] Joã o Calvino, As Institutas ou Tratado da
Religiã o Cristã , (Livro II, Cap. I, §4), p. 19.
[116] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemá tica, p. 452.
[117] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
81.
[118] John F. MacArthur Jr, Different by Design, p. 22-
23.
[119] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento,
p. 206.
[120] Raymond Brown, Entendendo o Antigo
Testamento, p. 13.
[121] Agostinho de Hipona, A Cidade de Deus, XIII,
§12; in Derek Kidner, Gênesis : Introduçã o e
Comentá rio, p. 64-65.
[122] Gerhard von Rad, Teologia do Antigo
Testamento, p. 145.
[123] Wood e Marshall, New Bible Dictionary, p. 1106,
se refere a essa realidade utilizando um termo
teoló gico chamado “solidariedade racial”, ou
“solidariedade da raça”. Para saber mais sobre o
assunto, consultar Russell P. Sheed, A Solidariedade da
Raça : O Homem em Adã o e em Cristo, Sã o Paulo: Vida
Nova.
[124] Franz Delitzsch, Old Testament History of
Redemption, p. 34.
[125] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 78.
[126] Thomas Tronco dos Santos, Boas Intençõ es Nã o
Bastam, p. 54-55.
[127] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo
Testamento, p. 221.
[128] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemá tica, p. 208.
[129] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento,
p. 230.
[130] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
200.
[131] Conforme Merril Unger, Arqueologia do Velho
Testamento, p. 55.
[132] O mesmo verbo aparece em Gênesis 4.1 para
dizer: “Coabitou o homem com Eva, sua mulher. Esta
concebeu e deu à luz a Caim” (destaque meu).
[133] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 30.
[134] Marcos Granconato, Eles Falaram Sobre o
Inferno, p. 14.
[135] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 68.
[136] O mesmo recurso foi usado por Abraã o quando
esteve no Egito (Gn 12.10-20). Nesse caso, o Senhor
puniu Faraó sem lhe dar aviso prévio (v.17).
[137] Noel Osborn e Howard Hatton, A Handbook on
Exodus, p. 166.
[138] Yohanan Aharoni e M. Avi-Yonah, The Macmillan
Bible Atlas , p. 34.
[139] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento,
p. 83.
[140] Gordon J. Wenhan, Nú meros : Introduçã o e
Comentá rio, p.129.
[141] J. A. Thompson, Deuteronô mio : Introduçã o e
Comentá rio, p. 264.
[142] Georg Fohrer, Estruturas Teoló gicas do Antigo
Testamento, p. 131.
[143] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
204.
[144] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 421.
[145] Flá vio Josefo, Histó ria dos Hebreus, p. 1385.
[146] Claus Westermann, Teologia do Antigo
Testamento, p. 105-106.
[147] Kittel in John Bright, Histó ria de Israel, p. 310,
nota 65.
[148] Georg Fohrer, Estruturas Teoló gicas do Antigo
Testamento, p. 255.
[149] Roland de Vaux, Instituiçõ es de Israel no Antigo
Testamento, p. 193.
[150] Carlos Osvaldo Cardoso PINTO , Foco e
desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 729-730. A
dataçã o da composiçã o de Obadias e de Joel é
dificílima. Vá rios teó logos, especialmente os liberais,
datam Obadias no período pó s-exílico. Alguns apoios
para uma dataçã o no século 9 a.C. sã o Eugene Merrill
(Histó ria de Israel no Antigo Testamento, p. 405),
Gleason Archer Jr. (Merece Confiança o Antigo
Testamento?, p. 228-230), Carl Friedrich Keil e Franz
Delitzsch (Biblical Commentary on the Old Testament :
The Twelve Minor Prophets, vol. 1, p. 349), Edward J.
Young (Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 273),
Merril F. Unger (Introductory Guide to The Old
Testament, p. 343) e Howard F. Vos (Beginnings in the
Old Testament, p. 137-138).
[151] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 405.
[152] David W. Baker, T. Desmond Alexander e
Richard J. Sturz, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum,
Habacuque e Sofonias : Introduçã o e Comentário, p.
30.
[153] John Bright, Histó ria de Israel, p. 451.
[154] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 710.
[155] Merril F. Unger, Introductory Guide to The Old
Testament , p. 339, reconhece a ocasião da vinda do
“Dia do Senhor” sobre Israel (Jl 2.11) como as
movimentações militares das nações a fim de
exterminar Israel no Armagedom.
[156] David Allan Hubbard, Joel e Amó s : Introduçã o e
Comentá rio, p. 90, aponta a repetiçã o da palavra
“multidõ es” em Joel 3.14 como veículo para se conferir
ao texto um tom superlativo, cuja compreensã o
deveria ser “o maior ajuntamento possível de
multidõ es”.
[157] Ibdem , p. 198.
[158] J. Dwight Pentecost, Manual de Escatologia, p.
258.
[159] Um exemplo disso foi Hananias, falso profeta
concorrente de Jeremias que, em lugar de acatar e
confirmar a profecia de Jeremias, vaticinou um cerco
de apenas dois anos sem que a cidade fosse tomada (Jr
28.1-4). Esse profeta caiu morto como puniçã o divina
contra a falsa profecia e a oposiçã o ao verdadeiro
profeta (Jr 28.15-17), mostrando ao povo a penalidade
da apostasia e da rebeliã o (R. K. Harrison, Jeremias e
Lamentaçõ es : Introduçã o e Comentário, p. 104).
[160] Esse texto parece ser o prenú ncio da volta
corporal de Jesus vindo da mesma forma e na mesma
regiã o de onde partiu, cumprindo também a palavra
dos anjos (Lc 24.50-53; At 1.11).
[161] J. Dwight Pentecost, Manual de Escatologia, p.
254.
[162] Ryrie, Teologia Bá sica, p. 566.
[163] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 3, afirma que “o verdadeiro impulso do
Antigo Testamento é teoló gico”.
[164] Nelson GLUECK , Rivers in the Desert : A History of
the Negev, p. 30-31.
[165] Ibdem , p. 31. Gerhard Hasel, Old Testament
Theology, p. 202, diz que “a histó ria de Israel é
estudada no contexto da histó ria da antiguidade, com
especial ênfase no Oriente Médio Antigo, onde a
arqueologia tem sido inestimá vel no fornecimento do
cená rio histó rico, cultural e social para a Bíblia”
(destaque meu). Vale fazer a ressalva de que, apesar
da afirmaçã o de Glueck, os autores Andrew Hill e John
H. Walton, Panorama do Antigo Testamento, p. 326-
327, mostram que, em alguns casos, a arqueologia
aumentou a controvérsia sobre acontecimentos
bíblicos, seja por reconstituiçõ es diferentes do
ocorrido, seja pela ausência de achados de certos
períodos ou acontecimentos. Entretanto, R. K.
Harrison, Introduction of the Old Testament, p. 105-
133, no capítulo intitulado “The Archaeological
Background of the Old Testament”, oferece subsídio
suficiente para corroborar a afirmaçã o de Glueck.
[166] Derek Kidner, Gênesis : Introduçã o e
Comentá rio, p. 65.
[167] NET Bible, nota 41, cita uma antiga
interpretaçã o judaica dessa passagem, a qual,
afirmando a terrível inimizade entre os homens e as
cobras, diz: “Um protege sua cabeça, o outro, seu
calcanhar, pois a morte está ao alcance na
proximidade entre os homens e as malignas serpentes
peçonhentas (ver Sib. Or. 1.59–64)”. Também oferece
a interpretaçã o de Flá vio Josefo, Antiguidades
Judaicas, 1.1.4, como exemplo dessa visã o [Em
português: Histó ria dos Hebreus , 1.1.5, p. 77].
[168] Derek Kidner, Gênesis : Introduçã o e
Comentá rio, p. 66; Eugene Merrill, Teologia do Antigo
Testamento, p. 247.
[169] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemá tica, 175.
[170] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo
Testamento, p. 94.
[171] Walter Kaiser Jr., Pregando e Ensinando a partir
do Antigo Testamento, p. 127.
[172] Derek Kidner, Gênesis : Introduçã o e
Comentá rio, p. 202, ressalta o fato de que Siló em
nenhum outro lugar é usado para se referir ao Messias.
Entretanto, a possível – e, talvez, prová vel – forma
“shelloh” formaria o sentido de “até que ‘o que é seu’
venha” e seria associado a “até que venha aquele a
quem ela pertence de direito” (Ez 21.27).
[173] James Swanson , Dictionary of Biblical Languages
with Semantic Domains : Hebrew (Old Testament),
verbete n° 716.
[174] Desde que se cumpriu a profecia de Miqueias 5.1
com o destronamento e humilhaçã o de Zedequias (Jr
39.4-7), nenhum outro rei da dinastia de Davi reinou
em Israel. William LaSor, David Hubbard e Frederic
Bush, Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 750, afirma
que os livros de Esdras e Neemias demonstram que a
linhagem davídica foi estabelecida novamente em
Zorobabel. Entretanto, em Zorobabel nã o foi
restabelecido o trono davídico, pois os judeus que
voltaram do cativeiro nã o tiveram rei. A dinastia real
dos asmoneus, que se levantou sobre o trono em
Jerusalém no século 2 a.C., nã o descendia de Davi, nem
da tribo de Judá , mas da tribo de Levi, visto que Flá vio
Josefo (Histó ria dos Hebreus, p. 563) informa que
Matatias, bisneto de Asmoneu, era um “sacerdote”. Seu
filho Simã o se tornou príncipe de Judá (p. 608) e o
neto de Simã o, Aristó bulo, se tornou rei (p. 619).
Quanto a Herodes, o grande, que destronou o rei
asmoneu Antígono, tinha ele ascendência idumeia (p.
651). Sendo assim, desde o destronamento de
Zedequias em 587 a.C., o pró ximo rei da descendência
de Davi a reinar será justamente o Messias eterno,
Jesus Cristo (Mq 5.2). Ezequiel concorda com isso e
anuncia a queda de Zedequias – a quem chama
“profano e perverso” –, seguida de um hiato temporal
cujo término se dá na entronizaçã o de Jesus, “a quem
ela [a coroa] pertence de direito” (Ez 21.25-27).
[175] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 562, diz que “em [Miquéias] 5.2-
9, o salvador nã o é denominado ‘rei’, mas ‘governante’.
O termo Messias nã o foi usado pelos profetas pré-
exílicos como referência ao rei davídico ideal do
futuro. Assim, tal pessoa deve ser considerada pela
funçã o e nã o pelo título. [...] Nã o há dú vida de que
Miquéias falava do rei davídico ideal ao qual temos o
costume de chamar Messias”.
[176] Miqueias parece associar o nascimento do rei ao
seu reinado, como se nã o houvesse um hiato temporal
entre os dois fatos. Entretanto, o contexto mostra que
os acontecimentos surgem na açã o do “rei” e nã o do
“recém-nascido”.
[177] R. Laird Harris, Gleason L. Archer Jr. e Bruce K.
Waltke, Dicioná rio Internacional de Teologia do Antigo
Testamento, p. 1548, traduz a palavra hebraica
“mishhat” como “desfiguraçã o de rosto”. Luis Alonso
Schö kel, Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p.
407, informa que “mishhat” em associaçã o com a
palavra “meîsh”, como ocorre em Isaías 52.14, significa
“nã o parecia homem”, promovendo a noçã o de uma
violência extrema como a causadora de tal estado de
aparência.
[178] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 613.
[179] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo
Testamento, p. 225, localiza esse acontecimento no
“segundo advento” de Cristo.
[180] Os versículos 5 e 6 mostram que a enfermidade
do versículo 4 é uma metá fora para o pecado e a
iniquidade.
[181] O ato de justificar é uma açã o jurídica que
significa “considerar inocente”. Para tanto, é
necessário retirar a “culpa” do transgressor. Nesse
caso, a culpa do homem nã o é desconsiderada, mas é
retirada mediante a condenaçã o do “servo do Senhor”
no lugar do pecador. Desse modo, a culpa do homem
justificado nã o deixa de ser punida.
[182] Citaçõ es ou alusõ es de Isaías 53 no Novo
Testamento: Jo 12.38; Rm 10.16 (53.1); Lc 18.31-33
(53.3); Mt 8.17 (53.4); 1Pe 2.24 (53.5); Mt 26.63;
27.14; At 8.32 (53.7); Mt 27.57-60; 1Pe 2.22 (53.9);
1Pe 1.11 (53.11); Mc 15.28; Lc 22.37 (53.12).
[183] J. Ridderbos, Isaías : Introduçã o e Comentá rio, p.
420. Para ver outras opçõ es de identificaçã o do “servo
do Senhor” em Isaías e uma ó tima defesa da
identidade messiâ nica na pessoa de Cristo, ver p. 420-
424. Outro material excelente nesse sentido é o tó pico
“O servo sofredor” de Ralph Smith, Teologia do Antigo
Testamento, p. 395-402.
[184] Howard F. Vos, Beginnings in the Old Testament,
p. 144.
[185] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 845, nota nº1
referente ao capítulo 51, em referência à afirmaçã o de
que no Antigo Testamento a palavra Messias nã o é
utilizada no sentido técnico neotestamentá rio, diz que
“alguns estudiosos lêem ‘Messias’ em Dn 9.25s., mas lá
nã o é acompanhado de artigo, sendo melhor traduzir
‘um príncipe ungido’ (NRSV)”.
[186] A “unçã o” também era usada na consagraçã o dos
sacerdotes (Ex 28.41; 29.1,7; 30.30; Lv 8.12,30; Nm
3.3) e dos utensílios do taberná culo (Ex 30.26; 40.9-
15; Lv 8.10-12; Nm 7.1,10).
[187] A palavra “dilú vio” cumpre aqui uma funçã o
claramente metafó rica, em vista da aliança divina feita
com Noé (Gn 9.11).
[188] Flá vio Josefo, Histó ria dos Hebreus, p. 1364-
1366. Para ver a terrível fú ria com que os soldados
romanos destruíram a cidade e exterminaram as
pessoas e, também, o terrível sofrimento
experimentado pelos judeus, prosseguir a leitura até a
pá gina 1384.
[189] O Novo Testamento tem um paralelo perfeito
dessa tríade na oraçã o ensinada por Jesus: “Pois teu é
o reino, o poder e a gló ria para sempre. Amém!” (Mt
6.13b). Como faz parte de uma oraçã o a Deus, a
divindade do Messias seria ainda mais ressaltada.
Entretanto, trata-se de um trecho cuja autenticidade é
questioná vel. Bruce M. Metzger e United Bible
Societies, A Textual Commentary on the Greek New
Testament, p. 14, diz que “a ausência de qualquer
citaçã o em representantes antigos e importantes de
Alexandria ( ‫ א‬B), do ocidente (D e a maioria dos
latinos antigos) e em outros tipos de texto (f 1 ), bem
como em antigos comentá rios patrísticos sobre a
Oraçã o do Senhor (como Tertuliano, Orígenes,
Cipriano), sugere que uma atribuiçã o, geralmente em
uma forma tríplice, foi [posteriormente] composta
(talvez com base em 1Cr 29.11-13) a fim de adaptar a
Oraçã o para o uso litú rgico na igreja primitiva”.
[190] Joyce G. Baldwin, Daniel : Introduçã o e
Comentá rio, p 163.
[191] Para ver outras propostas de interpretaçã o do
“Filho do homem” em Daniel 7.14, consultar Joyce G.
Baldwin, Daniel : Introduçã o e Comentá rio, p. 157-163.

[192] Definiçã o formulada por Carlos Osvaldo Cardoso


Pinto em aula do curso de Mestrado em Teologia e
Exposiçã o Bíblica do Antigo Testamento, no Seminário
Bíblico Palavra da Vida, em Atibaia (SP), em junho de
2011.
[193] O Novo Testamento também tem exemplos de
salvaçã o pessoal, como nos casos de Jesus (Mt 2.13-
15), de Pedro (At 12.6-11) e de Paulo (At 27.23-26 cf.
42-44). Entretanto, esse conceito nã o recebe destaque
quando comparado à ênfase na mensagem da salvaçã o
espiritual pela fé em Cristo.
[194] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
158, diz: “A maior parte do Antigo Testamento diz
respeito a Israel como naçã o ou grupo; assim, a
principal funçã o de Javé como Deus salvador era livrar
Israel de seus inimigos”.
[195] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento,
p. 130. Merrill ainda destaca outro momento de
especial redençã o para Israel como a restauraçã o
escatoló gica da naçã o.
[196] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 77, mostra que essa atividade
continuou a ser marcante depois da saída do Egito
através de “uma série de atos miraculosos de Deus por
meio dos quais ele redimiu, libertou e sustentou o seu
povo” (destaque meu).
[197] Para outros exemplos da salvaçã o
pessoal/nacional, consultar os contextos de Jz 2.18;
1Sm 14.23; 2Rs 14.27; 2Cr 32.22; Sl 37.39,40; 144.10;
Is 10.24,25; 31.5.
[198] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
293.
[199] John F. Walvoord et al , The Bible Knowledge
Commentary : An Exposition of the Scriptures, vol. 2, p.
801.
[200] Dizemos isso em termos gerais que nã o incluem
os casos em que doenças contagiosas podem ser
transmitidas mesmo a partir de um cadáver.
[201] Na época, o termo lepra definia vá rias afecçõ es
cutâ neas – também nas roupas e nas casas – e não
somente a “Hanseníase”.
[202] Para um tratamento mais detalhado dos meios
de se tornar impuro e de se purificar na lei de Moisés,
consultar Walter A. Elwell e Philip W. Comfort (Eds.),
Tyndale Bible Dictionary, p. 290-292.
[203] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento,
p. 130.
[204] Apesar de o texto ter sido usado por Cristo com
referência à sua obra redentora (Lc 4.17-21) – sendo
assim reconhecido como profecia messiânica –, no
contexto de Isaías também se aplica a ele como
pregador da verdade. J. Ridderbos, Isaías : Introduçã o
e Comentá rio, p. 491, diz sobre Isaías 61.10: “O orador
do versículo 1 tem estado em segundo plano desde o
versículo 4, a fim de permitir uma elaboraçã o do
conteú do desta mensagem redentora. Agora ele vem
novamente para primeiro plano. Ele fala da sua alegria
no Senhor, que acaba de ser descrita. Quando ele diz
que foi vestido com vestes de salvaçã o, e que a
salvaçã o lhe foi dada, e que, portanto, ele é possuidor
dela, em parte ele está relacionando-se com o que os
versículos 1-3 haviam dito dele como pregador, e
desta forma portador daquela salvaçã o”.
[205] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemá tica, p. 790.
[206] Ver também Sl 30.9; 88.10-12; 115.17; Is
38.18,19.
[207] Davidson, Theology of the Old Testament, p. 425,
in Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p. 361.

[208] Gese, Death in the Old Testament, p. 299, in


Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p. 359.
[209] Joyce G. Baldwin, Daniel : Introduçã o e
Comentá rio, p 216-217.
[210] Samuel J. Schultz, A Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 33, liga tal relacionamento a uma
atitude especial da parte de Deus para com o servo: “A
comunhã o íntima e companheirismo que havia entre
Deus e Abraã o é algo belamente retratado no décimo
oitavo capítulo [de Gênesis], onde ele intercede em
favor de Sodoma e Gomorra. Talvez seja com base em
Is 41.8 [...] que a traduçã o da Septuaginta tenha
inserido as palavras “meu amigo” em Gn 18.17.
Através dos séculos, desde entã o, o portã o sul de
Jerusalém, que conduz a Hebrom e Berseba, tem sido
intitulado de “portã o da amizade”, em memó ria a esse
relacionamento entre Deus e Abraã o”.
[211] Grau Hitpael (wayyithallek). Luis Alonso
Schö kel, Dicionário Bíblico Hebraico-Português, p.
180, informa que o verbo “halak” (andar) no grau
Hitpael, associado à preposiçã o “et” – como é o caso
em Gênesis 5.22,24 –, significa “andar com”, “proceder
de acordo com”.
[212] Kenneth A. MATHEWS , New American
Commentary : Genesis 1–11:26, p. 313.
[213] Timothy J. Cole, “Enoch, a Man Who Walked
with God”, p. 290. A fraseologia foi adaptada à versã o
na língua portuguesa Almeida Revista e Atualizada.
[214] Hebreus 11.5,6 nã o deixa espaço para que
alguém “ande com Deus” sem que antes tenha tido “fé”,
à qual o Novo Testamento liga exclusivamente à
pessoa de Cristo e sua obra.
[215] Derek Kidner, Gênesis : Introduçã o e
Comentá rio, p. 81.
[216] Franklin Ferreira e Alan Myatt, Teologia
Sistemá tica, p. 858.
[217] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
135.
[218] R. Alan Cole, Ê xodo : Introduçã o e Comentário,
p. 126.
[219] J. A. Thompson, Deuteronô mio : Introduçã o e
Comentá rio, p. 167, enfatiza o cará ter do
relacionamento ideal do povo com Deus, dizendo:
“Confrontado com tal teste, Israel deveria continuar a
andar apó s Javé, a temê-lo, a guardar seus
mandamentos, a obedecê-lo e a apegar-se a ele”.
[220] Ao dizer “andou comigo em paz”, parece fazer
mençã o ao levita Fineias, neto de Arã o, cuja açã o de
punir um israelita e uma midianita adoradora de Baal-
Peor, apaziguou a ira de Deus preservando, assim, os
israelitas. Por isso, Deus fez com ele uma “aliança de
paz” (Nm 25.10-13).
[221] Timothy J. Cole, “Enoch, a Man Who Walked
with God”, p. 293.
[222] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
138.
[223] Oskar Skarsaune, À Sombra do Templo, p. 88.
[224] Paulo desencoraja os cristã os de se colocarem
sob a lei (Gl 5.2-4; Cl 2.16-23) e o faz de modo enfá tico
(Gl 4.9-11; 5.11,12).
[225] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo
Testamento, p. 107.
[226] F. F. Bruce, Israel and the Nations, p. 15.
[227] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
335.
[228] Andrew Hill e John H. Walton, Panorama do
Antigo Testamento, p. 107.
[229] Ronald Youngblood, The Heart of the Old
Testament, p. 71.
[230] R. Alan Cole, Ê xodo : Introduçã o e Comentário,
p. 149-150.
[231] A frase “assim diz o Senhor” (“koh amar y e
hwâ ”, em hebraico) aparece na Bíblia Hebraica mais de
130 vezes. O tetragrama (“y e hwâ ”, em hebraico),
quase 4.800 vezes. Algumas versõ es das Escrituras
traduzem “y e hwâ ” como Senhor grafando-o com
caracteres em formato caixa-alta – “ SENHOR ” – para
diferenciá -lo de “adonai” – “Senhor”.
[232] R. Alan COLE , Ê xodo : Introduçã o e Comentá rio,
p. 151.
[233] Eugene Merrill, “Uma Teologia do Pentateuco”,
in Roy Zuck, Teologia do Antigo Testamento, p. 51.
[234] Marcos Granconato, A Essência do Evangelho
de Paulo, p. 12, fala sobre a natureza dos problemas
das igrejas da Galá cia, explicando qual era o “outro
evangelho” acusado por Paulo: “De fato, fica claro em
toda a carta que os crentes da Galá cia estavam
acolhendo os ensinos de mestres judaizantes que
afirmavam a necessidade dos cristã os se submeterem
à lei judaica. Mesmo sendo provavelmente em sua
maioria gentios (cf. At 13.46-52), aqueles crentes
viram certo atrativo na mensagem dos mestres
legalistas”.
[235] A ordem paulina prevê, na sequência (Ef 6.4), a
autoridade dos pais de criar e disciplinar os filhos.
[236] Quando Paulo escreveu isso, a autoridade era o
governo do Império Romano, ainda que esse fosse
mantido por homens de idoneidade questioná vel e
ligados a uma adoraçã o pagã . Assim, ser “ministro de
Deus”, nesse caso, nã o implica justiça humana ou
submissã o ao Deus ú nico, mas ser um instrumento nas
mã os soberanas de Deus para punir o mal.
[237] Agostinho de Hipona, “Contra Faustum
Manichaeum”, XXII, 73, in Philip Schaff, The Nicene
and Post-Nicene Fathers, Vol. 4, p. 300. Para ver toda a
argumentaçã o de Agostinho sobre a guerra justa, ver
parágrafos 73-79 (p. 300-304).
[238] Douglas K. Stuart, The New American
Commentary : Exodus, p. 463, nota 66, cita W. L.
Moran, “The Scandal of the ‘Great Sin’ at Ugarit,” JNES
18 (1959): 280–81, afirmando que a expressã o
“grande pecado”, que aparece em Gn 20.9, Ex
32.21,30,31 e 2Rs 17.21 para descrever o adultério,
fazia parte da linguagem conhecida de textos
ugaríticos e egípcios. Com isso, fica evidente que o
mesmo conceito do adultério, como algo negativo que
devia ser evitado, estava presente nas diversas
culturas antigas e nã o apenas entre os israelitas.
[239] R. Alan Cole, Ê xodo : Introduçã o e Comentá rio, p.
154.
[240] Noel Osborn e Howard Hatton, A Handbook on
Exodus, p. 480.
[241] Carl Friedrich Keil e Franz Delitzsch, Biblical
Commentary on the Old Testament : The Pentateuch
(Vol. 2), p. 124.
[242] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento,
p. 337-338.
[243] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
329.
[244] “Lei de taliã o” (talio, em latim, significa
“idêntico”). É um tipo de lei de reciprocidade
encontrado no có digo de Hamurabi (c.1780 a.C.),
muito conhecido por meio do princípio “olho por olho,
dente por dente”.
[245] R. K. Harrison, Introduction of the Old
Testament, p. 584.
[246] Francis Brown, S. R. Driver e Charles Briggs,
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon, p. 349.
[247] J. Ridderbos, Isaías : Introduçã o e Comentá rio, p.
383.
[248] É prová vel que a maioria dos teó logos concorde
que o pilar de suma importância da Reforma foi a
“salvaçã o pela fé somente”.
[249] Para saber mais sobre esse debate, consulte
Martinho Lutero, Nascido Escravo, Editora Fiel.
[250] “Câ nones de Dort” ( I .7) in Franklin Ferreira e
Alan Myatt, Teologia Sistemá tica, p. 742.
[251] Ao nomeá -la como “doutrina reformada”, nã o
ignoramos que homens anteriores à Reforma a
defenderam magistralmente, como é o exemplo de
Agostinho de Hipona, cujo trabalho nesse campo
embasou a compreensã o bíblica dos reformadores.
[252] Atos e Apocalipse, entre outros, têm importantes
contribuiçõ es à doutrina.
[253] Na verdade, o anú ncio feito por Isaías foi
primeiro feito a Abraã o (Gn 12.3). Paulo faz essa
associaçã o na carta aos Gá latas: “Ora, tendo a Escritura
previsto que Deus justificaria pela fé os gentios,
preanunciou o evangelho a Abraã o: Em ti, serã o
abençoados todos os povos” (Gl 3.8 – destaque meu).
[254] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 13.
[255] É límpido o fato de que Jacó foi escolhido para
dar sequência à linhagem abraâ mica da promessa.
[256] A eleiçã o incondicional é destacada por Paulo na
escolha entre os filhos de Isaque: “E ainda nã o eram os
gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o
mal (para que o propó sito de Deus, quanto à eleiçã o,
prevalecesse, nã o por obras, mas por aquele que
chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do
mais moço. Como está escrito: Amei Jacó , porém me
aborreci de Esaú ” (Rm 9.11-13 – destaque meu).
[257] Walter Eichrodt, Teologia do Antigo Testamento,
p. 959, reconhece nos israelitas, já no período da
composiçã o de 2Macabeus (c. 90 a.C.), um conceito
que ele chama de “certeza de uma eleiçã o ou uma
rejeiçã o eterna do indivíduo”. 
[258] O verbo hebraico “yadá ” significa “conhecer”, ou
também “distinguir”, e é associado a Israel como “povo
escolhido” (Francis Brown, S. R. Driver e Charles
Briggs, Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and
English Lexicon, p. 393-394, § 2).
[259] Arã o também foi alvo de uma escolha para uma
tarefa específica – veremos adiante –, mas, nesse caso,
sua atuaçã o está ligada à escolha de Moisés, de modo
que Arã o lhe serviu de porta-voz.
[260] Aqui é utilizado o verbo “bahar”, cujo significado
é “escolher”, sendo a palavra usual para refletir o ato
de Deus escolher alguém.
[261] “I chose your ancestor from all the tribes of
Israel to be my priest”.
[262] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 416.
[263] Essas datas se referem à derrubada do domínio
assírio, cujo golpe fatal se deu na queda de Aram em
609 a.C., marcando o início da hegemonia babilô nica (a
capital Nínive foi derrubada em 612 a.C., de modo que
a sede da coroa assíria foi transferida para Aram). O
domínio babilô nico teve seu fim na queda da sua
capital no ano 539 a.C. pelas mã os de Ciro, causando o
retorno dos israelitas exilados para Judá . Esse
intervalo de setenta anos cumpre o que foi previsto
por Jeremias: “Logo que se cumprirem para a
Babilô nia setenta anos, atentarei para vó s outros e
cumprirei para convosco a minha boa palavra,
tornando a trazer-vos para este lugar” (Jr 29.10 –
destaque meu).
[264] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 448, identifica o ano 740 a.C., o ano da
morte de Uzias, como o início do ministério de Isaías,
ou seja, duzentos anos antes de Ciro derrubar a
Babilô nia. Difícil é determinar em que ponto do seu
longo ministério ele previu o domínio de Ciro, já que
ele viveu até o ano 680 a.C. (p. 455).
[265] Walter Kaiser Jr., “The Theology of the Old
Testament”, p. 295.
[266] Claus Westermann, Teologia do Antigo
Testamento, p. 36.
[267] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 272.
[268] Arthur W. Pink é tomado aqui como um exemplo
de uma linha numerosa de teó logos.
[269] Arthur W. Pink, The Divine Covenants, p. 13-16.
[270] O que ocorre com a aliança noaica, acontece com
as outras alianças: abraâ mica (1Cr 16.16-18; Sl 105.9-
11), mosaica (Ex 31.16; Lv 24.8; Is 24.5), davídica
(2Sm 7.16 cf. 23.5) e a nova aliança (Jr 32.40; 50.5 cf.
31.31).
[271] Arthur W. Pink, The Divine Covenants, p. 27-31.
[272] Ibdem, p. 41. Diz ele: “Aqui estã o os elementos
constituintes de uma aliança: (1) Aí estã o as partes
contratantes, o Senhor Deus e o homem; (2) aí está
uma estipulaçã o ordenada, à qual o homem (assim
como era seu dever) estava ligado para cumprir; (3) aí
está uma penalidade prevista, que ocorreria no caso
de falha; (4) ali estava, como implicaçã o clara e
necessária, uma recompensa prometida, a que Adã o
seria liberto pelo seu cumprimento da condiçã o; (5) a
“á rvore da vida” era o sinal divino ou a ratificaçã o da
aliança, como o arco-íris foi o sinal da aliança que Deus
fez com Noé”.
[273] Ibdem, p. 57-58.
[274] Francis Brown, S. R. Driver e Charles Briggs,
Enhanced Brown-Driver-Briggs Hebrew and English
Lexicon, p. 136-137, dá vá rios sentidos para “berît”,
como aliança, pacto, tratado ou acordo.
[275] James Swanson, Dictionary of Biblical Languages
with Semantic Domains : Hebrew (Old Testament),
verbete n° 4162, diz que “karat”, além do sentido
bá sico de cortar, significa “fazer aliança”,
“formalmente fazer um solene acordo entre partes,
com estipulaçõ es, benefícios e responsabilidades,
como uma expressã o de cortar um animal como modo
de fazer algumas alianças (1Sm 20.16)”. Esse sentido –
cortar animais na celebraçã o de uma aliança – pode
ser visto em Gênesis 15.10 (cf. v.17,18) e Jeremias
34.18.
[276] Para uma aná lise sucinta, mas interessante
sobre a ideia e a importância da “aliança” na teologia
do Antigo Testamento, ver Ralph Smith, Teologia do
Antigo Testamento, p. 132-139.
[277] O sinal dessa aliança foi a instituiçã o de um arco
nas nuvens (Gn 9.12-17).
[278] Derek Kidner, Gênesis : Introduçã o e
Comentá rio, p. 95.
[279] John F. Walvoord, Israel in Prophecy, p. 61-62.
[280] NET Bible, nota 14, em Gn 17.5, informa o
significado de “Abrã o” como “pai exaltado”, sendo uma
prová vel homenagem a Terá , pai de Abraã o. Já , o nome
“Abraã o” significa “o pai de uma multidã o”. Essa
mudança de nome ocorre em Gênesis 17.5 por
iniciativa de Deus.
[281] Walter Kaiser Jr., Teologia do Antigo
Testamento, p. 91.
[282] Cross, Canaanite Myth and Hebrew Epic, p. 265-
266, in Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
146, afirma que rituais semelhantes foram
encontrados em Má ri, Alalakh e Aslan Tash.
[283] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento,
p. 243.
[284] Apesar de Ronald Youngblood, The Heart of the
Old Testament, p. 43, enxergar em Gênesis 15 o
formato de um tratado de suserania hitita, boa parte
dos teó logos afirma que a de aliança abraâ mica segue
a forma de uma “aliança de doaçã o real” (Carlos
Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e Desenvolvimento no
Antigo Testamento, p. 29 – apesar de ele reconhecer o
formato de tratado de suserania e vassalagem em
Gênesis 17.1-27 – e Eugene Merrill, “Uma Teologia do
Pentateuco”, in Roy Zuck, Teologia do Antigo
Testamento, p. 39 – ele chama esse modelo de
“concerto de concessã o de terras”, seguindo Moshe
Weinfeld, “The Covenant of Grant in the Old Testament
and in the Near East”, in Journal of the American
Oriental Society, 90, 1970, p. 184-203).
[285] Thomas V. Brisco, Holman Bible Atlas, p. 155.
[286] Ele também condiz geograficamente com outras
referências ao “rio do Egito”, visto que é associado à s
localidades no limite sul do territó rio israelita da
época (Nm 34.5; Js 15.4,47; 2Rs 24.7; 2Cr 7.8). Um
ó timo texto sobre o assunto, que vale a pena ser
consultado, é Kenneth A. Kitchen, “Rio do Egito”, in J.
D. Douglas (ed.), O Novo Dicioná rio da Bíblia, vol. 1, p.
482-484.
[287] John F. Walvoord et al, The Bible Knowledge
Commentary : An Exposition of the Scriptures, vol. 1, p.
56.
[288] Derek Kidner, Gênesis : Introduçã o e
Comentá rio, p. 117.
[289] Kenneth A. Mathews, New American
Commentary : Genesis 11.27–50:26, p. 177.
[290] H. D. M. Spence (Ed.), The Pulpit Commentary:
Genesis, p. 422, diz: “A referência aos reis israelitas
nesse ponto tem sido explicada como uma evidência
de uma autoria pó s-mosaica (Le Clerc, Bleek, Ewald,
Bohlen, et alii), ou, pelo menos, como uma
interpolaçã o tardia de 1Crô nicas 1.43 (Kennicott, A.
Clarke, Lange), mas é suficientemente explicado pela
recordaçã o de que, em Gênesis 35.11, foram
prometidos reis a Jacó ”. Ver também Gênesis 17.6,16 e
49.10.
[291] O termo “hebreus”, nessa descriçã o, nã o se
refere à naçã o de Israel (visto que Deus garante à
naçã o israelita as suas bênçã os e sua permanência),
mas a uma linhagem vinda de Héber. Gênesis 10.21
mostra que Héber deu origem aos povos semitas,
dentre os quais Israel é apenas um deles. Talvez,
desejando evitar essa confusã o, o Targum Onkelos
(uma antiga traduçã o aramaica do Pentateuco
hebraico usada nas sinagogas) definiu Héber, em
Nú meros 24.24, como “Héber do Eufrates” (“evar p e
rat”), apontando para os semitas do Norte e/ou da
Mesopotâ mia e excluindo, com isso, os israelitas desse
grupo.
[292] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 130.
[293] Isso foi tratado no tó pico “A Promessa da
Salvaçã o”, no capítulo 6.
[294] Esses resumos das alianças baseiam-se em um
material de aula sobre “o relacionamento das alianças”
produzido por Carlos Osvaldo Cardoso Pinto.
[295] John Bright, Histó ria de Israel, p. 188.
[296] Edward J. Young, Introduçã o ao Antigo
Testamento, p. 47-48.
[297] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Fundamentos
para Exegese do Antigo Testamento, §19.11, p. 140.
[298] Segundo as Escrituras, Moisés nã o foi o ú nico
mediador dessa aliança. Os anjos também agiram
como intermediá rios da aliança mosaica (At 7.53; Gl
3.19; Hb 2.2 cf. Dt 33.2; Sl 68.17). Essa realidade nã o
estava presente somente no pensamento dos teó logos,
mas do povo em geral. Herodes, em um discurso a fim
de encorajar os israelitas em uma batalha contra os
á rabes, diz “que recebemos de Deus as nossas santas
leis, pelo ministério dos anjos, que sã o os seus arautos
e mensageiros” (Flá vio Josefo, Histó ria dos Hebreus, p.
704-705 – destaque meu).
[299] Ronald Youngblood, The Heart of the Old
Testament, p. 69.
[300] George E. Mendenhall, “Covenant Forms in
Israelite Tradition”, p 50-76.
[301] Thomas L. Constable, “Uma Teologia de Josué,
Juízes e Rute”, in Roy Zuck, Teologia do Antigo
Testamento, p. 118, afirma que Deus lançou mã o da
imagem do rei (suserano) sobre os seus sú ditos
(vassalos), na forma de uma “analogia” para descrever
sua relaçã o com Israel.
[302] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 75.
[303] Roland de Vaux, Instituiçõ es de Israel no Antigo
Testamento, p. 335, explica o que vem a ser esse
“Testemunho”: “O ‘Testemunho’ ou ‘Lei solene’ sã o as
duas ‘tá buas do Testemunho’, as tá buas da Lei
recebidas de Deus (Ex 31.18) e depositadas na arca
(Ex 25.16; 40.20). Por essa razã o, a Tenda que contém
a arca será chamada de Tenda do Testemunho (Nm
9.15; 17.22; 18.2)”.
[304] Levando em conta que em Deuteronô mio a
aliança já estava sendo ensinada e renovada na
segunda geraçã o de israelitas depois do êxodo,
Raymond Brown, Entendendo o Antigo Testamento, p.
38, observa que ela já vislumbra o ensino subsequente
da lei às geraçõ es seguintes: “A passagem que se
encontra no início (Dt 5.1-27) lembra à congregaçã o
reunida os Dez Mandamentos que lhe foram dados em
Horebe, e é-lhe dito que nã o pertencem ao passado,
mas devem cuidadosamente transmiti-los para os
filhos, nas geraçõ es sucessivas (Dt 5.28–6.25)”.
[305] Exemplos da aplicaçã o desse estatuto nas
geraçõ es futuras podem ser vistos em Js 8.34,35; 2Rs
23.2; Ne 8.1-8,13,18; 9.3.
[306] R. K. Harrison, Introduction of the Old
Testament, p. 117, diz que o có digo hitita enfatizava a
inviolabilidade dos juramentos, alianças e tratados,
assim como outros sistemas de jurisprudência do
Oriente Médio Antigo.
[307] Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p.
148.
[308] Para ver um grá fico que delineia o tratado de
suserania nos dois conjuntos da aliança – alianças
sinaítica e palestiniana –, além da renovaçã o da aliança
em Josué 24, consultar John F. Walvoord et al, The
Bible Knowledge Commentary : An Exposition of the
Scriptures, vol. 1, p. 137.
[309] Apesar disso, Walter Eichrodt, Teologia do
Antigo Testamento, p. 33, mostra que, com o tempo, a
prá tica externa dos ritos como “sacrifícios,
celebraçõ es, peregrinaçõ es e jejuns, trouxeram
consigo o esquecimento do aspecto ético-social das
exigências divinas”. Por isso, um clamor dos profetas
era a obediência que ia além dos ritos: “Pois
misericó rdia quero, e nã o sacrifício, e o conhecimento
de Deus, mais do que holocaustos” (Os 6.6). Roland de
Vaux, Instituiçõ es de Israel no Antigo Testamento, p.
492, ao comentar os textos Os 6.6 e 1Sm 15.22, diz que
“os profetas se opõ em ao formalismo de um culto
exterior, ao qual nã o correspondem as disposiçõ es do
coraçã o”.
[310] Samuel J. Schultz, A Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 141.
[311] Eugene Merrill, Histó ria de Israel no Antigo
Testamento, p. 251-256.
[312] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 299-300.
[313] O texto de 2Samuel 7, que estamos tratando
como celebraçã o da aliança davídica, nã o contém a
palavra “aliança” (“berît”, em hebraico). Entretanto,
nas ú ltimas palavras de Davi – 2Samuel 23.5 – ele se
refere a essas promessas como sendo uma “aliança”
(Ralph Smith, Teologia do Antigo Testamento, p. 149).
[314] Especialmente Lv 26.17,25,29,32-34,38 e Dt
28.25,36,48-57. Destaque especial para: “O Senhor te
levará e o teu rei que tiveres constituído sobre ti a uma
gente que nã o conheceste, nem tu, nem teus pais; e ali
servirá s a outros deuses, feitos de madeira e de pedra”
(Dt 28.36).
[315] Isaías previu o mesmo, dizendo: “Porque um
menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo
está sobre os seus ombros; e o seu nome será:
Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz; para que se aumente o
seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de
Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar
mediante o juízo e a justiça, desde agora e para
sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto” (Is
9.6,7 – destaque meu). Jeremias também associa esse
reinado ao governo da naçã o israelita (Jr 23.5,6; 33.15-
17).
[316] Do verbo grego “gínomai”, que significa “ser
feito”, “tornar-se”, “tomar lugar” (W. Arndt, F. W.
Danker e W. Bauer, A Greek-English Lexicon of the
New Testament and other Early Christian Literature,
p. 196-199). Comprar esse sentido ao texto
subsequente: “Graças te damos, Senhor Deus, Todo-
Poderoso, que és e que eras, porque assumiste o teu
grande poder e passaste a reinar” (Ap 11.17 –
destaque meu).
[317] Ver Miquéias 4.1-3 cf. 5.2.
[318] Gerhard von Rad, Teologia do Antigo
Testamento, p. 656, afirma que, na profecia clá ssica,
prediçõ es de desgraça e prediçõ es de salvaçã o
estavam abruptamente lado a lado.
[319] Carlos Osvaldo Cardoso Pinto, Foco e
Desenvolvimento no Antigo Testamento, p. 597,
mostra que o livro todo segue a mesma dinâ mina, pelo
que propõ e como mensagem do livro o seguinte: “A
salvaçã o prometida por Yahweh consiste na remoçã o
da presente ordem rebelde e no estabelecimento de
uma ordem teocêntrica sob a direçã o de seu Servo, em
quem as bênçã os universais sã o concretizadas”.
[320] F. F. Bruce, Israel and the Nations, p. 81.
[321] R. K. Harrison, Jeremias e Lamentaçõ es :
Introduçã o e Comentá rio, p. 109.
[322] Agostinho de Hipona, Confissõ es, p. 294.
[323] Paulo apresenta uma utilidade da lei na salvaçã o
do perdido, nã o produzindo justiça, mas, por meio da
produçã o da condenaçã o, mostrar ao pecador a
necessidade que tem de Cristo (Gl 3.22-25).
[324] “Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas
contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênçã o e a
maldiçã o; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a
tua descendência” (Dt 30.19).
[325] Eugene Merrill, Teologia do Antigo Testamento,
p. 509.
[326] Paul House, Teologia do Antigo Testamento, p.
435.
[327] Gerhard von Rad, Teologia do Antigo
Testamento, p. 657, ao comentar Ezequiel 36.24-28,
diz: “A palavra ‘aliança’ nã o figura aqui, mas isso nã o
tem importâ ncia (em outras passagens, Ezequiel
chamou o evento salvífico de aliança – Ez 34.25;
37.26), pois, por seus conteú dos paralelos, esse texto
apresenta traço por traço uma estreita
correspondência com a perícope de Jeremias sobre a
nova aliança (Jr 31.31s)”.
[328] John B. Taylor, Ezequiel : Introduçã o e
Comentá rio, p. 207.
[329] David Allan Hubbard, Joel e Amó s : Introduçã o e
Comentá rio, p. 78.
[330] Robert B. Chisholm Jr., “Uma Teologia de
Jeremias e Lamentaçõ es de Jeremias”, in Roy Zuck,
Teologia do Antigo Testamento, p. 384.
[331] William LaSor, David Hubbard e Frederic Bush,
Introduçã o ao Antigo Testamento, p. 397.
[332] Essa “aliança de paz” é uma referência à futura
aliança anunciada por Jeremias, a qual chamou de
“nova aliança” (Jr 31.31). O nome “aliança de paz” nã o
designa outra aliança, mas fornece o cará ter da nova
aliança como promotora de paz entre Israel e Deus (Jr
32.40) e provedora de paz na habitaçã o da terra
prometida (Jr 32.41 cf. Mq 5.4).
[333] Nã o tratamos aqui da relaçã o atual da nova
aliança com a igreja – isso é assunto para uma
Teologia do Novo Testamento. Concentramo-nos na
apresentaçã o da nova aliança nos moldes e com os
resultados previstos no Antigo Testamento. Pode-se –
deve-se – também frisar que a provisã o para tal
celebraçã o já foi providenciada na cruz, pelo
derramamento do sangue da nova aliança (cf. Lc
22.20).

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